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Le Monde Diplomatique Brasil

MAIO 2019
DOSSIÊ ESTADO DE CHOQUE
Fazer sumir: o desaparecimento como tecnologia de poder

A combinação de uma série de variáveis e marcadores sociais – raça, sexualidade, local de


moradia, status social, algum tipo de proximidade com práticas ilícitas e ilegais – tem
representado uma fatalidade para certos corpos e populações. Veja o quarto artigo do dossiê
“Estado de choque”, série de seis análises que publicaremos até julho de 2019.

POR FÁBIO ARAÚJO*

Pessoas executadas pela Polícia Militar que portam réplicas de armamentos, os chamados
simulacros. Espaços escondidos no interior das prisões, atrás de placas de aço ou paredes
duplicadas, evidenciando que o segredo é uma das formas estratégicas do poder político.
Corpos desaparecidos, que envolvem ações das forças policiais, as quais mobilizam técnicas
de fazer sumir, parte integrante de uma ampla maquinaria de produção de morte. Sujeitos que,
ao mobilizarem a greve de fome como estratégia política na luta por direitos, evidenciam que,
nos tempos atuais, a defesa da morte não só é publicamente aceitável, como também há vidas
que valem menos do que outras. Em tempos sombrios – de dissolução de direitos adquiridos,
de propostas autoritárias para a resolução de conf litos sociais, de utilização das Forças
Armadas para os mais diversos fins –, o presente dossiê visa lançar um pouco de luz acerca do
horror, do segredo e do abominável que marcam as dinâmicas de funcionamento de distintos
aparelhos estatais. Organização: Fábio Mallart e Luís Brasilino. Bajo las matas En los
pajonales Sobre los puentes En los canales Hay Cadáveres Néstor Perlongher No Brasil
atual, dos tempos de Jair Bolsonaro como presidente, viver vem significando ter de lidar
com doses diárias de horror. Não que o horror não fizesse parte da história social e política
desde o início da formação da nação brasileira. Afinal, a escravidão e a tortura foram pilares
sobre os quais o poder colonial se assentou aqui nos tristes trópicos. As tecnologias de
terror colonial perduram e se reatualizam historicamente nos desejos das elites brasileiras e
nas combinações contemporâneas que articulam capitalismo neoliberal com técnicas e
práticas coloniais. É com esse espírito que o governo Bolsonaro corporifica, simboliza e
representa o que há de mais anticivilizatório na sociedade brasileira. Com o governo Bolsonaro,
o horror é alçado a uma forma de governo que opera por meio da liberação das forças
destrutivas que devastam o país e atacam os direitos, o corpo e a vida de centenas de
milhares de pessoas. O terror, o macabro, a crueldade, a humilhação, o obsceno e a falta
de decoro são alguns dos termos pelos quais a realidade brasileira pode ser apreendida e
pensada. Em discurso pronunciado na Câmara em 12 de agosto de 2003, o então deputado
Jair Bolsonaro, exaltando a ação de um grupo de extermínio na Bahia, posicionou-se
afirmando que, “desde que a política de direitos humanos chegou ao país, a violência só
aumentou e se depararam com uma viatura da polícia. Os policiais dispararam 111 tiros e
mataram os cinco jovens dentro do carro. Coincidentemente, 111 é o número de presos
mortos no massacre do Carandiru. passou a ocupar grande espaço nos jornais”. Em
seguida, defendeu que, “enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte,
o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele
na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio”. Como
tem sido amplamente documentado e noticiado, de fato, apreço e apoio a milícias por parte da
família Bolsonaro não têm faltado. Admirador do torturador Carlos Brilhante Ustra, Jair
Bolsonaro coleciona declarações infames defendendo a tortura, a morte e a ditadura. Entre
outras infâmias, disse que “o erro da ditadura foi torturar e não matar”; “sou a favor da
tortura, através do voto você não muda nada no país, tem que matar 30 mil”; e declarou que
seus adversários seriam metralhados e enviados para a “Ponta da Praia”, local conhecido
como lugar de desova de corpos durante a ditadura. Marcelo Semer1 definiu o governo
Bolsonaro como tendo a morte como método e, pelas políticas que tem defendido, parece ter o
propósito de elevar ainda mais as taxas de letalidade policial contra civis, as quais já são as
maiores do mundo. Como escreveu Adriana Vianna2 em artigo publicado neste dossiê, as
tecnologias de governo centradas em políticas da morte que atravessam o mundo
contemporâneo, e de modo especial o contexto brasileiro, se inscrevem sobre corpos e
territórios e têm no excesso “o sucesso das tecnologias de terror colonial”. Em 28 de
novembro de 2015, Roberto, Carlos Eduardo, Cleiton, Wilton e Wesley, moradores da
Lagartixa, no Complexo da Pedreira, em Costa Barros, foram ao Parque de Madureira
comemorar o primeiro salário de Roberto. Quando retornavam para casa vítimas foram
confundidos com “carros de bandidos”. Afinal, é assim que se lida com “bandidos”, com oitenta
ou 111 tiros. Ou mirando e atirando na cabecinha, como propôs o governador do Rio de
Janeiro, Wilson Witzel. E, se não eram bandidos, poderiam ser, afinal são pretos, pobres,
moradores de favelas. Estariam, portanto, segundo essa lógica de sentidos que os transforma
em potenciais inimigos, dentro do enquadramento daqueles que são considerados matáveis.
São mortes que se inscrevem numa economia política do terror que se faz por meio do
excesso. Excesso que torna a vida defeituosa pela capacidade da morte de fazer da vida sua
refém, como propõe Achille Mbembe,3 recuperando o pensamento de Georges Bataille. No
dia 7 de abril de 2019, outra dose de terror de Estado veio com a notícia de que o carro de uma
família negra que passava por Guadalupe, região próxima de Costa Barros, e se dirigia a um
chá de bebê foi fuzilado com oitenta tiros. Não foi um ou dois tiros, mas oitenta. Na ação, o
músico Evaldo Rosa dos Santos, de 46 anos, foi morto. No dia 18 de abril veio a falecer
Luciano Macedo, de 27 anos, catador de materiais recicláveis que foi baleado ao tentar
ajudar a família que teve o carro fuzilado pelo Exército. Após longo silêncio sobre o caso, o
presidente Bolsonaro finalmente se manifestou dizendo que “o Exército não matou ninguém”.
O comandante do Exército afirmou que o fuzilamento que deixou dois mortos não foi
assassinato, foi uma fatalidade. De fato, a combinação de uma série de variáveis e marcadores
sociais – raça, sexualidade, local de moradia, status social, algum tipo de proximidade com
práticas ilícitas e ilegais – tem representado uma fatalidade para certos corpos e populações,
em determinadas condições de vulnerabilidade. Evitar o encontro com a polícia ou com as
Forças Armadas é um cuidado fundamental na administração cotidiana da vida para certos
grupos que habitam esses espaços da cidade onde a regra é a exceção e o terror. Caso
contrário, esses corpos podem ser atingidos por oitenta ou 111 tiros. A justificativa da polícia e
do Exército, nos dois casos, foi a de que uma ação policial estava sendo realizada e os carros
das Uma dimensão que chama atenção nessas formas de operacionalização da violência é a
relação entre corpo e crueldade, em que o excesso do poder se exerce e se realiza por meio
de uma política punitiva do corpo. Há todo um exercício de poder e uma economia do
castigo que se inscrevem diretamente no corpo, ao mesmo tempo que se projetam como um
recado a todos os moradores de um território. Torturar, mutilar e destruir corpos, ora exibidos
de maneira espetacularizada, ora desaparecidos, são formas que compõem o vasto repertório
de técnicas que alimentam a maquinaria de produção de cadáveres em curso no Brasil. Uma
dessas técnicas é o desaparecimento forçado de pessoas, amplamente utilizado na ditadura e
que segue produzindo desaparecidos. As comissões da verdade que investigaram os crimes
de Estado durante a ditadura conseguiram entrevistar alguns dos agentes envolvidos. Os
testemunhos coletados são reveladores de como o trabalho de “fazer desaparecer”
funcionava. A certeza da impunidade, garantida pela Lei de Anistia, permitiu que agentes da
repressão se sentissem à vontade para relatar com uma sinceridade obscena os horrores
que cometeram. Um desses agentes é Cláudio Guerra, ex-delegado da Polícia Civil e agora
pastor. No f ilme Pastor Cláudio, ele dá detalhes de sua atuação. Com uma Bíblia na mão, ele
conta que foi convidado a compor a Operação Radar, que executou dezenove militantes do
Partido Comunista Brasileiro. Inicialmente sua missão era matar pessoas envolvidas na
militância contra o regime militar. Depois, sua função passou a ser a de queimar corpos de
pessoas torturadas e mortas. Para isso, levava os corpos a uma usina de cana-de-açúcar
localizada em Campos, onde os corpos eram incinerados. Segundo seu próprio depoimento,
ele foi responsável por incinerar os corpos de João Batista Rita, Joaquim Pires Cerveira, Ana
Rosa Kucinski, Davi Capistrano, João Massena, Fernando Augusto Santa Cruz, Eduardo
Collier Filho, José Roman, Luiz Ignácio Maranhão, Armando Teixeira Frutuoso e Thomaz
Antônio Meirelles. Em sua fala, ele não expõe nenhum sentimento de culpa, porque estava
apenas cumprindo ordens. Conta também que ganhou muito dinheiro dos empresários que
patrocinaram as ações e que, mesmo após o fim do regime, os agentes envolvidos na
repressão continuaram a fazer o que faziam – torturar e fazer desaparecer pessoas –, agora
prestando serviço para bicheiros e empresários. Por que há tantos desaparecidos hoje? Ele se
pergunta e ele mesmo responde: porque a técnica do desaparecimento inventada para sumir
com os corpos dos presos políticos continua a ser empregada contra os novos inimigos,
produzidos agora pela ideologia da segurança pública. O medo de morrer é um obstáculo difícil
de ser superado para que a denúncia seja levada adiante, mas isso não significa que essa
tecnologia de poder não esteja em vigor. “Fazer sumir” segue sendo uma realidade nas
quebradas e periferias da cidade e do campo, bem como no interior de instituições estatais
como os presídios. Alguns poucos casos de desaparecimento forçado pós-ditadura se tornaram
emblemáticos, outras centenas permanecem invisíveis e desconhecidas. Um dos casos que
teve grande repercussão, inclusive internacional, foi o Caso Acari, quando onze jovens
moradores da favela de Acari foram sequestrados por um grupo de extermínio denominado
Cavalos Corredores, formado por policiais militares integrantes do 9º Batalhão de Rocha
Miranda. Os jovens viajaram para um sítio em Magé para fugir de uma extorsão dos policiais,
mas foram capturados e seus corpos jamais apareceram. As versões que circularam sobre o
caso indicavam que os corpos dos jovens teriam sido oferecidos a leões e porcos. O caso
chegou ao conhecimento público graças à incansável luta das Mães de Acari, como ficaram
conhecidas as mães dos jovens desaparecidos. Em 2008, a engenheira Patrícia Amieiro
desapareceu após seu carro ser baleado por policiais e jogado no Canal de Marapendi. Seu
corpo jamais foi encontrado. No dia 14 de julho de 2013, o pedreiro Amarildo, morador da
Rocinha, desapareceu após uma abordagem de policiais lotados na Unidade de Polícia
Pacificadora da Rocinha. Em Queimados, Baixada Fluminense, Fábio, filho de Izildete, e
seu amigo Rodrigo desapareceram após uma “dura” da polícia e jamais foram encontrados.
Essa, porém, não é uma realidade apenas do Rio de Janeiro. Na Bahia, Rute Fiuza vem
denunciando o desaparecimento do filho, Davi Fiuza, que saiu para comprar pão, foi
abordado numa operação da Polícia Militar e nunca mais apareceu. Dezessete policiais foram
indiciados no inquérito da Polícia Civil. Em Manaus, Alex Júlio Roque de Melo, Ewerton
Marinho e Rita de Cássia desapareceram após uma abordagem policial quando voltavam de
um pagode no bairro Grande Vitória, zona leste de Manaus. No estado de Goiás, uma CPI
chegou a ser instalada para investigar o desaparecimento de 41 pessoas após abordagens
policiais, e um relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura ressalta a
possibilidade de 79 pessoas terem sido vítimas de desaparecimento forçado após as rebeliões
que ocorreram em 2017 nos presídios de Roraima e Rio Grande do Norte. Segundo revelou o
Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2018, o Brasil encerrou 2017 tendo 82.684 boletins
de ocorrência registrando o desaparecimento de pessoas. As causas e circunstâncias dos
desaparecimentos são diversas, mas há motivos suficientes, como os já assinalados
anteriormente, para considerar que é possível e provável que uma parte considerável desses
registros corresponda a casos de desaparecimento forçado, como o que relatarei a seguir.
Tomei conhecimento deste caso pesquisando os registros de ocorrência de pessoas
desaparecidas no Rio de Janeiro e tive a oportunidade de entrevistar a mãe do jovem em
questão. Maria, nome fictício, mora em Campo Grande, zona oeste do Rio de Janeiro, área
com forte atuação de milícias. Seu filho tinha 28 anos quando, num dia de abril de 2010, saiu
para trabalhar e não mais retornou. Na delegacia, ela foi orientada a ir primeiro ao local de
trabalho do filho para averiguar se conseguia alguma informação. Não obtendo êxito, fez o
registro de ocorrência de desaparecimento e as buscas continuaram em lixeiras, lugares de
desova, valões de esgoto, rios. A cada indício ou vestígio que pudesse indicar a localização de
seu filho, lá estava Maria. Certo dia, de madrugada, alguém bateu com força em seu portão e
ela acordou assustada. Ela correu, abriu o portão e levou um susto ao se deparar com uma
ossada espalhada diante de sua casa. Deu um grito, fechou o portão e ligou para os vizinhos
para pedir que alguém olhasse de suas janelas para o portão de sua casa. Os vizinhos
olharam e disseram a ela que havia uma ossada ali, mas nenhuma pessoa por perto. Maria
interrompeu a conversa comigo para pegar uma foto e me mostrar a ossada, sobre um saco
preto, que havia sido colocada em sua porta. Junto com a ossada havia um bilhete de
milicianos informando que já haviam matado algumas pessoas na região e que agora eram
eles que mandavam ali. A motivação que Maria encontra para explicar a morte do f ilho
seria o interesse de milicianos por um pedaço de terra que ele possuía. Com uma ossada nas
mãos, Maria teria agora de fazer o exame de DNA para identificar se os restos mortais eram
mesmo de seu filho. O resultado do exame deu positivo. Quando f inalmente conseguiu o
atestado de óbito para levar ao IML, foi informada de que seu filho tinha sido enterrado como
indigente porque havia muitos cadáveres e pouco espaço no IML. Somente após um ano do
exame de DNA, Maria conseguiu identificar o túmulo onde seu filho fora enterrado como
indigente. A identificação aconteceu no dia em que ele faria aniversário. Como no poema de
Néstor Perlongher, citado na epígrafe e que se refere aos cadáveres desaparecidos durante a
ditadura argentina, por aqui também há cadáveres por toda parte. As cidades têm se tornado
um imenso necrotério.

*Fábio Araújo é sociólogo e professor do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ).


1 Marcelo Semer, “A morte como política”, Revista Cult, 18 mar. 2019.
2 Adriana Vianna, “Políticas da morte e seus fantasmas”, Le Monde Diplomatique Brasil,
mar. 2019.
3 Achille Mbembe, Políticas da inimizade, Antígona Editores Refractários, Lisboa, 2017.

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