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Núcleo de Investigações Transdisciplinares-NIT – Departamento de Educação/UEFS

Ano XVI – Nº 40 – Jan/Abril 2018 – Feira de Santana-BA – ISSN 2179-1139

Elogio da loucura

Sois todos muito sábios, uma Não será verdade que a infelizes os meus loucos, sendo
vez que, a meu ver, loucura é o Loucura foi a autora de todas a loucura, como é, patrimônio
mesmo que sabedoria. [...] as famosas proezas dos universal da humanidade, e
É a natureza, que, valorosos heróis que tantos quando todos os mortais
procedendo com sabedoria, deu literatos eloquentes elevaram nascem, educam-se e se
às crianças um certo ar de às estrelas? [...] conformam com ela. [...]
loucura. [...] É a Loucura que forma as A loucura tem tanto s
[...] Alegar- atrativos para
se-á, contudo, os homens,
que deliram e que, de todos
enlouquecem: os males, é ela
pois é isso o único que se
mesmo, justa- estima como
mente nisso um bem. [...]
consiste o tor- A loucura tem
nar a ser crian- uma força ma-
ça. O delírio e ior do que a
a lou-cura não razão, porque,
serão, talvez, muitas vezes,
próprios das aquilo que não
crianças? se pode con-
Primeiro, seguir com
vós bem vedes nenhum argu-
com que pro- mento se ob-
vidência a na- tém com uma
tureza, esta chacota. [...]
mãe produtora Sem a lou-
do gênero hu- cura, nada se
mano, dispôs acha de agra-
que em coisa dável na vida
alguma fal- Antonio Bandeira [...]
tasse o con- E, por isso,
dimento da loucura. [...] cidades; graças a ela é que sedes sãos, aplaudi, vivei,
O que é certo é que mesa subsistem os governos, a bebei, oh celebérrimos iniciados
alguma nos pode agradar sem o religião, os conselhos, os nos mistérios da Loucura.
condimento da loucura. [...] tribunais; e é mesmo lícito
Todas as coisas são de tal asseverar que a vida humana
natureza que, quanto mais não passa, afinal, de uma Trechos extraídos do livro
abundante é a dose de loucura espécie de divertimento da Elogio da Loucura, de Erasmo
que encerram, tanto maior é o Loucura. [...] de Rotterdam
bem que proporcionam aos Confesso-vos que não sei
mortais. [...] explicar como podem tratar de
2 FUXICO Nº 40 Janeiro a Abril de 2018

expediente sumário
Editorial
Comissão Editorial
Juan G. S. Bacelar Brito Informes - p. 3
Miguel Almir L. de Araújo (Coord.) Mostra de fotografias “Inutilezas I - A poética das cascas”
Romildo Carneiro Alves 8ª edição do Festival de Sanfoneiros de Feira de Santana
Roquenei F. Lima (Cid Fiuza) XI Feira do Semiárido
Vanessa de Araújo Elisbão
Artigos
Colaboradores
André Nunes (Queimadas) Ecos da ACP na interação com crianças no ambiente escolar
Andrea N. M. Silva (UNEB) - João Irineu de França Neto p. 4
Andrea Macedo Borges (FSA) Ensino de escrita de língua de sinais: disparidades no chamado
Carlos Silva (Mutuipe) processo de inclusão - Claudio Alves Benassi p. 6
Cristiano Silva (Sapeaçu) Os guardiães e a guarda dos filhos - Paulo Emílio Azevedo p. 8
Danilo Cerqueira (FSA) A importância do trabalho com as identidades e com a
Edite Maria da S. de Faria (UNEB) diversidade no ambiente escolar - Willian Falcão Lopes p. 9
Edivania S. de Carvalho (SSA)
Um século de Caymmi, e daí... - Tales Jaloretto p. 11
Evelly de M. S. Soares (UEFS)
Fabrício de Souza (SSA) Contos e Crônicas
Gilmar Cerqueira Souza (S. Estevão)
Humberto Miranda (UNICAMP) A insustentável insignificância do ser
Ivanildo Cajazeira (SSA) - Adilton Cruz p. 12
João José de S. Borges (UNEB) Jeremias falou - Cassionei Niches Petry p. 13
João Irineu (UEPB) Cantiga de ninar - Camilla Ferro C. Nascimento p. 14
João Paulino (UFR) Fada vua, já pipa é pipa - Yuka p. 14
José Alves (UFRB)
Luciano Ferreira (C. de Maria) Poemas
Maria José Firmino (Tucano) Pós-Mulher – Lalucha Mineiro p. 15
Marcelo Vinicius (UEFS) Tropeços – Marcos Roberto do Nascimento p. 15
Mirian Carvalho Miranda (Araci) Caligrafia agridoce – Júlio Ernesto de Oliveira p. 15
Mynuska de Lima (Camaçari)
A voragem do medonho – Miguel Almir p. 16
Pedro Juarez (Araci)
Renailda Ferreira (UESB) Me Abandona Desassossego – Rafaella Tuxá p.16
Renato Tavares Santana (UESB) A Solidão do Tempo – Matheus Martini Spier p. 16
Suzeni N. Belas Silva (UEFS)
Weslley M. Almeida - Revisor (FSA)
O homem se
Conselho Editorial editorial
sentará à mesa
Dr. Eduardo Oliveira (UFBA)
Dr. Miguel Almir L. de Araújo(UEFS)
Dr. João José de S. Borges (UNEB) Apresentamos a vocês o n. 40 da Filosofia e das Tradições étnico-
Dr. João F. Regis de Morais (UNICAMP) do Jornal Fuxico. São 40 compas- espirituais na proporção em que
Drª. Mirela Figueredo Santos (UEFS)
sos de intensos desafios e resis- publicamos em suas páginas con-
Drª. Sandra S. Morais Pacheco (UNEB)
Dr. Roberval Alves Pereira (UEFS) tências diante de tempos tão teúdos que atravessam essas esfe-
Dr. João Irineu de F. Neto (UEPB) sombrios e de dilapidações da ras através dos repertórios dos
Drª Andrea do N. M. Silva (UNEB) coisa pública. Nessas travessias, informes, dos artigos, das ima-
o Fuxico tem, com altivez, afir- gens, dos poemas, dos contos e
Editoração Eletrônica
mado e renovado seus propósitos das crônicas.
e Web designer
nucleares como veículo de comu- No que diz respeito a este n. 40,
Roquenei F. Lima (Cid Fiuza)
nicação que pretende contribuir no artigo “Ecos da ECP na intera-
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE nos processos educativos que vis- ção com crianças no ambiente es-
FEIRA DE SANTANA - UEFS lumbram o cuidado com os valo- colar” o autor inspira-se em Karl
Reitor res primordiais que dão robustez Rogers para realçar a perspectiva
Evandro do Nascimento Silva à condição humana. Cuidado que humanista, o espírito de solidarie-
Diretor do Departamento de se traduz na busca pela Ética dade nas ações do educar entre
Educação (dignidade) e pela Estética crianças.
Ivan Faria (boniteza) e que se implica com o Em “Ensino de escrita e língua de
cuidado para com o todo ecossis- sinais: disparidades no chamado
Coordenador do NIT tema do qual somos co- processo de inclusão” são tecidas
Miguel Almir L. de Araújo pertencentes e co-responsáveis. ponderações que problematizam
Lastreados no horizonte vasto e as ações com a língua de sinais
fundo da Transdisciplinaridade nas escolas apontando para possi-
Site do NIT
Dos Sentidos partejamos o Fuxico desde os bilidades mais profícuas nos cha-
www.uefs.br/nit
do Amor campos complementares e inter- mados processo de inclusão.
dependentes da Arte, da Ciência, No texto “Os guardiões e a guar-
3 FUXICO Nº 40 Janeiro a Abril de 2018

(Continuação do editorial)
cia da temática da identidade e “insustentável insignificância do
da dos filhos” o autor acentua a da diversidade cultural no ambi- ser”, da “Cantiga de ninar”, do
relevância da participação dos ente escolar realçando esta no imaginário das fadas e das pipas
pais como cuidadores dos filhos ensino de Geografia. avoando, dos “tropeços” do viver
propugnando uma relação equi- Em “Um século de Caymmi, e cotidiano, da condição de “pós-
tativa destes em relação às daí... “, são feitas considerações mulher”, de uma “caligrafia agri-
mães. sobre a importância da obra de doce”, das voragens do medonho
Em “A importância do trabalho Caymmi no campo da música e que tanto nos assolam, da
com as identidades e com a di- da cultura brasileira. “solidão do tempo” e da súplica
versidade no ambiente escolar”, Nos contos, crônicas e poemas pelo abandono do desassossego.
o autor pondera sobre a relevân- ecoam as ressonâncias da

informes
8ª edição do
Festival de Sanfoneiros XI Feira do Semiárido
Mostra de fotografias
“Inutilezas I – A poética de Feira de Santana
Com a temática “Políticas públi-
das cascas”
O Festival de Sanfoneiros de cas e desenvolvimento territorial:
Feira de Santana reúne músicos temos sede de quê?”, a UEFS, por
A Biblioteca Central Julieta Car-
da região para sua etapa final no meio da Pró-Reitoria de Extensão,
teado/UEFS recebe entre os dias
dia 23 de maio, no Auditório Cen- realiza à XI Feira do Semiárido,
21 a 30 de maio de 2018 a Mostra
tral da UEFS. De acordo com o nos dias 23, 24 e 25 de maio, na
de Fotografias “Inutilezas I – A
edital, o objetivo do evento é a Alameda dos Oitis, na própria Uni-
poética das cascas” de Miguel Al-
valorização da cultura nordestina versidade.
mir. A exposição é organizada pelo
e o incentivo à produção artística De acordo com os organizado-
NIT-Núcleo de Investigações
local. res, este é um evento que nasceu
Transdisciplinares, do Departa-
Promovido pela UEFS por meio em 2003 com objetivo de ampliar
mento de Educação da UEFS.
do Centro Universitário de Cultura o espaço de discussão sobre os
Para os organizadores do evento,
e Arte (Cuca), o Festival chega à saberes, fazeres, problemas, desa-
as fotografias apresentam imagens
8ª edição com algumas novida- fios e potencialidades regionais e
de cascas secas de árvores do Ser-
des. Diferente das outras edições, locais. Nesta edição, amplia-se a
tão da Bahia realçando as sutilezas
agora as crianças de até 14 anos discussão sobre o semiárido, inclu-
dos recurvamentos, das dobras e
ganharam participação própria. indo, mais explicitamente, o espa-
das texturas destas na composição
A outra novidade é que haverá ço urbano como objeto de reflexão
de urdiduras poéticas que afirmam
também a realização de oficinas enfatizando que é na relação cam-
a beleza das coisas supostamente
de sanfona e de dança com enfo- po-cidade que a vida se produz e
inúteis – as inutilezas.
que no forró. reproduz no semiárido.

sugestão de livros sugestão de filmes

-Vidas secas - Graciliano Ramos -A livraria - Isabel Coixet


-A Insustentável leveza do ser - Milan Kundera -Torquato Neto: todas as horas do Fim -
-O riso redentor - Peter L. Berger Eduardo Ades e Marcus Fernando
-A Louca da casa - Rosa Montero -Tropikaos - Daniel Lisboa
-A Era do imprevisto - Sérgio Abranches -O processo - Maria Ramos
-Dos sentidos do Amor - Miguel Almir -Me chame pelo seu nome - Luca Guadagnino
-O apanhador no campo de centeio - J. D. Salinger -O incrível exército de Branca Leone - Mario Monicelli

Orientações para envio de textos etc.


–Recebemos artigos, poemas, crônicas, contos e imagens com temáticas diversas que sejam relevantes para o
_cuidado com a dignidade e com a boniteza humanas.
–Textos de artigos devem ter até três páginas; espaço simples; fonte Times New Roman 12; parágrafo com
_recuo; _colocar dados do autor após o título.
–Enviar o material para: fuxicojornal@gmail.com
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artigos
No livro Sobre o poder
pessoal, Carl Rogers

Ecos da ACP na interação com crianças no ambiente escolar

João Irineu de França Neto


Professor da UEPB

No livro Sobre o poder pessoal, crescimento pessoal. Ouçamos as É sempre altamente enriquecedor
poder aceitar outra pessoa [...] Descobri
Carl Rogers (1989) afirma que o palavras do autor:
que é quando posso aceitar uma outra
ser humano é em essência digno Nas minhas relações com as pessoas pessoa, o que significa especificamente
de confiança e tal atitude deve descobri que não ajuda, a longo prazo, aceitar os sentimentos, as atitudes e as
manifestar-se em todas as rela- agir como se eu fosse alguma coisa crenças que ela tem como elementos
que não sou. Não serve de nada agir reais e vitais que a constituem, que
ções interpessoais, sejam nas rela-
calmamente e com delicadeza num posso ajudá-la a tornar-se pessoa: e
ções entre terapeuta e cliente, no momento em que estou irritado e dis- julgo que há nisso um grande valor.
espaço da psicoterapia, sejam nas posto a criticar. Não serve de nada agir
relações entre professores e alu- como se soubesse as respostas dos A relação que foi estabelecida
nos e em todas as outras relações. problemas quando as ignoro. Não ser- com os educandos da escola, locus
ve de nada agir como se sentisse afei-
O referido autor estabelece os ção por uma pessoa quando nesse
de nossa intervenção psicológica
três pilares da Abordagem Centra- determinado momento sinto hostilida- de estágio, embora não sendo uma
da na Pessoa (ACP) que podem ser de para com ela. Não serve de nada psicoterapia, consistiu em uma re-
aplicados em todos os campos das agir como se estivesse cheio de segu- lação terapêutica, pois na visão
rança quando me sinto receoso e hesi-
atividades humanas – nas empre- tante. [...] nunca achei que fosse útil
humanística da ACP todas as rela-
sas, nas práticas da psicoterapia, ou eficaz nas minhas relações com as ções humanas são terapêuticas.
nas escolas etc. Esses três pilares outras pessoas tentar manter uma De acordo com Rogers (Op. cit., p.
atitude de fachada, agindo de 23):
uma certa maneira na superfície
quando estou passando pela Existe na relação terapêutica um
experiência de algo completa- determinado número de processos para
mente diferente. Creio que essa tornar mais fácil ao cliente comunicar-
atitude não serve de nada nos se. Posso, com minha própria atitude,
meus esforços para estabelecer criar uma segurança na relação, o que
relações construtivas com as torna mais possível a comunicação. U-
outras pessoas. ma sensibilidade na compreensão que o
vê como ele é para si mesmo e que o
Buscamos nestes aspec- aceita como tendo tais percepções e
sentimentos também auxilia.
tos teóricos propostos por
Rogers os aportes neces- Foi este o modelo de interação,
sários para nossa relação pautado na relação terapêutica,
de interação com os edu- buscando permitir ao outro um es-
candos da Escola Antônio paço de segurança e de liberdade
José de Novaes, onde re- para comunicar suas ideias e sabe-
alizamos a Prática Psico- res que norteou nosso diálogo com
lógica I. Interagimos com educandos de 9 a 11 anos de ida-
os alunos, buscando de, do 4º ano do Ensino Funda-
transmitir nossos senti- mental. Dialogamos sobre o Esta-
mentos de modo mais tuto da Criança e do Adolescente –
autêntico possível para ECA, lendo com os referidos sujei-
com os educandos, ex- tos trechos dessa legislação, expli-
pressando por exemplo a citando os detalhes dos significa-
admiração que sentimos dos sobre algumas organizações
ao vê-los cantar no mo- sociais, como família, comunidade,
mento do intervalo com o escola, poder público, as quais
Weslley Almeida
professor de música. possuem o dever de assegurar os
Desse modo, demonstra- direitos de crianças e adolescen-
são os seguintes: autenticidade, mos nosso encantamento, dizen- tes. Discutimos a diferença entre
aceitação incondicional do outro e do que eles cantavam muito bem, direitos sociais e favores que, às
compreensão empática do outro. de modo muito entoado, o que vezes, são veiculados por políticos
Em Tornar-se pessoa, demons- provocou-lhes uma efusão de sor- como distorções e não cumprimen-
trando atitudes de sua própria his- risos, reflexo de bem-estar, de to dos direitos da população. E fo-
tória pessoal e profissional, Rogers sentirem-se acolhidos por um ram sendo pontuados os direitos à
(2009, p. 19) menciona quão sig- profissional que os valoriza em vida, à proteção, à saúde, à mora-
nificativa é esta prática de sermos seus talentos. Sobre tal aspecto dia, à educação, à profissionaliza-
nós mesmos na relação com o ou- de aceitação do outro, Rogers ção, ao esporte, ao lazer etc.
tro para promover mudanças e (2009, p. 24-25) afirma: Depois de toda a discussão co-
Janeiro a Abril de 2018 FUXICO Nº 40 5

letiva, motivamos as crianças da serve os indícios que esta criança vez, motivando a escuta atenta ao
turma a realizarem uma atividade nos está a revelar, seja-lhe ofere- que o outro tem a dizer, para que
de desenho e escrita em folhas de cido um olhar diferenciado para também fosse respeitado o seu
papel ofício sobre o que eles acha- as suas necessidades emocionais momento de falar, muitos deles
ram mais interessante e o que a- de convivência humana nas diver- levantavam a mão querendo dizer
prenderam de novo a partir do te- sas relações grupais. primeiro suas ideias. Embora em
ma discutido. No processo de mo- Quando o barbante era lançado alguns momentos a comunicação
tivação, deixamos bem claro que sem muita força por alguns edu- parecesse caótica, pela ânsia dos
eles eram livres e deveriam usar candos, alguns deles, de modo educandos em falarem ao mesmo
sua liberdade para fazer o que qui- bem ativo, sem soltarem o seu tempo, do ponto de vista humanis-
sessem na forma de expressar o pedaço do barbante, pegavam o ta compreendemos que as crianças
que aprenderam. rolo no chão e jogavam para estavam expressando seu potenci-
Na dinâmica de apresentação quem tinha sido lançado. Refleti- al de liberdade de querer dizer al-
com o rolo de barbante, percebe- mos aí o valor psicológico de se go, demonstrando, assim, um alto
mos diversos educandos indecisos preocupar com o outro e não so- grau de envolvimento interativo na
na hora de lançar o barbante para mente consigo, de ser solidário. atividade grupal.
outro colega; alguns demoravam Alguns dos educandos, no final da Chamou muito a atenção, quan-
um pouco a jogar, havendo aque- dinâmica, se referiam ao valor da do na discussão sobre o direito à
les que disseram: “Não sei para união que estava expressa na teia profissionalização muitas crianças
quem eu jogo”. Então, nestes ins- formada pelos diversos fios. Vi- expressavam com grande entusi-
tantes, motivamos: “Jogue pra mos que a vida de cada um de asmo e vibração seus vários so-
qualquer colega, rápido!”, na nhos profissionais. Uma dizia que
perspectiva de estimular o po- queria ser professora, outra que
tencial de decisão desses edu- queria ser veterinária, outro que
candos, no processo de esco- queria ser jogador de futebol, ou-
lhas, que está presente em tro que queria ser engenheiro,
todas as circunstâncias da vi- dentre outras profissões. Fomos
da. acolhendo essas várias falas e, em
Como a sala de aula era um dado momento, fizemos um
pequena e o espaço para a questionamento da seguinte for-
formação do círculo ficou re- ma: “E se houvesse alguém que
duzido devido às carteiras que dissesse que vocês não podem es-
foram afastadas para o fundo colher esta profissão, por algum
da sala, às vezes os educan- motivo? Por exemplo, se alguém
dos tendiam a desorganizar ou dissesse que vocês não podem ser
comprimir o círculo, ao que esse profissional porque vocês mo-
motivávamos com entusias- ram no Bairro dos Novaes ou qual-
mo: “Vamos abrir o círculo!”. quer outro motivo, tentando tirar o
Uma garota, para a qual ainda direito de vocês escolherem, o que
não tinha sido lançado o bar- vocês diriam a essa pessoa?”. Uma
bante, mencionou apontando garotinha negra, a que disse que
para um coleguinha do lado: sonhava ser veterinária, falou bem
“Olha, tio, ele tá me excluin- forte: “Ninguém pode me tirar o
Paul Klee
do”. A atitude dessa menina direito de escolher minha profis-
foi sair do círculo. Eu estendi a são. Eu vou lutar até o fim!”. Ao
mão para ela e disse: “Venha aqui nós e as nossas histórias estão ouvir esta fala, reforçamos este
para o meu lado!”. Ela hesitou um interligadas. Esta dinâmica criou sonho da menina, com elogios e
pouco, sem querer entrar. Eu disse um elo comunicativo grupal para motivamos todos a repetirem esta
que ela era livre para participar ou a discussão que seguiu-se. bonita frase.
não. Poucos instantes depois ela Durante o processo de discus- Na atividade de produção de
adentrou à roda, participando da são sobre os direitos da criança, desenhos, textos ou frases, confor-
dinâmica de apresentação e das focalizando a comunidade onde me a liberdade de cada um, a refe-
demais práticas. residem os educandos, houve por rida garota perguntou se poderia
Vários colegas disseram que parte deles um grande interesse fazer uma poesia, ao que respon-
esta menina, sempre que vai parti- em participar da conversa, em demos positivamente. Ela produziu
cipar de uma atividade em grupo, responder perguntas que eram uma poesia, com o título “Poesia
diz que estão excluindo-a. Do pon- formuladas para eles, como por de minha liberdade”, na qual ela
to de vista psicológico, talvez esta exemplo: “quais são os direitos expressou que ninguém pode tirar
criança esteja pedindo ajuda para que vocês ouviram? O que enten- a sua nem a liberdade de outros; e
algum processo de rejeição mais deram?” Muitos deles gritavam ao mencionou também algo referente
profundo que ela vivencie. Tais a- mesmo tempo dando respostas, à sua cor, o que mostra um indício
contecimentos devem ser informa- querendo expressar seu entendi- do preconceito étnico-racial viven-
dos à Direção da escola e ao psicó- mento sobre o tema. Quando pe- ciado por essa garota.
logo escolar, a fim de que se ob- díamos que falassem um a cada Os desenhos foram os mais va-
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riados possíveis. Alguns desenha- de crescimento pessoal, no de- profundado, pautado na compre-
ram casas, escrevendo: “Direito a senvolvimento de valores existen- ensão empática e de liberdade,
uma moradia”; outros desenharam ciais e na conscientização de di- com os educandos de modo geral e
florestas, nos dizendo oralmente reitos e deveres, que no conjunto aqueles que necessitam de um o-
que era a liberdade. Outro dese- dizem respeito à promoção de lhar específico em seu processo de
nhou um goleiro agarrando a bola saúde e socialização, bem como crescimento pessoal e inter-grupal.
e nos disse, ao entregar o dese- às demais construções coletivas
nho, que era a sua futura profissão no exercício da cidadania dos su- Referências
de jogador. jeitos.
Percebemos com a experiência Assim, portanto, concluímos ROGERS, Carl R. Tornar-se pessoa.
Tradução: Manuel José do Carmo Fer-
realizada, quão necessária é a pre- este trabalho, com um sentimen-
reira e Alvamar Lamparelli. 6. ed. São
sença do psicólogo escolar na rea- to de inacabamento e uma neces-
Paulo: Martins Fontes, 2009.
lização de atividades grupais com sidade de contribuir no âmbito da ______. Sobre o poder pessoal. São
educandos das escolas da periferi- psicologia escolar, a fim de que Paulo: Martins Fontes, 1989.
a, a fim de promover um processo se construa um trabalho mais a-

Ensino de escrita de língua de sinais: disparidades


no chamado processo de inclusão

Claudio Alves Benassi


Docente da Universidade Federal de Mato Grosso

Decorridos 15 anos da promul- do para o sujeito visual (surdo), científicos-formais da Libras, fa-
gação da Lei n 10.436, que insere ela é configurada apenas como o zendo com que a informalidade
a Libras no âmbito acadêmico, ensino de Libras como Primeira usual da língua de sinais seja per-
ainda nos deparamos com situa- Língua (L1) e em Língua Portu- petuada e, principalmente, seja
ções nas quais somos interpelados guesa como Segunda Língua legitimada também no uso linguís-
com afirmações de que a mesma (L2). Esse princípio tem norteado tico acadêmico. Relacionado à Lín-
se trata de uma “educação especi- as principais orientações oficiais gua Portuguesa, a utilização do
al”, quando não a confundem com para o acolhimento do sujeito chamado Português do surdo, lin-
o sistema Braille. A Libras, come- visual na dita "escola inclusiva". guagem escrita deformada que é
çou a ser pesquisada academica- Os resultados têm sido desa- reconhecida como a forma do su-
mente na década de 80, século nimadores, salvo exceções. Rela- jeito visual escrever sua L2.
XX, na Universidade Federal de cionado ao ensino de Libras, o Ambos os fatos são deveras
Pernambuco (UFPE). No entanto, que pode ser constatado no dia a perigosos. No primeiro, a lingua-
o “grande bum” de interesse pela dia da formação do acadêmico gem informal do cotidiano é inse-
mesma se deu com a aprovação visual é que o mesmo não rece- rida e legitimada nos gêneros que
da lei referenciada acima be conhecimentos linguísticos- circulam na academia, promoven-
(BENASSI, 2017).
Percebemos que há na concep-
ção da Libras no meio educacio-
nal, equívocos, tal como entendê-
la como educação especial e que
no AEE – Atendimento Educacio-
nal Especializado – convencional,
o estudante visual pode ser con-
templado. Primeiramente, deve-
mos entender que a Libras não se
inscreve numa modalidade de e-
ducação especial e sim, no âmbito
das politicas linguísticas. Segun-
damente, o AEE, para o sujeito
visual, é antes de tudo, linguísti-
co. Isto posto, convém ressaltar
que este atendimento deve ser
prestado por profissionais qualifi-
cados, ou seja, bilíngues com for-
mação para tal.
A Libras, ao contrário do que
se pensa, não é somente a sinali-
Gilucci Augusto
zação, tampouco, o ensino volta-
Janeiro a Abril de 2018 FUXICO Nº 40 7

(Continuação da página 6) gem. No Brasil, atual-


do e perpetuando a falta de co- mente, temos quatro
nhecimento linguístico dos profes- sistemas em circula-
sores-formadores. Afirma o lin- ção. O Sign Wrinting
guista francês Ernest Tonnelat, é o mais conhecido,
que na escola, o ensino de língua porém não se efetiva
“tem de assentar necessariamente em virtude do exacer-
numa regulamentação imperati- bado sistema de gra-
va” (CÂMARA JR. [1970] 2015, p. fia que contem mais
15). de 900 caracteres
Nota-se que é a língua formal (BENASSI, 2017). E-
que deve ser ensinada na escola. xistem ainda a Escrita
A língua de sinais não pode fugir a das Línguas de Sinais
esse pressuposto. Segundo Joa- (ELiS), que contém
quim Matoso Câmara Júnior apenas 95 caracteres
([1970] 2015), “o professor não e o Sistema de Escrita
fala em casa como na aula e mui- de Língua de Sinais
to menos numa conferência. O (SEL), que é recusa-
deputado não fala na rua, ao se do pelo alto nível de
encontrar com um amigo, como abstração. O quarto
falaria numa sessão da câmara.” É sistema foi desenvol-
isso que nós, professores e intér- vido por mim, como
pretes de Libras precisamos en- objeto de tese de
tender. doutorado, como uma
No segundo, a consequência é simplificação dos dois
Joan Miró
a manutenção do sujeito visual primeiros sistemas
como um ser sem autonomia lin- aqui citados.
guística em nossa sociedade que é Trata-se da VisoGrafia, siste- como L2, não sanará suas deman-
majoritariamente ouvinte e que ma de escrita visogramada da das linguísticas. É preciso, antes
valoriza a cultura escrita, ou seja, língua de sinais. O sistema se de tudo, se constituir com ele na
grafocêntrica (GNERRE, 2009). O encontra totalmente estruturado, sua alteridade, reconhecer seus
fato do sujeito visual não conse- contando com apenas 38 carac- valores e compreender suas reais
guir apreender e aprender a L2 teres. O sistema adota o mesmo necessidades. É preciso ir exotopi-
corretamente, não está relaciona- princípio de escrita do Sign Wrin- camente ao seu lugar cronotópico,
do a ausência de audição, mas ting, só que linearmente e admi- pois é aí que o mesmo se consti-
sim, a ausência da aprendizagem te o princípio da grafia parêmica tui. Após esse trânsito, seremos
da escrita de língua de sinais. Es- advindo da ELiS, ou seja, a grafia capazes de entender a necessida-
sa ausência faz com que se forme da mínima parte da língua de de sócio-antropológica do mesmo
inúmeras lacunas no processo de sinais. Com isso conseguimos e ter acesso ao mundo letrado por
aprendizagem cognitiva do sujeito reduzir os mais de 900 caracte- meio da escrita de língua de si-
visual, que dificilmente serão pre- res da escrita já citada para 38 nais.
enchidas ao longo de sua vida. na nossa VisoGrafia.
Segundo a professora visual Para finalizar, volto a insistir Referências
Marianne Stumpf (2011), a apren- na importância da aprendizagem
dizagem de escrita de língua de da escrita de língua de sinais, BARRETO, M.; BARRETO, R. Escri-
sinais pode auxiliar o sujeito visu- pelos profissionais da área da ta de sinais sem mistérios. Belo
al na aprendizagem de outras lín- língua de sinais e demais usuá- Horizonte: Edição do autor, 2012.
guas escritas. A escrita de língua rios. Vygotsky ([1984] 2007), BENASSI, C. A. O despertar para
de sinais proporciona ao visual, afirma que a mesma colabora o outro: entre as escritas de lín-
comunicação escrita fluente, além para a formação das estruturas gua de sinais. Rio de Janeiro: Au-
de instrumentalizar o pensamento superiores da mente. Câmara Jr. tografia, 2017.
e aprofundar a reflexão. Madson (op. cit. p. 19) afirma que é por CÂMARA JÚNIOR, J. M. [1970]
Barreto e Raquel Barreto (2012), meio do ensino formal da língua Estrutura da língua portuguesa.
por sua vez, acrescentam que a escrita que o estudante estrutura Petrópolis: Vozes, 2015.
escrita de língua de sinais contri- a língua que aprende em casa. CAMPELLO, A. R. e S. Língua Bra-
bui para a valorização social da Afirma também, que a escrita se sileira de Sinais. Indaial: UNIAS-
língua de sinais. Infelizmente, a sobrepõe a língua falada, pois SELVI, 2011.
escrita de língua de sinais é ainda rege a vida geral e superior do GNERRE, M. Linguagem, escrita e
desconhecida de uma generosa país. poder. São Paulo: WMF Martins
parcela dos profissionais desta no Se quisermos dar autonomia Fontes, 2009.
Brasil. Muitos dos que a conhecem ao nosso aluno visual, precisa- VIGOTSKY, L. S. [1984] A forma-
a rechaçam em virtude da dificul- mos compreender que apenas a ção social da mente. São Paulo:
dade relacionada a sua aprendiza- Libras como L1 e o Português Martins Fontes, 2007.
8 FUXICO Nº 40 Janeiro a Abril de 2018

Os guardiães e a guarda dos filhos

Paulo Emílio Azevedo


Antropólogo e pós doutor pela UENF

Um homem, na função de pai, cuidadora e do homem como pro- sofrerá, caso lhe seja cortada a
troca a fralda do seu filho no hall vedor dos filhos, por sua vez re- maior parte do tempo do convívio
de um hotel qualquer. Não que o velando que as mulheres devem com a criança. O mesmo ocorria
hotel seja sem relevância, mas é voltar para ficar somente em ca- com a mãe (quando ficava na mai-
que essa cena vem se repetindo de sa, depois de ter conquistado ou- or parte das vezes, o tempo quase
modo cada vez mais frequente em tros espaços. Mais que isso, é dis- que absoluto com os filhos) se a
muitos lugares, sobretudo, no Oci- pensar a simetria da importância criança fosse separada dela por
dente. A “cena”, onde o corpo do do pai na educação dos filhos. conta de outras circunstâncias. Na-
homem e da criança estão ali uni- O que perscruto é uma análi- da de instinto, é tempo de abraço.
dos pode estar também questio- se dos direitos, da cultura e dos Se abruptamente rompem-se laços
nando os usos, gostos, hábitos, papéis sociais dos pais, mas nas há perdas e sofrimentos. Portanto,
estruturas e afetos de diversas cul- mesmas proporções para ambos não se pode mais ser permitido
turas de uma sociedade, quase os lados. Afinal, não me parece que um pai (e, sobretudo, um bom
global, em grande transformação. mais possível manter a onipre- pai), na separação do casal, seja
Cena distinta do 'colo de mãe', sença de uma discussão de gêne- punido pelo fato de ser homem; de
o pai cada vez mais coloca as cri- ro, sendo esta submetida a uma ser pai, delegando a ele por ques-
anças para dormirem contando tões de ordem judicial menos
estorinhas desse mundo único – a direito de convívio. É urgente
infância. Há alguns que não pa- ultrapassar o estado desta natu-
ram por aí, correm de um lado ralização. Está em pauta; a vida
para o outro de pique-pega, e o devir dos filhos.
transportam a molecada na O II Pós-Guerra trouxe impac-
“carcunda”, levam-nas à praia, ao tos marcantes na organização
parque, à consulta pediátrica, a- de movimentos sociais, religio-
companham passo-a-passo desde sos, políticos e culturais. Os de-
antes de nascer como se desen- nominados espaços de resistên-
volve o bebê. Em seguida, dão o cia foram determinantes no de-
primeiro banho no recém-nascido, senvolvimento de políticas públi-
fervem as mamadeiras e os ama- cas que assegurassem de fato a
mentam, não pelo seio, mas é presença da mulher no mercado
provável que se assim pudessem, de trabalho. Isso foi uma grande
fariam. Os homens, aqueles bru- conquista para todos. A Consti-
tos que não podiam chorar, nem tuição, logo, lembra: direitos
amar, e tantas vezes fracassaram iguais, respeitando a diferença,
na função de pai “cuidador” estão a diversidade, mas, sobretudo,
cada vez mais certos de que os potencializando espaços de re-
filhos são seus, também e sem- flexão para a continuidade des-
pre. Portanto, se as coisas avan- sas conquistas em plano, ainda,
çam para um lado (que diz respei- mais elevado.
to à saída de casa da mulher para Zuca Silva A guarda compartilhada no
o mercado de trabalho), na conta- Brasil, um ótimo exemplo des-
mão é necessário compreender ses avanços, vem desde o final da
sobre o peso de valores de quem dada superficialidade do debate. década de 90, fazendo justamente
vem, de certo modo, preenchendo De fato, o que deve ser sublinha- com que os juízes, os promotores,
os espaços do doméstico – o pai, o do é o destino da vida de crianças os advogados e a sociedade, de
homem. E, se o casal se separa, e famílias e como se dão as con- uma forma geral, possam analisar
visualizando uma busca por condi- dições para que isso seja avaliado os casos de guarda dos filhos em
ções de igualdade de gêneros não de modo equitativo, equilibrado melhores condições de equidade.
se pode seguir imaginando o deba- (sempre que possível), sem a Mas, ainda é larga a vantagem em
te sobre a guarda dos filhos com marca constante e majoritária da que as mães ganham as guardas
prioridades afetivas em relação à natureza-mãe/cultura-materna ou não pela qualidade do que é ofere-
mãe. do pai-ausente/irresponsável. As cido à criança, mas pela cultura do
Manter a sequela de uma cul- coisas e os modos se tornaram atraso do “mito”, onde o pai tam-
tura do Direito que institui mais “fora da ordem”. bém preenche o espaço de uma
poder à mãe, no que se refere ao Desse modo, cabe lembrar suposta naturalização do que deva
contato com os filhos, é perpetuar que se o pai passar boas e longas ser o mais “justo”. Trata-se de
o “mito do amor materno”, reafir- horas do dia com os filhos é óbvio uma representação alienada.
mando o papel da mulher como que sentirá sua falta e deveras Como nos ensina a filósofa
Janeiro a Abril de 2018 FUXICO Nº 40 9

francesa Elizabeth Badinter, assim, pois não pudesse ser revisitado), http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/
“como qualquer outro sentimento evitando jogos de poder e barga- constfed.nsf fc6218b1b94b8
humano, o amor materno é incer- nhas sem fazer da criança 701032568f500 66f9254a5143aa
to, frágil e imperfeito, podendo “pacote” ou “moeda”. Ou seja, a 246be25032565610056c224?Open
existir ou não, aparecer e desapa- prudência indicaria esta aptidão. Document
recer e mostrar-se frágil ou forte”. Mas, ausentadas as chances de
Não há, de fato, uma conduta uni- diálogo quando é no dispositivo
versal que possa demonstrar tal jurídico que se definirá a rotina
existência e sua ação fixa, pois se de uma vida (de muitos), a análi-
assim houvesse teríamos que acei- se deve dizer o que é melhor para
tar o sofisma de que toda mãe é a criança. Do contrário, seguindo
boa e ou que toda mulher tem que o “mito” reafirma-se e admite-se
ser mãe. Sabemos que isso não uma função biológica, biologiza-
procede. da, como guardiã da guarda, on-
Cada caso é um caso e o que de o amor terá pré-determinação
deve prevalecer é o melhor para a privilegiada. E se assim for, para
criança: na qualidade do tempo que Direito e para que Justiça?
dedicado ao afeto e ao lúdico, nas Que seja superado o dile-
condições de moradia, na qualifica- ma da análise cultural colonialis-
ção educacional e profissional dos ta, sobrepondo-se por sua vez
genitores, no oferecimento à saúde aos novos arranjos sociais.
e às condições de Educação, prote-
ção à psique, à moral e ao corpo Referências
da criança.
Se não houvesse o litígio, BADINTER, E. Um amor conquistado:
valeria o bom senso dos pais, sem- o mito do amor materno. Rio de Ja-
pre atentos e preocupados em neiro, Nova Fronteira, 1985.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Capítulo I.
pensar no que realmente é o me-
Dos direitos e deveres individuais e
lhor para os filhos (nada que de- coletivos (art.5º). Alfredo Volpi

A importância do trabalho com as identidades e com


a diversidade no ambiente escolar

Willian Falcão Lopes


Professor de Geografia em Feira de Santana-BA

No atual cenário de organização É por essa questão que muitos dos


mundial regido no contexto da Glo- problemas sociais refletem proble-
balização e do Neoliberalismo, em mas de ordem escolar ou educacio-
que cada vez mais tornam-se claras nal (BOURDIEU, 2001).
as relações de desigualdade, além A escola é um dos palcos em
de configurar a Educação como que se desenvolve a Educação que
mercadoria, os processos de exclu- deve ser um processo de humaniza-
são social e de descriminação ten- ção, socialização e inserção em cul-
dem a se fortalecer (SANTOS, turas (PEROZA, 2012). Contudo,
2000). uma vez que a mesma não inclui,
É nesse contexto que são desen- ou coloca em segundo plano, em
volvidos padrões, modelos sociais, seus planejamentos, currículos ou
culturais, políticos, estéticos etc., a práticas que busquem mediar o tra-
serem seguidos e os que se encon- balho com as culturas e a diversida-
tram distante destes modelos como de, esta fragiliza as relações de i-
anões, transexuais, indígenas, entre dentidade e de convívio com a di-
outros, tornam-se marginalizados. versidade estando sujeita a proces-
Cabe ressaltar que os problemas sos discriminatórios ou de exclusão
das questões direcionadas à aceita- social.
ção das diversidades não são de O trabalho com as culturas no
ordem unicamente econômicas ambiente escolar é uma atividade
(CHARLOT, 2006). Essa é uma bre- fundamental, pois, de acordo com
ve justificativa de escala mais geral Hall (2005), essa é uma prática so-
para essa problematização. cial, um fazer humano, desenvolvi-
Ademais, a escola e a sociedade Zuca Silva do por um dado grupo de indivíduos
são substantivos indissociáveis, u- que é perpassado por gerações que
ma vez que quando se muda a soci- economia e, por conseguinte, mu- pode vir a sofrer mudanças diante
edade, mudam-se as culturas, a da-se a Educação (FREIRE, 1997). dos processos espaço-temporais.
10 FUXICO Nº 40 Janeiro a Abril de 2018

Ademais, muitas das escolas postura de abertura e de despoja- está indiretamente trabalhando com
tendem, na construção de seus pla- mento que implica na possibilidade o fortalecimento das relações de
nejamentos, currículos, pensar- das trocas dialógicas, no acolhimento
da alteridade. identidade e diversidade cultural.
fazer currículo para os sujeitos e Para Santos (1996), o lugar é o
não pensar-fazer currículo com es- espaço produzido por duas lógicas,
Dessa forma, pode-se dizer que
tes sujeitos (MACEDO, 2013). Isso a das vivências cotidianas, das rela-
a partir do trabalho com a diversi-
deve-se, muitas vezes, ao fato de ções identitárias e culturais das
dade há uma possibilidade de re-
que muitos dos profissionais da á- pessoas, e a dos processos econô-
conhecimento das diversas cultu-
rea de Educação desacreditam no micos, políticos e sociais que consti-
ras e de desconstrução das pre-
potencial dos sujeitos pouco envol- tuem a globalização. Além disso, o
conceituações mediante um traba-
vidos, ou sem formação educacional autor ressalta a dimensão histórica
lho dialógico, acolhedor, de aceita-
para fazer currículo. Estes profissio- que está presente na prática cotidi-
ção e equidade de direitos entre os
nais tendem a reconhecer esses su- ana (estabelecendo um vínculo en-
sujeitos.
jeitos como “idiotas culturais” e, tre os sujeitos que se sentem per-
Para Foucault (1978), a identi-
com isso, muitas vezes, acabam tencentes e os que não se sentem
dade é uma construção de base
perdendo a oportunidade de incre- pertencentes ao espaço), instalando
social que não se desenvolve de
mentar o currículo quanto ao prepa- -se no plano do vivido, produzindo o
forma espontânea. Ela é construí-
ro para as relações de equidade e re/conhecido. Ou seja, é no lugar
da através da multirelação entre
de convívio com a diversidade. que se desenvolve a vida em todas
aspectos biológicos, culturais, filo-
Para uma sociedade constituída as suas dimensões.
sóficos, psicológicos e geográficos,
por sujeitos supostamente mais crí- Dessa forma, é possível afirmar
sendo compreendida em alguns
ticos e esclarecidos sobre as suas que uma escola junto a professores
casos relacionados ao contexto
identidades singulares, o trabalho que assumem em suas práxis ações
atual, como o resultado do proces-
com a diversidade cultural torna-se -reflexões-ações no trabalho com a
so de globalização.
fundamental no ambiente escolar. diversidade e com as identidades
De acordo com Hall (2005), a
Diante disso, acredita-se em ações possibilitam à sociedade mudanças
identidade é mutável, pois esta
educativas em que seus professores significativas quanto ao processo de
plenamente unificada, completa,
assumem um ensino voltado à di- construção identitária e, por conse-
segura e coerente é uma fantasia.
versidade e à identidade, o que guinte, condições mais esclarecidas
A mesma ainda se desenvolve em
uma relação dialógica entre o eu e e de equidade de direitos.
a sociedade, entre as potencialida-
des dos indivíduos e os repertórios Referências
culturais desenvolvendo-se em um ARAÚJO, M. A. L. Tradição cultural, di-
fluxo dinâmico entre processos versidade e interculturalidade: por uma
endógenos e exógenos. pedagogia do Fuxico. In: XIX EPENN,
Uma vez construída a compre- 2009, João Pessoa-PB. XIX Encontro de
ensão sobre esses saberes os su- Pesquisa educacional Norte-Nordeste.
jeitos passam a ter entendimentos João Pessoa: UFPB, 2009.
BOURDIEU, P. Sobre o poder simbólico.
mais sólidos acerca das suas cultu-
Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro:
ras e identidades, além de amplia- Bertrand Brasil, 2001.
rem seu conhecimento crítico so- CHARLOT, B. A pesquisa educacional
bre as capciosidades do sistema entre conhecimentos, políticas e práti-
capitalista. Penso, que é diante cas: especificidades e desafios de uma
desse contexto educativo que um/ área de saber. Revista Brasileira de
a transexual, um anão, um indíge- Educação, vol.11, nº 31, p.7-18, jan/
na, entre outros grupos abr. 2006.
“minoritários” juntos com as pes- FOUCAULT, M. História da Loucura. São
soas que os cercam, podem se Paulo: Perspectiva, 1978.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia:
embasar nestes entendimentos na
Saberes necessários à prática educati-
superação de práticas discrimina- va.18.ed São Paulo: Paz e Terra, 1997.
tórias. E até a palavra anão, etc., HALL, S. . A identidade cultural na pós-
não lhe será mais uma ofensa, po- modernidade. 10 ed. Rio de Janeiro: DP
dendo esta tornar-se um meio de & A. 2005.
Zuca Silva empoderamento que implica em PEROZA, J. Reflexões sobre cultura e
uma identidade reconhecida e a- diversidade cultural em Paulo Freire:
ceita pelo sujeito levando-o a uma um humanismo crítico para a transcul-
possibilita um processo de constru-
compreensão mais crítica sobre as turalidade em educação. In: IX AMPED
ção identitária mais significativo pa-
ideias midiáticas, televisivas, entre SUL seminário de pesquisa em educa-
ra os estudantes. De acordo com
outros. ção da Região Sul, 2012.
Araújo (2009, p. 8) diversidade su-
Acredita-se que um dos profis- SANTOS, M. A natureza do Espaço:
põe:
(...) intrinsecamente, encontros
sionais que dentro do espaço esco- Técnica e Tempo, Razão e Emoção. São
tensivos entre pessoas e grupos dife- lar deve trabalhar com essas cons- Paulo: HUCITEC, 1996.
renciados; "fricção interétnica" como truções é o docente de Geografia. __________. Por uma outra globaliza-
condição e estado que potencializa Este, em suas aulas, precisa dialo- ção: do pensamento único a consciên-
relações de inclusão e de interligação cia universal.. ed. Rio de Janeiro: Re-
gar com a categoria de análise lu-
entre estes diversos mediante a difícil cord Editora, 2000.
gar, e quando feito esse diálogo
Janeiro a Abril de 2018 FUXICO Nº 40 11

Gilucci Algusto

Um século de Caymmi, e daí...

Tales Jaloretto
Jornalista Cultural e Arte Educador em São Paulo - SP

Há nove anos faleceu Dorival dos Unidos. Pai de Dori, Danilo e Nana
Caymmi, e uma centena que nas- As canções praieiras de Dorival Caymmi, pelo menos a prenunciou
ceu, e por que é importante? e as sertanejas de Gonzaga che- com harmonizações complexas,
Se em algum momento, por al- garam como avalanche e revela- deixando rústico o sofisticado, o
gum motivo tiver que explicar o ram outra identidade do país. simples ecoar folclore, e impres-
que é o mar, peça para escutar a Caymmi cantou a imensidão do sionando Tom Jobim, o maestro
canção de mesmo nome de Dori- mar, a tragédia dos pescadores, soberano, mesmo sem saber de
val Caymmi. A voz potente e gra- os batuques dos negros, a simpli- música, apenas pondo o dedo nas
ve remete à imensidão do oceano; cidade e memória do povo, a cordas para ver como soava.
a melodia que balança, as ondas; graciosidade dos tipos baianos, a Compunha e cantava, em época
os cabelos brancos deste senhor espontaneidade dos versos, a ri- de intérpretes; um dos primeiros
simpático, as espumas; o ritmo queza melódica, a religião dos convidados a iniciar a TV Tupi, em
que acelera no meio da música, a orixás. Foi a pessoa que junto a 1951; um dos primeiros a gravar
alegria de correr beira-mar; Jorge Amado, este na literatura, LP, no formato bolachão, em
Caymmi e o violão sentado num inventou a Bahia, e fincou o dis- 1954; emplacou dois sucessos em
balanço, os dedos e rosto quase curso da Bahia exótica. Caetano temas de novel a s gl obai s
inertes ao tocar é a calma e a agi- já disse; eu escrevi 400 canções, (Gabriela e Porto dos Milagres);
tação das águas; a letra sendo o ele 140; mas todas são perfeitas, cunhou versos eternos como:
drama dos personagens do mar, as minhas não. “quem não gosta de samba, bom
semelhantes à realidade da segun- Lançou 16 discos em um perío- sujeito não é”; “minha jangada vai
da guerra. do de 38 anos, entre projetos e sair pro mar”; “oh, insensato cora-
E tem mais, sabe a Carmen Mi- regravações, numa época que se ção”. E as músicas que vagueiam
randa, seu requebrar baiano e a fazia disco por ano. Assim criou a no tempo: Vatapá, Maracangalha,
música “O que é que a baiana lenda, ou não, da preguiça caym- É doce morrer no mar; Você já foi
tem?”, consagrada no filme Bana- miana e baiana também; mas se a Bahia?; Noite de Temporal; O
na da Terra de 1938; adivinha defendia dizendo que valorizava vento; Promessa de Pescador; Ca-
quem compôs e a ensinou os tre- o tempo, que fazia trabalho de minhos do Mar (rainha do mar);
jeitos baianos. Pois é. O chapéu de ourives, como criar uma jóia. Vi- Acalanto.
frutas criado por ela e a música veu no próprio ritmo, sem as pre- Enfim, não é. E daí...
estreitaram a relação com os Esta- ocupações do mercado.
12 FUXICO Nº 40 Janeiro a Abril de 2018

contos e de
crônicas
(1989) afirma que o ser humano é
em essência digno confiança e tal
atitude deve manifestar-se em todas

A insustentável insignificância do ser


Adilton Cruz
Alagoinhas - BA

Dava-me dó. Eu a socorri por- menta que rompe o lastro tra- de maneira brutal. Havia um hia-
que não suportava assistir sofri- zendo a tona uma força desco- to entre nós que mais nos unia do
mento alheio. Ela estava ali atra- nhecida, causadora de medo, que nos afastava. De imediato
vessando meu caminho retirando porém segura. Estávamos a sós. estive apenas a observar como
da vida toda a insignificância sim- Sentia a solitude e nada mais. todas as forças a conduziam à
plista que residia ao meu redor. Eu e outro eu através daquele morte. E por que estava ali preso
Estava nos meus afazeres, nas ser. à cena banal da vida? Havia uma
rotineiras e sequenciais ações Segue irrupção que me trou- parte minha que se afogava na-
quotidianas, que de tão naturais xera ao afresco escritural. O sal- quelas águas. Que de imensas
tornaram-se imperceptíveis, hábi- vamento de um ser sem demasi- submergiam o minúsculo corpo e
tos autômatos. Até que: fui inter- ada importância que percorria me trazia à superfície o desco-
pelado por um minúsculo ser que diariamente meus caminhos e nhecido. Desnecessários eram o
se agigantava em uma semicons- nunca os tivera observado. Con- lugar e local. O instante do en-
ciência perdida. fesso a este dia foi dada uma contro é desprezível. Nós víamos
Todos os dias inúmeros desses aura diferente, não era esta a a face translúcida de ambas as
seres costumam percorrer a linha palavra que desejei usar, mas na figuras. Nadava se é que sabia,
imaginária invisível da vida, e falta de outra é ela que me vale ou melhor, se afogava entre obje-
desta vez resolvi expurgar alguns na adjetivação do dia. tos e ondas diminutas. Conclama-
tormentos com um registro qual- Aquele ser minúsculo boiando va por salvamento. Desejava a
quer. Apenas como um acesso de na minha frente clamando por continuidade surrealista de sua
escrita neófita. Como uma tor- socorro e desejando não morrer vida.

Gilucci Algusto
Janeiro a Abril de 2018 FUXICO Nº 40 13

(Continuação da página 12)


A queda nas águas trouxe à Jeremias falou
tona um senso de pertencimento.
Ela não sabia falar. Eu a fizera Cassionei Niches Petry
falar. Ambos afogados, eu, em Santa Cruz do Sul - RS
pensamentos atípicos, a menos
Jeremy spoke in class today caixas de som e aumentou o volu-
que a vida não faça tanto sentido me do microfone. Retirou a arma
Eddie Vedder
que seja necessário ficar absorto e a colocou sobre a mesa de dis-
com um simples afogamento de Jeremias falou com o pai sobre cursos. Faltavam alguns minutos
uma criatura que poderia ser for- o que vinha sofrendo no colégio. para a troca de períodos. Quando
temente sucumbida pela ausência Como resposta, ouviu: “filho meu deu o sinal, Jeremias falou:
de atenção. Ela não vivenciara a não traz desaforo pra casa. Se –Atenção. Quero que todos ve-
minha condição. Certamente não apanhar na rua, apanha em casa nham ao auditório. Alunos, profes-
sofreria do mesmo espasmo vi- também. Responde à altura, ora.” sores, funcionários. Prometo ser
vencial do qual eu fora acometi- Ele não tinha, porém, a mes- breve no que vou falar, assim co-
do. Eu fora sutilmente submergin- ma força que os outros. Mas isso mo breve é a vida.
do nas águas turvas daquele mi- ele não falou para o pai. Não era Enquanto iam todos se acomo-
núsculo ser. de briga, era calmo, só queria dando, sem entender o que estava
Poderia ser o inverso? Seres ficar no seu canto, lendo ou ou- acontecendo, a diretora se aproxi-
de filos, espécies e classes distin- vindo no “walkman” sua banda mou do palco. Jeremias, porém,
tas, mas que se deparava em favorita, que narrava as angústias mostrou discretamente a arma e
condições similares, envolto em que ele sentia. Pensava em com- falou para ela se afastar. Atônita,
águas do ser que os encobriam por suas próprias canções e os não disse nada para não alarmar
sem se quer ser observados. Se temas seriam a incomunicabilida- os alunos e provocar uma correria.
não a retirasse seria sucumbido de com os pais, a solidão como Jeremias em vez de falar, pen-
em reflexões difusas sobre o uni- escolha de vida, seu mundo pes- sou. Por que motivo iria explicar
verso casual das coisas. soal. algo para quem não tinha vontade
Afinal o que me fizera sair do Jeremias falou para o pai que alguma de entender? Arrancou as
meu estado de confortabilidade e queria mudar de colégio. A res- folhas do caderninho, amassou-as
realizasse o salvamento daquela posta foi negativa. Jeremias falou numa bolinha de papel e a engo-
criatura agora insigne? Não queri- que outra escola poderia oferecer liu. Todos o olhavam sem enten-
a responder a essas questões. uma educação melhor, os profes- der, como sempre. Jeremias então
Pensá-las doía-me. Como os o- sores atuais estavam mais preo- pegou o revólver, que falou por
lhos doentes do poeta. cupados em politizar seus alunos ele.
Não a toquei. Retirei-a sem se do que qualquer outra
quer toca-la, minha humanidade coisa. Seu pai negou
mais uma vez e apenas
me impedia de realiza-lo. O toque
disse que ia reclamar
pertencia ao plano das sensações
com a diretora.
mais hostis para aquele corpo mí-
Jeremias não falou
nimo, poderia significar o esma-
para o pai que sabia o
gamento de o meu próprio ser
esconderijo da arma.
representado pela criatura. Não o
Levou-a consigo para a
fiz por nojo ou aversão, mas sim aula e anotou mental-
por respeito ao corpo sacro do mente quais eram seus
outro que não se permitia ser to- agressores, enquanto
cado sem a permissão, não havia caminhava segurando o
nada de religioso naquilo. Eu o revólver que estava
fizera religioso. O ato da salvação sob a jaqueta com o
foi rápido, ínfimos os instantes. A emblema do colégio.
efemeridade da ação foi tão fu- Foi ao banheiro e se
gaz, perdoem-me a redundância, trancou em um dos sa-
e passageira que não tive se quer nitários. Não foi para a
tempo – esse senhor maldito do- sala de aula. Puxou seu
no memórias –, para digerir o e- caderno de anotações e
vento. Após o salvamento, ação anotou os nomes que
também sem longa duração, se- havia gravado mental-
guia entre os objetos que ali com- mente. Também regis-
punha as vivazes cenas opacas do trou os motivos, tudo
ser. Desaparecia viva sem deixar aquilo que poderia ser
rastros evidentes de uma gratidão evitado e não foi.
inconsciente. Saiu do banheiro e
Eu retornava ao exercício de se dirigiu ao auditório
Zuca Silva
limpeza da área de serviço. vazio. Ligou uma das
14 FUXICO Nº 40 Janeiro a Abril de 2018

Cantiga de ninar
Camilla Ferro C. Nascimento
Porto Alegre - RS

Era final de tarde de uma Cantarolava baixinho para apa-


manhã qualquer de domingo. As ziguar seu coração e afastar os
linhas finas do sol ainda banha- monstros que porventura estives-
vam o parapeito entreaberto da sem escondidos em baixo do ber-
janela e as cortinas ondulavam ço. Seu cantar suave não parou
com a brisa fria da estação, em nem mesmo quando um homem
uma dança não sincronizada e passou pela porta e encerrou os
sem expectadores. passos de dança do vento, dei-
Muito embora o cômodo não xando o entardecer do lado de
estivesse de todo vazio, era ape- fora do quarto infantil.
nas o movimento livre e esbelto Na verdade, os cantos de seus
do vento que estava desguarne- lábios desenharam-se para cima
cido de atenção. Pois ali, no ba- enquanto estendia uma mão em
tente da porta, estava uma mu- sua direção. Ele a aceitou, e fica-
lher, linda pela sua postura e ram ambos no batente. Um a can-
exuberante pelo seu olhar, que tarolar e o outro a sonhar, mas
levava as mãos em frente ao ambos vigiando. Zelando por um
peito, singela, quase como em sono tranquilo. Uma mãe e um pai
uma oração. e um filho, uma família.
Paul Klee

Fada vua, já pipa é pipa

Yuka
Rio de Janeiro-RJ

Adoro criança e disso todo mun- estava o Lucas - ambos com qua- tinha um rolo de barbante na mo-
do já sabe. Somente trabalho com a tro anos. Nunca erro idade de cri- chila e dei de presente. Lucas dis-
dedicação que trabalho porque não ança, elas sabem que tenho a se: "é pra pipa". Eu disse "vua",
sei ser menos que o melhor de mesma idade - criança imita cri- ele respondeu "voa".
mim, porque não sei provocar me- ança. Sara pegou na minha mão e Crianças nos chamam de bobo
nos que o melhor do outro e porque balançou o braço oposto. Meu bra- o tempo todo, criança tem asa
acredito em criança — acredito em ço era maior que Sara. Lucas sor- quebrada, mas consegue voar.
sorriso de criança, acredito em cho- riu para mim e disse que fada Mesmo nos dias em que não estou
ro de criança; mesmo na pirraça há “vua”; eu disse que “voa”, ele dis- com meu filho, ele pisa em meus
verdade no pranto. Pirraça é Deus se que “vua”, eu disse que pés (sem fazer bolhas) e me cha-
implorando de joelhos para voltar a “voa”... No final cansou da fada e ma de pai. Eu acredito no meu fi-
ser criança. me disse que ia embora. Eu só lho.
Criança é um ser que desafia a
vida, é tipo um filho de Nietzsche
dançando no abismo e rindo da
morte. Parece que a gente já nasce
sem saber onde quer ficar - na bar-
riga dá um monte de chutes na mãe
e ela acha graça. Dizem que chuta
violentamente por falta de espaço.
Acho que não, feto já sabe das coi-
sas e manja bem como lidar com
perdão materno. O bebê fica no úte-
ro reclamando que estava num cár-
cere, mas quando sai da prisão ber-
ra e diz querer voltar - ali já perce-
be que estava num hotel cinco es-
trelas fumando charuto com sol na
piscina e aqui fora tem mormaço,
gente que usa pochete e serviço de
telemarketing - o ser humano tem
dificuldade com a liberdade e quan-
to ao desejo é um ser sem cura.
Conheci Sara. Ao lado de Sara Diego Rivera
Janeiro a Abril de 2018 FUXICO Nº 40 15

poemas
Existiam dois
Reinos. O do Norte

Tropeços

Quando um rio,
em Minas,
Numa pedra tropeça
Vira cachoeira.

Quando meu lápis,


no Papel,
Num sentimento tropeça
Viro poesia

Corro em leitos
Largos
ou estreitos
Calmamente
ou em quedas torrenciais
Por fim, desaguo
em olhos náufragos.

Marcos Roberto do Nascimento


Belo Horizonte-MG

Caligrafia agridoce

Nossos ídolos já se foram!


Quem é essa geração
que agora interpreta a vida,
Antônio Bandeira incendeia as palavras,
e transforma o palco em vida real?
Pós-Mulher Olhem olhe ao seu redor!
A velha prática sempre se renova,
Cheguei atrasada à última revolução social e o novo traz em si um arquétipo.
Também não prestei atenção às promessas de paz e amor dos 60´s. Similitude ou reinvenção?
Entre o pão e o circo, prefiro o alimento. Refavele-se, juventude obreira!
Palhaça formaram-me profissional, e, por isso,
Vago entre as marés das águas do planeta (que andam podres) Estamos no mesmo barco,
porém em mares distintos.
As que vestem, tiram as manchas das camisas de seus senhores Os nossos males são outros,
com baldes da saliva dos rios. os nossos outros são belos,
As que se despem ficam úmidas de uma água que só seca e a nossa beleza é crua.
com as grandes decepções, O tempo que perde o compasso,
destas que molham os bolsos dos terapeutas. da tônica, da fônica e da bélica.
Se enxerga, espelho em carne viva.
Se cheguei atrasada à festa, não foi erro do despertador. Confunde, atônito quiçá,
Foi um erro de plataforma. o que veio e o que viu se tornar.
A festa logo virou comício político.
E o cio da cadela foi substituído pela ceia de orgasmos A veia que pulsa nessa torrente,
múltiplos e corruptores, tem o sal da Bahia, insurreição.
Onde a princesa e a sua fada madrinha A artéria, descompassada,
tornaram-se sutis feiticeiras tem nas águas doces do São
Francisco a sua mais bela flexão.
Lalucha Mineiro
Belo Horizonte-MG Júlio Ernesto de Oliveira
Salvador-Ba.
16 FUXICO Nº 40 Janeiro a Abril de 2018

A voragem do medonho Me abandona desassossego


Faço é pouco do pouco que fazes. Insuficiente.
Uma fuligem espessa
Digo é coisa nenhuma, nadinha, Se destila granito em forma de
se esparrama pedregosa
patavina, nicles, bulhufas, lhufas, pedra preciosa,
turvando a atmosfera.
zero, nenhum sussurro da pieda- Poderia eu permitir semente in-
As garras afiadas de que inventas. fundir.
do bando das aves de rapina Sou pedaço de chão em torrão Mas, não.
perfuram a nervura da carne. natal. Deixa ir...
Fração de partícula, sossegar no canto,
As chagas abertas
punhado de terra molhada, Soar leve no ouvir
das fraturas escarlates
Átomo no grão de areia, do passadouro.
retumbam os cacos dos gritos.
E ainda pouco. Vai...
Entre o breu das cavernas
o turbilhão de forças tenebrosas Rafaella Tuxá
açoita o tremor dos assombros. Feira de Santana-BA
No epicentro do covil
os monturos se avolumam
excrementando por todos os lados. A solidão do tempo
O arsenal do medonho
macera as paisagens humanas Sua solidão é um mar, as outras são só bolhas.
com suas ogivas letais. Ele, que tem no alento um cósmico sudário,
Que cega águias e sóis, resseca almas e folhas,
No reino da crueldade Castra cios e vulcões, cala vento e canário,
a matilha dos bichos entorpecidos
se lambuza no banquete de Rói panela e pirâmide, amordaça a valsa
sangue. De relógio e galáxia, azeda vinho e veias,
Ele, o Tempo, é um tirano de maldade falsa
Os vampiros plastificados Que, sem ódio ou prazer, desmancha nossas teias.
fabricam campos de inferno
asfixiando os gemidos do pavor. Ele ama a criação, do simples ao complexo,
Porém sua biografia é um livro de extinções
Sob as cercas de arame farpado Que enfim fará do cosmo espelho sem reflexo
o povo tangido pela iniquidade Já que a Morte cavalga as suas pulsações.
sangra nos fiapos da voragem.
Mas quanto a Morte por fim auto devorar-se
(Brasil 2017...) Sozinho, em meio ao breu, o Tempo há de sentar-se
Miguel Almir Sem mesmo a morte para segurar-lhe a mão:
Salvador-BA É a sua a mais triste encarnação da solidão.
Matheus Martini Spier
Campo Bom-RS
Gilucci Augusto

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