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de volta ao fim

Marcos Siscar

de volta ao fim
O “fim das vanguardas” como questão
da poesia contemporânea

apoio
Sumário

Prefácio 9

o fim das vanguardas


O tombeau das vanguardas: a “pluralização das poéticas possíveis”
como paradigma crítico contemporâneo 19
A alavanca da crise: a poesia “pós-utópica” de Haroldo de Campos 42
Do fundo de um naufrágio: estados da poesia contemporânea 67
Quando a vanguarda tira o chapéu 76
A miragem dos fatos 89
A história como múmia: sobre a poesia de Bruno Tolentino 93
Ana C. aos pés da letra 104

outras crises de verso


A “poesia pura” como paradigma da tradição 137
Figuras de prosa: a ideia da “prosa” como questão de poesia 159
Intensificar a questão poética: o partido do contra em
Jean-Marie Gleize 174
Poesia e sinistro 188
A crise como política 191
A suspeita e a cisma 197
Duas palavras sobre política e poesia 206
O que termina apenas começou: Michel Deguy e a poética da ecologia 215

sobre os textos 235


macbeth
(aside) Glamis, and thane of Cawdor!
The greatest is behind. (to ROSS and ANGUS) Thanks for your pains.
(aside to BANQUO) Do you not hope your children shall be kings,
When those that gave the thane of Cawdor to me
Promised no less to them?

banquo
     That, trusted home,
Might yet enkindle you unto the crown,
Besides the thane of Cawdor. But ’tis strange.
And oftentimes, to win us to our harm,
The instruments of darkness tell us truths,
Win us with honest trifles, to betray ’s
In deepest consequence.
(to ROSS and ANGUS) Cousins, a word, I pray you.

(w. shakespeare, Macbeth)


Prefácio

Suponhamos que quando dizemos o “fim das vanguardas” não esteja-


mos nos referindo a um conteúdo de verdade histórica, algo verificável em
determinado momento da segunda metade do século XX, mas que este-
jamos nomeando uma operação crítica e discursiva – presente em textos
ensaísticos, literários, jornalísticos – ela mesma produtora de história. Neste
caso, teríamos que ouvir a hoje afamada expressão “o fim das vanguardas”
sempre entre aspas, independentemente do uso do sinal gráfico, como uma
espécie de citação. A hipótese deste livro é que a análise do enunciado do
fim das vanguardas e das variantes da ideia de fim (a consumação, a crise,
o sinistro) oferece um ponto de partida particularmente esclarecedor para
a compreensão daquilo que está em jogo no “contemporâneo”, ou melhor,
na visão que nossa época vem construindo sobre si mesma, de modo não
necessariamente homogêneo, não necessariamente harmonioso.
Meu interesse, portanto, não é o de submeter a expressão “o fim das
vanguardas” a um teste de adequação à realidade. Não se trata de reiterar
a visão de história à qual ela se refere, nem tampouco contradizer seus
pontos de referência, a fim de promover a volta a uma narrativa mais ori-
ginal e mais autêntica, da qual teríamos nos desviado. Pela mesma razão,
não se trata de lamentar o descalabro e a penúria que teriam se seguido ao
suposto aniquilamento do espírito crítico, ou seja, ao declínio das diversas
soluções dadas pela poesia a seu mal-estar, ao longo do século XX, como
expressão artística ou como fato social. Dessa mesma perspectiva, mas por
outro lado, não me parece haver interesse crítico em simplesmente reiterar
o estado de eventual satisfação (aliás, o mais das vezes matizado) por meio
de uma atitude politicamente mais acolhedora: a aceitação da ideia de
uma pluralidade desreprimida e pacificada. Tais lugares de fala são igual-
mente parte do problema, quando reforçam a lógica da mera substituição
histórica, como se nossa relação com o passado e com o presente fosse um
processo destituído de conflitos, de recalques e de estratégias.

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Não me escapa que o espírito crítico e autocrítico (frequentemente,
“contrapoético”), inquieto, contestatório, seja uma das contribuições que
a tradição de vanguarda do século XX trouxe à poesia e à própria postura
do artista diante de seu presente. Essa tradição estética e crítica ajudou a
constituir uma relação ativa com o contemporâneo que nos define ainda
hoje; e, sem que precisemos ver nela um horizonte intransponível, é pos-
sível dizer que acabou por estabelecer um modo específico de entendi-
mento dessa modernidade, no qual se incluem violências e processos de
totalização de que nos ressentimos ainda hoje. Mais do que isso, conve-
nientemente para a crítica e para a história literária, a vanguarda foi, em
muitos momentos, produtora do seu próprio sentido histórico e crítico. Os
sucessivos manifestos e declarações de princípio, a reconstrução de genea-
logias, seus diagnósticos e projetos, certa didática da intervenção estética e
política acabaram nos habituando com uma dinâmica na qual determina-
das declarações da vida literária tornam-se mais do que meros dados em
um conjunto a ser analisado: elas tendem a se transformar, graças à sua
força descritiva e prescritiva, em fatos, isto é, no sentido da vida literária
propriamente dita. Quando esse amparo lhe é subtraído, compreende-se
o relativo desalento (a sensação de que “nada está acontecendo”) carac-
terístico(a) da crítica e da história literária, em especial no Brasil, onde a
“tradição da ruptura” (na conhecida expressão de Octávio Paz) tem um
peso considerável. A poesia brasileira do século XX é um campo dentro
do qual a vanguarda ou a questão da vanguarda são mais do que simples
episódios: elas fazem parte de seu modo de existência.
Constatar o caráter não apenas incisivo desses gestos, mas também a
sua força legitimadora é, portanto, um modo de relançar a compreensão
histórica que podemos ter sobre o contemporâneo. O que está em jogo
não é exatamente um conjunto de valores e critérios que sucede àqueles da
vanguarda mas é, a meu ver, especificamente, um outro modo de relação
com esses mesmos valores e critérios. A vanguarda é (ou continua a ser)
nosso problema exatamente porque superá-la é aquilo que desejamos.
O mesmo movimento interpretativo nos permite realizar um outro
tipo de percurso, que caracteriza a segunda parte deste livro. Trata-se de
reavaliar a relação que a crítica e a história literária do século XX, não
apenas no Brasil, estabeleceram com o passado, sobretudo se levarmos
em conta que a construção do espírito crítico vanguardista baseou-se

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frequentemente em uma simplificação excessiva da poesia da segunda
metade do século XIX. Na medida em que o “passado” foi identificado,
pelos primeiros movimentos de ruptura do século XX, com o “passadismo”,
a possibilidade de ler a poesia anterior como fenômeno relacionado a seu
próprio tempo, como inserção estratégica em seu presente, questionadora
do seu contemporâneo, foi praticamente aniquilada. Recontextualizar o
movimento geral que instaurou determinadas interpretações do passado e
entender o sentido dos projetos que o reeditam ainda hoje (como é o caso
da discussão francesa sobre a “pós-poesia”) são tarefas críticas e historio-
gráficas colocadas pelas demandas específicas de nosso tempo, as quais
deveriam abrir espaço para outras possibilidades de leitura da tradição.
Não deixa de ser significativo que a releitura historicamente mais atenta
dos autores do período anterior às vanguardas (dentre os quais Mallarmé
permanece como caso paradigmático) apenas tenha sido possível, apenas
tenha parecido necessária, recentemente, a partir do momento em que os
critérios de vanguarda passaram a ser questionados.
A essa avaliação geral é preciso associar tópicos particulares de enten-
dimento da poesia moderna, que ganharam notoriedade graças a deter-
minadas obras de teoria e história literária, tendo transformado a noção
de “esteticismo”, por exemplo, em apoio básico para diferentes projetos de
compreensão da poesia moderna. A tradição de leitura de Hugo Friedrich
me parece bastante reveladora, nesse sentido. Apesar de recusada por
diferentes autores, já há mais de meio século, a perspectiva de Friedrich
sobre alguns poetas modernos, especialmente franceses, continua sendo
uma referência decisiva para as reelaborações contemporâneas. O que a
crítica vem contestando no romanista alemão não é exatamente suas teses
sobre a tradição poética, mas as escolhas que faz, os autores que toma como
referências básicas da poesia moderna. Sintomaticamente, suas propostas
continuam sendo usadas pelos mais ferrenhos detratores, quer seja como
contraponto seguro da tentativa de resgatar o tônus de realidade ou de rea-
lismo da poesia (o que permitiria atribuir autoridade histórica a outro tipo
de cânone moderno), quer seja como parte estratégica de uma crítica à
ambição moderna da “autonomia” poética, a fim de dar destaque a visões
não totalizantes (baseadas numa determinação em bloco do moderno
como espaço monológico, a ser superado pela injunção do hibridismo).
Parece-me claro que, do ponto de vista do discurso crítico e historiográfico,

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a dependência à interpretação de Friedrich é um dos aspectos mais revela-
dores do estado contemporâneo da discussão sobre poesia.
Se elaborar a maneira pela qual parecemos suceder à época das van-
guardas é uma tarefa de nosso tempo, ela requer também o cuidado de não
se promover uma oposição pura e simples às narrativas de vanguarda, a
fim de resgatar, por exemplo, o elemento mais original ou mais autêntico.
Não há narrativa mestra, da qual a vanguarda seria um desvio. A negação
da perspectiva de vanguarda, que recorre ao universo das poéticas ditas
“neoclássicas” ou antivanguardistas, não advém apenas de um espírito de
reforma baseado na denegação, na oposição e na re-hierarquização dos
diferentes matizes da modernidade; quando destituída do tratamento crí-
tico exigido pelas dissonâncias de seu próprio descentramento, torna-se
rapidamente uma avaliação inconsistente, em especial em relação ao modo
de reagir ao contemporâneo. Por essa razão, embora tenhamos atualmente
razões de sobra para desconfiar de termos como “novo”, “invenção”, “mili-
tância”, “subversão”, “revolução” (que supõem totalidades e que, na condi-
ção de palavras de ordem, costumam objetivar a produção de anacronis-
mos), por outro lado, me parece ainda mais problemático o gesto que não
integra nesse movimento o impacto de sua própria extemporaneidade.
Por razões semelhantes, a leitura que proponho do discurso sobre o
fim das vanguardas não se destina a criar instrumentos para desvanguar-
dizar a história da poesia. Não há propriamente “retorno” à modernidade,
uma vez que a ideia de modernidade, também ela, é uma construção com
valor histórico. Se a história é caracteristicamente constituída de contra-
dições, violências e exclusões, tenho dúvidas de que a melhor solução seja
a de operar apagamentos, perdendo a clareza sobre aquilo que teve lugar.
Como ficará claro nos ensaios deste livro, a melhor resposta que
podemos dar a essas questões é contextualizar a formulação do “fim das
vanguardas”, dando-lhe o estatuto de acontecimento estético-crítico, ou
seja, analisando seu modo particular de transformar-se em presente.
Indagar-se a respeito do contexto, nesse caso, não é nada mais do que uma
tentativa de entender os fenômenos dentro de um espaço que havia sido
apagado ou esvaziado pelo gesto de adesão; é enriquecer o sentido desses
fenômenos por meio do reconhecimento e do embate com seus limites.
Esse movimento, que não pode pressupor uma história acabada e linear,
mas aberta a reinscrições e cruzamentos discursivos, solicita não apenas a

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problematização das narrativas instituídas, mas também a consciência de
que a descrição de um novo contexto, qualquer que seja, nunca é saturável:
ao delimitar um espaço de análise, estamos novamente aumentando sua
complexidade, fazendo-o transbordar, reabrindo-o a outras perspectivas,
deslocando-o necessariamente.
A questão não se resolve, portanto, com o relance da visão historicista,
disposta a corrigir seus passos pregressos, abonando ou contradizendo
suas teses fundadoras. Ela envolve antes de tudo o desafio de trabalhar com
os dilemas que essa reavaliação nos impõe, os conflitos e o inacabamento
de nossa maneira de entender a poesia. Quando se coloca em primeiro
plano movimentos de denegação, fantasmas ou reinscrições voluntariosas,
o que acaba por ganhar o primeiro plano é a própria condição de nossa
fala. Se não somos exatamente pós-vanguardistas ou pós-utópicos, não é
porque não temos singularidades e diferenças em relação à vanguarda e à
afirmação utópica, outras formas de relação com a história: não somos exa-
tamente pós-vanguardistas porque os impasses que reconhecemos como
constitutivos desse lugar histórico e discursivo nos expropriam do sentido
linear e totalizante de nosso presente. Ou seja, um dos problemas a resolver
é justamente a (im)possibilidade de sermos contemporâneos de nós mes-
mos. Creio que reconhecer esse movimento de expropriação é uma das
tarefas relacionadas ao desafio de responder ao contemporâneo.
Apesar da visão circunscrita que essa tradição poética e crítica tem
a respeito do papel da poesia e da arte, devo dizer que não vejo interesse
em simplesmente abandonar a inquietude característica do pensamento
de vanguarda. A disposição questionadora e investigadora em relação ao
presente é, de fato, um de seus predicados mais salientes. E talvez continue
sendo o ponto com o qual nos debatamos, quer seja no momento em que
lamentamos o fim de uma época de “heroísmo” do poeta e da poesia, quer
seja no momento em que aceitamos muito rapidamente a pulverização
da ideia de poesia em situações culturais e estéticas por demais inespecí-
ficas. O que está aí em jogo é o estatuto da poesia (o que ainda nos ocorre
chamar por esse nome) e da poética (como tradição e disciplina de pen-
samento) entendidas como lugares possíveis de relação com o presente.
Se, por um lado, é preciso desarmar o discurso da crise como instru-
mento político de desmobilização ou de desmonte da tradição poética e
literária (o que creio ser o caso mais urgente no Brasil), por outro lado é

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preciso também reconsiderar a noção de crise como parte de uma atitude
crítica que tem também uma dimensão propositiva, imaginativa de certo
modo, destinada ao espaço comum da interlocução. É na perspectiva dessa
dupla tarefa que acrescento aos ensaios mais longos deste livro, resultados
de pesquisa universitária (em especial, desde o projeto “Imagens do fim”,
desenvolvido com bolsa PQ/CNPq, a partir de 2011), alguns textos ditos “de
intervenção”, escritos mais breves, originalmente destinados a revistas e
jornais. Creio que, da mesma maneira que não faltam a estes últimos ele-
mentos argumentativos, também não faltam aos primeiros a explicitação
dos problemas mais amplos e mais urgentes com os quais dialogam.
À discussão sobre o fim das vanguardas – e sobre aspectos que, em
autores bem diferentes, remetem à questão do contemporâneo pela via da
superação ou da denegação da tradição de vanguarda – este livro acres-
centa alguns textos que abordam diretamente o valor crítico da própria
ideia do “fim”, do “naufrágio”, do “sinistro”, da consumação (inclusive eco-
lógica) de nossa capacidade de “mundo”. Dessa perspectiva não simples-
mente mais genérica, e sim mais tensa, me parece importante suspender
momentaneamente o anúncio do fim das vanguardas – tantas vezes iden-
tificado com o esgotamento da própria poesia – de forma a tornar mais
sensíveis as forças e as tensões que vêm modulando nossa reflexão sobre
o assunto. Arrisco-me a propor, em um dos textos, que o anúncio do fim
das vanguardas não deixa de constituir-se como um manifesto, bem ao
gosto daquilo que o século XX nos habitou a considerar como modo inci-
sivo de irrupção do poeta na história. Mas manifestar, em especial numa
época que recusa a legitimidade do gênero “manifesto”, não pode mais ser
entendido como ato de fixar determinados princípios, coerentes consigo
mesmos e com sua recepção; manifestar nada mais é do que explicitar o
desejo de dar sentido, ou seja, um modo de se debater com a questão do
sentido. Aventurar-se nesse impasse produtivo é um modo de responder
ao contemporâneo.
Um caso exemplar, cheio de complicações subliminares, vem da
pluma de um velho vanguardista, Haroldo de Campos, no momento em
que este procura justamente dar nome a um novo estado de coisas. Não
me parece ser a situação mais característica, mas decerto ela é bastante
reveladora a respeito do fato de que a passagem para fora das vanguardas
não é, de modo algum, uma passagem para além da crise. Pelo contrário,

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é um passo na direção de um novo lugar de expropriação e de conflito,
no qual valores e critérios de vanguarda não deixam de marcar presença,
justamente pela falta que parecem fazer ou, ainda, pelo fato de serem reci-
clados em vista de outros interesses, outros tipos de demanda histórica.
Continuando a reflexão que propus em Poesia e crise (Ed. Unicamp,
2010), a ideia deste livro é mostrar como o discurso sobre o fim da van-
guarda (mas também sobre o fim da poesia, o fim da arte e, eventualmente,
o fim do mundo) constitui-se como um deslocamento, isto é, como uma
metamorfose do espírito crítico associado à tradição poética moderna.
Se não há um “após” às vanguardas, à arte, ao mundo, é porque não há
“fim” propriamente dito, independentemente da linguagem na qual esse
fim é enunciado. Não há um após o fim, um após a finitude, uma “época”
de posteridade ou uma “consciência” de posteridade, a partir dos quais
poderíamos simplesmente constatar o fim, nomeá-lo, historiá-lo, ativá-lo
a nosso favor. Estamos incessantemente de volta ao fim, ou seja, às voltas
com o fim, em conflito sobre que nome dar àquilo que teria acabado, sobre
o que significa de fato chegar ao fim.
Em outras palavras, estamos o tempo todo reinventando nosso lugar,
um lugar no qual a visão da catástrofe não faz nenhum sentido, a não ser
na medida em que nos permite imaginar outros tipos de começo.

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o fim das vanguardas
O tombeau das vanguardas:
a “pluralização das poéticas possíveis”
como paradigma crítico contemporâneo

a diversidade como problema crítico


Começo por uma constatação: a situação da poesia contemporânea é
a da diversidade pacífica de tendências e de projetos. A constatação não
é minha, mas é suficientemente prestigiada na universidade e na mídia
para dispensar ilustração. Ela tem relação, cada vez mais, com as políticas
aplicadas à educação e à cultura, tanto da parte de associações privadas
quanto de organizações de estado.1 Onde quer que a situação da poesia
como um todo se coloque (e não apenas da poesia, mas da arte de modo
geral), essa chave de compreensão tem sido repetida, com alívio ou com
empenho, com melancolia ou com repulsa, a tal ponto que parece ter se
tornado o discurso dominante sobre a paisagem contemporânea, não
apenas no Brasil. Antologistas franceses, buscando um panorama “o mais
diversificado possível”, esclarecem que acompanham “uma constatação
sobre a qual todos estão de acordo: a poesia francesa é hoje menos feita
de escolas exclusivas umas em relação às outras do que da coexistência
de personalidades singulares” (DEGUY et al., 2001, p. 47). A diversidade,

1 Um exemplo que me cai nas mãos é o da Curadoria de Literatura e Poesia (coordenada por
Claudio Daniel) do Centro Cultural São Paulo que, em seu folheto de dezembro de 2012,
define sua tarefa como a de realizar “ações culturais periódicas voltadas à difusão de autores
brasileiros e internacionais, apostando na diversidade com qualidade e abrindo espaço para
diferentes formas de expressão, desde as tradicionais até as inovadoras. Nossa estratégia
parte da percepção do espaço público como um local democrático e plural, como é a pró-
pria comunidade”. A continuidade entre a política de cultura e a forma atual do discurso
democrático é imediata e dispensa considerações sobre os problemas específicos da lite-
ratura contemporânea. É importante observar, no contexto deste ensaio, que a proposta
coloca como princípio orientador “o conceito da ‘pluralidade de poéticas possíveis’”, formu-
lado por Haroldo de Campos.

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como vemos, é um múltiplo de singularidades, cujo espaço é o da coexis-
tência, da proximidade contígua. O crítico de arte Boris Groys (2008) fala,
de modo mais abrangente, de um verdadeiro “dogma” da pluralidade ou
do pluralismo no contemporâneo.
Mencionarei, na sequência, o estado da questão no Brasil, mas acho
importante, de imediato, lembrar que, se a constatação da diversidade dis-
pensa ilustração, o sentido dos afetos que ela provoca (alívio ou empe-
nho, melancolia ou repulsa), ao contrário, exige alguma atenção crítica. A
defesa enfática da “biodiversidade” poética, que faz o saldo positivo da boa
qualidade média da poesia contemporânea, assim como, por outro lado, a
resistência àquilo que determinados críticos chamam de “democratismo”
sem critérios, que resulta em um “mar de coisa escrita”, são apenas dois
tipos de pulsão que dão um perfil característico à vida literária de nossa
época.2 Da atenção a essas posturas (que poderiam, também, ser nomea-
das “políticas”, e que prefiro aqui chamar de “afetos”) depende não apenas
a clareza sobre o valor crítico da noção de diversidade, mas também, por
essa via, uma compreensão mais apurada dos desafios da poesia nas últi-
mas décadas.
Para abordar o assunto, retomo-o do modo como o deixei, em artigo
publicado em 2005,3 quando chamava a atenção para a existência de uma
“hipótese da diversidade” na crítica brasileira de poesia. Essa hipótese car-
rega a tarefa de dar nome à época que se segue ao chamado “fim das van-
guardas”, e baseia-se na ideia da desaparição dos antagonismos, na convi-
vência de projetos individuais, na pluralidade de opções e de propostas,
por oposição à estrutura bipolarizada que definia nossa vida cultural até
meados da década de 1980.4
Não custa reforçar a função historiográfica que tem essa avaliação.
E, para isso, remeto rapidamente ao último espasmo de polêmica antiga
2 “Mar de coisa escrita” é uma expressão de Alcir Pécora (2005), representativa de uma posi-
ção bastante comum sobre o contemporâneo. Um debate recente, no qual encontramos
essas manifestações de entusiasmo ou de antipatia – estabelecidas, naturalmente, a partir
de argumentos e avaliações objetivos –, opôs Alcir Pécora e Beatriz Rezende em conversa
veiculada pela internet (debate organizado pela revista Serrote (IMS). Blog do IMS, 4/4/2011).
3 “A cisma da poesia brasileira”, publicado inicialmente pela revista Europe (“Le souci de la poé-
sie brésilienne”, v. 919/20, 2005) e republicado no Brasil pelas revistas Sibila e Germina. O texto
foi incluído no livro Poesia e crise (Campinas: Editora da Unicamp, 2010).
4 Tais noções aparecem, para citar apenas um exemplo, no trabalho de Heloísa Buarque de
Hollanda, em especial no prefácio à antologia Esses poetas: uma antologia dos anos 90 (1998).

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que opôs, em 2012, as posições de Roberto Schwarz e Caetano Veloso. A
propósito da leitura que o primeiro faz do livro Verdade tropical (lançado
em 1997), o segundo, em resposta publicada por meio de entrevista com
Paulo Werneck (2014), defende a ideia de que a postura de sua geração
foi a de recusar os automatismos das opções estéticas e ideológicas da
época, uma delas identificada com o crítico uspiano. Poderíamos pensar
que o chamado “fim das vanguardas” corresponderia, sobretudo, ao fim
desse automatismo, à recusa de herdar um tipo de discussão e um tipo
de distribuição do espaço ideológico. A ideia se confirma hoje na pos-
tura e no discurso de muitos poetas, assim como no discurso da crítica,
e uma das consequências indiretas de seu aprofundamento é a tentativa
de construção de valor crítico em torno daquilo que recusa as fronteiras
reconhecidas como “dominantes” e, até mesmo, os “lugares demarcados”.5
Outra consequência, esta de ordem pedagógica, poderia ser encontrada
no “variacionismo”,6 ou seja, uma permutabilidade generalizada dos obje-
tos oferecidos, cujo efeito seria o achatamento da profundidade cultural e
da criatividade.
Do ponto de vista da compreensão histórica que possamos ter do
assunto, parece-me que a ideia da diversidade, tomada de modo abran-
gente, como tem sido, corresponde a um subterfúgio usado para escapar à
nomeação das forças estruturantes do presente, uma espécie de abdicação
da história literária e, em certas condições, um desejo de pacificação do
campo conflituoso do presente. Dizer que a realidade é plural é simples-
mente reiterar a evidência de que o mundo não tem sentido por si pró-
prio, de que o trabalho do pensamento é justamente o de dar clareza ou
dramaticidade às forças internas que estruturam os diversos modos dessa
pluralidade. Plural é o mundo. Tudo sempre é plural. As forças, os discur-
sos ou as violências que organizam esse real é que mudam, suprimindo,

5 A valorização de espaços marginais ou minoritários da cultura é bem conhecida e tem lugar


seguro no debate acerca da relação entre Estudos Literários e Estudos Culturais. Restaria
estabelecer o tipo de relação que esse debate tem com a crítica à “nostalgia” do campo lite-
rário autônomo e intransitivo. Flora Süssekind, por exemplo, destaca como representativas
da melhor produção literária brasileira a obra de autores oriundos de espaços de fronteira
entre as artes, “outros espaços de atuação, lugares não demarcados (retroativamente) pelo
beletrismo redivivo” (2010).
6 Termo usado por Luis Augusto Fischer (2011), ao comentar as provas do ENEM (Exame
Nacional do Ensino Médio).

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reprimindo, particularizando ou atraindo, de diferentes maneiras (às vezes
mais organizadas, às vezes menos), as possibilidades que fazem parte do
horizonte da época.
Abordarei, neste texto, um episódio importante no estabelecimento
desse paradigma da diversidade, explicitando algumas de suas consequên-
cias críticas e poéticas. Gostaria, com isso, de evidenciar que o diagnóstico
da diversidade esconde os dramas da contradição (dramas que, entretanto,
o animam ou, alternativamente, o desanimam). Para tanto, tomarei um
exemplo da crítica de poesia, um dos mais conhecidos e, não por acaso,
um dos mais prestigiados das últimas décadas. Trata-se do texto “Poesia e
modernidade: da morte da arte à constelação. O poema pós-utópico”, de
Haroldo de Campos.

a declaração do fim das vanguardas


Apresentado em evento comemorativo aos 70 anos de Octavio Paz,
no México, o ensaio “Poesia e modernidade” foi publicado no caderno
Folhetim, da Folha de São Paulo, em 1984, e teve alguma circulação inter-
nacional, sobretudo na Europa. Em 1997, passou a integrar o volume de
ensaios O arco-íris branco.
Podemos encontrar aí uma declaração que fez fortuna na crítica bra-
sileira: “Ao projeto totalizador da vanguarda que, no limite, só a utopia
redentora pode sustentar, sucede a pluralização das poéticas possíveis”
(CAMPOS, 1997, p. 268), ou seja, a época do poema “pós-utópico”. Depois
da época das totalizações (que teria sido a das vanguardas, segundo o
texto) e, portanto, dos conflitos envolvendo diferentes projetos gerais,
verdadeiras utopias de transformação do destino da nação ou da huma-
nidade, entramos numa época de multiplicação, que abre caminho para
uma pluralidade de alternativas estéticas.
Trata-se de uma formulação exemplar do discurso da diversidade a
qual funciona, na nossa tradição recente, como uma espécie de aconteci-
mento crítico, isto é, como interpretação que tem valor histórico. Haroldo
não é o primeiro a falar sobre o esgotamento das vanguardas, mas a maneira
como o faz, a meu ver, deflagra ou sintetiza exemplarmente aquilo que
passamos a considerar como situação de época. Para lê-lo de maneira rigo-
rosa, devemos levar em conta que esse “fim das vanguardas” não é apenas

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