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Introdução
A interação tem sido enfatizada por várias vertentes teóricas como condição para
o desenvolvimento e a aprendizagem, ocasionando assim a disseminação de pesquisas
que tem como lócus as aulas. Sendo assim, é no lócus da sala de aula que se tem
direcionado pesquisas de natureza etnográfica, micro etnográfica, etc., para evidenciar
como se dá a interação nestes contextos e de que modo são condizentes ou não para a
aprendizagem.
A relevância da interação tem sido enfatizada e justificada pela perspectiva
sócio-histórica (VYGOTSKY, 1988) de aprendizagem que se dá no espaço social, nas
relações intersubjetivas e que é mediado fundamentalmente pela linguagem. Sendo que
são várias as pesquisas ancoradas em tais pressupostos teóricos que enfocam a interação
no processo de escolarização, os PCNs, documentos de orientação curricular tem na sala
de aula o foco na interação.
Também estudos que tem como lócus a sala de aula de Língua Estrangeira têm
buscado investigar o processo interativo, contudo, embora tais estudos tenham
focalizado a interação face a face na aula de Língua Estrangeira eles não abordam a
interação como ação conjunta, ou seja, co-construídas pelos participantes engajados na
interação.
Entretanto, é importante ressaltar que as pesquisas fundamentadas pela
perspectiva sócio-histórica não dão conta e não tem o objetivo de interpretar a interação
face a face com vistas às ações co-construídas pelos participantes durante a fala-em-
interação. Sendo assim, em consonância a esses pressupostos sócio-históricos é possível
se valer de aportes teóricos metodológicos que interpretam a fala-em-interação, a partir
das ações que são co-construídas pelos participantes.
Nessa perspectiva, para os estudos da fala-em-interação se justifica os
pressupostos teóricos metodológicos da Análise da Conversa (SACKS, SCHEGLOFF
& JEFFERSON, 1974). Sendo assim, no presente trabalho pretende-se descrever e
interpretar a partir da perspectiva da Análise da Conversa Etnometodológica uma
situação de interação de sala de aula, buscando verificar através da análise da
seqüencialidade da tomada de turnos como os participantes co-constroem a participação
no desenvolvimento de uma atividade que visa o cumprimento de um mandato
institucional e também os modelos interacionais que são co-construidos no decorrer da
interação. Deste modo, serão utilizados dados de fala-em-interação de uma aula de
Língua Estrangeira, Língua Inglesa de uma 1ª série do Ensino Fundamental de uma
escola particular da região centro-oeste do Paraná.
Assim, para o desenvolvimento deste trabalho o texto terá a seguinte
organização: contextualização e descrição da Análise da Conversa Etnometodológica.
Também será enfocada a fala em interação institucional e a fala em interação cotidiana,
depois será enfatizado a organização da fala em interação em sala segundo modelos
interacionais buscando exemplificar a partir dos excertos dos dados de fala-em-
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interação nas aulas lócus deste trabalho e tecendo comentários sobre a organização da
participação na interação.
1. Desenvolvimento
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Contudo, é importante ressaltar que ACE tem como referente a forma básica de
sistema de troca de fala, a qual garante que os participantes da interação falem um de
cada vez e que a alocação de turnos de fala entre eles seja sempre local. (GARCEZ,
2007).
Para o estudo da fala-em-interação, da troca de fala ou turnos, é preciso
considerar algumas noções fundamentais para análise da conversa, dentre estas de
acordo com Loder, Salimen e Muller (2007) a noção de seqüencialidade e de pares
adjacentes. Sendo que a noção de seqüência refere-se ao fato de que as ações
constituídas pelo uso da linguagem são organizadas em seqüência de elocuções
produzidas por diferentes participantes.
Todavia as autoras ressaltam que na ACE a noção de seqüência é constituída por
dois elementos, sendo estes as elocuções produzidas sucessivamente e a alternância
ordenada dos participantes na vez de tomar a palavra. Deste modo a seqüência pode se
dar nos turnos em séries assim como naqueles que não estão necessariamente em
seguida mas que tem relação com os turnos anteriores.
É importante ressaltar também que é essa noção de seqüencialidade na ACE são
chamadas de pares adjacentes, uma vez que são compostas de duas elocuções
posicionadas uma seguida da outra, sendo um exemplo condizente uma pergunta
seguida por uma resposta, ou seja, num turno uma pergunta e no outro seqüente uma
resposta. (LODER; SALIMEN; MULLER).
Sendo assim, é através da seqüencialidade da tomada de turnos que a ACE
estuda a fala-em-interação, por isso convém ressaltar noções fundamentais sobre turnos
de fala. Freitas e Machado (2007) descreve a organização de tomada de turnos tomando
como base a abordagem de Schegloff (1992b) para o qual os turnos são seqüências de
fala de um participante da conversa, são segmentos construídos a partir de Unidades de
Construção de Turno (UCTs) e podem corresponder a unidades como sentenças,
orações, palavras isoladas, locuções frasais e recursos prosódicos. Deste modo, um
turno não precisa necessariamente ser uma frase completa, mas uma palavra, uma
exclamação, etc.
Entretanto, na seqüencialidade dos turnos um vai sendo seguido por outro, sendo
assim como o falante define o momento de troca de turno é explicado pela ACE. Nessa
perspectiva Freitas e Machado (2007) abordaram sobre estes locais relevantes para
transição dos turnos (LRT), ou seja, os lugares em que os falantes identificam uma
possível completude de uma UCT e a possibilidade de fazer a troca de turno. Sendo que
também segundo as autoras, Sacks, Schegloff, e Jefferson (1974) apontam que outros
aspectos também podem sinalizar um lugar relevante para transição de turno, por
exemplo, a entonação.
Desta maneira, definido que os turnos têm uma unidade de construção (UCT)
que o compõe e também um lugar (LRT) ou pistas relevantes para sua transição, é
importante discorrer sobre a alocação dos turnos nos lugares relevantes (LRT). Para
alocação dos turnos nos lugares relevantes para transição há dois tipos de prática para a
seleção dos próximos falantes, sendo estas, a seleção do próximo, quando falante
corrente seleciona o próximo falante e a auto-seleção, quando o próximo falante se auto-
cadidata para tomar o turno. (FREITAS, MACHADO, 2007).
Contudo, tais práticas de alocação de turnos nos lugares relevantes para
transição da UCTs, são pertinentes a conversa cotidiana, variando na fala-em-interação
institucional que será descrita na próxima subseção.
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autora, que cita a entonação na conversa cotidiana, a qual serve para acusar o
recebimento de uma informação, já na aula, interação institucional, a entonação pode
ser característica de avaliação positiva ou negativa.
Deste modo, a partir das características gerais da fala institucional, orientação
para o cumprimento do mandato institucional, restrições às contribuições aceitas e
inferência de enquadres e procedimentos, verifica-se que a fala em aula caracteriza-se
como institucional, por um objetivo um mando institucional a cumprir que é o ensino e
aprendizagem, tem restrições como por exemplo, a alocação dos turnos que será
detalhada na próxima subseção e também enquadres e procedimentos peculiares.
Sendo assim, considerando que a escola é um lócus de interação institucional
que segundo Garcez (2002) cada um dos participantes tem objetivos que visam cumprir
em ação conjunta na interação, ou seja, o objetivo da interação na sala de aula é o
processo de ensino e aprendizagem, neste enfoque torna-se relevante para o estudo da
interação as propostas de modelo interacional para fala-em-interação institucional.
Ademais, ainda na perspectiva dos desdobramentos teóricos de Drew e Heritage
(1992) que enfocam a interação em sala de aula é importante salientar que são as
finalidades da aula que a caracterizam o evento de interação institucional e não
necessariamente o espaço físico enquanto sala de aula, mas as metas e ações dos
participantes em tal perspectiva. Também são com vistas a tais finalidades que os
participantes da interação professor e aluno co-constroem ações que ratificam suas
identidades sociais naquela instituição. Sendo assim não é o professor necessariamente
que se afirma como tal que constrói sua identidade social de professor, mas são suas
ações em sala de aula que caracterizam, por exemplo, o professor tem o direito de alocar
o turno dos alunos, ou seja, determinar que alguns alunos façam uso da fala, o aluno por
sua vez ratifica essa identidade do professor, sua ação co-constrói esta identidade ao
passo que também co-constrói a sua de aluno, pois, no momento que este faz uso da fala
quando designada isto é alocada pelo professor enquanto que um aluno não seleciona
outro como falante. (JUNG, GONZALEZ, 2007)
Sendo assim, são as ações co-construídas em sala de aula que caracterizam a
identidade do professor enquanto aquele que tem o objetivo de ensinar e o aluno aquele
que tem o de aprender. No entanto, de acordo com Jung e Gonzalez (2007) na sala de
aula a simetria na construção muitas vezes não é válida, ou seja, pode-se dizer que
professor e alunos co-constroem ações não para uma participação colaborativa na
construção do conhecimento, em que ambos empreendem ações mais ou menos
igualitárias neste objetivo, mas sim tais participantes co-constroem uma assimetria na
interação e nas ações para construção do conhecimento, ou seja, o professor posiciona-
se com aquele que tem maior poder e que sabe e o aluno ratifica isso empreendendo
ações em conjunto com o professor, tendo assim sua participação na construção da
aprendizagem em aula reduzida.
Desta maneira, a sala de aula enquanto cenário de fala institucional é o espaço
onde a fala-em-interação é co-construida com vistas ao cumprimento do mandato
institucional, também levando em conta as dimensões de conduta interacional (DREW,
HERITAGE, 1992 apud DEL CORONA, 2007), sendo estas: escolha lexical,
construção dos turnos, seqüencialidade, organização macro-estrutural e epistemologia
social e relações sociais.
Entretanto, com relação as dimensões de conduta interacional sobre a fala em
aula será enfatizado a seqüencialidade e a construção de turnos com vistas a descrever
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Excerto 1
1 Julia: Como que era?
2 Paulo: Pen, pen, pencil.
3 Ariel: Sharpner.
4 Julia: Sharpner.
Excerto 2
1 Julia: Como que eu posso chamar esse?
2 Pablo: eraser
3 Julia: ruler
Excerto 3
1 Julia: What’s this?
2 Cintia: eu sei, eu sei
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3 Felipe: ruler
4 Julia: Ruler, Ruler, será
5 Ariel: é culd book
6 Julia: é quase parecido
7 Cintia: book
8 Julia: só book
9 Cintia: book, não, também tem, é notebook
10 Ariel: notebook, notebook.
11 Julia: yes, this is a notebook, very good.
Nesse excerto verifica-se que Julia não está somente fazendo uma testagem em
busca de uma resposta certa, mas está oportunizando que os alunos vão participando e
buscando a resposta. Sendo assim, na seqüencialidade da interação os alunos vão
tomando turno e respondendo a pergunta feita na iniciação de Julia, ela por sua vez não
avalia já na primeira resposta, mas fornece pistas para que os alunos continuem
buscando a resposta.
É importante ressaltar que a estrutura do IRA é um prática presente em todas as
salas de aula, está inerente na fala-em-interação da aula, sendo possível fazer deste
apenas uma testagem e controle da a participação dos alunos, ou também valer-se de sua
forma não-transgressiva como propõe Garcez (2006) co-construindo oportunidades para
participação.
Como visto no modelo IRA a fala em sala de aula apresenta um sistema
diferenciado da conversa cotidiana, pois no dia-a-dia ninguém pergunta para avaliar,
mas sim porque deseja realmente obter a informação. Sendo que também quanto ao
sistema de tomada turnos em aula é o professor que dá a iniciação.
Ademais, diferente do modelo IRA sempre presente na sala de aula há mais um
modelo interacional identificado e nomeado por O’Connor e Michaels (1996), o
Revoicing ou revozeamento.
O’Connor e Michaels (1996) enfatizaram uma prática na fala-em-interação na
qual a professora ao invés de utilizar a seqüência IRA fazia uso do revozeamento, ou
seja, um redizer do turno anterior para reexame pelo seu produtor. (GARCEZ, 2007).
Sendo assim, ao invés de avaliar o que o aluno diz, a professora repete o turno
do aluno, para que este além de ser ratificado possa ter um trabalho melhor
desenvolvido, uma vez que seu turno torna-se relevante para a interação.
O’Connor e Michaels (1996) ressaltam que,
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define que alocação dos turnos deve ser feita pelo professor e não por um falante em
geral, sendo assim a regra descreve a assimetria existente na fala-em-interação na sala
de aula.
Dentre as regras descritas no modelo tomemos como exemplo I (A), na qual é
dado ao professor a alocação do turno inicial e a seleção do próximo falante, sendo que
nenhum outro falante tem o direito de tomar o turno. No excerto seguinte Julia seleciona
Caio para tomar o turno, no entanto este não o faz, já Ariel tenta assaltar o turno de
Caio, mas, no entanto não é ratificado por Julia que volta a selecionar Caio.
Excerto 3
1 Julia: Caio What’s this?
2 Ariel: Pencil
3 Julia: Caio What’s this?
Excerto 3 (continuação)
1 Julia: Caio What’s this?
2 Ariel: Pencil
3 Julia: Caio What’s this?
4 Caio: Pencil
5 Julia: Ok. Very Good. Pencil
Outra regra do sistema de tomada de turnos para sala de aula que convém
destacar é a II (C) a qual discorre que se o turno do aluno selecionado não envolver o
uso da técnica o falante atual seleciona o próximo, então o aluno pode continuar a
menos que o professor se auto-selecione.
Excerto 4
1 Pablo: Na minha school tem classroom, é notebook, tem
pencil, deixa eu ver book também.
2 Julia: Legal Pablo, tem library também.
Nesse excerto, Pablo, como visto, na regra não tem direito de selecionar o
próximo falante, mas poderia continuar o excerto se Julia não se auto-selecionasse,
sendo que foi isso que aconteceu e ela acabou alocando o turno novamente.
Sendo assim, a partir das regras do sistema de tomada de turno percebe-se que o
professor é que sempre tem direito a alocação de turnos, auto-seleção e seleção dos
próximos falantes. Deste modo verifica-se que a sala de aula tem caráter institucional
que as relações são assimétricas e que a identidade de professor é facultado o direito de
conduzir a interação, certamente que sempre em co-construção com os alunos.
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Considerações Finais
Referências
CLARK. H. O uso da linguagem. In: AZEVEDO, N. O; GARCEZ, P. M. (trad)
Cadernos de Tradução. Porto Alegre, p. 42-71, 2000.
COULON, A. Etnometodologia e Educação. Tradução de Guilherme João de Freitas
Teixeira. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
DEL CORONA, M. Fala-em-interação cotidiana e fala-em-interação institucional.
In: LODER. L. L. JUNG. N. M. Fala-em-interação social: uma introdução à Análise
da Conversa Etnomentodológica. 2007. (em fase de revisão).
ERICKSON, F. Prefácio. In: COX, M. I. P; ASSIS-PETERSON, A. As Cenas da sala
de aula. Campinas: Mercado de Letras, 2001.
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