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LIVRO 1

UM VÉU SOBRE O
VAZIO
Parte 1
Um conflito continuo,
desembarcava em sua mente
como nos tempos de guerra, seja
no dia D ou nas invasões
coloniais, sua mente tornou-se a
terra para novas disputas
internas, tão intensas e
marcantes. Sendo assim, nada do
que fizesse para esquecer a
memoria mais lúgubre, era o
bastante para encontrar a paz
verdadeira, aquela que o fazia
sonhar, desde então, com tanto
afinco, e mesmo que acordado,
com tamanha avidez e desejo de
sonha-lo novamente.
Fez-se então, um homem de
mente e personalidade triste,
misterioso era sua índole e mais
ainda seu caráter. Poderia ele
esconder um assassino ou
ladrão, tão cruel quanto denotava
ser sua aparência bruta e robusta
pelo longo período em que
trabalhou nas minas. Porém, mas
que a aparência, o real motivo de
sua condenação, fora o ato vil e
terrível, no qual se tortura de
olhos abertos.
Outra questão que lhe serrava a
alma como o um demônio a
tortura-lo em vida, é tua
incansável busca por redenção e
por fim, a paz. Talvez no fundo do
intimo, soubesse ser tarde para
render-se sobre os pecados, e
assim carregar em sua costas as
mais horrendas cruzes de suas
escolhas vis. Então para
encontrar o que o faria por fim um
homem, digamos livre. Teria de
leva-lo ao teste de encarar sua
agrura e adentrar nas lembranças
escuras e a muito trancada em
sua mente. Pois sim, era um
homem que exibia suas camadas
em cada oportunidade de abrir-
se, mesmo para si mesmo ou
para as estrelas. Sua primeira
camada era sua convicta, mas
talvez certa, ideia da realidade na
sociedade. Pensava ele, que o
homem sob o terno ou o homem
de andrajos, nada tinham de
distintos, pois em suas mentes
reluziam a tal ideia da
subsistência leviana e absorta.
Sendo assim, o homem sob o
terno era ambicioso e não menos
precavido em relação a sua volta,
pensava ele em cada passo para
assim tocar sua leviana ambição.
Já o homem de andrajos,
transpunha a tua existência
miserável na sociedade, porém lá
estava a sua ambição e tua
vontade, mesmo que perdido em
sonhos profundos e assim
ficariam para o sempre, o pobre
homem precavia sua ambição em
suas levianas esperanças, a qual
depositava as agruras em cada
Sendero.
A segunda camada era seu
pensamento dogmático com
relação a natureza humana.
Aliás percebe-se o quão formado
e firmado é o homem de suas
ideias. Levando em conta a
solidão que vagava nesta alma
perturbada nos últimos anos, o
momento para reflexão era
praticamente indispensável,
tornando assim um tipo de
distração para fugir da
insanidade.
A sanidade, assim era parte da
natureza humana a qual criticava
tão fielmente. Perdido nas
reflexivas horas em sua sela, o
homem perguntava-se quando
chegaria a tal ponto de não
lembrar de seu nome, de seu
passado, de que dia era este ou
aquele ou se seria capaz de
andar cá e lá por conta própria.
Sendo assim, a formação da
opinião para com a sanidade
humana, fora ali construída.
Primeiro, ao ver outros detentos
tornarem-se reféns de suas
próprias selas mentais, o jovem
detento, imaginou-se nos lugares
de quem lhe cercava, pensava na
agrura que penetrava na mente
dos condenados por seus feitos
horrendos e pela culpa de faze-
los. Porém acima de tudo,
pensava em quando estes
condenados estavam a ponto de
agirem antes do tortuoso
presente, quando estavam em
frente a uma decisão, fazer ou
não fazer, e isso era nas selas e
nos corredores escuros e frios, a
decisão a penetrar na mente de
cada individuo, fazer ou não
fazer, essa era a questão. E no
que diz respeito a suas
sanidades, a escolha fazia serrar
a mente e deixa-los a flor da pele.
Pois como tal sistema carcerário
não sustentava as próprias
despesas, os condenados viviam
em plena e absoluta miséria, a
comida era pouca, nada mais que
um pedaço de pão para
esquentar a barriga na manhã
gélida, e um frio prato de arroz e
feijão para aguentar a noite e a
madrugada inquietante. E assim a
sanidade, baseava-se em apenas
duas escolhas constantes, fazer
ou não fazer, cortar os pulsos ou
não cortar, esperar ser julgado ou
contentar-se com o presente e o
infeliz futuro.
A terceira e última camada era a
mais sombria e inquietante, pois
diz respeito a todo este show de
horrores, sua razão. Ao pensar
em tal razão, isso já contento com
a vida encarcerado, o homem
arrastou-se sobre a lama e as
relvas molhadas para enfim
largar-se do orgulho e de um
pensamento dogmático, para
então chegar a um momento de
reflexiva e absoluta solidão do
pensamento: “Como os homens,
em momento de desespero, se
entregam de vez em suas razões,
e acalentão o sereno lado de
suas subjetivas razões?”
Perguntou se chofre num certo
momento. E de chofre lhe surgiu
a resposta como um raio. “ Os
que acalentam a alma, nada mais
são do que donos de suas
razões, pois conhecem a si
mesmos e aproam o desejo
soberbo para o tempo certo” E
então acrescentou “ Os que
pejoram a própria razão, seriam
os escravos dos seus eu
conscientes e assim se fecham
na tortura amarga de sua
existência”.
Por fim, com tal reflexão
pessimista sobre o conceito de
razão e da subjetiva visão de sua
teoria. O homem olhou-se para
dentro de si, e procurou afundo a
sua razão, logo deparou-se com o
vazio e pecúlio de sua moralidade
e depois viu a sombra que
encontrava-se entre a moral e a
banzar de sua consciência. E
assim diante do imenso abismo,
perguntou-se se seria isso real ou
apenas uma peça que sua mente
provocava a cada oportunidade.

A grande peça
A fome lhe incomodava o
estomago na mesma hora que
outrem e anteontem, um pedaço
de pão mofado e fétido era o que
tinha para satisfazer o incomodo
e assim acalmar a mente, porém
no fundo de sua lembrança, ao
indagar a primeira mordida,
lembrava-se da anterior e antes
dela, até por fim lamentar em
desgosto.
Mais tarde, o banho de sol
marcado para às duas da
tardinha, enchia o pátio dos mais
diversos indivíduos, alguns com
apenas andrajos a cobrir o corpo
mórbido, onde mostravam as
cicatrizes profundas e marcantes.
Outros, na maioria dos que ali
estavam presentes, ficavam sem
camisa, mostrando as costelas
que saltavam das costas como
um filme de horror. Todos
aqueles homens, faziam parte,
sem sequer saber disso, de um
sistema falido e que jazia ao
abandono por seus donos. A
verba que foi no papel uma
realidade numa daquelas
reuniões. Tornou cada digito um
motivo para aquele sorriso torto
do corrupto ao fundo da sala,
deixando assim a realidade e
todas aquelas vidas, vagarem
num incerto fulgurar de
esperança, uma leve e pequena
esperança por um mero conforto.
Fadados à essa vida de controle,
como se fossem bonecos de
pano, os homens condenados a
morte, mesmo que tenham
roubado um pão ou um nabo para
alimentar os filhos, passavam a
trancarem-se em seus afazeres
costumeiros e assim viviam disso,
eram distrações triviais que ao
menos os distanciavam de um
destino fúnebre e sem a fulgura
da esperança na liberdade ou o
simples sonhar com a vida na
sociedade.
Porém, lá estava a sociedade fora
das muralhas da prisão, presa
nas ladainhas mais fúteis do
contemporâneo e ao mesmo
tempo degradante em cada
estrutura. Isso acalenta uma
visão de curto e a longo prazo,
pois ainda anseio sentir os
tremores na terra e o fogo subir o
céu como nas eras primitivas,
porém não muito diferentes desta
que vivemos. Com o passar do
tempo e com o fim das guerras,
dispus-me a olhar a imagem
embasada da paz, para assim
levar a mente a um breve
descanso. No entanto, o anseio
de vislumbrar os corpos mortos
aos milhares, sobre a lama e o
sangue, ainda penetram na
presente memória.
E para o jovem, preso em sua
angústia e devaneio, privava-se
das lembranças do passado, do
tempo de liberdade e das faces
mais belas que beijava ao
despedir-se pela manhã. Mas
agora com escuridão e a
sensação de solidão à preencher
a alma. Tais lembranças
tornaram-se uma imagem cada
vez mais longínqua, de tal
longevidade, era capaz apenas
de um rápido vislumbre ao
levantar das cortinas sobre o
palco dramático e obscuro.

Quando tocou o sinal no pátio, os


condenados despediram-se com
a última olhadela para o sol
brilhante, seria aquela a imagem
que veriam ao sonhar com a
liberdade, porém um pesadelo ao
notarem ser apenas um sonho.
Com o leve som dos ponteiros do
relógio e o passar do tempo,
acostumar-se com esse sonho,
era de fato uma obrigatoriedade,
pois os que buscavam o sonho
após enfrentar a solidão e o vazio
na solitária, conseguiam achar
pois naquela última imagem, um
refúgio caloroso.

Quando entrou em sua sela, o


jovem olhou em volta às suas
quatro paredes. E após ouvir os
passos do guarda afastando-se
dali, viu-se na clareza de seus
pensamentos e no desconforto do
inesperado. Neste isolamento
reflexivo, veio-lhe em mente a
ideia da morte, como tal ideia
podia conforta-lo neste silêncio
absoluto, seria seu único
companheiro de sela? Sim. Em
cada canto da sela, a morte jazia
presente em seu conforto
contento, pois sabia mais que
ninguém, até mais que o próprio
jovem, que todos perante aquele
corredor escuro, estariam a
mercê de sua real companhia. E
então, assim como os ponteiros
do relógio e o passar do tempo, a
angústia e a insanidade, levavam
a fome em seus encalços, a
tristeza e a agrura, levavam a
esperança longínqua em suas
companhias, por fim tornando a
vida uma mera e inútil existência,
uma presença física, mas de fato
uma consciência mórbida.

Liberdade
Ouviu-se seu nome e seu
segundo, ao longo do pátio como
um eco vívido. Os condenados
olharam o velho de todo, porém
com frieza e de longe o
felicitavam, sabiam que em
poucos dias uma nova leva de
indivíduos chegaria na prisão e
ocuparia o lugar daquele que via
enfim a liberdade à poucos
passos.
O passado agora mais longe
quanto a esperança longínqua,
marcavam a face do velho,
curvado, de cabelos ausentes, de
olhos negros e profundos que
quando fixados, narravam por si
só a infelicidade daquele que os
tornava. Esse velho, foi na
juventude um prodígio pensador,
malhando a jovem razão para
fundar um homem de
pensamentos formados, mas
aberto ao desconhecido. Na
mocidade de sua mente notável,
o dogmático era fruto de uma
inexperiência. Agora, quando
olha-se ao espelho, vê ali um
homem sem o aspecto brutal, a
qual lhe caracterizava, pois agora
frágil mas não menos distinto na
maioria de suas reflexões
anteriores.
Chamavam-no pelo que parecia
ser a quinta vez seguida, no
entanto, o velho jazia como
estátua no meio do pátio.
“Sentirei falta dessas paredes?”
perguntava-se de chofre a cada
olhadela que fazia ao longo do
lugar. Olhava as vigas de
concreto, nas quais presenciou
diversos detentos chocarem suas
cabeças contra elas, talvez afim
de por um fim aquilo. As vigas
agora tinham manchas de tons
distintos de vermelhos, as
tonalidades mais claras, diziam o
quanto o tempo passara quando
um individuo fez sua escolha, já
as mais recentes manchas,
estavam escuras e no caso da
que o velho vislumbrou neste
instante, uma em particular ainda
estava molhada e escura. Abaixo
da mancha um corpo caído de
bruços, fitando o céu cinzento,
com demasiado desespero.
O velho conhecia-o como o leitor,
assim chamado pelos demais
detentos. Contava as histórias
dos diversos livros que leu
durante a vida, porém de certa
forma inventadas por ele, já que a
memoria o fugia de ocasião em
ocasião. Contou uma vez a
história do menino fazendeiro,
que em plena mocidade, no auge
de seus onze anos de idade,
descobriu um tesouro embaixo de
uma pedra, era segundo o leitor,
algumas joias e uma pequena
caixa para guarda-las. O menino
fazendeiro então chocado com a
descoberta, levou o tesouro para
casa, porém, ao entregar à
família sentiu uma culpa imensa,
pois o tesouro era, de acordo com
as palavras do avô, pertencente à
uma velha usurária que fora
assassinada à machadadas por
um ex-estudante.
Neste dia, o velho escutava com
afinco às palavras do leitor, e
então permitiu-se pensar no que
levara o assassino, o tal ex-
estudante, fazer este ato tão viu,
para apenas esconder o fruto do
roubo embaixo de uma pedra,
sem esbanjar-se com ele.?
“Talvez a culpa o consumia
enquanto indagava em fuga,
talvez tivesse uma parte dele que
buscava com avidez a justificativa
pelo que fez, e assim levou-se ao
delírio”. Tal ideia de dualidade
numa mesmo consciência
percorria a mente, como a
mesma personalidade está sujeita
à duas versões de um ato, uma
sentiria a culpa, a raiva e a dor, já
a outra sentiria um sentimento
límpido como um leve alivio,
assim como a querença e um
momentâneo gozo ao esbanjar-se
do tesouro.
Fora a sexta vez que chamavam
seu nome, o guarda ao
microfone, parecia impaciente e
demonstrava a irritação em cada
eco que se espalhava pelos
corredores e selas e enfim o
pátio.
O velho então, voltou daquele
torpor que corria-lhe a mente
como um assombro ou mesmo
um eco, largou o devaneio de
lado e voltou a estado normal de
sôfrego e ilucida realidade.
Indagou a passos largos em
direção a porta, na qual sairia
enfim do tormento, caminhava e
caminhava, seus pés tocavam ao
chão com tanto estrondo que o
velho imaginou-se sozinho numa
sala sem som algum. Esses
passos pesavam e suas pernas
que demonstravam-se cansadas
como se havia permanecido
sentado por um longo período.
Essa sensação de medo e o frio
na barriga eram agora o motivo
de suas reflexão, mas não
pensava nelas agora. Sentia o
medo de pensar em deixar o
lugar no qual dispôs a pensar tão
profundamente, o medo de deixar
a sela na qual sonhou com a
liberdade e uma vida feliz, o que
era ruim de não voltar a sonhar
com tais coisas, o fato de deixar
de admira-las com as coisas
preciosas que são, mergulhar na
sucinta ingratidão. O velho via no
homem moderno, no qual
disponha a imensa e infinita
liberdade, o descontento por
obter tão pouco, mesmo tento
muito a sua frente.
Caminhava e caminhava,
pensava nas goteiras que caiam
ao final do corredor ao lado da
sela quatro, o receio de nunca
mais ouvir o impacto delas ao cair
no poço logo abaixo. Eram as
lembranças da garoa quando era
criança, assim na cabana de
madeira onde morava com os
pais, ficava durante o inicio das
tempestades, estancado na
janela de pinheiro com um velho
vaso de rosas e jasmins a sua
frente, e então diante de tão
singela visão, poderia viajar nas
asneiras e dislates de uma mente
infantil.
Caminhava e caminhava,
pensava na formosa dama que
conhecera um mês antes de ser
preso, talvez a visita-se em algum
momento quando enfim a
liberdade o abraça-se, talvez.
Nem mesmo ele, imaginaria a
saudade que o calor da presença
da dama o faria tornar suas noites
de sono, difíceis e ensopadas
pelo suor sem precedentes.
Talvez fossem seus olhos de um
castanho claro, lembrando a cada
olhadela, as flores e folhas
mortas na fúnebre manhã do
outono. Talvez fossem os longos
cabelos cacheados negros como
as cascatas do Iguaçu em plena
penumbra da tardinha. Além
disso os lábios da bela dama,
eram de um toque aveludado,
macios como a coisa inexplicável
mais branda mais e terna.
Caminhava e caminhava, porém
enfim parou a um pé para a
liberdade, esticar o pé esquerdo
para assim alcançar o desejo tão
esperado dos homens
encarcerados, parecia uma
tortura sem fim, sem margem
nem limites. Dizia para si mesmo
que não refletia, que pensava
unicamente no sonho de
liberdade, no entanto, como visto
em seu longo caminhar, nas selas
e nos corredores estavam suas
lembranças e pensamentos, fora
ali que fez-se o homem que é,
que fundou seus valores e seus
princípios, deixa-los ali a tona,
seria como deixar-se de lado e
recomeçar novamente, porém
agora num mundo diferente,
previsível e distinto daquele no
qual refletia em seus momentos
meditativos. Onde um velho se
encaixaria nesta nova sociedade?
nas novas manias da populações
e nas eminentes brigas por
espaço? Não havia família aquém
recorrer, se afastara de todos e
de tudo, Talvez estivessem
mortos, quem sabe? Mas não se
importava, já era solitário, só
havia a si mesmo e suas
reflexões, além de claro a
escolha, fazer ou não fazer, dar
um passo para a liberdade ou
trancar-se na angustiosa vida a
que saia com tanto contragosto,
saudosa era a tentação de dar
meia volta e contentar-se, mais
não desejava, assim queria a
liberdade, e assim deu o passo.

Parte 2 - Uma bela


pintura
Às duas da tardinha reluzia em
um dia ensolarado e com poucas
nuvens a incomodarem a limpidez
completa do céu. Num dia tão
belo quanto aqueles contados
nos livros de ficção ou mesmo
contos fantasiosos infantis, o
tempo ali recusava-se a passar.
Ao faze-lo, as margens da lagoa
ao sul do monte repleto de relvas
e frutas vermelhas, trazia consigo
os mais diversos convidados,
entre eles um jovem não muito
atraente, era magro, tinha olhos
tão negros quanto as sombras
sobre as oliveiras e um curioso ar
de quem denotava certa
inteligência.
Ao contrário do que acontecia em
volta, isso a recusa do tempo de
indagar ao futuro próximo. A
percepção do jovem para com
este era distinta, pois via em cada
magnifica criatura a sua volta, um
padrão levado para todos em
uma existência sem nome e sem
sentido. Um existência apenas
presente e não sentida. O tempo
passava às pressas, levando
cada uma das criaturas ao seu
final inevitável.
Esta ideia não era falsa, de fato, o
jovem olhava o mundo de uma
longevidade impressionante,
olhava os fato como realmente
são em seu presente e seu futuro.
No entanto, ignorava o dia de
ontem e anteontem. Levava como
o conceito de lembrança, apenas
como uma imagem embaçada do
que o passado inalcançável
presenciara. Mas tornaria o jovem
um ser sensato?, talvez.
Perguntava-se o que seria o
sensato, já que todas as criaturas
tinham suas próprias linguagens,
obedeciam a cada padrão
imposto à elas e ali viviam até o
fim. Em relação a tais linguagens,
dizia para consigo em momentos
solitários: Ei de ver a linguagem
como a própria razão. Sendo
assim, aprofundava-se no
conceito de razão, levando a
linguagem como interprete do
mundo racional, da clara verdade
evidente e alcançável.
No entanto, havia em tal buscar
um empecilho que atrasaria o
achado. A ilusão, que à tempos
demonstra nos homens o que
diriam os sábios, a insanidade
que nos cerca. Daí focado na
busca, o jovem distinto, peculiar
em seus costumes, viu-se num
profundo labirinto no qual virou
para a esquerda:
As relvas estavam mortas e
caídas sobre a lama e a terra
molhada em grandes poças de
um liquido vermelho escuro. Os
montes desapareceram, não
restando nada mais do que mais
poças e mais e mais ao horizonte
infinito. O céu cinzento, era um
presságio da eminente tormenta a
espreita, estava límpido, porém
escuros em certos pontos, dando
ao ambiente um ar fúnebre e
mórbido. O jovem virou para a
margem ao sul de onde seria o
monte e viu no lugar da clara e
azul lagoa, uma vasta e seca
paisagem árida. Então perguntou-
se: “Onde estou?”. Feita a
pergunta, num átimo instaurou-se
o processo no qual fundamenta o
pensamento e a busca na
imaginação. O mundo a qual
rodeava o jovem, seria um retrato
do futuro eminente da
humanidade? pois assim como a
tormenta a espreita, uma nuvem
pairava no passado e expande
suas fronteiras na existência
futura, um fim glorioso para o
homem glorioso, uma cena
dramática a qual víamos antes
das cores serem por nós
representadas.
Seria então a guerra sua causa?
O fim da humanidade? Talvez,
pois seria esperado a muito esta
atitude ligeiramente presente e
constantemente vista, assim no
passado, presente e futuro. E
assim como as relvas
amarronzadas com um leve toque
de cinza em sua essência, uma
pincelada lúgubre tingia esta
ideia, no momento subjetiva onde
vive o povo pacifico, porém de
fato esperada no mesmo
momento que dispõem deste
presente pacifico. É fácil prever a
investida de um soldado, quando
este empunha uma lança na mão
esquerda e uma espada na mão
direita, o soldado põem-se em
posição de batalha, assim
flexionando os joelhos e cravando
um duro olhar para marcar seu
alvo. Eis no homem moderno o
mesmo olhar duro e frio,
cravando o olhar na cobiça de
seu vizinho, isso em terras ricas e
férteis, além de mares repletos de
sal e vida. Então aperta seu botão
vermelho com a ambição e a
luxuria no olhar, uma leve
expressão vazia e ao mesmo
tempo marcada pela demasiada
filáucia e vaidade, leva seu
indicador em direção ao destino
dúbio e enfim, pinta o mais
famoso dos quadros já vistos
pelos críticos. Uma pintura onde
as cores não se encaixavam,
onde a moldura era tão velha e
mórbida quanto a paisagem, onde
as relvas e os montes
descascavam-se pela tinta
barata, e a visão parva do
admirador embaçava pelo gosto
duvidoso em exposição.
Então sentada em uma rocha
enquanto cheirava as flores
vermelhas e amarelas, vendo as
abelhas posarem em cada pétala
e roubarem o pó em pleno raiar
do dia, estava Ligeia, sua
amante. Esta fora pintada pelas
tintas que Da vinci havia deixado
em sua mesa de trabalho após ter
pintado a formosa Mona Lisa. No
caso de Ligeia, a profundidade
das cores, o encontro do azul de
seu vestido com a pálido de sua
pele, lembravam o céu num verão
ensolarado em uma clareira, o
negro de seus cabelos e
novamente o pálido de sua pele,
tornavam o encontro do preto e
do branco uma dança elegante de
beleza e ardor. E assim a
profundidade das cores e do
realismo de seus vagarosos
movimentos, tornavam a
singeleza do quadro uma
calorosa e alucinante visão.
O jovem, atônito em prol daquela
admirável ilusão, lembrou-se de
Heráclito: Todos os homens, de
maneira idêntica, se deixam iludir
por uma evidência inexplicável,
até mesmo Homero, o mais
sábios dos gregos. Ele foi iludido
por crianças que catavam piolhos.
Ele as ouviu dizer: “Os que
encontramos e pegamos,
jogamos fora; os que não
encontramos e pegamos, nós
ainda temos”. Daí com essa ideia
penetrando a jovem mente,
perguntou-se se seria a formosa
Ligeia uma ilusão inexplicável, ou
ao menos uma evidencia real. E
enquanto olhava a amante de sua
torpeza, levar as mãos aos
cabelos negros e alisa-los,
questionou-se: Cara Ligeia, tua
presença seria uma mera vontade
em minha ilusiva presença? Uma
figura imaginaria, seria o piolho a
ciscar essa minha cabeça
perturbada ou apenas o desejo
de tê-la em mente e ciscar-me
pela ilusiva e o tresvario desejar?
Logo a intensa e a continua ideia
de estar iludido, fez-lhe concluir
que estaria a ponto da loucura.
Levou a ver a formosa de outra
forma, assim Ligeia não estava
mais sentada em uma rocha,
mais sim em uma pilha de corpos
podres pelo tempo, onde cada
corpo pelo visto, denotavam a
aparencia de homens, alguns de
terno preto e um buque de rosas
nas mãos ossudas, as mesmas
que Ligeia cheirava, outros, de
armaduras de aço e ouro, com
emblemas do império Otomano,
outros da Macedônia e alguns
dos Francos. De fato eram todos
amantes da bela e formosa
Ligeia, todos de forma idêntica
levavam buques de rosas nas
mãos e todos de forma idêntica
haviam se deixado iludir pela
presença da mais bela das
damas e amante. Que agora
mostrava em antigo sorriso, um
horrendo sorriso cadavérico,
mostrava onde estaria seu antigo
cabelo negro, nada além de um
crânio rachado cercado pelas
moscas, mostrava onde estariam
os antigos e penetrantes olhos,
buracos negros e sombrios, com
nada além do vazio absoluto e do
sombrio sem dono.
Confuso e horrorizado, deu dois
passos para trás, logo deu mais
três e enfim mais dois. E então
obteve uma distancia de sua
amada que mesmo naquele
aspecto, ainda o encantava,
inundava-o com uma amarga e
doce paixão, sombria, porém
vivida. No entanto, mesmo que
iludido com o amor por Ligeia, a
tal pintura na qual estava absorto
numa realidade questionável,
fazia-o sentir um asco de si
mesmo e desse amor platônico e
estranho. Anseia por deixa-la,
mas sente a dor por faze-lo
mesmo em pensamento, a dor de
nunca mais revê-la novamente, a
dor de sonhar com sua ausência
e o sentir impenetrável que nunca
mais o abandonaria, a não ser
que se juntasse aos amantes de
sua amada, mas talvez isso não
mudaria seu tormento. Então
virou-se para a direita no labirinto.

Insana dualidade
De chofre ele acordou do sono
mais profundo no qual já estivera,
e este deixou sua mente zonza
ao passo que indagava a uma
centelha de qualquer
pensamento. Abriu o olho
esquerdo e depois o direito,
porém claro que não lembraria
deste movimento involuntário em
dois segundos, e assim como em
um abriu de olhos ou uma
piscadela, a sensação de
fraqueza espalhava em seu corpo
como um vírus contagioso,
fincando cada veia, tomando
cada musculo e cada célula, até
chegar aos neurônios, os quais
se deixavam iludir pelo novo
hospedeiro e suas promessas de
mudanças. Sendo assim, acordou
num átimo de torpeza em uma
nevoada sinapse temporária no
meio externo, e assim encolheu-
se pela dor penetrante latejando e
martelando sua cabeça sem
cessar.
E o que lembraria após a
enxaqueca passar? Nada mais do
que uma cena numa terra ou
talvez uma ilha devastada.
Lembraria da sensação calorosa
e ao mesmo tempo fria inundar a
alma, era pois uma vivacidade
alegre ao encher os olhos de uma
alegre maresia, porém a frieza da
morbidade em relação à algo que
ali lhe aterrorizou seu olhar.
E o que lembraria quando enfim
levantasse da cama, que mais
parecia ser uma pedra achatada?
Nada mais do que a coisa que lhe
assolava enquanto acordado, a
solidão sem fim. Andava por
aqueles cômodos em pindalhas e
dava bom dia para sombra logo a
sua frente, daria novamente boa
tarde quando o sol das quatro
invadisse a sala e iluminasse a
parede esquerda, enquanto na
parede a sua direita notava-se a
mesma sombra. Desfrutava de
sua companhia como se fossem
conhecidos ou algo do tipo,
olhavam-se frente a frente e nada
além de paredes de madeira ou
tijolos, eram os únicos obstáculos
que impediam os companheiros
de apertarem as mãos ou
indagarem um abraço.
Por fim, por volta das seis horas,
quando o sol misturava-se com o
horizonte, levando assim o laranja
e o vermelho naquela dança
conexa em conjunto, lançarem
sobre a penumbra uma clara e
marcante sombra próxima da
escrivaninha. No entanto, logo
que a luz desaparecia horizonte
adentro, uma túrbida e trivial
apreensão lhe ocorria a mente.
Estava em volto novamente no
escuro, consigo e para si mesmo,
na voz consciente a qual recorria
em desespero, então à
perguntava: “Ei nós aqui, ambos
e nada mais que ambos, como
anda a vida, aliás?” E então numa
voz sussurrante, a resposta veio
num tom análogo e aparentado;
“Nada mal, mas porque indaga
em perguntar?” Passou-se um
tempo entre homem e sua
consciência “Porque nada tenho a
fazer nesta vida miserável, tu não
anda pela terra apenas a vagar
sem saber das coisas, do que é
feito o barro ou o sentido das
pedras, mas sim anda de cabeça
baixa, sem olhar os lados e assim
contentar-se com apenas o chão?
Pois sim meu amigo, assim sinto-
me um intruso no galinheiro, um
pato indiferente sem as penas
deslumbrantes para afundar-me
em vaidade....”
A noite passava enquanto ambos
conversavam neste deleite
filosófico, enquanto o consciente
dizia sobre a vida ao mesmo
tempo que acusava as injustiças
que na sociedade, rondavam as
pobres almas. E então uma voz
no subconsciente retrucava o
quão ele estava sendo dramático,
dizia: “ Reclamas da vida como
um velho a sentir o banzo dos
velhos tempos, pois não vês
ingrato? Como tens um teto para
esconder-se da noite gélida?
Como tens as paredes para
bloquear o golpeante vento na
meia noite? E ai está tu, reclamas
de uma vida modesta, quando
muitos em sua pobre pátria
corrupta, andam pelas viela e
becos à procura de um conforto
momentâneo.
Irritado com aquela teimosia, o
jovem acabou a longa discussão
ao ver o raiar levantar de seu
manto verde e irregular. Aquele
que discutia e retrucava
incontestavelmente as afirmações
do jovem, desaparecera adentro
às sombras, voltaria depois das
seis horas da tardinha.
Seus olhos eram grandes bolsas
de uma demasiada vermelhidão
junto às lágrimas que escorriam
ao seu bocejar. Sentou diante da
mesa em frente à um prato vazio,
olhava fixado naquela ideia. Ali
estava um pão de sevada junto
de um pedaço suculento de
bacon frito, ao lado do prato um
copo de vinho tinto; era como um
sonho, extasiava ao mover-se em
direção ao garfo, e então
almejava com tal profundo e
exagerado friso, que sem mesmo
perceber, deixava escorrer no
canto do lábio, a saliva que
gradualmente multiplicava-se.
“Não”, ele dizia, “ É apenas um
sonho, uma peça que me prega
aquele impostor”. Talvez de fato
estivesse certo, a fome lhe vinha
adiantada e sem presságio, havia
comido a pouco um ensopado
com pedaços pequenos de
repolho e ao lado um copo de
água gelada. E era esta a vida
modesta a qual o subconsciente
se referia? Pois no presente
desejo, o consciente desejava
esbanja-se na gula de uma
fartura rara em tempos de crise.
As horas passaram e a fome lhe
chegava rapidamente, porém não
tão quanto o sono o qual
desprezara. Deitou-se na cama
em desalento e fechou os olhos.
Escuridão, fora o que vira de
chofre, porém ao aprofunda-se
mais neste sonho, formou-se uma
fina silhueta a sua frente. Logo
estava em sua presença, radiante
e formosa, Ligeia, a mais bela
das damas entre todas as damas.
Parecia ser um sonho dentro de
uma sonho no qual já estivera
anteriormente, pois ao olhar
Ligeia de cima a baixo lembrou
da voz do subconsciente.
Pensava na possibilidade desta
voz ser apenas um desejo
profundo pela companhia, pela
voz além da sua, e mesmo sendo
o subconsciente a própria voz
contraria a suas ideias, para
assim imitar talvez uma presença
subjuntiva, sentiria mesmo assim
a falta por algo feito de carne e
ossos. E então lá estava Ligeia
sobre a pedra envolta de um
fundo ao mesmo tempo fúnebre e
vivido, onde de uma lado as
relvas eram verdes de uma vasta
variedade de tons, e por um lado
eram marrons e cinzas de
mesmas tonalidades, porém
voltadas ao negro.
Com esta imagem vagando neste
sonho incerto, ele pensou o
quanto Ligeia era real, se ao toca-
la sentiria sua pele bronzeada e
assim sua maciez, ou se ao faze-
lo, sua mão passaria pela
imagem como se um holograma
ali estivesse ao acaso.
A dor lhe assolava de tal forma
que não pensava em dar meia
volta e voltar para a mesma
solidão. A ideia de que Ligeia
seria real, lhe serrava a mente e
fazia-o experimentar uma
centelha de esperança. Esta
mesma centelha fora e sempre
será o desejo profundo a fagulhar
em todo homem, mesmo aquele
em desespero ou aquele eu seu
presente conforto. A esperança
de uma dia realizar as
inconstantes vontades a qual está
sujeito em seu presente vasto a
cobiçar. Uma hora quer ter o
poder de subjugar os fracos e
manter-se no topo; e outra hora
quer largar o peso e deixar-se
boiar nas ondas misteriosas da
vida. Num momento quer ter a
posse das mais caras regalias, e
assim tendo-as, não sossega a
imparável ambição de tê-las por
capricho; em outro momento quer
manter-se de certa forma
simplório em seu casulo, não
nada nem mergulha, apenas
contenta-se em boiar na imensa
tempestade do capitalismo.
Sendo assim, lá estava outra vez
o homem em pé de sua escolha,
fazer ou não fazer, deixar-se aos
prantos de sua dualidade
consciente ou submergir no
subconsciente.
Mas sendo Ligeia uma miragem
ou não, deixava-o por um breve
instante a mercê de um êxtase
inexplicável, a qual o permitia
fugir das correntes da solidão e
enfim aconchegar seu intimo
perturbado.
Daí indagou um passo, e
novamente a caminhada para a
liberdade surgiu-lhe na mente, daí
outro passo e largou a primeira
corrente presa aos braços, então
deu outro passo e as pernas
viram-se livres do pesaroso bloco
de concreto. Estava enfim livre
para ir rumo aos braços de Ligeia.
E a passos largos e cada vez
mais largos, parecia estar voando
rumo ao desejo absoluto, a
centelha de esperança, a raiz do
fazer ou não fazer, e portanto a
liberdade. Porém, como se
cercasse os homens em
momentos de apreensão e
levarem os mais brutos a flor da
pele, o destino imperdoável não
permitia erros contestáveis e
erros por levianas ações guiadas
pela falta de argúcia e do
autoconhecimento. Sendo assim,
a dualidade tinha um preço sem
sentido, entre as escolhas do
homem, havia então uma terceira,
esta penetra na razão como uma
relva na terra amolecida pela
garoa. E assim esta permanece,
fazendo do destino uma
inconstante onda de trivialidades
inesperadas e aleatórias. Fez-se
assim uma pedra diante do
caminho, um obstáculo e um
motivo para o tropeço, que por si
nesta inerente peça da existência,
leva o homem a desviar de sua
busca pela liberdade e assim, da
paz, do amor, do medo e da
veemência contra a humanidade.

Parte 3 – A silhueta
Com o cair da garoa, as rodas de
madeira afundavam sobre o
lamaçal. Ao perceber a chegada
da tormenta, exibiu-se em seu
rosto sua raiva, as sobrancelhas
grossas arqueavam como pontes
num riacho, as narinas dilatavam
e marcavam as profundas marcas
que o tempo lhe fizera em prol do
incessante dilatar e arquear. Já
percebera a injustiça ou mesmo a
ironia do caso, a natureza
implacável parecia contra este
velho forasteiro, vindo das
montanhas ao norte para buscar
um mínimo conforto no calor do
sul, onde as árvores não mais
aguentavam o peso da carga e os
pássaros cantariam assim que o
raiar surgisse no horizonte
montanhoso.
Desceu então da carroça,
disposto a sujar-se e aos
andrajos na lama, e como se
importava com eles, aqueles
farrapos já imundos e
remendados ao longo da viajem,
porém não queria por mera
preocupação que levariam ao
julga-lo, tomaria os cuidados
necessários para preservar
aquele estado horrível e não
torna-lo horrendo.
Então pisou na lama com os pés
nus e pôde sentir a água e a
terra. Ao analisar o estado da
carroça, a raiva encheu-lhe ainda
mais o sobrolho, pois não havia o
que fazer sem a ajuda de um
homem disposto a parar e
molhar-se de todo, afim de ajudar
um velho.
Por fim sabia que não haveria
uma alma viva e bem
intencionada para ajuda-lo. E
disse a si mesmo num lamento
interno porém altivo, que as
nuvens haviam seguido em seu
encalço, que haviam parado em
particular acima de sua cabeça e
que fora injustamente punido por
não fazer a vontade dos Deuses,
quando assim abandonou seu
povo, seus votos e suas crenças,
deixou ali uma grande mancha
que logo, em sua mente, haveria
de aumentar em prol de suas
escolhas ateias. Pois sim, nada
mais queria do que ter como
propriedade, uma terra no fim do
mundo, uma lugar onde pudesse
plantar o fruto que comeria a sós
consigo mesmo, um canto onde
tornasse a viajar nas proezas de
suas memorias e aventuras
passadas sem a critica dos
ideias, por fim, uma terra livre dos
impostos e das cobiças dos
homens.
A esperança lhe fugia quando
avistou no horizonte, uma velha
cabana de madeira perto de um
rochedo. E mesmo na turva
imagem que fazia a garoa entre a
cabana e sua visão, o velho
admirou-se com a construção.
Uma curta escada de blocos de
concreto faziam a trilha para as
boas vindas, logo depois, duas
toras grossas sustentavam a
varanda, onde duas simples
janelas retangulares faziam
companhia a porta estreita e
levemente irregular.
Um sorriso leve surgiu no canto
da boca, a expressão séria a qual
demonstrava a pouco, escondeu-
se entre a satisfação de avistar a
cabana e a preocupação pelo
horrendo estado que estava,
tornando a chance de acharem-
no um ladrão ou algo do tipo,
maiores.
Quando chegou ao pé da escada,
lembrou da caminhada que fizera
até ali. O que o futuro imprevisível
lhe reservaria assim que batesse
na porta, passou por seus a cada
pisada que afundava no solo
lamacento, e assim passaria
quando subisse o primeiro degrau
da escada de blocos. A verdade é
que a ações seguem uma
direção, a direção das escolhas.
A escolha do velho forasteiro, fora
pedir socorro aos moradores
misteriosos da região, na qual em
toda sua extensão, não fora vista
nenhuma casa ou outra cabana
além desta. Uma região com a
mata densa, porém, ao percorrer
a maioria desta região, não se via
nem se ouvia um único sinal de
vida selvagem, nem um único
grilo ou pássaro nos galhos. É
claro que tais estranhezas
passaram a atormentar a mente
do velho forasteiro, que de chofre
pensava e falava com a mula, sua
velha companheira, em voz alta:
“Olhe só Zeldina, onde estão os
bichos nesta terra, não só uma
Cutia ou os Calangos em canto
algum, não é velha? podia tu falar
uma asneira além do relincho,
hein?” E assim o velho mostrou
aos ares e as árvores, o sorriso
torto e banguela. A quem
perguntava o motivo do nome da
mula, Zeldina, tornava a ouvir
sobre a falecida esposa do
forasteiro, Zelda. Logo o velho
aproveitava a deixa e contava a
história do dia que a conheceu.
Estavam na plantação de trigo
perto da fazenda de Seu
Danúbio, enquanto escondiam-se
junto aos memoráveis, Ernesto
Leitão, Eliomar Moreno, Justina
das neves e Judite Couto. Esses
amigos inseparáveis, que levaria
em sua memoria para onde fosse.
E enquanto procurava por alguém
em meio a plantação, avistou a
bela e jovem Zelda a sua frente.
Era ruiva e sardenta nas
bochechas, os olhos castanhos
claros eram como as raízes dos
pés de trigo e o vestido azul
enfeitado de desenhos circulares
amarelos, imitavam o céu e o sol
na tarde límpida. Naquele
momento achou-a e nunca mais
queria larga-la, achou a paixão
em seu peito jovem, uma
sensação calorosa e inquietante.
Então sem opção, não deixou-se
aturdir pelo estranho acaso ou
pensado ato do destino para com
aquele momento. Disse pois, que
nada é o que realmente é, que
mesmo uma cabana simpática no
meio da mata, não poderia ser o
esconderijo de uma assassino,
mas logo poderia ser. Poderia
imaginar ser aquelas quadro
paredes, uma cova profunda
onde os mortos abitavam em seu
leito eterno, que ideia ridícula
essa, mas a mente lhe prega as
peças mas inusitadas e vis.
Subiu a escada de blocos e viu-
se abaixo da varanda onde as
janelas se enfileiravam. Onde a
varanda parecia ser um véu
escuro, livrando-o do ar frio e da
garoa singela, as duas janelas
deveriam ser os olhos que o
espiavam pelas vidraças
embaçadas, onde as cortinas de
tom alaranjada seriam o
descanso destes olhos
penetrantes, e por fim, a porta
seria uma fenda entre os olhos,
uma fenda profunda e
imprevisível, livre do improviso e
do planejamento, pois atrás desta
profunda fenda, estaria o mais
misterioso dos anfitriões, uma
silhueta feita em negro fosco,
inalcançável na imaginação.
O velho forasteiro deu dois
passos a frente, ficou em frente à
porta, porém antes de levantar o
punho, deu uma última olhadela
para Zeldina, a mula, e recebeu
desta um olhar apreensivo e fixo.
Lembrava deste olhar, o qual viu
com frequência de Zelda, e
mesmo na plantação de trigo,
pôde velo pela primeira vez junto
a um sorriso sarcástico e uma
expressão gozada, parecia tentar
avisa-lo: “Feche os olhos e finja
que o vazio existe a sua frente, ali
está ele olhando fixamente em
seus olhos e nada mais é do que
o vazio”. Naquele tempo, parecia
ser uma mera brincadeira, para
que ele deixasse-a se safar, mas
então via agora a ironia da coisa,
pois não podia simplesmente
fechar os olhos para o vazio, não
podia fingir que ali nada havia,
que não existia a mula, nem a
lama, nem as janelas e nem a
porta, pois era um vazio
completo, algo que sentia a
presença e o anseio interagir com
o vazio.
O anfitrião
Toc, toc, ele bateu à porta
levemente, mas logo bateu
novamente com mais afinco,
nada, bateu novamente, nada.
Virou as costas para a porta e
olhou volta naquela paisagem
sem graça. Craq, fez-se o barulho
da maceta virando-se, um rangido
franco e enfim ali estava o
anfitrião misterioso. Um alta
silhueta negra, com os braços
largos e grossos, o peitoral
estufado e uma expressão fria na
face bruta.
- Sim? – Disse o homem numa
voz rouca e grave.
- Boa tarde meu jovem, ando
nesta terra a muito, cansado e
exausto não acho mais forças
para prosseguir. Logo vi tua
simpática cabana e pensei em
virtude desta linda arquitetura,
que poderia haver ali um homem
de bom gosto e boa índole, então
peço-lhe apenas um lugar em
frente à lareira e um copo d’água
se possível.
Porém o homem ao pé da porta
não disse nada além de um olhar
sombrio. Em seu intimo, pois
surgiu a mesma questão a
sombrear as almas dos homens,
a sua natureza, aquela que o ser
em si, como celebres parágrafos
em livros filosóficos. Por fim o
olhar perdurava o momento
estranho, não era um simples
pedido por ajuda, mas algo a
mais, algo que o velho escondia
por baixo daquele ser para si,
uma figura escura em um
sobretudo, no qual espreitava-se
pelas casas dos homens
simplórios e os castigava-os por
diversão. Seria essa a ideia do
anfitrião? Não era fácil julgar
outro homem por sua aparência,
mas a tal cisma era maior que o
desejo de ajudar o próximo, e
mesmo ama-lo, que deixou-se
então levar-se neste reciproco
ressentimento, sobre a
desconfiança perdida no fundo do
olhar, sobre a falsidade
escondida em jogos de
linguagens em claro adrede e
sobrepensados.
- De onde vem forasteiro? Parece
o senhor vir de uma ilha no
Caribe ou de uma província sem
dono. Não querendo insulta-lo é
claro, mas o que faz aqui tão
longe de casa? – perguntou o
anfitrião com tom analítico,
escolhendo cada palavra
minuciosamente, como se
escolhendo cada uma enquanto
escreve um poema.
- Apenas ando meu jovem, ando
em busca de uma resposta ou
uma pergunta, um motivo para
fugir da rotineira presença do
passado de um velho, não que
tenha a vergonha deste, é que
não disponho mais da habilidade
da metamorfose emocional como
um jovem tem como qualidade é
claro – disse o forasteiro.
E mesmo o tom do velho sendo
aquele mesmo no qual se
apresentara. Passava na cabeça
do velho forasteiro uma pergunta
inquietante, que por fim permitia
moldar a maneira que escolhia as
palavras: “ Olhe só Zelda, não
acha isso estranho? Um homem
com tal aspecto, vivendo a sós
numa floresta estranhamente
calada em pleno sol da tardinha?
Até mesmo Ernesto acharia isso
estranho, como da vez em que
descobriu aquela volumosa
edição rara de Shopenhauer
largada em um banco de praça,
seria tolo se chegasse a pensar
que o deixariam ali aos bêbados
sem alguma intenção maligna,
não acha querida?”
E assim o velho falava consigo
mesmo, ou de acordo com sua
percepção as vezes inconsciente,
com a adorada esposa que a
muito se fora desta mundo, e
agora como a lembrança que a
prende ao mundo dos vivos, o
citar de seu nome e o
pensamento recorrente e
descontrolado do amado para
com ela, um profundo e meditante
pensamento, no qual saía da
mente do velho como uma
imagem de sua amada naquele
seu lindo vertido azul. Queria ele
pois esquece-la para sempre,
mas como poderia se esta lhe
incomodava os sonhos, lhe falava
aos ouvidos quando ficava
distraído ao olhar o nada, lhe
torturava quando este a via em
um canto escuro em algumas
noites e trazia-lhe a saudade
escaldante sobre o peito? Era
então uma tarefa impossível, e o
que poderia fazer a não ser
conviver com essa presença?
Talvez por isso batizou a mula de
Zeldina, lembrando-a, porque não
parava nem por um mero instante
de pensar nela, uma bela dama
torturando a visão com sua
beleza enquanto em vida, e agora
torturando em morte com a
lembrança de sua bela singeleza.
Ambos trocaram olhares
desconfiados, de chofre um
pensava em lhe dar as costas e o
outro pensava em fazer o mesmo.
Esse pensamento conjunto, fazia
parte de um acaso incomum, uma
fenda na realidade a qual juntava
duas consciências como um
buraco de minhoca no cosmo da
personalidade. Isso dava-se pela
semelhança entre ambos os
homens, a maneira como
buscavam viver as incessantes
intrigas no presente, que assim
os levavam a uma certa dor, daí
olhavam para aquele cosmo
obscuro no intimo e por fim,
assumiam o papel de donos de
seu próprio espaço tempo,
vasculhando o passado
distorcido, entre plantações de
trigo e campos onde já não
haviam terras férteis para planta-
los, uma tenra e vetusta viajem
no subconsciente.
De repente o anfitrião
surpreendeu ao forasteiro com
um leve movimento do corpo,
afastando-o do caminho entre a
varanda e o interior da casa.
Seria aquele um ato
sobrepensado maligno? Ou
apenas um gesto gentil?
Fora um ato gentil, o homem ao
pé da porta olhou o velho com
uma enigmática fixidez e este
retribui o mesmo olhar, então o
homem tornou-se por fim seu
anfitrião misterioso. E ao entrar
na cabana de madeira, espantou-
se com o fato de que não havia
sequer uma mobília em toda a
casa, as quadro paredes mofadas
mostravam a podridão que ali
espalhava como traças em cada
canto. “Como é possível?”
perguntou no intimo, pois a
simpática cabana, como se em
átimo de magica, transformou
aquela bela arquitetura em uma
fúnebre visão sobre um teto a
abrigar as diversas goteiras e as
quatro paredes mofadas.
Confuso, virou-se para assim
encarar o anfitrião e perguntar-lhe
o que era aquilo, porém, nada viu
além de vazio, nada além do
escuro a espreita e a sombra em
ambos os lados, estava sozinho.
- Olá? Jovem? – chamou o velho
com a voz fraca e tremula.
Enquanto isso fora da cabana,
Zeldina se esbanjava da relva
fresca e suculenta ao pé da
escada. Claro, o que poderia ela
refletir sobre acontecia com velho
companheiro? Talvez pensasse
apenas na relva, contasse-as
com apresso e escolhia a maior
dentre todas.
De repente uma sensação
assustadora inundou a mente do
velho, por que estava sozinho?,
fora apenas uma ilusão? O
homem, a cabana, o lamaçal? Foi
até a janela ao lado da porta,
através dela via uma figura ao
lado da mula, uma figura
encapuzada com uma manta
negra. Na mão direita a figura
trazia uma lâmina prateada e na
mão esquerda uma corda.
“Zeldina cuidado!!” ele gritou com
todo afinco, porém irrelevante,
pois a vidraça tapava o som de
alcançar a mula e a figura. Tentou
então abrir a porta, mas esta
encontrava-se trancada, e mesmo
que usa-se o restante de suas
forças, apenas fazia girar a
maçaneta.
Enquanto do lado de fora, a mula
pensava irracionalmente em qual
seria sua próxima vitima, se
comeria aquela relva mais clara
ou aquela perto do formigueiro.
Atrás de si, uma figura sombria,
encapuzada de negro e com um
curioso objeto na mão esquerda,
parecia ser uma corda, do tipo
que o velho usava para prende-la.
A figura passou a corda e seu
pescoço e então puxou-a.
Zeldina, primeiramente frustrou-
se por encerrar a comilança, mas
logo viu a figura cortar um
punhado da relva com a faca que
trazia na mão direita, um lanche
para a viajem.
Dentro da cabana o velho alterou-
se por completo, começou a
delirar sobre o motivo de estarem
levando Zeldina, o suor correndo-
lhe o rosto e as mãos já paravam
de tão tremulas. “ Zel.. Ze.. Zel”
ele gaguejava num átimo
desespero. “ Zelda!!” gritou numa
voz que enterrava-se no peito por
aquele desespero E por fim disse
o nome da esposa, a qual veio-
lhe a lembrança a beleza sem
igual, porém, ao mesmo tempo a
lembrança de sua morte fora algo
inevitável.
Lembrou-se de quando estavam
a vislumbrar o pôr do sol acima
das folhas do Baobá; lembrou-se
de querer subir ao galho mais alto
para melhor ver a mistura do
vermelho alaranjado com o
amarelo avermelhado no
horizonte; lembrou-se de ver o
sorriso de Zelda e de dizer o
quanto este era bonito; lembrou-
se de querer alcançar este sorriso
e indagar um beijo, porém, com
esta lembrança, lembrou do que
veio a seguir. Ao alcançar a boca
de Zelda e então tocar seus
lábios, desiquilibrou-se em seu
lado do galho e avançou para
frente, por consequência
empurrou Zelda e esta caiu do
seu lado do galho.
As lágrimas jorravam de seus
olhos frios enquanto ouvia o eco
da voz de Zelda ao cair
lentamente da árvore. E o fato da
ausência da mobília, parecia
influenciar neste grito, como se
aquele momento fosse planejado
aos detalhes. O leve movimento
do homem ao pé da porta, como
se para leva-lo à vislumbrar seu
próprio intimo, vazio e escuro. A
porta estar trancada, como se o
impedisse de sair e o acordar do
sonho. O abafar de seus gritos,
como se sua própria consciência
o impedisse de alertar-se a si
mesmo.
E agora via novamente, o destino
ou o acaso, levarem Zelda de
seus braços. E por conta da culpa
e do medo de encara-la, fez da
mula sua irreal lembrança,
tornando assim a culpa mais
suportável.
Como o velho, preso pela culpa e
a tortuosa lembrança, o homem
de uma forma geral, levasse a
vislumbrar um retrato de si
mesmo ao longo do tempo. Seja
numa tarde onde a penumbra já
nasce ou na manhã gélida que
morre ao surgir o sol, a imagem
do ato vil ofusca a liberdade, que
por fim busca manter-se pela
mera vontade do homem. Uma
vez que esse homem, encara a
liberdade como algo a ser
conquistado não só nas horas
cotidianas, mas também num
intimo infestado pela cobiça, pela
arrogância, pelo ódio e pela
vileza. Este homem torna-se um
anfitrião deste seu intimo, um
admirador desta peça que é feita
a existência e uma figura
encapuzada que laça a liberdade
e a alimenta com quantidades
pequenas de escolhas
sobrepensadas em prol da
liberdade do próximo.
Livro 2

Versões da fome
- Veruska
-

Parte 1
O ponteiro do relógio são como
ondas numa praia agitada, sendo
a margem os números absolutos
que no relógio anseiam pela
companhia do ponteiro, o
encontro da areia e do sal são
inevitáveis, assim como o
encontro entre as horas e os
minutos. Mas dentre este desejo
do tempo de passar-se sem o
olhar perceber, está a angustia da
onda de enfim checar a margem,
de vislumbrar algo distinto além
do azul da água e do verde das
algas. O desejo é o fator absoluto
na natureza, sendo assim, todas
as coisas à sua volta, necessitam
de um desejo, mesmo que trivial,
para seguir-se sem a interrupção
do olhar ou da própria natureza
controladora.
Entre aquele desejo trivial na qual
se dispunha uma abelha ao
pousar na flor, está a vontade que
a leva a sugar o pólen desta, e
como um instinto que penetra na
alma da abelha, esta então,
subjugada pela natureza, luta por
controlar o seu instinto, porém
não o faz, pois a mente instintiva
lhe diz que o certo é fazer tal,
tornando a ação uma mera
necessidade para esta
sobreviver, e por fim a sobrepõem
na ação livre a qual chamamos
por engano de escolhas.
Com isso em mente, pergunto-me
o que é a vontade, um instinto
imutável? Uma ação
sobrepensada da natureza? Ou
apenas uma ilusiva necessidade
na mente? Feita as perguntas, é
sensato voltar na história e rever
o passado em seus detalhes, pois
assim como o instinto, há no
passado está incrível
peculiaridade, ele não pode ser
mudado, mas sim apenas
observado pelo dom de nossa
mente de criar imagens
distorcidas do que fora a
realidade, e junto à linguagem,
podemos introduzir um verdadeiro
espetáculo.
Parte 1
O sol já descia no horizonte
Montanhoso, a neve branca
refletia os raios amarelos,
tornando-os um espelho nas
imagens distorcidas do inverno.
Naquela manta fofa e branca, o
calor era uma energia gerada
pela correria e dos pingos de suor
que levemente afundavam na
neve. A fonte dos pingos suados
era ao todo uma dúzia de
crianças em seus casacos de lã,
onde os cachecóis coloridos e
listrados fazia-se a última moda
neste inverno.
Naquela tarde, onde a neve caia
aos flocos como se a garoa
despencasse em câmara lenta e
recusava-se ao controle da
gravidade, havia em um beco
escuro e frio, uma jovem em seus
doze anos. Eram belos aqueles
seus olhos, azuis claros como a
água perto a margem do lago ao
descer a rua. Às vezes, pois
descia a rua de beco em beco,
pois de alguma forma ali via um
aconchego mesmo que
levemente presente. E ao descer
a rua, vislumbrava em seu olhar
azul, porém sofrível, a dúzia de
crianças de mais ou menos de
sua idade. Com seus casacos de
lã e cachecóis listrados
vermelhos e amarelos, pulavam e
jogavam na nave, gritavam sobre
o cair dos flocos tentando
alcançar o canto das cotovias que
imigravam para o sul. A criança
olhava-as maravilhada, aquela
cena inalcançável era como um
arrepio nos pelos dos braços e na
espinha, pois no fundo a excitava
imaginar-se entre aquelas risadas
medonhos e arfantes, imaginar
vestir um roupa além da sua, um
casaco feito trapo que achara do
lixão, mas com a criatividade que
a vida na rua a obrigara a
adquirir, pegava os papeis que
achava ali mesmo e usava-os
como a lã em volta dos braços e
do tronco magro, além de uma
manta encardida que hora usava
como coberta e hora como
cachecol.
A neve aumentava a cada
olhadela ao céu, a dúzia de
crianças transformou em meia
dúzia e logo em apenas duas. E
mesmo ao ver a diversão diminuir
e o frio apenas aumentar, achava
uma maneira pela qual admirar as
risadas tornarem-se sorrisos e
logo depois faces carrancudas e
incomodas. Por fim viu-se
sozinha em meio a neve e a
solidão na rua. Pensou com
desgosto a volta para casa, era
um caminho estranho entre os
velhos becos, onde em cada tijolo
havia uma lágrima a despencar
daqueles olhos azuis e frios,
tornando-os duros como o próprio
tijolo.
Pois então caminhou pelo beco a
sua direita, virou em uma rua que
frequentemente via as luzes dos
postes piscarem exatamente às
sete da noite, e lá estavam elas a
piscar ao relógio virar ás sete da
noite. Logo virou novamente a
direita, num beco onde os sacos
de lixos estavam espalhados em
ambos os lados da parede, porém
enganou-se, ao decorrer da
desgostosa caminhada, viu um
toco ou outro de cabelos
castanhos e negros nas aberturas
dos sacos, eram os mendigos
escondendo-se de um frio
implacável, que por fim,
provavelmente os matariam
durante a madruga, ao
amanhecer os corpos sem vida já
estariam ensacados para a
coleta.
Virou então a esquerda, e além
de uma outra leva de corpos
ensacados, um cheiro terrível
logo fora o intruso de seus
pensamentos, a criança sim
andava de cabeça baixa,
desviando o olhar daquelas tristes
vidas, vidas emaranhadas pelo
vicio da esperança, porém o
cheiro era um fator
constantemente perturbador, pois
dissecava a esperança ao chegar
aos narizes ossudos e
protuberantes, infiltrava-se nas
pobres mentes e lhes acordava
daquele sonho abstrato. Aliás,
como não sonhar? quando
mesmo o homem que se
aconchega em frente a lareira
enquanto come uma belo pedaço
de queijo, anseia por um desejo
inalcançável. Este homem nada
conhece da vida nas ruas, não
olhou a fome como algo a
espreita, nem experimentou as
pulgas e os ratos tocarem seus
tornozelos enquanto este
sonhava o sonho inalcançável.
Mas que culpa então teria o
homem em seu conforto? Nada, o
que leva este homem à andar
pelas ruas, passar nos mesmos
becos nos quais se escondiam os
miseráveis, e mesmo baixar os
olhos, nada mais é do que um
impulso em sua mente, isso lhe
impedia de ver o fato como
verdade prática, pois pensava
nas injustiças da sociedade, nas
alavancadas da revolução e nas
desigualdades socias, como os
verdadeiros culpados pelo estado
daqueles pobres animais. No
entanto, ao passar pelos mesmos
becos e pelas mesmas ruas nas
quais se escondiam os animais
tolamente esperançosos, a mercê
da caridade e absortos em
devaneios inalcançáveis, vinha-
lhe na mente aquele cheiro, um
cheiro distinto, o cheiro da
pobreza, o cheiro de uma fagulha
de esperança entre a escuridão
penetrante, tal cheiro distinto não
era de seu conhecimento, pois
em seu conforto sentia o cheiro
da possibilidade.
E no que andava a criança de
beco em beco, virou à esquerda e
de supetão esbarrou-se com um
homem alto, este usava um
sobretudo cor de areia molhada e
um chapéu engraçado na cabeça,
parecia um iglu pintado de preto.
E no que andava o homem de rua
em rua, virou a esquina à sua
direita e de supetão esbarrou-se
com um pobre animalzinho. Este
tinha um feio casaco remendado
por diversos tipos de tecido e que
mostrava em todo o tronco da
criança, formas irregulares, como
se tivessem colado algo abaixo
dos remendos. E o que era? Não
soube responder, uma garota?
um garoto? ou um cão?
Estavam ali duas vidas diferentes,
dois seres iguais ocupando o
mesmo cercado na sociedade,
duas ovelhas que seguiam o
pasto como o pastor os mandava.
A ovelha mais nobre valia o dobro
da ovelha sem raça, sem lugar.
Porém, talvez a ovelha que não
dispunha das caricias do pastor,
era a mais prepara em relação a
liberdade, saberia ela como
racionar a relva e o grão. E
enquanto os lobos invadiam o
cercado, a ovelha nobre
procurava incessantemente a
mão daquele que a mimava,
porém não a encontrando,
contentava-se com a angustia de
estar sozinha onde o vazio de seu
cercado prendia-se a
esperançosa, a liberdade.
Olharam-se face a face e como
num duelo do velho oeste,
encararam-se nos olhos, porém
onde o sol do meio dia estaria,
estava a lua cheia das oito da
noite, onde haveriam os cactos
rolando ao vai e vem do vento,
havia os jornais que estampavam
na primeira página a cara do
presidente reeleito, e que homem
feliz e honesto era aquele, mas
tal exibia um sorriso amarelo e
malicioso no fundo da sala de
reuniões, um sorriso honesto? ou
um ato do inconsciente infestado
pela hipocrisia e a alma corrupta?
Não poderíamos saber, mas lá
estava ele sorrindo.
- Oi moço – disse a criança num
tom alegre e tolo de sua
ingenuidade. – belo chapéu,
sabe? meu pai tinha um, ele
deixava toda manhã ao lado da
porta antes de ir ao trabalho, e
deixava eu brincar quanto não
usava, onde conseguiu o seu? O
meu pai achou o dele perto das
carroças, sabe? Estava sujo e
meio rasgado, mas ele disse que
era de bom gosto, e o seu,
parece de bom gosto, não?
O homem espantou-se com
aquela criatura, como era falante.
Mas como transbordava tal tom
de felicidade, mesmo naquelas
condições imundas? Talvez
estivesse fingindo ao fato prático.
Assim olhando e talvez atuando
uma peça fictícia, onde sua
inocência era uma de suas
virtudes.
Ou talvez não, a criança não
fingia, pois era simplesmente feliz
com a realidade que levava, ou
mesmo não tivera uma outra
realidade além daquela. A
essência humana então surgida
das relações socias, entrega-se
inteiramente às mudanças que no
âmbito social interagem com o
individuo, e por mera questão de
sobreviver, a essência humana
torna-se talvez volátil em cada
aspecto social e moral. Sendo
assim, uma essência como a do
homem, no fundo seria um reflexo
de sua condição confortável e o
da criança um reflexo da sua,
porém estas não tão distintas,
eram apenas reflexos.
- Onde mora criança? –
perguntou ele num tom ríspido e
sério, uma pergunta
sobrepensada, pois não sabia
como lindar com aquilo, baixar o
olhar e seguir em frente, ou
mostrar a altivez de sua índole.
- Moro ali ó, virando a esquina a
esquerda, onde o senhor mora
tem uma esquina?
- Claro – fora uma resposta fria
- Nossa que legal, a minha
também! – exclamou
impressionada – Talvez eu vá dar
uma olhada na sua casa, não é?
E então tal....
Um baque estrondoso ecoou ao
fundo do beco, e então gritos de
desespero e gritos de lamento.
Correndo até lá para checar o
que ocorria, a criança pôde ver os
sacos pretos de lixo sendo
empilhados por homens fardados
com roupas negras, onde as
botas de couro, o colete no peito,
o chapéu envolto por lã cinzenta
e estranhos canos presos em
alças em seus ombros, faziam a
mais nova moda de inverno.
Aqueles homens gritavam como
se ódio os controlassem, seus
olhos mostravam tal fúria que até
os ratos e as pulgas se afastavam
dos infinitos ninhos e
emaranhados. E aos gritos, se
moviam cá e lá expressando suas
vontades, mandavam os pobres
animais se moverem mais
depressa, alinharem-se em
sequencia de acordo com o sexo,
largarem no beco o que lhes não
era necessário e por fim entrarem
em total ordem nos caminhões
que os esperava na entrada do
beco. E como não confundir com
um pasto? Ovelhas dispensáveis,
doentes e feias, sendo
brutalmente tiradas daquilo que
chamavam liberdade. E mesmo
negando o controle da sociedade
opressora e maçante, viviam no
mesmo território a qual a
sociedade alcançava até suas
fronteiras, tornando a liberdade
um consenso distinto do que esta
realmente seria, pois uma
ovelhas está sempre exposta aos
ataques dos lobos e coiotes.
Num átimo de desespero, as
lágrimas já lhe cobriam ambos
olhos, as pernas bambearam e
frio na barriga lhe chegou de
surpresa, era a mensagem do
perigo eminente.
Então correu de onde havia
falado a pouco com aquele
homem simpático. Enquanto
corria, olhava pelos cantos dos
olhos, os tijolos nos corredores,
tijolos sujos por manchas
vermelhas escuras e abaixo das
manchas corpos esqueléticos
estendidos no chão frio. O tempo
parava com o esforço de suas
pernas finas e bambas, passava
a ver os minutos a sua frente e
logo os segundos, era apenas o
tempo sarcástico, tornando os
momentos de desesperos mais
longos dos que aqueles em que
uma centelha de felicidade surgia.
Logo chegou ao pé da rua, porém
nada viu além de um vazio
urbano, nada além das casas
com telhados chanfrados e telhas
em formatos de ondas, nada além
da rua coberta pelo asfalto
esburacado e irregular. Onde fora
o homem? Queria dizer-lhe o
quanto desejava visitar sua casa,
que de acordo com ele, era
próxima a uma daquelas
esquinas, porém, tendo como
virtude a inocência que por fim
cega a criança, não imaginou que
ele falava de uma casa com teto,
com telhados chanfrados e com
cercas pontudas e brancas logo
após a estradinha que
atravessava o gramado e
chegava a varanda.
Logo chegou perto de casa. Lhe
perturbava a ideia da criança
estar o seguindo, escondendo-se
por trás de cada poste quando
virava-se e novamente para
checa-se. Pensava nesta tolice,
de assustar-se na possibilidade
de estar sendo seguido. Esta
possibilidade o obrigaria á fingir o
mínimo de compaixão, pois não
passava disto, um fingimento.
Então levaria a criança para sua
casa, daria de comer, algo para
beber ou um brinquedo para se
distrair. Não pensaria em nenhum
momento nos pais da criança,
pois sabia que não podiam lhe
dar as mesmas coisas. Coisas
simples ele pensava ser, porém
um tesouro para aqueles que não
as tinham. E não seria assim?
damos valor ás coisas quando já
não as temos, um copo de água,
um fruto ou um pedaço de pão, a
companhia de outrem, uma
caricia nos cabelos e um ombro
para se encostar.
E era pois nessa cegueira, que
nos prende nas correntes da
ingratidão e intolerância, que o
homem vivia em seu cubículo
com todo o conforto. Sentado em
frente a janela, vislumbrava o céu
negro e as nuvens escuras como
pedaços de algodão enegrecidos,
enquanto ao seu lado, a mobília
clássica e a estante repleta por
condecorações, livros de
autoajuda, filosofia barata e
algumas garrafas de vinho
chileno, se assemelhavam a
impulsos sinápticos e se prendia
em vícios corriqueiros e costumes
sórdidos.
Ela corria em meia a rua e a luz
singela da lua cheia acima de si.
Corria e corria, corria dos homens
de roupas negras, corria da
própria vida miserável, de andar
pelos becos fétidos, de ver as
crianças ás dúzias em seus
casacos de lã, de seus sorrisos
realmente felizes, como se não
fingissem, mas sim sentissem,
corria do frio e dos tijolos duros,
da busca incessante em meio aos
becos e esquinas pelo que seria
um lar. E mesmo ao correr sobre
a penumbra, conseguia buscar
aquela centelha esperançosa,
buscando em cada instante ver-
se na casa do homem simpático.
Tomar um chá antes do cair
completo da noite, experimentar a
companhia de alguém diferente
de ratos e pulgas, talvez até ouvir
uma história quem sabe? Deixar
a solidão de lado.
A noite já caíra por completo

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