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VIAGEM AO CORAÇÃO DA CIDADE

ADHEMAR DE OLIVEIRA
(Todos os atores e músicos, com máscaras e capas coloridas, cantam na
entrada do teatro. O público entra. Os atores e músicos atravessam a platéia e
adentram o palco, cantando. O palco está vazio. Ali se põem em semicírculo,
ficando o Menino no centro. Luz e canto vão baixando, lentamente. O Menino tira
a máscara e a capa e se senta. Os demais vão se virando de costas para a platéia.
Fim do canto, foco no centro.)

CANTIGA DE ABERTURA

Se esta rua, se esta rua fosse minha,


eu mandava, eu mandava ladrilhar
com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante
para o meu, para o meu amor passar.

Nesta rua, nesta rua tem um bosque,


que se chama, que se chama solidão.
Dentro dele, dentro dele mora um anjo,
que roubou, que roubou meu coração.

Se eu roubei, se eu roubei teu coração,


tu roubaste, tu roubaste o meu também.
Se eu roubei, se eu roubei teu coração,
é porque, é porque te quero bem.

MENINO (Sentado no centro do palco.) — Hoje estou só. Sozinho. Tem


muitas horas que a gente fica sozinho. O que fazer? As vezes, quando estou só,
fico pensando, pensando. Outras eu falo comigo. Tem hora que eu ando, ando até
cansar. Aí eu gosto de dormir para sonhar. Mas o que eu gosto mesmo é de
inventar histórias. (Luz abre; dirige-se para os atores no fundo do palco.) A gente
cria as pessoas. (Toca os atores que se movimentam.) Inventa os lugares. (Os
atores se dispõem no palco, formando um círculo em volta do narrador.) E tudo
roda, roda, roda, (Os atores realizam uma espécie de corrupio.) até o fim da
história. (Os atores se abaixam e desmontam a cena.) Mas o fim de uma história é
sempre o começo de outra. Então, invento mais e mais até que chega alguém que
brinque comigo. Aí eu não estou mais sozinho e posso trocar histórias. Hoje eu
vou viajar. (Os atores retiram máscaras e capas; se aproximam como amigos.)

ATOR 1 —Eu também!

ATOR 2 — Eu também!

ATOR 3 — Eu também!
ATOR 4 — Eu também!

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ATOR 5 — Eu também!

ATOR 6 — Eu também!

MENINO — (Para o ator 6.) — Você já viajou de quê?

ATOR 6 — De navio no meio d’água.

ATOR 5 — Eu de metrô.

ATOR 2— De asa delta.

ATOR 1 — De avião.

ATOR 3 — De pedalinho.

ATOR 4 — Eu, eu, eu...

MENINO — De quê?

ATOR 4 — Eu não viajei ainda.

ATOR 3 — Como?

ATOR 6 — Não viajou?

MENINO — Nunca foi a lugar algum?

ATOR 4 — Ah! Já fui!

ATOR 1 — Onde?

ATOR 4 — Quando eu nasci.

ATOR 1 — O quê?

ATOR 4 — Quando eu nasci eu viajei. Pra cá. Pra este mundo. Eu já viajei.
(Vibra).

ATOR 1- (Zombeteiro.) — Que viagem besta!

ATOR 2— Eu viajei pra África.

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ATOR 6 — Eu pra China.

ATOR 5 — Eu pra Trás-dos-Montes.

MENINO — Mas hoje vou viajar até onde ninguém foi. Uma viagem sem
bússola e sem mapa. Norte, sul, leste, oeste não servem para esta viagem. É perto?
É longe? Em cima da terra, por baixo das águas, pontes, túneis? É preciso
descobrir. Eu sei que é uma viagem ao coração da cidade.

ATOR 5 — Coração da cidade? Aí eu nunca fui.

ATOR 4 — Eu vou! Por onde começamos?

ATOR 2— Se é para o coração começamos com uma festa!

ATOR 3 — Uma festa!

ATOR 4 — Vamos organizar a festa. (Todos circulam em cena atarefados. O


diálogo acontece em meio à movimentação.)

MENINO — O que é preciso para se fazer uma festa?

ATOR 1 — (Do fundo.) — Um lugar!

MENINO — Um lugar! Já temos um lugar! Vai ser aqui.

ATOR 2— (Do fundo.) — Ei! Aqui é um teatro!

MENINO — E daí? Teatro também é festa. Logo, vai ser aqui.

ATOR 5 — Amigos. (Abraça o mais próximo.) — Nós precisamos de


amigos.

ATOR 6 — Uma ciranda.

ATOR 3 — Máscaras. (Entra com uma cesta cheia de máscaras.)

ATOR 4 (Entrando com uma escada, vai até o centro do palco.) — Eu


preciso desta escada (Abre a escada e sobe.)

ATOR 1 — Escada?

ATOR 2— Para quê?

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ATOR 3 — Você vai dançar aí em cima?

ATOR 4 (No alto da escada, faz suspense. Vai retirando de dentro da roupa
uma corda cheia de bandeirinhas coloridas.) — Bandeiras. Esta festa pede
bandeiras. Com ela nós acenamos na hora da partida. Bandeiras, muitas bandeiras.
Me ajudem. (Todos ajudam a pendurar as bandeiras.)

MENINO — E aí...

ATOR 6 (Interrompendo) —Esta faltando uma coisa.

MENINO — Faltando o quê?

ATOR 6 — Música, não se pode fazer uma festa sem música. (Olhando para
o fundo do teatro, em direção à equipe de som.) Oi pessoal da equipe técnica,
vocês poderiam colocar uma música de festa, bem animada? (Som) Obrigado!

(A festa que se inicia é uma imensa brincadeira e a música expressa isto. Os


atores fazem e desfazem os pares. Formam rodas e desmancham rodas. Até que
um imenso temporal, com relâmpagos, trovão, vento, chuva, desaba sobre a festa.
Todos giram espantados, gritam, saem de cena. Fica apenas o Menino.)

MENINO — Assim não! Nem começou a história e já estou sozinho. E o


meu desejo, e a minha viagem?

(Tossindo, entra a Cigana. É um personagem misterioso e vem vestida com muitas


cores, muitos lenços, sinos pendurados na saia, quase um clochard. Traz uma
cesta cheia de lenços coloridos.)

CIGANA — Ai! Ai! Que esta chuva me encharcou os ossos! Tenho a alma
toda molhada. Ai, ai!

MENINO — Quem é você? O que faz aqui nesta história?

CIGANA (Meio desentendida) — Eu? Eu leio mãos, jogo cartas. No desenho


das estrelas consigo ver o que virá e o que não virá. Não posso parar. Levo vida de
cigana.

MENINO — Mas mora em algum lugar?

CIGANA — Todas as casas são minhas. Conheço o debaixo das pontes e o


de cima dos morros. Conheço barcos e navios. Aviões e espaçonaves. Palácios e
beirada de rua. Tudo isto é minha morada.

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MENINO — E para onde vai?
CIGANA — Vou a todos os lugares.

MENINO — Conhece o mundo inteiro?

CIGANA — Menino, você pergunta demais. O que te apavora? Deixa-me ler


tua mão.

MENINO (Mostrando as mãos.) — Esta ou esta?

CIGANA — A esquerda. É a do coração. (Olha a mão atentamente, tira um


fósforo da saia.) Deixa eu acender o dia. (Luz sobe em resistência. A Cigana
segura a mão do menino. Sacode a saia. Sinos balançam. Ela faz sons de
entendimento.)

MENINO — O que vê?

CIGANA — Quatro linhas e um desejo.

MENINO — Eu tenho um grande desejo que o temporal interrompeu. Fiquei


só.

CIGANA — Tem quatro linhas: quatro caminhos. E todos terá que percorrer.
O dia se fará noite e somente quando a noite virar dia encontrará o que deseja.
Mas para isto terá que ser igual a mim: caminhante. Nem a mais alta torre, o rio
mais profundo, o vulcão mais tenebroso, podem te impedir.

MENINO — Como?

CIGANA — O primeiro caminho está na linha da cabeça: terá que atravessar


o labirinto das ruas sem perder a esperança. (Cigana retira os lenços amarelos da
cesta e os prende no menino.) A segunda linha é de muita coragem: vejo gigantes
e um caminho debaixo da terra. (Prende os lenços verdes.) Esta linha, a terceira, é
a do amor: é o caminho da ajuda. (Prende os lenços vermelhos. A luz sobe
totalmente em resistência. Os atores começam a circular pelas ruas e montam o
cenário por trás dos dois: o labirinto, todo feito em tecidos, produz diversos
esconderijos e deixa o centro do palco livre.)

MENINO — Vermelho é cor de cravo e também de rosa.

CIGANA — A quarta linha tem luz e muita vida. Vejo danças e abraços,
cantos e suspiros. Festas e jogos. Tudo se passa num instante. Um minuto nesta
linha vale milhares de anos. (Prende os lenços azuis.)

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MENINO — Afinal, quem é você nesta história? Uma cigana?
CIGANA — Quando chego todos se alegram, quando parto todos despertam.
(Vai saindo.) Pode me chamar de Cigana que eu gosto. Eu gosto muito. (Sai.)

(O labirinto foi todo montado em tecido. Os atores que circulam pelas ruas
com um pano montam um trem e cantam, circulando mais rápido pelo espaço.)

TRANSEUNTES — O trem de ferro,


quando sai de Pernambuco,
vai fazendo chic-chic
até chegar no Ceará.

(Saem e entram novamente.)

Temos pressa, temos pressa,


não podemos conversar.
Temos pressa, temos pressa,
não podemos conversar.

MENINO — Que rua é esta?

TRANSEUNTES — Temos pressa, temos pressa,


não podemos conversar.
Temos pressa, temos pressa,
não podemos conversar.

(Circulam pelo labirinto. O Menino pula na frente do trem e consegue pará-


lo.)

MENINO — Que rua é esta?

TRANSEUNTE 1 — Rua? (O trem se desmancha.)

TRANSEUNTES — Se esta rua, se esta rua


fosse minha,
eu mandava, eu mandava
ladrilhar
com pedrinhas, com pedrinhas
de brilhante
para o meu, para o meu
amor passar.

(Em quanto cantam a luz abaixa.)

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MENINO — Porque ficou tão escuro?
TRANSEUNTE 4 — Porque você está sonhando e os sonhos não são muito
claros?

(No meio do labirinto e da roda, vem o Faroleiro cantando, cheio de luz e


lanternas.)

FAROLEIRO — Cada um, cada um


com sua luz.
Quem não tem, quem não tem
venha buscar,
que ‘stou vindo, que ‘stou vindo
lá do céu,
com estrelas, com estrelas
clarear.

Neste mundo, neste mundo


tem mistério,
Não me cabe, não me cabe
decifrar.
A terra gira, a terra gira
e o coração
quer saber, quer saber
de navegar.

(Durante o canto o Faroleiro distribui as lanternas.)

FAROLEIRO — Para o poeta caçador de nuvens as estrelas são luzes que


levamos sobre nossa cabeça. Eu fui ao céu. De cada estrela apanhei uma ponta.
Com a promessa de repartir. Hoje sou Faroleiro. Clareio os caminhos, os pés e os
corações dos caminhantes perdidos.

Com a luz as cores ganham vida e as turmas aparecem. Com a luz, brinco e
vejo o passado e o futuro. (Todos os atores brincam com as lanternas em meio ao
labirinto. O Faroleiro também. A seguir, a cada fala os atores apontam as
lanternas para o ponto do ator que fala.)

TRANSEUNTE 1 — Neste cantinho de rua, a bola rola. E os meninos rolam


atrás da bola. As casas têm vidraças quebradas. Tudo culpa da bola. Que rola!

TRANSEUNTE 2 — O bonde! O bonde passou aqui. Ainda há pouco.


Carregado de gente. As pessoas penduradas no bonde cantavam:

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Seu motoneiro óia a curva,
que nóis tem que trabaiá.
O trabaio fica longe
num trabaio em hospitá.

TRANSEUNTE 3 — Minha rua é de terra batida. Quando chove fica, no ar,


um cheiro de terra molhada. É bom! E tem enxurrada, que leva rápido, ligeiro,
meu barquinho de papel.

TRANSEUNTE 4 — No asfalto da minha rua passa um milhões, duzentos e


noventa e nove carros. Eu sei, porque, à noitinha, nós fazemos apostas pra ver
quem conta mais. É tanta cor de luz. É tanto movimento. Parece fórmula.

TRANSEUNTE 5 — Nesta praça com nome de rio mora uma princesa. Ela
só se veste de branco. Tem cabelos cacheados e a cor de chocolate. Eu quero ser
seu namorado.

MENINO (Interrompendo o sonho.) — Minha rua ficou longe, desde que eu


saí para viajar. Eu estou à procura do coração. Do coração da cidade. Do jeito que
vocês falam parece que ele está por aqui. (Os transeuntes, durante a última fala,
retomam a formação inicial do trem. Se apressam.)

TRANSEUNTES — Temos pressa, temos pressa.


Não podemos conversar.
Temos pressa, temos pressa.
Não podemos conversar.

(Na saída, carregam o labirinto, o Faroleiro e o Menino. Pelo outro lado


está entrando a Cigana. Vem animada e canta.)

CIGANA — No coração de quem ama


arde sempre uma chama.
De dia faz calor,
de noite alumia.

(Fala.) — Tanta cor. (Mexe na cesta de lenços que depositou no chão.)


Distribuí montanhas de cores: azuis, amarelo, laranja, lilás, verde. Todas as cores
do arco-íris e mais algumas. Agora tenho que apanhá-las de volta. Eu não sou bem
uma cigana. Eu sempre volto de onde saí. (Apanha a cesta e sai. Durante a fala
da Cigana, os Gigantes se colocam na boca do túnel, ao fundo do palco. Os
gigantes, em número de 3, são bonecos para os atores vestirem, e se caracterizam
pela sucata com que são fabricados. Eles são mercadores, têm o corpo coberto de
latas e lixo industrial.)

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MENINO (Entra cantarolando.) — Se esta rua, se esta rua, fosse minha, eu
mandava, eu mand... Ei! (O túnel está aceso.) Caramba! Descobri um túnel. Se me
lembro, aquela Cigana me disse para caminhar debaixo da terra. (Dirige-se para o
túnel. Os Gigantes, balançando as latas, começam um barulho infernal.)

GIGANTES 1, 2, 3 — Non, non, non. (Fecham a boca do túnel com o


corpo.)

MENINO — Eu quero passar.

GIGANTE 2— Não.

GIGANTE 1 — Para passar é preciso ter ouro.

GIGANTE 3 — Tem ouro?

GINGANTE 2 — Prata ou diamante?

MENINO — Nem ouro, nem prata, nem diamante. Mas preciso atravessar.

GIGANTE 1 — Não.

GIGANTE 3 — Aqui é o Mercado do Grande Barulho.

MENINO — Percebi!

GIGANTE 2 — O túnel é para quem tem ouro.

GIGANTE 1 — Com ouro tudo terás. (O Menino faz uma investida. Os


Gigantes o agarram e o jogam para trás. O Menino, caído, mexe em suas coisas e
descobre uma máquina fotográfica. Os Gigantes fazem barulho. O Menino desce
à platéia e começa a fotografar o público. A cada 5 passos, bate 1 foto. Os
Gigantes se intrigam. Vêm à boca de cena.)

GIGANTE 1 — Escuta! Que está fazendo?

GIGANTE 3 — Uma luz que abre sorrisos?

GIGANTE 2 — É ziquezira. Sai daí. (Puxa os 2 para trás. Eles


permanecem.)

GIGANTE 1 — O que é isto?

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MENINO — Isto é fotografia. Luz espelhada. Na minha casa serve para
guardar toda a felicidade que não cabe no peito. Aqui é como uma máquina de
multiplicar ouro.

GIGANTE 1/3 — Multiplicar ouro!?

GIGANTE 2 (Voltando à boca de cena.) — Multiplicar ouro?!

GIGANTE 1 (Afável.) — Vem para cá menino, vem. (Desconfiado, o menino


volta. Quando sobe os Gigantes se apossam dele e tomam a máquina. Jogam o
menino a um canto. Se reúnem os três e tentam fotografar.)

GIGANTE 3 (Não conseguindo.) — Onde está o ouro?

GIGANTE 1 — Você mentiu!

GIGANTE 2 — Eu não disse que era ziquezira.

MENINO — Não é assim. Precisa se preparar. Tem um ritual.

GIGANTE 2 — Ritual? Que diabos é isso?

MENINO — Devolvam que eu conto. (Os Gigantes se consultam, discutem e


devolvem.)

MENINO — Juram que me obedecem até dar certo a fotografia?

GIGANTE 1 (Sacudindo as latas.) — Juro.

GIGANTE 3 — Juro!

GIGANTE 2 — Eu não. (Gigante 1 dá-lhe um safanão). Juro!

MENINO — Agora formem uma fila. (Dois Gigantes se adiantam e ficam


em triângulo.) Não! Assim! (Dá três pulos indicando os lugares. Os Gigantes
também pulam.) Não. (Puxa a ponta do triângulo e acabam fazendo uma roda.)
Não! (Puxa o que está à sua frente e a fila se faz.) Agora é preciso amarrar.
(Enquanto amarra, diz para o público.) Fotografia coletiva, só amarrando.
(Amarra lata com lata e entrelaça os três.) Atenção: contem 5 passos para lá.
(Aponta a lateral.) Aí abram a boca e fazem ahhhh!! Pronto. Fotografia coletiva.
Atenção! Agora! (Entrega os objetos ao primeiro.)

GIGANTES — Um, dois, (Olham para trás e o menino está esfregando as


mãos.) três quatro, (O menino corre para o túnel.) cinco. (Estão fora de cena.)

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Ahhhh!!! (Depois de um tempo os Gigantes param)
GIGANTE 1 — Acho que não funcionou.

GIGANTE 2 — Claro que não, eu disse que era ziquizira, ele nos enganou e
passou sem pagar, e a culpa e de vocês.

GIGANTE 3 — E agora!?

GIGANTE 2 — Agora vamos nos soltar. (Saem amarrados em direção ao


túneo)

( O Menino volta para o palco. Sons de tambores e guitarras vêm da coxia.


Os viajantes entram adentram o palco, dançando. )

VIAJANTE 1 — Com licença, seu moço. Nós vamos descançar. Será apenas
um tempo, pois a subida é comprida e ainda não se vê afinal.

MENINO — Pode sentar. Eu também acabo de chegar. Venho do mundo de


lá do túnel. Passei por debaixo da terra e ainda estou sem ar.

VIAJANTE 2 — Dizem que no fundo da terra tem um rio. Um rio ligando a


terra às estrelas. Ele só aparece nos dias de chuva. Nós o chamamos de arco-íris.

MENINO — Não vi, não. Pois o que eu estou à procura deve ficar do lado de
cá. Eu procuro o coração da cidade.

VIAJANTE 1 — Coração da cidade? Ih! lá! lá! Cidade tem isto?

MENINO — E por que não havia de ter? A cidade tem vida. Pois acho que
você não viu a cidade de noite. Lá de cima, de onde eu moro, do último andar. Até
parece que o céu mudou de lugar e as estrelas desceram à terra. Tanta luz
piscando. É claro que a cidade tem vida e deve ter um coração.

VIAJANTE 1 — Sei, não! Se não encontras, faz um coração para tua cidade.
Igual a este. (Abre uma bandeira.) É que nós, viajantes, não temos cidade.

VIAJANTE 2 — Somos de todas as cidades.

VIAJANTE 1 — Nosso coração está na bandeira. Quem recebe a gente


recebe também nosso coração.

MENINO — Já estou tão cansado.

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VIAJANTE 2 — (Levantando) Nós também, mas está na hora de partir, a
parada precisa ser rápida, vamos ao Morro da Casas de Pano e Teto Estrelado.

VIAJANTE 1 — Vem com a gente. Pode ser que o teu coração, ou o coração
da tua cidade esteja lá no morro. A gente te ajuda a procurar.

MENINO — Se não tenho mapa, se não tenho bússola, o caminho é este.


(Todos saem. Do outro lado está entrando a Cigana com sua cesta. A cigana se
coloca na boca de cena. No fundo do palco com uma luz fechada, os atores
colocam duas janelas em cena.)

CIGANA — Afe! Já recolhi quase todos. Deixa-me ver! (Põe a cesta ao


chão, revira os lenços, revira outra vez.) Parece que agora só falta um. Ih! É do
Menino da viagem ao coração da cidade. Está na hora! Tenho que achá-lo.
(Arruma os lenços e sai com pressa ao clarear a cena, Dona Nena bate uma
toalha de mesa pela janela de sua casa.)

NINOTA (Aparecendo na sua janela.) — Não! Assim não dá, dona Nena! Si
otra veiz a sinhora batê tuáia di mesa no meu quintá, Dona Nena! Não sei o que eu
faço. Eu perco o juízo!

NENA — O que já se perdeu não se perde de novo. Cuida destes teus


moleques. Outro dia quebraram o telhado da minha casa. Tudo pra fazer xixi na
cabeça do seu Genaro. Não é, seu Genaro?

GENARO (Aparecendo em sua janela.) — É, sim! Dona Ninota, vê se cuida


das crianças. Dá educação pr’elas. Que a minha cabecinha não é pinico. Eu dó
parte na pulícia.

NINOTA — Pulícia! Caso de pulícia é fazê xiqueiro no meu quintá. Pega


essa tuáia, dona Nena, e vai sacudir lá...

NENA — Dona Ninota, a tuáia é minha, eu sacudo onde quero. Além do


mais, é comida pros passarinhos. Tu é marvada e não gosta dos passarinhos.
Sacundim, sacundim. (Fica balançando a toalha. Ninota tenta agarrar a ponta.
Fazem um jogo demorado com a toalha.)

GENARO — Má vê se pára cu’essa briga. Todo dia a mesma ladainha.


(Tosse. Marlene Cantacanta aparece na janela.) Ô, Dona Marlene Cantacanta. É
um prazê enorme vê gente qui não resmunga.

MARLENE — Obrigada, seu Genaro. E muita boa tarde que o sol já


escorrega lá dentro do mar.

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GENARO — Qui belo! Vai cantá hoje, dona Marlene?

MARLENE — Não, só amanhã. No Jequitinhonha. Não é bar dos bom, mas


dá pro gasto. Até o dia que eu puder gravar um disco.

GENARO — É! É bonito gravar um disco.

MARLENE — E não é do pequeno, não. Será um DVD. Dos maiores.


Imagina, seu Genaro, a capa: Afague seu coração na voz de Marlene Cantacanta.

GENARO — Ô, Dona Marlene! Podia ser e será. A Dona tem tudo prá chegá
lá. (Genaro faz charme para Marlene.)

NINOTA (As duas, que estavam a brigar, param e se intrigam com Genaro e
Marlene, que estão se acariciando.) — Dona Nena, óia que sem-vergonhice.
Além de cantá de noite, ela canta de tarde também.

NENA — Pr’essa aí num tem hora. É o dia inteiro.

MARLENE — (Na última fala de Genaro, Marlene começa a cantar


baixinho. Após a fala de Nena, Marlene sobe a voz.)
Todo dia
O sol levanta
e a gente canta
o sol de todo dia.

Fim da tarde
a terra cora
e a gente chora,
porque fim da tarde.

Quando a noite
a lua avança,
a gente dança,
venerando a noite.

(Os Viajantes e o Menino adentram a cena durante o canto de Marlene. Há


grande movimentação e atores se preparando para dormir. Luz da cena cai em
resistência; nas casas e acendem as velas. Ao final do canto de Marlene todos já
se deitaram, se apaga a última vela e se ouve os sinos da Cigana. Luz colorida do
sonho sobe em resistência. A Cigana entra em cena e com lenços coloridos de sua
cesta vai tocando em todos, que se levantam. Música instrumental. A Cigana toca
os atores do palco que, também, se põem a dançar. Todos se formam para a
dança da ciranda.)

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TODOS — Achei bom, bonito,
Meu amor brincar
cirandas faceiras.
Vem cá, cirandeira,
vem me namorar.
Mandei fazer
uma casa de farinha

TODOS — Bem maneirinha


que o vento possa levar.
Ô, passa sol, passa chuva,
passa vento.
Só não passa o movimento Bis
do cirandeiro a rodar.

O, cirandeiro, cirandeiro, ô.
A pedra do seu anel Bis
brilha mais do que o sol.

Vim do Recife.
Um rapaz me perguntou
se na ciranda que eu vou
inda tem muitas morenas.
Eu disse tem muitas morenas,
mulatas, dessas que a morte mata Bis
e depois chora de pena.
Ô, cirandeiro...

Estava na beira da praia.


Minha namorada tava
morando em Candeias.
Não vá, morena, morena lá, Bis
que no mar tem areia.
Ô, cirandeiro.

(Durante a dança da ciranda, a cada encontro de dois aotres, face a face,


eles formam um coração. E desfazem simultaneamente. O Menino percebe,
durante a dança. Terminado o canto da ciranda, continua música instrumental,
todos seguem dançando, menos Cigana e Menino.)

MENINO — (No centro do palco, dirigindo-se à Cigana.) Você é a Cigana


que leu os meus caminhos!

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CIGANA — Eu li os teus caminhos, mas não sou cigana. Te acompanhei até
aqui. Daqui segues sem mim. Eu vim buscar os meus lenços. (Apanha os
primeiros lenços: amarelos.)

MENINO — O que vcoê falou aconteceu. Andei pelas ruas, por debaixo da
terra, por cima dos morros. (A Cigana apanha os lenços verdes.)

MENINO — Nas ruas, eu encontrei a luz. Luz que me deu clareza para
vencer os Gigantes e caminhar debaixo da Terra. (A Cigana pega os lenços
vermelhos.)

MENINO — Encontrei amor e vislumbrei o coração. (A Cigana toca os


lenços azuis.) Mas, se não pode ficar mais um pouco, me diz quem você é?.

CIGANA (Segurando pela ponta dos lenços azuis.) — Eu? Eu sou a


madrinha dos sonhos. A todos abraço e não distingo. A todos amo e distribuo
caminhos de felicidade. Agora eu parto, mas logo eu volto. Ficam com a certeza:
não se sonha apenas uma vez. (A Cigana, ao falar o último texto, vai retirando os
lenços azuis e lentamente vai se retirando de cena. Todos a acompanham. Música
instrumental vai baixando até sumir. Quando todos saem, o Menino fica sozinho
no centro do palco, como no início.)

MENINO — Eu hoje inventei uma história. Uma história que me levou


longe, me fez dançar, me fez brigar, me fez sonhar. E me trouxe de volta à minha
solidão. (Todos os atores do início retornam.)

ATOR 1 (Mostrando a mão.) — Eu, menino! Eu encontrei o coração da


cidade. (Mostra a mão.) Estava na lanterna de um faroleiro. (Na mão, pintado um
coração.)

ATOR 2 (Mostrando o braço.) — É o coração da minha cidade estava na


bandeira de um viajante. (Mostra o coração.)

ATOR 3 (Traz um coração pintado no rosto.) — Este coração estava na voz


de uma cantora.

ATOR 4 (Com um coração na testa.) — Eu achei este coração no fundo da


Terra. É o coração da Terra.

ATOR 5 (Com o coração pintado no ombro.) — Este coração estava nas


mãos de uma senhora.

ATOR 6 — O coração que eu achei balançava na saia de uma misteriosa


mulher. (Sobre o peito, um coração.)

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MENINO — (Olhando-se). Mas eu, eu não tenho o coração que vocês
acharam.

ATOR 6 — Então a gente faz um para você. (Tira um pincel e tinta e,


rapidamente, pinta um coração no peito do menino. Todos se alegram, se
levantam e cantam.)

TODOS — O coração da cidade


onde está?
Está no céu,
foi no chão,
está no mar,
vi no fogo do teu olhar.

Rodei a cidade inteira


procurando meu amor.
Rodei a cidade inteira,
minha cidade, uma flor.

Debaixo dos teus castelos,


em cima das tuas pontes,
até bem dentro dos morros
repletos de diamantes.

O coração da cidade
onde está?

Está no céu,
foi ao chão,
está no mar,
vi no fogo do teu olhar.

FIM.

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Anotações
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