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Agora, aqui nesse quarto de hotel pé sujo sou o meu próprio inimigo. Já são
duas e quinze da manhã e ainda não encontrei coragem de voltar para casa, talvez nem
volte. Debruçado sobre a janela aprecio o lúgubre lamento das escolhas fadadas ao
fracasso. Suicídio, matar, morrer, vingança? Já não sei mais, pois minha mente
possíveis possibilidades para dar fim nisso tudo. Confesso que a imagem aqui do sétimo
andar é um tanto convidativa para um salto ao vazio. Porém quem deve pagar pelo erro?
Eu? Com certeza não, posso até ter minha cota, mas seria por omissão e não por
injúrias.
A minha educação foi normal, meus pais ensinaram-me a ser um homem de bem
e cresci dentro dos padrões exigidos pela sociedade: estudei, cursei uma faculdade,
trabalhei arduamente dia após dia; casei (não tive filhos), comprei um carro, uma casa
própria e pago meus impostos em dia. Nunca cometi um deslize, a não ser esse
momento que me encontro num quarto de hotel com uma garota de programa, uma linda
nunca havia infringido a lei, era politicamente correto, em menos de duas horas já tinha
esplendor de sua juventude, a luz prateada nessa noite de lua cheia atravessa o quarto
iluminando o seu corpo nu. A mulher se encontra na forma mais sublime quando esta
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sossegada. Em meio a pensamentos fugazes fiquei imaginando o que levaria uma linda
mulher a ter esta vida repleta de perigos. Quem sabe ela também tenha problemas?
Todos têm. Conforta-me um pouco em pensar que os delas sejam piores que os meus.
observar o mundo pela janela. O hotel localiza-se no subúrbio da cidade num bairro em
crescimento, porém esquecido pela civilização. Do alto presencio a parte mais torpe da
estado latente que vivem apenas o momento, zumbis perambulando entre os vivos; vejo
também ladrões espancarem um cidadão até ele não reagir mais; em outra esquina,
prostituas de todos os tipos: gordas, magras, feias, altas, travestis e crianças. Escravas
sexuais, funcionárias de uma corja de cafetões que querem lucrar a todo custo. Senti
uma angústia profunda por todas essas pessoas, pois não passavam de vermes sobre a
terra em busca de um corpo putrefato. Aqui em cima sinto-me intocável por essa
selvageria, essa perversidade que até então era desconhecida para mim.
Apesar de isso tudo uma brisa adentra ao quarto e aquieta-me com a sua leveza,
deslizando sobre o meu rosto e como quem sussurra idéias ao pé do ouvido, trouxe
consigo a solução do meu dilema. Não hesitei, peguei chaves, calça, sapato, blusa,
meias, óculos; sai às pressas do quarto, fui andando e vestindo no caminho o que deu.
Puxei cinquenta reais do bolso e paguei a diária. Ao sair do hotel, fiquei por alguns
minutos refletindo sobre a minha decisão, se conseguiria dar cabo aos meus planos;
respirei fundo e pedi ajuda aos céus, pois sabia que dias tenebrosos estariam por vir.
Três meses depois me coloco diante da porta de um compadre meu que reside
em outra cidade. Visivelmente alcoolizado, seguro uma garrafa de pinga barata ao passo
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que apertava afoitamente a campainha de sua casa. Hugo, o meu amigo, gritava lá de
dentro:
- Peraê, já vai!
- É meu caro, quisera eu nunca ter sofrido tal moléstia. – conforme fui falando,
- Senta ai e me conta isso direito, como assim tal moléstia? Você matou sua
mulher?
- Antes fosse! Vou contar o que aconteceu. Há seis meses meu casamento já dava
sinais de que não estava bem, sentia a Cris cada vez mais distante de mim, não havia
nunca deixei faltar nada a ela. Mas mesmo assim não foi o suficiente. A maldita rotina
pra perceber isso. De certo ponto ainda era a mesma coisa: ela levantava mais cedo,
fazia o café, separava minhas roupas, tudo dentro da normalidade, como eu poderia
desconfiar? No entanto algumas semanas antes, ela adquiriu uma estranha mania de
querer me apressar a sair logo de casa pra não perder a hora. Comecei a estranhar, e
preferi acreditar que era impressão minha, então segui com a monotonia de minha vida.
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Saia de casa ainda cedo, encarava o engarrafamento quilométrico e largava do serviço lá
pelas dezenove horas e, muito provavelmente, chegaria em casa por volta das vinte e
uma horas.
- Sim cara, mas isso é normal em todo relacionamento o meu também é assim.
- Foi o que fiz há três meses. Numa manhã de terça feira, o dia tava ensolarado
sem uma nuvem no céu. Quis fazer uma surpresa à Cris, então desmarquei todos os
meus pacientes e retornei pra casa antes do almoço. Estacionei o carro na rua, nem abri
o portão da garagem pra não fazer alarde, atravessei o quintal e vi a máquina de cortar
grama no caminho, estranhei porque não era o dia do jardineiro. Enfim, segui o trajeto a
fim de dar um susto em Cris. Entrei pela porta da cozinha, fui pé ante pé a sua procura.
quarto escuto risos e gemidos vindos do banheiro da suíte, insisti em não acreditar, mas
reflexo do espelho, vi Cris tomando banho com o jardineiro, vinte e dois anos mais
- Caraca meu velho, que tenso! – disse Hugo levando as mãos ao rosto, mais
espantado do que quando abriu a porta para mim – E ai, você fez o que? Você não...
- Não, não os matei! Pra ser sincero nem lembro o que fiz, fiquei tão
transtornado com aquela cena que uma gama de sentimentos misturados me revirou
estômago: raiva; culpa; ódio; insegurança. Minha vontade era de pegar a faca na
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cozinha e enfiar no peito dos dois. Ao invés disso eu fugi, peguei o carro e saí cantando
pneu a toda velocidade, andei o dia inteiro, sem direção e chorando muito.
- Hugo, eu tava fora de mim, nem sabia quem eu era mais. Depois de vagar a
esmo por ai, entre ruas, becos e vielas, finalmente encostei o carro numa avenida
qualquer. Nem do carro saí, fiquei ali com as mãos no volante olhando para o nada. Foi
quando fui abordado por uma bela jovem, com aqueles vestidinhos curtos que causam
indecisão, não sabe se puxa pra cima e tampa os seios ou se puxa pra baixo e tampa as
partes íntimas.
- Essa cena eu queria ter visto, você todo certinho desenrolando com uma
Entendi que Hugo quis amenizar a situação com uma de suas piadas, mas fiquei
fitando-o para demonstrar a minha insatisfação com a sua falta de solidariedade para
- Dali, seguimos direto pra um hotel que ela recomendou. Fizemos sexo por
horas, a raiva era tanta que acabei descontando nela. Após terminamos ela adormeceu e
quando uma brisa tocou o rosto e como um lume, uma idéia me surgia. Fugi mais uma
- Pra casa? Como teve coragem de encarar sua mulher depois do que ela te fez?
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- E ela não desconfiou de você voltando de madrugada pra casa?
que tinha dado problema no carro. Sabia que não sei mentir, porém sabia também que
- Cara tu tem muito sangue frio, eu já tinha quebrado os dois. O que você fez
então?
- Pois é, foi difícil manter o controle, não consegui dividir a mesma cama que ela
e passei a dormir no quarto de hóspedes. Ela estranhou, mas no fundo sei que sentiu foi
alívio. No dia seguinte mal consegui trabalhar. Sem dormir e sem comer, apenas com
um desejo de vingança em mente arquitetei o meu plano nos seus mínimos detalhes.
Enquanto estava no processo de criação fui interrompido pela secretária anunciando que
uma tal de Mariana queria me ver, nem sabia quem era. Dei permissão pra entrar, eis
que surge uma morena espetacular, reconhecia aquele corpo, mas confesso que levei
- E quem era?
- Ela foi levar a minha carteira que havia esquecido no hotel e como tinha o meu
cartão dentro não foi difícil me encontrar. Quando conferi, por incrível que pareça
estava tudo em ordem até o dinheiro estava lá. Já viu isso Hugo, uma puta honesta?
- Que isso cara? Esse mundo tem salvação ainda, encontra-se compaixão até
morena. - Paguei a parte dela, óbvio que dei um pouco mais pela sua boa ação. Com
isso ela deixou o seu cartão comigo, me deu um beijo e foi embora. Aquele momento
- Então, conta qualé desse plano aí. – disse o meu amigo já impaciente.
alguém com as mesmas características do jardineiro, mas ajudantes que não sentiria
remorso e estivesse habituado com a criminalidade, alguém que já tivera algum contato
com esse mundo ou que vive bem próximo disso. Porém não conheço ninguém, a não
ser...
- Exatamente! Saí mais cedo do serviço e liguei pra ela. Mariana estava em aula
clínica. Contei toda a história a ela, abri o jogo e disse que precisaria de sua ajuda. Ela,
sensibilizada com a situação, olhava nos meus olhos e segurava a minha mão, muito
levou até Beto Navalha. Ao deparar com aquele homem mal encarado, estremeci. Seu
rosto havia diversas cicatrizes, provas de batalhas sangrentas; suas tatuagens eram
prateado, e também entendi de cara o porquê do nome, ele segurava firmemente uma
navalha, o símbolo de seu apelido. Concentrado, usava a ponta da lâmina para ajeitar as
intimidade com ele. Seus antecedentes falam por si, com a ficha criminal tão extensa
quanto à fama, Beto é requisitado a todo o momento para realizar serviços sujos. E
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comigo não foi diferente, conversei com ele sobre o esquema, expliquei nos mínimos
- Meu Deus cara, em que você foi se meter? Pra que você queria um assassino e
- Como assim?
- Cara, não sei se quero escutar mais. Chega pra mim já deu!
- Hugo, dizem que não há vingança maior de que uma mulher traída. Porém um
homem cujo coração foi retalhado é capaz das maiores insanidades. E eu, meu amigo,
Hugo já nem olhava mais para mim, ficou de pé com uma mão na cintura e a
- Num desses finais de semana que eu fico em casa e o jardineiro vai trabalhar
pra mim, tive acesso ao seu celular e dele mandei mensagem pra Cris marcando hora e
lugar. Logo, fiz o mesmo com o celular da Cris pro dele, marcando o lugar e uma hora e
meia de antecedência. Inventei uma desculpa que teria de dar plantão no dia, quando
contei isso a ela a vaca mal podia conter o sorriso sarcástico. De longe fiquei
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naquele dia fatídico. O jardineiro chegou no seu carro velho com quinze minutos de
Mariana em ação. Após alguns minutos de conversa, Mariana convenceu o rapaz a subir
para quarto com ela, sabia que ele aceitaria, qual jovem no auge da sua puberdade
recusaria uma transa com uma morena daquela? Depois de uns quarenta minutos de
espera, Mariana mandou uma mensagem dizendo que havia terminado e entraria pro
banho com o garoto, o combinado foi que ela deixasse a porta aberta para que Beto
o seu carro também. Com uma notável semelhança, vi Beto sair do hotel com as
com a Cris. De certo modo fiquei esperançoso pra que ela não aparecesse ao encontro,
mas não foi possível. Antes que concluísse meu raciocínio Cris chega de táxi, abriu um
sorriso largo ao avistar o carro do jardineiro. Coitada não sabia na arapuca que estava se
metendo.
- Então me diga.
- De longe não se via muita coisa, pois não poderia chegar mais perto e me
expor. Mas vi Cris indo em direção ao carro e se apoiando na janela do lado carona,
quando viu que não era o jardineiro tentou gritar e antes que pudesse Beto puxou a
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arma, mandou que ficasse quieta e entrasse no carro. Depois disso a levou para uma rua
deserta.
- E a matou?
- Que apenas a estuprasse... Dei todas as coordenadas a ele, pra usar uma
camisinha e quando terminasse, rasgasse a camisinha usada pelo jardineiro em cima das
- Você é louco? Você não fez isso? – indignado Hugo anda de um lado para o
outro.
- Pior que fiz! Foi tudo muito rápido, após o ato mandei que ele a deixasse em
jardineiro e sumisse no mundo. E assim fez, aconselhei Mariana fazer o mesmo, o resto
era comigo. De longe fiquei observando o jardineiro indo para o ponto combinado com
a Cris, sem desconfiar de nada foi embora acreditando que havia levado um bolo.
- E a Cris?
aquela cena me abalou, por um breve momento senti arrependido pelo que fiz. Ela
muito relutante me contou o ocorrido, mas omitiu que estava indo encontrar o
jardineiro. Disse que foi visitar amiga nas proximidades daquele bairro. Como desejei
jogar tudo cara dela. Com muita dificuldade consegui convencê-la a prestar queixa na
testemunhas que afirmaram ter visto o carro do jardineiro no local, escutou depoimento
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da Cris, recolheu o material genético para análise e copiou algumas imagens de circuito
interno e externo. Sabia que meu plano havia falhas, mas meu trunfo seria o sêmen, uma
prova incontestável. Não deu outra, semanas depois o principal suspeito era o jardineiro
e quando seu DNA bateu com o sêmen coletado, foi decretado voz de prisão no ato. Cris
estava abalada demais pra desmentir a história e sem entender o ocorrido e esboçar
nenhuma reação assistiu de camarote, e em silêncio viu o seu amante ser arrastado pela
polícia enquanto alegava inocência. Desde então não disse mais nada. A casa parecia um
- Não, até porque pedi divórcio, depois de tudo que aconteceu ainda faltava o
tiro de misericórdia. A deixei convivendo com a sua solidão, segredo e culpa pra mim
Cris estava morta e enterrada. Não quis nada que me lembrasse ela, abandonei tudo:
Hugo já simpatizado com a situação não questionou mais nada, visto que havia
- Ha..ha..ha! Irônico, sua mulher te trai com o jardineiro, e você acaba achando
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