Sunteți pe pagina 1din 13

A REPRESENTAÇÃO DO FEMININO NO ULYSSES, DE JAMES JOYCE:

UMA ANÁLISE DO MONÓLOGO DE MOLLY BLOOM

Alexandre Bartilotti Machado1


João Matheus Silva Guimarães2

Resumo: Este artigo tem por objetivo problematizar a representação do feminino na obra Ulysses (1922),
do irlandês James Joyce (1882-1941). Recortamos nossa fonte para analisar especificamente o último
capítulo, que trata do monólogo de Molly Bloom. Pretendendo relacionar o retrato de mulher
contemporânea proposto por Joyce com o retrato da Penélope homérica, na qual James Joyce se baseia
para compor sua personagem, objetivamos produzir uma interconexão entre passado e presente histórico,
para compreender a mulher contemporânea em suas singularidades e pluralidades em relação à mulher
antiga. Por fim, metodologicamente, utilizar-se-á um debate conceitual baseado em dois termos: “gênero”
(SCOTT, 1986) e “representação” (CHARTIER, 2002), com o fim de analisar a obra joyceana e sua
representação do feminino contemporâneo à sua época a partir de uma ressignificação do retrato de
Penélope.

Palavras-chave: gênero; representação; contemporaneidade; antiguidade.

1. INTRODUÇÃO
A literatura, produtora de representações, nos ajuda a compreender de forma dialética
como as ideias se constroem, são transmitidas e ressignificadas espacial e
temporalmente em vários pontos do devir: no exercício literário, podemos encontrar, a
partir do fenômeno representativo, novas possibilidades de olhar para temas passados,
como ocorre com o tema da mulher no romance Ulysses (1922), de James Joyce (1882-
1941).
Se a mulher na Antiguidade era parte da vida política do oikos, sendo relevada
na aristocracia do Medievo a um segundo plano na atividade polítics devido à doutrina
católica, na Modernidade ela ganha outros ares a partir da publicação de Madame
Bovary (1857), do francês Gustave Flaubert (1821-1880), que já retrata em suas páginas
uma dupla crise: a decadência do modelo feminino aristocrático moderno e a ascensão
de um modelo já falido de submissão da mulher burguesa. Para além desses modelos,
no que tange à contemporaneidade, gostaria de destacar Molly Bloom, foco de Joyce no
último capítulo de seu livro mais célebre.

1
Graduando em História pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB – Campus I. Orientando da Profe.
Dra. Márcia Maria da Silva Barreiros. E-mail: alexandrebmachado@yahoo.com
2
Graduando em História pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB – Campus I. E-mail:
jmsg2904@gmail.com.
Sendo assim, neste ínterim, este artigo tem por objetivo problematizar a
representação do feminino na obra Ulysses, do irlandês James Joyce. Recortamos nossa
fonte para analisar especificamente o último capítulo, que trata do monólogo de Molly
Bloom. Pretendendo relacionar o retrato de mulher contemporânea proposto por Joyce
com o retrato da Penélope homérica, na qual James Joyce se baseia para compor sua
personagem, objetivamos produzir uma interconexão entre passado e presente histórico,
para compreender a mulher contemporânea em suas singularidades e pluralidades em
relação à mulher antiga. Por fim, metodologicamente, utilizar-se-á um debate conceitual
baseado em dois termos: “gênero” (SCOTT, 1986) e “representação” (CHARTIER,
2002), com o fim de analisar a obra joyceana e sua representação do feminino
contemporâneo à sua época a partir de uma ressignificação do retrato de Penélope.

2. METODOLOGIA
Segue-se, neste trabalho, a metodologia própria à pesquisa documental, posto que se usa
o monólogo de Molly Bloom, último capítulo de Ulisses, enquanto fonte para análise
histórica desta pesquisa.
Relacionar-se-á o autor do romance, James Joyce, a seu contexto histórico, bem
como, da mesma maneira, relacionar-se-á o retrato da mulher moderna representado no
texto joyceano com a realidade social e cultural do gênero feminino no mesmo período
historicamente datado.
Concentra-se o debate conceitual desta pesquisa em dois termos: 1) “gênero” e 2)
“representação”: utilizar-se-á “gênero” conforme explicitado por Scott (1986), no
sentido de que “”; enquanto conceito, “representação” será aqui usada de acordo com as
palavras de Chartier (2002, p. 23 - 24), quando o historiador cultural expõe: “”.

3. JAMES JOYCE: VIDA E OBRA.


James Joyce nasceu em Dublin, em 2 de fevereiro de 1882. Era o mais velho dos dez
filhos de uma família que, após uma breve prosperidade, caiu na pobreza. Joyce foi
educado nas melhores escolas jesuítas e depois no University College de Dublin. Em
1902, depois de se formar, mudou-se para Paris, por pensar que lá poderia estudar
medicina. Porém logo acabou por assistir a aulas e por devotar-se à escrita de poemas e
rascunhos e à elaboração de um sistema estético. Chamado de volta a Dublin em abril
de 1903, devido à doença fatal de sua mãe, ele rumou gradualmente para a carreira
literária. No verão de 1904, conheceu uma jovem de Galaway, Nora Barnacle, e
convenceu-a a ir consigo para o continente, onde planejava lecionar inglês. O jovem
casal passou alguns meses em Pola, território atual da Croácia, depois, em 1905,
mudou-se para Trieste, onde exceto por sete meses em Roma e por três viagens a
Dublin, eles viveram até junho de 1915. Tiveram dois filhos, um menino e uma menina.
O primeiro livro de Joyce, os poemas de Música de câmara, foi publicado em
Londres, em 1907; e Dublinenses, um livro de contos, em 1914. Com a entrada da Itália
na Primeira Guerra Mundial, Joyce viu-se obrigado a se mudar para Zurique, onde
permaneceu até 1919. Nesse período, publicou Um retrato do artista quando jovem
(1916) e Exilados (1918), sua peça. Depois de um breve retorno a Trieste após o
armistício, Joyce decidiu mudar-se para Paris a fim de ter mais facilidade na publicação
de Ulysses, um livro em que estivera trabalhando desde 1914. Na verdade, o livro foi
publicado no seu aniversário, em Paris, em 1922, e deu-lhe fama internacional. No
mesmo ano, ele começou a trabalhar em Finnegans Wake.
Apesar de estar muito perturbado com problemas de visão o e profundamente
abalado pela doença mental de sua filha, ele completou o livro e o publicou em 1939.
Depois do começo da Segunda Guerra Mundial, ele foi morar na França ainda não
ocupada e então conseguiu uma permissão, em dezembro de 1940, para retornar a
Zurique, onde morreu em 13 de janeiro de 1941. Foi enterrado no cemitério de Fluntern.

4. A CONTEMPORANEIDADE E O FEMININO: O MONÓLOGO DE MOLLY


BLOOM
Ulysses foi um livro escrito pelo irlandês James Joyce durante o período que viveu em
três cidades diferentes Trieste, Zurique e Paris. Ulysses é um romance incomum, ele é
um livro muito mais experimental quase como uma arte cubista onde há uma enorme
quantidade de retalhos que se forem observadas isoladamente não demonstra sentido,
porém, como uma arte cubista, a representação do feminino em Ulysses deve ser
observado como um todo é assim que poderemos compreender a complexa Molly
Bloom.
Joyce baseou seu livro na Odisseia do grego Homero. A escolha de Joyce por
Ulisses, e não outros heróis gregos, se deve à sua astúcia e engenhosidade (MAIA,
2011, p. 67), que são as armas de Ulisses para enfrentar os obstáculos que Homero
impõe. Além de que Odisseu (a versão grega de Ulisses) era o seu herói preferido na
infância (MAIA, 2011, p. 67). Joyce adapta todos os 10 anos de viagens e aventuras de
Ulisses que está regressando após a vitória da Grécia sobre a cidade de Troia para a Ilha
de Ítaca, o qual era rei e onde havia ficado a sua esposa Penélope, em 18 horas com o
Leopold “Poldy” Bloom de nossa trama. Toda a história se passa no dia 16 de junho de
1904 e termina na madrugada do dia seguinte e durante esse tempo coisas curiosas e
estranhas acontecem com o Ulisses irlandês na cidade de Dublin, capital da Irlanda.
Cada um dos 18 capítulos do livro tem um nome que faz uma referência aos capítulos
do poema épico e é possível encontrar essas referências na própria construção do
capítulo, por exemplo, no capítulo 11 chamado Sereias a música e o canto se tornam
recorrentes e participantes da trama ou no capítulo logo em sequência intitulado
Ciclopes onde surge um personagem chamado de Cidadão que é cego de um dos olhos.
Joyce também baseou o seu livro na tragédia shakespeariana Hamlet (1599 – 1601)
onde há várias referências durante Ulysses a Hamlet desde a teoria de Dedalus até na
perseguição por uma assombração que fazia parte da família de Dedalus, a mãe.
Ulysses é um livro considerado revolucionário tanto na forma de escrita como
no tema abordado. A obra é, como dito anteriormente, experimental, Joyce usa várias
técnicas para contar a sua história desde o uso de manchetes de jornal como foi feito no
episódio Éolo, além de metonímias, onomatopeias, anáforas e, principalmente,
monólogos. Sua técnica que transformou sua obra em um ícone internacional e um
quebra-cabeça para críticos e especialistas das diversas áreas do conhecimento é a
narração de fluxo de consciência que permite o leitor adentre na consciência do
personagem e veja seus medos, temores, alegrias e percepções de mundo de forma
muito mais profunda permitindo o enriquecimento da psique do personagem e aumenta
a simpatia daquele que ler com aquele que participa da história e por consequência uma
melhor aceitação dos fatos algo bastante desejado pelo escritor.
Em Ulysses acompanhamos três personagens Stephen Dedalus, o alter ego de Joyce,
Leopold Bloom, sendo o maior dos protagonistas, e Molly Bloom. Dedalus e Leopold
são dois personagens atormentados cada um de uma maneira diferente, Dedalus pela
morte de sua mãe e Leopold por descobrir o adultério de Molly com Hugh “Blazes”
Boylan. Ambos os protagonistas preferem passar o tempo pelas ruas de Dublin evitando
voltar para casa impedindo o confronto com os seus nêmeses, Buck Mulligan para
Dedalus e Molly para Bloom. Bloom está em uma encruzilhada mental entre voltar para
casa e impedir o adultério ou retornar à noite para evitar um conflito entre os dois
(PIROLLI, 2017, p. 293 apud GALINDO, 2016, p.20).
Joyce tenta dar para os seus personagens tão emblemáticos personalidades diferentes
tentando transmitir um ar mais humano, e isso é refletido em sua escrita.
Stephen “Kinch” Dedalus é um rapaz que volta para Irlanda após estudar por um ano na
França por causa de um telegrama que recebeu explicando que sua mãe havia falecido.
Por ele ter rejeitado o último pedido da mãe de se ajoelhar e rezar por ela, Stephen é
perseguido e assombrado pela mãe como um fantasma que aparece constantemente nos
seus sonhos, além da presença de Buck Mulligan que o atormenta e o humilha e do
inglês Haines que Stephen enxerga como um invasor. Stephen trabalha como professor
para Sr. Deasy, um velho ranzinza e fortemente antissemita que o pede para publicar o
seu artigo nos jornais dublinenses. Por ser um poeta e professor a escrita que Joyce
implantou ao personagem é muito mais lenta, refinada e trabalhada, além de que
Stephen constantemente divaga sobre assuntos filosóficos e existenciais dando a
entender que o nosso primeiro protagonista é uma pessoa refinada e bastante inteligente
que chega a atrair a atenção de Molly perto do final do livro.
Leopold “Poldy” Bloom é um judeu irlandês com descendência por parte de pai
da Hungria trabalhando como um publicitário ao jornal Freeman’s (1763 – 1924).
Durante os seus capítulos a escrita de Joyce sai da requintada escrita de Dedalus para
uma mais simples e com frases curtas e rápidas com significado claro o que demonstra
que Poldy é um homem prático, porém não tão estudado quanto Kinch por não entrar
em discussões complexas, mas possui um conhecimento geral bem grande. Bloom é um
homem voltado para a família, durante todo o romance reflete sobre o suicídio do pai, a
morte prematura do seu filho, o que o magoou muito, a transformação de Millicent
“Milly” Bloom em mulher e o caso de Marion. Inclusive no capítulo 15, Circe, Kinch e
Poldy, bêbados, enxergam suas angústias, Kinch vê a sua mãe e Poldy ver em Kinch o
seu filho morto.
Bloom é a personificação do Odisseu de Homero, o nosso Odisseu do inicio do
século XX - século este marcado pela ascensão de ideologias antissemitas e
nacionalistas e que mais tarde viria às duas maiores carnificinas, Primeira Guerra
Mundial (1914 – 1918) e Segunda Guerra Mundial (1940 – 1945) – ao contrário do
Ulisses de Homero, Bloom não é um rei de um país ou um homem que enfrentou
monstros assustadores e levou 20 anos para chegar em casa, pelo contrário, Bloom é um
homem comum com uma vida ordinária e nós acompanhamos um dia na vida dele
desde o momento em que ele toma café da manhã até o momento em que cai no sono e
essa seria sua Odisseia. Se Joyce não tivesse usado com maestria a técnica de
monólogos e narração de fluxo de consciência Ulysses seria talvez um livro
extremamente curto e até mesmo, irrevelante.
Marion “Molly” Bloom é baseada na mais discutida e icônica personagem
feminina da Odisseia, Penélope, que recebe seu próprio capítulo. A Penélope homérica
foi criada em uma situação completamente diferente da Penélope joyceana, ambas
esperam a volta dos seus respectivos esposos e ambas são motores fundamentais para a
evolução da trama. Penélope pertence ao século XIII ou XII a.C. um período onde a
mentalidade feminina era completamente diferente, as mulheres gregas eram parte da
política doméstica. Tecer um longo sudário e desmancha-lo toda a noite foi a forma
astuciosa que Penélope encontrou para manter os pretendentes afastados e continuar
com a sua fidelidade, e assim ela se manteve por 20 anos até o retorno de Ulisses, do
qual ela desconfia no inicio, mas após ele conseguir cumprir a tarefa que Penélope sabia
que apenas o próprio e verdadeiro Ulisses conseguiria completar ela cai nos braços dele
e dividem a cama. Por isso Penélope acaba se tornando a personificação utópica da
mulher perfeita para o patriarcado.
Molly pode ser uma personagem que aparece somente no último episódio, de
forma central pelo menos, de toda a imensa obra de mais de 1000 páginas, além de ser a
única mulher que possui um episódio. Porém sua influência nas ações de Bloom a
transforma quase num fantasma que o atormenta. A imaginação, as constantes
suposições de Bloom e o falatório dos outros personagens sobre a infidelidade de Molly
a transforma em uma personagem com uma “ausência presente” (PIROLLI, 2017, p.
298). A participação física dela é limitada há três episódios Calipso onde ela está
deitada na cama do seu marido, sonolenta; em Rochedos Errantes vislumbramos por
algumas linhas o seu braço onde ela joga uma moeda a um mendigo e em Penélope que
é o momento que adentramos a psique da Sra. Bloom, por todo o livro. Excluindo esses
três episódios, apenas lemos o que é dito pelos indivíduos sobre Molly que fica
resumida apenas a um desejo.
– Quem é o camarada ali atrás com o Tom Kernan?
John Henry Menton perguntou. Eu conheço a cara dele.
Ned Lambert lançou um olhar para trás.
- Bloom, ele disse, Madame Marion Tweedy que era, é, quer dizer,
soprano. É mulher dele.
- Ah, mas é claro, John Herny Menton disse. Faz tempo que eu não vejo.
Era uma bela de uma mulher. Eu dancei com ela, espera aí, quinze dezessete
anos dourados atrás, na casa de Mat Dillon, em Roundtown. E ela era de
encher os braços. (JOYCE, 2012, p.233)
Ela estava de guarda baixa com uma bela carga de porto do Delahunt na
barriga. A cada sacudão que o maldito carro dava lá vinha ela trombando
comigo. Delícias do inferno! Ela tem um belo par, que Deus abençoe. Assim,
ó.
Ele [Lenehan] estendia as mãos côncavas a um côvado de si, franzindo
as sobrancelhas:
- E eu lá ajeitando o tapetinho embaixo dela e arrumando o boá dela o
tempo todo. Sabe como?
Suas mãos moldavam amplas curvas de ar. Ele fechou os olhos apertados
em delícias, o corpo encolhendo-se, e soltou um pio doce pelos lábios.
- O amiguinho aqui ficou em posição de sentido de qualquer maneira, ele
disse com um suspiro. É uma bela de uma égua não há o que duvidar.
(JOYCE, 2012, p. 401 – 402)
Durante os monólogos onde Leopold refletia sobre Marion sua reflexões caiam
em lembranças sobre ela, por exemplo, quando ele se lembra do dia em que ela brincou
com um cão (JOYCE, 2012, p. 322) ou sobre o caso que ela está tendo com Boylan.
Molly é resumida para os personagens de Ulysses como uma musa com uma beleza
incomum quase como uma ninfa que aparece representada em seu quarto ou pelo seu
casamento. Para a doutoranda na UFPR Rosalia Pirroli, Sra. Bloom é vista de três
formas.
i) sua beleza e seus atributos físicos generosos, com menções constantes a
variadas partes de seu corpo como os seios (ou “peitão de peru”, segundo o
personagem Cheirão Flynn, em “Lestrigões”), os quadris, as nádegas, o
braço, os ombros, os lábios, os olhos, os cabelos e até os dentes; ii) seu
matrimônio com Bloom e iii) a sua atividade enquanto soprano. (PIRROLI,
2017, p. 294)
Como foi visto nos fragmentos anteriores, Molly é mais lembrada dos seus
atributos físicos do que seu questionável casamento com Leopold por causa do seu
adultério com Boylan e os rumores que são plantados tanto pela mente de Leopold (ele
chega a supor uma longa lista dos amantes de Bloom) quanto pelos outros personagens
ou sua atividade de soprano, o qual temos pouco contato no livro. E mais tarde ela é
associada ao seu pai, o Major Tweedy.
Orgulho do monte pedregoso de Calpe, a filha de Tweedy de cabelos negros
como as asas da graúna. Ali crescera e atingira beleza ímpar, onde nêspera e
amêndoa perfumam o ar. Os jardins da Alameda reconheciam seus passos: os
canteiros de olivas reconheciam e se curvaram. Casta esposa de Leopold é
ela: Marion dos seios generosos. (JOYCE, 2012, p. 516)
Nesse fragmento Marion Bloom se torna uma mulher quase endeusada, uma
deusa grega, suas características físicas são elevadas a um patamar superior, semelhante
aos romances durante as vanguardas romancistas do século XVIII que a própria Marion
lia.
Perceba que em nenhum momento Molly tem a chance de se defender ou ao
menos falar sobre ela para nós, os leitores, que apenas lemos o que os outros falam
sobre ela sendo que os que falam são somente homens, homens esses que a sexualiza e
ignora sua vontade e seu eu. Podemos fazer um paralelo com a Penélope de Homero, na
qual Joyce se inspirou. Penélope desejava esperar o retorno de Ulisses mesmo que a
chance dele estar vivo fosse ínfima, entretanto, o seus pretendentes a forçavam dia após
dia para ela se casar e ela aguenta toda essa pressão por 20 anos até a volta de Ulisses.
Molly, como Penélope, espera um dia inteiro para a volta do seu Ulisses, mas o Ulisses
que eu digo é sua oportunidade de falar, mesmo que seja limitado a sua própria mente.
Penélope só terá sua chance de ser verdadeiramente ouvida nas mãos da canadense
Margareth Artwood que a reescreve milênios após a Odisseia de Homero. Nessa nova
forma, Penélope mostra sua perspectiva sobre o mundo grego e inclusive sobre Ulisses,
o qual ela chama de mentiroso (STEVENS, p.15 apud ATWOOD, 2005, p. 173) e ela
também relembra o assassinato das servas (STEVENS, p.15 apud ATWOOD, 2005, p.
164-165).
Quando Leopold finalmente retorna para casa e adormece na cama do casal,
Marion “Molly” Bloom ganha a chance de encontrar Ulisses, a chance de falar. A lista
de Leopold Bloom sobre os amantes vai sendo desfeita, nome por nome. Lenehan, o
rapaz que havia se orgulhado para M’Coy (JOYCE, 2012, p. 401-402) sobre o
acontecimento na carruagem é descrito por Molly como um parasita que ficou tomando
liberdades (JOYCE, 2012, p. 1056). Menton que teve uma conversa com Lambert
(JOYCE, 2012, p. 233) sobre uma dança com Marion há anos atrás é lembrada por ela
como “olho de ovo cozido” (JOYCE, 2012, p. 1038).
Molly também passa a revisitar o seu passado mostrando sua vida muito solitária
em Gibraltar, seu primeiro beijo, suas descobertas sobre o corpo, sua amiga Hester
Stanhope e ela revisita com carinho o dia em que Leopold a pede em casamento, o
momento que o relacionamento deles esfriar, a saída de Milly, a filha do casal, e bem
como seu adultério.
Antes de nos aprofundarmos no episódio de Marion e sua psique é preciso
comentar sobre sua estrutura. O nome do episódio é Penélope, uma referência mais que
clara da inspiração de Joyce. Como foi dito anteriormente, o livro é uma reunião de
gêneros e técnicas. Para a escrita do episódio de Molly não é diferente. Após o Sr.
Bloom finalmente cair no sono e a oportunidade de Molly surgir, a estrutura textual
muda completamente, não há vírgulas, letras maiúsculas e outras regras textuais,
imergimos em uma anarquia textual. A explicação que se pode retirar dessa decisão de
Joyce é transmitir a liberdade e até mesmo o entusiasmo de Molly.
Voltando à psique de Marion, ela demonstra que já sabia de tudo que estava
acontecendo ao seu redor, o que causa surpresa devido ao fato de que a maior parte do
tempo ela está no ambiente privado da casa e apenas Leopold saia de casa. Molly sabia
dos postais eróticos, que ele ejaculou na praia durante o dia, a mentira do roteiro do dia
e outras mentiras, ela também sabe que Bloom já conhece o caso que está tendo Boylan.
O mais impressionante é que Molly sabe da posição que a sua família esta na sociedade
irlandesa, ela como a esposa infiel e ele motivo de chacota de toda a cidade tanto por ter
descendência húngara que o transformaria em um “meio-irlandês” como judeu.
A sua enorme solidão também se torna um dos pontos do monólogo. Até no
momento onde ela ganha o momento de falar ela esta solitária em um quarto, durante a
noite, com o marido dormindo o que a incomoda mais do que alivia, apenas ela e seus
pensamentos e nós assistindo ao seu fluxo mental, porém sem poder aliviar sua
inquebrável tristeza por estar sozinha.
Inclusive sua infância foi solitária, por ela não conhecer a mãe e ser criada
apenas pelo pai, Marion jamais conheceu um amor maternal o que vai influenciar
profundamente nas suas atitudes mais tarde. A sua única amiga de infância saiu logo
após se casar e quando foi à vez de Marion se casar ela achou que sua solidão passaria,
porém ela continuou se sentindo só e as coisas pioraram após o inicio do esfriamento da
relação do casal inclusive sexualmente devido a morte do filho do casal, Rudy, que
afetou profundamente aa mentes de Leopold e Marion.
Durante o seu solilóquio Marion é interrompida por algo inusitado, sua
menstruação estava chegando (JOYCE, 2012, p. 1084). Inclusive ela faz piada sobre a
virgindade e a questão do sangue.
[...] e eles sempre querem ver uma mancha na cama pra saber que você é
virgem pra eles a única coisa que incomoda eles e são tão bobinhos você
podia ser viúva ou divorciada 40 vezes uma manchinha de tinta vermelha
resolve tudo ou suco de framboesa não ai é muito roxo [...](JOYCE, 2012, p.
1097)
Molly consegue perceber também a situação da mulher na sociedade da sua
época, ela sabe como os homens a enxergam e como a Penélope e a Calipso de Homero
ela resolve usar seu corpo para poder de forma astuciosa estabelecer-se sobre os
homens. A decisão de confirmar os boatos sobre sua conduta adultera é com a intenção
de “vingar-se” do marido, pois ela está ressentida de ter sido colocada de lado, “velha
encarquilhada antes da hora” (JOYCE, 2012, p. 1097), “[…] é tudo culpa dele
[Leopold] se eu sou uma adúltera […]” (JOYCE, 2012, p. 1102).
Durante seu fluxo mental Molly se lembra de Boylan e o porquê ela começou o
adultério, que era ter alguém que a ame, e Boylan não cumpre com o seu desejo, pois
“não tem educação nem refinamento nem nada” (JOYCE, 2012, p. 1096).
[…] claro uma mulher quer ser abraçada 20 vezes por dia […] não importa
por quem enquanto for estar apaixonada ou amada por alguém […]. (JOYCE,
2012, p. 1097)
Em uma passagem, para satisfazer às suas necessidades de socialização, de
afetividade, Molly manifesta o desejo de receber cartas, mais especificamente
belas e longas cartas de amor, como se ela fosse, talvez, heroína de algum
dos romances populares dos quais é leitora. (PIRROLI, 2017, p. 302)
Ela se recorda de Dedalus que Bloom havia mencionado no final de Ítaca,
último episódio até Penélope. Ela o imagina como um homem culto e sensível já que é
um poeta, rapidamente se anima com a possibilidade de ter alguém para conversar e até
imagina Bloom servindo café a eles enquanto conversam. Dedalus seria o que faltava
para equilibrar a relação dos Bloom, já que Leopold também sofre com a solidão.
Poldy lamentou a diminuição progressiva de seus encontros com amigos, o
que dizer [então] da mulher trancada em casa, sem amigas? E acima de tudo
sem amigas […]. (PIROLLI, 2017, p. 303 apud GALINDO, 2016, p.350,
grifos do autor)
Molly demonstra que mesmo com suas atitudes que procuram saciar o seu
desejo sexual, na verdade, ela procura ser desejada por Bloom. Para ela o adultério era a
única forma de aliviar todo o estresse que sofria, mas também de se aproximar, de uma
forma um pouco insincera consigo mesma, do marido distante, pelo qual ela ainda sente
algum amor ou ternura.
Ambas as Penélopes dividem características em comum, ambas usaram sua
feminilidade como arma para se estabelecerem e sabem a situação em que a mulher está
nas correspondentes épocas, mas Marion difere-se de Penélope por assumir seus desejos
amorosos e sexuais enquanto Penélope se prendeu a utopia da mulher perfeita revelando
questões da mulher contemporânea.

6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
A complexa personagem de James Joyce, Marion “Molly” Bloom pode ter sido baseada
em Penélope e Calipso dos poemas homéricos, mas ela está em um patamar
completamente diferente de ambas personagens, ela possui sua própria complexidade.
Penélope pode ter lutado até o fim contra os seus desejos sexuais esperando o seu
Ulisses que era uma esperança que ela abraçava constantemente e assim ela se tornando
a imagem da mulher perfeita. Calipso pode ter passado 7 anos tentando seduzir Ulisses
na sua ilha, oferecendo inclusive a imortalidade caso ficasse com ela, mas Ulisses a
rejeita e sai da ilha. Molly pode não ter resistido por 20 anos em uma luta contra os seus
desejos ou ter tentado seduzir alguém por 7 anos que a rejeita, mas ela ama o seu marido
como Penélope e passou 33 anos em uma ilha social, que é a sua solidão e via em
Leopold como uma forma de fugir dessa ilha.
Analisar Molly Bloom como uma personagem que foi baseada em Penélope e
Calipso é esquecer todos esses pontos importantes que formam a personagem, para se
entender Molly Bloom é preciso saber que há uma Molly Bloom criada no seu próprio
tempo com seus próprios signos.
Joyce assim como Homero, trouxeram para as suas histórias influências dos seus
próprios mundos. Homero contou a história de um rei que deixou sua esposa e foi lutar
em uma guerra, algo recorrente na Grécia naquele período, Homero mostrou a situação
da mulher grega enquanto o marido estava distante, o círculo familiar, apreensões e
outras características comuns daquela época. Joyce não trouxe um rei que foi lutar em
uma guerra, mas sim, um homem comum que tem como campo de batalha o seu dia a
dia. Joyce também trouxe para seu romance os problemas daquele tempo, nacionalismo
e antissemitismo. Homero e Joyce foram responsáveis por trazerem duas personagens
femininas que se tornaram ícones de suas histórias, porém cada uma trás consigo
características e personalidades próprias e uma influência absurda aos personagens
masculinos de toda a história.

BIBLIOGRAFIA

BEBIANO, Adriana. O Sexo do Desejo: Margaret Atwood reescreve Penélope.


Disponível em: https://digitalis.uc.pt/handle/10316.2/32116 Acesso em: Acesso em: 13
de janeiro de 2019.
CHARTIER, R. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difusão
Editorial, 2002.

EFRAIM, Raquel. PENÉLOPE, TECELÃ DE ENGANOS. Disponível em:


https://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Kinesis/raquelefraim.pdf
Acesso em: 13 de janeiro de 2019.
FERRARI, Bruno. Múltiplos Avessos: configurações de referência clássica na
literatura contemporânea. Tese (doutorado)–Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro, Departamento de Letras, 2017. Disponível em:
https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/34074/34074.PDF Acesso em: 13 de janeiro de
2019.
GALINDO, Caetano Waldrigues. Sim, eu digo sim: uma visita guiada ao Ulysses de
James Joyce. São Paulo: Cia das Letras, 2016
GIAMMARCO, Thais Maria. Molly Blooms e(m) Penelope. Disponível em: <
https://periodicos.ufsc.br/index.php/fragmentos/article/download/22764/20782> Acesso
em: 13 de janeiro de 2019.
JOYCE, James. Ulysses. São Paulo: Penguin Companhia, 2012.
MACHADO, Alexandre Bartilotti. A galinha e o conhecimento do ovo: uma análise
de Clarice Lispector a partir da epistemologia kantiana. In: IV Colóquio Filosofia e
Literatura: Poética, 2017, São Cristóvão/SE. Anais do IV Colóquio Filosofia e
Literatura. São Cristóvão/SE: Editora UFS, 2017. p. 176-185.
MAIA, Bruno Leite Russo. Also Spuke Zerothruster: ecos nietzschianos na obra
de James Joyce. Dissertação (mestrado) – UNINCOR / Universidade Vale do Rio
Verde de Três Corações / Mestrado em Letras, 2011. Disponível em:
http://www.unincor.br/images/arquivos_mestrado/dissertacoes/bruno_maia.pdf Acesso
em: 13 de janeiro de 2019.
OLIVEIRA, Felipe Lopes dos Santos. Encontros e Exílios em Ulysses, de James
Joyce. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários) – Setor de Ciências Humanas,
Universidade Federal do Paraná, Curitiba. 2014.
PIRROLI, Rosalia Rita Evaldt. WHO IS SHE WHEN SHE IS […]: A SOLIDÃO DE
MOLLY BLOOM EM ULYSSES, DE JAMES JOYCE. Disponível em:
https://periodicos.fclar.unesp.br/itinerarios/article/viewFile/9026/7273 Acesso em: 13
de janeiro de 2019.
SCOTT, J. W. Gender: A Useful Category of Historical Analysis. The American
Historical Review, v. 91, n. 5, p. 1053-1075, dez. 1986. Disponível em:
<https://warwick.ac.uk/fac/arts/history/students/modules/sexuality_and_the_body/biblio
graphy/joan_scott_gender_1986.pdf>. Acesso em: 04 jul. 2018.
SILVA, Cibele Braga. As rendas de Molly Bloom. Disponível em:
https://seer.ufrgs.br/NauLiteraria/article/viewFile/5829/3433 Acesso em: 13 de janeiro
de 2019.
TEIXEIRA, Cristina Stevens. PROBLEMATIZANDO AS FRONTEIRAS DE
GENDER/GENRE: TRÊS PENÉLOPES. Disponível em:
<revistas.umce.cl/index.php/contextos/article/download/424/418> Acesso em: 25 de
janeiro de 2019.
_______. (Re)construíndo Penélope: Literatura e Feminismos. Disponível em:
<periodicos.uea.edu.br/index.php/contracorrente/article/download/488/479/> Acesso
em: 25 de janeiro de 2019.

S-ar putea să vă placă și