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Alternativo Capixaba 1
Caroline BANDEIRA 2
Julia PELLEGRINI 3
Raquel DORNELAS 4
Universidade Vila Velha, Espírito Santo, ES
Resumo
Este trabalho apresenta uma discussão a respeito do uso do humor como estratégia
discursiva no jornalismo alternativo no contexto da ditadura militar brasileira. Buscamos
em Kucinski (2001), Bergson (1983) e Propp (1992) esclarecer as particularidades, bem
como o papel da imprensa alternativa e o uso do humor no contexto regional do Espírito
Santo. Para tal, o recorte empírico escolhido foram as dez primeiras capas do jornal
Posição, que circulou pelo estado entre os anos de 1976 a 1979.
Introdução
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Trabalho apresentado no GT História da Mídia Alternativa integrante do 11º Encontro Nacional de História da Mídia.
Trabalho concorrente ao Prêmio José Marques de Melo de Estímulo à Memória da Mídia - 2017
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Estudante de Graduação 5º semestre do Curso de Jornalismo da UVV, email: carolineviviana@gmail.com.
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Estudante de Graduação 5º semestre do Curso de Jornalismo da UVV, email: juliauliana.pe@gmail.com.
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Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Jornalismo da UVV, email: raquel.dornelas@uvv.br.
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Além de todos esses atributos, o jornalismo se baseia em preceitos para seu exercício
“ideal” e que alimentam o imaginário do ofício, como a imparcialidade, a neutralidade, a
clareza na exposição dos fatos, a checagem da veracidade das informações etc. Como um
serviço para a sociedade, o jornalismo se encarrega, então, de informar, entreter, educar e
promover reflexão sobre a realidade em seus leitores. No entanto, é de conhecimento geral
que os pilares do jornalismo moderno são postos à prova todos os dias, devido à rotina
corrida dos profissionais, à grande demanda de trabalho e à quantidade de matérias a serem
produzidas, o que põe em cheque, também, a qualidade dos produtos jornalísticos; as
notícias, por fim. Não podemos esquecer também que a internet possibilitou outras vias de
produção de conteúdo, para além do circuito noticioso tradicional.
A crise de identidade do jornalismo perpassa interesses pessoais e econômicos, pois o
fator norteador da conduta dos profissionais, “prestar um serviço à população”, é
abrangente e necessita de um exame diário. Não se faz jornalismo apenas sabendo os modos
específicos de enxergar, agir e comunicar; é necessário também que haja espaço para que o
enquadramento dado à realidade possa dar lugar a notícias que tenham impacto e
relevância, para que as pessoas possam decidir livremente, para que promovam reflexão e
debate. Assim, a imprensa não deve divulgar um mundo “irreal”, manipulando,
intencionalmente ou não, uma percepção o mais verossímil possível da realidade.
Em momentos de tensão política, como na ditadura militar brasileira, que durou de
1964 a 1985, o jornalismo se faz presente de duas formas distintas: continua seu
funcionamento sob a pressão da censura – e também da autocensura, quando o próprio
veículo ou os jornalistas moldam as notícias ao olhar da empresa e não consideram a
matéria “própria” para divulgação no lugar onde trabalham –, retratando a realidade com os
olhos do governo vigente; ou dá lugar a um jornalismo periférico, mas de grande
importância para a sociedade e para o exercício das competências da profissão, que é o
jornalismo alternativo.
Entre os inúmeros jornais alternativos que surgiram no Espírito Santo e no Brasil no
período ditatorial pós 1964, este trabalho tem como objetivo se debruçar sobre um veículo
específico: o jornal Posição, que circulou de 1976 a 1979 no estado.
O Posição marcou o jornalismo capixaba por opor-se à ditadura, não com ataques
diretos ao regime militar, mas por uma via indireta: denunciando, principalmente,
problemas sociais e econômicos do Espírito Santo e criticando o que eles consideravam
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como “má gestão do governo estadual e nacional”. O jornal se caracteriza por veicular o
não dito por outros jornais capixabas de grande circulação, assumindo a função de
jornalismo alternativo e usando do humor e ironia para realizar as críticas.
Segundo Resende (2006), o Posição tinha, em média, a circulação de três mil
exemplares. Desvinculado de empresas ou grandes anunciantes, o jornal possuía linha
editorial própria. Essa certa independência financeira contribuiu para a livre escolha de
pautas, mas a não existência de uma grande infraestrutura dificultou a produção e a difusão
do periódico.
Resende (2006) também afirma que a produção do jornal era feita em Vitória, através
de uma equipe de redatores. O texto era encaminhado para Minas Gerais para ser impresso,
e só então voltava ao Espírito Santo. Já a distribuição, feita muitas vezes pelos próprios
jornalistas, era dividida entre a Grande Vitória, municípios do interior do estado e uma
pequena parte que ia para as bancas de jornais, visto que essas nem sempre vendiam o
Posição por medo de possíveis represálias por parte do governo.
Entretanto, para o jornalista Rogério Medeiros, em entrevista ao pesquisador Lino
Resende, o jornal conseguiu manter-se e atingir um público capixaba cativo, muitas vezes
dando voz à oposição.
O jornal sempre vendeu bem. A edição se esgotava poucas horas depois de chegar.
Muita gente ficava esperando o jornal. Com o resultado da venda avulsa, do
pequeno número de assinantes e da participação, pequena, da publicidade, a edição
era paga e ainda sobrava alguma coisa, para fazer frente às outras despesas (apud
RESENDE, 2006, p.18).
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trabalho. A fim de termos um melhor aproveitamento do material empírico, limitamos o
recorte analisado às capas das dez primeiras edições.
Este trabalho se insere no projeto de pesquisa “Relatos Ausentes”, iniciado em 2013
por professores e alunos do curso de Jornalismo na Universidade Vila Velha (UVV-ES),
com o intuito de estudar a imprensa capixaba no período ditatorial brasileiro. O Posição já
foi objeto de análise de estudos anteriores dentro do projeto 5, mas com temática,
perspectiva e base teórica diferente deste trabalho, que busca evidenciar os traços do
jornalismo alternativo e de possíveis utilizações do humor como estratégia discursiva.
A imprensa alternativa se instalou por todo o território nacional como uma via para
jornalistas e colaboradores que desejavam propagar algo diferente, que tentavam mudar a
realidade do país – mesmo que em escala reduzida. No contexto capixaba, o jornalismo
alternativo tentava ser uma prática que buscaria beneficiar a população. A grande mídia por
todo o estado possuía, além dos próprios interesses ao veicular ou não certos conteúdos, o
papel de divulgar aquilo que o governo desejava que fosse publicado, e não o que o próprio
jornal acreditava como sendo relevante.
A capa da edição nº 7, por exemplo, explicita o papel questionador do Posição em
relação aos problemas sociais e econômicos enfrentados na época, considerados mais
relevantes, no período da concepção das primeiras edições do jornal, que a legitimidade do
governo vigente. A manchete “O Sonho Acabou”, dentro de uma gota que representaria o
petróleo (considerado um dos motores do progresso nacional), foi a forma encontrada pelo
veículo para deixar claro seu tom denunciativo.
5
RONCHI, Ana Carolina; TASSIS, Nicoli. Posição: um jornal que tem lado. In: Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação, 38, 2015. Rio de Janeiro, Anais... São Paulo: Intercom, 2015. Disponível em:
<http://portalintercom.org.br/anais/nacional2015/resumos/R10-0666-1.pdf>. Acesso em: 1º Abr. 2017.
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Figura 1: edição 7 de Posição, veiculada no dia 7 de fevereiro de 1977.
6
O Milagre Econômico foi um período de crescimento econômico e industrialização no Brasil vindos de governos
anteriores ao de Médici (1969-1974). Seu principal efeito, após a concentração de capital estrangeiro e desenvolvimento
das multinacionais, foi o crescimento da dívida externa, o que gerou um momento de crise no país.
5
Como exemplo, a capa da edição no 7 evidencia um aspecto negativo da situação
econômica do Brasil após o Milagre Econômico, expressando a ideia de que o período de
“progresso” trazia consequências ruins à população, já que o endividamento externo teria
minado o desenvolvimento crescente dos anos anteriores. O discurso usado pelo Posição
transparecia certa zombaria ao falar sobre o crescimento econômico e o padrão de vida dos
capixabas, que estaria sendo prejudicado; daí se justifica a frase “Economize seu
combustível e suas ambições”.
A edição de no 8 do jornal Posição, veiculada no dia 6 de março de 1977, exemplifica
a cobrança que os jornais alternativos da época estipulavam quanto ao cumprimento dos
direitos humanos. A capa exibe a chamada “Operários torturados e humilhados como se
fosse lógico (procura-se uma explicação)”, chamando a atenção do leitor para o fato de não
haver uma explicação prévia do tratamento recebido pelos operários. Assim como na
ocasião anterior, o jornal não critica explicitamente o regime, mas sim as condições com as
quais os trabalhadores são tratados, o que reflete consideravelmente as diretrizes ditatoriais
do período.
Uma questão muito pertinente ao tratarmos de alternativo ou tradicional diz respeito
ao resultado que as duas práticas levam: o alternativo, como já dissemos, se propõe a levar
informação relevante que não desponta na grande mídia – ou que tenha uma abordagem
diferenciada sobre um assunto em alta. Sob o ponto de vista da responsabilidade social que
a profissão carrega em seu cerne, não seria esse o jornalismo em essência, que é voltado
para a compreensão pública sobre diversos assuntos, incluindo aqueles à margem do
discurso hegemônico? E por que este modelo “alternativo” não se instaurou, em definitivo,
como parte integrante da imprensa?
Em decorrência do pensamento difundido no senso comum de que a imprensa nanica
(MARTINUZZO, 2005), a representação alternativa do jornalismo, teria desaparecido
devido a não ser mais “necessária” – já que o regime havia arrefecido, não havia
necessidade de uma força contrária –, Kucinski afirma que as características conferidas a
ela fizeram com que sua atuação se resumisse ao período ditatorial:
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não uma formação permanente, mas uma coisa provisória, frágil e vulnerável não só
aos ataques de fora como às suas próprias contradições (KUCINSKI, 2001, p. 13).
Embora haja em seu cerne um viés de oposição, o jornalismo alternativo não carece
de períodos delicados na história para se fazer presente. O discurso que diverge do oficial
não necessariamente irá contra todos os pontos e ideologias impostos neste, podendo então
diferir em certas nuances e caminhos que o discurso “padrão” segue. Acreditamos que o
alternativo pode existir através das épocas, modificando seus mecanismos internos e
intenções no discurso, e que assim o faz até os dias de hoje.
Um fator determinante para a pouca ou quase nula permanência dos jornais no
cenário da imprensa é a capacidade de se manter financeiramente – e isso implica,
inevitavelmente, na sua distribuição. A imprensa nanica por vezes tinha certa dificuldade de
manter um público cativo tanto por sua natureza quanto pelo fato de alguns jornais – como
no caso do Posição – não serem aceitos indistintamente pelas bancas. A saída era os
idealizadores, encarregados pelo pleno funcionamento do veículo ou colaboradores
tomarem para si a tarefa de distribuir os exemplares, para que estes chegassem ao seu
público de destino. O Posição era bem aceito pela população, embora também tivesse
dificuldades na distribuição em todas as bancas de jornais.
Como empresa, a grande mídia colabora e também é integrante de um sistema maior
que ela própria, que visa ao lucro através da vendagem dos produtos jornalísticos: o
capitalismo. Não seria lógico que ela fosse contra o sistema que a alimenta. Portanto, o seu
posicionamento por vezes enviesado era esperado; isso também não quer dizer, contudo,
que não pudesse ser contestado. A motivação por trás do jornalismo alternativo não era,
primeiramente, o lucro. Inclusive, muitos se recusavam a ter esse fator como objetivo.
São os jornais alternativos, em grande medida, que assumem a função de noticiar o
não dito pela grande mídia e driblar a censura, principalmente após o AI-5. José Luiz Braga
(1991) afirma que o marco político e social da década de 1970 foi a censura da imprensa. O
governo passa a ditar como e o que se deve noticiar sobre a realidade brasileira em diversas
redações. Nesse contexto, aos alternativos, era preciso, para driblar a censura, adotar
métodos e linguagens que atingissem o leitor, informando-o e, ao mesmo tempo, criticando,
mesmo que indiretamente, a ditadura. Assim, o humor, a sátira e a ironia foram grandes
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armas contra a repressão e também como modelo de denúncia em um período tão arenoso
da nossa história.
O humor exprime‐se como uma forma de lidar com as questões mais graves e
profundas a partir de uma superfície apaziguadora mas ferina, sutil e sarcástica, que
permite um duplo e paradoxal movimento de saída de si, portanto um exercício de
alteridade, em que simultaneamente se permanece o mesmo (ACSELRAD, 2004,
p.1).
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espiritual [...]. Ela se encontra numa correlação das duas, onde a natureza física põe a nu os
defeitos da natureza espiritual" (PROPP, 1992, p. 46).
O autor ainda destaca que há diversas formas de promover o cômico, através, por
exemplo, da caricatura, da paródia, da ironia, entre outros. O autor ressalta, também,
algumas características do ridículo: qualquer particularidade que seja estranha ao meio em
que uma pessoa se insere pode soar ridícula aos outros. São os casos das diferenças sociais,
culturais, de costumes e até de épocas. O exagero está muito ligado ao cômico. Afinal, uma
caricatura só terá humor se exagerar as características negativas da pessoa. O humor, tanto
na linguagem textual quanto na visual, alimenta-se do exagero, do absurdo. As paródias
também se utilizam disso para ridicularizar uma fala já dita e geralmente “séria”.
Para analisar um jornal que utiliza o humor como estratégia discursiva, é preciso
atentar-se à comicidade das próprias palavras e frases. Propp (1992) ressalta três formas
linguísticas de materialização do humor: os trocadilhos, os paradoxos e as tiradas,
principalmente as que utilizam de ironia. O jornal Posição fez uso de todas as três formas.
Em diversas capas, é apresentada a estratégia de ridicularizar e mostrar imperfeições,
principalmente do governo estadual, como já foi dito. Usa-se da comicidade para apontar os
problemas cotidianos, sociais e políticos do Espirito Santo como forma de crítica e
denúncia.
O trocadilho, para Propp (1992, p.121), ocorre quando “um interlocutor compreende
um parágrafo no seu sentido amplo [...] e outro substitui esse significado por aquele mais
restrito ou literal”. Assim, uma mesma palavra, na sua ambiguidade, ao ser entendida de
modos diferentes pelo leitor, pode gerar humor. A capa da edição nº10 ironiza e ridiculariza
a situação do ensino brasileiro através da manchete e da ilustração.
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Figura 2: edição 10 de Posição, veiculada no dia 11 de abril de 1977.
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proporciona certa fuga da realidade, através do humor. Minois (2000) aponta ainda que o
século XX foi marcado pela generalização da ironia e humor como forma de superar os
absurdos da sociedade e dos homens.
A capa da edição nº 2 traz a imagem de um enorme ponto de interrogação e frases
como "Campanha? Que campanha?", "Você já ouviu falar de corrupção em Colatina?",
"Que fim levou a CPI da Cohab?". Esses enunciados são marcados pela ironia ao funcionar
como perguntas as quais o redator sabe que não serão respondidas. Elas estão no jornal
como denúncias, e não de fato como interrogações à espera de respostas. A capa conta
ainda com o dizer “e tem mais”, seguido de três chamadas para matérias. Sutilmente, a
expressão “e tem mais” é carregada de ironia, como quem diz, após perguntas mal
respondidas, que os problemas não acabam.
No exemplar de nº 8, anteriormente citado, há um jogo com o termo "procura-se". A
capa é composta pelas seguintes frases, em sequência: "Procura-se os processos contra
Otacílio Costa", "advogados procurando os direitos humanos", "operários torturados e
humilhados como se fosse lógico (procura-se uma explicação)" e "volta às aulas:
professores à procura de um emprego". A ironia se dá no fato dos diversos significados
atribuídos ao "procurar", todos, tal qual a ironia, querendo dizer o oposto do que enunciam.
Na primeira, a frase mostra que os processos contra Costa não vêm à tona e o jornal,
sabendo disso, busca denunciar tal fato. Na segunda, marcam-se as agressões contra os
direitos humanos, comuns no período da ditadura militar, pondo o advogado como a figura
que procuraria direitos inexistentes. Na terceira, a denúncia contra as agressões e abusos aos
empregados vem de forma explícita, seguida pela expressão "procura-se uma explicação";
evidencia que, na verdade, não haveria explicação para tais atos. Na quarta, o procura-se,
agora não irônico, mostra o desemprego dos professores. No caso, a ironia está justamente
no fato de que os professores estão em busca de empregos, e, depois de tantas "procuras"
falsas e irônicas, este "procura-se" é real. Bergson (1983) aponta que, ao tornarmos uma
expressão literal, após usá-la no sentido figurado, ela se transforma em cômica também. O
uso do "procura-se" no sentido literal e factual (os professores, de fato, buscam empregos),
e não irônico como nas anteriores, causa a comicidade, como aponta o autor, pelo contraste.
O autor ainda aponta que a própria linguagem pode se tornar cômica a partir da
escolha de palavras, da sua grafia e estrutura. Nota-se esse tipo de humor na capa da edição
nº 3. Em destaque, está o título “Cri$tiano Dia$ Lope$” e a frase “estaria o ex-governador
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colhendo os efeitos de um golpe sem preço ou do preço de um golpe?”. A substituição da
letra “s” pelo cifrão já é, pela grafia da palavra, o elemento cômico e de denúncia. Associa-
se a figura do ex-governador ao dinheiro, visto que o político teria tomado medidas voltadas
ao setor econômico através de políticas de incentivos fiscais e criação de bancos.
O fragmento “um golpe sem preço ou do preço de um golpe” usa do processo de
inversão. Caracterizado por Bergson (1983), tal processo ocorre ao inverter a ordem de
palavras, dentro de uma frase, e repeti-las, gerando um novo significado para a sentença.
No jornal, foi usado para questionar o próprio Golpe Militar, suas consequências e ainda
reforçar a ideia de dinheiro associado ao ex-governador. Assim, “um golpe sem preço”
marca a posição do jornal de que o golpe é incomensurável e “o preço de um golpe” aponta
as consequências do regime militar.
O humor aparece também na capa da edição nº 9. A manchete é a seguinte: "Élcio
Álvares (1975-1977) - O devedor de promessas". O humor serve para indicar uma má
gestão por parte do ex-governador do estado e seu descumprimento das promessas de
eleição. "O devedor de promessas" faz referência à peça do dramaturgo brasileiro Dias
Gomes, "O pagador de promessas". Bergson (1983) ressalta que uma forma muito usada de
humor é parodiar ditos populares, frases conhecidas ou nomes relevantes, o que ocorre na
manchete do jornal. Esse tipo de comicidade surpreende o leitor, ao modificar um lugar
comum a ele, desde que o mesmo tenha a referência do que é parodiado. Neste caso,
substituir "pagador" por seu antônimo "devedor" gera certo absurdo e surpresa na frase,
ampliando sua comicidade.
Na parte inferior da página, há uma chamada referente à situação privilegiada das
multinacionais em detrimento à indústria nacional: “Multinacionais com tudo; a
Siderúrgica, não”. Levando em conta o contexto de crise, os produtos feitos pelas
multinacionais muitas vezes valiam mais a pena de serem adquiridos do que os produzidos
pela indústria local, o que agravou ainda mais a situação delicada que o país estava
passando economicamente – a outra face do já mencionado “milagre econômico”.
Considerações Finais
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diversos recursos humorísticos na construção de algumas das dez primeiras capas puderam
ser observados como maneiras criativas de chamar a atenção da população para aspectos
negativos relativos ao governo, como os problemas sociais pelos quais o país estava
passando, mas não explicitamente uma crítica à estrutura do governo nacional.
Propp e Bergson adotam perspectivas diferentes em relação ao sujeito social que ri; e,
para este estudo, acreditamos que a primeira perspectiva poderia iluminar de forma mais
efetiva a investigação proposta. Bergson (1983) defende o riso como reação humana
inevitável quando se depara com algo cômico. Já Propp (1992) afirma que o riso não é
natural e obrigatório: uma pessoa pode rir de algo, e outra não. Rir depende de estar
inserido no contexto da época ou no meio cultural de uma sociedade. Assim, coisas risíveis
durante o período da ditadura podem não ser mais cômicas hoje, visto que as percepções
sobre ela hoje e sobre o momento em que ela se fazia presente são completamente
diferentes. Há uma distância temporal a ser considerada. A propósito, um desafio
enfrentado ao analisar as capas do jornal Posição foi o de identificar as nuances de humor e
o nível de criticidade do veículo – mesmo estando separados por algumas décadas.
Como recorte empírico, buscamos entre as dez primeiras capas do jornal capixaba os
exemplos que trouxessem os elementos mais significantes sobre o que era o jornalismo
alternativo e o humor na época da ditadura. Alguns exemplares possuíam marcas muito
temporais, difíceis de serem interpretadas após o longo intervalo entre a publicação e este
trabalho. Os significados, em suas totalidades, dos enunciados talvez não sejam mais
acessíveis.
Apesar disso, e cientes dessa limitação metodológica, acreditamos ser importante a
análise do objeto empírico em questão, pois este pode evidenciar características relevantes
sobre o veículo semanal Posição. Suas particularidades como meio de comunicação atuante
no período ditatorial, como não ter sido censurado previamente e ainda assim ter
conseguido criticar certos aspectos do Regime que impactavam a população, ajudaram a
entender uma pequena parte da realidade da época.
O jornal Posição, como jornal regional de pequeno alcance, não impactou
expressivamente o regime. No período de sua circulação, não houve tantos desdobramentos
significativos da ditadura como as “Diretas já”, acontecimento posterior à existência do
produto analisado. O processo de encerramento das atividades do veículo foi algo natural,
mas não porque a ditadura deixou de existir – o próprio alternativo da época se apoderou e
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se definiu por características que culminaram no fim de muitos jornais, como a resistência
quanto à aderência do lucro, a dificuldade de se propagar, o fato de não haver um grande
público cativo etc.
As ferramentas usadas pelo Posição para criar chamadas atraentes e ao mesmo tempo
informativas consistiram em ironia, paradoxo e trocadilho. Nem todas as capas da
amostragem apresentaram indícios de algum desses elementos. Como já dito anteriormente,
a temporalidade limita a nossa compreensão da totalidade dos significados de cada
enunciado apresentado nos exemplares, embora isso não invalide novos processos de
investigação sobre as edições do jornal.
Cabe a nós, portanto, entender o humor como algo temporal e situacional; algo
inserido em uma sociedade, com suas especificidades e nuances. Ao mesmo tempo, e
também paradoxalmente, o riso atravessa gerações, é apropriado discursivamente por outras
esferas da sociedade. O jornalismo continua passando por críticas a respeito do seu
funcionamento interno, e possivelmente as dúvidas provindas da sua atividade não acabem.
O alternativo não encerrou sua participação no cenário social, pois este termo engloba
qualquer meio de comunicação ou discurso que não seja o oficial, o que reverbera o
discurso da maioria. Esse tipo de jornalismo ainda se faz presente, pois cada vez mais
existem canais para diversas vozes se manifestarem, principalmente com o advento da
internet.
A ditadura cerceou a opinião pública e pautou muitas vezes os jornais de grande
circulação, influenciando no fazer jornalístico da época. Alguns veículos foram mais
atingidos, outros menos, mas podemos dizer que este período marcou a história do
jornalismo de maneira contundente. A função do alternativo na época e nos dias atuais
difere bastante devido ao contexto histórico, embora a prévia existência da imprensa nanica
tenha auxiliado na prática dos discursos discordantes – e até divergentes – que até hoje se
fazem presentes na mídia, influenciando no modo e no modelo de se fazer jornalismo e,
quem sabe, apontando para possíveis novos formatos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BERGSON, Henri. O riso. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983.
BRAGA, José Luiz. O Pasquim e os anos 70. São Paulo: Unb, 1991.
MARTINUZZO, José Antonio (Org.) Impressões Capixabas: 165 anos de jornalismo no Espírito
Santo. Vitória: Departamento de Imprensa Oficial do Espírito Santo, 2005.
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