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ADHEMAR DE OLIVEIRA
(Todos os atores e músicos, com máscaras e capas coloridas, cantam na
entrada do teatro. O público entra. Os atores e músicos atravessam a platéia e
adentram o palco, cantando. O palco está vazio. Ali se põem em semicírculo,
ficando o Menino no centro. Luz e canto vão baixando, lentamente. O Menino tira
a máscara e a capa e se senta. Os demais vão se virando de costas para a platéia.
Fim do canto, foco no centro.)
CANTIGA DE ABERTURA
ATOR 2 — Eu também!
ATOR 3 — Eu também!
ATOR 4 — Eu também!
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ATOR 5 — Eu também!
ATOR 6 — Eu também!
ATOR 5 — Eu de metrô.
ATOR 1 — De avião.
ATOR 3 — De pedalinho.
MENINO — De quê?
ATOR 3 — Como?
ATOR 1 — Onde?
ATOR 1 — O quê?
ATOR 4 — Quando eu nasci eu viajei. Pra cá. Pra este mundo. Eu já viajei.
(Vibra).
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ATOR 6 — Eu pra China.
MENINO — Mas hoje vou viajar até onde ninguém foi. Uma viagem sem
bússola e sem mapa. Norte, sul, leste, oeste não servem para esta viagem. É perto?
É longe? Em cima da terra, por baixo das águas, pontes, túneis? É preciso
descobrir. Eu sei que é uma viagem ao coração da cidade.
ATOR 1 — Escada?
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ATOR 3 — Você vai dançar aí em cima?
ATOR 4 (No alto da escada, faz suspense. Vai retirando de dentro da roupa
uma corda cheia de bandeirinhas coloridas.) — Bandeiras. Esta festa pede
bandeiras. Com ela nós acenamos na hora da partida. Bandeiras, muitas bandeiras.
Me ajudem. (Todos ajudam a pendurar as bandeiras.)
MENINO — E aí...
ATOR 6 — Música, não se pode fazer uma festa sem música. (Olhando para
o fundo do teatro, em direção à equipe de som.) Oi pessoal da equipe técnica,
vocês poderiam colocar uma música de festa, bem animada? (Som) Obrigado!
CIGANA — Ai! Ai! Que esta chuva me encharcou os ossos! Tenho a alma
toda molhada. Ai, ai!
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MENINO — E para onde vai?
CIGANA — Vou a todos os lugares.
CIGANA — Tem quatro linhas: quatro caminhos. E todos terá que percorrer.
O dia se fará noite e somente quando a noite virar dia encontrará o que deseja.
Mas para isto terá que ser igual a mim: caminhante. Nem a mais alta torre, o rio
mais profundo, o vulcão mais tenebroso, podem te impedir.
MENINO — Como?
CIGANA — A quarta linha tem luz e muita vida. Vejo danças e abraços,
cantos e suspiros. Festas e jogos. Tudo se passa num instante. Um minuto nesta
linha vale milhares de anos. (Prende os lenços azuis.)
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MENINO — Afinal, quem é você nesta história? Uma cigana?
CIGANA — Quando chego todos se alegram, quando parto todos despertam.
(Vai saindo.) Pode me chamar de Cigana que eu gosto. Eu gosto muito. (Sai.)
(O labirinto foi todo montado em tecido. Os atores que circulam pelas ruas
com um pano montam um trem e cantam, circulando mais rápido pelo espaço.)
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MENINO — Porque ficou tão escuro?
TRANSEUNTE 4 — Porque você está sonhando e os sonhos não são muito
claros?
Com a luz as cores ganham vida e as turmas aparecem. Com a luz, brinco e
vejo o passado e o futuro. (Todos os atores brincam com as lanternas em meio ao
labirinto. O Faroleiro também. A seguir, a cada fala os atores apontam as
lanternas para o ponto do ator que fala.)
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Seu motoneiro óia a curva,
que nóis tem que trabaiá.
O trabaio fica longe
num trabaio em hospitá.
TRANSEUNTE 5 — Nesta praça com nome de rio mora uma princesa. Ela
só se veste de branco. Tem cabelos cacheados e a cor de chocolate. Eu quero ser
seu namorado.
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MENINO (Entra cantarolando.) — Se esta rua, se esta rua, fosse minha, eu
mandava, eu mand... Ei! (O túnel está aceso.) Caramba! Descobri um túnel. Se me
lembro, aquela Cigana me disse para caminhar debaixo da terra. (Dirige-se para o
túnel. Os Gigantes, balançando as latas, começam um barulho infernal.)
GIGANTE 2— Não.
MENINO — Nem ouro, nem prata, nem diamante. Mas preciso atravessar.
GIGANTE 1 — Não.
MENINO — Percebi!
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MENINO — Isto é fotografia. Luz espelhada. Na minha casa serve para
guardar toda a felicidade que não cabe no peito. Aqui é como uma máquina de
multiplicar ouro.
GIGANTE 3 — Juro!
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Ahhhh!!! (Depois de um tempo os Gigantes param)
GIGANTE 1 — Acho que não funcionou.
GIGANTE 2 — Claro que não, eu disse que era ziquizira, ele nos enganou e
passou sem pagar, e a culpa e de vocês.
GIGANTE 3 — E agora!?
VIAJANTE 1 — Com licença, seu moço. Nós vamos descançar. Será apenas
um tempo, pois a subida é comprida e ainda não se vê afinal.
MENINO — Não vi, não. Pois o que eu estou à procura deve ficar do lado de
cá. Eu procuro o coração da cidade.
MENINO — E por que não havia de ter? A cidade tem vida. Pois acho que
você não viu a cidade de noite. Lá de cima, de onde eu moro, do último andar. Até
parece que o céu mudou de lugar e as estrelas desceram à terra. Tanta luz
piscando. É claro que a cidade tem vida e deve ter um coração.
VIAJANTE 1 — Sei, não! Se não encontras, faz um coração para tua cidade.
Igual a este. (Abre uma bandeira.) É que nós, viajantes, não temos cidade.
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VIAJANTE 2 — (Levantando) Nós também, mas está na hora de partir, a
parada precisa ser rápida, vamos ao Morro da Casas de Pano e Teto Estrelado.
VIAJANTE 1 — Vem com a gente. Pode ser que o teu coração, ou o coração
da tua cidade esteja lá no morro. A gente te ajuda a procurar.
NINOTA (Aparecendo na sua janela.) — Não! Assim não dá, dona Nena! Si
otra veiz a sinhora batê tuáia di mesa no meu quintá, Dona Nena! Não sei o que eu
faço. Eu perco o juízo!
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GENARO — Qui belo! Vai cantá hoje, dona Marlene?
GENARO — Ô, Dona Marlene! Podia ser e será. A Dona tem tudo prá chegá
lá. (Genaro faz charme para Marlene.)
NINOTA (As duas, que estavam a brigar, param e se intrigam com Genaro e
Marlene, que estão se acariciando.) — Dona Nena, óia que sem-vergonhice.
Além de cantá de noite, ela canta de tarde também.
Fim da tarde
a terra cora
e a gente chora,
porque fim da tarde.
Quando a noite
a lua avança,
a gente dança,
venerando a noite.
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TODOS — Achei bom, bonito,
Meu amor brincar
cirandas faceiras.
Vem cá, cirandeira,
vem me namorar.
Mandei fazer
uma casa de farinha
O, cirandeiro, cirandeiro, ô.
A pedra do seu anel Bis
brilha mais do que o sol.
Vim do Recife.
Um rapaz me perguntou
se na ciranda que eu vou
inda tem muitas morenas.
Eu disse tem muitas morenas,
mulatas, dessas que a morte mata Bis
e depois chora de pena.
Ô, cirandeiro...
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CIGANA — Eu li os teus caminhos, mas não sou cigana. Te acompanhei até
aqui. Daqui segues sem mim. Eu vim buscar os meus lenços. (Apanha os
primeiros lenços: amarelos.)
MENINO — O que vcoê falou aconteceu. Andei pelas ruas, por debaixo da
terra, por cima dos morros. (A Cigana apanha os lenços verdes.)
MENINO — Nas ruas, eu encontrei a luz. Luz que me deu clareza para
vencer os Gigantes e caminhar debaixo da Terra. (A Cigana pega os lenços
vermelhos.)
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MENINO — (Olhando-se). Mas eu, eu não tenho o coração que vocês
acharam.
O coração da cidade
onde está?
Está no céu,
foi ao chão,
está no mar,
vi no fogo do teu olhar.
FIM.
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Anotações
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