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CAPÍTULO 5
Os pontos principais da Teologia Calvinista
Escrito por H. Henry Meeter1
Até aqui os pontos desenvolvidos estavam centrados em temas que dizem respeito ao
movimento calvinista em geral. A partir de agora desenvolveremos os princípios calvinistas em sua
aplicação particular a determinados campos específicos, tais como o da religião, da política, da
sociedade, da arte, etc.
Começaremos com a religião. Não é necessário, nem sequer intentar uma enumeração da
grande variedade de princípios que se aplicam a este campo. Para aqueles que desejam alguma
informação sobre os princípios calvinistas concernentes à religião, poderão encontrar abundante
material nas obras de Dogmática Reformada, tais como os escritos dos grandes teólogos Abraham
Kuyper,2 Herman Bavink,3 Charles Hodge,4 Gerhardus Vos5 e Louis Berkhof.6 Permitam-me fazer aqui
referência a dois excelentes compêndios dos princípios teológicos calvinistas: um é o de Louis Berkhof:
Manual de Doutrina Reformada;7 e o outro é de A.A. Hodge: Esboços de Teologia (em sua edição nova e
ampliada).8 Centraremos nossa discussão unicamente sobre os aspectos mais importantes da religião
calvinista.
Certamente não há ninguém que supere ao calvinista em sua ênfase sobre a crença em Deus.
Em todas as coisas o seu primeiro e último pensamento é Deus. Este é o fio de ouro que transpassa toda
a teologia calvinista. Tudo depende de Deus. A religião, ainda que redunde em benção para o homem,
não existe para o homem, senão que, em última análise, tem a Deus como meta. “Dele e por ele e para
ele são todas as coisas.”
Consideremos a perspectiva calvinista com respeito ao universo das coisas criadas. O calvinista
crê que tudo foi criado por Deus, e que tudo o que acontece, seja na natureza ou na vida humana, não é
mais do que a manifestação do plano divino em todos os tempos. Inclusive o pecado não vem a ser um
mero acidente; pois em sua vontade Deus permitiu o pecado, e permite que este opere segundo a sua
natureza inerente. Mas ainda assim, Deus o controla para a sua própria glória. Deus realiza sobre a sua
criação segundo um dos dois modos: (1) Através das operações normais do universo. Os homens,
inclusive os pecadores, e a natureza se comportam livremente segundo os seus próprios impulsos, ou
leis; contudo, não são mais que causas secundárias de seu próprio realizar: por trás deles está Deus
como a Causa Primária de todas as coisas. Sem forçar as causas secundárias para que não atuem
contrariamente a sua natureza ou eleição, Deus determina tudo o que sucede no universo. (2) O
segundo método pelo qual Deus opera neste mundo é através de milagres; milagres como a revelação
especial, a inspiração, a encarnação, a ressurreição física, a regeneração e a santificação, etc. Ao
1
H. Henry Meeter, Doutor em Teologia, foi presidente durante 30 anos do Departamento Bíblico do Calvin College,
Grand Rapids, MI. Nota do tradutor.
2
Em português temos Abraham Kuyper, Calvinismo e A Obra do Espírito Santo (ambos por Editora Cultura Cristã).
Em inglês há o manual de introdução a teologia. Nota do tradutor.
3
Em português temos Herman Bavink, Dogmática Reformada (Editora Cultura Cristã). Nota do tradutor.
4
Em português temos Charles Hodge, Teologia Sistemática (Editora Hagnos). Nota do tradutor.
5
Em português temos Gerhardus Vos, Teologia Bíblica (Editora Cultura Cristã). Nota do tradutor.
6
Em português temos Louis Berkhof, Teologia Sistemática (Editora Cultura Cristã). Nota do tradutor.
7
Em português sob o título de Louis Berkhof, Manual de Doutrina Cristã (Editora Cultura Cristã). Publicado
originalmente pelo CEIBEL/Patrocínio. Nota do tradutor.
8
Em português temos A.A. Hodge, Esboços de Teologia (PES). A primeira edição em português ocorreu em 1895
por iniciativa do Rev. Francis J.C. Schneider. Esta edição teve o português completamente revisado e acrescido
notas pelo Rev. Odair Olivetti. Merece menção do mesmo autor a Confissão de Fé de Westminster Comentada
(Editora Os Puritanos). Nota do tradutor.
2
9
Antes da queda. Nota do tradutor.
10
Nem todos os calvinistas concordam quanto à doutrina da graça comum. Os que rejeitam creem que o governo
moral de Deus é um ato da sua providência em frear ou, entregar o homem a sua inclinação pecaminosa, bem
como em estimula-lo com virtudes. Os calvinistas que adotam a doutrina da graça comum creem que Deus ama
igualmente a todos, quer sejam eleitos ou réprobos; enquanto, que os que rejeitam creem que Deus ama somente
os eleitos, e mesmo as coisas boas e virtudes que Deus dá aos réprobos são para manifestação da sua justa ira.
3
Deus o Espírito Santo o aplica, concedendo uma nova vida e um novo coração ao homem. Enquanto o
modernista atribui a totalidade da salvação ao esforço do próprio homem, e o arminiano atribui a Deus
somente uma parte e o resto ao homem, o calvinista atribui a Deus toda a glória. Inclusive a atividade
pela qual o homem aceita a salvação, o calvinista a atribui ao poder de Deus.
Outra importante e bem discutida doutrina nos princípios da história do calvinismo em sua
polêmica com o catolicismo romano é a doutrina da Igreja. Novamente aqui a concepção calvinista
concede a Deus a preeminência. Aparentemente, tanto o católico romano como o calvinista partem de
um ponto comum no que concerne à salvação sobrenatural, e ambos atribuem tudo a iniciativa divina.
O católico romano, segundo uma concepção pelagiana,11 crê que nas coisas de ordem natural o homem
pode fazer toda classe de bem, mas no que se relaciona à salvação sobrenatural, o homem depende
completamente de Deus. Além do mais, interpõe ao sacerdote entre Deus e o homem como
dispensador da salvação. O Papa é o vicário de Cristo, o seu substituto na terra; leva a tiara papal, ou
coroa tríplice, para revelar seu senhorio sobre a Igreja, o Estado e o purgatório. A Igreja distribui a
salvação através dos sacramentos. Se desejarmos que nosso pecado original seja retirado, poderemos
obter isto através da Igreja pelo sacramento do batismo; o perdão dos pecados diários é obtido pela
penitência, ou confissão ao sacerdote; conseguimos a força espiritual pela missa, etc. Em tudo a
salvação da alma depende da instrumentalidade da Igreja. Inclusive para adquirir conhecimento
verdadeiro do caminho da salvação não podemos ir diretamente à Bíblia, senão que temos que nos
submeter à interpretação que é feita pela própria Igreja.
O lugar que o católico romano coloca a Igreja, o calvinista põe a Deus o Espírito Santo. É ele
quem ilumina a mente, de modo que o homem regenerado tem suficiente luz através do estudo da
Bíblia, para conhecer o caminho da salvação. E é diretamente do Espírito Santo que o cristão recebe
aquela dispensação da graça que segundo o catolicismo romano somente pode obter através do canal
mediador da Igreja. No calvinismo a Igreja não se identifica com uma denominação determinada, nem
com certa organização hierárquica, senão que é o corpo dos verdadeiros crentes de todos os tempos e
em todos os lugares; estes constituem o corpo de Cristo e estão facultados para eleger os seus próprios
ministros ao organizar em igrejas locais.
O governo da Igreja constitui outro elemento importante no calvinismo e faz com que o
princípio fundamental da soberania de Deus adquira um relevo distinto. Isto pode ser percebido, de um
modo muito especial, em dois aspectos: no da autoridade, e no da liberdade. Porquanto Cristo é a
Cabeça da Igreja, ele é o único e verdadeiro Soberano, e a Igreja deve submeter-se totalmente à sua
autoridade. Consequentemente, a Igreja se organiza segundo o esquema dos tempos apostólicos. A
disciplina é exercida, não somente para purifica-la de membros ofensivos, mas também, para conseguir
que seus membros e ministros – tanto em conhecimento como na conduta – se submetam fielmente à
vontade de Cristo. O sistema apostólico proporciona, ao mesmo tempo, uma ampla margem de
verdadeira liberdade. Os leigos elegem os seus próprios ministros, e juntamente com estes, na
qualidade de presbíteros, governam as suas igrejas. As igrejas locais gozam de liberdade; estas não estão
controladas por uma hierarquia, tal como sucede no sistema romano, mas por um presbitério local.
Inclusive as reuniões dos presbitérios e os sínodos não possuem uma autoridade superior, senão mais
compreensiva, já que é resultante de uma federação de presbitérios. Há liberdade quanto à relação da
Igreja e com o Estado. Enquanto que o catolicismo romano coloca tudo, inclusive o Estado, sob o Papa
como cabeça da Igreja, e enquanto os luteranos e outros põem a Igreja sob o Estado, os calvinistas
lutam, inclusive com suas vidas, para conseguir a liberdade da Igreja do controle do Estado. Eles creem
que Deus delegou a autoridade ao Estado, a Igreja e as outras organizações sociais, mas esta autoridade
é autônoma em cada uma de suas respectivas esferas.
Temos que mencionar, todavia, outro aspecto sobressaliente da teologia calvinista: a sua
distinta ênfase na moral, ou ética cristã. Se compararmos o calvinismo com o catolicismo romano, o
luteranismo, o anabatismo, e o fundamentalismo12 de nosso tempo, perceberemos que o calvinismo os
11
A soteriologia da Igreja Católica Romana é semipelagiana. Nota do tradutor.
12
H.H. Meeter se refere ao fundamentalismo evangélico de segunda e terceira geração do movimento nos EUA.
Nota do tradutor.
4
supera em sua marcada ênfase na moral – como facilmente poderá comprovar todos os que conhecem
a história destes grupos religiosos -. Existe uma razão definida que justifica esta distinção. Para o
católico romano a Igreja ocupa o centro de sua teologia: o importante é chegar a ser um bom membro
da Igreja – as demais coisas estão subordinadas a isto -. No caso do luterano ou do fundamentalista
evangélico, o ponto central de seu interesse gira sobre algum aspecto da salvação do homem: o como
ser salvo se converte na pergunta verdadeiramente importante. Alguns fundamentalistas de nosso
tempo, como os batistas de alguns anos atrás, pretendem inclusive defender a ideia de que a lei13 não
tem vigência para o cristão; tal noção tende a minimizar as exigências da moral. Mas se Deus ocupa o
centro de nosso sistema e o propósito de todas as coisas aponta para Deus e sua glória, tal como faz o
calvinista, então a salvação do homem se converte num meio para conseguir uma meta mais alta:
“ganhar para Deus um povo zeloso de boas obras.” Não é de se estranhar, pois, que aquele que põe a
Deus no centro de sua vida, tal como faz o calvinista, empenha tanta ênfase numa ética mais elevada
que a dos demais cristãos.
Todavia, há outra razão que explica o alto desenvolvimento moral da vida do calvinista: a
consciência de sua depravação total. Noutros grupos cristãos com frequência se atribui ao homem
algum poder inerente. É evidente que quanto mais confiemos em nós mesmos, menos dependeremos
de Deus para obter forças. Por crer que o homem está totalmente depravado, o calvinista acentua mais
do que os outros a necessidade do Espírito Santo. Inclusive Calvino é chamado de o teólogo do Espírito
Santo, porque ele, mais do que ninguém, deu ênfase na importância do Espírito Santo em tudo o que
concerne à santificação. Isto também explica por que se enfatiza a predestinação: se a salvação é só pela
gratuita graça de Deus, então, segue que Deus decidiu de antemão salvar ao homem, e isto implica em
predestinação. Os efeitos sobre a vida moral serão evidentes em todos aqueles que mostram tal
dependência do poder de Deus. Quanto mais se convence o homem que por si não pode fazer nada, em
maior grau dependerá de Deus, e consequentemente, obterá mais das riquezas da graça de Deus para
uma vida moralmente exemplar (Is 57:15; Sl 51:17).
Esta ênfase numa vida santa para Deus também explica o reiterado acento que o calvinista dá
sobre a doutrina bíblica do pacto da graça, e que não encontramos em nenhum outro grupo cristão. O
pacto da graça aponta de um modo especial dois fatos: que a salvação é por pura graça; e, em segundo
lugar, que nossa vida deve se conformar às exigências do pacto. A observação das obrigações do pacto
entre os calvinistas está na razão direta ao grau de pureza moral que possa mostrar o calvinismo numa
comunidade.
Mencionaremos outro fato com respeito à ênfase calvinista sobre a moral. O calvinista crê que
quando Deus salva o homem, Deus salva a todo o homem. A totalidade do homem, consequentemente,
deve se submeter à causa de Deus; não somente quando o crente está na igreja, senão que também
quando realiza os seus negócios, ou intervém nas atividades políticas, ou sociais de qualquer ordem.
Nenhuma esfera de sua vida pode ficar excluída; a vida, em sua totalidade, deve ser orientada para
Deus; a política, as relações sociais e econômicas, as relações domésticas, a educação, a ciência, e a arte
devem ter a Deus como o centro. Não existe, pois, nenhum aspecto da vida em que uma alta
moralidade não tenha um eixo essencial. Deus deve controlar toda a vida. Assim, pois, não somente a
ética individual é importante, mas também a moral social.
Desta maneira a religião alcança o seu cume mais elevado: Deus no centro da vida; a salvação
somente como procedendo de Deus; tudo na vida para Deus e por um poder que ele mesmo concede.
Não pode existir um ideal religioso mais elevado do que este.
13
H.H. Meeter se refere à controvérsia antinomista e legalista, ou seja, quanto à validade e uso da lei moral na
ética cristã. Esta controvérsia entre os puritanos remonta ao século XVII, tornando-se mais acirrada no século XVIII.
Entretanto, foi ressuscitada durante o Movimento Fundamentalista de segunda e terceira geração por causa do
seu estreitamento como a perspectiva Dispensacionalista que acentua a descontinuidade entre o Antigo do Novo
Testamento. Nota do tradutor.
5
Extraído de H. Henry Meeter, La Iglesia y el Estado (Grand Rapids, TELL, 1963), pp. 53-61. Este livro
originalmente foi publicado sob o título de THE BASIC IDEAS OF CALVINISM.