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Sumário

ARTEFATOS CULTURAIS DO POVO SURDO:


DISCUSSÕES E REFLEXÕES

Organizadoras:

Janaína Aguiar Peixoto e Maysa Ramos Vieira

Alessandra Almeida Lima


Conceição de Maria Saúde
Edneia de Oliveira Alves
Elizete Olinto Ferreira
Ezequiel Adney Lima da Paixão
Fabrício Possebon
Fernanda Gabriela Gadelha Romero
Francisco Rádger Ramalho
Gerson Ramalho Junior
Gildete da Silva Amorim Mendes Francisco
Josimere de Souza Araújo Ramalho
Larissa Domingues da Silva
Lígio Josias Gomes de Sousa
Magno Prado Gama Prates
Marie Gorett Dantas de Assis e M. Batista
Maysa ramos Vieira
Millena Seventh da Costa Ramalho
Nemuel Gonçalves de Lima
Robson de Lima Peixoto

Sal da Terra Editora


João Pessoa
2018

Sumário
3

©Copyright 2018 by Janaina Aguiar Peixoto, Maysa Ramos Vieira.

CONSELHO EDITORIAL
Hermano de França Rodrigues
Jairo Rangel Targino – UNIPÊ
Manoel Matusalém Sousa - FAEST/ FADIMAB-PE
Marinalva Freire da Silva UFPB/FADIMAB-PE

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

_______________________________________________________________________________________________

A786 Artefatos culturais do povo surdo: discussões e reflexões.

Janaína Aguiar Peixoto, Maysa Ramos Vieira (Organizadoras). – João Pessoa : Sal da Terra, 2018

206 p.

ISBN 978-85-8043-708-9

1. Surdo - Cultura. 2. Estudos culturais. I. Título.

CDU 376.353.008
___________________________________________________________________________________________________

Não é permitida a reprodução parcial ou integral desta publicação,


por qualquer meio, sem a prévia autorização escrita dos organizadores.

Sal da Terra
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(83) 999882337 (TIM) / 98870-1550 (OI - também whatSapp)
E mail:graficasaldaterra@hotmail.com

Sumário
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Sumário
PREFÁCIO .............................................................................................................................................................. 5
1 - O OLHAR DOS SURDOS SOBRE A SUA PRÓPRIA CULTURA .............................................................. 8
Maysa Ramos Vieira / Janaína Aguiar Peixoto
2 - EVIDÊNCIAS DA CULTURA SURDA NA OBRA SWITCHED AT BIRTH .......................................... 19
Lígio Josias Gomes de Sousa / Janaína Aguiar Peixoto
3 - MERGULHANDO NA CULTURA SURDA, UMA VIVÊNCIA DE MUNDO BASEADA EM
EXPERIÊNCIAS VISUAIS .................................................................................................................................. 32
Janaína Aguiar Peixoto / Lígio Josias Gomes de Sousa / Maysa Ramos Vieira / Robson de Lima Peixoto
4 - LIBRAS EM SUAS MODALIDADES: ARTEFATO LINGUÍSTICO DA COMUNIDADE SURDA .... 47
Ezequiel Adney Lima da Paixão / Edneia de Oliveira Alves
5 - UMA DINÂMICA FAMILIAR DIFERENCIADA....................................................................................... 61
Gildete da Silva Amorim Mendes Francisco
6 - A HETEROGENEIDADE NAS PRODUÇÕES LITERÁRIAS DA COMUNIDADE SURDA
BRASILEIRA ........................................................................................................................................................ 77
Janaína Aguiar Peixoto / Fabrício Possebon
7 - A PRODUÇÃO DE FÁBULAS EM LIBRAS ................................................................................................ 89
Robson de Lima Peixoto / Fabrício Possebon
8 - PRODUÇÕES CULTURAIS NOS ESPAÇOS SURDOS ........................................................................... 102
Francisco Rádger Ramalho / Gerson Ramalho Júnior / Josimere de Souza Araújo Ramalho / Millena Seventh da
Costa Ramalho
9 - A BELEZA DE UM MUNDO VISUAL ....................................................................................................... 116
Alessandra Almeida Lima / Janaína Aguiar Peixoto
10 - A MOVIMENTAÇÃO POLÍTICA DA COMUNIDADE SURDA BRASILEIRA EM DEFESA DE
ESCOLAS BILINGUES PARA SURDOS ........................................................................................................ 130
Elizete Olinto Ferreira / Janaína Aguiar Peixoto
11 - O DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICOS NA COMUNIDADE SURDA .......................................... 144
Larissa Domingues da Silva / Janaína Aguiar Peixoto
12 - A COMUNIDADE SURDA E A POLITICA: AVANÇOS NA BAHIA .................................................. 155
Magno Prado Gama Prates / Janaína Aguiar Peixoto
13 - O DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS QUE GERAM ACESSIBILIDADE PARA SURDOS:
ARTEFATOS CULTURAIS MATERIAIS ...................................................................................................... 167
Conceição de Maria Saúde / Marie Gorett Dantas de Assis e M. Batista
14 -ATIVE LIBRAS: CRIAÇÃO DE ARTEFATO MATERIAL NA ERA DIGITAL ................................ 179
Nemuel Gonçalves de Lima / Fernanda Gabriela Gadelha Romero
15 - O 9º ARTEFATO CULTURAL: RELIGIOSO ......................................................................................... 190
Janaína Aguiar Peixoto / Fabrício Possebon

Sumário
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PREFÁCIO

É um prazer prefaciar o livro “Artefatos Culturais do Povo Surdo – Discussões e Reflexões”,


lançado no momento propício, acompanhando os rumos em que as Políticas Surdas uniram suas
forças para fortalecer a valorização da Língua de Sinais e da cultura surda nos diferentes espaços no
Brasil e no mundo.

A Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, signatária da


Organização das Nações Unidas (ONU), nas recomendações da UNESCO, em 1984, no
reconhecimento formal da Língua de Sinais e identidade cultural dos surdos, assegura aos surdos o
direito de manterem a sua alteridade cultural:

Art. 24 - Os Estados membros devem garantir que: “o aprendizado da língua de sinais e


promoção da identidade linguística da comunidade surda” “a educação de pessoas, em particular
crianças cegas, surdocegas e surdas, seja ministrada nas línguas e nos modos e meios de
comunicação mais adequados ao indivíduo e em ambientes que favoreçam ao máximo seu
desenvolvimento acadêmico e social”.

Art. 30 – Determina “que sua [dos surdos] identidade cultural e linguística específica sejam
reconhecida e apoiada, incluindo as línguas de sinais e a cultura surda”.

De acordo com estas declarações da ONU, abriram-se, caminhos para o reconhecimento das
políticas linguístico-culturais vivenciadas em nossas comunidades surdas, assim, empoderam-se,
reconfiguram-se, reterritorializam-se, ganham novas e movediças fronteiras, tendo valorização da
cultura surda e da língua de sinais como uma afirmação identitária.

Nos campos de Estudos Culturais, entendemos que o sujeito surdo não mais é um sujeito
puro, não possui mais uma essência, mas é um sujeito híbrido, entrecruzado por diversas culturas,
diferentes discursos e formas de ser, que se constitui por meio das relações que estabelece com uma
ou mais culturas, e por meio dos artefatos culturais os quais fazem parte dessa cultura.

Mas, qual é o conceito de cultura? Há vários conceitos produzidos em diversos aspectos,


dependendo do que cada um admite sobre o que é cultura. A Cultura, através da perspectiva dos
Estudos Culturais, é entendida como “uma ferramenta de transmissão, de percepção da forma de ver

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diferente, não mais de homogeneidade, mas de vida social constituída de modos de ser, de
compreender e de explicar” (STROBEL, 2008, p.18).

O livro é composto por vários capítulos, escritos por diferentes autores, que procuram instigar
a reflexão a respeito dos artefatos culturais do povo surdo.

Quando se vai pensar em escrever um prefácio, vem um sentimento muito nobre pensando
nos olhares dos leitores que aqui passarão para ler nas linhas bem traçadas do:   olhar dos surdos
sobre a sua própria cultura – Maysa Ramos e seguir nas evidências da cultura surda na obra do
seriado Switched at Birth– Lígio Josias. Cada palavra nova vai fazer você romper seus pensamentos
com uma vivência de mundo baseada em experiências visuais – Janaína, Lígio, Maysa e Robson.
São as entrelinhas que te levarão se apaixonar pela tão falada, a visualidade da língua de sinais na
modalidade escrita – Edneia e Ezequiel. E, no passo a passo de sua leitura você vai se encontrar
com   uma dinâmica familiar diferenciada – estudo de casos – Gildete Amorim e sobre a
heterogeneidade na produção literária dos sujeitos surdos – Janaína Peixoto, a produção de fábulas
em Libras – Robson Peixoto. Ninguém vai te deixar na mão quando você se deparar com as
Produções culturais nos espaços surdos – Gerson, Millena, Francisco e Josimery e a beleza de um
mundo visual – Alessandra e Janaína. Folheando mais um pouco você encontra sobre a luta da
comunidade surda por escolas bilíngues – Elizete Olinto,  em desenvolvimento de políticos na
comunidade surda brasileira – Larissa Domingues. Com a sua percepção aguçada você vai entrar
nas letras sobre a comunidade surda e a política: avanços na Bahia – Magno Prates,  um jovem
brilhante e atuante no que podemos dizer ser líder, ser jovem e ser surdo. No momento em que você
pensa já estar no final, o livro te traz novos saberes com o desenvolvimento de produtos que geram
acessibilidade para surdos – Marie Gorett e Conceição e o ATIV LIBRAS – Nemuel e Fernanda. E
encerrando,  o leitor encontrará o 9º artefato cultural (religioso), proposto por Janaina Peixoto.

A leitura dos capítulos que integram este livro levará o leitor a repensar o lugar do sujeito
surdo na sociedade brasileira: a perceber na visão da pós-modernidade os diferentes artefatos
culturais. Mais uma obra que recoloca os Surdos no curso da nossa história, mas que também
mostra a atualidade destas sociedades e suas perspectivas de futuro. Recomendo que ele seja lido e
discutido amplamente.

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Assim leitores, sintam-se abraçados por mim e esses maravilhosos autores de ARTEFATOS
CULTURAIS DO POVO SURDO – Discussões e Reflexões.

Dra. Karin Strobel


Docente da Universidade Federal de Santa Catarina
Autora do livro: As Imagens do outro sobre a cultura surda

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1 - O OLHAR DOS SURDOS SOBRE A SUA PRÓPRIA CULTURA


Maysa Ramos Vieira1

Janaína Aguiar Peixoto2

INTRODUÇÃO

Quando paramos para refletir historicamente sobre a vida social do homem, percebemos que
nunca houve uma homogeneidade. Em todas as civilizações antigas existiam grupos minoritários,
hierarquias, segregações impostas por diversos fatores que tornam as pessoas diferentes entre si.
Diferenças geográficas, econômica, política, entre outras, fazem com que pequenos grupos de
costumes e interesses semelhantes se unam. Assim, também foi para o povo surdo.

O conhecimento do termo “cultura” e seu(s) significado(s) influenciam na visão de mundo


que o sujeito tem. Citando Perlin (2004, p.75),

Segundo Hall, (1997, p.20): “A cultura que temos determina uma forma de ver, de
interpelar, de ser, de explicar, de compreender o mundo” Então a cultura é agora
uma das ferramentas de mudança, de percepção de forma nova, não mais
homogeneidade, mas de vida pessoal, constitutiva de jeitos de ser, de fazer, de
compreender, de explicar.

O termo "conceito" tem origem no Latim “conceptus” (do verbo "concipere") que significa
"coisa concebida" ou "formada na mente". E o conceito de cultura é uma discussão de pelo menos
100 anos e que aparentemente ainda não encerrou.

Muitos teóricos veem nesse tema uma ampla gama de abordagens e discussões. Tendo como
um dos teóricos mais abordados nesse tema e, por conseguinte, nesse trabalho, o Stuart Hall. O
mesmo fez da sua vida acadêmica um campo de estudo sobre a cultura, citando Hall (2003, p.43):

1
Professora do Departamento de Línguas de Sinais – DLS/CCHLA/UFPB, Especialista em Libras, Licenciada em
Química pelo IFPB. Atuou como Tradutora e Intérprete de Língua de Sinais do quadro efetivo da UFPB.
2
Professora do Departamento de Línguas de Sinais – DLS/CCHLA/UFPB e no Programa de Pós Graduação em Letras
(PPGL/UFPB), Doutora em Letras (PPGL/UFPB), Mestre em Ciências das Religiões (PPGCR/UFPB), Fonoaudióloga
(FRASCE-RJ), possui Formação de Tradutora e Intérprete de Libras (UFF).

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A cultura é uma produção. Tem sua matéria-prima, seus recursos, seu


“trabalho produtivo”. Depende de um conhecimento da tradição enquanto
“o mesmo em mutação” e de um conjunto efetivo de genealogias. Mas o que
esse “desvio através de seus passados” faz é nos capacitar, através da
cultura, a nos produzir a nós mesmos de novo, como novos tipos de sujeitos.
Portanto, não é uma questão do que as tradições fazem de nós, mas daquilo
que nós fazemos das nossas tradições. Paradoxalmente, nossas identidades
culturais, em qualquer forma acabada, estão à nossa frente. Estamos sempre
em processo de formação cultural. A cultura não é uma questão de
ontologia, de ser, mas de se tornar.

“A cultura não é uma questão de ser, mas de se tornar”, essa frase citanda por Hall, nos faz
perceber que o conceito que temos de cultura influencia na nossa própria identidade cultural, não de
forma acabada, mas em construção, em formação.

Uma vez que, a cultura se faz por um processo contínuo, resultado de uma interação entre os
sujeitos, vemos que a cultura de um determinado povo parte de cada um para então ser de um todo,
pois cada ser é peça fundamental para a sua construção.

Os estudos na área da cultura têm mostrado sua importância na formação do indivíduo, e de


acordo com Culler:

“[...] o projeto dos Estudos Culturais é compreender o funcionamento da cultura,


particularmente no mundo moderno: como as produções culturais operam e como
as identidades culturais são construídas e organizadas, para indivíduos e grupos,
num mundo de comunidades diversas e misturadas [...]” (1999, p.49).

E para os surdos existe uma cultura diferenciada? O que na verdade significa a cultura
surda? Termo este tão sinalizado3 e discutido nessa comunidade. O que sustenta essa teoria de que
há uma cultura surda?

3
Sinalizado ou o ato de sinalizar: Termo usado em substituição a palavra “falar”, ou seja, fazendo referência a
utilização da Língua de Sinais como meio de comunicação entre usuários da mesma língua e/ou conhecedores desta.

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Os surdos constituem um grupo minoritário e as culturas minoritárias convivem com os


indicadores da cultura considerada dominante, seguindo um padrão normalizador que esta cultura
almeja.

Em uma mesma sociedade há várias culturas, e não há uma maior ou menor, nem tão pouco
uma melhor e outra pior, existe o multiculturalismo. E a cultura surda tem uma perspectiva
multicultural.

Partilhamos com Hall do conceito de cultura, quando costumamos dizer que a cultura é do
povo, os seus costumes, sua comida, seu modo de vestir e falar, suas crenças, ou seja, as suas
práticas em sociedade. Traços da cultura surda são manifestos no local que habitam ou em locais de
encontros com outros surdos, no seu convívio diário. Kotter e Heskett (1994, p. 4) diz que cultura é
“a totalidade de padrões de comportamento, artes, crenças, instituições e todos os outros produtos
do trabalho e do pensamento humano característicos de uma comunidade ou população,
transmitidos socialmente”.

Fundamentando-se no multiculturalismo é que a cultura surda se baseia, uma vez que, um


surdo brasileiro irá conviver com a cultura brasileira, e visto que, o surdo faz parte deste povo,
porém, vivencia o mundo na sua condição de cidadão bicultural e bilíngue como integrante também
do povo surdo, compartilhando lutas e histórias. Wrigley diz algo que nos faz refletir: “Surdez é um
país sem um ‘lugar’ próprio. É uma cidadania sem uma origem geográfica” (1996, p.11).

Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim


de se torná-lo acessível e habitável ajustando-os com as suas percepções visuais,
que contribuem para a definição das identidades surdas e das ‘almas’ das
comunidades surdas. Isto significa que abrange a língua, as idéias, as crenças, os
costumes e os hábitos de povo surdo. (STROBEL, 2008, p.22)

Cultura, segundo Padden e Humphries (2000, p.5):

[...] uma cultura é um conjunto de comportamentos apreendidos de um grupo de


pessoas que possuem sua própria língua, valores, regras de comportamento e
tradições; uma comunidade é um sistema social geral, no qual um grupo de pessoas
vivem juntas, compartilham metas comuns e partilham certas responsabilidades
umas com as outras.

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Isto nos conduz a reflexão de que há alguns anos, ao assistir palestras sobre a cultura surda,
o público deparava-se com explicações vagas inconsistentes, simplistas e equivocadas. Havia quem
reduzia a definição da cultura surda a apenas exemplos sobre produções materiais como TDD
(telefone para surdos) e campainhas luminosas; e outros, que equivocadamente em apostilas de
cursos de Libras ou oficinas, diziam que comer fazendo barulho, ou arrastar o pé ao caminhar fazia
parte da cultura surda.

Com base nesta realidade, consideramos o livro As imagens do outro sobre a cultura surda
(2008) da autora surda Karin Strobel, um divisor de águas. Nele, as produções dos sujeitos surdos
enquanto comunidade minoritária vai além de produções materiais e até mesmo de algo apenas
físico. A autora apresenta de forma esclarecedora uma importante contribuição ao apresentar oito
artefatos culturais do povo surdo de forma simples e exemplificada, sendo eles: Experiência Visual,
Linguístico, Familiar, Literatura Surda, Vida Social e Esportiva, Artes Visuais, Política e Materiais.

Sendo assim, buscando entender a visão atual que os surdos têm da sua cultura, oito
voluntários participaram da pesquisa em João Pessoa, em que entrevistas foram realizadas com cada
um separadamente na primeira parte do estudo, e posteriormente, em um segundo momento, uma
palestra sobre a Cultura Surda foi realizada como forma de estimular o pensamento dos
participantes e promover discussões sobre a temática.

SINALIZANDO SOBRE SUA PRÓPRIA CULTURA

As questões iniciais da entrevista tratavam das causas de sua surdez, quando começou
aprender libras e outros pontos introdutórios, a partir da quarta pergunta o tema cultura surda
começou a ser discutida. Inicialmente queríamos saber se esse tema já tinha sido trabalhado em
alguma fase da sua vida escolar.

Apenas o surdo D alega ter aprendido um pouco, quando estudou em uma escola especial
composta apenas por surdos, mas como teve que se mudar, esse aprendizado foi interrompido. Os
demais nunca tiveram contato com essa temática nas escolas regulares. O surdo O relatou:

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“Na escola eu aprendi pouco, os professores me ensinaram pouco. Quando tinha


intérprete, o mesmo não tinha fluência em LIBRAS e fui desenvolvendo num processo bem
demorado e isso foi muito ruim para mim.”

Na quinta questão, eles foram indagados quanto ao interesse em realizar pesquisas com o
tema da cultura surda e se já de fato pesquisaram. E o único que relatou já ter pesquisado foi o
surdo A, que disse:

“Já estudei esse tema no curso de Licenciatura em Letras LIBRAS que atualmente faço
parte, e também participei de congressos e debates que tratavam a cultura surda como tema
principal e assim pude perceber a existência de uma cultura na qual faço parte, mas que antes
desconhecia.”

As duas últimas questões possui uma relação. A penúltima pergunta foi quanto ao
conhecimento dos artefatos culturais do povo surdo. Os surdos O, L, S e D não souberam conceituar
e nem tanto exemplificar os artefatos. Já os participantes N, G, A e E descreveram alguns exemplos
de artefatos do povo surdo.

De acordo com N e E, artefatos da cultura surda são: festas, a vibração do som nas boates,
estar em comunidades, palestras de divulgação da LIBRAS, teatro e etc. Para o participante G,
artefato cultural é apenas a Língua de Sinais mas não soube relacionar a LIBRAS com os demais
componentes culturais. De acordo com A:

“Quanto aos artefatos culturais do povo surdo há muito que falar. Por exemplo: a
campainha luminosa, a percepção visual, o uso de mensagens de texto via celular (no modo
vibratório), a preferência por organizar a sala de aula em formato de U para facilitar a
visualização e etc”.

De todos os participantes da entrevista, apenas três (A, D e N) estão cursando ou já se


formaram em um curso de Ensino Superior. Desses três, apenas dois (A e N) souberam discorrer a
respeito da cultura surda e seus artefatos.
Porém, percebemos que o surdo A conseguiu desenvolver suas respostas de maneira
coerente com a literatura apresentada, demonstrando conhecer bem o tema em estudo. E o mesmo
relatou ter estudado essa temática durante o curso Letras LIBRAS.

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Em um segundo momento, uma palestra sobre a cultura surda foi realizada como forma de
estimular o pensamento dos participantes e iniciar as discussões que levariam ao tema da palestra,
foram realizadas quatro perguntas inicialmente. Possibilitando aos alunos refletir e expressar
opiniões em cada questão ali apresentada. Foram elas: 1. Por que existe uma cultura surda? 2. O que
é cultura surda? 3. Qual a diferença entre povo surdo e comunidade surda? 4. Exemplifique algo
que é próprio da cultura surda.

A palestra foi realizada para um grupo de alunos matriculados no curso de Licenciatura


Plena em Letras LIBRAS oferecida pela UFPB Virtual, dos que estavam presentes, apenas um
também participou da primeira etapa da pesquisa, a entrevista. Como forma de manter reservada a
imagem desses discentes participantes, as respostas foram organizadas por números.

Em presença das questões feitas durante toda a palestra, os alunos iam um de cada vez à
frente para expor suas opiniões e dúvidas, compartilhando assim com todos os presentes. Algumas
das respostas foram:

Palestrante: Existe cultura surda?

Surdo 1: Sim. Existe em vários lugares e aqui no Brasil também. Existe uma cultura surda e
identidade e isso faz a pessoa surda se desenvolver.

Diferente do que foram percebidos na maior parte das respostas disponibilizadas na


entrevista, os surdos que estão cursando Letras LIBRAS afirmam existir a cultura surda e associa à
cultura a Língua de Sinais como podem ver nos relatos a seguir.

Palestrante: Porque não é só uma cultura, a do Brasil? O que é cultura surda?

Surdo 2: Por que os surdos possuem outra língua, a Língua de Sinais, fazendo uso das
expressões faciais e corporais; com costumes e interesses diferentes, como por exemplo: encontros
nas associações de surdos.

Surdo 3: A cultura surda vem da luta pelos direitos da pessoa surda, as leis e suas
propostas. A forma de comunicação diferente, as tecnologias adaptadas, os esportes.

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Concordando com Padden e Humphires (2000, p. n5) “[...] uma cultura é um conjunto de
comportamentos apreendidos de um grupo de pessoas que possuem sua própria língua, valores,
regras de comportamento e tradições; [...]”.

Palestrante: E qual a diferença entre comunidade e povo surdo?

Surdo 3: Comunidades surdas são pequenos grupos com mesmos costumes que através da
convivência formou-se uma cultura;

Surdo 4: Povo surdo é o Brasil como um todo, mas as comunidades surdas estão nas
associações, os encontros esportivos, atividades como as do evento Miss Surda, etc.

A resposta do surdo 4, quanto ao povo surdo, tem uma certa incoerência, pois cita o Brasil
como povo surdo, sendo este um exemplo de comunidade surda, porém, em sua sinalização, o
mesmo faz o sinal de Brasil seguido do sinal de “mundo”, “o todo”, ou seja, fazendo referência
corretamente aos surdos espalhados pelo Brasil a fora, e em todo o mundo.

Até esse momento da palestra, os surdos discutiram bastante quanto ao significado de


cultura e sempre fazendo referência a cultura surda como sendo algo que está atrelado a uma língua
diferente que a do país em que são nativos e por isso possuem uma cultura diferente, a cultura
surda.

Durante a discussão do tema “comunidades surdas”, foram abordados também questões


como a variação regional de cada comunidade local, levando em consideração a diferença que
existe com alguns sinais e seus significados, da mesma forma que há nas línguas orais, mas o que
não impossibilita a comunicação com pessoas do mesmo país, porém de regiões diferentes.

As comunidades surdas espalhadas por todo o país são bem quistas pelos seus pares. Como
pode ser percebido pela resposta do surdo 2: “As comunidades surdas são bem desenvolvidas,
possuem tecnologias, utilizam da língua de sinais, etc. tem a mente aberta”.

E a última das quatro questões apresentadas inicialmente, gerou a discussão mais longa. Pois
tratavam dos artefatos culturais presentes na cultura surda.

Palestrante: Exemplifique algo que é específico da cultura surda.

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Muitas das respostas que foram ditas pelos participantes se relacionam com mais de um
grupo de artefatos, pois estão ligados entre si. Como o artefato “Linguístico”, que é fundamental
para a cultura surda, a Língua de Sinais, que é a marca do povo surdo. E este artefato está
diretamente ligado a “Experiência Visual”, uma vez que é a forma que o surdo tem de ver o mundo
e se comunicar (artefato linguístico). E essa relação foi percebida nas respostas, por exemplo:
“Namorados ou amigos quem em um restaurante sentam um de frente para o outro”.
Vendo de maneira isolada e fora de um contexto, talvez essa frase não fosse entendida como
um artefato cultural de um povo. Mas quando pensamos que os “namorados ou amigos” são pessoas
surdas e precisam estar um de frente para outro para que a conversa seja possível, uma vez que,
utilizam a língua de sinais (artefato linguístico) e sendo assim, está de frente facilita o entendimento
do que está sendo dito, pois é através da visão (experiência visual) que se pode entender a
mensagem.

O que acontece também na fala de um surdo: “Namorados não andam de mãos dadas, pois
precisam delas para conversar, bem como, andam um de frente para o outro e em certos momentos
parando”.

Outro artefato citado pelos discentes presentes na palestra, e que une o artefato da
experiência visual e o linguístico é: “Ao invés de orar de mãos dadas, unem-se os pés. Pois,
precisam das mãos para orar, sendo assim, juntas os pés para se sentirem próximos”. Além deste
fato elencado nesse contexto religioso, em reuniões religiosas, quando todos fecham os olhos para
um momento de oração, os surdos em sua maioria permanecem de olhos abertos, pois precisam
olhar para o intérprete e assim entender o que está sendo dito.

A experiência visual está muito presente na vida das pessoas com surdez, e outra situação
vivenciada através deste artefato, listada pelos discentes foi: “Para chamar um surdo que esteja a
certa distância deve-se acenar”, e “para chamar a atenção de um grupo de surdos reunidos em um
mesmo local é preciso apagar e acender as luzes do ambiente rapidamente”.

Outro artefato que os participantes demonstraram conhecer bem é “Materiais”, que tem por
objetivo auxiliar a vida das pessoas com surdez, são instrumentos adaptados e/ou criados para este
fim. Foram listados alguns desses materiais, como por exemplo:

Campainhas luminosas, mensagens de texto através de celulares e estes utilizados no modo


silencioso, aplicativos de mensagens como WhatsApp, que permitem conversas particulares e em

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grupos que possuem o mesmo aplicativo em seus celulares, podendo compartilhar vídeos, fotos,
etc., conversas através de recursos visuais como Web Cam, onde os surdos podem se comunicar
através da Língua de Sinais, e-mail, legendas disponibilizadas na televisão, babá eletrônica que
envia mensagens para os telefones dos pais informando que o bebê está chorando, e muitos outros
materiais utilizados no cotidiano das pessoas surdas.

Uma ferramenta tecnológica que se enquadra no grupo dos artefatos culturais Materiais é:
Chamada de vídeo, porém o mesmo está relacionado com os artefatos Experiência Visual e
Linguístico, pois com as chamadas em vídeos é possível conversar através da língua de sinais e os
mesmos podem se ver.

Mais um artefato cultural lembrado pelo grupo presente na palestra foi: Vida social e
Esportiva sendo este associado a encontros nas associações de surdos, querer estar em comunidade
com seus iguais, campeonatos de diversos esportes entre grupos de surdos, entre outros.

Literatura Visual ou Literatura Surda é mais um artefato que os surdos demonstraram


conhecer, como por exemplo: poesias, poemas, piadas, teatro, etc.

O artefato político foi citado através das leis, dos projetos e pela Federação Nacional de
Educação de Surdos – FENEIS, que luta pelos direito da pessoa surda.

Durante a apresentação dos artefatos e suas características, houve também uma pequena
discussão levantada por um dos participantes presentes no Seminário, sobre ser algo da cultura
surda que acontece pelo fato de não ouvir e assim fazer barulhos, ou ser considerado como falta de
educação, por exemplo: Andar arrastando os pés e comer com a boca aberta (principalmente em
famílias que são todos surdos). Porém os próprios colegas ali presentes responderam a esses
questionamentos, com argumentos como:

“É considerado artefato aquilo que está atrelado à cultura e a sua língua, bem como, seu
modo ser e viver”. Sendo assim, todos entenderam que esses dois últimos exemplos não
correspondem a características que se denominam artefatos culturais.

Como relata STROBEL (2008, p.37): “[...] o conceito “artefatos” não se referem apenas a
materialismos culturais, mas àquilo que na cultura constitui produções do sujeito que tem seu
próprio modo de ser, ver, entender e transformar o mundo”.

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O que se pôde perceber no proceder do seminário é que aqueles alunos que estão
matriculados em semestres mais a frente dos demais traziam o conceito de “cultura surda” bem
formada. E diante das discussões geradas pelos discentes (o que demonstrou interesse por parte do
grupo presente em esclarecer o que até então para alguns, era apenas um conhecimento oriundo do
senso comum), os próprios alunos que já dominavam o tema eram quem respondiam as questões
que iam surgindo, sendo apenas mediado pela ministrante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi visto e relatado pelos participantes surdos no presente estudo, à cultura
surda, seu conceito e as particularidades a ela associadas, ainda não é um tema de conhecimento
compartilhado por todos, porém, já constatamos uma mudança diferenciada na atualidade
decorrente ao desenvolvimento acadêmico evidente em uma parcela privilegiada da comunidade
surda.

Neste sentido, foi possível observar que na primeira parte do projeto (a entrevista) os surdos
que possuem o nível de escolaridade do ensino médio ou ainda estão para concluir, ainda não
possuem o domínio de conhecimento quanto à cultura surda, bem como os seus artefatos. Dos oito
participantes, dois estão cursando o ensino superior e apenas um já possui uma graduação. Destes,
apenas um é aluno do Letras LIBRAS e que por consequência, este é o que apresenta maior
propriedade em falar do assunto que foi abordado. E de acordo com o mesmo, o tema “cultura
surda” é ao longo do curso abordado em diversas disciplinas.

E diante do exposto no segundo momento da pesquisa (a palestra), todos os presentes eram


alunos do Letras LIBRAS, porém de semestres variados. Todavia, foi notório o interesse de todos
por este tema, mesmo por parte daqueles que já o estudaram no transcorrer do curso. E estes alegam
que, conhecer a cultura do seu povo, os seus costumes, o que os diferem dos ouvintes e os artefatos
que comprovam e enriquecem a cultura surda, faz que se tenha uma visão de mundo diferenciada.
Afastando cada vez mais a marca de um ser “deficiente”, “limitado", trazendo para si, e em
consequência, para a sociedade a imagem de um povo com história e valor e que tem muito que
acrescentar para a história do Brasil, um país naturalmente multicultural.

Sumário
18

REFERÊNCIAS

CULLER, Jonathan. Teoria Literária: uma introdução. Tradução de Sandra Vasconcellos. São
Paulo: Beca Produções Culturais Ltda, 1999.

HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003;

________. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo.


Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 22, nº 2, p.15-46, jul./dez. 1997.

KOTTER, J. P.; HESKETT, J. L. A cultura corporativa e o desempenho empresarial. São Paulo:


Makron Books, 1994.

PADDEN, Carol; HUMPHRIES, Tom. Deaf in américa: voices from a culture. Cambridge: Harvard
university Press, 2000.

PERLIN, Gladis. Identidades Surdas, in Carlos Skliar (org). A surdez: um olhar sobre as diferenças.
Porto Alegre: Mediação, 51 – 73. 2001

STROBEL, Karin Lilian. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Editora UFSC,
2008a.

WRIGLEY, O. The Politics of Deafness. Gallaudet University Press. Washington, D.C., 1996.

Sumário
19

2 - EVIDÊNCIAS DA CULTURA SURDA NA OBRA SWITCHED AT BIRTH

Lígio Josias Gomes de Sousa4

Janaina Aguiar Peixoto5

INTRODUÇÃO

O presente capítulo tem o intuito de apresentar uma pesquisa que consistiu em uma análise
das produções (artefatos) culturais dos sujeitos surdos presentes no seriado americano chamado
Switched at Birth, corroborando com os fundamentos teóricos apresentados pela pesquisadora surda
Karin Strobel (2008), relacionando a ficção com a realidade.
A primeira etapa do estudo constituiu em assistir todos os 93 episódios da série distribuídos
em quatro temporadas para que um fosse eleito como objeto do estudo. Após a escolha do episódio
09 da 2ª temporada de aproximadamente 42 minutos intitulado de "UPRISING", a pesquisa partiu
para o desafio de identificar os oito artefatos culturais do povo surdo presentes nesta produção
cinematográfica. À medida que sendo encontrados, as discussões foram traçadas fazendo um
paralelo entre a ficção e o real.
A pretensão deste estudo foi evidenciar como a cultura surda e os seus artefatos foram bem
trabalhados durante o seriado, que através do entretenimento valorizou o povo surdo sua língua,
crenças e valores. Para tanto, à obra como um todo é um artefato de Artes Visuais (produção
fílmica) de grande relevância para as comunidades surdas espalhadas em diversos países, ou seja, o
Povo Surdo que não possui demarcação territorial, porém baseiam sua construção de mundo em
vivências visuais, possuindo assim, uma cultura surda compartilhada entre as gerações.
Switched at Birth é um seriado americano criado por Lizzy Weiss e transmitido também no
Brasil, teve início dia 06 de junho de 2011, já conta com 04 temporadas que somam 93 episódios e

4
Professor do Departamento de Línguas de Sinais – DLS/CCHLA/UFPB. Atualmente cursando Pós-Graduação em
LIBRAS. Possui Licenciatura plena em Letras com habilitação em Libras pela UFPB e Técnico em Eletrotécnica pelo
IFPB.
5
Professora do Departamento de Línguas de Sinais – DLS/CCHLA/UFPB e no Programa de Pós Graduação em Letras
(PPGL/UFPB), Doutora em Letras (PPGL/UFPB) e no Programa de Pós Graduação em Letras (PPGL/UFPB), Mestre
em Ciências das Religiões (PPGCR/UFPB), Fonoaudióloga (FRASCE-RJ), Tradutora e Intérprete de Libras (UFF).

Sumário
20

tem como elenco principal: Katie Leclerc (surda), Vanessa Marano, Constance Marie, D.W. Moffet,
Lea Thompson, Sean Berdy (surdo) e Lucas Grabeel6, dentre vários atores coadjuvantes surdos.

O enredo conta a história de duas meninas que foram trocadas ao nascer e viveram por
muitos anos separados de suas famílias biológicas. E a partir do momento que descobriram o erro
do hospital decidiram tentar recuperar o tempo perdido e assim, morar o mais próximo possível. A
série conta com um pouco de drama, comédia e romance. A família Kennish é composta por: Bay
Kennish (Vanessa Marano) uma artista que luta pelo reconhecimento dos seus pais de criação;
Kathryn Kennish – a mãe (Lea Thompson) vive uma dona-de-casa que se preocupa com a sua boa
fama entre os vizinhos e a alta sociedade na qual convive e John Kennish – o pai (D. W. Moffet) um
jogador de beisebol aposentado. O irmão de criação, Toby (Lucas Grabeel) é músico. O sucesso na
carreira esportiva de John é o que o faz ter muito dinheiro, deixando a família Kennish morando na
vizinhança rica da cidade. Já a família Vasquez é composta por: Daphne Vasquez (Katie Leclerc)
que é surda (devido à meningite, quando criança), e estuda em um colégio especial para surdos; sua
mãe Regina (Constance Marie) que atua como cabeleireira e que teve um passado problemático por
conta do vício em álcool; e a avó. A família Vasquez mora em uma vizinhança hispânica da cidade,
até o momento que as meninas descobrem a troca e decidem morar juntas. Apesar de certas
divergências, as famílias vão tentando se acertar e conviver, para que as mães conheçam as filhas
biológicas.7

Existem outras obras que retratam a temática surdez e que atores surdos atuam como nos
longas-metragens: Adorável Professor; E Seu Nome é Jonas; Os Filhos do Silêncio (que rendeu um
prêmio óscar de melhor atriz para Marlee Matlin que é surda); O Milagre de Anne Sullivan; e o
mais recente, Família Bélier (2014). Alguns seriados também já fizeram uso do tema surdez em
alguns episódios como, por exemplo: CSI, episódio 13 da temporada 11 no qual a atriz surda
Phyllis Frelich contracena. Porém, nenhum desses relatou de modo tão abrangente o mundo dos
surdos e os diversos temas a ele associados. Isto deve-se principalmente pelo seu formato de seriado

6
Informações colhidas do site: https://pt.wikipedia.org/wiki/Switched_at_Birth em conformidade com o website oficial
da série: http://freeform.go.com/shows/switched-at-birth.
7
O enredo descrito foi um resumo feito pelo autor deste artigo baseado no conhecimento da série e pesquisas realizadas
no Website oficial. A sinopse original em inglês tirado do site oficial da série diz que: Switched at Birth: Two teenage
girls discover they were accidentally switched as newborns in the hospital. Bay grew up in a wealthy family with two
parents and a brother. Meanwhile, Daphne, who became deaf at an early age, grew up with a single mother in a
working-class neighborhood. Things come to a dramatic head when the families meet and struggle to learn how to live
together for the sake of the girls.

Sumário
21

que permitiu ao longo de todos os seus episódios a ampliação das temáticas abordadas, além do fato
diferenciador da trama ser protagonizada por uma atriz surda. E por conta deste pioneirismo
escolhemos este seriado para realizar a pesquisa.
Partindo do pressuposto que a cultura surda “abrange a língua, as ideias, as crenças, os
costumes e os hábitos do povo surdo (Strobel, 2008, p. 22)” apresentamos a seguir a diferença entre
os termos usados neste trabalho: comunidade surda e povo surdo. Segundo Houaiss (2001)
comunidade é o “conjunto de pessoas que convivem em comunidade num determinado território;
nação, sociedade [...], povo é o conjunto de pessoas que não habitam o mesmo país, mas que estão
ligadas por uma origem, sua religião ou qualquer outro laço”.
Dessa forma, em concordância com a definição passado por Houaiss o povo surdo partilha
de costumes, interesses, histórias que se assemelham, independentes da região que se encontram. Já
a comunidade surda segundo Padden e Humphries (2000, p.5) difere em sua definição:

Uma comunidade surda é um grupo de pessoas que vivem num determinado local,
partilham os objetivos comuns dos seus membros, e que por diversos meios trabalham no
sentido de alcançarem estes objetivos. Uma comunidade surda pode incluir pessoas que não
são elas próprias Surdas, mas que apoiam ativamente os objetivos da comunidade e
trabalham em conjunto com as pessoas Surdas para alcançar.

A comunidade surda é uma parte do povo surdo organizada em grupos e que vivem numa
mesma região, com interesses em comum. Ou seja, existe a comunidade surda de João Pessoa, a
comunidade surda de Campina Grande, a comunidade surda paraibana e assim por diante, diversas
comunidades integrantes do todo denominado de povo surdo, um povo sem demarcação geográfica.

As produções originadas da cultura surda também são chamadas de Artefatos Culturais do


povo surdo, estes foram elencados em oito pela autora Karin Strobel (2008) em seu livro As
Imagens do Outro Sobre a Cultura Surda, são eles: Experiência Visual; Linguístico; Familiar;
Literatura Surda; Vida Social e Esportiva; Artes Visuais; Política e Materiais.

Baseado nesse contexto cultural do povo surdo, e a sua importância, vamos refletir sobre o
seriado partindo da seguinte questão: Será possível identificar em um único episódio da série
Switched at Bith todos os artefatos culturais descritos por Strobel (2008)?

OS ARTEFATOS CULTURAIS DO POVO SURDO PRESENTES NO SERIADO

Sumário
22

Após assistir todas as temporadas de Switched at Birth, foi selecionado um episódio a ser
estudado, sendo este o episódio 09 da segunda temporada, denominado de “Uprising”. A escolha
aconteceu por este episódio tratar questões muito fortes ao povo surdo e ter como foco a luta pelos
seus direitos. Dessa forma, à medida que analisamos o episódio, os artefatos culturais foram sendo
identificados seguindo a ordem apresentada por Strobel (2008), como expostos a seguir:

1. Experiência Visual: Foi possível identificar este artefato nas seguintes cenas: o
momento que é apresentada a disposição da sala em círculo favorecendo a visualização de uma
língua visuo-espacial e o alarme dispara; quando o personagem surdo Travis chama a atenção de
Daphne (protagonista surda) por meio de acenos e consequentemente ela olha em sua direção; por
fim, em outra cena, mesmo sem ouvir o som das sirenes Daphne percebe que há algo errado
acontecendo devido a expressão facial e corporal de Bay (protagonista ouvinte que foi trocada com
Daphne na maternidade), quando questiona sobre o que está acontecendo é esclarecida a respeito da
chegada dos policiais. Quanto a estas constatações Strobel (2008, p.38) afirma: “Os sujeitos surdos,
com a sua ausência de audição e do som, percebem o mundo através de seus olhos, e tudo o que
ocorre ao redor dele”. Desta maneira as informações sonoras são adaptadas para informações
visuais.

Figura 1: Trechos que exemplificam o artefato experiência visual

Sumário
23

2. Linguístico: diferente dos demais episódios, este é especialmente todo em língua de


sinais e sem o frequente áudio com a tradução para a língua oral, havendo apenas a tradução por
meio de legenda, invertendo assim a situação, fazendo com que o telespectador se coloque no lugar
dos surdos. Desta forma, o artefato linguístico é percebido em todo o episódio, mas destacamos os
mais evidentes momentos: quando a professora também surda reúne os alunos, para um momento
de discussão; também nos momentos das conversas em segredo usando a língua de sinais; na
tentativa de tramar a invasão da escola e quando os alunos ouvintes se aproximam eles param; e na
placa que faz referência a área de utilização da língua de sinais (Zona de Língua de Sinais
Americana) em respeito aos surdos até mesmo ouvintes que entrarem naquele espaço devem
dialogar nesta língua. Várias são as partes que se encaixam neste artefato, uma vez que, toda a série
é voltada para a língua de sinais, sendo uma das principais marcas do seriado. Sendo assim, Strobel
(2008, p.44) discorre sobre a importância da língua:

A língua de sinais é uma das principais marcas da identidade do povo surdo, pois é uma das
peculiaridades da cultura surda, é uma forma de comunicação que capta as experiências
visuais dos sujeitos surdos, sendo que é esta língua que vai levar o surdo a transmitir e
proporcionar-lhe a aquisição de conhecimento universal.

Todos os artefatos culturais de forma direta ou indireta vão estar relacionados com os
primordiais artefatos experiência-visual e linguístico, uma vez que a construção de mundo por meio
de vivências visuais é expressada na língua visuo-espacial, sendo assim a base para todos os outros.

Figura 2: Um dos trechos que exemplifica o artefato linguístico

3. Família: O terceiro artefato também pode ser facilmente encontrado em quase todos
os episódios, mas neste em questão: é evidenciado no trecho quando os personagens apresentam um

Sumário
24

relato baseado em fatos reais sobre um protesto em 1988 organizado pela comunidade surda
americana, e os personagens afirmam que seus pais, também surdos vivenciaram este momento
histórico, inclusive a própria professora Melody (mãe do aluno Ement,); foi identificado também no
momento de discussão entre mãe e filho (ambos surdos); e na compreensão por parte de Melody em
relação ao protesto por também já ter vivido algo semelhante há alguns anos8, então, ao ver seus
alunos surdos, incluindo seu filho, lutando por um ideal que ela também compartilha, sente-se
orgulhosa.
Essas características destacam a importância da relação familiar na educação, em servir
como um modelo a ser seguido. Strobel (2008, p. 45) destaca que “os sujeitos surdos que têm
acesso à língua de sinais e participação da comunidade surda têm maior segurança, auto-estima e
identidade sadia.” E quando esse acesso a língua e o contato com a comunidade inicia em casa, os
benefícios são ainda mais percebidos. Nesse sentido, a autora também diz que: “Nas outras famílias
com todos os membros surdos, dos avós até os filhos, passando por tios, tias, primos, e outros,
assim eles passam pelo processo natural de transmissão da cultura surda (STROBEL 2008, p. 52)”.
Podemos perceber isso facilmente na relação entre Melody e Ement, na qual o filho se inspira na
mãe para lutar pelos direitos dos surdos, outrora também realizado por ela.

Figura 3: Trechos que exemplificam o artefato familiar

8
Em outro episódio anterior este protesto verídico foi citado com detalhes na conversa da professora com seus alunos e
durante a discussão com seu filho. Este fato histórico ocorreu nos Estados Unidos na instituição que hoje conhecemos
como Universidade Gallaudet. O movimento nas ruas conhecido como Deaf President Now (Reitor surdo já!) resultou
em 1988 na eleição de uma pessoa surda para o cargo de reitor (Dr. I. King Jordan), iniciando assim um processo de
reforma administrativa com 51% dos cargos de direção da universidade ocupados por surdos, fato inédito desde a sua
fundação em 1856.

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25

4. Literatura Surda: A literatura surda pode ser dividida em três categorias: tradução
(obras de autores ouvintes traduzidas para a língua de sinais), adaptação (recriação de obras
clássicas) e criação (produção de autores surdos). Dessa forma, identificamos a tradução para
língua de sinais da obra de Shakespeare, Romeu e Julieta; e também foi verificada a foto de Helen
Keller a autora surdacega de diversos livros.

Quarto artefato cultural é a literatura, ela traduz a memória das vivencias surdas através das
várias gerações dos povos surdos. A literatura se multiplica em diferentes gêneros: poesia,
história de surdos, piadas, literatura infantil, clássicos, fábulas, contos, romances, lendas e
outras manifestações culturais. [...] Por muitas gerações os povos surdos transmitem muitas
histórias através de língua de sinais, a maioria delas parte de experiências das comunidades
surdas que transmitem seus valores e orgulho da cultura surda que reforça os vínculos que
os unem com as gerações surdas mais jovens. STROBEL (2008, p.56 e 59).

Figura 4: Trecho que exemplifica o artefato literatura surda

5. Vida Social e Esportiva: Este artefato foi o mais subjetivo de todos no que tange o
episódio nove especificamente, pois não foi totalmente explicitado como ocorreu durante toda a
série (momentos claros de esporte, lazer, festas, encontros, dentre outros), como cita Strobel (2008,
p. 61) quando conceitua este artefato: “o quinto artefato cultural é a vida social e esportiva do povo
surdo, são acontecimentos culturais, tais como casamentos entre surdos, festas, lazeres e atividades
nas associações de surdos, eventos esportivos e outros.”; Porém, como nesse artefato também se
enquadra nos momentos compartilhados em grupo e locais de encontro, identificamos um trecho do
episódio quando os surdos se reúnem para conversar, relembrar, descontrair e desabafar suas
emoções em um determinado lugar informal, onde Travis conta sua história na escola regular e todo
o sofrimento que passou, e diz não querer passar por isso novamente.

Sumário
26

Figura 5: Trechos que exemplificam o artefato vida social e esportiva

Strobel (2008, p. 61) faz uma referência a este artefato que corrobora com a cena elencada
no seriado, que diz: “Há reações emocionais dos sujeitos surdos que trazem padrões de
comportamentos habituais do povo surdo que pode constituir em contatos íntimos entre os membros
da comunidade surda, tais como as amizades, lealdades e casamentos entre eles”. É através dessa
amizade e lealdade que o personagem Travis sente-se à vontade para compartilhar sua história e
seus medos, é o viver em comunidade, ou seja, vida social.

6. Artes Visuais: Assim como o artefato linguístico é a base para todos os outros, a
visualidade também norteia quase todos eles, uma vez o surdo percebe o mundo através da visão. E
assim as artes visuais surgem. No episódio 09, temos o momento do ensaio para o teatro; quando
reunidos e se lembram de um rap (“Rap do Zippo”) criado por um amigo surdo em um show de
talentos da escola de surdos, e cantam em língua de sinais; em forma de protesto o personagem
Ement cria o grito com determinado ritmo: “Devolvam Carlton!” e todos no local reproduziram
como uma espécie de “hino do movimento de protesto” a favor da permanência da escola de surdos.
São expressões artísticas, assim como dito por Strobel (2008, p. 66):

No artefato cultural artes visuais, os povos surdos fazem muitas criações artísticas que
sintetizam suas emoções, suas histórias, suas subjetividades e a sua cultura. O artista surdo
cria a arte para que o mundo saiba o que pensa, para divulgar as crenças do povo surdo,
para explorar novas formas de “olhar” e interpretar a cultura surda.

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27

Figura 6: Trechos que exemplificam o artefato artes visuais

7. Político: Este episódio gira em torno deste artefato, pois tudo envolve o protesto
organizado pelos alunos surdos na luta pela continuidade da escola Carlton, sendo esta uma escola
para surdos, que está sendo ameaçada de fechar por falta de recursos financeiros alegados pelo
governo. Para isso, eles criam propostas que desejam alcançar com o ato político, passando a
seriedade do protesto e com uma mensagem unificada entre os surdos. Nos momentos finais do
episódio, dentre os diversos cartazes que cobrem a porta de vidro onde está o “quartel general do
movimento”, Daphne surge por trás do significativo cartaz de Ferdinand Berthier (1803 – 1886), o
educador surdo, conhecido como um dos primeiros a defender a identidade e cultura surda, muito
envolvido com a política na luta pelos direitos dos surdos.

Sumário
28

Figura 7: Trecho que exemplifica o artefato político

Nesse sentido, Strobel (2008, p. 71) define: “Outro artefato cultural influente das
comunidades surdas é a política, que consiste em diversos movimentos e lutas do povo surdo pelos
seus direitos”. Em particular a este episódio, a luta é pela educação dos surdos, por uma escola que
apresenta uma pedagogia adequada e a autora supracitada apoia esse pensamento quando defende
que:

O povo surdo luta pela pedagogia surda que parte de um “olhar” diferente direcionado em
uma filosofia para educação cultural. Em que a educação dá-se no momento em que o surdo
é colocado em contato com sua diferença para que aconteça a subjetivação e as trocas
culturais. [...] As comunidades surdas improvisam movimentos para defender a pedagogia
surda, literatura surda, currículo surdo, história cultural, aceitação da língua de sinais e de
valores culturais. O povo surdo vê nos movimentos uma possibilidade de caminhada
política na luta de reconhecimento da língua de sinais e de suas identidades surdas contra as
práticas ouvintistas9. (STROBEL 2008, p. 72 e 75)

8. Material: Por muito tempo se pensou que artefatos seriam apenas materiais criados
e/ou adaptados, mas podemos perceber que não, além disso a cultura surda não resume-se a estas
produções como verificamos nesta pesquisa. Porém este também faz parte dos artefatos culturais do
povo surdo. E muitos deles foram encontrados nesse episódio, por exemplo: a campainha sonora
(alarme) na escola; O aparelho auditivo – AASI; Aparelho celular com aplicativo de conversas em

9
Ouvintismo ou práticas ouvintistas, segundo Skliar, “é um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o
surdo está obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte”. (1998, p. 15).

Sumário
29

vídeo; Recurso de mensagens de texto no telefone móvel (celular); alarme de incêndio luminoso.
Explicando sobre isso a autora que fundamentou este estudo fala desses materiais:

Há artefatos culturais materiais resultantes da transformação da natureza pelo trabalho


humano, e sua utilização é condicionada pelo enleio do comportamento cultural dos povos
surdos, que auxilia nas acessibilidades nas vidas cotidianas de sujeitos surdos. [...]
Instrumentos luminosos como a campainha em casas e escolas de surdos, despertadores
com vibradores, legendas closed-caption, babá sinalizadores etc. (STROBEL 2008, p. 76).

Figura 8: Trechos que exemplificam o artefato materiais

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo abordou a temática dos artefatos culturais do povo surdo. Tendo como
principal objetivo identificar os artefatos e a relação destes no seriado Switched at Birth. O que
podemos observar através deste estudo é a importância que o estudo da cultura surda tem para a sua
comunidade, pois envolve a história, as lutas, conquistas e tudo a eles atrelado.
O desafio proposto para esta pesquisa era encontrar todos (os oito) artefatos culturais
apresentados em As Imagens do Outro Sobre a Cultura Surda da autora Strobel (2008) no seriado
americano Switched at Birth. Isto posto, desde o início do episódio escolhido (episódio nove) da
segunda temporada cumprimos o desafio lançado de identificar todos estes artefatos.
Dentre os oito, o mais percebido ao longo do episódio é o linguístico, uma vez que, todo o
episódio é em língua de sinais, sendo este, a base para todos os outros artefatos. O episódio
“Uprising” que em português significa rebelião trata mais detalhadamente de uma luta política pela

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30

continuidade da escola Carlton, fazendo com que este outro artefato também seja bastante
evidenciado ao longo dos 42 minutos de exibição.
Outro artefato que norteia os demais é a experiência visual, uma vez que, a forma que o
surdo percebe o mundo é através da visão. E este artefato também foi identificado desde o início do
episódio e mais de uma vez, assim como os outros anteriormente falados. A Literatura Surda foi
abordada através da tradução para a língua de sinais de uma obra (Romeu e Julieta) de Shekespeare
e na aparição da foto da autora surda Helen Keller, se referindo a uma autora de grande importância
para os surdos e principalmente nas lutas pelos direitos.
As artes visuais foi outro artefato muito explorado neste episódio, podendo ser encontrado
três momentos que combinam a ficção com a realidade da comunidade surda. Assim como os
Materiais, que identificamos cinco tipos diferentes de tecnologias criadas e/ou adaptadas.
O artefato familiar, também foi de grande importância para este seriado, uma vez que, a
temática gira em torno da família (troca de dois bebês na maternicdade), mas neste episódio
percebemos a relação entre mãe e filho enquanto surdos, e como essa base familiar foi de
fundamental importância para a formação cidadã e acadêmica do filho (Ement). Fazendo com que o
protesto ganhasse mais força já que ele tinha como referencial de luta a própria mãe e ela por sua
vez, expressando o sentimento de orgulho em ver seu filho atuando tão bravamente pelos seus
direito e de toda a comunidade que faz parte.
Por fim, o artefato vida social e esportiva foi o mais difícil de identificar, porém com mais
atenção ao episódio foi possível verificar o momento em que o grupo de alunos surdos se juntaram
para conversar, desabafar e expor suas emoções uns aos outros, além disso, nesse momento,
relembraram momentos vividos como gincanas esportivas e shows de talentos. Essa relação vivida
em “points de encontro”em momentos específicos entre os membros da comunidade surda, tais
como as amizades, lealdade é considerada como evidência do artefato vida social. Dessa forma,
todos os artefatos listados por Strobel (2008) foram encontrados no seriado Switched at Birth.
Este estudo proporcionou ratificar a importância da cultura surda para a comunidade, mas
também para o público em geral, uma vez que, um seriado tende a alcançar um grupo de pessoas
ainda mais heterogêneo. Daí a importância de ter um conteúdo adequado, já que está servindo de
difusor de um conteúdo outrora conhecido apenas por uma minoria.
Este seriado, inédito em toda sua estrutura e enredo, foi de grande relevância para o povo
surdo e a todos a quem abrange o interesse por esta área, ou apenas a curiosidade pelo seriado.
Desde a escolha dos atores, em parte surda, e todo o estudo envolvido e o respeito diante do

Sumário
31

conteúdo trabalhado, fez com que este seriado hoje seja considerado uma fonte de estudo.
Permitindo que diversas pesquisas ainda possam surgir.

REFERÊNCIAS

FREITAS, Wesley Ricardo de Souza; JABBOUR, Charbel José Chiappetta. Utilizando estudo de
caso(s) como estratégia de pesquisa qualitativa: boas práticas e sugestões. Revista Estudo &
Debate. Lajeado-RS, v. 18, n. 2, p. 07-22, 2011.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003;

HOUAISS, Antônio. VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.


Elaborado no Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa
S/C Ltda. - Rio de Janeiro: Objetiva 2001.

OLIVEIRA, Nádia Fátima de. Metodologia da pesquisa científica. São Paulo: Know How, 2010.

PADDEN, Carol; HUMPHRIES, Tom. Deaf in américa: voices from a culture. Cambridge:
Harvard university Press, 2000.

SKLIAR, Carlos. A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Medição, 1998.

STROBEL, Karin Lilian. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Editora
UFSC, 2008a.

WRIGLEY, O. The Politics of Deafness. Gallaudet University Press. Washington, D.C., 1996.

Sumário
32

3 - MERGULHANDO NA CULTURA SURDA, UMA VIVÊNCIA DE


MUNDO BASEADA EM EXPERIÊNCIAS VISUAIS

Janaína Aguiar Peixoto10


Lígio Josias Gomes de Sousa11
Maysa Ramos Vieira12
Robson de Lima Peixoto13
Introdução

O primeiro artefato cultural denominado experiência visual, apresentado por Strobel (2008) é a
base da vivência de mundo das pessoas surdas. Significa ter a capacidade de transformar o mundo
ao seu favor através da substituição de informações sonoras, para as informações visuais. Com isto,
surgem os elementos do cotidiano da pessoa surda que não são muito comuns a uma pessoa ouvinte.

Muitas vezes o ouvinte não percebe o quanto depende da audição em situações cotidianas,
porém quando passa a viver em um “novo mundo”, conhecendo o povo surdo e vivenciando
algumas experiências em que essa dependência não existe, ocorre o choque cultural.

Partindo desta realidade, este capítulo apresenta exemplos práticos deste artefato cultural
presentes na literatura, além disso, contribui com outros exemplos coletados por meio de relatos de
surdos e ouvintes integrantes da comunidade surda.

1. Uma breve revisão da literatura

Em seu livro, As Imagens do Outro Sobre a Cultura Surda, Strobel (2008, p.38) afirma: “Os
sujeitos surdos, com a sua ausência de audição e do som, percebem o mundo através de seus olhos,
e tudo o que ocorre ao redor dele”. É através dessa vivência de mundo que o surdo percebe tudo ao
seu redor, através de experiências visuais.

10
Professora do Departamento de Línguas de Sinais – DLS/CCHLA/UFPB, Doutora em Letras (PPGL/UFPB), Mestre
em Ciências das Religiões (PPGCR/UFPB), Fonoaudióloga (FRASCE-RJ), possui Formação de Tradutora e Intérprete
de Libras (UFF).
11
Professor do Departamento de Línguas de Sinais – DLS/CCHLA/UFPB. Atualmente cursando Pós-Graduação em
LIBRAS. Possui Licenciatura plena em Letras com habilitação em Libras pela UFPB e Técnico em Eletrotécnica pelo
IFPB.
12
Professora do Departamento de Línguas de Sinais – DLS/CCHLA/UFPB, Especialista em Libras, Licenciada em
Química pelo IFPB. Atuou como Tradutora e Intérprete de Língua de Sinais do quadro efetivo da UFPB.
13
Professor do DCFS/CCA/UFPB, Mestre em Letras pelo PPGL/UFPB, Especialista em Libras pela SOCIESC,
Licenciado em Letras Libras pela UFSC.

Sumário
33

Á medida que aprofundamos as nossas reflexões a respeito do povo surdo e suas experiências
visuais, a cultura é evidenciada. Segundo Hall, (1997, p.20): “A cultura que temos determina uma
forma de ver, de interpelar, de ser, de explicar, de compreender o mundo.” Sendo assim, a cultura é
uma espécie de óculos do indivíduo. Nesta perspectiva não podemos olhar o “outro” de maneira
homogenia, como elucida Salles (2004, p. 39):

Se considerarmos que os surdos não são “ouvintes com defeito”, mas pessoas
diferentes, estaremos aptos a entender que a diferença física entre pessoas surdas e
pessoas ouvintes gera uma visão não-limitada, não determinística de uma pessoa ou
de outra, mas uma visão diferente de mundo, um “jeito Ouvinte de ser” e um “jeito
Surdo de ser”, que nos permite falar em uma cultura da visão e outra da audição.

Esta cultura da visão apresenta situações e costumes peculiares já apresentados em estudos


por alguns autores, como o famoso exemplo de Strobel (2008, p.38):

Uma vez meu namorado ouvinte me disse que iria fazer uma surpresa para mim
pelo meu aniversário; falou que iria me levar a um restaurante bem romântico.
Fomos a um restaurante escolhido por ele, era um ambiente escuro com velas e
flores no meio da mesa, fiquei meio constrangida porque não conseguia
acompanhar a leitura labial do que ele me falava por causa da falta de iluminação,
pela fumaça da vela que desfocava a imagem do rosto dele, que era negro; e para
piorar, havia um homem no canto do restaurante tocando música, que sem poder
escutar, me irritava e me fazia perder a concentração por causa dos movimentos
dos dedos repetidos de vai-e-vem com seu violino. O meu namorado percebeu o
equívoco e resolvemos ir a uma pizzaria!

É notório neste exemplo o choque entre uma cultura baseada em uma vivência sonora de
mundo e uma vivência visual de mundo. Para o namorado ouvinte, todos os elementos descritos
pela namorada surda como importunos causadores de uma experiência desagradável (ambiente a luz
de velas, arranjo de flores na mesa e uma música ao vivo tocada ao violino) são costumes
considerados confortáveis, e refletem uma experiência agradável e muito romântica.

Ao apresentar alguns exemplos de experiências visuais uma perspectiva de contraposição


interessante é ressaltada por Salles (2004, p. 38):

Sumário
34

Quebrar o paradigma da deficiência é enxergar as restrições de ambos: surdos e


ouvintes. Por exemplo, enquanto um surdo não conversa no escuro, o ouvinte não
conversa debaixo d´água; em local barulhento, o ouvinte não consegue se
comunicar, a menos que grite e, nesse caso, o surdo se comunica sem problemas.
Além disso, o ouvinte não consegue comer e falar ao mesmo tempo,
educadamente, e sem engasgar, enquanto o surdo não sofre essa restrição.

Dando continuidade a este resgate de exemplos práticos presente na literatura para a


compreensão sobre a experiência visual, um exemplo de elemento do cotidiano diferente para
pessoas surdas e ouvintes é encontrado no texto de Peixoto (2016, p.47) que diz:

Uma herança cultural perpetuada a cada geração de surdos espalhados no mundo é


a forma de aplaudir alguém. Os barulhos dos aplausos que satisfazem a pessoa
ouvinte homenageada são substituídos por balanços das mãos que produzem uma
beleza visual, que de igual modo, lisonjeia o surdo homenageado ao ver uma
plateia de mãos levantadas aplaudindo-o desta forma.

Imagem1: Aplausos em Libras

Fonte: silvanalves.com.br

Outra característica marcante na comunidade surda baseada na experiência visual é citada


pela autora:

Outro comportamento muito tradicional e peculiar desta cultura é a criação do sinal


de uma pessoa que está iniciando o contato com a comunidade surda ou de uma
pessoa pública. O sinal equivale a um nome na cultura ouvinte e pode expressar em
língua de sinais uma característica física, uma característica da personalidade ou
uma característica profissional. Nesta prática costumeira de criar um sinal para

Sumário
35

determinada pessoa, os surdos procuram ressaltar uma característica que o grupo


rapidamente identifique de quem se trata. Por exemplo, ao fazer referência do
apresentador Sílvio Santos, os surdos não soletram o alfabeto manual escrevendo
assim o seu nome, como normalmente se pensa. Ele faz o léxico (sinal) de
“Microfone pregado na roupa”, que identifica por uma descrição visual o homem
da televisão chamado Sílvio Santos. Da mesma forma acontece com o ex-
presidente Lula que é identificado pelo sinal que representa sua característica
física, visualmente identificada que é a omissão de um dedo (PEIXOTO, 2016,
p.47-48).

Imagem2: Costume de criação do sinal-nome

Fonte: https://librasdiaria.wordpress.com

Ainda encontramos outros exemplos do artefato cultural experiência visual nos autores
estudados, porém para o momento destacamos os seguintes exemplos:

a) O relato de crianças surdas sem contato com a sua comunidade, com base naquilo que via
(apenas adultos ouvintes), acreditavam que morreriam antes de sua fase adulta (STROBEL,
2008, p. 40);
b) Surdos que foram prejudicados por falta de painéis visuais com as informações escritas em
bancos/aeroportos/rodoviárias e esquecidos na espera perdendo sua vez, mesmo depois de
avisar aos atendentes que precisavam ser informados pessoalmente e não chamados pelo
microfone ou aos gritos, sem nenhum retorno (STROBEL, 2008, p. 41-42).
c) A maneira peculiar de fazer uma oração/reza de olhos abertos para acompanhar o sinalizante
que dirige a prece de olhos fechados. Além disso, ao invés de unirem as mãos, eles unem os
pés, para que assim as mãos fiquem livres para sinalizarem a oração ou concordarem com o
costumeiro “amém” (PEIXOTO, 2015, p. 44).

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36

d) “Cantar a música” substituindo informações sonoras por características visuais que


expressam o ritmo, o estilo musical, a emoção e a estética através da expressão corporal e
facial, para que os surdos “escutem” e apreciem visualmente a música sem som (PEIXOTO,
2015, p. 44).

Por conseguinte, embasado nas evidências apresentadas nessa breve revisão da literatura,
apresentaremos agora alguns relatos coletados entre surdos e ouvintes integrantes da comunidade
surda pessoense que corroboram e acrescentam exemplos das manifestações desse artefato.

2. Relatos de vivências de mundo baseadas em experiências visuais

Nessa viagem pelo mundo dos surdos, iniciaremos os relatos de ocorrências do artefato
experiência visual em restaurantes, por ser um excelente espaço de interação social, onde
detectamos peculiaridades importantes.

“Ao ir num rodízio de pizza com vários surdos e intérpretes, um grupo de quase 20 pessoas, notei
que todas as garrafas de refrigerantes de dois litros estavam deitadas na horizontal na mesa, e
todos que queriam, levantavam a garrafa na vertical, se serviam, e posteriormente abaixavam
novamente a garrafa. Somente depois eu entendi o porquê disso: isto ocorria para que as garrafas
não fossem empecilhos visuais na hora da comunicação entre todos que estavam conversando ao
mesmo tempo desde a ponta daquele corredor de mesas até a outra ponta da última mesa. Com as
garrafas deitadas sobre a mesa a conversa fluía livremente, mas a cena foi diferente e engraçada,
embora eu seja surdo, lá no Rio de Janeiro eu ainda não tinha visto isto. E sempre que vou a algum
restaurante com vários surdos sou o primeiro a tirar tudo o que está na frente impedindo a
conversa, seja uma taça grande, um arranjo de flor, um cardápio grande, não interessa, abaixo
tudo. Já aconteceu uma vez inclusive, em um casamento que fomos, um dos surdos sentados na
nossa mesa pegou o arranjo, que era enorme, e colocou debaixo da mesa durante a festa para
conversarmos, daí a noiva quando veio nos cumprimentar ficou preocupada porque nossa mesa
faltava a lembrança, daí explicamos que estava embaixo da mesa, porque com ela tampando nossa
visão, ficaríamos calados a festa inteira. Então ela riu e entendeu.” (Relato 1- Surdo)

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37

“A primeira vez que fui com surdos num rodizio de carne, demorei a entender que eu precisava
colocar a comida na boca, deixar o garfo e a faca no prato para ficar com as mãos livres e
conversar. Percebi que “falar de boca cheia” nesta cultura não significava necessariamente falta
de educação, pois diferente dos ouvintes que ao articular os fonemas comidas podem sair da boca,
os surdos articulam os sinais nas mãos.” (Relato 2- Ouvinte)

“No nosso aniversário de casamento fomos a um restaurante que tinha uma mesa bem grande e
tentamos tirar foto (selfie), mas não conseguimos, porque com a mesa grande entre a gente, não
era possível enquadrar nós dois na câmera do celular, então sentamos um do lado do outro, apenas
para tirar a foto de lembrança desta data especial. Logo depois voltamos à posição inicial um de
frente para o outro. Só notei que isto era um traço da cultura surda quando fui com minha esposa
para um jantar de confraternização de final de ano com colegas de trabalho ouvintes. Como
chegamos depois, então todos os colegas já estavam posicionados com suas esposas ao lado, então
eu e minha esposa também sentamos assim, mas saímos do jantar com dor no pescoço porque para
conversar com ela, a única pessoa que sabia Libras na mesa, eu precisava ficar olhando de lado,
todo torto.” (Relato 3 – Surdo)

Como vimos, um casal formado por dois surdos ou por um surdo e um intérprete, ou melhor,
um casal que precisa se comunicar através das mãos, por uma língua de sinais, vive uma dinâmica
diferente do restante dos casais. E vivendo entre esses dois mundos (o sonoro e o visual), situações
diferentes surgem, como estas:

“É comum os casais de ouvintes ao andar passeando, conversarem de mãos dadas, no caso dos
casais surdos, na hora da conversa as mãos precisam estar livres, portanto não ficam o tempo todo
de mãos dadas. Percebi isto, porque sempre namorei ouvintes, como eu, e quando comecei a
namorar um surdo, logo no início do namoro, saímos com mais dois casais de amigos ouvintes que
ficavam de mãos dadas o tempo todo, e a gente quando tentava fazer isto, limitava a nossa
comunicação com o uso de apenas uma mão, por isso optamos por andarmos juntinhos (abraçados
ou de mãos dadas), mas na hora de conversarmos ao caminhar nos “desgrudamos” um pouco para
a comunicação fluir com qualidade, e o olho no olho acontecer. Às vezes até paramos no meio do
caminho para nos expressarmos melhor, e depois continuamos a caminhar.” (Relato 4- Ouvinte)

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38

“Certa vez, decidimos assistir um seriado médico, em que tudo acontece muito rápido, toda a
história é narrada dentro de um hospital, onde tudo pode acontecer nos momentos de atendimento
emergencial e em cirurgias. Muitos aparelhos são ligados, existe toda uma tensão em cada
episódio, e então meu marido (surdo) começou a perceber que eu tinha reações antes dele, como
susto, tristeza, entre outros, e ele me perguntou como eu sabia que algo iria acontecer, sendo que
tinha um intervalo entre a minha reação e a atitude dos médicos? Diante desse questionamento,
percebi que era o som das máquinas que nos informavam que algo de ruim estava acontecendo,
como quando um paciente vinha a óbito e antes dos médicos anunciarem, eu já tinha percebido
pela ausência de batimentos cardíacos que a máquina monitorava, e entre outros tipos de som. No
caso, ele só percebia o que estava acontecendo quando aparecia na legenda a fala dos
personagens, por não escutar os sons que estão no seriado. Pensando nisso, passamos a assistir o
seriado de mãos dadas, para que ao tempo de algo acontecer e gerar em mim o susto, o nervosismo
ou outro sentimento causado pelos sons, ele também pudesse sentir ao mesmo tempo e assim
acompanhar o ritmo que o seriado exige, trazendo as minhas experiências sonoras ao tato dele,
através de um aperto de mão”. (Relato 5 – Ouvinte)

Considera-se o núcleo familiar como primeiro espaço de produção cultural, portanto, de


notória identificação da presença (Relato 6) ou da ausência (Relato 7) do artefato experiência visual
como podemos constatar nos dois relatos abaixo:

“O meu cachorro entende que eu sou Surdo, diferente da minha esposa e do meu filho que são
ouvintes. Quando alguém me chama no portão da casa, ele vem e olha no meu olho e começa a
latir muito alto e fica me chamando na direção do portão. Ele se comunica comigo mostrando que
eu esqueci de colocar a ração no prato dele. Sabe como? Empurrando o prato de alumínio com o
focinho na parede, quando eu estou sentado perto, assim eu sinto a vibração do barulho e vejo a
expressão corporal e facial dele. Outra coisa, ele entende LIBRAS e reage diferente quando falo
três sinais: 1- TOMAR BANHO, ele rosna e late zangado para mim; 2- COMIDA, ele fica andando
em círculos, rodando todo feliz e abanando o rabo; 3- PASSEAR, ele pula muito e vai na direção
do lugar que fica pendurada a coleira. Ah esqueci de falar, assim como outros cachorros de meus

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39

amigos surdos, o Juninho além do nome em português, também possui o seu sinal: “sobrancelhas
franzidas, como se estivesse zangado”. (Relato 6 – Surdo)

“Minha família, quando em contato pela primeira vez com meu namorado surdo, ao convidá-lo
para entrar em casa, automaticamente, abaixou o volume da televisão para que pudéssemos
conversar (como se o som da TV influenciasse e fosse atrapalhar), ou quando pediam para falar
baixo para não acordá-lo. São costumes considerados confortáveis para a comunidade ouvinte mas
que não são vivenciados pela comunidade surda” (Relato 7 – Ouvinte)

Como reflexo da vivência no núcleo familiar, a sociedade majoritária formada por


ouvintes não foi instruída a conhecer uma vivência de mundo baseada em experiências visuais,
portanto, pela ausência de conhecimento, situações inesperadas acontecem como constatamos no
seguinte relato:

“Fui para academia com meu marido (que é surdo), chegando lá encontramos a porta fechada e
pedi para ele ir bater, pois a luz de dentro estava acesa, enquanto isso, fiquei no carro calçando o
tênis, e vi que ninguém abria, e ele insistindo em bater na porta, quando me aproximei ouvi que as
educadoras físicas estavam gritando do lado de dentro da academia dizendo: “quem é?”, “se não
responder eu não vou abrir”, “se continuar batendo e não falar vou chamar a polícia”, e então eu
respondi que éramos eu e meu marido e a situação ficou cômica, levando todos a gargalhar.”
(Relato 8- Ouvinte)

Porém, este é um exemplo claro de choque cultural baseada em uma vivência de mundo
sonora e uma vivência de mundo visual. Para nós ouvintes, essa situação de alguém bater na porta e
o outro perguntar quem é esperando a resposta, para só então abri-la é comum, mas para os surdos
não funciona. Os espaços também precisam respeitar a “cultura visual” e assim, ser acessíveis para
surdos como podemos verificar no Relato 9, que apresenta soluções para comunicação visual entre
ambientes.

“Na coordenação do Letras Libras da UFPB como a coordenadora é surda você percebe a
diferença da organização do espaço onde o mais importante é respeitar a visão. Lá nós VEMOS
quando chega alguém, e não ouvimos, porque tem uma campainha luminosa, para avisar quando
chega alguém. Além disso, a divisória tem um quadrado, tipo uma janela, para facilitar a
visualização e a comunicação. Mas já vi em outro espaço de trabalho com coordenador surdo, o

Sumário
40

uso da porta de madeira comum com um quadrado de vidro transparente na altura da visão para
permitir também a comunicação em Libras.” (Relato 9 – Surdo).

Imagem 3: Ambiente de trabalho favorável para a “cultura visual”

Fonte: http://imoveis.culturamix.com/dicas/porta-com-visor

Por ser a comunidade surda repleta de eventos, ricas experiências culturais são vivenciadas
em espaços como hotéis ou alojamentos.

“Participo sempre de acampamento de surdos, congressos e situações engraçadas acontecem


nesses ambientes, como por exemplo: certa vez, tarde da noite, quando a maioria das pessoas já
estavam dormindo, eu estava no banheiro coletivo do alojamento escovando os dentes, então, um
sabonete voou na minha direção, e eu vi pelo espelho que foi jogado por cima do box, na parte dos
chuveiros. Daí me aproximei e vi que havia uma surda presa lá dentro e precisava de ajuda, então
coloquei minha mão por cima da porta e avisei que ia chamar alguém. Então assim fiz, e no final
deu tudo certo. Outra situação engraçada, aconteceu num congresso, quando o palestrante surdo
perdeu a hora, e a recepção ligou para o apartamento e não adiantou nada, então eu tive a ideia de
escrever numa folha de papel e ficar balançando embaixo da porta, torcendo para ele ver e deu
certo, graças a Deus! Ele abriu a porta e explicou que havia se equivocado com o horário, achou
que sua palestra seria a tarde, então estava relaxando um pouco vendo TV, antes de descer para
tomar café.” (Relato 10 – Ouvinte)

Sumário
41

Neste relato vimos que nas duas formas de chamar a atenção dos surdos, seja por cima da
porta, ao lançar um sabonete, ou por baixo da porta, com uma folha de papel, foi preciso ter
criatividade e pensar priorizando a experiência visual. Quanto as formas peculiares de chamar um
sujeito surdo, o Relato 11, a seguir, acrescenta outras diferentes maneiras observadas por um
ouvinte.

“Quando é necessário chamar alguém em um local fechado, neste caso, se for uma pessoa ouvinte,
recorre-se facilmente ao falar mais alto e até ao grito, se for distante. Mas, e com os surdos, como
chamar a sua atenção, pois sabemos que o recurso auditivo não adianta? Nesta situação cabem
duas estratégias, uma delas é o “efeito dominó”, em que pedimos a pessoa mais próxima para
chamar a outra, que informa a seguinte e assim por diante até que pessoa em foco tenha a sua
atenção voltada a mim. Outra forma é apagar e acender as luzes do local, interrompendo todas as
conversas para conseguir chamar a atenção de todos os surdos do local.” (Relato 11 – Ouvinte)

Em relação ao contexto escolar, os dois relatos a seguir fizeram menção a este espaço de
vivência

“Na creche de surdos, as crianças percebem muitos detalhes visuais, a ponto de rejeitar uma folha
de papel para desenhar porque tinha um pontinho bem pequeno, quase invisível, que identificaram
como uma sujeira, então ninguém aceitava aquela folha para desenhar.” (Relato 12 – Surdo)

“Eu estudei no INES, e lá tem um costume próprio que ainda não vi em outro lugar. Como todos
estão sempre rodeados de surdos, para falar um segredo a pessoa que vai sinalizar introduz a mão
por baixo da blusa do colega que é o receptor da mensagem, e ele olha para dentro da sua blusa
pela parte da gola da camisa do uniforme e vê as mãos do seu colega sinalizando o fato secreto.”
(Relato 13 – Surdo)

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Imagem 4: Contando um segredo “por baixo dos panos”

Fonte: Foto dos autores

Esta maneira peculiar de comunicação por baixo da camisa produzida no Instituto Nacional
de Educação de Surdos – RJ apresenta mais uma forma de contar um segredo, além das conhecidas
estratégias de colocar na frente da sinalização algo como: o cabelo grande ou, um livro, ou a
mochila ou a própria mão.

O próximo relato colhido expressa a percepção visual aguçada de um sujeito surdo em uma
situação delicada.

“Certa vez, eu cheguei muito triste em um local repleto de pessoas, porém eu estava muito
sorridente e conversando normalmente, então um surdo, que eu não tinha tanta intimidade chegou
à minha frente e me disse: - Você está tão escura hoje! Mesmo eu afirmando que estava tudo bem,
ele havia percebido.” (Relato 14 – Ouvinte)

As especificidades de uma vivência de mundo baseada em experiências visuais também são


evidenciadas em eventos religiosos, artísticos e acadêmicos, como podemos verificar nos relatos a
seguir:

Sumário
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“Ontem passei por uma situação na Igreja onde o pastor disse: “Feche os olhos e imagine...” Ao
interpretar esta frase informei que o pastor solicitou isto, por isso os surdos presentes veriam todos
os ouvintes fechando os olhos. Mas, expliquei que como haveria comandos que guiariam esta
imaginação, seria importante que os surdos continuassem de olhos abertos, porém concentrados
nas informações que seriam sinalizados por mim, para assim, também entrarem no mesmo contexto
imaginário que as demais pessoas presentes na plateia.” (Relato 15 – Ouvinte)

“É importante que a nossa acessibilidade seja respeitada completamente. Por exemplo, o espaço
onde o intérprete fica, não deve ter algo atrás que tira a nossa atenção, pois todos nós surdos
somos muito visuais. Outra coisa, o intérprete que vai sinalizar, independente do ambiente
(hospital, escola, congresso, igreja...) precisa estar com roupa lisa e sem acessórios que atrapalhe
a nossa visão da mensagem. Em ambientes como teatro ou apresentações culturais que há
iluminação profissional, não se deve apagar a luz do intérprete enquanto houver fala no evento,
infelizmente em espaços artísticos, já aconteceu muitas vezes isso. Por exemplo, um personagem de
uma peça teatral desabafa sua tristeza em um quarto totalmente escuro, então todas as luzes são
apagadas, inclusive a luz do intérprete. Nesta situação a acessibilidade comunicacional é negada,
e nós surdos perdemos esta linda e importante parte do teatro. Já vivi momentos assim, em que o
desespero é tão grande para termos acesso a esta informação que acendemos as luzes (lanternas)
dos nossos celulares e direcionamos ao intérprete para não perdermos a fala do personagem.”
(Relato 16 – Surdo)

“Em respeito à nossa recepção da mensagem por meio da visão, em congressos acadêmicos, que
têm mesa redonda com participantes surdos e ouvintes e plateia com público formado também por
surdos e ouvintes, é necessário ter dois intérpretes sinalizando ao mesmo tempo: um TILS (tradutor
e intérprete de língua de sinais) virado para os palestrantes da mesa redonda e o outro TILS virado
na direção contrária para contemplar o campo visual dos surdos na plateia. Além disso, é
necessário que haja um terceiro intérprete atuando com o microfone na interpretação da Língua de
Sinais para a Língua Portuguesa.” (Relato 17 – Surdo)

O último relato a seguir, apresentam vários exemplos interessantes que comprovam como a
expressão corporal e facial são relevantes para a compreensão de acontecimentos sonoros, pois as

Sumário
44

reações gestuais instintivas de pessoas ouvintes revelam para os Surdos a direção e a origem do fato
sonoro ocorrido.

“Através da visão percebemos as coisas que acontecem ao nosso redor, como: algo que explodiu
ou um barulho intenso, porque as pessoas levam as mãos aos ouvidos e encolhem o corpo; um
tiro, porque as pessoas se jogam no chão ou correm desesperadamente; uma batida de carro, um
acidente, ou algo que cai e quebra fazendo barulho, porque as pessoas olham todas juntas na
mesma direção com cara de assustadas; quando alguém está gritando, porque além da expressão
a veia do pescoço fica inchada e as vezes a pessoa fica vermelha. Outra coisa, sou surdo e danço.
Através da visão acompanho a intensidade e a velocidade dos movimentos. (Relato 18 – Surdo)

Por fim, vale ressaltar que os exemplos apresentados não esgotam as vivências baseadas na
visão, este é um artefato muito rico que precisa ser mais estudado e explorado. Além disso, por ser
o fundamento de toda uma cultura das “pessoas visuais”, este artefato está presente nas demais
produções dos sujeitos surdos. Pois, da experiência visual é evidenciado o uso do celular para
chamada de vídeo, que é um artefato material, por exemplo. Este cruzamento que será percebido
nas reflexões sobre os demais artefatos do Povo Surdo consiste exatamente por ser a experiência
visual a essência da Cultura Surda.

Considerações Finais

Este capítulo objetivou evidenciar para os leitores as especificidades da vivência de mundo


baseada em experiências visuais e não sonoras, pretendendo ser útil com informações e dados
relatados por pessoas que estão imersas nesta comunidade linguística denominada de comunidade
surda.

Dados esses que nos levam a outras reflexões que podem responder questões e dúvidas de
uma pessoa que está iniciando agora o contato com a comunidade surda. Como por exemplo, a
capacidade de compreender como uma pessoa surda sabe que uma ouvinte está gritando, pois ela vê
a veia do pescoço inchada e sua expressão facial.

Além disso, ao compreender a importância da visão para uma pessoa de identidade cultural
surda, o ouvinte pode ser um multiplicador desta informação e modificar sua própria postura:

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45

evitando passar na frente ou bloquear a visão de duas pessoas que estão conversando em língua de
sinais; ao dirigir, substituir a buzina por sinal de luz; respeitar a importância de utilizar roupas sem
estampa quando for sinalizar para um público de surdos; se houver algum diálogo ou texto sendo
lido, não apagar totalmente a luz em apresentação teatral, culto, missa, ou qualquer outro evento.

Portanto, ao adotar novas condutas, repensando a acessibilidade para além de mudanças


arquitetônicas, e incorporando a necessidade de refletir sobre a acessibilidade comunicacional,
entendendo que que vai muito além de apenas disponibilizar um intérprete de Libras, teremos uma
sociedade menos homogeneizadora e que respeita muito mais a peculiaridade de uma vivência de
mundo baseada em informações visuais e não sonoras.

Referências

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teorias e práticas. 1ª ed. João Pessoa: Editora da UFPB, 2013. Vol 8.

ADRIANO, Nayara de Almeida; PEIXOTO, Janaína Aguiar (Org.). Língua Portuguesa e Libras:
teorias e práticas. 1ª ed. João Pessoa: Editora da UFPB, 2013. Vol 7.

PADDEN, Carol e HUMPHRIES, Tom. Deaf in américa: voices from a culture. Cambridge:
Harvard University Press, 2000.

PEIXOTO, Janaína Aguiar. A religiosidade da comunidade surda no mundo globalizado. In


ESCARIÃO, Glória das Neves Dutra (org.) Globalização, diversidade e religiosidade. João Pessoa:
Editora Universitária da UFPB, 2011.

PEIXOTO, Janaina Aguiar. O registro da beleza nas mãos: a tradição de produções poéticas em
língua de sinais no Brasil. João Pessoa. UFPB, 2016.

PEIXOTO, Robson de Lima. Fábulas na comunidade surda: estratégias que concorrem para a
clareza e estética da produção. João Pessoa. UFPB, 2015.

QUADROS, Ronice Muller (Org). Estudos Surdos I. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2006.

QUADROS, Ronice Muller (Org). Estudos Surdos II. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2007.

QUADROS, Ronice Muller (Org). Estudos Surdos III. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2008.

SÁ, Nídia Regina Limeira de. Cultura, poder e educação de surdos. São Paulo: Paulinas,2006.

SACKS, Oliver. Vendo vozes – uma viagem ao mundo dos Surdos. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998.

Sumário
46

SALLES, Heloisa. M.M.L. Ensino de Língua portuguesa para Surdos Caminhos para a prática
pedagógica. Brasíia: MEC, SEESP, 2004. V1

SKLIAR, Carlos (org). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 2001.

STRDNOVA, Vera. Como é ser surdo. Editora Babel, 1995.

STROBEL, K. L. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Ed. UFSC, 2008.

STUMPF, Marianne (Org). Estudos da Língua Brasileira de Sinais. Florianópolis: Insular, 2014.

Sumário
47

4 - LIBRAS EM SUAS MODALIDADES:


ARTEFATO LINGUÍSTICO DA COMUNIDADE SURDA

Ezequiel Adney Lima da Paixão 14


Edneia de Oliveira Alves 15

RESUMO

Este capítulo de livro trata sobre a língua de sinais na modalidade sinalizada e escrita como artefato
cultural do surdo tomando-se como base a publicação de Strobel (2009). A teoria base sobre língua
e cultura é histórico-cultural a partir de Vigotsky, portanto, a temática foi abordada a partir de uma
perspectiva da subjetividade. A língua de sinais foi criada e mantida viva em instituições escolares e
associações de surdos. É uma língua visuogestual cujas características são fundamentadas na
visualidade porque o surdo apreende o mundo por meio da visão. A Libras (Língua Brasileira de
Sinais) sinalizada e escrita é um importante instrumento de desenvolvimento do pensamento. Nesse
capítulo, a modalidade escrita foi tomada como referência o sistema SignWriting que é a
representação escrita da língua de sinais e possui a lógica visuogestual. Defende-se aqui o

14
Ezequiel Adney Lima da Paixão: Professor de LIBRAS - UFRN, Especialista em LIBRAS, Graduado em
Licenciatura em Letras Libras (UFSC).

15
Edneia de Olveira Alves: Professora do Departamento de Línguas de Sinais - DLS/CCHLA/UFPB e no Programa de
Pós Graduação em Letras (PPGL/UFPB), Doutora em Psicologia Social (PPGPS/UFPB), Mestre em Psicologia Social
(PPGPS/UFPB), Graduada em Licenciatura em Letras com Habilitação Dupla - Português e Inglês (UFPE).

Sumário
48

SignWriting para o letramento do surdo, uma vez que, é um sistema de fácil aprendizagem pelo
surdo e que o letramento amplia o desenvolvimento do pensamento e a cosmovisão.

Palavras – chave: Cultura. Escrita de sinais. Libras.

1. INTRODUÇÃO

Este capítulo de livro se propõe a discutir o artefato cultural linguístico proposto por Strobel
(2009). A partir de sua publicação, a discussão sobre a cultura surda se ampliou e tem sido um
instrumento para o entendimento sobre o mundo surdo e um suporte importante para as aulas em
nível superior, assim como, para as pesquisas na temática referente à cultura surda.
Strobel (2009) define que a língua de sinais, os gestos caseiros e os sinais emergentes
formam um artefato cultural linguístico importante para a comunidade surda. A partir da visão
multiculturalista e do reconhecimento da Libras como língua da comunidade surda (lei 10.436/02),
compreende-se que os surdos agrupam-se por motivação da língua e não da deficiência auditiva. A
visão de que a comunidade surda é uma minoria linguística é muito importante porque interfere no
modo de lidar com a surdez, sobretudo, na educação e no modo de interagir com o surdo. Por outro
lado, demonstra um modo de constituir-se surdo. Cormier, Schembri, Vison e Orfanidou (2012)
defendem que, a partir da visão bicultural e bilíngue, há a consciência de que as crianças surdas são
capazes de aprender tanto quanto as crianças ouvintes. Dessa forma, a valorização do potencial do
surdo é elevada.
Para além dessas questões, a visão linguístico-cultural rompe com a visão estigmatizadora e
coloca o surdo como sujeito capaz de impor-se por meio da comunicação em sua língua. O
surgimento da Libras e a sua valorização na sociedade brasileira tem sido um importante fator de
inserção social do surdo. À medida que essa língua tem sido difundida, mais espaços o surdo tem
ocupado na sociedade. Nessa perspectiva, todos os fatores que envolvem a língua de sinais precisam
ser valorizados para que essa valorização recaia sobre a comunidade surda. A partir dessa
necessidade, defende-se que a escrita de sinais seja um elemento importante e aqui defendemos o
sistema SignWriting.
Portanto, neste capítulo temos uma reflexão sobre a relação língua de sinais na modalidade
sinalizada e escrita e a cultura surda. Aqui a cultura será tratada a partir da concepção de Vigotsky.

Sumário
49

Portanto, será uma discussão mais voltada para a subjetividade do sujeito e o fator cultural
permeado pela língua.

2. A LÍNGUA DE SINAIS

A Língua Brasileira de Sinais surge no Brasil por influência da França, de acordo com
Stobel (2009), o professor surdo Eduard Huet no império de D. Pedro II funda o Imperial Instituto
dos Surdos-Mudos. Almeida e Almeida (2012) afirmam que escolas e internatos influenciaram na
criação das línguas de sinais e que essas são criadas por meio do canal visuogestual. Esses espaços
são importantes porque, conforme Camatti e Larzarin (2010), é a escola que melhor se adequa às
necessidades do surdo. A língua de sinais surge pela necessidade de interação com o outro, de
expressão de pensamento do surdo e assume seu lugar e função de língua em sua vida, portanto, é
natural que a língua de sinais tenha sido criada e mantida viva nas escolas de surdos.
Existe, atualmente no Brasil, um mito de que a Libras é a segunda língua oficial do desse
país. Porém, conforme Tavares (2014), sua única língua oficial é a língua portuguesa, pois, é nessa
língua em que são registrados todos os documentos oficiais e é ela meio de instrução. Portanto, a
língua de sinais é reconhecida como a língua da comunidade surda brasileira. Embora essa
comunidade esteja presente em todo o território nacional e tenha sua língua aceita, ela é
invisibilidade enquanto política linguística de Estado, pois, a cultura e a língua do surdo não são
consideradas no currículo escolar e é tratada como ferramenta nos setores de atendimento ao
público.
Esse mito não deixa de ter um valor positivo considerando que seria muito benéfico para os
brasileiros se fosse adotada a Libras como segunda língua, o que possibilitaria efetivação da
inclusão social do surdo. É importante o reconhecimento de que em todos os espaços geográficos do
Brasil existe surdo que deve ser falante de Libras e, consequentemente, é necessário que ouvintes
falem Libras para inclui-los. Uma vez adotada a Libras como segunda língua do Brasil, esse sujeito
não sofrerá mais com a barreira de comunicação, inclusive, no seio familiar.
Vigotsky (2008) defende que a língua é importante para o desenvolvimento do pensamento
pois ele se forma a partir dela. Nessa perspectiva, a língua não tem apenas a função de possibilitar a

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50

comunicação entre as pessoas, mas, de promover desenvolvimento e a aquisição dos bens culturais.
Desse modo, a língua de sinais para o surdo é o instrumento central para todas as suas atividades
humanas, pois, conforme Lodi, Rosa e Almeida (2012), ela tem centralidade como material
semiótico responsável por permitir a constituição de seus usuários como surdos e sua participação
em todas as esferas de atividade humana. Ela é um elemento primordial para as expressões de vida,
conforme podemos observar na figura 1.

Libras
Cultura surda
Experiência visual
Povo surdo

Língua de sinais

Figura 1. Libras primordial para cultura surda a partir de Strobel (2009). (Fonte: autor)

Sendo a língua de sinais o instrumento de interação e esse um elemento importante para o


desenvolvimento humano, é necessário que sejam assegurados ao surdo os espaços de interlocução
em Libras. Para isso, é importante que instituições sociais como: família, educação e outras cujas
bases comunicacionais sejam a língua.
A família é uma instituição que tem relegado a responsabilidade de comunicação e,
consequentemente, a educação de seus filhos surdos à instituição educacional. Um dos motivos é
que ela tem preconceito com relação à língua de sinais e não se comunica com seus filhos surdos,
como afirma Strobel (2009), a família vê a língua de sinais como língua dos macacos. Observa-se
que a relação família ouvinte vs filho surdo é conturbada por ter como variável interferente a
diferença linguística. Moura (2017) encontrou em sua pesquisa que a família espera que seus filhos
surdos possam se comunicar por meio de língua oral e cria condições para isso, assim, acontece de
o surdo rejeitar a sua língua natural. Conforme Finau (2006), o surdo que chegou a oralizar
influenciado pela avó demonstrava resistência à língua de sinais antes do contato com outros
surdos. Os surdos que têm acesso à Libras em ambiente natural de interação possuem as melhores
condições de desenvolvimento, pois, Moura (2017) constatou em sua pesquisa que o surdo adquire
a Libras naturalmente quando seus pais se comunicam em língua de sinais desde cedo, é o caso de

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51

surdo filho de pais surdos. Nessa mesma linha de raciocínio, Finau (2006) afirma que uma das
causas para o uso da língua de sinais é a condição de ser a sua língua natural. Portanto, o ambiente
mais adequado para que o surdo adquira inicialmente a sua língua natural é o meio familiar.
Entretanto, em ambiente não natural também ocorre a aquisição de língua de sinais e a escola tem
sido esse ambiente.
A instituição educacional é um espaço de formação humana e sócio-cultural para os
indivíduos que dela participam quando propicia espaços de respeito e promoção de identidade e
cultura dos grupos aos quais atende. Nessa perspectiva, conforme Rebouças e Azevedo (2011), as
escolas específicas para surdos são espaços onde o surdo pode construir sua autoestima porque é um
lugar em que o surdo não é inferiorizado por meio de comparações implícitas e explícitas com os
ouvintes e por causa do ensino em sua língua natural. A escola específica possibilita o encontro
surdo-surdo, uma pedagogia voltada para a cultura visual e uma formação de identidade e cultura
surda. Entretanto, na escola inclusiva também ocorre aquisição de Libras, porém, essa língua é
posta em segundo plano e a formação de identidade e de cultura surda fica prejudicada. É preciso
estar atento às formas de inclusão da Libras na escola inclusiva e a sua representação sobre a Libras,
pois, a língua é um instrumento fundamental para a aquisição e constituição de cultura. Silva (2006)
afirma que a educação inclusiva precisa prevê em seu currículo a cultura surda. Essa é uma
prerrogativa fundamental ao aceitar a Libras como língua natural do surdo porque, segundo
Vigotsky (2008), a internalização da cultura ocorre por meio das operações com signos e nas
interações sociais.
Uma instituição que faz parte da história da criação e luta pela preservação do direito em
comunicação em língua de sinais por parte do povo surdo é associação de surdos. Camatti e
Larzarin (2010) afirmam que a comunidade surda é o espaço comum onde compartilham suas
características, buscam acolhimento e proteção e de formação de identidade, alteridade e cultura. A
comunidade surda tem sido lugar de constituição da cultura surda por ser onde há contato e troca de
vivências do surdo. Pois, conforme Damasceno (2016), a língua de sinais favorece a comunicação, a
troca de experiências, construção de narrativas, a formação da comunidade surda e a constituição da
história do povo surdo. Portanto, as associações de surdos têm um papel importante na luta e
preservação da língua de sinais e da cultura surda. É um lugar onde o surdo se encontra na sua
normalidade viabilizada pela Libras e pela interação com seus iguais. Portanto, uma comunidade
formada por pessoas falantes da língua de sinais e de uma cultura cuja existência é politicamente
preservada pelos surdos e se mantém o grupo para as lutas por seus direitos humanos e sociais.

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De acordo com Strobel (2009), o surdo possui uma cultura visual porque sua vivência é
marcada pelas experiências visuais, inclusive, sua língua. Silveira (2007), afirma que toda a
aprendizagem do surdo acontece por meio da percepção visual. Portanto, o surdo utiliza-se de
visualidade das imagens para aquisição de conhecimento de mundo. As imagens descritoras de
ações e situações narrativas são reveladoras de sentido para os surdos, pois, através delas os surdos
criam classificadores que representam toda a imagem percebida pela visão para representar nas
mãos um enunciado. Da mesma forma que acontece essa expressão na Libras sinalizada, acontece
na escrita de sinais porque é um sistema que possibilita o registro de todos os aspectos da língua de
sinais. Assim, a Libras deve ser considerada em sua modalidade sinalizada e escrita. Essas duas
modalidades são fatores preponderantes para a garantia de desenvolvimento pleno do surdo nas
perspectivas assumidas pelas sociedades atuais.

2. ALGUNS ASPECTOS HISTÓRICOS E CULTURAIS DA ESCRITA DE SINAIS


NO SISTEMA SIGNWRITING

A Libras sinalizada já encontra-se com um lugar estável na sociedade brasileira, porém, a


escrita de sinais encontra-se em um momento de difusão e busca de espaço e valorização. No Brasil,
o sistema de escrita SignWriting surgiu em 1996, porém, disputa espaço com mais dois sistemas
criados aqui mesmo. No entanto, nesse capítulo defendemos que o sistema SignWriting é o que
melhor representa simbolicamente a Libras sinalizada.
Damasceno (2016) considera o reconhecimento da língua de sinas uma vitória parcial já que
o registro das produções do surdo ainda tem se limitado ao vídeo porque essas são realizadas em
modalidade sinalizada. Em uma sociedade letrada, em que o registro escrito imputa-lhe um status
elevado, refletimos que manter uma cultura de expressão apenas oral/sinalizada traz um valor
menor para uma língua e sua comunidade.
A luta constante ainda hoje pela comunidade surda é a valorização da Libras e, como
verificou Albres (2004), é uma luta por mais e melhor reconhecimento do status linguístico de sua
língua na sociedade majoritariamente ouvinte. Para alcançar esse objetivo, as produções acerca da
Libras e as produções literárias dos surdos tem crescido. A busca pelo estabelecimento da escrita de
sinais como ferramenta de registro dessas produções e como constituição da língua de sinais
também tem sido um meio de luta pela valorização da Libras e da cultura do surdo por seus
defensores.

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Com o avanço nos estudos sobre a língua de sinais, surge a necessidade de sua escrita,
especialmente, para os estudos linguísticos dessa língua. No Brasil, foi criado um sistema de
registro escrito da Libras por parte de ouvintes para realização das primeiras pesquisas sobre sua
estrutura linguística, chamado de glosa. Esse sistema é uma adaptação da representação gráfica
utilizando-se do código alfabético para a Libras. De acordo com Almeida e Almeida (2012), esse
sistema convencionou que os itens lexicais da Libras fossem escritos com letras maiúsculas do
alfabeto; em caso de sinal cujo correspondente em língua portuguesa é uma expressão, as palavras
eram unidas por hífen; sinais compostos representados por várias palavras unidas por ^; nomes
próprios indicando a datilologia tinha as letras separadas por hifens; sinais da Libras que não
possuíssem marcas de gênero tinha seu correspondente em língua portuguesa escrito com @ em
substituição ao morfema marcador de gênero; os elementos gramaticais revelados pela expressão
facial eram indicados de acordo com sua função: interrogação - ?, negação - Ñ, exclamação - !,
afirmação - . ; a concordância de pessoa indicada, por exemplo, por “1s” (primeira pessoa do
singular) e “2d” (segunda pessoa dual) e o plural indicado pelo sinal +. Nota-se que é uma escrita
cuja grafia não representa a língua de sinais, pois, não há grafemas representativos da visualidade
da língua.
A escrita de sinais precisa representar a língua que é produzida pelo corpo e percebida
visualmente. A escrita no sistema SignWriting é uma representação gráfica que tem suas origens na
lógica da visualidade da língua de sinais, registrando seus aspectos fonológicos de forma
iconográfica. Conforme Arcoverde (2011), é um sistema que tem uma característica grafo-
esquemática para representar as unidades gestuais por meio de símbolos internacionais que pode ser
utilizado por qualquer país. Damasceno (2016) afirma que a escrita de sinais não é aleatória e
pertence à comunidade surda do mundo. Essa escrita representa, inclusive, os classificadores e as
expressões responsáveis pelo tom expressivo da língua. A forma de expressar as figuras de
linguagem em Libras é marcada pelas expressões corporais que são muito utilizadas nas produções
literárias, pois, conforme Peixoto (2016), piadas e poesias surdas contém recorrentemente o uso das
expressões faciais.
De acordo com Strobel (2009), o SignWrinting foi criado na Dinamarca com a colaboração
de surdos por Valerie Sutton, no ano 1974, que desenvolveu o sistema de notação de dança. A
escrita de sinais no sistema Signwriting teve como precursora o sistema de notação da escrita da
dança, apesar de ter havido outros sistemas de escrita de sinais, o signwriting é utilizado por
centenas de surdos ao redor do mundo e iniciou com a adesão de 14 países (History of

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54

SignWriting). Atualmente, por meio do sistema SignPuddle, há 80 países que utilizam o


SignWriting. O SignPuddle é um software que utiliza um sistema quirêmico mundial de registro das
línguas de sinais, com esses símbolos são criados sinais, dicionários e documentos e postados nesse
sistema de acesso aberto ou privado (Slevinsk; Sutton, 2007).
Damasceno (2016) afirma que no Brasil, a escrita de sinais no sistema SignWriting
encontra-se registrado no Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue de Língua Brasileira de
Sinais em SignWriting (SW), em livro didáticos/histórias infantis; em disciplinas curriculares em
escolas no Rio Grande do Sul (1996), Santa Catarina (2006) e Ceará (2009), no curso de Letras-
Libras, desde 2006 e no manual de SW elaborado por Valerie Sutton e traduzido por Marianne
Rossi Stumpf. Dentre outros, na UFPB o SW está presente em forma de três disciplinas desde 2010,
seguindo o modelo do curso da UFSC e na UFRN a escrita de sinais está presente em três
disciplinas de escrita de sinais – uma obrigatória e duas optativas no curso de Letras-Libras
presencial. De acordo com Damasceno (2016), o SW conta com 11 pesquisas concluídas.
Recentemente, na UFPB, 04 TCCs foram defendidos com a temática de ensino de SW para surdos
e, assim como tem encontrado Stumpf em suas pesquisas, esses trabalhos trazem como resultado a
facilidade de aprendizagem da escrita de sinais no sistema SW pelo surdo. O SW está em expansão
no Brasil e existe um grupo bem engajado no trabalho de diversas maneiras para a valorização do
SW para que a comunidade surda seja valorizada e a língua de sinais tenha a representação
simbólica plena.

3. LÍNGUA DE SINAIS E ASPECTOS CULTURAIS

Sigardo (2000) afirma que Vigotsky entende a cultura como produto social que envolve
produções técnicas, artísticas, científicas, tradições e instituições e práticas sociais. Considerando
que Vigotsky (2008) defende o signo como o elemento mediador que possibilita o domínio e a
direção das funções psicológicas superiores e assume lugar central desse processo e que o
instrumento fundamental no pensamento por complexo é a palavra, a Libras se torna um elemento
fundamental na vida do surdo. Portanto, a língua de sinais é um elemento fundante da cultura surda
e de todas as suas atividades humanas.
Jorge (2010) afirma que uma palavra é carregada de cultura por transmitir conteúdo cultural
e, além de mediar relações, a língua também media valores culturais que são passados de um para o

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55

outro através das interações entre membros de determinadas comunidades. Essa interação entre os
sujeitos é sempre mediada por língua, pois, língua e homem se constituem por meio das interações
sociais.
O reconhecimento da língua de sinais foi importante para a comunidade surda tendo em
vista que essa língua é um padrão de normalidade da comunidade surda como bem afirmaram
Fernandes e Moreira (2014). Essa é uma interpretação de realidade que segue uma visão diferente
da marcada pela cultura ouvinte que vê a Libras como marca de diferença. Conforme Bisol e Sperb
(2010), a partir da perspectiva socioantropológica, a surdez é vista como diferença cultural da
mesma forma que ocorre com outras minorias. Entretanto, na cultura surda, a Libras é marca
identitária que torna seus membros iguais. Dessa forma, a Libras assume um papel preponderante
para a formação da cultura e da identidade surda.
Com vistas à cultura surda, o espaço de constituição dessa cultura deve ser preservado para
garantia do seu direito a uma cultura própria. Com essa garantia, não se corre o risco de promover
no surdo a rejeição da própria cultura devido à supervalorização de outra cultura que não é a sua
(Megale, 2009). Para tanto, a interação mediada pela Libras é necessária, pois, é um modo de
expressão que significa o mundo e possibilita ao seu usuário a formação de conceitos e a
representação da realidade que vivencia.

A língua de sinais se insere na constituição do ser surdo, por isso, os espaços de constituição
e expressão de subjetividade precisam ser assegurados. Lodi, Rosa e Almeida (2012) afirmam que
nas relações estabelecidas entre pares surdos e por intermédio da Libras possibilitam às crianças a
apropriação de práticas discursivas específicas deste grupo social e, portanto, dos aspectos culturais
determinantes e determinados pela Libras, tornando-se autores de seus dizeres e narradores de si, do
outro e do mundo. Para Bisol e Sperb (2010), ver-se como surdo significa ter experiência com a
língua de sinais.
A língua de sinais é um fundamental instrumento de expressão de cultura e identidade e a
escrita de sinais é uma modalidade que pode contribuir nesse processo. Alphay (2006) afirma que
através da língua é possível a apresentação e a interpretação da história, dos temas correntes, das
atitudes, das crenças e dos valores. A escrita de sinais favorece a apropriação da língua de sinais e
esse é um fator importante, pois, Lodi, Rosa e Almeida (2012) afirmam que a apropriação da Libras
foi determinado e determinante de uma transformação na maneira de cada uma olhar-se como
surdo, assumindo a Libras como a língua que possibilita a construção de conhecimentos, leitura de
mundo, do outro e de si mesmas.

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Para Bisol e Sperb (2010), as línguas gestuais serão, para as crianças surdas, as línguas
instituídas que circulam sem artifícios e sem trabalho consciente, e que deixarão aberto o acesso à
leitura e à escrita, como passagem de um sistema simbólico com suas leis, a outro. O inverso
também é verdadeiro, a aquisição da escrita de sinais também possibilita a consciência da Libras
sinalizada.
O processo de alfabetização de qualquer criança inicia no meio familiar, o atraso linguístico
da criança surda repercute no desenvolvimento do letramento e da linguagem, uma vez que ao
mesmo tempo em que tem início a alfabetização em Libras também precisa acontecer o letramento
em língua escrita de sinais.
A aprendizagem da língua de sinais constitui-se na base para todo e qualquer aprendizado
vindouro que a criança precisará obter. A escrita de sinais favorece a um outro nível de
desenvolvimento do pensamento, portanto, é importante que o ensino de escrita para o surdo siga a
perspectiva do letramento. Conforme preconização de Sckliar (2013), essas são as formas de
experiência com a língua em várias modalidades e de forma a vivenciá-lo como se vivencia sua
cultura, identidade e seu futuro. A partir da perspectiva de que o letramento deve ser desenvolvido a
partir das várias possibilidades de domínio de uso da própria língua nas diversas práticas
comunicacionais do dia a dia, cabe ressaltar que o letramento e a alfabetização do surdo devem ser
desenvolvidos em escrita de sinais.
Feito dessa forma, o surdo terá um ganho enorme em termos de desenvolvimento do
pensamento, pois, Vigotsky (2007) afirma que a escrita simboliza realidades reais e que se torna um
simbolismo, antes perpassada pela fala/sinalização, direto no pensamento da realidade em processo
gradual de aquisição de escrita e essa deve ser uma necessidade relevante e significativa para a vida.
Vigotsky (2008) afirma que a escrita exige um alto nível de abstração. Sendo assim, a escrita
de sinais favorece ao desenvolvimento do pensamento por complexo de uma forma que a
sinalização não alcança, portanto, ela é extremamente importante para o desenvolvimento
intelectual do surdo. Vigotsky (2008) explica que a fala/sinalização é condensada e inconsciente
enquanto a escrita é consciente e necessita de um esforço maior para se fazer entender e para
expressar pensamento.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Hoje, muitos da comunidade surda e alguns pesquisadores reconhecem língua de sinais


plena por possuir todos os aspectos linguísticos e existir nas duas modalidades: sinalizada e escrita.
A representação escrita da língua de sinais se apresenta como possibilidades na educação e na sua
difusão. Por meio dela, pode-se promover o desenvolvimento do pensamento do surdo no sistema
escolar, pois, é esse sistema, depois da família, o responsável pelo desenvolvimento social e
intelectual do público que atende. Por meio do ensino da escrita de sinais, a escola pode promover o
desenvolvimento do letramento, da identidade e da cultura surda.
O surdo ao contactar texto em língua de sinais estará tendo acesso a sua cultura linguística e
desenvolvendo o pensamento metalinguístico. Sendo esses textos expressão de cultura surda, os
surdos terão acesso à sua cultura por meio da leitura. Em caso de tradução de obras literárias de
origem de língua oral, terá acesso a outras culturas por meio de textos escritos na própria língua.
Portanto, a língua de sinais na modalidade sinalizada e escrita é um artefato cultural do povo surdo.

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58

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5 - UMA DINÂMICA FAMILIAR DIFERENCIADA

Gildete da Silva Amorim Mendes Francisco16

INTRODUÇÃO

Ao longo de décadas o surdo vem tentando se firmar como cidadão, em uma sociedade que não
dá chances aos diferentes. Durante esse tempo, sofrimentos e angústias marcaram a vida desses
sujeitos, inviabilizando muitas vezes, o seu processo de "criação" de uma identidade cultural surda.
Pois corno afirma Perlin (2001), identidade cultural é um conjunto de características que definem
um grupo e que incidem na construção do sujeito, identificando ou excluindo-os.
Diante disso, as identidades vão sendo elaboradas e firmadas, sejam de forma positiva ou
negativa. A construção dessa identidade surda leva o surdo a lutar para se firmar em meio ao
ouvintismol, que ainda insiste em não vê-los como diferentes, mas deficientes. A pesquisadora
Strobel (2008), por sua vez, introduziu em sua obra o conceito de artefato cultural e um desses
artefatos, o familiar, segundo a autora, pode contribuir enormemente para o sucesso da inclusão
desse surdo na sua comunidade.
Esse capítulo tem como objetivo esclarecer esse conceito e apresentar comprovação da hipótese
formulada pela referida pesquisadora por meio de enxertos de declarações colhidas por
pesquisadores diversos de indivíduos surdos a respeito da importância do contexto familiar em que
viveram e sua influência em suas vidas.

1. A FAMÍLIA E A DESCOBERTA DA SURDEZ

O nascimento de uma criança é sempre um acontecimento feliz para as famílias. No caso do


nascimento de uma criança surda, existe duas possibilidades: ela nascer numa família surda e nesse
caso, isso será considerado um fato normal, e até mesmo celebrado e não se constituirá um
“problema social” para essa família. Porém se essa criança nascer numa família ouvinte podemos
esperar na grande maioria das vezes um forte impacto emocional, devido a esta“anomalia”.
A perda da audição é comumente considerada, em audiologia pediátrica, como resultado de um
ou mais fatores lesivos que afetam o órgão da audição (Northen & Downs, 2005), provocando a

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Professora de Libras (UFF), Doutoranda em Ciências e Biotecnologia (PPBI/UFF), Mestre em Ensino de Ciências da
Saúde e do Ambiente (UNIAM), Especialista em Docência do Ensino Superior (UCAM), Especialista em Terapia de
Família (UCAM), Graduada em Fonoaudiologia (UVA/RJ) Atua Também como Tradutora e Intérprete de LIBRAS.

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surdez. Para a Medicina, a surdez é sempre uma alteração orgânica, que compreende uma parte do
corpo que apresenta alteração ou déficit (Tavares, 2001).
Esta forma de ver a surdez é conhecida na literatura como clínico-terapêutica (Skliar, 1997).
Nela, a surdez é vista como doença/déficit/deficiência que necessita ser tratada, visando a sua
“cura”. A “cura”, nos casos de crianças que nascem surdas, está relacionada, na maioria das vezes,
ao aprendizado da linguagem oral e ao uso de aparelho de amplificação sonora individual (AASI).
Em oposição à concepção clínico-terapêutica, a concepção sócio-antropológica propõe que a
surdez seja vista não como uma deficiência a ser curada, eliminada ou normalizada, e sim como
uma diferença a ser respeitada; e o sujeito surdo como pertencente a uma comunidade minoritária
que partilha uma Língua de Sinais, valores culturais, hábitos e modos de socialização próprios
(Skliar, 1997).
Considerando a expectativa dos pais ouvintes em relação à criança idealizada, estes reagem ao
nascimento do filho surdo como uma situação de frustração; ou seja, a reação inicial depende da
situação psicológica que antecede ao nascimento da criança e, principalmente, de como era a
interação do casal e o “clima emocional” antes do evento frustrador. Pois durante a gravidez, a mãe
ouvinte fantasiava o nascimento desse filho como se ele fosse nascer o mais bonito, perfeito,
inteligente e naturalmente ouvinte. E, sem duvida, como atesta Carvalho (2000, p. 69):

Não é difícil pressupor que o fato de alguém da família ser identificado por
critérios objetivos, médicos ou educacionais, como surdo, constitui-se numa
experiência que marca tanto a criança como a família, e que pode alterar o
funcionamento intersubjetivo de todos, na medida em que tal diferença impõe, de
forma imprevista e definitiva, a perda para sempre da ilusão do filho perfeito.

O pesquisador Luterman (1979), afirmou em relação à surdez que, por não ser visível ao
nascimento, os pais começam a suspeitar de que algo está errado um pouco mais tarde. Em um
primeiro momento, apresentam uma reação inicial de descrença, sendo resistentes em pensar que
qualquer coisa possa estar errada. Pode aparecer algum mecanismo psicológico, segundo o autor,
como a negação, em que a mãe ignora a observação da criança que falha ao responder à sua voz, e
interpreta qualquer movimento da criança como resposta à sua voz ou ao som; ou como a
racionalização, na qual os pais crêem em alternativas fictícias que substituam a dor realista,
buscando explicações para fatos observados, como a criança ouve o que quer ouvir, ou justificam o
fato da criança não estar falando com a história da família de “falar tarde”.
Os pais começam inconscientemente a testar a criança, o que é, no entanto, difícil, porque
raramente a surdez é total; e, como toda pessoa surda tem uma audição residual, a criança também

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pode responder à vibração, ao estímulo visual, ou à pressão do ar criada pela batida de objetos
barulhentos, dando pseudo-respostas. Quando percebem que a criança tem algo de errado, passam a
fazer luto ou a lamentar a perda, a fantasia de um filho perfeito e procuram o especialista para
realização do diagnóstico.
Luterman (1979) descreve ainda as reações que os pais de criança surda experimentam
imediatamente após receber o diagnóstico. Em um primeiro momento a reação é de choque,
caracterizada por um divórcio de si mesmo frente à situação de crise. O segundo estágio é o de
reconhecimento, em que os pais reconhecem a calamidade da situação e começam a admitir a
situação emocional. No entanto, pode aparecer alguma reação, como os pais se sentirem oprimidos
e inadequados para a tarefa de criar um filho surdo, e/ou o sentimento de confusão total, por não
compreenderem muitos termos e procedimentos desconhecidos em um curto período de tempo, o
que pode levá- los a uma reação de pânico.
Outros sentimentos podem emergir nesse estágio, como raiva, depressão, culpa e a
superproteção. Após esse estágio de lamentação, alguns pais podem entrar em um período de reação
defensiva ou negação, no qual freqüentemente embarcam numa aventura para obter diagnósticos
otimistas e ficam procurando mais uma opinião. No quarto estágio (admissão-aceitação), os pais
admitem a surdez e suas limitações, podendo chegar ao estágio final, que é o de construção ativa ou
adaptação. Nesse estágio os pais reestruturam suas vidas e reexaminam seus sistemas de valores.

2. O ARTEFATO CULTURAL FAMILIAR

Em seu livro “A imagem do Outro na Cultura Surda”, a pesquisadora surda Karin Strobel nos
relata que muitos pais ouvintes resolveram pedir opinião aos pais surdos e e optaram depois por
inserir o filho surdo na cultura ouvinte seguindo conselhos de muitos especialistas também
ouvintes. Segundo ela, essa opção ocorreu pois o anseio de tornar seus filhos surdos “normais”
perante a sociedade falou mais alto devido ao fato das famílias ouvintes na comunidade surda
sentire-se ‘estrangeiras”, porque é um mundo diferente e o contato com ele os assustar. E citou o
depoimento de uma surda para comprovar isso :

Faço parte da comunidade das surdos sinalizados e sempre fui sincera com as mães,
sempre digo que sou surda profunda e amo o Lingua de Sinais, sou feliz como Deus me
fez e nua pretendo mudar isso. Mas suo elas que têm que decidir o Muro dos seus filhos
surdos e não eu. Elas sabem que sou contra elas afastarem o filho da comunidade surda,

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privando o direito de eles se comunicarem em Libras. Fico muito triste com isso mas
continuo sendo amiga dessas mães. sempre reto por eles para que mudem de idéia e que
essas crianças, no futuro, possam participar da comunidade surda” (IRENE M. STOCK,
apud STROBEL, 2008,p.32).

A autora, em sua obra, se refere também à importância de se introduzir a criança surda o mais cedo
possível na chamada “cultura surda” para seu pleno desenvolvimento. E também nos remete ao
conceito de artefatos culturais, destacando a importância de um deles, o artefato cultural familiar
que seria o grande diferencial para o sucesso da educação da criança surda.

Para compreendermos melhor a ênfase de Strobel nesse artefato, temos em primeiro lugar que
apreender o conceito de cultura surda. E o que vem a ser, em sua acepção essa cultura? Para ela,
“Cultura Surda” é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim de se torná-lo
acessível e habitável ajustando-os com as suas percepções visuais, que contribuem para a definição
das identidades surdas e das “almas” das comunidades surdas. (STROBEL, 2008, p.30). Isto
significa que abrange a língua, as idéias, as crenças, os costumes e os hábitos de povo surdo. Assim
a descreve a referida pesquisadora:

[...] As identidades surdas são construídas dentro das representações possíveis da


cultura surda, elas moldam-se de acordo com maior ou menor receptividade
cultural assumida pelo sujeito. E dentro dessa receptividade cultural, também surge
aquela luta política ou consciência oposicional pela qual o individuo representa a si
mesmo, se defende da homogeneização, dos aspectos que o tornam corpo menos
habitável, da sensação de invalidez, de inclusão entre os deficientes, de menos
valia social”. (PERLIN, 2004, p. 77-78).

Ao se falar de artefatos culturais, logo de início não se sabe bem do que se trata, por esta razão
decidimos nesse capítulo colocar uma citação para melhor compreendermos o que vai ser discorrido
daqui em diante.

Entende-se por artefato cultural não somente as formas atuais de culturas materiais, como
também, o que podemos ver e sentir ao entrarmos em contato com a cultura de uma comunidade.
Como por exemplo, materiais produzidos pelo grupo, maneiras de vestir- se, de comunicar- se, bem
como os valores e normas estabelecidos entre seus membros.

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É o que afirma em sua dissertação em antropologia social a pesquisadora Oliveira (2012).


Segundo a autora os artefatos culturais não são somente o que é produzido materialmente por um
povo, como também tudo mais o que se vê e se sente naquela comunidade.

Para compreender ainda melhor esse conceito em relação à cultura surda, citaremos aqui a
pesquisadora Perlin (2004) , que declara que as atitudes fazem com que os surdos se identifiquem
ao mundo visual próprio deles:

É o caso de ser surdo homem, de ser surdo mulher, deixando evidências de


identidade, o predomínio da ordem, como por exemplo, o jeito de usar sinais, o
jeito de ensinar e de transmitir cultura, a nostalgia por algo que é dos surdos, o
carinho para com os achados surdos do passado, o jeito de discutir a política, a
pedagogia etc. (PERLIN, 2004, p. 77).

Dentro da história cultural dos surdos há vários artefatos culturais como a experiência visual,
a linguística, a literatura surda, a vida social e esportiva, as artes, políticas e outros. Para Strobel,

[...] o conceito ‘artefatos’ não se refere apenas a materialismos culturais,


mas àquilo que na cultura constitui produções do sujeito que tem seu
próprio modo de ser, ver, entender e transformar o mundo” (STROBEL,
2008, p. 35).

Assim sendo, para o sujeito surdo ter acesso a informações e conhecimentos e estabelecer sua
identidade é essencial criar uma ligação com o povo surdo o qual usa a sua língua em comum: a
língua de sinais. Ela é uma das principais marcas da identidade de um povo surdo por ser uma das
peculiaridades da cultura surda. É uma forma de comunicação que capta as experiências visuais dos
sujeitos surdos, sendo que é esta língua que vai levar o surdo a transmitir e proporcionar-lhe a
aquisição de conhecimento universal (STROBEL, 2008, p. 42-43).

Para Perlin (2004) e Strobel (2008) a cultura surda, assim como ocorre com as diferentes
culturas, é o padrão de comportamento compartilhado por sujeitos surdos na experiência trocada
com os seus semelhantes quer seja na escola, nas associações de surdos ou encontros informais. Isto
origina a identificação de pertencer a um povo distinto, caracterizado por compartilhar língua de
sinais, valores culturais, hábitos e modos de socialização, e que, conforme reflete Hall (2004), é a
representação que atua simbolicamente para classificar o mundo e nossas relações no seu interior.
Novamente descreve a pesquisadora surda:

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[…] As identidades surdas são construídas dentro das representações possíveis da


cultura surda, elas moldam-se de acordo com a maior ou menor receptividade
cultural assumida pelo sujeito. E dentro dessa receptividade cultural, também surge
aquela luta política ou consciência oposicional pela qual o indivíduo representa a si
mesmo, se defende da homogeneização, dos aspectos que o tornam corpo menos
habitável, da sensação de invalidez, de inclusão entre os deficientes, de menos-
valia social. (PERLIN,2004, p. 77-78)

3. NARRATIVAS SURDAS

Sobre a questão das identidades, a pesquisadora Vieira-Machado (2007) destacou em seu estudo
a importância do processo educacional no qual essas pessoas foram submetidas. As narrativas
surdas, além de fazerem parte daquilo que Hall se referiu, é um dos fios que compõem a rede tecida
das relações nas comunidades surdas. Ou seja, fios invisíveis que unem os surdos, constituindo-os
como povo com seus contos, suas histórias e suas questões. As narrativas são experiências que
passam de pessoa a pessoa e logo esse intercâmbio de experiências cria laços simbólicos, quando há
grupos de surdos reunidos, conversando e narrando (Vieira-Machado 2007).

Além de desconstruir com o estigma clínico que categoriza o surdo como sujeito que
necessitam de cura, as narrativas denunciam os episódios que compunham a trajetória escolar
daqueles sujeitos revelam dispositivos de colonização e disciplinamento dos corpos. Trechos de
narrativas protagonizadas pelos surdos, descrevem as minúcias das ações sofridas nos ambientes
escolares. A autora conta que dentre os surdos pesquisados houve um que marcou devido às
estratégias de resistência utilizadas para subverter os procedimentos de governamento no espaço
escolar.

Eu estudava numa escola com ouvintes. Brincava muito sozinho com as crianças, o
que me deixava um pouco triste e isolado. A solidão me angustiava profundamente,
afinal, as crianças ouvintes brincavam entre si e só se comunicavam apontando
para mim. Eu deixava para lá. Brincava com meus brinquedos. Na época, eu estava
na primeira série. Mas o que é primeira série? Como assim primeira série? Isso é só
um exemplo. Eu não sabia do que se tratava. Perdido! Totalmente perdido! (Vieira-
Machado, 2007 p. 77).

Há, no entanto, casos bem sucedidos de surdos que mesmo estudando em escolas de
ouvintes, obtiveram êxito em sua educação. Mas isso foi feito à custa de muito sacrifícios e

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sofrimentos. È o caso da Profª Vera Dias, que num artigo para a Revista Anais do Congresso do
Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) de 2006 assim descreveu seu processo de
inclusão numa escola regular:

A maior luta da minha família foi tentar me colocar na escola depois perdi a
audição. Educação Inclusiva nos anos 1960 no Brasil era um con desconhecido, e
crianças deficientes deveriam estudar em escolas esp segregadas das demais. Meus
pais tiveram, assim, que percorrer muitas colas até encontrarem uma na qual me
aceitassem. A diretora da escola meus irmãos mais velhos, por exemplo, não queria
me incorporar ao conj dos alunos. Alegava para minha mãe que eu não conseguiria
acomp classe e que meu lugar seria mesmo numa escola de deficientes audi como o
INES. Essa alegação se repetia em quase todas as escolas. Por esse motivo, fiquei
dois anos sem educação escolarizada. Minha educação, dos 4 aos 6 anos de idade,
foi dada em casa e pelas profes do INES, que ficaram sensibilizadas com as
dificuldades enfrentadas meus pais em seu intuito de me matricular na escola.
Nessas circunstâncias, minha mãe falou com D. Madalena, diret Instituto Menino
Jesus, que resolveu me dar uma oportunidade. O meu meiro dia de aula foi
dramático. A professora Yara, que não entendia e nem estava preparada para os
problemas de uma criança surda, colocou-me na terceira fila e, na hora da
chamada, como não conseguia ver bem os lábios da professora, ela foi até minha
carteira e me perguntou se eu estava ouvindo. Com o tempo, e apesar de todas as
dificuldades, acabei por me adaptar. Sentia-me, no entanto, muito só. Raras
crianças tentavam fazer amizade comigo, pois me consideravam esquisita e me
isolavam de suas brincadeiras ao recreio. Eu nunca era convidada para participar
dos jogos e das festinhas, e me refugiava nos livros. Sempre levava um livro de
contos que minha mãe me dava todos os dias para ler na escola. Enquanto as outras
crianças pulavam e brincavam, eu ficava na sala de aula na hora no recreio,
comendo minha merenda e lendo. Para compensar, eu tirava as notas mais altas da
turma. Tam-bém pudera: tinha um reforço danado em casa (pai, mãe, irmãos
estudando junto comigo) e mais as professoras, minhas amigas e orientadoras
queridas do INES. A única coisa que a professora não me passava era ditado, mas
em Português e Matemática eu era excelente aluna. Às vezes, sentia um certo
sentimento de rejeição por parte de certas professoras do Instituto Menino Jesus,
que muitas vezes evitavam ao máximo se comunicar comigo, passavam a aula
inteira disfarçando e dando atenção aos outros colegas. Elas nunca me advertiam e,
pior ainda, muitas vezes ignoravam meus chamados durante as aulas. Diziam para
mim: "depois te explico", esquecendo-se, porém, de me esclarecer as dúvidas.
(DIAS,2006,p.211)

E noutra entrevista concedida à revista Fórum, publicação semestral do INES, em 2005, ela
assim descreve sua luta para conseguir dominar a língua portuguesa :

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Aprender Português para mim foi uma luta titânica, vencida com muito esforço ,
dedicação e apoio da minha família. Eu costumo dizer brincando que na minha
infância tive treinamento de “ginasta oro-facial olímpica”. Enquanto meus irmãos
iam para aula de judô eu treinava horas e horas diante do espelho, com
fonoaudiólogas (tive duas : uma de manhã no INES e a outra ia em casa à tarde,
quando eu voltava da escola ,para ficar mais duas horas comigo). Era um total
dequatro horas por dia, todos os dias, até no sábado e no domingo , quando
minhamãe assumia essa tarefa e substituía a fonoaudióloga , que até treinava e
explicava tudo para meus pais poderem repetir nos finais de semana. Minha mãe e
a fono até faziam um diário dos meus progressos e eu era estimulada de todas as
formas possíveis a continuar querendo melhorar e progredir. A cada progresso,
cada frase dita corretamente e sem erros eu ganhava um brinquedo, um doce ou um
passeio. E minha mãe sempre cumpria a promessa que me fazia caso eu
conseguisse atingir a meta estabelecida pela fonoaudióloga. (DIAS, 2005, p.34).

Essa mesma vivência tentando se adatptar ao mundo dos ouvintes, é evidenciada na fala da
adolescente Tereza, objeto de estudo das pesquisa de Raad & Tunes (2011). Assim ela nos conta
sua passagem pou uma escola de ouvintes :

Frequentei a escola oralista desde muito cedo. Lembro que quando eu estava
aprendendo a falar, estava aprendendo analizar ao mesmo tempo. Eu adorava tomar
sorvete e andar de bicicleta. Só que meu pai só me dava sorvete e me deixava
pedalar na rua, se eu falasse. Era começar a sinalizar, e pronto! Eu perdia tudo:
bicicleta, sorvete, brincadeiras. Absurdo! Os meus pais sofreram muito e me
faziam sofrer também por que eles estavam certos que eu ia falar normal, como
ouvinte. Toda vez que saíamos do centro oralista, era aquela perturbação em cima
de mim! Toda vez que se falava com médicos, fonoaudiólogos, especialistas, era o
dia do medo, da angústia. Eu seria ouvinte. Era isso que eles esperavam. Só que
não é assim. Por mais que se treine com fonoaudióloga, a fala do surdo nunca será
igual ao do ouvinte. Nem mesmo com resquício auditivo. Surdo é surdo. Ouvinte é
ouvinte. Demorei para compreender e aceitar que não seria assim. Sofri. Doeu
demais.

Pelas narrativas de Dias e Tereza, podemos inferir que os padrões normativos regidos pela
medicina circunscrevem o sujeito em um sistema de práticas de manipulação ideológica onde as
pessoas acreditam não ser capazes de pensar sobre si e sobre sua vida com autonomia: Tudo é feito
com vistas ao controle social exclusivo da satisfação das necessidades prementes, exercendo-se em
um domínio sobre as pessoas por meio do consumo da produção industrial médica. A medicina

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torna-se, então, um grande organismo vivo que, com uma forma empresarial de se autogerir,
infiltra-se nos espaços sociais, prometendo a cura de todos os males e detendo um poder
inigualável. O médico assume um perfil de gestor, organizador das necessidades e dos auxílios a
serem prestados, julgando o que seja prioritário. (Raad & Tunes, 2011, p. 18).

Raad e Tunes (2011) alertam ainda que este processo vai paulatinamente concretizando o
adoecimento do sujeito. O repertório médico formata-se nas relações afetivas e sociais de quem
sofre de tal forma, que é impossível narrar-se fora dele, “transformando os sintomas em signos”
(RAAD & TUNES, 2011, p. 18).

Os estudos de Raad e Tunes (2011) comprovaram que este processo de obrigar o surdo a
tentar se enquadrar na língua do sujeito ouvinte paulatinamente vai concretizando o adoecimento do
sujeito. O repertório médico formata-se nas relações afetivas e sociais de quem sofre de tal forma,
que é impossível narrar-se fora dele, “transformando os sintomas em signos” (Raad & Tunes, 2011,
p. 18).

As consequências nefastas dessa tentativa de enquadramento e adatação ao mundo do ouvinte


acaba por fazer com que estas pessoas sejam consideradas inaptas, anormais e responsabilizadas por
sua diferença. O sujeito é significado pela falta, baseado no discurso clínico da deficiência.

Essa lógica medicalizada gera um ciclo sem fim entre a doença/deficiência e a convicção da
cura. A norma é ter saúde e o que foge dessa regra precisa ser consertado, curado, apagado.
Movidas pelas normas sociais idealizadas, as pessoas são incitadas a ter comportamentos, ideais,
sonhos em que não se reconhecem, e entram em conflito psíquico e social:

Os termos científicos exercem, muitas vezes um poder hipnótico sobre as pessoas.


Ainda que não respondam ou esclareçam dúvidas e interrogações da família, não
são questionados. Os diagnósticos de cunho classificatório não explicam o que
acomete a criança avaliada. Servem-se da visão quantitativa de desenvolvimento,
valorizando resultados obtidos por meio de testes. A prática de diagnosticar e de
categorizar pessoas é sustentada pela obediência à ideologia e às regras que as
pessoas docilmente aceitam, assumindo uma condição servil. (RAAD & TUNES,
2011, p. 27).

Segundo Strobel (2008) , é a língua de sinais, no caso a Libras, uma das principais marcas da
identidade de um povo surdo por ser uma das peculiaridades da cultura surda. É uma forma de
comunicação que capta as experiências visuais dos sujeitos surdos, sendo que é esta língua vai levar

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o surdo a transmitir e proporcionar-lhe a aquisição de conhecimento universal (STROBEL, 2008, p.


42-43).

A língua de sinais vem assumindo um lugar cada vez mais relevante, não só nas pesquisas, mas
também nas comunidades surdas. Embora se encontrem registros de que já no século XVIII se
reconhecia a importância da Língua de Sinais, foi somente no século XX, nos anos 1960, que
tiveram início os primeiros estudos linguísticos sobre ela. Mesmo que, por muitos anos, os surdos
tenham sido proibidos de usar a língua de sinais, ela sobreviveu graças à resistência contra a prática
ouvintista; muitas crianças em escolas para surdos, quando sua língua era proibida, a praticavam às
escondidas entre si, assim como relata esta autora surda sobre o período durante a sua infância na
escola de surdos:

Quando um dos professores se virava para escrever no quadro-negro, tínhamos


hábito de trocar informações na língua de sinais, persuadidos de que ele não nos
escutava, já que não nos via. Ora, no começo, ele se voltava todas as vezes, era
estranho, não compreendíamos imediatamente por quê. Com o passar do tempo,
dei-me conta de que, ao falar com as mãos, sem saber, emitíamos ruídos com a
boca. Cuidamos então de não mais emitir nenhum som e, desde aquele dia,
trocamos nossas lições o mais tranqüilamente possível (LABORITT, 1994, p. 84).

Quando iniciei este capítulo foi como um filme passado com exibição extraordinária em minha
mente, mexer com o passado em minha família, remeter a situações de dor, sofrimento, frustações e
alegria.

Sua gravidez tão esperada por minha mãe do segundo filho(a) e a sonhada chegada de uma
menina trouxe alegrias por outro lado não esperava algumas surpresas pela frente, há relatos de que
sua gravidez foi normal com algumas dificuldades sim, mas superáveis.
No dia 19 de dezembro de 1972 nasce uma linda menina no Estado do Espiríto Santo, o nome
escolhido por seus pais o nome de “Gilvana “ em homenagem a uma famosa atriz da novela daquela
época, saudável e desejada teve sua fase com alguns percalços dentre elas o choro incontrolável por
uma suposta cólica que não cessava, segundo seu pediatra normal para a fase. Minha mãe não
desconfiava de nada uma vez que seu sono era tranquilo diante dos barulhos domésticos, fogos e até
mesmo situações inusitadas sua fase pré-linguistica iniciara, mas como sempre o segundo filho “
demora um pouco para falar,” então tudo comum até que ... não tão comum assim o chamar pelo

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seu nome, o som da TV ligada, a desobediência inconstante as falas de meus pais, deixaram um
pouco duvidosos do tipo: “ essa menina parece que não nos escuta! “
O tempo passou e após 1 ano o meu pai foi transferido para o Rio de Janeiro devido ao trabalho
dele não conhecia muito o local e nem tão pouco as pessoas. Mas continuavam incomodados pela
não resposta dos chamados e as brincadeiras com a Gilvana, pois não balbuciava e apenas apontava
e gritava aos objetos.
A preocupação de meus pais fizeram com que a busca por um otorrinolaringologista
diagnosticasse a resposta que não queriam ouvir . Segundo minha mãe ela foi a lua e retornou a
terra sem chão: “Sua filha é surda.” Mediante aos encaminhamentos de testes, a precisão do
resultado foi feito por um fonouadiólogo. O diagnóstico da surdez Disacusia Neurossensorial
Bilateral profunda de ambos ouvidos, ocasionada por uma Otite em ambos ouvidos, supostamente
por medicamentos. A frieza do médico e o encamihamento ao fonoudiólogo fez com que meus pais
procurassem outras tentativas e recursos para a cura da surdez. Não sei o quanto esse diagnóstico
“abala” um casal , mas o fato não era apenas essa situação, pois meu pais desconheciam os recursos
no Rio de Janeiro , recém chegados do Espírito Santo pouco sabiam sobre surdos até porque a
surdez é invisivel.
Alguma orientação? Não, infelizmente os médicos não são preparados para uma orientação aos
pais a respeito da surdez. A única indicação foi que procurassem a Dra Fonoaudióloga Maria Isabel
Correa super requisitada , após uma conversa com ela a segunda pessoa que acolheram meus pais
foi a pedagoga Esmeralda Steling que orientou meus pais, reafirmando toda a fala da
fonoaudióloga: sua filha não irá ouvir , mas irá falar, o método melhor é a oralização e a prótese
auditiva, confiante de que tudo era possível e sempre em busca pelo melhor colocaram em uma
escola de ensino regular, mas a todo momento em busca de uma cura ou um milagre para o
desempenho da fala, a cada palavra pronunciada era um avanço no seu dia a dia.
Os anos se passaram e após 4 anos eis que minha mãe recebe uma nova notícia de que estava
esperando sua terceira filha, não era bem os planos de meus pais pois toda dedicação e empenho era
em prol da Gilvana, mas eu creio que Deus em sua infinita bondade preparava um novo caminho
um novo plano para a miha vida e a vida da minhã irmã que só descobriu ser Surda comigo, pois a
indicação naquela epóca de que não permitisse de nenhuma forma contato com gestos e ou língua
de sinais que não era uma língua estabelecida, porém no nosso dia a dia a comunicação já
estabelecia, “ gestos caseiros”, como podemos chamar.

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Foi um processo da descoberta de uma alternativa comunicativa entre nossas escolhas, não aceita
pelos meus pais passamos momentos de muita punição, punição esta até de amarrar nossas mãos.
Como meus pais viram que não tinha mais jeito resolveram procurar um curso para aprender algo
que já era intuitivo entre nossas brincadeiras e conversas. O meu irmão mais velho, o papel dele, era
de cuidar de nós ou seja o responsável em contribuir com as atividades possíveis, o desejo dele era
uma irmã saudável para brincar e conversar, como isso não conteceu o único meio era “tomar
conta” do nosso dia a dia no momento.
Aceitar a Gilvana todos aceitavam, mas a surdez que ela trazia consigo era algo de
inconformação por parte da minha mãe, sempre tentei fazer o melhor por ela, e o meu melhor era
inclusive intermediar algumas situações no processo educacional, mesmo sendo a mais caçula. Eu
acredito que a alternativa da língua de sinais para a vida da Gilvana trouxe um conforto linguístico,
mesmo que tarde aos 14 anos ela descobriu um novo mundo uma nova etapa a etapa de entender
que existia pessoas como ela pois o seu universo sem som muitas das vezes não conseguia separar o
mundo dos ouvintes com o mundo dos surdos. A língua de sinais propiciou o que a oralização não
deu conta, não por um fracasso dos meus pais, mas pela condição linguística que nem todos os
surdos conseguem obter um padrão de fala como dos ouvintes.
Esse conforto línguístico fez ela tornar-se mais independente educacionalmente e até mesmo
socialmente, pois a “super proteção” criada pelos meus pais muitas vezes não a permitia de voar,
vencer, e aos poucos o meu convencimento fez com que a visão deles pudessem ser ampliada para
algo novo.
Aos 10 anos permti a minha irmã de 14 anos aprender que nem todos se comunicavam apenas
com a “boca “ e sim com as mãos também. Ao término do antigo segundo grau, como contadora aos
19 anos e já inserida na Comunidade Surda, fez a conhecer seu esposo ouvinte, casar-se , trabalhar
em uma Creche de crianças surdas e tão somente identificar-se com a carreria de pedagogia e inserir
na Faculdade Bilingue do INES, atualmente atua como Professora de Libras e seu casal de filhos
ambos ouvintes estabelcem tanto a oralização quanto a Libras, as duas modalidades são importantes
pois propiciam ao surdo uma forma de não ser excluído da sociedade e tão pouco do universo
linguístico. A mesma problemática sofrida por Gilvana fica evidente em outras narrativas como a de
Liana :

Eu sou a única surda da família. Eu sei que nasci muito pequena, com sete meses,
prematura. Eu era muito doentinha. Quando criança, fiquei internada muito tempo
depois de uma febre muito forte. Minha mãe achava que era pneumonia, mas

Sumário
73

minha madrinha disse que podia ser problema de garganta, eu tinha cinco anos.
Minha família morava em uma fazenda, no sertão, a gente não tinha muitos
recursos. Faltavam muitas coisas, menos feijão, porque sempre tinha na roça. Os
meus pais sentiram que havia alguma coisa errada comigo quando voltamos do
hospital. Eu via, eu percebia. Eu dormia no chão do quarto dos meus pais e eles
começaram a brigar depois que voltamos [do hospital]. Eles brigavam e minha mãe
chorava, mas meu pai sempre foi ignorante, bruto. Eu percebi que o olhar da minha
mãe mudou. No dia em que voltamos do hospital, o olhar dela mudou. Lembro
bem disso porque... vou explicar. Era o meu aniversário de cinco anos e naquela
semana tinha passado um mascate pela fazenda. Ele vendia roupas e muitas coisas.
Mas eu ficava de olho no saco de balinhas, na verdade, no saco de jujubas. A
minha mãe tirou dinheiro do avental e comprou um saquinho pra mim. No dia do
meu aniversário, ela fez um bolo, foi o meu primeiro bolo. O bolo tinha uma
cobertura branca e ela foi colocando as jujubas em volta do bolo, como um círculo.
Eu estava na cozinha olhando, eu me sentava na escadinha. Ela ia colocando as
jujubas e chorando. Eu não entendia. Mas a minha mãe estava triste. Eu cheguei
perto dela, quis fazer carinho, consolar. Ela me empurrou. Chorei. Ela chorou
também e me mandou ir para o quarto. Me trancou. Eu fiquei muito tempo lá.
Hoje, eu sei que ela chorou porque voltamos do hospital e, talvez, ela descobriu
que tinha uma filha surda, que eu era surda. Minha família ficou muito triste. O
meu pai tentava falar comigo e eu não entendia nada, eu apanhava muito. Eu me
sentia culpada, mas hoje já não penso assim. Depois, quando fui crescendo, me
perguntava por que aquilo tinha acontecido comigo. Mas já estou mais tranquila,
não tem problema. Foi muito triste para minha família. Sofri demais.

Assim, como em um teatro, entre mãe e médico, Liana conclui: “[...] Hoje, eu sei que ela
chorou porque voltamos do hospital e, talvez, ela descobriu que tinha uma filha surda, que eu era
surda [...]”. E retoma: “[...] Eu me sentia culpada, mas hoje já não penso assim. Foi muito triste para
minha família. Sofri demais”. É nesse drama que as pessoas vão se descobrindo surdas, se narrando
conforme são narradas.

O diagnóstico médico representa um elemento importante quando se discute a constituição


subjetiva do surdo, pois, conforme elucidado neste capítulo, esta foi uma das unidades mediacionais
em que os sujeitos construíram suas narrativas acerca de si próprios: sua identidade, sua história
familiar, sua trajetória. A história destas famílias e as dinâmicas parentais (papéis sociais de pai e
mãe) são radicalmente transformadas após a experiência com o diagnóstico, produzindo novos
sentidos de existência. Desse modo, quando analisamos questões próprias de grupos minoritários, se
faz urgente investigar a partir das trajetórias de desenvolvimento, essencial para a complexa análise
da constituição da personalidade.

Sumário
74

Podemos aferir pelos fragmentos das falas dos sujeitos surdos expostas nesse capítulo que na maioria
das vezes os surdos vivenciam em suas famílias desprezo, negação, raiva, tristeza, desapontamento e luto Na
implantação social dessa questão, concluímos que os profissionais de saúde precisam conhecer o
desenvolvimento cultural e linguístico dos surdos e a equipe de apoio hospitalar (médicos, enfermeiros,
fonoaudiólogos, assistente social, etc.) deve considerar o impacto do diagnóstico nas relações parentais e
como isso pode afetar o desenvolvimento do surdo. Esses aspectos apontam caminhos para pesquisas futuras
na interface entre psicologia, saúde, educação e linguística, contribuindo com reflexões de políticas
públicasem saúde e educação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse capítulo procuramos analisar, a partir da definição de Strobel (2008,p. 38), a cultura
surda e sua composição por meio de artefatos culturais próprios. Estes artefatos são bem distintos e
talvez possam explicar, pelo menos em parte, o poder desta cultura a qual constitui o sujeito surdo
em seus discursos e práticas de resistência, pois tem sido uma cultura que vem se perpetuando ao
longo dos séculos mesmo tendo sido sempre minoritária e tendo sofrido toda sorte de influência da
cultura hegemônica da audição. Os chamados artefatos culturais, segundo Strobel (2008: p. 38),
são: a) Experiência visual; b) Linguístico; c) Familiar; d) Literatura surda; e) Vida social e
esportiva; Artes visuais; g) Política; h) Materiais.

Por meio da análise do conceito de artefato cultural familiar e sua importância vimos que uma
série de mecanismos e técnicas foram colocados em funcionamento para homogeneizar a população
e torná-la previsível. Um destes mecanismos em que foi possível pensar a normalidade e, como
efeito, suas técnicas de reabilitação e correção, foi a família. Nesta mesma linha conceitual, Strobel
(2008: p. 49) afirma que o anseio de tomar seus filhos surdos "normais" perante a sociedade fala
mais alto e as famílias ouvintes no meio das comunidades surdas sentem-se "estrangeiras", porque é
um mundo diferente que não compreendem e com o qual se assustam. Visto que uma grande
parcela dos surdos têm pais ouvintes, isso explica o contexto familiar em que vive a maioria dos
surdos, sendo influenciados e aculturados pelos pais e a sua necessidade de ter seu filho identificado
consigo próprio e com seus valores culturais e, por isso, tratando-os como portadores de um
problema a ser resolvido ou, na pior das hipóteses, minorado. Por outro lado, verifica-se que os
surdos que nascem em famílias surdas experimentam uma real assimilação de suas características

Sumário
75

pessoais como sujeito surdo, vivendo em um contexto familiar de completa identificação às


especificidades da experiência visual de vida.

A cultura surda vem se fortalecendo a cada dia em nosso país e talvez a maior prova disto seja
que ela no ano de 2002 foi oficialmente reconhecida e aceita como segunda língua oficial brasileira,
através da Lei 10.436, de 24 de abril de 2002. Mesmo com um andamento lento o progresso para a
cultura Surda está acontecendo. O século XXI começou e fez a Libras realmente avançar. Em 2005,
através do decreto 5.626 a língua brasileira de sinais foi regulamentada como disciplina curricular.
Já em 2007, a estrutura de língua foi aplicada a Libras, já que ela é uma língua natural e possui
complexidades próprias e comunicação eficaz. Em 2010 foi regulamentada a profissão de Tradutor/
Interprete de Libras através da Lei 12.319 de 1° de Setembro de 2010, simbolizando mais uma
grande conquista.
Com a legalização da LIBRAS, a cultura surda assume a sua maior forma de resistência ao
ouvintismo, assumindo a importância da língua de sinais para o povo surdo como um dos seus mais
importantes artefatos culturais. Dessa forma, é dever do Poder Público garantir acesso e educação
para surdos nas escolas regulares de ensino, garantindo seu aprendizado e progressão educacional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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de Educação Regular. Revista Anais do Congresso do INES. Tema: Família, linguagem, educação-
INES-27 a 29 de setembro de 2006.

DIAS, Vera Lúcia Lopes. Entrevista para a Revista Fórum,periódico semestral do INES, JAN-
JUN,nº 31,2005.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

LABORITT, Emmanuelle, O vôo da Gaivota. São Paulo: Best Seller, 1994.

LUTERMAN, David. Counseliog parents of hearing-impaired children. USA, Little e Brown, 1979.

NORTHERN JL, DOWNS MP. Avaliação auditiva comportamental. In: Northern JL, Downs MP.
Audição na infância. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

Sumário
76

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(Org), A Invenção da surdez: cultura, alteridade, identidade e diferença no campo da
educação, Santa Cruz do Sul, Ed. EDUNISC, 2004.

RAAD, Ingrid Lilian Fuhr., & TUNES, Elizabeth. (2011). Deficiência como iatrogênese. In A. M.
Martinez, & M. C. V. R. Tacca. (Orgs.), Possibilidades de Aprendizagem: ações pedagógicas para
alunos com dificuldades e deficiência (pp. 15-45). Campinas: Alínea.

STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis. Editora UFSC. 2008.

TAVARES, Mércia. (2001). Os efeitos do diagnóstico nos pais da criança surda: uma análise
discursiva. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2001.

VIGOTSKY, Lev. S Semenovitch. (2000). Manuscrito de 1929. Educação & Sociedade.Campinas,


21(71), 21-44. Extraído de http://www.scielo.br/pdf/es/v21n71/a02v2171.pdf. Acesso em
10/05/2017.

VIEIRA-MACHADO. Lucyenne M. C. Traduções e marcas culturais dos surdos capixabas: os


discursos desconstruídos quando a resistência conta a história. Dissertação de Mestrado. PPGE-
UFES. Vitória. 2007.

Sumário
77

6 - A HETEROGENEIDADE NAS PRODUÇÕES LITERÁRIAS DA


COMUNIDADE SURDA BRASILEIRA
Janaína Aguiar Peixoto17

Fabrício Possebon18

INTRODUÇÃO

Toda comunidade linguística, produz discursos carregados de valores culturais


compartilhados entre seus pares. Nesse sentido, os discursos se moldam em textos e os textos vão se
categorizando em gêneros textuais e literários. No caso das comunidades surdas19, suas produções
literárias romperam com o seguinte questionamento: como uma língua visuo gestual, denominada
até pouco tempo, como ágrafa poderia produzir textos e possuir uma literatura?

Esse questionamento fundamenta-se na etimologia do termo literatura, pois sua origem em


latim vem de littera, que significa letra, destacando assim, a ideia de texto escrito. Porém, a
literatura, não se limita a textos literários organizados como livro. Embora, a maioria das literaturas
seja escrita, há sociedades em que a tradição escrita coexiste com a tradição oral, na qual a
transmissão de valores culturais é feita em prosa e versos por meio da oralidade, sem registro
escrito. Essa transmissão do conhecimento pessoalmente através da contação de histórias e
declamação de poemas também existe no contexto do povo surdo e denomina-se de tradição
sinalizada, onde o conhecimento é transmitido de geração para geração através da língua de sinais.

No contexto atual, várias obras de autores surdos já possuem seus merecidos registros,
garantindo assim o armazenamento destas produções literárias para futuras gerações devido aos
avanços tecnológicos. Infelizmente, nossos antepassados não tiveram este privilégio que temos hoje

17
Professora do Departamento de Línguas de Sinais – DLS/CCHLA/UFPB, Doutora em Letras (PPGL/UFPB) e no
Programa de Pós Graduação em Letras (PPGL/UFPB), Mestre em Ciências das Religiões (PPGCR/UFPB),
Fonoaudióloga (FRASCE-RJ), Tradutora e Intérprete de Libras (UFF).
18
Professor coordenador da Pós-Graduação em Ciências das Religiões CE/UFPB. Doutor em Letras (UFPB).
Mestre em Letras (USP). Graduado em Letras: grego e português (USP). Um dos professores fundadores do curso Letras
Libras da UFPB Virtual.
19
Uma comunidade surda é formada por sujeitos surdos que residem em determinado local, sob o mesmo governo
político e vivenciam uma mesma realidade e utilizam a mesma língua, como por exemplo, a comunidade surda
pessoense, carioca e a comunidade surda brasileira. Essas diversas comunidades formam o povo surdo, constituído por
sujeitos com identidade surda, residentes em diversos países, unidos por uma história, por uma vivência visual de
mundo, com interesses semelhantes e que se comunicam pelo canal visuo-espacial.

Sumário
78

de ver e rever quantas vezes for necessária uma obra em Língua de Sinais, seja ela na modalidade
escrita20 ou na modalidade sinalizada.

Este artefato cultural, denominado de literatura, retrata e recria a realidade de um povo,


através de textos literários que se originam das relações humanas. Logo, por intermédio das
produções literárias dos sujeitos surdos é possível então, conhecer mais sobre o povo surdo e seus
valores culturais. Quanto a isto Cândido esclarece:

Toda obra é pessoal, única e insubstituível, na medida em que brota de uma confidência,
um esforço de pensamento, um assomo de intuição, tornando-se uma “expressão”. A
literatura, porém, é coletiva, na medida em que requer certa comunhão de meios
expressivos (a palavra, a imagem), e mobiliza afinidades profundas que congregam os
homens de um lugar e de um momento, - para chegar a uma “comunicação”. Assim, não há
literatura enquanto não houver essa congregação espiritual e formal, manifestando-se por
meio de homens pertencentes a um grupo (embora ideal) segundo um estilo embora
(embora nem sempre tenham consciência dele); enquanto não houver um sistema de valores
que enforme a sua produção e dê sentido à sua atividade; enquanto não houver outros
homens (um público) aptos a criar ressonância a uma e outra; enquanto, finalmente, não se
estabelecer a continuidade (uma transmissão e uma herança), que signifique a integridade
do espírito criador na dimensão do tempo (CÂNDIDO, 1976, p. 139-140).

Esta elucidação pode ser aplicada ao presente estudo levando basicamente em consideração
os seguintes pontos: o povo em questão é o povo surdo e a língua na qual são criadas às obras é a
língua de sinais. Já às afinidades profundas desta comunidade linguística têm sua origem na surdez
e na vivência de mundo baseada em experiências visuais. Os “homens pertencentes a um grupo”,
nesse caso, são os sujeitos surdos; de determinado local, neste caso, o Brasil, ou mais
especificamente, à comunidade surda brasileira; e de determinada época, neste caso, o período
compreendido de 1999, quando ocorreu o primeiro registro da literatura surda brasileira, até os
tempos atuais.

A rica variedade desta tradição literária, embora recente, consiste exatamente no objeto de
estudo deste capítulo, no qual será apresentado: inicialmente, uma contextualização para a
compreensão do percurso trilhado até a realidade literária atual; e posteriormente a tipologia, com a
categorização das obras, partindo de uma nova proposta terminológica que agrupe os diferentes
tipos de produções literárias que emergem da comunidade linguística denominada de comunidade
surda brasileira.

20
Escrita da Língua de Sinais, conhecida também como Sign Writing.

Sumário
79

1. O PERCURSO HISTÓRICO PARA A CONCRETIZAÇÃO DO REGISTRO DAS


PRODUÇÕES LITERÁRIAS DA COMUNIDADE SURDA BRASILEIRA

A autora Sutton-Spence (2008; p:340) ressalta o fato de a aceitação dos poemas produzidos
por surdos acontecer apenas nos anos 70, não somente nos Estados Unidos, como também na
Inglaterra, que foram os países considerados pioneiros na produção e no estudo sobre a Literatura
Surda:

Por muito tempo, a população surda foi levada a acreditar que o inglês era a língua a ser
usada para situações formais e que a “sinalização surda” tinha um status baixo e deveria
ser usada, apenas em conversas sociais. Pessoas surdas e ouvintes achavam que a poesia
deveria ser escrita apenas em inglês, devido o status dessa língua. Referindo-se a Língua
de Sinais Americana, Alec Ormsby afirmou que, antes dos anos 70, “não existe registro
poético na ASL, porque o registro poético era socialmente inconcebível e, enquanto
permanece socialmente inconcebível, seria linguisticamente inviável. O mesmo é válido
para BSL. Entretanto, nos anos 70, surgiram algumas mudanças relacionadas à
consideração da poesia em línguas de sinais não apenas como concebível, mas também
como uma realidade.

Nesta época de marginalização da Língua de Sinais, em que os surdos eram proibidos de


expor suas ideias e emoções através da sinalização, alguns destes, conseguiram escrever livros para
expor à sociedade ouvinte um pouco sobre a sua identidade cultural dos através de biografias, textos
acadêmicos, narrativas e poemas. Mas isto é algo complexo, pois neste caso a pessoa surda precisa
ter fluência na língua escrita do país dele (sua segunda língua) ou depender do serviço de um
tradutor.

Como exemplo de livros escritos na modalidade escrita de uma língua oral pode citar Helen
Keller (Surda-cega), que publicou vários livros: Optimismo - um ensaio, A Canção do Muro de
Pedra, O Mundo em que Vivo, Lutando Contra as Trevas, A Minha Vida de Mulher, Paz no
Crepúsculo, Dedicação de Uma Vida, A Porta Aberta, A História da minha vida, Minha Religião,
dentre outras publicações. Em 1961 o surdo brasileiro (Rio de Janeiro) Sérgio L. Guimarães
escreveu o livro de crônicas Até onde vai o Surdo. Neste livro ele escreveu suas experiências
pessoais, uma autobiografia.

Sumário
80

Alguns livros foram muito importantes para uma nova época. Época em que os surdos
começaram a ser vistos com identidade cultural diferente. Estes livros começaram a apresentar a
Cultura Surda com fundamentos teóricos sólidos.

O primeiro livro a falar do tema Cultura Surda tem o título de: Deaf in America: voices from
a Culture (1998). Este livro foi escrito por dois linguistas surdos americanos: Carol Padden e Tom
Humphries. Depois eles escreveram outro livro: Inside deaf Culture(2005). Outro livro importante,
sobre a cultura surda é Understanding deaf culture in search of deafhood(2003)de Paddy Ladd.

Seguindo esta mesma linha de conscientização da sociedade majoritária ao apresentar as


especificidades do povo surdo e sua cultura, a autora surda brasileira Karin Strobel escreveu em
2008 As imagens do outro sobre a cultura surda. É interessante observar, que a própria capa do
livro com a imagem do olho, difere do símbolo internacional da surdez, de uma orelha cortada ao
meio. Isto já evidencia a reivindicação de ser aceito como uma comunidade visual (diferente) e não
uma comunidade de ouvidos defeituosos (deficiente).

Outros surdos brasileiros também escreveram alguns livros recentemente. Olindina Coelho
Possídio, surda pernambucana, escreveu em 2005 o livro No meu silêncio: ouvi e vivi. Shirley
Vilhalva escreveu os livros Recortes de uma vida: Descobrindo o Amanhã, em 2001, Despertar do
Silencio em 2004 e Índios Surdos: mapeamento das línguas de sinais do Mato Grosso do Sul, em
2012. Esta apropriação da Língua Portuguesa pelos autores surdos em suas publicações é de
extrema relevância, pois chamou a atenção das pessoas ouvintes que não conheciam a cultura surda
e contribuiu no desenvolvimento de estudos nas universidades. Além disso, estas têm favorecido e
incentivado a representação da cultura surda no espaço literário.

Da mesma maneira, a apropriação da língua da comunidade linguística majoritária como


estratégia de visibilidade e aceitação é abordada ao discutir a situação da literatura indígena, pois
“Vale considerar que o tipo de resistência que se identifica no discurso de sujeitos não hegemônicos
é uma marca das estratégias de sobrevivência e resistência no que se refere à invisibilidade cultural
idealmente imposta (Schneider, 2013, p: 46)”.

Desta forma estes livros em sua maioria biográficos e de temas sobre a cultura surda abriram
as portas para que as obras da literatura surda fossem posteriormente produzidas, divulgadas e
registradas mediante a especificidade de uma literatura que nasce de uma tradição sinalizada. De
acordo com Karnoop (2006, p: 103):

Sumário
81

Além da escrita, outras formas de documentação, como filmagens são fundamentais para o
registro de formas linguísticas que vão se perdendo ou se transformando. Para uma
comunidade de surdos manter o leque de possibilidades artísticas e expressões da língua de
sinais, os registros visuais são indispensáveis na criação de bibliotecas visuais e podem
contribuir para uma escrita posterior, com traduções apropriadas.

Em relação a esta tradição de produções literárias em uma língua de modalidade visuo


gestual, a autora do livro Deaf American Literature- From Carnival to the Canon, refere-se a esta
tradição “visual” como “face-to-face communication”, comunicação faca a face. Além disso,
explica a diferença entre uma sociedade formada por pessoas ouvintes, orientada pela audição, que
possui a tradição de produzir uma literatura escrita e uma comunidade minoritária, formada por
pessoas Surdas, orientada pela visão, que possui a tradição de produzir uma literatura sinalizada,
tradição esta, que equivale à transmissão cultural pela oralidade (PETERS, 2000, p. 4).

Com o passar dos anos, ocorre uma textualização, devido à necessidade de preservação das
obras por meio de um registro. Sendo que, no caso dos textos recitados por ouvintes na tradição oral
ocorre a transição para produções escritas, resultando em publicações impressas de livros. Já no
caso dos textos sinalizados transmitidos por surdos de geração-para geração por intermédio da
tradição sinalizada, ocorre a transição para as produções fílmicas, resultando em publicações de
livros digitais. Em relação a esta textualização emergente do discurso vernacular surdo (PETERS
2000, p. 179,18021) afirma:

O Videotape está tornando possível a "textualização" de obras em ASL realizadas por um


sinalizador de carne e sangue. Assim como uma história contada oralmente torna-se texto
quando é colocado no papel, tomando um novo formato com algumas das características da
modalidade escrita, portanto, uma história ASL torna-se "texto" em vídeo, adquirindo
características "textuais" e perde algumas de suas características orais ou vernáculas.

Desta forma, percebemos que quando ocorre à transição para a textualização, um novo
formato de texto surge perdendo e aderindo algumas características, tanto para a comunidade
ouvinte como para a comunidade surda. Isto acontece, pois os textos orais/visuais
declamados/sinalizados em eventos ou de pais para filhos tinham uma característica de

21
O texto foi traduzido pela própria autora do capítulo. Texto original: “Videotape is making possible the
“textualization” of ASL works performed by a flesh-and-blood signer. Just as an oral spoken story becomes text when it
is put on paper, taking on some of characteristics of the medium of written page an ASL story becomes “text” on
videotape, acquiring characteristics of (written) “textual” works and losing some of its oral or vernacular
characteristics.”

Sumário
82

espontaneidade e com o retorno imediato do público que interagia com a obra e muitas vezes
diretamente com o autor.

Com o registro do texto seja em papel ou em vídeo, o autor da obra no processo de


elaboração, se permite apagar, repetir, refazer e alterar quantas vezes julgar necessário. Isto leva a
um aperfeiçoamento da produção que requer agora uma sofisticação maior e, individual, pois não há
um público que responda a criação no momento em que ela está surgindo ou sendo recontada.

Neste novo formato de textualização em vídeo, segundo Possebon e Peixoto (2013, p: 271-
272) não basta uma pessoa surda criar um texto literário em língua de sinais de alto valor estético,
porque além dos elementos linguísticos da obra é necessário que o poeta faça uma performance
fílmica da poesia para registrá-la. Este contará com ricos recursos de edição, cenário, iluminação,
efeitos de câmera, dentre outros, que favorecem o destaque da característica imagética de uma
poesia, atendendo assim, as especificidades de um registro visual da literatura em libras que requer
toda uma produção cinematográfica para a publicação do livro digital.

Ainda nesta abordagem sobre o percurso histórico, vale salientar a constatação que a
expansão literária da comunidade surda brasileira está diretamente ligada ao reconhecimento da
língua por meio de um aparato legal (Lei 10.436\02 regulamentada pelo Decreto 5.626\05) que
garante a comunicação dos surdos na sua língua natural bem como o direito de acessibilidade em
diferentes espaços da sociedade.

Esta conquista legal permitiu que muitos surdos que desempenhavam a função de instrutores
de LIBRAS como prestadores de serviços, possuindo uma formação básica, tivessem acesso a
formação superior com o curso de Licenciatura em Letras com habilitação em LIBRAS que iniciou
em duas instituições pioneiras: na UFSC, em 2006 e na UFPB, em 2010.

A literatura da comunidade surda é um conteúdo obrigatório neste curso, porém assume


nomes diferentes para a mesma disciplina: Literatura Surda (na UFSC) ou Literatura Visual (na
UFPB). O estudo da literatura surda ou literatura visual por parte dos licenciandos surdos e ouvintes
despertou um maior interesse na temática e no exercício de produções literárias destes acadêmicos
integrantes de uma comunidade minoritária, usuários de uma língua recentemente reconhecida,
portanto, carente de uma maior difusão para o alcance da valorização por meio de obras literárias.

Sumário
83

Sendo assim, atualmente há registros de várias obras literárias de diversos gêneros


produzidas por autores surdos. Ao abordar sobre a Literatura Surda, Strobel (2008, p.46) afirma:

A literatura surda refere-se a várias experiências pessoais do povo surdo que, muitas vezes,
expõem as dificuldades e ou vitórias das opressões ouvintes, de como se saem em diversas
situações inesperadas, testemunhando as ações de grandes líderes e militantes surdos e
sobre a valorização de suas identidades surdas.

Então, embora existam essas duas nomenclaturas utilizadas no curso Letras Libras, a seguir
apresentaremos a proposta de uma terceira nomenclatura um pouco mais específica, para que aliada
às anteriores categorize as produções literárias existentes na comunidade surda brasileira.

2. A LITERATURA DA COMUNIDADE SURDA BRASILEIRA: CATEGORIZAÇÃO


DAS PUBLICAÇÕES

Com base no percurso histórico das produções literárias da comunidade surda brasileira,
passaremos a sua categorização. Quanto aos três tipos de produções literárias que formam a
literatura do povo surdo, Peixoto e Porto (2011;168,169) pontuam:

Na atualidade podemos considerar três tipos de produções literárias visuais. A primeira


está relacionada à tradução para a língua de sinais dos textos literários escritos; a segunda
é fruto de adaptações dos textos clássicos a realidade dos Surdos e por fim, o tipo que
realmente representa o resgate da literatura Surda que é a produção de textos em prosa ou
verso feitos por surdos.

Neste estudo então, o termo mais amplo é a literatura visual22, abrangendo todas as
produções da comunidade linguística que se comunica através da língua visuo-espacial. A literatura
visual consiste no todo, composto pela Literatura em LIBRAS e a Literatura Surda.

22
Este termo é utilizado para a Literatura visual produzida na comunidade surda especificamente, não consiste na
literatura brasileira contemporânea que possui por exemplo a poesia visual.

Sumário
84

Obras criadas por


Surdos em Libras ou em
Língua Portuguesa
LITERATURA SURDA
Obras adaptadas por
Surdos em Libras ou em
Língua Portuguesa

LITERATURA VISUAL Obras traduzidas para a


Língua de Sinais na
modalidade escrita por
Surdos ou Ouvintes

Obras traduzidas para a


Língua de Sinais na
LITERATURA EM LIBRAS
modalidade sinalizada
por Surdos ou Ouvintes

Outras obras
produzidas por ouvintes
integrantes da
comunidade surda

2.1- Literatura em Libras:


Consiste em uma literatura criada por ouvintes traduzida para a LIBRAS, que diferente das
obras adaptadas não sofrem alterações nos enredos, pois são fiéis ao texto original da obra. Estas
são obras para Surdos e não de Surdos. Nesta categoria de produções há traduções feitas por Surdos
e por Ouvintes. Nada impede um ouvinte compor um conto adaptado ou criar uma poesia, porém
esta ainda será uma obra em LIBRAS, produzida por ouvintes e não uma autêntica Literatura Surda.
Os surdos vivem uma realidade diária de mensagens traduzidas e neste contexto bicultural,
as obras literárias escritas por autores ouvintes traduzidas para a Língua de Sinais têm um papel
fundamental para a garantia de acessibilidade das pessoas surdas nessa vivência com as duas
culturas. Para tanto, há duas possibilidades de tradução de obras literárias para a LIBRAS: tradução
escrita através do uso da ELS (Escrita da Língua de Sinais) ou Sign Writing, como é denominada
mundialmente e tradução sinalizada através da Língua de Sinais registrada em vídeo.

A descoberta da ELS é algo recente e ainda está sendo fomentada aqui no Brasil, portanto há
poucos registros nesta modalidade da língua. Neste estudo, foram encontradas apenas três obras da
literatura em libras na modalidade escrita (obras traduzidas para a escrita de sinais): O Menino, Noé
o Pastor e o Lobo e Davi. Todas de autoria de Sérgio Ribeiro.

Em relação à categoria literatura em libras na modalidade sinalizada (traduções para a Libras


registradas em vídeos) é possível encontrar várias obras, principalmente clássicos infantis, tais

Sumário
85

como: Cinderela, A Bela adormecida, João e Maria, Os três porquinhos, Patinho Feio, Os três
Ursos, O Curupira, A lenda da Iara, A lenda da Mandioca, A Galinha Ruiva, A galinha dos ovos de
ouro, O Cão e o Lobo, O Leão e o Ratinho, O Corvo e a Raposa, A Cigarra e as Formigas, O
Pastor e as ovelhas, O gato de Botas, A roupa nova do Rei, Rapunzel, Os trinta e cinco camelos,
Aprende a escrever na areia, O cântaro Milagroso, Dona Cabra e os Sete cabritinhos, As Fadas, O
Príncipe Sapo, Alice no País das Maravilhas, A Lebre e a Tartaruga, O Sapo e o Boi, O Lobo e a
Cegonha, A reunião geral dos Ratos, O Leão Apaixonado, A queixa do Pavão, A Raposa e as Uvas,
As Gêmeas e o Galo, O Cão e o Pelicano, Os Pelicanos amigos, O Cão e o seu osso, O Sol e o
Vento e Pinóquio.

2.2- Literatura Surda:


Consiste nas produções literárias adaptadas e criadas, que abrange: as adaptações, seja
produzida em Língua Portuguesa e em Língua de Sinais na modalidade escrita ou sinalizada, e
principalmente, as criações, que abrange as obras de autores surdos que são produzidas em Língua
Portuguesa e em Língua de Sinais nas modalidades escrita ou sinalizada.
A adaptação de textos clássicos para a realidade da comunidade surda, parte do objetivo de
gerar contextualização e identificação cultural dos surdos com a obra, através do acréscimo de
elementos culturais do povo surdo que fazem uma recriação e releitura de obras clássicas criadas
por ouvintes. Diferente das traduções que devem fidelidade e imparcialidade aos textos originais, as
adaptações podem acrescentar, retirar e substituir elementos das obras literárias como: personagens,
época, lugar, dentre outros.

No clássico exemplo de obra adaptada, Cinderela Surda, constatamos a presença de


elementos da história e da cultura surda. Além dos protagonistas da história serem surdos, o
personagem acrescentado é nada mais nada menos que o ilustre educador o francês L´Eppé, nome
importante na história da educação de surdos. Outro elemento com importante significado no
contexto cultural dos surdos é o fato de que esta Cinderela não perde o sapatinho, mas a luva, que
acentua a valorização das mãos para a expressão e comunicação desta comunidade linguística.
Além desta, foram encontradas mais cinco obras adaptadas pertencentes à Literatura Surda:
Rapunzel Surda (assim como Cinderela Surda, é um livro bilíngue, em escrita de sinais e língua
portuguesa) Patinho Surdo, Adão e Eva23 (livros publicados em língua portuguesa) e Escorpião e a

23
Estas adaptações são contadas entre os surdos em Língua de Sinais há muitos anos, não se sabe ao certo quem foi o
primeiro a contar as narrativas, porém, para serem compartilhadas e difundidas também na comunidade ouvinte, elas

Sumário
86

Tartaruga24 (adaptação publicada na modalidade sinalizada no youtube.com) e A Fábula da Arca


de Noé25 (bilíngue, com DVD contendo a história sinalizada em Libras e o livro com a versão em
Língua Portuguesa).

Após elencadas as produções pertencentes a categoria denominada de literatura surda do tipo


adaptação, passaremos para o tipo criação, da mesma categoria. Diferente das obras recriadas do
tipo adaptação, que são releituras de obras pré-existentes, estas obras que exemplificaremos a seguir
não trata de textos produzidos em uma língua oral, criados por autores ouvintes e só depois
adaptados, mas refere-se às obras geradas em língua de sinais, ou seja, inspiradas e produzidas por
sujeitos surdos na sua língua natural e em sua grande maioria registrada nesta mesma modalidade
sinalizada. Por ter um número significativo de obras criadas por surdos, difundidas em mídia
digital, citaremos apenas alguns exemplos desta ampla lista.

Do gênero narrativo, os irmãos Sueli Ramalho e Rimar Ramalho Segala, idealizadores da


Cia. Arte e Silêncio, são autores de diversas narrativas da saga “A Fazenda” disponíveis no
youtube.com, tais como: Pato, Vaca, Galinha, Peixe e Gavião. Além destas, é possível citar
também as narrativas intituladas de Arrogância e Bolinha de Ping-pong. É notório a característica
metafórica das obras destes autores. Ainda do Gênero narrativo, é possível citar O Passarinho
diferente (fábula criada pelo autor Surdo Bem Bahan em língua de Sinais Americana - ASL,
traduzida (com algumas adaptações para o contexto cultural do Brasil) para a LIBRAS por Nelson
Pimenta (surdo) em 1999, na obra pioneira da literatura surda no Brasil, publicada em fita de vídeo
cassete com outras obras criadas pelo brasileiro).

Quanto ao gênero poético, em Peixoto (2016), foram catalogadas setenta (70) obras com
registro em vídeos disponíveis em sites de domínio público como youtube.com e vídeos
comercializados pela empresa LSB vídeo, foram encontradas poesias com temáticas que envolvem
o Mundo Surdo (26 obras), Religiosa (13 obras), Datas comemorativas (12 obras), Amor (7 obras),
Terra Natal (4 obras), Natureza (3 obras), Outras (5 obras).

Para exemplificar estes dados encontrados, elencaremos as obras com a temática que possui
a maioria das produções poéticas, Mundo Surdo: Mãos do Mar (de Alan Henry), Mundo Surdo e

foram publicadas na modalidade escrita, como esclarece Karnoop (2006), a ouvinte que participou destas publicações
com os surdos Fabiano Rosa e Carolina Hessel Silveira.
24
Do autor surdo Rimar Ramalho Segala. Consiste na adaptação da Fábula de Esopo “O Escorpião e o Sapo”.
25
Do autor surdo Cláudio Henrique Nunes Mourão.

Sumário
87

Mão Liberdade (de Áulio Nóbrega), Número Sangrento (de Cláudio Mourão), Mundo Surdo (de
Daniela Caldas), Agradecer INES (de Fábio de Sá e Silva), Surdos e ASSUMU (de Gilson Guerini),
Dia 24 de Abril (Lei LIBRAS), 26 de julho (dia do intérprete de LIBRAS), Feliz dia do Surdo,
História em Libras, Luta, Quem é o Surdo? (de Maurício Barreto), Língua Sinalizada e Língua
Falada, Luz sem fim, Natureza (de Nelson Pimenta), Poesia Surda (de Priscila Leonnor), Dia do
Intérprete PR (de Rosani Suzin), Instrumento Libras (de Vanessa Lesser), Esperança de escolas
bilíngues para surdos, Mãos Iguais e A valorização da cultura surda, Ser Surdo (Wilson Santos),
Festival do Folclore sinalizado (de Fernanda Machado) e Lamento Oculto de um Surdo (de
Shirlhey Vilhalva).

Além das poesias criadas em língua de sinais. Foi encontrado o livro de poesia Meus
Sentimentos em Folhas (2005) escrito pela autora surda Ronise Oliveira e a existência de várias
poesias da autora Shirley Vilhalva, principalmente em seu segundo livro o Despertar do Silencio
(2004). Embora não tenha sido encontrado ainda poesias produzidas em escrita da língua de sinais, é
um fato inevitável de acontecer, pois é o percurso natural.

Enfim, “A poesia em língua de sinais, como a poesia em qualquer língua, usa uma forma
elevada da língua (“sinal arte”) para produzir efeito estético. [...] Utilizar línguas de sinais em um
gênero poético é um ato de empoderamento em si.” (SUTTON-SPENCE, 2008, p. 339)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com o estudo apresentado, a comunidade linguística que possui a língua visuo-
espacial brasileira (a LIBRAS) como sua língua de comunicação, produz uma literatura visual que
se divide em literatura em Libras (obras traduzidas por sujeitos surdos e ouvintes, dentre outras
produções desta comunidade linguística) e literatura surda (obras adaptadas e criadas por sujeitos
surdos), assim especificamos a literatura visual como: literatura para surdos e a literatura de surdos.

Constatou-se que embora o artefato cultural literário que emerge da tradição sinalizada do
povo surdo seja uma produção recente, já existe uma considerável quantidade de obras publicadas,
seja em língua de sinais na modalidade sinalizada (publicação em vídeo, com o maior número de
representatividade), ou em língua de sinais na sua modalidade escrita, e ainda, obras escritas em
língua portuguesa (publicações impressas como livro).

Sumário
88

Logo, se de fato entendemos que uma tradição literária não surge de uma hora para outra,
mas se constitui de uma sabedoria popular e posteriormente é registrada, então podemos afirmar
que as narrativas, poesias e fábulas, dentre outros gêneros de textos sinalizados, há muito tempo são
transmitidos de geração para a geração no contato surdo-surdo. Tendo sua origem em eventos desta
comunidade, tais como encontros: em associações de surdos, religiosos, de datas festivas e outros,
que garantiram a perpetuação desta transmissão de valores, crenças e saberes baseados na vivência
visual de mundo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. São Paulo: Nacional. 1976.

KARNOPP, Lodenir Becker. Literatura Surda. ETD - Educação Temática Digital 7, 2006, 2, pp.
98-109. Disponível em: http://nbn-resolving.de/urn:nbn:de:0168-ssoar-101624 acessado em
12/12/13.

OLIVEIRA, Ronise. Meus sentimentos em Folhas. Rio de Janeiro:Ed. Kroart, 2005.

PEIXOTO, Janaina Aguiar. O registro da beleza nas mãos: a tradição de produções poéticas em
língua de sinais no Brasil. João Pessoa. UFPB, 2016.

RODRIGUES, Hermano de França. Literatura e Cultura Popular. in FARIA, Evangelina Maria de


Brito; ASSIS, Maria Cristina. (Org.) Língua Portuguesa e Libras: teorias e práticas Vol. 6. 1. ed.
João Pessoa: Editora da UFPB, 2012.

ROSA, Fabiano; KARNOPP, Lodenir. Adão e Eva. – Canoas: Ed. ULBRA, 2005.

ROSA, Fabiano; KARNOPP, Lodenir. Patinho Surdo. – Canoas: Ed. ULBRA, 2005.

SILVEIRA, Carolina Hessel; ROSA, Fabiano; KARNOPP, Lodenir. Cinderela Surda. – Canoas:
Ed. ULBRA, 2003.

SILVEIRA, Carolina Hessel; ROSA, Fabiano; KARNOPP, Lodenir. Rapunzel Surda. –Canoas:
Ed. ULBRA, 2003.

STROBEL, K. L. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Ed. UFSC, 2008.

SUTTON-SPENCE, Rachel. Imagens da Identidade e Cultura Surdas na Poesia em Língua de


Sinais. In Quadros, Ronice Muller. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais.
Petrópolis. Arara Azul. 2008.

VILHALVA, Shirley. Despertar do Silêncio. Mato Grosso do Sul: Arara Azul. 2004.

Sumário
89

7 - A PRODUÇÃO DE FÁBULAS EM LIBRAS


Robson de Lima Peixoto26
Fabrício Possebon27
INTRODUÇÃO

A origem do gênero narrativo denominado de fábula, segundo Sousa (2003) não se pode
determinar com exatidão, assim como o Mito, constituem variantes de contos primitivos. Segundo a
literatura, a fábula grega mais antiga foi denominada “O rouxinol e o falcão”, aproximadamente no
século VII a.C. Surgindo Esopo, dois séculos depois, consagrando este gênero, no qual Sousa o
chama de “pai da fábula”. Além da “moral” presente nas fábulas, outra característica marcante é ter
como protagonistas animais, e atrelados a eles, as emoções humanas.

Entretanto, ao que parece, cabe ás fábulas esópicas o mérito da primazia em atribuir


alegoricamente virtudes e defeitos humanos a determinados animais, como, por exemplo:
ao leão, a majestade; à raposa, a velhacaria; ao lobo, a brutalidade; ao camelo, a
complacência; à formiga, a previdência. (SOUSA, 2003. p.32)

O atributo essencial em uma fábula é a lição de moral refletida no desenvolver da história,


como descrito por Sousa, 2003. p. 31:

Partindo da observação da realidade cotidiana, a Fábula pretende geralmente transmitir


algum ensinamento útil, através de alegorias, apólogos, símbolos, prosopopeias, e até
mesmo certos mitos, sempre que é desaconselhável, ou impossível, colocar em cena as
verdadeiras personagens dos episódios representados nas narrativas fabulísticas.

Reconhecendo então a importância que a fábula tem para a literatura, surgiu a necessidade
de pesquisar como este gênero se apresenta na cultura surda. Tanto em traduções quanto em
adaptações e criações de sujeitos surdos. Dessa forma, o estudo do fabulário surdo (obras criadas,
adaptadas e traduzidas), neste capítulo, visa também uma valorização deste gênero na comunidade

26
Professor do DCFS/CCA/UFPB, Coordenador do CIA (Comitê de Inclusão e Acessibilidade da UFPB). Mestre em
Letras pelo PPGL/UFPB, Especialista em Libras pela SOCIESC, Licenciado em Letras Libras pela UFSC.
27
Professor coordenador da Pós-Graduação em Ciências das Religiões CE/UFPB. Doutor em Letras (UFPB).
Mestre em Letras (USP). Graduado em Letras: grego e português (USP). Um dos professores fundadores do curso Letras
Libras da UFPB Virtual.

Sumário
90

surda, e das especificidades que esta comunidade linguística minoritária apresenta em suas
produções, assim como, uma propagação da literatura surda.

1. LISTA DE FÁBULAS TRADUZIDAS, ADAPTADAS E CRIADAS POR SURDOS:

Inicialmente apresentaremos um resgate histórico das fábulas produzidas por surdos, através
de uma busca de vídeos comercializados ou de domínio público. Através desta identificação das
fábulas em Língua de Sinais existentes no Brasil foi elaborada a seguinte listagem das obras,
autores e títulos encontrados.

a) Livro Digital em Fita cassete, atualmente em DVD Literatura em LSB – LIBRAS –


(Pimenta, 1999):

1. Fábula criada e traduzida: O Passarinho diferente

Neste livro digital há várias obras da Literatura Surda. Dentre elas, encontramos esta
fábula de autoria de Ben Bahan (autor surdo) em Língua de Sinais Americana (ASL), traduzida para
Língua de Sinais Brasileira por Nelson Pimenta (surdo).
Figura 1: Obra pioneira da Literatura Surda registrada em mídia digital no Brasil

Fonte: lsbvideo.com

b) Fábulas traduzidas: Livro digital em DVD - Seis fábulas de Esopo em LSB Vol.1(Pimenta,
2002):

Sumário
91

1. A lebre e a tartaruga28;
2. O sapo e o boi;
3. O lobo e cegonha;
4. A reunião geral dos ratos;
5. O leão apaixonado;
6. A queixa do pavão.

Figura 2: Livro digital com 6 fábulas de Esopo traduzidas por Nelson Pimenta

Fonte: PIMENTA, 2002

c) Fábulas traduzidas: Livro digital em DVD, Contando Histórias em LIBRAS e Clássicos da


Literatura mundial-Fábulas (INES, 2004), integrante de uma coletânea produzida pelo
INES-Instituto Nacional de educação e Integração de surdos:

1. O Leão e o Ratinho
2. O Corvo e a Raposa
3. A Cigarra e as Formigas
4. O Pastor e as Ovelhas

28
Foram encontradas 28 traduções para Libras desta obra disponíveis no youtube (domínio público).

Sumário
92

Figura 3: DVD com Fábulas em LIBRAS (INES, 2004)

Fonte: INES, 2004

d) Fábulas traduzidas: Livro digital em DVD - Seis fábulas de Esopo em LSB Vol.2 (Pimenta,
2009):

1. A raposa e as uvas
2. As gêmeas e o galo
3. O cão e o pelicano
4. Os pelicanos amigos
5. O cão e seu osso
6. O sol e o vento.

Figura 4: DVD com 6 fábulas de Esopo traduzidas por Nelson Pimenta (Volume 2)

Fonte: lsbvideo.com

e) Fábula adaptada: Registro da obra em vídeo disponível no youtube, postado em 2010


(www.youtube.com/watch?v=qHZDpPps9Zg)

Sumário
93

1. Fábula "Escorpião e a tartaruga", uma adaptação da Fábula de Esopo “O Escorpião e


o Sapo” em Libras por Rimar Ramalho.

Figura 5: Fábula com versão de Rimar Ramalho

Fonte: youtube.com

f) Fábula traduzida: Registro da obra em vídeo disponível no youtube, postado em 2011


(https://www.youtube.com/watch?v=4ABlBDfTNpU)

1. Os três Touros e o Leão de Esopo, traduzida por Nelson Pimenta.

Figura 6: Fábula traduzida por Nelson Pimenta

Fonte: youtube.com

g) Fábula adaptada: Obra bilíngue com 1 Livro digital (DVD) +1 Livro Impresso, (adaptação
da história bíblica da Arca de Noé por Mourão, 2014):

1. A fábula da Arca de Noé

Sumário
94

Figura 7: Obra adaptada pelo autor surdo Cláudio Mourão

Fonte: www.porsinal.pt

Como vimos, é possível afirmar, que o fabulário surdo tem crescido a cada dia, pois desde
a obra pioneira registrada em 1999 até 2014 (publicação mais recente), foram encontradas 20
fábulas. Há outras fábulas em LIBRAS disponíveis no youtube, porém traduzidas por ouvintes ou
sem identificação da origem da tradução, e nesta lista de obras do gênero fábula delimitamos apenas
àquelas criadas ou traduzidas por surdos e publicadas.

2. A ESTÉTICA VISUAL DA FÁBULA CRIADA EM LIBRAS

Como foi possível verificar no resgate histórico do fabulário surdo, das 20 fábulas encontradas:
1 foi criada por um surdo americano e traduzida para LIBRAS por um surdo brasileiro, 17 foram
traduzidas do português para a LIBRAS por surdos, e 2 foram adaptadas, ou seja recriadas em
LIBRAS por surdos brasileiros (Rimar Ramalho e Cláudio mourão).

A obra adaptada mais recente, A Fábula da Arca de Noé (2014) com autoria de Cláudio
Henrique Nunes Mourão, foi publicada em duas versões, em LIBRAS e em Língua Portuguesa,
portanto uma pessoa ao adquirir esta obra bilíngue recebe um conjunto contendo 1 DVD e 1Livro.

Com base nisso, o enfoque deste estudo, com esta mais recente obra, consiste no texto
sinalizado (a Fábula em LIBRAS registrada em vídeo), e não no texto em português do livro
impresso e nem no texto da legenda em português do livro digital.

Sumário
95

Portanto, apresentaremos a seguir a análise feita sobre o estilo deste texto sinalizado que
reflete critérios estéticos identificados. Vale ressaltar que por ser uma obra mais recente, podemos
observar diversas contribuições da tecnologia, permitindo que estratégias visuais modernas, aliadas
aos valores estéticos literários de uma cultura visual resultem nesta rica obra da literatura surda.

Ao iniciar a Fábula com a frase “Há algum tempo atrás” percebemos no trecho abaixo que o
cenário vai se formando conforme a sinalização do autor com a animação da imagem, visto que o
rio vai surgindo, as plantas o sol, dentre outros elementos visuais necessários para ambientação e
construção do cenário onde a história terá seu desenvolvimento.

Figura 8: Construção do cenário

Fonte: MOURÃO, 2014

Enquanto no texto em português não há necessidade destas informações sobre o cenário, no


texto em Língua de Sinais estas informações são cruciais para a compreensão da história que virá a
seguir. É possível verificar este fato no próximo trecho, que também compõe esta parte introdutória
do texto, contendo a apresentação dos sinais dos personagens principais, que serão utilizados
durante toda a narrativa da história (Figura 9).

Figura 9: Apresentação do sinal do personagem

Fonte: MOURÃO, 2014

Sumário
96

Neste trecho é possível verificar que o autor interage com a imagem do personagem
principal ao apresentá-lo, explorando sua expressão facial \corporal e tornando atrativas as
informações até culminar na apresentação do sinal29 do Capitão Noé. Vale salientar que o autor
criou um sinal referente ao uso de um binóculo, instrumento característico de um capitão de um
navio, não utilizando assim o sinal já existente criado pelos surdos e utilizado no contexto religioso
referente a Noé, personagem da história bíblica. Desta forma, o autor evitou possíveis confusões
entre a história bíblica e esta história adptada.

Na análise desta fábula, verificamos também a utilização da iluminação como estética visual
para ênfase no texto sinalizado. Como é possível verificar na Figura 10, o foco de Luz está na
família de cães Dálmatas, permitindo especificar, que o contador da história estava falando deles e
não dos demais animais que estavam caminhando para entrar na arca.

Figura 10: Apresentação do sinal do personagem

Fonte: MOURÃO, 2014

No próximo trecho (Figura 11) encontramos mais uma estratégia utilizada na produção da
obra que evidencia a estética visual e gera dinamismo. Consiste na animação da imagem com
movimentação, ampliação e mudança de ângulo da imagem.

29
O nome próprio criado em Libras com uma identificação visual para determinada pessoa, diferente do nome
alfabético em Língua Portuguesa.

Sumário
97

Figura 11: Efeitos de animação das imagens

Fonte: MOURÃO, 2014

Dando prosseguimento à análise da obra, encontramos uma técnica cinematográfica


interessante (que também é um critério estético visual), a movimentação da câmera, que provocou o
efeito de tremor ao ser aberta a porta da arca diante de toda a expectativa dos animais que
aguardavam para entrar como (Figura 12).

Figura 12: Movimentação de câmera

Fonte: MOURÃO, 2014

Embora as estratégias visuais cinematográficas da obra registrada em vídeo sejam


enriquecedoras para a estética visual no resultado final, se o texto sinalizado não for de qualidade
literária, nada disso surtirá efeito. Portanto, é relevante evidencia que a forte presença dos

Sumário
98

classificadores é uma característica muito importante na literatura surda, pois demonstra


sofisticação linguística do texto sinalizado e clarifica a mensagem devido à descrição visual. Sendo
assim, em vários trechos do texto foi identificado o uso de diversos classificadores, porém abaixo
apresentamos apenas dois exemplos (os cílios da Girafa e a orelha de Dado em momento de
concentração):

Figura 13: Classificadores

Fonte: MOURÃO, 2014

Outro dado que reflete um critério estético muito utilizado nas narrativas em LIBRAS
consiste na incorporação dos sujeitos. Esta técnica linguística do discurso sinalizado que explora a
expressão não manual da língua se aproxima bastante de técnicas tetrais de uma performance
interpretativa de um ator. No trecho abaixo identificamos isto:

Figura 14: Incorporação dos sujeitos

O Leão Dado (O cachorro)

A preguiça

Fonte: MOURÃO, 2014

Sumário
99

Nesta análise ainda identificamos mais um critério estético que muito valorizou a beleza
visual desta obra, a imagem do narrador aparecia e desaparecia com o efeito de edição. O
posicionamento do contador da história e sua postura corporal evidenciava quando o mesmo não
estava assumindo o papel de nenhum personagem, mas desempenhando a função de narrador.

Vale salientar que, a única vez que o texto sinalizado apresenta um trecho sem imagem
alguma, é justamente no momento em que linguisticamente este “vazio” tem todo um valor
pragmático envolvido, pois como vemos na Figura 15 o autor sinaliza o verbo procurar e demonstra
que este é um momento crítico onde todos estavam procurando pelo filhotinho de dálmata, o Dado.

Figura 15: O narrador

Fonte: MOURÃO, 2014

Além disso, verificamos ainda na Figura 15, um situação comum e muito necessária na
vivência de mundo bi-cultural dos integrantes da comunidade surda, a presença do intérprete
realizando a tradução denominada de versão voz, que consiste na tradução da Língua de Sinas
(Língua Fonte) para a Língua portuguesa (Língua Alvo).

Um outro exemplo em que a inserção de elementos da cultura surda na fábula analisada é


destacada de maneira mais enfática está no trecho final (Figura 16), onde o valor moralizante
transparece e evidencia os valores de aceitação do diferente e a acessibilidade presente em toda a
fábula. Isto gera no Capitão Noé a necessidade de uma reforma em toda arca, que além disso,
homenageia o professor L´Eppé, nome reverenciado na história da educação de surdos.

Sumário
100

Figura 16: Elemento da cultura surda L´eppé

Fonte: MOURÃO, 2014

Sendo assim, ao concluir esta análise do texto sinalizado criado pelo autor surdo Cláudio
Mourão, constatamos que esta obra recente reflete a evolução desta tradição com o uso da
tecnologia a favor da qualidade do texto literário em LIBRAS e o aprofundamento dos critérios
estéticos. A utilização da Iluminação como foco, o efeito de tremor obtido pela movimentação da
câmera, a valorização da expressão não manual, de classificadores e de imagens associadas a uma
fluente sinalização, dentre outras técnicas, confirmam que os autores da literatura surda estão cada
vez mais inovando em diversas estratégias cinematográficas e linguísticas que favoreçam e
aperfeiçoem ainda mais o valor estético de suas obras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente estudo verificamos que o fabulário surdo registrado em vídeos, devido à


especificidade de uma língua visuo gestual, tem crescido a cada dia, pois desde a obra pioneira, em
1999, com o autor surdo Nelson Pimenta, até 2014 foram encontradas 20 fábulas registradas.
Embora haja outros textos sinalizados deste gênero em LIBRAS, disponíveis no youtube, traduzidas
por pessoas não identificadas como surdas, ao catalogar as obras do gênero fábula houve a
delimitação nesta coleta para aquelas criadas, adaptadas ou traduzidas por surdos.

Além disso, foi constatado que, uma cultura que surge de uma comunidade linguística
minoritária (surda) que se comunica por intermédio de uma língua visual-espacial e convive com
uma sociedade majoritária (ouvintes) de língua oral-auditiva vivenciando uma realidade bilíngue e

Sumário
101

bicultural, valoriza a clareza de um texto sinalizado como ponto fundamental, pois seu cotidiano é
repleto de mensagens traduzidas e na maioria das vezes sem clareza.

Esta clareza como critério primordial para um texto literário em LIBRAS não é obtido
apenas com o “sinal-arte” (sinalização diferente da utilizada no cotidiano, que possui uma estética
elaborada) e com uma sinalização fluente e sofisticada. O alto valor estético para uma fábula em
LIBRAS registrada em vídeo, de acordo com as análises, consiste em agregar a esta sinalização
elementos cinematográficos (movimento de câmera, iluminação, planos de enquadramento, edição,
imagens, cenário, figurino, dentre outros) e elementos linguísticos (intensificação do uso da
expressão facial\corporal, uso classificadores, criação de sinais – neologismo, dentre outros).

REFERÊNCIAS

CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. São Paulo: Nacional. 1976.

CASTRO, Nelson Pimenta A tradução de fábulas seguindo aspectos imagéticos da linguagem


cinematográfica e da língua de sinais. Florianópolis. UFSC.2012

JEAN, J. R. A arte do ator. Editor, 1987

MARTELOTTA, M. E. Manual de Lingüística. 1ª ed. São Paulo: Contexto, 2008.

PEIXOTO, Janaína Aguiar e Fabrício Possebon. Introdução aos Estudos Literários. In Faria,
E.M.B. Língua Portuguesa: Teorias e Prática. João Pessoa. Editora Universitária da UFPB, 2010.

PEIXOTO, Janaína Aguiar e Shirley Porto. Literatura Visual. In Faria, E.M.B. Língua Portuguesa:
Teorias e Prática. João Pessoa. Editora Universitária da UFPB, 2011.

PERLIN, Gladis (2001). ”Identidades Surdas”, in Carlos Skliar (org). A surdez: um olhar sobre as
diferenças. Porto Alegre: Mediação, 51 – 73

PETERS, Cynthia. Deaf American Literature From Carnival to the Canon. Washington, D.C.
Gallaudet University Press. 2000.

SOUSA, Manuel Aveleza de, 1920 – Interpretando algumas fábulas de Esopo / Manuel Aveleza
de Sousa. – Rio de Janeiro: Thex Ed., 2003

Sumário
102

8 - PRODUÇÕES CULTURAIS NOS ESPAÇOS SURDOS

Francisco Rádger Ramalho30


Gerson Ramalho Junior31
Josimere de Souza Araújo Ramalho32
Millena Seventh da Costa Ramalho33

Ao fazermos uma retrospectiva sobre a história da surdez, constatamos que os


acontecimentos levaram a uma representação social de incapacidade, de inferioridade, refletindo
gravemente em sua constituição enquanto sujeito, tanto em nível individual quanto coletivo. Suas
manifestações culturais eram proibidas pela sociedade, sendo esta composta pela maioria ouvinte, a
qual detinha o poder, caracterizando-se tal atitude como um profundo desrespeito às pessoas surdas.
Entretanto, com a luta de alguns militantes surdos que não sucumbiram a um processo de alienação,
foi possível manter viva a língua de sinais, garantindo assim a sua identidade.

Atualmente a comunidade surda, por meio do resgate da cidadania, reescreve sua história e
sua cultura a partir de suas conquistas, expressões, ideologias e crenças.

Conforme apontado por Nakagawa (2012), uma “comunidade surda” pode ser entendida
“como um espaço de trocas simbólicas em que as línguas de sinais, a experiência visual e os
artefatos culturais surdos são partilhados entre sujeitos Surdos (e ouvintes) que congregam
interesses comuns e projetos coletivos”.

É nessa comunidade que as pessoas surdas compartilham suas crenças e tradições, sua
história, seu modo de comunicação e cosmovisão, próprios do universo do Surdo. É onde adquirem
e ampliam conhecimento nos aspectos social, político, cultural e desportivo numa dinâmica que
propicia o desenvolvimento pleno e o fortalecimento enquanto grupo. É nesse espaço que os surdos
conectam-se com seus pares em uma relação de igualdade e organizam-se para viver em sociedade
de acordo com as suas próprias representações.

Nessa perspectiva, abordamos as produções culturais nos espaços surdos como algo de
grande relevância para um olhar legítimo sobre esses sujeitos, em que claramente se vê o
crescimento e a valorização do “ser surdo”, num processo de empoderamento referente às questões
culturais e linguísticas das diferenças, pois, como afirma Maria Aranha, cultura é “tudo que o ser
humano produz para construir sua existência e atender a suas necessidades e desejos” (Aranha,

30
Professor surdo. Graduado em Pedagogia pela UVA. Graduado em Letras Libras pela UFSC.
31
Professor surdo da UFCG Campus Patos-PB. Especialista em LIBRAS. Graduado em Pedagogia pela UVA.
Graduado em Letras Libras pela UFSC.
32
Psicóloga Clínica, graduada pela UFPB. Especialista em LIBRAS. Tradutora/Intérprete de Libras.
33
Professora surda da UFCG Campus Campina Grande-PB. Especialista em LIBRAS. Graduada em Pedagogia pela
UVA. Graduada em Letras Libras pela UFSC.

Sumário
103

2006, apud Campos,2008).

As discussões desenvolvidas neste estudo são fruto de experiências vividas por seus autores,
os quais possuem participação ativa dentro da comunidade surda, especialmente na cidade de João
Pessoa-PB, bem como de relatos de outros surdos e ouvintes também participantes da comunidade
surda, em outros estados, acerca das produções culturais que têm fortalecido a cultura surda e
contribuído para uma ressignificação de sua visão de mundo. Foram utilizadas como aporte teórico
citações bibliográficas de autores que desenvolvem análises de grande importância para a
compreensão da temática, sites de promoção e divulgação da cultura surda e realizadas reflexões
acerca de aspectos peculiares à cultura surda a partir das ideias de Karin Strobel sobre os “artefatos
culturais” do povo surdo, a qual, baseando-se nos Estudos Culturais, refere o termo citado “àquilo
que na cultura constitui produções do sujeito que tem seu próprio modo de ser, ver, entender e
transformar o mundo” (2008, p.37).

Ressaltamos, portanto, que, embora existam muitas formas de divulgar as produções


culturais surdas, limitamo-nos a referenciar apenas algumas relacionadas à vida social e esportiva
das pessoas surdas.

1. ESPAÇOS SURDOS: construindo vínculos e resgatando a identidade

É notório que, nos últimos anos, tem ocorrido uma mudança significativa na forma de a
sociedade enxergar os surdos em relação ao reconhecimento de seu potencial, sobretudo devido ao
crescente interesse pela educação escolar das pessoas com surdez, que tem ocupado um lugar de
destaque nas políticas públicas, nos debates e nas pesquisas científicas, desde o reconhecimento da
Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, por meio da Lei Nº 10.436/2002 e de sua regulamentação
pelo Decreto-Lei 5.626/2005, porém ainda se veem, nas esferas familiar, social e educacional,
atitudes de dominação que resultam na exclusão social desses sujeitos na medida em que a eles é
imposta uma identidade negativa ou baseada nos valores de uma outra cultura que não respeita a
cultura surda.

Vários teóricos já refletiram a respeito da cultura, propondo definições diversas a seu


respeito. Por meio dos estudos da Antropologia, compreendemos que toda cultura, todo indivíduo,
têm direito à diferença e que a cultura responde a um desejo maior do ser humano: o de nutrir a sua
identidade. De acordo com essa visão, o indivíduo é construído socialmente, e sua identidade é
formada a partir dos condicionamentos recebidos desde a sua gestação, nos diversos
relacionamentos, ao longo da sua vida.

Considerando que tais condicionamentos são marcas da cultura de uma sociedade e, dessa
forma, responsáveis pelo processo de socialização, implicam a adoção de padrões de
comportamento, de percepção de mundo e de si mesmo, de relacionamento com os outros, com a
natureza e com a sociedade. Esse processo se torna bastante conflitante para as pessoas surdas ao

Sumário
104

defrontarem-se constantemente com situações nas quais devem adotar padrões e valores contrários
aos seus, em que são forçados a negarem-se a si mesmos para poder sobreviver, e assim, a
identidade negativa ou autoexcludente muitas vezes prevalece sobre a identidade originária ou
verdadeira, essencial.

Assim, os espaços surdos são também espaços de acolhimento das marcas deixadas por essa
história opressora, onde as pessoas surdas partilham suas inquietações, problemas ou situações
difíceis, tanto quanto alegrias, vitórias e suas histórias de superação.

Nesses espaços se observa a construção e o fortalecimento de vínculos solidários entre os


sujeitos surdos, levando-os a um processo de (re)construção e (re)conhecimento da sua identidade,
dando-lhes um sentido de pertencimento, sem perder de vista as suas singularidades. Nesse processo
de autorreconhecimento, pouco a pouco as falsas auto-imagens vão sendo descobertas e vão dando
lugar à imagem e ao autoconceito positivos originários. Essa construção interpessoal pode ser
compreendida na citação de Vygostsky: “é na troca com outros sujeitos e consigo próprio que se vão
internalizando conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite a formação de conhecimentos
e da própria consciência” (Vygostsky, 2006 apud Campos, 2008, p.50).

Vale destacar que o uso da Língua de Sinais é o principal elemento integrador das
comunidades surdas, ocupando assim um lugar de extrema relevância nos processos de
desenvolvimento da identidade surda e de identificação dos surdos entre si. Por meio da sua língua,
o surdo aceita a própria surdez, compreende seu valor e sente que é parte de um grupo com
identidade e cultura própria, o que lhe confere a condição de pertencimento e sensação de poder
necessários à construção da autoestima e autoconfiança.

De acordo com Souza (1998), a partir do momento em que os surdos passaram a se reunir
em escolas e associações e se constituíram em grupo por meio de uma língua, passaram a ter a
possibilidade de refletir sobre um universo de discursos sobre eles próprios e com isso conquistaram
um espaço favorável para o desenvolvimento ideológico da própria identidade.

Emanuelle Laborit (1994) apud Campos (1998) diz que “o encontro entre surdos promove a
transmissão cultural e identidade imediata”. Sem dúvida, isso é percebido a partir do primeiro
contato de um surdo com outro(s) surdo(s) mediante a apresentação do Sinal. Ser chamado pelo
nome (sinal) é uma manifestação de sua identidade e singularidade, uma possibilidade de
participação, uma oportunidade de dar a sua opinião, de manifestar o seu pensamento e de ser
alguém.

Para Perlin (1998) a identidade é algo em construção, podendo ser transformada a todo
momento ou mover-se em diferentes posições. Portanto, nesses espaços os surdos resistem à
condição de inferioridade, formam lideranças que enaltecem sua história na construção de um povo
forte, com interesses compartilhados e, sobretudo, com uma identidade definida que busca o direito
de ter autonomia e respeito.

Passamos então a apresentar algumas produções culturais nesses espaços, diferenciando as

Sumário
105

de caráter informal das de caráter formal e, para tal, nos embasamos no conceito da Cultura
Organizacional criado e desenvolvido pelo psicólogo social Edgar Schein (2009), o qual expôs uma
maneira de fazer com que o conceito abstrato de cultura fosse utilizado de forma prática e
necessária. Segundo as ideias do autor, a cultura formal é aquela representada por todos os
procedimentos padrões em uma organização, e a cultura informal é formada pela criação dos grupos
informais.

2. PRODUÇÕES CULTURAIS INFORMAIS: delimitando espaços

Considerando que a cultura informal é aquilo que realmente se pratica, uma rede de
relacionamento e de interações que se desenvolvem espontaneamente entre as pessoas que agem
motivadas por uma necessidade de atenderem demandas internas, pode-se inferir que é por
intermédio da aceitação da própria identidade surda e por meio das línguas de sinais que, nos
espaços surdos, constrói-se conhecimento, circula-se a expressão de sentimentos e emoções,
estrutura-se o pensamento, transformando-o, e, dessa forma, produz-se cultura surda. Karin Strobel
assim define a cultura surda:

Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim


de torná-lo acessível e habitável ajustando-o com as suas percepções visuais, que
contribuem para a definição das identidades surdas e das “almas” das comunidades
surdas. Isto significa que abrange a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os
hábitos do povo surdo. […] O essencial é entendermos que cultura surda é como
algo que penetra na pele do povo que participa das comunidades surdas, que
compartilha algo que tem em comum, seu conjunto de normas, valores e
comportamentos. (STROBEL, 2009, p. 27).

Nesse sentido, convém ressaltar que, embora a noção de pluralidade esteja presente nas
comunidades e culturas surdas em todas as regiões do país, visto estarem ligadas a bases culturais
diferentes, destacam-se alguns aspectos comuns como: a experiência visual, o uso das línguas de
sinais e uma série de práticas, costumes, bandeiras e lutas afins, fazendo com que as pessoas surdas
de diferentes estados se conectem facilmente.

Em grande medida, submetidos a uma dinâmica cultural maior e mais complexa formada
por familiares e amigos ouvintes e pela sociedade em geral, os surdos têm poucas possibilidades de
ter o seu discurso reconhecido e validado socialmente devido principalmente ao desconhecimento
da língua de sinais por parte daqueles; em contrapartida, é no espaço surdo que o surdo passa a “ser
ouvido” e a “ter voz”. Daí surge a necessidade de se delimitarem esses espaços, não como uma
forma de distanciamento dessa outra cultura da qual também faz parte, mas no sentido de reelaborá-

Sumário
106

la e redefini-la de acordo com seus processos internos.

2.1. Associações de Surdos

Inicialmente destacamos as Associações de Surdos, pois estas foram as principais


responsáveis pela resistência, sobrevivência, fortalecimento e divulgação da língua de sinais e onde
as pessoas surdas cada vez mais fortaleceram suas articulações políticas. Além de atuar como rede
de apoio e partilha entre surdos – surdos e entre surdos – ouvintes (familiares e amigos), as
Associações vêm realizando, ao longo dos anos, cursos, oficinas, assembleias, confraternizações,
eventos culturais, atividades desportivas, entre outras, movimentando-se no sentido da promoção e
divulgação das culturas surdas. Embora posteriormente essas atividades tenham se tornado formais,
foram iniciadas após o natural relacionamento entre os indivíduos surdos, os quais, possuindo
aspirações pessoais, transformaram-nas em ideais coletivas em sua comunidade. As produções
culturais informais não possuem regras nem normas da alta gestão; nascem, portanto, da
coletividade, da convivência em grupo, a partir do diálogo e da troca de experiências informais,
representando um papel fundamental nas posteriores proezas que a comunidade surda veio a
conquistar.

Vale ressaltar que, nos últimos anos, algumas dessas atividades estão sendo menos
oferecidas nas associações devido ao surgimento de centros, fundações e outras instituições de apoio
educacional e profissional às pessoas surdas, algumas delas oferecendo serviços também a
familiares, amigos e profissionais da área da surdez.

A primeira Associação Brasileira de Surdos-Mudos34 foi fundada em 1930 por ex-alunos


do INES, no Rio de Janeiro, tendo como principal atividade o esporte, em diversas modalidades,
com ênfase na organização de competições com várias escolas ouvintes. Em 1987 foi fundada a
Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos – FENEIS, sendo, até os dias atuais, o
principal órgão representativo das comunidades surdas do Brasil, a qual desenvolve atividades
políticas e educacionais, lutando pelos direitos culturais, linguísticos, educacionais e sociais dos
surdos brasileiros. Assim os movimentos dos surdos se fortaleceram ao longo dos anos, e hoje
existem associações de surdos em todos os estados do Brasil.

Em qualquer instância, as Associações são sustentadas pela contribuição de seus


associados (surdos e ouvintes que participam das comunidades surdas) e não têm fins lucrativos,
conforme indica o Cap.II, Art. 53, do Código Civil: “Constituem-se as associações pela união de
pessoas que se organizem para fins não econômicos” (BRASIL, 2002); deve ser orientada por meio
de estatutos e documentos, como destacado no Art. 54 do Código Civil (BRASIL, 2002), Lei
10.406, que dispõe sobre os estatutos de sua organização. Algumas firmam parcerias com empresas
privadas, órgãos do Estado, universidades ou outras instituições, visando assim o fomento de seus
filiados na vida pública das regiões onde se localizam. Em âmbito internacional, algumas também
exercem funções representativas das lutas surdas perante governos e outras organizações, a exemplo
da World Federation of the Deaf -WFD (CULTURA SURDA, 2017), que reúne associações de

34
No passado era utilizado este termo referindo-se a pessoa surda.

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107

surdos de mais de 130 países, a fim de lutar pela defesa dos direitos humanos voltada para os
sujeitos Surdos usuários das línguas de sinais, junto a organismos como a Organização das Nações
Unidas (ONU), Organização Mundial da Saúde (OMS), entre outros onde desempenha atividades
consultivas.

As Associações de Surdos possuem um papel fundamental na continuidade dos marcos


históricos para as gerações futuras de pessoas surdas. É necessário que cada cidade, cada região
tenha sua associação ativa, forte, servindo como instrumento de luta da comunidade surda por seus
direitos, assim como mediadora de novas possibilidades de produções culturais.

2.2. Escolas

A Escola é o segundo ambiente mais importante na vida social de um ser humano. É nesse
espaço que, com a ajuda dos educadores e pais, o sujeito vai se constituindo como ser pensante,
questionador, e onde permeiam diversos tipos de trocas, como as de conhecimento, as afetivas, entre
outras.

Pode-se considerar a Escola como o primeiro espaço surdo favorável à produção informal de
cultura surda, principalmente no que concerne a sua vida social. Reportando-nos ao passado,
mediante a imposição do Oralismo, o uso da língua de sinais foi oficialmente proibido nas salas de
aula, porém, resistindo a tal interdição, os alunos surdos continuaram a usar sua língua nos
corredores e nos pátios da escola, só que de forma escondida. Ela continua assumindo a função de
espaço surdo, na medida em que se configura como a primeira instituição onde muitos têm a chance
de conviverem e de se autoidentificarem com outros surdos, principalmente pela possibilidade de
desenvolver e produzir conhecimento por meio da Língua de Sinais. Para SKILAR, a Escola, no
âmbito da educação de surdos é:

Um território de investigação educacional e de proposições políticas que, através de


um conjunto de concepções linguísticas, culturais, comunitárias e de identidades,
definem uma particular aproximação – e não uma apropriação – com os
conhecimentos e com os discursos sobre a surdez e sobre o mundo dos surdos.
(Skliar,1998, apud Perlin & Strobel, 2008).

Assim, a Escola enquanto espaço surdo deve também proporcionar a profusão e o


fortalecimento da diferença surda e de suas múltiplas formas de representação, além de estimular a
luta por uma educação de qualidade, de forma a realmente atender às necessidades e especificidades
das pessoas surdas, reagindo de forma ativa a uma estrutura constituída pela homogeneização de
atitudes e comportamentos subsidiários da cultura dominante.

Sumário
108

2.3.Pontos de encontro

Quase todas as Associações de Surdos têm o início de sua história nas reuniões em algum
ponto de encontro, como ruas e praças. Esses espaços configuram-se como marcos históricos da
cultura surda, tanto pelas narrativas passadas dos surdos mais velhos para os mais novos quanto pela
produção de artes existentes nesses encontros, destacando-se as piadas surdas. Esses pontos são,
portanto, grandes fomentadores de produções culturais informais pelas pessoas surdas.

De acordo com Grandesso (2005), as histórias organizam a vida e dão sentido à


experiência vivida. Nascemos e crescemos em meio às histórias. Estas nos constituem nas pessoas
que somos, na nossa identidade. As narrativas são mantidas ou transformadas por nós na construção
de sentido para o mundo e determinam a forma como atribuímos significado às experiências vividas
e futuras. As narrativas surdas trazem uma posição de sujeitos que se assumem como surdos,
conhecem sua cultura e ressignificam suas experiências culturais buscando uma compreensão de si
mesmos num contexto onde estão inseridos.

Nos últimos anos, novos espaços começaram a surgir como pontos de encontro e de
promoção/divulgação da cultura surda. Na maioria das capitais e grandes cidades brasileiras,
destacam-se os Terminais de Integração de Ônibus e de Metrôs, por facilitarem o intercâmbio entre
os surdos em qualquer momento do dia, estabelecendo-se como uma oportunidade diária de
encontro entre seus pares, e consequentemente de possibilidades comunicativas; e os Shopping
Centers, que se constituem espaços de interlocução entre os indivíduos surdos, em que os discursos,
apesar de semelhantes aos dos agrupamentos de pessoas ouvintes (problemas familiares, namoro,
futebol, estudo, trabalho), oportunizam em grande medida as trocas culturais surdas, além do prazer
de desfrutarem juntos do lazer ali oferecido (cinemas, lanchonetes, restaurantes, etc.). É bastante
comum, nesses ambientes, a divulgação de festas, campeonatos esportivos, eventos culturais e
religiosos. Certamente que esses espaços não reúnem a totalidade de surdos de uma cidade, cabendo
aqui um parêntese para apontarmos como possibilidade de pesquisa os determinantes sociais que
contribuem para a formação desses ajuntamentos surdos nesses espaços específicos, além do
aspecto linguístico.

Convém salientar ainda que há outros espaços largamente dinâmicos e geradores de


elementos culturais informais em alguns estados brasileiros e em outros países, a exemplo da
Biblioteca de Culturas Surdas, em São Paulo, que, além dos serviços oferecidos, atua como um
ponto de encontro e de afirmação das culturas surdas na capital paulista e a Deaf Village Ireland, na
Irlanda, uma vila surda contendo vários espaços de convivência como associações, bares, centros
esportivos, entre outros, e conta com um museu surdo, o qual dispõe de documentos que aludem a
mais de 200 anos na história do povo surdo. Segundo citação de Nakagawa, “Bares, cafeterias,
restaurantes, lojas, festas, casas noturnas, começaram a se especializar nesse promissor nicho de
mercado: seja contratando funcionários surdos, seja criando espaços acessíveis para bem atendê-los”
(Cultura Surda, 2017).

Sumário
109

3. PRODUÇÕES CULTURAIS FORMAIS: do anonimato à notoriedade

Pode-se inferir que as produções culturais informais são mais afetivas e emocionais,
orientadas para os aspectos sociais e psicológicos, conforme vistos nas suas variadas formas de
manifestação. Por outro lado, as produções culturais formais são orientadas para o desempenho e a
produtividade, requerendo aspectos mais explícitos para a sua realização como: estrutura, objetivos
definidos, estratégias, métodos e procedimentos, entre outros.

Os elementos culturais informais da comunidade surda formaram o alicerce para o


desenvolvimento das suas produções formais. Isso pode ser constatado fazendo-se uma análise da
sua história de empoderamento enquanto seres humanos com valores culturais construídos por eles
mesmos.

3.1.Esportes

De acordo com nossas experiências, a produção cultural de maior destaque nos espaços
surdos sempre foi e continua sendo o esporte.

Historicamente a prática do esporte para pessoas surdas começou em 1888, na Alemanha,


com um grupo de surdos que resolveu fundar um clube desportivo composto unicamente por eles
(Freitas & Cidade, 2017).

No Brasil, o desporto para pessoas com surdez teve seu início com a realização da "I
Olimpíada Nacional de Surdos-Mudos", em 1957, pela iniciativa do Instituto Nacional de Educação
de Surdos (INES). Na ocasião, participaram atletas das Associações de Surdos do Rio de Janeiro,
São Paulo e Minas Gerais, e as modalidades disputadas foram: futebol, atletismo, voleibol e
ginástica rítmica.

Desde então, tal prática foi se disseminando e cada vez mais conquistando um espaço
muito importante nas comunidades surdas de todo o país, por intermédio das associações,
inicialmente como recreação e lazer, mas, com o passar do tempo, foi se estruturando por meio de
campeonatos.

No Nordeste brasileiro, destaca-se a realização de campeonatos interestaduais, envolvendo


as seguintes modalidades: futebol de salão masculino e feminino, futebol de campo masculino,
voleibol masculino e feminino, vôlei de praia masculino e feminino, basquete masculino.

Os torneios passaram a ser mais bem estruturados a partir da constituição da Liga


Nordestina Desportiva de Surdos – LINEDS, cuja meta principal é melhorar a qualidade de vida das
pessoas surdas mediante a prática de esportes, a qual começou a dar os primeiros passos no ano de
1994, porém sua história inicial foi marcada por muitos reveses devido às dificuldades de
articulação entre os estados, vindo a ser consolidada em 1997 e oficializada em 1998 pelo então
presidente da Associação de Surdos de João Pessoa – ASJP, Gerson Ramalho Júnior, o qual esteve
na presidência da LINEDS durante o período de 1997 a 2003 e de 2003 até a presente data e tem
atuado como diretor de esportes da referida entidade, onde, além de outras atribuições, desenvolve

Sumário
110

projetos para a inclusão de outras modalidades como: ciclismo, handebol e futebol de areia. É
importante destacar que, desde a sua oficialização, a organização vem promovendo campeonatos em
caráter anual.

No âmbito nacional existem organizações responsáveis pela promoção de eventos


desportivos, a exemplo da Confederação Brasileira de Desportos dos Surdos – CBDS, fundada
oficialmente em 17 de novembro de 1984, em Santos-SP, tendo como primeiro presidente Mário
Júlio de Mattos Pimentel. Apesar da referida data, esta já vinha se articulando com as Associações
em todo o país desde a década de 50.

Atualmente tal entidade representa o esporte dos surdos nas instâncias oficiais, possuindo
um registro de aproximadamente dois mil “surdoatletas” desde 2009 e vem contribuindo de forma
efetiva e dinâmica com a inclusão social das pessoas surdas por meio do esporte, ampliando de
forma significativa o número de competições locais, regionais e nacionais em diversas modalidades
esportivas; e ainda viabilizando a participação de “surdoatletas” brasileiros em campeonatos
internacionais de grande relevância, colhendo assim importantes títulos em diversas modalidades
desportivas, como: futebol, futsal, voleibol, basquete, natação, atletismo, boliche, pesca, artes
marciais, etc. Dentre esses certames internacionais, destacamos as Deaflympics, usualmente
traduzida para a língua portuguesa como Surdolimpíadas, as quais acontecem quadrienalmente
desde 1924, em que atletas surdos de ambos os gêneros e de quase 80 nações competem em mais de
20 modalidades.

Há também organizações que buscam adaptações culturais para surdos nas práticas
desportivas, a exemplo da Confederación Sudamericana Deportiva de Sordos – CONSUDES,
conforme afirma o autor surdo Zovico (2002, p.10):

[...] a prática esportiva para os surdos requer apenas algumas adaptações de


sinalização visual, já que o surdo não possui debilitação física, sendo capaz de
competir em grau de igualdade com atletas não surdos. Em um jogo de futebol, por
exemplo, são usadas bandeirinhas coloridas.

É indiscutível, portanto, a importância das atividades esportivas como produções


culturais das pessoas surdas. Durante a prática esportiva, é possível perceber o surgimento de
valores como a solidariedade, o respeito e a cooperação, refletindo-os no ambiente familiar,
educacional e social. A autoestima e a autoconfiança também podem ser conquistadas na prática de
um esporte, ao ganhar um prêmio, conquistar um título dentro da quadra, vencer uma partida, etc.

Deve-se salientar que o treinamento com pessoas surdas pode e deve seguir os mesmos
métodos aplicados para os atletas ouvintes, respeitando-se sempre os fatores da individualidade e
alguns níveis de surdez. Alguns surdos apresentam limitações individuais como relativos a sua
formação, cultura e até mesmo a comunicação em Libras.

Ao longo da nossa experiência, temos detectado algumas necessidades referentes à prática


esportiva de pessoas surdas, como: ao ser selecionado um árbitro para apitar os jogos, é
imprescindível que este passe por um curso básico intensivo de Língua de Sinais, incluindo

Sumário
111

conhecimentos teóricos sobre o surdo e sua cultura, antes dos referidos jogos, a fim de melhorar o
nível de comunicação deste com os jogadores/atletas, bem como adotar um tratamento adequado,
que muitas vezes envolve: exigir dos surdos o cumprimento das mesmas normas a que os ouvintes
se submetem, evitando assim subestimá-los pela condição da surdez. É importante ressaltar que toda
a sociedade necessita de tais conhecimentos, os quais podem ser transmitidos em forma de palestras,
visto que muitas pessoas ainda possuem uma visão deturpada dos surdos, considerando-os como
incapazes em muitas áreas. Como afirma o ex-atleta Souza:

[...] e que tudo isso seja feito da forma menos separatista possível, temos que
romper uma das maiores barreiras ao desenvolvimento que é a falta de informação
das reais necessidades da pessoa com deficiência pela sociedade. Por isso,
devemos cada vez mais, promover oportunidades para que todos saibam como,
onde e quando podem colaborar e ser um agente facilitador do desenvolvimento das
pessoas com deficiência de uma forma geral. (SOUZA, 2008).

3.2.Miss Surda

No contexto brasileiro, desde os tempos da colonização, são as mulheres que mais se


deparam com as adversidades, com o processo de exclusão e com as desigualdades. Para as
mulheres surdas, essa realidade pode ser ainda mais intensa, visto ser acrescida da condição de “ser
surda”.

De modo geral, a beleza pode ser descrita como aquilo que toca o nosso coração e nos faz
sentir bem. Podemos dizer que a beleza está associada à desenvoltura da pessoa, que a expressa por
meio da graciosidade dos movimentos, da leveza de espírito, e mediante gestos suaves e palavras
especiais que demonstram o desembaraço, a jovialidade e a vivacidade da alma; e, para muitas
mulheres, ter sua beleza reconhecida é algo fortalecedor; não apenas a beleza, mas também a
simpatia, a comunicação e a inteligência.

Assim, os concursos de misses surgem como uma possibilidade de melhoria da autoestima e


da inclusão social e têm, cada vez mais, ocupado um lugar de grande importância nos eventos de
maior prestígio do gênero feminino na comunidade surda.

Anualmente as associações de surdos do Nordeste brasileiro promovem o concurso de


beleza com uma competição entre seus estados, muitas vezes por ocasião das festas em
comemoração de aniversário das associações de surdos. Trata-se de um concurso de caráter cultural,
como forma de reconhecimento e valorização da graça e da beleza surda feminina. Geralmente são
avaliados os seguintes elementos: espontaneidade e carisma; simpatia e beleza física; charme e
desinibição; capacidade de comunicação (fluência na língua de sinais); caracterização com traje
típico; postura e desenvoltura ao desfilar com roupa de banho; conhecimentos gerais e acerca da
cultura do seu estado.

No ano de 2012, foi fundado o Concurso de Beleza Miss Surda Brasil, com sede em

Sumário
112

Fortaleza - CE, o qual é realizado anualmente e é voltado exclusivamente para mulheres surdas com
o intuito de eleger, dentre todas as candidatas dos estados participantes, a que melhor possa
representar a beleza e a cultura do seu país nos concursos internacionais. Convém ressaltar que a
coordenadora desse certame, a Miss Ceará Vanessa Vidal, participou com brilhantismo desempenho
do Concurso Miss Brasil, em 2008, tendo sido esta a primeira concorrente surda a disputar o
referido concurso, chegando a alcançar a segunda colocação. Foi a primeira vez que a população
brasileira testemunhou, num concurso de Miss Brasil, uma manifestação de inclusão social por meio
da comunicação em Libras quando da apresentação da candidata durante as respostas às questões
dos jurados. Destacamos as palavras da Miss no artigo “Desabafo sobre o preconceito”, de sua
autoria, publicado na revista Reação, Ano XI – Ed. nov/dez 2008, demonstrando assim o lugar de
importância que tal realização ocupa nas produções culturais das pessoas surdas.

Alcançar o título de Miss Ceará 2008 abriu os olhos da sociedade para o potencial
que existe nas pessoas com deficiência. Obter o 2° lugar no Miss Brasil 2008
reafirmou a presença marcante das pessoas com deficiência na sociedade através da
beleza, simpatia, inteligência e capacidade durante o concurso, abrindo assim
portas para a participação no Miss Beleza Internacional, onde todos perceberam
que, mesmo sendo surda, com oportunidades inclusivas, poderia concorrer em
igualdade com as demais participantes (VIDAL, 2008)

No âmbito internacional, existem o Miss e Mister Deaf World e o Miss e Mister Deaf
International. Este último representa uma organização sem fins lucrativos que se compromete a
capacitar, aprimorar e apoiar a crescente comunidade de mulheres e homens surdos. O(A)
vencedor(a) dessa competição recebe a qualificação de embaixador(a) da comunidade de surdos, e
seu reinado tem a duração de um ano. O papel de Miss & Mister Deaf International exige uma
dedicação genuína, pois não apenas assume a responsabilidade de viajar para encontrar-se com
líderes importantes, como também deve incorporar valores educacionais, sociais e intelectuais,
representando as pessoas surdas com equilíbrio, força e boas maneiras. É importante evidenciar que
o primeiro título mundial alcançado por uma surda brasileira aconteceu em 2013, com a paranaense
de Umuarama Thaisy Payo, a qual levou o honroso título internacional de Miss Deaf World. O
evento foi realizado em Praga, na República Tcheca.

3.3.Outros eventos culturais

Dentre as festas alusivas a datas comemorativas, comumente praticadas pela comunidade


surda, destacamos as de aniversário das Associações de Surdos, pois estas constituem a história
cultural da comunidade surda de um determinado local e configuram-se como mais um ponto de
encontro das pessoas surdas, sendo de forma organizada e institucionalizada. Em praticamente
todos os estados brasileiros, essa data é amplamente festejada com a presença de muitos surdos

Sumário
113

associados e não associados, familiares, amigos, representantes de várias associações de surdos, os


quais geralmente prestam homenagens à entidade em celebração, representantes de instituições e
órgãos públicos envolvidos com a educação e/ou movimentos dos surdos e ocasionalmente de
representantes políticos que apoiam as lutas das pessoas surdas. Usualmente todos os representantes
citados proferem discursos envolvendo as lutas e os movimentos surdos. Comumente, por ocasião
da data, realiza-se algum evento esportivo, e assim, durante as festas, são entregues as taças e as
medalhas das equipes campeã e vice-campeã de cada modalidade. Eventualmente aproveita-se o
momento oportuno para realização do desfile para a escolha da miss da associação de surdos (em
algumas associações há também o desfile do miss gay). Além da programação referida, essas festas
são marcadas por música com um som de alta intensidade e muita conversa sinalizada informal e
descontraída, estendendo-se pela madrugada.

Estão se tornando cada vez mais comuns, em alguns estados brasileiros, outras grandes
festas como os bailes, os festivais, as “baladas”, a exemplo do “Feel the Sound” (“Sinta o Som”),
em São Paulo, em que se sobressaem “’sistema de som com graves fortíssimos’, projeções, laser,
‘iluminação surpreendente’ e equipe de apoio preparada para atender em língua de sinais”
(CULTURA SURDA, 2017). Estas caracterizam momentos de encontro e descontração entre surdos
e ouvintes, e algumas exibem atrações próprias especificamente para as pessoas surdas.

Em alguns países como os Estados Unidos, o Reino Unido, a Rússia, entre outros, já são
mais frequentes as “deaf raves” (festas surdas), em que se veem aparatos culturais de alta qualidade
como: pisos vibratórios, shows de luzes e aromas, vídeo e Disc Jokeys, alarmes de incêndio e avisos
luminosos, alto-falantes distribuídos pelo chão da pista de dança, entre outros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A comunidade surda segue trilhando caminhos, construindo trajetórias, explorando novas


possibilidades, permeando sua história de produções culturais capazes de transformar um cenário
antes delineado por dimensões inseridas na cultura hegemônica, que é a ouvinte, e que resultaram na
exclusão imposta pelo mundo ouvinte em um campo onde o pluralismo não significa inferioridade,
e sim oportunidade de troca em que a aceitação e o respeito são a base para o seu crescimento e
onde as pessoas surdas se autoafirmam como capazes e produtivas.

Ao caminhar no sentido da reconstrução de sua história, as pessoas surdas possuem como


âncora os seus próprios espaços, sobre os quais, pela análise realizada, pudemos apreender que
funcionam como promotores de bem-estar, de socialização, de ressignificação de seu autoconceito,
de criação e produtividade.

Enfim, destacamos a importância das produções culturais, traduzidas em seus hábitos e em


suas estratégias de convivência, a que denominamos de produções culturais informais, como
também as promoções de eventos, campeonatos e certames diversos, aos quais designamos de
produções culturais formais. Em todas essas produções, é notável a configuração da língua de sinais

Sumário
114

como principal instrumento de identificação enquanto comunidade culturalmente definida e como


dispositivo de produção de subjetividade e de solidificação da cultura surda.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o código Civil. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acessado em: 25.05.17.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei nº 10.436, de 24 de abril de


2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm>. Acessado em
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115

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ZOVICO, N. Legendas ocultas: garantia do acesso à informação via TV. Revista da Feneis, ano III,
nº 18, p.22, 2003.

Sumário
116

9 - A BELEZA DE UM MUNDO VISUAL


Alessandra Almeida Lima35
Janaína Aguiar Peixoto36

INTRODUÇÃO
“Um grama de ação vale mais do que uma tonelada de teoria.”
Friedrich Engels

A questão da inclusão tem sido propagada nos discursos como requisito para o respeito e
valorização da diversidade; neste sentido o processo de ensino aprendizagem da pessoa com surdez
na escolarização e no seu espaço como sujeito multicultural é um grande desafio e
consequentemente a inserção no trabalho e na área artística também enfrentam muitas dificuldades.
Geralmente as práticas e legislações voltadas para a comunidade surda estão inseridas no
âmbito escolar, profissional e social. Sendo assim surge à importância de compreender os aspectos
das práticas culturais e artísticas do sujeito surdo e de suas especificidades no âmbito, criativo,
artístico e expressivo sobre sua língua, sua cultura e sua identidade. Para compreender melhor os
deslocamentos ocorridos ao sujeito surdo e sua identidade, precisamos conhecer sobre a trajetória
da sua comunidade em obter mudanças para garantir o seu espaço na sociedade.
Em 355 A.C. o filósofo grego Aristóteles tinha sua teoria que surdos eram incapazes de
raciocinar, onde o pensamento só se desenvolvia através da fala. Os surdos que dominavam a fala
podiam ser considerados membros da sociedade e os que não oralizavam eram marginalizados e até
mesmo condenados à morte. Ao contrário de Aristóteles, o filósofo Sócrates, (360 A.C.)
compreendia que o uso das mãos, cabeça e corpo, possibilitaria a comunicação com surdos.

Se não tivéssemos voz nem língua, apesar disso desejássemos manifestar coisas uns para os
outros, não deveríamos, como as pessoas que hoje são mudas, nos empenhar em indicar o
significado pelas mãos, cabeça e outras partes do corpo? (SÓCRATES apud MOREIRA,
2017. p.10).

Historicamente verifica-se que a educação de surdos foi marcada com fracassos no


desenvolvimento atribuído aos posicionamentos oralistas registrados na sua história,

35
Pós Graduada em: Artes na Educação e em Língua de Sinais – Libras; Licenciada em: Pedagogia, Letras Português e
Letras Libras; Tradutora e Intérprete de Libras; Professora.
36
Professora do Departamento de Línguas de Sinais – DLS/CCHLA/UFPB e no Programa de Pós Graduação em Letras
(PPGL/UFPB), Doutora em Letras (PPGL/UFPB), Mestre em Ciências das Religiões (PPGCR/UFPB), Fonoaudióloga
(FRASCE-RJ), Tradutora e Intérprete de Libras (UFF).

Sumário
117

comprometendo a profissionalização dos surdos e as suas manifestações e participações culturais.


No entanto, o reconhecimento das diferenças é um desafio a ser enfrentado, que implica reflexões e
mudanças comportamentais no âmbito social. Dentro desta concepção oralista, os surdos foram
impedidos de participar integralmente na sociedade; expressar sua cultura, sua língua, seus desejos
e objetivos, sofrendo discriminação e incompreensão de sua identidade.
Quando se legitima a língua e sua comunidade, oportuniza a participação do surdo em todos
os aspectos na sociedade, inclusive no contexto artístico cultural visual, expondo seus desejos, suas
reflexões, sua criticidade, sua “voz” como cidadão criativo, participativo de direitos e deveres
sociais. A identidade surda é construída numa cultura visual, e vale ressaltar, que essa diferença
deve ser compreendida por todos.
Ainda há muitos avanços e efetivações a serem desenvolvidas, mas a história mostra muitas
mudanças neste cenário social e educacional dos surdos, que foram conquistando o seu espaço
apesar da segregação, exclusão e de inúmeros fracassos no âmbito educacional e na disseminação
de sua língua.
As políticas públicas, as leis, relacionadas à inclusão social, oportunizaram o
desenvolvimento da acessibilidade na área educacional, possibilitando o sujeito surdo sua
visibilidade na sociedade, mesmo que de forma ainda, embrionária.
Pensar em toda luta da Comunidade surda em busca dos seus direitos, dos respeitos a sua
diferença linguística, da inclusão social, das políticas públicas, demonstrando autoestima e
potencialidades, remete ao texto de Branden, 1995, p:1.

Desenvolver a autoestima é desenvolver a convicção de que somos capazes de viver e


somos merecedores da felicidade e, portanto, capazes de enfrentar a vida com mais
confiança, boa vontade e otimismo, que nos ajudam a atingir nossas metas e a sentirmo-nos
realizados. Desenvolver a autoestima é expandir nossa capacidade de ser feliz.

Com a abordagem bilíngue, os estudos na área da surdez têm divulgado amplamente as


contribuições do uso da Língua de Sinais com resultados positivos seja no aspecto cognitivo, social
e/ou emocional. Neste contexto a concepção da diversidade no aspecto artístico cultural é marcada
por mudanças significativas na Cultura Surda, onde são expressas com variedade as manifestações
de ideias, sentimentos e opiniões.

[...] a Arte excede, de muito, os limites das avaliações estéticas. Modo de ação produtiva do
homem, ela é fenômeno social e parte da cultura. Está relacionada com a totalidade da
existência humana, mantém íntimas conexões com o processo histórico e possui a sua
própria história, dirigida que é por tendências que nascem, desenvolvem-se e morrem, e às

Sumário
118

quais correspondem estilos e formas definidos. Foco de convergência de valores religiosos,


éticos, sociais e políticos, a Arte vincula-se à religião, à moral e à sociedade, como um
todo, suscitando problemas de valor (axiológicos), tanto no âmbito da vida coletiva como
no da existência individual, seja esta a do artista que cria a obra de arte; seja a do
contemplador que sente os seus efeitos. (NUNES, 2008, p.15)

Segundo o autor, a Arte é uma ação produtiva do homem, um fenômeno social e parte da
cultura, assim toda sua representação amplia os espaços sociais se comunicando com todos os
estilos, todas as diferenças, todas as línguas e culturas onde o indivíduo pode ser coletivo dentro de
sua especificidade. Esta difusão artística norteia esta pesquisa, que aborda esta integração das
pessoas com surdez através da Arte ao respeito à diversidade, a diferença levando a igualdade de
representar sua cultura, sua língua, seu povo.

1. A IMPORTÂNCIA DA ARTE EM UMA SOCIEDADE

A Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948 foi a grande precursora das práticas
que regem o novo paradigma de integração e inclusão, ao defender que todo cidadão deve ser
considerado igual, em dignidade e direito. No Brasil essa lei foi assistida na Constituição Federal de
1988, ao preconizar a igualdade de todos os seus cidadãos, sem distinção de qualquer natureza.
Na Lei de Diretrizes e Bases Lei de Diretrizes e Bases 9394/1996 (LDB), reserva um
capítulo para a educação especial, abrindo novos modelos educacionais inclusivos. Outros
documentos importantes marcaram a educação de surdos, mas devemos ressaltar a grande conquista
que a Lei 10.436/2002 representou, ao reconhecer a Língua Brasileira de Sinais como língua da
comunidade surda do Brasil.
Com o respaldo da legislação, os surdos podem contar com intérpretes (Portaria 1.679, de
1999 e Resolução CNE/CEB nº 02/2001), atendimento especializado (ECA, LDB, Plano Nacional
de Educação - Lei 10.172 de 2001), adaptações curriculares (Resolução CNE/CEB nº 02/2001),
entre outras disposições. É claro que ainda há muitos obstáculos para a efetivação de tais
legislações, pois muitas instituições ainda não se adequaram a tais exigências.
Com a legislação reconhecendo a Surdez e sua língua como aspecto social e educacional, a
Cultura Surda teve seus avanços nas suas representações artísticas baseadas em experiências
visuais. A Língua de Sinais caracteriza a comunicação gestual visual levando a interação em todos
os aspectos culturais, criando espaço de poder nas relações entre os sujeitos ouvintes e surdos de
forma significativa e igualitária. Neste contexto o filósofo Michael Foucault expõe sobre este tema:

Sumário
119

[...] não é simplesmente uma relação entre “parceiros” individuais ou coletivos; é um modo
de ação de uns sobre outros. O que quer dizer, certamente, que não há algo como o “Poder”
ou “do poder” que existiria globalmente, maciçamente ou em estado difuso, concentrado ou
distribuído: só há poder exercido por “uns” sobre os “outros”; o poder só existe em ato,
mesmo que, é claro, se inscreva em um campo de possibilidade esparso que se apoia em
estruturas permanentes. (FOUCAULT, 1995, p. 287).

Focault com suas teorias em torno da relação entre poder e conhecimento, refletia na
construção histórica que antecedem a realidade produzida. Com este conhecimento é possível
desconstruir imposições que se fundam no presente que reprimem os pensamentos, as ideias e a
criticidade de uma sociedade. Este pensamento contribui para a compreensão sobre as identidades
surdas, em sua acessibilidade, suas expressões linguísticas, idealistas, com seus costumes, seus
hábitos e sua cultura.
Artistas surdos têm mostrado talentos por meio de representações artísticas, desenvolvendo
trabalhos nas artes plásticas, produções fílmicas, danças, teatro, fotografia dentre outras produções
importantes para a cultura surda. A língua de sinais, as expressões corporais e visuais são
representadas em espetáculos, seminários, mostras culturais, festivais37, abrangendo tanto surdos
como ouvintes nesta apreciação.
Com a convivência no contexto histórico com ideologia ouvintista os surdos lutam por sua
identidade dentro da sociedade, ou seja, lutam pela conquista igualitária cultural e social. Em uma
busca constante para se desprender de um imperialismo oralista constituídos na sua história. Neste
sentido envolve a cultura e a identidade surda nos âmbitos social e educacional com uma
alternativa: a inclusão de profissionais surdos dentro das instituições escolares (Perlim,1998).
Através da arte novos caminhos estão sendo norteados por uma manifestação da identidade
surda para experimentar, partilhar e abrir espaços para o conhecimento, o diálogo, construindo
diretrizes para o espaço social e cultural das pessoas com surdez. De acordo com sua etmologia
afirma-se que:

A arte tem origem na palavra do latim “ars” e o termo correspondente em grego “tékne”,
que significam técnica para produzir ou criar algo. Partindo deste entendimento arte é o
produto da cultura de cada povo, dos valores, dos anseios e da subjetividade humana. Ela
consiste na atividade humana de ordem estética, se manifestando por meio de diversas
linguagens, tais como: arquitetura, desenho, escultura, pintura, escrita, música, dança, teatro
e cinema, além dos cruzamentos entre elas. O processo criativo se dá a partir da percepção
e da intenção de expressar emoções e ideias, objetivando um significado único e diferente
para cada obra (PEIXOTO, 2016, p. 94).

37
Em 2014 aconteceu o Festival de Folclore Sinalizado Surdo na UFSC com repercussão nacional, participando das
oficinas e apresentações representantes de diversos estados. Já em 2016 este evento teve repercussão internacional, com
participantes de diversos países.

Sumário
120

Spolin (2015) disserta sobre as artes cênicas como oportunidades expressivas de ensinar e
aprender através do teatro:

Todas as pessoas são capazes de atuar no palco. Todas as pessoas são capazes de
improvisar. As pessoas que desejarem são capazes de jogar e aprender a ter valor no palco.
Aprendemos através da experiência, e ninguém ensina nada a ninguém. Isto é válido tanto
para a criança que se movimenta inicialmente chutando o ar, engatinhando e depois
andando, como para o cientista com suas equações. (SPOLIN, Viola 2015.p 3)

Segundo Spolin o ambiente e o indivíduo têm uma relação de ensino e aprendizado basta se
permitir a isso; submetendo-se a experiência todas as pessoas serão capazes de atuar em diferentes
elementos da linguagem. Neste sentido o sujeito surdo, no seu protagonismo artístico interage com
a plateia de surdos e ouvintes vivenciando e compartilhando experiências que permitirão uma
comunicação mais significativa da cultura surda.
Neste contexto explicitado, para manifestar através da arte a história e a identidade surda
para todos os públicos, sendo no meio educacional, cultural como no social, a experiência visual
tanto na língua de sinais, como nas expressões artísticas são manifestadas como parte integrante de
uma experiência de lutas e desafios. Além disso, parte integrante também de uma representação
identidade com heranças culturais e linguísticas, com ricas produções, concretizando todo valor
cultural de várias gerações de surdos na história. Segundo Strobel (2016.p 109):

A maioria dos registros históricos foi escrita através de metanarrativas ouvintes,


depoimentos de profissionais que trabalharam com os sujeitos surdos, fatos vivenciados por
eles, avanços tecnológicos e observações de familiares e amigos ouvintes, tornando a
história de surdo em uma visão crítica, isto é, a história de surdos na visão de sujeitos
ouvintes.

Nesse sentido a autora expõe a história da cultura surda na visão de ouvintes, como uma
crítica a determinadas posições de profissionais da área da saúde, educacional e social. Mas defende
a história contada pelos seus protagonistas, pois através das representações artísticas são
compartilhadas a língua, a identidade e as produções culturais, expandindo o conhecimento e o
resgate social da comunidade surda. A Cultura Surda constitui-se num ambiente de troca de
experiências visuais. “No entanto, o uso de comunicação visual caracteriza o grupo levando para o
centro do específico surdo” (PERLIN, 2010, p.63).
Strobel (2008) em sua obra apresenta artefatos culturais que exemplificam as produções
culturais surdas, dentre estas, o artefato denominado de artefato artes visuais. A fim de obter
informações e evidenciar o desenvolvimento artístico do povo surdo, este estudo foi elaborado

Sumário
121

partindo dos seguintes passos: inicialmente, foi realizado uma análise com base nos dados obtidos
por meio de um levantamento que buscou apresentar dados encontrados em web sites que
evidenciam o surgimento de artistas surdos no Brasil e no mundo.
Portanto, o propósito de evidenciar as manifestações artísticas dos surdos,parte do interesse
de reivindicar seu reconhecimento. Os protagonistas de produções culturais oriundas do contexto do
povo surdo que abordaremos a seguir representa a presença da diferença como forma de inclusão
social, trazendo a autenticidade do sujeito surdo com uma participação ativa no meio artístico,
educacional e cultural.

2. O ARTEFATO CULTURAL: ARTES VISUAIS

Cultura é uma longa conversa. Essa é acaso a mais ampla, mais generosa mais pertinente
concepção de cultura. Onde não há conversa, não há cultura. Cultura significa que esta
cultura quer conversar com aquela outra que está distante, que parece distante, que surge
como longínqua e estranha. Cultura é a ampliação da esfera da presença do ser. (Coelho,
2001, p.81)

Partindo desse pressuposto dialógico pertinente à realidade bilíngue e bicultural da


comunidade minoritária brasileira denominada de comunidade surda, a arte possibilita esta
experiência em compartilhar ideologias, ou simplesmente demonstrar sentimentos, emoções,
vivências. Nesse contexto, muitos artistas surdos têm expressado através do movimento artístico a
valorização da língua, a cultura e da identidade surda.
Destacamos a seguir, portanto, com base na pesquisa realizada, apenas algumas produções e
alguns protagonistas desta nova história que apresenta as manifestações artísticas do povo surdo: no
mundo, no Brasil e no estado do Espírito Santo.38 Vale ressaltar, que embora vários sites tenham
sido consultados, a principal fonte foi o site culturasurda.net, que consiste em um repositório on-
line de produções culturais das comunidades surdas criado pelo mestre em ciências da cultura Hugo
Eiji.

2.1 – No mundo:
Um exemplo deste artefato cultural é Arnaud Balard, artista plástico surdo francês, criador
(2009) do movimento artístico Surdisme (Surdismo), considerado hoje um dos principais nomes das

38
Um exemplo de como nos estados brasileiros o movimento artístico originado da cultura surda tem crescido e
impactado crianças e adultos

Sumário
122

Artes Surdas na Europa. Este quadro abaixo é uma adaptação do famoso quadro “O Grito” de
Edvard Munch.

Figura 1: “Grito Surdo” de Arnaud Balard

Fonte: culturasurda.net

Levando em consideração que a música não é originada na cultura surda, mas surge de uma
relação intercultural com a comunidade ouvinte, nem todos os sujeitos surdos gostam de música “e
isto também deve ser respeitado. Respeitando a cultura surda, substituindo as músicas
ouvintizadas39, surgem artistas surdos em diferentes contextos como músicas-sem-som, dançarinos”
[...] (STROBEL, 2008, p.70). Então desta relação intercultural fundamentada no respeito à
diferença, novos formatos de expressividade musical surgem no meio do povo surdo.

O Mestre em Ciências da Cultura Hugo Eiji apresenta em seu site, culturasurda.net, diversas
produções musicais (bandas, grupos, solo) pelo povo surdo, tais como: Vaughn Brown (Estados
Unidos), Ruth Montgomery (Reino Unido), Beethoven’s Nightmare (Estados Unidos), Evelyn
Glennie (Reino Unido), ExtraOrdinary Horizons (Singapura), Mamoru Samuragochi (Japão), Mur
Du Son (França), Prinz-D (Estados Unidos), Rebecca-Anne Withey (Reino Unido), Sean Forbes
(Estados Unidos) e Signmark (Finlândia).

39
Onde nesta prática os surdos apenas copiam (muitas vezes sem saber o significado) os sinais e movimentos de um
“intérprete regente” que traduz uma determinada música de autores ouvintes, que nada retratam uma produção cultural
do povo surdo.

Sumário
123

Figura 2: Beethoven’s Nightmare (Estados Unidos)40

Fonte : culturasurda.net

Os Beethoven’s Nightmare (Pesadelo de Beethoven), uma deaf-band (banda surda) de rock,


surgiudo encontro de três jovens surdos (Ed Chevy, Bob Hiltermann e Steve Longo) na Gallaudet
University em meados da década de 70 e fazem shows até hoje com instrumentos em alto volume,
show de luzes, dançarinas e performances em língua de sinais. A banda se apresenta não apenas para
plateias surdas mas também para o público ouvinte de todas as idades em diferentes países. Em
entrevista a Ronald Deese sobre o seu trabalho como músico Ed Chevy afirma:

Percebi que música é a criação de linguagem corporal, comunicando a linguagem universal


da alma, com ou sem palavras. Percebi que a música em si tem grande apelo e é uma parte
essencial da vida. A linguagem da música pertence a todas as pessoas. Música é a
linguagem de se perceber sentindo.41

2.2- No Brasil:

O número de produções surdas na categoria artes visuais é extremamente significativo e


consequentemente apresenta uma riqueza em exemplos, pois consiste no que o surdo tem de
melhor, a visão. Esta aptidão faz com que a criatividade nas artes visuais se desenvolva cada vez
mais. Um exemplo disso é um famo

so grupo de surdos de João Pessoa que produziu vários filmes.

40
Site oficial da banda: http://www.beethovensnightmare.com

41
Fonte:http://culturasurda.net/2012/05/23/beethovens-nightmare/

Sumário
124

Figura 3: Filme Feito Por Surdos

Fonte: http://www.youtube.com/user/filmesurdos

No nosso país alguns nomes se destacam na comunidade surda brasileira, como veremos a
seguir, três exemplos de surdos que inspiram seus pares a produzirem arte.

2.2.1- Fernanda Machado:


A artista plástica, atriz, poetisa, professora e tradutora surda Fernanda Machado (UFSC)
reproduz em suas obras a experiência com a surdez através das pinturas, gravuras e poesias.
Sensibilizando a sociedade para: a cultura visual, a língua de sinais, o conhecimento da identidade
surda, bem como, sua trajetória no contexto histórico social e educacional.

Figura 4: Quadro e poesia de Fernanda Machado

42
Fontes: culturasurda.net e http://www.jornaldacidade.net
Na imagem acima (Figura 1), apresentamos uma das obras mais conhecidas da artista, e ao
lado, a artista sinalizando um dos trechos de sua poesia consagrada na comunidade surda brasileira:
“Voo sobre o Rio” apresentada na Galeria Jenner Augusto em Sergipe na exposição “A

42
https://culturasurda.net/2011/12/12/fernanda-machado/ e http://www.jornaldacidade.net/noticia-
leitura/69/79094/exposicao-a-sensibilidade-apresenta-trabalhos-de-pessoas-surdas-.html#.WS acessados em 29 de Maio
de 2017.

Sumário
125

Sensibilidade”. A mostra apresentou trabalhos artísticos de autores surdos no período de 15 de


setembro a 30 de Setembro de 2014. Marcando assim, o “Setembro Azul” que remete a lembrança
das lutas e conquistas da comunidade surda, além de abranger a datas 26 de setembro (Dia nacional
da pessoa Surda, aqui no Brasil) e 30 de setembro (Dia mundial da pessoa Surda).

2.2.2- Sueli Ramalho e Rimar Ramalho:


Os irmãos surdos, filhos e netos de surdos, criaram em São Paulo, 2003 a Cia. Arte e
Silêncio utilizando técnicas de mímica e da linguagem clown, adaptadas à língua de sinais, tornando
as apresentações criativas, lúdicas e significativas, promovendo a diferença e evidenciando o talento
dos surdos. No canal do youtube da artista Sueli Ramalho, principal veículo de divulgação do seu
trabalho, foi encontrado fotos de um dos espetáculos da Ciartesilencio, a peça "ORELHA," que é
apresentada em vários estados do Brasil, durante anos. Esta peça teatral aborda a cultura surda, a
Língua de Sinais e sua relevância para a comunicação.

Figura 5: Peça “ORELHA” de Rimar e Sueli Ramalho

Fonte: https://www.youtube.com43

2.2.3- Nelson Pimenta:


O artista Nelson Pimenta (cineasta, produtor, ator, autor da Literatura Surda, diretor e
apresentador de um programa de TV, professor, dentre outras atuações em diversas áreas) é
presença marcante em importantes eventos artísticos, e culturais da comunidade surda brasileira.
Primeiro artista surdo brasileiro a se profissionalizar formalmente, estudou na New York Teatro
Nacional de Surdos NTD e já recebeu o prêmio de Moção de Congratulações ao TBS - Teatro
Brasileiro de Surdos na Câmara Municipal do Rio de Janeiro por sua atuação como diretor e ator.

43
https://www.youtube.com/watch?v=JdMlFKkkK_w acessado em 29 de maio de 2017.

Sumário
126

Nelson Pimenta, pioneiro em muitas ações, contribui para o fortalecimento da identidade e


da cultura surda com produções de materiais de ensino aprendizagem em Libras; participando em
importantes movimentos artísticos, culturais e científicos, como também apresentações teatrais,
com o objetivo de difundir a língua de sinais valorizando o sujeito surdo na sociedade.

Figura 6: Nelson Pimenta atuando no teatro44 e na tv como apresentador

Fontes: Youtube.com e tvines.ines.gov.br


2.3- No Espírito Santo:
Inspirados por este movimento artístico surdo, no Estado do Espírito Santo a manifestação
artística, no contexto da comunidade surda local ainda está em desenvolvimento; há profissionais
surdos que trabalham em instituições de ensino estaduais, municipais e privadas ministrando aulas
de Libras e oficinas para surdos e ouvintes, levando também, o conhecimento e divulgação da arte
surda, como veremos nos exemplos a seguir:

Figura 7: Teatro de Alberto Leite e Gabriel – Semana do Surdo CAS-ES

Fontes: https://www.youtube.com45

44
A primeira parte da figura 3 apresenta um registro do espetáculo Nelson 6 Live, que cobriu mais de vinte cidades do
Brasil por mais de uma década, onde o mesmo atuou como autor, ator e produtor.
45
Instrutor Surdo Alberto Leite - https://www.youtube.com/watch?v=qNCxINVMx1U- acessado em 07 de julho de
2017.
12
https://www.youtube.com/watch?v=lLqq70TTnZU acessado em 07 de julho de 2017.

Sumário
127

Figura 8: Librart – Teatro Dança e Arte -Somos todos iguais

46
Fonte: https://www.youtube.com

Figura 9: Davi Queiroz47 –Apresentação do teatro na escola e como instrutor de Libras

Fonte: Acervo particular


CONCLUSÃO
A surdez ainda está relacionada a uma exclusão social, impedindo oportunidades no
mercado de trabalho como também numa interação significativa dentro da sociedade, onde a
maioria dos ouvintes talvez por falta de conhecimento, não reconhece a surdez como uma diferença,
mas visualiza na pessoa com surdez um deficiente com poucas possibilidades de se profissionalizar.
Com a falta de possibilidades, adultos e crianças surdas ainda estão à mercê de uma cultura
ouvintista impedindo a aproximação dos surdos. A carreira artística é uma opção de abrir caminhos
para a disseminação das identidades surdas como também levar o conhecimento da cultura surda a
todos de forma real e significativa.
Nesse contexto, o meio artístico de um sujeito surdo demonstra sua identidade, se
expressando através da arte, sua história, seus anseios, suas críticas e potencialidades de um mundo
visual diferente e acessível a todos. Pois, a representação artística busca materialidades e linguagens para
demonstrar sentimentos, pensamentos e criatividade; além disso, expressar ideias, opiniões, como também
defender ações e resolver problemas.

47
Professor surdo Davi Queiroz Oliveira – Apresentação teatral “Os três porquinhos”–Instrutor de Libras – Instituição
Educacional Estadual – Cariacica-ES.

Sumário
128

Como vimos nos dados apresentados neste capítulo, nas manifestações culturais do povo
surdo são transmitidas as experiências de vida por um canal visual, apoiando-se numa linguagem
corporal e uma intencionalidade de estar presente empiricamente em todas as comunidades tanto
surda como ouvinte. Estar atento às mudanças sociais e ter um olhar para o outro numa convivência
de respeito a outras culturas, línguas e a diversidade, possibilitam uma inclusão e interação mais
concreta para a vivência na sociedade.
Constatamos então, que as manifestações culturais do povo surdo representam um grande
avanço sobre a diversidade e a inclusão de pessoas surda na sociedade oportunizando o
conhecimento mais significativo na comunicação entre surdos e ouvintes. A Arte abre este espaço
para o olhar, o sentir, o pensar e o compreender através de novas experiências culturais e sociais
trazendo o artista e o apreciador a refletir, analisar e conhecer o universo do outro e suas diferenças
de forma mais igualitária.

Sendo assim, importância do contexto artístico cultural na visibilidade do sujeito surdo pode
elencar o desenvolvimento nas artes, e em qualquer área de interesse profissional, efetivando a
inclusão no mercado de trabalho em todos os âmbitos sociais, educacionais e culturais.

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Sumário
129

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STROBEL, Karin Lilian. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Editora UFSC,
2008.

Sumário
130

10 - A MOVIMENTAÇÃO POLÍTICA DA COMUNIDADE SURDA


BRASILEIRA EM DEFESA DE ESCOLAS BILINGUES PARA SURDOS

Elizete Olinto Ferreira48


Janaína Aguiar Peixoto49

INTRODUÇÃO

Abordaremos nesse capítulo o artefato político cultural se manifestando na trajetória de luta


da comunidade surda, por reconhecimento de suas diferenças culturais, e reivindicação por escolas
que valorizem a língua de sinais como língua de instrução desse sujeito, as escolas bilíngues para
surdos.
Tomamos como espaço de análise as redes sociais, buscando analisar o movimento social no
Brasil em prol de escolas bilíngues para surdos. A coleta de dados ocorreu a partir de notícias,
manchetes e postagens no período de 2011 a 2014, apresentando o percurso histórico da luta das
comunidades surdas em favor de obter seus direitos educacionais. Além disso, esta busca e análise
dos referidos dados objetivou evidenciar a instrumentalidade da Internet para a articulação do
movimento em prol de escolas bilíngues para surdos. Procurando assim, identificar as conquistas já
alcançadas pelo movimento social dos surdos no contexto atual.
Apresentaremos, portanto: uma contextualização do cenário político, que foi o ponto inicial
para a luta declarada e organizada da comunidade surda brasileira em defesa das escolas bilíngues;
a reação desta comunidade linguística minoritária do Brasil; e por fim, a conquista do movimento
azul.

1. A GOTA D’ÁGUA

Em dezembro de 2010, foi encaminhado pelo Governo Federal ao Congresso Nacional o


projeto de lei que cria o Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio de 2011 a 2020, nele foi
apresentado dez diretrizes objetivas e 20 metas, seguidas das estratégias específicas para
solidificação das mesmas. Dentre estas metas apresentadas pelo Portal do MEC, daremos destaque a
48
Especialista em Libras (UESBA), Graduada em Pedagogia (UNAVIDA), Tradutora e Intérprete de Libras, professora
de Libras da rede Municipal de Ensino em João Pessoa e tutora do curso Letras LIBRAS da UFPB.
49
Professora do Departamento de Línguas de Sinais – DLS/CCHLA/UFPB e no Programa de Pós Graduação em Letras
(PPGL/UFPB), Doutora em Letras (PPGL/UFPB), Mestre em Ciências das Religiões (PPGCR/UFPB), Fonoaudióloga
(FRASCE-RJ), Tradutora e Intérprete de Libras (UFF).

Sumário
131

meta 4 que propõe: “Universalizar, para a população de 4 a 17 anos, o atendimento escolar aos
estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação na rede regular de ensino”.
Com base nesse direcionamento, afirmando pautar-se na perspectiva inclusiva em oposição
à “educação especial”, uma representante do MEC esteve no Rio de Janeiro para fazer um
comunicado, como relata Campelo e Rezende (2014, p. 75):

[...] a Diretora de Políticas de Educação Especial Martinha Claret, com os pensamentos


retrógrados sobre a nossa educação, ainda ousou ir ao Instituto Nacional de Educação de
Surdos (INES), em 17 de março de 2011, para comunicar ao seu Conselho Diretor, diante
da presença de alunos, professores e pais, que o Colégio de Aplicação do INES seria
fechado até o final de 2011 e os alunos surdos seriam remanejados para escolas comuns.
Esse comunicado provocou um mal-estar na comunidade escolar e chegou ao conhecimento
do líder surdo Nelson Pimenta, atual professor efetivo do INES, que gravou um vídeo
alertando toda a comunidade surda brasileira e mundial sobre a ameaça do fechamento do
INES.

Esta informação sobre o fechamento se tornou pública e como consequência disso, o jornal
eletrônico O Globo do Rio de Janeiro divulgou a seguinte reportagem:

A comunidade de deficientes auditivos e visuais no Rio se articula contra a possibilidade de


encerramento, até o fim do ano, das aulas de ensino básico para crianças e jovens em duas
instituições federais: o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), em Laranjeiras, e
o Instituto Benjamin Constant, na Urca. [...] Na internet, há vídeos, manifestos e abaixo-
assinados contra o fim do ensino básico nas duas instituições. De acordo com a diretora-
geral do INES, Solange Rocha, a diretora de Políticas Educacionais Especiais do Ministério
da Educação, Martinha Claret, veio ao Rio há 12 dias para informar que as atividades do
Colégio de Aplicação vão acabar até o fim do ano. A intenção é matricular os alunos
portadores de necessidades especiais nas redes estadual e municipal convencionais
(VICTOR, 2011).

Essa ameaça de fechamento do INES passou a ser a gota d’água para que as comunidades
surdas de todo país convocassem um “levante” em favor das escolas bilíngues para surdos,
conclamando toda sociedade através dos diversos meios de comunicação a participarem de debates
e protestos.

Sumário
132

2. A REAÇÃO DA COMUNIDADE SURDA BRASILEIRA

FIGURA 1: Manifestação em frente à Secretaria de Diversidade e Inclusão do MEC

Fonte: http://lutas-surdas.blogspot.com.br/

Nesse contexto, teve início no ano de 2011 uma mobilização de política nacional a favor
das escolas bilíngues para surdos, que foi denominada de SETEMBRO AZUL. O foco inicial foi a
luta contra o fechamento da escola especializada na educação de surdos – INES – Instituto Nacional
da Educação de Surdos. Essa instituição existe desde meados do século XIX, no Rio de Janeiro
fundado pelo imperador D. Pedro II com o apoio do surdo francês E. Huet. Por esse motivo, a
língua de sinais brasileira sofreu forte influencia da língua de sinais francesa, e foi espalhada por
todo Brasil pelos alunos que regressavam a sua cidade natal, após o término do curso no INES em
regime de internato.
Foi em homenagem ao mês50 da fundação deste instituto, que é considerado pela
comunidade surda brasileira, um marco histórico e local de resistência da Língua de Sinais e da
Cultura Surda, que setembro passou a ser para essa comunidade um período de busca mais intensa
por conquistas e apoio as causas defendidas.
Sendo assim, é uma tradição de muitos anos ocorrer nos diversos cenários da sociedade
discussões a repeito dos seus direitos e lutas promovendo: passeatas, apresentações culturais,
audiências públicas, seminários, fóruns, palestras e debates, que busquem a abertura com a
sociedade para o esclarecimento de quem são e o que desejam.

50
O Dia Nacional dos Surdos é comemorado no dia 26 de Setembro, pois nesta data no ano de 1857 foi fundado
oficialmente o INES.

Sumário
133

Contudo, com a ameaça de fechamento do INES, em 2011, o dia Nacional do Surdo, que já
era comemorado anualmente, passou a ser a data escolhida para marcar e articular atividades sociais
e políticas em defesa das escolas bilíngues para surdos. Isto ocorreu com o apoio das diversas
comunidades e associações de surdos espalhadas em todo o país, utilizando-se das redes sociais e
demais mídias para convocar toda sociedade, fazendo com que os familiares, simpatizantes e
políticos aderissem à causa.
FIGURA 2: Recolhimento de assinaturas on-line em Favor da Educação e Cultura Surda

Fonte: bilinguesparasurdosja.com

O site http://bilinguesparasurdosja.com, divulgou em setembro de 2012 a informação que a


Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS) era a instituição líder do
Movimento Surdo em Favor da Educação e da Cultura Surda no Brasil. Dando início assim, a um
abaixo-assinado on line como parte da luta em apoio à inclusão de escolas e classes bilíngues
(Libras/Português escrito) no Plano Nacional de Educação (PNE). Essa proposta visa garantir os
direitos constitucionais linguísticos dos surdos no âmbito escolar e será entregue aos Senadores
brasileiros. A meta foi recolher 12 mil assinaturas. Para melhor esclarecer a proposta, foi postado
nas redes sociais um texto (explicação em português) e um vídeo (explicação em Libras).

FIGURA 3: Foto de Surdos divulgando o movimento por escolas bilíngues na internet

FONTE: HTTP://SINALIZANDOEDUCULT.WORDPRESS.COM

Sumário
134

Artistas e personalidades ouvintes e surdos, apareceram juntos em vídeos no youtube e


fotos nas redes sociais, convidando a população a participar das passeatas e a conhecer de perto as
necessidades educacionais dessa comunidade, encorpando o “grito” por respeito as suas diferenças
linguísticas.

FIGURA 4: Elke Maravilha (artista), Karin Strobel e Shirlhey Vilhalva (escritoras surdas)

Fonte: acessibilidadeparasurdos.blogspot.com

Em uma ação conjunta, em vídeo divulgado na web, em 2013, a atriz Marieta Severo
apareceu junto a Nelson Pimenta que é um dos líderes surdo desse movimento, convidando toda a
população brasileira a participar da Manifestação surda por Educação Bilíngue, que aconteceu em
Brasília. Marieta Severo é irmã de Lúcia Severo (surda, militante pela causa e integrante da
diretoria da FENEIS51 há muitos anos) e apoia totalmente as escolas bilíngues para surdos.

FIGURA 5: Vídeo da convocação de Marieta Severo (atriz) e Nelson Pimenta (poeta surdo) apara a Manifestação cidadã surda por
Educação Bilíngue, em Brasília.

FONTE: HTTPS://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?V=4ZW2XSSPB3W

51
Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos

Sumário
135

No auge da luta, o site http://www.revistareacao.com.br/, postou a matéria produzida pela


revista REAÇÃO, na edição de nº 94, ressaltando as lutas da comunidade surda, com destaque para
o Movimento “Setembro Azul” como uma oportunidade de divulgar para toda sociedade brasileira
os desejos, sonhos, lutas e vitórias dessa comunidade, trazendo para os diversos cenários a
necessidade de refletir a respeito de suas diferenças linguísticas e culturais.

3. O SETEMBRO AZUL

Foram inúmeros eventos, postagens e publicação em alusão ao Setembro Azul, onde a


logomarca e o debate com relação ao Movimento foi amplamente divulgado nas redes sociais.

FIGURA 6: Logomarca do Movimento Setembro Azul por Escolas Bilíngues para Surdos

Fonte: http://elosdasaude.wordpress.com

Uma fita azul também foi usada no Setembro Azul, representando a história, cultura, língua
e orgulho da comunidade surda. Segundo o site http://www.fcee.sc.gov.br/ a fita azul foi
introduzida em Brisbane, na Austrália, em julho de 1999, no Congresso Mundial da Federação
Mundial de Surdos. Durante o evento foi feita a sensibilização da luta dos Surdos e suas famílias
ouvintes, através dos tempos.

Sumário
136

FIGURA 7: Divulgação da fita azul, utilizada no Movimento Setembro Azul, representando a comunidade surda e sua
luta

Fonte: http://danianepereira.blogspot.com.br

A Revista da Feneis, elaborou uma edição especial (nº44) a respeito da presença em Brasília
de 4.000 manifestantes representando a comunidade surda brasileira.

FIGURA 8: Capa da revista Feneis – Edição especial

Fonte: http://www.feneis.org.br

Sumário
137

Muitos foram os acontecimentos em diversas cidades do país. Em Brasília, nos dias 19 e 20


de maio de 2011 (Figura 9), aconteceram passeatas organizadas pelo Movimento Surdo em Favor
da Educação e em defesa da Escola Bilíngue para Surdos. Reunindo um grande número de pessoas
que juntas faziam ecoar suas “vozes”, movidas de um forte desejo de serem compreendidas como
cidadãos, sendo garantido o direito de terem um espaço escolar que favoreça a construção de sua
Identidade e repeito a sua língua natural.

FIGURA 9: Fotos do Movimento Surdo em Favor da Educação e da Cultura Surda – Setembro Azul

Fonte: http://sinalizandodf.wordpress.com

Em João Pessoa, aconteceu no dia 26 de setembro de 2013, na Assembleia Legislativa uma


sessão especial para debater a inclusão de escolas bilíngues para surdo no PNE – Plano Nacional de
Educação. Na ocasião segundo o site oficial da Assembleia Legislativa da Paraíba, a professora do
Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba, Dra. Sandra Santiago, destacou que a
criação da Escola Bilíngue é a principal luta dos surdos nos últimos 10 anos.

Sumário
138

FIGURA 10: Foto da sessão especial na Assembleia Legislativa da Paraíba

Fonte: http://www.al.pb.gov.br/

Estiveram presentes lideranças do Movimento Bilíngue da Paraíba, intérpretes de Libras e


simpatizantes dessa bandeira de luta. Foram destacadas as primeiras vitórias alcançadas e a
importância da ampla discussão a respeito do tema.

4. A LUTA NÃO ACABOU

Figura 11: Entrega da proposta em 2012 para a presidenta

Fonte: http://cacaumourao.blogspot.com.br/2012/03/

Sumário
139

Na 3ª Conferência Nacional pelos Direitos das Pessoas com Deficiência, em 2012, segundo
o site http://bilinguesparasurdosja.com/ , 81% dos delegados apoiaram a Proposta de um Programa
Nacional de Escolas e Classes Bilíngues com Libras como L1 e Português escrito como L2, essa
proposta foi aprovada trazendo muita euforia e esperança de tempos melhores para todos os
envolvidos nessa luta.

FIGURA 12: LOGOMARCA do Movimento depois da aprovação

Fonte: http://bilinguesparasurdosja.files.wordpress.com

A conquista dessa batalha foi muito valorizada, mas ainda faltava ganhar a “guerra” a
implantação de salas e escolas bilingues. Para tanto, era necessário haver diretrizes e
recomendações regulamentadas que servissem como norteadores para essas novas escolas.
Pensando nisso, foi instituído pela Portaria nº1.060 de 30 de outubro de 2013 do MEC/SECADI o
grupo de trabalho designado para elaboração do Relatório sobre a Política Linguística de educação
Bilíngue – Língua Brasileira de Sinais e língua Portuguesa. Este GT formado por acadêmicos
surdos e ouvintes bilíngues militantes como Shirley Vilhalva, Gladis Perlin, Patrícia Rezende, Ana
Regina Campello, Valdo Nóbrega, Ronice Quadros, Solange Rocha, dentre outros, foi concluído em
27 de fevereiro de 2014. Sendo assim, com base nos subsídios deste documento e,

Depois de três longínquos anos de luta no Congresso Nacional acompanhando a tramitação


do Plano Nacional de Educação (PNE), com intensas negociações nos bastidores e
audiências públicas, no dia 28 de maio de 2014, finalmente foi aprovada a redação do plano
na Câmara dos Deputados e sancionada pela Presidenta da República do Brasil, Dilma
Roussef, em junho de 2014. Foi assim que lutamos no passado e é assim que continuamos
lutando, por uma qualidade que condiga com uma política linguística, com uma educação
linguística, com uma educação bilíngue. Nada vai em frente quando não há luta; a batalha
encerra-se, entretanto, as lutas não cessam (CAMPELLO e REZENDE, 2014, P. 89)

Sumário
140

5. ALGUMAS DESSAS NOVAS ESCOLAS

Durante a análise da presente pesquisa encontramos um dado de extrema relevância para a


comunidade surda paraibana, pois a Prefeitura de Sumé, inaugurou em 2012 a Escola Bilíngue
Nossa Senhora da Conceição. Esta escola nasceu da parceria entre a prefeitura e a Universidade
Federal de Campina Grande (UFCG) e recebe alunos surdos, surdo – cegos, dentre outras
deficiências, oferecendo desde a educação infantil até o EJA – Educação de Jovens e Adultos,
atendendo não apenas a cidade de Sumé, mas também cidades circunvizinhas.

Figura 13: Escola Bilíngue na Paraíba.

FONTE: HTTP://EUDERARRAIS.BLOGSPOT.COM.BR

O Movimento Surdo em Defesa da Educação e da Cultura Surda obteve também uma


conquista no estado de Rondônia. Foi inaugurado em abril de 2013 a Escola Municipal Bilíngue
Porto Velho, primeira no estado, oferecendo 150 vagas do Pré - escolar ao 5ª ano.
FIGURA 14 : Militantes comemorando a conquista da Escola Municipal Bilíngue Porto Velho

Fonte: http://bilinguesparasurdosja.com

Sumário
141

Visando a diferença linguística da comunidade surda, alguns estados da federação


viabilizaram a abertura de escolas bilíngues. Outro exemplo dessas escolas está no site tribuna do
ceará (http://tribunadoceara.uol.com.br), o qual publicou no dia 13 de janeiro de 2014, que a
Prefeitura de Fortaleza, através da Secretaria Municipal de Educação (SME) daria início ao
funcionamento em tempo integral, desde a Educação infantil até o Ensino Fundamental, na Escola
Municipal de Educação Bilíngue Francisco Suderlan Bastos Mota. A proposta da escola consiste em
trabalhar a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como primeira língua e sendo essa a língua de
instrução do aluno, e como segunda, a Língua Portuguesa em sua modalidade escrita. Essa será a
primeira unidade de ensino do estado a funcionar nessa modalidade e atenderá aproximadamente
200 alunos.

FIGURA 15: Encontro para discussão da proposta e apresentação de prédios para o funcionamento da unidade
educacional bilíngue

Fonte: Prefeitura de Fortaleza

E por fim, em São Paulo, a Escola Municipal de Educação Bilíngue para Surdos Helen
Keller, atende crianças, jovens e adultos com surdez e com deficiências associadas, como por
exemplo surdocegos. Essa escola existe há décadas e passou da abordagem oralista até chegar ao
bilinguismo. No blog http://surdohk.blogspot.com.br/, podemos encontrar diversos projetos
desenvolvidos por educadores e educandos dessa instituição, sempre utilizando a Língua de Sinais
como primeira língua e trazendo à tona debates e desenvolvendo projetos a exemplo do Teatro das
Sombras, que busca discutir temas importantes, como por exemplo, a Identidade Surda.

Sumário
142

FIGURA 16: Grupo de educadores e educandos que fazem parte do Projeto Teatro das Sombras

Fonte: http://surdohk.blogspot.com.br

Esses foram apenas alguns exemplos de escolas bilíngues que hoje existem graças a luta
deste movimento político da comunidade surda brasileira. Com isso, vemos que todo esforço e
empenho nessa luta aos poucos fez nascer uma nova perspectiva de desenvolvimento na vida de
jovens e crianças surdas no nosso país. Com base nesta nova realidade concordamos com as autoras
surdas que afirmam de maneira conclusiva:
A mobilização em defesa de nossas Escolas Bilíngues de Surdos vem dos primórdios, mas
com maior intensidade a partir da explosão do Movimento Surdo, quando na ameaça do
fechamento da nossa escola centenária. Enfim, estamos construindo a nossa política da
verdade: as escolas bilíngues de surdos não são segregadas, não são segregadoras e nem
segregacionistas como tem alardeado tanto o Ministério da Educação. Pelo contrário, são
espaços de construção do conhecimento para o cumprimento do papel social de tornar os
alunos cidadãos verdadeiros, conhecedores e cumpridores dos seus deveres e defensores
dos seus direitos, o que, em síntese, leva à verdadeira inclusão (CAMPELLO e REZENDE,
2014, P. 89).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos concluir, portanto, que ainda estamos longe de ter uma quantidade suficiente de
escolas públicas de qualidade que atendam às diferenças dos sujeitos surdos, porém as conquistas
apresentadas evidenciam a importância da continuidade dessa luta. Mas, nós encerramos esse
capítulo com uma indagação: temos a quantidade necessária de professores habilitados para
desenvolver esse ensino bilíngue? É preciso pensar na qualidade desse ensino no que diz respeito a
toda comunidade escolar e especialmente ao corpo docente que deverá ser capacitado para que haja
êxito no trabalho desenvolvido.

Sumário
143

REFERÊNCIAS

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Especial n. 2/2014, p. 71-92.

DORZIART, Anna. O outro da educação: pensando a surdez com base nos temas Identidade/
Diferença/ Currículo e Inclusão. Petrópoles, RJ:Vozes, 2009, - (Coleção Educação Inclusiva).

MAURICIO, A.C.L. Educação e currículo: fundamentos e práticas pedagógicas na educação


de surdos. São Paulo: Know How, 2010.

QUADROS, R. M. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artmed, 1997

QUADROS, R.M. Estudos Surdos II. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2007.

QUADROS, Ronice Miller. Situando as Diferenças implicadas na Educação de Surdos:


Inclusão/Exclusão. In Revista Ponto de Vista, UFSC. N.º 4. 2002-2003.

SKLIAR, C. A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Editora Mediação, 2005.

STRÖBEL, K. L. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Ed. UFSC, 2008.

VICTOR, Duilo. Deficientes visuais e auditivos temem possibilidade de perder escolas


especiais. O Globo, Rio de Janeiro, 30 de março de 2011. Disponível em
<https://oglobo.globo.com>. Acessado em 31 de Maio de 2017.

Sumário
144

11 - O DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICOS NA COMUNIDADE SURDA

Larissa Domingues da Silva52


Janaina Aguiar Peixoto53

RESUMO

Diante da questão: Como anda a representação política da comunidade surda no Brasil? Este
capítulo apresenta a temática do desenvolvimento de pessoas surdas que passaram de eleitores a
candidatos de cargos políticos para representar a luta desta comunidade de maneira mais efetiva.
Com base nesta realidade o objetivo deste estudo foi verificar o surgimento de candidatos a cargos
políticos como, vereadores, deputados, prefeitos, dentre outros, analisando esta mudança de atitude
dos sujeitos surdos no âmbito político como uma produção cultural desta comunidade minoritária.
Esta pesquisa de caráter qualitativo, exploratório e bibliográfico fundamentado em Strobel (2008)
realizou um levantamento bibliográfico buscando apresentar notícias mais recentes em jornais
eletrônicos e web sites que evidenciam o surgimento de políticos surdos no Brasil, e por fim, foi
realizado uma discussão com base nos dados obtidos. Dentre estes dados resultantes da pesquisa,
podemos citar a identificação de trinta e seis (36) candidatos surdos durante as eleições de 2012,
2014 e 2016 com a conquista de quatro (4) vereadores surdos eleitos. Esta vitória importante reflete
o atual desenvolvimento político da comunidade surda brasileira.

Palavras chave: Comunidade Surda. Política. Desenvolvimento. Eleição.

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento político inicia de uma construção identitária das pessoas surdas que se
aceitam enquanto Surdos e são aceitos em sua comunidade linguística, para que assim enquanto
coletividade militem por seus direitos. Partindo da autopercepção do "Ser Surdo" baseado em
vivências visuais e não sonoras, esta construção consiste na ruptura com a denominação dada pelos
ouvintes: "Deficiente". Este termo estigmatiza e inferioriza, em oposição ao termo "Surdo" que não
enfatiza a perda de algo, porém destaca o direito de ser diferente. Ser surdo consiste em possuir uma
habilidade visual, o que dá origem a hábitos e uma língua visual. Com isto entende-se que:

52
Licenciada pelo curso Letras Libras DLS/CCHLA/UFPB.
53
Professora do Departamento de Línguas de Sinais – DLS/CCHLA/UFPB e no Programa de Pós Graduação em Letras
(PPGL/UFPB), Doutora em Letras (PPGL/UFPB), Mestre em Ciências das Religiões (PPGCR/UFPB), Fonoaudióloga
(FRASCE-RJ), Tradutora e Intérprete de Libras (UFF).

Sumário
145

A Comunidade Surda não é um "lugar" aonde pessoas surdas e ouvintes tem problemas de
comunicação e marcam um local para conversação, mas um ponto de articulação cultural,
política e de lazer, pois cada vez mais, os Surdos têm lutado por seus direitos e de
cidadania. (FILHO, 2010)

Partindo desta compreensão que a comunidade surda é um ponto de articulação cultural, a


autora surda Strobel (2013) apresenta oito exemplos de produções culturais (artefatos culturais) dos
sujeitos surdos: experiência visual, desenvolvimento linguístico, família, literatura surda, vida social
e esportiva, artes visuais, política e materiais. Nesta pesquisa apresentaremos a atual realidade na
qual os sujeitos Surdos lutam pelos seus direitos em espaços políticos, sendo esta atitude uma
produção cultural da comunidade minoritária chamada de comunidade surda, como afirma a autora
Strobel (2013, p.88,89):

Outro artefato cultural influente das comunidades surdas é a política, que consiste em
diversos movimentos e luta do povo surdo pelos seus direitos. Historicamente o povo surdo
brasileiro transmitiu muitas tradições em sua organização das comunidades surdas, o
espaço cultural mais conhecido de todos são as associações de surdos. [...] Atualmente, um
dos maiores objetivos das associações dos surdos é a política. Nessas organizações juntam–
se sujeitos surdos em reunião e assembleias para compartilhar do interesse comum, lutando
pelo seu direito e de cidadania, em uma determinada localidade, geralmente em uma sede
própria, alugada, ou cedida pelo Governo.

Diante disso, é possível perceber que as associações de surdos são espaços organizados de
iniciação e desenvolvimento político dos integrantes das comunidades surdas, visto que através de
discussões e ações voltadas para esta parcela da sociedade suas especificidades são evidenciadas e a
luta pela garantia dos direitos cresce e ganha aos poucos uma maior repercussão. Como resultado do
exercício político dentro das associações, um exemplo de líder e militante surda conhecida no
Brasil, que fundou em parceria com outros militantes uma importante organização de articulação
cultural e política da comunidade surda brasileira é citada por Strobel (2007, p.22):

Ana Regina Souza Campello, surda de nascença, maranhense, formada em Biblioteconomia


e Documentação e Pedagogia, atualmente está fazendo mestrado na área de Linguística e
doutorado na área de educação na UFSC. 54 A Ana é surda, uma militante política
importante no Brasil, ela desafiou e participou em movimentos na área dos surdos há mais
de 30 anos e juntamente com outros surdos líderes criou a FENEIS (Federação Nacional de
Educação e Integração dos Surdos), uma conceituada instituição que defende os direitos dos
surdos e sua cidadania.

54
Doutorado concluído em 2008.

Sumário
146

A FENEIS em parceria com associações de surdos, ONGs, empresas e instituições voltadas


para o público surdo, abraça a luta da comunidade surda e ao longo dos anos muitas vitórias são
adquiridas devido a incansável militância. Sem dúvida a conquista mais significativa e que trouxe
mais visibilidade e respeito a comunidade surda brasileira foi a assinatura da Lei da LIBRAS: "A
língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), graça à luta sistemática e persistente da comunidade surda,
vitoriosamente foi reconhecida pela nação brasileira como a língua oficial do povo surdo, com a
publicação da Lei n° 10.436, de 24 de abril de 2002" (STROBEL, 2013, p. 93). Esta Lei foi
regulamentada pelo decreto 5.626 de 22 de dezembro de 2005.

Portanto, diante deste desenvolvimento, o presente capítulo tem como objetivo verificar o
surgimento de representantes políticos surdos (candidatos, vereadores, deputados, etc.) analisando a
mudança de atitude dos sujeitos surdos no âmbito político como uma produção cultural desta
comunidade minoritária. Mudança esta, onde os surdos passam de eleitores para políticos,
representando assim sua comunidade de origem em uma instância maior.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

De acordo com a pesquisa realizada foi verificado que em reflexo do desenvolvimento


político da comunidade Surda Brasileira em 2012 algo muito interessante e pioneiro aconteceu: o
significativo número de representantes da comunidade surda que se candidataram em diversos
estados do Brasil. Esta representatividade por parte de políticos surdos é muito importante. Este fato
relevante, enquanto uma produção cultural dos sujeitos surdos, foi registrado e evidenciado na
mídia, e de maneira especial o site cultura surda.net que apresentou uma imagem (FIGURA 1) que
destaca este marco político.

Figura 1: Imagem que retrata o fato inédito


Fonte: culturasurda.net

Sumário
147

Os partidos nos quais ocorreram filiação para a candidatura de surdos foram: Partido
Humanista da Solidariedade (PHS), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Socialista Brasileiro
(PSB), Partido Social Cristão (PSC), Partido Social Democrático (PSD), Partido Social Liberal (PSL),
Partido Progressista (PP) e Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).

FILIAÇÃO PARTIDÁRIA DOS CANDIDATOS SURDOS EM 2012

PSD (1) PHS (1)

PP (1) PSOL (3)

PSL (1) PMDB (1)

PSC (1) PSB (3)

Gráfico 1: REPRESENTAÇÃO PARTIDÁRIA EM 2012

Como é possível constatar no Gráfico 1 os partidos com maior representatividade são o


Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) com três candidatos no estado de São Paulo e Partido
Socialista Brasileiro (PSB) com dois candidatos no estado da Bahia e 1 no estado do Mato Grosso
do Sul. A lista com o nome dos candidatos55 encontrados durante a pesquisa a cidade da
comunidade surda que ele propõe representar, o partido e o resultado da eleição verificamos no
Quadro 1.

Nome do candidato a vereador Cidade Partido Resultado


Cailan Silva Barros ÁGUA FRIA – BA PSB ELEITO
Christiane Righetto CURITIBA – PR PSOL NÃO ELEITA
Cláudia Gouveia S. JOSÉ DO RIO PRETO- SP PSOL NÃO ELEITA
Jacques Douglas JAGUARIÚNA – SP PSL NÃO ELEITA
Lucas Botti IBIPORÃ-PR PMDB ELEITO
Lucas Vargas JUIZ DE FORA-MG PSC NÃO ELEITO
Mi surdo* (Milton Carvalho da Silva) ITAPEVI-SP PPS NÃO ELEITO
Paulo Vieira SÃO PAULO- SP PHS NÃO ELEITO

55
Os nomes apresentados são os “nomes para urna” utilizado durante a campanha.

Sumário
148

Pedrinho* (Pedro Henrique Macedo) CATALÃO – GO PSD ELEITO


Prof. Milton Bezerra SALVADOR – BA PSB NÃO ELEITO
Samuel Souza CAMPO GRANDE – MS PSB NÃO ELEITO
Sandro Pereira SÃO PAULO – SP PSOL NÃO ELEITO
Surdo* (Carmerindo Mendes Filho) BROTAS DE MACAÚBAS-BA PP NÃO ELEITO
Quadro 1: IDENTIFICAÇÃO DOS CANDIDATOS 2012

Ao analisar os dados em relação a cidade que o candidato a vereador representa, e


consequentemente sua comunidade surda local, verificamos que o estado com maior
representatividade foi o estado de São Paulo com cinco (5) candidatos e o segundo, o estado da
Bahia com (3) três candidatos. A matéria apresentada no site culturasurda.net56 fala da candidatura
de surdos e evidencia um novo dado, a realização de um debate com a presença destes cinco
candidatos de São Paulo.

Ao contrário de Portugal, no Brasil o voto é obrigatório: e a cada dois anos, brasileiros


correm para colégios eleitorais, em domingos de outubro, para escolherem os seus
representantes. Neste ano, no dia 12/10, concorrerão candidatos a prefeitos e vereadores.
Entre eles, mais de dez Surdos, filiados a diferentes partidos em várias cidades do país,
disputam pelo poder. Mais que uma escolha por simpatia identitária, o voto – ou o não-voto
– é a celebração de um determinado partido, que conta com diretrizes, pressupostos e
ideologias próprias: eleger um candidato é, por isso, fortalecer o poder de discursos e
práticas partidárias (para além do engajamento nessa ou naquela causa) nas instâncias de
decisão nem sempre muito representativas. Conheça bem, então, não só o candidato em que
votará como o partido que o sustenta. Abaixo, clique nos links e conheça alguns dos
candidatos Surdos a vereadores, bem como os seus partidos. (Há poucos dias, a Associação
dos Surdos de São Paulo – ASSP – promoveu um interessante debate que contou com a
presença de cinco concorrentes.

Embora a quantidade de candidatos seja maior, este fato não foi suficiente para eleger um
representante surdo paulista, diferente do que ocorreu na Bahia que conseguiu eleger um vereador
surdo pela primeira vez no município de Água Fria. As outras duas cidades que também elegeram
vereadores surdos foram Catalão de Goiás e Ibiporã do Paraná. Portanto, por se tratarem de dados
mais importantes colhidos durante o estudo, abaixo explicarei um pouco mais de forma detalhada
sobre os vereadores surdos eleitos apresentando um pouco das características de cada um.
O primeiro deles é do estado de Goiás (Catalão), cidade onde Pedro Henrique Macedo
nasceu (25/05/1982) e toda sua história foi desenvolvida porque ele cresceu lá nesta cidade e seus
pensamentos de ser um candidato a vereador já existia há muito tempo, era um sonho. Um dia ele

56
Fonte: https://culturasurda.net/2012/09/23/candidatos-surdos-brasil/

Sumário
149

refletiu que podia trabalhar e lutar para corresponder ao grande desafio de trazer cuidados e
melhorias para a vida das pessoas surdas.
Ele sabia que para isso deveria ajudar a fundar a associação de surdos, participar de reuniões
políticas, elaborar projetos, e lutar pela acessibilidade na comunicação pública em espaços como:
hospitais, bancos, ambiente judiciário, delegacias, dentre outros. Ele se tornou candidato por este
objetivo principal, garantir a comunicação dos surdos nos espaços públicos e conseguiu ser eleito.
Nesse sentido, a vitória do vereador “Pedrinho”, eleito aos 32 anos com formação superior
completo, foi celebrada com grande alegria pelos integrantes da comunidade surda do município de
Catalão- GO nos dois vídeos disponibilizados no youtube57. Na Figura 2 observamos nas laterais da
imagem o orgulho estampado de dois eleitores celebrando a vitória e apresentando “O primeiro
vereador SURDO do Goiás e do Brasil!” título do vídeo, e no centro da imagem o vereador eleito
agradece a confiança dos eleitores e expressa sua felicidade.

Figura 2: Alegria do vereador surdo com seus eleitores em Goiás

Quanto ao segundo vereador surdo eleito aos 35 anos que abordaremos nesta pesquisa trata-
se do Lucas Botti do Paraná nascido em Londrina em 08/03/1981, que possui formação superior
completa. Sua preocupação é com a implantação do serviço de interpretação para a LIBRAS nos
postos de saúde, nos hospitais, na câmara e na assembleia legislativa devido a necessidade de
comunicação e a carência de intérpretes de libras.
Porque segundo o candidato, através da acessibilidade comunicativa garantida para a
comunidade surda da cidade haveria assim a motivação para o desenvolvimento dos surdos,
surdocegos, e dos idosos que também precisam ser atendidos. Essas foram as propostas
apresentadas durante a sua campanha. Na matéria de 10 de outubro de 2012 a Gazeta do Povo 58
divulgou a seguinte notícia:

57
https://www.youtube.com/watch?v=gnBX08R-bls e https://www.youtube.com/watch?v=Us5HR21x0Vs
58
http://www.gazetadopovo.com.br/ERROR/sem-titulo-2dgeuwizgoiz263ptx12fi5hq

Sumário
150

O candidato a vereador Lucas Botti (PMDB) foi o quinto mais votado em Ibiporã nas
eleições do dia 7 de outubro. Com 742 votos, ele conquistou uma das nove cadeiras do
legislativo municipal da cidade. A história dele poderia ser igual à de muitos candidatos de
todo o país. Mas a diferença começa ainda na campanha de Botti. Todo o contato do
candidato com os eleitores foi feito em Libras, a Linguagem Brasileira de Sinais. Isso
porque Lucas Botti é surdo, e precisa de uma intérprete para conversar com as outras
pessoas. Ele é o primeiro vereador surdo a se eleger no Paraná. [...] Mesmo sendo feita em
Libras, a campanha de Botti deu resultado. Ele se mostrou surpreso com a aceitação dos
eleitores. “Eu não sabia que as pessoas iriam me ajudar. Foi um susto receber tantos votos”,
comentou, através de uma intérprete.

A surpresa não atingiu apenas ao candidato, mas ao repórter Fábio Calsavara (autor da
matéria) que de forma despreparada utilizou o termo “Linguagem” de Sinais ao invés de denominar
como Língua de Sinais. Além disso, a surpresa atingiu principalmente a Câmara como é possível
ser verificado na mesma reportagem em outro trecho, quando uma vereadora ouvinte ressalta a
importância da adaptação e adequação da nova realidade de ter um vereador surdo.

O trabalho na Câmara dos Vereadores é um desafio não só para Botti, como também para a
sede do legislativo em Ibiporã. “A Câmara realmente vai ter que se preparar, vai ter que
fazer algumas adaptações para atender as necessidades especiais do Lucas. Ele tem direito a
um assessor, e esse assessor vai ter que ser também intérprete para que possa auxiliá-lo
realmente”, avaliou a vereadora Mari de Sá, em entrevista à RPCTV.

Figura 3: Foto do registro da candidatura à reeleição em 2016

Da mesma maneira, eleito em 2012, o terceiro vereador surdo brasileiro consiste no baiano
Cailan, que depois do seu primeiro mandato também investiu na campanha de reeleição no cargo de
vereador como constata-se na reportagem59 abaixo analisada durante a pesquisa:

E um dos destaques é o jovem vereador Cailan Silva Barros, de 22 anos, do município de


Água Fria. Ele é o primeiro parlamentar surdo da legenda e na Bahia, e foi um dos mais

59
Fonte:http://www.prb10.org.br/noticias/municipios/prb-bahia-tem-seu-primeiro-vereador-surdo-no-municipio-de-
agua-fria/

Sumário
151

votados nas eleições de 2012. As ações do vereador, agora republicano, são em sua maioria
voltadas para o trabalho social. Por força de determinação judicial, Cailan tem um
intérprete de libras que o auxilia nas sessões. Ele tem surdez profunda e não consegue ouvir
nenhum tipo de som. O vereador foi incentivado pelo tio, ex-vereador e ex-prefeito da
cidade, Renan Barros, que hoje preside o diretório municipal do PRB, sendo pré-candidato
a prefeito nas eleições deste ano. Um dos seus desejos é a criação de diversos cursos
em Libras, a Língua Brasileira de Sinais.

Figura 4: Cailan, vereador surdo eleito em 2012 em campanha para a reeleição

Como vimos, este último vereador surdo brasileiro apresentado na pesquisa possui
parentesco familiar com o ex-prefeito da cidade que iniciou como vereador e o incentivou a
ingressar na carreira política em prol da comunidade surda. Além disso, outro dado relevante, é a
pré-campanha para a reeleição em 2016, porém, ao ser pesquisado seu nome como candidato a
vereador de Água Fria no site eleições2016.com (site do TSE), não foi encontrado sua candidatura.
Contudo outros candidatos, que embora não tenham sido eleitos em 2012 como Cailan,
concorreram na mesma época e tentaram novamente em 2014 e\ou 2016, como veremos nos
quadros abaixo que apresentará os dados de candidatos surdos.

ELEIÇÕES 201460
NOME DO CANDIDATO CARGO ESTADO PARTIDO RESULTADO
Christiane Righetto Deputada Estadual PR PSOL Não eleito
Cristian Strack Deputado Estadual RS PRB Não eleito
Paulo Vieira Deputado Estadual SP PHS Não eleito
Prof. Milton Bezerra Deputado Federal BA PSB Não eleito
Sandro Santos Deputado Federal SP PSOL Não eleito
Quadro 2: Segunda eleição com candidatos surdos

Desta forma, ao analisar os dados do Quadro 2 é verificado que com exceção do candidato
Cristian Strack todos os demais também concorreram em 2012 para vereador. Um dado diferente da
eleição anterior (2012) consiste no fato de não haver candidato eleito dessa vez para deputado
estadual ou federal.
60
Fonte: https://culturasurda.net/2014/09/28/eleicoes-2014-candidatos-surdos/

Sumário
152

Contudo, a luta no âmbito político deve continuar, então, novos e antigos candidatos
disputaram por vagas nas câmaras dos vereadores de suas cidades nesta terceira edição de eleição
com representação política de candidatos surdos (Quadro 3). Vale salientar, que embora o número
de candidatos tenha aumentado de treze (em 2012) para dezoito (em 2016), o êxito da pioneira
eleição com representantes da comunidade surda não foi repetido no segundo, pois apenas 1 (um)
vereador surdo foi eleito.

ELEIÇÕES 2016 (VEREADORES)


NOME DO CANDIDATO CIDADE VOTOS RESULTADO
Pedrinho Catalão/GO 1.000 ELEITO
Vinicius São Paulo/SP 9.522 NÃO ELEITO
Cristian Canoas/RS 215 NÃO ELEITO
Diego Porto Alegre/RS 647 NÃO ELEITO
Tibiriçá C. do Sul/RS 1749 NÃO ELEITO
Christiane Curitiba/PR 316 NÃO ELEITO
Isaías Osório/RS 246 NÃO ELEITO
Daniel Belo H./MG 214 NÃO ELEITO
Hugo Marabá/PA 191 NÃO ELEITO
João Elias P. de Minas/MG 116 NÃO ELEITO
Luciano Florianópolis/SC 182 NÃO ELEITO
Tatiane Formosa/GO 50 NÃO ELEITO
Robledo Itajaí/SC 104 NÃO ELEITO
Milton C Itapevi/SP 271 NÃO ELEITO
Fernando Jau/SP 408 NÃO ELEITO
Renato Mendes São Carlos/SP 174 NÃO ELEITO
Surdo do Cambube Pedrão/BA 72 NÃO ELEITO
João Paulo Volta Redonda/RJ 221 NÃO ELEITO
Quadro 3: Terceira eleição com candidatos surdos

Por fim, ainda constatamos que embora haja uma grande aceitação por parte dos eleitores
por determinado candidato que alcança uma boa quantidade de votos, isto por si só não é suficiente,
visto que dependendo do tamanho da população e a quantidade de vagas disponíveis. Embora os
votos sejam considerados significativos, quando comparados com o percentual do todo não garante
a vitória do candidato.
A exemplo disso podemos verificar neste último quadro o imenso reconhecimento ao
candidato da cidade de São Paulo por meio de 9.522 votos, porém insuficiente para conquistar uma
das cinquenta e cinco (55) vagas de vereadores eleitos em 2016 que representaram a população de

Sumário
153

doze milhões trinta e oito mil e cento e setenta e cinco (12.038.175) paulistas. Enquanto que a
comunidade surda também integrante da população com dezessete mil e quatrocentos e trinta e um
baianos (17.431) do município de Água Fria conseguiu reeleger o candidato Pedrinho com apenas
mil (1.000) votos, conquistando assim uma cadeira entre as onze (11) vagas na câmara dos
vereadores.
Sendo assim, a evidente evolução linguística, identitária e cultural refletiu nesta crescente
representatividade política, e a tendência é aumentar a atuação nesta área tão importante e carente
de esclarecimento quanto as reais necessidades da pessoa surda.

4. CONCLUSÃO

Li, pesquisei e coletei dados por meio de reportagens, notícias e vídeos. Achei muito
interessante e importante o tema, porque ainda muitas pessoas pensam que os surdos não possuem a
capacidade de atuar na área da política, porque focam apenas nos obstáculos e nas dificuldades.
Porém, há surdos advogados, engenheiros, psicólogos, pessoas surdas atuando em diversas
profissões atuantes dinamicamente em diversas esferas da sociedade brasileira. Mas, para que isso
ocorra é necessário muito esforço para mostrar a capacidade que está dentro de nós, contudo há a
evidente necessidade do suporte de um segundo profissional atuando com a pessoa surda prestando
os serviços de interpretação.
Como no caso de um vereador que precisa do apoio de um intérprete de Libras para haver a
acessibilidade de comunicação durante o desempenho da sua função. Então os surdos brasileiros
celebram este surgimento de políticos surdos que reflete o desenvolvimento de militância da
comunidade surda. E eu, uma das autoras, do presente trabalho, enquanto surda integrante desta
comunidade linguística minoritária estou muito feliz em saber que de 2012 a 2016, trinta e seis (36)
candidaturas de surdos aconteceram em nosso país. Isto é uma grande conquista que reflete o nosso
desenvolvimento político!

Sumário
154

REFERÊNCIAS

BRASIL, Lei da LIBRAS. Lei nº 10.436\2002 regulamentada pelo Decreto 5.626\2005.


FILHO, 2010, Genivaldo Oliveira Santos. A comunidade surda e a importância da inserção da
libras na sociedade brasileira. Disponível em http://www.webartigos.com/artigos/comunidade-
surda-a-importancia-da-insercao-da-libras-na-sociedade-brasileira/31988/
FREITAS, Wesley Ricardo de Souza; JABBOUR, Charbel José Chiappetta. Utilizando estudo de
caso(s) como estratégia de pesquisa qualitativa: boas práticas e sugestões. Revista Estudo & Debate.
Lajeado-RS, v. 18, n. 2, p. 07-22, 2011.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
OLIVEIRA, Nádia Fátima de. Metodologia da pesquisa científica. São Paulo: Know How, 2010.
STROBEL, Karin Lilian. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Editora UFSC,
2013.
STROBEL, Karin Lílian. Mulheres surdas que fazem a história. Revista da FENEIS, Rio de
Janeiro, nº 3, 2007.

Sumário
155

12 - A COMUNIDADE SURDA E A POLITICA: AVANÇOS NA BAHIA

Magno Prado Gama Prates61


Janaína Aguiar Peixoto62

RESUMO

O presente trabalho apresenta a evolução e o desenvolvimento político da comunidade surda no


estado da Bahia, que através das experiências visuais evidencia sua capacidade. Desta forma,
abrindo portas outrora fechadas no âmbito político, pois atualmente os surdos através de
representações e da luta por direitos na educação, na acessibilidade de comunicação, na política de
maneira geral e com diversas atuações eles apresentam para a sociedade os traços de sua cultura
visual e suas potencialidades. Fundamentado teoricamente em Strobel (2008) o objetivo da pesquisa
é analisar a mudança de atitude dos sujeitos surdos no âmbito político (quinto artefato apresentado
pela autora) como uma produção cultural desta comunidade minoritária. E isto foi possível devido
aos procedimentos metodológicos adotados que consistiu na pesquisa e análise de notícias da mídia
(redes sociais e sites da internet) que retrata fatos recentes do contexto político envolvendo a
comunidade surda baiana. Dentre as vinte (20) matérias encontradas no período de 2011 a 2016
foram selecionadas (8) oito matérias com notícias referentes a comunidade surda, por serem as mais
marcantes e significativas. Quanto aos resultados podemos destacar os pontos positivos da atenção
política voltadas para o público de surdos e surdos cegos. Então este trabalho apresentará algumas
conquistas, mesmo com a existência de estigmas de pessoas que acreditam na incapacidade da
pessoa surda em atuar na política. Apesar da descrença nas mudanças políticas, é possível produzir
mudanças políticas.
Palavras chave: Política. Surdo. Cidadania. Direito. Movimento

INTRODUÇÃO

Os surdos tiveram um passado sombrio. Sabe-se que desde a antiguidade na Grécia os


surdos eram tratados como seres incompetentes, sem capacidade de raciocinar e nunca tiveram
oportunidades de convívio livre na sociedade.
Em Paris, no ano de 1750, o abade L’Épée funda o primeiro Instituto Nacional de “Surdos-
mudos”, o qual reconhecia o surdo como indivíduo com uma própria língua, a língua de sinais. Uma
década depois, em 1760, o Instituto passou a se chamar Instituto de Surdos. Além disso, L’Epée

61
Licenciado em Letras/Libras pela UFPB Virtual, Polo de Camaçari-BA.
62
Professora do Departamento de Línguas de Sinais – DLS/CCHLA/UFPB e no Programa de Pós Graduação em Letras
(PPGL/UFPB), Doutora em Letras (PPGL/UFPB), Mestre em Ciências das Religiões (PPGCR/UFPB), Fonoaudióloga
(FRASCE-RJ), Tradutora e Intérprete de Libras (UFF).

Sumário
156

lutou pelos direitos civis dos cidadãos surdos, que antes não podiam se casar, receber herança.
Inclusive no Brasil, durante muito tempo, as leis referiam-se aos surdos e deficientes incapazes de
assinar documentos e contratos em cartórios, negando seus direitos civis.
Antes da Constituição Federal de 1988 haviam poucas leis que apresentavam questões
referentes aos surdos. Na realidade as pessoas com deficiência eram vistas como incapazes e
inferiores, pois as Constituições de 1824 (Art. 8º) e 1891 (Art. 71) proibia-os de exercer os direitos
políticos. No Art. 132 da Constituição de 1946, determina-se que não podem alistar-se como
eleitores os cidadãos analfabetos ou os que não sabiam se exprimir na língua nacional.

Partindo desta compreensão histórica, o uso da língua de sinais sempre foi a defesa e a luta
da comunidade surda “mesmo a despeito de mais de um século de proibição de seu uso nas escolas
de surdos, preconceito e marginalização por parte da sociedade como um todo, as línguas de sinais
resistiram, demonstrando a necessidade essencial de sua utilização pelo povo surdo.” (STROBEL,
2008, p.49).
No Brasil, a língua de sinais foi introduzida por Huet. Com o apoio de Dom Pedro II, Huet
fundou o Imperial Instituto de “Surdos-Mudos”, no dia 26 de Setembro de 1857, no Rio de Janeiro.
Hoje, o instituto é conhecido como o Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES.
Contudo, com o Congresso Internacional de Educadores de Milão, que aconteceu em 1880,
o oralismo foi definido em votação como melhor método educacional para surdos, proibindo assim
a utilização da língua de sinais em sala de aula. Nesta ocasião os surdos voltaram a serem vistos
como incapazes de tomar decisões, pois nesta votação os professores surdos estavam presentes, mas
foram impedidos de votar nesta decisão que afetaria o futuro deles.
As coisas começaram a mudar em 1960, quase um século depois, com estudos linguísticos
acerca da Língua de Sinais. Este estudo liderado pelo pioneiro linguista americano Willian Stokoe
impulsionou anos de muitas lutas em defesa da Língua de Sinais. No Brasil, os surdos têm a Libras
reconhecida oficialmente em território nacional. Desde 2002, ano da sanção da Lei, 10.436/2002 os
surdos vêm conquistando cada vez mais os espaços que um dia foram-lhes tirados.
Com isso, veio o Decreto 5.626/2005 que regulamenta a lei da Libras 10.436/2002. Este
decreto dispõe a inclusão da Libras como disciplina curricular, a formação do professor de Libras e
do instrutor de Libras, do uso e da difusão da Libras e da Língua Portuguesa para o acesso das
pessoas surdas à educação, da formação do tradutor e intérprete de libras - língua portuguesa e
demais predisposições.

Sumário
157

Neste decreto, no capítulo III, Art. 11, incisos I, II, III, garante mais uma conquista para os
surdos, o acesso ao ensino superior em um curso superior específico para os estudos da Língua
Brasileira de Sinais, a Licenciatura em Letras com habilitação em Libras. Importante ressaltar
também a abertura de concursos públicos, devido exigência da disciplina Libras para os estudantes
dos cursos de Fonoaudiologia, Pedagogia e todas as licenciaturas.
A comunidade surda luta pela garantia de direitos e luta pelo seu reconhecimento nos
espaços que devem ser iguais a todos. Os movimentos sociais são amostras do grito em defesa da
igualdade social, da inclusão e da acessibilidade. Para que esta luta alcance vitórias, a identidade
cultural do povo surdo precisa ser respeitada. Define-se povo surdo como um grupo de: “Sujeitos
surdos que não habitam no mesmo local, mas que estão ligados por uma origem, por um código
ético de formação visual, independente do grau de evolução linguística, tais como a língua de sinais,
a cultura surda e quaisquer outros laços” (STROBEL 2008, p.8).
Com base nisso, o presente capítulo trata do 5º artefato cultural apresentado pela autora
supracitada, ou seja, a produção política da comunidade surda da Bahia, o que envolve movimentos
sociais pelas militâncias surdas, além da sua construção política no estado. Desta forma, questiona-
se se as políticas públicas da Bahia suprem as necessidades das pessoas surdas respeitando sua
Identidade e Cultura. Fato este, que permitirá o diálogo do artefato cultural em destaque (político)
com os demais exemplificados pela autora.
Sendo assim, nesta pesquisa apresentaremos a atual realidade na qual os sujeitos Surdos
possuem a liberdade de lutar pelos seus direitos em espaços políticos, sendo esta atitude uma
produção cultural da comunidade minoritária chamada de comunidade surda,
Portanto, a pesquisa teve como objetivo geral analisar a mudança de atitude dos sujeitos
surdos no âmbito político como uma produção cultural desta comunidade minoritária. Para isso,
verifica-se as conquistas dos espaços políticos pela comunidade surda do estado da Bahia, aponta-se
o engajamento das associações de surdos em movimentos sociais, destaca-se a ocupação dos surdos
nos espaços públicos e privados do estado da Bahia, expressa-se os pontos fracos e os pontos fortes
das atuações governamentais para a comunidade surda.

A partir desta pesquisa a comunidade surda do estado da Bahia e os leitores deste livro
passarão a tomar conhecimento das conquistas obtidas e das lutas que ainda precisam ser travadas
para alcançar os seus objetivos. Ainda não foi feito estudo similar a este, neste estado. Desta forma,
destaca-se a relevância e a importância de pesquisar sobre os avanços políticos no território baiano.
Desta forma,

Sumário
158

Com este artefato cultural político, vamos refletir sobre as situações em que vivemos e
levantar desafios para nós, os membros das comunidades surdas, liderando os muitos
movimentos, contribuirmos para as mudanças positivas das representações sociais acerca
do povo surdo! (STROBEL, 2008,p.76).

REFLEXÃO SOBRE OS AVANÇOS DA COMUNIDADE SURDA BAIANA NA POLÍTICA

Em ordem cronológica apresentaremos e refletiremos sobre oito (8) reportagens


selecionadas dentre as matérias encontradas durante a presente pesquisa que consistem em notícias
na mídia entre os anos de 2011 a 2016.
A primeira notícia trata-se da luta por escolas bilíngues para surdos vivida em todo o país no
ano de 2011 a 2013 e consequentemente também na Bahia. Isto ocorreu, pois a comunidade surda
brasileira vivenciou um momento político muito difícil, perante a ameaça do fechamento das
escolas para surdos, a começar pela primeira escola para surdos fundada ainda na época do império
em 1857, o INES (Instituto Nacional de Educação de Surdos). A justificativa para esta atitude
governamental era a nova ordem da Inclusão. Este fato gerou uma grande mobilização da
comunidade surda brasileira com representantes de diversas esferas da sociedade.
Esta mobilização em nível nacional consistiu em ações estaduais e municipais com
audiências públicas com a presença de vereadores e deputados, passeatas, apoio de artistas surdos
e ouvintes influentes na mídia, ou seja, uma verdadeira campanha63 onde o objetivo era a
permanência das Escolas Bilíngues para Surdos (Libras e Língua Portuguesa). De acordo com a
reportagem intitulada “Audiência discute escola bilíngue para surdos 64”, no dia 05 de Março de
2012 em Salvador foi realizada uma audiência pública pela vereadora Vânia Galvão no auditório do
Centro de Cultura da Câmara Municipal com o tema: Escola bilíngue para surdos na educação
infantil e séries iniciais do ensino fundamental na rede municipal. Esta luta quanto a garantia do
direito à educação bilíngue embasa-se no Decreto 5.626\05 em seu Artigo 22:

As instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica devem garantir a


inclusão de alunos surdos ou com deficiência auditiva, por meio da organização de: I -
escolas e classes de educação bilíngüe, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores
bilíngües, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental; II - escolas

63
Recebeu o nome de movimento azul com o auge no Setembro Azul.
64
Fonte: http://www.cms.ba.gov.br/noticia_int.aspx?id=4145

Sumário
159

bilíngües ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes,
para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou educação profissional, com
docentes das diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade lingüística dos
alunos surdos, bem como com a presença de tradutores e intérpretes de Libras - Língua
Portuguesa. § 1o São denominadas escolas ou classes de educação bilíngüe aquelas em que
a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas de instrução utilizadas
no desenvolvimento de todo o processo educativo.

Com base em toda esta movimentação política, a ex-presidente Dilma Roussef sancionou a
Lei 13.005/2014 e no seu artigo 4.7 e 4.13 que ressalta a oferta da educação bilíngue, em Libras, e
tradutores e intérpretes de Libras e demais profissionais como acompanhantes dos surdos, para
auxiliá-los nas aulas. A sanção desta lei possibilita o surgimento destas classes, mas, por falta de
recursos financeiros, elas não são implantadas.
Em Salvador, já existe a AESOS (Associação Educacional Sons do Silêncio), o CAS
(Centro de Atendimento aos Surdo), a APADA (Associação de Pais e Amigos do Deficiente da
Auditivo) com o ensino Bilíngue para surdos, portanto é necessário e importante que estas
instituições sirvam de modelo para outras escolas, em outras cidades. É importante garantir a
educação bilíngue, pois como vimos já existem duas leis que determinam a oferta desse tipo de
educação para surdos.
No ano de 2012 outra evidência do desenvolvimento político da comunidade surda baiana
consistiu na candidatura de dois representantes da comunidade surda. Um deles foi o Professor
Milton Bezerra, Partido Socialista Brasileiro (PSB), candidato não eleito na cidade de Salvador. O
outro, trata-se do vereador surdo eleito no município de Água Fria como um dos mais votados,
como é possível constatar em um trecho da reportagem “PRB Bahia tem seu primeiro vereador
surdo no município de Água Fria”:

O Partido Republicano Brasileiro (PRB) tem crescido na Bahia, e hoje conta com 43 mil
filiados no Estado. A legenda trabalha com a meta de ampliar consideravelmente sua
representação nos poderes executivo e legislativo, nos 417 municípios baianos. Em seu
último evento de filiação, a legenda trouxe, para as próximas eleições, 73 parlamentares
com mandato. E um dos destaques é o jovem vereador Cailan Silva Barros, de 22 anos, do
município de Água Fria. Ele é o primeiro parlamentar surdo da legenda e na Bahia, e foi um
dos mais votados nas eleições de 2012. Cailan Barros, 22 anos, vem atuando na política da
cidade de água fria há alguns anos. No ano de 2012 foi um dos vereadores mais bem
votados. Em 2016, Cailan está canditato à vereador pelo partido PRB, na mesma cidade.
Ele é o primeiro vereador surdo do estado da Bahia. 65

65 Fonte: www.prb10.org.br/noticias/municipios/prb-bahia-tem-seu-primeiro-vereador-surdo-no-municipio-de-agua-fria

Sumário
160

Com base neste dado obtido durante a pesquisa constatamos que o surdo tem capacidade de
ser político. O cidadão brasileiro Surdo tem capacidade de trabalhar como qualquer ser humano
contanto que haja oportunidade e espaço para isso. Surdos não são incapazes somente por não
ouvirem. A sua comunicação pode ser intermediada com o auxílio do tradutor e intérprete de Libras
e isso não o impede de dialogar na câmara de vereadores. Sendo assim, os sujeitos surdos podem
ser deputados, senadores ou ocupar quaisquer cadeiras do poder político.
Vale salientar, que diante dos resultados da eleição realizada no ano de 2016, o vereador
Cailan Barros não foi reeleito, porém deixou sua importante contribuição política como
representante da comunidade surda na Câmara dos vereadores de um dos municípios baianos.
A terceira reportagem66 analisada retrata uma conquista no âmbito educacional quando em
2015 a primeira surdacega de Barreiras ingressou no ensino superior. Passou pelo ensino médio e
agora está na universidade, cursando Pedagogia e isso é um grande avanço, pois a aluna
representará um público de surdocegos como ela. Será uma luta incessante até a conclusão do curso,
porque a Libras tátil exige muito esforço físico das duas partes, intérprete e receptora (surdacega).
Além disso, isso mostra a humanidade das pessoas e a capacidade independente da deficiência
única ou múltipla. O importante é lutar.

Figura 1: Aluna escrevendo em braile e recebendo as informações em LIBRAS tátil

Através destes dados apresentados na reportagem, é possível constatar que a Língua


de Sinais Brasileira recebida por meio do tato garante a acessibilidade da informação para a
aluna surdacega do município baiano de Barreiras. Por isso, ter um tradutor-intérprete em

66
Reportagem em vídeo com o título: Janine, a jovem surda e cega de Barreiras, começa as aulas na universidade Fonte:
http://g1.globo.com/bahia/bahia-meio-dia/videos/v/janine-a-jovem-surda-e-cega-de-barreiras-comeca-as-aulas-na-
universidade/4049410/

Sumário
161

sala de aula é uma grande conquista no âmbito educacional. Quanto a luta pelo respeito a a
língua do povo surdo Strobel (2008, p.45,49) afirma:

Os sujeitos surdos que têm acesso à língua de sinais e participação da comunidade surda
têm maior segurança, autoestima e identidade sadia. Por isto é importante que as crianças
surdas convivam com pessoas surdas adultas em que se identificarem e ter acesso às
informações e conhecimentos no seu cotidiano. [...] Mesmo a despeito de mais de um
século de proibição de seu uso nas escolas de surdos, preconceito e marginalização por
parte da sociedade como um todo, as línguas de sinais resistiram, demonstrando a
necessidade essencial de sua utilização pelos povos surdos.

Ainda em 2015, outra vitória muito relevante para a comunidade surda baiana foi registrada
na mídia: “Administração Municipal busca fortalecer política de inclusão em Vitória da Conquista”.
Esta quarta reportagem analisada apresentou dois importantes acontecimentos. O primeiro deles foi
a realização de uma oficina ministrada pela poetisa, artista plástica, pesquisadora e professora surda
Fernanda Machado:

Buscando fortalecer as políticas públicas de inclusão da população surda de Vitória da


Conquista, o Governo Municipal tem intensificado o diálogo com este público. No Festival
da Juventude deste ano, por exemplo, jovens vieram de várias cidades da região para
participar de debates, rodas de conversa, oficinas, palestras e shows de música. Uma das
atividades mais procuradas do evento foi a oficina “Literatura surda: poesia para surdos e
ouvintes”, ministrada por Fernanda Machado.67

Este reconhecimento da literatura surda favorece o empoderamento desta comunidade


linguística minoritária, como explica Strobel (2008, p. 56,57)

A literatura surda refere-se às várias experiências pessoais do povo surdo que, muitas vezes,
expõem as dificuldades e ou vitórias das opressões ouvintes, de como se saem em diversas
situações inesperadas, testemunhando as ações de grandes líderes e militantes surdos e
sobre a valorização de suas identidades surdas. [...] É um processo permanente de respeito
do “ser surdo”, mudando a visão da história que garante o valor dos direitos culturais para
povo surdo, transformando as relações de poder, desde a vida cotidiana, até os espaços mais
públicos.

O segundo acontecimento apresentado na notícia trata da implantação da Gerência

67 Fonte: http://www.pmvc.ba.gov.br/administracao-municipal-busca-fortalecer-politica-de-inclusao-em-vitoria-da-
conquista/

Sumário
162

Municipal de Inclusão que começou a partir do reconhecimento da atuação da comunidade surda


que vinha enfrentando barreiras. Nesse sentido a prefeitura criou um cargo comissionado para um
representante desta comunidade com o objetivo de promover ações que rompam as barreiras na
cidade e incluam não apenas as pessoas surdas, mas todo o segmento das pessoas com deficiência.
Est fato é relatado no trecho da reportagem:

[...] o prefeito municipal Guilherme Menezes convidou o atual presidente da Associação de


Surdos de Vitória da Conquista, Magno Prates, para fazer parte do Governo Municipal. “É
importante na política de inclusão ter uma pessoa que conhece de perto a realidade deste
público e que tem uma liderança como Magno. Com certeza, ele vai enriquecer muito o
trabalho feito pelo Governo Municipal”, declarou o prefeito. Magno Prates aceitou o
convite e afirmou que a integração com as secretarias de Educação, Desenvolvimento
Social e a Coordenação de Juventude será exitosa. “Acredito que, com essa troca de
experiência, a gente pode ajudar a sociedade a se conscientizar e melhorar a situação das
pessoas com surdez”.

Nesse sentido, o trabalho da gerência municipal de inclusão que já completou um ano


possibilitou: a criação de cursos, elaboração de projetos, a participação em diversas reuniões para
falar das dificuldades deste público e representações municipais em diversas esferas (como no
conselho da Juventude, educação, saúde e conferências). Embora não seja uma luta fácil é
importante haver a perseverança, pois o trabalho que a gerência realiza é importante para que se
tenha uma representação das pessoas com deficiência no poder público. Neste caso, uma pessoa
surda que atua com o suporte de um profissional tradutor e intérprete de LIBRAS e Língua
Portuguesa.

Figura 2: Gerência municipal de inclusão em Vitória da Conquista

Em concordância com este fato, a reportagem seguinte analisada evidencia exatamente uma
das ações desenvolvidas pela prefeitura municipal de Vitória da Conquista. A quinta notícia
analisada com o título “Idealizado pela Gerência Municipal de Políticas de Inclusão, o

Sumário
163

projeto pretende possibilitar um tratamento adequado e igualitário nos procedimentos policiais68”


informa sobre o início da capacitação em LIBRAS de policiais militares em 24 de novembro de
2015 no auditório do Distrito Integrado de Segurança Pública (Disep). O curso teve sua conclusão
em 20 de abril de 2016 e um trecho da quinta reportagem69 apresenta esta informação:

Mais de 30 policiais militares participaram da capacitação, promovida pela Prefeitura Municipal,


em parceria com a 78ª Companhia Independente da Polícia Militar (78°CIPM). O curso, que
contou com 80 horas de carga horária, divididas em atividades teóricas e práticas, também teve a
participação de policiais da 77ª CIPM, da 92ª CIPM e da Base Comunitária do Nova Cidade. [...]
Para o tenente-coronel Ivanildo da Silva, subcomandante de Policiamento da Região Sudoeste,
ressaltou a importância do curso. “Quem ganha é a Polícia Militar e a comunidade a qual
servimos, e principalmente aqueles que lutam pela inclusão”. Os concluintes da capacitação
agradeceram pela oportunidade de participar da atividade.

Figura 3: Curso de LIBRAS para policiais militares

Como mais uma evidência da atuação da gerência da Inclusão, neste ano de 2016 a notícia
“Vitória da Conquista será contemplada com Central de Interpretação de Libras70” alegrou os
integrantes da comunidade surda pois:

Vitória da Conquista é o terceiro município baiano a receber a CIL, depois de Salvador e


Jequié. O critério adotado para a implantação da CIL leva em consideração o número de

68
Fonte: http://revistagambiarra.com.br/site/policiais-militares-recebem-capacitacao-de-libras/
69
Título da notícia: Educação: policiais militares são certificados no curso de Libras em Vitória da Conquista; Fonte:
Fonte: http://www.blogdoanderson.com/2016/04/20/educacao-policiais-militares-sao-certificados-em-curso-de-libras/
70
Fonte da sexta matéria analisada: http://www.pmvc.ba.gov.br/vitoria-da-conquista-sera-contemplada-com-central-de-
interpretacao-de-libras

Sumário
164

deficientes auditivos/surdos, que em Conquista é de aproximadamente 300 pessoas, além


das ações desenvolvidas ao atendimento a este público.O objetivo das Centrais de
Intérpretes de Libras (CIL) é garantir atendimento de qualidade às pessoas com deficiência
auditiva/surdos por meio de serviços de tradução e interpretação, além de facilitar o acesso
a serviços públicos com a intermediação do intérprete no serviço a ser prestado.

Os atendimentos que a central realiza são em fóruns, bancos, hospitais e em outros diversos
locais com o auxílio de um tradutor e intérprete de Libras. Vitória da Conquista já conseguiu sentir
os efeitos deste trabalho com a diminuição das barreiras. Antes do surgimento da central, os surdos
sempre dependiam da família para acompanha-los nos atendimentos, agora, o serviço público dá
esse suporte, garantido pela recente lei 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão.
Outra notícia relevante registrada e divulgada na mídia foi a matéria intitulada como:
“Tocha olímpica (reconhecimento do ativismo político da associação de surdos)71”. O trajeto
percorrido com a tocha olímpica pelo Presidente da Associação de Surdos de Vitória da Conquista,
atuante na Gerência Municipal de Inclusão Social e membro da diretoria da Federação de Desportos
para Surdos da Bahia representou uma valorização da luta da comunidade surda da cidade.

Figura 4: Surdo conduz a tocha olímpica

E por fim a oitava e última matéria publicada em 21 de setembro de 2016 selecionada


para a reflexão intitulada como “Fundador do Centro de Surdos da Bahia recebe Medalha
Thomé de Souza72” apresenta este acontecimento muito importante para a comunidade surda
baiana:

O professor Milton Guimarães Bezerra Filho, presidente do Centro de Estudos Culturais


Linguísticos Surdos, foi homenageado nesta quarta-feira (21) pela Câmara Municipal de

71 Fonte da sétima matéria analisada: http://www.pmvc.ba.gov.br/ativista-surdo-e-um-dos-condutores-da-tocha-


olimpica-em-vitoria-da-conquista/
72
Fonte: http://www.bahianoticias.com.br/noticia/196408-fundador-do-centro-de-surdos-da-bahia-recebe-medalha-
thome-de-souza.html

Sumário
165

Salvador (CMS) com a Medalha Thomé de Souza, principal condecoração da Casa. Milton,
que também é fundador e ex-presidente do Centro de Surdos da Bahia (Cesba) – e ele
próprio surdo – recebe a honraria como um pedagogo especializado em educação inclusiva.

Neste sentido, ainda vale destacar que Milton Bezerra é um dos maiores líderes surdos do
estado da Bahia. Ele participou de movimentos sociais da comunidade surda, criou associações, já
foi candidato a vereador, lutou em uma candidatura para deputado federal, luta ativamente pela
comunidade surda da Bahia. Então, essa premiação foi pelo reconhecimento do trabalho
desenvolvido ao longo dos anos. O homenageado sempre buscou a superação em seu trabalho, é um
militante e está sempre à frente da comunidade surda Baiana.

CONCLUSÃO

Esse capítulo teve como objetivo ressaltar os avanços e as conquistas alcançados pelos
surdos. Um dos pontos ressaltado foi a primeira surdacega da Bahia a ingressar no ensino superior,
que mesmo enfrentando grandes dificuldades, a aluna conseguiu dar um grande passo na sua vida
acadêmica. Outro fato importante foi um militante jovem e surdo ocupar um cargo em uma
prefeitura, gerenciando políticas de inclusão e isso precisa servir de modelo para outras cidades para
que aconteçam mudanças politicas.

Fazendo contrapontos entre os lados positivos e negativos. Alguns lugares possuem uma
energia para desenvolvimento e em outros lugares falta o empoderamento das pessoas, se não for
dado poder às pessoas com deficiência para que possam gritar em defesa dos seus direitos, como
poderá haver mudança? Esse empoderamento é importante para a aquisição de conhecimentos
pertinentes a essa luta.

Como vimos, pesquisadora surda Strobel (2008) em sua obra As imagens do outro sobre a
Cultura Surda, ressalta que o conhecimento cultural, social e histórico deve ser estudado para
compreender que surdos são capazes e que os investimentos para a sua educação, em contextos
gerais, sejam garantidos. Projetos sempre são desenvolvidos para pessoas ouvintes e a comunidade
surda reage a partir do momento em que a sua educação vai ficando para trás. Nesta pesquisa foi
possível perceber que faltam líderes que possam defender e representar as comunidades surdas nas
demais cidades não citadas e não somente ficarem presos à educação, mas levar esta luta à Saúde,
esporte, lazer e demais áreas e fortalecer políticas públicas.

Sumário
166

Para melhorar a vida dos surdos é importante que seja criado um projeto com políticas
públicas efetivas para os 417 municípios do estado da Bahia que englobem por exemplo ações
como: cursos de Libras para policiais militares, implantação de escolas bilíngues, criações de cargos
nas prefeituras para pessoas surdas, empoderar pessoas para militar a suas causas em seminários,
palestras, conferências, fundar associações, pois trabalhos assim criam alianças que fortalecem cada
vez mais a luta.

Sendo assim, a presente pesquisa teve o intuito de servir como ferramenta de estímulo para
que as pessoas possam perceber a força que a comunidade surda tem, as dificuldades enfrentadas e
mudar o pensamento para uma forma mais positiva e esperançosa, acrescentando assim,
veementemente para estudos futuros em outros aspectos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Constituição Politica do Imperio do Brazil de 1824.


BRASIL, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência). Lei nº 13.146\ 2015.
BRASIL, Lei da LIBRAS. Lei nº 10.436\2002 regulamentada pelo Decreto 5.626\2005.
BRASIL, Plano Nacional de Educação – PNE. Lei 13.005\14.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
OLIVEIRA, Nádia Fátima de. Metodologia da pesquisa científica. São Paulo: Know How, 2010.
PORTAL EDUCAÇÃO. História dos Surdos. Disponível
em:<http://www.portaleducacao.com.br/fonoaudiologia/artigos/12144/a-historia-dos-surdos>
Acesso em 12 de Outubro de 2016.
STROBEL, K. L. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Ed. UFSC, 2008.

Sumário
167

13 - O DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS QUE GERAM


ACESSIBILIDADE PARA SURDOS:
ARTEFATOS CULTURAIS MATERIAIS

Conceição de Maria Saúde73


Marie Gorett Dantas de Assis e M. Batista74

INTRODUÇÃO

É fácil perceber nas pessoas ouvintes reações adversas diante das pessoas surdas,
principalmente quando a literatura a respeito expõe temas como cultura, identidade, povo,
comunidade e, artefatos específicos desenvolvidos por surdos.
Tais reações acontecem devido à insipiente divulgação acerca das pessoas surdas, seja na
mídia ou em situações cotidianas – escolas, palestras, universidades, congressos e outras. Faz-se
necessário explicar que usamos os termos - insipiente divulgação acerca dos surdos - em virtude de
a mídia ao tratar dos temas surdo e/ou surdez, geralmente confundir os significados dos termos mais
básicos, língua e linguagem. A título de esclarecimento, a língua está inserida na linguagem.
As universidades públicas no Brasil vêm gradativamente conseguindo, através de
concursos públicos para professores de Libras, implantar a disciplina Libras, obrigatória, para
discentes dos cursos de licenciaturas, de Pedagogia e Fonoaudiologia, além de oferecê-la como
optativa para os demais cursos.
Neste capítulo trataremos de alguns artefatos culturais materiais desenvolvidos tanto para o
povo surdo como pelo povo surdo, podendo tais artefatos beneficiar até mesmo as pessoas ouvintes,
pois ao gerar acessibilidade todos são contemplados.
O termo artefato cultural no contexto da comunidade surda foi usado, primeiramente, pela
professora surda e autora Karin Strobel no livro intitulado “As imagens do outro sobre a cultura
surda”, sendo editado pela primeira vez em 2008; a 2ª edição em 2009, a 3ª edição em 2013 e, em
2017, o livro foi publicado na sua 4ª edição. Isto em decorrência da crescente busca pelo

73
Professora de Libras da UFCG – Universidade Federal de Campina Grande – Campus I - Campina Grande – PB.
Mestre em Ciências da Educação e Multidisciplinaridade pela Universidade Gama Filho. E-mail:
prof.conceicaosaude@gmail.com
74
Professora de Libras da UFPB – Universidade Federal da Paraíba – Campus I - João Pessoa – PB. Mestre em
Linguística (PROLING/UFPB). E-mail: marieproflibras@gmail.com

Sumário
168

conhecimento acerca da cultura surda e da surdez. A publicação citada se refere aos artefatos já
explicados nos textos dos demais autores deste livro no qual se ancora também este capítulo.
Trataremos em princípio de esclarecer, segundo o dicionário on line Michaelis da Língua
Portuguesa, o significado das palavras artefato, cultura e materiais para então, produzir o texto
sobre os artefatos materiais desenvolvidos com o intuito de contribuir para uma melhor
acessibilidade da pessoa surda na sociedade, majoritariamente, ouvinte.
Escolhemos a definição para Artefato a que melhor representa o objeto deste trabalho na
visão antropológica e arqueológica, a saber - objeto que sofreu alteração provocada pelo homem,
em oposição àquele que é resultado de fenômeno natural (Dicionário Online Michaelis)
Por Cultura, seguindo a linha antropológica do mesmo dicionário, três definições se
completam e nos esclarecem como sendo,

Um conjunto de conhecimentos, costumes, crenças, padrões de comportamento,


adquiridos e transmitidos socialmente, que caracterizam um grupo social, assim
como um conjunto de conhecimentos adquiridos, como experiências e instrução,
que levam ao desenvolvimento intelectual e ao aprimoramento espiritual; instrução,
sabedoria ou ainda, o requinte de hábitos e conduta, bem como apreciação crítica
apurada. (http://michaelis.uol.com.br Acesso em <29/06/2017>)

Por Material o conceito mais adequado para complementar o sentido a que o termo nos
interessa é conjunto de objetos indispensáveis ao desempenho de certas atividades e profissões;
apetrechos, instrumentos, utensílios (Dicionário Online Michaelis).Isto posto, daremos continuidade
ao texto e agora, deixando claro que as autoras não têm a pretensão de expor todos os materiais
encontrados à disposição dos surdos, pois, a todo instante a tecnologia avança em produção e seria
um terrível engodo, desejar tal intento.
Em seguida, uma busca nos endereços eletrônicos nos oportuniza apresentar alguns
artefatos materiais, uns bastante utilizados e outros em desenvolvimento, esperam-se, para um
futuro próximo. Nosso principal objetivo é divulgar a importância da utilização de artefatos
materiais como aporte para a acessibilidade, inclusão social e educacional do surdo brasileiro.

Sumário
169

ARTEFATOS CULTURAIS MATERIAS

São vários os exemplos de produções materiais que proporcionaram ou proporcionam a


inclusão socioeducacional e tecnológica da pessoa surda. Vejamos alguns deles:
Em primeiro lugar um artefato utilizado muito antes do celular, o telefone conhecido como
TDD - Telecommunication Device for the Deaf - um dispositivo de telecomunicação para surdos.
Nele o surdo indicava o número do aparelho desejado, digitava um texto e uma central de
comunicação transmitia-o ao receptor. Antes, encontrado em shoppings centers, escolas especiais,
mas atualmente, em desuso.
Depois, surge o Pager – em português do Brasil, o bipe, uma tecnologia usada para
interligar um destinatário a uma central de controle, no qual, a pessoa também recebia uma
mensagem escrita de um emissor. Em seguida surgem os relógios com vibração; alerta luminoso
para choro de bebê (Babá eletrônica/ luminosa – que acompanha solicitações noturnas e pedidos de
ajuda com mais proximidade); interfone e campainha luminosa para casas. Alguns destes materiais
foram aprimorados e outros, com os avanços tecnológicos ficaram obsoletos. No exemplo 1 e 2
abaixo podemos identificar os materiais citados.

Exemplo 2:

Fonte: pead.faced.ufrgs.br

Sumário
170

Exemplo 2:

Fonte: ohbabymagazine.com

Pager e o telefone TDD, foram substituídos pelos smartphones com aplicativos de


conversas on line produzidas por meio de filmes em vídeos. Os surdos e ouvintes da comunidade
surda fazem bastante uso dessa tecnologia e se comunicam frequentemente pelas redes sociais, tão
comuns no cotidiano social da contemporaneidade. Veja abaixo, no exemplo 3 a imagem de uma
pessoa se comunicando por meio do vídeo.

Fonte: Foto das autoras


No que se refere à diversão, surdos e ouvintes, dançam fazendo uso de aparelhos com
tecnologia bastante conhecida, o console Xbox e o sensor de movimento kinect que capta os
movimentos do corpo com setas e vibração. Vejamos a imagem no exemplo 4, abaixo:

Fonte: Foto das autoras, Jogo do Xbox: Just Dance

Sumário
171

Além dos materiais tecnológicos citados e criados para propiciar à pessoa surda uma vida
em sociedade tal qual a pessoa ouvinte, há outros com a finalidade de conduzir a criança, jovem ou
adulto surdo ao aprendizado da língua portuguesa (doravante L2) na forma escrita.
Esclarecendo melhor: a produção escrita em Língua Portuguesa pelo surdo não ocorre
naturalmente sem que se faça uso de metodologias e recursos didáticos apropriados, principalmente,
tendo a língua de sinais como língua de instrução. O professor de crianças surdas necessita desses
aportes para tornar o ensino da língua oral auditiva escrita, menos desgastante e incompreensível ao
surdo, seja ele criança, jovem ou adulto. Sendo este um tema bastante rico, não nos deteremos nele,
neste artigo, visto a riqueza de detalhes que o mesmo sugere.
Ao fazermos uma busca na web encontramos sites, aplicativos, redes sociais e materiais
didáticos que direcionam o profissional para o ensino de português escrito à criança surda.
A acessibilidade por meio de recursos materiais, objeto deste trabalho, é um fator
fundamental às pessoas surdas, e, se bem conduzida pela família, proporcionará um rico
aprendizado da L2, visto que, o surdo é um cidadão brasileiro e em diversos momentos necessita
fazer uso da escrita em português.
O uso da Língua Portuguesa pelos surdos se faz necessário para interagir em situações
sociais entre surdos e ouvintes, seja, em hospitais, escolas, empresas, universidades, provas de
proficiência em universidades, provas do Enem, outdoors, computadores, produção de TCCs e
artigos, redes sociais, entre outros, pois sendo brasileiro e levando em consideração que a língua
escrita está exposta nos mais variados ambientes sociais o surdo se vê constantemente tendo que
interagir com o texto escrito e entendê-lo, inclusive entre surdos e surdos nas redes sociais. No
exemplo 5, abaixo, dispomos uma pequena amostra desses recursos:

Materiais para conduzi-los à língua escrita da L2 podem ser encontrados nas livrarias
físicas e, principalmente nas virtuais, a exemplo de Jogos e materiais pedagógicos, livros e apostilas

Sumário
172

em Libras, palestras, workshops sobre acessibilidade. Entretanto, cabe à família da criança surda o
papel fundamental de estimulá-la à aprendizagem da L2 escrita, visto que, decisões de tamanho
porte, ou seja, comprar materiais, participar de eventos, etc., não são tomadas pelas próprias
crianças. Assim como cabe ao sistema educacional no qual estão inseridos estimular o uso e
produção de imagens, vídeos, recursos didáticos-metodológicos e outros.
Em nosso cotidiano como professoras de Ensino Superior de Libras, educadoras com vasta
experiência no Ensino Fundamental e Médio e Tradutoras Intérpretes dessa língua observamos em
nosso cotidiano, familiares que não aceitam que seu filho surdo use a sinalização em Libras para se
comunicar ficando o mesmo sem compreensão clara do mundo que o cerca. No entanto, nós
ouvintes, professores, familiares, vizinhos, estudantes, necessitamos entender que a acessibilidade
vai além do texto escrito em português (para o surdo brasileiro).
A legislação lhes garante a acessibilidade e participação nos vários ambientes, onde antes –
muito recentemente, não o víamos, podemos dizer que antes do ano 2002, quando a Lei de Libras
ainda não havia sido sancionada ou antes de 2005, quando o Decreto 5.626 ainda não havia
regulamentado a Lei de Libras.
É bem verdade que em 2000 foi sancionada a Lei de Acessibilidade 10.098 que dispõe
sobre barreiras arquitetônicas, de comunicação, dos elementos de urbanização – transportes
coletivos, edifícios, sinalização, recursos humanos e outros, tudo isto numa tentativa de empoderar
e valorizar a pessoa com deficiência. Realmente, no Brasil, é somente no início do século XXI que
as políticas públicas voltam suas atenções às pessoas com deficiência, portanto, muito
recentemente.
A seguir, apresentaremos alguns recursos materiais que estão sendo desenvolvidos como
tecnologia assistiva em favor da pessoa surda.
Várias universidades vêm desenvolvendo projetos de pesquisa na tentativa de criar
recursos a fim de dirimir dificuldades de comunicação entre surdos e ouvintes e entre as
modalidades das línguas a que cada grupo recorre, a saber: para a Comunidade e o Povo Surdo a
Língua Brasileira de Sinais – Libras, uma língua gestual visual, articulada pelas mãos e/ou pelo tato
e, para os ouvintes cujas línguas são orais auditivas, articuladas com o aparato vocal e percebida
pela audição.
Neste ponto, trataremos do Hand Talk, um aplicativo desenvolvido para dar suporte
linguístico ao surdo nos ambientes sociais. Verifique-se o site https://handtalk.me <acesso em
09/08/2017>, nele é possível traduzir textos e sites, além de fazer vídeo-chamadas e outros.

Sumário
173

Exemplo 6 - aplicativo Hand Talk:

Fonte: http://amplifiquese.com.br/aplicativos-inclusivos/

Outro recurso bastante conhecido é o ProDeaf. Segundo o site http://prodeaf.net, o Prodeaf


é um conjunto de softwares capazes de traduzir texto e voz de Português para Libras com o objetivo
de permitir a comunicação entre surdos e ouvintes (http://prodeaf.net <acesso em 09/08/2017>). É
possível ter acesso a essa ferramenta, gratuitamente, pelo computador ou pelo celular.

Exemplo 7:

Fonte: tecnologia.culturamix.com

Em seguida, o VLibras uma suíte de ferramentas utilizadas na tradução automática de


conteúdos digitais para Libras em código aberto e distribuição livre, desenvolvido pelo Lavid -
Laboratório de Aplicações de Vídeo Digital da Universidade Federal da Paraíba em João Pessoa.
Com ele é possível utilizar as ferramentas tanto no computador Desktop quanto em smartphones e
tablets. (http://www.vlibras.gov.br/ <acesso em 09/08/2017>).

Sumário
174

Exemplo 8:

Fonte:vlibras.gov.br

Outro recurso material elaborado e em aprimoramento é a babá eletrônica que na verdade é


uma pulseira vibratória que capta, apenas o choro do bebê para os pais surdos. O equipamento foi
idealizado pela estudante de desing Ana Caline Escarião da UFPB – Campus IV e mestrandos de
engenharia elétrica Higo Thaian e Danilo Cavalcanti da UFCG – Campus I. Segundo o professor
coordenador do projeto e do laboratório da UFPB, Antonio Souza,

O produto pode estar disponível no mercado já no segundo semestre de 2018. Faltam


apenas ajustes na estrutura do Buátech e também investimentos para a produção em larga
escala [...] A babá eletrônica para surdos ganhou o prêmio inovação da UFPB [...]75

Um recurso produzido e divulgado recentemente em 2017 pela mídia televisiva e redes


sociais foi uma camisa especial que leva o surdo a sentir a música no corpo, denominada de The
Sound Shirt (a camisa sonora). De acordo com os diferentes sons produzidos por instrumentos
musicais o/a surdo/a que usar a camisa sentirá a vibração da música em diferentes partes do corpo.
Sua criação coube à empresa CuteCircuit do Reino Unido. Verifique-se no site https://sound-
shirt.jimdo.com/ <acesso em 09/08/2017>.

75
https://www.conexaoboasnoticias.com.br/estudantes-da-ufpb-e-ufcg-desenvolvem-baba-eletronica-para-surdos/
<acesso em 12/08/2017>

Sumário
175

Exemplo 9:

Fonte: http://cutecircuit.com/soundshirt/

A Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos – FENEIS, uma entidade que


busca minimizar as barreiras sociais, de comunicação e atitudinais entre a comunidade ouvinte e a
surda, vem travando uma batalha junto ao Ministério de Comunicação do Brasil na tentativa de
conseguir que os filmes brasileiros sejam legendados. Essas mobilizações requerem a exibição de
obras cinematográficas, adaptadas para pessoas surdas, com recurso da legenda em português.
Ainda, não se tem notícias do sucesso desse intento.
A imagem do exemplo 10, abaixo, tem sido divulgada nas mídias.

Fonte: http://www.meuvotovale.com/projeto/7486-2017/

Outra batalha da Feneis é quanto à presença de telões com legenda em Português ou em


Libras (com Tradutores Intérpretes dessa língua) para a efetiva participação dos surdos em
igualdade de oportunidades, nos congressos, palestras, simpósios, propagandas, entretenimentos,
jornais, igrejas etc.
Todos os recursos dependem de variadas tecnologias para transcrição de falas e do
profissional intérprete de Libras para sua implantação e requer o apoio e a cooperação das
sociedades científicas, comunicativa e televisiva.

Sumário
176

A legenda ou janela em Libras, de modo que o tamanho da legenda/janela atenda a


visualização dos sinais seria o ideal para os surdos. Para esses ajustes cabe as instituições
obedecerem às normas da ABNT NBR 15290 que dispõem sobre acessibilidade em comunicação na
televisão. Normas estas em vigor desde 30 de novembro de 2005. Outro recurso disposto na referida
norma são as smarts tvs que dispõem de legendas no closed caption, um fator positivo à
acessibilidade do surdo, porém muitos programas não o disponibilizam, impedindo o surdo de
escolher sua programação preferida. No exemplo 11, apresentamos imagens próprias das autoras:

Font: Foto das autoras

Um outro exemplo de iniciativas acessíveis na comunicação foi a divulgação ocorrida na TV


Cabo Branco no Estado da Paraíba, de um acampamento inclusivo chamado 2º Deaf Camp 2005. O
evento foi promovido pela Igreja Cidade Viva em João Pessoa-PB com a equipe que faz parte do
chamado Ministério com Surdos Mãos que Falam. Nesta divulgação a apresentadora ouvinte troca
de plano com a intérprete de Libras, facilitando assim a visibilidade do Surdo na tela inteira. Veja as
imagens no exemplo 12 abaixo, cujas fotos são do acervo de uma das autoras deste artigo.

Fonte: Foto das autoras

Sumário
177

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como pudemos analisar no decorrer deste texto as produções materiais vêm sofrendo
adaptações em virtude dos avanços tecnológicos, das disposições das Leis, de Libras, da
acessibilidade, do Decreto, e outros.
Muito já se avançou se compararmos os quase cem anos de retrocesso vividos pelos surdos
no mundo ocidental quando a língua de sinais foi percebida em meados do século XVIII até quando
foi proibida em 1880.
Registra-se na literatura sobre a surdez no mundo o descaso desde a Antiguidade até o
século XX. Especificamente, quanto ao surdo no Brasil sua língua somente foi reconhecida em
2002 e regulamentada em 2005. Percebe-se com isso, que há um longo caminho a ser trilhado para
que nossa sociedade chegue a um melhor patamar de acessibilidade, seja nas esferas politicas
municipais, estaduais e federais; nas televisivas - jornais, rádios, entretenimentos; eventos
acadêmicos, religiosos, sociais, turísticos, dentre outros.
Muito há a ser planejado para que as instituições de ensino vejam os sujeitos surdos como
integrante de uma cultura, com identidade e língua próprias. A conscientização social vem sendo
conduzida por textos com estes, deste livro, nos quais esclarecemos a importância do surdo,
enquanto cidadão producente, a importância da família ao aceitar o filho ou a filha surda usando sua
língua sinalizada em todas as situações; a importância dos recursos materias desenvolvidos para dar
acessibilidade e visibilidade ao grupo de surdos e a importância da tecnologia para o avanço
intelectual e inclusivo da pessoa com surdez no mundo da palavra ouvida e escrita.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei N° 10.436 de 24 de abril de 2002. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10436.htm>. Acesso em 12 jul. 2017.
BRASIL. Decreto Nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm. Acesso em 12 jul.
2017.
BRASIL. Lei de Acessibilidade Nº 10.098 de 19 de dezembro de 2000. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L10098.htm> Acesso em: 12 jul. 2017.

Sumário
178

MICHAELIS. Dicionário Online. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br>. Acesso em 29 jun.


2017.
STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. Santa Catarina: Editora da UFSC,
2009.

Sites acessados:
https://www.conexaoboasnoticias.com.br/estudantes-da-ufpb-e-ufcg-desenvolvem-baba-eletronica-
para-surdos/
http://michaelis.uol.com.br
http://pead.faced.ufrgs.br
http://ohbabymagazine.com
www.surdosol.com.br
http://agenciabrasil.ebc.com.br
https://handtalk.me
http://amplifiquese.com.br/aplicativos-inclusivos/
http://prodeaf.net
http://www.vlibras.gov.br/
http://cutecircuit.com/soundshirt/

Sumário
179

14 -ATIVE LIBRAS: CRIAÇÃO DE ARTEFATO MATERIAL


NA ERA DIGITAL

Nemuel Gonçalves de Lima76


Fernanda Gabriela Gadelha Romero77

INTRODUÇÃO

Ao refletirmos sobre a existência de um povo, encontramos produções culturais oriundas das


vivências dos indivíduos pertencentes a esse grupo. Dentre essas produções surgem os suportes
úteis nesta cultura, que de alguma maneira torna o mundo habitável e adequado à realidade deste
povo. Da mesma forma, no contexto das vivências do povo surdo muitos artefatos culturais são
produzidos partindo de uma perspectiva visual de mundo.
A plataforma Ative Libras é uma dessas produções, e consiste em um ambiente virtual
interativo que foi criado para servir de apoio pedagógico à comunidade surda brasileira através da
disponibilização dos conteúdos curriculares das séries do ensino médio, a saber: português,
matemática, biologia, química, física, geografia, história, filosofia e sociologia, adaptados às
particularidades culturais dos sujeitos surdos, isto é levando em consideração as experiências
visuais, a língua de sinais e a identidade surda como fatores basilares para o processo de
aprendizagem.
Os conteúdos disponibilizados no Ative Libras não objetivam ser vídeo-aulas, apesar de
terem características como tal, eles são classificados como o produto resultante de um processo de
tradução intermodal e intersemiótica dos materiais didáticos produzidos para o ensino médio. Os
usuários dessa plataforma não receberão certificação por utilizarem o ambiente para estudos
pessoais.

76
Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Faculdade Maurício de Nassau, 2017.
Especialista em Tradução e Interpretação de Libras/Português/Libras pelo Centro Integrado de Tecnologia e Pesquisa -
Faculdade Nossa Senhora de Lourdes, 2017.
77
Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Relações Públicas pela Universidade Federal da Paraíba,
2010.Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas pela Universidade Federal da Paraíba, 2014.Doutoranda em
Estudos da Mídia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2017.

Sumário
180

A idealização desse ambiente virtual de aprendizagem surgiu a partir da constatação de


dificuldades apresentadas por discentes surdos inseridos no ensino médio integrado ao técnico do
Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB).
É bem verdade que, o IFPB, através de sua Pró-reitora de Ações Inclusivas (PRAE) tem
atuado com afinco para pôr em prática as orientações previstas na legislação no que se refere
acessibilidade na educação de surdos. Principalmente, na disponibilização de tradutores e
intérpretes de LIBRAS (TILS), na organização de processos seletivos em versão LIBRAS, além de
avaliações e atividades adaptadas. Essa atuação é implementada em todos os campi da instituição e
alcança atualmente 57 estudantes surdos que são atendidos por 56 TILS, entre efetivos e
terceirizados78. Foi nesse contexto institucional que o Ative Libras nasceu.
A proposta que levou a criação da plataforma Ative Libras está em concordância com as
políticas de acessibilidade e inclusão conquistadas nos últimos anos pela sociedade. Em
cumprimento a Lei 13.146/2015, denominada Lei Brasileira de Inclusão (LBI), o Ative Libras visa
garantir a inclusão social, autonomia e independência de estudantes surdos que apresentam
dificuldades de aprendizado, resultantes de uma trajetória escolar sem o atendimento especializado,
ausência de metodologias de ensino e materiais didáticos adaptados à sua cultura. Os usuários dessa
plataforma terão acesso aos conteúdos das disciplinas em forma de vídeos animados, estes vídeos
foram produzidos a partir de critérios de tradução intersemiótica79 (expressão visual). Além disso, o
ambiente possibilita a interação com as animações onde são ativadas janelas com recursos de
tradução para Libras.
De acordo com Strobel (2008), a inserção da língua de sinais no processo de ensino
aprendizado pode trazer benefícios consideráveis para que o aluno surdo faça a aquisição do
conteúdo, visto que a língua de sinais é uma das principais marcas da identidade de um povo surdo,
pois é uma das peculiaridades da cultura surda, é uma forma de comunicação que capta as
experiências visuais dos sujeitos surdos, sendo que é esta língua que vai levar o surdo a transmitir e
proporcionar-lhe a aquisição de conhecimento universal.
As pesquisas de Comunicação em torno das mídias digitais tem apresentado uma série de
possibilidades que podem ser reconfiguradas para a realidade da comunidade surda. Essas
pesquisas têm mostrado as características que o ciberespaço possui, apontadas aqui como fatores

78
Números referentes ao ano de 2017.
79
Tradução onde o signo é representado pelo significado. Aplicadas aqui como conceitos verbais representados por
expressões não-verbais formando o par conceito/imagem.

Sumário
181

que podem fomentar a criação de artefatos culturais materiais para o povo surdo. (Lévy, 1999;
Jenkins, 2008; Nicolau, 2008; Sridharan & Hrishikesh & Raj, 2012; Camboim, 2013). Ao longo dos
anos, as movimentações políticas da comunidade surda conquistaram direitos que reconhecem a
natureza linguística da Libras, em consequência disso, o direito à educação em sua própria língua,
assim como a possibilidade de criação de tecnologias assistivas que promovam acessibilidade
comunicacional e informacional.
Em meio a esse cenário de mudanças tecnológicas. surgimento de políticas educacionais
para sujeitos surdos, reconhecimento linguístico e lutas para a efetivação da inclusão social que o
Ative Libras se tornou possível. A criação desse espaço virtual contou com a colaboração de
diversos profissionais do IFPB, mediante a aprovação em edital interno de inovação tecnológica, de
onde os recursos foram captados e os voluntários selecionados, a fim de vencer esse desafio.

1. A ESCOLA E AS NOVAS TECNOLOGIAS: UMA ESTRATÉGIA DE ADAPTAÇÃO

Desde que a Internet passou a ser um espaço de todos, espaço onde o usuário pode
desenvolver a si mesmo através de possibilidades de interatividade, percebemos que o usuário se
adapta a ponto de tomar posse desses ambientes virtuais, dominar a linguagem, entender o
funcionalidade da ferramenta e passar a gerir essas plataformas. Isso se difere das mídias
tradicionais, pois nelas o usuário não tinha a participação explícita no processo de produção, gestão
e compartilhamento de conteúdo.
O Ative Libras é uma dessas plataformas onde o usuário pode desenvolver sua participação
e interação a fim de se apropriarem da mídia, além da apropriação do conteúdo. Por isso, o Ative
Libras passa a refletir diretamente no desempenho educacional do estudante surdo.
A interatividade faz emergir uma nova forma de consumo de conteúdo que num fluxo
contínuo faz gerar laços entre os usuários dentro dos espaços midiáticos. A exemplo do Ative
Libras, a plataforma fortalece e estreita as relações sociais entre estudantes surdos, professores,
intérpretes de Libras e outros que utilizem a Libras como língua, essa troca abrirá caminho para
uma nova perspectiva de produção de materiais midiáticos didáticos bilíngues no Brasil.

A disseminação e uso de tecnologias digitais, marcadamente dos computadores e da


internet, favoreceu o desenvolvimento de uma cultura de uso das mídias e, por conseguinte,
de uma configuração social pautada num modelo digital de pensar, criar, produzir,
comunicar, aprender – viver. E as tecnologias móveis e a web 2.0, principalmente, são
responsáveis por grande parte dessa nova configuração social do mundo que se entrelaça
com o espaço digital..Para Almeida e Silva (2011): É importante enfatizar a

Sumário
182

“contextualização” que também deve estar imbricada nesse contexto, pois se faz necessário
se apropriar do conteúdo e redefini-lo de acordo com os contextos reais de seu uso. Assim,
cabe à escola procurar meios de promover essa integração tecnológica, oferecendo meios
para a produção de um conhecimento a nível contemporâneo.O sujeito impactado por essas
atividades, jamais voltará a ser o mesmo. Ele buscará construir sua própria busca, no seu
contexto, visando um conhecimento a partir das tecnologias que se faz em rede.
(ALMEIDA E SILVA, 2011 apud NICOLAU, 2008, p.29)

A escola não pode ficar inerte a toda evolução tecnológica visto que a cada mídia nova, a
cada produto, a cada tipo de conteúdo os processos comunicativos vão se modificando, novas
formas de interações vão se formando gerando relações de aprendizado distintas e ambientes que
se distinguem em tudo dos métodos tradicionais da pedagogia. A escola precisa se apossar dessa
nova realidade social e promover o acesso à informação e ao conhecimento. De acordo com
Zenorinie et al. (2011):
São muitas as variáveis que podem interferir na motivação do estudante, o que a torna um
fenômeno bastante complexo. Entre elas, destacam-se o ambiente da sala de aula, as ações
do professor, os aspectos emocionais, as questões relacionadas à falta de envolvimento do
aluno com situações de aprendizagem, o uso inadequado de estratégias de aprendizagem,
entre outras (ZENORINIE, 2011. p. 157).

Os surdos sempre foram marcados historicamente por estigmas que os colocaram em menor
valor social. A origem dessa discriminação em sua maioria veio a partir do viés linguístico, a
maioria ouvinte , por possuírem uma língua oral-auditiva, era considerada como pessoas repletas de
suas virtudes cognitivas, sendo assim, os surdos sempre foram considerados humanamente
inferiores.
A língua de sinais era considerada apenas uma mímica gestual, e sempre houve
preconceitos com relação ao uso de gestos para a comunicação. A exclusão profissional e
social dos surdos ainda hoje confirma que a linguagem pode ser fonte de discriminação e de
organização social restritiva. Essa discriminação não ocorre apenas quando há diferenças de
nacionalidade, cor, perfil socioeconômico ou religião. Entre os surdos e os ouvintes há uma
grande diferença que os distingue: a linguagem oral.(SANTANA at al. 2005, p.566)

Em detrimento a toda a discriminação que a comunidade surda suportou durantes anos de


marginalização, a criação da plataforma Ative Libras vem com a proposta de gerar , acima de tudo,
um perfil de estudante surdo autônomo socialmente a partir do consumo do conteúdo escolar
adaptado com as peculiaridades da cultura surda.
Na perspectiva educacional, pensar em educação de surdos é considerar, entre
outros aspectos que representam as experiências visuais das pessoas surdas, a sua
Língua de Sinais. Os surdos aprendem por meio da sua língua. Há vários relatos de
surdos que expressam o quanto o mundo passou a ter significado a partir do
momento em que puderam se expressar e ter escutas em sinais. ( QUADROS at al.
2008, p.36 )

Sumário
183

Sendo assim, o Ative Libras está organizado de forma que o conhecimento de mundo e o
saber científico, ensinado na escola através dos conteúdos disciplinares, sejam expressos em Língua
Brasileira de Sinais e com representações visuais. O ambiente foi produzido para que o surdo seja
autônomo e possa revisar os assuntos dados em sala de aula em qualquer lugar, possam se preparar
para provas e processos seletivos utilizando qualquer dispositivo eletrônico com acesso a internet.
Além disso, através da disposição dos conteúdos adaptados à realidade cultural do sujeito surdo, o
estudante terá a disposição um artefato cultural aliado que sanará a possível ausência de intérpretes
fora do ambiente escolar, como por exemplo, na necessidade de fazer as atividades e trabalhos
escolares em casa.
Para estruturar a plataforma Ative Libras, a participação dos surdos foi essencial nas etapas
do processo de produção. Os surdos participaram com sugestões desde a concepção do nome e
construção da interface gráfica até a concepção da forma de exposição do conteúdo no site.
Entendemos que a participação do sujeito surdo nesses processos gera o sentimento de
pertencimento social, além de que pensar na construção de um artefato a partir da forma que o surdo
entende e processa esses recursos traz a sensação de empoderamento cultural e identitário para o
Ative Libras.
Produzir uma plataforma como o Ative Libras nos provoca uma responsabilidade social
muito grande, mediante o pioneirismo de tal iniciativa. O Ative Libras é o primeiro suporte
tecnológico construído e pensado exclusivamente para apoio pedagógico de estudantes surdos do
ensino médio através de animações interativas e aplicações em Libras.
O conteúdo curricular contido no Ative Libras foi selecionado a partir de uma visão
pedagógica a considerar os conteúdos obrigatórios específicos de cada disciplina do ensino médio.
Em suma, a ideia é produzir vídeos com conteúdo explicativos que potencializam o aprendizado
desses estudantes, a fim que tenham maior domínio do conteúdo no ensino médio e garantir sua
passagem para o ensino superior.
O conteúdo do Ative Libras está disposto e organizado por disciplina referente a cada série
do ensino médio. Inicialmente o conteúdo pode ser acessado apenas através do site, que tem suas
versões de acesso mobile e desktop. O Ative Libras não estipula tempo de estudo, nos padrões hora
aula, isso por se tratar de um site que permite o usuário fazer uso de seus recursos da forma que
melhor atender seus interesses pessoais, além disso, o Ative Libras não se trata de cursos que
emitem certificação profissional, se trata apenas de um apoio pedagógico especializado.

Sumário
184

2. ATIVE LIBRAS: a equipe

Para a produção do Ative Libras foi necessária a atuação multidisciplinar. Os profissionais


envolvidos foram agrupados em dois pólos: conteúdo e interface. Os pólos foram constituídas pelas
seguintes equipes:
➢ Pólo de conteúdo: Equipe pedagógica, equipe de tradução e interpretação de Libras,
equipe multimídia;
➢ Pólo de interface: Equipe de Design, Equipe de programação de sistemas;
O pólo de conteúdo e responsável pela produção do material didático, sua tradução e
interpretação para Libras, captação e edição do material em vídeo que são implementados a
plataforma, concomitantemente, o pólo de interface é responsável pela criação da identidade visual
da plataforma, a estruturação da interface levando em consideração critérios de usabilidade e
ergonomia, além de programar o sistema para disponibilizar o acesso a esse ambiente de forma
gratuita na internet.
A equipe multiprofissional que atuou nessa criação são de professores, técnicos e estudante
surdos e ouvintes pertencentes à comunidade acadêmica do Instituto Federal de Educação Ciência e
Tecnologia da Paraíba (IFPB), Campus Cabedelo.

3. RECURSOS TECNOLÓGICOS

O Ative Libras foi projetado de forma que sua interface representasse na essência símbolos
referentes à Cultura Surda. Desta forma, a equipe de designers gráfico definiu, a partir do método
Projeto E, cada detalhe do site para não ocorrer ruídos visuais e comunicacionais, com intuito de
gerar identificação com o usuário de forma amigável, empática, interativa e participativa.
O método Projeto E (Meurer, 2011) é composto por etapas sistematicamente
correlacionadas, elas são: estratégia, escopo, estrutura, esqueleto, estética e execução. Essas etapas
fazem com que os profissionais envolvidos sejam imersos na cultura surda. Através da pesquisa, a
equipe partiu para a construção do painel semântico e construiu toda a estrutura visual do projeto.
A partir dessa metodologia, foi concebido o logotipo do Ative Libras. O símbolo apresenta
cinco barras de áudio, como as que representam a frequência sonora musical, que juntas formam
uma mão (cinco dedos), principal instrumento de comunicação da língua de sinais. Esse símbolo
traz o entendimento de que o som dos surdos é emitido pelas mão. A fonte escolhida para o nome é

Sumário
185

Verveine, que vem de forma descontraída e jovem, mas em caixa alta para facilitar a leitura e
identificação das duas palavras que formam a marca.

Figura 1 - Logomarca do Ative Libras

Fonte: Elaborada pelo autor, 2017.

A definição da cromografia foi feita baseada na diversidade de conteúdo da plataforma. A


interface precisa ser bem dividida para facilitar a navegação e a identificação de etapas e as cores
entram pra ajudar, inclusive na separação de matérias. Já a tipografia escolhida foi a pertencente a
família Gotham que possui uma variedade que vai da mais fina até a mais grossa podendo esse fato
ser utilizado para facilitar a legibilidade no Ative Libras.
A interface é composta pelas seguintes páginas : home, cadastro e login, perfil do usuário,
exibição de vídeo, favoritos/últimos vídeos assistidos, disciplinas, anotações. As páginas foram
organizadas de forma a manter um fluxo facilitado de navegação evitando erros e lentidão no
feedback para o estudante.

Figura 2 - Home do Ative Libras

Fonte: Elaborada pelo autor, 2017.

Sumário
186

Sabemos que, a construção de um site ou de uma plataforma online pode ser dividida em
três etapas básicas da arquitetura de software: o front-end, o back-end e o banco de dados. Cada
uma dessas partes possui inúmeras tecnologias diferentes que se renovam a cada dia e cuja escolha
se realiza mediante a natureza do projeto. As principais tecnologias que fazem parte do
desenvolvimento desta etapa são o HTML, o CSS e o Javascript. Todas elas trabalham em conjunto
e se complementam para formar a estrutura da plataforma.

Figura 3 - Perfil do aluno dentro da plataforma

Fonte: Elaborada pelo autor, 2017

A construção da plataforma Ative Libras foi utilizado um framework de Javascript chamado


AngularJS, feito por desenvolvedores do Google e que tem como objetivo dinamizar os dados
recebidos pelo usuário e a sua apresentação na interface.
No Ative Libras foi utilizada a API REST – Representational State Transfer, em português
Transferência de Estado Representacional – em conjunto com a linguagem PHP para executar a
comunicação através do protocolo HTTP, responsável por gerenciar as requisições ao servidor e
suas respostas, entregando o conteúdo final ao usuário.
O sistema gerenciador de banco de dados utilizado no Ative Libras foi o PostgreSQL, que
foi construído em código aberto e é um dos mais avançados atualmente, provendo todos os recursos
necessários para uma modelagem de dados eficiente.
Por último, para o site ser colocado online, seu código fonte foi configurado em uma
infraestrutura de servidores. Em seguida, o domínio ativelibras.com.br, foi apontado ao servidor,
finalmente tornando-o disponível para o acesso dos usuários desta plataforma educativa.

Sumário
187

4. IMPACTO SOCIAL DO ATIVE LIBRAS

A Lei Brasileira de Inclusão 13.146 versa sobre a necessidade de criação de tecnologias


assistivas como uma das soluções para acabar com as barreiras que impedem a comunicação e o
acesso à informação da comunidade surda no Brasil. A lei define como tecnologias assistivas todos
produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que
objetivem promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação da pessoa com
deficiência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de
vida e inclusão social.
Além disso , a LBI expõe a necessidade da criação de projetos pedagógicos que
institucionalize o atendimento educacional especializado, assim como os demais serviços e
adaptações razoáveis, para atender às características dos estudantes com deficiência e garantir o seu
pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo a conquista e o exercício de sua
autonomia.
Foi baseado nessas conquistas legais que o Ative Libras foi gerado. Em busca de promover
o acesso à educação de forma igualitária, na perspectiva bilíngue , e estimular o exercício da
autonomia nos sujeitos surdos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O site Ative Libras está comprometido em apoiar estudantes surdos brasileiros, familiares e
profissionais da que atuam na educação de surdos disponibilizando um ambiente favorável à
construção da aprendizagem, ao compartilhamento de ideias, à cooperação mútua e ao
desenvolvimento linguístico, cultural e identitário do sujeito surdo. Isso é muito importante para o
surdo que vêem nas novas tecnologias uma forma crescer socialmente, culturalmente e
profissionalmente. Porque antes nunca foi visto a produção de um ambiente especializado em
construir a aprendizagem do ensino médio a partir da perspectiva do aluno surdo. Agora, esse surdo
usuário, poderá ter a oportunidade de desenvolver seu conhecimento de mundo tendo contado com
os assuntos dados em sala de aula expressos na sua própria língua e com seus pares linguísticos
Para o sujeito surdo ter acesso as informações e conhecimento e para construir sua identidade é

Sumário
188

fundamental criar uma ligação com o povo surdo em que se usa a sua língua em comum; a língua de
sinais.(STROBEL, 2008).
A concepção dessa plataforma parte para uma direção oposta à direção a qual os surdos
foram submetidos no decorrer da história. Antes o estímulo a depender da língua portuguesa para
que o surdo desenvolve suas competências era bem mais presente no ambiente educacional, agora
com as conquistas políticas e o aparecimento das mídias digitais a comunidade surda poderá provar,
na prática, que a cultura do povo surdo é auto suficiente na construção de significados sociais a
partir do uso da língua. Essa plataforma é uma prova concreta da igualdade de acesso a educação
através da inclusão social. Essa produção mostra que é possível fornecer educação de qualidade
considerado a Libras e a Cultura Surda como base para isso.
É claro que, a concepção deste ambiente só pode ser possível graças à contribuição da
comunidade científica que volta o olhar ao sujeito surdo e a cultura surda, a língua de sinais e as
novas tecnologias educacionais como objeto de estudo, além disso, graças as movimentações dos
surdos em busca de seus direitos que, a cada ano que passa, têm se tornado mais fortes e
empoderados.
Embora, o Ative Libras esteja em processo de testes e ainda tem passado por ajustes, no que
se refere a dispor de interação, construção de banco de dados e de conteúdo adaptável, pois precisa
também de engajamento social de voluntários e instituições parceiras. É visível a progressão que
esse ambiente terá a partir da participação de toda comunidade. É patente a contribuição que esse
espaço trará para a produção de pesquisas na área de aquisição de conteúdo, metodologias de
ensino, comunicação e cibercultura, o uso de tecnologias na educação, design gráfico, LIBRAS,
entre outras áreas.
Além disso, é perceptível a necessidade de aprofundamento das pesquisas em torno dos
artefatos nesse novo contexto cultural de comunicação: a era digital e a cibercultura. Sabemos que a
cada tecnologia que passou a ser usado em predominância pela civilização humana acarretou
expressiva reconfiguração cultural e social. Têm sido assim desde a era da cultura oralista até a
atualidade coma era da cultura digital (Santaella 2010).
É considerável se ater que os primeiros estudos sobre os artefatos culturais do povo surdo se
deu num contexto tecnológico e midiático diferentes dos dias atuais. Com a velocidade em que a
tecnologia se atualiza é possível que tais artefatos tenham tomado uma nova roupagem. Isso é tão
possível que , recursos como o Ative Libras e tantos outros suportes digitais disponibilizados no
ciberespaço não seriam possíveis há dez anos.

Sumário
189

Por isso. aproveito aqui para apontar o surgimento de um novo tipo de artefato cultural que é
típico da era digital. Esse tipificação se desapega do que conhecemos como artefato material, visto
que conceitualmente o material é oposto ao virtual.
Entre tudo isso é preciso concluir dizendo que , independente da era da comunicação
cultural , os artefatos culturais do povo surdo surgem não apenas como a função de suporte de
acessibilidade, mas como uma comprovação empírica da solidez que a cultura surda possui.
Vislumbramos que a função social do Ative Libras seja mostrar que é possível afirmar a
cultura surda e incluir o estudante surdo em qualquer modalidade de ensino. Além de potencializar
a sua aprendizagem através da criação de suportes tecnológicos assistivos que busquem concretizar
a inclusão social, autonomia, independência e a qualidade de vida.

REFERÊNCIAS

STROBEL, Karin. A imagem do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

NICOLAU, Marcos. Fluxo, conexão, relacionamento: um modelo comunicacional para as mídias


interativas. Culturas Midiáticas, v. 1, n. 1, 2008.

JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008.

CAMBOIM, A. F. Nascidos na Cibercultura: a autonomia comunicacional do cibernativo na


internet [recurso eletrônico] João Pessoa: Marca da Fantasia, 2013.

SRIDHARAN, M.; HRISHIKESH, A.; RAJ, L. S. An academic analysis of gamefication. 2012.


Disponível em:<http://uxmag.com/resources/ an-academic-analysis-of-gamication>
Acesso em: 10 de maio de 2013.

SANTANA, A. P.; BERGAMO, A. Cultura e identidade surdas: encruzilhada de lutas sociais e


teóricas. Net, São Paulo, Mai/Ago.2005. Educ.Soc. vol.26 n.91.

Sumário
190

15 - O 9º ARTEFATO CULTURAL: RELIGIOSO

Janaína Aguiar Peixoto80

Fabrício Possebon81

INTRODUÇÃO

Partindo do entendimento básico que a cultura de um povo apresenta elementos que estão a
nossa volta (o que é produzido) e elementos que estão dentro de nós (crenças e valores
compartilhados), neste último capítulo propomos uma reflexão sobre o acréscimo de mais um tipo
de produção dos sujeitos surdos, o artefato cultural religioso. Embora Strobel (2008) não tenha
elencado de maneira destacada este artefato, sua definição de cultura surda abre espaço para tal
reflexão:

Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim de se


torná-lo acessível e habitável ajustando-os com as suas percepções visuais, que contribuem
para a definição das identidades surdas e das ‘almas’ das comunidades surdas. Isto significa
que abrange a língua, as idéias, as crenças, os costumes e os hábitos de povo surdo.
(STROBEL, 2008, p.22)

Nesse sentido, este povo sem delimitação geográfica, porém com identidade cultural
própria, também possui em sua essência uma característica inerente do ser humano, o recorte da
religiosidade, que abrange crenças, valores e práticas religiosas produzidas por sujeitos surdos.

No seu livro O que é religião (1981), Rubens Alves endossa as palavras do sociólogo,
antropólogo, cientista político, psicólogo social e filósofo francês Durkheim, afirmando que a
religião não é um fenômeno passageiro, porém é um aspecto essencial e definitivo da humanidade e
ainda enfatiza que não existe sociedade sem a natural busca ao sagrado. Esta busca citada pelo autor

80
Professora do Departamento de Línguas de Sinais – DLS/CCHLA/UFPB e no Programa de Pós Graduação em Letras
(PPGL/UFPB), Doutora em Letras (PPGL/UFPB), Mestre em Ciências das Religiões (PPGCR/UFPB), Fonoaudióloga
(FRASCE-RJ), Tradutora e Intérprete de Libras (UFF).
81
Professor coordenador da Pós-Graduação em Ciências das Religiões CE/UFPB. Doutor em Letras (UFPB).
Mestre em Letras (USP). Graduado em Letras: grego e português (USP). Um dos professores fundadores do curso
Letras Libras da UFPB Virtual.

Sumário
191

significa a procura pelo sobrenatural, a busca por uma divindade que lhe mostre o sentido da vida, e
que responda perguntas como: De onde vim? Para quê existo? Para onde vou?

Antes do iluminismo a religião era vista como possuidora do poder do conhecimento,


inclusive fundadora de instituições educacionais como as maiores universidades do mundo
(Harvard, Yale, Princeton e Oxford) que possuem raízes cristãs. Na época do movimento iluminista
a autonomia intelectual, um dos principais pontos defendidos por este movimento, pregava que a
religião impedia o ser humano de ganhar o seu próprio censo pela razão. Portanto, nesta época ela
foi colocada fora do mundo acadêmico.

Atualmente, ainda existe espanto quando alguém observa a união de duas palavras que a
priori eram inconciliáveis: ciências e religiões. O percurso histórico até chegar ao termo ciências
das religiões, por si só já demonstra que o espanto ou o estranhamento é relevante, pois a
contraposição entre ciência e religião sempre foi algo muito latente.
Historicamente, esses objetos de pesquisa travaram uma guerra para ocupar a posição de
domínio do saber. Alves (1981) descreve esta disputa de forma prática. Segundo ele, na antiguidade
era considerada uma anomalia uma pessoa não ser religiosa, enquanto na contemporaneidade, ser
religioso não é obrigatório, muito pelo contrário, considera-se questão de normalidade declarar a
não religiosidade. Afirma, ainda, que a religião, embora não tenha sido extinta, perdeu sua posição
de outrora:

Não se pode negar que ela [a religião] já não pode freqüentar aqueles lugares que um dia
lhe pertenceram: foi expulsa dos centros do saber científico e das câmaras onde
se tomam as decisões que concretamente determinam nossas vidas. Na verdade,
não sei de nenhuma instância em que os teólogos tenham sido convidados a colaborar na
elaboração de planos militares. (ALVES, 1981, p. 9-10)

Já Oliveira (2007, p. 66-67), apresenta a perspectiva atual da religiosidade como um


fenômeno a ser estudado e ressalta a relação deste fenômeno com a cultura:

Atualmente, considera-se como marco referencial a concepção de que o fenômeno religioso


se manifesta em uma cultura. [...] A fenomenologia das religiões evidenciou a existência de
uma relação intrínseca entre cultura e religião, a ponto de a ignorância sobre tal relação
poder tornar o pesquisador inapto para compreender o fenômeno religioso.

Sumário
192

Embora seja considerada uma Ciência novata nas universidades, as Ciências das Religiões
têm atraído uma gama de pesquisadores oriundos de diversas áreas do conhecimento, enriquecendo
sobremaneira esse campo de estudos, fato este, evidenciado por Filormano (1999, p. 5-6), quando
afirma que:

Nunca como hoje a religião foi objeto de tantos estudos por parte das mais variadas
disciplinas. E hoje, mais do que nunca, permanece viva e inevitável a exigência de
globalidade e de sentido, que caracterizou a pesquisa dos pioneiros das ciências das
religiões.

Nesta perspectiva histórica, verificamos que o assunto “religiosidade da comunidade surda”


também foi tratado da mesma maneira até o presente momento por seus integrantes, seguindo a
tendência de excluir, omitir ou separar este campo do saber do meio acadêmico, mas os tempos
atuais garantem a oportunidade de uma reflexão fundamentada teoricamente sobre esta importante
temática.

Por esta razão, o presente estudo aconteceu no campo das Ciências das Religiões, pois com
esta visão pluralista e interdisciplinar, a reflexão será abrangente e global. Á luz das reflexões de
alguns autores, pesquisadores da Cultura Surda, como: Skliar (2005) e Strobel (2007); teóricos da
linguística: Vosler (1959) e Saussurre (1995) e, estudiosos da área de ciências das religiões como:
Otto (2007) e Eliade (2010), dentre outros, abordaremos as práticas e crenças religiosas de uma
comunidade linguística minoritária denominada de comunidade surda.

Para tanto, como veremos a seguir, a primeira parte do presente estudo apresentará uma
reflexão sobre as práticas religiosas no mundo baseado em vivências visuais (o mundo dos surdos).
Posteriormente a estes exemplos práticos, refletiremos sobre os aspectos invisíveis do artefato
religioso (as crenças), com dados obtidos por meio de um estudo linguístico do vocabulário
religioso encontrado em LIBRAS. Partindo assim, dos conceitos e da rede de significação base para
a construção da identidade religiosa destes indivíduos, levando em consideração os sinais
específicos de cada religião (variação linguística). Objetivamos com isso, retratar a postura religiosa
dos sujeitos surdos, entendendo que possuem identidade, língua e cultura que os caracterizam de
maneira peculiar.

Sumário
193

1. PRÁTICAS E COSTUMES RELIGIOSOS DA COMUNIDADE SURDA82

Refletir sobre este fenômeno no contexto cultural da comunidade surda brasileira, não se
resume apenas em abordar a prática de disponibilizar um intérprete de Língua de Sinais, e reservar
cadeiras preferenciais no local sagrado (templo, sala de reunião religiosa), para que assim, os
sujeitos surdos adeptos apenas assistam os rituais e liturgias realizados pelos ouvintes.

Vai muito além disso, pois atualmente, encontramos surdos nas posições de: pastores,
padres, missionários, professores de ensino religioso e seminaristas, atuando efetivamente nas
missas, cultos e encontros religiosos, escrevendo assim um novo cenário religioso com suas
próprias mãos.

Desse modo, entender o quê os surdos definem como ser religioso e a visão deste mundo
simbólico de crenças que ele está inserido, significa olhar para as pioneiras83 ações voltadas para
uma evangelização de surdos no Brasil, na década de 70, e perceber a evolução desta história. Onde
se constata que o ouvinte está cada vez mais saindo do palco deste cenário e dando lugar aos líderes
espirituais surdos para que, os surdos tenham liberdade de construir sua própria história. Pois,
independente de sua crença, eles têm suas convicções de fé. São atuantes nos ambientes religiosos e
grandes formadores de opiniões.

Quando falamos de uma história construída pelos surdos, estamos afirmando literalmente
que através da sua forma singular de comunicação, suas “mãos reivindicam” o direito de ser
diferente. Trazendo em evidência a luta pelo “direito de ser iguais quando a diferença nos
inferioriza e a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza” (Santos, 2002, p.75).

Este respeito ao direito de ser diferente, tão reivindicado, leva-nos a refletir sobre a presença
do multiculturalismo no ambiente religioso, e apresenta os surdos como um grupo minoritário
integrado na comunidade religiosa, que tem sua representação maior de ouvintes. Grupo este que
participa das liturgias e rituais na religião da qual é adepto. Para exemplificar esta construção da

82
Embora a comunidade surda brasileira seja integrante do povo surdo, este termo será empregado, para delimitar a
população de surdos onde os dados foram colhidos no estudo. O estudo em questão foi realizado durante a dissertação
de mestrado (Peixoto, 2011), de onde os dados foram extraídos.
83
A ação Missionária Batista Americana foi pioneira nesta ação de implantação de evangelização específica para surdos
no Brasil, seguida de outras doutrinas e religiões.

Sumário
194

democracia participativa, pensemos nos rituais mais simples e comuns à maioria das religiões,
como os cânticos, as orações, rezas ou meditações.

Com vozes, os ouvintes84 expressam seus cânticos sagrados e os surdos, por sua vez,
expressam estes mesmos cânticos através das mãos, e de expressões corporais. Além disso, também
compõem músicas próprias em LIBRAS, que expressam beleza e fé, originadas de sua cultura
baseada em vivências visuais. Geralmente estas músicas de autores surdos compostas em LIBRAS,
são sinalizadas (cantadas) sem o acompanhamento de som, ou acompanhadas de gravações de
músicas instrumentais com batidas marcantes, ou ainda, ao som do instrumento de percussão
denominado surdo.

Até o presente momento, poucos encontros de surdos no Brasil utilizam esta última
modalidade (cântico religioso, com o acompanhamento do instrumento surdo). Mas em outros
países, esta é uma prática antiga e muito comum, como foi constatado in loco a utilização deste
recurso no I Congresso Pan-americano Cristão de Surdos, realizado em 2000 no Brasil, com a
presença de pastores surdos e líderes religiosos cristãos da Coréia do Sul, do Canadá, dos Estados
Unidos, da Argentina e da Venezuela. Como exemplo desta prática aqui no Brasil, na imagem
abaixo observamos dois surdos apresentando um cântico, onde o pastor surdo Robson Peixoto
sinaliza a música de sua autoria e Lígio Josias o acompanha tocando o instrumento surdo no Culto
em Libras da comunidade cristã Cidade Viva em João Pessoa, Paraíba.

FIGURA 1: Cântico sinalizado com o acompanhamento do instrumento de percussão surdo

Fonte: Foto
dos autores
registrada
em 2017, na
celebração
(culto)
mensal organizada por surdos.

É possível destacar alguns detalhes peculiares do exemplo citado na Figura 1. No trecho da


música sinalizada que representa “o coração partido, entristecido”, o instrumentista acompanha a
expressão corporal (postura envergada) e facial (sofrida e triste) do cantor-sinalizante. Além disso, a
batida no instrumento é leve e fraca, demonstrando as forças da emoção se esvaindo. Porém, no

84
Ouvintes: termo utilizado na comunidade surda para as pessoas que ouvem e não apresentam nenhum déficit auditivo.

Sumário
195

outro trecho que representa o “coração acelerado batendo forte e rápido de alegria”, eles apresentam
sincronizadamente uma postura ereta e uma expressão alegre, bem como, o toque do instrumento
agora se torna forte e mais alto.

O ritual de meditação, oração ou reza, de mãos dadas e olhos fechados, praticado tão
corriqueiramente por um grupo de ouvintes, tem três versões um tanto quanto diferentes para os
surdos. No primeiro formato, quando estão em templos organizados em cadeiras ou bancos
enfileirados e o condutor da reza ou oração solicita que todos fiquem de joelhos, na grande maioria
dos templos cristãos, os ouvintes possuem o hábito de ajoelharem de costas para o altar e apoiar no
acento da cadeira, como ilustra a Figura 2. Porém no caso de um sujeito surdo, para acompanhar a
oração ele não poderá se posicionar de costas e nem fechar os olhos, como a maioria que está
ouvindo mesmo estando nesta posição. O sujeito surdo deverá se posicionar de frente para
visualizar a sinalização da oração e assim acompanhar este momento.

Figura 2: A postura de fiéis ouvintes em momentos de orações de joelhos

Fonte: http://pequeninos-de-jesus.blogspot.com.br

Na formação em círculo o surdo que está direcionando este momento de oração fecha os
olhos e fica com as mãos livres para se expressar em língua de sinais, os demais ficam de mãos
dadas e olhos abertos para ver a sinalização. Os dois integrantes do círculo, que estão ao lado do
sinalizador, colocam uma de suas mãos sobre o ombro dele, pois o mesmo não pode dar as mãos,
por estar movimentando-as na sinalização. A última
versão encontrada consiste na união dos pés ao invés das mãos, pois assim todos os surdos que
estão no círculo poderão, por exemplo, em uníssono recitar a oração do pai nosso, ou simplesmente
falar “amém” concordando com a pessoa que está conduzindo um momento de oração espontâneo.
Como acontece na Figura 3, quando em uma atividade social os integrantes de um grupo religioso
unem seus pés em oração para agradecer pelo alimento.

Sumário
196

Figura 3: A formação em círculo com pés unidos

Fonte: Foto dos autores

Cada vez mais os surdos passam da posição de meros espectadores nos templos para fiéis
atuantes, com isto, tornando crescente o número de reuniões, missas, cultos, acampamentos,
congressos e encontros no âmbito religioso organizados por surdos, evidenciando a vivência visual
de mundo. Vale salientar que nestes eventos quem recebe as mensagens via interpretação são os
ouvintes.

Figura 4: Missa ministrada por Padre surdo

Fonte: http://jornalouvidor.com.br/noticia/missa-da-pastoral-do-surdo

Com o desenvolvimento de eventos religiosos específicos dos sujeitos surdos, cresce


também as expressões artísticas dentro deste contexto como músicas, danças, apresentações teatrais,
produções fílmicas, produções literárias (poesias, narrativas, traduções e produções de livros),
dentre outras.

Sumário
197

Figura 5: Vídeo produzido para surdos por Testemunhas de Jeová: “O Que Jeová Uniu' (LIBRAS)”

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=rRDwj35F9Kg

É inegável a presença de várias peculiaridades como estes comportamentos elencados na


realização dos rituais religiosos. E, porque não dizer na forma de percepção do sagrado, já que a
construção de mundo do surdo é vísuoespacial? Esta visão, que ele tem do sagrado, norteia seu
comportamento e sua visão de mundo como um todo, como afirma Oliveira (2007, p.70): “O
homem religioso pode olhar o mundo pelas lentes dadas por sua cultura e tradição religiosa, e seu
comportamento, nesse caso, será orientado por essa visão de mundo”. Embasado nisso, passaremos
para a segunda etapa deste estudo.

2. CRENÇAS E VALORES RELIGIOSOS EM SUJEITOS SURDOS: UMA


INVESTIGAÇÃO NA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS

Esta parte do estudo foi realizada na UFPB - Campus I e a amostra populacional consistiram
em oito Surdos. Os critérios para a seleção das pessoas de ambos os gêneros que participaram da
pesquisa foram: ter surdez congênita, ter como língua materna a língua de sinais, possuir ou estar
cursando o ensino médio, além de ter idade entre 20 e 50 anos e, ainda, residir na grande João
Pessoa.

Então partindo destes critérios participaram da pesquisa, colaboradores que se identificaram


como: três católicos (denominados de DG, H e R), dois como evangélicos (denominados de A e G)
e três sem religião (denominados de D, N e T).

Sumário
198

Além destes, foram convidados um surdo e uma intérprete85 de LIBRAS, representantes da


religião de Testemunha de Jeová, mas somente a intérprete compareceu, pois o surdo informou que
preferiu não colaborar com a pesquisa. Quanto às outras religiões, não foram encontrados em João
Pessoa sujeitos compatíveis com os critérios para a participação da pesquisa.

Inicialmente, foi realizada uma revisão bibliográfica, com o intuito de investigar, na Língua
de Sinais, as representações do sagrado e a forma de conceituar o transcendente por parte dos
sujeitos que têm esta como primeira língua. Embora o termo sagrado nos reporte à palavra santo, a
análise apenas deste termo não é suficiente para definir o sagrado e muito menos para captarmos
toda a cosmovisão dos surdos congênitos, que consiste no “Conjunto detalhado de crenças
combinadas de forma consistente ou coerente” (EVANS 2004,p.37).
Para este estudo foi necessário uma análise do vocabulário da LIBRAS - Língua Brasileira
de Sinais, ligado ao contexto religioso, onde os glossários86 da LIBRAS, produzidos nas religiões
que tem representação surda, serviram como base para esta análise do vocabulário, bem como o
Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue da língua de sinais brasileira (CAPOVILLA, 2008),
que serviu como parâmetro do vocabulário laico.

Neste percurso da análise do vocabulário religioso os dez signos, selecionados foram: Santo,
Deus, Céu, Diabo, Alma, Morte, Pecado, Fé, Oração e Amor. Nesta etapa, a variação linguística
confessional foi pesquisada, a fim de ser respeitado o sinal correspondente à religião professada
pelo entrevistado durante a sinalização na entrevista. Veja a seguir as variações linguísticas
encontradas:

Figura 6: Quadro com a análise da variação linguística

Sinal Dicionário Capovilla Glossário Cristão Glossário Testemunhas de Jeová

SANTO

Sem variação

85
A presença da intérprete foi prevista para ressaltar a imparcialidade da tradução, bem como a confiança dos
entrevistados.
86
Glossário de sinais Cristãos: Clamor do Silêncio-Manual de Sinais Bíblicos (1991) com sinais utilizados tanto pelos
surdos católicos como pelos surdos evangélicos, Glossário de Sinais dos Testemunhas de Jeová (1992).

Sumário
199

CÉU

Sem variação

DIABO

Sem variação

ALMA

PECADO

Sem variação

ORAÇÃO

Sem variação

Sinais que não apresentaram variações

DEUS MORTE AMOR

(Fonte: elaborada pela autora)

Constatamos no quadro (Figura 6) com os dados obtidos na pesquisa sobre a variação


linguística, os sinais que não sofrem nenhuma variação são: DEUS, MORTE e AMOR. Os léxicos
ALMA e ORAÇÃO representam os sinais de maior variação. Constatamos também que em relação
aos sinais laicos (encontrados na 1ª coluna) o vocabulário que mais sofre variação linguística é o

Sumário
200

pertencente ao glossário das Testemunhas de Jeová. Consequentemente, o Glossário Cristão


apresenta um vocabulário em LIBRAS mais próximo dos sinais encontrados na publicação laica.
Este fato de uma identidade religiosa ser identificada numa determinada língua por meio de
uma variante linguística, não ocorre apenas com o povo surdo, como afirma o Linguista Vosler
(1959, p:66): “Na Bósnia, por exemplo, onde vivem todos juntos ortodoxos, maometanos e
católicos é possível reconhecer as diferenças confessionais religiosas com base em certas
peculiaridades da fala.”
O autor exemplifica citando o fato de os protestantes pronunciarem Jesykrist e os católicos
Jesykri (Jesus Cristo), ou ainda, em espanhol Dios (Deus) sofre a variação para Dio pelos espanhóis
judeus. Isto comprova que assim como na Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) outros idiomas
também refletem variações linguísticas por consequência da fé religiosa professada pelo usuário da
língua em questão.
Posteriormente a esta pesquisa análise da variação linguística, aconteceram às entrevistas
semi estruturadas com o vocabulário anteriormente analisado. Abordaremos neste capítulo de forma
resumida a análise de três sinais87 (Santo, Deus e Alma), que exemplificam alguns resultados que
obtivemos com este estudo. Os resultados comprovam a importância de conhecer o conceito
atribuído pelos integrantes desta comunidade linguística para os léxicos na Língua de Sinais.

3.1 – Santo

Santo foi o primeiro sinal a ser definido pelos colaboradores durante as entrevistas e esta
nomeação, em língua de sinais, tem uma característica icônica de uma auréola como observamos no
quadro. Mesmo com esta característica visual do léxico em questão, os significados extraídos das
respostas dos entrevistados não se limitaram a escultura de um santo, ou seja, os santos
reverenciados na religião católica88, embora um dos entrevistados, que professa esta fé, tenha feito
referência a este significado, quando responde da seguinte forma: “Pessoa boa, nome do santo.
Aquele que ajuda contra o mal.”(Surdo R). Este teor de significação da palavra santo, ligado à
característica icônica do sinal, não apareceu nas respostas dos demais entrevistados, como podemos
constatar a seguir:

Surda A:”Jesus é santo”.


Surdo D: “Deus, os anjos”.

87
Como o convidado, Testemunha de Jeová não compareceu, os sinais destra religião não foram usados.
88
A Igreja Católica consagrou como padroeiro dos surdos o SANTO AUSENDO DE SANCI, comemorado no dia 24
de Agosto, porém os surdos colaboradores da pesquisa não possuíam conhecimento deste fato.

Sumário
201

Surdo H: “Jesus nos ensina o que é ser santo. É ser bom”.


Surda G: “Limpo”.
Surdo T: “Pessoas de paz, que abençoam os outros. Pessoas seguras que oram. Pessoas que têm cuidado no caminhar
e que evitam cair em tentação. Pessoas santas cuidam dos outros com carinho”.
Surdo N: “Ser comportado”.
Surdo Dg: “Uma pessoa que tem juízo, que se relaciona com a família, que não faz certas coisas porque é santo, é
direito e pensa no futuro. Sabe avaliar o que é errado. Pessoa maravilhosa que tem um relacionamento de paz com a
família. Cuida das outras pessoas”.

Nas respostas dos Surdos A, D e H foi observado que ao referir-se à palavra santo, o
significado imediato dado pelos entrevistados resulta na personificação da santidade em Jesus
Cristo, Deus e nos anjos. Contudo ao em outras respostas os colaboradores se referem às
características desta pessoa santa (limpo, bom, comportado, pessoas de paz, segura, maravilhosa,
que têm juízo) e as palavras que refletem as ações desta pessoa que é santa (abençoam, oram e
cuidam).

Esta dicotomia no significado de santo, que implica em ter uma idéia de sobrenatural e outra
que caracteriza o ser humano como modelar e exemplar, carregando uma forte concepção moral, é
encontrada no Dicionário de Apologia e Filosofia da Religião. Evans (2004, p: 123):

Qualidade de Deus e de coisas e pessoas reservadas para Deus que distingue quem ou o quê
a possui como “diferente” e “de outra qualidade” em relação às coisas comuns da criação.
Moisés, quando encontrou-se com Deus na sarça ardente, estava temeroso e foi-lhe dito que
removesse as sandálias, porque o lugar era santo. No novo testamento, a santidade assumiu
as características de justiça e de pureza moral.

3.2 – Deus

A análise do sinal Deus, que possui a configuração de mão na letra “D”, com locação acima
da cabeça e com a expressão não manual de um olhar para cima, direcionando a letra “D”, nos
revela a superioridade e o fato de estarmos abaixo, olhando ou contemplando este Deus. Esta
análise está em total consonância com os resultados obtidos nas entrevistas, pois as respostas com
as definições, como veremos abaixo, revelaram o primeiro dado: Deus é o sujeito que está no alto.

Surda A: “Primeiro de tudo, está acima de tudo Jesus é Deus”.


Surda G: “É superior, está acima. É o mais poderoso. Dono do mundo”.
Surdo T: “... Deus é aquele que vê lá de cima tudo o que acontece no mundo...”.

Sumário
202

Quanto a esta soberania de Deus ser identificada no seu próprio nome, temos vários
exemplos semelhantes na cultura de alguns povos estudados por Eliade (2010, p. 101,102) tais
como:

A divindade suprema dos maori chama-se Iho; iho tem o sentido de “elevado, acima”.
Uwoluwu, o Deus supremo dos negros akposo, significa “o que está no alto, nas regiões
superiores”. Entre os selk´nam da Terra do Fogo, Deus se chama “Habitante do Céu” ou
aquele que está no céu”[...] Entre os koryaks, a dinvidade suprema chama-se o “Um do
alto”, “o Senhor do alto”[...]

Partindo do fato, de que Deus é aquele que está acima, vale ressaltar que não existe outra
possibilidade na LIBRAS de referir-se ao sujeito Deus sem olhar para cima, visto que a sintaxe das
línguas de sinais não é linear como nas línguas orais, e sim espacial. Por tanto, o direcionamento e a
disposição do espaço são elementos fundamentais e determinantes para a formação da sentença. A
resposta do surdo Dg é um exemplo disso: “Aquele que nos ajuda. O criador da vida da natureza,
do mundo. Aquele que nos vigia para avaliar se somos bons ou não.” (Surdo Dg)

O mesmo não expressou em sinais uma afirmação de que Deus estava acima ou fez
referência de sua superioridade, como os outros colaboradores expressaram em suas respostas.
Porém ao afirmar que Deus é aquele que vigia e avalia, a sintaxe da sua língua exige que o verbo
vigiar venha de cima direcionando o olhar do sujeito da frase (Deus) para baixo.

3.3 – Alma

Na apresentação do léxico alma, duas ideias distintas, foram achadas, durante as entrevistas.
A primeira ideia encontrada partiu da observação de um dado que se repetiu nas respostas dos
colaboradores da pesquisa: o relato de experiências pessoais com almas seja através de sensação, ou
de visualização. Ficou evidenciado que a resposta mais espontânea dos surdos extraída no momento
imediato à visualização do sinal de alma, feito pela entrevistadora, diz respeito a esta vivência da
experiência com “almas penadas”. Como veremos no exemplo a seguir:

Entrevistador: O que é ALMA?


Surdo T: “Às vezes em casa quando estou usando o computador passa uma alma na minha frente. Também já
aconteceu, uma vez quando eu estava no trânsito e uma alma passou na minha frente e eu quase fui atropelado.
Também já senti batendo no meu ombro e me assustei.”
Entrevistador: Você vê alma?
Surdo T: “Sim. Vejo de verdade”.

Sumário
203

Entrevistador: E a sua alma?


Surdo T: “Minha alma?! Eu não tenho alma. Só vejo almas que são como pó transparente. Eu sinto uma luz
movimentando-se no escuro. Quando isto acontece, eu ascendo à luz para parar de ver isto”.

Vimos, então, que durante a análise desta primeira ideia não surgiu dúvida sobre a
significação resgatada ao utilizar o léxico da língua de sinais padrão. Através deste dado é possível
refletir, por exemplo, sobre qual a melhor tradução para um trecho tradicional do Hino nº 375 -
Segurança, que faz parte da coletânea de hinos do Cantor Cristão (JUERP, 1987). O trecho diz:
“Canta minha alma, canta ao senhor, rende-lhes sempre ardente louvor”.
Com isto, se este dado encontrado no presente estudo não for considerado e durante a
tradução for utilizado o sinal contido no glossário cristão para alma, a ideia original da canção não
será preservada. Pelo contrário, ao utilizar durante uma tradução litúrgica o sinal habitual na
sentença “canta minha alma”, a mensagem que chegará ao surdo será “canta fantasma ao Senhor”.
Neste caso a possibilidade de tradução deste trecho seria a transmissão da ideia: “eu canto ao
Senhor com sentimento verdadeiro” ou “meu interior coloca para fora um cantar”.
A segunda ideia encontrada durante as entrevistas é a definição por parte dos surdos de alma
como algo da própria pessoa. Esta “coisa” contém as características de personalidade e está ligada
aos sentimentos, ânimo e conduta moral do indivíduo. Nesta compreensão, a alma é aquilo que se
desprende do corpo e vai para cima (céu) ou para baixo (inferno).
Este segundo sentido (sinal representado na Figura 7) encontrado para a alma, durante as
entrevistas, foi detectado durante a sinalização do primeiro entrevistado e posteriormente utilizado
pelos entrevistadores para confirmar o significado com os demais colaboradores.

Figura 7: Segundo sinal de alma encontrado durante a pesquisa

Fonte: Foto dos autores

Sumário
204

Esta foi uma descoberta importante durante a pesquisa, pois encontramos mais uma variante,
um sinal não registrado nas publicações brasileiras consultadas para alma, que auxilia na distinção
das duas ideias existentes para alma na língua de sinais.
Verificamos também que a descrição das diferentes representações de alma acontece de
forma muito semelhante no grego antigo com os termos: psykhé (alma), ménos (força vital), nous
(inteligência), pneûma (sopro) e phántasma (aparição). No latim, com spiritus, animus e anima. E
ainda, dois termos distintos para alma são utilizados pelos chineses, através de uma “concepção
dualista segundo a qual o homem tinha uma alma espiritual (hun), destinada a regressar ao Céu
depois da morte, e uma alma corporal (po), que devia voltar à Terra.” (SCARPARI 2006,p.97)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na história da educação de surdos é dado um grande destaque à atuação de religiosos na


comunidade surda, enquanto existe uma história paralela que é a atuação da comunidade surda nas
religiões, ou seja, as manifestações das crenças destes sujeitos construtores de sua própria história,
que normalmente não é relatada.

Portanto neste estudo buscamos evidenciar que além dos artefatos culturais do povo surdo
apresentados por Strobel (2008), experiência visual, linguístico, familiar, literatura surda, vida
social e esportiva, artes visuais, política e materiais, existem também um artefato importante, que
abrange crenças e valores norteadores de comportamentos, denominado de artefato cultural
religioso. A proposta do acréscimo deste artefato reflete da reivindicação do respeito às diferenças,
reconhecendo que a postura religiosa dos surdos é autêntica, sincera, e singular.

REFERÊNCIAS

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de A a L. 3.ed. São Paulo: USP, 2008.

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Sumário
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Petrópolis: Vozes, 2007.

PEIXOTO, J. A. O conceito de sagrado dos surdos congênitos: um estudo na língua brasileira de


sinais. João Pessoa: UFPB, 2011.

SAUSSURE, F. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1995.

SCARPARI, M. Grandes civilizações do passado: a china antiga. Barcelona-Edição Brasil: Folio,


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SANTOS, B.S. A globalização e as ciências sociais. São Paulo: Cortez, 2002.

STRÖBEL, K. L. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Ed. UFSC, 2008.

TRATADOS, S.T.V.B. Linguagem de sinais. São Paulo. Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e
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VOSSLER, K. Estpiritu y Cultura em el Lenguaje. Madrid: Ediciones Cultura Hispanica, 1959.

Sumário
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Sumário

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