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Resumo
Abstract
This work seeks to address the question of the humanism in the works of comics writer
Alan Moore, focusing in two series: “The Swamp Thin” and “Watchmen”. We read these
works along the philosophical ideas of Sartre (2014), Heidegger (1967) and Sloterdijk
(2009). In this way it‟s possible to see in Moore‟s narrative a vision of the man as a post-
human construction, through an anthropotechnical process.
Introdução
"Ao que nos compete discernir, o único propósito da existência humana é lançar
uma luz nas trevas do mero ser" (MOORE; GIBBONS, 2009, p. 306). A citação de Carl
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Graduando em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). E-mail: luisf_abreu@hotmail.com
Do pântano ao átomo
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No original: “to deconstruct, manipulate, and reassemble the forms of tradition and narrative both in
literature and in comics”.
A questão do ser humano é ancestral. Domina a filosofia desde seus inícios, tendo
sido basilar a diversas correntes de pensamento. Não, por exemplo, é o cogito de Descartes
uma equação que visão que visa solucionar a dúvida?
Aqui pensaremos a questão através da questão da perspectiva filosófica do
humanismo do modo como ela foi apropriada por pensadores do Século XX, partindo do
existencialismo de Jean-Paul Sartre. A corrente existencialista, que tem raízes já em
filósofos como Kierkegaard e Nietzsche, como aponta Jerphagnon (1992), encontra em
Sartre sua sistematização e em “O existencialismo é um humanismo” (SARTRE, 2014) sua
relação direta com o dilema aqui proposto. Sartre escreve o livro (na verdade a transcrição
de uma palestra concedeu em Paris, em 1945) para defender o existencialismo das
frequentes críticas que a corrente filosófica vinha sofrendo à época, sendo tida,
pejorativamente, como depressiva, pessimista e imobilizante. De início, o filósofo
caracteriza o existencialismo como tendo por fundamento a ideia de que “a existência
precede a essência, ou, se preferirem, que é preciso partir da subjetividade” (SARTRE,
2014, p. 18). Ao contrário de ferramentas e objetos, o homem não é criado tendo por fim
uma funcionalidade ou um destino: ele existe, simplesmente, e a partir daí precisa ele
mesmo tomar as decisões sobre o que fará de si.
O homem, como tal, não existe sem que haja um projeto para si. O mero fato de
estar no mundo nada diz a respeito dele - é preciso conceber uma essência que preencha
este fato frio que é estar vivo. Em suma: “O homem não é nada mais que seu projeto, ele
não existe senão na medida em que se realiza e, portanto, não é outra coisa senão o
conjunto de seus atos, nada mais além de sua vida” (SARTRE, 2014, p. 30). Com isso,
Sartre quer afirmar o existencialismo como o sistema de pensamento capaz de dar conta
dessa questão. Se é tomado por depressivo, é pelo fato dessa constatação ser fonte de
angústia: existir implica em responsabilidades, em determinar um projeto para si e para os
Para Heidegger (1967, p. 27), “de há muito, demasiado muito, o pensamento vive
no seco”. Ou seja, faltam interlocutores que estejam dispostos, como ele, a abordar a
questão do homem de forma verdadeiramente ontológica, que aborde a essência do ser. O
ser é figura central na tentativa de superação do humanismo, sendo ele a força responsável
por animar e impelir o homem. Na mais famosa - e controversa - colocação do livro,
Heidegger (1967, p. 50) afirma que “o homem é o pastor do ser”: ou seja, é guardião de sua
essência, sendo responsável por guardar a essência, evitando perder-se na existência
cotidiana. Em suma, o verdadeiro humanismo seria “meditar, e cuidar para que o homem
seja humano e não des-humano, inumano, isto é, situado fora de sua essência”
(HEIDEGGER, 1967, p. 41).
O filósofo alemão Peter Sloterdijk parte das reflexões de Heidegger em seu “Regras
para o parque humano” (2009), conferência proferida na Suíça em 1997. Sloterdijk inicia
apontando o humanismo como uma corrente de pensamento que sempre buscou domesticar
o homem, principalmente através da cultura letrada: “O que desde os dias de Cícero se
chama humanitas faz parte, no sentido mais amplo e no mais estrito, das consequências da
alfabetização” (SLOTERDIJK, 2009, p. 7).
Mas tal cenário não é mais o mesmo, alerta o filósofo. Para ele, a sociedade
contemporânea não regra-se mais pelo mesmo regime cultural, e o aparecimento dos meios
de comunicação de massa abalaram o papel central dos livros enquanto veículos de ideias
capazes de tocarem e arrebanharem os humanos. Mesmo que Heidegger negue, sua “Carta
sobre o humanismo” seria sim uma tentativa de produzir um texto que retomasse
importância à questão, como provoca Sloterdijk (2009, p. 29): “Heidegger eleva o ser ao
papel de autor exclusivo de todas as cartas essenciais e nomeia a si mesmo como seu
presente relator”.
A partir daí o texto de Sloterdijk especula o futuro do gênero humano, tendo como
norte uma passagem de “Assim falou Zaratustra” (NIETZSCHE, 1986) na qual Nietzsche
descreve um vilarejo de homens que produzem a si próprios, alterando suas características
físicas de acordo com um projeto de sociedade. Fazem-se, do mesmo modo que faz-se o
lobo em cão. Aí Sloterdijk (2009, p. 44) vale-se do termo antropotécnica, o processo
ontológico através do qual o homem molda o homem, formatando-se, tendo a si mesmo
como fim. Vem daí a ideia de “parque humano”: a sociedade é como um zoológico ou um
parque de diversões, nas quais as atrações são os homens, que precisam ser administrados.
Ainda que o conceito tenha sido criticado à época, sendo tomado como eugenista por suas
especulações a respeito da engenharia genética, não trata-se disto. É um pressuposto de
liberdade, já que retira o homem de sua postura domesticada e o chama ao jogo, porém
evitando o afã humanista do existencialismo. É, como propõe o Zaratustra de Nietzsche
(1986) transformar-se em criança para abrir para si um novo horizonte de possibilidade de
ser.
Porque eu sou sua humanidade. Sou importante. Sou o que mantém você
ativo (...) Ó, eu sei que estou um pouco abatida e maltratada, mas ainda
valho a pena, não? No fim das contas, sem mim não haveria razão em
seguir correndo, haveria? 6 (MOORE et al, 2009, p. 75, tradução nossa)
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No original: “He's there... I know... that he is there... And I know the he... is smiling... but I don't... look
back”.
Considerações finais
Ao final deste percurso, fica clara a importância do tema do humano para Alan
Moore, e os desdobramentos que a questão adquire. Dada a origem de ambos os
Referências
JERPHAGNON, Lucien. História das grandes filosofias. São Paulo: Martins Fontes,
1992.
JUNG, Carl. Memórias, sonhos e reflexões. São Paulo: Nova Fronteira, 2012.
MOORE, Alan et tal. Saga of the Swamp Thing - Book One. Nova York: DC Comics,
2009a.
______ et tal. Saga of the Swamp Thing - Book Two. Nova York: DC Comics, 2009b.
______; O‟NEILL, Kevin. A liga extraodinária - Vol. 1. São Paulo: Panini, 2009.
WEIN, Len. Home again, home again - An introduction of sorts. In: MOORE, Alan et tal.
Saga of the Swamp Thing - Book One. Nova York: DC Comics, 2009. p. 6-9.