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(O)Posição Pelo Riso: O Humor Como Estratégia Discursiva no Jornalismo

Alternativo Capixaba 1

Caroline BANDEIRA 2
Julia PELLEGRINI 3
Raquel DORNELAS 4
Universidade Vila Velha, Espírito Santo, ES

Resumo

Este trabalho apresenta uma discussão a respeito do uso do humor como estratégia
discursiva no jornalismo alternativo no contexto da ditadura militar brasileira. Buscamos
em Kucinski (2001), Bergson (1983) e Propp (1992) esclarecer as particularidades, bem
como o papel da imprensa alternativa e o uso do humor no contexto regional do Espírito
Santo. Para tal, o recorte empírico escolhido foram as dez primeiras capas do jornal
Posição, que circulou pelo estado entre os anos de 1976 a 1979.

Palavras-chave: jornalismo alternativo; humor; ditadura militar; Jornal Posição.

Introdução

O jornalismo, como o conhecemos hoje, apenas se consolidou muito recentemente.


Sua função se modernizou com o avanço do século XX, quando as faculdades começaram a
existir, os profissionais se especializaram e o ofício se inseriu em uma lógica de mercado.
Segundo Traquina (2005), o jornalismo tem algumas características inerentes que permitem
aos profissionais exercerem suas funções de maneira plena. Há um modo específico de
enxergar a realidade, com o intuito de analisar e entender o mundo e extrair aquilo que é
possível para desenvolver matérias; um modo específico de agir, ou seja, saber que
perguntas fazer, hierarquizar e priorizar informação, produzir a pauta; e um modo
específico de se comunicar – o linguajar que fará com que aquela notícia possa ser
compreendida por diversas pessoas.

1
Trabalho apresentado no GT História da Mídia Alternativa integrante do 11º Encontro Nacional de História da Mídia.
Trabalho concorrente ao Prêmio José Marques de Melo de Estímulo à Memória da Mídia - 2017
2
Estudante de Graduação 5º semestre do Curso de Jornalismo da UVV, email: carolineviviana@gmail.com.
3
Estudante de Graduação 5º semestre do Curso de Jornalismo da UVV, email: juliauliana.pe@gmail.com.
4
Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Jornalismo da UVV, email: raquel.dornelas@uvv.br.

1
Além de todos esses atributos, o jornalismo se baseia em preceitos para seu exercício
“ideal” e que alimentam o imaginário do ofício, como a imparcialidade, a neutralidade, a
clareza na exposição dos fatos, a checagem da veracidade das informações etc. Como um
serviço para a sociedade, o jornalismo se encarrega, então, de informar, entreter, educar e
promover reflexão sobre a realidade em seus leitores. No entanto, é de conhecimento geral
que os pilares do jornalismo moderno são postos à prova todos os dias, devido à rotina
corrida dos profissionais, à grande demanda de trabalho e à quantidade de matérias a serem
produzidas, o que põe em cheque, também, a qualidade dos produtos jornalísticos; as
notícias, por fim. Não podemos esquecer também que a internet possibilitou outras vias de
produção de conteúdo, para além do circuito noticioso tradicional.
A crise de identidade do jornalismo perpassa interesses pessoais e econômicos, pois o
fator norteador da conduta dos profissionais, “prestar um serviço à população”, é
abrangente e necessita de um exame diário. Não se faz jornalismo apenas sabendo os modos
específicos de enxergar, agir e comunicar; é necessário também que haja espaço para que o
enquadramento dado à realidade possa dar lugar a notícias que tenham impacto e
relevância, para que as pessoas possam decidir livremente, para que promovam reflexão e
debate. Assim, a imprensa não deve divulgar um mundo “irreal”, manipulando,
intencionalmente ou não, uma percepção o mais verossímil possível da realidade.
Em momentos de tensão política, como na ditadura militar brasileira, que durou de
1964 a 1985, o jornalismo se faz presente de duas formas distintas: continua seu
funcionamento sob a pressão da censura – e também da autocensura, quando o próprio
veículo ou os jornalistas moldam as notícias ao olhar da empresa e não consideram a
matéria “própria” para divulgação no lugar onde trabalham –, retratando a realidade com os
olhos do governo vigente; ou dá lugar a um jornalismo periférico, mas de grande
importância para a sociedade e para o exercício das competências da profissão, que é o
jornalismo alternativo.
Entre os inúmeros jornais alternativos que surgiram no Espírito Santo e no Brasil no
período ditatorial pós 1964, este trabalho tem como objetivo se debruçar sobre um veículo
específico: o jornal Posição, que circulou de 1976 a 1979 no estado.
O Posição marcou o jornalismo capixaba por opor-se à ditadura, não com ataques
diretos ao regime militar, mas por uma via indireta: denunciando, principalmente,
problemas sociais e econômicos do Espírito Santo e criticando o que eles consideravam

2
como “má gestão do governo estadual e nacional”. O jornal se caracteriza por veicular o
não dito por outros jornais capixabas de grande circulação, assumindo a função de
jornalismo alternativo e usando do humor e ironia para realizar as críticas.
Segundo Resende (2006), o Posição tinha, em média, a circulação de três mil
exemplares. Desvinculado de empresas ou grandes anunciantes, o jornal possuía linha
editorial própria. Essa certa independência financeira contribuiu para a livre escolha de
pautas, mas a não existência de uma grande infraestrutura dificultou a produção e a difusão
do periódico.
Resende (2006) também afirma que a produção do jornal era feita em Vitória, através
de uma equipe de redatores. O texto era encaminhado para Minas Gerais para ser impresso,
e só então voltava ao Espírito Santo. Já a distribuição, feita muitas vezes pelos próprios
jornalistas, era dividida entre a Grande Vitória, municípios do interior do estado e uma
pequena parte que ia para as bancas de jornais, visto que essas nem sempre vendiam o
Posição por medo de possíveis represálias por parte do governo.
Entretanto, para o jornalista Rogério Medeiros, em entrevista ao pesquisador Lino
Resende, o jornal conseguiu manter-se e atingir um público capixaba cativo, muitas vezes
dando voz à oposição.

O jornal sempre vendeu bem. A edição se esgotava poucas horas depois de chegar.
Muita gente ficava esperando o jornal. Com o resultado da venda avulsa, do
pequeno número de assinantes e da participação, pequena, da publicidade, a edição
era paga e ainda sobrava alguma coisa, para fazer frente às outras despesas (apud
RESENDE, 2006, p.18).

Apesar da sua característica de oposição – marca presente até mesmo no nome do


periódico –, o jornal não enfrentou a censura prévia permanente. Segundo Resende (2006),
destacam-se apenas, em sua história, casos esporádicos: a apreensão da edição nº14 e as
ameaças sofridas por editores do periódico.
O Posição foi um importante marco no jornalismo capixaba, como o principal veículo
que contestou o regime e que, através de uma linha editorial e de produção própria,
conseguiu manter-se em circulação durante a ditadura, apontando os problema sociais,
políticos e econômicos do Espírito Santo. Diante de sua relevância e singularidade na
história do jornalismo capixaba, o Posição foi escolhido como objeto de estudo deste

3
trabalho. A fim de termos um melhor aproveitamento do material empírico, limitamos o
recorte analisado às capas das dez primeiras edições.
Este trabalho se insere no projeto de pesquisa “Relatos Ausentes”, iniciado em 2013
por professores e alunos do curso de Jornalismo na Universidade Vila Velha (UVV-ES),
com o intuito de estudar a imprensa capixaba no período ditatorial brasileiro. O Posição já
foi objeto de análise de estudos anteriores dentro do projeto 5, mas com temática,
perspectiva e base teórica diferente deste trabalho, que busca evidenciar os traços do
jornalismo alternativo e de possíveis utilizações do humor como estratégia discursiva.

É impressão minha ou sua? O alternativo e a graça

A imprensa alternativa se instalou por todo o território nacional como uma via para
jornalistas e colaboradores que desejavam propagar algo diferente, que tentavam mudar a
realidade do país – mesmo que em escala reduzida. No contexto capixaba, o jornalismo
alternativo tentava ser uma prática que buscaria beneficiar a população. A grande mídia por
todo o estado possuía, além dos próprios interesses ao veicular ou não certos conteúdos, o
papel de divulgar aquilo que o governo desejava que fosse publicado, e não o que o próprio
jornal acreditava como sendo relevante.
A capa da edição nº 7, por exemplo, explicita o papel questionador do Posição em
relação aos problemas sociais e econômicos enfrentados na época, considerados mais
relevantes, no período da concepção das primeiras edições do jornal, que a legitimidade do
governo vigente. A manchete “O Sonho Acabou”, dentro de uma gota que representaria o
petróleo (considerado um dos motores do progresso nacional), foi a forma encontrada pelo
veículo para deixar claro seu tom denunciativo.

5
RONCHI, Ana Carolina; TASSIS, Nicoli. Posição: um jornal que tem lado. In: Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação, 38, 2015. Rio de Janeiro, Anais... São Paulo: Intercom, 2015. Disponível em:
<http://portalintercom.org.br/anais/nacional2015/resumos/R10-0666-1.pdf>. Acesso em: 1º Abr. 2017.

4
Figura 1: edição 7 de Posição, veiculada no dia 7 de fevereiro de 1977.

No momento da veiculação desse número, fevereiro de 1977, o país ainda enfrentava


os efeitos do fim do “Milagre Econômico” 6. A crítica por trás da chamada está no fato de
que o preço do petróleo consumido no país subiu, o que enfraqueceu a economia. A frase
complementar que aparece nesta capa, a respeito do aumento do petróleo, ajuda a entender
a interpretação do jornal sobre o que ele considerava uma atmosfera de ordem social
estremecida durante o período: “Espírito Santo Sem Pressa. Economize seu combustível e
suas ambições”.
A existência do alternativo prevê, evidentemente, o prevalecer de um modelo padrão
no campo de trabalho dos jornalistas; as duas vertentes se diferenciam no exercício diário
da profissão, nos assuntos abordados, na perspectiva que os ancora e, principalmente, na
defesa de uma corrente diferente daquela veiculada majoritariamente pela grande mídia
comercial. Kucinski (2001, p. 5) afirma que:

[...] os jornais alternativos cobravam com veemência a restauração da democracia e


do respeito aos direitos humanos e faziam a crítica ao modelo econômico. [...]
Destoavam, assim, do discurso triunfalista do governo ecoado pela grande
imprensa, gerando todo um discurso alternativo. Opunham-se por princípio ao
discurso oficial.

6
O Milagre Econômico foi um período de crescimento econômico e industrialização no Brasil vindos de governos
anteriores ao de Médici (1969-1974). Seu principal efeito, após a concentração de capital estrangeiro e desenvolvimento
das multinacionais, foi o crescimento da dívida externa, o que gerou um momento de crise no país.

5
Como exemplo, a capa da edição no 7 evidencia um aspecto negativo da situação
econômica do Brasil após o Milagre Econômico, expressando a ideia de que o período de
“progresso” trazia consequências ruins à população, já que o endividamento externo teria
minado o desenvolvimento crescente dos anos anteriores. O discurso usado pelo Posição
transparecia certa zombaria ao falar sobre o crescimento econômico e o padrão de vida dos
capixabas, que estaria sendo prejudicado; daí se justifica a frase “Economize seu
combustível e suas ambições”.
A edição de no 8 do jornal Posição, veiculada no dia 6 de março de 1977, exemplifica
a cobrança que os jornais alternativos da época estipulavam quanto ao cumprimento dos
direitos humanos. A capa exibe a chamada “Operários torturados e humilhados como se
fosse lógico (procura-se uma explicação)”, chamando a atenção do leitor para o fato de não
haver uma explicação prévia do tratamento recebido pelos operários. Assim como na
ocasião anterior, o jornal não critica explicitamente o regime, mas sim as condições com as
quais os trabalhadores são tratados, o que reflete consideravelmente as diretrizes ditatoriais
do período.
Uma questão muito pertinente ao tratarmos de alternativo ou tradicional diz respeito
ao resultado que as duas práticas levam: o alternativo, como já dissemos, se propõe a levar
informação relevante que não desponta na grande mídia – ou que tenha uma abordagem
diferenciada sobre um assunto em alta. Sob o ponto de vista da responsabilidade social que
a profissão carrega em seu cerne, não seria esse o jornalismo em essência, que é voltado
para a compreensão pública sobre diversos assuntos, incluindo aqueles à margem do
discurso hegemônico? E por que este modelo “alternativo” não se instaurou, em definitivo,
como parte integrante da imprensa?
Em decorrência do pensamento difundido no senso comum de que a imprensa nanica
(MARTINUZZO, 2005), a representação alternativa do jornalismo, teria desaparecido
devido a não ser mais “necessária” – já que o regime havia arrefecido, não havia
necessidade de uma força contrária –, Kucinski afirma que as características conferidas a
ela fizeram com que sua atuação se resumisse ao período ditatorial:

Paradoxalmente, a insistência numa distribuição nacional antieconômica, a


incapacidade de formar bases grandes de leitores-assinantes, certo triunfalismo em
relação aos efeitos da censura, tudo isso contribuiu para que a imprensa alternativa

6
não uma formação permanente, mas uma coisa provisória, frágil e vulnerável não só
aos ataques de fora como às suas próprias contradições (KUCINSKI, 2001, p. 13).

Embora haja em seu cerne um viés de oposição, o jornalismo alternativo não carece
de períodos delicados na história para se fazer presente. O discurso que diverge do oficial
não necessariamente irá contra todos os pontos e ideologias impostos neste, podendo então
diferir em certas nuances e caminhos que o discurso “padrão” segue. Acreditamos que o
alternativo pode existir através das épocas, modificando seus mecanismos internos e
intenções no discurso, e que assim o faz até os dias de hoje.
Um fator determinante para a pouca ou quase nula permanência dos jornais no
cenário da imprensa é a capacidade de se manter financeiramente – e isso implica,
inevitavelmente, na sua distribuição. A imprensa nanica por vezes tinha certa dificuldade de
manter um público cativo tanto por sua natureza quanto pelo fato de alguns jornais – como
no caso do Posição – não serem aceitos indistintamente pelas bancas. A saída era os
idealizadores, encarregados pelo pleno funcionamento do veículo ou colaboradores
tomarem para si a tarefa de distribuir os exemplares, para que estes chegassem ao seu
público de destino. O Posição era bem aceito pela população, embora também tivesse
dificuldades na distribuição em todas as bancas de jornais.
Como empresa, a grande mídia colabora e também é integrante de um sistema maior
que ela própria, que visa ao lucro através da vendagem dos produtos jornalísticos: o
capitalismo. Não seria lógico que ela fosse contra o sistema que a alimenta. Portanto, o seu
posicionamento por vezes enviesado era esperado; isso também não quer dizer, contudo,
que não pudesse ser contestado. A motivação por trás do jornalismo alternativo não era,
primeiramente, o lucro. Inclusive, muitos se recusavam a ter esse fator como objetivo.
São os jornais alternativos, em grande medida, que assumem a função de noticiar o
não dito pela grande mídia e driblar a censura, principalmente após o AI-5. José Luiz Braga
(1991) afirma que o marco político e social da década de 1970 foi a censura da imprensa. O
governo passa a ditar como e o que se deve noticiar sobre a realidade brasileira em diversas
redações. Nesse contexto, aos alternativos, era preciso, para driblar a censura, adotar
métodos e linguagens que atingissem o leitor, informando-o e, ao mesmo tempo, criticando,
mesmo que indiretamente, a ditadura. Assim, o humor, a sátira e a ironia foram grandes

7
armas contra a repressão e também como modelo de denúncia em um período tão arenoso
da nossa história.

O humor exprime‐se como uma forma de lidar com as questões mais graves e
profundas a partir de uma superfície apaziguadora mas ferina, sutil e sarcástica, que
permite um duplo e paradoxal movimento de saída de si, portanto um exercício de
alteridade, em que simultaneamente se permanece o mesmo (ACSELRAD, 2004,
p.1).

O humor, ao permitir encarar fatos com certo distanciamento, confere, ao leitor, um


outro ângulo de visão sobre o cotidiano. O jornal, ao ridicularizar decisões políticas e
personalidades que apoiavam a ditadura, buscava fazer o leitor rir das adversidades,
questionando e tentando desmoralizar o governo.
Segundo Propp (1992), o humor cumpre, também, a função de amenizar tragédias.
Usa-se da ironia e do humor para tornar cômica a dor – e um pouco mais aceitável. Ao
mesmo tempo, quando se percebe forte e real sofrimento no objeto do riso, Propp explica
que é demandado o abandono do caráter de comicidade. Uma situação deixaria, portanto, de
ser risível quando desperta uma forte comoção.
Bergson (1983) defende o humor como um trote social, capaz de mostrar os desvios
de conduta e defeitos de um objeto ou pessoa. E, ressaltando seus erros, tal elemento
discursivo é capaz de humilhar e desmoralizar o alvo da zombaria. Por isso, o humor da
crítica social está ligado à ironia e ao deboche. São os erros e deslizes que permitem
desconstruir, mesmo que por momentos, os estados de conformidade e a rigidez imposta às
pessoas. "A sociedade vinga-se através do riso das liberdades que se tomaram com ela. Ele
não atingiria o seu objetivo se carregasse a marca da solidariedade e da bondade"
(BERGSON, 1983, p. 92).
Propp (1992) classifica este tipo de humor como o "riso de zombaria". Frequente na
literatura e nas críticas sociais, objetiva destruir a “falsa grandeza” e a autoridade das
pessoas, prioritariamente em sujeitos em posições de poder, ao ressaltar seus defeitos. Tais
elementos discursivos devem ser percebidos, pelo leitor, de forma inesperada. É preciso
surpreender-se com um defeito revelado, nunca antes visto, para rir do mesmo. Eles podem
estar na aparência física (muito usado no exagero das caricaturas), na personalidade ou no
próprio agir do alvo da zombaria. O essencial é despertar as imperfeições escondidas pelo
ser humano. "A comicidade, portanto, não está nem na natureza física nem na natureza

8
espiritual [...]. Ela se encontra numa correlação das duas, onde a natureza física põe a nu os
defeitos da natureza espiritual" (PROPP, 1992, p. 46).
O autor ainda destaca que há diversas formas de promover o cômico, através, por
exemplo, da caricatura, da paródia, da ironia, entre outros. O autor ressalta, também,
algumas características do ridículo: qualquer particularidade que seja estranha ao meio em
que uma pessoa se insere pode soar ridícula aos outros. São os casos das diferenças sociais,
culturais, de costumes e até de épocas. O exagero está muito ligado ao cômico. Afinal, uma
caricatura só terá humor se exagerar as características negativas da pessoa. O humor, tanto
na linguagem textual quanto na visual, alimenta-se do exagero, do absurdo. As paródias
também se utilizam disso para ridicularizar uma fala já dita e geralmente “séria”.
Para analisar um jornal que utiliza o humor como estratégia discursiva, é preciso
atentar-se à comicidade das próprias palavras e frases. Propp (1992) ressalta três formas
linguísticas de materialização do humor: os trocadilhos, os paradoxos e as tiradas,
principalmente as que utilizam de ironia. O jornal Posição fez uso de todas as três formas.
Em diversas capas, é apresentada a estratégia de ridicularizar e mostrar imperfeições,
principalmente do governo estadual, como já foi dito. Usa-se da comicidade para apontar os
problemas cotidianos, sociais e políticos do Espirito Santo como forma de crítica e
denúncia.
O trocadilho, para Propp (1992, p.121), ocorre quando “um interlocutor compreende
um parágrafo no seu sentido amplo [...] e outro substitui esse significado por aquele mais
restrito ou literal”. Assim, uma mesma palavra, na sua ambiguidade, ao ser entendida de
modos diferentes pelo leitor, pode gerar humor. A capa da edição nº10 ironiza e ridiculariza
a situação do ensino brasileiro através da manchete e da ilustração.

9
Figura 2: edição 10 de Posição, veiculada no dia 11 de abril de 1977.

A manchete "Escolas privadas de ensino superior" joga com o duplo sentido da


palavra "privadas" a fim de criticar a educação. "Privado" pode caracterizar o substantivo
"escola", assumindo o sentido de escola particular. Mas "privado" também significa
desprovido de algo. Já a imagem do alvo, com os dizeres “universidade”, atingido por um
estudante sentado em um avião de dinheiro, é por si só uma forma de humor e crítica. O
avião simboliza que o dinheiro é o que garante o acesso à educação naquele momento da
política educacional brasileira.
Observa-se, no discurso do jornal, também o uso dos paradoxos. Eles consistem em
frases nas quais o predicado contradiz o sujeito. Ou seja, sua definição se opõe ao objeto
descrito, causando estranhamento e certo deboche. A capa da edição nº 5 do jornal contém,
em destaque, a frase "O fantástico 'aumento' do funcionalismo: menos 50%". Nota-se o
paradoxo ao contrastar o aumento do funcionalismo, característica até então positiva, com
um dado numérico negativo que se opõe à ideia de que há uma real melhora no país. O
paradoxo é usado para ridicularizar e contestar a ideia de progresso. Já o adjetivo
"fantástico" amplia o cômico, pois enaltece a ideia do aumento do funcionalismo e gera
maior surpresa ao leitor no contraste entre as duas proposições da frase.
Há também grande uso da ironia no jornal. Segundo Propp (1992), ela consiste em
descrever algo positivamente, mas para revelar o seu lado negativo. A ironia é muito usada
no humor crítico. Bergson define seu uso na escrita: "Ora se enunciará o que deveria ser
fingindo-se acreditar ser precisamente o que é. Nisso consiste a ironia" (1983, p.61). Tal
elemento consiste, portanto, em frases que querem dizer o oposto da real intenção do autor,
o que expõe os defeitos do discurso ao qual se quer ridicularizar.
Nota-se o uso da ironia contra a ditadura, pois ela possibilita tecer críticas, ora de
forma sutil, ora ácida, o que inclusive auxilia a não censura do jornal. Jankélévitch afirma
que a "ironia, que não teme surpresas, brinca com o perigo. Desta vez, o perigo está numa
jaula, a ironia vai vê-lo, imita-o, provoca-o, torna-o ridículo e o entretém com recreação"
(apud MINOIS, 2003, p. 569). A ironia tem noção do perigo que a cerca, assim como os
humoristas assumem os riscos de contradizer e zombar seu opressor. Entretanto, isso
reforça a ideia de que a ironia é uma grande arma de escrita, pois ridiculariza discursos e

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proporciona certa fuga da realidade, através do humor. Minois (2000) aponta ainda que o
século XX foi marcado pela generalização da ironia e humor como forma de superar os
absurdos da sociedade e dos homens.
A capa da edição nº 2 traz a imagem de um enorme ponto de interrogação e frases
como "Campanha? Que campanha?", "Você já ouviu falar de corrupção em Colatina?",
"Que fim levou a CPI da Cohab?". Esses enunciados são marcados pela ironia ao funcionar
como perguntas as quais o redator sabe que não serão respondidas. Elas estão no jornal
como denúncias, e não de fato como interrogações à espera de respostas. A capa conta
ainda com o dizer “e tem mais”, seguido de três chamadas para matérias. Sutilmente, a
expressão “e tem mais” é carregada de ironia, como quem diz, após perguntas mal
respondidas, que os problemas não acabam.
No exemplar de nº 8, anteriormente citado, há um jogo com o termo "procura-se". A
capa é composta pelas seguintes frases, em sequência: "Procura-se os processos contra
Otacílio Costa", "advogados procurando os direitos humanos", "operários torturados e
humilhados como se fosse lógico (procura-se uma explicação)" e "volta às aulas:
professores à procura de um emprego". A ironia se dá no fato dos diversos significados
atribuídos ao "procurar", todos, tal qual a ironia, querendo dizer o oposto do que enunciam.
Na primeira, a frase mostra que os processos contra Costa não vêm à tona e o jornal,
sabendo disso, busca denunciar tal fato. Na segunda, marcam-se as agressões contra os
direitos humanos, comuns no período da ditadura militar, pondo o advogado como a figura
que procuraria direitos inexistentes. Na terceira, a denúncia contra as agressões e abusos aos
empregados vem de forma explícita, seguida pela expressão "procura-se uma explicação";
evidencia que, na verdade, não haveria explicação para tais atos. Na quarta, o procura-se,
agora não irônico, mostra o desemprego dos professores. No caso, a ironia está justamente
no fato de que os professores estão em busca de empregos, e, depois de tantas "procuras"
falsas e irônicas, este "procura-se" é real. Bergson (1983) aponta que, ao tornarmos uma
expressão literal, após usá-la no sentido figurado, ela se transforma em cômica também. O
uso do "procura-se" no sentido literal e factual (os professores, de fato, buscam empregos),
e não irônico como nas anteriores, causa a comicidade, como aponta o autor, pelo contraste.
O autor ainda aponta que a própria linguagem pode se tornar cômica a partir da
escolha de palavras, da sua grafia e estrutura. Nota-se esse tipo de humor na capa da edição
nº 3. Em destaque, está o título “Cri$tiano Dia$ Lope$” e a frase “estaria o ex-governador

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colhendo os efeitos de um golpe sem preço ou do preço de um golpe?”. A substituição da
letra “s” pelo cifrão já é, pela grafia da palavra, o elemento cômico e de denúncia. Associa-
se a figura do ex-governador ao dinheiro, visto que o político teria tomado medidas voltadas
ao setor econômico através de políticas de incentivos fiscais e criação de bancos.
O fragmento “um golpe sem preço ou do preço de um golpe” usa do processo de
inversão. Caracterizado por Bergson (1983), tal processo ocorre ao inverter a ordem de
palavras, dentro de uma frase, e repeti-las, gerando um novo significado para a sentença.
No jornal, foi usado para questionar o próprio Golpe Militar, suas consequências e ainda
reforçar a ideia de dinheiro associado ao ex-governador. Assim, “um golpe sem preço”
marca a posição do jornal de que o golpe é incomensurável e “o preço de um golpe” aponta
as consequências do regime militar.
O humor aparece também na capa da edição nº 9. A manchete é a seguinte: "Élcio
Álvares (1975-1977) - O devedor de promessas". O humor serve para indicar uma má
gestão por parte do ex-governador do estado e seu descumprimento das promessas de
eleição. "O devedor de promessas" faz referência à peça do dramaturgo brasileiro Dias
Gomes, "O pagador de promessas". Bergson (1983) ressalta que uma forma muito usada de
humor é parodiar ditos populares, frases conhecidas ou nomes relevantes, o que ocorre na
manchete do jornal. Esse tipo de comicidade surpreende o leitor, ao modificar um lugar
comum a ele, desde que o mesmo tenha a referência do que é parodiado. Neste caso,
substituir "pagador" por seu antônimo "devedor" gera certo absurdo e surpresa na frase,
ampliando sua comicidade.
Na parte inferior da página, há uma chamada referente à situação privilegiada das
multinacionais em detrimento à indústria nacional: “Multinacionais com tudo; a
Siderúrgica, não”. Levando em conta o contexto de crise, os produtos feitos pelas
multinacionais muitas vezes valiam mais a pena de serem adquiridos do que os produzidos
pela indústria local, o que agravou ainda mais a situação delicada que o país estava
passando economicamente – a outra face do já mencionado “milagre econômico”.

Considerações Finais

Este trabalho buscou discutir a respeito do fazer jornalístico no período ditatorial


brasileiro sob um aspecto regional, centrado no periódico alternativo Posição. Os usos de

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diversos recursos humorísticos na construção de algumas das dez primeiras capas puderam
ser observados como maneiras criativas de chamar a atenção da população para aspectos
negativos relativos ao governo, como os problemas sociais pelos quais o país estava
passando, mas não explicitamente uma crítica à estrutura do governo nacional.
Propp e Bergson adotam perspectivas diferentes em relação ao sujeito social que ri; e,
para este estudo, acreditamos que a primeira perspectiva poderia iluminar de forma mais
efetiva a investigação proposta. Bergson (1983) defende o riso como reação humana
inevitável quando se depara com algo cômico. Já Propp (1992) afirma que o riso não é
natural e obrigatório: uma pessoa pode rir de algo, e outra não. Rir depende de estar
inserido no contexto da época ou no meio cultural de uma sociedade. Assim, coisas risíveis
durante o período da ditadura podem não ser mais cômicas hoje, visto que as percepções
sobre ela hoje e sobre o momento em que ela se fazia presente são completamente
diferentes. Há uma distância temporal a ser considerada. A propósito, um desafio
enfrentado ao analisar as capas do jornal Posição foi o de identificar as nuances de humor e
o nível de criticidade do veículo – mesmo estando separados por algumas décadas.
Como recorte empírico, buscamos entre as dez primeiras capas do jornal capixaba os
exemplos que trouxessem os elementos mais significantes sobre o que era o jornalismo
alternativo e o humor na época da ditadura. Alguns exemplares possuíam marcas muito
temporais, difíceis de serem interpretadas após o longo intervalo entre a publicação e este
trabalho. Os significados, em suas totalidades, dos enunciados talvez não sejam mais
acessíveis.
Apesar disso, e cientes dessa limitação metodológica, acreditamos ser importante a
análise do objeto empírico em questão, pois este pode evidenciar características relevantes
sobre o veículo semanal Posição. Suas particularidades como meio de comunicação atuante
no período ditatorial, como não ter sido censurado previamente e ainda assim ter
conseguido criticar certos aspectos do Regime que impactavam a população, ajudaram a
entender uma pequena parte da realidade da época.
O jornal Posição, como jornal regional de pequeno alcance, não impactou
expressivamente o regime. No período de sua circulação, não houve tantos desdobramentos
significativos da ditadura como as “Diretas já”, acontecimento posterior à existência do
produto analisado. O processo de encerramento das atividades do veículo foi algo natural,
mas não porque a ditadura deixou de existir – o próprio alternativo da época se apoderou e

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se definiu por características que culminaram no fim de muitos jornais, como a resistência
quanto à aderência do lucro, a dificuldade de se propagar, o fato de não haver um grande
público cativo etc.
As ferramentas usadas pelo Posição para criar chamadas atraentes e ao mesmo tempo
informativas consistiram em ironia, paradoxo e trocadilho. Nem todas as capas da
amostragem apresentaram indícios de algum desses elementos. Como já dito anteriormente,
a temporalidade limita a nossa compreensão da totalidade dos significados de cada
enunciado apresentado nos exemplares, embora isso não invalide novos processos de
investigação sobre as edições do jornal.
Cabe a nós, portanto, entender o humor como algo temporal e situacional; algo
inserido em uma sociedade, com suas especificidades e nuances. Ao mesmo tempo, e
também paradoxalmente, o riso atravessa gerações, é apropriado discursivamente por outras
esferas da sociedade. O jornalismo continua passando por críticas a respeito do seu
funcionamento interno, e possivelmente as dúvidas provindas da sua atividade não acabem.
O alternativo não encerrou sua participação no cenário social, pois este termo engloba
qualquer meio de comunicação ou discurso que não seja o oficial, o que reverbera o
discurso da maioria. Esse tipo de jornalismo ainda se faz presente, pois cada vez mais
existem canais para diversas vozes se manifestarem, principalmente com o advento da
internet.
A ditadura cerceou a opinião pública e pautou muitas vezes os jornais de grande
circulação, influenciando no fazer jornalístico da época. Alguns veículos foram mais
atingidos, outros menos, mas podemos dizer que este período marcou a história do
jornalismo de maneira contundente. A função do alternativo na época e nos dias atuais
difere bastante devido ao contexto histórico, embora a prévia existência da imprensa nanica
tenha auxiliado na prática dos discursos discordantes – e até divergentes – que até hoje se
fazem presentes na mídia, influenciando no modo e no modelo de se fazer jornalismo e,
quem sabe, apontando para possíveis novos formatos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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e Teoria da Mídia. São Paulo, março/2004, nº5.

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PROPP, Vladimir. Comicidade e riso. São Paulo: Ática, 1992.

RESENDE, Lino Geraldo. Mídia, ditadura e contra-hegemonia: a ação do jornal Posição no


Espírito Santo. 2006. 186 f. Dissertação (Mestrado em História Social das Relações Políticas).
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