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Projeto gráfico
Quarteto Editora
Revisão de texto
José Carlos Sant’Anna
Capa
Morro da Favela, 1924 - Óleo / tela 64 X 76 - Tarsila do Amaral
Coleção João Estéfano, SP
Disponível em: Portal do Movimento Estudantil no Brasil.
http: //movebr.wikidot.com/galeria:tarsila-do-amaral.
Arte finalização
Designconceito
Os Editores
Sumário
FUNDAMENTOS
17 Crítica ao programa de Gotha – Observações sobre o Programa
do Partido Operário Alemão
Karl Marx
HISTÓRIA IMEDIATA
75 O capital na era da luta de classes disciplinada
Francisco José Soares Teixeira
IDEIAS EM MOVIMENTO
147 Resenha – Chvostimus und Dialektik (Reboquismo e Dialética)
Livro Inédito de György Lukács (Edição italiana, Coscienza di Classe e Storia
– Codismo e Dialettica, Roma, Edizioni Alegre, 207, 166 p., posfácio de Slavoj
Zizek).
Antonio Carlos Mazzeo
NT: O senhor sempre foi um intelectual orgânico. Como ocorreu a sua entrada, a militância
e a saída do PCB?
LK: Como disse acima, entrei como militante de Juventude Comunista, da qual me afastei
por desídia: as reuniões eram no domingo, pela manhã, e nos sábados sempre havia festinhas
noturnas, que se prolongavam pela madrugada. Eu não conseguia mais acordar a tempo
para as reuniões.
NT: Professor, como examina o papel do operador político – o partido – como a vanguarda
da classe trabalhadora no enfrentamento das questões fundamentais para a emancipação
humana?
LK: Uma das principais contribuições de Marx à teoria social está na abordagem do tema da
alienação, do esvaziamento com que se defronta o sujeito que quer criar como sujeito.
NT: Quais os desafios que um militante socialista enfrenta, num mundo permeado pela
reificação?
LK: No campo teórico, tal como ele se liga diretamente à atividade do sujeito – a práxis –
essa opressão se faz sentir com força no trabalho e nos trabalhadores. O conhecimento da
realidade fica deformado e as vezes é suprimido pela reificação. A maior responsabilidade
dos militantes socialistas é a de lutar contra isso.
NT: Um dos temas do debate deste início de século é a degradação ambiental e a ameaça aos
recursos naturais, e raramente este debate considera o papel da acumulação de capital neste
processo e relega a dimensão humana para a esfera individual. Como o senhor compreende
essa questão?
LK: A natureza vem sendo pragmaticamente explorada, mas agora a exploração está se in-
tensificando. Dos tempos de Marx para cá, o quadro piorou muito. E, o que é pior, tende
a piorar mais ainda. A hipercompetitividade acaba esgotando o esforço dos homens pela
preservação da natureza.
NT: Durante boa parte do século XX, há pelo menos três partidos comunistas que acolheram,
em sua estrutura orgânica, grande parte da cena cultural de seus países, no Brasil, na Itália
e na França. Podemos dizer que nesse período o próprio debate e as diferentes concepções
estéticas se davam a partir destas organizações políticas?
LK: Seria necessário aprofundarmos nossos estudos sobre os três movimentos dos PCs aci-
ma citados. Podemos também examinar as possíveis contribuições de um quarto ou quinto
partido e ver se eles também têm subsídios para nós.
NT: Professor, quais foram os aspectos teóricos que o levaram a estudar e tomar maior
contato com a obra de intelectuais como Gramsci, Lukács e Walter Benjamin, que no pe-
ríodo de sua juventude não eram tidos como intérpretes preferenciais dentro do marxismo
internacional?
LK: Permita-me informá-lo de que publiquei há pouco um livro intitulado Em torno de
Marx que discute exatamente essa questões que você propõe nessa pergunta.
NT: O senhor tem afirmado, a partir de seus estudos literários, que o realismo é a Grande
Arte, como e em quais autores esta Grande Arte se manifesta na cena literária atual?
LK: A Grande Arte da tradição marxista vem mostrando que apesar das dificuldades, no
conceito, ainda resiste melhor do que outros elementos do pensamento de Marx, ao desgaste
do tempo.
NT: Em recente entrevista, o escritor e crítico literário, Tzvetan Todorov afirmou não acreditar
ser possível que envolvimentos amorosos e carnais sirvam de material para a construção de
uma obra literária. Por outro lado, vários escritores contemporâneos deixam claro que seus
romances são diretamente elaborados a partir de suas vidas. Como você analisa esta dicotomia
entre a experiência do autor e a construção da obra literária?
LK: Parece-me que, sob o rótulo da experiência do autor, Todorov se afasta bastante do
materialismo. Nas condições atuais, se eu tivesse que escolher, preferiria o terreno da cons-
trução da obra.
NT: Como o senhor analisa a continuidade dos estudos de Lukács pretendida por Meszá-
ros?
LK: Gosto da obra de Meszáros, de suas análises densas e agudas. O fato de eventualmente
descobrirmos pequenas divergências, não me impede de reconhecer em Meszaros uma ex-
pressão vigorosa da mesma tendência teórica em que me situo.
Crítica
ao programa de Gotha – Observações sobre
o Programa do Partido Operário Alemão – Karl Marx
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nômicas são reguladas por ideias jurídicas ou não serão, ao contrário, as relações jurídicas
que nascem das relações econômicas? Os socialistas sectários não têm, também eles, as mais
diversas concepções sobre a repartição “equitativa”?
Para sabermos o que devemos entender, da “repartição equitativa”, temos de comparar o
primeiro parágrafo com este. Este supõe uma sociedade na qual “os instrumentos de trabalho
são patrimônio comum e que o trabalho é regulamentado pela comunidade”, ao passo que
o primeiro parágrafo nos mostra que “o produto pertence integralmente, por igual direito,
a todos os membros da sociedade”.
“A todos os membros da sociedade”? “Mesmo aos que não trabalham? O que acontece
então ao produto integral do trabalho”? – Só aos membros da sociedade que trabalham? Que
acontece, neste caso, ao “direito igual” de todos os membros da sociedade?
Mas, falar que “todos os membros da sociedade”, e “direito igual” é apenas, manifes-
tamente, maneira de falar. O essencial é que, nesta sociedade comunista, cada trabalhador
deve receber um “produto integral do trabalho”, à maneira lassalliana.
Se tomarmos, em primeiro lugar, a expressão “produto do trabalho” no sentido do
objeto criado pelo trabalho, então o produto do trabalho da comunidade é a totalidade do
produto social.
Daqui há que se deduzir:
Primeiro: a parte destinada a substituir os meios de produção usados;
Segundo: uma fração suplementar para aumentar a produção;
Terceiro: um fundo de reserva ou de seguro contra os acidentes, as perturbações devidas
a fenômenos naturais etc.
Essas deduções do “produto integral do trabalho” são uma necessidade econômica, cuja
importância será, em parte, determinada com a ajuda do cálculo das probabilidades, tendo
em conta o estado dos meios e das forças em jogo; em todo o caso, não podem, de maneira
alguma ser calculadas com base na equidade.
Resta a outra parte do produto total, destinada ao consumo.
Mas, antes de proceder à repartição individual, é preciso ainda retirar:
Primeiro: os encargos gerais da administração não relativos à produção.
Em comparação com o que se passa na sociedade atual, a redução imediata é imensa e
decresce à medida que se desenvolve a nova sociedade.
Segundo: a parte destinada a satisfazer as necessidades da comunidade: escolas, sane-
amento básico etc.
Esta fração aumenta imediatamente de importância, em comparação com o que se passa
na sociedade atual, e esta importância cresce à medida que se desenvolve a nova sociedade.
Terceiro: o fundo necessário ao sustento dos que estão incapacitados para o trabalho
etc., numa palavra, o que compete ao que hoje se chama beneficência pública oficial.
Crítica
ao programa de Gotha – Observações sobre
o Programa do Partido Operário Alemão – Karl Marx
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Mas uns indivíduos são física ou moralmente superiores a outros e, portanto, fornecem
mais trabalho no mesmo tempo ou podem trabalhar mais tempo, e para que o trabalho
possa servir de medida, é precise determinar a sua duração ou a sua intensidade, senão
deixaria de ser unidade. Esse direito igual é um direito desigual para um trabalho desigual.
Não reconhece nenhuma distinção de classe, porque cada homem é um trabalhador como
os outros; mas reconhece tacitamente como privilégio natural a desigualdade dos dons
individuais e, por conseguinte, da capacidade de rendimento. Portanto, no seu teor, é um
direito baseado na desigualdade, como todo o direito. Pela sua natureza, o direito não
pode deixar de consistir no emprego de uma mesma unidade de medida; mas os indivíduos
desiguais (e não seriam indivíduos distintos se não fossem desiguais) só são mensuráveis
por uma unidade comum enquanto forem considerados de um mesmo ponto de vista,
apreendidos por um só aspecto determinando; por exemplo, no caso presente, enquanto
forem considerados como trabalhadores e nada mais, fazendo-se abstração de todo o resto.
Por outro lado: um operário é casado, outro não; um tem mais filhos que o outro etc., etc.
Com igualdade de trabalho e, por conseguinte, igualdade de participação no fundo social
de consumo, há, portanto, uns que efetivamente recebem mais que os outros, uns que são
mais ricos que os outros etc. Para evitar todos esses inconvenientes, o direito deveria ser
não igual, mas desigual.
Mas esses defeitos são inevitáveis na primeira fase da sociedade comunista, tal como
acaba de sair da sociedade capitalista, após um longo e doloroso parto. O direito nunca pode
ser mais elevado que o estado [situação] econômico da sociedade e o grau de civilização que
lhe corresponde.
Numa fase superior da sociedade comunista, quando tiver desaparecido a escravizante
subordinação dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, a oposição entre o trabalho
intelectual e o trabalho manual; quando o trabalho não for apenas um meio de viver, mas se
tornar ele próprio na primeira necessidade vital; quando, com o desenvolvimento múltiplo
dos indivíduos, as forças produtivas tiverem também aumentado e todas as fontes da riqueza
coletiva brotarem com abundância, só então o limitado horizonte do direito burguês poderá
ser definitivamente ultrapassado e a sociedade poderá escrever nas suas bandeiras: “De cada
um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades!”
Alonguei-me particularmente sobre o “produto integral do trabalho”, sobre o “direito
igual” e a “repartição equitativa”, a fim de mostrar como é criminoso o intento dos que, por
um lado, querem impor doravante ao nosso Partido, como dogmas, concepções que tiveram
algum significado numa determinada época, mas não passam hoje de uma fraseologia obsoleta
e que, por outro lado, falseiam a concepção realista com tanto esforço inculcada no Partido,
mas hoje com profundas raízes nele; e tudo isto com a ajuda das patranhas de uma ideologia
jurídica ou outra, tão familiares aos democratas e socialistas franceses.
Mesmo abstraindo de tudo o que acaba de ser dito, era de qualquer modo um erro dar
tanta importância ao que se chama a repartição e nela colocar a tônica.
Em todas as épocas, a repartição dos objetos de consumo é consequência do modo
como estão distribuídas as próprias condições da produção. Mas esta distribuição é uma
Crítica
ao programa de Gotha – Observações sobre
o Programa do Partido Operário Alemão – Karl Marx
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Lassalle sabia de cor o Manifesto Comunista, do mesmo modo que os seus fiéis sabem
as sagradas escrituras de que ele é autor. Se o falsificava tão grosseiramente, era apenas para
dissimular a sua aliança com os adversários absolutistas e feudais contra a burguesia.
No parágrafo citado, aliás, a sua máxima é agarrada pelos cabelos, sem qualquer rela-
ção com a citação desfigurada dos estatutos da Internacional. Trata-se aqui simplesmente
de uma impertinência e, na verdade, de uma impertinência que de modo algum pode ser
desagradável aos olhos do Sr. Bismark; uma dessas atitudes baratas em que é especialista o
Marat berlinense. (Hasselmann)
5. “A classe operária trabalha para a sua libertação, em primeiro lugar, no quadro do
atual Estado nacional, sabendo bem que o resultado necessário dos seus esforços comuns aos
operários de todos os países civilizados será a fraternidade internacional dos povos”.
Contrariamente ao Manifesto Comunista e a todo o socialismo anterior, Lassalle tinha
concebido o movimento operário do ponto de vista mais estreitamente nacional. E depois
da atividade da Internacional, ainda o segue neste terreno!
É absolutamente evidente que, para poder lutar, a classe operária tem de se organizar
enquanto classe no seu próprio país, e que os respectivos países são o teatro imediato da sua
luta. É nisso que a luta de classe é nacional, não no seu conteúdo, mas, como diz o Manifesto
Comunista, “na sua forma”. Mas o próprio “quadro do atual Estado nacional”, por exemplo,
o do Império alemão, entra por sua vez, economicamente, “no quadro” do mercado universal
e, politicamente, “no quadro” do sistema dos Estados. Qualquer comerciante sabe que o co-
mércio alemão é também comércio externo e a grandeza do Sr. Bismark reside precisamente
no caráter da sua política internacional.
E a que é que o Partido Operário Alemão reduz o seu internacionalismo? À consciência
de que o resultado dos seus esforços “será a fraternidade internacional dos povos” – expressão
tirada da Liga burguesa para a paz e a liberdade, que se queria fazer passar por um equiva-
lente da fraternidade internacional das classes operárias na sua luta comum contra as classes
dominantes e os seus governos. Das funções internacionais da classe operária alemã, por
conseguinte, nem uma palavra! E é assim que ela quer dobrar a parada face à sua própria
burguesia, que já fraterniza contra ela com os burgueses de todos os outros países, bem como
à política de conspiração internacional do Sr. Bismark!
Na realidade, a profissão de internacionalismo do programa está ainda infinitamente
abaixo da do partido livre-cambista. Também este pretende que o resultado final da sua
ação seja a “fraternidade internacional dos povos”. Mas esse ainda faz alguma coisa para
internacionalizar o comércio e de maneira nenhuma se contenta em saber que cada povo
faz comércio no seu país.
A ação internacional das classes operárias não depende de modo algum da existência
da Associação Internacional dos Trabalhadores. Esta foi somente a primeira tentativa para
dotar essa ação de um órgão central; tentativa que, pelo impulso dado, teve consequências
duradouras, mas que, na sua primeira forma histórica, não podia sobreviver muito tempo à
queda da Comuna de Paris.
II
“Partindo desses princípios, o Partido Operário Alemão esforça-se, por todos os meios
legais, para implantar o Estado livre – e – a sociedade socialista; para abolir o sistema de
trabalho assalariado com a lei de bronze dos salários... bem como... a exploração em todas
as suas formas; para eliminar toda a desigualdade social e política”.
Quanto ao Estado “livre”, mais adiante voltarei a ele. Com que então, de futuro, o
Partido Operário Alemão terá de acreditar na “lei de bronze” de Lassalle! Para não arruinar
essa lei, comete-se a insensatez de falar em “abolir o sistema do salário” (era preciso dizer:
sistema de trabalho assalariado) “com a lei de bronze dos salários”. Se eu suprimo o trabalho
assalariado, suprimo naturalmente ao mesmo tempo as suas leis, sejam elas “de bronze” ou de
cortiça. Mas a luta de Lassalle contra o trabalho assalariado gravita quase exclusivamente em
torno dessa pretensa lei. Em consequência, para ficar bem claro que a seita de Lassalle venceu,
é preciso que o “sistema do salário” seja abolido, “com a sua lei de bronze” e não sem ela.
Da “lei de bronze dos salários”, como se sabe, nada pertence a Lassalle, a não ser a
expressão “de bronze”, que ele foi buscar às “leis eternas, às grandes leis de bronze” de Go-
ethe. A expressão de bronze é a senha pela qual os crentes ortodoxos se conhecem. Mas se
admitirmos a lei com o selo de Lassalle e, por conseguinte, na acepção em que ele a toma, é
preciso que se admita igualmente o seu fundamento. E que fundamento? Como o mostrava
Lange, pouco após a morte de Lassalle, é a teoria da população de Malthus (pregada pelo
próprio Lange). Mas se essa teoria for correta, não pode abolir a lei, mesmo que seja supri-
mido cem vezes o trabalho assalariado, porque nesse caso a lei não rege somente o sistema
do trabalho assalariado, mas todo e qualquer sistema social. É precisamente com base nisso
que os economistas, há cinquenta anos ou mais, têm demonstrado que o socialismo não pode
suprimir a miséria, determinada pela natureza das coisas, mas apenas generalizá-la, reparti-la
por igual por toda a superfície da sociedade!
Mas o principal não é isso. Mesmo se abstraindo completamente da falsa versão las-
salliana dessa lei, o retrocesso verdadeiramente revoltante consiste no seguinte:
Desde a morte de Lassalle que o nosso Partido se abriu à perspectiva científica segundo
a qual o salário do trabalho não é o que parece ser, a saber, o valor (ou o preço) do trabalho,
mas tão somente uma forma disfarçada do valor (ou do preço) da força do trabalho. Assim,
de uma vez por todas, estava colocada de lado a velha concepção burguesa do salário, bem
como todas as críticas até então dirigidas contra ela, e estava claramente estabelecido que o
operário assalariado só é autorizado a trabalhar para assegurar a sua própria existência, isto
é, a existir, conquanto trabalhe gratuitamente durante certo tempo para os capitalistas (e,
por conseguinte, para os que, como estes últimos, vivem de mais valia); que todo o sistema
Crítica
ao programa de Gotha – Observações sobre
o Programa do Partido Operário Alemão – Karl Marx
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de produção capitalista visa prolongar este trabalho gratuito pelo aumento da jornada de
trabalho ou pelo aumento da produtividade, quer dizer, por uma maior tensão da força de
trabalho etc.; que o sistema de trabalho assalariado é, portanto, um sistema de escravidão
e, a falar a verdade, uma escravidão tanto mais dura quanto mais se desenvolvem as forças
sociais produtivas do trabalho, seja qual for o salário, bom ou mau, que o operário recebe.
E agora que esta perspectiva penetra cada vez mais no nosso Partido, volta-se aos dogmas
de Lassalle, quando se deveria saber que Lassalle ignorava o que é o salário e que, na pegada
dos economistas burgueses, tomava a aparência pela essência da coisa.
É como se, numa revolta de escravos que teriam finalmente penetrado no segredo da
escravidão, um escravo preso a concepções antiquadas inscrevesse no programa da revolta: a
escravidão deve ser abolida porque, nesse sistema, o sustento dos escravos não pode ultrapassar
um certo limite , extremamente baixo!
O simples fato de os representantes do nosso Partido terem sido capazes de cometer
um atentado tão monstruoso contra a concepção divulgada na massa do Partido mostra a
leviandade criminosa, a má-fé com que eles estavam imbuídos quando da redação do pro-
grama de transição!
Em vez da vaga frase com que termina o parágrafo: “eliminar toda a desigualdade social
e política”, era preciso dizer que, com a supressão das diferenças de classe, desaparece por si
mesma toda a desigualdade social e política resultante dessas diferenças.
III
“O Partido Operário Alemão exige, para preparar o caminho para a solução da questão
social, o estabelecimento de cooperativas de produção com a ajuda do Estado e sob o con-
trole democrático do povo trabalhador. As cooperativas de produção devem ser criadas, na
indústria e na agricultura, com uma amplitude tal que delas resulte a organização socialista
do conjunto do trabalho”.
Depois da “lei de bronze do salário” de Lassalle, vem a panacéia do profeta. “Preparam-se
as vias” de uma maneira digna. Substitui-se a luta de classes existente por uma fórmula oca de
jornalista: a “questão social”, para cuja “solução” se “prepara o caminho”. Em vez de resultar do
processo de transformação revolucionária da sociedade, “a organização socialista do conjunto
do trabalho” “resulta” da “ajuda do Estado”, ajuda que o Estado fornece às cooperativas de
produção que ele próprio (e não o trabalhador) “criou”. Acreditar que se pode construir uma
sociedade nova por intermédio de subvenções do Estado tão facilmente como se constrói um
novo caminho de ferro, eis uma coisa bem digna da imaginação de Lassalle!
Por um resto de pudor, coloca-se “a ajuda do Estado”... sob o controle democrático do
“povo trabalhador”.
Em primeiro lugar, o “povo trabalhador” na Alemanha compõe-se de uma maioria de
camponeses e não de proletários.
IV
Crítica
ao programa de Gotha – Observações sobre
o Programa do Partido Operário Alemão – Karl Marx
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histórica particular de cada país, mais ou menos desenvolvida. O “Estado atual”, ao contrário,
muda com a fronteira. É diferente no Império prussiano-alemão e na Suíça, na Inglaterra e
nos Estados Unidos. O “Estado atual” é, pois, uma ficção.
No entanto, os diversos Estados dos diversos países civilizados, não obstante a múltipla
diversidade das suas formas, têm todos em comum o fato de que assentam no terreno da
sociedade burguesa moderna, mais ou menos desenvolvida do ponto de vista capitalista. É o
que faz com que certos caracteres essenciais lhes sejam comuns. Neste sentido, pode se falar
do “Estado atual” tomado como expressão genérica, por contraste com o futuro em que a
sociedade burguesa, que no presente lhe serve de raiz, terá deixado de existir.
Então surge a pergunta: que transformação sofrerá o Estado numa sociedade co-
munista? Por outras palavras: que funções sociais análogas às atuais funções do Estado
subsistirão? Só a ciência pode responder a esta pergunta; e não é juntando de mil maneiras
a palavra “povo” com a palavra “Estado” que se fará com que o problema avance um passo
que seja.
Entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista situa-se o período de transformação
revolucionária de uma na outra, a que corresponde um período de transição política em que
o Estado não poderá ser outra coisa que não a ditadura revolucionária do proletariado.
Mas o programa, por agora, não se ocupa nem desta última nem do Estado futuro na
sociedade comunista.
As suas reivindicações não contêm nada mais que a velha ladainha democrática conhe-
cida de todos: sufrágio universal, legislação direta, direito do povo, milícia popular etc. São
simplesmente o eco do Partido Popular burguês, da Liga da Paz e da Liberdade. Nada mais
que reivindicações já realizadas, quando não são noções marcadas por um exagero fantásti-
co. Só que o Estado que as realizou não existe de modo algum no interior das fronteiras do
Império alemão, mas na Suíça, nos Estados Unidos etc. Esta espécie de “Estado do futuro”
é um Estado bem atual, ainda que exista fora do “quadro” do Império alemão.
Mas uma coisa foi esquecida. Já que o Partido Operário Alemão declara expressamente
que se move no seio do “Estado nacional atual”, portanto, do seu próprio Estado, o Império
prussiano-alemão – senão as suas reivindicações seriam na maior parte absurdas, porque só
se reclama o que se não tem – o Partido não devia ter esquecido o ponto capital, a saber:
todas essas belas pequenas coisas implicam o reconhecimento do que se chama a soberania
do povo e, portanto, só têm cabimento numa república democrática.
Já que não se ousa – e a abstenção é correta, porque a situação exige prudência – reclamar
a república democrática, como o faziam nos seus programas os operários franceses, sob Luís
Filipe e Luís Napoleão, também era preciso recolher a esta trapaça tão pouco “honesta” como
respeitável que consiste em reclamar coisas que só têm sentido numa república democrática
a um Estado que não passa de um despotismo militar, com uma armadura burocrática e
blindagem policial, adornado de formas parlamentares, com misturas de elementos feudais e
de influências burguesas, e, para além disso tudo, em assegurar alto e bom som a esse Estado
que se acredita ser possível impor-lhe tais coisas “por meios legais”!
Crítica
ao programa de Gotha – Observações sobre
o Programa do Partido Operário Alemão – Karl Marx
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se recorra à evasiva falaciosa de falar num certo “Estado do futuro”; nós já vimos o que ele
é) ao contrário, é o Estado que precisa ser rudemente educado pelo povo.
Aliás, todo o programa, apesar do seu badalar democrático, está infectado, de uma
ponta à outra pela servil crença da seita lassalliana no Estado, ou, o que não é melhor, pela
crença no milagre democrático; ou antes, é um compromisso entre essas duas espécies de fé
no milagre, igualmente afastadas do socialismo. “Liberalidade da ciência”, diz um parágrafo
da Constituição prussiana. Por que então pô-la aqui?
“Liberdade de consciência!” Se, nestes tempos de Kulturkcampf, se queria recordar ao
liberalismo as suas velhas palavras de ordem, só se podia fazê-la desta forma: “Todas as pessoas
devem poder satisfazer as suas necessidades religiosas e corporais, sem que a polícia meta o
nariz.” Mas o Partido Operário devia aproveitar a ocasião para exprimir a sua convicção de que
a “liberdade de consciência burguesa não é mais que a tolerância de todas as espécies possíveis
de liberdade de consciência religiosa, ao passo que ele se esforça por libertar as consciências
da fantasmagoria religiosa. Mas prefere-se não ultrapassar os limites “burgueses”.
E com isto chego ao fi m, pois o apêndice que acompanha o programa não constitui
uma parte característica do mesmo. Por isso serei muito breve.
2. “Jornada de trabalho”.
Em nenhum outro país o partido operário se limite a formular a uma reivindicação
tão imprecisa, mas estabelece sempre a duração da jornada de trabalho que, de acordo com
as circunstâncias, considera normal.
3. “Limitação do trabalho das mulheres e proibição do trabalho das crianças.”
A regulamentação da jornada de trabalho já deve implicar na limitação do trabalho das
mulheres no que diz respeito à duração, repouso etc.; não sendo assim, só pode significar a
exclusão das mulheres dos ramos da produção que sejam particularmente prejudiciais à sua
saúde física ou contrárias à moral, do ponto de vista do sexo. Se era isso que se tinha em
vista, era preciso dizê-lo.
“Proibição do trabalho das crianças”! Era absolutamente indispensável indicar o limite
de idade.
Uma proibição geral do trabalho das crianças é incompatível com a própria existência
da grande indústria; não passa, portanto, de um voto ingênuo e estéril. A aplicação dessa
medida, se ela fosse possível, seria reacionária, porque, desde que esteja assegurada uma estrita
regulamentação da jornada de trabalho segundo as idades, bem como outras medidas de
proteção das crianças, o fato de se combinar desde cedo o trabalho produtivo com a instrução
é um dos meios mais poderosos de transformação da sociedade atual.
4. “Fiscalização pelo Estado do trabalho nas fábricas, nas oficinas e no domicílio.”
Em se tratando do Estado prussiano-alemão, era absolutamente necessário exigir que os
inspetores fossem revogáveis apenas pelos tribunais; que qualquer operário pudesse denunciá-
los à Justiça por falta no cumprimento dos seus deveres; que fossem médicos de profissão.
Crítica
ao programa de Gotha – Observações sobre
o Programa do Partido Operário Alemão – Karl Marx
31
III
Artigos
louis Althusser e o corte epistemológico
no pensamento de karl marx e Friedrich Engels
Marcos Cassin*
A citação acima deixa explícito o papel cumprido pelo texto “A Ideologia Alemã”, ou
seja, rompimento definitivo com a concepção hegeliana e a sistematização dos princípios do
materialismo histórico, que resumidamente Marx apresenta no “Prefácio” do mesmo livro:
A conclusão geral a que cheguei e que, uma vez adquirida, serviu de fio
condutor dos meus estudos, pode formular-se resumidamente assim:
na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações
determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de
produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento
das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção
constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a
qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e a qual correspon-
dem determinadas formas de consciência social. O modo de produção
da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política
e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina
o seu ser; é o seu ser que, inversamente, determina a sua consciência
(Marx, 1983, p. 24).
1
Quanto ao nome recebido pela teoria formulada por Marx e Engels faz-se esclarecer que o próprio Engels a
utilizava e justifica, com humildade, em nota de rodapé no texto “Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica
alemã”: “Seja-me permitido aqui um pequeno comentário pessoal. Ultimamente, tem-se aludido, com frequ-
ência, à minha participação nessa teoria; não posso, pois, deixar de dizer aqui algumas palavras para esclarecer
este assunto. Que tive certa participação independente na fundamentação e, sobretudo, na elaboração da
teoria, antes e durante os quarenta anos de minha colaboração com Marx, é coisa que eu mesmo não posso
negar. A parte mais considerável das ideias diretrizes principais, particularmente no terreno econômico e
histórico, e especialmente sua formulação nítida e definitiva, cabem, porém, a Marx. A contribuição que eu
trouxe – com exceção, quando muito, de alguns ramos especializados – Marx também teria podido trazê-
la, mesmo sem mim. Em compensação, eu jamais teria feito o que Marx conseguiu fazer. Marx tinha mais
envergadura e via mais longe, mais ampla e mais rapidamente que todos nós outros. Marx era um gênio; nos
outros, no máximo homens de talento. Sem ele, a teoria estaria hoje longe de ser o que é. Por isso, ela tem,
legitimidade, seu nome.”
Louis
Althusser e o corte epistemológico
no pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels – Marcos Cassin
37
nada mais reste senão cruzar os braços e contemplar a verdade absoluta
conquistada. E isso não se passava apenas no terreno da filosofia, mas
nos demais ramos do conhecimento e no domínio da atividade prática.
Da mesma forma que o conhecimento, também a história nunca poderá
encontrar seu coroamento definitivo num estágio ideal e perfeito da hu-
manidade; uma sociedade perfeita, um “Estado” perfeito, são coisas que
só podem existir na imaginação. Pelo contrário, todas as etapas históricas
que se sucedem nada mais são que outras tantas fases transitórias no
processo de desenvolvimento infinito da sociedade humana, do inferior
para o superior (Engels, sd, p. 173).
Neste texto, Engels volta a afirmar que a filosofia termina com Hegel, uma vez que seu
sistema resume todo o desenvolvimento filosófico e, contraditoriamente, indica a saída dos
sistemas filosóficos, para o conhecimento positivo e real do mundo. O sistema de Hegel passa
a ter grande influência na Alemanha e especialmente entre a década de 30 e 40 do século
XIX, momento em que influenciou, além da filosofia, outras áreas do conhecimento.
A grande repercussão do pensamento hegeliano e do conjunto de sua doutrina, possi-
bilitava abrigar diversas ideias, sobretudo a religião e a política. Segundo Engels:
A luta interna na escola hegeliana e no combate à religião positiva levou a maioria dos
jovens hegelianos a se aproximarem do materialismo anglo-francês. Nesta luta dos jovens
hegelianos, aparece o texto “A Essência do Cristianismo”, de Ludwig Feuerbach, ao se referir
a esta obra e o impacto dela entre os jovens hegeliano, Engels afirma:
Por fim, nesta primeira parte de seu texto, Engels apresenta como toda a esquerda
hegeliana, ou jovens hegelianos, entre eles o próprio Marx, haviam sido influenciados pelo
materialismo feuerbachiano que havia quebrado o sistema de Hegel.
Na segunda parte do texto, Engels procura pontuar a questão que acompanha a filosofia
desde os tempos mais remotos, “a relação do ser e do pensar”. Ainda nesta parte do texto, Engels
faz menção às correntes materialista e idealista, estas decorrentes da primazia que se dá, ao ser ou
ao pensar; a possibilidade ou não do conhecimento é outro ponto que aparece neste momento
do texto e concluindo esta parte, o autor faz referências ao materialismo mecanicista.
Quanto à relação entre o ser e a consciência, Engels apresenta como uma questão que
acompanha o homem desde os tempos mais remotos, fruto da ignorância do próprio homem
que não conhecia seu organismo e que buscava explicar suas sensações como funções que
não correspondia ao seu corpo, forçosamente levando-o a refletir sobre a possibilidade da
dicotomia corpo e alma.
A dicotomia corpo e alma, ou matéria e espírito, necessariamente leva os homens a
perguntar-se sobre a situação do pensamento em relação ao ser. Os filósofos ao se posicionarem
a respeito desta relação se dividem em dois grandes campos, os que afirmam a primazia do
pensamento em relação ao ser, vão formar o campo dos idealistas, e os que entendem que o ser é
que tem a primazia sobre o pensamento formam o campo dos materialistas. Segundo Engels:
Neste divisor de águas, Feuerbach vai ter papel importante no interior dos jovens he-
gelianos, pois representa a possibilidade de romper com o hegelianismo em direção a uma
concepção de mundo materialista. Esta trajetória de Feuerbach é expressa por Engels:
Louis
Althusser e o corte epistemológico
no pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels – Marcos Cassin
39
xistência das categorias lógicas” antes que existisse um mundo, não são
mais que o resíduo fantástico da crença num criador ultraterreno; de que
o mundo material e perceptível pelos sentidos, e do qual nós, homens,
também fazemos parte, é o único real; e de que nossa consciência e nosso
pensamento, por muito supersensíveis que pareçam, são o produto de
um órgão material, corpóreo: o cérebro. A matéria não é um produto
do espírito e o próprio espírito não é mais que o produto supremo da
matéria. Isto é, naturalmente, materialismo puro (Engels, sd, p.182).
Engels finaliza esta segunda parte apontando para discussões que apareceram mais
à frente, como a corrente materialista mecanicista e do idealismo de Feuerbach, esta última
como centro da discussão da terceira parte do texto aqui apresentado.
A terceira parte do texto é dedicada exclusivamente a discutir onde reside o caráter
idealista do pensamento de Feuerbach. Engels já no primeiro parágrafo aponta o problema.
Onde se revela o verdadeiro idealismo de Feuerbach é em sua filosofia
da religião e em sua ética. Feuerbach não pretende, de forma alguma,
suprimir a religião, o que deseja é completá-la. A própria filosofia deve
converter-se em religião. “Os períodos da humanidade distinguem-se
uns dos outros apenas pelas transformações de caráter religioso. Para
que se produza um movimento histórico profundo é necessário que este
movimento se dirija ao coração do homem. O coração não é uma forma
de religião, de tal modo que ela devesse estar também no coração; ele
é a essência da religião” (citado por starcke, p. 168). Para Feuerbach,
a religião é a relação sentimental, a relação de coração de homem para
homem, que até agora procurava sua verdade numa imagem fantástica
da realidade – por intermédio de um ou de muitos deuses, imagens
fantásticas das qualidades humanas – e agora a encontra, diretamente,
sem intermediários, no amor entre Eu e Tu. Assim, para Feuerbach, o
amor entre os sexos acaba sendo uma das formas supremas, senão a forma
culminante em que se pratica sua nova religião [...].
Louis
Althusser e o corte epistemológico
no pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels – Marcos Cassin
41
Pelo menos na história moderna fica, portanto, demonstrado que todas
as lutas políticas são lutas de classes e que todas as lutas de emancipação
de classes, apesar de sua inevitável forma política, pois toda luta de classes
é uma luta política, giram em última instância em torno da emancipação
econômica. Portanto, aqui pelo menos, o Estado, o regime político, é o
elemento subordinado, e a sociedade civil, o reino das relações econô-
micas, o elemento dominante (Engels, sd, p.201).
Conclusão
2
As onze “Teses sobre Feuerbach” foram escritas por Marx na mesma época do texto “A Ideologia Alemã”,
portanto, nos parece que a crítica de Engels sobre a ausência de uma crítica da doutrina feubachiana também
era uma preocupação de Marx já em 1845/1846. Dada a importância das teses que, segundo Engels, representa
“o germine genial da nova concepção de mundo”, a anexamos neste texto.
Louis
Althusser e o corte epistemológico
no pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels – Marcos Cassin
43
Apesar de Engels afirmar os limites do texto “A Ideologia Alemã”, é no contexto de
sua elaboração que os autores rompem com o idealismo hegeliano, pois é nesse esforço que
as teses sobre Feurbach são escritas.
Na defesa de sua tese, Louis Althusser em nota de rodapé de seu texto “Elementos de
autocrítica” contrapondo-se às ideias de alguns de seus críticos, em particular Jonh Lewis,
que apontavam o corte já se encontrava nos Manuscritos de 1844.
John Lewis, como tantos outros críticos, pode muito bem me objetar que se encontra
nos Manuscritos de 44 a maioria dos conceitos clássicos da Economia Política clássica, como
os conceitos de: capital, acumulação, concorrência, divisão do trabalho, salário, lucro, etc.
Justamente: são os conceitos da Economia Política clássica que Marx empresta à Economia
Política tais como ele os encontra, sem mudar nada, sem acrescentar nenhum aspecto novo,
e sem modificar em nada seu dispositivo teórico. Nos Manuscritos de 44, Marx cita real-
mente os Economistas como dizendo a última palavra sobre a Economia. Ele não toca em
seus conceitos, e se os critica, é “filosoficamente”, de fora, e em nome do filósofo que não
esconde seu nome: “A crítica positiva da Economia Política deve seu verdadeiro fundamento
às descobertas de Feuerbach”, autor de uma “revolução teórica real” que Marx considera então
como decisiva (cf. Manuscritos de 44, Ed. Sociales, p. 2-3).
Para medir, digamos, a diferença, é suficiente pensar na ruptura com Feuerbach, alguns
meses mais tarde, nas Teses - e tomar nota deste fato: está fora de questão, nos Manuscritos,
a tríade conceitual inteiramente nova, que constitui a base do dispositivo teórico inédito
que começa a surgir na Ideologia Alemã: Modo de produção/ Relações de produção/ Forças
produtivas. O surgimento desse novo dispositivo vai provocar, desde a Ideologia Alemã, uma
nova distribuição dos conceitos da Economia Política clássica. Eles vão mudar de lugar, de
sentido e de papel (Althusser, 1978, p. 83).
Nessa passagem do texto de Althusser é importante destacarmos os elementos novos
que segundo o autor aparecem no texto “A Ideologia Alemã”, ou seja, um novo referencial
teórico construído a partir dos conceitos inéditos que ali aparecem; Modo de Produção,
Relações de Produção e Forças Produtivas passam a ser “a base do dispositivo teórico”, que
ira permitir Marx a construir a teoria do capital.
Por último, este corte epistemológico no pensamento de Marx representou a constru-
ção do materialismo histórico e que este surge como uma teoria anti-humanista, ou seja,
Marx rompe com o humanismo teórico. Em seu texto “Sustentação de teses em Amiens”,
Athusser afirma:
Podemos ler seus efeitos em O Capital. Marx mostra que o que determina
em última instância o conhecimento, não é o fantasma de uma essência
ou natureza humana, não é o homem, e nem mesmo “os homens”, mas
uma relação, a relação de produção, que se estabelece uma outra relação
com a Base, a infraestrutura. E, contra todo idealismo humanista, Marx
mostra que essa relação não é uma relação entre os homens, uma relação
entre pessoas, nem inter-subjetiva, nem psicológica, nem antropológica,
mas uma dupla relação: uma relação entre grupos de homens que diz
respeito à relação entre esses grupos de homens e as coisas, os meios de
produção (Althusser, 1978, p.162-163).
Referências
Louis
Althusser e o corte epistemológico
no pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels – Marcos Cassin
45
Trabalho voluntário e responsabilidade social da empresa:
novas formas de exploração da força de trabalho
e de extração da mais-valia
1
IAVE é uma organização global de liderança no voluntariado. Seus
membros estão distribuídos em 96 países em todas as Regiões do
* Silvana Aparecida de Souza mundo. Seu objetivo é apoiar, fortalecer e promover o voluntariado
é Doutora em Educação pela mundial. Em português é traduzido como Associação Internacional
USP, Professora da Universida- de Esforços Voluntários. (Heloísa Coelho, portal do voluntário. 17ª.
de Estadual do Oeste do Paraná Conferência mundial de Voluntários da IAVE. principal – Sobre o
(Unioeste), E-mail: sasouzau- voluntariado. Entrevista da semana – Entrevistas anteriores. [2006]
nioeste@hotmail.com disponível em: <http://www.portaldovoluntario.org.br/site/pagina.
php?idconteudo=440> Acesso em 05 abr. 2006).
Em 1997, uma resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) declarou 2001
como o Ano Internacional do Voluntariado. Depois disso, durante a primeira reunião do
Comitê Preparatório para a Sessão Especial da Assembleia Geral da ONU, ocorrida em
maio de 1999, desenhou-se uma estratégia para incorporar uma discussão sobre o papel do
voluntariado na reunião Copenhague +5 2.
O governo do Japão propôs tratar na Sessão Especial da ONU de Genebra-2000 o papel
do voluntariado no desenvolvimento social e a proposta foi aceita. Ocorreram diversas reuniões
preparatórias, nas quais houve “o comprometido apoio de personalidades do Brasil”3.
Nessa mesma Sessão da Assembleia Geral da ONU de 2000, determinou-se que duas
sessões da Assembleia Geral seriam voltadas para discutir “voluntariado” exclusivamente.
Também foi encomendado um relatório para examinar medidas que os governos e as Na-
ções Unidas deveriam adotar para apoiar o voluntariado em todo o mundo. Depois de um
extenso processo de reuniões, foram entregues os resultados na 39ª Sessão do Comitê para
o Desenvolvimento Social de fevereiro de 2001, convertendo-se numa resolução subscrita
por 50 países que “[...] contava com relevantes recomendações para que o voluntariado, em
nível mundial, tivesse uma primeira oportunidade para deixar a condição de invisibilidade
histórica, após séculos de existência e frutífera manifestação5”.
2
Esse histórico que passará a ser relatado referente à atuação da ONU e seus Estados-membros no que diz res-
peito ao incentivo ao desenvolvimento do trabalho voluntário foi apresentado por Douglas Evangelista, Diretor
Regional do Programa de Voluntariado das Nações Unidas (UNV), em conferência no Congresso Brasileiro do
Voluntariado.
3
Evangelista, 2002: p. 35.
4
Idem, ibidem, p. 35-36.
5
Idem, ibidem, p. 36.
6
Idem, ibidem, p. 36-40.
7
Landim e Scalon, 2000; Silveira, 2002; Dal Rio, 2004.
8
Landim e Scalon, 2000: p. 31.
Trabalho
voluntário e responsabilidade social da empresa: novas formas de exploração
da força de trabalho e de extração da mais-valia – Silvana Aparecida de Souza
49
Em 11 de dezembro de 1998 foi aprovada a Lei 9.732 que trata da isenção de contri-
buição à seguridade das entidades filantrópicas. E em 23 de março de 1999 foi sancionada
a Lei 9.790, que trata das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPS),
normatizando a relação Estado/sociedade no desempenho de ações no campo das políticas
públicas e o acesso de organizações sem fins lucrativos aos recursos públicos.
Nesse período começam a ser criadas no Brasil diversas entidades e programas de es-
tímulo e fomento ao trabalho voluntário como, por exemplo, o Programa Voluntários, do
Conselho do Comunidade Solidária criado em 1996; o RIOVOLUNTÁRIO, criado em
17 de junho de 1997; o Faça Parte - Instituto Brasil Voluntário, em 2001; o Portal do Vo-
luntário, em 2000; o Instituto Ethos9, dentre tantos outros portais na Internet de incentivo
ao trabalho voluntário.
Do mesmo modo, começam a despontar inúmeras iniciativas de empresas privadas, no
que diz respeito ao incentivo no desenvolvimento de atividades sociais por meio do trabalho
voluntário dos funcionários da empresa, de seus respectivos familiares ou da comunidade.
Essas iniciativas tomaram a denominação de Responsabilidade Social da Empresa (RSE):
Dentre essas iniciativas inclui-se o “Amigos da Escola”, iniciado em 1999 pela Rede
Globo: um projeto de comunicação que utiliza a força mobilizadora dessa rede de televisão
para incentivar o trabalho voluntário em escolas públicas. Pode-se ainda listar projetos de
empresas privadas como a Natura, o Boticário, Banco Itaú, Banco Bradesco, C&A, Nestlé,
Banco Real, dentre tantos.
Alguns anos depois, também empresas públicas começaram a desenvolver projetos de
RSE. Vide os exemplos da Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Furnas
Centrais Elétricas, Itaipu Binacional, Universidades públicas em geral.
9
O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social é uma organização não-governamental criada com
a missão de mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus negócios de forma socialmente responsável,
tornando-as parceiras na construção de uma sociedade sustentável e justa. Seus 1146 associados – empresas de
diferentes setores e portes – têm faturamento anual correspondente a cerca de 30% do Produto Interno Bruto
(PIB) brasileiro e empregam cerca de 1 milhão de pessoas, tendo como característica principal o interesse em
estabelecer padrões éticos de relacionamento com funcionários, clientes, fornecedores, comunidade, acionistas,
poder público e com o meio ambiente.
Idealizado por empresários e executivos oriundos do setor privado, o Instituto Ethos é um pólo de organização de
conhecimento, troca de experiências e desenvolvimento de ferramentas que auxiliam as empresas a analisar suas
práticas de gestão e aprofundar seus compromissos com a responsabilidade corporativa. É hoje uma referência
internacional no assunto e desenvolve projetos em parceria com diversas entidades no mundo todo. INSTITUTO
ETHOS- empresas e responsabilidade social. Sobre o Instituto Ethos. Disponível em: <http://www.ethos.org.br/
DesktopDefault.aspx?TabID=3334&Alias=Ethos&Lang=pt-BR> Acesso em 10 abr. 2006.
10
Lins, 2002: p. 67.
11
Cardoso, 2002: p. 21.
12
Perez e Junqueira, 2002.
13
ISO é uma entidade direcionada ao desenvolvimento de normas técnicas sobre gestão, produtos, processos
produtivos e métodos de testes e ensaios. Criada em 1947, atualmente congrega os grêmios de padronização/
normalização de 170 países. No final da década de 1970 criou as primeiras normas de gestão que ficaram co-
nhecidas como a série ISO 9000, todas relacionadas com a implementação e operação do que se convencionou
chamar de sistema de gestão de qualidade. (Barbieri e Cajazeira, 2009, p. 171-172).
14
Martin, 2010, p.76-77.
Trabalho
voluntário e responsabilidade social da empresa: novas formas de exploração
da força de trabalho e de extração da mais-valia – Silvana Aparecida de Souza
51
Diante da constatação desse enorme conjunto de ações articuladas entre a iniciativa
pública e a privada, com o objetivo da promoção de um novo tipo de voluntariado (laico e
na maior parte das vezes ligado a uma empresa ou a uma ONG, que por sua vez funciona
como braço social de alguma empresa), na condição de pesquisadora que tem o olhar cons-
tantemente voltado para o movimento de transposição da forma de organização do trabalho
do setor privado para a escola pública, e, considerando que grande parte das ações do que se
convencionou chamar de Responsabilidade Social da Empresa (RSE) se desenvolve na área
da educação, as perguntas que me moveram a realizar o estudo, do qual este texto é uma
síntese, foram as seguintes:
• Por que as empresas “resolveram” atuar, investir ou interferir na área social nos
últimos anos, de forma diferente do que se via até então?
• O trabalho voluntário ligado à RSE integra as relações, o processo ou a jornada de
trabalho? Se integra, de que modo isso ocorre?
• De que forma os trabalhadores passaram a participar dessas ações? Por quê? E como
as empresas os envolvem nisso?
Para buscar respostas a essas perguntas, a pesquisa, de caráter documental, teve como
fontes primárias livros, revistas e/ou sítios eletrônicos da área de gestão empresarial, que de-
fendem a perspectiva das chamadas ações de RSE, às quais o trabalho voluntário corporativo
está ligado. Cabe, portanto, ressaltar que este não é um estudo sobre o trabalho voluntário
em geral, mas apenas e tão somente sobre o trabalho voluntário ligado às ações de RSE.
16
A respeito do processo de estranhamento do trabalho ver Marx, 2004.
17
Houaiss, 2009.
18
Harvey, 1992.
19
Dal Rio, 2004, p. 71.
20
Silva, 2005.
21
Corullón e Medeiros Filho, 2002: p. 34.
Trabalho
voluntário e responsabilidade social da empresa: novas formas de exploração
da força de trabalho e de extração da mais-valia – Silvana Aparecida de Souza
53
As pesquisas realizadas há mais de uma década, e que buscaram o perfil do doador
de bens ou serviços e de tempo de trabalho voluntário no Brasil22, demonstravam que a
atividade de trabalho voluntário vinha crescendo no país (em acordo com um movimento
mundial), e que a maior parte delas estava inicialmente relacionada à assistência social, saúde,
alimentação, bem como com cuidados pessoais diretos aos grupos atendidos como idosos,
mendigos, crianças de rua, etc.
Na última década as pesquisas têm demonstrado que a área da educação (entendida
em um conceito amplo como sendo todo e qualquer processo de formaçao humana) tem
sido a mais procurada para o desenvolvimento de trabalho voluntário, mas agora não tanto
por iniciativas individuais, mas pelas ações de RSE23, que se afirmam no argumento de que
as empresas que as realizam buscam a cidadania e a sustentabilidade social e não pretendem
manter uma relação de assistencialismo com os grupos sociais atendidos.
As empresas preferem a área da educação para desenvolver seus programas de responsa-
bilidade social, já que, se o movimento é de negação do assistencialismo, não seria coerente
manter atividades de distribuição de alimentos, roupas ou remédios.
Justifica-se a educação ser a área escolhida pelas empresas pelo fato de ser legitimada como
direito subjetivo do ser humano, possibilitador da sustentabilidade e até da ascensão social. Po-
rém, se de fato as ações de RSE na área da educação propiciam a sustentabilidade social, mesmo
que somente dos grupos sociais ou comunidades atendidas, não é o objeto deste estudo.24
Mas o interesse proeminente no desenvolvimento das ações de RSE na área da educa-
ção tem ainda outras explicações que se somam à questão da legitimidade da educação na
promoção da sustentabilidade social:
22
Landim e Scalon, 2000: p. 53-54.
23
A esse respeito ver pesquisa realizada pelo Datafolha e publicada na Folha de S. Paulo em 28 de outubro de
2001, em caderno especial que tratava do trabalho voluntário; Ver também pesquisa realizada em 2001 pelo
Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), que reúne as maiores instituições sociais mantidas por
capitais privados no Brasil, demonstrada em Corullón e Medeiros Filho (2002, p. 73); Ver ainda pesquisa
realizada durante sete anos pela revista Carta Capital e a Consultoria InterScience intitulada: “As empresas
mais admiradas do Brasil”, a qual se desdobrou na pesquisa que tratou da responsabilidade social da empresa,
que pode ser encontrada em: Carta Capital, 2004: p. 10-11.
24
Parece importante salientar que mais recentemente a temática da “sustentabilidade ambiental” tem ganhado
espaço junto às ações de RSE, às vezes sendo então denominadas de “Responsabilidade socioambiental”,
mas não havendo uma sigla para esta nomenclatura em específico, fator este que me levou a considerá-la
contemplada no conceito já explicitado de RSE.
25
Beghin, 2005: p. 56.
26
Matthew Bishop é Redator Chefe de Negócios e American Bussines Editor do The Economist.
27
Lessa, 2002: p. 22.
Trabalho
voluntário e responsabilidade social da empresa: novas formas de exploração
da força de trabalho e de extração da mais-valia – Silvana Aparecida de Souza
55
Autores que defendem a RSE explicitam as mudanças ocorridas no mundo atualmente
que levam a uma mudança de postura na gestão empresarial:
Nesse mesmo sentido, outro autor enfatiza que é papel da empresa adotar novas práticas
gerenciais que privilegiem não apenas o êxito dos negócios, mas também os aspectos social,
ambiental e humano, “[...] senão por convicção, certamente por sobrevivência”29.
Note-se que os autores estão afirmando que se enquadrar no perfil de empresa so-
cialmente responsável não é mais um poder discricionário do proprietário ou dirigentes da
empresa. As atuais condições do mercado os obrigam a isso. Os dirigentes das empresas não
tomaram, portanto, a iniciativa de desenvolver ações sociais por um compromisso com a
humanidade e sim porque o capital responde às circunstâncias históricas e atualmente as
condições do mercado os obrigam a isso.
Considerando que o mecanismo de apropriação da mais-valia é diverso, ocorre que no
processo permanente de busca do aumento de lucros, ao tentar extrair o mais possível a mais-
valia absoluta e a mais-valia relativa da força-de-trabalho contratada, o capitalista consegue
uma mais-valia extra, que é temporária.
Ela se efetiva quando, no processo de procura do aumento da produtividade, se des-
cobre uma nova forma de produzir uma dada mercadoria com menor custo ou com maior
produtividade. Decorre que, até que esse novo modo de produção se generalize à escala social,
aqueles que a utilizam individualmente conseguem um lucro extra, que não acompanha,
portanto, o padrão e a normalidade da produção. Pelo contrário, isso só é possível enquanto
se mantiver na condição de diferencial de um processo de produção para outro, até que não
seja apropriado pela concorrência. Ou, nos termos de Marx, “[...] essa mais valia extra se
desvanece quando se generaliza o novo modo de produção”30.
Em função dessa mais-valia extra, o capitalista é impelido a sempre buscar o aperfeiço-
amento das condições de produção e de circulação, que pode ocorrer na forma de melhoria
dos processos de produção (o que se converte na redução de custos), ou das condições de
circulação mediante a concorrência, como é o caso das ações de RSE.
Mas, se essa condição se converte em vantagem para o capitalista somente enquanto
essa nova forma de produção e/ou circulação não for adotada de modo generalizado pelo
conjunto das organizações concorrentes em cada ramo de produção, então, quando a maio-
28
Grayson e Hodges, 2002: p. 7.
29
Mcintosh et all, 2001: p. vii.
30
Karl Marx, O Capital. Livro 1, v. I. 15. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996, p. 366.
31
Perez e Junqueira (orgs.), 2002, p. 245.
32
Idem, ibidem, p. 258.
Trabalho
voluntário e responsabilidade social da empresa: novas formas de exploração
da força de trabalho e de extração da mais-valia – Silvana Aparecida de Souza
57
Também existe o fator da aproximação da empresa com os mercados consumidores, à
medida que os funcionários se envolvem com trabalhos sociais voluntários.
Em uma perspectiva crítica à RSE, Eugênio Bucci, denomina essa “nova ‘solucionática’
voluntária” de “solidariedade de mercado”, a qual, segundo o autor, é necessariamente uma
solidariedade exibicionista33.
As ações de RSE necessitam de visibilidade para se reverter em benefício para a própria
empresa, sob pena de perderem sua validade. Assim, a aparência pode bastar se o que se
pretende é uma ação que se converta em uma imagem de empresa socialmente responsável,
tornando-a mais competitiva, trazendo como consequência o aumento dos lucros. Ou seja,
as ações de RSE não se baseiam na virtude em si, mas na sua aparência de virtude.
Ao adjetivar a “solidariedade de mercado” como exibicionista, Bucci está precisamente
destacando o caráter de aparência que essa solidariedade assume em sua atual configuração.
Nos termos marxianos, um caráter de fetiche, tratando-se então da reificação do trabalho
voluntário, da coisificação de uma relação social que assume agora a forma “mercadoria”. O
trabalho voluntário passa de valor social para um valor de mercado e para o mercado.
Por isso, as empresas têm demonstrado um interesse crescente em buscar funcionários
que desenvolvam atividades sociais de forma voluntária. Nesse sentido, ao tratar do perfil,
em termos de características pessoais que um voluntário necessita ter para desenvolver um
trabalho social, Maria da Conceição Castro afirma:
O setor privado, por exemplo, tem buscado “caçar” talentos com esse
perfil no sentido de agregar valores às outras competências tradicional-
mente requeridas, tarefa que não tem sido das mais fáceis, visto que isso
depende menos de habilidades e competências adquiridas pelos profis-
sionais, por meio de cursos e treinamentos, e muito mais de atitude.
Esta é uma condição que envolve dimensões de valor que extrapolam as
relações puramente de troca entre patrão e empregado.34
35
Perez e Junqueira, 2002: p. 174.
36
Minarelli, 1995: p. 37.
37
Idem, ibidem, p. 38.
Trabalho
voluntário e responsabilidade social da empresa: novas formas de exploração
da força de trabalho e de extração da mais-valia – Silvana Aparecida de Souza
59
Sendo assim, trata-se a RSE de mais uma das incontáveis estratégias de reorganização
permanente do capital, para superar ou atenuar os sintomas da crise que faz parte de seu
“sócio-metabolismo”38, mantendo em um nível controlado a tensão social gerada pelo de-
semprego estrutural.
Nessa perspectiva, não somente os que ainda têm emprego devem desenvolver ativi-
dades sociais por meio do trabalho voluntário, mas também aqueles que buscam o primeiro
emprego e aqueles que, mesmo desempregados, ainda se consideram aptos a se reinserirem
no mercado de trabalho, buscando adequar-se ao perfil da empregabilidade.
Se o desenvolvimento de atividades voluntárias, de natureza social, tem sido posto
subliminarmente ou explicitamente aos funcionários das empresas como condição para ma-
nutenção do emprego e princípio a ser incorporado e desenvolvido por aqueles que buscam
atender ao perfil da empregabilidade, pode-se dizer que o trabalho voluntário desenvolvido
por força da RSE é involuntário, forçado, coercitivo, obrigatório.
Desse modo, pode-se afirmar que existe o trabalho que é de fato voluntário. Trata-se
daquele que parte de iniciativa espontânea do indivíduo, como uma atividade de caráter
solidário, humanitário, caritativo ou militante. Porém, existe também o trabalho que se
intitula voluntário, mas que na verdade é forçado. E o trabalho voluntário ligado à RSE
enquadra-se nessa situação.
O “trabalho voluntário forçado” compõe as relações de compra e venda da força de tra-
balho, quando possibilita o aumento do lucro da empresa, mesmo parecendo ao trabalhador
estar fora da jornada e das atribuições do trabalho. Trata-se, neste caso, de uma relação no
âmbito da estrutura material e econômica da sociedade capitalista. No entanto, o “trabalho
voluntário forçado” compõe também as relações sociais de trabalho na sociedade capitalista,
no âmbito da superestrutura, pelo menos de duas formas: como auxiliar na manutenção e
reprodução desse modo produtivo, no que diz respeito especificamente à sua contribuição
para atenuar os efeitos do desemprego estrutural; e também quando contribui para substi-
tuir parte do papel do Estado no desenvolvimento de atividades de natureza social, já que o
próprio capitalismo exauriu sua capacidade de financiamento (do Estado).
Para concluir, parece relevante a consideração de Marx ao afirmar que “[...] Um negro
é um negro. Apenas dentro de determinadas condições ele se torna um escravo. Uma máqui-
na de fiar algodão é uma máquina de fiar algodão. Ela se transforma em capital apenas em
condições determinadas”39. Parafraseando o filósofo alemão, poder-se-ia dizer: O trabalho
voluntário é trabalho voluntário. Apenas em determinadas condições ele aumenta a possibi-
lidade da realização monetária da mais-valia na circulação, diante da concorrência.
Mészáros, 2002.
38
Trabalho
voluntário e responsabilidade social da empresa: novas formas de exploração
da força de trabalho e de extração da mais-valia – Silvana Aparecida de Souza
61
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ca.jhtm?verbete=volunt%E1rio&stype=k>. Acesso em 18 jun. 2009.
LANDIM, Leilah; SCALON, Maria Celi. Doações e trabalho voluntário no Brasil – uma
pesquisa. Rio de Janeiro: 7Letras, 2000.
Trabalho
voluntário e responsabilidade social da empresa: novas formas de exploração
da força de trabalho e de extração da mais-valia – Silvana Aparecida de Souza
63
A política da forma jurídica
A questão se torna ainda mais complexa quando se observa a discussão sobre as teorias
revolucionárias que se deram no interior do marxismo. Após Marx e Engels, o pensamento
marxista encaminhar-se-á majoritariamente, como bem nota Alysson Mascaro1, para uma
espécie de “crítica humanista” ou para teorizações que reduzem a luta proletária à criação
de estratégias de apropriação do Estado e do direito. O maior exemplo disso é a Segunda
Internacional, para quem a revolução é a luta pelo domínio das instituições políticas e pela
formação de uma legalidade proletária.
Como nos ensina Gilberto Bercovici2, no início do século XX, o ingresso do operariado
no sistema político e o capitalismo monopolista arrefeceram os ânimos por uma ruptura
revolucionária e colocaram na pauta a possibilidade de transformação do sistema político-
institucional pelas vias legais. Para os defensores desta ideia, a transição para o socialismo
passa pela democracia e por “um projeto político consciente” de tomada do poder estatal. O
objeto da luta de classes agora é o domínio do Estado, lugar de onde a classe proletária, no
controle da economia, realizaria a transição democrática para o socialismo.
A transição do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista teve um papel
decisivo para esta forma “positiva” de ver o Estado, vez que esta derrubava a noção liberal
de que ao Estado só caberia “vigiar” o mercado. Se o Estado poderia intervir na economia,
por que não poderia fazê-lo para promover o socialismo? É esta pergunta que leva os social-
democratas alemães e austríacos a concluírem pela possibilidade de transformação pelas vias
institucionais.
Rudolf Hilferding, um dos maiores expoentes da social democracia alemã, acreditava
na força dos partidos políticos, cuja luta refletiria a luta de classes e cujo principal objetivo
era claramente influir na administração do Estado, única organização social capaz de intervir
na economia graças ao seu poder de coerção3. Para Hilferding, portanto, as organizações
1
“[...] A cadência do pensamento marxista, logo em seguida a Marx e Engels, envolve-se em um tipo de socia-
lismo que beirava as críticas humanistas, ou então, de maneira simplista, teorizava uma apropriação do Estado
de direito pela luta proletária, abrandando de certa forma a radicalidade original do pensamento de Marx em
troca dos ganhos sociais conquistados nos estados europeus. A Segunda Internacional, de que Kaustky é o mais
notório exemplo, inscreve, em superação da legalidade dominada pela burguesia, uma legalidade proletária,
como se as tarefas de transformação se tratassem de uma simples troca do domínio estatal e jurídico, dentro
de m molde social-democrata”. MASCARO, Alysson Leandro. Crítica da Legalidade e do direito brasileiro.
São Paulo: Quartier Latin, 2002, p. 60.
2
BERCOVICI, Gilberto. Constituição e Estado de exceção permanente. Rio de Janeiro: Azougue. 2004, p. 51-
52.
3
BERCOVICI, Gilberto, op. cit. p. 54
4
Ibid.
5
Ibid., p. 132-133.
6
Ibid., p. 54. Em complemento, afirma Giácomo Marramao: “Mas se as reflexões de Hilferding e de Renner
têm a vantagem de se distinguir de maneira nítida e definitiva do jusnaturalismo ainda presente naquele
marxismo que ‘idolatra as leis de natureza’ e impede ‘a análise da sociedade como um sistema que tem seu
fulcro no direito e no Estado’ – razão pela qual irão se configurar, no pós-guerra, como plataformas teóricas
não assimiláveis ao ‘expectativismo revolucionário’ de tipo segundo-internacionalista –, elas terminam por
conceber o Estado democrático como um sujeito sintético, acolhendo a equação kelseniana entre direito e
Estado (com a redução, nela implícita, do tema weberiano da legitimidade à legalidade). A própria proble-
mática da racionalização como transformação constante das estruturas de propriedade e como modificação
da ação empresarial – que, sob muitos aspectos, identifica-os com Schumpeter – apresenta uma inclinação
evolucionista e a-conflitual, exatamente antitética à trajetória schumpeteriana” MARRAMAO, Giácomo.
Entre bolchevismo e social-democracia: Otto Bauer e a cultura política do austromarxismo. In: HOBSBAWN,
Eric. B. História do Marxismo, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 335, v. 5.
7
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998, prefácio, p. XI
8
Ibid., p. 79.
9
Ibid., p. 1.
10
Ibid., p. 1-2.
11
KELSEN, Hans, op. cit., p. 84.
12
Ibid, p. 89.
13
Id. O que é justiça? São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 23.
14
Ibid.
15
KELSEN, Hans. O que é justiça? São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 25.
16
Ibid, p. 24.
Uma vez que democracia, de acordo com sua natureza mais profunda,
significa liberdade, e liberdade significa tolerância, nenhuma outra forma
de governo é mais favorável à ciência que a democracia. A ciência só pode
prosperar se for livre; ela será livre não somente quando o for externamente,
ou seja, quando estiver independente de influências políticas, mas também
quando o for interiormente, quando houver total liberdade no jogo do
argumento e do contra-argumento. Nenhuma doutrina pode ser reprimida
em nome da ciência, pois a alma da ciência é a tolerância.18
Em suma: a forma jurídica não é “neutra”, pois é ela que irá estruturar relações fun-
damentais ao modo de produção capitalista.
17
Ibid, p. 24.
18
Ibid.
19
PACHUKANIS, Evgeny. A teoria geral do direito e o marxismo. São Paulo: Renovar, 1989, p. 29.
20
Ibid.
Pachukanis parte do conceito de sujeito de direito, pois segundo ele, é na relação entre
sujeitos com vontades equivalentes que a forma jurídica ganha vida. Só a mediação jurídica
é capaz de criar vontades equivalentes entre sujeitos de direito, necessárias para o estabe-
lecimento de um valor de troca. Com tais afirmações a respeito do direito e da circulação
mercantil, Pachukanis deixa claro que a equivalência geral que caracteriza a forma mercantil é
a mesma que funda a forma jurídica. Ao comentar a relação entre a forma jurídica e a forma
mercantil, Márcio Bilharinho Naves assevera:
NAVES, Márcio Bilharinho. Marxismo e Direito. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 57-58
22
De tal sorte que o direito no capitalismo não dá uma “essência” à liberdade e, conse-
quentemente, à igualdade entre os “homens livres”, mas concede uma forma específica a esta
liberdade. A troca mercantil requer o reconhecimento mútuo dos agentes como proprietários
livres, reconhecimento este que não pode se dar apenas sob a forma de uma convicção livre
ou de um imperativo categórico; pouco importa se alguém cumpre uma obrigação contratual
porque é forçado ou porque se sente no dever moral de fazê-lo, desde que o faça. Como a
inércia da troca mercantil não pode depender da “boa vontade”, eis porque o Estado torna-se
elemento essencial para a organização da constrição exterior sobre as condutas dos indivídu-
os.25 Do mesmo modo, a “igualdade” que faz capitalista e proletário reconhecerem-se como
“sujeitos livres e iguais pertencentes à espécie humana” tem sua expressão no contrato:
23
PASUKANIS, E. B, loc. cit., p. 26.
24
PASUKANIS, E. B, op. cit., p. 28.
25
Ibid., p. 138.
Não se pode compreender o direito afastado das estruturas sociais. E é justamente nesse
afastamento da história que consiste a tese da “neutralidade do direito” alimentada pelo jus-
positivismo. Mesmo alguns marxistas foram seduzidos pela “eternização” da forma jurídica,
abandonando, portanto, uma discussão fundamental para a construção de uma alternativa
concreta ao capitalismo e, conseqüentemente, uma perspectiva realmente revolucionária.
O direito no capitalismo não nega os direitos à liberdade ou à igualdade; pelo contrario,
ele garante tais direitos. A legalidade eliminou os privilégios para em seu lugar por a figura
do sujeito de direito que carrega a liberdade e a igualdade formais em seu bojo, a fim de
possibilitar as relações de troca mercantil. Assim, a perspectiva de superação do capitalismo
não é um problema jurídico, mas político, em que o surgimento de novas relações sociais não
fundadas na troca mercantil revela-se no rompimento com a forma jurídica.
Referências
ALMEIDA, Silvio Luiz de. O direito no jovem Lukács. São Paulo: Alfa-Ômega, 2006.
BERCOVICI, Gilberto. Constituição e Estado de exceção permanente. Rio de Janeiro: Azou-
gue, 2004, p. 51-52.
KELSEN, Hans . O que é justiça? São Paulo: Martins Fontes, 2001.
. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
MARRAMAO, Giácomo. Entre bolchevismo e social-democracia: Otto Bauer e a cultura
política do austromarxismo. In: HOBSBAWN, Eric. B. História do Marxismo, Rio de Ja-
neiro: Paz e Terra, 1985, v. 5.
MASCARO, Alysson Leandro. Crítica da Legalidade e do direito brasileiro. São Paulo: Quar-
tier Latin, 2002.
. Filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2010
NAVES, Márcio Bilharinho. Marxismo e Direito. São Paulo: Boitempo, 2003.
. (org). O discreto charme do direito burguês: ensaios sobre Pachukanis. São Paulo:
Unicamp, IFCH, 2009.
PACHUKANIS, Evgeny. A teoria geral do direito e o marxismo. São Paulo: Renovar,
1989.1989.
1
Em 1869, August Bebel (1840-1913) e Wilhelm Liebknecht
fundam o Partido Operário Social-Democrata alemão (SDAP).
Vinte anos depois, 1890, o partido suprime o nome “operário”
e passa a ser designado apenas como Partido Social-Democrata
* Francisco josé Soares Teixeira Alemão (SPD), nome que se conserva até hoje. O programa
é Professor da Universidade aprovado no Congresso de Eisenach, proposto por Bebel,
Regional do Cariri (URCA). defendia a abolição da dominação de classe; era um programa
E-mail: acopyara@uol.com. eminentemente revolucionário e anticapitalista. No Congresso
br. de Gotha, 1875, os lassalleanos elegem a maioria dos delegados:
75 seguidores de Lassalle contra 56 participantes marxistas. As duas correntes se unem e adotam, então, um
programa reformista centrado nas reivindicações imediatas: sufrágio universal, voto secreto, liberdades
democráticas e melhoria das condições de vida dos trabalhares pela via parlamentar. Como se pode
notar, o programa não faz menção à revolução nem ao caráter de classe do Estado. Daí a crítica im-
piedosa de Marx contra o programa aprovado. Cf. Crítica ao Programa de Gotha. In: MARX, Karl;
ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas. São Paulo: Alfa-Ômega, Tomo 2.
Mesmo assim o partido não só experimentou um crescimento exponencial, como também foi um importante
instrumento eleitoral de conscientização política das massas. Com efeito, “[...] nas eleições gerais de 1877,
a social-democracia obteve quinhentos mil votos, e com seus 12 deputados eleitos para o Reichstag, tornou
o quarto partido político do Reich. Contra o perigo representado pela social-democracia, Bismarck fez pro-
mulgar a lei de exceção (21 de outubro de 1878), que proibia o funcionamento das associações e a publicação
dos jornais socialistas. Apenas um exemplo: na Prússia, de outubro 1879 a novembro de 1880, mais de 11
mil pessoas foram presas por motivos políticos. Foi a fase heróica da social-democracia alemã que, apesar da
repressão e das medidas de política social com o objetivo de afastar os operários do socialismo, sobreviveu
e cresceu camuflada em associações eleitorais e culturais diversas. De 1887 a 1890, a social-democracia
duplicou seus votos levando 35 deputados ao Reichstag. Quando Bismarck quis prorrogar a lei de exceção
e fortalecê-la, o Reichstag recusou, e o partido voltou à legalidade, com 1,5 milhões de eleitores (18% do
total)”. LOUREIRO, Isabel Maria. 0p. cit., p. 34.
2
Antes de assumir a presidência da republica, o príncipe Max de Bade, temendo pela sorte do imperador e de
toda a nobreza, faz um acordo com Ebert e lhe transfere o cargo de chanceler. Era novembro de 1918. No dia 9
daquele mês, “[...] a onda revolucionária atinge Berlin, capital do Império. Por vota do meio-dia, manifestações
gigantescas coroadas de milhares de bandeiras vermelhas enchem as ruas da capital. Muitos estão armados com
pistolas, fuzis e granadas. Os soldados nas casernas aderem ao movimento e o príncipe Max de Bade, ao ver
que a situação foge ao controle, anuncia, mesmo sem ser autorizado, a abdicação do imperador, transferindo o
cargo de chanceler a Ebert e propondo a convocação de uma Assembléia Nacional com poderes constituintes.
Pela primeira vez, um ‘homem do povo’ estava no comando do Reich”. LOUREIRO, Isabel Maria. A Revolução
[...] não queria a revolução, a odiava como um pecado, mas quando se desen-
cadeou em 1918 e 10.000 conselhos operários e de soldados detiveram o poder
real em quase todo o país, tudo fez para desviá-la do seu verdadeiro objetivo: deu
seu apoio aos revolucionários, não hesitando em utilizar as palavras de ordem
para se eleger a frente dos conselhos e os controlar. O dia em que a República
foi proclamada e ele foi designado Primeiro-Ministro, fez um apelo aos ma-
nifestantes para deixarem as ruas e assegurarem a calma e a ordem. Durante a
noite faz um acordo secreto com os chefes do exército imperial para “lutar em
conjunto contra o bolchevismo”.3
Alemã, 1918-1923. – São Paulo: Editora UNESP, 2005, p. 55-56 (Revoluções do século XX).
3
Montagny, Claude. A Fundação Friedrich Ebert: agente eficaz da social-democracia alemã. In: A Social-
Democracia na atualidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980, p. 95.
4
LÉNINE, V.I. A doença infantil do esquerdismo no comunismo. In: Obras Escolhidas. Lisboa: Edições Avante,
Tomo 3, 1979, p. 291.
[...] para a maioria dos alemães, 1923 foi o ano da fome e da mais violenta
crise social até então. Os trabalhadores tiveram seus salários reduzidos
a menos da metade do que recebiam em 1914, a pequena burguesia
viu suas economias evaporarem pela inflação. A sociedade burguesa
parecia à beira do colapso: a especulação, a corrupção e a prostituição
triunfavam. 1923 também foi o ano em que a unidade do Reich se viu
ameaçada: os franceses dominavam as regiões do Reno e do Ruhr, a
extrema direita na Baviera, a extrema esquerda na Alemanha Central, e
o governo oficial no Norte. 1923 foi o ano em que a extrema esquerda
e a extrema direita planejaram golpes para tomar o poder. Foi por fim o
ano em que pagando um preço altíssimo, a democracia burguesa con-
seguiu sobreviver. E ela se manteve, a duras penas, por mais dez anos,
até a chegada de Hitler ao poder7.
5
A esse respeito ver TEIXEIRA, Francisco José Soares. Pensando com Marx: uma leitura crítico-comentada de
O Capital. São Paulo: Ensaio: 1996, notadamente o capítulo 7.
6
A respeito da tática recuo-avanço, ver LÊNIN, A doença infantil do esquerdismo no comunismo; op. cit.
7
Idem, Ibidem, p. 138.
8
O artigo 48 da Constituição de Weimer foi uma iniciativa de Max Weber que havia participado do anteprojeto
constitucional com o jurista liberal Hugo Preuss. Esse artigo “[...] dava ao presidente do Reich (diretamente
eleito pelo povo para um mandato de sete anos e podendo se reeleito) poderes excepcionais, ‘caso a segurança e
a ordem públicas sejam gravemente afetadas ou ameaçadas no Reich alemão’, o que significava poder decretar
o estado de sítio, suspender os direitos fundamentais, instituir tribunais de exceção, dissolver o Reichstag,
autorizar o chanceler a governar por decretos-lei. Em suma, o presidente tinha poderes ditatoriais que foram
utilizados mais tarde, de 1930 a 1933. Foi utilizando o artigo 48 que o marechal Hindenburg, então presi-
dente da República, nomeou Hitler para o cargo de chanceler em janeiro de 1933, Segundo o historiador
Pierre Broué, todas as disposições democráticas da Constituição não passavam de cláusulas secundárias em
face o artigo 48, que dava ao Estado instrumentos para aniquilar toda tentativa revolucionária ou mesmo
toda evolução democrática inquietante no interior constitucional’” (Loureiro, p. 112-113).
9
Ver Loureiro, p. 152-153.
10
Idem, Ibidem, p. 164.
11
Do lado dos comunistas, a Republica Democrática Alemão considera que “[...] a Liga Spartakus figurava
como a força principal. Essa historiografia analisava a revolução de 1918-1919 em função do presente: seu
objetivo era tirar ‘lições’ visando a orientar a luta contra o imperialismo naquele momento. Por isso a direção
do Partido Socialista Unificado (SED, nome do KPD na época da RDA) já nos anos 1950 elegeu a revolução
de novembro como modelo, para que os historiadores da RDA demonstrassem o papel dirigente do partido
naqueles acontecimentos”.
“[...] Em 1958, o comitê do SED elaborou ‘teses’ sobre a revolução de novembro. Enquanto anteriormente
alguns historiadores comunistas interpretavam essa revolução como uma revolução proletária derrotada, nas
‘teses’ de 1958 ela foi assim definida: ‘de acordo com seu caráter a revolução de novembro é uma revolução
democrático-burguesa, que em certa medida foi conduzida como meios e métodos proletários’. Se não houve
na Alemanha uma ‘revolução proletária’, embora existissem as condições objetivas para isso, a responsabilidade
recai sobre a falta de maturidade do ‘fator subjetivo’: as massas não estavam satisfatoriamente organizadas
para a luta pela tomada do poder. Em outras palavras, o que (ainda) faltava naquela época na Alemanha era
um ‘partido marxista-leninista combatente’” (Loureiro, Isabel Maria, op. cit., p. 172).
12
Idem, Ibidem., p. 171.
[...] até o fim de 1977 o grupo de trabalho sobre as relações RFA-RDA elaborou
42 cadernos na série ‘RDA-realidade – argumento’, assim como 45 fichas na
série ‘informações rápidas sobre o diálogo interalemão’. Nenhuma outra insti-
tuição política é capaz, na RFA, de proporcionar um material de propaganda
sobre todas essas questões15.
Trata-se de uma grande ofensiva ideológica cujo conteúdo é sempre definido contra o
comunismo. Com efeito, seus principais temas são questões que abordam temáticas tais como
“reforma ou revolução”, “partido do povo ou partido de classe”, “democracia parlamentar
13
MONTAGNY, Cloude. Op. cit., p. 99.
14
Idem, Ibidem, p. 109-110.
15
Idem, Ibidem, p. 100.
[...] que tais opções tenham sido tomadas naquela época: o ‘milagre’ alemão
havia espalhado a ilusão de um eterno consenso social no interior do sistema
capitalista. A guerra fria era violenta. O Partido Comunista Alemão (KPD)
estava interditado desde 1956, seus militantes atirados na prisão. Tudo o que
estava um pouco à esquerda, inclusive nos sindicatos, [era] impiedosamente
perseguido e frequentemente arrastado aos tribunais17.
É que faz o Partido Trabalhista Britânico a partir da crise de 1973. Substitui seu discurso
otimista pelo realista. Isso significou como afirma Bernas
16
A DGB responde por quase 99% dos sindicatos. É considerada praticamente como um sindicato único na
Alemanha (Ver Cornillet, Gérard & Montagny, Claude. República Federal da Alemanha: o “modelo”. In: A
social-democracia na atualidade. Op. cit.
17
Idem, Ibidem, p. 71.
18
Idem, Ibidem, p. 73.
[...] é o Partido trabalhista que, com toda a evidência, goza de uma posi-
ção privilegiada no dispositivo das forças sindicais e políticas. Somente ele
pode harmonizar e fazer convergir interesses que o Partido Conservador,
em seu dogmatismo, sempre jogou uns contra os outros. Somente ele
pode ‘fazer da economia britânica um sistema econômico responsável’ e
assegurar ‘o consenso nacional’ sem o qual não haverá saída20.
Aliás, foi o que fizeram os trabalhistas quando chegaram ao poder. No tempo que
estiveram à frente do executivo, “não derrubaram nada”,
[...] nem antes nem depois da guerra. Houve certamente algumas nacio-
nalizações e importantes reformas sociais que melhoraram efetivamente
a sorte dos trabalhadores. Mas as bases do capitalismo britânico não
ficaram abaladas21.
19
BERNAS, Colette. Grã-Bretanha, O Socialismo de Sua Majestade. In: A social-democracia na atualidade. Op.
cit., p. 50-51.
20
Idem, Ibidem., p. 53-54.
21
Idem, Ibidem., p. 47.
Falar de democracia num país em que o capital sempre tem a última palavra é, no
mínimo, uma hipocrisia. Em 1972, Willy Brandt instaura os famosos “Berufsverbote”, um
verdadeiro atentado à democracia, como assim afirmam Cornillet e Montagny, para os quais
os Berufsverbote proíbem
22
Cornillet, Gérard & Montagny, Claude. Op. cit. p. 74.
23
Apuntos teóricos para entender La crisis, Seminário Taifa, junio de 2009, disponível na Internet.
24
Cornillet e Montagny. Op. cit., p. 77.
25
Idem, Ibidem, p. 75.
Mas nada disso põe em cheque o “modelo” social-democrata. Afinal, instituições como
a Fundação Friedrich Ebert existem para convencer os trabalhadores de que o capitalismo
é o melhor dos mundos possíveis. Não sem razão, os sindicatos são os seus principais inter-
locutores. Sendo a principal financiadora do SPD, a Fundação procura impedir desejos de
mudanças que possam pôr em risco a política de colaboração de classes, com o intuito de
desviá-los de seu curso normal e, consequentemente, assegurar a continuidade do “pacto
social”. Sua ação é, portanto, assegurar ou preservar o domínio da grande burguesia – as
reações das massas contra os donos do capital.
Não sem razão, na direção, o “Kuratorium”, da Fundação Friedrich Ebert estão presentes
vários representantes dos trustes das maiores empresas alemães tais como o senhor
Ainda assim, quando a social-democracia falava às grandes massas sob o verniz de “es-
querda revolucionária”, conseguiu várias vitórias que melhoraram a vida da classe trabalhadora.
Conseguiu transformar o voto censitário num direito universal; em muitos países europeus,
26
Idem, Ibidem, p. 75.
27
POULAIN, Jean Claude. Pontos de Referência Sobre a Atualidade. In: Atualidades da social-democracia. Op.
cit., p. 27. (Os grifos são de nossa responsabilidade).
28
MONTAGNY, Claude, Op., cit., p. 104.
MANDEL, Ernest. Situação e futuro do socialismo. In: O Socialismo do Futuro: revista de debate político,
29
30
Fiori, José Luis. Entre Berlim e o Vaticano. – Carta Maior, 16 de junho de 2009.
Pelo menos é o que diz, ainda que de forma não muito precisa, a Tese de Santo André-Lins, em janeiro de 1979,
31
no IX Congresso dos Trabalhadores Metalúrgicos e de Material Elétrico do Estado de São Paulo, berço do qual
surgiria, em 1980, o Partido dos Trabalhadores. Literalmente: “[...] Enquanto vivermos sob o capitalismo,
este sistema terá como fim último o lucro, e para atingi-lo utiliza todos os meios: da exploração desumana de
homens, mulheres e crianças até a implantação de ditaduras sangrentas para manter a exploração. Enquanto
estiver sob qualquer tipo de governo de patrões, a luta por melhores salários, por condições dignas de vida e
de trabalho, justas a quem constrói todas as riquezas que existe neste País, estará colocada na ordem do dia
a luta política e a necessidade da conquista do poder político” A TESE DE SANTO ANDRÉ-LINS, 1979.
In: Fundação Perseu Abramo. WWW.fabramo.org.br.
Seria o PT um partido nitidamente obreirista, uma vez que seu Manifesto de lançamento
é dirigido preferencialmente à classe trabalhadora? Essa questão é enfrentada por Lula em
seu discurso por ocasião da realização da 1ª Convenção Nacional do Partido, em setembro
de 1981. Depois de comentar que Partido nasceu pelas mãos dos operários de macacão, e
que disso se orgulha, afirma que tinha
Lula não deixa dúvidas. Embora construído pelas mãos de sindicalistas32, que por mais
de duas décadas formariam o núcleo duro do Partido33, o PT surge como um partido de
massa. Além dos sindicalistas, sua formação contou com a participação ativa da Igreja, de
intelectuais marxistas e diversos movimentos sociais.
Que o diga Lula, para quem o Partido não pode se confundir com o sindicato. Para
ele, a atividade partidária deve completar a sindical, sem que isto signifique a sua exclusão.
Concedendo-lhe a palavra, declara que
Quando Lula diz que “queremos que os trabalhadores sejam donos dos meios de
produção e dos frutos do seu trabalho”, está a afirmar que o Partido nasce para lutar pela
construção de uma sociedade socialista, na qual não hajam explorados nem exploradores.
Mas como construir o socialismo, se o Partido, desde o seu nascedouro, declara-se como um
Partido eminentemente legal, que visa à tomada do poder unicamente pela via parlamentar?
32
Faziam parte da Comissão Nacional Provisória, de 1979, os seguintes nomes: Jacó Bitar (Presidente do Sindicato
dos Petroleiros de Campinas), Arnóbio Silva (Presidente do Sindicato dos Bananeiros da Região do Vale do Ri-
beira), Edson Khair (Deputado Federal pelo MDB), Henos Amorina (Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos
de Osasco), José Ibrahim (ex-Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco), Luiz Inácio Lula da Silva
(Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo), Manoel da Conceição (Ex-Presidente
dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais Pindaré-Mirim), Olívio Dutra (Presidente do Sindicato dos Bancários
de Porto Alegre), Paulo Skromov (Presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Couro e Luva de São Paulo),
Wagner Benevides (Presidente do Sindicato dos Petroleiros de Minas Gerais), Ignácio Hernandez (Metalúrgico
– oposição sindical – de Belo Horizonte) Luiz Soares Dulci (Presidente da União dos Trabalhadores de Ensino de
Minas Gerais), Francisco Auto Filho (Jornalista de Fortaleza), Firmo Trindade (Economiário em Porto Alegre),
Carlos Borges (Gráfico em Porto Alegre), Godolfredo Pinto (Diretor do Centro Estadual dos Professores do
Rio de Janeiro) e Sidney Lianza (Rio de Janeiro). WWW.fpabramo.org.br.
33
SILVA, Antônio Ozaí da. Ruptura e tradição na organização política dos trabalhadores (Uma análise das
origens e evolução da Tendência Articulação – PT. Revista Espaço Acadêmico, ano II, n. 22, março de 2003.
Revista Eletrônica: www.espacoacademico.com.br, p. 19, nota [1. “[...] Um dado que permite mensurar o
peso real desse setor (sindical) é a composição da direção nacional: a primeira Comissão Nacional Provisória,
de 1979, era composta por doze dirigentes sindicais, num total de 16 membros. Entre 1979 e 1981, esse
setor sempre foi majoritário na composição da direção. Essa não é uma questão que se resuma aos números.
Ainda que tenha diminuído a participação de lideranças de origem sindical na composição da direção petista,
sua influência se manteve, por muito tempo, inabalável”.
34
Discurso de Lula durante a 1ª Convenção Nacional do Partido dos Trabalhadores, 1981, op. cit.
35
As passagens sublinhas são de minha responsabilidade.
36
O Socialismo Petista, VII Encontro Nacional do PT, Anhembi, SP, 31/5 a 03/6/90. In: WWW.fpabramo.org.
br.
Nessas duas passagens, a Resolução do VII EN deixa claro que o PT se constitui como
um partido que rejeita tanto a vida trilhada pela social-democracia como também a do
socialismo real. Refuta esses dois caminhos em nome da construção de uma democracia
radical, na qual não haja nenhum tipo de repressão aberta ou velada, como diz na citação
anterior, ao pluralismo ideológico e cultural, como também refuta a prática do planejamento
centralizado da economia e a ausência de uma democracia de base.
Qual é, então, o projeto de socialismo defendido pelo PT? Na mesma Resolução do VII
EM, o Partido define que seu projeto socialista deverá buscar a efetiva democracia econômica.
Para tanto, afirma que tal democracia somente será viável
“Propriedade social dos meios de produção”? Mas o Partido não define nenhuma medida
concreta para organizar e efetivar essa chamada propriedade social dos meios de produção.
“Nova organização do trabalho”? Novamente, deixa-se em aberto essa questão, não se diz o que
Idem, Ibidem.
37
No plano estritamente teórico, tudo indica que tanto Lula quanto os delegados do VII
EN estão certos em não definir a priori o “modelo” de socialismo que perseguem, como se
este pudesse ser introduzido da noite para o dia, e sem oferecer nenhuma dificuldade. Ora,
não existem receitas prontas e acabadas para se chegar ao socialismo. Querer defini-lo como
uma questão que depende unicamente da um ato de decisão tomado num belo dia, seria
o mesmo que apresentar a impaciência como argumento teórico, como assim se manifesta
Engels contra o voluntarismo blanquista40.
A julgar pelo que expressam os documentos do PT, o Partido está certo em não oferecer
uma receita pronta e acabada para alcançar o socialismo. Os avanços e retrocessos da Revo-
lução de Outubro revelaram para Lênin que a construção do socialismo exige a travessia de
um longo caminho, que não está pronto para ser trilhado como se fosse um passeio numa
avenida num dia de domingo. A experiência de anos de militância política mostrou que, na
luta pela construção do socialismo, não existem receitas prontas. Para ele,
39
O Socialismo Petista, op., cit.
40
Os blanquistas se diziam comunistas porque acreditavam que poderiam chegar ao socialismo num passo de
mágica: sem se deterem em estações intermediárias que, para eles, apenas afastam o dia da vitória e faz pro-
longar o período de servidão. É então que brada Engels num tom de sarcasmo: “Que pueril ingenuidade a
de apresentar a própria impaciência como argumento teórico!”. F. Engels apud LÊNIN, V.I. A doença infantil
do esquerdismo no comunismo, op. cit., p. 312.
Talvez seja essa a razão por que o PT se nega a definir seu projeto de construção de uma
sociedade socialista, como se fora uma receita pronta e acabada. Será que sim? Em seu VII
EN, 1993, enfatiza que é preciso ganhar o imaginário da população para engajá-la na luta
contra o capitalismo. Textualmente, declara, ainda com tintas moralizantes, que aqueles
[...] que lutam por mudanças precisam ganhar o coração de cada brasileiro
para as ideias da democratização da propriedade, da renda, da terra, da
comunicação e o do poder.
Mas a teoria nem sempre, ou quase sempre, andou de mãos dadas com prática política do
PT. A história seguiu outro curso, bem diferente daquele do discurso expresso nos documentos
e manifestações do Partido. A Articulação Nacional de Movimentos Populares e Sindicais
(ANAMPOS), braço sindical do PT, e a igreja católica assumiram a hegemonia na condução
do futuro rumo político do partido. Aliás, não se pode esquecer que a ANAMPOS foi, desde
então, a corrente diretamente responsável pela integração do PT com as centrais sindicais
europeias, anticomunistas de berço, que contribuíram com vultosas soma de recursos para o
caixa do partido, bem como prestando assessoria direta ao seu principal líder – Luís Inácio
Lula da Salva. Tudo isso com o claro objetivo de não deixar Lula enveredar pelos caminhos
da esquerda revolucionária do partido.
Quando surgiu a CUT, em 1983, nasce como uma verdadeira instituição do Partido
dos Trabalhadores, a exemplo do que ocorre com a Confederação dos Sindicados Alemães
(DGB), que chega até mesmo a se confundir com o SPD e com a Fundação Friedrich Ebert,
43
“Ciosl (Confederação Interamericana das Organizações dos Sindicatos Livres). Já em 1949 financiada pelo
USA como dissidência pelo USA como dissidência da Federação Sindical Mundial (FSM). A Cosl é junção da
AFL (American Federation os Labor Unions), TUC (Trades Union Congress) e CIO (Congress of Industrial
Organizations). Seu braço (secretariado) para a América Latina é a ORIT (Organização Regional Intera-
mericana de Trabalhadores) fundada em 1951, ligada ao Iadesil (Instituto Americano de Desenvolvimento
dos Sindicatos Livres), que administra cursos contra-revolucionários de ‘liderença sindical’. A CUT, a Força
Sindical, a CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores) etc, são filiadas à CIOSL” [Silveira, Gustavo. 8º
Congresso Nacional da CUT: o fim de um ciclo de traição do sindicalismo amarelo. Acessado da Internet em
4/01/11].
44
Idem, Ibidem.
45
POULAIN, Jean-Claude, op. cit., p. 17-18.
Quando chega ao poder, em 2003, o Partido dos Trabalhadores traz de sua bagagem de
campanha a promessa de que é capaz de assumir não somente a sua função de contestação, de
combater o capitalismo, como também de gerir o sistema melhor do que os outros partidos
conservadores. O resultado é conhecido: nada de substancial foi mudado, nem antes nem
depois do governo Lula. É claro que foram implementadas algumas “políticas públicas”, que
melhoram a sorte de quem vivia a passar fome. Mas as bases do capitalismo brasileiro não
foram abaladas; muito pelo contrário, foram reforçadas. Com efeito,
46
Para uma análise mais aprofundada do governo Lula, ver PAULO NETTO, José. Uma face contemporânea da
barbárie. In: III Encontro Internacional “Civilização ou Barbárie”. Serpa, 30-31 de outubro/1º de novembro de
2010 (mimeo).
47
PAULANI, Leda Maria; PATO, Christy Ganzert. Investimentos e servidão financeira: o Brasil do último quarto
O Brasil não rompeu, portanto, com sua condição de país periférico. Continua sendo
um país dependente, embora sua dependência tenha passado por profundas transformações.
Nesse sentido, é interessante entender as razões dessa dependência secular. Trinta e cinco anos
depois da publicação do seu clássico Formação do Brasil Contemporâneo, num adendo
escrito em A Revolução Brasileira, 1977, Caio Prado Júnior escrevia que o Brasil é um
[...] país que no contexto do mundo moderno [...] não representa mais
do que um setor periférico e dependente do sistema econômico inter-
nacional sob cuja égide se instalou e originalmente organizou como
colônia a serviço dos centros dominantes do sistema. E em função dessa
situação se estruturou econômica e socialmente. É certo que deixamos
de ser, em nossos dias, o engenho e a “casa grande e senzala” do passado,
para nos tornamos a empresa, a usina, o palacete e o arranha-céu; mas
também o cortiço, a favela, o mocambo, o pau-a-pique, mal disfarçados,
aqui e acolá, por aquele moderno, em que minorias dominantes e seus
auxiliares mais graduados se esforçam com maior ou menos sucesso por
acompanhar aproximadamente, com o teor de suas atividades o trem
da vida, a civilização de nossos dias49.
de século. In: Adeus ao desenvolvimento – a opção do governo Lula. Belo Horizonte: Autêntica, 2005., p. 40.
48
Os dados são do economista Reinaldo Gonçalves, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, retirados da
internet: www.Fenafisco.org.br; acesso em 30.08.09.
49
PRADO JÚNIOR, Caio. A Revolução Brasileira. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, p. 239-240.
Se vivo fosse, hoje, Caio Prado certamente não mudaria muita coisa do que escreveu
em 1977; pelo menos, qualitativamente. A economia brasileira é a maior exportadora
mundial de oito commodities agrícolas, tais como açúcar, café, suco de laranja, soja, carne
bovina, carne de frango, fumo e etanol. É o maior produtor mundial de minério de ferro
e de castanha-do-pará. Hoje, quase 2/3 de suas exportações são do commodities (agrícolas,
minerais e metálicos), oriundas de setores em recursos naturais. Os restantes 35% representam
a participação de manufaturas; mesmo assim, com poucos itens de alta tecnologia, aptos a
competirem em mercados internacionais mais dinâmicos. Com efeito, em 1989, 45,28% de
sua pauta de exportação eram de commodities primárias. De alta tecnologia, o país exportava
apenas 10,88%. Quase quinze anos depois, em 2006, a participação dos produtos agrícolas
subiu para 48,40% e a participação de produtos de alta tecnologia permaneceu baixa: subiu
de 10,88%, em 1989, para 12,15%51. Comparada com a China, cuja pauta de exportação
é composta por 93% de produtos manufaturados, o Brasil está longe de ingressar no rol das
economias exportadoras de mercadorias intensivas em tecnologia. Na Índia, o percentual de
manufaturados responde por 80% por cento de suas exportações.
Tais condições explicam porque, hoje, a economia brasileira é marcada por profundas
desigualdades sociais. Para se ter uma ideia das disparidades sociais, a parcela da riqueza
produzida no país, que cabia à classe trabalhadora, cai de quase 60%, nos anos 1950 e 1960,
para um pouco menos de 30%, em 2004. Noutras palavras, os ricos ficaram mais ricos e os
pobres, mais pobres, a despeito da comemorada redução das desigualdades sociais realizada
pelo governo Lula52.
50
Idem, Ibidem, p. 240.
51
Ver DIAS, Rodnei Fagundes; PINHEIRO, Bruno Rodrigues. Análise da pauta de exportações brasileiras com
base nos critérios da UNCTAD para os anos de 1989-1996-2006: como tem sido a inserção brasileira no co-
mércio internacional. – Curso de mestrado da Universidade Federal da Bahia (artigo). In: www.nec.ufba.br,
19/8/2009.
52
A redução na desigualdade de renda, de acordo com um estudo realizado pela FGV, refere-se à distribuição
da renda dentro do universo dos que vivem do trabalho. Noutros termos, refere-se à desigualdade de remu-
neração entre o maior e o menor rendimento auferido pelos trabalhadores. Bem diferente é a participação
dos rendimentos (dos salários) no total da renda nacional ou do produto interno bruto (PIB). Visto desta
perspectiva, os pobres ficaram mais pobres. Com efeito, em 1964, os salários representavam 62,3% de toda
a renda gerada na economia. A partir de 1990, os trabalhadores passaram a se apropriar de uma fatia cada
vez menor de toda riqueza gerada: 45,4%, em 1990; 37,2%, em 2000; 36,1%, em 2001; 31,5%, em 2003
e 29,4%, em 2004.
Essa concentração de renda não é uma consequência das políticas neoliberais, que
tomaram conta do país nos últimos 20 anos. Muito pelo contrário. Ainda de acordo com
Pochmann,
A ironia desse processo secular de concentração de renda reside no fato de que graças
a essa apropriação extremamente desigual da riqueza, mais de 30% das ocupações no Brasil
dependem do trabalho prestado às famílias ricas. Valendo-se mais uma vez de Pochmann,
este constata que
53
POCHMANN, Marcio. Qual desenvolvimento?: oportunidades e dificuldades do Brasil contemporâneo. São
Paulo: Publisher Brasil, 2009., p.114.
54
Idem, Ibidem, p. 114.
55
Idem, Ibidem, p. 149.
blicada no jornal da UNICAMP – 23 de junho de 2008, afirma que “[...] a geração de empregos
formais tem sido expressiva, mas é preciso ter ciência que é insuficiente para alterar esse quadro
estrutural socioeconômico. É verdade que o país gerou mais empregos, mas temos que analisar
outros componentes”. Indagado sobre quais componentes, o economista declara que “o país tem
criado anualmente entre 1,6 e 1,8 milhão postos de trabalho formal, e tudo indica que o país vai
gerar, este ano, dois milhões. Ocorre que a nossa população economicamente ativa ainda cresce
dois milhões de pessoas por ano. A geração de empregos formais mal dá conta do crescimento da
PEA. Portanto, o aumento do emprego é insuficiente para provocar uma queda significativa do
desemprego. Em segundo lugar, continua praticamente intocado o estado de precariedade que
predomina no mercado nacional de trabalho. Não adianta aplaudir este crescimento, ignorando
os seus limites para modificar positivamente a precariedade da nossa estrutura econômica”.
Caio Prado tem razões de sobra, quando destaca as disparidades desse modelo de acu-
mulação sem desenvolvimento. “Para não falar em coisa muito pior”, diz ele,
Cabe ainda observar o que dizia Caio Prado, em 1977. A lição que ele deixou permanece
tão atual que parece estar a escrever nos dias de hoje. Com efeito, como negar, como assim
escrevia naquele ano, que
58
Idem, Ibidem, p. 160.
59
Idem, Ibidem, p. 161.
O capital na era da luta de classes disciplinada – Francisco José Soares Teixeira 101
volvimento e prestes a alcançar os altos níveis de progresso e civilização
contemporâneas, o fato é que infelizmente estamos bem longe disso [...].
Temos uma fachada, não há dúvida, que apresenta certo brilhantismo.
Mas é uma tênue fachada apenas, que disfarça muito mal, para quem
procura verdadeiramente enxergar e não tenta iludir-se, o que vai por
detrás dela neste imenso país de desnutridos, doentes e analfabetos
onde se dispersam ilhados alguns medíocres arremedos da civilização
do nosso tempo60.
Para ir além dessa fachada, o Brasil precisa, dizia Caio Prado, em seguida,
[...] de uma sólida base sobre que assentar a nossa nacionalidade, e que
vem a ser uma população liberta da miséria física e cultural, e capacitada,
no seu conjunto, para usufruir alguma coisa do conforto, bem-estar e
elevação do espírito que a ciência moderna proporciona61.
Virgínia Fontes*
2
Ver, no citado L. III, os capítulos 25. Crédito e capital fictício e, especialmente, o capítulo 27, O papel do
crédito na produção capitalista (MARX, 1985).
3
Marx critica explicitamente a noção idílica de que ocorrera uma acumulação “primitiva”, que legitimaria a
concentração da riqueza social em algumas mãos. Ele demonstra, ao contrário, que o processo expropriador
é condição de existência do capital (MARX, 1985: L. I, cap. 24). O tema das expropriações e da base social
do capital (a produção do trabalhador livre) atravessa todo O Capital e justifica a consigna “expropriar os
expropriadores”.
4
Este ponto é um dos mais dramáticos da atualidade, dada a intensificação, nas últimas décadas, das expro-
priações de enormes contingentes populacionais, em especial na Ásia, na América Latina e na África, que
foram analisadas como produção de populações “excedentes” ou “sobrantes” e sem sentido, gerando um
reforço de argumentos de cunho humanitário e filantrópico. Ainda mais inquietante é o fato de que o ritmo
de expropriações não parece amainar, mas, ao contrário, intensificar-se.
5
“O primeiro animal patenteado foi a ostra Allen, cuja alteração cromossómica lhe conferia uma maior di-
mensão e um sabor mais intenso. No âmbito dos seres vivos, em 1988, o US Patent and Trademarrk Office
(USPTO) admitiu o primeiro registro da patente de um mamífero, um rato transgênico – o chamado rato
Harvard – dotado de um gene humano passível de desenvolver um câncer. Este caso, que foi precedido de
quatro anos de polêmica muito alargada, acabou por ser também aceite pela Agência Européia de Patentes.
Trilhado o caminho da apropriação privada da vida biológica, esta se estendeu em pouco tempo à biologia hu-
mana. Em 1998, cerca de 8000 patentes sobre genes humanos, técnicas e métodos relativos ao seu isolamento
e manipulação tinham sido concedidas pelo USPTO. Em outubro de 2000, tinham sido entregues 160.000
pedidos de patentes relativos a sequências de ADN por firmas sediadas nos EUA, na Europa ocidental e
no Japão, sendo que 70% partiram de um grupo de apenas 10 empresas e só a francesa Genset concorria a
36.000 patentes. Em 2001, tornou-se possível a concessão de patentes relativas a células estaminais humanas e
a embriões de mamíferos desenvolvidos em laboratórios, sem recurso a esperma, que poderiam ser utilizados,
por exemplo, para a clonagem de animais.” (GARCIA, 2006: 985, grifos meus).
Imperialismo e capital-imperialismo
6
Klagsbrunn (2008: 28-9) critica o uso da expressão “mundialização financeira” por Chesnais, por diluir
as determinações da esfera da produção na financeirização. Vale acrescentar que a produção se refere a um
modo de existência, e não apenas ao processo imediato de produção econômica. Um debate sobre o histórico
dessas categorias, seu alcance, importância e dificuldades, ainda que necessário, extrapola o objetivo deste
capítulo.
O capital-imperialismo e a generalização
de novas formas políticas
Após 1945, e continuando até hoje, uma infinidade de entidades internacionais foi
criada, sendo as pré-existentes redesenhadas sob crescente influência estadunidense, aden-
sando internacionalmente modalidades originais de organização intercapitalista voltadas para
a garantia da expansão da extração de mais-valor em escala crescentemente internacional,
mas também para assegurar as condições socioeconômicas, políticas e culturais nacionais
sob as quais tal extração teria lugar. Tratava-se de conter ativamente conflitos internos e
contradições muitas vezes agudas através de procedimentos pragmáticos para a acumulação
do capital e hiperideologizados, remetendo ao contexto internacional da Guerra Fria. Tais
instituições, embora sob a égide estadunidense, agregavam um espectro mais amplo de países
capital-imperialistas. O novo modus operandi reproduzia no próprio interior das agências
internacionais uma dinâmica similar às “democracias de acionistas” ou censitária, com uma
organização de tipo bancária ou creditícia, sendo os casos mais emblemáticos o Fundo Mo-
netário Internacional – (FMI) e o complexo de entidades do Grupo Banco Mundial (GBM).
Em recente e bem fundamentada pesquisa, na qual nos apoiaremos bastante a seguir, Pereira
(2009) demonstra o forte predomínio estadunidense no GBM, inclusive apresentando as
disputas internas nos Estados Unidos sobre estratégias a adotar. Não obstante, vale observar
7
Do grupo de países de alcance e porte desiguais, que originalmente integrou a Organização para a Coope-
ração Econômica Europeia (OECE), estabelecida pelos Estados Unidos como base para o Plano Marshall e
desigualmente aquinhoados com tais recursos: Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Grã-Bretanha,
Itália, Noruega, Portugal, Suíça, Suécia, Espanha e Turquia resultaria um ainda menor número, ou pequena
Europa, que viria a formatar a atual União Europeia: Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países
Baixos. A Dinamarca, a Irlanda e o Reino Unido passaram a integrar a União Europeia em 1973.
8
Suposições como um Terceiro Setor, imune ao mercado e aos governos; ou de uma esfera privada, mas públi-
ca, expressam a impotência para pensar teoricamente a totalidade. Realizam um esquartejamento analítico
apressado de algumas evidências imediatas e, na maioria dos casos, apenas traduzem o óbvio interesse de
apresentar-se como instâncias incontaminadas e constituídas de pura “boa vontade”.
9
Gramsci emprega a expressão cosmopolitismo em diversos contextos. Diferentemente do internacionalismo, o
cosmopolitismo derivaria do papel de centralização medieval desempenhado pela Igreja. Em seguida, adotaria
um perfil idealizado, adotado por elites dominantes internamente, porém incapazes de forjar um espírito
nacional-popular, este sim efetivamente internacionalista. (GRAMSCI, CC, v. 2, 2001: 80).
Há interessante relato de Hobsbawn (2002), em que o autor revela o inesperado das distâncias culturais entre
10
as gerações.
11
Mandel alertava que, entre 1974 e 1975, ocorreu a primeira crise generalizada da economia capitalista inter-
nacional no pós-segunda Guerra Mundial, com uma “recessão que atingiu simultaneamente todas as grandes
potências imperialistas” (1985: 9).
12
Naomi Klein (2006) realizou enorme pesquisa sobre a aparente desrrealização das empresas, tornadas apenas
marcas (”blends”) que nada mais têm a ver com uma atividade específica, e se dedicam a qualquer forma de
atividade lucrativa. Menos do que um fenômeno pós-moderno, tais empresas expressam o predomínio da pura
propriedade, não só assenhoreando-se de mais-valor gerado em qualquer tipo de atividade, em qualquer lugar
do planeta, mas fomentando a produção acelerada de expropriações e de necessidades, mesmo se humana e
socialmente inúteis ou perversas. A aparência pós-moderna apenas oculta a transformação das empresas em
pólos voláteis de extração acelerada de valor e de valorização do capital sob qualquer modalidade.
rEFERÊNCIAS
Jorge Beinstein*
o dESpERTAR áRAbE
Fukushima
O desastre japonês aparece como um fenômeno produzido pela fatalidade, mas que não
pode ocultar as culpas, o descontrole do hiper-desenvolvimento. Em princípio, não teria nada
Ironias
da crise: de Bengazi a Fukushima – Despolarização, fim do crescimento global,
rebeliões periféricas, crises ideológicas – Jorge Beinstein
135
a ver com a rebelião do subdesenvolvimento árabe, ainda que não seja difícil detectar um laço
entre ambos os sucessos: o desenfreado crescimento energético do capitalismo industrial, que
condenou o superdesenvolvido Japão a cobrir seu território, zona de alto risco sísmico, com
uma multiplicidade de centrais nucleares, e converteu o mundo árabe, centro de suas principais
economias, numa área subdesenvolvida consagrada à extração intensiva de petróleo.
E assim, as duas ou três últimas décadas foram para o mundo árabe um período centrado
na depredação energética e no desastre social, que culminou com a rebelião popular de 2011.
Para o Japão, tais décadas significaram a persistência de uma crise prolongada, amortecida pela
hipertrofia financeira, o consumismo e os gastos públicos cobertos pela dúvida pública. Em
ambos os casos, a lógica determinante do capitalismo global se expressou como exacerbação
de seus piores vícios, como a fuga para a irracionalidade.
O Japão, que no passado, não tão distante, era a segunda potência econômica do mundo,
é um exemplo que antecipa o próximo esgotamento europeu-norte-americano. Perseguido
por uma crise de super-capacidade produtiva (ou superprodução potencial), possui uma
longa história de estímulos estatais e consumismo ascendente que não conseguem tirá-lo
da prostração em que caiu nas últimas duas décadas. Não colapsou porque seu principal
cliente comercial, os Estados Unidos, seguiu absorvendo exportações industriais japonesas
e, também, porque em sua área geográfica irromperam mercados em expansão, como os da
Coréia do Sul, Taiwan, Indonésia, Filipinas, Tailândia, e, finalmente, China.
Porém, no início de 2011, os níveis de endividamentos público e privado (somando
uma cifra equivalente a 470% do Produto Interno Bruto) fizeram soar os alarmes dos círculos
dominantes globais. A dívida pública não deixou de crescer desde que a economia se estancou
há duas décadas. Em 1989, equivalia a 50% do Produto Interno Bruto. Hoje, chega a 200%.
Até o presente, vem sendo financiado com a poupança interna, o que produziu uma recessão
que, possivelmente, desembocará numa grave crise. Já antes do Tsunami, alguns especialistas
começaram a utilizar o termo “colapso”1.
Os fundos públicos obtidos com dívidas foram despejados em diversas formas de “es-
tímulos” (obras públicas faraônicas, subsídios a empresas e consumidores, etc.), chegando
a saturar quase completamente a capacidade de absorção da economia. Por outro lado, os
correntistas das poupanças eram incitados a consumir mais e mais (ou seja, a poupar cada
vez menos) com o agravante de que o Estado, com a finalidade de impulsionar os investi-
mentos, foi reduzindo as taxas de juros. Nos últimos quinze anos, tais taxas foram mantidas
abaixo dos 2%, apontando para zero. Em consequência, a taxa de poupança dos japoneses
foi decrescendo em, aproximadamente, 14% da renda disponível em começos dos anos
1990 até 2% ao menos. No mesmo período, a massa total de poupança interna baixou de
40 bilhões de ienes a 10 bilhões. Até 1990, cerca de 20% das receitas fiscais do Estado eram
destinadas ao pagamento dos juros de dívida pública. A cifra subiu até 40% em 2000 e, em
2010, chegou a 60%2. Enquanto isso, a taxa de crescimento econômico anual foi girando
1
James Quim, When Japan Collapses, Financial Sense, 16 Sep 2010.
2
Ibiden.
Por baixo da cadeia energética que vincula a rebelião árabe com a crise nuclear japonesa,
estende-se uma espessa trama que inclui e explica de maneira mais ampla, ambos os fenôme-
nos, tratando do processo geral de declínio do capitalismo como sistema universal.
Do ponto de vista das relações entre o sistema econômico e sua base material, a depre-
dação como comportamento central predominante ao sistema, começou, há poucas décadas,
seu processo de reprodução.
3
Ishibashi Katsuhiko, Why Worry? Japan’s Nuclear Plants at Grave Risk From Quake Damage, International
Herald Tribune/Asahi Shinbun, August 11, 2007; Japan Focus, August 11, 2007.
Ironias
da crise: de Bengazi a Fukushima – Despolarização, fim do crescimento global,
rebeliões periféricas, crises ideológicas – Jorge Beinstein
137
Na realidade, o núcleo cultural depredador surgiu a partir do grande boom histórico
do capitalismo industrial (em fins do século XVIII, principalmente na Inglaterra) e ainda
antes, durante o longo período protocapitalista ocidental. Marcou para sempre os sistemas
tecnológicos e o desenvolvimento científico, começando por seu pilar energético (primeiro,
o carbono mineral e, logo, o petróleo) e por uma ampla variedade de explorações minerais
de recursos naturais não renováveis. Essa exacerbação depredadora é um viés distintivo da
civilização burguesa, que a separa das civilizações anteriores. Contudo, durante as etapas
de juventude e maturidade do capitalismo, a depredação estava subordinada à reprodução
ampliada do sistema.
A partir de fins de 1960 e começos de 1970, produziu-se uma expansão da exploração
sem tamanho, não permitindo superar a crise de superprodução iniciada no momento,
tornando-a crônica, mas controlada, amortecida. Uma das bases desta nova etapa foi a exa-
cerbação da pilhagem dos recursos naturais não renováveis e a introdução, em larga escala,
de técnicas que possibilitaram a superexploração dos recursos renováveis, violentando, des-
truindo seus ciclos de reprodução (por exemplo, a agricultura). Isto ocorria quando vários
destes recursos naturais, por exemplo, os hidrocarbonetos, aproximavam-se do seu nível
máximo de extração.
Trata-se de uma “fuga para frente” “irracional”, a longo prazo, do ponto de vista do
capitalismo em geral, porém, perfeitamente “racional”, se olharmos a partir dos interesses
concretos das companhias petroleiras, da indústria automobilística, do complexo industrial-
militar, ou seja, do centro nervoso do sistema econômico global, onde predominavam ciclos
de negócios cada vez mais curtos, cada vez menos capazes de absorver prolongados períodos
de maturação dos investimentos. A avalanche da visão do curto prazo (da financeirização
cultural do capitalismo) esmagou toda possibilidade de planejamento de longo prazo para
uma possível reconversão energética.
O teto energético que foi atingido pela reprodução capitalista converge com outros
limites de exploração de recursos não renováveis e, rapidamente, afetarão um espectro am-
plo de atividades minerais. Somando-se a isto, a exploração selvagem dos recursos naturais
renováveis. Assim, aparentemente, apresenta-se um cenário de esgotamento geral dos recursos
naturais, ocorrido a partir do sistema tecnológico disponível. Porém, concretamente, trata-se
do sistema social e seus paradigmas, vale dizer, do próprio capitalismo como estilo de vida.
Por outro lado, a crise dos recursos naturais indissociáveis do desastre ambiental,
converge com a crise da hegemonia parasitária. Nas primeiras décadas da crise crônica de
superprodução potencial, o processo de financeirização impulsionou, sobretudo nos países
ricos, a expansão consumista, a concretização de importantes projetos industriais, de subsí-
dios públicos às demandas internas e de grandes aventuras militares imperialistas. Ao final
do caminho, as euforias se dissiparam para deixar imensas montanhas de dívidas públicas e
privadas descobertas. A festa financeira (com diversos acidentes em seu percurso) se converte
agora no teto financeiro que bloqueia o crescimento.
Já na década de 1970, mas se acentuando nos anos posteriores, o crescimento econô-
mico da área imperialista do mundo requereu doses crescentes de droga financeira para seguir
Ironias
da crise: de Bengazi a Fukushima – Despolarização, fim do crescimento global,
rebeliões periféricas, crises ideológicas – Jorge Beinstein
139
É incrivelmente atual o prognóstico formulado por Marx e Engels, em pleno auge
juvenil do capitalismo (Marx-Engels, A ideologia alemã, 1845-46): “[...] Dado certo nível
de desenvolvimento das forças produtivas, aparecem forças de produção e dos meios de
comunicação tais que, nas condições existentes, só provocam catástrofes, já não são mais
forças de produção, mais sim de destruição”4. Na realidade, a magnitude do desastre, de seu
aspecto escatológico, de destruição dos fundamentos da sobrevivência humana, eleva o dito
prognóstico até níveis seguramente não imaginados por seus então jovens autores.
Despolarização
4
Marx & Engels, Obras Escolhidas, Editorial Progreso, Moscou, 1974.
Uma conclusão geral sumamente útil é que a rebelião árabe emerge como resposta
democrática, como rebelião periférica ante a decadência do sistema global, cuja podridão
central expressa muito bem a crise nuclear japonesa. Da mesma podridão se desprendem
algumas linhas de reflexão, necessárias para entender a realidade e seu devir surpreendente.
A primeira delas se refere à desestruturação psicológica das elites globais que enfrentam
uma verdadeira catástrofe ou mega-ruptura, onde o declínio ideológico se combina com uma
generalizada crise de percepção. Diante delas, a realidade se apresenta funcionando com
dinâmicas desconhecidas, nas quais os poderosos instrumentos de ação disponíveis resultam
ineficazes ou inclusive contraproducentes.
Os bilhões de dólares injetados pelas grandes potências nos circuitos financeiros desde
2008-2009 deram resultados muito pobres. O intervencionismo é impotente e o livre jogo
do “mercado” conduz ao desastre.
Por outro lado, a quebra da ordem periférica que, nestes dias, é assinalado pelo despertar
árabe, começa a adquirir para essas elites o aspecto de um imenso pântano em expansão, um
pesadelo do qual não pode escapar.
Recentemente, a agência Reuters publicou um informe especial sobre a intervenção
ocidental na Líbia, a qual qualificava como “guerra não desejada pelo Ocidente”, assinalando
que se tratou de uma operação bélica que “Obama não quer, David Cameron (o primeiro
ministro inglês) não precisa, Angela Merkel (Alemanha) não pode apoiar e Silvio Berlusconi
teme”. Segundo o informe, somente o presidente francês Sarkozy demonstrava um entusiasmo
preocupante5 e, no entanto, a OTAN acabou assumindo o comando dessa guerra, tentan-
do suavizar as rivalidades entre as potências imperialistas. A agência Reuters descrevia, em
começos de 2011, uma situação onde os ocidentais, submersos no bordel, tentavam manu
5
Paul Taylor-Reuters, Special report: The West’s unwanted war in Libya, Apr 1, 2011.
Ironias
da crise: de Bengazi a Fukushima – Despolarização, fim do crescimento global,
rebeliões periféricas, crises ideológicas – Jorge Beinstein
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militari estabilizar a colônia líbia em crise, freando, através de puro bombardeio, as forças
de Kadafi, cuja vitória sobre os rebeldes derivaria, seguramente, num gigantesco massacre
da população, com consequências imprevisíveis ao mundo árabe. Porém, ao mesmo tempo,
buscavam controlar os rebeldes, deixando-os, em certos momentos, à mercê das ofensivas
governamentais, temendo que uma vitória esmagadora da revolta popular armada pudesse
chegar a ter efeitos explosivos em seus dois vizinhos imediatos, Egito e Tunísia ainda não
estabilizados, e em outros estados árabes pressionados pelos protestos de suas populações.
Sórdido jogo colonial com multiplicação de manobras táticas, tidas, em última instância,
como defensivas, ante um imenso tsunami democrático, que desordenou o complexo armado
estratégico de dominação.
Uma segunda linha de reflexão aponta para os limites dessas rebeliões periféricas que
derrubam ou deterioram seriamente os regimes elitistas, mas que, até agora, não quebraram,
não superaram as barreiras burguesas e que parecem se conformar com reformas democráticas
e melhorias sociais modestas. Nesse sentido, apresenta similaridade com a ascensão progressista
latino-americano da década passada.
Uma boa compreensão desses movimentos periféricos tem obrigatoriamente que situá-
los na dinâmica global da crise (atualmente em sua etapa inicial) e, então, ressaltar a enorme
importância, decisiva, da mobilização popular democrática, avançando segundo suas possibi-
lidades concretas, ao ritmo do declínio do universo cultural hegemônico à escala planetária,
o estilo de vida moderno de raiz ocidental (consumista, individualista, etc).
Aparece, finalmente, uma terceira linha de reflexão acerca do “sujeito” do processo
emancipatório, que se apresenta como conjunto plural urbano e rural, abarcando classes
periféricas baixas e médias, operários, camponeses, estudantes, pequenos comerciantes, etc.
Ele obriga a uma tarefa de reconceituar o termo proletariado, entendido como massa em
expansão, produto inevitável da dinâmica do capitalismo mundial, atravessando a velha crise
crônica de superprodução, depredadora e hiper-concentradora de renda e entrando em sua
crise geral de subprodução, entrópica, carregada de barbárie, de genocídio periférico.
Não se trata da ideia eurocêntrica e historicamente falsa que reduzia o proletariado
libertador à classe trabalhadora industrial (principalmente radicada nos países imperialistas),
mas sim a constatação da presença cada vez mais numerosa e mais oprimida de um prole-
tariado plural, cuja única possibilidade de sobrevivência digna (ou de simples sobrevivência
física em muitos casos) está na insurgência contra o sistema. Esta massa plural pode chegar
a converter-se em força social revolucionária, em negação absoluta do sistema, através da luta
que o calor da quebra das estruturas de dominação vai promovendo sua auto-aprendizagem
democrática. Não é um processo simples, linear, mas sim um desenvolvimento bastante
complexo, filho da crise do sistema.
Em termos concretos, isto significa que o lugar histórico do pós-capitalismo, o co-
munismo do século XXI, encontra-se no interior dessas rebeliões, como parte delas, como
avanço consciente, democrático, radicalizado. Alternativa em formação, assumindo critica-
mente as experiências populares, onde se entrelaçam fenômenos “novos” (que nunca o são
completamente) com combates de longa duração que, desse modo, ampliam seus espaços: a
REFERÊNCIAS
Ironias
da crise: de Bengazi a Fukushima – Despolarização, fim do crescimento global,
rebeliões periféricas, crises ideológicas – Jorge Beinstein
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Ideias em
Movimento
Resenha
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Como acentua Lukács, “Uma gigantesca transição histórico-universal estava, então, pugnando por encontrar
expressão teórica. Quando uma teoria, ainda sem expressar a essência objetiva da grande crise, formulava pelo
menos uma atitude típica em relação a seus problemas básicos, poderia conseguir certa importância histórica.
Eu creio que isso ocorreu com História e consciência de Classe.”, György Lukács, Historia y Consciencia de
Clase, México, Grijalbo, 1969, p. XXVI, Prefácio do autor de 1967.
2
Veja-se idem, p. XVII. Sobre essa questão, ressalta José Paulo Netto: “[...] O messianismo revolucionário de
que estava imbuído o filósofo conduziu-o a um utopismo radical e a tomadas de posição tais que Lenin não
hesitou em considerá-lo “esquerdista”: messianismo e utopismo, por outra parte, que se colavam teoricamente
numa particular leitura da obra de Rosa Luxemburg” [...]” José Paulo Netto, Sobre Lukács e a Política, In:
http://pcb.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=2426:sobre-lukacs-e-a-politica
&catid=34:marxismo&Itemid=30. Acesso em 11 de março de 2011.
3
Cf. Nicolas Tertulian, Georg Lukács: etapas de seu pensamento estético. São Paulo: Ed.Unesp, 2008, p. 45.
4
G. Lukács, op. cit., p. XXVII.
5
“Assim, o marxismo ortodoxo não significa reconhecimento acrítico dos resultados da investigação marxiana,
nem ‘fé’ em tal ou qual tese, em interpretação de uma escritura ‘sagrada’. Em questões de marxismo a ortodoxia
refere-se exclusivamente ao método.”, ibidem, p. XXVIII.
6
Como enfatiza Lukács em seu prefácio, de 1967, veja-se ibidem.
7
“[...] eu mesmo, no prefácio do livro [Lukács refere-se ao prefácio da primeira edição de História e Consciência
de Classe] o caracterizei expressamente como livro para discussão. Penso que alguns de seus aspectos necessitem
ser corrigidos; muitas coisas as formularia hoje em modo bastante diverso.” G. Lukács, Coscienza di Classe e
Storia – Codismo e Dialettica, Roma, edizioni Alegre, 2007, p. 17.
Chvostimus
und Dialektik (Reboquismo e Dialética) György Lukács
(Edição italiana, Coscienza di Classe e Storia – Codismo e Dialettica – Antonio Carlos Mazzeo
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foram desenvolvidos em HCC, como a teoria do reflexo (Abbildtheorie) o problema da reifica-
ção (Verdinglichung), e a questão da totalidade como elemento analítico nodal para conhecer
e transformar a realidade objetiva e a problemática da subjetividade revolucionária, temas
que serão revisitados mais adiante, já sob a luz das leituras dos Manuscritos Econômicos
Filosóficos de 1844 de Marx, descobertos nos arquivos de Marx e Engels nos inícios dos
anos 1932, em Moscou.
Só nos resta, agora, aguardar ansiosamente pela edição brasileira.
O
Brasil e o capital imperialismo: teoria e história
Virginia Fontes Rio de janeiro: EPSJV, UFRJ, 2010, 384p. – Ricardo da Gama Rosa Costa
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VI
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provisório. Revista Qvinto Império, Salvador, n 1 p. 25-42, jan./mar., 2006.
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da Revista...