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Seminário Demandas

Repetitivas na Justiça Federal:


Possíveis Soluções
Processuais e Gerenciais

29
série
Cadernos
do CEJ
REALIZAÇÃO
Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal
Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Esmaf

COORDENAÇÃO CIENTÍFICA
Vânila Cardoso André de Moraes – Juíza Federal em Belo Horizonte

EDITORAÇÃO
CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS
Maria Raimunda Mendes da Veiga – Secretária

SUBSECRETARIA DE INFORMAÇÃO DOCUMENTAL E EDITORAÇÃO


Cyva Regattieri de Abreu – Subsecretária

COORDENADORIA DE EDITORAÇÃO
Milra de Lucena Machado Amorim – Coordenadora
Ariane Emílio Kloth – Chefe da Seção de Edição e Revisão de Textos
Luciene Bilu Rodrigues – Servidora da Coordenadoria de Editoração
Diagramação e Arte-Final
Helder Marcelo Pereira – Chefe da Seção de Programação Visual e Arte Final
Ilustração da Capa
Raul Cabral Méra

PROJETO GRÁFICO
Grau Design Gráfico

IMPRESSÃO
Coordenadoria de Serviços Gráficos do CJF
Brasília, dezembro de 2013.

Seminário Demandas
Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções
Processuais e Gerenciais

29
série
Cadernos
do CEJ
Copyright © Conselho da Justiça Federal – 2013
É autorizada a reprodução parcial ou total desde que citada a fonte.
As opiniões expressas pelos autores não são necessariamente reflexo da posição do Conselho da Justiça Federal.

347.91/.95
S471 Seminário Demanda Repetitivas na Justiça Federal (2013 : Brasília, DF)
Seminário demandas repetitivas na Justiça Federal : possíveis soluções
e processuais e gerenciais, 28 de fevereiro e 1º de março de 2013. –
Brasília : Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2013.
121 p. - (Série cadernos do CEJ ; 29).

Evento realizado pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ).

1. Direito processual. 2. Demanda judicial. I. Título: possíveis soluções


processuais e gerenciais. II. Conselho da Justiça Federal (Brasil). Centro de
Estudos Judiciários.

Ficha catalográfica elaborada pela Coordenadoria de Biblioteca do CEJ


Sumário

Apresentação
Vânila Cardoso André de Moraes 7

Dia 28 de fevereiro de 2013

Abertura
João Otávio de Noronha 10

Palestras
O Novo Código de Processo Civil e as Demandas Repetitivas
João Otávio de Noronha 11
Demandas Repetitivas: Soluções Processuais ou Gerenciais
Janaína Lima Penalva da Silva 13

Mesa Redonda
Gerenciamento das Demandas Repetitivas pela Administração Pública: Dificuldades Encontradas e
Possíveis Soluções a Serem Adotadas na Perspectiva da Procuradoria-Geral da União
Paulo Henrique Kuhn 23

Gerenciamento das Demandas Repetitivas pela Administração Pública: Dificuldades Encontradas e


Possíveis Soluções a Serem Adotadas na Perspectiva da Procuradoria-Geral Federal
Marcelo Siqueira Freitas 26

PGFN: Uma Nova Concepção da Fazenda Pública em Juízo


Cláudio Xavier Seefelder Filho 27

Class Actions e Outros Tipos de Litígios Coletivos: A Experiência dos Estados Unidos com Possíveis
Analogias com as Demandas Repetitivas
Michael D. Floyd 32
1º de março de 2013

Demandas Repetitivas Contra a Administração Pública: Necessidade da Existência De Um Direito


Processual Público Fundamentado Na Constituição Federal
Vânila Cardoso André de Moraes 54

Demandas Repetitivas na Jurisdição Administrativa Alemã


Hermann-Josef Blanke 67

Painel: Técnicas de Aceleração Processual e Gestão de Processos Gerenciamento Processual e Demandas


Repetitivas
Carlos Henrique Borlido Haddad 83

Técnicas de Aceleração Processual e Gestão de Processos


Nilson Rodrigues Barbosa Filho 93

As Demandas Repetitivas e o Código Modelo de Processos Administrativos – Judicial e Extrajudicial


– para Ibero-América
Ricardo Perlingeiro 102
Apresentação

Vânila Cardoso André de Moraes


Juíza Federal em Belo Horizonte e Coordenadora Científica do Seminário

Neste livro encontram-se os textos que foram flexos coletivos da atuação deste último.
expostos durante o Seminário Demandas repetitivas Com efeito, até mesmo os instrumentos proces-
na Justiça Federal: possíveis soluções proces­suais e suais específicos para o enfrentamento das deman-
gerenciais. O Seminário fez parte da grade de even- das repetitivas, como a repercussão geral e recursos
tos propostos pelo então Diretor do Centro de repetitivos no STJ, não têm surtido os efeitos satis-
Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, fatórios, pois a massa que se pretendia filtrar e o con-
Ministro João Otávio de Noronha, como forma teúdo do que foi filtrado tendem a ter quantidades que
de integração entre as escolas de magistratura fe- se igualam com o tempo, como em uma ampulheta. E
derais e o CEJ, e foi o resultado de uma profícua assim como ocorre com esse contador de tempo, não é
parceria realizada com a Escola da Magistratura menor o risco de que as ações selecionadas (filtradas)
Federal da 1ª Região, capitaneada pelo seu Diretor, ganhem um volume maior do que o universo da qual
Desembargador Federal Amilcar Machado, com foi separada1.
apoio da Advocacia-Geral da União (AGU). Referidas afirmações são passíveis de compro-
Os objetivos gerais do evento visaram ao aper- vação a partir dos resultados obtidos nas pesquisas
feiçoamento continuado e a uma atuação mais pró- realizadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
-ativa dos magistrados federais em busca de estraté- Justiça em Números, nas quais se verifica que as cau-
gias de trabalho para a harmonização da sociedade. sas oriundas de relação jurídica de direito público,
As finalidades específicas foram as de analisar tendo como demandante ou demandado o Poder
e buscar soluções, sob diferentes ângulos, para Público, representam maioria absoluta dos processos
o fenômeno processual denominado “demandas em tramitação no Judiciário, despertando o interes-
repetitivas”, um tormentoso problema da Justiça se e a necessidade de adoção de procedimentos que
Federal brasileira consubstanciado no ajuizamen- levem à diminuição de tal espécie de litígio2.
to de demandas semelhantes por centenas ou As reflexões expostas têm, portanto, a finalidade
milhares de vezes, tendo como objeto principal de ser um ponto de partida jurídico e institucional
ações e omissões da Administração Pública. para que o objeto demandas repetitivas ou de
Sob uma primeira perspectiva, é possível afir- massa seja repensado por todos aqueles que atuam
mar que o sistema processual existente no Brasil perante o Judiciário Federal, a partir da apresen-
não tem conseguido solucionar este fenômeno, tação de subsídios jurídicos do direito comparado,
pois materializado em normas direcionadas para
a solução de demandas individuais. Isto ocorre 1 PENALVA, Janaína. Parte integrante da exposição rea-
porque, no caso do direito público, em especial lizada Demandas repetitivas: soluções processuais ou
do direito administrativo, há uma lide de natureza gerenciais?”. Texto integrante desta publicação.
completamente distinta, em que existe a presença 2 Disponível em: <http://www.cnj.br/imagens/pesquisa-judi-
do cidadão e do Estado, com os consequentes re- ciarias/pesquisas_litigantes_pdf>. Acesso em: 3 jun. 2011.
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
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boas práticas na gestão de acervos processuais, ava- e econômico da “massificação” de procedimentos


liações sociológicas e perspectivas de lege ferenda. administrativos e de processos judiciais a partir do
A coletânea é composta de uma introdução, com processo modelo (Masseverfahren).
posterior apresentação dos resultados de pesquisas Na seara do direito americado, o Professor
quantitativas e qualitativas a respeito das deman- Michael Floyd apresenta um relevante debate so-
das repetitivas pela representante do CNJ, Janaína bre o tema e possíveis soluções a partir da utiliza-
Penalva. “O gerenciamento das demandas repetitivas ção das ações coletivas, class action e das ações
pela administração pública: dificuldades encontra- multi-distritais. O Instituto Americano de Direito
das e possíveis soluções a serem adotadas” foi o tema foi o responsável por categorizar os chamados “li-
debatido pelo Procurador-Geral da União, Paulo tígios de aglutinação”, que se dividem em ações
Henrique Kuhn; pelo Procurador-Geral Federal, agregadas ou conexas – simplificando os procedi-
Marcelo de Siqueira Freitas; pelo Procurador da mentos para uma solução mais rápida –; e ações
Fazenda Nacional, Cláudio Xavier Seefelder Filho; representativas e administrativas. Em nenhum
pela Defensora Pública Chefe da Defensoria Pública desses casos há a obrigação de intervenção do juiz,
da União em Brasília, Liana Lidiane Pacheco Dani pontuou Michael. Para ele, a grande vantagem das
e pelo representante da OAB, Leonardo de Faria ações aglutinadas é que permitem a participação de
Beraldo, tendo como mediador o Desembargador várias partes e que sejam atingidos vários objetos.
Federal Reynaldo Soares da Fonseca, do Tribunal Paralelamente a esses temas, expus algumas
Regional Federal da 1ª Região. considerações a respeito do sistema brasileiro e da
Nesse debate foi apresentada a necessidade de necessidade da criação de um direito processual
aprofundamento do relacionamento Judiciário- público diferenciado para as causas decorrentes
INSS-AGU e da prioridade do julgamento de alguns de ações e omissões da Administração Pública, ao
casos de repercussão geral que têm acarretado a passo que o Juiz Federal Carlos Henrique Haddad
paralisação de milhares de demandas. Todos os ex- defendeu a utilização de técnicas racionais de ge-
positores engrossaram o coro acerca da necessida- renciamento e redução de processos.
de de conjugação de esforços para o enfrentamen- A palestra que encerrou o evento foi proferida
to da massificação processual e de que a política pelo Juiz Federal Ricardo Perlingeiro, que tratou do
das instituições venha a ser a de não apresentação Código Modelo de Processos Administrativos – judi-
de recursos nas hipóteses em que a decisão judicial cial e extrajudicial – para a Ibero-américa, em que ele
obedeça aos precedentes do STF e do STJ. aponta a necessidade de uma reforma administrativa
Na seara do direito comparado foram elabo- que propicie à Administração absorver seu verdadei-
rados dois textos que contextualizam os sistemas ro papel e, assim, permitir que os tribunais exerçam
alemão e americano, oportunizando uma clara uma jurisdição de qualidade e não de quantidade, e
diferenciação entre os sistemas da civil law e da somente quando, de fato, seja necessária.
common law e expondo, também, os institutos jurí- Os textos alinhados são um passo para a busca
dicos e experiências relacionadas ao tema. Os tex- consensual de enfrentamento a partir de novas
tos foram traduzidos para o português, permitindo, perspectivas processuais e gerenciais, sob a ótica
assim, uma ampla divulgação dos seus conteúdos. da Administração Pública e do Judiciário Federal,
A contribuição apresentada pelo jurista alemão com a participação de representantes da OAB e da
Hermann-Josef Blanke é de extrema relevância para Defensoria Pública, abrindo caminho para a criação
o direito brasileiro, considerando que há, no projeto de um fórum permanente de discussões a respei-
do Novo Código de Processo Civil, a previsão do to do tema. Referidas assertivas são indispensáveis
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, ins- para que se possa repensar o sistema judiciário fe-
pirado em instituto existente no direito alemão. Ele deral e diminuir esse complexo problema, que tem
analisa o ordenamento jurídico alemão e as dispo- gerado o desrespeito aos princípios constitucionais
sições que viabilizam, para a Administração Pública da razoável duração do processo, da efetividade da
e para os tribunais administrativos, o manejo efetivo prestação jurisdicional, da igualdade e da eficiência.
Dia 28/2
Ministro João Otávio de Noronha
Janaína Lima Penalva da Silva
Paulo Henrique Kuhn
Marcelo Siqueira Freitas
Cláudio Xavier Seefelder Filho
Michael D. Floyd
Marcelo de Siqueira Freitas, Aloysio Corrêa da Veiga, Eliana Calmon, João Otávio de Noronha, Antonio José de Barros Levenhagen,
Reynaldo Soares da Fonseca e Vânila Cardoso André de Moraes

Abertura Menciono especial agradecimento a todos os juí-


Ministro João Otávio de Noronha zes, advogados, procuradores da República e demais
Superior Tribunal de Justiça profissionais inscritos, porque, com sua presença,
demonstram a saudável preocupação de encontrar
soluções para uma Justiça mais eficaz. Sem a contri-


buição dos senhores, de nada adiantaria o empenho
para a instalação do projeto que ora ganha vida.
Inicialmente registro agradecimentos
Por fim, mas não menos importante, agradeço,
a pes­soas e órgãos que possibilitaram a realização
em nome da Justiça Federal, à Dra. Vânila Cardoso
deste promissor seminário.
André de Moraes, cuja dissertação inspirou a concre-
Ao Ministro Felix Fischer, Presidente do
tização deste seminário, de tema tão relevante e, ao
Conselho da Justiça Federal, cujo apoio aos
mesmo tempo, tormentoso para a Justiça Federal!
eventos promovidos pelo Centro de Estudos
É com satisfação, pois, que encerro minha
Judiciários tem sido fundamental.
gestão no Centro de Estudos Judiciários, pro-
Ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região e
movendo, em parceria com uma das escolas da
a sua Escola de Magistratura (ESMAF), pela par-
magistratura federal, um evento cujo tema em
ceria na concretização deste projeto.
debate nos desafia a repensar o sistema judicial
À Advocacia-Geral da União, pelo expressivo
federal em termos processuais e gerenciais e a
apoio desde a etapa de idealização à de realização.
encontrar soluções isonômicas, céleres e efetivas
Em nome do Centro de Estudos Judiciários,
para as lides repetitivas de direito público. São
manifesto gratidão a todos os palestrantes pela
desafios como esses que nos unem e nos movem
disponibilidade em compartilhar conhecimentos
para a construção de um Judiciário moderno e
e experiências, permitindo, com isso, seja alarga-
condizente com as necessidades sociais.
da nossa visão sobre possíveis soluções proces-
Tenhamos todos um excelente e produtivo
suais e gerenciais no âmbito da Justiça Federal.
trabalho!”
O novo Código de Processo Civil e
as demandas repetitivas


Inicialmente, registro não ser minha
pretensão discorrer a respeito do tema deste
seminário até porque, ao longo do programa,
teremos a oportunidade de conhecer experiên-
cias de outros países no trato da matéria, bem
como as iniciativas e estudos que auxiliarão na
Ministro construção coletiva de propostas relacionadas
João Otávio de Noronha com o problema das demandas repetitivas na
Superior Tribunal de Justiça seara do direito público.
A ideia é criar ou repensar mecanismos para
solucionar a questão das lides repetitivas no sis-
tema judicial federal. Para isso, convoco todos
aqueles que atuam no âmbito da Justiça Federal
para apresentar sugestões processuais e geren-
ciais que possam minimizar os impactos negativos
da repetição de demandas.
Conforme abordado na dissertação de mestra-
do da Dra. Vânila Cardoso André de Moraes, o
Judiciário Federal carece de procedimento dife-
renciado para assegurar soluções uniformes nas
incontáveis lides repetitivas ou de massa em que
o Estado figura como litigante contra o cidadão.
Em pesquisa realizada pelo CNJ, o Estado foi
identificado como um dos maiores litigantes dos
tribunais estaduais, regionais federais e do traba-
lho, o que não surpreende os que convivem com
a angustiante rotina de receber infindáveis litígios
com idênticos pedidos e causa de pedir nos quais
o ente estatal figura em um dos polos.
A questão é inquietante pela falta de proce-
dimento judicial público que possibilite soluções
garantidoras da igualdade de tratamento. Não
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
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é razoá­vel, em um Estado de Direito, que atos e ção de um fórum permanente de discussões so-
omissões da administração pública, após aprecia- bre o tema. É uma iniciativa indispensável para
dos pelo Poder Judiciário, produzam soluções tão enfrentar a sobrecarga do Judiciário brasileiro,
díspares para situações fáticas tão assemelhadas. abarrotado de demandas. As consequências des-
Considero mais grave ainda o fato de que a se quadro? Lamentáveis... Entre elas, o desres-
maioria das demandas repetitivas tem repercus- peito aos princípios constitucionais da razoável
são patrimonial expressiva para os litigantes. Daí duração do processo, da efetividade da prestação
a importância de o CEJ promover evento com a jurisdicional, da igualdade e da eficiência.
finalidade de propor um ponto de partida jurídico, Não obstante as iniciativas já implementadas
institucional e político para que o objeto deman- para o julgamento dos recursos repetitivos e al-
das repetitivas ou de massa seja repensado por gumas perspectivas a exemplo do incidente de
todos aqueles que atuam no Judiciário federal. resolução de demandas repetitivas, previsto no
Certamente será significativa a apresentação projeto de lei do novo Código Civil, o proble-
de subsídios jurídicos do direito comparado e de ma persiste, comprometendo a credibilidade da
boas práticas na gestão de acervos processuais, Justiça e onerando o erário.
destacando-se aqui a valiosa contribuição dos Há, diante de nós, um espaço aberto para discus-
membros da Advocacia da União, que identifi- são coletiva e permanente relacionada com o tema
carão suas maiores dificuldades e trarão a deba- demandas repetitivas na seara do direito público.
te propostas para o aprimoramento do sistema Estou convicto de que a iniciativa do CEJ,
processual e gerencial. com a colaboração de todos os aqui presentes,
Este seminário representa, portanto, a neces- representará mais um avanço na busca de solu-
sária busca consensual e coordenada de novas ções eficientes, efetivas e, acima de tudo, justas.
soluções processuais e gerencias sob a ótica da Chegou a hora de escutarmos uns aos outros e de
administração pública e do Judiciário federal e somarmos esforços por uma nova Justiça Federal
tem a expectativa de abrir caminhos para a cria- no século XXI.”
Demandas repetitivas: soluções
processuais ou gerenciais?1


A pergunta de fundo que intitula esse
seminário já adianta os dois caminhos quase obri-
gatórios que as argumentações deverão seguir
durante os dias de exposição e debates: 1) o que
são demandas repetitivas?2) quais são as soluções
Janaína Lima Penalva da Silva para as demandas repetitivas na Justiça Federal?
Diretora Executiva do Departamento de Pesquisas Inicialmente, gostaria de fixar alguns pressupos-
Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça tos teóricos que guiam a minha análise. Enquanto
pensava no conceito de demandas repetitivas, em
como conceituar esse tipo de ação, tentei seguir
pelo caminho da diferença, conhecida e explorada
pela doutrina, e até pela legislação, entre questões
de fato e questões de direito. Tentei operar com
a ideia de que as ações repetitivas seriam essen-
cialmente aquelas nas quais o litígio se organiza
em torno de uma questão de direito, até perceber
que essa diferenciação guarda em si um equívoco
filosófico, o equívoco presente na ideia de que
podem existir fatos sem direito e direitos sem fatos.
Levar essa diferença entre questões de fato
e questões de direito adiante seria desconside-
rar o giro linguístico e acreditar na existência de
um mundo real, sem mediação da linguagem.
Não é possível conhecer os fatos em um processo
judicial, sem já entendê-los conforme em suas

1 O texto foi construído com o apoio técnico dos


pesquisadores do Departamento de Pesquisas
Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça, em
especial, Daniel Vila-Nova Gomes, Santiago Varella,
Carlos Alberto Soares, Pedro Henrique Amorim, Elisa
Sardão Colares e Fernanda Paixão Araújo Pinto.
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
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relações com os direitos. Portanto, eu sugiro que no processo. É essa ideia que pretendo desenvol-
abandonemos a dicotomia entre questões de fato ver nessa exposição. Na primeira parte, tentarei
e de direito, na linha do giro linguístico. Assim demonstrar porque a solução não está mais no
como qualquer fato só existe mediado pela lin- nível do processo e na segunda, desenhar a im-
guagem, qualquer direito só existe na concretu- portância da atuação administrativa que órgãos
de do fato que regula. Por essa via, proponho como o Conselho da Justiça Federal e o Conselho
um conceito mais hermenêutico para demandas Nacional de Justiça têm nesse cenário.
repetitivas: demandas repetitivas são demandas 1) O que nos dizem as pesquisas:
que expressam as disputas interpretativas mais Segundo os dados da edição de 2012 do
comuns de um sistema jurídico. Esqueçam os pe- Justiça em Números2, a população brasileira bus-
didos concretos e o uso instrumental do processo cou mais o Poder Judiciário em 2011 do que em
e pensem o quê, em última instância, no nível anos anteriores. Enquanto o total de processos
constitucional, está em jogo nesses casos. ingressados cresceu em 5%, a população cresceu
menos de 1% entre 2010 e 2011.
Com isso, o número de casos no-
vos por 100 mil habitantes pas-
O que se repete nessas demandas? Dúvidas, disputas
sou de 1.564 em 2010 para 1.649
interpretativas sobre o que são os direitos e sobre o que em 2011. Apesar do aumento no
são aquilo que comumente chamamos de “fatos”. quantitativo de processos ingres-
sados, nos juizados observou-se
movimento inverso, com redução
O que se repete nessas demandas? Dúvidas, de quase 10 mil processos em relação ao ano de
disputas interpretativas sobre o que são os di- 2010, uma queda de 5%.
reitos e sobre o que são aquilo que comumente Em 2011, tramitaram na Justiça Federal
chamamos de “fatos”. No caso da Justiça Federal, 11.473.782 processos, destes, 71% já estavam
muitas ações que consideramos repetitivas nos pendentes de baixa em 2010 – vejam como é
juizados especiais federais, por exemplo, são fru- sério o problema do estoque. A relação de
tos de dúvida sobre qual é o sentido dos direitos processos baixados por caso novo foi de 101%,
sociais e da justiça distributiva no Brasil. Outras reduzindo, assim, o estoque de processos em
disputas sobre fatos envolvem, por exemplo, a 0,5%, um índice positivo. A taxa de congestio-
prova pericial: a prova da deficiência, a prova da namento da Justiça Federal em 2011 foi de 71%.
incapacidade laboral, a prova da pobreza. Todas Em 2011, 62,4% dos processos estavam na fase de
essas questões são discutidas em demandas repe- conhecimento e 38% na fase de execução.
titivas e são questões de fato que não se provam Em 2011, existiam na Justiça Federal, 1.737
sem direitos. magistrados. A produção média de cada um foi
O conceito de deficiência é meu preferi- de 1.734 sentenças ou decisões terminativas de
do. Segundo a Convenção Internacional sobre processo. A carga de trabalho média destes magis-
Deficiência, ratificada pelo Brasil em 2009, pes- trados foi de 6.927 processos, 70% dos magistrados
soas com deficiência são aquelas que têm impedi- da Justiça Federal, equivalente a 1.223 juízes, atu-
mentos de natureza física, intelectual ou sensorial, am no 1º Grau e possuem uma carga de trabalho
os quais, em interação com diversas barreiras, po- média de 4.800 processos, havendo uma produ-
dem obstruir sua participação plena e efetiva na ção média de 709 sentenças por magistrado.
sociedade com as demais pessoas. Nas turmas recursais há a atuação de 204
Fixado esse pressuposto conceitual, gostaria
de seguir na minha argumentação apresentando
que minha hipótese é de negação, afirmando que 2 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil)
(CNJ). Justiça em números: [dados de 2011].
a solução para as demandas repetitivas não está
Brasília: CNJ, 2012. 452 p.
série
Cadernos
do CEJ 15

magistrados, o equivalente a 12% da Justiça médica e social). Mas o fato de os juizados acaba-
Federal. A produção média, por magistrado, é rem recebendo muito dessas demandas gera um
de 2.135 decisões terminativas e a carga média esforço para encontrar soluções administrativas
de trabalho é de 6.089 processos. que diminuam seu tempo de tramitação, ao passo
Nos juizados especiais federais há a atuação que as demais causas, por serem menos recor-
de 457 magistrados, o que equivale a 26% dos rentes, acabam por ser processadas por meio de
magistrados federais. Estes possuem uma carga atividades administrativas menos eficientes.
média de trabalho a 5.302 processos e produ- O Departamento de Pesquisas Judiciárias ain-
zem, em média, 2.448 sentenças por magistrado; da não realizou essa análise quanto aos juizados
4% do total de juízes federais atuam nas turmas especiais cíveis, mas a ideia é avaliar se o mesmo
regionais de uniformização, com uma carga de ocorre entre as causas de cunho consumerista e
trabalho média de 47 processos. as demais.
Quanto à virtualização do processo, 65% dos Os dados da Pesquisa 100 Maiores Litigantes 5,
processos da Justiça Federal eram eletrônicos em realizada em 2010 e 2011, pelo Departamento de
2011. No 2º Grau, entretanto, este índice caiu para Pesquisas Judiciárias, e os dados da pesquisa sobre
23% e no 1º Grau, para 51%. Por sua vez, nas tur- JEF do IPEA demonstrou que a parte mais fre-
mas recursais 89% dos processos eram eletrônicos quente no polo passivo, tanto em juizados, quanto
e nos juizados especiais esse índice era de 85%. na justiça comum, é o setor público federal.
O número de magistrados que atuavam na Avançando para além dos números e chegando
Justiça Federal cresceu 7% entre 2009 e 2011. às pesquisas qualitativas sobre demandas repeti-
A carga de trabalho destes magistrados caiu 2% tivas e litigiosidade no Brasil, o CNJ selecionou
neste período, e a produção de sentenças e de- e contratou universidades para a realização de
cisões terminativas por magistrado cresceu 4%. estudos de caso. Vale discutir os resultados en-
As pesquisas realizadas pelo CNJ3 e pelo CJF4 contrados.
sobre juizados especiais, executadas pelo IPEA, Foram três as entidades que realizaram pes-
trazem muitas conclusões importantes e úteis, quisa sobre o tema. A FGV realizou a pesquisa
mas vale destacar um achado importante em re- denominada “Diagnóstico sobre as causas de au-
lação às demandas repetitivas. Os dados do JEF mento das demandas judiciais cíveis, mapeamento
não permitem afirmar, necessariamente, que as das demandas repetitivas e propositura de soluções
causas de maior volume são, por si só, causas pré-processuais, processuais e gerenciais à moro-
que implicam menor celeridade dos juizados e, sidade da Justiça 6. A PUC/PR: Demandas repe-
consequentemente, o acúmulo de processos. titivas relativas ao sistema de crédito no Brasil
Digo isso porque, na análise multivariada re-
alizada no estudo dos JEFs, constatou-se que as
causas cíveis não previdenciárias demoram, em 5 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil)
média, mais tempo a serem processadas dos que (CNJ). 100 Maiores litigantes. Brasília: CNJ,
as previdenciárias (que necessitam de fases que 2011. 25 p. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/
poderiam ser mais demoradas, como a perícia images/pesquisas-judiciarias/pesquisa_100_maiores_
litigantes.pdf>. Acesso em: 10 maio 2013.
6 FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV). Diagnóstico
3 A pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de
sobre as causas de aumento das demandas ju-
Justiça ainda não foi publicada.
diciais cíveis, mapeamento das demandas re-
4 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA petitivas e propositura de soluções pré-proces-
APLICADA (Ipea). Acesso a Justiça Federal: suais, processuais e gerenciais à morosidade
dez anos de juizados especiais. Brasília: Conselho da justiça: relatório de pesquisa. São Paulo: Escola
da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo,
2012. 228 p. Disponível em: <http://www.jf.jus.br/ 2010. 202 p. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/
cjf/CEJ-Coedi/pesquisas/serie%20pesquisa%20cej%20 images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/relat_pesqui-
14.pdf>. Acesso em: 10 maio 2013. sa_fgv_edital1_2009.pdf>. Acesso em: 10 maio 2013.
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
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e propostas para a sua solução” 7. E a PUC/RS: ção de “zonas cinzentas” de regulamentação, que
“Diagnóstico sobre o progressivo aumento das de- favorecem o surgimento de demandas judiciais.
mandas judiciais cíveis no Brasil, em especial das A advocacia, na busca de novos nichos de atu-
demandas repetitivas bem como da morosidade da ação que favoreçam o ingresso de novos clientes,
Justiça Civil”8. fomenta a reprodução da litigiosidade por meio
da criação de novas teses jurídicas.
Fundação Getúlio Vargas (FGV-Sp) / Além do setor público e da advocacia de mas-
Pesquisa finalizada em 2011: sa, a pesquisa identificou o papel da mídia, que,
ao conscientizar as pessoas sobre seus direitos e
Realizou um diagnóstico sobre as causas ex-
sobre a forma como devem buscar a sua concre-
ternas e internas que impactam no aumento da
tização, muitas vezes aborda questões jurídicas
litigiosidade no Brasil, partindo da premissa de
de forma equivocada, incentivando o ingresso
que um conjunto de atores influencia o aumento
em juízo de pretensões descabidas ou que atra-
da litigância e da morosidade judicial em nosso
vancam o funcionamento da máquina judiciá-
país. Por meio de pesquisa empírico-jurispruden-
ria, sobretudo quando são divulgadas notícias
cial, identificou as demandas judiciais repetitivas
incompletas ou sem o devido respaldo legal ou
mais comuns, bem como os principais temas e
jurisprudencial.
teses jurídicas investigadas. Dentre essas ações,
Apresentou-se então um conjunto de pro-
foram escolhidos, como estudos de caso, os te-
postas nos âmbitos normativo, procedimental e
mas da “Desaposentação” (direito previdenciário
estrutural para o enfrentamento do fenômeno
– Justiça Federal) e de “Contratos bancários” (di-
das causas repetitivas e da morosidade, dentre
reito do consumidor – Justiça Estadual). Foram
as quais se destaca, no âmbito previdenciário, a
selecionados para visitas in loco dois tribunais de
revisão de normas administrativas no INSS; incre-
justiça (TJSP e TJRS) e um tribunal federal (TRF
mento de recursos humanos e materiais da au-
3ª Região).
tarquia para melhor atendimento da população;
O estudo propõe que, para além do cidadão,
soluções consensuais (conciliação processual e
que crescentemente tem se tornado mais cons-
pré-processual); mecanismos processuais/geren-
ciente dos seus direitos, existem, no Brasil, vários
ciais de racionalização do julgamento de deman-
canais de incentivo à judicialização dos conflitos,
das repetitivas (julgamento padronizado), como
tais como: o próprio setor público, a advocacia
a informatização de atos processuais (processo
e a mídia.
eletrônico); incremento e capacitação dos recur-
O setor público, ao criar ou violar direitos já
sos humanos do Judiciário e de ofícios auxiliares,
existentes, contribui frequentemente para a gera-
uniformização de entendimentos jurisprudenciais
e definição de critérios mais específicos para a
7 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO concessão da assistência judiciária gratuita.
PARANÁ (PUCPR). Demandas repetitivas re-
lativas ao sistema de crédito no Brasil e Pontifícia Universidade do Rio Grande
propostas para a sua solução: relatório final. Do Sul – PUCRS / Pesquisa finalizada
Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2010. 172 em 2011:
p. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/images/
pesquisas-judiciarias/Publicacoes/relat_pesquisa_pu- Ancorada em uma perspectiva multidiscipli-
cpr_edital1_2009.pdf>. Acesso em: 10 maio 2013.
nar, a equipe de pesquisadores da PUC-RS abor-
8 O resumo desta pesquisa está publicado em: dou o problema do crescimento das demandas
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil) cíveis em nosso país, a partir de dois planos distin-
(CNJ). Demandas repetitivas e a morosidade
na justiça cível brasileira. Brasília, CNJ, 2011.
tos de análise: da oferta da prestação jurisdicional
32 p. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/images/ e, por outro lado, da demanda por estes serviços.
pesquisas-judiciarias/Publicacoes/pesq_sintese_mo- O que interessa mencionar sobre esta pesquisa
rosidade_dpj.pdf>. Acesso em: 10 maio 2013. são os resultados das entrevistas. As entrevistas
série
Cadernos
do CEJ 17

realizadas com agentes internos (juízes e desem- Magistrados confirmaram que a tendência atu-
bargadores) e externos (advogados, pessoas jurí- al, em relação a acordos, é a de estar próximo
dicas e pessoas físicas) foram agrupadas em três ao final do processo e não no seu início, o que
categorias de motivação: motivações para litigar, só reforça a importância de sensibilizarem-se os
para recorrer e para estabelecer acordos. jurisdicionados para a realização de acordos no
Motivação para litigar: Os usuários do início das demandas, o que serviria para desafo-
Judiciário são agentes racionais que têm varia- gar todo o sistema.
das motivações para litigar: ausência ou baixo Esses dados apresentados nos mostram que as
nível dos custos, incluindo aqui também o baixo mudanças processuais ainda não foram capazes
risco; a busca de um ganho; busca do Judiciário de reduzir o volume de demandas, nem de ace-
como meio, por exemplo, para postergar respon- lerar o processo ou combater a morosidade. Por
sabilidades (uso instrumental); e a percepção de ora, a repetibilidade de demandas não sofreu de-
ter sido lesado moral, financeira ou fisicamente. créscimos com as alterações legislativas no nível
Dentre todas essas motivações, sobressai-se em do processo. Isso não significa que as mudanças
muito, na percepção dos diversos grupos de en- foram inúteis, ao contrário, o processo é uma
trevistados, a conjugação de baixos custos com peça-chave. O que falta então para funcionar?
baixa exposição a riscos. Por que esse conjunto de alterações processuais
Motivação para recorrer: Um tópico sobre o ainda não resolveu o problema e seguimos como
qual há ampla convicção na sociedade brasilei- aquele doente descrito por Freud que ficava o
ra, desde os cidadãos comuns, passando pelos tempo todo limpando os óculos, sem nunca co-
operadores do direito até a literatura especiali- locá-los?
zada, diz respeito à relação en-
tre percepção de morosidade da
Justiça e as múltiplas e cumula- Diversos entrevistados colocaram em relevo a
tivas possibilidades de recurso. importância de agentes mediadores capazes de mostrar
Prevaleceu, no entanto, entre os às partes envolvidas as alternativas de saída do conflito
entrevistados na pesquisa, a per- pela via de uma composição e os potenciais ganhos.
cepção de que atualmente este-
jam concorrendo diversos fatores
que tornam este instrumento vulnerável ao uso De vários, três mecanismos processuais em
abusivo daqueles que, ao invés de embasarem sentido amplo foram pensados para dar mais ra-
seu recurso na firme convicção de uma tese ou cionalidade e celeridade ao processamento de
prova, valem-se dele para litigância de má-fé, feitos no Brasil: a simplificação de procedimen-
para retardar o cumprimento da sentença. tos, a uniformização e a criação de filtros. Várias
Motivação para acordo: Há várias facetas que alterações legislativas simplificaram o processo,
concorrem para a realização de acordos ou con- reduziram etapas, aceleraram o processamento.
ciliações. Há uma percepção ampla de que se a Todo o rito de juizados se estrutura a partir dessas
lesão ao direito foi muito grande, a resistência a premissas, além de algumas alterações no CPC,
acordo aumentaria, porquanto há uma perspec- como o art. 285-A etc.
tiva de satisfação na própria condenação do opo- Por que, ao fim e ao cabo, as medidas de sim-
sitor. Diversos entrevistados colocaram em relevo plificação de procedimentos não são aplicadas
a importância de agentes mediadores capazes de nas dimensões planejadas? Por que mudamos os
mostrar às partes envolvidas as alternativas de ritos, pensamos em atalhos processuais, elimina-
saí­d a do conflito pela via de uma composição mos etapas, reforçamos a oralidade, a simplicida-
e os potenciais ganhos. Com isso muitas vezes de na lei, e isso não vira prática no Brasil?
abrem-se perspectivas que, por si só, a parte A baixa adesão aos procedimentos de simplifi-
envolvida não divisava no calor do confronto. cação não é fruto da falta de capacitação ou incen-
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
18

tivo aos juízes. Essa resistência é fruto da tradição cida, pendentes de julgamento de mérito. Estes
formalista, fechada e ritualizada, que permanece 325 recursos causam o sobrestamento de 439.561
guiando a atuação dos juristas. Não há dúvidas, processos (e essa é uma informação parcial)9. Fica
no plano teórico, de que a simplificação pode ace- evidente como a alteração processual – embora
lerar o processo, por que então os rituais fixos e pensada para uniformizar, acelerar, filtrar e sim-
excessivamente formais não morrem? plificar – ao fim e ao cabo, trouxe complexidade
Porque o arcaísmo, o dogmatismo, o tradicio- para o sistema, principalmente no que toca à ges-
nalismo e o positivismo, não deixam que as solu- tão desse instituto pelos tribunais e pelo STF no
ções de simplificação e informalidade realmente exercício de funções administrativas. Reconhecida
aconteçam na prática. Mudanças processuais são a falta, vamos agora acoplar ao instituto sua di-
melhores quando compreendemos o sistema ju- mensão gerencial, é o que o CNJ fez a partir da
rídico como um sistema aberto. Pode parecer Resolução 160, de 19 de outubro de 201210.
óbvio, mas não custa repetir que o processo é Além disso, o que se nota é que o conceito de
um instrumento que sofre reflexos da teoria do relevância do ponto de vista econômico, po-
direito, que embasa a atuação dos juristas. Se lítico, social ou jurídico, um conceito indeter-
a simplificação, em sentido amplo, instituída de minado, como é o próprio direito, tem-se mostra-
diversas formas, fosse realmente aplicada pelos do um filtro de bordas largas, o que é previsível
juízes e demais operadores do direito, a lógica do considerando a competência constitucional do
processamento e julgamento poderia realmente STF. A decisão que reconhece repercussão geral
mudar e essa mudança afetaria certamente a ló- é uma reafirmação de que a disputa interpretativa
gica da interposição de processos, a lógica dos presente naquele caso é relevante. Dessa forma,
advogados e partes etc. fica evidente como as tentativas de contenção da
Quanto aos filtros – repercussão geral e recur- linguagem, de contenção da interpretação falham
sos repetitivos − pode-se afirmar que, em face de porque foram construídas sob a expectativa falsa de
expectativas, os filtros criados até hoje só trouxe- que é possível conter a indeterminação do direito.
ram frustrações. Eles não são instituídos de for- Quanto ao STJ e à dinâmica dos recursos
ma holística – ou seja, pensados no processo e repetitivos, essa forma de apreciação dos re-
na gestão −, a massa que se pretendia filtrar e o cursos especiais também trouxe complexidade,
conteúdo do que foi filtrado tendem a ter quan- inclusive no nível argumentativo, para o pro-
tidades que se igualam com o tempo, como em cesso decisório. Veja-se o regramento instituído
uma ampulheta. E assim como ocorre com esse pela Resolução n. 8, de 7 de agosto de 2008 11, do
contador de tempo, não é menor o risco de que as STJ, que, ao regular o tema (Lei 11.672/2008),
ações selecionadas (filtradas) ganhem um volume estipulou no § 1º: serão selecionados pelo menos
maior do que o universo da qual foi separada. um processo de cada Relator e, dentre esses, os
Nesse ponto, há uma iniciativa do CNJ e do que contiverem maior diversidade de fundamen-
STF de atuar, no nível da gestão, no tema da re- tos no acórdão e de argumentos no recurso espe-
percussão geral. O maior e mais recente filtro pro-
cessual não foi pensado holisticamente, ou seja, 9 Recursos Especiais dos TRFs da 2ª, 3ª, 4ª e 5ª Regiões
o gerenciamento desse instituto não foi elabora- e nos dos TJs de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio
do a tempo, e o diagnóstico preocupa. Embora a Grande Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e
repercussão geral tenha potencialmente chances São Paulo.
altas de atuar na garantia da razoável duração do 10
Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/
processo e da previsibilidade e uniformidade das atos-administrativos/atos-da-presidencia/
decisões, o instituto ainda não solucionou o volu- resolucoespresidencia/21725-resolucao-n-160-de-19-
-de-outubro-de-2012>.
me de ações que seguem se repetindo.
O site do STF nos informa que, no Tribunal, 11 Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/
publicacao/engine.wsp?tmp.area=642&tmp.tex-
há 325 recursos com repercussão geral reconhe-
to=88636>.
série
Cadernos
do CEJ 19

cial. Note-se que, diferentemente da sistemática uma nada singela mudança de mentalidade em
anterior – a qual exigia que, para cada recurso, torno das práticas institucionais acerca da tran-
dever-se-iam observar e analisar os argumentos sição para essa nova etapa.
suscitados pelas partes e os fundamentos decisó-
rios recorridos –, o atual modelo “cria” uma fase O que tem acontecido para além das
de “seleção ou filtragem” em que se exige a reali- finalidades declaradas pela legislação,
zação de um cotejo que envolva, pelo menos, dez pelos gestores e pelos tribunais?
gabinetes dos ministros do STJ (5 de cada turma 1 – Permanência de concepções teóricas
que ostente competência decisória para aquele superadas, por exemplo, da “mentalida-
tipo de recurso, nos termos do RISTJ). de” defensiva: O caso do prequestionamento –
Note-se que o novo modelo deveria, por defi- Casos em que matérias ventiladas em recursos
nição, romper com práticas decisórias antigas – repetitivos não foram conhecidas por ausência
como é o caso da jurisprudência defensiva (que de prequestionamento (ordem cronológica de-
reforça elementos formais para obstar o conheci- crescente): REsp 1.114.604/PR, Rel. Ministro
mento e a apreciação dos recursos) − ao mesmo Ricardo Villas Bôas Cueva, 2ª Seção, julgado em
tempo mantendo-se permeável a dinâmicas argu- 13/06/2012 (DJe 20/06/2012); REsp 1.133.872/PB,
mentativas mais diversas: com um reconhecimen- Rel. Ministro Massami Uyeda, 2ª Seção, julgado
to mais amplo das causas de pedir invocáveis, em 14/12/2011 (DJe 28/03/2012); REsp 1.129.938/
em tese, a ponto de que haja uma mudança na PE, Rel. Ministro Massami Uyeda, 2ª Seção, jul-
concepção do escopo do recurso especial. gado em 28/09/2011 (DJe 28/03/2012); REsp
Observa-se que, em vez de se tratar de um mo- 1.184.765/PA, Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª Seção,
delo decisório em que cada caso é enfocado com julgado em 24/11/2010 (DJe 03/12/2010); REsp
primazia das suas especificidades proces­s uais, 1.042.585/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª Seção,
muda-se o enfoque: as peculiaridades fáticas da julgado em 12/05/2010 (DJe 21/05/2010); e REsp
situação concreta passam a servir de ponto de 1.123.539/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª Seção,
partida para a objetivação de teses jurídicas invo- julgado em 09/12/2009 (DJe 01/02/2010).
cáveis, a partir do tema contido naquele processo 2 – Oscilações no próprio procedimento
(isto é, independentemente da atuação subjetiva aplicável: não há certeza sobre o procedimento
das partes, do Ministério Público e, também, do adequado ao julgamento dos repetitivos, as téc-
Poder Judiciário nas instâncias ordinárias). O re- nicas de apreciação dos recursos têm variado, de
curso especial assumiria, assim, uma dimensão modo a gerar insegurança jurídica aos operado-
mais objetiva e poderia dialogar com ferramen- res do direito etc.
tas argumentativas outras tais, como a abertura Ainda quanto à uniformização, vale regis-
da causa de pedir (causa petendi aberta) e a di- trar novamente o incremento de complexidade
ferenciação entre a discussão em tese e a solução que os institutos processuais criam, apesar da
específica a ser dada em um específico processo. proposta de celeridade. Qualquer proposta que
Seja pela ampliação da complexidade geren- pretenda uniformizar não pode criar ilusões. Em
cial, seja pela complexidade argumentativa, ape- um sistema jurídico no qual todos são intérpretes
sar do louvável esforço no sentido de se detec- da Constituição, ou seja, um sistema em cada juiz
tarem desdobramentos do tema, inegavelmente, tem a possibilidade de afastar qualquer norma no
até mesmo pela sofisticação inerente a esse novo caso concreto (e nesse conceito de norma incluo
processo decisório, não é preciso muito esforço súmulas vinculantes, decisões com efeito erga
para se perceber que decidir sob a sistemática omnes, entendimentos consolidados de tribunais
dos recursos repetitivos envolve, do ponto de vis- superiores etc.), qualquer norma uniformizante
ta estritamente jurídico-processual, uma maior pode se tornar – apenas – mais um obstáculo na
complexidade argumentativa, um melhor sistema argumentação, mais uma “norma, posição juris-
administrativo de gestão processual e, sobretudo, prudencial súmula, enfim” que pode ser afastada,
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
20

contornada, superada. adianta mudar as leis se não mudamos os prin-


Além do limite de afastamento mesmo da sú- cípios e a mentalidade de julgamento. Há uma
mula, as dúvidas sobre a aplicação ao caso con- baixa articulação entre processo e gestão, uma
creto e o próprio sentido da súmula permanecem resistência aos procedimentos mais racionais, e
como questões interpretativas que podem entrar é esse o preço da mudança, ela precisa ser holís-
em disputa. Isso não retira a importância e efeti- tica, precisa começar na concepção teórica, na
vidade das soluções de uniformização. A unifor- mentalidade, e depois avançar para o processo
mização é um grande instrumento na gestão das e para a gestão.
demandas repetitivas, e até mesmo esse instituto Por essa visão que entende essas disputas re-
não se tornou, na prática, um instrumento real petitivas entre o Estado e o cidadão como dispu-
de solução. tas interpretativas sobre o que é o direito, essa
Dessa forma, já temos evidências suficientes mudança de mentalidade referida precisa vir
para arriscar uma explicação mais ampla do acompanhada de uma superação do paradigma
problema da baixa efetividade das mudanças do Estado Social. Se as demandas repetitivas são
processuais. Se a solução não está no proces- disputas interpretativas, elas são disputas entre o
so, onde estaria então? Minha hipótese agora paradigma do Estado Liberal e do Estado Social.
é afirmativa. O problema do baixo impacto das Todos os atores do sistema de justiça são hoje re-
alterações processuais é que elas não vieram produtores do paternalismo do Estado Social, que
acompanhadas da necessária alteração na te- trata o acesso à justiça como uma ideia sem limites,
oria do direito e trouxeram mais complexidade que opera sob uma perspectiva de protecionismo e
para o sistema, mas não foram formuladas com baixa cidadania, que não regula a gratuidade pela
as soluções gerenciais necessárias. ideia de justiça distributiva, que permanece repro-
duzindo os privilégios do Poder
Público no processo e que, ao
Mudamos o processo, mas não mudamos a perspectiva de quem fim e ao cabo, não compartilha
processa. O foco tem que sair da operação e atingir o operador. as responsabilidades pelo aces-
É a teoria do direito [...] que entende o direito como um sistema so ao Judiciário, não responsa-
fechado de regras que subjaz essas disputas interpretativas. bilizando a tempo e modo os
advogados, agentes essenciais
ao acesso à justiça.
Mudamos o processo, mas não mudamos a Precisamos sustentar política e economicamen-
perspectiva de quem processa. O foco tem que te o princípio constitucional de amplo acesso à jus-
sair da operação e atingir o operador. É a teoria tiça, isso não significa, entretanto, tratar de forma
do direito (até pré-kelseniana, em muitos casos), paternalista as partes e advogados. Ambos preci-
que entende o direito como um sistema fechado sam conhecer o impacto do litígio e se responsa-
de regras que subjaz essas disputas interpretativas. bilizar pela movimentação estatal que inauguram.
Se não superarmos o arcaísmo, o formalismo, a Isso não é restrição de acesso, é responsabilização
tradição, todas as boas e inovadoras mudanças e informação. E nesse processo de responsabiliza-
processuais seguirão sem efetividade, sem aplica- ção é preciso também incluir a mídia.
ção concreta. Da mesma forma, muito séria é a questão da
O baixo compromisso dos julgadores e tribu- gratuidade. Sou uma defensora convicta da gra-
nais com as soluções processuais mais inovadoras tuidade, mas é preciso levar a sério essa questão
– seja de simplificação, inovação ou filtragem – porque ela concretiza o que entendemos por jus-
não é um boicote consciente – é consequência tiça distributiva. Se queremos sustentar o aces-
de mudanças procedimentais que não são acom- so à justiça dos pobres, os não pobres precisam
panhadas de mudanças no substrato teórico que pagar pelo serviço que recebem, sob pena de
os juízes utilizam para interpretar o direito. Não colocarmos todo o sistema em colapso.
série
Cadernos
do CEJ 21

Quanto ao Poder Público, o que temos hoje, a gestão e com a política judiciária em um nível
no Brasil, é um Poder Executivo que não regula e macro. Por definição, essas mudanças proces­
não fiscaliza. E um sistema de justiça que identifi- suais precisam da atuação de Conselhos como o
ca, em quase todos os casos, essas não regulações CNJ e CJF. Toda essa dinâmica de seleção e fil-
como violações de direitos individuais. De fato são tragem, uniformização pressupõem tribunais mais
violações de direitos individuais. Os direitos indivi- integrados internamente e um elevado nível de
duais são a base do nosso sistema jurídico. Isso não coordenação entre si.
significa, entretanto, que a articulação em face da As soluções processuais podem ser mais efeti-
violação ou ameaça não possa ocorrer coletiva- vas, se pensadas de forma global, incluindo solu-
mente. Nesse ponto, é preciso rediscutir com o ções gerenciais e políticas. O caso da repercussão
Ministério Público o papel dele nesse latifúndio. geral e dos recursos repetitivos é um exemplo
Ainda pensando sobre o Poder Público, mas deste “quase-fracasso” que – acredito – certamen-
em uma virada mais sociológica: a história do te será revertido pela solução gerencial constante
Brasil (social e constitucional), o funcionamen- da Resolução 160 do CNJ, que cria os Núcleos de
to da burocracia brasileira e a forma como as Repercussão Geral e Recursos Repetitivos.
relações entre o público e o privado se consti- As soluções extraprocessuais seguem sendo
tuem estão na origem dessa disfuncionalidade valorizadas pelo CNJ e são, realmente importan-
do Estado, que culmina na irracionalidade desse tíssimas. “Não pegam no Brasil” exatamente pelas
volume imenso de ações judiciais. Ao que pare- mesmas razões já apontadas. Não há correspon-
ce, não há ativismo judicial no Brasil, o que há é sabilização entre Judiciário, OAB, MP quanto às
reativismo judicial. possibilidades reais da conciliação para a redu-
Assim, essas posições propostas têm como ção de ações judiciais. Os advogados só conci-
pano de fundo a adoção de uma perspectiva que liam perante do juiz etc. Os filtros pré-processuais
desconfia do excesso de expectativa quanto ao podem ter resultados superiores aos processuais.
processo. Todas as reformas processuais vistas E o processo pode ser um mecanismo de incen-
não conseguiram atingir seu objetivo porque não tivo ao não processo, principalmente com alte-
vieram acompanhadas de uma alteração teórica rações nas custas e honorários.
sobre o que é o direito e como aplicá-lo. O que fi- O Anteprojeto de Lei de Custas formulado
zeram então foi incrementar o sistema e, com isso, pelo CNJ consiste em uma padronização dos pro-
apenas aumentaram sua complexidade argumen- cedimentos de cobranças de custas pelos diversos
tativa e gerencial. Um sistema mais complexo, pre- tribunais de justiça, sendo fixados os valores des-
cisa de operadores mais sofisticados, do contrário, tas em razão de percentuais do valor da causa,
dificilmente pode tornar as decisões mais ágeis. bem como formalizada uma regra nacional para
É preciso reconectar teoria e prática. Não o procedimento de seu recolhimento.
podemos pensar no custo e tempo do processo Tudo isso visa tornar o recolhimento de cus-
sem pensar em justiça e segurança jurídica. Não tas mais isonômico (pois hoje há uma cobrança
podemos pensar em alterações processuais, sem de custas mais altas em estados com IDH baixo,
pensar em mudanças na teoria do direito ensina- bem como uma cobrança proporcionalmente
da nas universidades e replicada nas Escolas de mais elevada de custas em processos de baixo
Magistratura. Não podemos mudar o processo, valor da causa). Outro objetivo do anteprojeto
sem incrementar a gestão. é inverter a lógica predominante hoje em nosso
sistema, na qual as custas de primeiro grau são
Conclusão: soluções gerenciais e políticas muito caras e as recursais possuem custo baixo.
Dessa forma, não existe solução fácil, já di- Ou seja, o anteprojeto tem como objeto a dimi-
zia meu orientador, o Professor Menelick de nuição das custas de primeiro grau acompanhada
Carvalho Netto. A proposta do Conselho Nacional de uma majoração das custas recursais, visando
de Justiça é alinhar as soluções processuais com facilitar o acesso à justiça, de forma a valorizar as
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
22

decisões de primeiro grau e conferir maior cele- de Direito e, para isso, é preciso entender e acei-
ridade ao processo judicial, trazendo maior óbi- tar que a aplicação do direito é uma atividade
ce de acesso às instâncias recursais. Além disso, interpretativa, que o sistema jurídico é aberto e
com a diminuição das custas de primeiro grau, indeterminado. Isso reduzirá os esforços inúteis
objetiva-se também diminuir a busca por assis- de contenção da divergência, ao mesmo tempo
tência judiciária gratuita, pois existe uma gama em que irá valorizar a ideia de que a previsibili-
de indivíduos beneficiários de tal assistência, que dade é uma dimensão da justiça. Nesse caminho,
teria condições de arcar com as custas, se estas não podemos descuidar da tarefa de exigir que
fossem razoáveis. o Estado brasileiro cumpra a Constituição e de
Assim, não podemos deixar que a repetibili- que os brasileiros se assumam como cidadãos,
dade seja uma razão para redução do acesso. Os abandonando uma posição passiva de cliente.
JEFs foram pensados e concretizados para garan- A tarefa do CNJ nesse processo é integrar os
tir parte dos direitos sociais no Brasil, e quanto tribunais e apoiá-los no desenho de soluções ge-
a isso não pode haver retrocesso. Ao contrário, rencias e extraprocessuais que possam aumentar
o que precisamos é superar o Estado Social e a eficiência do Poder Judiciário e, com isso, ga-
implementar um verdadeiro Estado democrático rantir justiça a todos.”
Leonardo de Faria Beraldo, Liana Lidiane Pacheco Davi, Paulo Kuhn, Reynaldo Soares da Fonseca, Marcelo Siqueira e Claudio Xaver
Seefelder Filho

MESA REDONDA

Gerenciamento das demandas repetitivas pela Administração Pública:


dificuldades encontradas e possíveis soluções a serem adotadas

Perspectiva da dúvida, um dos principais parceiros da Justiça


Procuradoria-Geral da União Federal nessa questão. No que se refere ao traba-
lho desenvolvido no âmbito da AGU, destacamos
Dr. Paulo Henrique Kuhn
as iniciativas realizadas pela Procuradoria-Geral
Procurador-Geral da União
da União (PGU), órgão jurídico responsável pela
defesa judicial da União, envolvendo os Poderes
Executivo, Legislativo, Judicial.
Com uma estrutura composta por 69 procura-


dorias em todo o Brasil, que foram responsáveis
pela movimentação de quase um milhão de pro-
O grande volume de processos que trami- cessos em 2012, a Procuradoria-Geral da União se
ta na Justiça Federal brasileira é uma questão com- encontra diante do desafio de lidar com um volu-
plexa, que demanda soluções inovadoras e parce- me de processos crescente e, ao mesmo tempo,
rias institucionais sólidas. Nesse sentido, o Seminário aumentar a qualidade da defesa jurídica da União.
“Demandas Repetitivas na Justiça Federal: possíveis Para fazer frente a esse desafio, e melhorar seu
soluções processuais e gerenciais” cumpre impor- desempenho, a PGU estabeleceu, como priori-
tante papel, tanto em relação à difusão de alternati- dade para o ano de 2013, a adoção de medidas
vas jurídicas e gerenciais para encaminhamento da para lidar com as demandas repetitivas. São três
questão quanto em relação a uma maior aproxima- as diretrizes gerais para o enfrentamento da ques-
ção dos atores envolvidos com o tema. tão: (i) melhorar a qualidade da defesa judicial da
A Advocacia-Geral da União (AGU) é, sem União nos processos em geral, (ii) realizar acor-
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
24

dos para reduzir o estoque de ações repetitivas Sendo assim, foram elaborados pareceres re-
e (III) autorizar desistência e a não interposição ferenciais que autorizaram a desistência e a não
de recursos sabidamente inviáveis. interposição de recursos, no âmbito do STJ. Os
Seguindo essas diretrizes gerais, estão sen- pareceres referenciais garantem maior segu-
do implantadas, neste momento, quatro me- rança ao advogado para não recorrer, pois são
didas concretas para enfrentar o problema: 1) elaborados por um órgão de direção superior, e
Estabelecimento de uma Coordenação Nacional de diminuem o tempo necessário para justificar a
JEF; 2) Implantação do Programa de Redução de desistência ou não interposição, pois, em vez de
Litígios e de Aperfeiçoamento da Defesa Judicial da elaborar uma peça jurídica para isso, basta inse-
União; 3) Realização de Mutirões de Conciliação; e rir no sistema de acompanhamento processual o
4) Instalação das Centrais de Negociação. código do parecer referencial autorizativo.
A Coordenação Nacional de JEF foi criada a Os resultados já alcançados são expressivos.
partir do diagnóstico de que 35% do volume de Nos oito primeiros meses do Programa (jul/12 a
ações da PGU tramita nos juizados especiais fe- fev/13), a PGU desistiu de 301 recursos e deixou
derais e de que a grande maioria das demandas de recorrer em 2.180 processos no STJ, evitando
repetitivas se encontra nesses juizados. As requi- que o tribunal proferisse cerca de 3.807 decisões
sições de pequeno valor (RPV) já superam, há (considerada a estatística de recursos sucessivos
muito, a quantidade de precatórios emitidos, sen- ordinariamente interpostos).
do que o valor pago em função de RPVs já está No período julho-outubro de 2011, o percen-
próximo de superar o valor pago em precatórios. tual de decisões favoráveis nos acórdãos em que
Havia, então, a necessidade de uma ação a União é recorrente foi de apenas 13% (excluí-
coordenada em todo o país. Nesse contexto, dos Mandados de Segurança). Quando fazemos
foi criada, no início de 2013, a Coordenação uma comparação com o mesmo período de 2012,
Nacional de JEF, com o objetivo de identificar o percentual de decisões favoráveis subiu para
novas demandas de massa, desenvolver teses de 45%, conforme gráfico abaixo:
defesa mínima, tratar o jurisdicionado de forma
isonômica e reduzir custos para a União. O traba-
lho desenvolvido pela Coordenação Nacional de
JEF já está surtindo os primeiros efeitos. Apenas
nos primeiros dois meses de funcionamento, já se
iniciou o desenvolvimento de dez teses de defesa
mínima para utilização em temas repetitivos.
Ainda no segundo semestre de 2012, foi ini-
ciado o “Programa de Redução de Litígios e de
Aperfeiçoamento da Defesa Judicial da União”. Os Fonte: Procuradoria-Geral da União
números que levaram à implantação do Programa
impressionam: nos recursos interpostos pela União, A elevação de 13% para 45% no percentual de
84% dos acórdãos proferidos pelo STJ em 2010 e acórdãos favoráveis em que a União é recorrente
2011 foram desfavoráveis à União, e, nos agravos no STJ significa um aumento de impressionantes
regimentais, o índice de insucesso chegou a 96%. 244%. Esses resultados foram apresentados em
Diante desse levantamento, chegou-se à con- dezembro de 2012 para o Presidente do Superior
clusão de que a interposição de recursos “sabida- Tribunal de Justiça, Ministro Felix Fischer, que
mente inviáveis” contribui para o estrangulamento dispensou elogiosas palavras à nova postura da
do Poder Judiciário e da própria AGU, compro- União. O “Programa de Redução de Litígios e de
mete a credibilidade da União perante a Justiça e Aperfeiçoamento da Defesa Judicial da União” foi
impede que a AGU se concentre em aperfeiçoar noticiado pelo sítio eletrônico do STJ e também já
teses de defesa da União em ações relevantes. foi alvo de reconhecimento por outros ministros
série
Cadernos
do CEJ 25

da corte, inclusive durante sessões de julgamento. vidades; as Centrais Regionais de Negociação –


A necessidade de reduzir estoque de ações CRN, localizadas nas procuradorias regionais da
repetitivas e o elevado custo de manutenção de União, são responsáveis pela gestão dos acordos
processos ativos levou a Procuradoria-Geral da em cada uma das regiões da Justiça Federal; por
União a participar ativamente das Semanas de fim, as Centrais Locais de Negociação – CLN, lo-
Conciliação do CNJ. O primeiro mutirão foi reali- calizadas em cada unidade da Federação (exceto
zado em dezembro de 2011 e teve foco em ações onde já há Central Regional), farão os acordos
coletivas: foram 276 processos, com aproximada- em âmbito estadual.
mente 12.000 beneficiários, o que gerou uma eco- A primeira grande missão das Centrais de
nomia direta para a União de R$ 308.287,92 (des- Negociação, prevista no seu Plano de Ação, é
contos conseguidos nos acordos) e uma economia arquitetar uma forte articulação com os órgãos
estimada de R$ 272.299.311,70, considerando o do Poder Judiciário. Esse contato, para definição
que deixou de ser pago em termos de honorários, de procedimentos de negociação e de concilia-
correção, juros e outros custos que decorreriam ção, é fundamental para o sucesso da iniciativa.
do prolongamento da tramitação do processo. Inicialmente foram eleitas algumas gratificações
O segundo mutirão, realizado em junho de de desempenho que terão prioridade para a rea-
2012, teve foco em ações individuais: foram 1.362 lização de acordos. São elas: GDATA, GDPGTAS,
processos, com aproximadamente 3.000 benefi- GDASST, GDPGPE, GDPST, GDATEM, GDAFAZ.
ciários, o que gerou uma economia direta para O Plano de Ação também prevê dois tipos de
a União de R$ 1.420.533,34 (descontos conse- estratégia para realização de acordos. A primeira
guidos nos acordos) e uma economia estimada é uma estratégia pré-processual, em que o acor-
de R$ 22.247.304,05, considerando o que deixou do é tentado antes da citação da União. É feito
de ser pago em termos de honorários, correção, um depósito em juízo com a proposta padrão de
juros e outros custos que decorreriam do prolon- acordo, que já prevê os parâmetros gerais de
gamento da tramitação do processo. elaboração da conta e o termo de adesão pa-
A experiência na participação de mutirões foi drão para cada gratificação. A segunda é uma
tão exitosa que houve uma decisão pela institucio- estratégia processual, que dá preferência para
nalização da iniciativa. Nesse contexto, nasceram a realização de acordos em audiência e para a
as centrais de negociação, com a finalidade de realização de mutirões mensais de conciliação.
dotar a PGU de uma estrutura permanente para Esses são, em breve síntese, os instrumen-
negociação de acordos. Foram criadas centrais tos que estão sendo implantados no âmbito da
de negociação em três níveis: a Central Nacional Procuradoria-Geral da União, para enfrentar o
de Negociação – CNN, localizada em Brasília, é desafio de lidar com demandas repetitivas na
responsável pela coordenação nacional das ati- Justiça Federal brasileira.”
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
26

segurados atendidos pelo sistema.


Em 2012 foram propostas por volta de
1.220.000 novas ações judiciais, atraindo a de-
manda da atuação de cerca de 1.560 procurado-
res federais, o que corresponde a 70% do efetivo
de contencioso da PGF.
A atuação da Procuradoria-Geral Federal pe-
rante o Supremo Tribunal Federal, os tribunais
superiores e a Turma Nacional de Uniformização
Perspectiva da Procuradoria-Geral dos Juizados Especiais Federais garantiu 54,6%
de vitórias nas ações decididas nessas instâncias
Federal judiciais em matéria previdenciária, e, em ques-
Marcelo Siqueira de Freitas tões processuais, o índice chega a 71,7%.
A Advocacia-Geral da União tem implemen-
tado ações que visam à redução da litigiosidade,
com a edição de súmulas administrativas, de ini-
ciativas para a realização de acordos e transações


judiciais e projetos de desistência recursal peran-
O sistema previdenciário brasilei- te os tribunais superiores.
ro – um dos maiores do mundo – é gerido pelo Somente em 2012 foram celebrados mais de
Instituto Nacional do Seguro Social, autarquia 98 mil acordos judiciais em processos individu-
federal criada pelo Decreto n. 99.350, de 27 de ais, com o pagamento de R$ 592 milhões aos
junho de 1990. segurados. Citem-se, ainda, outros atos e pare-
Os números demonstram a grandeza do siste- ceres normativos editados pelo Governo Federal
ma de previdência social pátrio: existem cerca de visando à redução de litigiosidade na área pre-
47.900.000 de segurados, o que corresponde a videnciária com o reconhecimento: a) do re-
aproximados 48% da população nacional econo- ajuste de 147,06%, por meio da Portaria MPS
micamente ativa. Somente no ano de 2012 foram n. 302, de 20.07.1992; b) da ORTN/OTN pela
concedidos cerca de 4.770.000 novos benefícios, Portaria Interministerial AGU/MPS n. 28/2006; c)
havendo mais de 30.000.000 de benefícios em do IRSM de fevereiro/94 − Lei n. 10.999/2004;
manutenção. O total de pagamentos referen- d) da união homoafetiva – IN INSS/DC n. 25,
tes a benefícios previdenciários realizados em de 2000; e) do reconhecimento do “Boia Fria”
2012 alcança a monta de R$ 386.000.000.000,00. como segurado obrigatório - Parecer MPAS/CJ
(Fonte: Boletim Estatístico da Previdência Social n. 1050/97; g) da revisão do teto previdenciário
– Dezembro de 2012). – Memo n. 59A/GA/MPS/2011; e h) da metodo-
O tempo médio de concessão administrativa logia de cálculo dos benefícios prevista no art.
de benefício previdenciário atualmente é de 26 29, II da Lei n. 8.213/91 – Nota n. 146/2012/
dias. (Fonte: Boletim Estatístico da Previdência DEPCONT/PGF/AGU.
Social – Dezembro de 2012). Na linha de ações desenvolvidas pela AGU,
De outro lado, têm-se os benefícios previden- despontam como sugestões para a redução de
ciários concedidos por ordem judicial, que cor- demandas judiciais a busca por um aprofunda-
respondem a 8,58% do universo de benefícios mento do relacionamento Judiciário-INSS-AGU
implantados. Embora tal índice não se afigure para organização dos acordos e dos mutirões
elevado em termos relativos, verifica-se um sig- de conciliação e a melhoria dos filtros temáticos
nificativo número de ações judiciais em números para a identificação de processos repetitivos pas-
absolutos, em decorrência do amplo número de síveis de acordo ou desistência.”
série
Cadernos
do CEJ 27

experiências na gestão das demandas repetitivas


tributárias da União (art. 12, da LC 73/93 1), todas
realizadas com base na legislação processual civil
vigente em nosso País.
Relembro que, quando ingressei na PGFN, em
meados do ano 2000 (concurso de 1998), duas
coisas muito me chamaram a atenção: (i) uma
suposta obrigação de recorrer de toda e qualquer
PGFN: uma nova concepção da decisão judicial contrária aos interesses da União/
Fazenda Pública em juízo PGFN; e (ii) a ausência de confiança/respeito mú-
Cláudio Xavier Seefelder Filho tuo nas relações entre a Administração Tributária
Procurador da Fazenda Nacional e o contribuinte.
Ex-Coordenador da Representação Judicial da Em 2004, fui convidado pelo Dr. Fabrício
PGFN (01/2007 a 03/2013) da Soller, então Coordenador-Geral da
Representação Judicial da PGFN (CRJ), hoje
Procurador-Geral Adjunto de Consultoria e
Contencioso Tributário da PGFN (PGA), para atu-
ar na capital federal perante o Superior Tribunal


de Justiça e Supremo Tribunal Federal na
Coordenação-Geral de Representação Judicial
A Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional (PGFN) recebeu, com muita honra, o
convite para participar do Seminário Demandas 1 Art. 12 – À Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional,
Repetitivas na Justiça Federal: possíveis solu- órgão administrativamente subordinado ao titular do
ções processuais e gerenciais, promovido pelo Ministério da Fazenda, compete especialmente:
Conselho da Justiça Federal (CJF), por meio do I – apurar a liquidez e certeza da dívida ativa da
União de natureza tributária, inscrevendo-a para fins
Centro de Estudos Judiciários, dirigido pelo Exmo.
de cobrança, amigável ou judicial;
Min. João Otávio de Noronha do Superior II – representar privativamente a União, na execução
Tribunal de Justiça (3/2011 a 8/2013). de sua dívida ativa de caráter tributário;
Diversas questões interessantes surgem quando III – (VETADO)
falamos sobre “demandas repetitivas” perante o IV – examinar previamente a legalidade dos contra-
Poder Judiciário, cito duas como exemplo: (i) as tos, acordos, ajustes e convênios que interessem ao
Ministério da Fazenda, inclusive os referentes à dívi-
discussões sobre qual o instrumento processual
da pública externa, e promover a respectiva rescisão
cabível para alterar o entendimento do Superior por via administrativa ou judicial;
Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal V – representar a União nas causas de natureza fiscal.
Federal (STF) formado na sistemática dos recursos Parágrafo único – São consideradas causas de natu-
repetitivos (arts. 543-B e 543-C respectivamente reza fiscal as relativas a:
do CPC); (ii) o debate, ainda não concluído pelo I – tributos de competência da União, inclusive infra-
ções à legislação tributária;
STF, de qual a medida processual cabível em face
II – empréstimos compulsórios;
da aplicação incorreta pelos tribunais do entendi- III – apreensão de mercadorias, nacionais ou estran-
mento formado na sistemática dos recursos repe- geiras;
titivos (arts. 543-B e 543-C do CPC). IV – decisões de órgãos do contencioso administrati-
Já podemos evidenciar que as discussões so- vo fiscal;
bre o tema são interessantíssimas, bem como V – benefícios e isenções fiscais;
VI – créditos e estímulos fiscais à exportação;
complexas. Entretanto, entendemos que, nesta
VII – responsabilidade tributária de transportadores e
oportunidade, a PGFN poderá, efetivamente, agentes marítimos;
contribuir com o objetivo deste evento se trou- VIII – incidentes processuais suscitados em ações de
xer ao conhecimento de Vossas Excelências suas natureza fiscal.
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28

da PGFN (CRJ). ram a ser editados de forma mais constante pela


Chegando na CRJ/PGFN em Brasília-DF, vi es- PGFN, em respeito aos direitos dos contribuintes
tabelecida uma rotina já implantada de não re- já reconhecidos pelo Poder Judiciário.
correr de temas pacíficos no STJ e STF, mediante Neste contexto, com o advento dos art. 543-B
notas-justificativas. Uma atuação coordenada, e 543-C do CPC, a CRJ/PGFN vislumbrou uma
criteriosa e qualificada perante o STJ e STF. oportunidade de estender sua forma de atua-
Visitas constantes aos ministros, acompanhada ção perante o STJ e STF às demais instâncias
de entrega de memoriais e sustentações orais nos do Poder Judiciário, advindo daí o primoroso
casos relevantes. trabalho da Dra. Luana Vargas Macedo, que
Já havia, na atuação da PGFN perante o STJ resultou na confecção do Parecer PGFN/CRJ n.
e STF, um acompanhamento especial dos casos 492/20103. Deveríamos continuar interpondo re-
de maior relevância jurídica e econômica, em cursos (regra), mas, existindo recurso julgado sob
relação aos quais, uma vez identificados na aná- a sistemática dos recursos repetitivos ou havendo
lise das pautas de julgamento do STJ e STF, eram jurisprudência pacífica do STJ ou STJ, estaria o
elaborados memoriais, feitas visitas aos ministros Procurador da Fazenda Nacional dispensado de
e realizadas sustentações orais, o que acabou sen- contestar e/ou recorrer, na forma estabelecida
do normatizado, pela primeira vez na PGFN, com pela Portaria PGFN 294/20104.
a edição da Portaria PGFN 1.094/2005.
Assim, toda e qualquer jurisprudência que se for- quando citado para apresentar resposta, hipótese em
masse em temas relevantes para a PGFN, no âmbito que não haverá condenação em honorários, ou mani-
do STJ ou STF, teria uma efetiva participação da festar o seu desinteresse em recorrer, quando intimado
PGFN, com memoriais, visitas e sustentações orais. da decisão judicial. (Redação dada pela Lei nº 11.033,
As derrotas ou vitórias não se davam sem a devida de 2004)
§ 2º A sentença, ocorrendo a hipótese do § 1o, não se
consideração dos argumentos da PGFN.
subordinará ao duplo grau de jurisdição obrigatório.
Com essa participação ativa na construção § 3º Encontrando-se o processo no Tribunal, pode-
da jurisprudência pátria, os Atos Declaratórios rá o relator da remessa negar-lhe seguimento, desde
da PGFN, aprovados pelo Ministro de Estado da que, intimado o Procurador da Fazenda Nacional,
Fazenda (art. 19 da Lei 10.522/2002) 2, começa- haja manifestação de desinteresse.
§ 4º Fica o Secretário da Receita Federal autorizado
a determinar que não sejam constituídos créditos tri-
2 Art. 19. Fica a Procuradoria-Geral da Fazenda butários relativos às matérias de que trata o inciso II.
Nacional autorizada a não contestar, a não interpor § 4º A Secretaria da Receita Federal não constituirá
recurso ou a desistir do que tenha sido interposto, os créditos tributários relativos às matérias de que
desde que inexista outro fundamento relevante, na trata o inciso II do caput deste artigo. (Redação dada
hipótese de a decisão versar sobre: (Redação dada pela Lei nº 11.033, de 2004)
pela Lei nº 11.033, de 2004) § 5º Na hipótese de créditos tributários constituídos
I – matérias de que trata o art. 18; antes da determinação prevista no § 4o, a autoridade
II – matérias que, em virtude de jurisprudência pa- lançadora deverá rever de ofício o lançamento, para
cífica do Supremo Tribunal Federal, ou do Superior efeito de alterar total ou parcialmente o crédito tribu-
Tribunal de Justiça, sejam objeto de ato declaratório tário, conforme o caso.
do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, aprova- § 5º Na hipótese de créditos tributários já constituídos,
do pelo Ministro de Estado da Fazenda. a autoridade lançadora deverá rever de ofício o lan-
III – (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.788, de çamento, para efeito de alterar total ou parcialmente
2013) o crédito tributário, conforme o caso. (Redação dada
§ 1º Nas matérias de que trata este artigo, o pela Lei nº 11.033, de 2004)
Procurador da Fazenda Nacional que atuar no feito § 6º – (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.788, de 2013)
deverá manifestar expressamente o seu desinteresse
3 PARECER PGFN/CRJ/N. 492/2010 disponível
em recorrer.
no sitio da PGFN – www.pgfn.fazenda.gov.br
§ 1º Nas matérias de que trata este artigo, o Procurador
da Fazenda Nacional que atuar no feito deverá, ex- 4 PORTARIA PGFN N. 294, de março de 2010.
pressamente, reconhecer a procedência do pedido, Dispõe sobre as notas-justificativas, no âmbito da
série
Cadernos
do CEJ 29

No referido Parecer PGFN 492/2010, foram saberão que as teses jurídicas que ainda estiverem
elencados os benefícios obtidos com esta nova sendo defendidas judicialmente pela PGFN são vi-
postura adotada pela PGFN em juízo, in verbis: áveis e críveis, e que essa defesa se dá de forma
[...] estratégica, consciente e direcionada, o que, certa-
42. Assim, sob a primeira perspectiva acima re- mente, elevará o “respeito” de ambos em relação à
ferida, mais restrita, voltada para a própria instituição, atuação da instituição.
os benefícios decorrentes da adoção, pela PGFN, da (III) estímulo ao pensamento crítico dos
postura de não mais recorrer contra decisões, desfa- Procuradores que integram os quadros da
voráveis à Fazenda Nacional, proferidas em conso- PGFN – ao deixar de apresentar recursos sobre
nância com precedente judicial formado sob a nova teses já resolvidas pelo STF/STJ, passando-se a
sistemática prevista, são, basicamente, os seguintes: concentrar os esforços – antes esparsos, desper-
(I) otimização na utilização dos recursos da diçados em processos inúteis – em demandas que
instituição – trata-se, possivelmente, do benefício tratem de teses jurídicas ainda em real disputa
mais evidente. Ao deixar de insistir na defesa de te- no Poder Judiciário, a PGFN estimulará os seus
ses jurídicas já definitivamente resolvidas pelo STF/ Procuradores a atuarem com ainda mais raciocí-
STJ, em sentido desfavorável à Fazenda Nacional, nio crítico e compreensão acerca da matéria recor-
a PGFN evita o desperdício dos seus recursos, so- rida. Abandona-se, assim, a atuação mecanizada e
bretudo os humanos (p. ex. o tempo de trabalho repetitiva e passa-se para uma atuação que deman-
de Procuradores e servidores) e os materiais (p. dará a utilização de toda a capacidade intelectual
ex. estrutura das unidades da PGFN e sistemas de dos Procuradores da Fazenda. Com isso, certamen-
informação utilizados na elaboração de peças pro- te, o grau de “engajamento” ou de “adesão” dos
cessuais), em demandas que possuem pouca, ou quadros da PGFN em relação às causas judiciais
nenhuma, potencialidade de lhe trazer resultados de interesse da Fazenda Nacional será ainda maior.
positivos, “liberando” esses recursos para que os (IV) minoração da condenação em honorá-
mesmos possam ser utilizados em demandas que rios advocatícios – ao deixar de insistir na interpo-
possuam real viabilidade de êxito. Noutras pala- sição de recursos sobre questões jurídicas já definidas
vras: os esforços (recursos humanos/intelectuais pelo STF/STJ, a PGFN estará dando ensejo à mino-
e materiais) da PGFN serão inteiramente concen- ração do quantum das condenações em honorários
trados naquelas teses jurídicas, de interesse da advocatícios, sofridas pela Fazenda Nacional, nas
Fazenda Nacional, cuja definição ainda se encon- demandas judiciais que tratem dessas questões.
tra pendente no Judiciário, bem como nas teses 43. Note-se que os benefícios acima listados não
jurídicas nascentes. são estanques, mas, antes, se interconectam, se re-
(II) aumento da credibilidade da instituição tro-alimentam, enfim, se complementam. E, todos,
junto ao Poder Judiciário, imediatamente, e juntos, parecem conduzir ao mesmo resultado: o
junto à sociedade, mediatamente – ao deixar aumento no grau de eficiência da instituição;
de apresentar recursos sobre teses já resolvidas atende-se, aqui, e de forma direta, ao princí-
pelo STF/STJ, em sentido desfavorável à Fazenda pio constitucional da eficiência administra-
Nacional, a PGFN passará a concentrar sua defesa tiva. De fato, na medida em que se otimiza a utili-
em torno de teses mais críveis, o que, certamente, zação dos recursos da PGFN, em que se aumenta
terá reflexos positivos em relação ao conceito, ou a sua credibilidade junto ao Poder Judiciário e aos
à imagem, que o Poder Judiciário, imediatamente, contribuintes e em que se estimula uma atuação
e a própria sociedade (no caso, os contribuintes), ainda mais crítica por partes dos Procuradores que
mediatamente, possuem em relação à instituição. integram seus quadros, a tendência é a obtenção de
O Poder Judiciário, num primeiro momento, e os resultados mais exitosos nas demandas judiciais de
próprios contribuintes, num segundo momento, interesse da Fazenda Nacional.
[...]
No modelo anterior, precisávamos cada vez
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
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30

mais do ingresso de novos procuradores da Acompanhamento Especial Judicial e Estratégia


Fazenda Nacional – saltamos de 700 procurado- de Defesa. A ideia novamente foi a de replicar a
res da Fazenda Nacional no ano de 2000 para atuação da PGFN no STJ e STF em todas as uni-
2000 no ano de 2010 – em face do número cres- dades da PGFN pelo Brasil, para que cada unida-
cente de processos judiciais. A indagação era de da PGFN possuísse um ou mais procuradores
como quebrar esse círculo vicíoso. da Fazenda Nacional imbuídos exclusivamente
A PGFN tentou romper com o modelo de “mais de cuidar dos casos mais relevantes para a insti-
do mesmo” e inovando conseguiu obter excelen- tuição. Para coordenação nacional (administra-
tes resultados na diminuição do volume de pro- tiva e técnica) do acompanhamento especial na
cessos em trâmite nas diversas instâncias do Poder PGFN, foi criado, dentro da Coordenação-Geral
Judiciário, o que possibilitou uma realocação de de Representação Judicial da PGFN a Divisão
recursos e uma gestão inovadora, mais eficiente Nacional de Acompanhamento Especial Judicial
e inteligente. e Estratégia de Defesa da PGFN (DIAEJ).
Compete à DIAEJ exercer a
coordenação administrativa e
A PGFN tentou romper com o modelo de “mais do técnica das atividades das célu-
mesmo” e inovando conseguiu obter excelentes las de acompanhamento especial,
resultados na diminuição do volume de processos em com o objetivo de possibilitar uma
trâmite nas diversas instâncias do Poder Judiciário [...] atuação uniforme, coordenada e
mais eficiente da PGFN em todos
os processos judiciais sujeitos a
Em resumo, antes a PGFN recorria e contestava acompanhamento especial.
de toda e qualquer demanda ingressada em juízo A DIAEJ vem desempenhando papel fundamen-
contra a União em matéria fiscal, pouco importando tal de coordenação, uniformidade, fortalecimento
a existência de recurso julgado sob a sistemática dos e aperfeiçoamento da defesa da PGFN nas causas
recursos repetitivos (art. 543-B e 543-C do CPC) ou mais relevantes em juízo, para que, desde a primei-
jurisprudência pacífica do STJ e/ou STF. Em muitos ra instância, falemos a mesma língua em qualquer
casos, o contribuinte já possuía seu direito reconhe- ação ajuizada contra a União/PGFN no Brasil.
cido pelo STJ e/ou STF, mas em face da resistência Um singelo exemplo do resultado da cria-
judicial da União, demorava de dez a quinze anos ção da DIAEJ: relato o caso da vitória no STF
para ter o seu direito reconhecido em juízo. da questão envolvendo a incidência da CSLL
Hoje, temos orgulho de dizer que, nas causas sobre as receitas de exportação. Com a DIAEJ,
decididas na sistemática dos recursos repetitivos, iniciamos uma “força tarefa nacional” visando
seja no STJ, seja no STF, a PGFN não contesta localizar, com auxílio da RFB, todos os proces-
ou recorre, além de reconhecer o direito pleite- sos judiciais sobre o tema. Em alguns meses de
ado pelo contribuinte. Da mesma forma, quan- trabalho conseguimos uma arrecadação próxima
do constatada a jurisprudência pacífica no STJ e de dez bilhões de reais aos cofres públicos, em
STF, não interpomos mais recurso especial e/ou face da cassação de liminares e reforma de de-
recurso extraordinário. cisões/acórdãos com o objetivo de restabelecer
Com os benefícios advindos da implemen- a exigência tributária. Nesse período foi registra-
tação deste novo modelo de atuação judi- da a maior arrecadação trimestral da história da
cial, foi possível a edição da Portaria PGFN Receita Federal do Brasil (RFB).
1.267/20115, a qual criou o Sistema Nacional de Importante destacar que os efeitos das me-
didas adotadas pela PGFN transcendem os in-

5 PORTARIA PGFN n. 1267 de 06 de dezembro


de 2010 – Dispõe sobre o Sistema Nacional de e cria a Divisão Nacional de Acompanhamento
Acompanhamento Especial Judicial da PGFN Especial Judicial e Estratégia de Defesa.
série
Cadernos
do CEJ 31

teresses da instituição e contribuem com a di- visto anteriormente, por uma nítida tendência de
minuição da litigiosidade e duração razoável “verticalização” das decisões do STF e do STJ ou de
do processo judicial, objetivos almejados pelo “commonlawlização” da ordem jurídica pátria) e aos
Poder Judiciário, além do respeito ao cidadão escopos declaradamente pretendidos pelo “II Pacto
brasileiro, senão vejamos novamente trecho do Republicano”, dentre os quais se inclui “o aprimo-
moderno Parecer PGFN 492/2010, in verbis: ramento da prestação jurisdicional, mormente pela
[...] efetividade do princípio constitucional da razoável
44. De outra ponta, sob a segunda perspecti- duração do processo e pela prevenção de conflitos”.
va acima mencionada, mais ampla e mais comple- Na verdade, a PGFN, como órgão de Estado, in-
xa, voltada, imediatamente, para o novo instituto tegrado ao Poder Executivo, estará se juntando a
do julgamento por amostragem de recursos extre- outros órgãos vinculados aos demais Poderes, como,
mos repetitivos e, mediatamente, para a sociedade por exemplo, ao Conselho Nacional de Justiça, em
como um todo, tem-se que os benefícios decorren- prol da concretização dos ideais que marcam os no-
tes da adoção, pela PGFN, da postura de não mais vos rumos tomados pela ordem jurídica brasileira.
recorrer contra decisões que tratem de questão já (III) desoneração da sociedade em relação
definitivamente resolvida pelo STF/STJ, em sede de aos custos envolvidos quando o Estado está
julgamento realizado nos termos dos arts. 543-B e em juízo – ao deixar de recorrer em matérias já
543-C do CPC, são, basicamente, os seguintes: definitivamente resolvidas pelo STF/STJ, a PGFN
(I) maior efetividade do novo instituto – se afasta, gradualmente, da condição de uma dos
ao optar por deixar de recorrer nessas situações, maiores litigantes do país e, assim fazendo, atinge,
a PGFN contribui para a consecução das finalida- de forma reflexa, a própria sociedade, que deixará
des subjacentes à nova sistemática de julgamento de arcar com os altos gastos que necessariamente
prevista nos arts. 543-B e 543-C do CPC, as quais, são despendidos quando o Estado vai a juízo.
como visto, consistem em conferir mais racionalida- (IV) respeito ao cidadão brasileiro – ao ado-
de e celeridade à entrega da prestação jurisdicional tar a postura ora sugerida, a PGFN dará ensejo
e promover unidade na interpretação do direito, a que o jurisdicionado alcance com maior celeri-
mediante o incremento da força dos precedentes dade a prestação jurisdicional solicitada ao Poder
judiciais. E, na medida em que a Administração Judiciário, contribuindo, assim, para que seja re-
Pública (aí se incluindo, por óbvio, a PGFN) osten- duzido o tempo do processo.
ta a condição de uma das maiores litigantes do [...]
país, reconhecidamente responsável por uma par- Com as demonstradas transformações na re-
cela significativa do número de demandas repetiti- presentação judicial da PGFN, resta evidente
vas que abarrotam o Poder Judiciário, percebe-se que esta tem contribuído para a construção de
que essa atitude cooperativa, de sua parte, assu- uma nova concepção de Fazenda Pública em
me papel realmente decisivo na consecução des- juízo, caracterizada por uma atuação judicial
sas finalidades e, conseqüentemente, na obtenção combativa, técnica e coordenada nacional-
da efetividade do novel instituto; sem essa atitude mente em defesa da causa pública, mas tam-
cooperativa, parece questionável, inclusive, se será bém atenta e zelosa no respeito aos direitos
viável, na prática, que o novo instituto realmente dos contribuintes já consagrados pelo STJ e/
atinja as suas finalidades. ou STF, na medida em que não mais contesta e
(II) alinhamento aos novos rumos tomados recorre dos temas definidos na forma dos arts.
pela ordem jurídica brasileira – além disso, ao 543-B e 543-C do CPC.
adotar tal postura cooperativa em relação à obten- Nada mais moderno e digno de se esperar
ção das finalidades do novo instituto previsto nos de uma advocacia pública feita por servidores
arts. 543-B e 543-C do CPC, a PGFN estará se ali- públicos em prol dos interesses verdadeiramente
nhando, a um só tempo, à nova feição assumida de Estado, nisso incluído o respeito ao direito do
pelo processo civil brasileiro (influenciada, como cidadão-administrado-contribuinte.”
Class Actions e Outros tipos de
litígios coletivos: a experiência
dos Estados Unidos com possíveis
analogias com as demandas
repetitivas
Tradução: Profª. Drª. Maria Cristina Zucchi
Desembargadora do TJ-SP

Prof. Michael D. Floyd1


Professor de Direito e Diretor de Estudos
Internacionais da Faculdade Cumberland de
1. Introdução
Direito, Universidade Samford, Birmingham,
Alabama (EUA) Estou honrado e contente por ter sido convi-
dado para participar da conferência sobre de-
mandas repetitivas, no dia 28 de março de 2013,
patrocinada pelo Centro de Estudos Judiciários
e Escola da Magistratura do Tribunal Regional
Federal da 1ª Região. Agradeço os nossos anfitri-
ões e demais participantes do programa pela aco-
1 Agradeço aos meus colegas da faculdade, Henry C. lhida calorosa, hospitalidade gentil e pelas dis-
(Corky) Strickland e William G. Ross por dividir consi- cussões fascinantes de que desfrutei em Brasília2.
derações úteis nas questões deste trabalho. Agradeço
também ao meu colega de faculdade Herman (Rusty)
Johnson por compartilhar extensivamente suas pon- 2 Em particular, quero agradecer ao Ministro João
derações e orientação enquanto eu pesquisava e de- Otávio Noronha, Corregedor-Geral da Justiça Federal
senvolvia as ideias refletidas nesta apresentação e e Diretor do Centro de Estudos Judiciários (3/2011
trabalho. Professores Johnson e Ross também fizeram a 8/2013); ao desembargador federal Mário César
comentários úteis em minutas anteriores. Por último, Ribeiro, Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª
mas não menos importante, agradeço como sempre Região; ao desembargador federal Newton de Lucca;
à minha colega de faculdade, desembargadora Maria ao desembargador federal José Amilcar; ao desembar-
Cristina Zucchi, pelo importante trabalho que ela rea- gador federal Reynaldo Soares da Fonseca; e à juíza
liza apoiando e lecionando no Master of Comparative federal Vânila Cardoso André de Moraes, do Tribunal
Law Program, e por sua colaboração imensamente Regional Federal da 1ª Região e Coordenadora do
valiosa com a tradução e logística. Por certo, quais- Evento; e, por último mas não menos importante, ao
quer erros, omissões e outras deficiências neste traba- juiz federal André Prado de Vasconcelos, do Tribunal
lho permanecem minha responsabilidade. Federal da 1ª Região, aluno brilhante graduado no
série
Cadernos
do CEJ 33

A expressão “demandas repetitivas” não é co- nitivas humanas que podem ser de interesse para
nhecida nos Estados Unidos. A tradução literal da os políticos e reformistas, e a parte 9 oferece co-
expressão para o inglês, repetitive demands não mentários conclusivos.
torna o nome muito mais conhecido no contexto
judicial americano. Embora os Estados Unidos 2. Aspectos distintos do processo nos
não usem o mesmo conceito, algumas observa- Estados Unidos
ções potencialmente análogas podem ser úteis.
Ambos os Judiciários do Brasil e dos Estados
Muitas das questões discutidas neste trabalho
Unidos debatem-se para lidar com número signi-
têm foco na eficiência judicial. Este é um propósi-
ficante de casos. Encontrar estatísticas compará-
to que vale a pena perseguir, embora ele sempre
veis quanto ao número de casos em cada país é
precise estar subordinado à finalidade da justiça.
desafiador, porquanto cada um deles apresenta
Muitas soluções eficientes podem criar grande
estrutura judicial e competência de cortes espe-
risco de injustiça. No entanto, eficiência judicial
cializadas distintas. Contudo, pode-se dizer, com
não é necessariamente inconsistente com justiça.
segurança, que ambos os sistemas enfrentam
Realocação de recursos judiciais desperdiçados
grande volume de casos, de modo que eficiên-
nas aplicações que desenvolvem a causa da justi-
cia na administração da justiça pode significar
ça pode beneficiar a causa da justiça por meio do
economia em recursos.
desenvolvimento da eficiência. Porém, cuidado é
Certos aspectos da litigância nos Estados
assegurado ao se focalizar muito seriamente na efi-
Unidos tendem provavelmente a reduzir o acer-
ciência, com a exclusão de outras considerações.
vo das cortes americanas, se comparados com
Este artigo tem foco na experiência dos Estados
o sistema brasileiro. Algumas destas diferenças
Unidos com “ações coletivas”, com particular en-
podem sugerir caminhos de adaptação para o
foque na forma coletiva “class action” (“ação co-
Brasil, mas com cautela. Algumas das diferenças
letiva”). Na parte 2 do trabalho é apresentado um
entre as estruturas dos dois sistemas são tão pro-
sumário de alguns aspectos distintos do sistema
fundas, que mudanças, tanto no sistema brasileiro
legal americano, o que pode ajudar a explicar a
quanto no americano, poderiam ser difíceis ou
falta de familiaridade, nos Estados Unidos, com de-
impossíveis. Mais importante ainda, focalizar ape-
mandas repetitivas. A parte 3 explora um pouco da
nas na diminuição dos acervos, sem considerar
história judicial americana do século XX, quando
outros elementos do sistema e seus objetivos, cria
uma proliferação de direitos recentemente defini-
o risco de reduzir o acesso à justiça.
dos criou pressões de recursos sobre o Judiciário,
Tanto o Brasil quanto os Estados Unidos podem
pois assim se exigia que esses direitos em litígio
aprender coisas valiosas pela comparação dos dois
fossem dirigidos. A parte 4 explora brevemente a
sistemas de justiça. Algumas destas comparações
fórmula 2010 do Instituto de Direito Americano
podem levar à evolução valiosa de ambos. No en-
para litigância coletiva, e a parte 5 discute a for-
tanto, nem o Brasil nem os Estados Unidos têm um
ma class action de litigância coletiva, que tem tido
sistema judicial perfeito. Não importa quão insa-
uma consideração significativa da atenção judicial
tisfeitos estejamos, deveríamos ser cautelosos ao
e social americana nos últimos 50 anos. A parte 6
adotar mudanças que possam prejudicar a efetivi-
explora alguns dos desafios das ações multidistri-
dade dos nossos sistemas com referência a valores
tais, e a parte 7 desenha brevemente alguns an-
importantes de nossas sociedades.
tigos métodos de litigância coletiva nos Estados
Unidos em complemento às considerações sobre A. Despesa
as class actions e ações multidistritais. A parte 8
oferece pensamentos sobre duas limitações cog- Uma ação judicial, nos Estados Unidos, é mui-
to dispendiosa 3. Exceto em um número limita-

Mestrado em Direito Comparado, e grande colabora-


dor meu e do MCL Program. 3 Um recente artigo de jornal explorou uma tendência
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
34

do de áreas em que leis preveem a transferên- apenas uma petição inicial muito genérica7. Os
cia de custas para a parte vencida 4, cada parte contornos precisos da disputa são então desen-
nos Estados Unidos paga suas despesas e custas. volvidos pelas partes via discovery, um procedi-
Advogados americanos cobram tipicamente cen- mento usualmente lento e trabalhoso8. Isso signi-
tenas de dólares por hora trabalhada, de modo fica que muito do tempo do advogado – custando
que usualmente só é econômico litigar em casos centenas de dólares por hora, como observado
civis 5 envolvendo grandes somas de dinheiro. acima – pode ser investido na definição da dis-
Isso evita que causas de pequeno valor ocupem puta antes que vá a julgamento.
tempo e energia das cortes, mas também torna o
acesso à justiça problemático para pessoas com 7 (a) Pedido de tutela. Um pedido pleiteando tutela
recursos limitados ou para problemas jurídicos precisa conter:
de pequeno valor6. (1) uma pequena e clara indicação dos fundamentos
para a competência da corte, a menos que a corte
B. O processo de [exibição de] provas já tenha competência e a demanda não precise de
novo suporte jurisdicional;
O Código de Regras Federais de Processo Civil (2) uma indicação breve e clara do pedido mostran-
regulamenta os processos judiciais nas cortes fe- do que o autor tem legitimidade para a tutela; e
(3) um pedido para a tutela buscada, que pode in-
derais americanas e tem também sido adotado
cluir tutela alternativa ou diferentes tipos de am-
em muitas cortes estaduais. Estas regras exigem paro. Fed.R.Civ. P. 8(a).
Recentemente a Suprema Corte dos Estados Unidos
estreitou de certo modo os requisitos que uma peti-
ção bem definida deve conter; a Corte mudou o foco
a provisionamento de fundos por terceiros no proces- de pedido “notificação” para pedido “plausível”. Em
so, nos Estados Unidos, e observou que um grupo 2007 a Corte suprimiu a aceitável regra de que o pe-
levantou mais do que $ 100 milhões e afirma que dido não deveria ser improvido por não apresentar
há muito espaço para mais pessoas diante do tama- as condições da ação, a menos que pareça acima de
nho do mercado de processos nos Estados Unidos, dúvida que o autor não pode provar o quadro dos
que eles consideram ser mais do que $200 bilhões. fatos do caso que iria legitimá-lo para a tutela. Ver
Jennifer Smith, Investors Bankroll Lawsuits, THE Bell Atlantic Corporation v. Twombly, 550 U.S. 544,
WALL STREET JOURNAL (April 8, 2013 at B1), dis- 561 (2007) (marcadores internos de citação e cita-
ponível em http://online.wsj.com/article/SB1000142 ções omitidos). O padrão atual é que: para superar
4127887323820304578408794155816934.html?K um pedido de extinção, a petição precisa conter sufi-
EYWORDS=litigation+finance (última visita em 13 ciente matéria de fato aceita como verdadeira, para
de abril de 2013). Ver também Richard M. Calkins, justificar o pedido de tutela que seja plausível em sua
Mediation: A Revolutionary Process That is Replacing face (verossimilhante). Uma petição tem plausibilida-
the American Judicial System, 13 CARDOZO J. de na face quando o autor pretende conteúdo fático
CONFLICT RESOL.1,4-5 (2011). que permite à corte delinear a inferência razoável de
que o réu é responsável pela alegada conduta falha.
4 Ver, por ex., Truth-in-Lending Act § 130(a)(3), 15
O padrão de plausibilidade não está parecido com
U.S.C. §1640(a)(3) (2013); Alabama Deceptive
uma “probabilidade requerida”, mas pede por mais
Trade Practices Act, CODE of ALA, § 8-19-10 (2013).
do que uma translúcida possibilidade de que o réu
5 O termo “civil” é usado aqui para distinguir o sistema tenha agido ilegalmente. Onde a petição pleiteia fatos
da justiça civil americana do da justiça criminal, os que são “ meramente consistentes com” a responsa-
quais operam frequentemente um pouco separados. bilização do réu, ela chega perto da linha entre possi-
Com certa confusão, este mesmo termo é também usa- bilidade e plausibilidade para “legitimação à tutela”.
do em contexto diferente para distinguir o sistema da [caso] Ashcroft v. Iqbal, 556 U.S. 662, 678 (2009) (ci-
civil law (seguido no Brasil, em países da Europa con- tando Twombly, omitidas citações internas). Porém,
tinental, e em muitos outros países) do da common law necessidades extensivas para a discovery permanece-
(seguido nos Estados Unidos e no Reino Unido). rão, mesmo com este padrão um tanto severo/exato
quanto ao que deve ser incluído na petição.
6 Ver genericamente, por ex., Panel Discussion:
International, National and Local Perspectives on 8 Ver Fed. R.Civ.P. 26-37. Ver também, por ex.,
Civil Right to Counsel, 25 TOURO L. REV.81 (2008). Calkins, nota supra 3, p. 7.
série
Cadernos
do CEJ 35

C. Aceitação cultural do pedido A Constituição americana enumera os poderes


legislativos específicos outorgados ao Congresso
Nos Estados Unidos, advogados, juízes e par- federal12. A Carta dos Direitos esclarece que [o]s
tes compartilham a “cultura do acordo”9. Juízes poderes não delegados aos Estados Unidos pela
regularmente encorajam as partes para o acordo Constituição, nem proibidos por ela aos Estados,
ao invés de terem o julgamento de seus casos10. são reservados aos Estados respectivamente, ou ao
Ademais, o desenvolvimento e expansão dos me- povo13. Enquanto a ênfase tem mudado, para trás
canismos alternativos de disputa, tais como arbitra- e para frente, entre estas duas diretivas constitu-
gem e mediação, removeram uma quantidade de cionais, como o centro do federalismo america-
litígios para fora das cortes e para mãos privadas. no, sempre esteve claro que os Estados america-
A arbitragem simplesmente substitui o tribunal nos retêm poderes legislativos independentes do
público (corte) por um julgador privado. A me- governo federal14. Eles detêm muito do “poder de
diação, contudo, transfere o controle de modo polícia” 15, o qual é definido como [o] poder ine-
pleno para as mãos das partes; as partes, não o rente e pleno de um soberano de fazer todas as leis
mediador, é que darão a decisão. Mediadores, di- necessárias e próprias para preservar a segurança
ferentemente dos árbitros, não impõem a decisão pública, ordem, saúde, moralidade e justiça16.
para as partes. Eles apenas facilitam a exploração Em síntese, o governo federal americano tem
e consideração das opções de acordo pelas partes. poderes delegados a ele na Constituição dos
Estados Unidos, e os poderes residuais permane-
D. Estrutura do Federalismo
cem com os Estados. As fronteiras precisas destas
Nenhum catálogo de diferenças entre o siste- categorias são por vezes disputadas, ou ficam em
ma legal brasileiro e o dos Estados Unidos seria dúvida nas margens, mas os poderes dos Estados
completo sem mencionar as diferenças entre as permanecem muito significantes.
considerações sobre o federalismo nos nossos
E. A tradição da Common Law
dois países. Embora os Estados brasileiros tenham
recebido mais poder na Constituição de 1988 do Talvez a mais significativa e convincente dife-
que em estruturas governamentais anteriores, e rença entre o sistema legal brasileiro e o america-
eles desempenhem papéis significantes na estru- no seja que o Brasil segue a tradição da civil law,
tura política brasileira, [A] Constituição Brasileira enquanto os Estados Unidos seguem a tradição
[de 1988] não outorga especificamente poderes ex- da common law17. Os dois sistemas estão conver-
clusivos para os Estados. Os poderes outorgados ao
governo federal são tão extensos, e tanta legislação
12 U.S.CONST. art. 1 § 8 (1789).
federal tem sido posta em vigor, que aos Estados e
Municípios não é deixada, virtualmente, nenhuma 13 U.S.CONST, amend. X (1791). Desde 1891, as
área em que eles possam legislar livres dos limites Constituições Brasileiras tiveram disposições seme-
lhantes, derivadas da Emenda X Americana, mas o
estabelecidos pelo governo federal11.
locus do poder legislativo no Brasil é muito mais cen-
Em contraposição, os Estados nos Estados tralizado no poder federal do que o que ocorre nos
Unidos têm poder exclusivo que não são deri- Estados Unidos. Rosenn, nota supra 11, p. 583.
vados do governo federal, nem dependem dele. 14 ERWIN CHEMERINSKY, CONSTITUTIONAL
LAW: PRINCIPLES AND POLICIES 234, 312-13 (3d
ed 2006).
9 Desenvolvimentos no Direito – Os trajetos para
o Litígio Civil: VI.ADR, O Judiciário, e Justiça: 15 Id., at 234
Chegando a acordos com os Alternativos, 113
16 BLACK’S LAW DICTIONARY 1197 (8th ed. 2004).
HARV.L.REV. 1851, 1860 (2000).
17 Comparar estes dois sistemas é o foco da Universidade
10 Ver, por ex., Calkin s, nota supra 3 , p 9.
Samford, Faculdade Cumberland de Direito , no seu
11 Keith S. Rosenn, Federalism in Brazil, 43 DUQ.L.REV. Mestrado em Direito Comparado (MCL), que
577, 583 (2005). tem estado ativo desde 1994. Vários juízes brasilei-
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
36

gindo para um mesmo grau: o Brasil recentemen- dos de um processo anterior de modo muito mais
te adotou precedente vinculante para certos tipos amplo do que no Brasil.
de casos, e os Estados Unidos têm-se baseado, Estas regras diferentes quanto a precedente
de forma crescente, na lei positiva, tanto no ní- têm naturalmente um impacto significativo so-
vel federal quanto no estadual. Contudo, as dife- bre as expectativas das partes em relação ao pro-
renças tradicionais e fundamentais entre os dois cesso. No sistema da common law, um litigante
sistemas, e seus efeitos sobre as partes e os juízes potencial que encontra a regra legal aplicável
quanto às presunções e estilo de conduzir os ca- estabelecida em decisões vinculantes anteriores,
sos, têm reflexos significativamente diferentes na em grau recursal, reconhecerá a chance mínima
tramitação processual seguida nos dois sistemas. de obter uma interpretação diferente da regra
Uma diferença axiomática entre o sistema da legal. Aliado ao custo do processo americano dis-
civil law e o da common law é o significado dos cutido anteriormente20, isso desencoraja, senão
casos decididos anteriormente para o caso que se todos, ao menos os litigantes mais determinados,
encontra perante a corte. O Brasil mudou recente- a iniciarem uma ação judicial. No sistema da civil
mente para [a direção de] dar efeito precedencial law pura, mesmo se decisões anteriores parecem
vinculante para alguns tipos de decisões judiciais,18 adversas, um litigante pode ter maiores esperan-
mas em geral o Brasil continua a seguir a tradição ças de que o próximo juiz possa interpretar a lei
da civil law. Esta trata, geralmente, decisões ju- diferentemente.
diciais anteriores como potencialmente persuasi- Mesmo no sistema da common law, preceden-
vas, mas não vinculantes, pelo menos na teoria19. te vinculante não elimina o risco de haver pre-
Assim, um juiz pode escolher se segue ou não uma cedentes inconsistentes, que podem levar anos
decisão anterior como aplicável ao caso atual. para serem resolvidos. Por exemplo, uma droga
No sistema da common law, casos decididos por recentemente aprovada para uso nos Estados
uma corte de apelação são geralmente preceden- Unidos pode, inicialmente, parecer promissora,
tes vinculantes para casos subsequentes na mes- mas o uso difundido pode revelar que ela causa
ma corte, e em outras cortes sujeitas à revisão por maior dano aos pacientes que a tomaram. Isto
aquela corte recursal. Estas regras de stare decisis dá oportunidade para uma reclamação potencial
(precedente vinculante) da common law aplicam-se pelo ressarcimento do dano. Pelo fato de farma-
nos Estados Unidos e tornam decisões judiciais re- cêuticos estarem usualmente distribuídos pelo
cursais vinculantes para decisões subsequentes da país, os pacientes que tomaram a droga residem
mesma corte e de cortes inferiores sujeitas à jurisdi- provavelmente em vários Estados, resultando daí
ção daquela corte de recurso. Dessa forma, mesmo várias ações judiciais ajuizadas em vários Estados.
antes do início de um determinado julgamento de Se deixadas para procedimentos independentes,
primeira instância ou em grau de recurso, todos, tais ações podem resultar em vários vereditos e
nos Estados Unidos, são vinculados pelos resulta- julgamentos, alguns dos quais sejam talvez incon-
sistentes [entre si].
ros se formaram neste programa. Ver genericamente Na medida em que tais ações judiciais são pro-
<http://www.cumberland.samford.edu/fp>. Acesso cessadas em primeira e segunda instâncias, apenas
em 14 abr. 2013. na esfera estadual, é possível que haja diferentes
18 Ver, por ex., Keith S. Rosenn, Procedural resultados (regras) em diferentes Estados, porque
Protection of Constitutional Rights in Brazil, a suprema corte de cada Estado é o árbitro final de
59 AM.J.COMP.L.1009, 1033-39 (2011); Keith cada direito estadual. Mesmo que os casos sejam
S. Rosenn, Separation of Powers in Brazil, 47 processados em corte federal, contudo, poderia le-
DUQ.L.REV.839, 867-68 (2009). var anos para que os casos fossem encaminhados
19 Ver gemericamemte, por ex., UGO A.MATTEI, para cortes federais independentes em primeira e
TEEMU RUSKOLA,& ANTONIO GIDI,
SCHLESINGER’S COMPARATIVE LAW 613-26 (7ª.
ed. 2009). 20 Ver supra notas 3 e 6 e texto que as acompanha.
série
Cadernos
do CEJ 37

segunda instâncias, nas Cortes de Apelação das vá- O New Deal do presidente Franklin Roosevelt,
rias Circunscrições Judiciárias dos Estados Unidos. nos anos trinta, foi uma fonte significativa destas
Somente após tal processo prolongado é possível leis e ações24. O Congresso promulgou o Securities
uma resolução do conflito na Suprema Corte dos Act (Lei dos Valores Mobiliários) de 193325 para
Estados Unidos. lidar com abusos percebidos em ofertas iniciais
As questões implícitas nas várias maneiras em de investimentos em valores mobiliários. Isso
que as ações judiciais progridem nos Estados foi seguido pelo Securities Exchange Act (Lei de
Unidos são surpreendentemente vastas e comple- Negociação (Mercado) de Valores Mobiliários)
xas, e seus detalhes estão além do escopo deste de 193426, que regulamenta transações de valores
trabalho. No entanto, esta introdução genérica mobiliários no mercado secundário (i.e., compras
pode ser útil para estabelecer o ambiente em que e vendas de valores mobiliários após a oferta ini-
será considerado o papel das ações coletivas. cial). O Social Security Act (Lei do Seguro Social),
Como nota final, embora também além do es- de 193527, criou um novo sistema de seguro social
copo do presente artigo, a lei de falência america- para proteger idosos aposentados contra o empo-
na pode ser uma ferramenta poderosa para reunir brecimento. O National Labor Relations Act (Lei
casos perante uma corte, nos quais o réu foi [de- Nacional das Relações Trabalhistas) de 1935 28
clarado] falido21. Paradoxalmente, os mercados de protegeu transações coletivas e outros direitos
crédito dos Estados Unidos estão entre os mais ro- de emprego 29, e o Fair Labor Standards Act (Lei
bustos do mundo, justapostos com um dos sistemas dos Padrões de Trabalho Justo) de 193830 estabe-
de falência mais amistosos quanto ao devedor, em leceu os padrões mínimos para as condições de
todo o mundo. Essas interações, mesmo fascinan- trabalho. Cada uma destas leis definiu direitos e
tes, ficam reservadas para outra oportunidade. padrões legais específicos, e a ação judicial era o
último método de execução [da lei].
3 Um pouco da história dos Estados O Movimento dos Direitos Civis dos anos 50
Unidos e 60 continuaram esta tendência. A decisão da
Suprema Corte dos Estados Unidos no [caso]
O Judiciário americano, como no Brasil, tem
Brown v. Board of Education31 declarou que am-
enfrentado desafios advindos do crescimento dos
bientes escolares “separados, mas iguais” para
acervos. Uma porção significativa desse cresci-
raças diferentes eram inerentemente desiguais e
mento tem sido o resultado dos desenvolvimentos
violavam a garantia da igual proteção das leis,
legislativo e cultural no século XX22. Os direitos e
da 14ª Emenda Constitucional32. O último efeito
obrigações recentemente reconhecidos em leis e
do [caso] Brown e de uma extensa série de casos
via ações judiciais estavam, possivelmente pelo
judiciais subsequentes foi o de colocar muitos sis-
menos, implícitos nos princípios da Constituição
dos Estados Unidos. No entanto, o desenvolvi-
mento desses direitos, no legislativo e na common 24 Ver genericamente, por ex., William G.Ross, THE
CHIEF JUSTICESHIP OF CHARLES EVANS
law, no século XX, expandiu amplamente o nú- HUGHES 1930-1941 (2007).
mero de procedimentos específicos que deveriam
25 Codificado em 15 U.S.C. §§ 77a et seq. (cf. emenda)
ser conduzidos pelas cortes nos Estados Unidos23.
26 Codificado em 15 U.S.C. § § 78a et seq. (cf. emenda)

21 Ver, por ex., FEDERAL JUDICIAL CENTER, 27 Codificado em 42 U.S.C. §§ 401 et seq. (cf. emenda)
MANUAL FOR COMPLEX LITIGATION, FOURTH 28 Codificado em 29 U.S.C. §§ 151 et seq. (cf. emenda)
[doravante, MANUAL FOR COMPLEX LITIGATION]
29 http://www.nlrb.gov/national-labor-relations-act (úl-
§ 20 at 217; § 22.5 at 378-402 (4a. ed. West 2004).
tima visita em 30 de abril de 2013).
22 Judith Resnik,Compared to What ?: ALI Aggregation
30 Codificado em 29 U.S.C. §§ 201 et seq. (cf. emenda).
and Shifting Contours of Due Process and of Lawyers’
Powers, 79 GEO.WASH.L.REV.628 (2011) p. 630-31. 31 347 U.S. 483 (1954).
23 Id., at 637-38. 32 Id. at 495.
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
38

temas escolares públicos sob intensa supervisão para ampliar o alcance da lei visando abranger
judicial como meio de erradicar a discriminação atividade intraestadual e interestadual39.
inconstitucional com base na raça. A Lei FTC [Lei da Comissão Federal de
O Movimento dos Direitos Civis também en- Comércio], em si, não dispõe sobre um direito pri-
controu expressão legal no Civil Rights Act (Lei vado de ação40, mas os integrantes da Comissão
dos Direitos Civis) de 196433 e no Voting Rights Act Federal de Comércio [FTC] têm sido enérgicos
(Lei dos Direitos de Voto) de 196534. O primeiro no policiamento de violações a este princípio 41.
dá encarnação legal ao princípio da igual prote- Agências administrativas como 42 a Comissão
ção das leis encontrado na 14ª Emenda35, pela Federal de Comércio [FTC] desempenham um
proibição de várias formas de discriminação36. A papel importante no atual sistema legal norte-
Lei dos Direitos de Voto similarmente torna con- -americano; elas são formalmente parte do Poder
creto o direito de voto, proibindo discriminação Executivo definido no art. II da Constituição dos
racial ou com base na cor para votar e registrar o Estados Unidos, mas assumem a função de tomar
voto37. O comovedor princípio de “que todos os decisões que frequentemente se parecem com
homens são criados iguais”38 tinha sido conhecido o procedimento judicial 43. Estas agências admi-
como um princípio fundacional do direito ameri- nistrativas também exercem o poder de regula-
cano desde 1776, mas os benefícios deste princí- mentar análogo ao (embora limitado pelo) poder
pio eram efetivamente negados a várias pessoas, legislativo do Congresso44.
com base na sua condição de membros de grupos Além da Lei da Comissão Federal de Comércio
desfavoráveis. Litígios e legislação sobre direitos [FTC], muitos Estados promulgaram leis proibin-
civis deram expressão concreta e especificidade a do práticas comerciais injustas ou enganosas,
estes direitos, e criaram uma base mais forte para frequentemente referidas como “little-FTC” acts
protegê-los judicialmente. (pequenas leis FTC), que permitem que consumi-
Outra expansão de direitos específicos veio dores atingidos por tais práticas intentem ações
com o movimento de proteção ao consumidor individualmente como procuradores gerais pri-
dos anos 60 e 70. A common law havia, há muito, vados45. Muitas destas leis estaduais estabelecem
reconhecido que a fraude era a base para ação
de ressarcimento, e quebra de garantia era acio-
nável em contrato. Contudo, as formulações da 39 Ver, por ex., Michael M. Greenfield, Consumer
common law quanto a estes princípios eram pe- Transactions 51 (3d ed 1999).
sadas, assim como o eram as formulações legais 40 Ver, por ex., John A. Spagnogle, Ralph J. Rohner,
gerais. O Federal Trade Commission Act – FTC (Lei Dee Pridgen,&Jeff Sovern, Consumer Law:Cases and
da Comissão Federal de Comércio) foi emendado Materials 76 (3d ed 2007).
em 1938 para incluir uma proibição contra atos 41 Ver, por ex., id. p. 35.
ou práticas enganosas, e novamente em 1975 42 Dentre outras agências administrativas americanas mui-
to conhecidas estão a Federal Aviation Administration
[FAA] [Administração Federal de Aviação], a Equal
33 Codificado em 42 U.S.C. §§ 2000 et seq. (cf. emenda). Employment Opportunity Commission [EEOC]
[Comissão de Igual Oportunidade de Emprego],
34 Codificado em 42 U.S.C. §§ 1971 et seq. (cf. emenda).
National Labor Relations Board (NLRB) [Diretoria
35 Ver U.S.Const. emenda XIV, § 1 (1868). Nacional de Relações do Trabalho], Securities and
Exchange Commission (SEC) [Comissão de Valores
36 Ver, por ex., Congresslink, “Major Features of the
Mobiliários e Câmbio], etc.
Civil Rights Act of 1964” disponível em http://www.
congresslink.org/print_basics_histmats_civilrights- 43 O “ Poder Judiciário” federal é regido pelo Artigo III
64text.htm (última visita em 2 de maio de 2013). da Constituição dos Estados Unidos.
37 Ver 42 U.S.C. § 1971. 44 O “Poder Legislativo” federal é regido pelo Artigo I da
Constituição dos Estados Unidos.
38 U.S. DECLARATION OF INDEPENDENCE (4 de
julho de 1776). 45 Ver GREENFIELD, nota supra 39, p. 120.
série
Cadernos
do CEJ 39

um mecanismo para transferir os honorários de muito pequeno valor para justificar o custo de
do advogado do consumidor para o réu venci- uma ação judicial na estrutura usual dos Estados
do 46. Algumas destas leis proíbem amplamente Unidos54.
práticas ou atos enganosos, mas outras listam A professora Judith Resnik, a quem eu reco-
enumerações detalhadas das práticas especifi- nheço um débito significativo por desenvolver
camente proibidas47. Muitas destas leis generica- muitas ideias neste trabalho, sugeriu que a expan-
mente incorporam, por referência, as decisões são de direitos no século XX coincidiu com uma
da Comissão Federal de Comércio [FTC] quanto nova compreensão do “devido processo legal”
à conduta enganosa, fazendo tal conduta ser, garantido pelas Emendas 5 e 14 da Constituição
por si, também, uma violação da lei esta­d ual 48. dos Estados Unidos: Na segunda metade do século
Frequentemente tais leis também reconhecem vinte, a expressão constitucional “devido processo
que muitas lesões ao consumidor individual po- legal” foi relida, não mais para exigir apenas con-
dem não chegar a causar dano real que torne formidade com regras processuais prescritas mas
uma ação judicial economicamente viável. Além como um métrico de valor independente: que indi-
das disposições sobre transferência de honorá- víduos tenham oportunidades de serem ouvidos, de
rios de advogado mencionadas acima, estas leis, apresentar provas para fundamentar reclamações
com frequência, atenuam o requisito da prova de fáticas, e obter julgamentos por juízes independen-
dano real impondo uma penalidade legal (além tes como um predicado para julgamentos preclusi-
da [por] dano real, se houver) para caracterizar vos e vinculantes55.
a conduta proibida49. A professora Resnik também escreveu percep-
O Congresso também aprovou muitas leis tivamente [que] O projeto processual do século
que enumeravam proibições precisas ou requi- vinte e um idealiza o que fazer com todos os diver-
sitos de revelação [da prova] para lidar com sos titulares de direitos, aptos a perseguir o cumpri-
práticas tidas como enganosas ou trabalhosas mento de seus títulos em cortes sujeitas a esta nova
em transações de empréstimo, particularmente teoria do processo adequado56.
aquelas envolvendo consumidores. Isso incluiu Litigância coletiva – resolução de múltiplas
o Truth in Lending Act [Lei da Transparência no ações relacionadas em um procedimento judicial
Empréstimo] 50, o Fair Credit Reporting Act [Lei combinado – é um dos modos pelos quais as cor-
da Informação Adequada do Crédito] de 197051, tes americanas e as novas agências administrati-
o Equal Credit Opportunity Act [Lei da Igualdade vas têm procurado lidar com o vasto aumento de
de Oportunidades de Crédito] de 1974 52, e o direitos e demandantes.
Fair Debt Collection Practices Act [Lei de Práticas
Adequadas de Cobrança de Débito] de 1977 53. 4 Tipos de litígios coletivos
Da mesma forma que a outra legislação protetora
O American Law Institute (ALI) [Instituto de
do consumidor discutida acima, estas leis procu-
Direito Americano], Principles of the Law: Aggregate
raram desenvolver o acesso às cortes para ações
Litigation (2010) [Princípios do Direito: Litígios
Coletivos], identifica três amplas categorias de li-
tigância coletiva: “ações agregadas”, “agregações
46 Ver, por ex., CODE OF ALA. § 8-19-10(a)(3).
administrativas” e “agregações privadas”:
47 Ver GREENFIELD, nota supra 39, p. 120. a) Uma ação agregada é uma única ação ju-
48 Ver, por ex., CODE OF ALA. §§ 8-19-16. dicial que abrange reclamações ou defesas feitas
49 Ver, por ex., id. 8-19-10(a)(1). por múltiplas partes ou pessoas representadas;
50 Codificado em 15 U.S.C. §§ 1601 et seq. (cf. emenda).
51 Codificado em 15 U.S.C. §§ 1681 et seq. (cf. emenda). 54 Ver, por ex., SPANOGLE ET AL, nota supra 40, p. 772.
52 Codificado em 15 U.S.C. §§ 1691 et seq. (cf. emenda). 55 Resnik, nota supra 22, p. 630 (citação omitida).
53 Codificado em 15 U.S.C. §§ 1692 et seq. (cf. emenda). 56 Resnik, nota supra 22, p. 631.
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
40

b) Uma agregação administrativa é uma audiência ou julgamento de segunda instância


reunião de ações judiciais relacionadas, que po- comece, todos, nos Estados Unidos, estão vin-
dem ou não ser ações judiciais agregadas, proces- culados aos resultados de um caso anterior de
sadas sob supervisão ou controle judicial comum; modo muito maior do que ocorre no Brasil.
c) Uma agregação privada é uma reunião
informal de ações ou defesas de múltiplas partes, 5 Class actions [ações coletivas]
pessoas representadas, autores ou réus processadas
Provavelmente a mais conhecida forma de li-
sob supervisão ou controle comum não judicial57.
tigância coletiva nos Estados Unidos seja a class
A categoria de ações agregadas tem duas
action [omitir-se-á, doravante a tradução desta
subcategorias, “ações conjuntas” e “ações
expressão para o português]. Tal como indica-
representativas” 58. A diferença essencial entre
do na parte 4, supra, um aspecto distintivo das
estas duas subcategorias é a de que ações con-
ações coletivas é o de que elas são ações “repre-
juntas vinculam apenas as pessoas que são partes
sentativas”; quer dizer, elas vinculam não apenas
nas ações reunidas59, enquanto que as ações re-
as partes que estão perante a corte, mas tam-
presentativas têm o potencial para vincular não
bém outras partes que estão representadas pelas
apenas as partes nomeadas nas ações judiciais,
partes nomeadas. Black’s Law Dictionary define
mas também “pessoas representadas”, i.e., não
“class action” como: [a] ação judicial em que a
partes que são representadas por uma parte 60.
corte autoriza uma única pessoa ou um pequeno
Class actions [ações coletivas] são um tipo de
grupo de pessoas a representar os interesses de um
ação representativa 61, e a forma de agregação
grupo maior; especif., uma ação judicial em que
da ação coletiva é o primeiro foco deste trabalho.
a conveniência tanto do público quanto de partes
Uma nota adicional pode ser útil na compa-
interessadas requer que o caso seja resolvido por
ração entre os caminhos brasileiro e americano
ação [movida] por ou contra apenas uma parte
nos quais uma ação judicial pode “vincular” uma
do grupo de pessoas semelhantemente situadas e
parte ou uma não parte. Como discutido acima,62
em que uma pessoa, cujos interesses são ou podem
as regras da common law de stare decisis (pre-
vir a ser afetados, não tem oportunidade de prote-
cedente vinculante) são aplicadas nos Estados
ger seus interesses comparecendo pessoalmente ou
Unidos. Estas regras tornam as decisões judiciais
através de um representante pessoalmente escolhi-
recursais vinculantes para decisões subsequentes
do, ou através de uma pessoa especificamente indi-
da mesma corte ou de cortes inferiores sujeitas à
cada para agir como administrador ou curador63.
jurisdição daquela corte recursal, portanto vincu-
Possíveis traduções da expressão “class ac-
lando a todos nos Estados Unidos pelos resultados
tion” para o português incluem “ação coletiva”
da ação anterior, muito mais do que ocorre no
e “ação judicial coletiva”. 64 Por certo, porém,
Brasil. Assim, mesmo antes que uma determinada
deve-se estar atento para as importantes dife-
renças entre o direito e o processo brasileiro
e o americano antes de usar aquela tradução
57 AMERICAN LAW INSTITUTE, PRINCIPLES OF
direta como mais do que um ponto de partida
THE LAW: AGGREGATE LITIGATION § 1.02 (2010)
(ênfase dada) [doravante, ALI PRINCIPLES OF para comparar as fronteiras precisas das ações
AGGREGATE LITIGATION]. no Brasil e nos Estados Unidos.
58 Ver id. § 1.02 comentário b.
59 Id. § 1.02 comentário b(1)(A).
63 BLACK’S LAW DICTIONARY 267 (8ª. ed 2004).
60 Id. § 1.02 comentário b(1)(B). Definições de “partes”,
“pessoas representadas”, e outras expressões apare- 64 MARIA CHAVES DE MELLO, DICIONÁRIO
cem id. § 1.01. JURÌDICO: PORTUGUÊS-INGLÊS, INGLÊS-
PORTUGUÊS 638 (9. ed. 2009).
61 Id. § 1.02, comentário b.
Ver também nota 86 infra, para discussão dos “direi-
62 Ver texto supra nas notas 17 a 21. tos coletivos” nos Estados Unidos.
série
Cadernos
do CEJ 41

A. Requisitos para manter uma Class ferida na FRCP Regra 23(b) (1), focaliza evitar
Action resultados inconsistentes em ações judiciais múl-
tiplas 71. A segunda categoria, referida na FRCP
Regra 23(a) das U.S.Federal Rules of Civil Regra 23(b) (2), está focalizada em situações em
Procedure-FRCP (Regras Federais dos Estados que todos os membros da classe reclamam um
Unidos para Processo Civil) estabelece quatro re- direito para tutela de igualdade similar (por ex.,
quisitos explícitos para certificação de uma ação cautelar), baseada na ação da parte contrária ou
coletiva: (1) que a classe seja tão numerosa que seja falta de ação que seja aplicável a toda a classe72.
impraticável a reunião de todos os membros; (2)que A terceira categoria, referida na FRCP Regra (b)
haja questões de direito ou de fato comuns à clas- (3), está focalizada em reclamações de membros
se;(3)que as reclamações ou defesas das partes re- da classe por danos monetários que podem ser
presentadas sejam típicas de reclamações ou defesas apropriadamente resolvidos para a classe como
da classe; e (4)que as partes representatadas prote-
jam justa e adequadamente os interesses da classe65.
Estes quatro requisitos são comumente refe- risco de:
ridos como “numerosidade,” “identidade”, “ti- (A) decisões inconsistentes ou variadas em rela-
picalidade”, e “adequação de representação”, ção a membros individuais da classe que iriam
respectivamente66. estabelecer padrões de conduta incompatíveis
Além dos requisitos explícitos, comentários para a parte contrária à classe, ou
(B) decisões com relação a membros individuais
influentes sugerem um requisito balisador “implí-
da classe que, como questão prática, seriam
cito” mas “axiomático”, de que a classe deve não dispositivas dos interesses dos outros membros
apenas existir, a classe deve ser suscetível de defi- não partes para a decisão individual ou iria
nição precisa67. As fronteiras do que possa [ser] substancialmente prejudicar ou impedir sua
qualifica[do] como “definição precisa” pode variar aptidão para proteger seus interesses;
de acordo com as circunstâncias68. Sem este re- (2) a parte contrária à classe atuou ou recusou-se
a atuar com fundamentos aplicáveis à classe
quisito, a corte pode não estar apta a determinar
em geral, de modo que a tutela final concedi-
se uma determinada pessoa é membro da classe da ou tutela declaratória correspondente seja
ou não, quem está legitimado para [receber] inti- apropriada com relação à classe como um
mações durante a tramitação processual, e quem todo; ou
estará vinculado às decisões no processo69. (3) a corte entende que as questões de direito ou
de fato comuns aos membros da classe predo-
B. Tipos de Class Actions minam sobre quaisquer questões que afetem
apenas membros individuais, e que a class ac-
Regra 23(b) do U.S.FRCP identifica três tipos tion é superior a outros métodos disponíveis
de ações coletivas 70. A primeira categoria, re- para decidir justa e eficientemente a controvér-
sia. As matérias pertinentes a estas avaliações
incluem:
(A) os interesses dos membros da classe em con-
65 Fed.R.Civ. P. 23(a). trolar individualmente o ajuizamento ou defe-
66 Ver, por ex., 5-23 MOORE’S FEDERAL PRACTICE- sa de ações separadas;
CIVIL §§ 23.20, 23.22, 23.23, 23.24, 23.25. (B) a extensão e natureza de qualquer demanda
que diga respeito à controvérsia já tenha se
67 Id., § 23.21.
iniciado por ou contra membros da classe;
68 Id., § 23.21. (C) a intenção ou não de concentrar a demanda
das reclamações num determinado foro; e
69 Ver id. § 23.21[1]
(D)as dificuldades plausíveis no gerenciamento
70 A regra 23(b) dispõe [que], (b) Tipos de Class Actions. da class action. [Fed. R.Civ.P.. 23(b)].
Uma class action pode ser mantida se a regra 23(a)
71 5-23 MOORE’S FEDERAL PRACTICE-CIVIL §
for satisfeita e se:
23.40[1].
(1) promover ações separadas por ou contra
membros individuais da classe pode criar um 72 Id.
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
42

um todo 73. Este último tipo de class action tem O uso eficiente de recursos judiciais e outros em
sido usado para reclamações de consumidores, disputas litigiosas pode ser aprimorado ao realizar
envolvendo danos individuais de pequeno valor, apenas um julgamento (e uma série de recursos),
e para demandas de indenização em massa74. ao invés de uma multiplicidade de procedimentos
individuais sobre as mesmas questões. Eficiência
C. Avaliações do enfoque da Class no desenvolvimento da common law pode ser si-
Action milarmente ressaltado estabelecendo-se um pre-
cedente com base naquele único julgamento (e
A literatura, avaliando os prós e contras da
uma série de recursos), ao invés de permitir uma
class action é vasta, e as questões são comple-
multiplicidade de decisões individuais (e prova-
xas75. Uma exposição detalhada de todas as ações
velmente conflitantes) e então harmonizá-las por
concorrentes promovidas por ou contra o mode-
intermédio de recursos subsequentes prolonga-
lo de class action dos Estados Unidos está muito
dos por um período de anos.
além do escopo deste trabalho. Algumas obser-
Outro objetivo importante com a utilização da
vações gerais podem ser úteis para sugerir alguns
class action tem sido a expansão do acesso à reso-
contornos do debate76.
lução judicial de conflitos 78. A revisão das FRCP
1. Benefícios das class actions que levou ao crescimento dramático das litigân-
cia por class actions nos Estados Unidos estava
Uso mais eficiente de recursos para demandas focada neste objetivo: Os cernes das ideias da ver-
é um objetivo importante e persuasivo das class são de 1966 da Regra 23 são acesso e igualdade. O
actions (assim como outras formas de demandas texto enxuto pode tornar esta leitura menos vívida.
agregadas)77. Eficiência pode vir de várias formas. Ainda o memorando e o debate que produziram as
revisões de 1966, bem como as explicações depois
disso, tornam evidente que os redatores da Regra
73 Id.
acreditavam que eles precisavam promover acesso
74 STEPHEN N. SUBRIN & MARGARET K. WOO, à corte para aqueles carentes ou de conhecimentos
LITIGATING IN AMERICA:CIVIL PROCEDURE IN dos direitos ou dos recursos para obtê-los79.
CONTEXT 197 (2006).
Uma ilustração antecipada importante vem do
75 Ver genericamente, por ex., Resnik, nota su- Movimento dos Direitos Civis, dos anos 60, para o
pra 22; Janet Waler, Our Courts and the World:
qual o acesso à justiça era essencial. Se um caso
Transnational Litigation and Civil Procedure:
Complex Transnational Litigation: Who’s Afraid sobre desagregação escolar tivesse sido ajuizado
of U.S.-Style Class Actions? 18 SW.J. INT’L L.504 apenas por estudantes individuais específicos,
(2012); Elizabeth Chamblee Burch, Financiers as estes indivíduos estariam certamente formados
Monitors in Aggregate Litigation, 87 N.Y.U.L.REV. à época em que a ação terminasse, tornando a
1273 (2012); Deborah R. Hensler, Goldilocks and the matéria “prejudicada”80. O sucesso da forma de
Class Action, 126 HARV.L.REV. 56 (2012); Mary Kay
Kane, 2012 Higgins Distinguished Visitor Lecture:
The Supre Court’s Recent Class Action Juriprudence:
LITIGATION, nota supra 57, §§ 1.03(b) e comentário
Gazing into a Crystal Ball, 16 LEWIS & CLARK
b; 1.04(b), (c ).
L.REV. 1015 (2012); Kenneth R. Feinberg, Is the class
Half-Empty or Half-Full?, 44 LOY.U.CHI.L.J. 349; 78 Resnik, nota supra 22, p. 650-52.
Robert H. Klonoff, Reflections on the Future of Class
79 Id. p. 650.
Actions, 44 LOY.U.CHI.L.J. 533 (2012).
80 Ver id., p. 650-51. Nos Estados Unidos, a “doutrina
76 Estou particularmente em débito para com um cole-
mootness (da prejudicialidade)” diz que [uma] con-
ga professor da Samford University, Herman (Rusty)
trovérsia atual deve existir em todos os níveis de pro-
Johnson, Professor da Faculdade Cumberland de
cedimentos da corte federal, tanto em primeira quan-
Direito, por suas sugestões no desenvolvimento das
to em segunda instância. Se eventos subsequentes ao
ideias desta seção.
ajuizamento do caso resolverem a disputa, o caso de-
77 Ver, por ex., ALL PRINCIPLES OF AGGREGATE verá ser extinto como prejudicado (CHEMERINSKY,
série
Cadernos
do CEJ 43

demanda class action para lidar com tal proble- É certo, porém, que benefícios para um lado
ma em casos de desagregação escolar levou ao da controvérsia criam custos para o outro lado.
efetivo uso das class actions numa variedade de Tais preocupações são referidas abaixo. Ademais,
outros contextos81. entre os benefícios e custos específicos da ação
Acesso à justiça é também importante para coletiva class action, devem ser consideradas al-
aqueles, como os consumidores, cujas reclama- ternativas para atingir outros caminhos possíveis
ções individuais têm valor da causa pequeno 82. que permitam que os benefícios da forma de ação
Por exemplo, se um indivíduo compra uma marca class action possam ser atingidos, com talvez me-
de creme facial ao invés de outra, com base em nos dos inconvenientes esperados. Uma conside-
propaganda enganosa de que o creme facial tor- ração completa de tais alternativas está além do
nará a pele mais jovem, o prejuízo do indivíduo escopo deste trabalho. Contudo, uma alternativa
será de apenas alguns dólares83. Assim, uma ma- óbvia é a crescente confiança nas agências re-
neira economicamente viável de encaminhar tais guladoras, trajetória seguida nos Estados Unidos
ações exigirá alguma forma de agregação. Class com a criação da Comissão Federal de Comércio
actions podem ser uma forma de se conseguir e outras agências análogas tanto no nível federal
isso, embora agências administrativas nos Estados quanto no estadual87.
Unidos também exijam o cumprimento de leis
para o benefício de grupos grandes de cidadãos84. 2. Preocupações com as class actions
Réus também descobriram que as class actions
Se perguntado com o que uma ação se parece,
podem ser uma ferramenta eficaz para lidar con-
muitas pessoas provavelmente tendem a imagi-
clusivamente com um grande grupo de autores
nar um pequeno número de partes encaminhan-
potenciais, por via das chamadas “class action por
do uma disputa contra um pequeno número de
acordo” 85. Várias outras virtudes são atribuídas
partes contrárias. Muitas ações judiciais envolvem
às class actions, sugerindo o modelo de impor-
tância e amplitude social de aplicação potencial.
Por exemplo, [para] autores, a class action é um os, não a grupos. Uma class action pode pretender
direitos de múltiplas pessoas coletivamente, mas os
veículo efetivo para forçar mudanças de política pú-
direitos tipicamente permanecem como sendo dos
blica, para realizar direitos humanos, e para adotar indivíduos. Black’s Law Dictionary não traz uma de-
novas normas legais contra o governo e corpora- finição das expressões “direitos coletivos” ou “direi-
ções como réus86. tos de grupos”. Ver BLACK’S LAW DICT.280, 723,
1347-48 (8ª. ed. 2004). O sistema legal americano
geralmente trata direitos como inerentes ao indiví-
nota supra 14, § 2.7.1 p. 113). Isto deriva do disposi- duo, muito embora uma pretensão a um direito em
tivo constitucional americano [que estabelece] que as particular, por múltiplos indivíduos, possa ser conse-
cortes federais só podem decidir “casos” e “controvér- guida via um grupo de ações. Cf SUBRIN & WOO,
sias”. Ver a Constituição dos Estados Unidos, artigo nota supra 74, p. 199-200.
III, § 2 cláusula 1. O Black’s Law Dictionary não distingue entre “di-
81 Resnik, nota supra 22, p. 651. reitos privados” e “direitos públicos”, definindo
os primeiros como [um] direito pessoal, oposto a
82 Ver, por ex., id. p. 651-52. um direito do público ou do Estado e definindo o
83 Ver, por ex., Charles of the Ritz Distributors Corp. V. segundo como [um] direito pertencente aa todos os
Federal Trade Com, 143 F.2d , p.676 (1944). cidadãos e usualmente outorgado e exercido por um
servidor público ou entidade política. BLACK’S LAW
84 Ver, por ex., id. (reclamações por propaganda enga-
DICT. 1348 (8ª. ed. 2004). No entanto, enquanto
nosa ajuizadas pela Comissão Federal de Comércio
esta distinção sugere que alguns direitos podem
em favor de consumidores americanos).
ser protegidos ou exercidos por processo político
85 SUBRIN & WOO, nota supra 74, p. 206-7. para o benefício coletivo de todos os cidadãos, o
direito norte-americano tende a caracterizar direi-
86 Id. p. 193. Apesar da referência, nesta citação, a “di-
tos como inerentes aos indivíduos, não aos grupos.
reitos coletivos”, o direito norte americano tende a
conceitualizar direitos como pertencentes a indivídu- 87 Ver nota supra 42, e texto que a acompanha.
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
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apenas um autor e um réu. Com frequência, uma quanto às class actions que prosseguem e quanto
das partes é de vulto, por exemplo, uma compa- às partes que permanecem nelas. Controvérsia é
nhia ou uma entidade governamental. Isso pode esperada quanto a esta importante mudança no
mudar a magnitude dos pontos em questão, mas conceito do que é uma ação judicial, e quais as
ainda não muda a dinâmica de uma ou de várias consequências que uma determinada ação judicial
partes discutindo na corte sobre uma determinada pode ter. Em resposta aos benefícios estimulados
controvérsia, e com a expectativa de serem abran- por proponentes do modelo class action, muita
gidas pela resolução da corte sobre o assunto. crítica tem sido levantada89.
O modelo class action representa uma signifi- Trazendo grande número de partes, que serão
cativa mudança desta imagem. Não apenas o nú- vinculadas pela decisão do litígio que elas não
mero de partes se expande dramaticamente, pelo controlam, levantam-se muitas preocupações
menos num lado da disputa, mas mais significativa- quanto a membros de uma determinada classe
mente, a class action introduz a expectativa de que poderem ser beneficiados por um processo ou
pessoas e entidades que não estão presentes na resultado diferente. Por certo, mesmo [no caso
ação, naquele momento, venham a ser vinculadas de] litígio entre duas partes, [em que] cada uma
ao resultado preciso de uma determinada ação, esteja presente e capaz de participar completa-
não apenas pelos efeitos precedenciais da inter- mente do procedimento, não se produz um resul-
pretação do direito. Algumas destas preocupações
podem ser um pouco mitigadas, de alguma forma,
pela oportunidade para o “opt out” de algumas
clara, concisa e direta, em linguagem facilmente
class actions88, mas isto não elimina preocupações
compreensível:
a natureza da ação;
a definição da classe certificada;
88 Ver texto abaixo na nota 126. Opt-out é permitido
as reivindicações, questões e defesas da classe;
para class actions regulamentadas pela Regra 23(b)
o membro da classe pode comparecer através de um
(3) das Regras Federais de Processo Civil:
advogado se assim o desejar;
(c ) Ordem de Certificação, Intimação para mem-
que a corte excluirá da classe qualquer membro que
bros da classe; Julgamento; Questões de classes;
requeira a sua exclusão;
Subclasses.
o tempo e o modo de requisitar a exclusão; e
Ordem de Certificação
o efeito vinculante do julgamento da class [action]
(A) Tempo para expedir [a ordem]. Assim que possí-
sobre membros, sob a Regra 23(c )(3).
vel, depois que uma pessoa ajuíza uma ação ou
Julgamento. Se favorável ou não para a classe, o jul-
tem uma ação ajuizada contra ela como repre-
gamento numa class action deve:
sentativa de classe, a corte deve determinar, por
Para qualquer classe certificada sob a Regra 23(b)(1)
ordem, se certifica a ação como uma class action.
ou (b)(2), incluir e descrever quem a corte consi-
(B) Definindo a classe; Nomeando Conselheiro de
dera membros da classe; e
classe. Uma ordem que certifica uma class action
Para qualquer classe certificada sob a Regra 23(b)
deve definir a classe e as reivindicações, questões
(3), incluir e especificar ou descrever aqueles a
ou defesas da classe, e deve indicar um conselhei-
quem a notificação da Regra 23(c (2) foi dirigida,
ro sob a Regra 23(g).
que não requereram exclusão, e que a corte en-
(C ) Alterando ou emendando a ordem. Uma ordem
tende ser membros da classe.
que outorga ou nega a certificação de classe pode
Questões particulares. Quando apropriado, uma
ser alterada ou emendada antes do julgamento
ação precisa ser mantida como class action com
final.
relação a determinadas matérias.
Notificação
Subclasses. Quando apropriado, uma classe deve ser
Para classes (b)(1) ou (b)(2). Para qualquer classe
dividida em subclasses que serão tratadas, cada
certificada sob a Regra 23(b)(1) ou (b)(2), a corte
uma, como uma classe sob esta regra. [FED. R.
pode dirigir para os membros da classe a melhor
CIV.P. 23 (c )].
notificação possível sob as circunstancias, incluin-
do notificação individual para todos os membros 89 Aqui, novamente, a análise pretende ser sugestiva
que possam ser identificados através de esforço dos contornos do debate, ao invés de exauriente. Ver
razoável. A notificação deve afirmar de forma supra textos das notas 75-76.
série
Cadernos
do CEJ 45

tado que faça as duas partes felizes 90. Contudo, o e a complexidade das class actions significa que
risco de insatisfação inclui a agregação de partes elas provavelmente estarão pendentes por lon-
numa ação na qual não tiveram parte ativa. go tempo 93.
A lista de preocupações potenciais é, talvez,
tão vasta quanto à literatura que se refere a elas91. B. Justiça e controle
No entanto, muitas das apreensões poderiam ser
Percepções do que seja “justo” ou “injusto”
categorizadas sob o título “custo”, “justiça e con-
são altamente subjetivas. Seres humanos fre-
trole”, e “efeitos no sistema judicial”.
quentemente consideram benefícios para si
A. Custo próprios justos, e reclamam de injustiça quando
são colocados em desvantagem. Isto geralmente
Como observado no início deste trabalho, significa que ambos os lados da disputa pensam
uma ação judicial é muito dispendiosa nos que suas reivindicações são justas, e injustas as
Estados Unidos. Isto é verdade até mesmo para da parte contrária.
pequenas causas trazidas à corte, mas o custo Mesmo permitindo este preconceito natural
de ajuizar ou de defender-se numa class action humano nas percepções, cada lado de uma class
pode ser enorme. Como ponto pertinente, mas action típica pode, com frequência, encontrar
separado, a responsabilidade potencial de uma fundamento para suas reclamações. Réus recla-
decisão contrária, especialmente para um réu mam de “chantagem”, apontando para o custo e
enfrentando um autor numa class action, pode riscos comentados acima94; mesmo [consideran-
ser ruinosa 92. do] o referido risco dos autores tendo seus inte-
Além do valor que precisa ser desembolsa- resses individuais submetidos às reivindicações
do para pagar os custos e despesas judiciais da da massa de ações e aos interesses do grupo, os
ação, o custo de uma class action impõe ônus autores representados têm ainda menos influ-
menos tangíveis, especialmente para os réus. ência sobre o progresso dos procedimentos 95;
Um desses ônus é a incerteza potencial de que ainda, ambos autores e réus objetam quando os
a demanda, e sua esperada publicidade, po- benefícios da demanda parecem aumentar des-
dem criar para a saúde financeira futura do réu. proporcionalmente para os advogados; os hono-
Outro ônus é o aturdimento de se lidar com um rários advocatícios quase sempre excedem o que
problema tão amplo, caro, com grande publici- qualquer membro da classe do autor recebe e,
dade e de longa duração. Um réu que se depa- por vezes, até mesmo excede o conjunto dos be-
ra com tal[is] problema[s] irá, necessariamente, nefícios para todos os membros da classe96.
desviar tempo, energia e atenção que deveriam
ser aplicados para usos mais produtivos, tudo o C. Efeitos no sistema judicial
que pode prejudicar futuros projetos de sucesso
Além das pressões sobre ética e profissionalis-
do réu. Agravando estes problemas, o tamanho
mo, comentaristas se preocupam quanto ao efei-
to que as class actions podem ter na estrutura e
90 Dizem que Voltaire teria afirmado, eu só fui arruina- atuação dos juízes, das cortes, e das demandas.
do duas vezes: uma quando eu perdi uma causa e Ao invés de julgar casos individuais, juízes são
outra quando eu ganhei uma causa. Disponível em:
<http://quotationbook.com/quote/22730/>. Acesso
93 Ver, por ex., id. p. 202.
em 7 abr. 2013.
94 Id. p. 193, 198-99, 202.
91 Ver nota supra 75 e texto que a acompanha.
95 Ver genericamente ALL PRINCIPLES OF
92 Uma ação de indenização em massa pode ser devas-
AGGREGATE LITIGATION, nota supra 57, § 1.05
tadora. Ver genericamente, por ex., Georgene Vairo,
Notas do redator p. 64 e autoridades citadas neste
Mass Torts Bankrupticies: The Who, The Why and
trabalho.
The How, 78 AM.BANKR.L.J. 93 (2004). Ver também
SUBRIN & WOO, nota supra 74, p. 197, 202. 96 SUBRIN & WOO, nota supra 74, p. 203.
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46

forçados a [desempenhar] um papel “gerencial” to às grandes somas de dinheiro nas class actions
quanto ao processo mesmo, à multiplicidade de criarem tensão irresistível sobre a ética e o pro-
partes, e talvez até mesmo às questões envolvidas fissionalismo dos advogados 100. As reclamações
na demanda, em grau ainda maior do que o que incluem alegações de solicitação imprópria de
ocorre numa ação não coletiva típica 97. Juízes clientes e de “propinas”101.
sentem-se pressionados para ter os casos resol-
vidos, e podem exercer pressão correspondente D. Decisões recentes e importantes da
sobre as partes98. Ainda, diferentemente do que Suprema Corte dos Estados Unidos nas
ocorre em muitas outras demandas, o juiz deve class actions
aprovar qualquer acordo em class action99.
Duas decisões mais importantes da Suprema
Há críticas que expressam preocupação quan-
Corte americana aparecem para forçar a dispo-
nibilização de class actions.
97 Um comentário: Por exemplo, uma onda de casos em
meados dos anos 90, resultou na supervisão judicial 1. Wall-Mart Stores, Inc. v. Dukes
de algumas das maiores autoridades em residências
públicas nos Estados Unidos. Juízes tornaram-se en- No [caso] Wall-Mart Stores, Inc. v. Dukes 102,
volvidos em métodos específicos de seleção de loca- empregados do Wall-Mart ajuizaram uma class
tários, determinando os locais para novas unidades,
action reclamando que 1.5 milhões de mulheres
demolindo casas velhas, e até mesmo fiscalizando a
contratação de “conselheiros de mobilidade”, que in- empregadas do Wall-Mart haviam sofrido discri-
citam inquilinos a mudar-se para partes diferentes da minação ilegal em pagamento e promoção. A
cidade. Id. p. 203-03 (citando Davis v. N.Y. Housing corte de primeira instância e a Corte Americana
Auth., 289 F3d 64 (2d.Cir.2002). de Apelação do Nono Circuito tinham outorga-
98 Ver id. p. 203,204,210. do certificação de classe. A Suprema Corte dos
99 (e) Acordo. Extinção voluntária, ou Compromisso. Estados Unidos reformou as decisões, julgando
As reivindicações, questões a serem decididas, ou de- que a certificação de classe não era apropria-
fesas de uma classe certificada precisam ser resolvi- da porque o caso não apresentava o requisito
das por acordo, ou por desistência voluntária, ou por da “identidade” disposto na Regra 23(a) (2) das
compromisso apenas com a aprovação da corte. Os Regras Federais de Processo Civil (FRCP) 103. A
seguintes procedimentos aplicam-se a proposta de
Corte entendeu que identidade requer que o au-
acordo, extinção voluntária ou compromisso:
(1) A corte precisa dirigir notificação de uma manei- tor demonstre que os membros da classe “sofreram
ra razoável para todos os membros da classe que o mesmo dano” [...] não [...] meramente que eles
seriam vinculados pela proposta; tenham todos sofrido a violação do mesmo dispo-
(2) se a proposta vincularia todos os membros da sitivo da lei104.
classe, a corte precisa aprova-la apenas após ou- [O caso] Dukes teve uma decisão 5x4. Os juí-
vir e entender que é justa, razoável e adequada;
zes divergentes acreditavam que a maioria tinha
(3) as partes buscando aprovação precisam peticio-
nar identificando qualquer acordo feito em cone- combinado impropriamente os requisitos das
xão com a proposta; Regras FRCP 23(a) e 23(b). Os juízes divergentes
(4) se a class action foi certificada anteriormente sob concordaram com a maioria quanto ao fato de
a Regra 23 (b)(3), a corte pode recusar a apro- que a certificação sob a Regra FRCP 23(b) (2) não
var o acordo a menos que ele propicie uma nova era apropriada. No entanto, no ponto de vista da
oportunidade para requerer a exclusão de mem-
bros individuais da classe que tiveram uma opor-
tunidade anterior de requerer a exclusão e não o 100 SUBRIN & WOO, nota supra 74, p. 203.
fizeram;
(5) qualquer membro da classe pode objetar a pro- 101 Id.
posta se for requerida a aprovação da corte sob 102 131 S.Ct. 2541 (2011).
esta subdivisão (e); a objeção pode ser retirada
103 Id. p. 2545.
apenas com a aprovação da corte. [Fed,R,CIV,P,
23(e)]. 104 Id., p. 2551 (citação interna omitida).
série
Cadernos
do CEJ 47

divergência, este caso poderia também ter sido actions em arbitragem, por serem inconcebíveis.
examinado como uma combinação dos requisitos Esta regra, chamada “Discover Bank” (Regra da
da Regra FRCP 23(b) (3); esta questão não foi Exibição de Prova do Banco) por causa do caso da
levada à corte e poderia ser avaliada no primei- Califórnia em que foi anunciada, aplica-se a casos
ro grau. A consideração da maioria, de acordo envolvendo pequena quantidade de danos indi-
com a divergência, impropriamente importa para viduais, um contrato de adesão109, e alegações de
a Regra 23(a) preocupações determinadas que se- tentativas deliberadas pela parte mais forte para
riam propriamente referidas na avaliação da Regra enganar grande número de consumidores110.
23(b)(3)105. No [caso] Concepcion, a Suprema Corte dos
E.U. decidiu que a FAA usou de antemão a
2. AT&T Mobility LLC v. Concepcion Regra Discover Bank porque, nos fatos do [caso]
Concepcion, a Discover Bank interferia com os
Nos Estados Unidos, o Federal Arbitration Act
objetivos da FAA 111. Esta, assim como o caso
–FAA (Lei Federal da Arbitragem) genericamente
Dukes discutido acima, foi uma decisão 5 x 4,
valida cláusulas de arbitragem em contratos106.
com os Magistrados Breyer, Ginsburg, Sotomayor
Tradicionalmente, class actions têm sido identifi-
e Kagan arguindo, como divergentes, que a Regra
cadas com demandas levadas à corte, mas muitas
Discover Bank era uma limitação estatal apropria-
das características das class actions judiciais po-
da em todos os contratos, não apenas um impedi-
dem estar presentes no contexto da arbitragem.
mento para cláusulas de arbitragem, e assim pre-
[O caso] AT&T Mobility LLC v. Concepcion107 en-
enchiam os requisitos da “saving clause” (cláusula
volvia uma disputa sobre a avaliação do trata-
de exceção/isenção) na FAA112.
mento da class action numa arbitragem.
AT&T Mobility LLC (AT&T), a maior fornecedo-
ra de telefones móveis nos Estados Unidos, incluía 109 Um contrato de adesão (“adhesion contract”) é ]
um] contrato padronizado preparado por uma parte,
uma cláusula arbitral nos contratos com consumi-
para ser assinado pela parte em posição mais fraca,
dores. Esta cláusula exigia que as reclamações con- usualmente um consumidor, que adere ao contrato
tra a AT&T fossem trazidas individualmente, e proi- com pequenas opções quanto aos termos” BLACK’S
bia tratamento de consolidação, agregação ou class LAW DICT. 342 (8ª. ed 2004).
action em qualquer reclamação consumerista108. 110 131 S.Ct. p. 1746.
A Suprema Corte da California havia adotado
111 Id. p. 1748. Nos Estados Unidos, lei estadual é supe-
uma regra da common law permitindo que cortes rior no conflito com lei federal. Esta Constituição, e as
derrubassem proibições contratuais contra class Leis dos Estados Unidos, que serão feitas de acordo
com ela; e todos os Tratados feitos, ou que venham
a ser feitos, sob a autoridade dos Estados Unidos ,
105 Id. p. 2561-2562 (opinião divergente). serão a lei suprema do país.... (Constituição dos
Estados Unidos, art. VI, clause 2. Ver genericamente,
106 Ver 9 U.S.C. § 1 et seq. (2013). O FAA dispõe que:
por ex., CHEMERINSKY, nota supra 14, §§ 5.1,5.2 p.
um dispositivo escrito em qualquer transação marí-
390,392-419.
tima ou um contrato evidenciando uma transação
envolvendo comércio para resolver por arbitragem 112 Ver 131 S.Ct. p. 1756. A FAA dispõe que: um dis-
uma controvérsia que surja de tal contrato ou transa- positivo escrito em qualquer transação marítima ou
ção, ou a recusa de cumprir o todo ou parte destes, contrato evidenciando uma transação envolvendo
ou um acordo escrito para submeter a arbitragem comercio para determinar arbitragem para contro-
uma controvérsia existente derivada de tal contrato, vérsia que decorra do contrato ou da transação, ou a
transação ou recusa, será válida, irrevogável, e exi- recusa de cumprir com o todo ou com parte dele, ou
gível, exceto por fundamentos existentes na lei ou na um acordo escrito para submeter a arbitragem uma
equidade para a revogação de qualquer contrato. [9 controvérsia existente surgida de tal contrato, transa-
U.S.C. § 2 (2013)]. ção ou recusa, será válida, irrevogável e exigível, a
não ser que tais fundamentos tal como existentes na
107 131 S.Ct. 1740 (2011).
lei ou por equidade Justifiquem a revogação de qual-
108 Id. p. 1744. quer contrato. [9 U.S.C. § 2 (2013)]. A frase final “sa-
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48

Incerteza existe quanto a quão amplamente méritos, a CAFA expande jurisdição federal para as
[o caso] Concepcion pode ser aplicado para in- class actions e ações similares, e amplia as oportuni-
validar renúncia contratual de class action em dades para remover esses tipos de casos das cortes
outras áreas do direito, tais como reclamações de estaduais para as cortes federais119.
antitruste.113 Estas questões estão em considera-
ção atualmente num caso atualmente perante a 6. Ações multidistritais
Suprema Corte dos Estados Unidos114.
Ações agregadas levantam um grande número
E. U.S Class Action Fairness Act (Lei de questões, mesmo quando todas as partes são
da Class Action Justa nos Estados locais e, assim, naturalmente dentro da jurisdição
Unidos). de uma corte. Uma dispersão geográfica de au-
tores, réus, ou de ambos causam preocupações
A Lei da Justiça da Class Action nos E.U.A. adicionais, mas também pode oferecer oportuni-
(Class Action Fairness Act- CAFA), de 2005115, foi dades adicionais para eficiência no atingimento
promulgada como parte de iniciativas para refor- de solução de várias ações.
ma de ressarcimento, para limitar a “compra de Uma class action pode envolver múltiplas cir-
fórum”, na qual autores de indenização buscam cunscrições judiciais120. Além disso, casos multi
ajuizar seus casos numa jurisdição mais favorável individuais ou class actions múltiplas podem ser
para suas reclamações. Advogados de defesa e ajuizadas em múltiplas circunscrições judiciais, mas
negócios alegam que as cortes de alguns Estados levantam questões e partes suficientemente rela-
são excessivamente favoráveis para autores em cionadas, de modo que tratando todas estas ações
ações de ressarcimento116. conjuntamente, de alguma forma, pode evitar re-
A CAFA enseja controvérsias. Seus proponentes sultados inconsistentes e duplicidade de esforços121.
a veem como um remédio necessário para a proli- Na medida em que o alcance geográfico de um
feração de ações de ressarcimento frívolas117. Seus caso ou de um grupo de casos cresce, aumentam
detratores a veem como um esforço politizado para também as complexidades jurídicas. A Suprema
proteger empresas rés, por meio da limitação dos Corte dos Estados Unidos enfrentou algumas
remédios individuais118. Quaisquer que sejam seus destas questões no [caso] Phillips Petroleum Co.
v. Shutts122. Este caso envolveu uma class action
ves” (salvo) as leis estaduais descritas por preempção
ajuizada numa corte estatal no Kansas, contra
pela FAA. Ver 131 S.Ct. p. 1746, 1757-58. uma companhia de óleo. O caso envolveu ar-
rendamento de gás natural em 11 Estados dos
113 Klonoff, nota supra 75, p. 540-41.
EUA, e autores na classe que viviam em todos os
114 Ver Italian Colors Rest. V. Am. Express Travel Related 50 Estados, o Distrito de Columbia e vários paí-
Servs. Co. (In re Am. Express Merchs Litig.), 667 F.3d
204 (2d Cir 2012), cert. granted sub nom Am.Express
ses estrangeiros 123. A corte de primeira instância
Co. v. Italian Colors Rest, 133 S.Ct. 594 (2012). Ver
também Klonoff, nota supra 75, p. 540-41.
119 Id., p. 2-6.
115 Class Action Fairness Act de 2005, Pub.L.No. 109-2,
119 Stat.4, codificado em seções espalhadas de 28 120 Ver ROBERT H. KLONOFF, CLASS ACTIONS
U.S.C. Ver genericamente GEORGENE M.VAIRO, AND OTHER MULTI-PARTY LITIGATION IN A
MOORE’S FEDERAL PRACTICE:THE COMPLETE NUTSHELL 220-28 (4th ed 2012). Ver também
CAFA:ANALYSIS AND DEVELOPMENTS UNDER MANUAL PARA LITIGÂNCIA COMPLEXA, nota su-
THE CLASS ACTION FAIRNESS ACT DE 2005 pra 21, § 20, p. 217.
(2011).
121 Ver MANUAL FOR COMPLEX LITIGATION, nota
116 Ver VAIRO, nota supra 115, p.2,4; SUBRIN & WOO, supra 21, § 20, p. 217.
nota supra 74, p. 208.
122 472 U.S. 797 (1985). Ver KLONOFF, nota supra
117 Ver, por ex., SUBRIN & WOO, nota supra 74, p. 208. 120, p. 221.
118 Ver VAIRO, nota supra 115, p. 2-4,6. 123 472 U.S., p. 799.
série
Cadernos
do CEJ 49

certificou a classe, e a Suprema Corte do Kansas denados de vários modos, sem transferência 129.
decidiu que o tratamento como uma class action [Há] técnicas que possibilitam a designação de
estava apropriado124. um juiz para supervisionar todos os casos, [ou]
A Suprema Corte dos Estados Unidos deferiu aconselhar o acordo para que um caso seja trata-
o pedido de revisão (certiorari), para apreciar as do como o “caso líder”, [ou] conferir e coordenar
duas ações improvidas pela Suprema Corte do os diferentes juízes e advogados quanto a reuni-
Kansas: que a Cláusula do Devido Processo da 14a ões, ordens, realização de acordos, nomeação de
Emenda impedia Kansas de julgar ações de todos peritos, nomeação de especialistas, e produção
os [autores da classe], e que a Cláusula do Devido de provas, clarificar e coordenar as definições da
Processo e a Cláusula da Fé Plena e Crédito do classe nas class actions130. Embora tratando-se de
artigo IV da Constituição proibiam a aplicação da um remédio excepcionalmente invasivo, pode ser
lei do Kansas a todas as transações entre a com- por vezes apropriado para uma corte determinar a
panhia de óleo e os autores125. Quanto à primeira suspensão do processo em outra corte131. Algumas
questão, a Suprema Corte dos Estados Unidos destas técnicas podem ser aplicadas a casos trami-
decidiu que os requisitos da Cláusula do Devido tando em cortes estaduais e federais132.
Processo para autores da classe podem ser menos
do que aqueles que os réus involuntariamente 7. Outros modos de reunir ações nos
requereram para deslocar o foro de competência Estados Unidos
para outro Estado, e que a Cláusula do Devido
Processo estava satisfeita pela adequação da no- A. Cumulação
tificação dos autores da classe seguida pela opor-
tunidade de “retirar-se” [fazer opt-out] da clas- As Regras Federais de Processo Civil dos
se 126. Quanto à segunda questão da companhia Estados Unidos permitem cumulação liberal de
de óleo, porém, a Suprema Corte dos Estados partes e ações. Cada parte pode unir (i.e., com-
Unidos decidiu que as leis dos vários Estados binar) múltiplas ações contra a parte contrária
com interesses nas ações estavam em conflito, e numa única ação 133. União de partes é também
que a Constituição dos Estados Unidos impedia amplamente permitida em casos nos quais os pe-
as cortes do Kansas de aplicarem apenas as leis didos são trazidos por, ou contra, múltiplas par-
desse estado para resolver disputas de todos os
membros da classe na[quela]s circunstâncias127.
As cortes federais dos Estados Unidos têm
129 Ver id., 20.14, p. 227-28, § 20.31, p. 229-41.
também mecanismos múltiplos, de vários graus
de formalidade, para coordenar casos em vários 130 Ver id., 20.14, p. 227-28.
distritos. Casos relacionados em cortes federais di- 131 Ver id., § 20.14, p. 228; § 20.32, p. 238-41.
ferentes podem ser transferidos para um distrito, 132 Ver id., § 20.3, p. 229-41.
pelo menos para procedimentos preliminares128. 133 Regra 18. Cumulação de pedidos:
Casos federais conexos podem também ser coor- (a) Em geral. Uma parte apresentando um pedido,
uma reconvenção, ou pedido de terceira-parte
pode unir, como pedidos independentes ou alterna-
124 Id., p. 801, 803. tivos, os pedidos que tiver contra a parte contrária.
(b) União de pedidos condicionais. A parte pode unir
125 Id., p. 799. dois pedidos ainda que um deles seja condiciona-
126 Id., p. 808-14. Ver também KLONOFF, nota supra do à disposição do outro; mas a corte pode conce-
120, p. 222-23. der tutela apenas de acordo com os direitos subs-
tantivos relativos às partes. Em particular, um
127 472 U.S. , p. 815-23. Ver também KLONOFF, nota
autor pode apresentar um pedido por dinheiro e
supra 120, p. 223-24.
um pedido para uma alienação que é fraudulenta
128 MANUAL FOR COMPLEX LITIGATION, nota supra quanto àquele autor, sem ter que obter antes uma
21, §§ 20.12, 20.13, p.219-27. decisão quanto ao dinheiro. Fed. R. Civ. P. 18.
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tes. 134 Em algumas circunstâncias, a união das B. Cumulação [de ações]


partes pode ser necessária.135
As cortes americanas, pelo menos no sistema fe-
deral, têm ampla discricionariedade para determi-
134 Regra 20. União permissiva de partes:
nar a cumulação de ações em um só julgamento136.
(a) Pessoas que podem se unir ou ser unidas
(1) Autores. Pessoas podem unir-se em uma ação
como autores se:
(A) firmarem um direito de tutela conjunta, ou (i) como questão pratica, dificultar ou im-
separada, ou na alternativa com relação pedir a possibilidade de proteção do
a ou derivada da mesma transação, ocor- interesse da pessoa; ou
rência ou série de transações ou ocorrên- (ii) deixar uma parte existente sujeita a
cias; e, risco substancial de incorrer em obri-
(B) Qualquer questão de direito ou de fato gações duplas, múltiplas, ou de outra
comum a todos os autores for levantada forma inconsistentes por causa do inte-
na ação. resse [a ser tutelado].
(2) Réus. Pessoas – bem como um navio, carguei- (2) União por determinação judicial. Se uma pes-
ro, ou outra propriedade sujeita a processo in soa não foi intimada como seja necessário, a
rem do Almirantado – podem ser unidas em corte precisa ordenar que aquela pessoa se
uma ação quanto os réus se : torne parte [no processo]. Uma pessoa que se
(A) Qualquer direito a tutela for afirmado por recusa a integrar o polo ativo, pode tornar-se
eles conjuntamente, separadamente ou , réu ou,se for o caso, um autor involuntário.
alternativamente, com relação a ou deri- (3) Foro competente. Se uma parte agregada
vado da mesma transação, ocorrência ou opõe-se ao foro [competente da ação] e a sua
série de transações, ocorrências ; e agregação venha a tornar o foro incompeten-
(B) Qualquer questão de direito ou de fato te, a corte precisa dispensar tal parte.
comum a todos os réus seja levantada na (b) Quando a união não é possível. Se uma pessoa
ação. cuja agregação foi requerida se possível náo pode
(3) Extensão da tutela. Nem autor ou réu preci- ser agregada, a corte precisa determinar se, com
sam estar interessados em obter ou defender equidade e bom senso, a ação deveria prosseguir
contra a tutela pleiteada. A corte pode decidir com as partes existentes ou se deveria ser extinta.
pela procedência quanto a um ou mais autores Os fatores que a corte precisa considerar incluem:
conforme seus direitos, e contra um ou mais (1) a medida em que o julgamento prolatado na
réus, conforme as responsabilidades deles. ausência da pessoa poderia prejudicar aquela
(b) Medidas protetoras. A corte pode expedir ordens pessoa ou as partes existentes;
– inclusive para audiências separadas – para pro- (2) a medida em que qualquer prejuízo poderia
teger a parte contra embaraço, prazo, despesa, ser minimizado ou evitado por:
ou outros prejuízos decorrentes da inclusão de (A) medidas protetivas no julgamento;
uma pessoa contra quem a parte não tem ação e (B) formatando a tutela; ou
que também não tenha apresentado ação contra (C) outras medidas;
a parte.Fed.R.Civ.P. 20. (1) se um julgamento exarado na ausência da
pessoa seria adequado; e
135 Regra 19. União necessária das partes:
(2) se o autor teria um remédio adequado sendo
(a) Pessoas que devem ser reunidas se possível.
a ação extinta pela não agregação [necessária
(1) Parte necessária. Uma pessoa que está sujeita
ou requerida].
a ser chamada ao processo e cuja agregação
(a) Pedindo as razões para a não agregação. Quando
não venha a mudar a competência em razão
preparando um pedido para tutela, a parte deve
da matéria da corte deve ser chamada como
informar:
parte se:
(1) o nome, se sabido, de qualquer pessoa que
(A) na ausencia desta pessoa, a corte não pu-
seja requisitada para agregação se possível ,
der dar tutela completa às partes exisaten-
mas ainda não agregada; e
tes; ou
(2) os motivos para não agregar aquela pessoa.
(B) essa pessoa tem um interesse a reivindicar,
(a) Exceção para class actions. Esta regra está sujeita
relacionado com a causa da ação e está
à Regra 23. Fed.R.Civ.P. 19.
situada de tal forma que pôr termo à ação
na ausencia da pessoa pode: 136 Regra 42. Cumulação; julgamentos separados:
série
Cadernos
do CEJ 51

Cortes americanas de apelação, ainda, frequente- falimentar está além do escopo deste trabalho.
mente cumulam casos múltiplos relacionados para Contudo, tem sido caracterizada como a suges-
recurso, conforme autorizado pela Regra 3 (b) das tão mais poderosa para a agregação de múltiplos
Regras Federais de Processo Civil137. Um exemplo litígios tramitando em cortes federais e estaduais141.
famoso de cumulação de recursos é a importan-
te decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos 8 Limitações cognitivas humanas
sobre desagregação escolar [no caso] Brown v.
Pode ser útil mencionar duas fontes possíveis
Board of Education 138, a qual cumulou casos dos
de distorção cognitiva. Elas sugerem que um
Estados do Kansas (Brown v. Board of Education
certo nível de precaução é apropriado quando
of Topeka, KS), Carolina do Sul (Briggs v. Elliott),
forem feitos certos ajustes nos processos judi-
Virginia (Davis v. County School Board of Prince
ciais. Primeiro, é frequentemente contraprodu-
Edward County, Virginia), e Delaware (Gebhart v.
tivo procurar apenas pela solução perfeita para
Belton)139.
um problema. Segundo, os políticos deveriam
C. Lei falimentar cuidadosamente avaliar suas presunções sobre
as circunstâncias existentes e ser cautelosos ao
Como já observado anteriormente 140, a lei distinguir a realidade empírica das suposições e
presunções sobre condições.

(A) Cumulação. Se as ações perante a corte A. “O perfeito é inimigo do bom”


envolverem uma questão comum de direi-
to ou de fato, a corte pode: Um dito popular nos Estados Unidos é [o que
(1) Fazer audiência ou julgamento de todas as diz] “O perfeito é inimigo do bom.” Em política
matérias em discussão nas ações; pública, política judiciária, e tudo o mais, há um
(2) cumular as ações; ou desejo natural e genericamente valioso de encon-
(3) determinar quaisquer outras ordens para evi-
trar a melhor solução possível. Frequentemente a
tar custo ou delonga desnecessários.
(B) Audiências / Julgamentos separados. Por avaliação de qual a melhor solução é altamente
conveniência, para evitar dano, ou para subjetiva, e muita humildade é necessária para
agilizar e economizaer, a corte pode de- que políticos vejam méritos nas opiniões alheias.
terminer um julgamento separado para Uma extensão semelhante e traiçoeira (peri-
uma ou mais questões, pedidos, recon- gosa) da busca pela melhor solução é o desejo
venções, contraarrazões, ou pedidos de
de encontrar a solução perfeita. A importância
terceiros, distintos. Ao ordenar julgamento
em apartado, a corte deve preservar qual- de um determinado problema e os recursos des-
quer direito federal a julgamento por juri. tinados a resolvê-lo podem criar a percepção de
FED.R.CIV.P. 42. que seja essencial encontrar a solução perfeita.
137 (b) União de Recursos Cumulados. No entanto, esperar para tomar uma atitude an-
(1) Quando duas ou mais partes são legitimadas tes de encontrar a solução perfeita pode deixar
para recorrer de uma decisáo ou ordem de o status quo intacto, perdendo oportunidades
uma corte-distrital, e seus interesses permitem para um progresso parcial (ainda que incomple-
a união, podem apresentar um recurso úni- to). Ademais, opções políticas quase sempre en-
co. Podem então prosseguir na tramitação do
apelo como um único apelante.
volvem concessões, fazendo com que qualquer
(2) quando as partes entraram com petições dis- solução tida como “perfeita” frequentemente ig-
tintas de recurso, os recursos podem ser reuni- nore as suas imperfeições. Esperar por soluções
dos ou cumulados pela corte de apelação. perfeitas e rejeitar qualquer solução que não seja
FED.R.CIV.P. 3(b). perfeita pode causar rejeição de boas soluções,
138 347 U.S. 483 (1954).
139 Id.
141 MANUAL FOR COMPLEX LITIGATION, nota supra
140 Ver supra texto da nota 21. 21, § 20, p. 217.
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Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
52

e pode resultar numa consideração pior do que tância da humildade quanto às presunções de
rejeitar uma solução imperfeita. alguém sobre o mundo, e cuidadosa avaliação
Um desafio é ainda composto pelos limites da das presunções empíricas dos outros.
compreensão humana do mundo, e tentação de Políticos raramente têm informação completa
pensar, muito rapidamente, que nós – ou alguns antes de tomarem uma decisão. Decidir [tomar de-
outros – entendemos o suficiente para escolher cisão] pode frequentemente ser desenvolvido por
a solução apropriada. avaliação cuidadosa do que seja conhecido como
precisão, e pela consideração do que possa ser co-
B. Presunções sobre fatos empíricos nhecido com imprecisão ou incompletamente.
Por muitas décadas, a análise econômica tem 9 Conclusão
sido aplicada ao direito nos EUA, com resultados
potencialmente úteis (mas controversos)142. A aná- Considerações sobre litígios complexos, em
lise econômica tem presumido, tipicamente, que geral, e class actions, em particular, têm sido
os humanos agem racionalmente para desenvol- sujeitas a debates calorosos nos Estados Unidos
ver seu próprio interesse. Contudo, tal presunção desde, pelo menos, 1966, quando a Regra 23 das
tem sido testada [de forma] crescente e importan- FRCP foi adotada. Os interesses [envolvidos] em
te, em anos recentes, revelando um número de tais debates são grandes. Há vultosas quantias de
perigos na presunção de que os humanos agem dinheiro e poder envolvidos. Como observado na
racionalmente143. introdução deste trabalho, eficiências podem ser
Uma revisão minuciosa da literatura jurídica e valiosas e importantes, mas justiça precisa perma-
econômica, e sua potencial expansão para abran- necer como a primeira prioridade.
ger o aprendizado em psicologia e outros cam- Parte dos debates são baseados em dados em-
pos relacionados, estão muito aquém do escopo píricos. No entanto, como na maioria dos proces-
deste trabalho. No entanto, esta breve reflexão sos políticos, muito dos debates têm sido basea-
sugere que os políticos deveriam checar suas pró- dos em retórica e ideologia.
prias presunções, e as de outros em quem eles Os Estados Unidos continuarão a debater estas
confiem, antes de confiar em recomendações. questões de como podemos melhor prover justi-
Quase todo argumento político é baseado ça em nossa sociedade, num mundo imperfeito.
num determinado quadro mental de figuras sobre Nós nunca teremos isto certo, mas continuamos
como o mundo trabalha. A cognição humana é a trabalhar por práticas e sistemas melhores.
boa em criar estas figuras mentais, mas elas são Minha esperança, ao escrever este trabalho, é
aproximações, e, com frequência, podem sub- a de que possamos compartilhar com o Brasil li-
jetivamente ser consideradas completas, muito ções úteis dos nossos esforços nos Estados Unidos.
embora baseadas em dados incompletos ou dis- Sem dúvida, o sistema americano também tem
torcidos de alguma forma. Isto sugere a impor- muitas coisas úteis para aprender com o Brasil.
E, encerrando, é um privilégio e uma honra
para mim trabalhar na interseção entre os siste-
142 Ver genericamente, por ex., Richard A. Posner, mas jurídicos brasileiro e americano. Estou pro-
ECONOMIC ABALYSIS OF LAW (8a. ed 2010); fundamente agradecido pelas valiosas amizades
Richard H. Thaler e Cass R. Sunstein, NUDGE: de que desfruto no Brasil.”
IMPROVING DECISIONS ABOUT HEALTH,
WEALTH, AND HAPPINESS (2009).
143 Ver, por ex., Free exchange: The debt to pleasure:
A Nobel prizewinner argues for an overhaul of the
theory of consumer choice, ECONOMIST, April
27, 2013, p. 72. Cf Cass R. Sunstein, Empirically
Informed Regulation, 78 U. CHICAGO L. REV. 1349
(2011).
Dia 1/03

Vânila Cardoso André de Moraes


Hermann-Josef Blanke
Carlos Henrique Borlido Haddad
Nilson Rodrigues Barbosa Filho
Ricardo Perlingeiro
Demandas repetitivas contra a
Administração Pública: Necessidade
da existência de um direito
processual público fundamentado
na Constituição Federal1


Vânila Cardoso André de Moraes 1 Introdução
Juíza Federal em Belo Horizonte e
Coordenadora Científica do Seminário Todas as escolhas realizadas em nossas vidas
possuem a sua motivação, algumas delas cons-
cientes, outras não, e só vamos compreender
algumas atitudes decorridos longos períodos
após a sua realização.
Esta introdução com um viés tão subjetivo
é necessária para que se possa compreender o
início deste estudo a respeito do fenômeno pro-
cessual denominado “demandas repetitivas”. Em
realidade, não é a análise de um instituto jurídico,
mas sim de um tormentoso problema da Justiça
Federal brasileira, consubstanciado no ajuiza-
mento de demandas semelhantes por centenas e
até milhares de vezes, tendo como objeto princi-
pal ações e omissões da Adminsitração Pública.
Quando ingressei na magistratura federal nos

1 Este texto contém partes integrantes da obra


Demandas repetitivas decorrentes de ações ou
omissões da administração pública: hipóteses de
soluções e a necessidade de um direito processual pú-
blico fundamentado na Constituição. – Brasília: CJF,
2012. Disponível integralmente no portal do Conselho
da Justiça Federal: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.
php/mono>. Acesso em: 10 abr. 2013
série
Cadernos
do CEJ 55

idos de 1997, comecei a julgar os processos imbuí- princípios constitucionais; institutos processuais do
da do sonho de realizar justiça. O termo justiça traz direito comparado para enfrentamento das deman-
em si inúmeros questionamentos filosóficos quanto das repetitivas na seara da jurisdição administrativa;
à sua extensão, mas no seu viés pragmático a justiça e algumas perspectivas de lege ferenda.
não pode desconsiderar o devido processo legal, a
sua finalidade de ser útil à humanidade e a neces- 2 Diagnóstico relacionado aos 100
sária solução do litígio num prazo razoável. maiores litigantes no Brasil e o
Os anos se passaram e, apesar desses parâme- aumento da litigiosidade
tros que procurei seguir, percebi que o número
Para compreender a relevância das ações e
de processos só aumentou e o assombro da repe-
omissões da Administração e o aumento da li-
tição de demandas acabava repercutindo nega-
tigiosidade é importante analisar os resultados
tivamente no resulado final da prestação jurisdi-
das pesquisas realizadas pelo Conselho Nacional
cional, afastando-me cada vez mais da efetivação
de Justiça. Dentre elas, há o diagnóstico dos
da realização da justiça.
100 maiores litigantes do país, restando com-
A Comissão de Reforma do CPC da Associação
provado que o Setor Público Federal lidera em
dos Juízes Federais do Brasil, a respeito dos pro-
questões de litigância, com um total de 38,5%,
cessos “em massa” no âmbito da Justiça Federal,
seguido do Setor Público Estadual, percentual
esclareceu que muitas mazelas são ocasionadas
de 7,8%, e Municipal, 5,2%, perfazendo os en-
pelos processos repetitivos e pela ausência de pro-
tes da Administração Pública um total de 51,5%.
cedimento diferenciado para esse tipo de causa. As
Significa dizer que a União, Estados, Municípios,
pilhas dos autos que se amontoam nas prateleiras
suas autarquias e fundações, num total aproxima-
dos fóruns federais versam sobre matérias idênticas,
do de vinte entes, três pessoas jurídicas de direito
onde se alteram apenas os nomes das partes. O des-
público e quinze pessoas jurídicas da administra-
fecho das causas já é conhecido desde o início, mas a
ção indireta, alcançam maior número de deman-
lógica – ou a ausência de lógica – dos sistemas impõe
das que os demais oitenta maiores litigantes do
que o processo tramite normalmente, seguindo o lon-
país, incluído, dentre esses últimos, todo o setor
go caminho da primeira instância até as instâncias
bancário e de telefonia2.
superiores (PERLINGEIRO, 2005, p. 199-205).
Conforme se depreende dos estudos realiza-
Observando este contexto, resolvi me afastar al-
dos pelo CNJ, Justiça em Números 3, as causas
guns meses do julgamento das demandas repetiti-
vas para estudá-las. Essa, portanto, foi a minha mo-
tivação e acho importante consigná-la, como forma 2 Disponível em: <http://www.cnj.br/imagens/pesqui-
sa-judiciarias/pesquisas_litigantes_pdf>. Acesso em:
de chamar a atenção para um tema que atinge em
3 jun. 2011.
cheio a medula do Poder Judiciário e que precisa
3 “Justiça em Números” é um sistema, conforme consta do
urgentemente ser enfrentado por todos aqueles que
sítio do CNJ <http://www.cnj.jus.br/>, que visa à am-
atuam perante o Judiciário Federal. pliação do processo de conhecimento do Poder Judiciário
Para alcançar alguma logicidade na exposição, por meio da coleta e da sistematização de dados estatísti-
dividirei a apresentação deste trabalho em oito cos e do cálculo de indicadores capazes de retratar o de-
pontos específicos: considerações a respeito do sempenho dos tribunais. No caso específico deste estudo,
diagnóstico do CNJ atrelado aos 100 maiores liti- importa saber o perfil das demandas, buscando-se
levantar a participação governamental nas demandas ju-
gantes e aumento da litigiosidade; constatação de
diciais e a litigiosidade e a carga de trabalho, com a
que a Justiça Federal é uma justiça materialmente observância do quantitativo dos casos novos, a carga de
administrativa; nexo causal entre ações e omissões trabalho do magistrado, a taxa de congestionamento da
da Administração e as demandas repetitivas; insufi- justiça, a taxa de recorribilidade externa e interna e a taxa
ciências na utilização do Direito Processual Coletivo de reforma da decisão. Conforme os dados colhidos pelo
e de diversos institutos processuais específicos para CNJ no ano base de 2009, o Poder Público demandou na
Justiça Federal, em 1º grau, um total de 3.458.831 ca-
enfrentamento do fenômeno; inobservância dos
sos novos. Nesse universo, incluem-se os cinco tribunais
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
56

oriundas de relação jurídica de direito público, dicial federal a partir dos seus desvios de origem,
tendo como demandante ou demandado o Poder sob pena de caminharmos a passos largos para
Público, representam maioria absoluta dos pro- um colapso total, que pode ser constatado ao se
cessos em tramitação no Judiciário, o que des- observarem as altas taxas de congestionamento
perta o interesse e a necessidade de adoção de nos tribunais regionais federais4.
procedimentos que levem à diminuição desta
espécie de litígios. 3 A Justiça Federal é uma justiça
Os atos administrativos que exteriorizam a von- materialmente administrativa
tade dos agentes da Administração Pública ou de
Proponho, pois, uma avaliação do que passo a
seus delegatários são regidos pelo direito público e
chamar de “desvio de origem” do nosso sistema
visam à produção de efeitos jurídicos com a finali-
processual, qual seja, a ausência de um direito
dade de atender ao interesse público (CARVALHO
processual diferenciado para as causas de direito
FILHO, 2008). A prática da atividade administra-
público, também conhecido como “jurisdição
tiva gera, como efeito imediato, o aparecimento
administrativa”5.
de milhares de objeções, fazendo surgir pedidos
reiterados de intervenção do Poder Judiciário e
o consequente acúmulo das ações. São centenas, 4 Disponível em: <http://www.cnj.br/imagens/pesqui-
milhares de impugnações dos atos administrativos sa-judiciarias/pesquisas_litigantes_pdf>. Acesso em:
a abarrotarem os tribunais. 3 jun. 2011.
É intuitivo que o sistema processual existente 5 Guilherme Fabiano Julien Rezende faz uma análise da
no Brasil não tem conseguido solucionar este fe- existência da jurisdição materialmente administrativa no
nômeno, pois materializado em normas direcio- Brasil: Reiteradamente se afirma que não há contencioso
administrativo no Brasil. Aliás, esta é a concepção pre-
nadas para a solução de demandas indivi­d uais.
dominante na quase totalidade da doutrina. O funda-
No caso do direito público, entretanto, há uma mento principal é de que a jurisdição é uma e, portanto,
lide de natureza completamente distinta em que o poder de dizer o direito em caráter definitivo pertence
estão presentes o cidadão e o Estado, sendo ao Estado [...] Infere-se desta última assertiva, a nítida
que a maioria das demandas gera reflexos co- concepção tradicional sobre contencioso administrativo,
letivos. Mesmo os institutos processuais criados focada, ainda, na ideia centrada do direito francês de
justiça administrativa dentro de um conceito orgânico.
nos últimos tempos para solução deste fenômeno
E conclui: Do que foi exposto, pode-se afirmar a existên-
mostram-se insuficientes, como comprovam as cia de uma jurisdição materialmente administrativa no
inúmeras estatísticas acerca do tema. Brasil, coerente com o sistema da jurisdição única, dentro
Indispensável, pois, repensarmos o sistema ju- de um pluralismo de órgãos jurisdicionais, visto que há
situações específicas regidas pelas relações jurídicas ad-
ministrativas, fruto de aplicação de normas ao abrigo do
regionais federais e as ações propostas por União, autar- direito administrativo. No mesmo, viu-se que a tendência
quias, fundações e empresas públicas federais, Estados, no sistema judiciário brasileiro, mormente no federal, é
Distrito Federal, autarquias, fundações e empresas públi- o da especialização das matérias de direito público, ou
cas estaduais e distritais, municípios, autarquias, funda- seja, daquelas afetas à jurisdição materialmente admi-
ções e empresas públicas municipais. O Poder Público foi nistrativa, resultando em uma organização interna da
demandado num total de 2.580.232 ações em 1º grau. justiça federal, em todos os níveis, voltada para o que se
Em 2º grau, demandou um total de 740.818 e foi deman- denomina de contencioso administrativo na Europa. O
dado diretamente, em 2º grau, 676.966 vezes. Na Justiça desenvolvimento da jurisdição materialmente adminis-
Estadual, o Poder Público, como demandante, alcançou trativa no seio da justiça federal, que tem vocação para
o total de 4.126.159 ações, esclarecendo-se que, conforme o julgamento das matérias de direito público, faz deste
consta no site, alguns Estados da Federação não possuí- órgão uma especialização imperfeita da justiça adminis-
am os dados disponíveis, do que se conclui que o resulta- trativa especificadamente, sendo justiça comum, é o foro
do real é superior ao afirmado. Nesse número, incluem-se competente onde se desenvolvem com vigor as ações que
1º e 2º graus. Na Justiça Estadual, o total de 1.134.963 se amoldam ao contencioso administrativo judicializado.
demandas foram ajuizadas contra o Poder Público no Ademais, além da competência dos juízes federais, nos
ano de 2009. tribunais federais e no Superior Tribunal de Justiça são
série
Cadernos
do CEJ 57

Não se pode questionar que a existência de maioria dos países ibero-americanos e indepen-
um direito processual público garantidor de uma dem da natureza dualista ou monista do siste-
prestação jurisdicional efetiva e eficiente, quando ma de controle jurisdicional da Administração
presente o setor público em juízo, constitui uma Pública. Também são capazes de representar a
das peças fundamentais para a correta configu- área de conhecimento relacionada aos princí-
ração do Estado de Direito.6 pios fundamentais e às regras gerais do direito
As expressões “justiça administrativa” e “ju- processual destinados às causas de interesse da
risdição administrativa” indicam, respectiva- Administração Pública 7.
mente, os órgãos jurisdicionais destinados ao As questões de direito público tem seu cam-
julgamento dos litígios de direito público ou po de discussão bem demarcado na Justiça
de interesse da Administração Pública (justi- Federal. Observa-se que as competências desta
ça administrativa) e a natureza e o alcance da seara judicial instituídas pela Constituição de
jurisdição por eles prestada (jurisdição admi- 1988 estão diretamente relacionadas ao direi-
nistrativa). São expressões bem conhecidas na to público, fazendo desse órgão uma especia-
lização imperfeita da justiça administrativa, na
qual se desenvolvem com vigor as ações que
detectadas Turmas e Seções especializadas no contencio- amoldam o contencioso administrativo judicia-
so administrativo, embora a feição genérica dos tribunais lizado. (REZENDE, 2011, p. 563-650).
seja de justiça comum, surgindo essas especializações na
sua estrutura orgânica. Consequentemente, pode-se aqui- 4 Nexo causal entre ações ou omissões
latar, mesmo organicamente, um esboço de uma justiça da administração pública e as
administrativa também no Brasil em comparação com a
demandas repetitivas
nova roupagem judicial que lhe foi dada na Europa. Há
necessidade de melhor regramento do Direito Processual
Os atos administrativos que exteriorizam a von-
Administrativo, na ótica judicial, não vinculado ao con-
ceito de processo administrativo no significado da parte tade dos agentes da Administração Pública ou de
graciosa exercida extrajudicialmente, mas como discipli- seus delegatários regem-se pelo direito público e
na própria, já que, a rigor, está mal inserido no campo visam à produção de efeitos jurídicos com a finali-
do Processo Civil, uma vez que a relação substantiva que dade de atender ao interesse público (CARVALHO
visa tutelar é de Direito Administrativo, e não de Direito FILHO, 2008). A prática da atividade administra-
Civil, com o intuito de organizar melhor este ramo do di-
tiva gera, como efeito imediato, o aparecimento
reito processual em face de suas peculiaridades existentes
(grifo nosso). (REZENDE, 2011, p. 646-647). de milhares de objeções, fazendo surgir pedidos
reiterados de intervenção do Poder Judiciário e
6 Conforme se depreende da exposição de motivos que
justificaram a reforma da legislação espanhola aplicável
o consequente acúmulo das ações. São centenas,
ao contencioso administrativo (Ley 29/1998 reguladora milhares de impugnações dos atos administrativos
de la Jurisdicción Contencioso-Administrativa (Boletín a abarrotarem os tribunais.
Oficial del Estado n. 311 de 14.7.1998), percebe-se a cla- Observa-se que a grande maioria dos processos
ra interligação entre um procedimento adequado para que têm como causa pedir e pedidos direciona-
o controle do Poder Público com elemento imprescindí- dos ao Poder Público pode ser visualizada como
vel para concretizar o Estado de Direito: La Jurisdicción
Contencioso-administrativa es una pieza capital de nues-
um fenômeno social de massa, decorrente dessa
tro Estado de Derecho. Desde que fue instaurada en repetição de demandas. A tutela individual nesses
nuestro suelo por las Leyes de 2 de abril y 6 de julio de casos não mais satisfaz por completo a sociedade.
1845, y a lo largo de muchas vicisitudes, ha dado sobra-
da muestra de sus virtualidades. Sobre todo desde que la
ley de 27 de diciembre de 1956 la dotó de las caracterís- 7 Informações constantes do EDITAL DE SELEÇÃO
ticas que hoy tiene y de las atribuciones imprescindibles TURMA 2012- Ingresso no Curso de Pós-Graduação
para asumir la misión que le corresponde de controlar Justiça Administrativa PPGJA (Mestrado Profissional),
la legalidad de la actividad administrativa, garantizando publicado no BOLETIM DE SERVIÇO, 18/05/2003,
los derechos e intereses legítimos de los ciudadanos frente SEÇÃO IV, Pág. 023, disponível no sítio: < http://
a las extralimitaciones de la Administración. www//nupej.uff.br/ppgja>. Acesso em: 4 jan. 2012.
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
58

São vários exemplos que podem demonstrar 5 Exemplos de institutos jurídicos


este fenômeno como um ato do Poder Executivo existentes no Direito Processual
que se entende ilegal, podendo sofrer controle inci- brasileiro para o enfrentamento das
dental via ações individuais com efeitos concretos, demandas repetitivas
por centenas ou milhares de pessoas, acarretando
o fenômeno processual das demandas repetitivas. Considerando o nexo causal existente en-
Outros atos administrativos gerais, de efeitos tre as demandas repetitivas e a atuação da
concretos, que acarretam o fenômeno da mas- Administração Pública, é necessário analisar os
sificação processual, são os editais de concurso institutos jurídicos existentes no direito proces­
público. Constata-se que a impugnação por um sual para o seu enfrentamento.
candidato poderá causar danos a terceiros, que Este tópico deve ser dividido levando-se em
têm a possibilidade de ingressar como terceiros in- consideração dois aspectos distintos: o direito
teressados ou outra ação, reclamando direito sub- processual coletivo (GRINOVER, 2007, p. 11-15)
jetivo. A multiplicidade gera um número repetido e os institutos processuais específicos.
de ações. Além disso, não se poderia admitir que Optou-se por analisar as ações coletivas sepa-
um único candidato, em decorrência do prejuízo radamente, pelo fato de sua regulamentação não
individual, obtivesse anulação de todo o concur- estar inserida no corpo do Código de Processo
so. Esta espécie de demanda bem demonstra as Civil, mas em legislação esparsa. Além disso,
dificuldades existentes no direito brasileiro para conforme afirmado por Ada Pellegrini Grinover
solucionar as questões de direito administrativo. (2007, p. 12), é possível concluir a existência de
As omissões da Administração também, por um novo ramo do direito processual, o direito
sua vez, geram demandas de massa ao atingirem processual coletivo, contando com os princí-
uma coletividade de pessoas, o que se pode ob- pios revisitados e institutos fundamentais próprios
servar nas ações judiciais que objetivam o con- e tendo objeto bem definido, qual seja, a tutela
trole de políticas públicas. jurisdicional dos interesses ou direitos difusos,
Como último exemplo, apontamos o ato ad- coletivos ou individuais homogêneos.
ministrativo concreto e individual fundado em
5.1 Direito Processual Coletivo e a lide
ponto comum de fato e de direito com relação
de Direito Público
à coletividade. Significa dizer, a impugnação do
ato está fundada em interesse individual homo- Aluisio Gonçalves Castro Mendes (2007, p. 28)
gêneo, hipótese clara relacionada às inúmeras aponta várias matérias relacionadas ao direito
demandas postulatórias de benefícios previden- público que foram objeto de ações individuais de
ciários, como a concessão da aposentadoria es- forma repetitiva, demonstrando que as ações co-
pecial e a correção de benefícios8. letivas não cumpriram o seu papel. [...] A realida-
de dos últimos anos fala por si: embora tenham sido
8 Verifica-se, por exemplo, que um ato administrativo
concreto e individual, como a negação de aposenta-
doria especial sob determinado fundamento jurídico o STJ recebeu o Recurso Especial n. 1.151.363-MG
a um segurado da Previdência Social, pode ser visua- (2009/0145685-8) como representativo da contro-
lizado como um fenômeno social de massa (centenas vérsia sob o rito do art. 543-C. A questão de direi-
ou milhares de segurados encontram-se na mesma to controvertida diz respeito à conversão de tempo
situação), o que acarretará a repetição de deman- especial em comum. Fator multiplicador previsto
das idênticas para alteração do posicionamento da na legislação em vigor à época da atividade. Termo
Autarquia Federal (INSS). Com efeito, repetem-se Final para a Conversão em 28/05/1998. Necessidade
inúmeras ações fundadas em ponto comum, de de exposição permanente e habitual. Violação dos
fato ou de direito, com relação à coletividade arts. 57,§3º, Lei nº. 8.213/1991 e 63, I, do Decreto nº.
de segurados, o que acaba por configurar a 611/1992. Contagem de tempo de serviço posterior à
existência de um interesse individual homogê- Emenda Constitucional n. 20/1998. BRASIL, Recurso
neo. Considerando o fenômeno das ações repetidas, Especial n. 1.151.363-MG.
série
Cadernos
do CEJ 59

ajuizadas ações coletivas, nenhuma delas foi capaz g) possibilidade de questionamento a respeito
de conter a verdadeira sangria de ações individuais de políticas públicas, que podem ser alteradas e
que foram ajuizadas diante de questões como a dos questionadas a qualquer tempo.
expurgos inflacionários relacionados às cadernetas O sistema que foi implantado para dar unifor-
de poupança e ao FGTS; dos inúmeros conflitos en- midade e amplo acesso à Justiça convive com
volvendo aposentados, como, v.g, a equivalência do dois paradoxos: primeiro, estimula ações coleti-
benefício com o salário mínimo, o reajuste de 147%, vas, porém os efeitos da coisa julgada ficam res-
buraco negro, etc., lides que diziam respeito a tribu- tritos aos que participaram do processo, abrindo-
tos, como a CPFM, reajuste de tabela de Imposto de -se uma oportunidade, a todo instante, para o
Renda, progressividade do IPTU, taxa de lixo ou de ajuizamento de nova ação para aquele que se
iluminação pública, no âmbito da União, dos Estados sentir prejudicado; e, em segundo, oportuniza a
e dos Municípios, em torno de pleitos como o direito existência de decisões conflitantes.
ao reajustamento anual, de contagem de tempo dos A conclusão a que se pode chegar é que o
celetistas incorporados ao regime único, transforma- direito processual coletivo, na seara do direito
ção de cargos, extinção dos direitos, citando apenas público, tem gerado uma eterna perpetuação dos
poucos exemplos. Em praticamente todos os casos conflitos, ao invés de solucioná-los.
mencionados, foram centenas e milhares de processos
individuais instaurados, sem que as ações coletivas 5.2 Institutos processuais específicos
tenham de fato cumprindo o seu papel. [...]. para enfrentamento das demandas
Em todo caso, a lógica de uma conduta coletiva repetitivas
substancial, em direitos coletivos ou em um conflito
São inúmeros os institutos processuais no di-
que se manifesta como coletivo, como na hipótese
reito brasileiro que tem a finalidade de enfrentar
da edição de um ato administrativo que materializa
as demandas repetitivas.
um interesse público e atinja um número indeter-
O primeiro deles, o chamado “julgamento ime-
minável de pessoas, a reciprocidade indica uma
diato de improcedência”, configura-se na possibi-
adequada condução coletiva processual.
lidade de julgamento antecipado das causas re-
A complexidade da matéria demonstra que são
petitivas, previsto no art. 285-A do CPC, não tem
inúmeras as dificuldades encontradas com a utili-
resolvido o fenômeno da massificação processual,
zação do direito processual coletivo para a solução
pois utilizado tão somente em hipótese de impro-
das demandas repetitivas, podendo-se apontar:
cedência e atrelado a um único juízo ou tribunal.
a) dificuldade de delimitação da representa-
A súmula vinculante, por sua vez, é uma hi-
tividade adequada quando há presença do inte-
pótese racional de solução; entretanto, como os
resse público;
requisitos expressos para a sua realização exigem
b) absoluta ineficiência do sistema quanto aos
que a matéria tenha natureza constitucional, não
destinatários do ato administrativo e os efeitos da
abrange todos os atos administrativos com efei-
coisa julgada;
tos coletivos impugnados judicialmente, restando
c) possibilidade de ajuizamento simultâneo de
afastado quando o questionamento é infracons-
ações coletivas e individuais;
titucional. Além disso, a necessidade de ampla
d) insegurança jurídica pela possibilidade de
discussão a respeito do tema nos tribunais não
ingresso de inúmeras ações coletivas perante o
impede a avalanche de processos repetidos de-
mesmo ato administrativo;
correntes de atividades administrativas.
e) possibilidade de interesses coletivos confli-
No âmbito do STJ, há previsão legal do “inci-
tarem entre si;
dente de recursos repetitivos” que se configura na
f) limitação legal de ajuizamento de deman-
uniformização de soluções para situações análogas,
das coletivas relacionadas a matérias tributária
com a finalidade de evitar o inócuo procedimen-
e previdenciária, típico nascedouro das deman-
to de julgamento de inúmeros recursos idênticos.
das repetitivas;
A crítica que deve ser feita ao instituto relaciona-se
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
60

à necessidade de trâmite dos processos nas instân- ro de recursos nos tribunais.


cias inferiores para, após longo decurso de tempo, Podemos concluir, ao finalizar este tópico, que
a matéria vir a ser examinada pelo STJ, quando já há uma profunda dificuldade na utilização dos insti-
materializado o fenômeno da massificação proces- tutos jurídicos de origem privatista existentes para a
sual, configurando-se, ao final, mera alteração do solução das demandas em que há questões afetas ao
represamento para a instância jurisdicional superior. Direito Administrativo, sendo indispensável a cria-
A repercussão geral (requisito de admissibili- ção de um direito processual adequado para o con-
dade para o recurso extraordinário) configura-se trole do Poder Público, até mesmo como elemento
em um filtro restritivo de acesso ao STF a partir de imprescindível para concretizar o Estado de Direito.
um novo requisito de admissibilidade de recurso
extraordinário e a competência para vinculação 6 As demandas repetitivas e a
às causas repetidas a interpretação constitucional consequente inobservância dos
exarada no caso concreto. É uma hipótese de ver- princípios constitucionais
ticalização dos precedentes, controlando a ordem
A existência do fenômeno processual das deman-
constitucional, e não somente o caso concreto9.
das repetitivas ofende diversos princípios constitu-
Quanto a este último, sabe-se que houve dimi-
cionais, sendo relevante destacar a inobservância
nuição de recursos no STF. Entretanto, o mesmo
dos princípios da tutela judicial efetiva, isonomia,
fenômeno não ocorreu nas instâncias inferiores.
segurança jurídica e razoável duração do processo.
Além disso, a ação ou omissão deve ter caráter
Pode-se afirmar, primeiramente, que a tutela
constitucional e é necessário o transcurso das
judicial efetiva se concretiza na solução da lide
demais instâncias, não obstando, portanto, as de-
de forma que venha a ser útil para os demandan-
mandas repetitivas.
tes. Quando presente o direito público, González
Por último, a súmula impeditiva de reexame
Pérez (2005) acrescenta alguns requisitos essen-
necessário mantém a logicidade do sistema, po-
ciais para a efetivação da tutela, consubstanciados
rém, o reexame necessário não deixa de ser um
na eliminação de obstáculos de acesso ao proces-
dos principais gatilhos para o aumento do núme-
so; impedimento de que formalismos processuais
acarretem a imunidade do controle da atividade
9 Nesta perspectiva expõe José Henrique Mouta Araújo: administrativa; e exercício pleno da jurisdição nas
Bem a propósito, vale aduzir que a análise da trans- várias etapas do processo.
cendência da matéria constitucional está ligada ao José Garberí Lobregat (apud GARAY, 1989),
novo papel das decisões oriundas do STF e a própria por sua vez, relaciona a tutela judicial efetiva
objetivação de seus julgamentos, como instrumentos
voltados à diminuição do tempo de duração dos pro-
ao direito de não obter soluções contraditórias
cessos e à ampliação do caráter vinculante de suas sob os mesmos fatos.
interpretações constitucionais.De outra banda, a RG A Administração Pública está vinculada aos
também é utilizada como estímulo ao cumprimento de princípios da isonomia e da legalidade, sendo
Súmula Vinculante. Esses dois instrumentos de vincu- possível verificar, entretanto, que, por muitas ve-
lação vertical e de eficácia erga omnes atuam em claro zes, esta vinculação acaba por ser afastada por
processo de autoestimulação: quando a decisão recor-
rida por recurso extraordinário desatender Súmula
determinação do Poder Judiciário ao proferir
Vinculante, necessariamente há repercussão geral. decisões divergentes, acarretando que adminis-
A transcendência do recurso extraordinário, in casu, trados, em situações fáticas idênticas, tenham tra-
é instrumento de garantia de atendimento a Súmula tamento diferenciado por parte do Poder Público.
Vinculante. Pelo caminho que está sendo traçado, É preciso, contudo, que as demandas de massa te-
provavelmente este caminho de autoestimulação nham ‘soluções de massa’, ou seja, recebam uma solu-
também atingirá a própria jurisprudência do STF
ainda não sumulada, garantindo a presença de re-
ção uniforme, garantindo-se, principalmente, o princí-
percussão geral quando ocorrer desatendimento a pio da isonomia. Decorre desse princípio a necessidade
qualquer decisão colegiada da Corte Constitucional. de se conferir tratamento idêntico a quem se encontra
(ARAÚJO, 2008, p. 342-359). em idêntica situação. (CUNHA, 2010, p. 141-174).
série
Cadernos
do CEJ 61

Além disso, deve-se dar primazia às demandas re- dida perante a Universidade Federal Fluminense,
petitivas e o julgamento deve ocorrer de forma a que o tempo médio para a solução de algumas
respeitar a relação material que delas advém. questões de direito pelos tribunais superiores atin-
Para que se possa garantir a supremacia da ge, aproximadamente, 17 anos, acarretando o ajui-
lei, é indispensável que sejam disponibilizados zamento de inúmeras ações com conteúdo idên-
mecanismos processuais para a sua aplicação tico e gerando decisões divergentes em situações
uniforme a todos que se encontrem na mesma si- faticamente iguais, com a consequente quebra do
tuação, como costuma acontecer a partir da edi- princípio da isonomia (MORAES, 2012, p. 21).
ção dos atos administrativos, ações e omissões da A matéria já foi enfrentada pela Corte Europeia
Administração Pública. Ora, se o ordenamento ju- de Direitos do Homem, que julgou 359 casos de
rídico deve manter unidade e coerência, é forçoso violação dos direitos humanos ocorridos entre
concluir que questões fáticas idênticas merecem membros da Comunidade Europeia, dos quais 147
igual tratamento por parte do Estado, detentor da decisões se referiam à função jurisdicional exerci-
função de prestar jurisdição. da com morosidade, condenando os Estados ao
Outro princípio profundamente afetado a par- pagamento de indenizações aos jurisdicionados
tir da existência da massificação processual é a prejudicados com dilações indevidas nos proces-
segurança jurídica. Esta se relaciona com os as- sos, situações consideradas pela corte como dene-
pectos objetivos do ordenamento, configurando- gação de justiça. (SILVA, 2008, p. 33-42)
-se uma garantia de estabilidade jurídica, segu-
rança e orientação e dirigindo-se a coordenar os 7 Soluções apontadas no Direito
fluxos das interações inter-humanas, no sentido Comparado
de propagar, no seio da comunidade social, o Considerando que a Justiça Federal exerce ju-
sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos risdição administrativa de forma imperfeita, pois
jurídicos da regulação da conduta (CARVALHO, há especialização dos órgãos para julgamento das
1996), devendo nortear toda e qualquer norma causas de direito público sem a existência de um
jurídica (CAIS, 2009). direito processual adequado para tal fim, cumpre
A confiança legítima prende-se mais a aspec- apresentar alguns institutos jurídicos, específicos
tos subjetivos da segurança jurídica, significando do direito comparado, utilizados no julgamento
a previsibilidade e calculabilidade dos indivíduos das demandas repetitivas.
em relação aos efeitos jurídicos dos atos do Poder Referidos diplomas encontram-se nos Códigos
Público (CANOTILHO, 1998). de Processos Administrativos da Alemanha,
Interessante questão é colocada por Hartmut Espanha e Portugal. Tais países, além de integran-
Maurer (2001) a respeito da confiança legítima e tes da civil Law, possuem jurisdição administra-
sua interligação com a continuidade da jurispru- tiva, com órgãos especializados dentro do Poder
dência judicial superior, pois uma mudança fre- Judiciário para as causas decorrentes de ações
quente de jurisprudência judicial superior cria uma ou omissões da Administração Pública e um direi-
confusão ainda maior que a modificação constante to processual diferenciado para o processamento
das leis. Por tais razões, a confiança legítima é reco- das demandas de direito público.
nhecida como um direito fundamental previsto no Na Alemanha há o Código de Jurisdição
ordenamento jurídico-constitucional da República Administrativa (Modelo Alemão)
Federal da Alemanha, vinculando, por conseguin- (Verwaltungsggerichtsordnung – VwGO. Lei de 21
te, todo o poder estatal, não só o Executivo, mas de janeiro de 1960 (BGBI. I. S. 17), modificado e
também o Legislativo e a jurisdição. promulgado novamente em 19 de março de 1991
Por fim, constata-se que a multiplicidade de pro- (BGBI. I. S. 686), atualizado com as alterações im-
cessos é uma das grandes causas de inobservância postas pelo art. 3º da Lei de 21 de dezembro de
do princípio da razoável duração do processo. 2006 (BGBI. I. S. 3326) e pelo art. 13 da Lei de 12 de
Observou-se, na dissertação de mestrado defen- dezembro de 2007 (BGBI. I. S. 2840); em Portugal,
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
62

o Código de Processo dos Tribunais Administrativos mada “extensão dos efeitos da sentença” a tercei-
Português (CPTA ), Lei n. 15/2002 (Código de ros que não participaram da lide principal. São
Processo nos Tribunais Administrativos), modi- requisitos para a incidência do dispositivo:
ficado posteriormente pela Lei n. 4-A/2003; e na 1 – Os efeitos de uma sentença transitada em
Espanha, a Ley de la Jurisdicción Contencioso- julgado que tenha anulado um acto administra-
Administrativa Espanhola. Ley 29/1998, regulado- tivo desfavorável ou reconhecido uma situação
ra de la Jurisdicción Contencioso-Administrativa jurídica favorável a uma ou várias pessoas podem
(Boletín Oficial del Estado n. 311 de 14/7/1998). ser estendidos a outras que se encontrem na mes-
No presente texto, não analisarei o modelo ma situação jurídica, quer tenham recorrido ou
alemão, uma vez que ele será objeto de expo- não à via judicial, desde que, quanto a essas, não
sição específica pelo Professor Hermann-Josef exista sentença transitada em julgado.
Blanke. Irei focar minhas avaliações em alguns 2 – O disposto no item anterior vale apenas para
institutos específicos dos códigos de jurisdição situações em que existam vários casos perfeitamen-
administrativa de Portugal e da Espanha. te idênticos, nomeadamente no domínio do fun-
O primeiro deles é o Código de Processo dos cionalismo público e no âmbito de concursos, e só
Tribunais Administrativos Português (CPTA), que quando, no mesmo sentido, tenham sido proferidas
prevê, no seu art. 4810, o instituto processual es- cinco sentenças transitadas em julgado ou, existin-
pecífico para a solução das demandas repetitivas, do uma situação de processos em massa [...].
lá denominados “procesos em massa” São ne- 3 – Para o efeito do disposto no n. 1, o interessa-
cessários os seguintes requisitos objetivos para a do deve apresentar, no prazo de um ano, contado
incidência do dispositivo: número mínimo de 20 da data da última notificação de quem tenha sido
pendências; pronúncia da mesma entidade admi- parte no processo em que a sentença foi proferida,
nistrativa, identidade de relação jurídica material um requerimento dirigido à entidade administra-
controvertida e aplicação das mesmas normas. tiva que, nesse processo, tenha sido demandada.
Ao reconhecer a aplicação de uma mesma solu- 4 – Indeferida a pretensão ou decorridos três
ção de direito, o tribunal irá notificar, previamente, meses sem decisão da Administração, o interessado
as partes que tiveram os seus processos suspensos, pode requerer, no prazo de dois meses, ao tribunal
para adotarem as seguintes hipóteses (n. 5 do art. que tenha proferido a sentença, a extensão dos res-
48º do CPTA): a) desistir do seu próprio processo; pectivos efeitos e a sua execução em seu favor, sen-
b) requerer ao tribunal a extensão ao seu caso dos do aplicáveis, com as devidas adaptações, os trâ-
efeitos da sentença proferida; c) requerer a con- mites previstos no presente título para a execução
tinuação do seu próprio processo; d) recorrer da das sentenças de anulação de actos administrativos.
sentença, no prazo de 30 dias, no caso de ela ter O art. 161, n. 1, do CPTA expõe o âmago do me-
sido proferida em primeira instância. canismo preventivo (com extensão ultra partes dos
Por sua vez, o art. 161 do CPTA prevê a cha- efeitos da sentença) referente às demandas de mas-
sa, mesmo que a parte a quem os efeitos da sentença
10 Art. 48º Processo em massa: 1 - Quando sejam se estenderão não tenha recorrido à via judicial.
intentados mais de 20 processos que, embora O regime legal dos processos em massa não faz
reportados a diferentes pronúncias da mesma sentido quando se trata da declaração de ilega-
entidade administrativa, digam respeito à mesma lidade de normas regulamentadoras (ou de sua
relação jurídica material ou, ainda que respeitantes a
omissão), pois, nesses casos, a sentença tem ne-
diferentes relações jurídicas coexistentes em paralelo,
sejam susceptíveis de ser decididos com base na cessariamente efeitos obrigatórios gerais e erga
aplicação das mesmas normas a idênticas situações omnes, expurgando-se a norma do ordenamento
de facto, o presidente do tribunal pode determinar, jurídico sem necessidade de adaptação a outras
ouvidas as partes, que seja dado andamento a situações processuais. (ALMEIDA, 2007).
apenas um ou alguns deles, que neste último caso A Ley de la Jurisdicción Contencioso-
são apensados num único processo, e se suspenda a
Administrativa Espanhola (PORTÁLES, 2006, p.
tramitação dos demais.
série
Cadernos
do CEJ 63

62-72) define as matérias adstritas à jurisdição ad- encontrarem prejudicadas nas suas pretensões.
ministrativa de uma forma ampla, não atreladas Wladimir Brito rechaça as críticas fundamen-
somente a ato administrativo, contrato público tando-se na possibilidade de opção às partes dos
ou emissão de um regulamento, mas se refere feitos suspensos de prosseguirem com seus proces-
também às atividades administrativas relaciona- sos, logo depois de serem notificadas da decisão
das à atividade prestacional, atuação material, proferida nos processos selecionados. Esclarece
inatividade ou omissão da Administração. que a possibilidade de alteração do entendimento
A extensão dos efeitos da sentença na jurisdi- será dificultada, uma vez que a decisão foi resul-
ção administrativa a quem não for parte no pro- tante de julgados proferidos por todos os juízes do
cesso encontra-se prevista no art. 110 da Lei 29, Tribunal ou da Seção. Todavia, nada obsta que,
de 13 de julho de 1998. nesses processos novos, argumentos de fatos ou de
Os requisitos para que ocorra a extensão são direito possam revelar-se decisivos para a altera-
os seguintes: que todos os interessados se en- ção do posicionamento dos juízes ou, até mesmo,
contrem em idêntica situação jurídica que a dos que uma alteração na composição do Tribunal por
favorecidos pela omissão; que o juiz ou tribunal movimentação dos seus juízes venha alterar o pre-
sentenciante seja também competente, por razão cedente jurisprudencial (BRITO, 2008).
de território, para conhecer das pretensões de
reconhecimento de situação individualizada; que 8 Perspectiva de lege ferenda
a extensão dos efeitos da sentença seja solicitada
Encontra-se em andamento, no Brasil, a alte-
no prazo de um ano da última notificação a quem
ração do Código de Processo Civil, o chamado
for parte no processo. Na hipótese da existência
“Projeto de Lei do Senado 166, de 2010 (Projeto
de recurso, esse prazo será contado desde a últi-
Lei 8.046/2010)- Novo Código de Processo Civil”.
ma notificação que colocou fim ao processo (Lei
Há previsão expressa do Incidente de Resolução
29/1998, art. 110. 1)
de Demandas Repetitivas, tema que tem sido am-
Os dispositivos transcritos possuem estreita
plamente debatido pelos juristas e foi objeto de
ligação com o fenômeno dos processos repetiti-
exposição pelo Ministro João Otávio de Noronha
vos, pois estabelecem a extensão da coisa julga-
neste Seminário.
da a terceiros que não participaram da relação
A maior crítica que faço ao incidente está atre-
jurídica processual originária, quando presentes
lada ao que nos propomos a chamar de “desvios
pressupostos específicos. A extensão, todavia, só
de origem”, pois ele incorre no mesmo equívoco
é possível em duas hipóteses: direito tributário e
de não diferenciar relações de direito público e
matérias relacionadas a servidores públicos.
de direito privado, não me parecendo que diante
A reforma espanhola também veio a regular de
disso possa alcançar os objetivos traçados na re-
modo especial a situação dos processos em massa
forma, consubstanciado na observância aos prin-
a partir do chamado “processo modelo”, estabele-
cípios da isonomia, razoável duração do processo
cendo, nos arts. 37 e 111 da Ley 29, de 13 de julho
e tutela judicial efetiva.
de 1998, que, estando pendente no mesmo órgão
Interessante substitutivo ao projeto de Lei do
judicial uma pluralidade de recursos com objetos
Senado n. 166/2010 foi apresentado por diretores
idênticos, pode o Tribunal, em vez de apensar todos
do Instituto Brasileiro de Direito Processual11.
eles, decidir pelo andamento de um ou vários, com a
suspensão da marcha dos demais até a decisão final.
Na doutrina espanhola, algumas vozes se le- 11 Em 1º de setembro de 2011, foi redigido por Ada
vantaram para criticar a inovação legislativa no Pellegrini Grinover, Carlos Alberto Carmona, Cássio
sentido de que a solução implantada supõe uma Scarpinella Bueno e Paulo Henrique dos Santos Lucon
um substitutivo proposto a partir do Projeto de Lei
vulneração ao direito da tutela judicial efetiva,
aprovado pelo Senado Federal, o PLS n. 166/2010,
principalmente porque limita o direito de defe- que acompanha, artigo por artigo, a forma com a
sa, além de as partes dos processos suspensos se qual aquele Projeto chegou à Câmara dos Deputados,
transformando-se no PL n. 8.046/2010. Disponível em:
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
64

O primeiro deles diz respeito à eliminação de to- do interesse da coletividade destinatária daquele com-
das as prerrogativas da Fazenda Pública, inclusive portamento e, portanto, a solução deverá advir de uma
o reexame necessário. Sem dúvida, o disposto no decisão administrativa, única de efeitos erga omnes
art. 475 do CPC é um dos principais “gatilhos” para (art. 5º). Reflexo desta norma são os acordos judiciais
o aumento do número de demandas nos tribunais, que envolvam normas administrativas ou atuações de
pois determina a remessa necessária de todos os alcance geral, atingindo necessariamente todos aqueles
processos nas situações genericamente contidas no que se encontrarem na mesma situação fática, ainda
dispositivo legal. A sua eliminação viria em boa hora que desses acordos não tenham participado.
para diminuir o fenômeno das demandas de massa. Com o propósito de minimizar os feitos repetiti-
O segundo ponto é a proposição da suspensão vos, estão previstos, ainda, a possibilidade de sen-
de processos individuais na concomitância de pro- tença que determina o desfazimento de normas ou
cesso coletivo. A proposta quer deixar mais claras as atos de caráter geral (art. 57), o incidente de cole-
consequências derivadas da concomitância de pro- tivização no caso de controle jurisdicional de polí-
cessos individuais e coletivos e merece ser tratada, ticas públicas (art. 25) e o processo piloto (art. 35).
porque dos processos individuais se trata no âmbito Finalmente, quanto aos efeitos da sentença,
do Código de Processo Civil. Essa questão tem ator- são resguardados os efeitos coletivos da anulação
mentado os tribunais, que, por vezes, suspendem os de um ato administrativo, como forma de impedir
processos individuais e por outras julgam uma ação que pessoas em situação idêntica tenham tratamen-
individual, estendendo a decisão aos demais proces- to diferenciado pelo Poder Judiciário12.
sos (Exposição de Motivos do Substitutivo, p. 5).
Vale transcrever, por último, a proposta do 9 Conclusão
Código Modelo de Processos Administrativos-
É urgente repensar o sistema judiciário fede-
Judiciais e Extrajudiciais para a Ibero-América,
ral numa perspectiva diferenciada, a partir do
aprovado pela Assembleia Geral do Instituto
diagnóstico preciso de um problema comprova-
Ibero-americano de Direito Processual, no dia
do empiricamente: o nexo causal entre ações e
8 de junho de 2012, em Buenos Aires, em que
omissões da Administração Pública e as deman-
participaram representantes de 22 países, dentre
das repetitivas e a ausência de um direito proces-
eles o Brasil, México, Espanha, EUA, Argentina,
sual para a solução ou diminuição do fenômeno.
Guatemala, entre outros.
Observa-se que a grande maioria dos pro-
Adota a expressão “processo” como gênero,
cessos que têm pedidos direcionados ao Poder
referindo-se ao processo administrativo extra-
Público pode ser visualizada como um fenô-
judicial como equivalente ao procedimento ad-
meno coletivo. É da natureza da atuação da
ministrativo em contraditório e, no Título II, ao
Administração Pública praticar atos administra-
processo administrativo jurisdicional.
tivos em massa que envolvem a aplicação de
Consta da Exposição de Motivos do Código
um mesmo dispositivo a um amplo universo de
Modelo, logo nos seus primeiros artigos, uma aten-
pessoas. Nesse campo, quando há controvérsias
ção especial para um dos maiores desafios do direito
a respeito da legalidade do ato, multiplicam-se
administrativo: a falta de uniformidade das decisões
os litígios, originando um fenômeno de proces-
em relação a interessados na mesma situa­ção fáti-
sos idênticos, que tende a abarrotar os tribunais.
ca, com potencial de abalar a segurança jurídica. A
Aqui reside o grande problema, pois não se
isonomia a que está vinculada a questão de fundo de
trata de um conflito entre particulares, e sim de
uma pretensão individual estiver relacionada com os
um litígio entre o Poder Público e o cidadão.
efeitos jurídicos de um comportamento administrativo
Acrescentem-se a isso recentes pesquisas do CNJ,
de alcance geral, o desfecho do conflito passará a ser

<http://.direitoprocessual.org.br/fileManager/substitu- 12 Disponível no sítio: <http:// www.nupej.uff.br>.


tivo_1.pdf>. Acesso em: 16 nov. 2011. Acesso em: 10 abr. 2013.
série
Cadernos
do CEJ 65

como Ranking dos 100 Maiores Litigante do cial desagregador desta situação patrocinada pelo
País, demonstrando que, muito embora existam sistema é assustador, pois a isonomia é um valor
milhares de conflitos privados, é inquestionável fundamental do ser humano e sua inobservância
que o Estado é o maior litigante, comparecendo, agride a confiança no próprio Estado de Direito.
em razão disso, em grande número de demandas Além disso, a multiplicidade de litígios é, sem
judiciais caracterizadas pela repetição. Com essas dúvida, uma causa da lentidão da Justiça. Não
considerações, podemos apontar como exemplo possuímos um direito processual diferenciado para
de demandas que se repetem aquelas de natureza as demandas de direito público e continuamos jul-
previdenciária em que se discute a aplicação de gando os processos sob a ótica do direito privado.
dispositivo legal, tributárias, bem como matérias Constata-se que mesmo uma causa com caracte-
afetas ao direito administrativo, em especial rela- rísticas multissubjetivas tem tratamento individua­
cionadas a servidores e a concursos públicos. lizado pelo sistema processual. Lado outro, as
As consequências para a atuação jurisdicional ações coletivas não têm solucionado o problema.
são extremamente graves. Todo o excesso acaba Ademais, a matéria tem caráter complexo,
prejudicando o resultado final. Os juízes, mesmo pois atinge todo o sistema judiciário e está in-
trabalhando com eficiência na gestão de acervos terligada a várias questões econômicas e sociais.
processuais, têm resultados desanimadores a lon- Estas dificuldades suprajurídicas, entetanto, não
go prazo. A qualquer momento pode surgir um podem refrear um debate conjunto com vistas à
novo fenômeno de massa que inundará a vara de melhora do cenário atual.
processos. Acrescente-se a isso as interferências Este tema de discussão, considerando sua
relacionadas ao tempo, que, pela própria natu- complexidade e urgência, exige um debate
reza, traduzem-se em limitação, impedindo que plural. Assim, o CEJ e Esmaf, representados
o magistrado possa se debruçar, com maior pro- pelo Ministro João Otávio de Noronha e pelo
fundidade, nas causas complexas e que possuem Desembargador Federal José Amilcar, capitanea-
características individualizadas. ram o Seminário Demandas Repetitivas: possíveis
Existem ilhas de excelência, sem sombra de soluções processuais e gerenciais como uma for-
dúvida, mas a sensação coletiva é a de que o ma de buscar um tratamento consensual e coor-
sistema judicial, como um todo, não está funcio- denado do problema sob óticas diversas. Abre-se,
nando bem. Nesse ponto, as pesquisas realizadas assim, o caminho para a criação de um fórum
pelo CNJ trazem elementos estatísticos importan- permanente de discussões a respeito do tema.
tes como, por exemplo, a constatação de que a Não há como o Poder Judiciário, sozinho, so-
média da taxa de congestionamento nos tribunais lucionar o fenômeno das demandas de massa.
federais alcança o percentual de 70%. Além da ausência do direito processual diferen-
Acrescente-se, ainda, uma explosão da procu- ciado, o fenômeno tem sua origem em diversas
ra judiciária pelos cidadãos, que exigem a adoção searas. É necessário um enfrentamento conjunto,
de medidas para atender a agilidade processu- com alterações processuais, gerenciais e até mes-
al com observância do devido processo legal. mo, porque não dizer, culturais. A manutenção
Entretanto, a tutela jurisdicional não tem satis- do sistema como se encontra não favorece nin-
feito a sociedade como um todo. guém, se traduz em excesso de trabalho, prejuízo
Com efeito, o fenômeno das ações repetitivas ao erário e insatisfação dos cidadãos.
agride, em primeiro lugar, o princípio da isono- Há soluções possíveis? Claro que sim, e elas
mia, pois cidadãos em situação idêntica de fato e partem do estreitamento dos laços de coopera-
de direito acabam tendo tratamento diferenciado ção jurídica entre o Poder Judiciário Federal, a
pelo próprio Judiciário. Os instrumentos de uni- Advocacia Pública, o Ministério Público e a OAB,
formização existentes ainda não conseguiram im- tendo como objetivo principal a efetivação dos
pedir este fenômeno, pois só são alcançados após princípios constitucionais do Estado democrático
muitos anos de litigância pelos tribunais. O poten- de Direito. Pode-se examinar institutos jurídicos de
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
66

direito comparado (há vários países que possuem 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1996.
normas processuais específicas para essa situação) CAIS, Cleide Previtalli. O processo tributário. 6. ed. São
e contextualizar o fenômeno das demandas de mas- Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria
sa a partir da sua origem. Além disso, sensibilizar da Constituição. 2. ed. Coimbra: Editora Almedina, 1998.
os magistrados federais e a Administração Pública CUNHA, Leonardo José Carneiro da. O regime processu-
a fim de que possam, tanto quanto possível, con- al das causas repetitivas. Revista de Processo. São Paulo:
sideradas as respectivas peculiaridades, utilizar a Revista dos Tribunais, 2010, p. 141-174.
troca de boas práticas. Finalmente, propor a cria- GARAY, Alberto F. La igualdad ante la ley: decisiones ad-
ção de um fórum permanente de debates a respeito ministrativas contradictorias, decisiones judiciales contra-
dictoria, desigualdad procesal. Buenos Aires: Lexis, 1989.
do tema para que o Judiciário possa exercer com GONZÁLEZ PÉREZ. In: GONZÁLES PÉREZ, Jesús;
legitimidade a sua função de harmonização social. CASSAGNE, Juan Carlos. La justicia administrativa en
Ibero-américa. Buenos Aires: Lexis, 2005.
10 Agradecimentos GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito Processual Coletivo. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; MENDES, Aluisio Gonçalves de
Ao finalizar este texto quero consignar meus Castro; WATANABE, Kazuo ( Orgs.). Direito processual cole-
agradecimentos ao Ministro João Otávio de tivo e o anteprojeto de código brasileiro de processos coletivos.
Noronha pelas suas inúmeras realizações objeti- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, v.1, p. 11-15.
vando a eficiência da Justiça Federal. MAURER, Hartmut. Elementos do direito administrati-
vo alemão. Tradução de Luis Afonso Heck. Porto Alegre:
Também quero deixar um especial agradeci-
Sérgio Antonio Fabril Editor, 2001.
mento a todos os servidores do Centro de Estudos MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. O anteprojeto do
Judiciários que foram incansáveis na execução dos Código Brasileiro de Processos Coletivos: visão geral e pon-
trabalhos necessários para materialização deste tos sensíveis. In: GRINOVER, Ada Pellegrine; MENDES,
evento, o que o faço em nome de três valorosas ser- Aluisio Gonçalves de Castro; WATANABE, Kazuo ( Orgs.).
vidoras: Maria Raimunda Mendes da Veiga, Maria Direito processual coletivo e o anteprojeto de código brasi-
leiro de processos coletivos. São Paulo: Editora Revista dos
das Graças Baldez e Nêmora Corrêa de Freitas.
Tribunais, 2007, v.1,
E, finalmente, um muito obrigada a todos que MORAES, Vânila Cardoso André de. Demandas repetiti-
aqui estiveram presentes e se uniram em busca da vas decorrentes de ações ou omissões da administração
realização de um ideal consubstanciado na real pública: hipóteses de soluções e a necessidade de um di-
efetividade da atividade jurisdicional federal.” reito processual público fundamentado na Constituição.
Brasília: CJF, 2012. Disponível integralmente no portal do
Referências Conselho da Justiça Federal: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/
index.php/mono>. Acesso em: 10 abr. 2013.
ALMEIDA, Mário Aroso de; CADILHA, Carlos Alberto PORTÁLES, Leticia Fontestad. La jurisdicción contencioso-
Fernandes. Comentários ao código de processo nos tri- -administrativa en España. Revista CEJ. Brasília: CEJ, n.
bunais administrativos e fiscais. 2. ed. Coimbra: Editora 34, jul./set. 2006, p. 62-72.
Almedina, 2007. PERLINGEIRO, Ricardo. A execução no Código Modelo
ARAÚJO, José Henrique Mouta. A verticalização das de- de Processo Coletivo para a Ibero-América e as causas de
cisões do STF como instrumento de diminuição do tem- interesse público. Revista Forense. Rio de Janeiro: Editora
po do processo: uma reengenharia necessária. Revista de Revista Forense, nov-dez. 2005, p. 199-205.
Processo, São Paulo, v. 33, n. 164, p. 342-359, out. 2008. REZENDE, Guilherme Julien de. Há contencioso admi-
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. nistrativo no Brasil? Uma análise comparativa com a jus-
1.151.363-MG. Partes não informadas. Relator Ministro tiça administrativa portuguesa. In: PEREIRA DA SILVA,
Jorge Mussi. Diário Justiça Eletrônico. Poder Legislativo, Vasco; SARLET, Ingo Wolfgang (Coords.). Direito Público
21 de junho de 2010. Disponível em: < http://www.stj.jus. sem Fronteiras. Lisboa: Alameda da Universidade de
bf>. Acesso em: 10 jan. 2011. Lisboa, jun.2011, p. 646-647
BRITO, Wladimir. Lições de direito processual administra- (produzido no Instituto de Ciências Políticas e Jurídicas).
tivo. 2. ed. Braga: Coimbra Editora. SILVA, Ivanoska Maria Esperia da Silva. O direito à ra-
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito zoável duração do processo: uma emergência processual.
administrativo. 20. ed., ampliada e atualizada. São Paulo: Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Editora
Lúmen Juris Editora, 2008. Dialética, set. 2008, p. 33-42.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário.
Demandas Repetitivas
na Jurisdição Administrativa Alemã
Tradução (do espanhol):
Dra. Vânila Cardoso André Moraes


A. Procedimentos e demandas
repetitivas no direito administrativo
e no direito do contencioso
Prof. Hermann-Josef Blanke* administrativo alemão
Catedrático de Direito público e internacional pú-
blico na Universidade de Erfurt, Alemanha O ordenamento jurídico alemão contém
distintas disposições que viabilizam, para a
Administração Pública ou para os tribunais ad-
ministrativos, o manejo efetivo e econômico da
“massificação” de procedimentos administrativos
e de processos judiciais. Tais regulações referem-
-se, em seus núcleos, a uma quantia de “petições
padronizadas” dentro de um procedimento admi-
nistrativo (arts. 17 e 18 da Lei de Procedimento
Administrativo – VwVfG) ou a uma quantia de
processos judiciais relacionados a “uma medi-
da administrativa” idêntica (art. 93a, inc. 1, do
Código Alemão de Jurisdição Administrativa
– VwGO; art. 113ª, inc. 1, da Lei de Jurisdição
Social – SGG), centrando, formalmente, o pro-
cedimento administrativo em um representante
de todos os signatários (sub III.) ou atrelando os
vários processos judiciais contra uma idêntica
medida administrativa a um caso modelo (sub II.).
Porém, somente no princípio dos anos 90 o
legislador alemão se deu conta da lacuna nor-
mativa que existia no Código de Jurisdição
* Hermann-Josef Blanke consigna agradecimentos Administrativa, relacionado ao fenômeno das
ao seu assistente Daniel Esche, pelo auxílio na pre-
demandas repetitivas, e tentou remediar este dé-
paração deste artigo.
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
68

ficit a partir da introdução do art. 93a do VwGO, No âmbito do procedimento de controle


o qual, por sua vez, é codificação de um direito de um projeto 2 decorrente da construção ou
de criação judicial. Entretanto, esta legislação ampliação de aeroportos, a quantidade de
não faz dissimular que as demandas coletivas reclamações interpostas contra a resolução
encontram, até hoje, uma resistência estrutural pertinente a referido controle converteu-se
na Alemanha. em um problema para os tribunais adminis-
trativos alemães 3 . Tal dimensão quantitativa
I. Origem e evolução: A construção do ocorreu quando foram interpostas 5.724 re-
aeroporto de Munique “Franz Josef clamações perante o Tribunal Administrativo
Strauss” via ampliação do aeroporto de de Munique (“Verwaltungsgericht München”)
Berlin-Schönefeld até a ampliação do contra a resolução sobre o controle do projeto
“aeroporto de Frankfurt” da construção do aeroporto internacional de
Munique. Para superar esta inundação com de-
“Procedimentos repetitivos” (“Masseverfahren”),
mandas repetitivas, o Tribunal Administrativo
ou “demandas repetitivas”, os quais significam pro-
de Munique selecionou, entre todas as deman-
cedimentos ou processos em que um grande núme-
das apresentadas, somente trinta com carac-
ro de administrados ou recorrentes alega objeções
terísticas de “casos modelos”, e suspendeu as
ou reclamações relacionadas a um projeto técnico
restantes até que estes casos fossem julgados.
de grande envergadura (“processo em massa”), são
No debate doutrinário que sucedeu sobre as
um fenômeno ao qual as autoridades administrati-
modalidades de trâmite das demandas repeti-
vas e os tribunais administrativos alemães se dedi-
tivas que o Tribunal Administrativo adotou, le-
caram em várias situações.
vantaram-se vozes que aprovaram tal solução,
Em uma primeira etapa, a Administração Pública
uma vez que esta forma de processamento de
da República Federal da Alemanha foi ativada pelos
numerosas demandas relacionadas a uma mes-
desafios desse fenômeno em relação à autorização
ma medida administrativa era realizável. Caso
de construção de centrais nucleares. Especialmente
contrário, a quantidade de demandas resultan-
nos anos de 1960, 1970 e no início dos anos 1980, as
autoridades administrativas competentes viram-se
confrontadas com objeções massivas dirigidas con- 2 O tipo básico do instituto de “procedimento de um
controle de um projeto” está regulado nos arts. 72
tra estes projetos por um grande número de cida-
e ss. da Lei Alemã de Procedimento Administrativo.
dãos, empresas, organizações, especialmente para a O procedimento de controle tem o efeito particular
conservação da natureza, e de grupos de interesses1. que substitui todas as demais concessões, permis-
sões e autorizações requeridas quanto a um pro-
jeto fundamentado em outras leis de direito públi-
1 SCHMEL, Walter Ch. (Massenverfahren
co. Este tipo básico corporificado na Lei Alemã de
vor den Verwaltungsbehörden und den
Procedimento Administrativo é concretizado nas
Verwaltungsgerichten. Darstellung des Problems
leis especiais sobre a planificação e construção de
und Überprüfung der besonderen Regelungen zur
projetos técnicos, como por exemplo, na lei alemã
Behandlung und Bewältigung, 1982, p. 19) refere-
sobre energia nuclear (art. 96b) e na lei sobre trá-
-se com respeito aos centros nucleares Breisig, em
fego aéreo (arts. 8 e ss.).
torno de 16.000 objeções, Lingen II, aproximada-
mente 25.000 objeções, Biblis (Block 3,) a existência 3 Schmel (Idem) refere-se ao aeroporto Bielefeld-
de 55.000 objeções, Breisach, em torno de 64.000 Nagelholz, em que foram apresentadas em torno de
objeções, Brokdorf, em torno de 75.000 e, quanto 14.000 objeções, Hamburg-Kaltenkirchen, aproxi-
ao centro nuclear Wyhl, em torno de 100.000 ob- madamente 15.000 objeções e em relação a extensão
jeções apresentadas à Administração Pública, todas do aeroporto de Düsseldorf, em torno de 30.000 obje-
relacionadas ao procedimento de controle destes ções, fundamentadas no procedimento de controle de
projetos. Objeções nesta fase do procedimento não projetos correspondentes. Em decorrência da cons-
equivalem a um recurso perante os tribunais admi- trução do aeroporto de Hamburg-Kaltenkirchen,
nistrativos, mas podem determinar uma decisão da foram apresentados 1.331 recursos dos particulares
Administração Pública. perante os tribunais alemães.
série
Cadernos
do CEJ 69

tes de um mesmo ato administrativo poderia as 5h – pelo resultado de uma medição – consti-
causar a paralisação da jurisdição administra- tuíram forte predeterminação do procedimento
tiva 4 . de autorização para ampliação deste aeroporto8.
Outros autores, sem embargo, discordaram Como consequência da decisão, os afetados pe-
desta solução, ao argumento de que o Tribunal los movimentos aeronáuticos noturnos, dentro de
Administrativo de Munique havia violado a ga- um procedimento complementar de planejamen-
rantia da tutela judicial efetiva (art. 19, inc. 4º, da to, fizeram valer a petição política que proibia
Lei Fundamental − LF) e o princípio da igualda- completamente os voos noturnos no aeroporto
de perante a lei (art. 3º da LF); em qualquer caso, de Frankfurt.
segundo alegavam os críticos, a criação judicial Já em 2008, o Tribunal Administrativo Federal
deste instrumento de seleção de alguns “casos teve de se pronunciar sobre as objeções que
modelos” pelo juiz não era justificável devido à haviam sido levantadas por aproximadamente
ausência de uma base normativa no Código de 4.000 pessoas desde 2004, relativas à resolu-
Jurisdição Administrativa 5. A aproximação feita ção sobre o controle do projeto de ampliação
pelo Tribunal Administrativo de Munique foi, sem do aeroporto de Berlìn-Schönefeld, aprovada
embargo, reconhecida como constitucional pelo pelo Ministério de Infraestrutura e Agricultura
Tribunal Constitucional Federal (TCF), o que aju- de Brandenburgo. Com fundamento no recurso
dou a clarear a situação jurídica 6. Para sancionar de cassação, o Tribunal Federal Administrativo
tal prática judicial, o legislador alemão introdu- agrupou as demandas em 60 casos modelos. Os
ziu, em 1991, o art. 93ª, do VwGO7. recorrentes pleitearam a anulação da resolução
Nos anos de 2008 e 2012, o Tribunal sobre o controle da ampliação deste aeroporto.
Administrativo Federal (Leipzig) reconheceu o Os processos modelos não resultaram em uma
âmbito do “processo modelo” como instância de anulação completa da resolução; parcialmente
cassação dos recursos que numerosos deman- exitosos foram, sem embargo, os recorrentes que
dantes haviam ajuizado, todos relacionados à pleitearam melhorar o conceito da proteção dos
resolução sobre o controle do planejamento da vizinhos contra o ruído dos aviões9.
contrução do aeroporto de Berlin-Schönefeld
(2004/2008), bem como a ampliação do aero- II. A codificação do instituto do
porto de Frankfurt (2009/2012). O tribunal de “processo modelo” no Código alemão
Leipzig verificou, em um total de oito processos de Jurisdição Administrativa e na Lei
modelos, apresentados por algumas cidades, in- de Jurisdição Social
divíduos e empresas, assim como por um hospital
Na realidade, com fundamento na codifica-
municipal, todos situados na área do aeroporto
ção do art. 93a do VwGO, o legislador somen-
de Frankfurt, que as decisões da primeira e da
te sancionou a prática que havia introduzido o
segunda instância que haviam julgado a fixação
Tribunal Administrativo de Munique quanto ao
de 17 movimentos aeronáuticos entre as 23h e
trâmite das demandas repetitivas relacionadas
ao planejamento do aeroporto de Munique. A
4 HENLE, Victor, „Die Masse im Massenverfahren – decisão política de introduzir o processo modelo
Dargestellt am Beispiel des Planfeststellungsverfahrens
für den Flughafen München“, Bayerische
Verwaltungsblätter 1981, p. 1 (10). 8 BVerwG, Urteil v. 04.04.2012 – 4 C 8/09, 4 C 9/09,
4 C 1/10, 4 C 2/10, 4 C 3/10, 4 C 4/10, 4 C 5/10, 4 C
5 SAILER, Christian, „Gegenwartsprobleme
6/10, 4 C 9/09, 4 C 1/10, 4 C 2/10, 4 C 3/10, 4 C 4/10,
der Verwaltungsgerichtsbarkeit“, Bayerische
4 C 5/10, 4 C 6/10; http://www.bverwg.de/entschei-
Verwaltungsblätter 1980, p. 272 (273).
dungen/pdf/040412U4C8.09.0.pdf
6 BVerfGE 54, p. 39 = Neue Juristische Wochenschrift
9 BVerwG 4 A 1009.07 (4 A 1014.04, 4 A 1010.05, 4
1980, p. 1511.
A 1023.06) v. 7.8.2008; http://www.bverwg.de/ents-
7 Vgl. Deutscher Bundestag, impresso 11/7030, p. 7 s., 28. cheidungen/pdf/070508B4A1009.07.0.pdf.
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
70

foi alimentada pelo desejo de otimizar o regime No âmbito do direito civil, o legislador federal
do Código de Jurisdição Administrativa no âm- tem adotado, em relação às milhares de deman-
bito dos processo em massa e, assim, resolver o das contra a Telekom alemã, uma lei que regu-
aumento do número de processos pendentes nos la os casos modelos no âmbito das informações
tribunais administrativos10. erradas, enganosas ou omitidas sobre o merca-
Isso sugere que as disposições, até então exis- do de capitais. Sem embargo, contrariamente à
tentes, eram consideradas insuficientes, o que denominação da lei reguladora, não se trata de
acarretou a introdução do art. 93a do VwGO 11. um “processo modelo”, e sim de um tipo de class
Essas regras perseguem a “resolução rápida e fo- action, visto que a decisão judicial relacionada a
cada das demandas repetitivas”. uma demanda de reparação de danos e prejuízos
Em 2008, tal norma foi implementada também que resultem de informações erradas, enganosas
no art. 114a do Código de Jurisdição Social (SGG). ou omitidas, ou de uma demanda de cumprimen-
O art. 114a do Código mencionado corresponde, to de uma reinvidicação neste âmbito, tem efeitos
quase que literalmente, ao disposto no art. 93a do jurídicos vinculantes para todos os terceiros inte-
VwGO. Da mesma forma que a norma da Jurisdição ressados (os integrantes de uma class)14.
Administrativa, esta disposição da Jurisdição Social Por conseguinte, o art. 22 da “Lei sobre um
procura facilitar aos tribunais o processamento das Processo Modelo no âmbito do contencioso rela-
demandas repetitivas, unificando os diversos có- cionado ao mercado de capitais” (2012) dispõe,
digos do contencioso12. Em ambos os regimes foi quanto a esse efeito de concentração, que a deci-
imposto o conhecimento do legislador, inspirado são judicial em qualidade de modelo vincula… aos
na prática judicial, de que somente a interconexão tribunais como a todos o processos suspensos15. Por
das demandas de um grande número de partes in- ocasião da emenda dessa lei, que remonta – em
teressadas, no momento da defesa de suas posições sua primeira versão – ao ano de 2005, o governo
jurídicas, garante a realização, pelo Estado, de uma federal alemão apontou, em 2011, que a ação de-
tutela judicial efetiva e um controle minucioso dos claratória na class action em questão é um instru-
direitos dos administrados13 . mento adequado para fazer frente as ações em mas-
sa no âmbito do direto sobre o mercado de capitais16.
10 Ver Deutscher Bundestag, impresso 11 /7030 v.
III. A regulação da Lei alemã de
27.04.90; KOPP, Ferdinand, Änderungen der
Verwaltungsgerichtsordnung zum 1.1.1991, Neue Procedimento Administrativo
Juristische Wochenschrift 1991, p. 521 (523 s.), que, sobre “procedimentos repetitivos”
há mais de vinte anos atrás, colocou a efetividade (arts. 17 e 18 da VwVfG)
destas disposições em dúvida.
11 SAILER, Christian, Gegenwartsprobleme der
Verwaltungsgerichtsbarkeit“, Bayerische
notas 3, 7.
Verwaltungsblätter 1980, p. 272 (273); HENLE,
Victor, „Die Masse im Massenverfahren – Dargestellt 14 Compárese WOLF, Christian – LANGE,
am Beispiel des Planfeststellungsverfahrens für den Sonja, „Wie neu ist das neue Kapitalanleger-
Flughafen München“, Bayerische Verwaltungsblätter Musterverfahrensgesetz?“, Neue Juristische
1981, p. 1 (10), entende que, sem existir o instituto do Wochenschrift 2012, p. 3751.
processo modelo para os processos em massa, como
15 Boletim oficial da República Federal da Alemanha
é o da construção do aeroporto de Munique II, não
I 2012, p. 2182; a vigência desta Lei está limitada
seriam mais manejáveis, o que poderia causar uma
até 1.11.2020. Ver com respeito às modificações
paralização da administração da justiça.
desta emenda WARDENBACH, Frank, „KapMuG
12 Ver BR-Drs 820/07 (impresso) p. 26. 2012 versus KapMuG 2005: Die wichtigsten
Änderungen aus Sicht der Praxis“, Gesellschafts-
13 RUDISILE, Richard. In: SCHOCH, Friedrich –
und Wirtschaftsrecht 2013, p. 35 ss.
SCHNEIDER, Jens-Peter – BIER, Wolfgang (co-
ord.), Verwaltungsgerichtsordnung – Kommentar, 16 Ver: http://www.bmj.de/SharedDocs/Downloads/DE/
C. H. Beck, München, 19a fascículo, 2009, § 93a pdfs/RefE_KapMuG.pdf?__blob=publicationFile
série
Cadernos
do CEJ 71

Ao menos um exemplo de como manejar “nu- de “procedimentos”, o legislador alemão tem fixa-
merosos procedimentos” (“procedimentos admi- do, tanto na Lei de Procedimento Administrativo,
nistrativos repetitivos”) perante a Administração quanto em algunas leis especiais, um coeficiente
Pública já havia sido incorporado em várias disposi- de 50 procedimentos. Mais de cinquenta proce-
ções da Lei alemã de Procedimento Administrativo dimentos que se erradicam “de forma idêntica”
de 1978, isto é, muito tempo antes da ocorrência em uma única decisão administrativa são consi-
das demandas repetitivas ajuizadas perante os tri- derados, pois, como “procedimentos repetitivos
bunais. Muitas destas disposições referem-se ao autênticos”.
acesso aos expedientes, à notificação de atos ad-
ministrativos e resoluções administrativas. IV. Definição, objetivo e alcance das
O art. 17 da Lei de Procedimento demandas repetitivas no ordenamento
Administrativo regula as solicitações e petições alemão
que levam a assinatura de mais de cinquenta pes-
O ordenamento alemão define demandas
soas em lista de assinaturas ou se apresentam
repetitivas como aquelas que se referem a uma
reproduzidas textos em forma idêntica (petições
mesma medida da Administração Pública, sig-
uniformes; “petições padronizadas”). Por isto, tal
nifica dizer, a um ato ou uma resolução que é
disposição é parte das disposições da Lei alemã
inteiramente idêntica em relação a todos os desti-
de Procedimento Administrativo sobre “procedi-
natários18. Por isso, não é suficiente que uma série
mentos repetitivos”.
de decisões da Administração Pública imponha
Solicitações e petições no sentido do art. 17
uma mesma consequência jurídica quanto a um
da VwVfG são todos aqueles pleitos dos admi-
conjunto de fatos que é nada mais do que simi-
nistrados, os quais fazem valer um direito ma-
lar. Medidas administrativas que não são idênti-
terial ou formal de um administrado dentro de
cas, trazendo somente a mesma consequência
um procedimento administrativo17. Com respeito
jurídica, são denominadas “demandas pseudo-
a estas petições uniformes, o art. 17 da VwVfG
-repetitivas”.
dispõe: Havendo, no procedimento administrativo,
O instituto processual do “processo modelo”
solicitações e petições com a assinatura de mais de
persegue, enfim, que uma quantia de medidas
cinquenta pessoas em lista, ou textos reproduzidos
idênticas possa tramitar de forma eficaz, ser pro-
de forma idêntica (petições padronizadas), será
cessada e levada a cabo pelos juízes, mesmo que
considerado como representante de todos os signa-
haja uma falta de cooperação dos demandantes,
tários, para o procedimento administrativo, aquele
os quais inundam os tribunais competentes com
que estiver designado como tal, com seu nome, pro-
uma quantia de demandas e, ainda, tentam mais
fissão e endereço, caso os signatários não o tenham
atrasar do que estimular os processos iniciados. A
indicado como mandatário. Somente uma pessoa
regulamentação sobre as demandas repetitivas é
física pode ser representante.
aplicada a todas as instâncias, isto é, nos tribunais
Por conseguinte, em um procedimento repeti-
administrativos de primeira instância, na apela-
tivo, as partes estão representadas por um repre-
ção e na cassação.
sentante ou por um mandatário. No interesse do
Até o momento, ambas as disposições (art. 93a
“adequado desenvolvimento do procedimento
do VwGO e 114a do SGG) têm pouca relevância
administrativo”, o art. 18 da mesma lei ainda obri-
ga às partes do procedimento designarem “um
representante comum”. Com respeito à definição 18 Distinto é o conceito do art. 93 do VwGO – acumulação
e separação de processos – que requer a “identidade
do objeto” e não a identidade da medida. Comparar
17 BONK, Heinz J.; SCHMITZ, Heribert. In: STELKENS, com: RUDISILE, Richard. In: SCHOCH, Friedrich –
Paul; BONK, Heinz J.; SACHS, Michael (coord.). SCHNEIDER, Jens-Peter – BIER, Wolfgang (Coord.).
Verwaltungsverfahrensgesetz – Kommentar, C. H. Verwaltungsgerichtsordnung – Kommentar, C. H.
Beck, München. 7. ed. 2008, § 17 nota 14. Beck, München, 24a fascículo, 2012, § 93 nota 9.
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
72

na prática judicial alemã19. Durante muito tempo de hipóteses que se assemelham sem serem idên-
não havia jurisprudência no âmbito do art. 93a ticas, cada demandante requer um tratamento
do VwGO e, quando os tribunais alemães final- estritamente “singular”, ou seja, não “repetitivo”.
mente aplicaram o dispositivo, os casos foram O instituto do “processo modelo” não se apli-
escassos. A tutela judical por meio das deman- ca a estes casos. Procedimentos administrativos
das coletivas (sub v. 2) é um terreno difícil na ou demandas repetitivas autênticas são, pois,
Alemanha. A constatação de B. Hess, em 2003, muito escassos no âmbito do direito social da
de que as demandas coletivas na Alemanha en- República alemã. Entretanto, frequentemente,
contram uma resistência estrutural20 parece ainda um grande número de beneficiários de subsídios
longe de estar obsoleta21. sociais interpõe recursos administrativos prévios
Diferentemente do art. 93a do VwGO, o le- e postulações repetitivas perante as autoridades
gislador considera o efeito da norma do art. 114 administrativas, as quais outorgam as prestações
da Lei da Jurisdição Social como de aplicação sociais. Estes recursos prévios se referem, po-
restrita 22. Isso porque demandas autênticas, ou rém, a atos similares, e não idênticos. Assim, por
seja, a impugnação de uma medida administrati- exemplo, uma quantia de milhões de correntis-
va idêntica só ocorre escassamente na jurisdição tas alemães recorreram, no ano de 2000, contra
social alemã23. O excesso de demandas relaciona- um aumento das pensões que o legislador fixou
das ao direito social tramitando na Administração somente em função de um mero ajuste da infla-
Pública e nos tribunais resulta no fato de que nu- ção (“zerando”). No ano de 2005, mais de um
merosas medidas que as autoridades administra- milhão de beneficiários recorreram à via admi-
tivas adotam, mais ou menos ao mesmo tempo, nistrativa para a concessão de um aumento das
determinam uma consequência jurídica com res- pensões, em decorrência da implementação de
peito a uma hipótese similar, porém não idênti- uma contribuição adicional ao seguro de saúde
ca (“procedimentos pseudo-repetitivos”)24. Tais no percentual de 0,9% e da imposição de uma
procedimentos pseudo-repetitivos muitas vezes contribuição adicional àqueles que não tinham
levam a uma sobrecarga da Administração e dos filhos (uma medida do legislador alemão adotada
tribunais no âmbito da prestação social. Pela va- por razões demográficas).
riedade de situações fáticas, isto é, pela existência Todos esses são exemplos de procedimentos
pseudo-repetitvos. Em vista dos procedimentos
19 RUDISILE, Richard. In: SCHOCH, Friedrich – que radicam em pressupostos similares, porém
SCHNEIDER, Jens-Peter – BIER, Wolfgang (Coord.), não idênticos, as autoridades do Seguro Social
Verwaltungsgerichtsordnung – Kommentar, C. H. desenvolveram a seguinte prática: decidem a sus-
Beck, München, 19a fascículo, 2009, § 93a nota 35. pensão dos recursos administrativos prévios (isto
KELLER, Wolfgang. In: MEYER-LADEWIG, Jens é, do procedimento perante a Administração) de
– KELLER, Wolfgang – LEITHERER, Stephan (co-
acordo com os recorrentes e não decidem sobre
ord.), Sozialgerichtsgesetz – Kommentar, C. H. Beck,
München, 10. ed., 2012; § 114a nota 1. estes recursos administrativos antes de os tribu-
nais de Jurisdição Social decidirem a matéria
20 HESS, Burkhard, „Sammelklagen im Kapitalmarktrecht“,
Aktiengesellschaft 2003, p. 113 (114). mediante o trâmite de tais recursos em um ou
vários casos modelos. Esta prática é parcialmente
21 WOLF, Christian – LANGE, Sonja, „Wie neu ist
réplica do “processo modelo” pela ocasião das
das neue Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz?“,
Neue Juristische Wochenschrift 2012, p. 3751. “demandas repetitivas autênticas”; a semelhan-
ça é evidente quando se observa que os “casos
22 Deutscher Bundestag, impresso 16/7716, p. 21.
modelos” são julgados pelo tribunal antes de as
23 Deutscher Bundestag, impresso 16/7716, p. 21. autoridades administrativas decidirem sobre “o
24 KELLER, Wolfgang. In: MEYER-LADEWIG, Jens – resto” dos recursos administrativos prévios.
KELLER, Wolfgang – LEITHERER, Stephan (coord.), Para facilitar o procedimento, as autoridades
Sozialgerichtsgesetz – Kommentar, C. H. Beck,
administrativas comunicam a resolução dos re-
München, 10. ed. 2012; § 114a nota 3.
série
Cadernos
do CEJ 73

cursos administrativos prévios com aviso público, Administrativo, emitam, em relação a uma quan-
mediante a publicação da decisão pela autori- tia de casos que radicam em uma medida idênti-
dade em seu boletim oficial e em diários nacio- ca da autoridade administrativa, decisões admi-
nais, que são divulgados por todo o território da nistrativas ou sentenças distintas umas das outras,
República Federal da Alemanha. mesmo relacionadas a mesma causa. Necessária
a aplicação uniforme do direito – consequência
V. Razões para a necessidade do do princípio do Estado de Direito – e a igualdade
instituto do “processo modelo” dos cidadãos perante a lei, não sendo aceitável
que, em condições idênticas, os administrados
A aplicação uniforme do direito e a seguran-
devam sofrer decisões distintas relacionadas à
ça jurídica
mesma medida da autoridade pública25.
Depois de rechaçar os recursos administra-
A decisão prévia de “casos modelos” serve,
tivos prévios interpostos pelos administrados
portanto, para garantir a segurança jurídica, ao
mediante resolução, os afetados podem recor-
mesmo tempo em que este trâmite processual é
rer contra o ato perante o tribunal administra-
considerado mais econômico. A introdução deste
tivo competente (art. 74 do VwGO). Nessa eta-
instrumento tem sido concebida como medida
pa, é bem possível que os processos produzam
para melhorar a tutela judicial (art. 19, inc. 4,
decisões distintas, ou seja, não uniformes. Isto
da LF). Mediante os “processos modelos”, isto é,
pode ocorrer sempre que uma sentença de pri-
casos exemplares, o tribunal fiscaliza se aqueles
meira instância chegar à segunda instância me-
que alegam violação dos seus direitos por atos
diante o recurso de apelação, e o tribunal de
idênticos da Administração Pública sofreram tal
segunda instância (Oberverwaltungsgericht ou
lesão. Os casos escolhidos pelos tribunais servem
Verwaltungsgerichtshof) decidir em sentido dis-
de “paradigma” e ponto de orientação quando
tinto do teor da sentença de primeira instância.
da decisão sobre todas as restantes demandas
Em decorrência do espaço de tempo que o tribu-
pendentes que se referem à mesma medida da
nal de apelação necessita para decidir o recurso,
Administração Pública. Por conseguinte, deci-
supõe-se que um certo número de sentenças de
sões de “casos modelos” têm dois efeitos posi-
primeira instância que diverge da decisão a ser
tivos: o trâmite garante o bom funcionamento
pronunciada em segunda tenha se tornado defi-
da Jurisdição e, ao mesmo tempo, assegura uma
nitiva. Para tais riscos, não há como assegurar a
decisão conforme os princípios da uniformida-
segurança jurídica.
de, eficácia e igualdade na aplicação das leis, de
A partir da introdução do art. 93a do VwGO,
acordo com os parâmetros do Estado de Direito.
este Código realiza uma aceleração do trâmite ju-
dicial das diversas medidas administrativas idên- 2. Distinção entre demandas
ticas. Ainda existem indicadores pelos quais, me- repetitivas e class actions
diante a incorporação de uma lei especial sobre
demandas repetitivas no Código de Jurisdição Encontram-se demandas repetitivas no plano
Administrativa, o legislador alemão tentou impos- internacional e em outras jurisdições. Para fazer
sibilitar liminarmente o bloqueio do trâmite deste frente à quantia de demandas em algunas áre-
tipo de demanda. Portanto, a norma processual as, há necessidade de precauções processuais,
sobre “demandas repetitivas” persegue também que podem se subsumir sob o termo de “ação
um efeito preventivo. Para tanto, faz sentido o coletiva”. Distingue-se, no direito procesual, en-
conceito de que o legislador regula os trâmites
essenciais dos “casos modelos”, pelo menos em
25 Verifique-se a motivação do grupo parlamental
termos gerais, e codifica os requisitos normati- CDU do projeto de uma quinta lei para modifica-
vos mínimos. Mediante a seleção e a decisão dos ção da Lei pertinente aos impostos municipais do
“casos modelos” é possível evitar que, primeiro, a Land de Brandenburgo, Parlamento do Land de
Administração Pública e, em segundo, o Tribunal Brandenburgo, publicação 5/5814.
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
74

tre ações populares (mass actions), o processo das. O direito brasileiro reconhece, como um dos
das associações (“actio socii”), as class actions 26 poucos ordenamentos do direito civil (civil law sys-
e as demandas coletivas, que servem como caso tems), a partir dos impactos da doutrina italiana de-
modelo. Deve-se distinguir entre as class actions senvolvida por Mauro Cappelletti, Michele Taruffo
americanas como forma de ação coletiva para e Vincenzo Vigoriti e depois de sua recepção pe-
decidir demandas repetitivas, de um lado, e os los famosos juristas brasileiros José Carlos Barbosa
“casos modelos” na jurisdição alemã, de outro27. Moreira, Ada Pellegrini Grinover e Waldemar Mariz
As class actions americanas permitem que um ou Oliveira Júnior, o instituto processual da “class
mais demandantes de um grupo afetado (class) actions”em um número de codificações cada vez
em sua função de representantes do grupo (class mais crescentes. Uma das primeiras entre elas é o
representatives) apresentem uma demanda dian- Código de Proteção e Defesa dos Consumidores29.
te do tribunal que represente os interesses do Outro exemplo é a Lei de Ação Civil Pública30.
grupo (class) e aspirando, por outro lado, uma As ações coletivas podem estar fundadas em
tutela dos direitos de todos, sempre que os mem- interesses difusos (interesses indivisíveis e inte-
bros defendam um direito idêntico (similar) ou ressados indeterminados como, por exemplo, na
reclamem uma pretensão resultante de uma si- seara do meio ambiente e patrimônio público),
tuação similar28. A diferença de um princípio de interesses coletivos (indivisíveis e interessados
direito processual alemão (art. 325 do Código de determináveis como por exemplo, interesses de
Processo Civil; art. 121, n. 1 do VwGO) é que a uma categoria profissional) e interesses indivi-
decisão judicial ou a conciliação decorrentes da duais homogêneos (divisíves e interessados de-
class action tem o efeito de uma res iudicata erga terminados). O único objetivo deste instituto é
omnes, para todos os membros do grupo. julgar a responsabilidade do demandado. Uma
Assim, os “casos modelos”, no ordenamento ale- vez decidida a class action, cada demandante
mão, diferem pela necessidade de fazer valer um di- deve recorrer, individualmente, para eviden-
reito individual. Os Códigos alemães de Jurisdição ciar a causalidade do atuar do demandado e o
Administrativa e Social estabelecem que, a partir montante dos danos. A ação coletiva exitosa tem
das demandas que cumpram o requisito de uma efeitos para todos os membros individuais do
possível violação de um direito público subjetivo, grupo de demandantes. Na hipótese de impro-
são selecionados alguns casos, que servem como cedência, a class action não extingue a possibi-
modelo para resolver, em seguida, outras deman- lidade de que os demandantes recorram contra
a medida em uma ação individual 31.

26 KLAUSER, Alexander, „Massenschäden erfordern


Sammelklagen – Praxisprobleme aus Sicht von 29 Ver Código de Proteção e Defesa do Consumidor,
Verbraucher/innen, In: GABRIEL, Tamara – PIRKER- Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. O processo
HÖRMANN, Beate (coord.), Massenverfahren para a proteção de direitos difusos e coletivos é esta-
– Reformbedarf für die ZPO?, Verlag Österreich, belecido na Lei de Ação Civil Pública, e o processo
Wien, 2005, p. 11 (21 s.) analisa o ordenamento ju- para a proteção de direitos individuais homogêneos
rídico austríaco que autoriza o titular de uma preten- está regulamentado no Código do Consumidor. Estes
são a renunciar a pretensão de um demandante que são os estatutos abrangentes de ações coletivas que
faz valer em um recurso coletivo, por exemplo, na se complementam mutuamente, que correspondem,
seara de questões da cobrança. com efeito, a um código de Ação Procedimento Class
(“o estatuto ação de classe brasileira (s)”) Comparar
27 Schmid, Viola. In: SODAN, Helge – ZIEKOW, Jan,
com GIDI, Antonio, „Class Actions in Brazil – A
Verwaltungsgerichtsordnung – Großkommentar,
Model for Civil Law Countries“, American Journal of
Nomos, Baden-Baden, 3. ed., 2010, § 93 a nota 2.
Comparative Law, v. 51 (2003), p. 311 (313).
28 STEMPFLE, Christian Th. In: TERBILLE, Michael
30 Ver http//www.planalto.gov.br/ccivil_03/
(Coord.), Münchener Anwaltshandbuch
leis/17347orig.htm
Versicherungsrecht, C. H. Beck, München, 2. ed.,
2008, § 33 notas 19 ss. 31 Ver KODEK, Georg E., „Möglichkeiten zur gesetzli-
série
Cadernos
do CEJ 75

VI. A constitucionalidade do “processo VwGO está constitucionalmente justificada pelo


modelo” princípio da tutela judicial efetiva (art. 19, inc.
4 da LF). Ademais, a doutrina alemã reconhece
Os processos modelos têm a sua base constitu- uma margem de apreciação do legislador, ponde-
cional no princípio do Estado de Direito (art. 20, rando os interesses do poder judicial com aqueles
inc. 3, n. 1, da LF), no direito do cidadão a uma tu- dos “demandantes repetitivos”34.
tela judicial efetiva (art. 19, inc. 4, n. 1, da LF) e no A introdução das provas produzidas dentro
princípio da igualdade (art. 3, inc. 1, da LF). Por dos processos modelos nos processos restantes,
conseguinte, tal instituto processual está de acordo isto é, em todos casos que não partem do “pro-
com a Lei Fundamental32. Esse é o entendimento cesso modelo”, é admissível somente depois de
jurisprudencial do Tribunal Federal Social33. As uma audiência das partes. Tal audiência tem
facilidades processuais que resultam do art. 93a como único objetivo a introdução dos resulta-
do VwGO e 114ª do SGG, quanto à produção de dos da produção anterior de provas, pelo que a
provas, afetam, sem dúvida, os direitos proces­ doutrina considera somente afetado, porém não
suais dos demandantes, pois têm um impacto em violado, o principio da imediatividade das pro-
seu direito à audiência (art. 103, inc. 1, da LF) e à vas. Constitucionalmente admissível considera-
imediatividade da produção de provas. -se, também, o dano que sofrem os demandan-
Em última instância, entretanto, tais facilida- tes dos processos modelos relativos aos custos
des processuais devem ser consideradas constitu- destes quando comparados com os custos que
cionais porque garantem que a Administração e resultam dos processos das partes das demandas
os juízes cumpram suas funções e assegurem, em restantes. Na hipótese de o demandante de um
favor do demandante, um juízo rápido e uma de- processo modelo ser condenado a pagar tudo
cisão eficaz, não obstante a quantia de demandas quando perder a causa, o demandante de um
resultante, por sua vez, de grande número de atos processo restante pode desistir depois de haver
idênticos das autoridades administrativas. Assim, examinado a sentença desfavorável que resultou
tanto a Administração Pública quanto o Poder do processo modelo35.
Judiciário exercem suas funções com funciona-
bilidade e viabilidade. B. Requisitos legais para incidência do
Apesar do atraso que as demandas restantes art. 93a VwGO
sofrem devido à realização prévia dos processos
modelos, a solução do fenômeno das demandas A norma do art. 93a do VwGO rege as dis-
repetitivas mediante a introdução do art. 93a do posições para a seleção dos processos modelos
(inc. 1) e processamento dos processos restan-
tes a serem finalizados após a decisão nos pro-
chen Regelung von Massenverfahren“, en: GABRIEL, cessos modelos (inc. 2) 36 .
Tamara – PIRKER-HÖRMANN, Beate (Coord.),
Massenverfahren – Reformbedarf für die ZPO?,
Verlag Österreich, Wien, 2005, p. 311 (352). 34 KELLER, Wolfgang, In: MEYER-LADEWIG, Jens –
KELLER, Wolfgang – LEITHERER, Stephan (coord.),
32 BVerfG, Neue Juristische Wochenschrift 1980, p.
Sozialgerichtsgesetz – Kommentar, C. H. Beck,
1511; KOPP, Ferdinand – SCHENKE, Wolf-Rüdiger,
München, 10. ed. 2012; § 114a nota 2.
Verwaltungsgerichtsordnung – Kommentar, C. H.
Beck, München, 16. ed., 2009, § 93a nota 2 não tem 35 SCHMIESZEK, Hans-Peter, Die Novelle zur VwGO –
dúvidas com respeito a constitucionalidade destas Ein Versuch, mit den Mitteln des Verfahrensrechts die
regulações, porém tem objeções consideráveis “re- Ressource Mensch besser zu nutzen“, Neue Zeitschrift
lacionadas a garantia de ser ouvido (art. 103, inc. für Verwaltungsrecht 1991, p. 522 (524).
1 da LF) e a imediatividade da produção da prova”
36 SCHMID, Viola. In: SODAN, Helge – ZIEKOW,
(Artículo 96 pár. 1 VwGO); veja-se o sub B. II. 2 b, c.
Jan (coord.), Verwaltungsgerichtsordnung –
33 Tribunal Federal Social, SozR (Derecho social) 3100 Großkommentar, Nomos, Baden-Baden, 3. ed.,
§ 18c no 5. 2010, § 93 a nota 3 , pressupõe três fases no mar-
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
76

I. A existência de uma quantia mínima 2. A aplicação do instituto do “


de processos processo modelo” e seus efeitos em
relação aos processos suspensos
1. A razoabilidade do coeficiente A aplicação do instituto do “processo modelo”
normativo “mais de vinte processos” parece razoável na medida em que é previsível
que todas as demandas suspensas tenham apenas
O primeiro requisito para a realização de um
diferenças de fato e de direito e sejam solucio-
processo modelo é a existência de mais de 20
nadas a partir da decisão anterior do processo
demandas ajuizadas contra a mesma medida
modelo. Aqui a aceleração na tramitação de de-
administrativa. Em uma emenda do Código de
mandas repetitivas resulta em um processamen-
Jurisdição Administrativa37, o legislador alemão
to mais rápido das demandas que se encontram
facilitou a aplicação do instituto dos processos
sentenciadas pelos parâmetros jurídicos do caso
modelos, ao reduzir o número necessário de de-
modelo (os “processos restantes”).
mandas repetitivas de cinquenta para vinte38.
Por certo, diferentemente da class action, a
O mesmo coeficiente de medidas administra-
sentença no marco do processo modelo transi-
tivas (“ao menos vinte”) foi codificado pelo le-
ta em julgado exclusivamente inter partes e, por
gislador nas normas sobre as medidas repetitivas
isso, não tem nenhum efeito vinculante para os
dentro da Lei de Procedimento Administrativo39,
demandantes dos demais processos (suspensos).
harmonizando, assim, as normas do contencioso
Consequentemente, os demandantes dos proces-
e do procedimento administrativo. A intenção
sos restantes relacionados à mesma medida admi-
explícita do legislador era melhorar, com isso,
nistrativa podem manter todas as suas objeções
o entorno econômico – ou seja, desbloquear o
contra a medida impugnada. Disso resulta que um
processo do contencioso administrativo nos casos
trâmite mais rápido da totalidade das demandas
de numerosas demandas que se referissem a uma
repetitivas, em absoluto, não é “automaticamente”
mesma medida administrativa – a fim de garantir
programado pelo instituto do processo modelo41.
a competitividade internacional da Alemanha. O
a) A fiscalização da legalidade de uma medida
requisito do número “ao menos 21 processos”
administrativa como objetivo material de um “pro-
pode ser alcançado, também, por meio da sepa-
cesso modelo”
ração de processos , em conformidade com o art.
Como visto, o objetivo da norma do art. 93a do
93 do VwGO.40
VwGO é a economia processual, de modo que se
O número codificado que indica “ao menos 21
interprete o objeto do processo modelo como uma
processos” parece razoável, moderado e viável.
medida administrativa que é absolutamente idên-
Entretanto, até esse momento na prática jurisdi-
tica, em, ao menos, 21 casos. Numerosos atos ad-
conal alemã, as demandas repetitivas superam
ministrativos individuais (art. 35, inc. 2, da VwVfG)
– em muito – este coeficiente normativo.
ou atos administrativos de destinatários gerais (art.
75 da VwVfG) , como a regra que prevê o contro-
co do processo modelo: seleção do processo modelo, le do sentido de normas de estatutos segundo o
processo modelo e casos restantes.
Código Federal de Edificação (art. 47 do VwGO) e
37 6. Lei de emenda do Código Alemão de Jurisdição a questão da executividade de um ato administra-
Administrativa de 1. 11. 1996. tivo, constituem tais medidas “idênticas”42.
38 Ver Deutscher Bundestag, impresso 13/3993, p.
12, que fala de uma necessidade prática “para esta
redução”.
41 RUDISILE, Richard. In: SCHOCH, Friedrich;
39 GenBeschlG vom 12. 9. 1996. SCHNEIDER, Jens-Peter – BIER, Wolfgang (Coord.),
Verwaltungsgerichtsordnung – Kommentar, C. H.
40 GEIGER, Harald. In: EYERMANN, Erich (Coord.),
Beck, München, 19a fascículo, 2009, § 93a nota 35.
Verwaltungsgerichtsordnung – Kommentar, C. H.
Beck, München, 12. ed., 2006, § 93 a notas 6 s. 42 KOPP, Ferdinand – SCHENKE, Wolf-Rüdiger,
série
Cadernos
do CEJ 77

A medida pode ser, por exemplo, um plano fundadas em uma mesma medida administrativa44.
urbanístico ou medidas administrativas de execu- A seleção dos casos pendentes para a realização de
ção imediata. A realização do processo modelo, um processo modelo deve estar em conformidade
sem dúvida, somente tem sentido se as partes ale- com critérios razoáveis e adequados.
garem esencialmente as mesmas objeções de fato A doutrina opina, parcialmente, que o tribu-
e de direito contra a legalidade da medida. Caso nal tem uma margem de apreciação ainda mais
contrário, por exemplo, considerando a pondera- ampla na hora de determinar os critérios que de-
ção das circunstâncias fáticas no caso individual, finem uma demanda pendente como processo
o tribunal não pode transmitir os resultados de modelo e, também, com respeito à determinação
uma sentença modelo aos processos restantes. do número de demandas que são declaradas com
O processo modelo pode ser realizado em um base no processo modelo45. Tais autores atribuem
marco dos distintos tipos de procedimento, sig- ao juiz, ademais, a competência para valorar se
nifica dizer, no marco de processos principais, as condições temporais (e espaciais) parecem
em controle de normas ou medidas cautelares. oportunas para realizar um processo modelo.
Porém, dentro deste último tipo de processo rá- Fatores relevantes no contexto são a duração de
pido não há sentido realizar um processo modelo um processo modelo e a possibilidade de todos
pois, no âmbito deste procedimento, não existe os demandantes e as demandas escolhidas, ou de
nenhuma audiência oral e nenhuma produção seus representantes, emitirem opiniões. É uma
de provas; por isto, as facilidades processuais condição imprescindível para a realização de um
codificadas no art. 93a, inc. 2, do VwGO não se processo modelo no qual o tribunal possa julgar
amplicam na seara das medidas cautelares. todas as questões fáticas ou jurídicas que surgem
Os numerosos processos devem-se realizar to- nos casos selecionados. Somente assim é que o
dos no mesmo gênero de procedimento, assim, tribunal poderá sentenciar os processos restantes
em um processo principal ou em um controle de com base no processo modelo.
normas, pois não se pode cumular, por exemplo, Para tanto, o tribunal deve selecionar casos ca-
os processos principais e os controles de normas racterísticos; significa dizer, casos com particula-
para cumprirem o requisito do número mínimo ridades essenciais, de fato ou de direito, não são
de demandas ( “a menos 21”). Por último, os pro- aptos como ponto de partida para um processo mo-
cessos devem ter o mesmo objeto com respeito à delo. Isso pode-se concluir mediante um argumen-
tutela judicial requerida43. tum e contrario do art. 93a, inc. 2, n. 1, do VwGO,
b) Critérios para seleção de casos para tramita- o qual rege explicitamente que o Tribunal […] pode
rem como um processo modelo resolver os processos suspensos se […] decide unani-
Em última instância, é de responsabilidade do mente que os litígios comparados com os processos
Tribunal Administrativo decidir se realiza um pro- modelos julgados não tenham particularidades esen-
cesso modelo. Dentro de uma certa margem de ciais fáticas ou jurídicas e que os fatos estão aclarados.
apreciação, o juiz decide sobre a aplicação do ins- Uma seleção de casos sem características para a
tituto do art. 93a do VwGO em uma determinada si- totalidade das demandas entraria em contradição
tuação processual na qual se acumulam demandas com o objetivo do art. 93a, inc. 1, do VwGO, que
consiste na aceleração das demandas repetitivas46.

Verwaltungsgerichtsordnung – Kommentar, C. H.
44 KOPP, Ferdinand – SCHENKE, Wolf-Rüdiger,
Beck, München, 16. ed. 2009, § 93 a, nota 3. Ver art.
Verwaltungsgerichtsordnung – Kommentar, C. H.
2, inc. 2, § 4, no VwVfG como argumento relaciona-
Beck, München, 16. ed., 2009, § 93a, nota 6.
do às primeiras categorias.
45 GEIGER, Harald. In: EYERMANN, Erich (Coord.),
43 RUDISILE, Richard, en: SCHOCH, Friedrich –
Verwaltungsgerichtsordnung – Kommentar, C. H.
SCHNEIDER, Jens-Peter – BIER, Wolfgang (Coord.),
Beck, München, 12. ed., 2006, § 93a, nota 8.
Verwaltungsgerichtsordnung – Kommentar, C. H.
Beck, München, 19a fascículo, 2009, § 93a, nota 9. 46 SCHMID, Viola. In: SODAN, Helge – ZIEKOW,
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
78

c) A suspensão dos processos restantes mediante Se houver uma decisão definitiva em um ou


uma resolução irrecorrível vários processos modelos, os processos restantes
A suspensão dos processos restantes que não suspensos podem tramitar de modo simplificado.
são selecionados como casos modelos rege-se Se vários casos modelos foram julgados de forma
pelo art. 93a, inc. 1, § 1, do VwGO. Tal norma diferente em instâncias distintas, aplica-se o art.
permite que o tribunal suspenda o trâmite dos 93a, inc. 2, do VwGO, de maneira que o tribunal
processos restantes até a finalização do proces- decida os processos suspensos após a finalização
so modelo interposto perante o mesmo tribunal, de todos os casos modelos. Ademais, nessa hipó-
mediante uma sentença firme. A suspensão dos tese de decisões divergentes, é exclusivamente a
processos restantes requer que o tribunal obser- sentença definitiva da instância suprema que tem
ve o marco de uma prática consciente, em ob- efeitos de um caso modelo. Com a data da firme-
servância estrita ao princípio da audiência oral za da sentença da Corte Constitucional sobre o
quanto aos demandantes afetados pela decisão. caso modelo, ou sobre vários outros, finaliza-se
A falta de uma decisão explícita sobre a suspen- a suspensão dos casos restantes.
são das demandas restantes não é considerada b) A falta de particularidades de fato e de direito
prejudicial, dado que a suspensão é uma con- nos casos restantes
sequência direta da seleção anterior dos casos O tribunal competente para decidir os ca-
modelos e, portanto, obrigatória. A resolução sos suspensos deve examinar se as demandas
relativa à suspensão é irrecorrível (art. 93a, inc. pendentes revelam particularidades essenciais;
1, § 3, do VwGO) e pode ser objeto de apelação por isso, o tribunal compara os aspectos essen-
somente quando o tribunal houver excedido sua ciais do caso suspenso com os do caso modelo.
faculdade de apreciação. Isso ocorre se a seleção O caso suspenso estará pronto para ser decidi-
dos casos modelos não for adequada para jul- do quando não faltar uma produção de novas
gar os aspectos típicos e essenciais dos processos provas em comparação com o caso paradigma.
restantes. Somente em tal caso hipotético, pode Particularidades essenciais excluem, sem dúvida,
ser impugnada a decisão sobre a suspensão dos a tramitação. Particularidades, neste sentido, são
processos restantes. aquelas juridicamente relevantes em compara-
De outro lado, cabe ao tribunal modificar e ção ao caso modelo. Elas são regularmente assu-
complementar sua decisão quando, por exemplo, midas quando, no processo suspenso, são colo-
devido a novas circunstâncias, a seleção de novos cadas novas questões, de fato ou de direito, que
casos modelos parecer apropriada; ademais, o não permitam transferir os resultados consegui-
tribunal pode anular a decisão quando do trâ- dos no trâmite do caso modelo ao caso suspenso
mite escalonado que antecipar o julgamento do ou que tornam, ao menos questionável, o efeito
processo modelo base todos os casos restantes orientador do processo modelo. Para tal efeito, o
parecerem ineficazes, devido a uma desistência tribunal deve outorgar uma audiência às partes.
ou uma conclusão antecipada de um grande nú- A data apropriada para verificar particularidades
mero de litígios. dos casos suspensos é o momento em que o tri-
bunal dá continuidade aos trâmites dos processos
II. Os processos restantes antes suspensos.
(“Folgeverfahren”) Se o tribunal, por unanimidade, não verificar
tais particularidades essenciais, poderá, mediante
1. Requisitos normativos de uma
resolução, no sentido do art. 93a, inc. 2, § 1, do
decisão
VwGO, decidir sem uma audiência oral (art. 101,
a) A sentença definitiva no “processo modelo”
inc. 3, do VwGO) 47. A decisão adotada pelo tri-

Jan (coord.), Verwaltungsgerichtsordnung –


Großkommentar, Nomos, Baden-Baden, 3. ed., 47 SCHMID, Viola. In: SODAN, Helge – ZIEKOW,
2010, § 93a, nota 9. Jan (Coord.), Verwaltungsgerichtsordnung –
série
Cadernos
do CEJ 79

bunal no marco do “processo modelo” não tem, As partes dos processos suspensos serão ou-
entretanto, nenhum efeito vinculante em relação vidas pelo tribunal antes da implementação do
aos processos suspensos porque, nos termos do trâmite simplificado que resulta em uma resolu-
direito processual, todos os processos restantes ção. A audiência deve-se referir à idoneidade da
são independentes do processo modelo. Por outro tramitação que resulta uma resolução e que, por
lado, o art. 93a, inc. 2, § 3, do VwGO rege algumas isso, não permite uma audiência oral. Deve ser
facilidades processuais quanto às investigações a dada oportunidade às partes para alegarem todas
serem feitas no âmbito dos casos restantes. as circunstâncias especiais que requeiram uma
Assim, o tribunal pode ordenar, segundo sua continuação dos processos suspensos ao invés de
discricionariedade, a repetição da oitiva de uma um trâmite simplificado50.
testemunha ou uma nova perícia pelo mesmo ou
por outro perito, na ocasião do trâmite dos pro- 1. As consequências do “processo
cessos restantes (art. 93a, inc. 2, § 2, do VwGO). modelo” para os processos restantes
Se o tribunal repete uma produção de provas
a) Falta de um efeito vinculante do “processo
(art. 93a, inc. 2, § 2, segunda frase, do VwGO), a
modelo” para os processos restantes
lei geralmente requer uma vista oral em um pro-
Não existe um efeito vinculante relativo às de-
cedimento simplificado. Ademais, o tribunal tem
cisões ditadas no marco do “processo modelo”,
uma discricionariedade mais ampla relacionada
dado que os casos restantes são independentes.
ao afastamento das provas. Não é necessário este
Por conseguinte, a sentença, dentro do “processo
decida acerca de uma rejeição mediante resolu-
modelo”, não tem efeitos de coisa julgada (art.
ção em separado; o indeferimento de uma soli-
121 do VwGO) em relação aos demais proces-
citação pode ser motivado na decisão final (art.
sos51.
93a, inc. 2, § 1, do VwGO). Por fim, o tribunal
b) Há possibilidade de uma audiência oral?
pronuncia a decisão final em uma resolução que
É considerada problemática a falta de uma au-
equivale a uma sentença48.
diência oral no marco dos processos restantes52.
c) A unanimidade dos juízes quanto à categori-
O art. 6, § 1, do Convênio Europeu de Direitos
zação “sem particularidades essenciais”
Humanos (CEDH) garante que toda pessoa tem
Com votação unânime, o tribunal deve decidir
direito a que sua causa seja ouvida equitativa, pu-
se os casos restantes carecem de particularida-
blicamente e dentro de um prazo razoável por um
des essenciais, e o assunto está, assim, resolvido.
Tribunal. Em princípio, tal norma garante o di-
Somente a este pressuposto refere-se a regra da
reito de acesso a uma instância judicial, a menos
unanimidade, não aplicada às decisões finais so-
que existam circunstâncias excepcionais em que
bre os casos restantes. A unanimidade dos votos
uma audiência oral possa prejudicar o interesse
dos juízes garante uma tutela maior dos interesses
público e uma boa administração (art. 6, § 1, fra-
das partes dos processos suspensos49.
se 2 CEDH), (o art. 93a, inc. 2, do VwGO deve
d) A audiência das partes afetadas

Großkommentar, Nomos, Baden-Baden, 3. ed., 50 RUDISILE, Richard. In: SCHOCH, Friedrich –


2010, § 93a, notas 11, 13. SCHNEIDER, Jens-Peter – BIER, Wolfgang (Coord.),
Verwaltungsgerichtsordnung – Kommentar, C. H.
48 Idem nota 12.
Beck, München, 19a fascículo, 2009, § 93a, nota 22.
49 RUDISILE, Richard. In: SCHOCH, Friedrich –
51 SCHMID, Viola. In: SODAN, Helge – ZIEKOW,
SCHNEIDER, Jens-Peter – BIER, Wolfgang (Coord.),
Jan (Coord.), Verwaltungsgerichtsordnung –
Verwaltungsgerichtsordnung – Kommentar, C. H.
Großkommentar, Nomos, Baden-Baden, 3. ed.,
Beck, München, 19 fascículo, 2009, § 93a, nota
2010, § 93a, nota 12.
19; SCHMID, Viola. In: SODAN, Helge – ZIEKOW,
Jan (Coord.), Verwaltungsgerichtsordnung – 52 KOPP, Ferdinand; SCHENKE, Wolf-Rüdiger,
Großkommentar, Nomos, Baden-Baden, 3. ed., Verwaltungsgerichtsordnung – Kommentar, C. H.
2010, § 93a, nota 13. Beck, München, 16. ed., 2009, § 93a, nota 2.
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
80

ser interpretado em conformidade com o art. 6, pode decidir, por uma resolução, que se repi-
inc. 1, do CEDH), de maneira que o recorrente tam as provas produzidas no marco do processo
tenha direito de acesso a, pelo menos, uma au- modelo (art. 93, § 2, frase 2, segunda parte, do
diência oral no marco da tramitação do proces- VwGO).
so nas distintas instâncias judiciais. No caso em
que o tribunal renunciar a uma audiência oral, 3. Recursos contra uma decisão nos
as partes deverão ser ouvidas com anterioridade processos restantes
(argumentum ex art. 84, inc. 1, do VwGO em res-
Uma resolução tomada pelo tribunal no pro-
peito à decisão por sentença simplificada), para
cesso restante pode ser objeto de apelação se-
que não seja recortado o direito do recorrente
gundo as modalidades que regem os recursos
de ser ouvido. Sem existir antes uma audiência
contra uma sentença, significa dizer, mediante a
oral, um tribunal pode decidir no marco de um
solicitação da admissão de uma apelação. O tri-
processo restante, somente se uma demanda de
bunal administrativo não tem competência para
apelação é admissível53.
denegar a admissão de um recurso de apelação
c) A introdução da produção de provas por oca-
segundo o art. 124a, inc. 1, do VwGO. Se o recur-
sião do “processo modelo” nos processos restantes
so de apelação não for admitido na sentença do
O art. 93, inc. 2, § 2 dispõe que o tribunal pode
Tribunal Administrativo, deverá ser requerida sua
introduzir os resultados das provas nos processos
admissão, segundo o art. 124a, inc. 4, do VwGO.
restantes. Tal regra aplica-se, segundo opinião
No caso de inadmissão do recurso de revisão,
majoritária, mediante a inclusão das provas em
o demandante poderá interpor um recurso de
forma de documentos que foram produzidos no
queixa (art. 133 do VwGO) ou a revisão prevista
processo modelo. Também é considerado admis-
no art. 132, inc. 1, do VwGO.”
sível que o tribunal inclua, no processo restante,
uma prova produzida na forma de citação ao tex-
to fundamentado no processo modelo ou de uma
perícia na qualidade de prova pericial.
O princípio do direito de ser ouvido requer,
sem embargo, sejam as partes ouvidas quanto a
esta inclusão e tem, por conseguinte, a possibili-
dade de comentar a inclusão proposta. Ao infor-
mar as partes detalhadamente sobre as provas
produzidas e sobre como valoriza o resultados
destas54, o tribunal observa tal princípio.
d) A repetição da produção de provas
Segundo discricionariedade do tribunal, este

53 Ver RUDISILE, Richard. In: SCHOCH, Friedrich –


SCHNEIDER, Jens-Peter – BIER, Wolfgang (Coord.),
Verwaltungsgerichtsordnung – Kommentar, C. H.
Beck, München, 19. fascículo, 2009, § 93a, nota 32.
54 RUDISILE, Richard. In: SCHOCH, Friedrich –
SCHNEIDER, Jens-Peter – BIER, Wolfgang (Coord.),
Verwaltungsgerichtsordnung – Kommentar, C. H.
Beck, München, 19a fascículo, 2009, § 93a, notas 25
e ss.; SCHMID, Viola. In: SODAN, Helge – ZIEKOW,
Jan (Coord.), Verwaltungsgerichtsordnung –
Großkommentar, Nomos, Baden-Baden, 3. ed.,
2010, § 93a, notas 19 ss.
série
Cadernos
do CEJ 81

ANEXO (1) Se a legalidade de uma medida administra-


tiva for questionada em mais de vinte processos,
o tribunal poderá conduzir, primeiramente, um
CÓDIGO DE JURISDIÇÃO
ou vários processos idôneos (Musterverfahren),
ADMINISTRATIVA (VwGO) DA
suspendendo os demais. As partes deverão ser
REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA
previamente ouvidas. Não cabe recurso contra
essa resolução judicial.
Art. 93a [Processo modelo] (2) Havendo coisa julgada nos processos fin-
dos, o tribunal poderá, depois de ouvir as partes,
decidir sobre os processos suspensos por reso-
(1) Se a legalidade de uma medida administra- lução judicial, se, em sua opinião, por unanimi-
tiva for questionada em mais de vinte processos, dade, os casos não contiverem particularidades
o tribunal poderá conduzir, primeiramente, um essenciais, fáticas ou jurídicas, ante os processos
ou vários processos idôneos (Musterverfahren), decididos, e se os fatos forem esclarecidos. O tri-
suspendendo os demais. As partes deverão ser bunal poderá introduzir as provas do processo
previamente ouvidas. Não cabe recurso contra modelo (Musterverfahren) em outros processos,
essa resolução judicial. bem como, de acordo com sua discricionarieda-
(2) Havendo coisa julgada nos processos fin- de, determinar novo interrogatório de testemu-
dos, o tribunal poderá, depois de ouvir as partes, nha ou a realização de nova perícia pelo mesmo
decidir sobre os processos suspensos por reso- perito ou por outro. O tribunal poderá denegar
lução judicial, se, em sua opinião, por unanimi- proposições de provas relativas a fatos acerca dos
dade, os casos não contiverem particularidades quais já tenha havido produção de provas no pro-
essenciais, fáticas ou jurídicas, ante os processos cesso modelo, caso sua admissão não contribua,
decididos, e se os fatos forem esclarecidos. O tri- segundo sua livre convicção, à prova de novos
bunal poderá introduzir as provas do processo fatos relevantes para a decisão e retarde a solu-
modelo (Musterverfahren) em outros processos, ção do litígio. A denegação poderá ocorrer na
bem como, de acordo com sua discricionarieda- própria decisão, de acordo com a primeira frase
de, determinar novo interrogatório de testemu- deste inciso. Contra a resolução judicial fundada
nha ou a realização de nova perícia pelo mesmo na primeira frase deste inciso, as partes possuem
perito ou por outro. O tribunal poderá denegar o recurso judicial que seria admitido se o tribu-
proposições de provas relativas a fatos acerca dos nal decidisse por sentença. As partes deverão ser
quais já tenha havido produção de provas no pro- informadas sobre esse recurso judicial.
cesso modelo, caso sua admissão não contribua,
segundo sua livre convicção, à prova de novos LEI DE PROCEDIMENTO
fatos relevantes para a decisão e retarde a solu- ADMINISTRATIVO (VwVfG) DA
ção do litígio. A denegação poderá ocorrer na REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA
própria decisão, de acordo com a primeira frase
deste inciso. Contra a resolução judicial fundada
Art. 17 VwVfG – [Representantes em
na primeira frase deste inciso, as partes possuem
petições padronizadas]
o recurso judicial que seria admitido se o tribu-
nal decidisse por sentença. As partes deverão ser (1) Havendo, no procedimento administrativo,
informadas sobre esse recurso judicial. solicitações e petições com a assinatura de mais de
cinquenta pessoas em lista, ou textos reproduzidos
CÓDIGO DE JURISDIÇÃO SOCIAL
de forma idêntica (petições padronizadas), será
(SGG) DA REPÚBLICA FEDERAL DA
considerado como representante de todos os signa-
ALEMANHA
tários, para o procedimento administrativo, aquele
Art. 114a SGG – [Processo modelo] que estiver designado como tal, com seu nome,
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
82

profissão e endereço, caso os signatários não o te- à autoridade administrativa, mediante decla-
nham indicado como mandatário. Somente uma ração escrita; o representante somente pode-
pessoa física pode ser representante. rá fazer esta declaração em nome de todos os
(2) A autoridade administrativa pode desconsi- representados. Se a declaração provier de um
derar petições padronizadas que não contenham representado, este deve, ao mesmo tempo, co-
as indicações contidas no item 1, primeira frase, municar à autoridade se mantém o seu pedido e
de maneira clara, em cada uma das páginas que se designou um representante.
contiverem uma assinatura, ou que não preen- (4) Se a procuração chegar a seu termo, a au-
cherem o requisito previsto no item 1, segunda toridade administrativa pode intimar as pessoas
frase. Caso a autoridade administrativa deseje que não são mais representadas para designar um
proceder dessa maneira, deve publicar edital se- representante comum em tempo hábil. Havendo
gundo os usos locais. A autoridade administrativa a necessidade de intimação de mais de cinquenta
pode também ignorar petições padronizadas nas pessoas, a autoridade administrativa poderá pu-
hipóteses de os signatários não estiverem indica- blicar edital segundo os usos locais. Se a intima-
dos ou seus nomes e endereços estiverem indi- ção não for atendida dentro do prazo previsto,
cados de maneira ilegível. a autoridade administrativa poderá designar, de
(3) A procuração se extingue quando o repre- ofício, um representante comum.
sentante ou representado manifestar tal vontade
Carlos Henrique Borlido Haddad, Poul Erik Dyrlund e Nilson Rodrigues Barbosa Filho

PAINEL

Gerenciamento Processual e e dos processos) e mais desenvolta articulação


Demandas Repetitivas dos tribunais com os serviços complementares
Carlos Henrique Borlido Haddad da justiça. As reformas que visam ao reforço da
Juiz Federal e Professor Adjunto da UFMG capacidade de organização e gestão do sistema
de justiça tornaram-se, assim, apostas centrais das
agendas de reforma em muitos países1.
A gestão processual a que se faz referência tem
validade tanto para demandas de one-shotters


(OS) quanto para os repeat players (RP), na dico-
tomia firmada por Marc Galanter há muitos anos
Nos últimos anos, o Poder Judiciário nos EUA2. Estes são grandes unidades de atuação
acordou para a necessidade de melhorar seus e os esforços que empregam em dado proces-
métodos gerenciais de processos. O sistema ju- so são naturalmente menores, relativamente ao
dicial começa a ser objeto de análise e recomen- trabalho total. Figuram nesse rol o INSS, União,
dações que pretendem explorar nova dimensão companhias telefônicas e instituições financeiras,
gestionária, considerando-se que o déficit de or- que lidam com economia de escala e possuem
ganização, gestão e planejamento, em geral, são baixos custos iniciais em cada processo. OS são
responsáveis por grande parte da ineficiência e unidades menores, e os esforços representados
ineficácia do seu desempenho funcional. pelo resultado tangível do processo podem ser
Os tribunais eram e ainda continuam a ser,
generalizadamente, apontados como uma das
1 SANTOS, Boaventura de Sousa et alli. A gestão dos
organizações mais burocráticas do Estado, que tribunais: um olhar sobre a experiência das comar-
funciona como entrave à eficácia, eficiência e cas piloto. Coimbra: Observatório Permanente da
qualidade do seu desempenho. Defende-se, por Justiça Portuguesa, 2010, p. 57.
isso, a introdução de medidas que visem à altera- 2 GALANTER, Marc. Why the ‘Haves’ come out ahe-
ção de métodos de trabalho, uma melhor e mais ad: speculations on the limits of legal change. Law
eficaz gestão de recursos (humanos, materiais and Society Review, vol. 9, n. 2, p. 97,1975.
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
84

relativamente altos quando comparados com o os maiores demandantes do país. Segundo o CNJ,
interesse envolvido. Por outro lado, os interes- o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) li-
ses discutidos nos processos de OS podem ser dera como maior litigante em âmbito nacional,
tão pequenos e não administráveis que o custo com 22,3% dos processos, e na Justiça Federal,
de movê-los não resulte benefício econômico ou com 43,1%. Ainda no âmbito nacional, a Caixa
social, a exemplo de pequenas demandas que Econômica Federal vem em segundo lugar, com
tocam relações de consumo. OS são as partes 8,5%; a Fazenda Nacional, em terceiro, com 7,4%;
que utilizam o Judiciário esporadicamente, ao a União em quarto, com 7%; e o Banco do Brasil
contrário dos RP, que acabam por ter grande es- em quinto, com 4,2%. Entre os 20 maiores litigan-
trutura para demandar. tes, há 11 bancos e 2 companhias telefônicas3.
De um lado, expressivos seto-
res da população acham-se mar-
ginalizados dos serviços judiciais,
[...] um dos problemas do Judiciário é ter acesso de utilizando-se, cada vez mais, da
mais e acesso de menos. O Judiciário é percebido como justiça paralela, governada pela
salvaguarda das expectativas por igualdade. lei do mais forte, certamente me-
nos justa e com altíssima potencia-
lidade de desfazer todo o tecido
Essa classificação das partes permite que se social. De outro, há os que usufruem em excesso
conclua que um dos problemas do Judiciário é ter da justiça oficial, gozando das vantagens de uma
acesso de mais e acesso de menos. O Judiciário máquina lenta, atravancada e burocratizada.
é percebido como salvaguarda das expectativas Resumidamente, pode-se sustentar que o siste-
por igualdade. Quem não recebe atendimento ma judicial brasileiro, nos moldes atuais, estimula
médico, quer ter o tratamento que outrem rece- um paradoxo: demandas de menos e demandas
be. Quem não possui moradia, luta por um teto, demais.
como outros possuem. Vivemos em uma socie- Mas existe fenômeno interessante que tem
dade com muita desigualdade, e o acesso ao equiparado os RP aos OS, ou ao menos, apro-
Judiciário para tutelar esses direitos é forma de se ximado-os: a justiça grátis. Uma justiça a custo
tentar alcançar a igualdade. Em outros Estados, zero. O baixo custo explica-se pelo substancial
o Judiciário sempre pôde ser visto como meio de aumento do número de advogados, em razão do
se obter direitos fundamentais por grupos margi- correlato incremento do número de faculdades
nalizados e não detentores de espaços nas arenas de Direito espalhadas pelos quatro cantos do
políticas institucionalizadas, como no Parlamento país. O maior número de advogados disponíveis
ou junto ao Poder Executivo. O processo judicial significa maior acesso à justiça, especialmente
era espaço contramajoritário para a obtenção por parcela da população que, anteriormente,
dos direitos fundamentais não assegurados pela não conseguia obter tais serviços profissionais.
Administração Pública. O espaço majoritário era Estima-se que, no país, haja mais de 1400 fa-
ocupado por quem detém poder para influen- culdades de Direito. Se é certo que nem todos
ciar a elaboração das leis, orientar as opções do são aprovados no exame da OAB, poderiam sê-lo.
Executivo; em suma, não precisam recorrer ao Como todos sabem, não existe cota ou limite no
Judiciário para obtenção de direitos. número de aprovações, o que depende exclusi-
No entanto, no Brasil, o Judiciário é domina- vamente do preparo do bacharel, habitualmente
do por aqueles que ocupam o espaço majoritá- muito precário. A isso se associa a criação dos
rio e, por consequência, utilizam-no como mais
um instrumento para perpetuar-se no poder. O
Poder Público é o maior usuário dos serviços de 3 Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/
pesquisas-judiciarias/pesquisa_100_maiores_
Justiça, seguido por grandes empresas. Eis aqui
litigantes.pdf>. Acesso em : 21 jan. 2013.
série
Cadernos
do CEJ 85

juizados especiais, que sequer exigem represen- motivadas por graves lesões a direitos fundamen-
tação por advogado, o pagamento de taxas ou tais, legalmente assegurados. Como nem toda
conhecimento jurídico para postulação em juí­ demanda é fruto de uma situação de injustiça,
zo. Outro fator relevante para a consolidação existem ações que podem ser evitadas, sem que
da justiça grátis é a concessão indiscriminada de isso implique déficit de prestação jurisdicional.
assistência judiciária, que consiste em incentivo Dentre todas as motivações para litigar, sobressa-
ao litígio – regra básica da economia: as pessoas em-se, em muito, a conjugação de baixos custos
reagem a incentivos. O Tribunal Federal da 1ª com baixa exposição a riscos.
Região possui jurisprudência que admite a con- Obviamente essa configuração contribui para
cessão de justiça gratuita a quem aufere renda in- a formação de elevado volume de processos sub-
ferior a 10 salários-mínimos4, o que alcança quase metido ao juiz brasileiro. Em razão do sobreuso,
R$7.000,00 ou aproximadamente US$3.500,00. pode-se dizer que o Judiciário carrega o estigma
No entanto, apenas 2,6% da população econo- do homem de seis milhões de dólares. O coronel
micamente ativa recebe mais do que 10 salários- e ex-astronauta Steve Austin, interpretado por
-mínimos, de acordo com dados do último censo Lee Majors, após sofrer acidente aéreo, subme-
do IBGE. Ou seja, estão isentos de custas, 97,4% teu-se a cirurgia experimental que custou, como
da população. o nome indica, seis milhões de dólares. Assim,
Talvez seja o caso de repensar os critérios de seu braço direito, suas pernas e seu olho esquer-
concessão de justiça gratuita, seja para limitá-la do destroçados foram substituídos por implantes
a quem recebe abaixo de dois salários-mínimos, biônicos, que lhe garantiram força sobre-humana
como sugerido em excelente pesquisa realizada e visão ampliada. No seriado, era interessante
pela PUC-RS sobre morosidade da justiça civil 5, notar que o uso da força incomum e da super-
seja para estender a todos os usuários da Justiça velocidade exibiam-se em câmera lenta, em si-
Federal. O conceito de pobre deve ter amparo tuação similar à encontrada no Poder Judiciário
em dados estatísticos e não no sentimento relati- brasileiro. Por sofisticadas que sejam as metas
vo dos magistrados. Por que não adotar o critério instituídas ou os recursos disponibilizados, tudo
do IR que deixa isento quem ganha em torno de parece desenvolver-se em slow motion.
R$1700,00? Por fim, a forma de atuação de ad- Em síntese, o Judiciário brasileiro é caro
vogados, especialmente em demandas de massa, e lento. Surge, pois, a questão: há solução?
contribui para a litigiosidade elevada: contratos de Normalmente, apresentam-se soluções que atua­
risco. A contratação de advogado é feita sem ne- riam na fase pré-processual, na etapa processual
cessidade de desembolsar nenhum valor, a custo e sob o aspecto gerencial.
zero. Por vezes, o contratante recebe uma cesta de As soluções pré-processuais aplicam-se an-
ações, em que a sucumbência ocorrida em uma é tes da judicialização de conflitos, atuando nas
compensada pelo êxito alcançado em outra. seguintes fases do fluxo: (i) causas externas; (ii)
Atualmente existe o risco de se tratar unifor- surgimento de potencial de conflito (interesse,
memente, e com a mesma seriedade, demandas prejuízo, oportunidade); (iii) canais de judiciali-
de quem faz uso instrumental do Judiciário e não zação: informação, mídia, advogados; (iv) instân-
está interessado na futura sentença e demandas cias administrativas; (v) judicialização (quando
na porta de entrada do Judiciário). 6 A inefici-
ência do processo administrativo como filtro da
4 A título ilustrativo: AC 2008.38.00.013209-7/MG, AC
0010044-49.2011.4.01.4100 / RO e AC 0050610-
6 RELATÓRIO final. Escola de Direito da Fundação
35.2012.4.01.9199 / GO.
Getúlio Vargas. Diagnóstico sobre as causas de au-
5 RELATÓRIO final ajustado. Pontifícia Universidade mento das demandas judiciais cíveis, mapeamento
Católica do Rio Grande do Sul. Demandas judiciais das demandas repetitivas e propositura de soluções
e a morosidade da justiça civil. Porto Alegre, pré-processuais, processuais e gerenciais à morosida-
março, 2011, p. 11. de da Justiça. São Paulo, nov. 2010, p. 142.
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
86

litigiosidade e o exercício massivo da advocacia çadas, havia 32.000 processos iniciados até 2007,
contenciosa no âmbito previdenciário, na fase pendentes de julgamento. Apenas 40% foram jul-
pré-processual, contribuem para que o recurso gados até outubro de 2012 e somente o Estado de
à via judicial seja frequente. Sergipe conseguiu cumprir a meta integralmen-
Nessa seara, adotam-se soluções processuais, te7. Isso é a clara constatação de que mudanças
normalmente estipuladas em normas e consisten- legislativas não geram resultados benéficos au-
tes em resoluções voltadas ao processo ou que tomaticamente. É preciso ir além das mutações
influenciam o seu trâmite. A par dessas medidas, normativas para garantir o bom funcionamento
as soluções gerenciais são propostas administra- do sistema judicial em sua totalidade.
tivas ou judiciais de gerenciamento de recursos Se a solução processual, consistente habitual-
humanos, materiais ou estruturais e técnicas de mente na alteração de leis, não funciona a con-
gerenciamento de processos. Nem sempre a solu- tento, deve-se investir na gestão processual. No
ção atua exclusivamente em um desses âmbitos, Brasil, o gerenciamento de processos é incipiente
mas há predominância em uma ou outra área e amador. Poucas unidades judiciárias adotam
que pode ser considerada no trajeto de judicia- medidas de gestão de processos e de pessoas.
lização dos conflitos. Em regra, no Brasil só se Em nosso país, o gerenciamento de processos
pensam em soluções processuais, porque aqui é sinônimo de etiqueta: basta colocar uma eti-
se acredita que tudo depende de lei e que ela é queta nos processos antigos, com a advertência
a cura para todos os males. “Meta 2”, para que todos os problemas estejam
No entanto, não faltam provas da baixa efi- resolvidos. Em verdade, a aposição de etiquetas
cácia das soluções legais. A Lei 11.689/08, por não é sinônimo de gestão processual e parece
exemplo, inseriu 91 novos artigos no Código de bastante provável que a meta estabelecida neste
Processo Penal e revogou outros tantos, alteran- ano, de julgamento, até o final de 2013, de todas
do o procedimento do tribunal do júri. Nessa as ações de improbidade administrativa ajuiza-
mesma época, discutiam-se medidas que viabi- das em 2011, seja solenemente descumprida. Por
lizassem o julgamento de crimes dolosos contra mais etiquetas que sejam afixadas nos autos...
a vida, cujo êxito não foi alcançado. Basta ver A gestão processual é a fronteira que teremos de
os resultados obtidos pela Estratégia Nacional desbravar para melhorar a qualidade da prestação
de Justiça e Segurança Pública, que tinha como jurisdicional. Mas os obstáculos existentes para sua
meta concluir todos os inquéritos e procedimen- plena aplicação são imensos. O ensino jurídico na-
tos que investigam homicídios dolosos instaura- cional, a ausência de formação profissional de admi-
dos até 31 de dezembro de 2007. nistradores judiciais, a independência dos magistra-
A revisão da meta alterou a data para conclu- dos e a conformação das leis são fatores impeditivos
são dos inquéritos: Estados com mais de 4 mil à plena adesão ao gerenciamento processual.
inquéritos abertos teriam prazo até 31 dezembro O juiz brasileiro, antes de considerar a utilida-
de 2011; Estados com menos de 4 mil inquéritos de de adotar medidas de redução da lentidão de
manteriam o prazo original até 1º julho de 2011. processos, tende a fazer aproximação mais for-
Além disso, instituiu-se a meta de se alcançar a mal, altamente consistente com outros preceitos
pronúncia em todas as ações penais por crimes e princípios de direito, certamente menos prag-
de homicídio ajuizadas até 31 de dezembro de mático e extremamente cuidadoso na introdução
2008. A revisão da meta estendeu o prazo para de mudanças que podem não encontrar amparo
dezembro de 2012. Por fim, deveriam ser julga- em específicas provisões legais. A explicação para
das as ações penais relativas a homicídio doloso
distribuídas até 31 de dezembro de 2007. A re-
visão da meta ampliou o prazo, igualmente, até 7 Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-
dezembro de 2012. nacional/noticia/2012/12/prazo-para-julgamento-
de-homicidios-anteriores-2007-nao-sera-cumprido.
As metas não foram atingidas e, quando lan-
html>.Acesso em 3 jan. 2013.
série
Cadernos
do CEJ 87

isso reside nas características inerentes ao sistema O Direito é considerado ciência autossuficien-
franco-romano vigente no país e amplamente in- te e isso dificulta a comunicação com as demais
corporado no ensino jurídico nacional. ciências, sobretudo para preparar o aluno para as
Na maior parte das faculdades de Direito, o constantes e globalizantes mudanças sociais. Esse
método predominante há décadas consiste em tipo de abordagem proporciona ao aluno falsa
aulas expositivas. Técnicas ou metodologias dis- experiência de determinação e sistematicidade
tintas são raras, como cita o professor Roberto do Direito e faz esse escolaticismo doutrinário
Mangabeira Unger: O professor na sala de aula e exegético ter pouco valor prático para a vida
faz pronunciar uma conferência, repleta de tecni- forense e menor valor ainda para o entendimento
cismos, cuja arbitrariedade é mal disfarçada pela e o manejo dos pactos nacionais de poder.
sua antigüidade. Não é nem teoria nem prática. Em suma, domina uma cultura normativista,
Comumente, é apenas a repetição de fórmulas dou- técnico-burocrática, assente em três grandes
trinárias de pouca ou nenhuma utilidade: as três ideias: a autonomia do direito, a ideia de que o
maneiras de interpretar a norma tal, as duas esco- direito é um fenômeno totalmente diferente de
las de pensamento sobre o instituto jurídico qual todo o resto que ocorre na sociedade e é autôno-
e assim por diante, numa procissão infindável de mo em relação a essa sociedade; uma concepção
preciosismos que não podem ser lembrados (ape- restritiva do que é esse direito ou do que são os
nas efemeramente decorados) porque não podem autos aos quais o direito se aplica; e uma concep-
ser, em qualquer sentido, praticados. Nem sequer ção burocrática ou administrativa dos processos9.
praticados como maneira de analisar8. O excessivo idealismo de nossos meios jurídicos
Os alunos são condicionados a serem agentes costuma cegar-se diante de uma obviedade: im-
passivos do processo de formação e levam esse pede de ver como as diferentes mudanças ocor-
tipo de comportamento para o momento da ativi- ridas ao longo das últimas décadas minaram os
dade profissional, inclusive quando se tornam juí- postulados e as categorias das construções jurí-
zes. A par do apego excessivo a metodologia úni- dicas herdadas do século XIX10.
ca, o ensino do Direito no Brasil
caracteriza-se por abordagem
formalista e monodisciplinar. Os O Direito é considerado ciência autossuficiente e
assuntos tendem a ser introduzi- isso dificulta a comunicação com as demais ciências,
dos de forma enciclopédica, por sobretudo para preparar o aluno para as constantes e
meio de aulas expositivo-descriti- globalizantes mudanças sociais.
vas que introduzem normas con-
tidas na Constituição, em códigos
ou em leis esparsas. Isso reforça a concepção de O ensino jurídico a que estão sujeitos condi-
que as normas devem ser vistas como disposi- ciona os membros do Judiciário brasileiro a fi-
ções abstratas, sem conexão clara e direta com carem menos propensos a permitir algum grau
o mundo real, com prevalente enfoque jurídico- de experimentação e de aprendizado oriundo da
-dogmático. O ordenamento jurídico torna-se sis- experiência. Não costumam ver os advogados
tema autônomo e exógeno à sociedade, que deve como parceiros necessários no desenvolvimento
ser analisado com método e linguagem própria,
o que contribui para a perpetuação do caráter
formalista do ensino. 9 SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolu-
ção democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2007,
p. 69.
8 UNGER, Roberto Mangabeira. Uma nova faculdade 10 FARIA, José Eduardo. Reforma constitucional em
de direito no Brasil. Disponível em: <http: www.law. período de globalização. Revista da Faculdade de
harvard.edu/unger/portuguese/docs/projetos6.doc>. Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v.
Acesso em: 25 jul. 2012. 90, p. 254, 1995.
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
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e implementação de mecanismos de redução da diretrizes para um currículo com competências


morosidade processual, talvez fruto do reduzido centrais tanto para programas de educação conti-
enfoque universitário na habilidade de trabalhar nuada, quanto para autoavaliação pelos adminis-
em equipe, o que é imprescindível para preparar tradores judiciais de seus próprios conhecimen-
pessoas para o convívio social e interpessoal na tos, habilidades e aptidões12.
vida em geral e nas organizações. Os próprios No Brasil, é incipiente qualquer iniciativa vol-
advogados, originários do mesmo sistema de tada à formação de administradores judiciais pro-
ensino, também não se enxergam como agentes fissionais. Os servidores que trabalham na área
capazes de contribuir para fomentar a celeridade fim do Poder Judiciário ingressam por concurso
processual. E não adianta a Constituição Federal público e os requisitos exigidos para habilitação
estabelecer, com clareza mediterrânea, que o ad- ao cargo resumem-se à conclusão do segundo
vogado é indispensável à administração da Justiça, grau ou de curso superior em Direito. É interes-
porque a imposição normativa esbarra na resis- sante notar que, no âmbito das varas federais,
tência cultural. Por seu turno, os juízes america- o Diretor de Secretaria, cargo de confiança do
nos veem necessidade de alocar os advogados magistrado e de livre nomeação, deve ser ba-
nos esforços para gerenciar o ritmo dos litígios charel em Direito, por exigência normativa, e
e os consideram naturais parceiros no desenvol- não se permite nomear pessoa vocacionada e
vimento de programas de redução do atraso na preparada para a atividade administrativa que
condução dos processos11. não seja versada nas leis. É vedada a nomeação
de graduados em Administração,
Engenharia ou Economia, que
A natural falta de educação ou experiência gerencial de poderiam contribuir mais eficaz-
todos que prestam serviço nas varas federais [...] somente mente para a gestão de processos
conduz, na maioria dos casos, à deficiente condução dos e pessoas. A falta de permissão é
processos, que redunda em morosidade e baixa eficiência. pouco razoável diante do fato de
o magistrado deter conhecimentos
jurídicos e ter assessoria compos-
Outro fator que interfere diretamente na ges- ta por bacharéis em Direito. A natural falta de
tão do fluxo de processos diz respeito à inexistên- educação ou experiência gerencial de todos que
cia de administradores profissionais no sistema prestam serviço nas varas federais, associada à
judicial brasileiro. Nos Estados Unidos, o desen- inexistência de escolas especializadas em admi-
volvimento dos princípios do gerenciamento de nistração judicial e ao ensino jurídico insuficien-
processos voltados para combater a morosidade, te e formalista, somente conduz, na maioria dos
na década de 1970, coincidiu com a emersão dos casos, à deficiente condução dos processos, que
administradores dos tribunais, que abraçaram lar- redunda em morosidade e baixa eficiência.
ga responsabilidade pela gestão das cortes em re- Se, por um lado, a independência judicial é
lação às quais os assessores do magistrado eram imprescindível ao exercício da magistratura e
tradicionalmente encarregados. Atualmente, consiste em garantia inarredável, por outro, tal
está em atividade a Associação Nacional dos como é entendida, reforça a dificuldade em lidar
Administradores de Tribunais (NACM – National com o método gerencial. No sistema norte-ame-
Association of Court Management), com aproxi- ricano, a independência do magistrado significa
madamente 2500 membros, que prima por fixar que as decisões judiciais têm de ser balancea-
das com a confiabilidade em termos de se bus-
carem os objetivos organizacionais internos do
11 FABRI, Marco. STEELMAN, David C. Can an Judiciário. O juiz deve priorizar a resolução tem-
Italian Court Use the American Approach to Delay
Reduction? Justice System Journal, Williamsburg, v.
29, n. 1, p. 12, 2008. 12 Idem, p. 17.
série
Cadernos
do CEJ 89

pestiva dos processos fazendo prudente uso dos ganizacionais. Existe velada tendência de ver o
recursos públicos e atingindo os objetivos sem gerenciamento do fluxo de processos com foco
atrasos indevidos. na redução da morosidade como ameaça à inde-
O desempenho judicial é visto não apenas em pendência judicial. No mais alto nível da adminis-
termos de qualidade das decisões, mas também tração judicial, postam-se os órgãos responsáveis
quão bem gerencia os processos. Nesse sistema, os pelo planejamento estratégico, implementação
magistrados mostram combinação de habilidades de políticas judiciais e estabelecimento de normas
legais e gerenciais, que servem como reconheci- gerais para a atividade administrativa do Poder
mento para ocupar posições de liderança. Embora Judiciário, papel atualmente desempenhado pelo
existam variações entre tribunais e juízes quanto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A par dessa
alcance desse ideal, isso tem sido adotado como atuação, a maior parte dos tribunais brasileiros já
a mais desejável interpretação da independência elaborou seu planejamento estratégico.
judicial e do funcionamento do Judiciário13. A independência judicial não pode represen-
No Brasil, a dinâmica da independência judi- tar recusa à adoção do planejamento estratégi-
cial desenvolveu-se de maneira completamente co e incumbe ao magistrado seguir as diretrizes,
diferente. Em 1967, mesmo sob o regime mili- como também estimular os servidores que o
tar, a Constituição reconheceu a independência façam, mesmo quando sejam constatadas difi-
do Poder Judiciário e de seus juízes (arts. 6º e culdades locais na unidade judiciária. Essas di-
113). Mas nenhuma assemelhou-se à Constituição ficuldades, tal como a independência funcional,
Federal de 1988, que assegurou a este Poder de não podem servir de escusa para embasar a não
Estado a mais ampla autonomia e independên- observância, pura e simplesmente, de objetivos
cia, outorgando aos juízes brasileiros a absoluta definidos em âmbito superior.
possibilidade de bem exercer suas funções (arts. Colocando em perspectiva o conceito de in-
92 a 100). dependência, deve-se distinguir entre indepen-
Talvez em razão dos influxos dos anos de go- dência em julgar, que proscreve interferências
verno militar, os juízes tornaram-se muito ciosos à imparcialidade do magistrado, e independên-
de sua independência para julgar, cujo alcance cia em administrar, que exige que determinadas
leva o magistrado a ter extensa autonomia em convenções e regras sejam obedecidas caso se
sua rotina profissional. Sob o argumento da in- queira alcançar objetivos institucionais. Um pro-
dependência judicial, o magistrado organiza o fícuo sistema de gestão processual, embora possa
serviço cartorário de acordo com sua conveni- demandar certo sacrifício na independência ad-
ência; realiza jornada de trabalho que melhor ministrativa, de nenhuma forma será capaz de
lhe aprouver; escolhe a forma como os processos interferir na autonomia do juiz em proferir de-
serão conduzidos, do exame da petição inicial até cisões. Os magistrados devem responsabilizar-se
a sentença, segundo seu critério pessoal; e hierar- pelos resultados que propiciam aos cidadãos e,
quiza a atividade judicial dentre outras a que se para isso, a independência judicial, antes de ser-
dedica conforme reclamam seus interesses. vir como entrave ou como fim em si mesma, deve
Nesse contexto, todo esforço para definir a figurar como meio que assegura ao Judiciário
estratégica missão do Judiciário, que enfatize atender essa finalidade14.
a celeridade no julgamento dos processos, en- A produção de melhoras em detrimento da mo-
contra resistência na independência judicial que rosidade processual, por vezes, encontra barreiras
permite a cada juiz ignorar os imperativos or- na própria lei ou na interpretação que dela se faz.
A morosidade no sistema de justiça está edificada

13 FABRI, Marco. STEELMAN, David C. Can an


Italian Court Use the American Approach to Delay 14 GAEBLER, Ted. OSBORNE, David. Reinventing gover-
Reduction? Justice System Journal, Williamsburg, v. nment: how the entrepreneurial spirit is transforming
29, n. 1, p. 14, 2008. the public sector. New York: Plume, 1993, p. 141.
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
90

na estrutura dos códigos e leis processuais. Exemplo Indicadores que demonstram


disso é o juizado especial federal. Criado para julgar 5. INDICADORES progresso em direção aos resul-
causas de pequena complexidade e infrações de E METAS tados almejados ou o nível de
menor potencial ofensivo, instituiu-se microssiste- resultado obtido
ma de justiça altamente burocrático e redundante.
As instâncias do juizado especial federal dividem-se A implantação do modelo de gestão passa pela
em primeiro grau, Turma Recursal, Turma Regional definição dos detalhes de cada um dos pilares
de Uniformização de Jurisprudência, Turma citados acima. O primeiro e fundamental passo
Nacional de Uniformização de Jurisprudência, é o estabelecimento do objetivo estratégico, que
Superior Tribunal de Justiça (incidente de unifor- deve ser acompanhado de métodos e instrumen-
mização) e Supremo Tribunal Federal (recurso ex- tos de trabalho necessários. A partir daí são defi-
traordinário). As partes contam com seis etapas nas nidos padrões de desempenho que permitem me-
quais se examina o direito pretendido. O elevado e dir a eficiência da organização e de cada setor.
incomparável número de oportunidades de impug- Algo interessante que tem auxiliado no mo-
nação destinado a pequenas causas é golpe fatal delo de gestão é o programa CTPJ (Controle do
contra toda e qualquer forma de gestão processual. Trâmite dos Processos Judiciais). Depois da de-
Não basta, pois, tramitar ou agir relativamente finição de prazos máximos para julgamento das
ao caso concreto de acordo com as regras pro- ações, foi feito o controle da tramitação de cada
cessuais (elas próprias, em muitos aspectos, de- um dos processos judiciais em curso pelo softwa-
vem ser objeto de alteração), mas sim de acordo re CTPJ, criado em coautoria com o engenheiro
com objetivos orientadores e mecanismos de ges- Márcio Augusto de Menezes Filho. Por meio do
tão processual, com o propósito de obter decisão programa, é possível apurar o tempo exato de
final que seja simultaneamente justa e rápida.15 duração de cada processo, medido em dias, e
A despeito das dificuldades mencionadas, foi qual o percentual de ações que respeitaram os
implantado, na 1ª Vara Federal de Montes Claros/ prazos máximos fixados.
MG, um modelo de gestão processual, que se as- O programa adota algumas cores, à semelhan-
senta em cinco pilares. Em síntese, para o bom ça daquelas empregadas pelo DEFCON. O siste-
funcionamento do modelo de gestão, precisamos ma DEFCON é utilizado pelo exército norte-ame-
observá-los: ricano e estabelece cinco níveis de graduação de
Objetivos de longo prazo que se prontidão ou de estado de alerta. À medida que
1. ESTRATÉGIA espera atingir pelo Modelo de a situação exige maior prontidão, altera-se a cor.
Gestão. No programa, à medida que o tempo passa, cada
Quem faz o que e quais recursos processo da lista que deve ser acessada diariamen-
2. ESTRUTURA E
são necessários para a execução te, para controle do andamento, recebe uma cor
RECURSOS até que fique marcado de vermelho, quando todo
das atividades
3. CALENDÁRIO Calendário das atividades coor- o tempo terá transcorrido. O programa fornece
informação do tempo decorrido desde o ajuiza-
DE ATIVI- denadas dentro do horizonte de
mento da ação e emite alerta, com a mudança
DADES gestão
de cor, quando 20%, 40%, 60% e 80% do limite
Rotinas e Projetos necessários à temporal definido for ultrapassado. A sequência
4. ROTINAS E
obtenção dos resultados preten- de cores inicia-se com o azul, passa para o verde,
PROJETOS
didos amarelo, laranja e é finalizado com o vermelho.
O programa deve ser utilizado diariamente por-
que, por meio dele, consegue-se obter um retrato
15 SANTOS, Boaventura de Sousa et alli. Para um novo instantâneo do andamento dos processos na uni-
judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos pro-
dade judiciária. É possível, por exemplo, escolher
cessos cíveis. Coimbra: Observatório Permanente da
Justiça Portuguesa, 2008, p. 135. um mês do calendário e identificar os processos
série
Cadernos
do CEJ 91

que vencerão o prazo ou que já estão vencidos em mensalmente, como também das ações que ul-
cada dia. O sinal azul mostra as ações que foram trapassaram o prazo máximo previsto.
ajuizadas naquele dia. O sinal vermelho, as ações Além disso, o CTPJ possui banco de dados com
cujo prazo venceu ou vencerá. Assim é possível registro de todas as varas federais do país e respec-
fazer previsões, organizar o serviço e estabelecer tivos endereços e telefones. A cada uma das varas
estratégias de atuação para julgar os processos nos federais está associada a numeração processual
prazos previamente definidos. unificada em todo o país. Por exemplo, em Montes
O programa deve ser alimentado com os dados Claros, os processos contam com a terminação
dos processos, com a especificação do registro nu- 4.01.3807. Como foi inserido no programa o al-
mérico, a data do ajuizamento, o tipo de ação, o goritmo utilizado no sistema judiciário brasileiro
juiz responsável e, posteriormente, a data da sen- para verificação do dígito verificador, a inserção
tença. Como todo sistema informatizado, o lança- equivocada dos dígitos iniciais é reconhecida e
mento dos dados deve ser feito com rigor e atenção impede o registro da informação. Ao lado dessas
para refletir a situação real que se quer retratar. informações, há registro de todos os juízes vincu-
Ele conta com uma lista cronológica dos pro- lados ao Tribunal Federal da 1ª Região.
cessos, não baseada no número do registro, mas Um dos relatórios mostra as características etá-
na data em que foram ajuizados. A lista apresenta rias dos processos durante períodos de tempo
o número do processo, o tipo de ação, o prazo de selecionados. O relatório tem mais valor porque
duração e as datas de início e fim, considerando a computa a idade dos processos finalizados em
conclusão no tempo ideal. Essas informações são percentis. O cômputo do tempo médio é dado re-
acompanhadas de gráfico de barra lateral, que levante, mas não provê tanta informação quanto
mostra a progressão de cada processo ao longo o relatório que inclui medianas e outros percen-
do tempo, e de sinal identificador de prioridade. tis. Os mesmos dados descritos para a análise da
As duas informações são ressaltadas para facilitar idade dos processos julgados estão disponíveis
o controle visual dos processos. A partir dessa para os processos pendentes. Isso permite que se
lista podem ser emitidos vários relatórios. detectem problemas tão logo surjam.
É possível fazer o
registro de prioridades
processuais, tais como O CTPJ fornece dados estatísticos de quantos processos
ações que envolvem foram concluídos dentro do prazo, qual o percentil de
réus presos, o que faci- processos finalizados em vários espaços de tempo e o
lita o acompanhamento tempo médio de resolução de cada tipo de ação.
pelo magistrado para
que se instituam corre-
dores de trâmite mais célere, a fim de antecipar O CTPJ fornece dados estatísticos de quantos
o julgamento do processo prioritário. processos foram concluídos dentro do prazo, qual
Ao mesmo tempo em que fornece informa- o percentil de processos finalizados em vários es-
ções conjuntas, o programa possibilita selecionar paços de tempo e o tempo médio de resolução
processos isoladamente para verificar o tempo de cada tipo de ação. Permite-se saber quantos
transcorrido e a situação dele perante os demais. processos tiveram fim no universo de ações da
Assinala quando um processo é finalizado além mesma espécie. O cálculo do tempo médio de
do tempo previamente estabelecido. resolução é acompanhado pelo cálculo da moda
Existe gráfico de barras que dá informações e da mediana, como forma de melhor aferir o de-
sobre a quantidade de processos ajuizados, sen- sempenho judicial. A média é calculada a partir
tenciados e em tramitação ao longo de cada mês. da soma do conjunto de valores e de sua divisão
Por meio do gráfico, há informação visual sobre pela quantidade de valores. Moda é o valor mais
o número de processos e sentenças registrados frequente em um conjunto de dados. Mediana
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
92

é uma medida de tendência central que tem a ce de desenvolvimento da educação básica – na


característica de dividir um conjunto ao meio, de entrada do estabelecimento de ensino, para que
modo que 50% dos valores sejam menores que a população toda veja e saiba qual é o tipo de
ela e 50% dos valores sejam maiores. educação ali existente. Talvez, no futuro, cada
O programa calcula a taxa de congestionamento vara judicial terá em sua entrada esses índices
processual, o backlog processual e também computa trazidos pelo CTPJ, que demonstrariam o desem-
a taxa de eficiência. Encontra-se em fase experimen- penho da Justiça ao longo do tempo.
tal desde 2012, contando com aproximadamente A maior transparência decorrente do modelo
2000 ações registradas, e é ferramenta indispensável de gestão talvez torne mais fácil julgar a justiça
para o gerenciamento do fluxo de processos. por seus atos e fatos, em vez de avaliá-la a partir
O êxito do modelo de gestão implantado na 1ª do último escândalo ou do caso atípico ocorrido
Vara Federal de Montes Claros depende do esta- ou do erro judiciário praticado. Com melhor co-
belecimento de indicadores, medição de rotinas nhecimento de causa, a população poderá ajus-
e resultados, cumprimento de metas e alcance de tar sua percepção acerca do funcionamento do
objetivos estratégicos. O CTPJ desempenha pa- sistema judicial e, inclusive, requerer mais meios
pel indispensável para o bom funcionamento da para capacitá-lo a bem operar16. Talvez passemos
unidade judiciária porque fornece informações da razoável duração do processo – conceito ain-
relevantes para verificar o sucesso das atividades, da incipiente no país – para a ótima duração, em
como também para orientar escolhas e condutas. que os jurisdicionados contarão com eficiente sis-
No Brasil, há proposta legislativa para que as tema que lhes garanta a resolução de conflitos.”
escolas coloquem as notas obtidas no IDEB – índi-

16 PASTOR, Santos. Los nuevos sistemas de organización


y gestión de la justicia: mito o realidade? In: Tercera con-
ferencia sobre justicia y desarrollo en América Latina y
el Caribe, 24 a 26 de julio, 2003, Quito, p. 22.
aos meios que determinem a celeridade de sua
tramitação ganhou status constitucional, nos ter-
mos do art. 5º, LXXVIII, da Carta Maior. Embora
expressa na Constituição, tal garantia não se faz
concreta, ao menos não na medida desejada pelo
Constituinte e pela população.
Passada uma década da criação dos juizados
especiais federais (JEFs), com ritos próprios à
consecução da oralidade, informalidade de pro-
cedimentos e celeridade na tramitação proces-
Técnicas de aceleração processual e sual, o que se percebe é que, não obstante as
incontestes conquistas sociais trazidas pela Lei
gestão de processos1 10.259/2001, que criou os JEFs, sobretudo no que
Nilson Rodrigues Barbosa Filho toca ao acesso à Justiça, os juizados tais quais as
Coordenador de Gerenciamento dos Juizados varas ditas comuns, encontram-se assoberbados
Especiais Federais da Procuradoria Federal Espe- e sem condições de dar rápida e efetiva resposta
cializada junto ao INSS às demandas que lhe aparecem.
O grande acervo de processos previdenciários
e assistenciais que versam sobre a Lei Orgânica
de Assistência Social – LOAS (Lei 8.742/2003) não
é exclusividade dos juizados especiais federais e


varas ordinárias. Os tribunais regionais federais,
Dados divulgados recentemente pelo a quem compete julgar os recursos das causas
Conselho Nacional de Justiça demonstram que cujos valores superam a alçada dos juizados ou
o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é que recebem os recursos interpostos perante os
o maior litigante judicial do Brasil, portanto, a juízos estaduais que atuam mediante competência
parte com o maior número de ações tramitando constitucional delegada2, igualmente encontram-
no país, fato que não surpreende àqueles que -se abarrotados de processos desta natureza.
diariamente atuam na matéria previdenciária, em Os juizados especiais servirão então como
especial, nos juizados especiais federais. mola propulsora de ajuizamento de demandas
Ao longo do presente texto tentaremos, de for- previdenciárias, aproximando a população do
ma despretensiosa, analisar possíveis técnicas de Judiciário Federal e, com isso, dando oportunida-
aceleração processual e a gestão de processos na de de rediscutir decisões do INSS que, até então,
via administrativa e judicial das questões previ- na maior parte das vezes, encerravam-se de ma-
denciárias e assistenciais, com o intuito de apon- neira definitiva com o julgamento administrativo.
tar possíveis causas da judicialização em massa, O crescimento da busca ao Judiciário superou
bem como problemas e fatores que a incentivam. todas as expectativas possíveis, fazendo com que
a Procuradoria-Geral Federal3 (PGF) e o próprio
1 Da aceleração processual – técnicas
de abreviação do litígio e garantia da 2 Art. 109, § 3º – CF “Serão processadas e julgadas na
duração razoável do processo. justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados
ou beneficiários, as causas em que forem parte insti-
A garantia à duração razoável do processo e tuição de previdência social e segurado, sempre que
a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e,
se verificada essa condição, a lei poderá permitir que
1 Exposição apresentada no painel relacionado às técni-
outras causas sejam também processadas e julgadas
cas de aceleração processual e gestão de processos com
na justiça estadual”.
base na análise específica da via administrativa e judi-
cial das questões previdenciárias e assistenciais. 3 A Procuradoria-Geral Federal é o órgão da
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94

Poder Judiciário tivessem de se adaptar a esta Como política de conciliação, a PGF, a


nova realidade, inclusive no que concerne ao pra- Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS
zo reduzido e não diferenciado à Fazenda Pública. (que integra a PGF) e tribunais regionais federais, a
Neste contexto, o fomento da prática da exemplo do TRF 1 e TRF 4, já firmaram protocolo
conciliação foi – e continua a ser – uma das mais de intenções e acordos de cooperação para o fun-
importantes iniciativas para a aceleração proces- cionamento de grupos de trabalho para análise de
sual, na medida em que a solução do processo é processos com viabilidade de transação em 2ª ins-
abreviada para fase anterior à decisão. tância, o que já ocorre, nos tribunais mencionados.
Para que a conciliação pudesse virar uma re- A política de conciliação ganha cada vez mais
alidade, foi preciso o rompimento do paradigma corpo na atuação de representação do INSS, in-
da indisponibilidade do erário público como óbi- clusive no âmbito das turmas recursais. É preci-
ce para realização do acordo. Tal argumento não so reconhecer, todavia, que a consolidação da
tem mais cabimento numa Advocacia Pública de política conciliatória não é uma realidade que se
Estado, destinada a reconhecer os legítimos direitos encontra no mesmo nível em todos os segmen-
do cidadão na mesma medida em que deve impug- tos da Advocacia-Geral da União. Ainda assim
nar as pretensões que não mereçam prosperar. pode-se perceber um movimento de inclusão da
Parece-nos falacioso falar em persistir com de- conciliação nas atividades contenciosas da AGU
mandas sem viabilidade recursal ou cujos direitos além das causas previdenciárias, em especial em
dos cidadãos podem ser verificados no curso da matéria de pessoal e servidor público.
instrução como forma de proteger a indisponibi- Embora sejam inegáveis as virtudes da adoção
lidade do erário. O reconhecimento do direito da conciliação no cotidiano dos procuradores fe-
e a abreviação do litígio mediante propositura derais nos juizados especiais federais e demais ju-
de acordo é invariavelmente menos custoso aos ízos singulares, bem como de forma concentrada
cofres públicos, além de confirmar o papel da nos tribunais regionais federais, o fato é que tal
Advocacia-Geral da União em sua função essen- postura não foi suficiente para atingir o objetivo
cial à Justiça. almejado por todos – ou quase todos – qual seja,
Forte nestas premissas é que a Procuradoria- a diminuição da litigiosidade.
Geral Federal consolidou a prática da conciliação
na representação do INSS, mudando a postura 2 Gerenciamento e prevenção de
outrora meramente litigiosa para uma feição litígios
consensual, aberta ao diálogo e à propositura de
Embora exitosa no que toca à abreviação da
acordos, o que pode ser constatado diante dos
solução dos litígios, a conciliação não conseguiu
números de conciliações já realizados.
interferir na diminuição da litigiosidade, no âmbito
Em 2012 a PGF celebrou mais de 98.000 acor-
do Poder Judiciário, causando aos operadores do
dos judiciais, que resultaram, além da concessão
Direito, especialmente na área Previdenciária, a
de benefícios previdenciários e assistenciais, no
permanente sensação de se estar a “enxugar gelo”.
pagamento de aproximadamente 615 milhões de
Não há fórmulas infalíveis para atingir o ob-
reais e numa economia estimada de 330 milhões
jetivo da redução de demandas, há, entretanto,
de reais4; apenas em fevereiro de 2013 foram re-
equívocos que certamente levarão ao fracasso
alizados mais de 6400 acordos judiciais.
desta pretensão, de modo que conhecê-los é, no
mínimo, o ponto de partida para uma caminhada
Advocacia-Geral da União com a atribuição de re- rumo à diminuição dos litígios e à racionalização
presentar juridicamente todas as autarquias e fun- dos processos.
dações públicas federais, inclusive o INSS, a maior Nos debates em relação ao tema não é raro que
dentre todas as autarquias. se apontem culpados, ou o que é pior, culpados
4 Dados consolidados e divulgados pelo Departamento exclusivos, para o problema da alta litigiosidade.
de Contencioso da PGF: www.agu.gov.br/pgf Este é, sem dúvida, um dos maiores erros que se
série
Cadernos
do CEJ 95

pode ter. Entender que todos os atores envolvidos zados mais de 61 milhões de acessos ao site da
com os processos judiciais podem e devem contri- Previdência Social, mais de 58 milhões de ligações
buir para sua racionalização e que todos possuem à central de atendimento 135, além dos milhões de
condutas que precisam ser aperfeiçoadas é ponto comparecimentos espontâneos às mais de 1.500
chave para resolução dos problemas. Agências da Previdência Social (incluídas as agên-
Com intuito de facilitar a identificação dos pro- cias móveis, como PREVBARCO e PREVMÓVEL),
blemas e condutas a serem aperfeiçoadas, trata- que juntas receberam mais de oito milhões e qua-
remos de forma apartada cada um dos principais trocentos mil requerimentos de benefícios previ-
atores envolvidos, a saber: INSS (polo passivo); denciários, dos quais 55% foram deferidos6.
beneficiários (polo ativo) e respectivos patronos; Com intuito ilustrativo, suponhamos que das
Poder Judiciário; e AGU. mais de 700 mil perícias mensalmente realizadas
administrativamente, haja equívoco de avaliação
3 Instituto Nacional do Seguro Social em 5% delas, com prejuízo ao particular. Não pa-
rece razoável dizer que este seja um percentual
O INSS é tido como o maior litigante do Brasil,
de falibilidade técnica alta, porém, ainda assim,
a bem da verdade trata-se do maior litigado, uma
serão 35 mil novas ações judiciais em potencial.
vez que figura no polo passivo em mais de 99%
É preciso ter a consciência, portanto, que num
das causas em que é parte, sendo, em geral, au-
quadro de enorme contingente de relações jurí-
tor nas ações regressivas acidentárias e ações re-
dicas o índice de demandas judiciais jamais será
gressivas por ato ilícito, as quais, não obstante a
inexpressivo, contudo, igualmente, é preciso re-
grande relevância econômica e social, não serão
conhecer que se deve aperfeiçoar o sistema.
aqui analisadas tendo em vista o número pouco
expressivo de causas se comparado ao total de a) Inovação no atendimento
demandas contra si ajuizadas.
O INSS é a maior Autarquia Federal do Brasil, Poucos exemplos são tão positivos no serviço
contando atualmente com mais de 30 milhões de público quanto à melhoria e expansão do atendi-
beneficiários diretos, sendo, ainda, a seguradora mento do INSS. Em janeiro de 2009 a Previdência
social de mais de 75 milhões de brasileiros com Social lançou o Projeto de Expansão da Rede de
quem mantém vínculo contributivo, além daque- Atendimento do INSS (PEX), que alavancou o nú-
les que podem vir a se beneficiar na condição mero de agências da Previdência Social de 1.112
de dependentes dos segurados da previdência em 2009 para 1.506 em 2013, com previsão de
social ou beneficiários dos amparos assistenciais funcionamento de 1.853 agências até o final do
ao idoso ou ao deficiente. cronograma previamente estabelecido.
O Regime Geral de Previdência Social, cujos Além da expansão e reforma física das agências,
serviços e benefícios são pagos e gerenciados o INSS tem, desde 2007, evoluído significativa-
pelo INSS, estão a garantir sustento ou proteção mente no monitoramente gerencial de seu aten-
a mais da metade da população brasileira. Estudos dimento. Os gestores centrais podem, em tempo
demonstram que os pagamentos dos benefícios real, em uma “sala de monitoramento”, acom-
mantidos pelo INSS são a principal fonte de renda panhar o que se passa em todas as agências da
para mais de dois terços dos municípios brasilei- Previdência Social no país, em seus mais especí-
ros, superando, inclusive, a renda repassada pelo ficos detalhes, tais como: quantidade de pessoas
fundo de participação dos municípios (FPM)5. que estão sendo atendidas, tempo que esperam
O gigantismo da Autarquia dá a dimensão dos na fila, duração de cada atendimento, número de
seus desafios e complexidades. Para que se tenha servidores em atendimento, produtividade diária
uma ideia, apenas no ano de 2012, foram reali-

6 Os dados estatísticos da Previdência Social estão dis-


5 Revista da Previdência Social, Ano II, set.-dez. 2012. poníveis no sítio: www.mps.gov.br.
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de cada servidor, perito médico e agência, etc. quando a norma se mostra omissa em relação à
Esse monitoramento permite de maneira con- realidade apresentada no caso concreto. A autar-
fiável diagnosticar problemas em tempo real e quia precisa enfrentar o paradoxo entre a unifor-
seus impactos no atendimento à população e, mização e a autonomia, ainda que limitada, para
ainda, fornece ao gestor um leque de opções que seus servidores possam, diante das peculiari-
para solucionar os problemas na medida em que dades de cada caso, decidir da forma mais ade-
eles ocorrem, bem como prevenir futuros erros. quada quando se depararem diante de uma situ-
A informatização do sistema e a abertura a ação não especificada na norma. Para enfrentar
canais de atendimento por internet e por telefo- tal desafio, como veremos, a Autarquia deve estar
ne solucionou o histórico problema das filas do cada vez mais próxima da Procuradoria que lhe
INSS. Em tempos não tão remotos os requerentes presta consultoria, o que propiciará segurança e
eram obrigados a passar madrugadas em filas que eficiência ao ato decisório.
dobravam os quarteirões. Hoje, a partir de um Para que a diminuição das demandas judiciais se
prévio agendamento, o segurado tem data e hora faça realidade é preciso ainda, e de modo essencial,
marcada para ser atendido. fomentar a busca da verdade real no âmbito admi-
O INSS demora (média nacional) 20 dias para nistrativo e aperfeiçoar a motivação das decisões.
concluir o atendimento a partir da ligação à cen- Em diversas situações, a narração dos fatos
tral 135 ou agendamento pela internet, prazo e a apresentação de determinados documentos
este que passa a ser, também em média, de 31 pelo interessado não é o suficiente para escla-
dias em se tratando de benefício que exige pe- recer todos os pontos controversos. Nestas cir-
rícia médica. Embora possa não se considerar cunstâncias, em geral, o INSS expede uma carta
o tempo ideal, forçoso reconhecer se tratar de de exigências, o que, nem sempre supre os ques-
prazo demasiadamente mais curto que o trâmite tionamentos surgidos na instrução do proces-
de um processo judicial, que segundos dados de so. Em caso de dúvidas, o que fazer? Indeferir?
pesquisa do IPEA encomendada pelo Conselho Obviamente que não, em caso de dúvidas que
Nacional de Justiça é de um ano e oito meses e estas sejam esclarecidas, especialmente por meio
15 dias nos juizados especiais federais7. de medidas alternativas de aprimoramento da
instrução, como justificação administrativa e pes-
b) Da necessidade de aperfeiçoamento do pro- quisas externas.
cesso administrativo previdenciário Embora previstas na legislação interna, o INSS
não tem utilizado tais ferramentas o tanto quanto
No âmbito do INSS, o processo segue dire- deveria, fazendo prevalecer, em alguns casos, a
trizes gerais estabelecidas por normas inter- máxima que na dúvida se indefere. Afastamos de
nas, com respeito aos princípios que norteiam pronto que esta seja uma regra no âmbito do INSS,
o processo administrativo. Do mesmo modo, a tampouco uma prática usual, o que se estar a dizer
análise do direito tem por base normas unifor- – e dizemos – é que os que são menos abasteci-
mizadoras, sendo a principal delas a Instrução dos de provas e documentos restam prejudicados
Normativa 45/2010, que vem a complementar a (normalmente os mais carentes), quando, ao nos-
Lei 8.213/91, o Decreto 3.048/99, dentre outras so sentir, na insuficiência de provas juntadas aos
fontes normativas. autos, diligências como justificação administrati-
Se de um lado obtém-se uniformidade de atua- va ou pesquisas externas devessem ser realizadas,
ção, a rígida interpretação legal, em determinados não cumprindo com exclusividade ao requerente
casos, leva ao legalismo excessivo, especialmente produzir todos os elementos probatórios.
Em que pese estarem os atos decisórios do
INSS, em sua esmagante maioria, justificados,
7 Acesso à Justiça Federal: dez anos dos juizados es- corretos e adequados à legislação em vigor, de
peciais, disponível em: http://www.cjf.jus.br/cjf/CEJ-
um modo geral podemos dizer que pecam quan-
Coedi/pesquisas-cej.
série
Cadernos
do CEJ 97

to à precariedade da fundamentação. Até bem controvérsias de índole eminentemente fática.


pouco tempo, as razões da decisão limitavam-se A prática processual desleal está estritamente
às automaticamente sugeridas pelo sistema, inva- ligada ao sentimento de impunidade para com
riavelmente genéricas. aqueles que litigam de má-fé. Tem sido cada vez
Hoje existe a possibilidade de inserção manual maior o número de pessoas que não residem ou
dos motivos que levaram, naquele caso, ao (in)de- mesmo nunca residiram no campo e, diante do
ferimento do benefício, contudo, percebe-se ainda juiz, passam-se por trabalhadores rurais de subsis-
uma timidez quanto à exaustiva motivação, o que tência e ao assim agirem mentem e omitem fatos
dificulta sobremaneira o entendimento dos segura- e dados sobre suas vidas, juntam documentos cla-
dos e até mesmo dos julgadores sobre os motivos ramente falsos, declarações sindicais produzidas
que levaram à negativa da concessão do benefício. por encomenda ou extemporâneas, dentre outros
A falta de compreensão das razões que leva- tantos simulacros.
ram ao indeferimento estimula a busca ao Poder Muitas vezes, entretanto, os requerentes se-
Judiciário que, por sua vez, tende a levar a cabo quer têm ciência da torpeza praticada em seu
as argumentações da parte autora quando não nome, na medida em que os atos contrários ao
encontra suficientemente demonstradas as justi- direito são produzidos por advogados ou atraves-
ficativas da decisão administrativa. sadores, que buscam obter proveitos financeiros
com as demandas judiciais.
4 Requerentes e advogados Para bem compreender como a judicialização
Engana-se quem imagina que aos próprios pode ser benéfica para alguns, citamos o que atu-
requerentes não se possa imputar parte da res- almente é um dos principais problemas nos aten-
ponsabilidade pela litigiosidade excessiva junto dimentos das agências da Previdência Social, o
ao Poder Judiciário. Evidentemente não nos chamado “indeferimento forçado”. Tal conduta
referimos aos que buscam legítimo interesse ou eleva os índices de indeferimento administrativo
direito não conferido pela Administração e que e consiste basicamente em fazer com que o re-
enxergam no Judiciário o único caminho para querimento seja indeferido na via administrativa,
reparar injustiças. como forma de viabilizar uma futura ação judicial.
Fala-se aqui dos milhares de demandantes que, O indeferimento forçado, em quase sua tota-
valendo-se das falhas e eventuais precariedades lidade, é conduzido por escritórios de advocacia
do funcionamento administrativo e judicial, ten- ou atravessadores que, munidos de procuração,
tam a todo custo obter vantagem indevida, direitos comparecem ao INSS levando consigo apenas a
que sabidamente não lhes pertencem, e a praxe, carteira de identidade dos requerentes ou parcos
lamentavelmente, demonstra que tais tentativas documentos, irrelevantes ao deslinde da questão.
temerárias valem a pena, por vezes, inclusive, com Quando apresentada carta de exigências (para
involuntária tolerância do Poder Judiciário. que documentos complementares sejam junta-
Em termos gerais, vivemos uma realidade pro- dos ou testemunhas trazidas para serem ouvidas)
cessual previdenciária em que ajuizar uma deman- adiantam a negativa em cumpri-las, o que resulta
da é simples – o que é bom e condizente com o no indeferimento do pedido.
acesso à justiça – gratuita e sem risco, este o ponto A conduta é explicável, pois, é a sentença ju-
de concentração de problemas e disfunções. dicial e não a concessão administrativa que ren-
Houve um tempo em que estar diante de um de atrativos honorários advocatícios; ademais,
juiz impunha ao cidadão o dever de respeito e tenta-se, com tal proceder, fixar o requerimento
lealdade, hoje testemunha-se diariamente par- administrativo como marco inicial do direito, ele-
ticulares faltarem com a verdade, mediante de- vando assim o valor dos pagamentos retroativos
clarações e produção de provas inidôneas com o e consequentemente a parcela que cabe aos es-
intuito de obter benefício previdenciário judicial- critórios ou atravessadores.
mente, especialmente nos litígios que envolvem Registra-se aqui o reconhecimento à função
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
98

essencial à justiça exercida pela advocacia, o que na balança, ou seja, percebe-se, diante de uma
se concretiza quando o advogado, no exercício crescente demanda, uma maior demora na presta-
de seu mister, conduz legitimamente o seu clien- ção jurisdicional em detrimento de uma instrução
te ao reconhecimento do que lhe é de direito. processual cada vez mais pobre. Mais uma vez re-
Igualmente reconhece-se o advogado como figu- corremos ao diagnóstico de falhas gerenciais para
ra essencial à garantia dos direitos do cidadão, tentar tomar lições dos equívocos cometidos.
garantia esta que, por vezes, só se faz presen- Especificamente em relação aos segurados
te mediante interposição de medida judicial, e especiais – responsáveis pela maior parte das
reconhece-se, enfim, que a conduta ética e pro- demandas judiciais – nada é mais comum que
fissional é própria à maioria dos advogados que verificar em processos judiciais documentos fal-
diariamente honram tão valorosa profissão. sos, declarações inverídicas e contradições entre
O que estamos a registrar é a conduta desleal depoimentos e testemunhas.
e abusiva de uma minoria – numerosa, apesar O Poder Judiciário mostra-se incrivelmente to-
disso – que, ao arrepio de suas obrigações e prin- lerante com práticas desleais de requerentes e ad-
cípios, buscam enriquecer mediante ardilosos e vogados, o que torna o processo previdenciário ex-
reprováveis procedimentos. tremamente atrativo aos oportunistas, um processo
sem riscos, em que o êxito da fraude pode levar à
5 Poder Judiciário indevida concessão de um benefício e a mentira,
quando descoberta, não resulta em prejuízo algum.
As demandas previdenciárias, outrora restritas
A inexistência de punição é uma triste realida-
aos mais esclarecidos ou aos que possuíam con-
de nos processos previdenciários. É muito mais
dições de arcar com as despesas de advogados e
comum a cominação de multas e ameaças de
custos processuais, tornou-se consideravelmente
prisão a servidores do INSS e a procuradores fe-
mais acessível com o advento dos juizados espe-
derais por eventuais atrasos no cumprimento de
ciais federais. O ajuizamento desburocratizado,
decisões do que a imposição de alguma medida
a simplificação dos ritos e a desnecessidade de
punitiva contra quem, descaradamente, tenta
acompanhamento por advogado ensejaram uma
fraudar o processo.
inegável (r)evolução na área previdenciária.
Some-se a isso um gerenciamento incipiente
A facilidade de acesso à Justiça representou
da Justiça Federal e dos juízos com competência
uma conquista social especialmente àqueles que,
delegada que lidam com a matéria previdenci-
em outros tempos, teriam, por razões econômi-
ária. O Poder Judiciário não criou ferramentas
cas ou sociais, na decisão administrativa a única
eficientes de monitoramente e controle de ges-
resposta estatal aos seus pleitos, sem chances de
tão; pior, por vezes estimula varas judiciárias
uma reapreciação judicial.
que apresentam um mau desempenho, exemplo
À medida que a demanda crescia, maior era a
clássico disto são os famigerados mutirões previ-
complexidade de conciliação entre a celeridade
denciários, tão comuns no âmbito da 1ª Região.
processual e a qualidade da instrução e dos julga-
No Tribunal Regional Federal da 1ª Região
mentos. Os ritos processuais, fortes no princípio
criou-se a cultura dos mutirões previdenciários,
da informalidade e na criatividade individual de
como medida excepcional e paliativa de desafo-
cada vara de juizado especial federal, passaram
gar processos represados. Seguindo uma tendên-
a ser cada vez mais simplificados, ao preço, oca-
cia pátria, o que era para ser excepcional virou
sionalmente, da insegurança e incerteza das de-
regra em diversas varas federais, muitas das quais
cisões, sobretudo nas quizilas cujas controvérsias
realizam – com grande divulgação social – muti-
são eminentemente fáticas.
rões anuais.
O tempo consolidou procedimentos exitosos,
Ora, se determinada vara federal anualmen-
outros nem tanto, a realidade atual, todavia, de-
te deixa acumular milhares de processos, seria
monstra que está cada vez mais difícil atingir sa-
o caso, então, de uma gestão mais próxima na
tisfatoriamente os valores que se equilibravam
série
Cadernos
do CEJ 99

referida unidade, para identificar as razões des- Tribunal Federal (STF) e na Turma Nacional de
te acúmulo rotineiro e efetivar as correções ou Uniformização (TNU).
acréscimos necessários. A opção, todavia, tem A crítica que se faz aos julgamentos com reper-
sido a de “premiar” os que não conseguem man- cussão geral do Supremo Tribunal Federal relacio-
ter em dia seu acervo processual com a realiza- na-se à demora para que tais decisões venham a
ção de mutirões. ser proferidas, demora esta compreendida em ra-
Os gastos excepcionais ao Estado, com diárias, zão das amplas possibilidades de se levantar uma
deslocamentos, entre outras necessidades estrutu- questão constitucional a ser decidida pela Corte
rais, já seriam suficientes às críticas destes mutirões, Maior, não obstante os filtros existentes em rela-
o pior, entretanto, é o efeito reflexo, o estímulo ao ção à admissibilidade recursal. Enquanto aguar-
ajuizamento de demandas previdenciárias. dam um posicionamento do STF, os feitos ficam
Em geral, os mutirões são organizados com sobrestados nas cortes inferiores, elastecendo-se,
pautas de 40 a 50 audiências por dia, mediante assim, o prazo para resolução do conflito.
instrução precária. A pressa dá lugar à celerida- Em relação à TNU, a crítica não repousa preci-
de, e, de fato, tem sido a inimiga da perfeição. samente na demora para a decisão, mas, especial-
O ambiente caótico é perfeito aos oportunistas, mente, na dinâmica e organização dos julgamen-
que, aproveitando-se da capenga instrução pro- tos, o que prejudica a consolidação jurisprudencial
cessual, buscam a obtenção de direitos que não e a respeitabilidade de seus julgados.
possuem. Doutra banda, a má análise pode pre- Assim como nas turmas recursais, os membros
judicar verdadeiros detentores de direitos, cujos da TNU são escalonados por curto prazo em cons-
pedidos eventualmente são negados em meio à tante rodízio. Em geral, os membros da TNU são
apressada instrução. juízes singulares que atuam perante os juizados
Também atribui-se ao Judiciário a responsa- especiais federais, os quais acumulam atribuições
bilidade pela elevada concentração de processos na Turma Nacional e nos juízos de origem.
sem o prévio requerimento admi-
nistrativo. Sem polemizar quanto
ao mérito da tese da necessidade O Poder Judiciário mostra-se incrivelmente tolerante
de efetivar o pedido administrativo com práticas desleais de requerentes e advogados, o que
junto ao INSS antes de ingressar torna o processo previdenciário extremamente atrativo
com ação judicial, o certo é que, aos oportunistas, um processo sem riscos [...]
neste cenário, qualquer alegação
de culpa de terceiros por uma so-
brecarga de processos no tribunal parece despro- É possível à TNU, segundo seu regimento in-
vida de razão. terno, utilizar o denominado “Rito Representativo
Se o tribunal, a exemplo do TRF 1ª Região, de Controvérsia”, o que deve conformar todas as
posiciona-se no sentido da desnecessidade do turmas recursais do país ao entendimento proferi-
prévio requerimento administrativo, deixa aos do pela turma de uniformização. Não obstante a
jurisdicionados a mensagem de que tem con- uniformização seja uma necessidade, o meio com
dições de assumir toda a demanda que lhe for que esta é procedida merece críticas.
apresentada, com a celeridade e presteza exigida Não é razoável sobrecarregar juízes com
pela Constituição; se não o faz, deve assumir suas atribuições de órgão colegiado uniformizador
próprias ineficiências. e atribuições de juízo monocrático. Do mesmo
No que se refere à função de pacificação ju- modo, a celeridade do processamento deve ser
risprudencial, embora existam no Brasil meca- compatível aos efeitos da decisão de uniformiza-
nismos de decisões uniformizadoras, os tribunais ção, leia-se, não se pode decidir sem um prévio
não têm logrado atingir os seus objetivos per- e exaustivo debate sobre o tema, pois só assim
feitamente, em especial no âmbito do Supremo atingir-se-á a pacificação jurisprudencial.
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
100

Decisões que não exaurem o tema em sua ple- Social, interage com os setores do INSS, realiza
nitude dão margem a novas impugnações, o aço- cursos de processo administrativo previdenciá-
damento e as omissões na fundamentação podem, rios, de incentivo ao uso da justificação adminis-
inclusive, gerar, ao contrário dos objetivos da pacifi- trativa, da melhoria da instrução administrativa,
cação, o aumento da litigiosidade, como realmente de combate aos “atravessadores” e ao abuso dos
ocorreu, à guisa de exemplo, com a Súmula 9 da intermediários, dentre outros.
TNU, cuja imprecisão de argumentos e falhas na Outro campo de atuação envolve os de-
técnica redacional elevou consideravelmente as de- mais atores dos processos judiciais, tais como:
mandas sobre o assunto que se pretendia consolidar. Defensoria Pública da União, Poder Judiciário,
peritos médicos, Conselho de Recursos da
6 Advocacia-Geral da União (AGU) Previdência Social e a própria comunidade.
Derivam do PRD várias parcerias interins-
Considerando o foco dado à gestão de proces- titucionais, em especial com a DPU, potencial
sos previdenciários, nos limitaremos a discorrer adversária em demandas judiciais, porém, com
sobre a Procuradoria-Geral Federal (PGF), órgão quem a AGU comunga muitos interesses, em es-
da AGU com a atribuição de representar juridica- pecial, o de bem garantir os direitos previden-
mente as autarquias e fundações públicas federais. ciários a quem mereça recebê-los nos termos
Com pouco mais de uma década de sua cria- da lei. Também é fruto do PRD a normatização,
ção, a PGF, moldada pela necessidade, apresenta que, de forma inovadora, permitiu que a PGF
um histórico de maturidade precoce e dinamis- realizasse conciliação administrativa no âmbito
mo em sua atuação. Hoje se firma como órgão do Conselho de Recursos da Previdência Social.
jurídico apto a apresentar soluções criativas e Tais iniciativas levam à resolução da contro-
desburocratizadas no exercício de suas funções, vérsia em âmbito administrativo, desfazendo a
para além do mero rompimento do dogma da ideia de que apenas no Poder Judiciário cabe a
impossibilidade de proposição de acordo judicial. reapreciação de um direito não reconhecido ini-
Foi nesta esteira que a Procuradoria Federal cialmente. Do ponto de vista prático, pela primei-
Especializada junto ao INSS criou o Programa ra vez ao longo dos últimos dez anos, percebe-se
de Redução de Demandas (PRD), cujo intuito uma queda na curva de crescimento do índice de
é evitar que as causas ensejadoras de deman- concessões e reativações judiciais (ICRJ) 8, que
das, sempre que possível, sejam corrigidas no atualmente gira em torno de 8%.
âmbito administrativo. Como se disse, entretanto, a falta de quadro
Trata-se de uma mudança de postura contenciosa próprio de servidores de apoio e a inexistência
para a ascensão consultiva da Procuradoria, mais de estrutura adequada, além da demanda exage-
que isso, uma consultoria ativa que interage e dialo- rada submetida à maior parte dos procuradores
ga com a autarquia representada, não apenas quan- federais, faz com que o PRD não consiga cami-
do provocada por consulta processual formalizada. nhar no ritmo acelerado que se deseja. A que-
A inexistência de estrutura adequada e car- bra de paradigma faz-se mais árdua quando não
reira de apoio aos procuradores federais é um depende apenas do empenho e criatividade dos
empecilho real ao perfeito desenvolvimento do seus membros, ou seja, quando não se percebe a
PRD, ao que se aliam as naturais dificuldades de necessária contrapartida do Poder Público para
mudança de procedimentos e entendimentos ad- munir a Advocacia-Geral da União com a estrutu-
ministrativos arraigados há anos de atuação. ra necessária para o exercício de suas relevantes
O programa de redução de demandas foca sua missões constitucionais.
atuação no incremento de uma consultoria ativa,
que não se subsume à consultoria tradicional, li-
mitada a responder consultas e emitir pareceres, 8 ICRJ – toma por base o quantitativo de concessões
mas também visita as agências da Previdência judiciais em comparação ao quantitativo de conces-
sões administrativas.
série
Cadernos
do CEJ 101

7 Conclusão ta-se uma demasiada oscilação de entendimentos,


seja pela rotatividade dos membros de uma corte
Não existem fórmulas mágicas para solucionar – como ocorre com as turmas recursais e Turma
os problemas na prestação jurisdicional das tute- Nacional de Uniformização – seja pela precipitação
las previdenciárias e assistenciais. Um ponto de quanto aos julgamentos representativos de contro-
partida, talvez, seja reconhecer os erros centrais vérsia, os quais, por servirem a conformar o en-
que contribuem para o aumento da litigiosidade tendimento perante outros órgãos colegiados, não
e, para tanto, é preciso reconhecer que todos os podem prescindir de um amplo e exaustivo debate.
atores envolvidos têm responsabilidades e mui- Súmulas ou julgamentos de uniformização que
to a contribuir para a diminuição dos conflitos e não são precedidos de discussões exaustivas, por
para a celeridade na resposta à população. vezes, geram efeito inverso ao pretendido, ou
Ao INSS compete precipuamente aperfeiçoar seu seja, aumento da litigiosidade e das possibilida-
processo administrativo, permitindo aos requerentes des recursais, dado não terem resolvido todas
e ao próprio Judiciário uma clara compreensão das as questões atinentes ao tema, este é um desafio
suas razões de decidir. Para tanto, imprescindível ainda não superado, por exemplo, pela TNU.
uma melhoria na exposição de motivos. Além disso, Por fim, compete também à AGU, mais espe-
cumpre à Autarquia resgatar a busca pela verdade cificamente à Procuradoria-Geral Federal, órgão
real, evitando deixar a cargo dos beneficiários, com daquela com a atribuição de representar as autar-
exclusividade, a produção de provas. quias e fundações públicas federais, concentrar
Enquanto mecanismos de instrução, como a mais esforços no sentido de uma atuação con-
justificação administrativa e as pesquisas exter- sultiva diferenciada, que apresente soluções aos
nas, não se tornarem praxe, as demandas con- problemas típicos de uma demanda de massa e de
tinuarão sendo transpostas ao Poder Judiciário. órgãos tão grandes e capilarizados quanto o INSS.
É preciso reconhecer ainda que a atual dinâ- A PGF já se consolidou como órgão jurídico
mica dos processos judiciais, em especial nos jui- reconhecedor de direitos, o que se demonstra
zados especiais, representa, por si só, um incenti- pela expressiva quantidade de acordos e transa-
vo à litigiosidade. Não há riscos em se demandar, ções realizadas, mais que isso, inova no campo
ainda que se trate de ação nitidamente temerá- jurídico pelas iniciativas desbravadoras, como
ria. A busca por benefícios indevidos tornou-se a conciliação administrativa, cooperações inte-
um grande negócio para as partes, notadamente rinstitucionais, consultoria ativa, combate aos
àquelas que se fazem representar por atravessa- atravessadores, entre outras tantas medidas
dores ou por uma minoria de escritórios advoca- decorrentes do seu Programa de Redução e
tícios que desvirtuam tão nobre profissão. Gerenciamento de Litígios.
Depoimentos inverídicos e a juntada de do- Tais iniciativas, entretanto, continuam a de-
cumentos falsos ou produzidos por encomenda pender precipuamente do empenho e criativi-
tornaram-se rotina nas demandas previdenciá- dade dos seus membros, muitos dos quais, pela
rias, principalmente nas causas eminentemente dura realidade de uma carreira sem servidores
fáticas que versam sobre trabalhador rural. A to- de apoio e estrutura adequada, se veem impos-
lerância do Judiciário, que, muitas vezes,omite-se sibilitados de romper as barreiras burocráticas e
no seu dever de fiscalizar ou punir os que tentam estruturais rumo a uma advocacia pública com
usar o processo judicial como palco para fraudes, envergadura condizente às suas funções consti-
garante a tranquilidade para que os responsáveis tucionais. Neste ponto, o desamparo do Poder
por tais condutas perpetuem as suas atuações. Público se mostra uma barreira considerável, um
Ao Judiciário falta ainda precisão na consolida- real desestímulo ao enfrentamento destes con-
ção jurisprudencial. Não obstante as medidas de temporâneos desafios.”
uniformização dos julgamentos pelos tribunais, no-
As demandas repetitivas e o
Código Modelo de Processos
Administrativos – Judicial e
Extrajudicial – para Ibero-América1


Ricardo Perlingeiro
Juiz Federal convocado no Tribunal Regional Introdução
Federal da 2ª Região e Professor Titular da
Faculdade de Direito da Universidade Federal O tema do Seminário “Demandas Repetitivas
Fluminense na Justiça Federal: possíveis soluções proces-
suais e gerenciais” tem relação com a linha de
investigação “Justiça administrativa e fortale-
cimento do Estado de Direito”, do Programa
de Pós-Graduação Justiça Administrativa da
Universidade Federal Fluminense, concebido a
partir da cooperação técnica com este Centro
de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça
Federal, e atualmente desenvolvido com o
apoio de instituições judiciárias e universitá-
rias, no Brasil e no exterior, como a Escola da
Magistratura Regional Federal, do TRF2, e a
Universidade de Erfurt, na Alemanha.
No âmbito das pesquisas ali realizadas, surgem

1 Adaptação da conferência ministrada no Seminário


Demandas Repetitivas na Justiça Federal: possíveis
soluções processuais e gerenciais, organizado pelo
Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça
Federal, em Brasília/DF, nos dias 28 de fevereiro e
1º de março de 2013. Também publicado, com Ada
Pellegrini Grinover e Odete Medauar, na Revista de
Processo, São Paulo, v. 221, p. 177, 2013.
série
Cadernos
do CEJ 103

dois códigos modelos. O Código Euro-americano o final, os que têm relação direta com as deman-
de Jurisdição Administrativa, com a participa- das repetitivas.
ção de pesquisadores europeus e latino-ameri-
canos, em projeto coordenado conjuntamente Princípios de procedimentos
com a Universidade de Speyer, na Alemanha, administrativos e de processos
e o Código Ibero-Americano de Processos administrativos
Administrativos Judicial e Extrajudicial, do
Instituto Ibero-Americano de Direito Processual. 1 O princípio da legalidade
É sobre este último que se arriscam alguns co-
mentários preliminares. Na dicção do Código Modelo, o princípio
A finalidade de um código modelo reside na da legalidade compreende a constitucionali-
compilação de princípios fundamentais e regras dade e a convencionalidade, de modo que a
gerais que, com as adaptações necessárias a Administração deve deixar de se esconder na
cada Estado, sejam passíveis de aplicação em legalidade estrita, delegando comodamente ao
todos os sistemas jurídicos que consagrem o Judiciário o reconhecimento de direitos baseados
Estado de Direito. na Constituição e nas Convenções Internacionais
Os códigos modelo não são novidade no espaço de Direitos Humanos, e passe ela mesma a ter a
ibero-americano. Em 1967, nas Jornadas de Caracas iniciativa de assegurar os direitos fundamentais.
e Valencia, na Venezuela, surgiu a ideia de confec- Para tanto, a autoridade pública, ao conside-
ção de dois projetos de normas processuais com rar uma lei ou uma regra administrativa anticon-
o objetivo de servirem de orientação às reformas vencional ou inconstitucional, poderá descumpri-
legislativas a serem promovidas nos países latino- -la, desde que represente aos órgãos de controle
-americanos. Iniciava-se, então, com o trabalho competentes para a declaração de anticonven-
de juristas e comissões, a elaboração dos Códigos cionalidade ou de inconstitucionalidade, o que
Modelo de Processo Civil e Processo Penal. Em 2004, simultaneamente atende aos princípios da se-
o Instituto Ibero-Americano de Direito Processual, gurança jurídica e da subordinação hierárquica
nas XIX Jornadas de Caracas, aprovou o Código administrativa.
Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América, O princípio da legalidade, com esse grau de
e, em 2008, nas XXI Jornadas Ibero-Americanas, de sofisticação, reclama um quadro de agentes pú-
Lima, aprovou-se o Código Modelo de Cooperação blicos dotados de independência efetiva e com
Interjurisdicional para Ibero-América. qualificação correspondente capazes de assegu-
O Código Modelo de Processos Administrativos rar a credibilidade e a efetividade das suas de-
– Judicial e Extrajudicial –para Ibero-América cisões. Em consequência, intenciona-se irradiar
foi aprovado pela Assembleia Geral do Instituto para toda a Administração a bem sucedida ex-
Ibero-Americano de Direito Processual por oca- periência das agências reguladoras ou dos co-
sião das XXIII Jornadas Ibero-Americanas, ocor- legiados recursais administrativos, passíveis de
ridas em Buenos Aires, em junho de 2012, cujo comparação com as denominadas autoridades
projeto fora concluído por Comissão da qual par- administrativas independentes francesas ou os
ticiparam os brasileiros Ada Pellegrini Grinover, tribunais administrativos norte-americanos.
Ricardo Perlingeiro e Odete Medauar.
2 O papel do procedimento
Trata-se de uma proposta acadêmica bastante
administrativo
arrojada, não obstante os seus princípios e regras
tenham sido construídos a partir da experiência Considera-se procedimento administrativo,
recente de sistemas nacionais ibero-americanos submetido às garantias do contraditório e da
e europeus. Destacam-se abaixo oito dos seus tó- ampla defesa, todo e qualquer procedimento
picos principais, justamente os de maior impacto destinado a preparar decisões administrativas
no direito brasileiro, tendo sido reservados, para que possam incidir sobre direitos e interesses de
Seminário Demandas Repetitivas na Justiça Federal:
Possíveis Soluções Processuais e Gerenciais
104

particulares. É o procedimento administrativo um tiva de nova interpretação de regra ou decisão


instrumento que assegura a participação efetiva administrativa; a preclusão com efeitos equi-
do cidadão na formação de quaisquer manifes- valentes à coisa julgada imposta unicamente
tações administrativas restritivas de direitos ou à Administração; a proibição de revisão admi-
interesses individuais, legitimando-as. nistrativa in pejus e os efeitos modulatórios de
A propósito, o contraditório e a ampla defe- sentença que decide sobre regras e decisões em
sa correspondem não somente ao direito de ser caráter erga omnes. Nesse contexto, não cabe à
ouvido – tendo seu Day in court – ou de produ- Administração invocar uma nova interpretação
zir provas, mas principalmente ao de obter uma constitucional em detrimento da coisa julgada
decisão pública, fundamentada e que considere, que tenha assegurado direito a particulares.
principalmente, os argumentos de fato e de direi-
to deduzidos pelos interessados. 4 Alcance e intensidade da jurisdição
A título de exemplo, o Código menciona a des- administrativa
consideração da personalidade jurídica em ma-
É amplo o controle jurisdicional da atuação
téria tributária, explicitando que a pessoa física
administrativa. Alcança decisões e regras admi-
envolvida tem o direito de defesa em um procedi-
nistrativas, e comporta, em favor dos interessa-
mento administrativo prévio à formação do título
dos, as pretensões anulatórias e as condenatórias
executivo fiscal correspondente. Proscrevem-se,
de diversas espécies, inclusive as de obrigação
portanto, os conhecidos redirecionamentos de
de fazer. Quanto à intensidade, além dos aspec-
execuções fiscais para atingir sócios que não cons-
tos de forma e de conteúdo, admite-se o con-
tam da respectiva CDA ou quando esta não de-
trole jurisdicional dos poderes discricionários
correr de um procedimento administrativo prévio.
da Administração, sempre que desviarem-se dos
3 A segurança jurídica e a confiança seus limites legais, atentarem contra a igualdade
legítima ou a proporcionalidade.
Com tal plenitude, o Código consagra a im-
A segurança jurídica opera como limite ao plementação jurisdicional das políticas públicas
poder de autotutela da Administração. O des- em uma esfera administrativa infralegal (direitos
fazimento de decisões administrativas ou regras adjetivos) que se fizer útil a direitos e interesses,
administrativas ilegais que tenham produzido exigíveis em favor de uma coletividade, o que se
efeitos favoráveis a interessados, de um lado, procede sem prejuízo das eventuais pretensões
depende da observância de um lapso de tempo, judiciais individuais (direitos substantivos).
a decadência administrativa, e, de outro lado,
depende de não implicar quebra de confiança do 5 O princípio da publicidade
interessado na estabilidade do comportamento
O princípio da publicidade orienta os procedi-
da Administração.
mentos administrativos e o processo judicial ad-
Encontram-se no Código, harmonicamente, a
ministrativo, facultando-se à sociedade um livre
matriz objetiva francesa da segurança jurídica e o
acesso ao conteúdo das decisões administrativas
caráter subjetivo do sistema alemão, com o prin-
e judiciais, bem como às sessões de instrução e
cípio da confiança legítima, que hoje orienta o
julgamento.
direito administrativo europeu como um dos ele-
Excepcionalmente, a restrição ao acesso a atos
mentos fundamentais do Estado de Direito. Com
públicos é justificável por razões de segurança,
efeito, é essa a exegese que hoje deve ser confe-
moral ou proteção da personalidade ou direitos
rida aos arts. 54 e 55 da Lei 9.784/99 e à própria
fundamentais dos interessados.
Súmula n. 473 do Supremo Tribunal Federal.
Entretanto, essa restrição não se confunde
Também constam do Código, indissociáveis
com o sigilo automático dos escritos e docu-
aos princípios da segurança jurídica e da con-
mentos produzidos pelos próprios interessados.
fiança legítima: a vedação de aplicação retroa-
série
Cadernos
do CEJ 105

Não cabe às autoridades públicas, sem o consen- ções capazes de sacrificar a continuidade de ativi-
timento dos interessados, permitir que os seus dades públicas essenciais. Isto pode ter um signifi-
escritos e documentos tenham uma destinação cante reflexo processual, inclusive na fase cautelar
diversa da originariamente desejada, isto é, que e executiva, de modo que o direito subjetivo ou o
sejam utilizados com objetivo estranho ao devido interesse legítimo, não patrimoniais, sejam conver-
processo legal (ampla defesa e contraditório). tidos necessariamente em perdas e danos.
Com efeito, o interesse público, que não deve
6 A legitimidade ad causam na ser confundido com o interesse da Administração,
jurisdição administrativa é fato modificativo do direito do demandante,
o qual, manifestado e reconhecido mediante o
A legitimidade ad causam é conferida ampla-
prévio due process of law, encerra verdadeira
mente aos particulares e apenas excepcional-
desapropriação judicial de direitos. Esta con-
mente aos órgãos públicos quando invocarem
clusão merece ser considerada principalmente
uma lesão de sua esfera de competência. Porém,
no procedimento de suspensão de liminar e de
não há previsão de legitimidade ad causam da
suspensão de execução de sentença contra a
Administração em relação a um particular; o
Administração.
Código trata da proteção jurisdicional dos direi-
tos subjetivos e interesses legítimos em face de A contribuição do Código para a
comportamentos e atuações administrativas. Isto diminuição das demandas judiciais
porque, à Administração é conferido o poder de repetitivas
decidir e de executar suas decisões, não necessi-
tando, portanto, do Judiciário para tanto. Com O Código atentou para um dos maiores desa-
efeito, a ideia da reserva da jurisdição para que fios do direito administrativo: a falta de unifor-
a Administração interfira na esfera de direitos e midade das decisões administrativas em face de
interesses privados é comum em sistemas em que interessados na mesma situação fática, alimentan-
o Poder Público não detém independência e cre- do a pluralidade de demandas repetitivas, princi-
dibilidade suficientes. palmente na esfera jurisdicional, com o potencial
de abalar a segurança jurídica.
7 Medidas jurisdicionais de urgência e O Judiciário deve ser destinatário do princípio
de execução da igualdade, procurando tratar igualmente os
interessados que se encontrarem na mesma situa-
A tutela judicial efetiva está estampada no
ção fática. Com base nesta orientação, justificam-
Código, daí decorrendo o cabimento de medi-
-se determinados instrumentos processuais, tais
das de urgência conservativas e satisfativas, cor-
como as ações coletivas, as súmulas vinculantes
respondendo as primeiras às medidas cautelares
e o processo exemplar, que também servem à
e as segundas, à antecipação de tutela. Admite-
ideia de um amplo acesso à justiça e à redução
se a execução forçada de sentenças contra a
dos processos judiciais repetitivos. No entanto,
Administração, com previsão de penhora de bens
cuidando-se de causas de direito público, em
públicos não afetados a serviço essencial, bem
que esteja em jogo comportamento ou atuação
como a fixação de multas punitivas e coerciti-
administrativa de alcance geral, a isonomia que
vas – contempt civil e contempt of court criminal,
decorre da prestação jurisdicional é duplamente
astreintes –, além de perdas e danos em favor do
necessária, principalmente, em função do dever
credor por atraso no cumprimento da ordem.
de igualdade a que sempre esteve vinculada a
8 O interesse público como limite Administração Pública na esfera material e ex-
trajudicial. Não seria lógico que uma atuação
As pretensões que contornam atuações admi- administrativa originariamente dirigida à coleti-
nistrativas podem, excepcionalmente, esbarrar no vidade, uma vez judicializada, fosse oponível tão
interesse público, como as que implicam obriga- somente aos que se dispusessem demandar; o
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106

Judiciário não pode ser associado a uma exegese mogêneos, o que repercute no processo judicial
capaz de romper com o princípio da igualdade quanto à legitimidade universal e à intervenção
administrativa. de terceiros no caso de possibilidade de coisa
A isonomia a que está vinculada a Administração julgada erga omnes ou ultra partes.
foi prevista pelo Código de modo que, quando a
questão de fundo de uma pretensão individual estiver Considerações finais
relacionada com os efeitos jurídicos de um comporta-
Em um sistema ideal, a Administração, sob
mento administrativo de alcance geral, o desfecho do
primazia do Estado de Direito, é capaz de tomar
conflito passará a ser do interesse da coletividade desti-
a iniciativa de assegurar a proteção dos direitos
natária daquele comportamento e, portanto, a solução
fundamentais, se os interesses forem igualmen-
deverá advir de uma decisão administrativa, única e
te decididos com igualdade, com proporciona-
com efeitos erga omnes. Reflexo direto dessa regra
lidade, e por agentes qualificados e indepen-
é a que diz respeito aos acordos judiciais que envol-
dentes. Neste contexto, tende a desaparecer o
vam normas administrativas ou atuações de alcance
vínculo de dependência da Administração em
geral, atingindo necessariamente todos aqueles que
relação ao Judiciário. Porém, contrariamente,
se encontrarem na mesma situação fática, ainda que
em sistemas em que se percebe uma crescen-
desses acordos não tenham participado.
te judicialização das atuações administrativas,
Com o propósito de minimizar os feitos repe-
seguramente há uma indesejável inversão de
titivos, o Código prevê, ainda, a possibilidade
papéis institucionais, em que o Judiciário, de-
de a sentença que procede ao desfazimento de
pendendo de pontos de vista, ora se presta a um
normas ou atos ter alcance geral, o incidente de
papel utilitário, o de “tutor” ou de “instrumento”
coletivização no caso de controle jurisdicional
da Administração Pública para que esta atinja
de políticas públicas e o processo piloto (exem-
os seus fins, ora dá causa a um engessamento
plar). Finalmente, o Código prevê a legitimida-
da própria Administração ante os tribunais, que
de para iniciar um procedimento administrativo
deveriam ser a última instância para solucionar
àqueles cujos direitos e interesses forem afetados
conflitos e assegurar direitos fundamentais.”
direta ou indiretamente, compreendendo-se aí
os interesses difusos, coletivos ou individuais ho-
série
Cadernos
do CEJ 107

ANEXO ro, Brasil (secretario general); Abel Zamorano,


Panamá; Adriáns Simons, Perú; Angel Landoni
INSTITUTO IBEROAMERICANO DE DERECHO Sosa, Uruguay; Carlos Manuel Ferreira da Silva,
Portugal; Euripides Cuevas, Colombia; Gumer-
PROCESAL
sindo García Morelos, México; Igancio M. Soba
Bracesco, Uruguay; Juan Antonio Robles Garzón,
CÓDIGO MODELO DE PROCESOS ADMINIS- España; Maria Rosa Gutiérrez Sanz, España; Ode-
TRATIVOS – JUDICIAL Y EXTRAJUDICIAL – te Medauar, Brasil; Ruth Stella Correa Palacio, Co-
PARA IBEROAMÉRICA lombia; Sergio Artavia Barrantes, Costa Rica.

Aprobado por la Asamblea General del Instituto 1. Derecho procesal. 2. Proceso administrativo. 3.
Iberoamericano de Derecho Procesal con oca- Proceso judicial. I. Título.
sión de las XXIII Jornadas Iberoamericanas de
Derecho Procesal, ocurridas en Buenos Aires, el
EXPOSICIÓN DE MOTIVOS
dia 8 de junio de 2012, el cual fue concluido, en
1. La idea de un Código Modelo de Procesos
febrero de 2012, por la Comisión Revisora, com-
Administrativos – Judicial y Extrajudicial – sur-
puesta por los profesores Ada Pellegrini Grinover,
Brasil (presidente); Ricardo Perlingeiro, Brasil (se- gió en noviembre de 2008, en Niterói (Rio de
cretario general); Abel Zamorano, Panamá; Adri- Janeiro, Brasil), en evento académico junto al
áns Simons, Perú; Angel Landoni Sosa, Uruguay; Núcleo de Ciencias judiciales de la Universidad
Carlos Manuel Ferreira da Silva, Portugal; Euripi- Federal Fluminense (Nupej/UFF). La comisión
des Cuevas, Colombia; Gumersindo García More- para elaborar la propuesta de un Código Modelo
los, México; Igancio M. Soba Bracesco, Uruguay; de Procesos Administrativos fue instituida por el
Juan Antonio Robles Garzón, España; Maria Rosa Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal en
Gutiérrez Sanz, España; Odete Medauar, Brasil; marzo de 2009, y ratificada en las XXII Jornadas
Ruth Stella Correa Palacio, Colombia; Sergio Ar- Iberoamericanas de Derecho Procesal, realizadas
tavia Barrantes, Costa Rica. en Santiago de Chile, en agosto de 2010. De la
referida Comisión, participaron los siguientes
Buenos Aires miembros del Instituto: Ada Pellegrini Grinover,
2012 Brasil (presidente); Ricardo Perlingeiro, Brasil (se-
cretario general); Angel Landoni Sosa, Uruguay;
Euripides Cuevas, Colombia; Ignacio M. Soba
Ficha Catalográfica
Bracesco, Uruguay; Juan Antonio Robles Garzón,
España; Maria Rosa Gutiérrez Sanz, España;
Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal.
Odete Medauar, Brasil; Ruth Stella Correa
Código modelo de procesos administrativos – ju- Palacio, Colombia. Después de sucesivas reunio-
dicial y extrajudicial – para Iberoamérica/ Institu- nes a distancia, la Comisión se reunió en marzo
to Iberoamericano de Derecho Procesal. Buenos de 2011, en Bogotá, en la facultad de Derecho
Aires, 2012. de la Universidad Libre de Colombia, cuando
27 p. finalizó la propuesta de Código Modelo. En la
reunión de la directiva del Instituto, en São Paulo,
Aprobado por la Asamblea General del Instituto
en el mes de junio de 2011, fue constituida la
Iberoamericano de Derecho Procesal con oca-
Comisión de Revisión, que incluyó, además de los
sión de las XXIII Jornadas Iberoamericanas de
Derecho Procesal, ocurridas en Buenos Aires, el
anteriores, los siguientes juristas: Abel Zamorano,
dia 8 de junio de 2012, cuyo proyecto fue con- Panamá; Adriáns Simons, Perú; Carlos Manuel
cluido, en febrero de 2012, por la Comisión Revi- Ferreira da Silva, Portugal; Gumesindo García
sora, compuesta por los profesores Ada Pellegrini Morelos, México; Sergio Artavia Barrantes, Costa
Grinover, Brasil (presidente); Ricardo Perlingei- Rica. Ada Pellegrini y Ricardo Perlingeiro conti-
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108

nuaron, respectivamente, como presidente y se- b) en que se configure una controversia entre la
cretario general. En febrero de 2012, la Comisión Administración y el interesado; c) o una contro-
Revisora concluyó los trabajos para la presenta- versia entre personas físicas o personas jurídicas
ción del proyecto de Código Modelo de Proceso de derecho público o privado, en que la solución
Administrativos para Iberoamérica. pueda provenir de la Administración.
2. Los Códigos Modelo no son novedad Los principios fundamentales del proceso ad-
en el espacio iberoamericano. En 1967, en la ministrativo extrajudicial fueron clasificados en
Jornadas de Caracas y Valencia, en Venezuela, cuanto a su naturaleza material o procesal. Los
surgió la idea de hacer dos proyectos de nor- principios que rigen a la Administración, en la
mas procesales con el objeto de que sirvieran lógica del proyecto, son los de la constituciona-
de orientación a las reformas legislativas para lidad, convencionalidad, legalidad, moralidad,
ser promovidas en los países latinoamericanos. buena fé, impersonalidad, publicidad, eficiencia,
Se iniciaba entonces, con el trabajo de juris- motivación, proporcionalidad, razonabilidad,
tas y comisiones, la elaboración de los Códigos seguridad jurídica y confianza legítima (art. 2o).
Modelo de Proceso Civil y Proceso Penal. En Además de estos, se incluyeron como principios
2004, el Instituto Iberoamericano de Derecho propios del proceso administrativo extrajudicial,
Procesal, en las XIX Jornadas de Caracas, apro- los de isonomía, contradicción, amplia defensa,
bó el Código Modelo de Procesos Colectivos para razonable duración del proceso, oficiosidad, ver-
Iberoamérica, y, en 2008, en las XXI Jornadas dad material, preclusión administrativa y forma-
Iberoamericanas, de Lima, se aprobó el Código lismo moderado (art. 4o).
Modelo de Cooperación Interjurisdiccional para Se destaca que la autoridad administrativa, al
Iberoamérica. considerar la ley o el acto al que estuviere vincu-
3. El proyecto de Código Modelo de Procesos lada anti-convencional o inconstitucional, podrá
Administrativos – Judicial y Extrajudicial – para dejar de aplicarlo instando necesariamente a los
Iberoamérica adopta la expresión “proceso” órganos de control competentes para la declara-
como género, refiriéndose, en el Título I, al pro- ción de anticonvencionalidad o de inconstitucio-
ceso administrativo extrajudicial, como equiva- nalidad (art. 2o, parágrafo único). De esa forma,
lente a procedimiento administrativo con po- se concilian los principios de convencionalismo y
sibilidad de contradicción entre el interesado de constitucionaldad, con los de seguridad jurídi-
y la Administración Pública y, en el Título II, al ca y de subordinación jerárquica administrativa.
proceso administrativo jurisdiccional. Se evitó la 5. Luego en los primeros artículos, el Proyecto
expresión “contencioso administrativo” para que trató uno de los mayores desafíos de los actos
el Código pueda servir de modelo tanto para los administrativos: la falta de uniformidad de las de-
países de jurisdicción doble (que adoptan tribu- cisiones en relación a los interesados en la misma
nales administrativos especiales) como para los situación fáctica, lo cual alimenta la pluralidad
de jurisdicción única, donde no existen tribunales de demandas repetitivas, principalmente en la
especializados para el juzgamiento del Estado. El esfera jurisdiccional, con el potencial de soca-
proyecto se vale, aún, de las expresiones “juris- var la seguridad jurídica. La isonomía a la que
dicción administrativa” y “justicia administrativa”, está vinculada la Administración fue regulada
para designar, respectivamente, la prestación ju- de modo que, cuando “la cuestión de fondo de
risdiccional especializada y los órganos estatales una pretensión individual estuviere relacionada
responsables por esta actuación. con los efectos jurídicos de un comportamiento
4. El proceso administrativo extrajudicial es administrativo de alcance general, el resultado
entendido como todo y cualquier procedimien- del conflicto pasará a ser de interés de la colec-
to, en contradictorio, a) destinado a preparar tividad destinataria de aquel comportamiento y,
decisiones administrativas que pueden incidir por tanto, la solución deberá provenir de una
sobre intereses o derechos de los interesados; decisión administrativa, única y con efectos erga
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Cadernos
do CEJ 109

omnes” (art. 5o). Reflejo directo de esa regla es el tributario no precedido de proceso administrati-
art. 72, II, respecto de los acuerdos jurídicos que vo extrajudicial previo (arts. 16 y 17).
envuelvan normas administrativas o actuaciones En cuanto al principio de razonable duración
de alcance general, llegando necesariamente a del proceso, instaurado este en interés particu-
todos aquellos que se encuentren en la misma lar, la necesidad de una providencia en tiempo
situación fáctica, aunque de esos acuerdos no razonable lleva a la presunción de rechazo de la
hayan participado. pretensión, en caso de omisión, y abre la oportu-
Con el propósito de minimizar los pleitos repe- nidad para la via recursal o jurisdiccional (art. 8 o,
titivos, está prevista, incluso, la posibilidad en la III). Además, la previsión del recurso administra-
sentencia que dispone la anulación de las normas tivo con efecto suspensivo automático represen-
o actos que tienen alcance general (art. 57), del ta cambio de paradigma para muchos sistemas
incidente de colectivización en caso de control iberoamericanos, y la regla propuesta parte de
jurisdiccional de políticas públicas (art. 25) y el la posibilidad de ilicitud de actos administrativos
proceso piloto (art. 35). (arts. 14, § 3 o, y 8 o, I), con clara repercusión en
En ese contexto, el Proyecto prevé la legiti- el proceso jurisdiccional cautelar (arts. 58, 4, y
mación para iniciar el proceso extrajudicial de 59, 3).
aquellos cuyos derechos e intereses fueren afec- 7. La seguridad jurídica opera como límite al
tados directa o indirectamente, comprendiéndo- poder de autotutela de la Administración. La re-
se allí los intereses difusos, colectivos o individu- vocación de los actos, normas o decisiones admi-
ales homogéneos (art. 12, II), lo que repercute nistrativas afectadas de ilegalidad, pero que han
en el proceso judicial, en cuanto la legitimación producido efectos favorables a los administrados,
universal (art. 51, 3) y la intervención de terceros depende del proceso judicial previo, y debe ocur-
en el caso de la posibilidad de cosa juzgada erga rir, en una perspectiva objetiva, solamente dentro
omnes o ultra partes (art. 52). de determinado plazo, salvo comprobada mala
6. Además es marca del Proyecto la simetría fé o, en una perspectiva subjetiva, siempre que
entre los principios fundamentales y reglas gene- no signifique romper con la confianza que el inte-
ral del proceso administrativo extrajudicial (cada resado supone que existe en cuanto a la estabili-
vez más frecuente) y del proceso administrativo dad del comportamiento de la Administración. Se
jurisdiccional. El principio de la verdad real en el encuentra, así, presente en el Proyecto la matriz
proceso extrajudicial (art. 10) mantiene simetría objetiva francesa de seguridad jurídica al lado del
con el de los poderes de instrucción del juez (art. subjetivismo alemán, con el principio de confian-
41); el principio de oficiosidad (art. 9o), con los de za legítima (arts. 19 y 20).
impulso procesal (art. 46) y el de la orden proce- También se relaciona con el principio de se-
sal (art. 47); el de la publicidad y el del derecho guridad jurídica la prohibición de aplicación re-
a la información (art. 18), con el de la publicidad troactiva de la nueva interpretación de norma o
procesal (art. 50); los principios de moralidad y acto y de nueva orientación fijada para la materia
buena fé, con los de buena fé y lealtad procesal (art. 8o, V), la preclusión con efectos equivalentes
(art. 48). a cosa juzgada es impuesta a la Administración
La contradicción y la amplia defensa deben (art. 13), la prohibición de revisión administrativa
corresponder no solo al derecho a ser oído – te- in pejus (art. 15, § 2o), y los efectos modulados de
niendo su Day in court – o de producir pruebas, la sentencia que decide sobre normas o actos con
sino y mas principalmente a obtener una decisión carácter erga omnes (art. 57).
que considere los argumentos aducidos (arts. 6o y La impugnación judicial o extrajudicial de
7o), lo que mantiene correspondencia con la con- comportamientos de la Administración debe estar
tradicción en la fase jurisdiccional (arts. 39 y 40), sujeta a un plazo, capaz de resguardar el interés
impidiéndose que se deje de aplicar a la persona público, dando estabilidad a las situaciones, pero
jurídica o la constitución de un título ejecutivo también el derecho de terceros de buena fé, sin
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110

perjuicio de que la Administración, en cualquier en la cualificación técnica y en la capacidad del


tiempo, reconozca derechos subjetivos (arts. 21 interesado, sea cual fuere el grado o instancia
y 54). (art. 29).
8. En el respeto de la jurisdicción administra- La presencia del abogado, en el ámbito de la
tiva, más importante que concebir una estruc- justicia administrativa, es considerada un deber y
tura judicial autónoma, es acoger principios y no un derecho, inclusive para la Administración,
reglas que compatibilicen el interés público con que debe hacerse representar por un profesio-
el interés privado en la formación de decisiones nal del derecho (arts. 32 y 33). Tratándose de
judiciales sobre actuaciones administrativas, in- un deber, con todo, a aquellos que no tuvieren
dividuales o generales, inclusive actos políticos recursos, el Estado propiciará el beneficio de la
o de gobierno, expedidos por cualquiera de los asistencia jurídica gratuita (art. 34).
poderes del Estado o por particulares en ejercicio 10. La legitimación para actuar es conferida
de esas actuaciones (arts. 21 y 22). Se opta, así, a las personas que invoquen lesión o riesgo de
por un modelo de competencia objetiva, inde- lesión a un derecho subjetivo o interés legítimo,
pendientemente de la calidad de la parte envuel- en frente de órganos o entes públicos, o entes pri-
ta en el conflicto judicial, en cuanto al alcance de vados en ejercicio de Poder Público. También se
la jurisdicción administrativa. admite la legitimación universal para la defensa
Con miras a una jurisdicción plena, inherente de intereses difusos y colectivos, así como para
al principio del Estado de Derecho, son conside- demandar normas o actos generales, además de
radas admisibles las pretensiones declarativas, de la posibilidad de que, cuando un acto adminis-
impugnación de normas y de actos, de impugna- trativo cause daño a un grupo de personas, cual-
ción y de revisión de la actividad contractual, de quiera de ellas, así como los entes legitimados,
condena (dar, hacer o no hacer) y reparatorias puedan requerir la indemnización para todos
(arts. 24, 55 y 62). En cuanto a la intensidad de la (art. 51).
prestación jurisdiccional, se reconoce el control El acceso previo a la vía administrativa es fa-
de legalidad formal y material de los compor- cultativo, mas, si es utilizado, interrumpe el plazo
tamientos de la Administración, así como de la para ejercer judicialmente la pretensión, sin per-
discrecionalidad administrativa, siempre que se juicio de las medidas de urgencia o de anticipa-
superen los límites impuestos por los principios ción de tutela.
de proporcionalidad y de razonabilidad, admiti- 11. La tutela judicial efectiva está estampada
éndose, incluso, el control jurisdiccional de polí- en el Proyecto en cuanto a derechos subjetivos
ticas públicas (art. 25). e intereses legítimos (art. 36), de ahí se deriva
9. Los agentes públicos y la estructura judi- la procedencia de medidas de urgencia conser-
cial, que tienen la misión de proteger derechos vativas y satisfactivas, correspondiendo las pri-
e intereses sujetos a la jurisdicción administra- meras a las medidas cautelares y las segundas
tiva, deben tener prerrogativas inherentes a la a la anticipación de la tutela (art. 58). Se admi-
independencia personal e institucional. De esa te la ejecución forzada de sentencias contra la
forma, los jueces deben ser inamovibles y vitali- Administración, con previsión de embargo de
cios y su remuneración debe ser justa y adecuada bienes públicos no afectados a servicio esencial
(art. 27). La selección, la carrera y la disciplina (art. 63), así como la fijación de multas punitivas
de los jueces deben ser confiadas a un órgano y coercitivas – contempt civil y contempt of court
que garantice su independencia de forma que criminal, astreintes – además de pérdidas y daños
evite un verticalismo en la estructura judicial, con a favor del acreedor por atraso en el cumplimien-
“carrerismo” y subordinación jerárquica entre los to de la orden (art. 64).
jueces (art. 28). Además el ingreso en el cargo de 12. Finalmente se facilita el uso de otros medios
juez debe darse únicamente mediante proceso adecuados a la solución de conflictos, limitados
abierto, objetivo y transparente, fundamentado apenas por el principio de legalidad, de mane-
série
Cadernos
do CEJ 111

ra que garantice la no afectación del patrimonio TITULO I


público o su conformidad con el ordenamiento DEL PROCESO
jurídico. En ese campo, se asegura el principio de ADMINISTRATIVO EXTRAJUDICIAL
isonomía, de modo que los acuerdos sobre actu-
aciones de alcance general beneficien a todos los Art. 1o (Ámbito de aplicación)
que estuvieren en la misma situación aun cuan- Este título fija las reglas básicas sobre el proce-
do no hayan participado en el proceso en que se so administrativo no jurisdiccional, en el ámbito
adopta la decisión, así como el principio de tran- de la Administración directa e indirecta (central y
sigibilidad, en cuanto a las formas y modalidades descentralizada) objetivando, en especial, la pro-
de los actos administrativos (art. 72). tección de los derechos de las personas físicas y
13. En conclusión, se puede afirmar que el jurídicas y el mejor cumplimiento de los fines de
proyecto tiene como tónica la defensa del ciu- la Administración.
dadano frente a la Administración, invirtiendo Parágrafo único. Los procedimientos de este
el paradigma de visión de supremacía ex parte Título se aplican a los órganos de los Poderes
principis, para privilegiar la perspectiva es parte Legislativo y Judicial, cuando actúen en funcio-
civis, de modo de construir un baluarte contra el nes administrativas.
arbitrio y un instrumento de seguridad jurídica. Art. 2o (Principios aplicables a la Administración
Pública)
Buenos Aires, 8 de junio de 2012. La Administración observará, entre otros, los
principios de constitucionalidad, convenciona-
LA COMISIÓN REVISORA lidad, legalidad, moralidad, buena fe, imperso-
nalidad, publicidad, eficiencia, motivación, pro-
ADA PELLEGRINI GRINOVER porcionalidad, razonabilidad, seguridad jurídica
Presidente y confianza legítima.
Parágrafo único. La autoridad administrati-
va podrá dejar de cumplir la ley o el acto que
RICARDO PERLINGEIRO
considere inconstitucional o anti-convencional,
Secretario General
representando al órgano competente para la
declaración de inconstitucionalidad o de anti-
ABEL ZAMORANO -convencionalidad.
ADRIÁNS SIMONS Art. 3o (Proceso administrativo extrajudicial)
ANGEL LANDONI SOSA Se considera proceso administrativo, some-
CARLOS MANUEL FERREIRA DA SILVA tido a las garantías de contradicción y amplia
EURÍPIDES CUEVAS defensa, todo y cualquier procedimiento desti-
GUMESINDO GARCÍA MORELOS nado a preparar decisiones administrativas que
IGNACIO M. SOBA BRACESCO puedan incidir sobre intereses o derechos de los
JUAN ANTONIO ROBLES GARZÓN interesados, así como todo y cualquier proce-
MARIA ROSA GUTIÉRREZ SANZ dimiento en que se configure una controversia
ODETE MEDAUAR entre la Administración y el interesado, o entre
RUTH STELLA CORREA PALACIO personas física o personas jurídicas de Derecho
Público o Privado, cuya solución pueda venir de
SERGIO ARTAVIA BARRANTES
la Administración.
Art. 4o (Principios del proceso administrativo)
Se aplican al proceso administrativo, además
de los principios de la Administración Pública,
los principios de isonomía, contradicción, amplia
defensa, razonable duración del proceso, oficio-
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112

sidad, verdad material, preclusión administrativa gado o por la persona indicada;


y formalismo moderado, sin perjuicio de otros. IV – derecho de ser notificado del inicio del
Art. 5o (Isonomía) proceso, con indicación, en el texto, de los he-
Siempre que la cuestión de fondo de una pre- chos y las bases legales, de modo explícito;
tensión individual estuviere relacionada con los V – derecho a ser indicados, en la notifica-
efectos jurídicos de un comportamiento adminis- ción o citación, del plazo para la manifestación
trativo de alcance general, el resultado del con- o del plazo para recurrir, el órgano responsable
flicto pasará a ser de interés de la colectividad por el proceso, con la dirección, el horario de
destinataria de aquel comportamiento y, por tan- atención, el plazo máximo para la Administración
to, la solución deberá provenir de una decisión decidir y el efecto del silencio por parte de la
administrativa, única y con efectos erga omnes. Administración;
Art. 6o (Contradicción) VI – derecho de ser notificado, por adelanta-
La contradicción implica el derecho de ser in- do, de las medidas referentes a la producción de
formado de la instauración del proceso y de todas pruebas;
las fases y medidas subsiguientes, pudiendo el in- VII – derecho de acceso a los autos adminis-
teresado acompañarlo y presentar argumentos, trativos, comprendiendo verlos, obtención de
datos, documentos y pruebas en su favor. copias, certificaciones;
§ 1o La contradicción solo podrá ser sucesiva VIII – derecho de solicitar la producción de
a la producción de las pruebas cuando se trate pruebas, de verlas realizadas y consideradas, des-
de reunión de documentos pre-constituidos o de de que sean pertinentes y no tumultuosas;
pericias urgentes, permitiéndose la presentación IX – derecho de permanecer callado, de no
de preguntas al perito, su interrogatorio en con- hacer prueba contra sí mismo y derecho de no
tradicción y el ofrecimiento de informes por los declararse culpable;
sujetos. X – derecho de interponer recurso adminis-
§ 2o Las decisiones resultantes del proceso ad- trativo, aún no previsto, de modo explícito, por
ministrativo deberán ser motivadas, de modo ex- la norma reguladora de la materia, prohibida la
plícito, congruente y claro, con indicación de los exigencia de previo depósito o previa inscripción
hechos y de los fundamentos jurídicos, pudiendo de bienes y derechos.
remitir a elementos de anteriores opiniones, de- Parágrafo único. En el proceso administrativo
cisiones, informaciones o propuestas, los cuales son inadmisibles las pruebas obtenidas por me-
integrarán el acto decisorio. dios ilícitos, así como las derivadas de las ilícitas,
§ 3o La motivación de las decisiones de los ór- cuando sea evidente el nexo causal entre unas y
ganos colegiados o de las decisiones orales será otras.
indicada en la respectiva acta en término escrito. Art. 8o (Razonable duración del proceso)
Art. 7o (Amplia defensa) El principio de razonable duración del proceso
Sin perjuicio de otros, la amplia defensa cubre cubre los siguientes desarrollos, sin perjuicio de
los siguientes elementos: otros:
I – carácter previo de la defensa en relación I – deber de la Administración en el sentido
con el acto de decisión, salvo casos excepcionales de emitir explícita decisión en los procesos ad-
que envuelvan riesgo a la vida y a la seguridad ministrativos y ante solicitudes o reclamaciones;
de las personas; II – deber de la Administración en el sentido
II – posibilidad dada al sujeto de, personal- de cumplir los plazos fijados para la adopción de
mente, realizar las conductas y medidas para evi- medidas o toma de decisiones, so pena de res-
tar perjuicios a sus derechos y para preservarse ponsabilidad de la autoridad competente;
de sanciones, implicando, incluso, derecho de III – salvo disposición contraria, en los proce-
presencia en audiencia; sos administrativos iniciados por los particulares,
III – posibilidad de ser representado por abo- la falta de adopción de medidas o la falta de deci-
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do CEJ 113

sión en el plazo fijado tiene el efecto de rechazo, Art. 13. (Preclusión administrativa)
permitiendo la interposición de recurso adminis- Las decisiones finales se sujetarán a la pre-
trativo o la utilización de la vía jurisdiccional; clusión administrativa, con efectos equivalen-
IV – en los procesos sancionatorios o en tes a los de la cosa juzgada, no pudiendo la
aquellos que puedan resultar con efectos desfavo- Administración retomar el curso del proceso sino
rables, iniciados de oficio, la falta de decisión ex- cuando hubiere hechos nuevos, sobrevinientes a
plícita, en el plazo fijado, acarreará la caducidad; la decisión.
V – es prohibida la aplicación retroactiva de Art. 14. (Recursos administrativos)
nueva interpretación de norma o acto y de nueva Contra las normas, actos, medidas o decisiones
orientación fijada para la materia. tomadas por la Administración, cabe recurso por
Art. 9o (Principio de oficiosidad) razones de legalidad y de mérito.
La Administración tiene el deber de tomar to- § 1 o El recurso se tramitará, en máximo, por
das las providencias necesarias al adelantamiento dos instancias administrativas.
continuo y regular del proceso administrativo, § 2 o Son sujetos legitimados para interponer
para la expedición del acto final, sin perjuicio de recurso administrativo los titulares de derechos
la actuación de los sujetos garantizada por la con- e intereses que fueron, o de acuerdo al artículo
tradicción y amplia defensa. 12, puedan ser parte en el proceso.
Parágrafo único. La inercia de los interesados § 3o El recurso tendrá efecto suspensivo auto-
no acarreará la paralización del adelantamiento mático, excepto si hubiere ofensa al interés pú-
salvo el caso de medidas pedidas por el particu- blico, caso en el cual la suspensión dependerá de
lar, cuyo análisis depende de documentos que la demostración del riesgo de daño irreparable a
este deba aportar; en este caso la Administración los ciudadanos.
deberá conceder plazo para la aportación, cer- § 4 o Si de la decisión del recurso puede re-
rando el proceso si tal no ocurriere. sultar gravamen al recurrente, este deberá ser
Art. 10. (Principio de verdad material) informado para que pueda formular alegaciones
La Administración debe tomar las decisiones antes de la decisión.
con base en la realidad de los hechos, teniendo el Art. 15. (Revisión administrativa)
derecho y el deber de traer para los autos todos Los procesos administrativos de los que resul-
los datos, informaciones y documentos respecto ten sanciones podrán ser objeto de revisión, a
de la materia tratada, sin estar sujeta a los aspec- petición o de oficio, cuando surjan hechos nue-
tos ventilados por los interesados, pudiendo, de vos susceptibles de justificar lo inadecuado de la
oficio, determinar la producción de pruebas. sanción impuesta.
Art. 11. (Principio de formalismo moderado) § 1 o La revisión podrá ser instaurada en pla-
La Administración adoptará formas simples zo razonable contado desde el conocimiento del
suficientes para propiciar un adecuado grado de hecho nuevo.
certeza, seguridad y respeto a la contradicción y § 2o De la revisión del proceso administrativo
amplia defensa. no podrá resultar agravamiento de la sanción.
Art. 12. (Legitimación). Art. 16. (Descubrimiento de la persona jurí-
Son sujetos legitimados para iniciar un proce- dica)
so administrativo: El descubrimiento de la personalidad jurídica,
I – aquellos cuyos derechos e intereses fue- por la autoridad administrativa, deberá ser pre-
ren afectados directa o indirectamente por la cedido de citación de las personas físicas involu-
Administración; cradas, para que ejerzan el derecho de defensa y
II – los ciudadanos, asociaciones o entidades sólo podrá ser decretada, en decisión motivada,
públicas o privadas en cuanto a derechos o in- después de contradicción previa.
tereses colectivos, difusos e individuales homo- Art. 17. (Constitución de título ejecutivo tri-
géneos. butario)
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114

La constitución de título ejecutivo tributario datos inexactos o incompletos.


será precedida de proceso administrativo, obser- Art. 21. (Plazos)
vando la contradicción previa, pudiendo constar La impugnación, frente a la Administración,
en el título, como responsables, apenas los parti- del acto o medida administrativa debe estar so-
cipantes del contradictorio. metida a un plazo.
Parágrafo único. La exigibilidad del crédito es- Parágrafo único. No hay plazo para que la
tará suspendida durante el trámite del proceso Administración Pública reconozca derechos sub-
administrativo. jetivos.
Art. 18. (Derecho de obtener informaciones)
Serán constituidas comisiones independientes, TITULO II
teniendo en su composición mayoritaria integran- DEL PROCESO ADMINISTRATIVO JUDICIAL
tes de la sociedad civil, preferiblemente de varios CAPÍTULO I
segmentos, para asegurar a cualquier interesado JURISDICCIÓN ADMINISTRATIVA
el acceso a documentos administrativos y a actu-
Sección I
aciones administrativas.
Finalidad y Alcance
Parágrafo único. En caso de que la
Administración alegue reserva, el órgano indi-
Art. 22. (Control jurisdiccional)
cado en el caput decidirá sobre la cuestión.
Las normas, actos y decisiones administrati-
Art. 19. (Deshacimiento de normas y actos)
vas, de cualquier especie, se someten al control
Serán anulados las normas, actos o medidas
jurisdiccional.
administrativas cuando estén viciadas de ilega-
Art. 23. (Finalidad y alcance)
lidad, respetados los derechos adquiridos, pu-
La finalidad del proceso administrativo judicial
diendo también ser revocados, en las mismas
es la formación de decisiones jurisdiccionales al
circunstancias, por motivo de conveniencia y
respecto de actuaciones administrativas.
oportunidad.
Parágrafo único. Las actuaciones adminis-
Parágrafo único. En caso de normas, actos o
trativas, entre otras, pueden ser individuales o
medidas de los que resulten efectos favorables
generales, inclusive actos políticos o de gobier-
a los destinatarios, la posibilidad de deshacer el
no, expedidos por órganos de todos los Poderes
acto o medida solamente puede ocurrir en pro-
Públicos o por particulares en ejercicio de esas
ceso administrativo judicial, que decae en plazo
actuaciones.
razonable contado desde la fecha en que fueron
Art. 24. (Pretensiones admisibles)
expedidos, salvo comprobada mala fé.
En ejercicio del control judicial de las actua-
Art. 20. (Confianza legítima).
ciones de la Administración, podrán formularse
El acto administrativo viciado de ilegalidad o
pretensiones declarativas, de impugnación de
sometido a cambio de interpretación que conce-
normas y de actos, de impugnación y de revisi-
de derecho de cualquier naturaleza al interesado
ón de la actividad contractual, de condena (dar,
no puede ser desecho si el destinatario favoreci-
hacer y no hacer) y reparatorias.
do confió en su estabilidad y la confianza es digna
Parágrafo único. El Estado deberá repetir con-
de protección.
tra el funcionario que, con su conducta dolosa o
§ 1o Si prevalece el interés público en la revo-
gravemente culposa, haya dado lugar al pago de
cación por invalidez, debe haber cálculo de los
una suma de dinero producto de una condena
daños sufridos en función de la confianza en su
o de otro mecanismo adecuado de solución de
estabilidad.
conflictos.
§ 2o Apartan la noción de confianza el dolo, la
Art. 25. (Intensidad del control)
amenaza, la corrupción, el conocimiento de la
Las normas y los actos administrativos son sus-
invalidez o el desconocimiento por culpa grave
ceptibles de control de legalidad formal y mate-
del interesado, la obtención del acto con base en
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do CEJ 115

rial por parte de la jurisdicción. patibles con su independencia.


§ 1o Tratándose de actos discrecionales, estos Art. 31. (Instancias)
deberán ser motivados y en su control el juez La Justicia administrativa debe comprender
analizará la proporcionalidad y razonabilidad de un mínimo de dos a un máximo de tres instancias.
las decisiones.
§ 2o El control de los actos que impliquen políti- Sección III
cas públicas comprenderá los siguientes aspectos: Representación y Asistencia Jurídica
I – los actos que se producen en el trámite de
su formación; Art. 32. (Representanción por abogado)
II – la omisión en la implementación de su eje- Las partes deben estar representadas o asistidas
cución. ante los órganos jurisdiccionales por un abogado.
§ 3 o En ningún caso el juez sustituirá a la Art. 33. (Representación de la Administración
Administración en la implementación o correc- Pública)
ción de políticas públicas, salvo cuando se trata Los entes y los órganos públicos estarán repre-
del mínimo existencial, observados los límites de sentados por un profesional del derecho, aunque
la proporcionalidad y razonabilidad. no sea abogado en ejercicio.
§ 4o Surgiendo en un proceso individual cues- Art. 34. (Asistencia jurídica gratuita)
tión relativa a las políticas públicas, el órgano Para garantizar el derecho de cada persona
jurisdiccional podrá suscitar, de oficio o a peti- al acceso a la Justicia administrativa, deberá ser
ción de las partes, incidente de colectivización, organizado un sistema de asistencia jurídica gra-
transformando la acción individual en un proceso tuita. Esta asistencia dependerá de los recursos y
colectivo, mediante la citación de los legitimados gastos del interesado y del carácter no evidente-
en las acciones colectivas para añadir a la inicial mente inadmisible de su demanda. La asistencia
y acompañar el proceso. es decidida por un órgano independiente.
Art. 35. (Proceso testigo o piloto)
Sección II Habiendo procesos repetitivos a ser juzgados,
Organización el órgano jurisdiccional competente deberá se-
leccionar uno o algunos casos representativos de
Art. 26. (Independencia) la controversia, quedando los demás procesos en
La justicia administrativa está dotada de inde- suspenso, para que el juzgamiento de los selec-
pendencia. cionados se aplique a los demás.
Art. 27. (Prerrogativas)
Los jueces son inamovibles y vitalicios; su re- CAPÍTULO II
muneración debe ser justa y adecuada. PROCESO
Art. 28. (Selección, carrera y disciplina)
La selección, la carrera y la disciplina de los Sección I
jueces son confiadas a un órgano que garantice Principios
su independencia.
Art. 29. (Ingreso a la carrera de la magistra-
Art. 36. (Tutela jurisdiccional efectiva)
tura)
La Justicia administrativa debe tender a la tu-
La selección de los jueces debe resultar de un
tela jurisdiccional efectiva de los derechos sub-
proceso abierto, objetivo y transparente, funda-
jetivos e intereses legítimos involucrados en los
mentado en su calificación técnica y capacidad
procesos administrativos judiciales.
profesional.
§ 1o Se debe facilitar el acceso a la jurisdicci-
Art. 30. (Incompatibilidades)
ón, en particular a aquellas personas o grupos de
Los miembros de la Justicia administrativa no
personas en condiciones de vulnerabilidad.
podrán ejercer otras funciones que sean incom-
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§ 2o El proceso deberá desenvolverse sin dila- Tanto las audiencias, como las diligencias de
ciones injustificadas. prueba que así lo exijan, deben realizarse por el
§ 3o El estado garantizará el cumplimiento de órgano jurisdiccional competente, no pudiendo
las decisiones judiciales contra la Administración. éste delegarlas, so pena de nulidad absoluta.
Art. 37. (Debido proceso) Art. 44. (Concentración procesal)
La Justicia administrativa deberá velar por la Los actos procesales deberán realizarse sin
aplicación y el máximo respeto de las garantías demora, para reducir los plazos, cuando estén
inherentes al debido proceso legal, de conformi- facultados por la ley o el acuerdo de las partes, y
dad con lo establecido por la Constitución, las serán concentradas en un mismo acto todas las
leyes y las normas del Derecho internacional. diligencias que fueren necesarias.
Art. 38. (Paridad de armas) Art. 45. (Dirección del proceso)
La ley y el órgano jurisdiccional deberán pre- La dirección del proceso está confiada al ór-
servar la igualdad de las partes en el proceso. gano jurisdiccional, que la ejercerá de acuerdo
Art. 39. (Principio de contradicción) con las disposiciones de este Código.
1. Las partes deben tener la oportunidad de Art. 46. (Impulso procesal)
discutir cada aspecto de hecho o de derecho en Iniciado el proceso, el órgano jurisdiccional
que se fundamente la sentencia. El juez asegurará adoptará de oficio las medidas necesarias a evitar
a cada parte la posibilidad efectiva de defensa y su paralización y conducirá su trámite con miras
de prueba de sus alegaciones y de contestar las a la mayor celeridad posible.
de la otra parte. Art. 47. (Orden procesal)
2. Las partes podrán proponer pruebas per- El órgano jurisdiccional deberá adoptar, a
tinentes, contestar las argumentaciones de las pedido de parte o de oficio, todas las medidas
demás partes y presentar las alegaciones escritas necesarias que resulten de la ley y de sus poderes
necesarias. de dirección, para prevenir o sancionar cualquier
Art. 40. (Principio dispositivo) acción u omisión contrarias al orden o a los prin-
Las partes son sujetos activos del proceso. cipios del proceso.
Sobre ellas recae el derecho de iniciar y deter- Art. 48. (Buena fe y lealtad procesal)
minar su objeto. Las partes poseen el dominio Las partes, sus representantes o asistentes y,
completo tanto sobre su derecho subjetivo sus- en general, todos los participantes del proceso,
tancial, como sobre sus derechos a la iniciación, ajustarán su conducta a la dignidad de la justicia,
desarrollo y finalización del proceso. El órgano al respeto que deben los litigantes y a la lealtad
jurisdiccional no puede decidir más allá del con- y a la buena fe.
tenido de la demanda. § 1 o El órgano jurisdiccional deberá impedir
Art. 41. (Poderes de instrucción del juez) el fraude procesal, la colusión y cualquier otra
El órgano jurisdiccional podrá ejercer poderes conducta ilícita o dilatoria.
de instrucción supletivos de las actividades de § 2o Serán previstas sanciones para el incum-
las partes. plimiento de los deberes de lealtad y buena fe o
Art. 42. (Principio de oralidad) de cualquier otra conducta ilícita o dilatoria.
El órgano jurisdiccional desarrollará el proceso Art. 49. (Motivación de las decisiones)
preferencialmente vía oral, pudiendo decidir sin Todas las decisiones jurisdiccionales serán mo-
juicio oral cuando se trata de cuestiones exclusi- tivadas, so pena de nulidad.
vamente de derecho o hechos no controvertidos. Art. 50. (Publicidad procesal)
§ 1 o A título de autodefensa la parte podrá Todo proceso será público, salvo si el órgano
solicitar ser oída por el juez en audiencia. jurisdiccional decide contrariamente por razones
§ 2o Las vías oral o escrita pueden ser sustitui- de seguridad, de moral o de protección de la per-
das por el proceso electrónico. sonalidad o de los derechos fundamentales de
Art. 43. (Inmediación procesal) alguna de las partes.
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do CEJ 117

Sección II Sección III


Admisibilidad de la Acción Sentencia

Art. 51. (Legitimidad para actuar) Art. 55. (Contenido de la sentencia)


1. Están legitimadas, para proponer una ac- La sentencia podrá tener naturaleza declarati-
ción judicial, las personas que invoquen lesión va, constitutiva o condenatoria, incluyendo obli-
o riesgo de lesión a un derecho subjetivo o a un gaciones de dar, hacer o no hacer, pudiendo el
interés legítimo. órgano jurisdiccional, para restablecer el derecho
2. La acción puede ser propuesta contra ór- particular, fijar disposiciones nuevas en lugar de
ganos o entes públicos, o entes privados en la las impugnadas y modificarlas o reformarlas.
medida en que ejerzan Poder Público. Parágrafo único. La sentencia debe pronun-
3. Puede otorgarse legitimación universal para ciarse sobre los daños y perjuicios que hayan sido
defender intereses difusos y colectivos, así como reclamados.
para demandar sobre actos generales y normas. Art. 56. (Forma de la sentencia)
4. Cuando el acto administrativo causa daño 1. La sentencia debe incluir una síntesis de las
a un grupo de personas, cualquiera de ellas, así principales actuaciones procesales.
como los entes legitimados, podrán requerir la 2. En la sentencia se indicarán los fundamen-
indemnización para todos los afectados. tos de hecho y de derecho que motivaron la de-
5. También tendrán legitimación los órganos cisión, debiendo el tribunal responder las alega-
públicos cuando invoquen una lesión a la esfera ciones de las partes.
de su competencia. 3. El órgano jurisdiccional debe proferir la de-
6. La legitimación de la Administración, para cisión en un plazo reducido.
el cumplimiento de sus atribuciones, es amplia, 4. La notificación de la sentencia indicará el
comprendiendo la impugnación de normas, actos plazo y el procedimiento del recurso procedente.
y decisiones de otras Administraciones o de los Art. 57. (Efectos de la sentencia)
órganos públicos vinculados a éstas. El deshacimiento de una norma o acto admi-
Art. 52. (Intervención de terceros) nistrativo tiene efecto erga omnes y retroactivo,
Existiendo la posibilidad de cosa juzgada erga sin perjuicio de la posibilidad del órgano jurisdic-
omnes o ultra partes, debe ser garantizada la cional de modular esos efectos por razones de in-
oportunidad de ingreso de los interesados, por terés púbico y de tutela de intereses individuales.
notificación personal, cuando ésta estuviere al
alcance de la Administración, o, en caso contra- CAPITULO III
rio, por amplia divulgación en la prensa, caso en MEDIDAS CAUTELARES Y DE ANTICIPACIÓN
que sería nombrado un curador especial. DE LA TUTELA
Art. 53. (Via administrativa previa)
El acceso a la vía administrativa previa es fa-
Art. 58. (Disposición general)
cultativo; con todo, su interposición interrumpe
1. La tutela de urgencia puede ser conserva-
el plazo para ejercer judicialmente la pretensión
tiva o satisfactiva, correspondiendo, la primera
y no excluye las medidas cautelares o de antici-
a las medidas cautelares y la segunda a la an-
pación de tutela.
ticipación de la tutela. El principio de la tutela
Art. 54. (Plazos)
efectiva comprende la aplicación de las medidas
La pretensión a ser deducida delante del órga-
cautelares y anticipativas previstas en el presente
no jurisdiccional debe estar sometida a un plazo.
capítulo, a efectos de la protección de los dere-
Parágrafo único. La formulación de la preten-
chos subjetivos e intereses legítimos.
sión no impide el reconocimiento del derecho
2. Se procura la efectividad de tutela cautelar y
por la Administración.
de la tutela anticipada ante la ilegalidad manifiesta
de una actuación administrativa, considerandose
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las circunstancias y la urgencia del caso concre- Art. 60. (Tutela anticipada)
to y la ponderación entre los intereses públicos y 1. El tribunal podrá, a pedido de parte intere-
privados, adoptándose aquellas medidas que se sada, anticipar total o parcialmente los efectos
consideren más adecuadas o indispensables. de la tutela pretendida en la petición inicial, para
3. Las medidas cautelares y anticipadas pue- evitar que se cause a la parte, ante de la sentencia
den ser adoptadas previamente o en el curso del definitiva, una lesión grave o de difícil reparaci-
proceso principal. ón, o para asegurar de forma anticipada la decisi-
4. Las medidas cautelares y anticipadas serán ón sobre el fondo. La tutela anticipada podrá ser
deferidas al requerimiento de parte interesada y requerida previamente al proceso principal o en
bajo su responsabilidad. Sin perjuicio de lo ante- el curso del mismo.
rior, podrán ser concedidas de oficio si una nor- 2. Para que pueda obtener los efectos de tute-
ma expresamente así lo autoriza. la anticipada, la parte solicitante deberá probar
5. El peticionario deberá prestar contracautela al menos, de forma consistente e inequívoca, la
o garantía suficiente, salvo el caso excepcional de verosimilitud de sus alegaciones, así como la exis-
que existieran motivos fundados para eximirla. tencia de:
6. Será competente para decidir sobre las tute- I – temor fundado sobre la ineficacia de la pro-
las reguladas en el presente capítulo, el órgano ju- videncia final;
risdiccional competente para el proceso principal. II – daño irreparable o de difícil reparación;
Art. 59. (Medidas cautelares) III – abuso del derecho de defensa o manifiesto
1. Las medidas cautelares que pueden ser propósito dilatorio de la parte contraria.
deferidas en un proceso para la defensa de los 3. En todos los casos, no deberá haber riesgo
derechos e intereses no se encuentran, en prin- de irreversibilidad de los efectos del pronuncia-
cipio, limitadas a un rol específico o taxativo, sin miento anticipado. El riesgo de la irreversibilidad
perjuicio de las limitaciones provenientes de la no impide la anticipación de la tutela si se presta
inembargabilidad de ciertos bienes del Estado. caución o garantía idónea.
2. Las referidas medidas pueden ser adopta- 4. La tutela anticipada podrá ser, con relación
das, inclusive, como medida anterior a un proce- al objeto del proceso, parcial o total. En caso de
so, caso en el cual la demanda principal deberá que la tutela anticipada haya sido parcial, podrá,
ser presentada dentro del plazo de 30 días com- no obstante, dar lugar a la cosa juzgada, prosi-
pletos. No siendo presentada la demanda corres- guiendo el proceso, si fuere el caso, con el ob-
pondiente, la medida caducará de pleno derecho jetivo de ser proferida decisión sobre los demás
y el solicitante podrá ser responsabilizado por los puntos o cuestiones que forman parte del objeto.
daños y perjuicios causados. 5. En la sentencia que anticipa la tutela, el juez
3. En especial, podrá ser solicitada como me- indicará, de forma especialmente clara y precisa,
dida cautelar la suspensión total o parcial, de los los motivos y fundamentos de su decisión.
efectos de los actos administrativos. 6. La tutela anticipada podrá ser revocada o
4. En todo caso, el órgano jurisdiccional debe- modificada en cualquier momento, a petición o
rá fijar de forma precisa el alcance y la duración de oficio, mediante decisión fundamentada.
de la medida, así como cualquier otra cuestión
necesaria a la correcta instrumentalización de la CAPÍTULO IV
medida. RECURSOS
5. En caso de no haber sido establecido un
plazo judicial de duración de las medidas, las mis- Art. 61. (Derecho de recurrir)
mas conservarán su eficacia en tanto subsista el El sistema recursal dependerá del ordena-
proceso principal o se profiera sentencia dispo- miento de cada país, garantizando el derecho
niendo sobre su cesación o modificación. de apelar a la segunda instancia, en materia de
hecho y de derecho.
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do CEJ 119

§ 1o Las decisiones de los órganos jurisdiccio- Son títulos ejecutivos judiciales contra la
nales de apelación y de los órganos de primera Administración Pública:
instancia, cuando no sean apelables, podrán ser I – la sentencia;
recurridas frente a una corte suprema. II – el laudo arbitral;
§ 2o El reexamen de la sentencia no podrá ser III – los acuerdos homologados judicialmente.
determinado de oficio. Art. 66. (Títulos ejecutivos extrajudiciales)
Son títulos ejecutivos extrajudiciales los que la
CAPÍTULO V ley así considere, incluidos los acuerdos no ho-
EJECUCIÓN CONTRA LA ADMINISTRACIÓN mologados judicialmente y los actos administra-
PÚBLICA tivos y cualquier documento que provenga de la
Administración y que contenga una obligación
Art. 62. (Ejecución y tutela judicial efectiva) clara, expresa y exigible.
Se aplica la tutela jurisdiccional efectiva
en sede de ejecución de sentencias contra la CAPÍTULO VII
Administración Pública, que debe cumplir la con- DEL INCIDENTE DE DESCUBRIMIENTO DE LA
dena en plazo reducido. PERSONALIDAD
§ 1 o La ejecución se distingue en obligación
de pagar o en obligación de hacer o no hacer o Art. 67. (Instauración y alcance)
entregar cosa cierta. En caso de abuso de la personalidad jurídi-
§ 2 o No habiendo cumplimiento espontáneo ca, el órgano jurisdiccional puede instaurar, de
de las obligaciones, será realizada la ejecución oficio o a solicitud de parte, el incidente de des-
forzada. cubrimiento de la personalidad, para que los
Art. 63. (Obligación de pagar) efectos de ciertas y determinadas obligaciones
La ejecución forzada en las obligaciones de sean extendidos a los bienes particulares de los
pagar utilizará medios, como el embargo del pa- administradores o de los socios de la persona
trimonio de la Administración que no estuviere jurídica o a los bienes de las empresas del mismo
afectado al servicio público esencial y a la com- grupo económico.
pensación de créditos y débitos. Parágrafo único. Lo dispuesto en este artículo
Art. 64. (Obligaciones de hacer y de no hacer puede ser aplicado inversamente en la hipótesis
o de entregar cosa) de abuso de la persona física, a fin de lograr los
Para la ejecución de obligación de hacer y bienes de la persona jurídica.
de no hacer o de entregar cosa, el órgano ju- Art. 68. (Procedencia)
risdiccional determinará medidas que aseguren El incidente de descubrimiento, que se podrá
el resultado práctico equivalente al de debido tramitar por separado y no suspenderá el proce-
cumplimiento, tales como la imposición de multa so, procede en todas las etapas del proceso de
al agente público responsable, busca y aprensión, conocimiento, en la ejecución de la sentencia y
remoción de personas y cosas, deshacimiento de en la ejecución fundada en título ejecutivo ex-
obras e impedimento de actividad nociva, si es trajudicial.
necesario con solicitud de fuerza policial. Art. 69. (Defensa)
§ 1 o La obligación solamente se convertirá Requerido el descubrimiento, el socio o el ter-
en pérdidas y daños si el autor lo requiere o es cero y la persona jurídica serán citados para que,
imposible la tutela específica o la obtención del en un plazo razonable, se manifiesten y pidan las
resultado práctico correspondiente. pruebas procedentes.
§ 2o La indemnización por pérdidas y daños se Art. 70. (Decisión)
dará sin perjuicio de la multa fijada para compeler Concluida la instrucción, si es necesario, el
al reo al cumplimiento específico de la obligación. incidente será resuelto por decisión impugnable
Art. 65. (Títulos ejecutivos judiciales) por recurso.
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CAPÍTULO VII conflicto de carácter particular, provenga de ac-


OTROS MEDIOS ADECUADOS DE SOLUCIÓN tos administrativos.
DE CONFLICTOS Art. 74. (Cosa juzgada)
El acuerdo objeto de conciliación, transacción
Art. 71. (Alternatividad) o composición consensual no requiere homolo-
Excepto en los casos de nulidad de actos ad- gación judicial, y el acto que lo contenga tiene
ministrativos, las partes podrán recurrir a otros eficacia equivalente a la de cosa juzgada.
medios adecuados de solución de controversias, Art. 75. (Revisión del acuerdo)
tales como el arbitraje, conciliación, mediación, El acuerdo solamente será judicialmente revisa-
transacción y amigable composición. do en caso de existencia de vicios que generen nu-
Art. 72. (Principios) lidad absoluta o de hechos nuevos, sobrevinientes.
El uso de medios alternativos de solución de Art. 76. (Contenido de la decisión arbitral)
controversias con la Administración estará sujeto Para resolver el conflicto, los árbitros podrán
a los siguientes principios: declarar la nulidad de los actos de carácter par-
I – Legalidad. El arbitraje y los acuerdos con la ticular origen del conflicto, cuando sean ilegales
Administración destinados a prevenir o extinguir y esa declaración sea necesaria para la solución
un litigio, deben estar respaldados en el principio de la controversia.
de legalidad de manera de garantizar la no afec- Art. 77. (Control de la decisión arbitral)
tación del patrimonio público o su conformidad El laudo que dispone sobre un conflicto de
con el ordenamiento jurídico; carácter contractual, solamente será objeto de
II – Isonomía. Los acuerdos que envuelvan control judicial por vicios in procedendo. No ha-
normas administrativas o actuaciones de alcance brá revisión judicial de tales decisiones por mo-
general deben alcanzar a todos aquellos que se tivos de mérito.
encuentren en la misma situación fáctica, aunque Art. 78. (Cumplimiento)
no hayan participado de esos acuerdos; Será garantizado el cumplimiento de los
III – Transigibilidad. Solamente se podrá hacer acuerdos y de las decisiones obtenidos por medio
uso de otros mecanismos de solución de conflictos, de los mecanismos de solución de conflictos. El
cuando la materia en controversia sea transigible. interesado podrá recurrir a la jurisdicción para
Art. 73. (Procedencia) obtener la ejecución forzada de las decisiones
También procederán otros medios adecuados arbitrales, y de los acuerdos que se produzcan
de solución de controversias, cuando, siendo el por el uso de tales mecanismos.

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