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A música das flautas sagradas do Xingu

Acácio Tadeu Camargo Piedade


Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
acacio@cfh.ufsc.br / acacio@udesc.br

Resumo. Nesta comunicação pretendo apresentar análises e aspectos da etnografia da música indígena
das flautas sagradas do alto Xingu. O ritual no qual estas flautas são tocadas está ligado ao chamado
complexo das flautas sagradas, que existe em diversas sociedades amazônicas e em outras partes do
mundo, envolvendo cerimônias restritas aos homens, nas quais eles utilizam instrumentos musicais de
sopro que as mulheres são proibidas de ver. Em geral há uma mitologia que sustenta este rito, sendo que
há um mito que conta que antigamente os instrumentos pertenceram às mulheres. Esta comunicação reúne
temáticas como o xamanismo e mundo sobrenatural, o sistema musical e musicalidade nativa, a
cosmologia e os sistemas simbólicos da cultura Xinguana, mas seu foco central é a análise das estruturas
musicais de um repertório desta música instrumental das flautas sagradas, tendo como base gravações e
dados etnográficos de minha pesquisa entre os índios Wauja em 2001 e 2002.
Palavras -chave: flautas sagradas, música indígena, Etnomusicologia

Abstract. In this paper, I intend to present analyses and aspects of the ethnography of the Indigenous
music of sacred flutes from the upper Xingu. The ritual in which these flute are played is linked to the so-
called complex of the sacred flutes, which exists in several amazonian societies and in other parts of the
world, involving men's ceremonies during which they play wind instruments which women are not
allowed to see. Usually, there is a mythology sustaining these rituals, and one myth tells that in ancient
times the instruments pertained to women. This communication unites topics like xamanism and
supernatural world, the musical system and native musicality, cosmology and Xinguano culture's
symbolic system, but it focuses mainly on the analysis of the musical structures of a repertoire of the
instrumental music of sacred flutes, based on data and recordings from my research among the Wauja
Indians in 2001 and 2002.
Keywords: sacred flutes, Indigenous music, Ethnomusicology

Há na etnologia das terras baixas da América do Sul um conjunto de ritos chamado de


“complexo das flautas sagradas”, que envolve cerimônias executadas exclusivamente por
homens, muitas vezes de iniciação pubertária masculina, utilizando instrumentos musicais de
sopro que as mulheres são proibidas de ver. Estes rituais exibem um complexo simbolismo que
interliga música, mundo sobrenatural e relações de gênero, trazendo as flautas sagradas como
emblemas centrais do sistema. Estudei a música destes instrumentos sagrados entre os Tukano do
noroeste amazônico, onde envolvem o rito de iniciação masculina conhecido como jurupari
(Piedade,1997,1999a), e em outro momento esbocei uma comparação entre este sistema
simbólico-musical do noroeste amazônico e aquele correspondente da área do alto Xingu, onde

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não está ligado à iniciação, mas onde há as casas das flautas (Piedade, 1999b, 2000). Após
trabalho de campo intensivo entre os índios Wauja, na Terra Indígena do Xingu, estou agora
elaborando uma etnografia da música das flautas sagradas, especialmente do ritual chamado
kawoka, em meu doutoramento em antropologia. Considero o sistema simbólico-musical destas
flautas um complexo cultural generalizado em toda a área do alto Xingu. O repertório musical
das flautas sagradas xinguanas constitui integralmente um gênero musical próprio, no sentido de
que configura uma unidade musical-simbólica, e decorre daí que não trato a música como mero
comentário ou ilustração do sistema simbólico, mas sim como um núcleo de significado onde se
encontram codificados nexos sócio-culturais observáveis em várias esferas da cultura.
As flautas sagradas estão no centro da visão de mundo xinguana, centralidade que se
expressa espacialmente pela “casa das flautas”, edificação onde são guardados os instrumentos
sagrados, casa que é também chamada de “casa dos homens” (espaço exclusivamente
masculino), localizada sempre no centro das aldeias circulares xinguanas. Quando as flautas
sagradas são tocadas, tanto dentro da casa dos homens e quanto fora, no pátio da aldeia, as
mulheres e crianças se fecham em suas casas. Se uma mulher vê os instrumentos, é penalizada
com um estupro coletivo, por todos os homens da aldeia, exceto aqueles que configurariam
incesto. A centralidade das flautas sagradas xinguanas está também na cosmologia e mitologia:
os mitos xinguanos mostram que originalmente as flautas sagradas eram peixes (Menezes
Bastos, 1999a, p.227; Basso, 1985, p.290-1), e há na linguagem cotidiana uma forte associação
entre peixes e mulheres: os nativos dizem que vão “pescar” mulher. Outra associação que se
ajunta aqui é a questão do sexo: considerado um assunto da mais alta relevância, as atividades
eróticas e sexuais representam um aspecto central da filosofia xinguana (Mello, 1999; Gregor,
1982,1985). Apesar do aparente caráter de símbolo fálico das flautas -por exemplo, dizem que o
estupro ritual coletivo é feito pelas flautas-, as flautas ao mesmo tempo são associadas ao órgão
genital feminino, inclusive é dito que elas menstruam (Basso, 1985, p.304). Além disso, as
pinturas corporais que os homens Kamayurá usam na performance das flautas sagradas jaku’í
são chamadas maycurãmiko, “menstruação” (Menezes Bastos, 1999a, p.229). O ritual das flautas
exibe uma violência simbólica masculina, cujo ponto máximo é a ameaça de estupro coletivo,
que pode ser explicada pelo fato de que, ao tocar os instrumentos os homens estão combinando
seus sentimentos com “uma forma particularmente intensa de sentimentos sexuais femininos que
decorre do contato com os seres poderosos que mais claramente os manifestam” (Basso, 1985,
2
p.306). Estes espíritos poderosos são chamados de modo diferente por cada povo xinguano, pelos
Kamayurá de mama'é e pelos Wauja de apapaatai, e constituem uma categoria fundamental das
cosmologias nativas. Os Wauja dizem que o espírito mais poderoso e perigoso dentre todos é o
kawoka, que é o “dono” das flautas sagradas, o único que não tem máscara, pois a flauta é sua
máscara (Mello, 1999). Os espíritos ganham, na maioria das línguas xinguanas, o sufixo kuma,
que pode ser traduzido por “híper”, já que estes poderosos seres sobrenaturais se definem pela
distância cognitiva e pelo excesso (cf. Franchetto, 1996, p.46). Neste sentido, as flautas, quando
tocadas, bem como as máscaras quando usadas nos rituais, são concentrações materiais do híper-
poder violento dos apapaatai. Neste sentido, a música das flautas sagradas pode ser tomada
como uma linguagem híper-significativa, que concentra de forma codificada os símbolos da
cultura.
Há uma relação sistemática que se estabelece entre música de flautas, sopro e
xamanismo. Beaudet (1997) propõe que há uma contigüidade entre a arte do xamanismo -onde
se dá a emissão, pela voz humana, de sopros audíveis e visíveis (graças à fumaça do tabaco)- e a
música (aerofônica), esta sendo identificada através de sopros audíveis e invisíveis produzidos
pelos instrumentos musicais. Em outras palavras, haveria no caso um jogo estrutural entre a
visibilidade e a audibilidade dos sopros (ver Menezes Bastos e Piedade, 1999, p.47). Assim
como o verbo da língua wayãpi pù significa “sopro sonoro” (Beaudet, 1997, p.9) e é uma
categoria fundamental para este povo, também entre os Kamayurá há uma profunda similaridade
entre os conceitos de “soprar” e “cantar”. É importante notar que estas associações se relacionam
ao caso das flautas sagradas: as mulheres são proibidas de ver os instrumentos, mas na verdade
devem ouvi-los (Piedade, 1997), este fato apontando para um jogo entre visibilidade e
audibilidade que é de natureza gnosiológica, como sustenta Menezes Bastos (1999b). Seguindo
as idéias de Lévi-Strauss sobre a lógica do sensível (1989,1991), pode-se postular um nexo entre
fumaça de tabaco/música e o visível/invisível: tanto nos rituais de cura como na construção
simbólica dos corpos (pintura corporal), estes nexos operam transformações cosmológicas
profundamente correlacionadas a codificações estéticas. Os sentidos da visão e audição são
centrais para o xamanismo xinguano: o visível liga-se ao diagnóstico da doença, enquanto o
audível relaciona-se à cura propriamente dita. Desta forma, os rituais com flautas sagradas e toda
sua expressividade plástico-musical-coreográfica podem ser aproximados a um grande ato de
xamanismo coletivo. Lembro que o termo wauja ejekepei significa “soprar” -tanto um
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instrumento musical, fumaça de cigarro, ou para esfriar comida quente- ou “rezar”, no sentido da
cura xamânica com tabaco (Mello, 1999, p.95). Se música é a língua das máscaras de apapaatai
(cf. Barcelos Neto, 1999, p.212), um mergulho no código musical poderá encontrar traços do
sistema fonêmico desta linguagem. Creio também que este sistema -que julgo ser tanto motívico-
harmônico-formal quanto rítmico, acentuativo, articulativo, respiratório e coreográfico- é um
núcleo de sentido que perpassa toda a musicalidade xinguana.
O exemplo abaixo é uma transcrição da melodia principal de uma peça do ciclo intitulado
mepiyawakapotowo ("dois dedos"), conforme executada em uma flauta kawoká pelo mestre de
flautas dos Wauja. Esta peça é uma entre as cinco peças que constituem o referido ciclo, todas
elas breves como esta, pouco mais de um minuto em um andamento aproximado de
, sendo que todas são tematicamente relacionadas. A primeira linha corresponde a um tipo de
bordão na nota mais grave, que varia de ciclo para ciclo, e tem um caráter rítmico-timbrístico
semelhante ao que encontrei na música de flautas sagradas dos Tukano: a altura melódica em si
não é o aspecto principal aqui, e sim muito mais o timbre de respiração curta e ritmada. Esta
estrutura musical tem muita similaridade com a forma como os xinguanos dizem que
"cumprimentam" os espíritos, em um tipo de tosse curta, ritmada. O bordão é, portanto, um sinal
da presença dos espíritos. A linha 2 é a primeira frase do tema, repetida na linha 3 com uma
variação nas notas finais, esta variação tem um caráter de resolução, ou resposta, e constitui o
motivo que engendra a linha 4, conduzindo novamente ao bordão. As linhas 5, 6 e 7 constituem
uma repetição geral do tema, e na linha 8 surge o segundo tema, que se abre explorando as notas
mais agudas do instrumento. As linhas 9-12 constituem uma elaborada re-apresentação do
primeiro tema que põe em ação princípios de jogo motívico de inversão, inclusão e exclusão (cf.
Menezes Bastos, 1990). Por fim, a última linha é similar à linha 4, onde há um desenvolvimento
do motivo terça menor ascendente, que conduz ao bordão, mas aqui conduzindo ao toque final,
que é característico de todas as peças do ciclo "dois dedos". Aliás, a estrutura formal é
semelhante em todas estas peças, e os motivos são inter-relacionados, ou inter-referentes. Os
princípios de variabilidade, ou jogo motívico, são empregados em todo o repertório das flautas
sagradas: frases com quatro motivos se re-apresentam com a supressão de um deles, e outra vez
com a inclusão de outro, ou inversão de um intervalo. Veja-se um exemplo: a frase da linha 2
subdivide-se nos três motivos a,b e c. Na re-exposição do tema, na linha 9, o motivo c aparece
alterado, invertido em c', pois o intervalo inicial descendente se torna ascendente. Outro
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exemplo: na linha 10, há a exclusão do motivo b. Não há espaço suficiente aqui para mais
exemplos do emprego destes princípios, mas pode-se dizer que a transcrição musical e a análise
musical revela estruturas musicais que constituem a musicalidade dos flautistas xinguanos, sendo
que os nativos mostram que há um conhecimento tácito, sem cobertura verbal, destas estruturas e
princípios variacionais, e que aliás estão presentes em outros repertórios musicais destes grupos,
como as canções dos rituais de iamurikuma (cf. Mello 1999) e de jawari (cf. Menezes Bastos
1990). Isto pode ser verificado nas repetições de uma mesma peça, que apresentam o mesmo
jogo variacional, bem como nas versões solfejadas, nas quais as peças são cantadas utilizando-se
sílabas "né", "na", "ri", e outras. Estas versões solfejadas, sempre em um volume muito baixo,
são ensinadas a algumas mulheres, as quais colocam "letra", transformando-as no repertório
feminino de canções iamurikuma. Nesta transformação ocorrem alterações significativas nas
estruturas musicais, não apenas em função da prosódia, e isto em tal ordem que muitas vezes fica
difícil, para o ouvido estrangeiro, entender os xinguanos quando dizem que música de flauta e
canto iamurikuma são uma mesma coisa (ver Mello 1999).
O conjunto instrumental das flautas sagradas consiste de um trio destes aerofones, a parte
principal tocada pelo mestre ao centro, as outras duas por acompanhantes que se posicionam um
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a cada lado dele. Toca-se a maioria dos ciclos em pé, dançando para frente e para trás. Os
instrumentos são idênticos, e podem ser trocados, e durante a performance são constantemente
molhados com água: o espírito tem sede. O sistema de acompanhamento da melodia principal é
único, uma espécie de cantochão das duas outras flautas em uníssono. No discurso nativo, a
flauta principal "canta" (apai, no sentido de cantar canção), enquanto as outras duas apenas
seguem, um recurso muito diferente do sistema de alternância tipo hoquet que observei nos
trompetes sagrados dos Tukano (ver Piedade 1999a). Diferentemente do noroeste amazônico,
onde a música de jurupari está ligada à iniciação masculina, no alto Xingu os rituais de flautas
sagradas são geralmente ligados à cura de uma pessoa doente, como aliás são a maioria dos
rituais internos, que têm a motivação básica da doença e o impulso essencial da cura: trata-se,
como no xamanismo, de uma política cosmológica, ou seja, uma negociação ou luta entre o xamã
e os espíritos, na qual há uma transformação da animosidade em aliança e da manutenção desta
última. O apapaatai deve ser agradado pela execução de sua música. Quando ela é tocada, ele
está presente, aliás, conforme o discurso nativo, nos rituais não há propriamente representações
dos apapaatai, mas sim objetos que os tornam presentes nesta dimensão humana, como as
máscaras e as flautas kawoka, que constituem “roupas” para esta presentificação. O erro, por
parte dos flautistas, é um perigo que sempre está à espreita, pode causar doença e morte. O
mestre tem que conhecer bem a estrutura dos ciclos de peças, que muitas vezes são enormes,
com mais de vinte peças inter-relacionadas tematicamente de forma sutil. O mestre tem que guiar
a performance sem hesitações, deve conhecer todas as repetições, exclusões, inversões, dominar
o jogo motívico, os passos de dança. Ao mesmo tempo, há um grande prazer estético por parte
dos músicos e da audiência, os homens apreciam as flautas e valorizam o mestre de flautas, as
mulheres se fecham nas casas e as escutam. O coração das aldeias xinguanas á a casa das flautas.

Referências

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