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Silvio

Telles, Sílvia Lüdorf e Erik Pereira (orgs.)

Pesquisa em educação física: perspectivas


sociocultural e pedagógica em foco

Rio de Janeiro, 2017


APRESENTAÇÃO

O contexto da criação do evento e desse livro

O campo da Educação Física, que se desenvolve dentro de um amplo espectro de


possibilidades interventivas, de estudo e de pesquisa, alicerçado nas mais diversas áreas
do conhecimento, nem sempre foi tão matizado como vemos nos dias atuais. No Brasil,
no primeiro quartel do século XX o surgimento da área que abrange os conhecimentos
da educação física teve em seu berço uma grande influência de médicos e militares
construindo significativa parte dos pilares da profissão pautados, principalmente, nos
princípios biomédicos e em uma visão de corpo objetificado (LÜDORF; ORTEGA, 2013).
Este panorama sofre grandes transformações a partir dos anos de 1970, 1980 e 1990
onde autores apoiados nas Ciências Humanas e Sociais e nas teorias críticas da
Educação, começaram a pensar o campo sob outro prisma, proporcionando uma
reflexão tanto no processo interventivo como no teórico. Uma crise epistemológica e
ideológica colocou em xeque todo um contexto de atuação, gerando dúvidas quanto à
natureza da profissão. Seria esta uma ciência? Um processo interventivo?
Essa discussão foi determinante para promover na profissão uma visão que não se
pautava somente em uma perspectiva biomédica, trazendo para o escopo teórico da
área uma criticidade necessária a um campo tão polissêmico e diversificado. Segundo
Manuel e Carvalho (2011) o campo da Educação Física está configurado em três
subáreas denominadas como Biodinâmica, Sociocultural e Pedagógica. A primeira
subárea é construída/compreendida sob orientação das Ciências Naturais (ABERNETHY,
1996; AMADIO; BARBANTI, 2000) e, a sociocultural e a pedagógica,
construídas/compreendidas como vertentes orientadas pelas Ciências Sociais e
Humanas (BRACHT, 2006; BETTI, 2004).
Pensar na Motricidade Humana, nas Ciências do Desporto e da Atividade Física ou
ainda na Cultura do Movimento Humano, associando conhecimentos oriundos das três
subáreas permitiu o avançar de uma consciência do todo mais completa, atendendo
demandas que somente em uma visão biodinâmica não seriam contempladas.
Com o surgimento dos cursos de Pós-Graduação no final dos anos de 1970, a
produção do conhecimento e a formação de mestres e doutores permitiu um
crescimento no tocante à qualidade docente que seria responsável pela formação de
uma nova geração de professores. No Rio de Janeiro, universidades como a UFRJ (1980)
e a Gama Filho (1985) tinham nos seus cursos de Pós-Graduação Scricto Sensu diversos
professores de todas as subáreas, mas especialmente na última, havia importante
destaque para as vertentes sociocultural e pedagógica (LÜDORF, 2002).
Contudo, com o passar dos anos houve um alargamento da subárea biodinâmica e
uma retração das outras duas. Recentemente em 2015, o Fórum de Pesquisadores das
subáreas sociocultural e pedagógica, através de três reuniões que ocorreram em agosto
de 2014 no Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES, Vitoria), em dezembro de 2014 na Escola de Educação Física da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS, Porto Alegre) e em abril de 2015 no
Departamento de Educação Física da Universidade Federal do Paraná (UFPR, Curitiba),
produziu um documento denominado “Cenários de um descompasso da pós-graduação
em educação física e demandas encaminhadas à CAPES1” que de forma muito clara
aponta os rumos das subáreas sociocultural e pedagógica no âmbito da Área 21 da
CAPES.
As implicações apontadas pelo documento revelam um desmonte das perspectivas
sociocultural e pedagógica que, a médio e longo prazo, seria determinante para um
retrocesso nas possibilidades de discutir e entender o campo da educação física
brasileira. Atualmente a subárea biodinâmica, segundo o documento supracitado,
detém mais de 70% da dimensão total dos cursos de pós-graduação vinculados à
Educação Física, enquanto que às subáreas sociocultural e pedagógica restam apenas
14,5% e 13,3%, respectivamente.
Desta forma, docentes formados sob os auspícios das subáreas sociocultural e
pedagógica serão reduzidos drasticamente impactando na formação de novos
profissionais como também de novas pesquisas, além de desenvolver uma
representação da área a partir, majoritariamente, de uma única vertente. Essas
constatações apontadas no documento sobre a situação das subáreas sociocultural e
pedagógica fica ainda mais preocupante mediante o grande número de cursos de
licenciatura que tem em seu âmago a clara pertinência com a subárea pedagógica.
Pesquisadores com significativa inserção no campo da Educação Física, muitas
vezes, migram para outras áreas a fim de permanecerem em um programa stricto
sensu ou ainda por não concordarem com os critérios de produtividade que pouco se
adequam às particularidades das pesquisas com aporte das ciências humanas e sociais.
Diante deste contexto, como docentes e pesquisadores de Programas de Pós-
Graduação stricto sensu ligados à Educação Física no Rio de Janeiro e representantes
das perspectivas sociocultural e pedagógica, sentimos a necessidade de criar um espaço
para discutir essas e outras questões que sensibilizam a produção científica e a
formação de professores e de profissionais de nossa área.
Assim, idealizamos o “Seminário de Educação Física, Esporte e Sociedade” e, para a
primeira edição, a ser realizada nos dias 9 e 10 de novembro de 2017, elegemos a
temática “Pesquisa em Educação física nas perspectivas sociocultural e pedagógica”.
Pretendemos, desta maneira, ampliar as discussões acerca dos desafios, limites e
possibilidades das subáreas sociocultural e pedagógica junto à Pós-Graduação em
Educação Física.
Como um dos produtos dessa iniciativa, apresentamos o presente livro, que reúne os
manuscritos que deram suporte às palestras dos professores convidados. A partir da
riqueza de experiências e das vivências acadêmico-profissionais desses autores,
pretende-se lançar diferentes olhares sobre esse debate, bem como apresentar
sugestões para o desenvolvimento e o repensar das subáreas sociocultural e pedagógica
no campo científico da Educação Física.
Dessa maneira, o presente livro foi dividido em três seções que foram distribuídas no
intuito de aproximar os manuscritos a partir de temáticas afins. A seção I intitulada
“Realidade da pós-graduação nas perspectivas sociocultural e pedagógica” traz críticas e
sugestões contribuindo para a discussão dos limites e possibilidades das subáreas em
foco. Na seção II, “Multiplicidades de olhares sobre as subáreas sociocultural e
pedagógica”, são apresentadas discussões sobre as práticas corporais e a abordagem
Queer na educação física. Por último, mas não menos importante, a seção III
“Apontamentos sobre ética e pesquisa na educação física” apresenta o que muda nas
pesquisas com a nova Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) 510/16.
Gostaríamos, portanto, de agradecer a todos os colaboradores, não apenas por
acreditarem e participarem deste nosso projeto, mas também, por aceitarem o desafio
de juntos, repensarmos continuamente nosso campo. A sensibilidade, a acuidade das
análises e a robustez das argumentações presentes nesses textos são sinais inequívocos
da riqueza de reflexões potencializadas pelas vertentes sociocultural e pedagógica de
nossa Educação Física.

REFERÊNCIAS
AMADIO, A.; BARBANTI, V. (Orgs.). Biodinâmica do movimento humano e suas relações interdisciplinares. São Paulo:
Estação Liberdade, 2000.
ABERNETHY, B. et al. The biophysical foundations of human movement. Champaign: Human Kinetics, 1996.
BETTI, M. et al. A avaliação da educação física em debate: implicações para a subárea pedagógica e sociocultural.
Revista Brasileira de Pós-Graduação, v. 1, p. 183-194, 2004.
BRACHT, V. Por uma política científica para a educação física com ênfase na pós-graduação. In: FÓRUM
NACIONAL PERMANENTE DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA, 2006, Campinas.
Disponível em: <http://www.cbce.org.br/br/acontece/materia.asp?id=312>
LÜDORF, S. M. A. Panorama da pesquisa em Educação Física da década de 90: análise dos resumos de dissertações
e teses. Revista da Educação Física/UEM, Maringá, v. 13, n.2, p. 19-25, 2002.
LÜDORF, S.M.A.; ORTEGA, F.J.G. Marcas no corpo, cansaço e experiência: nuances do envelhecer como professor
de Educação Física. Interface (Botucatu), v.17, n.46, p.661-75,jul./set. 2013.
MANOEL, E. J.; CARVALHO, Y. M. Pós-graduação na educação física brasileira: a atração (fatal) para a
biodinâmica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.37, n.2, p. 389-406, mai./ago. 2011.
1. FÓRUM DE PESQUISADORES DAS SUBÁREAS SOCIOCULTURAL E PEDAGÓGICA. Cenários de um descompasso
da Pós-Graduação em Educação Física e demandas encaminhadas à CAPES. Disponível em:
<http://www.cbce.org.br/noticias-detalhe.php?id=1074>. Acesso em: 02 de abr. 2017.
SEÇÃO I

A REALIDADE DA PÓS-GRADUAÇÃO NAS PERSPECTIVAS


SOCIOCULTURAL E PEDAGÓGICA
SUBÁREAS SOCIOCULTURAL E PEDAGÓGICA NA
EDUCAÇÃO FÍSICA: AINDA A CAMINHO DO FIM
Prof. Dr. Silvio Telles (UERJ-UFRJ)
Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Líder do Grupo de Estudos em Escola, Esporte e Cultura (GPEEsC)
Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Exercício e do Esporte (UERJ)

Prof. Drª. Sílvia M. Agatti Lüdorf (UFRJ)
Professora Associada da Escola de Educação Física e Desportos da UFRJ. Coordenadora do Núcleo de Estudos
Sociocorporais e Pedagógicos em Educação Física e Esportes (NESPEFE)
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da EEFD/UFRJ

Prof. Dr. Erik Giuseppe Pereira (UFRJ)
Professor Adjunto da Escola de Educação Física e Desportos da UFRJ.
Líder do Grupo de Estudos Corpo, Esporte e Sociedade (GECOS)
Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da EEFD/UFRJ

O campo da Educação Física brasileira, principalmente o específico da pesquisa


sistemática, pode ser reconhecido como relativamente jovem, sendo os anos de 1970 e
1980 decisivos para a construção do que hoje conhecemos como projetos em Pós-
Graduação Stricto Sensu em Educação Física.
Em 1977 foi criado o primeiro curso de Mestrado em Educação Física do Brasil e da
América Latina, na Universidade de São Paulo (USP), que inclusive em março deste ano,
comemorou 40 anos de existência. Um marco para a área. Em 1979 na Universidade
Federal de Santa Maria, surge o segundo mestrado, seguido pelos Programas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (1980), da Universidade Gama Filho (1985), da
Universidade Estadual de Campinas (1988), da Universidade Federal de Minas Gerais e
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ambos em 1989. Neste último ano, na
USP, iniciaram-se as atividades do primeiro curso de doutorado do Brasil e da América
Latina.
A Escola Nacional de Educação Física e Desportos (ENEFD) fundada em 1939,
primeiro curso superior civil, já formava professores há 38 anos quando o primeiro
curso de mestrado surgiu. Médicos e militares ainda ditavam a tônica da área e havia
uma tendência clara na formação dos docentes nos aspectos técnico-esportivos e
biológicos. Partindo dessa premissa, o campo da pesquisa teve significativo impulso em
um espaço antes hegemonicamente desenvolvido em uma perspectiva interventiva,
militarista e higienista.
Em 1977, foi instituído pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino
Superior (CAPES), o Conselho Técnico-Científico da Educação Superior (CTC-ES),
responsável pelo sistema de avaliação de programas de pós-graduação. Em um
primeiro momento, o resultado das avaliações não se tornava público, sendo
informado apenas às instituições. Esse processo era divulgado através de conceitos
compreendidos entre A (Muito bom) e E (Insuficiente) (BARATA, 2016).
Desde desse período, muita coisa mudou. Atualmente, a área da Educação Física
conta com 37 programas em funcionamento, sendo 13 de Mestrado Acadêmico, dois de
Mestrado Profissional e 22 com cursos de Mestrado e Doutorado. Desta forma, houve
uma necessidade de desenvolver/aperfeiçoar normas que contemplassem as avaliações
e seus critérios para o credenciamento e manutenção, tanto dos Programas de Pós-
Graduação (PPG), como dos professores em seus respectivos programas.
Este capítulo, que se caracteriza como um ensaio, destina-se a propor reflexões
acerca das subáreas sociocultural e pedagógica que, juntamente à subárea da
biodinâmica (MANOEL e CARVALHO, 2011), compõem a Educação Física, inserida na
Área 21 da Grande Área da Saúde, conforme classificação da CAPES.
O objetivo é colaborar para ampliar a discussão sobre os limites e possibilidades que
se apresentam às subáreas sociocultural e pedagógica e, também, apresentar um
conjunto de proposições desenvolvidas por diversos pesquisadores da área que
procuram uma adequação do sistema de avaliação/credenciamento às peculiaridades
das subáreas em questão.

A AUTOFAGIA DE UM CAMPO
Em 2015 foi publicado na revista Nature o “Manifesto de Leiden sobre métricas de
pesquisa” dos autores Hicks et al. Neste artigo, é discutido que as formas como estão
sendo conduzidas as métricas de avaliação produzem distorções e julgamentos que não
representam de fato a competência e relevância de determinado grupo de pesquisa ou
pesquisador. Essa adoção métrica mundial tem alterado todo um modus operandi de
instituições e pesquisadores que acabam por reverberar um conjunto de ações que
induz a produção desenfreada, que quantifica e qualifica a partir do número, impacto e
citações de artigos. Com isso, as agências de fomento ou mesmo as Universidades criam
hierarquias pautadas nesses critérios gerando um ciclo vicioso e, muitas vezes, falho.
Ainda no manifesto, são elencados dez princípios das melhores práticas de avaliação.
Incorporando o discurso da importância do fator de impacto, esses princípios foram
publicados em um dos periódicos mais bem conceituados do mundo. Destacamos o 6º
princípio que tem como título “Considerar as diferenças entre áreas nas práticas de
publicação e citação”. Assim diz: “A melhor prática de avaliação é selecionar um
conjunto de possíveis indicadores e permitir que as distintas áreas escolham aqueles
que lhes são mais adequados” (HICKS et al., p.4).
Os atuais critérios construídos pela CAPES usam uma classificação considerando as
bases de indexação e as medidas de impacto bibliométrico, que por razões
epistemológicas, conduziram e conduzem o campo da Educação Física a uma espécie
de polarização. De um lado, a subárea Biodinâmica, e de outro, as subáreas
Sociocultural e Pedagógica, considerando-se a proposta de Manoel e Carvalho (2011)
quanto à atual divisão do campo da educação física:

A biodinâmica com​preende as atividades de pesquisa dentro de subdisciplinas como bioquímica do


exercício, biomecânica, fisiologia do exercício, controle motor, aprendizagem e desenvolvimento mo​-
tor, além de alguns campos aplicados, como nutrição esportiva e treinamento físico e des​portivo. As
linhas de pesquisa na biodinâmica são orientadas pelas ciências naturais[...]. A subárea sociocultural
trata de temas como es​porte, práticas corporais e atividade física nas perspectivas da sociologia, da
antropologia, da história e da filosofia. A subárea pedagógi​c a investiga questões relativas à formação
de professores, ao desenvolvimento curricular, aos métodos de ensino e à pedagogia do esporte, além
de tratar de aspectos metodológicos, so​c iais, políticos e filosóficos da educação (p. 392).

As concepções de ciência, pesquisa e métodos, oriundas das Ciências Naturais,


amparadas pelos pressupostos da ciência tradicional (SANTOS, 1999) diferem daquelas
advindas das Ciências Humanas e Sociais, gerando modos de pensar e de fazer ciência,
não melhores ou piores, mas diferentes, que impactam nas formas de avaliação.
Entretanto, essas diferenças pouco são levadas em consideração, principalmente pelo
fato da Educação Física, e especialmente a pós-graduação, ter se constituído sob a égide
da área da Saúde.
Essa subdivisão do campo da Educação Física e, em especial, as compreensões
diferenciadas sobre as formas de avaliação, até o momento, privilegiando a
Biodinâmica em detrimento das outras duas, têm produzido discussões que vêm se
agudizando. Exemplarmente, Hallal e Melo, (2017), Saura, Zimmermann e Rubio (2017),
Fórum de pesquisadores das subáreas Sociocultural e Pedagógica (2015), Castro (2015),
Lazzarotti Filho, Silva e Mascarenhas, (2014), Silva, Sacardo e Souza (2014), dentre
outros, clamam por critérios que possam atender às demandas da área como um todo,
levando em consideração as características e idiossincrasias que dão os limites e
possibilidades de cada subárea. Saura, Zimmermann e Rubio (2017) argumentam:

Ao longo deste período inicial dentro do campo da Educação Física, percebe-se que a tentativa de
adequar-se a parâmetros de áreas completamente diferentes ameaça, senão a sobrevivência, a
identidade ou originalidade da contribuição das humanidades (p. 114).

No mesmo tom, Hallal e Melo (2017) alertam para as consequências dessa divisão:

A seguir esse processo, inviabilizaremos o convívio entre as diferentes subáreas da Educação Física.
Com isso, daremos ‘‘um tiro no pé’’, esvaziaremos a força de nossas reivindicações e a importância de
nossa disciplina, algo que em última instância não vai fazer bem para qualquer um de nós envolvidos,
tampouco para a sociedade brasileira (p. 326).

O que causa inquietude naqueles que conduzem suas pesquisas no âmbito das
subáreas Sociocultural e Pedagógica é que essas reivindicações por paridade já
ultrapassaram mais de uma década e as demandas parecem muitas vezes as mesmas
de 13 anos atrás, como já denunciavam Betti e outros (2004): “Muitos docentes-
pesquisadores da subárea pedagógica/sociocultural concordam que a manutenção dos
critérios atuais de valoração das publicações poderá extinguir essa subárea em curto
prazo” (p. 188 ).
O campo da Educação Física em sua formação primária está dividido em
bacharelado e a licenciatura. Tais cursos têm (ou deveriam ter) características distintas,
onde o primeiro habilita o graduado ao mercado de trabalho da área, com exceção do
ambiente escolar, ao passo que a licenciatura o habilita para atuação na educação
básica. É possível depreender, a partir da pluralidade de possíveis intervenções, a
importância de se valorizar todas as subáreas da Educação Física. Apesar de haver
debates sobre a pertinência desse modelo ou de uma formação unificada, ainda o
licenciado representa a maioria de profissionais que são lançados no mercado de
trabalho.
Em 01 de agosto de 2017, uma pesquisa divulgada no portal G1, mostra números
sobre o ingresso nos cursos de Educação Física pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu),
que podem apontar uma tendência do campo. Em 2015, segundo a pesquisa, 35 mil
estudantes se formaram em educação física, sendo que 60% destes em licenciatura.
Contudo, apesar de ser a maioria, em 2010 esse percentual era de 71%. Ainda segundo a
pesquisa, a Educação Física foi a 11ª profissão em número de abertura de vagas entre
2009 e 2012. Esse crescimento no número de bacharéis é atribuído à expansão das
academias e à legitimação da Educação Física no campo da saúde. Soma-se a isso a
desvalorização do profissional de educação que constantemente vêm perdendo
prestígio em nossa sociedade.
Silva, Sacardo e Souza (2014) apresentam diversas ações das políticas do Plano
Nacional de Pós-Graduação dos últimos dois ciclos (2005-2010 e 2011-2020) que vêm
sendo objeto de indução e envolvem a Educação Básica. Os autores denominam tais
ações como “Pacote CAPES para a Educação Básica Brasileira2”. No bojo dessas
proposições coadunamos com ideia de que a Educação Física tem forte vinculação ao
campo da Educação. Apesar dessas ações e observando a pesquisa citada, o que vemos
é uma retração do campo de formação dos licenciados. Essa tendência é ainda, ao nosso
ver, ratificada pela política de avaliação imposta pela área 21, onde se percebe uma
dificuldade cada vez maior dos orientadores vinculados às subáreas Sociocultural e
Pedagógica em permanecerem credenciados ou ainda se credenciarem nos programas,
o que a médio e longo prazo ocasionará uma redução de vagas para profissionais que
buscam aperfeiçoar-se nos preceitos das ciências humanas e sociais no campo da
educação física, em especial aqueles afetos a subárea pedagógica.
Essa perspectiva desvela o alinhamento do campo acadêmico ao processo contínuo
de desvalorização do professor da educação básica. A discrepância nos critérios de
avaliação da CAPES já pode ser sentida quando se busca desenvolver pesquisas em
nível de doutorado. Como exemplo, no Rio de Janeiro, há apenas cinco professores que
se filiam originalmente às subáreas Sociocultural e Pedagógica que, em tese, são
aquelas que têm uma demanda maior por profissionais vinculados ao âmbito escolar.
Entendemos que são realizados estudos na Biodinâmica vinculados à escola, mas
hegemonicamente esse não é o foco das pesquisas que dão os contornos a essa subárea.
A redução de vagas para esses profissionais que buscam aperfeiçoamento e
pesquisas nessa esfera desacelera o desenvolvimento do campo da Educação Física
dentro da escola. Destacamos que as discussões sobre como enfrentar a desvalorização
do profissional têm espaço privilegiado também na área Sociocultural. Assim, as três
subáreas se complementam, devendo ser buscada uma equiparação de possibilidades.
De fato, concordamos com Lazzarotti Filho e outros (2014) ao afirmar que as
disputas dentro do campo da Educação Física sempre aconteceram. Desde os anos de
1930 quando médicos e militares buscavam a construção do campo, até os anos de 1980
quando o pensamento renovador foi determinante para romper com uma visão
marcadamente biologicista, há uma atuação interventiva e de produção do
conhecimento polarizada dos atores envolvidos. Sobre o quartel final do século XX
destacamos Oliveira (1985), Coletivo de Autores (1992) e Kunz (1994), que dentre outros
autores, trouxeram à discussão novas características necessárias ao professor de
educação física. Desde então, conhecer o corpo humano e ensinar a “jogar bola”,
tornou-se muito pouco para uma formação global do professor.
Esta crise teórica, concomitantemente à uma crise epistemológica que colocava em
xeque se a Educação Física era uma ciência ou um campo interventivo acompanhou a
produção do conhecimento a partir do final da década de 1980 e foi essencial para
desencadear uma maior criticidade em toda uma geração de professores. De modo
ilustrativo, a Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro, especialmente entre 1985 e o
início dos anos 2000, tornou-se um pólo importante de discussões no âmbito das
subáreas Sociocultural e Pedagógica. Docentes como Victor Marinho de Oliveira,
Manoel Gomes Tubino, Hugo Lovisolo, Nilda Teves, Sebastião Votre, Helder Guerra de
Resende, dentre outros, foram marcantes para a deflagração, manutenção e discussão
de referenciais teóricos advindos das ciências humanas e sociais, que muito
contribuíram para a área.
E se fosse hoje?
Possivelmente aconteceria com alguns desses professores o que relatam Silva,
Sacardo e Souza (2014), uma migração de mentes da Educação Física para outras áreas.
Os autores apresentam um quadro com diversos doutores que atuam em todo o Brasil
em outros programas de pós-graduação, que não aqueles ligados à Educação Física. De
fato, essa tendência se materializa, como também detectado em Baptista e Lüdorf
(2016), a partir do estudo do conceito de educação do corpo, cuja utilização é feita
primordialmente por professores de Educação Física que atuam na área da educação.
Com essa fuga de nossos intelectuais para outras áreas, perdemos oportunidades de
avançarmos nas mais variadas possibilidades de desenvolvimento das questões da
Educação Física.
Lazzarotti Filho et al. (2014) e Castro et al. (2017) já discutem essa tensão entre as
subáreas à luz da Teoria do Campo de Pierre Bourdieu. Essas reflexões ajudam a dar
contornos mais exatos ao fenômeno que vem se configurando como autofágico. Essa
disputa dentro do campo em busca de uma maior demarcação por espaço social forja
um habitus 3 próprio oriundo das lutas entre os agentes e instituições em torno do
capital específico e dos objetos de disputa.
O campo científico é um mundo social e como tal, faz imposições e solicitações, que
são, no entanto, relativamente independentes das pressões do mundo social global que
o envolve. Os campos se apresentam segundo Bourdieu (1983, p. 89) “Como espaços
estruturados de posições, cujas propriedades dependem das posições nestes espaços,
podendo ser analisadas independentemente das características de seus ocupantes”.
Com base no conceito de campo de Bourdieu (1983), invariavelmente existe uma
relação entre o microcosmo e o macrocosmo, mas o primeiro dispõe de certa
autonomia, que varia de campo para campo. Essa relativa autonomia é que torna as leis
internas dos campos ou subcampos (talvez subáreas) distantes do macrocosmo.
Identificar essa autonomia é um dos dilemas na elucidação da construção e
funcionamento do campo. Por isso, interessa-nos saber qual a natureza das pressões
externas, a forma sob a qual elas se exerceram e sob quais formas se manifestam as
resistências que caracterizam a autonomia, ou seja, quais são os mecanismos que o
microcosmo aciona para se libertar dessas imposições externas e ter condições de
reconhecer apenas suas próprias determinações internas.
As pressões externas são em grande parte observadas a partir da necessidade de
internacionalização do campo de pesquisa da Educação Física. O Fórum de
pesquisadores das subáreas Sociocultural e Pedagógica, realizado em 2014, discutiu que
apesar da língua inglesa ser predominante, essa se articula em maior escala com as
Ciências Naturais sendo para as Ciências Humanas e Sociais, apenas mais uma
opção:“Condicionar a permanência das subáreas sociocultural e pedagógica à
priorização de veiculação de sua produção em periódicos de língua inglesa é uma
atitude que pode ter todos os motivos menos o racional e o acadêmico (p. 8).
Segundo o Fórum (p. 6):

O fator de impacto dos periódicos das ciências sociais e humanas será sempre menor do que o das
ciências naturais por força do modo de cálculo que desconsidera peculiaridades da constituição
bibliométrica de cada ciência, logo, os docentes das subáreas sociocultural e pedagógica sempre
estarão em desvantagem em relação a seus colegas da subárea biodinâmica quando o elemento de
comparação for fator de impacto, índice h, entre outros.

Tal condicionamento também acontece devido ao uso dos fatores de impacto, em


especial o Journal Citation Reports (JCR) que segundo o Fórum, são adotados sem
critérios, desconsiderando as peculiaridades das Ciências Humanas. Assim, com uma
oferta demasiadamente maior de periódicos internacionais vinculados à língua inglesa
com altos fatores de impacto, ancorados nas Ciências Naturais, é de se esperar que
aconteça um aumento exacerbado e contínuo da mediana de produção de
pesquisadores da Biodinâmica, elevando o nível de exigência, a ponto de praticamente
impedir de ser alcançado pelos pesquisadores das outras duas subáreas.
Em Hicks et al. (2015) o princípio de número 3 das melhores práticas de avaliação
intitulado “Proteger a excelência da pesquisa localmente relevante” denuncia
justamente essa pressão em publicação na língua inglesa e explica que tal imposição
termina por prejudicar diversas áreas como as ligadas as ciências sociais.

Neste processo, perde-se a especificidade dos sociólogos em revistas espanholas de alto impacto: temas
como leis trabalhistas locais, serviços de saúde familiar para idosos ou empregabilidade de
imigrantes. Os indicadores baseados nas revistas de alta qualidade publicadas em outros idiomas
diferentes do Inglês devem identificar e premiar as áreas de pesquisa de interesse local (p.3).

Percebemos que a manutenção desse panorama não afeta os pesquisadores da


subárea vinculada à Biodinâmica que atualmente rege os destinos da área 21. Podemos
identificar que os agentes sociais que definem os rumos da área, parecem se
movimentar com relativa morosidade para apresentar soluções que atendam as
demandas apresentadas, Essa tensão entre os agentes sociais poderia manifestar-se
através da discussão quanto às normas que regem o interior do campo e isso deveria
ser exaustivamente exercitado para que exista um equilíbrio de forças.
Bourdieu (1983) explica que a estrutura de um campo é um estado da relação de
força entre os agentes ou instituições engajadas na luta ou, se optarmos, da distribuição
do capital específico4 que acumulado no curso das lutas anteriores, orienta as
estratégias posteriores. Entendemos que a luta e a disputa pressupõem no mínimo um
acordo entre os antagonistas sobre o que será disputado. Bourdieu reforça que em um
estado determinado de relação de força, aqueles que monopolizam o capital específico
tendem a desenvolver estratégias de conservação, controlando a produção de bens
culturais levando com isso à defesa e manutenção da ortodoxa. Já os que não
concordam com o referido monopólio tendem às estratégias de subversão.
A hetorodoxia enquanto ruptura crítica, onde se constroem as discussões
subversivas da Área 21, são frequentemente ligadas ao desenvolvimento de uma crise e
cabe aos dominantes a tentativa da manutenção da doxa. Os dominantes do campo
criam um discurso defensivo impondo um pensamento de direita, visando com isso
restaurar e ou manter a ortodoxa anteriormente pregada (BOURDIEU, 1983).
Interessante que segundo Hallal e Melo (2017), houve um diálogo mais próximo, em
dado momento, ou ao menos uma boa convivência, entre os agentes envolvidos com
as formas de produção do conhecimento da educação física, mesmo que uma área
tenha se sobrepujado à outra ou que tenha existido alguma tensão na definição dos
destinos do campo. Os autores ainda afirmam que talvez, a busca por uma consolidação
do campo, mais ligada à intervenção do que à pesquisa, possa ter sido o motivo que
desenvolveu uma menor lacuna, do que os atuais, entre os personagens.
Segundo Bourdieu, (2004) a autonomia dos campos é o que torna possível sua
compreensão. Sua autonomia se dá principalmente pelo seu poder de refração. Quanto
mais autônomo for um campo, maior será o seu poder de refração. A refração de um
campo transfigura as imposições externas a ponto das mesmas se tornarem
perfeitamente irreconhecíveis. O grau de autonomia dos campos tem por indicador
principal seu poder de refração.
Lazzarotti Filho e outros (2014) apontam que o campo da pesquisa em educação
física oferece indícios que sua autonomia está em fase de construção, mas já altera as
forças dentro da disputa. O fato desse espaço ainda ser recente no campo ainda detém
pouco poder de refração e de retradução das interferências externas. Atribui-se a isso
que grande parte dos doutores pesquisadores tenham feito sua formação em outras
áreas, o que acaba por trazer um fazer científico diferente. Os autores apontam que na
última década há um processo significativo de aumento da pesquisa na educação física
e tal situação tem diluído o debate pedagógico levando a uma mudança gradual do
modus operandi dos agentes sociais. Assim, os objetos em disputa migram dos debates
sobre as teorias pedagógicas e sobre a escola, discussão marcante nos anos 1980 e 90
para a prática científica sistemática no início do século XXI. Interessante que os
mesmos autores mencionados utilizam os escritos de Bracht (2003, p. 16), que na
vanguarda dos acontecimentos à época já apontava o que vivenciamos hoje: “quanto
mais nos subordinamos aos processos de avaliação da Coordenação de Melhoria de
Pessoal de Nível Superior (Capes) que normatiza e estrutura produção científica
brasileira, mais nos distanciamos da escola”.
Concordamos com Lazzarotti Filho e outros (2014) que esse novo modus operandi,
que alterou os objetos de disputa no campo, em virtude das diferenças significativas no
tocante à origem epistemológica das ciências mãe, que dão contorno as subáreas, tem
dificultado possíveis acordos, mesmo que tácitos, dentre os agentes da comunidade
acadêmico científica da Educação Física brasileira. Desta forma é determinante que
haja uma ampliação do debate para que a pluralidade e a diversidade sejam cada vez
mais valorizadas.

PROPOSTAS E ENCAMINHAMENTOS: O CLAMOR DOS PESQUISADORES


Mas o que fazer nesse panorama?
Não são poucas as sugestões destinadas a CAPES com o intuito de sensibilizar aqueles
que hoje detêm os poderes decisórios. Acreditamos que muitas possibilidades de
mudança esbarram no atual paradigma em que a ciência mundial está ancorada.
Contudo, sugestões podem e devem ser discutidas para possibilitar a
representatividade, tanto qualitativa quanto quantitativamente, dos pesquisadores das
subáreas sociocultural e pedagógica nos programas de pós-graduação ligados à
Educação Física.
Diversos são os autores que produzem reflexões, promovem eventos e sugerem
ações nesse sentido. Silva, Sacardo e Souza (2014), exemplarmente, propõem quatro
ações que poderiam ser implementadas:
1. Tensionar a Área 21;
2. Adaptar-se à Área 21;
3. Criar subáreas ligadas à Educação Física no interior de outras áreas onde atuem
egressos do campo e;
4. Migrar ou Submeter APCN´s à Área 46 (Ensino).
O Fórum dos pesquisadores das subáreas Sociocultural e Pedagógica, por sua vez,
desenvolveu um documento que apresenta um conjunto de proposições endereçado à
CAPES. No total foram elencados oito itens, frutos de três encontros entre os anos de
2014 e 2015:
1. A reorganização da Educação Física como área autônoma;
2. Operacionalizar avaliação distinta entre as subáreas;
3. Valorização da diversidade nos PPGs;
4. Aperfeiçoamento do Qualis-Livros;
5. Institucionalização do Qualis-Congressos;
6. Aperfeiçoamento do Qualis-Periódico;
7. Política orientada para os jovens pesquisadores;
8. Participação nas Comissões de Avaliação.
Castro (2015), Manoel e Carvalho (2011), e Betti et al. (2004), sugerem ações que
coincidem ou tangenciam as propostas do Fórum. Muitas dessas propostas se
coadunam com o Manifesto de Leiden. As críticas sobre a imperiosa necessidade de se
compreender as características e peculiaridades de áreas distintas aproximam-se, em
certa medida, das proposições do Fórum.
A nosso ver, as propostas convergem para que as produções derivadas das subáreas
sociocultural e pedagógica sejam compreendidas em suas particularidades. O fato da
Educação Física estar alocada na Grande Área da Saúde, na Área 21 da CAPES,
juntamente da Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, corrobora para o
fortalecimento das diretrizes pautadas nas ciências naturais e biológicas. Ao mesmo
tempo em que nos fortalecemos, ao nos aliar aos outros campos considerados
emergentes, estamos subsumidos às lógicas da Grande Área da Saúde, conforme
exposto, que pouco favorecem as subáreas sociocultural e pedagógica.
Bracht (2006) argumentava que a alocação da área da Educação Física poderia ser na
Grande Área da Saúde como na das Ciências Humanas, ao passo que outra alternativa
considerada seria uma possível emancipação da Educação Física da Área 21. Conforme
o Documento de Área da Educação Física (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2016a):

Assimetrias internas da área também têm sido observadas em que a subárea da Educação Física
apresenta o maior número de programas (32 Mestrados e 18 Doutorados), a subárea da Fisioterapia
apresenta o segundo maior volume de programas (20 Mestrados e 10 Doutorados). A Fonoaudiologia
apresenta um número menor de programas (9 Mestrados e 6 Doutorados), enquanto a Terapia
Ocupacional é a menor área e conta com apenas 1 programa (1 Mestrado e 1 Doutorado).

Devido ao número de PPG da Educação Física, talvez fosse possível emancipar-se da


área e ainda subdividir-se em duas, como ocorre, por exemplo, com a Engenharia,
Medicina e Ciências Biológicas, que possuem mais de uma subdivisão.

No entanto, as dificuldades sentidas por nossa área assemelham-se às da Saúde


No entanto, as dificuldades sentidas por nossa área assemelham-se às da Saúde
Coletiva, apresentadas em seu Documento de Área (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO,
2016b), que aponta como um dos desafios a serem enfrentados, os “desequilíbrios na
qualificação da produção científica nos três eixos disciplinares constituintes da Saúde
Coletiva” (p. 12). O mesmo documento aponta como um dos encaminhamentos e
recomendações para o fortalecimento da área no Sistema Nacional de Pós-Graduação:

Rever critérios do Qualis da área de Saúde Coletiva de forma a reduzir os desequilíbrios na


qualificação de periódicos oriundos dos três eixos constituintes da Saúde Coletiva (Epidemiologia;
Ciências sociais e humanas em saúde; Políticas, planejamento e gestão de sistemas e serviços de
saúde) (p.12).

É importante destacar que não se trata de negar que um dos itens avaliativos da
produção intelectual seja publicar em periódicos científicos qualificados, especialmente
nos estratos superiores, como recomendado, tampouco seja nosso desejo não se
submeter a avaliações. Interessa-nos, na verdade, vermos nossas produções
qualificadas em seus devidos contextos e singularidades, respeitando-se as diferenças
epistemológicas que, a princípio, deveriam enriquecer nossa Educação Física, ao invés
de promover o seu desmonte.
Vislumbra-se, a partir do Documento de Área da Educação Física, tentativas de
minimizar esse fato:

A Área 21 buscou preservar a identidade das subáreas de estudo que permeiam seus programas e
adotou duas importantes decisões. A primeira foi a manutenção da glosa aplicada sobre produtos
(artigos, livros e produtos técnicos) que não possuem relação com a área de concentração, linhas e
projetos de pesquisa definidos pelos próprios programas. A segunda foi estratificar diferenciadamente
os periódicos da área, utilizando uma classificação que permitiu alocar nos estratos mais elevados
veículos com alta identidade e relevância para a área, sem, no entanto, deixar de primar pela
qualidade desses periódicos. [...] O melhor entendimento das diferenças dos objetos de estudo da área
foi a discriminação dos fatores de impacto nas áreas de estudo que envolvem aspectos socioculturais e
humanos dos aspectos físicos e biológicos da ciência. A área passou a adotar medianas diferenciadas
para revistas classificadas pela Thompson Reuters como Science (SCIE) e Social Science (SSCI). Essa
política tende a minimizar os efeitos das diferenças que reconhecidamente marcam as áreas SCIE e
SSCI (p. 8).

Para além dos critérios estabelecidos para periódicos, é importante contemplar a


diversidade da produção intelectual. Apesar de livros, capítulos de livro, palestras,
eventos, trabalhos apresentados em congressos etc, pesquisadores são rotulados,
muitas vezes, como improdutivos, mas estão longe disso.
Um aspecto importante a ser considerado é que a ciência contemporânea, na linha
do que adiantava Santos (1999) evolui em grande medida a partir de temáticas que são
atravessadas pelas mais diferentes especialidades. Nesse intercruzamento,
pesquisadores que se envolvem com temáticas como saúde, gênero, corpo e cultura,
políticas públicas, formação, dentre outras, publicam e participam ativamente de
fóruns, de certo modo, pouco reconhecidos no âmbito avaliativo da Educação Física.

Vejamos o que está escrito no Documento de Área da Medicina I (quadriênio 2013-


Vejamos o que está escrito no Documento de Área da Medicina I (quadriênio 2013-
2016), considerada “altamente consolidada”:

A área de Medicina I tem efetivamente estimulado a multidisciplinaridade em torno do


desenvolvimento de projetos de formação e de produção do conhecimento focados em áreas temáticas.
Assim, de um perfil de Cursos e Programas que se sobrepunham de forma indistinta às especialidades
médicas (o que tornavam os programas inconsistentes e próximos à especialização e o lato sensu),
atualmente, a área 15 - Medicina I é caracterizada por programas, em 70% dos casos,
multidisciplinares por proposta; [...]. Embora persistam programas/cursos em especialidades médicas,
estes agregam docentes de diferentes áreas do conhecimento produzindo ciência em uma área
temática. Em virtude do exposto, a existência de um Programa de Pós-Graduação (PPG) cuja essência
busca a interdisciplinaridade é bem-vinda. Portanto, na área de Medicina I a Interdisciplinaridade é
uma característica e tem decorrido de um processo evolutivo natural inerente à maioria dos PPG.
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2016c)

Da maneira como os caminhos se desenham, a Educação Física parece caminhar


para o oposto, qual seja, eliminar a riqueza de olhares para os fenômenos sociais que se
constituem em objetos de estudos e de intervenções de nossa área, e produzir,
equivocadamente, visões conformadas apenas a partir de matrizes biológicas ou
naturais.
Neste sentido, é preciso que os critérios e políticas da pós-graduação, em especial
para a Educação Física, sejam acompanhados e continuamente debatidos pela
comunidade acadêmica, no sentido de diminuir esse desequilíbrio que tem gerado
efeitos nefastos para a subsistência das subáreas sociocultural e pedagógica na pós-
graduação em Educação Física.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
São inegáveis os avanços nas formas de avaliação às quais são submetidos os cursos de
Pós-Graduação Stricto Sensu em todo o Brasil. As políticas pró-ciência potencializaram o
surgimento de programas que atingiram um grau de produção que expôs a pesquisa
nacional a patamares até então inalcançáveis. Especialmente no campo da Educação
Física, houve o recrudescimento do número de programas de pós-graduação e
aumento expressivo na quantidade de artigos científicos publicados em estratos
superiores (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2016a).
Ao mesmo tempo, contudo, segundo Lazzarotti Filho e outros (2014), as formas de
mensuração da produtividade científica modificaram o modus operandi de toda uma
área. Enquanto entre os anos de 1980 até o início do século XXI os dilemas repousavam
sobre as discussões teóricas, ontológicas e epistemológicas, agora a crise reside no
desenvolvimento de um diálogo onde um praticamente não escuta o que o outro fala.
As subáreas Sociocultural e Pedagógica, há mais de uma década, vêm buscando
formas de coexistir com o alargamento da subárea da Biodinâmica. Grande parte dos
parâmetros que balizam e mensuram a produção na Área 21, mas não só a dela,
desembocam em uma situação onde o que se produz nas duas primeiras, parece, aos
olhos da segunda, algo que não se enquadra nos paradigmas forjados pelo sistema
controlador da área. Assim, de forma autofágica uma subárea parece sufocar as outras.
Sufoca porque os critérios, até então, têm privilegiado uma métrica que não
compreende as peculiaridades de produzir conhecimento das áreas vinculadas as
Ciências Humanas e Sociais.
Some-se a isso, o fato de que o nível de produtividade, muitas vezes alcançado pela
subárea biodinâmica, não é possível de ser acompanhado pelas subáreas sociocultural
e pedagógica, dadas as diferentes naturezas de se fazer pesquisa e de se divulgá-la. Com
isso, não raro, os PPG se defrontam com o dilema da manutenção ou
descredenciamento de docentes que não alcançam o patamar exigido, fato este que
impacta mais aqueles das subáreas sociocultural e pedagógica e, por consequência, a
formação de futuros mestres e doutores nessas vertentes.
Por outro lado, em um PPG que busca elevar sua nota, os critérios para
credenciamento e respectivas pontuações são difíceis de serem atingidos por
professores que desejam se credenciar, especialmente das subáreas sociocultural e
pedagógica. Assim, a renovação que se esperaria fica cada vez mais dificultada e as
discrepâncias entre as subáreas se acentuam.
Longe da pretensão de esgotar o debate, esperamos que esse livro, bem como as
discussões aqui apresentadas, possam colaborar para que o campo da Educação Física
aproxime-se, senão de um equilíbrio, de uma diminuição das distâncias vivenciadas
pelas subáreas que o compõem. Assim, espera-se que o desenvolvimento da área seja
pleno e possibilite aos mais variados tipos de pesquisa um tratamento métrico
adequado, sem que com isso a qualidade, a tanto custo buscada, seja prejudicada.

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OLIVEIRA, V. M. Educação Física humanista. Rio de Janeiro: Shape, 1985.

2. Pacote CAPES para a Educação Básica Brasileira segundo Silva, Sacardo e Souza (2014): Diretorias de Educação
Básica Presencial (DEB) e de Educação a Distância (DED), Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência (PIBID), Programa de Consolidação das Licenciaturas (Prodocência), Plano Nacional de Formação de
Professores da Educação Básica (Parfor), Novos Talentos, Programa de Apoio a Laboratórios Interdisciplinares de
Formação de Educadores (LIFE), Licenciaturas Internacionais e a criação da área de Ensino.
3. “O habitus mantém com o mundo social que o produz uma autêntica cumplicidade ontológica, origem de um
conhecimento sem consciência, de uma intencionalidade sem intenção e de um domínio prático das
regularidades do mundo que permite antecipar seu futuro, sem menos precisar colocar a questão nesses termos”
(BOURDIEU, 2004, p. 24),
4. Para Bourdieu o capital específico configura-se como o fundamento de dominação ou autoridade específica de
um campo e que o mesmo tem validade em um determinado campo, ou seja, dentro dos limites internos desse
campo.
REALIDADES DA PÓS-GRADUAÇÃO EM
EDUCAÇÃO FÍSICA: MANUTENÇÃO OU
DESMONTE DAS SUBÁREAS SOCIOCULTURAL E
PEDAGÓGICA?
Profª. Drª. Sílvia Maria Agatti Lüdorf
Professora Associada da Escola de Educação Física e Desportos da UFRJ. Coordenadora do Núcleo de Estudos
Sociocorporais e Pedagógicos em Educação Física e Esportes (NESPEFE).

Prof. Ms. Pedro Henrique Zubcich Caiado de Castro
Professor das Faculdades São José. Pesquisador do Núcleo de Estudos Sociocorporais e Pedagógicos em Educação
Física e Esportes (NESPEFE).

A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO CIENTÍFICO EM EDUCAÇÃO FÍSICA


NO BRASIL
A produção de conhecimento científico em Educação Física está intimamente
relacionada ao desenvolvimento da Pós-Graduação no Brasil. Os Programas de Pós-
Graduação se constituem, em princípio, o celeiro dos estudos que promovem as
inovações, o aprofundamento de questões centrais para a Educação Física em todas as
suas vertentes e o repensar das práticas e intervenções.
Não restam dúvidas de que a Educação Física é um campo multidisciplinar, cuja
pluralidade teórico-epistemológica comporta investigações sob diferentes enfoques
temáticos e vertentes metodológicas (SÁNCHEZ GAMBOA, 2007). Manoel e Carvalho
(2011) afirmam que na década de 90 houve uma mudança gradual na estruturação dos
Programas de Pós-Graduação em Educação Física (PPGEF): “O termo educação física foi
mantido, mas houve a proposição de diferentes áreas de concentração com inspiração
no movimento disciplinar. Cada área de concentração correspondeu a uma subárea,
sendo identificadas três: biodinâmica, sociocultural e pedagógica” (p. 392).
Ao analisar a produção cientifica dos PPGEF na década de 90, foi possível observar o
aumento considerável dos trabalhos na perspectiva interpretativa, associada
normalmente às pesquisas das vertentes sociocultural e pedagógica (LÜDORF, 2002).
Ainda que as abordagens empírico-analíticas preponderassem, havia indícios
promissores do desenvolvimento de novos olhares para as questões da Educação Física
sob os prismas sociocultural e pedagógico. Entretanto, o novo milênio guardava novos
rumos para a Educação Física.

Se na década de 90 as subáreas sociocultural e pedagógica pareciam apresentar


Se na década de 90 as subáreas sociocultural e pedagógica pareciam apresentar
fortes indícios de consolidação, quando os estudos nessa vertente alcançaram
representatividade significativa no âmbito da Pós-Graduação em Educação Física, no
novo milênio há indicativos bastante diferentes. Manoel e Carvalho (2011), Rosa e Leta
(2011) e Maia da Silva e Soriano (2014) têm observado que as pesquisas científicas na
área, nos últimos anos, possuem majoritariamente enfoque temático e metodológico
ancorado em sua faceta biodinâmica. Rigo, Ribeiro e Hallal (2012) argumentam que não
só as investigações tendem ao viés biológico da Educação Física, como também o
número de docentes pesquisadores na área é consideravelmente superior dentro desta
concepção científica.
Diante deste panorama, como estaria se configurando a participação das vertentes
sociocultural e pedagógica nos PPGEF? E mais especificamente, no Rio de Janeiro? O
que mudou da década de 90 para o tempo atual?
Pretendemos, neste trabalho, analisar determinados aspectos da produção científica
em Educação Física desde a década de 90 até a atualidade, na perspectiva de
problematizar a situação das subáreas sociocultural e pedagógica, com foco no Rio de
Janeiro.
Conhecer aspectos desta trajetória da configuração da Pós-Graduação em Educação
Física pode lançar luzes sobre a compreensão do panorama atual. A partir dessa
análise, discutiremos até que ponto está havendo a manutenção ou o desmonte dessas
vertentes, paradoxalmente, tão importantes e tão difíceis de se manter no nível da Pós-
Graduação brasileira, uma vez que o crescimento parece uma hipótese bastante
remota.
Além da literatura ligada ao tema, serão utilizados alguns subsídios empíricos
decorrentes do estudo de Lüdorf (2002) e de dados gerados pelo projeto de pesquisa “O
panorama da produção científica em Educação Física no novo milênio”5.

A DÉCADA DE 90: ESPECIFICIDADES DAS SUBÁREAS NAS FORMAS DE


CAPITAL CIENTÍFICO
Em época que a Internet, no contexto brasileiro, dava seus primeiros passos, as
dissertações e teses de Educação Física costumavam ficar confinadas nas prateleiras das
bibliotecas, em sua versão impressa. Algumas dessas produções geravam livros ou
mesmo, alguns artigos, esses últimos prioritariamente produzidos pela subárea
biodinâmica.
Algumas diferenças entre as subáreas da Educação Física, no que se refere ao modo
de produção e de divulgação de conhecimento científico, já eram percebidas. Para
compreendê-las minimamente, vamos utilizar algumas noções propostas por Bourdieu
(2004), como a de campo e de capital, mais especificamente, atreladas ao campo
científico.

Dotado de leis próprias, o campo científico possui relativa autonomia, a depender da


Dotado de leis próprias, o campo científico possui relativa autonomia, a depender da
natureza das pressões externas, da forma como se exercem e das formas como se
manifestam as resistências, dentre outros fatores (BOURDIEU, 2004). O campo científico
é “um campo de forças e um campo de lutas para conservar ou transformar esse
campo de forças.” (BOURDIEU, 2004, p 22-23). Ainda para o autor, o que comanda o
campo é a estrutura das relações objetivas entre os agentes ou a posição que ocupam
nessa estrutura, que “é determinada pela distribuição de capital científico num dado
momento. Em outras palavras, os agentes (indivíduos ou instituições) caracterizados
pelo volume de seu capital determinam a estrutura do campo em proporção ao seu
peso, que depende do peso de todos os outros agentes, isto é, de todo o espaço” (p. 24).
Neste sentido, “os pesquisadores ou as pesquisas dominantes definem o que é, num
dado momento do tempo, o conjunto de objetos importantes, isto é, o conjunto das
questões que importam para os pesquisadores, sobre as quais eles vão concentrar seus
esforços e, se assim posso dizer, ‘compensar’, determinando uma concentração de
esforços de pesquisa” (p. 25).
Considerando a Educação Física como campo científico, na perspectiva de Pierre
Bourdieu, as formas de acumulação de capital científico eram, de certa maneira,
peculiares a depender da subárea. Enquanto as subáreas sociocultural e pedagógica
eram, em grande medida, caracterizadas por teóricos de destaque, que lançavam livros
de grande repercussão, muitas vezes reeditados e que se tornariam referências
importantes para a Educação Física, os laboratórios de pesquisa na área da biodinâmica
do movimento e seus líderes acumulavam capital científico, dentre outros modos, por
meio dos artigos publicados, muitas das vezes, internacionalmente. Cabe ressaltar que
um modo não excluía o outro, já que os artigos e livros eram publicados nas duas
vertentes.
Alguns dos autores da década de 90, contudo, principalmente das vertentes
pedagógica e sociocultural, são lidos até hoje, em obras que ainda se mantêm em listas
de bibliografias recomendadas para concursos públicos para professores de Educação
Física Brasil afora. Ainda que vários desses livros tenham sofrido críticas, há de se
compreender que retratavam o contexto histórico-social da época. O fato é que estas
subáreas não possuíam a “cultura” de produção de papers, e tampouco o artigo
científico era reconhecido como um capital valioso para o campo da Educação Física,
como o é hoje, diante do peso que lhe é atribuído.
Mais do que uma demanda espontânea do campo da Educação Física, a veiculação
em artigos científicos é fruto de um movimento que marca a ciência atual –
principalmente nas ciências Naturais. Entretanto, Betti e colaboradores (2004) destacam
a perenidade que a prática de divulgar e debater o conhecimento em eventos
científicos e no formato de livros possui, historicamente, na área.
Some-se a isso, a peculiaridade dos estudos desenvolvidos pelas vertentes
sociocultural e pedagógica, dentre os quais podemos mencionar: o tempo de gestação e
maturação das investigações, o envolvimento do pesquisador, o processo de construção
do objeto de estudo, a necessidade de explanar o referencial teórico etc, elementos
estes, um tanto difíceis de condensar em poucas laudas.
Na vertente biodinâmica, por sua vez, já se produziam artigos para periódicos
científicos, ou ainda, para serem publicados em anais de eventos científicos
especializados, como ocorria com a biomecânica ou fisiologia do exercício. Pela própria
natureza dos estudos nessa subárea, a forma de produção se encaixava no formato
IMRAD (Introduction, Methods, Results and Discussion, ou Introdução, Métodos,
Resultados e Discussão), exigido para artigos científicos, principalmente na área
biomédica (LÜDORF, 2017).
Em que pesem essas diferentes formas de produção científica, as dissertações e teses
produzidas nos PPGEF poderiam ser consideradas as molas propulsoras dos estudos,
posteriormente divulgados nos formatos variados. Afinal, muitos dos trabalhos de
mestrado e doutorado são gerados pelos projetos de pesquisa conduzidos pelos
docentes dos programas. Aliás, a coerência entre áreas de concentração, linhas de
pesquisa, projetos de pesquisa e produções derivadas, constitui-se em item
fundamental na avaliação dos programas de Pós-Graduação.
É importante mencionar também que nem sempre o conhecimento científico em
Educação Física era produzido nos PPGEF, mas poderiam ser derivados de programas
de antropologia, sociologia, educação, biofísica, fisiologia, dentre muitos outros. Assim,
caracterizando-se a diversidade epistemológica do campo científico da Educação Física
e, de certa maneira, demonstrando que tais produções acompanhariam o modus
operandi das respectivas áreas.

A REPRESENTATIVIDADE DO RIO DE JANEIRO NA PÓS-GRADUAÇÃO


EM EDUCAÇÃO FÍSICA DESDE A DÉCADA DE 90
Argumentamos que a produção científica derivada dos PPGEF de maneira geral, e
daqueles voltados à Educação Física, no nosso caso, se constituem em valiosa fonte
documental para se analisar o campo científico do ponto de vista epistemológico.
Mesmo que essa produção seja disseminada em outros formatos, ainda a dissertação e
tese constituem, muitas das vezes, o núcleo germinal desses estudos.
Nesse sentido, é importante o reconhecimento do esforço realizado pelo Núcleo
Brasileiro de Dissertações e Teses em Educação Física e Esportes (NUTESES), da
Universidade Federal de Uberlândia, de documentação da produção dos Programas de
Pós-Graduação em Educação Física da época. O NUTESES reunia e, posteriormente,
disponibilizava, as dissertações e teses de Educação Física, tendo editado três volumes
contendo os resumos desses trabalhos, de 1984 até 1997 (SILVA et al., 1996, 1998a,
1998b).
Baseando-se nessas fontes, Lüdorf (2002) desenvolveu um estudo sobre a produção
científica da década de 1990 e se constatou que as abordagens qualitativas, claramente
atreladas ao que hoje se denominam as subáreas pedagógica e sociocultural, se
desenhavam promissoras à época.
O Rio de Janeiro, aliás, destacava-se nesse cenário, ao possuir na primeira metade da
década, quatro PPGEF ativos: o da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que
viria a encerrar as atividades em 1996; o da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), iniciado em 1993; e da Universidade Gama Filho (UGF), esta última mantendo-se
ativa até 2014. Cabe esclarecer que o PPGEF da UERJ obteve produção contabilizada,
mas não possuía o reconhecimento pela CAPES na época. Na segunda metade da
década, soma-se a estes, o PPG da Universidade Castelo Branco (UCB), cujo início data
do ano de 1995.
O levantamento de Lüdorf (2002) considerou o recorte temporal dos anos de 1990 a
1997, uma vez que à época, não havia a plataforma digital que viria a ser criada e por
isso, os volumes publicados pelo NUTESES cobriam esse período apenas. Dais dados
apontam para um destaque do Rio de Janeiro no cenário brasileiro, em termos de
produção científica em Educação Física, como revela o Quadro 1:

Quadro 1. Quantitativo de dissertações de PPGEF alocados no Rio de Janeiro e no Brasil.

Total de dissertações em PPGEF Total de dissertações em


PPGEF UFRJ UGF UERJ UCB
situados no RJ PPGEF no Brasil

Dissertações 54 101 10 26 191 524

Fonte: Dados da pesquisa (LÜDORF, 2002).

Os PPGEF alocados no estado somavam a terça parte da produção total de


dissertações e teses em Educação Física, no Brasil. Mesmo em meio a um cenário
conturbado quanto à manutenção das atividades dos PPGEF, decorrente de
descredenciamentos, desativações e pontuações baixas nas avaliações da CAPES, o Rio
de Janeiro já desempenhava um papel importante na Pós-Graduação, no período
citado.
Outro achado relevante de Lüdorf (2002) está no protagonismo destes PPGEF em
relação à pesquisa e elaboração de dissertações que utilizavam procedimentos
metodológicos próximos das ciências humanas e sociais, ou, como a autora classificou,
a partir de Faria Junior (1987), fenomenológico-hermenêuticos. Este fato pode ser
visualizado no Quadro 2:

Quadro 2. Quantitativo de dissertações de PPGEF alocados no Rio de Janeiro e no Brasil, de enfoque metodológico
interpretativo.

Total em
Total em PPGEF
PPGEF UFRJ UGF UERJ UCB PPGEF no
situados no RJ
Brasil
Dissertações com enfoque
23 76 3 5 107 220
fenomenológico-hermenêutico

Fonte: dados da pesquisa (LÜDORF, 2002).

Na época, quase a metade da produção brasileira de dissertações, na área, com


vínculo às ciências humanas e sociais, era desenvolvida em PPGEF baseados no Rio de
Janeiro. A UGF assumia o protagonismo na composição deste quantitativo.
Este panorama começou a se modificar com a intensificação de forças políticas
agindo sobre o campo, mais especificamente, as novas políticas de Pós-Graduação da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), que passaram
a apontar para a necessidade de se internacionalizar os achados, bem como
potencializar a publicação de artigos (KOKUBUN, 2003). Nesse sentido, foram criadas
políticas de incentivo à qualificação dos periódicos, além de ser instituído o sistema
Qualis. De acordo com Barata (2016), o Qualis é um sistema de classificação da
produção científica da Pós-Graduação brasileira, realizado pela CAPES, a partir da
análise da qualidade dos periódicos científicos.
Os critérios de avaliação dos PPGEF e dos periódicos, seguindo critérios da Área 21,
da Grande Área da Saúde, na qual está alocada a Educação Física, dentre outros fatores,
colaboraram para modificar as regras do jogo. A produtividade científica passa a ser
instituída como elemento, senão central, bastante importante, traduzida
principalmente pelo número de artigos publicados, mas não em qualquer periódico.
Aqueles situados nos estratos superiores contabilizam mais pontos para quem neles
publica e, assim, o sarrafo foi se elevando (LOVISOLO, 2007).
Na constituição do campo cientifico da Educação Física, e especialmente nas
subáreas sociocultural e pedagógica, em vista das novas forças e estratégias, os
desdobramentos destas ações logo passaram a ser sentidos. Houve casos ruidosos de
descredenciamento de docentes que eram detentores de reconhecido capital científico
no âmbito das ciências humanas e sociais por não alcançarem as metas de publicação.
Mas esses eram apenas os sinais de um quadro que viria a se desenhar ao longo do
novo milênio, de dificuldades para essas vertentes.
Castro (2015) investigou, no recorte de 2001 a 2010, os PPGEF da Universidade de São
Paulo (USP), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP), Universidade Estadual Paulista (UNESP) e da UGF, totalizando
a análise de 1398 trabalhos distribuídos entre dissertações e teses. Diferente do que
Lüdorf (2002) observou como indício de consolidação das ciências humanas e sociais,
na Educação Física, nos idos da década de 90, Castro (2015) apresenta um cenário no
qual as ciências naturais, e seus referenciais teórico-metodológicos, predominam nas
pesquisas da área.
Embora o PPGEF UGF tenha se mantido como local de intensa produção de
dissertações e teses com enfoque interpretativo, Castro (2015) mostra um panorama
onde os PPGEF como o da USP e UNESP – aqueles que mais titulam na área - produzem
quase exclusivamente, ao menos no nível de doutorado, na vertente biodinâmica.
Em linhas gerais, quase 60% dos trabalhos analisados encontram subsídios
metodológicos nas ciências naturais, enquanto por volta de 30% se afiliam
metodologicamente às ciências humanas e sociais, com enfoque temático pedagógico
ou sociocultural. Soma-se aos achados a desativação do PPGEF UGF, posterior ao
recorte do autor, o que potencialmente derrubaria de modo vertiginoso a produção
atrelada às humanidades. Longe de mero acaso, estes resultados foram previstos e
amplamente debatidos na literatura da área, tendo como principal causa as regras de
produção científica que a CAPES tem estabelecido para a Educação Física (BETTI et al.,
2004).
Peluso (2016), em estudo que investigou PPGEF ativos no ano de 2015, no Rio de
Janeiro, e que constassem com defesas de mestrado já realizadas até este mesmo ano,
detecta um panorama ainda mais desolador. Existia apenas o PPGEF da UFRJ, reativado
após longo período (13 anos), e o da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO). O
PPGEF da UERJ foi criado em 2015, mas não foi incluído pelo fato de não possuir
dissertações ou teses defendidas à época.
O estado que chegou a representar mais de um terço da parcela de pesquisas na
área, no âmbito stricto sensu, parecia ainda dar seus primeiros passos, ao possuir
apenas dois PPGEF com dissertações defendidas. Há que se pesar o descompasso com o
cenário nacional, considerando-se que a quantidade de programas de Pós-Graduação
aumentou substancialmente em todo o Brasil.
É de igual importância refletir sobre o papel das ciências humanas e sociais nos
PPGEF investigados por Peluso (2016). Na UNIVERSO, há uma linha de pesquisa
destinada a este escopo científico, com vários docentes. Já na UFRJ, apenas uma
professora representante das subáreas sociocultural e pedagógica estava engajada no
PPGEF realizando pesquisas com base nas humanidades. Novamente, ao compararmos
com os resultados de Lüdorf (2002), fica patente a perda de protagonismo, nestes
quesitos, dos PPGEF situados no Rio de Janeiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, argumentamos que mais do que manutenção das vertentes
sociocultural e pedagógica no âmbito da produção científica em Educação Física, trata-
se de resistência. Diante do sensível desmonte, os pesquisadores das subáreas
sociocultural e pedagógica têm resistido no campo científico da Educação Física no
Brasil e, especificamente no caso analisado, no Rio de Janeiro.
As perspectivas não parecem promissoras e não há fórmulas mágicas para
mudanças deste cenário. Debates e propostas sobre as políticas da Pós-Graduação
necessitam, cada vez mais, fazerem parte de fóruns, congressos e de nossos PPGEF.
Nesse sentido, iniciativas como a do Fórum dos Pesquisadores das subáreas
Sociocultural e Pedagógica (2015) e da realização deste I Seminário de Educação Física,
Esporte e Sociedade, com a temática “Pesquisa em Educação Física nas perspectivas
sociocultural e pedagógica”, bem como outras, encampadas, por exemplo, pelo Colégio
Brasileiro de Ciências do Esporte, são fundamentais e tentam colaborar para a
reconfiguração das regras de produção do campo.
Resistimos, assim, para que estas vertentes de pesquisa, vitais para a pluralidade
teórico-epistemológica da área, para fundamentar e inovar nossas intervenções
pedagógicas, e para o repensar de nossas práticas, possam continuar a existir.
Mas, até quando isso será possível?

REFERÊNCIAS
BARATA, R. C. B. Dez coisas que você deveria saber sobre o Qualis. RBPG, Brasília, v. 13, n. 30, p. 13 - 40, jan./abr.
2016.
BETTI, M.; CARVALHO, Y. M. de; DAOLIO, J.; PIRES, G. De L. A avaliação da educação física em debate: implicações
para subárea pedagógica e sociocultural. Revista Brasileira de Pós-Graduação, Brasília -DF, v. 1, n. 2, p. 183-194,
nov. 2004.
BOURDIEU, P. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução Denice Barbara
Catani. São Paulo: UNESP, 2004.
CASTRO, P. H. Z. C. O panorama da produção científica em Educação Física no novo milênio: uma análise a partir das
dissertações e teses. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2015.
FÓRUM DOS PESQUISADORES DAS SUBÁREAS SOCIOCULTURAL E PEDAGÓGICA. Cenários de um descompasso da
pós-graduação em Educação Física e demandas encaminhas à CAPES. Disponível em:
<http://www.cbce.org.br/noticias-detalhe.php?id=1074>. 2015. Acesso em: 31 mar. 2016.
KOKUBUN, E. Pós-graduação em educação física no Brasil: indicadores objetivos dos desafios e das perspectivas.
Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 24, n. 2, p. 9-26, jan. 2003.
LOVISOLO, H. Levantando o sarrafo ou dando tiro no pé: critérios de avaliação e qualis das Pós-graduações em
Educação Física. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v. 29, p. 23-34, set. 2007.
LÜDORF, S. M. A. Panorama da pesquisa em Educação Física da década de 90: análise dos resumos de dissertações
e teses. Revista da Educação Física/UEM, Maringá, v. 13, n.2, p. 19-25, 2002.
LÜDORF, S. M. A. Metodologia da pesquisa: do projeto ao trabalho de conclusão de curso. Curitiba: Appris, 2017.
MAIA DA SILVA, P.; SORIANO, J. B. Qualis periódicos e a produção de capital científico nos programas de pós-
graduação em Educação Física. Movimento (ESEF/UFRGS), Porto Alegre, p. 281-304, out. 2014.
MANOEL, E.J.; CARVALHO, Y.M. Pós-graduação na educação física brasileira: a atração (fatal) para a biodinâmica.
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PELUSO, D. L. A pesquisa sociocultural e pedagógica nos Programas de Pós-Graduação stricto sensu em Educação
Física no Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física,
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ROSA, S; LETA, J. Tendências atuais da pesquisa brasileira em Educação Física Parte 2: a heterogeneidade
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SÁNCHEZ GAMBOA, S. Epistemologia da educação física: as inter-relações necessárias. Maceió: EDUFAL, 2007.
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UFU/NUBRADITEFE, 1998a. v. 2.
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teses. Uberlândia: UFU/NUTESES, 1998b. v. 3.

5. Projeto de pesquisa coordenado pela Profª. Drª. Sílvia M. Agatti Lüdorf, desenvolvido no Núcleo de Estudos
Sociocorporais e Pedagógicos em Educação Física e Esportes (NESPEFE), da Escola de Educação Física e Desportos
(EEFD), desde 2010, com apoio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq).
DESAFIOS PARA A PÓS-GRADUAÇÃO EM
EDUCAÇÃO FÍSICA NO RIO DE JANEIRO
Prof. Me. Felipe da Silva Triani
Professor do curso de Educação Física da Faculdade Gama e Souza.
Membro do Grupo de Estudos em Escola, Esporte e Cultura (GPEEsC)
Membro do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Representações Sociais na/para Formação de Professores
(LAGERES).

Prof. Dr. Silvio de Cassio Costa Telles
Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Líder do Grupo de Estudos em Escola, Esporte e Cultura (GPEEsC)
Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Exercício e do Esporte (UERJ)

INTRODUÇÃO
O presente manuscrito pretende apontar sinteticamente o cenário epistemológico da
formação continuada no Rio de Janeiro, descrevendo os caminhos que a pós-graduação
em Educação Física se destina. Dessa maneira, sua composição se estrutura tendo como
objeto de estudo a pós-graduação stricto sensu, que tem sido investigada recentemente
em diferentes regiões do Brasil (LÜDORF, 2002; AMADIO, 2003; KOKUBUN, 2003;
KROEFF; NAHAS, 2003; MANOEL; CARVALHO, 2011; FÓRUM DE PESQUISADORES DAS
SUBÁREAS SOCIOCULTURAL E PEDAGÓGICA, 2015; CASTRO, 2015; DECIAN; RIGO, 2016),
mas que ainda carece de aprofundamento investigativo no âmago do Rio de Janeiro,
pois somente um resumo foi encontrado (PELUSO et al., 2016), fruto de uma dissertação
produzida entre 2014 e 2015, ocasião em que ainda não havia o Programa de Pós-
Graduação em Ciências do Exercício e do Esporte (PPGCEE) da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ) e o doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação
Física na Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGEF).
Diante desses entendimentos e considerando a ausência de pesquisas que
investigaram a situação da Pós-Graduação no Rio de Janeiro especificamente, é cabível
uma investigação que aponte os desafios da pós-graduação stricto sensu no Rio de
Janeiro, a fim de conhecer a situação atual da formação continuada da área. Nesse
sentido, considerando o espaço da pós-graduação, é fundamental saber que a Educação
Física tem sua composição por meio de três áreas de concentração que emergiram na
última década do século XX, a saber: biodinâmica, sociocultural e pedagógica (MANOEL;
CARVALHO, 2011).
De acordo com estudos já publicados (LÜDORF, 2002; MANOEL; CARVALHO, 2011;
LAZZAROTTI FILHO; SILVA; MASCARENHAS, 2014; CASTRO, 2015) a Educação Física
tem se expandido na pós-graduação em 33%, mas ao mesmo tempo retraído nas áreas
sociocultural e pedagógica, sendo mais de 70% do total de docentes e linhas de pesquisa
concentrados na área biodinâmica (FÓRUM DE PESQUISADORES DAS SUBÁREAS
SOCIOCULTURAL E PEDAGÓGICA, 2015). Esse cenário na região Sul do Brasil também se
apresenta com inferioridade em número de docentes e linhas de pesquisa nas pós-
graduações, considerando um estudo recentemente publicado (DECIAN; RIGO, 2016).
Destarte, cabe questionar: qual é o cenário epistemológico do Rio de Janeiro no que
tange à Pós-Graduação? A fim de responder a essa questão norteadora, a investigação
em tela pretende apontar a situação atual dos desafios para a Pós-Graduação em
Educação Física no Rio de Janeiro.

METODOLOGIA
A fim de atender ao objetivo desta pesquisa, a abordagem metodológica foi de cunho
qualitativo. Nessa direção, foi realizada pesquisa documental. Como amostra, têm-se os
três programas de pós-graduação stricto sensu do Rio de Janeiro, a saber: PPGEF;
Programa de Pós-graduação em Ciências da Atividade Física (PPGAF); e PPGCEE. Como
técnica de coleta de dados, foi utilizada a análise documental (SANTOS, 2000) realizada a
partir da interpretação dos documentos oficiais dos Programas de Pós-graduação em
Educação Física do Rio de Janeiro, por meio de consulta nos sítios dos próprios
programas.

RESULTADOS
Com o descredenciamento da Universidade Gama Filho (UGF) no ano de 2014, houve a
extinção do curso de doutorado em Educação Física no Rio de Janeiro. A falta do
doutoramento perdurou até abril de 2015 (BRASIL, 2015). Após esse tempo, o Instituto
de Educação Física e Desportos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
balizando-se pelo extinto programa da UGF institui um novo programa que oferece os
cursos de mestrado e doutorado (UERJ EM QUESTÃO, 2014). Além disso, no final do ano
de 2015 o PGEF da UFRJ conquistou o reconhecimento da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) para oferecer os cursos de
doutorado e mestrado (BRASIL, 2016). Então, o ano de 2015 terminou com dois cursos
de doutorado em Educação Física oferecidos no Rio de Janeiro.
Entre os programas de pós-graduação vigentes, o mais antigo é o PGCAF da
UNIVERSO, que teve início em 2006 (BRASIL, 2006), na sequência o PPGEF da UFRJ 6 e o
mais recente PPGCEE da UERJ. Atualmente, esses programas de pós-graduação
oferecem o curso de mestrado na área de, tendo Educação Física, isto é, três cursos de
mestrado são oferecidos no Rio de Janeiro.
Esse cenário quantitativo de cinco cursos de pós-graduação stricto sensu em
Educação Física, 3 de mestrado e 2 de doutorado, não distribui sua oferta de forma
justa, considerando que a pós-graduação em Educação Física desde a última década do
século XX se estrutura em áreas de concentração. Dessa maneira, ao analisar
qualitativamente os atuais programas de pós-graduação oferecidos no Rio de Janeiro, a
partir dos professores do programa, identificam-se 11 docentes permanentes no PPGEF,
10 que orientam na área biodinâmica e 1 na área sociocultural e pedagógica; o PPGCEE
se apresenta com 16, os quais 13 desenvolvem estudos a partir da área biodinâmica e 3
da sociocultural e pedagógica; e no PGCAF, têm-se 11 docentes, sendo 4 deles da área
biodinâmica.
Portanto, em síntese, dos 38 professores que orientam nos programas de Pós-
Graduação em Educação Física no Rio de Janeiro, 23 são responsáveis pela formação de
doutores na área biodinâmica e 4 distribuídos nas áreas sociocultural e pedagógica.
Nessa perspectiva, 27 orientam a formação de mestres na área biodinâmica e 11 na
área sociocultural e pedagógica. Então, esse panorama denuncia o descompasso de
oportunidade oferecida para a formação de mestres e doutores no Rio de Janeiro,
considerando as áreas de concentração.
No sentido de sintetizar os resultados encontrados, foi elaborada uma
sistematização, conforme Tabela 1:

Tabela 1. Contexto da Pós-Graduação em Educação Física no Rio de Janeiro

Formação de Mestres por Área de Formação de Doutores por Área de


Concentração Concentração

Programa
Sociocultural & Pedagógica Biodinâmica Sociocultural & Pedagógica Biodinâmica

n % N % n % N %

PPGEF 1 9 10 91 1 9 10 91

PPGCEE 3 19 13 81 3 19 13 81

PPGCAF 7 64 4 36 - - - -

Total 11 29 27 71 4 15 23 85

Fonte: dados da pesquisa.

Os resultados demonstram um desequilíbrio, pois o número de docentes das áreas


pedagógica e sociocultural, ainda que somados, são inferiores aos da área biodinâmica.
Esse resultado vai ao encontro de um documento oficial já publicado pelo Fórum de
Pesquisadores das Subáreas Sociocultural e Pedagógica (2015) que aponta, entre os anos
de 2006 e 2012, um crescimento de 33% dos programas de Pós-Graduação em Educação
Física e uma diminuição de 8% da área sociocultural e 4% da pedagógica.

Além disso, os resultados do presente resumo e do documento supracitado


Além disso, os resultados do presente resumo e do documento supracitado
corroboram com o ensaio recentemente publicado (LAZZAROTTI FILHO; SILVA;
MASCARENHAS, 2014), o qual aponta a disputa dentro da própria Educação Física, isto é,
o fato dos objetivos de estudo serem diferentes nas áreas biodinâmica, sociocultural e
pedagógica, implica uma busca de legitimação da Educação Física, na qual cada
pesquisador defende sua própria área de concentração e não dialoga com as outras, e
ainda que quanto mais a Educação Física se alarga epistemologicamente, maior é o seu
distanciamento dos debates pedagógicos.
Há ainda um estudo (PELUSO et al., 2016) que se aproxima dos resultados
encontrados na presente investigação. Nele, os pesquisadores, por meio de uma
dissertação, analisaram os Programas de Pós-graduação em Educação Física no Rio de
Janeiro, ocasião em que os únicos existentes eram PPGEF e PGCAF. Identificando que
embora o espaço para discussões das áreas pedagógica e sociocultural estejam
preservados, o número de docentes é minúsculo quando comparados aos da área
biodinâmica, fato que implica a baixa produção científica nas duas primeiras áreas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A situação atual dos programas de Pós-Graduação em Educação Física do Rio de Janeiro
aponta inferioridade de pesquisadores credenciados das áreas sociocultural e
pedagógica em relação aos da biodinâmica. Dessa maneira, o cenário não é diferente de
estudos já publicados que investigaram outras regiões do Brasil. Portanto, os desafios
para a Pós-Graduação em Educação Física no Rio de Janeiro estão na carência de
docentes das áreas sociocultural e pedagógica, nos cursos de mestrado e doutorado,
algo que implica a falta de oportunidade de formação continuada de mestres, e mais
ainda, de doutores, em virtude da escassez da oferta.

REFERÊNCIAS
AMADIO, Alberto Carlos. Trajetória da pós-graduação stricto sensu na escola de educação física e esporte da
universidade de São Paulo após 25 anos de produção acadêmica. Revista Brasileira de Ciências do Esporte,
Campinas, v. 24, n. 2, p.27-47, jan. 2003.
BRASIL. Parecer CNE/CES 102/2016. Brasília (DF), 2016.
BRASIL. Parecer CNE/CES 165/2006. Brasília (DF), 2006.
BRASIL. Parecer CNE/CES 344/2015. Brasília (DF), 2015.
CASTRO, Pedro Henrique Zubcich Caiado de. O panorama da produção científica em Educação Física no novo
milênio: uma análise a partir de dissertações e teses. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Educação Física, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2015.
DECIAN, Marluce Raquel; RIGO, Luiz Carlos. Os programas de pós-graduação em Educação Física da região Sul do
Brasil. VI Fórum de Pós-graduação do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte - III Fórum de pesquisadores das
subáreas sociocultural e pedagógica da Educação Física. Porto Alegre, RS, 2016.
FÓRUM DE PESQUISADORES DAS SUBÁREAS SOCIOCULTURAL EPEDAGÓGICA. Cenários de um descompasso da
Pós-Graduação em Educação Física e demandas encaminhadas à CAPES. Vitória, ES. Porto Alegre, RS. Curitiba,
PR. 2015.
KOKUBUN, Eduardo. Pós-graduação em educação física no Brasil indicadores objetivos dos desafios e das
perspectivas. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, São Paulo, v. 24, n. 2, p. 9- 26, jan. 2003.
KROEFF, Márcia Silveira; NAHAS, Markus Vinícius. Ações governamentais e formação de pesquisadores em
educação física no Brasil. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 24, n. 2, p. 114-156, jan. 2003.
LAZZAROTTI FILHO, Ari; SILVA, Ana Maria; MASCARENHAS, Fernando. Transformaciones contemporâneas del
campo académico de la educación física em Brasil: nuevos habitus, modus operandi y objetos de disputa.
Movimento, Porto Alegre, v. 20, n. esp., p. 9-20, 2014.
LÜDORF, Sílvia Maria Agatti. Panorama da pesquisa em Educação Física da década de 90: análise dos resumos de
dissertações e teses. Revista da Educação Física/UEM, Maringá, v. 13, n.2, p. 19-25, 2002.
MANOEL, Edison de Jesus; CARVALHO, Yara Maria de. Pós-graduação na educação física brasileira: a atração
(fatal) para a biodinâmica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.37, n.2. p.389-406, mai/ago. 2011.
PELUSO et al. Pós-graduação em educação física no Rio de Janeiro. VI Fórum de Pós-Graduação do Colégio
Brasileiro de Ciências do Esporte – III Fórum de Pesquisadores das Subáreas Sociocultural e Pedagógica da
Educação Física – UFRGS, Porto Alegre, 2016.
SANTOS, Antonio Raimundo dos. Metodologia Científica: a construção do conhecimento. 3. ed. Rio de Janeiro:
DP&A, 2000.
UERJ EM QUESTÃO. Ano XXI, n, 105, Out-dez, 2014. Disponível em:
<http://www.uerj.br/publicacoes/emquestao/105/uerjemquestao105.pdf>. Acesso em: jan. 2017.

6. O PPGEF tem início em março de 1980, mas perdeu sua recomendação, e somente em 2008 foi recomendado
novamente. Fato que implica considerar o PGCAF o mais antigo.
A CIÊNCIA É UMA ESTÉTICA DA INTELIGÊNCIA:
O PENSAMENTO E A VITALIDADE DAS CIÊNCIAS
HUMANAS E SOCIAIS NA EDUCAÇÃO FÍSICA
Prof. Dr. Rafael da Silva Mattos (UERJ)
Professor Adjunto do Departamento de Ciências da Atividade Física do Instituto de Educação Física e Desportos da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Coordenador de Graduação (IEFD-UERJ)

INTRODUÇÃO
Bachelard (1996) afirma que a tarefa principal do espírito científico é delinear os
fenômenos e ordenar em série os acontecimentos decisivos de uma experiência. É a
tarefa de conciliar leis e fatos, teoria e experiência, concreto e abstrato.
O novo espírito científico foi influenciado pela Teoria da Relatividade de Einstein,
pela Mecânica Ondulatória de Louis de Broglie, pela Física das Matrizes de Heisenberg e
pela Mecânica de Dirac. Estamos todos vivenciando uma nova era da ciência.
Contudo, existe uma sonolência no saber. O século XVIII continua vivo em nós. O
projeto da modernidade e o anseio pelo homem iluminista permanecem como uma
chama que não se apaga. O homem continua buscando o saber erudito, sem aceitar que
a erudição nem sempre é ciência. Então o que é a ciência?
Para Bachelard (1996), a ciência é uma estética da inteligência. Isso implica tratar a
ciência como uma produção contínua do pensamento humano. Mattos (2016) afirma
que precisamos de mais pensamento e de menos conhecimento. O pensamento está
ligado a criação. A criação está ligada a uma vontade/força de potência. O pensador não
precisava de patentes, não marca reuniões para discutir a produção acadêmica. Ele cria
e atrai novos pensadores. Ele transforma o caos ao produzir inovações no espírito.
Marx e Freud nunca foram professores universitários e deixaram um legado
incomensurável na história da humanidade.
Retondar (2016) afirma que a influência da história da sociedade na cultura e
aquisição de hábitos de vida do sujeito, não só biológico, mas também, sociocultural,
repleto de afetos e contradições, é de suma importância para a pesquisa em Educação
Física. Portanto, iluminar essa lacuna, comumente negligenciada, é relevante para
compreender questões inerentes ao ser humano. Temos, dessa forma, a possibilidade
de um diálogo não com o sujeito ideal, contemplado pela biomedicina tradicional, mas
com um sujeito do real, o qual atribui sentidos e significados para suas práticas, o que
interfere em diferentes escolhas, muitas vezes à revelia das normas biomédicas. O
próprio sistema de avaliação dos cursos propicia a manutenção do status quo da
biomedicina, o que reverbera na pesquisa e produção na área. O que é mais importante
para a prática do profissional de educação física na escola, por exemplo: ter acesso a
pesquisas que contribuam para a inclusão e minimizem a discriminação nas diferentes
manifestações da cultura corporal ou ler um artigo sobre o efeito de certas enzimas na
contração músculo-esquelética de camundongos?
Então como podemos pensar a importância das Ciências Humanas e Sociais na
Educação Física, sobretudo na área 21? Qual é a especificidade desses saberes e dessas
disciplinas para o fortalecimento do ensino, da pesquisa e da extensão na Educação
Física? Nosso problema será resolvido com a ampliação de periódicos que possam
“escoar” a produção dos pesquisadores da área sociocultural? A guerra é por indexação
de periódicos ou por legitimidade e valorização de saberes, teorias, conceitos e métodos
que desafiam a hegemonia das míopes visões tecnocientíficas?
As Ciências Humanas e Sociais são ferramentas para a capacidade de renovação, de
abertura para o espírito pensador e não dogmático. Não há nada mais coerente com a
liberdade da pesquisa do que o livre exercício do pensar.

O PRODUTIVISMO VAZIO NA EDUCAÇÃO FÍSICA


Vivemos hoje um retorno ao pensamento escolástico na Universidade. Isto quer dizer
que o campo científico se caracteriza pela especialização do saber, pela excessiva
publicação, pelas palavras eruditas, pelas autoridades dos títulos em detrimento da
verdadeira ciência. Vivemos um bacharelismo. Nossos cursos de Educação Física estão
se distanciando da formação do educador físico com ampla atuação na cultura corporal
de movimento ao valorizar o “laboratorialismo”. A ambiência poética do espaço nos
revela que os espaços plurais para o processo de ensino-aprendizagem, sobretudo as
salas de aula, estão sendo substituídos pelos laboratórios. Não me refiro a um ginásio
poliesportivo que pode ser considerado um laboratório, mas aos espaços físicos
monopolizados por pesquisadores para a prática da ciência desconectada do aluno e da
práxis.
O espírito da nossa época é a velocidade da produção científica com pouca qualidade
e muita autoridade. Segundo Soares (2012), vivemos um “pesquisismo” em que muito
se fala e faz em função da publicação das pesquisas. Mas até que ponto há pesquisa real
e não procedimentos burocráticos com o nome de pesquisa? Será que não está na hora
de denunciarmos o “curriculismo”? Por que o grande culto à Plataforma Lattes? Como
dizem as “sabedorias” do facebook, a vida não cabe no currículo lattes. Recordo-me de
um professor que convidei para trabalhar comigo em um Programa de Pós-Graduação
e a resposta foi simples, objetiva e honesta: “prefiro viver”. O produtivismo acadêmico
tornou-se anti-vital.
Os pesquisadores da área sociocultural que estão vinculados aos Programas de Pós-
Graduação na área 21 são depreciados em relação a sua produção científica. Em
primeiro lugar, por serem as ciências humanas e sociais do campo da saúde vistas
como conhecimentos aplicados à saúde. Isso já fere a própria natureza dessas
disciplinas que contam com métodos, conceitos e olhares interpretativos próprios da
construção de objetos no campo da saúde. Não é uma aplicação de conhecimento, mas
produção de pensamento. Em segundo lugar, as produções das ciências humanas e
sociais não se enquadram, em termos de linguagem e metodologia, na área de ciências
biomédicas, sendo vistos como pouco rigorosos, “subjetivos” e até pseudocientíficos.
A produção das ciências humanas e sociais se faz no sentido da compreensão e
interpretação dos fenômenos da vida em sua relação com a cultura, com a sociedade,
com os outros. Seu paradigma não inclui a eficácia, que supõe intervenção, o que é
típico das biociências. Este paradigma se exprime em linguagem específica, também
diferente da linguagem objetivante das ciências biomédicas, tendo uma escritura
adequada a sua epistemologia, e formas de expressão, em termos de produtos
científicos, distintos da área biomédica (LUZ, 2004, 2005).
Luz (2005) denuncia que as políticas governamentais e neoliberais conduzem os
eixos temáticos de investigação (o que pesquisar), como também o roteiro
metodológico a ser seguido pelos pesquisadores (como pesquisar), e a lista de
“produtos” que devem resultar do processo da pesquisa (os resultados). O pesquisador é
avaliado pela quantidade de produtos que é capaz de extrair de seus projetos. Quanto
mais produtos, maior sua “produtividade”. Vivemos assim um momento de excesso de
pesquisadores, com excesso de publicações, mas com pouca produção de
conhecimento sensível para o país. Isso sem entrar na discussão sobre o exército
industrial de reserva formado por doutores desempregados. A formação de mestres e
doutores no Brasil tornou-se uma linha de produção em larga escala.
As “cartas marcadas” dos veículos Qualis não passam, em sua quase totalidade, de
bases catalográficas de periódicos, geralmente privadas, que nada dizem ou permitem
ver da qualidade dos produtos nelas veiculados. Estes afirmam simplesmente a
“excelência” (estipulada pelo índice de citações/impacto dos produtos num campo
específico disciplinar) do veículo em que a produção é difundida para sua comunidade
de pares. Tais bases se tornaram, em determinadas áreas disciplinares, o dogma sobre o
qual repousa a classificação hierarquizada da produção dos pesquisadores e de seus
programas. Pior ainda quando os pesquisadores são recompensados financeiramente
pela quantidade de artigos publicados, desprezando a função social do conhecimento e
desestimulando a nova geração de doutores a ocupar as salas de aula com atividades
nos cursos de graduação.
Cabe-nos perguntar, numa perspectiva de dialética do esclarecimento (ADORNO,
HORKHEIMER, 1985), por que os pesquisadores, em vez de entrar em um estado
verdadeiramente humano e criativo de construção do conhecimento, estão em uma
nova barbárie científica? Ainda há docentes que acreditam no pensamento racional e
científico livre de mitos e superstições? Ainda estamos presos à ideia de razão como
instrumento que manipula a natureza?

A racionalização do mundo na sua tentativa hiperbólica de dissolver os mitos, as


A racionalização do mundo na sua tentativa hiperbólica de dissolver os mitos, as
superstições, o senso comum e a fé provocaram o desencantamento do mundo. O vazio
deixado pela modernidade quando seu projeto faliu não foi preenchido. A controvérsia
no século XIX entre ciências naturais e ciência do espírito buscava solucionar a questão
do método científico como única forma legítima de produzir conhecimento
(racionalidade científica moderna). Estamos sempre diante do modelo
compreensivo/interpretativo e do modelo explicativo. Para Max Weber o que mais
explicamos é o que menos conhecemos. As ciências humanas e sociais não podem ficar
resumidas ao método naturalístico explicativo, pois estudam o universo humano e este
é carregado de sentidos.
Assim, podemos afirmar que as pesquisas na área sociocultural da Educação Física
não se resumem a explicação, mas ampliam nossa compreensão do viver. O rigor
conceitual não se confunde com mensurabilidade ou quantificação. A pretensão de
deduzir toda a realidade de um quadro conceitual é falaciosa porque despreza que um
conceito é sempre seletivo. Portanto a totalidade da realidade jamais será atingida,
somente aspectos ou momentos dela.
Uma das maiores causas da regressão do pensamento esclarecido é o pensamento
científico racionalizado, burocratizado e tecnológico que impedem a discussão e o
julgamento críticos. A vida foi instrumentalizada. A razão é utilizada apenas para criar
coisas “úteis” economicamente. Quando todos pensam da mesma forma ou são
induzidos a pensar da mesma forma, conforme as grades da CAPES, há uma
normatização do pensar. O pensamento científico e estatístico torna-se tão mitológico
quanto o pensamento mágico-religioso. O pensamento científico é um pensamento
selvagem travestido (LEVI-STRAUSS, 2006).
Perde-se a criatividade do pensamento. Este fica passivo, automático e rígido. O
pensamento é tecnificado e coisificado. Produzir conhecimento para os biocientistas da
Educação Física se resume a classificar, perceber e calcular. Perde-se a capacidade
reflexiva do pensamento com seu sentido histórico e social. Pensar o pensamento, eis
nossa tarefa. Pensar uma política de resistência que valorize não a indexação de novos
periódicos para que os pesquisadores da área sociocultural possam publicar “mais”,
porém defender com lutas efetivas e simbólicas o impacto político das novas
cartografias que emergem da interface entre ciências humanas e sociais na alma da
Educação Física.
Um dos conceitos que precisamos resgatar que pode nos ajudar a pensar a
relevância da área sociocultural é o “reconhecimento”, muito discutido por Axel
Honneth. O reconhecimento envolve autonomia, autoconfiança e auto-respeito. A
Modernidade produziu uma nova subjetividade caracterizada pela auto-realização
individual e solitária, muitas vezes, em detrimento da noção de solidariedade e
cordialidade. Contudo, todos estamos vinculados a relações intersubjetivas e, portanto,
dependentes estruturalmente do reconhecimento dos outros. Norbert Elias (1993)
afirma que a sociedade é um tecido que liga os indivíduos numa teia de
interdependência em permanente mudança e movimento. A cada ação numa direção,
todo o tecido se reorganiza. O tecido social é formado pelo cruzamento de relações
intersubjetivas que funcionam de acordo com o princípio da reciprocidade, mesmo que
não tenhamos consciência disso. Elias percebe uma marcante desigualdade nas
relações humanas resultantes de diferentes graus de dependência entre indivíduos e
grupos.
Elias nos ajuda a compreender a sociogênese dos grupos sociais, principalmente
através da interiorização do autocontrole, que garante a civilização e a sobrevivência
social. A conduta e o comportamento civilizado se desenvolvem a partir de uma
economia psíquica que interioriza o autocontrole. O processo de civilização está
diretamente relacionado com a capacidade psíquica do homem de dominar e controlar
seus impulso-pulsões-desejos nas suas experiências sociais. Podemos afirmar que as
atividades científicas estão entrelaçadas com os outros indivíduos, criando uma cadeia
de interdependência e regulação da conduta e do comportamento que é fundamental
para a perpetuação da hegemonia biomédica. O autocontrole científico regula a
conduta do pesquisador, prevenindo-o de transgressões contínuas no campo científico.
Ao automatizar seu modo de agir, o indivíduo garante a saúde do pensamento
científico dominante. O “pesquisador civilizado” é aquele que está constantemente
submetido ao conhecimento. É um ser preso para o exercício da liberdade do pensar.

POLITIZANDO O MUNDO DAS “COISAS”


Bruno Latour e Michel Foucault deixaram bem claro que a ciência e política são
inseparáveis. A produção de conhecimentos está articulada com a produção de modos
de vida. Por isso, toda ciência é biopolítica e a biopolítica se alimenta da ciência
(FOUCAULT, 1989, 1999). Bruno Latour não confia nos termos “ciências humanas” ou
“ciências sociais” porque a divisão “natureza versus cultura” é falsa. O laboratório é tão
artificial quanto uma tribo.
Como profissionais de Educação Física da área sociocultural precisamos conquistar
espaços onde se possa falar aquilo que escapa ou é calado pela epistemologia clássica.
Assim como a Psicanálise deu chance ao sujeito de falar e não se calar, para que
pudesse se encontrar, precisamos denunciar que os saberes se constituem por relações
de poder. Precisamos denunciar a estratificação política que se estabelece entre um
periódico A1 e um B3, por exemplo.
Para Foucault, a ciência é o resultado do disciplinamento dos saberes através das
organizações das disciplinas em torno de critérios para distinguir o verdadeiro do falso,
selecionar e normalizar conteúdos, classificar e hierarquizar os saberes. A
universalidade é o grande aparelho uniformizador dos saberes. Ela seleciona os
saberes, os quantifica, os qualifica, os categoriza e os homogeneíza.
A verdade científica não existe fora do poder ou sem poder. A verdade é deste
mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos
regulamentados de poder. Cada estrato científico tem seu regime de verdade, sua
“política geral” de verdade: isto é, os tipos de discursos que ela acolhe e faz funcionar
como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os
enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as
técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto
daqueles que têm a missão de dizer o que funciona como verdadeiro. A verdade é
centrada na forma do discurso científico e nas instituições que o produzem.
A modernidade criou uma nova regra. Não é mais a regra da essência, mas a regra
da ciência. O critério do conhecimento passa a ser a ciência. O uso da razão torna-se
indispensável para alcançar aquilo que é considerado verdadeiro e inteligível ao
homem. A metodologia da ciência faz com que alguns conheçam as regras, fabricando
aqueles que podem fazer e falar a ciência. A ciência organiza a forma de dizer a
verdade. A forma “verdade-descoberta” é a invenção moderna do ocidente a partir de
relações de poder.
Fazer pesquisa em vez de participar das guerras das ciências nos permite
evidenciarmos os acontecimentos invisíveis escondidos pela “etiqueta” das ciências.
Não há descobertas puramente científicas. Há produção científica a partir de relações
de poder. A demonstração metodológica-científica é um ritual. É como uma peça de
teatro. Até mesmo os improvisos foram ensaiados. O sujeito supostamente universal do
conhecimento é um indivíduo historicamente situado. A descoberta da verdade é nada
mais do que uma maneira de produção de verdade.
Cabe a nós produzir linhas de fuga, desmascarar o que é oculto e não oficializado
pela ciência, dar visibilidade aos interesses na produção dos fatos científicos, abrir a
caixa-preta da ciência. Vamos dar visibilidade aos jogos de poder que constitui a
ciência. Toda ciência positivista depende de demonstrações da verdade como
descoberta, que encobre os acontecimentos e coloniza os pensamentos, os corpos e os
territórios. A produção da ciência tem que circular fora do mundo acadêmico porque é
também produção de modos de vida, de gestão e regulamentação das populações.
Precisamos territorializar os afetos que o pensamento nos estimula. A geografia afetiva
é a organização coletiva de práticas de produção que modificam a realidade.
Foucault (1977) se perguntou: Como caçar e eliminar o fascismo que se incorporou
no nosso espírito, no nosso comportamento e nas nossas condutas cotidianas?
Podemos então nos perguntar: como caçar e eliminar o fascismo que se incorporou em
nosso espírito científico a ponto de agirmos unicamente pela lógica da produtividade?
É preciso amar a diferença e a multiplicidade. É preciso desindividualizar o sujeito,
pois ele é produto/efeito do poder. É preciso não se apaixonar pelo poder. É preciso não
amar a dominação tirana sobre nossas vidas. É preciso caçar a vida fascista.
Os pesquisadores, apesar de todo o esforço que empregam para serem “produtivos”,
não são máquinas. Sobretudo, não são máquinas em competição para reduzir custos na
confecção de produtos renováveis a intervalos de tempo cada vez menores. O
desconhecimento desse fato tem gerado conseqüências desastrosas para a saúde.
Ciosos da necessidade de atender às exigências institucionais vigentes, obsessivos
quanto ao cumprimento das normas da produtividade, sucumbem à exaustão,
sacrificando repouso, lazer e férias em favor do trabalho (LUZ, 2004, 2005).
Luz e Sabino (2015) retomam os escritos de Pierre Bourdieu para fortalecer a
discussão sobre o papel estratégico das ciências humanas e sociais na área da saúde.
Nos ajudam a pensar a produção acadêmica na Educação Física como o trabalho de um
treinador esportivo (coach), ou seja, produzir conhecimento através de uma prática que
se aprende ao praticar: uma práxis grupal. A equipe é o protagonista, não o indivíduo. A
competição entre os membros do grupo é lesiva ao “time” como um todo, seja na
ciência ou esporte. Submete-se, assim, a lógica da produção do conhecimento ao
trabalho da construção concreta de instrumentos conceituais e metodológicos, os quais
derivam do – ou se aperfeiçoam no – processo do desenvolvimento da atividade de
investigação, seja ela de início conceitual ou empírica.

REFERÊNCIAS
ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
BACHELARD, G. La formation de esprit scientifique. Paris: Vrin, 1996.
BOURDIEU, P. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Unesp; 2004.
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Lisboa: DIFEL; 1989.
ELIAS, N. O Processo Civilizador. Volume 2: Formação do Estado e Civilização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
FOUCAULT, M. Em Defesa da Sociedade: Curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes, 1999.
FOUCAULT, M. Résumé des cours (1970-1982). Paris: Julliard, 1989.
FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. 22 ed. São Paulo: Graal, 2006.
FOUCAULT, M. Anti-Édipo: uma introdução a vida não-fascista. In: DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O Anti-Édipo. Nova
York: Viking Press, 1977
HÜNING, S.M.; GUARESCHI, N.M.F. Michel Foucault, Bruno Latour e algumas linhas de fuga na produção de
conhecimentos. Ciências Sociais Unisimos, v. 47, n. 1, p. 64-71, 2011.
LATOUR, B. Políticas da natureza: como fazer ciência na democracia. Bauru: EDUSC, 2004.
LÉVI-STRAUSS, C. O Pensamento Selvagem. 6 ed. Campinas: Papirus, 2006.
LUZ, M.T. Natural, Racional, Social: razão médica e racionalidade científica moderna. 2. ed. rev. São Paulo:
Hucitec, 2004.
LUZ, M. T. Prometeu acorrentado: análise sociológica da categoria produtividade e as condições atuais da vida
acadêmica. Physis, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 39-57, 2005.
LUZ, M.T.; SABINO, C. A pesquisa como prática artística: a razão na prática de investigação como razão artística –
uma possível contribuição de Pierre Bourdieu para a área das Ciências Sociais e Humanas na Saúde. Saúde em
Redes, v. 1, n. 2, p. 07-12, 2015.
MATTOS, R.S. Pesquisa Qualitativa em Educação Física: da graduação ao doutorado. Curitiba: CRV, 2016.
RETONDAR, J. Prefácio. In: MATTOS, R.S. Pesquisa Qualitativa em Educação Física: da graduação ao doutorado.
Curitiba: CRV, 2016.
SOARES, A.G.T. A atualidade de Descartes. Filosofia, São Paulo, n. 36, p. 6-11, 2012.
A PRESSÃO PARA PUBLICAR: REFLEXÕES
NECESSÁRIAS
Prof. Dr. Diego Luz Moura
Professor Adjunto da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF)
Líder do LECPEF (Laboratório de Estudos Culturais e Pedagógicos da Educação Física).

INTRODUÇÃO
Becker (1977) aponta que os pesquisadores no campo das humanidades ao realizarem
suas análises sempre desagradam um lado, por isso devem ter clareza de que sempre
estão de um lado. Becker realiza esta reflexão não para criar polaridades, mas para
apontar que sempre falamos de um lado. Assumir um ponto de vista não é
necessariamente um viés, mas algo inerente a interpretação dos dados.
Neste artigo, tenho um lado e falo de um ponto, logo, antes de mais nada, gostaria de
apresentá-lo aos autores para que assim me ajudem nas reflexões que proponho neste
texto. Realizei mestrado em Educação Física na Universidade Gama Filho (UGF),
iniciando meus estudos no campo das áreas Sociocultural (Sc) e Pedagógica (Pg) com
Hugo Lovisolo, e após sua saída do programa fui acolhido pelo Prof. Antonio Jorge
Gonçalves Soares, ambos bolsistas de produtividade na ocasião. Convivi desde o
mestrado com a rotina de participar de grupos de pesquisas e auxiliar na elaboração,
coleta, análise, discussão e submissão de papers para as revistas. Fui apresentado, desde
o início, aos sistemas de avaliação da Capes, mas sempre com olhar crítico. Realizei o
doutoramento sob a mesma rotina e ingressei no ano de 2013 como docente da
Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf).
Chegando na Univasf, encontrei um grupo de jovens doutores, todos haviam
terminado o doutorado nos últimos 5 anos. Os cursos de licenciatura e bacharelado em
Educação Física haviam iniciado em 2009 na Univasf e o grupo começava a organizar a
submissão do APCN para o mestrado em Educação Física (EF). E foi no segundo
semestre de 2015 que o programa de pós-graduação em nível de mestrado em EF da
Univasf iniciou suas atividades, recebendo a nota 3 e sendo o primeiro programa de
pós-graduação em EF no interior do Nordeste.
Nesta minha curta caminhada como docente da pós-graduação, tenho sofrido,
mesmo que de maneira mais branda, as cobranças do sistema de avaliação, e
acompanhado as discussões com as outras instituições. Como iniciamos o programa há
pouco tempo ainda não encaramos o que parece ser o principal elemento de tensão nos
programas – o descredenciamento.
O descredenciamento ocorre quando os docentes não atingem algum critério
durante o ciclo avaliativo da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), que no momento é de quatro anos. O critério que tem mais sido
causador do descredenciamento é o número de pontos estabelecido para as publicações
acadêmicas instituídas pelas métricas avaliativas da (CAPES), que é o órgão responsável
pelo acompanhamento e avaliação dos programas de pós-graduação no Brasil.
Rigo, Ribeiro e Hallal (2012) apontam que de 2009 a 2011 houve uma diminuição dos
autores das áreas Sc e Pg, enquanto houve um aumento na área da saúde. Este dado é
preocupante, pois com a diminuição progressiva de orientadores nas áreas Sc e Pg
temos como consequência uma menor formação de futuros pesquisadores nestes
campos. Essa saída está relacionada com dois motivos: o descredenciamento e uma
diáspora dos pesquisadores para outras áreas como a educação, ensino, interdisciplinar
e etc. (SILVA; GONÇALVES-SILVA; MOREIRA, 2014). Todavia, independentemente do
motivo da saída, estes parecem estar alicerçados na constatação de que a indução da
ciência e os mecanismos de avaliação que estão postos na área 21 não levam em
consideração as idiossincrasias das áreas Sc e Pg.
Infelizmente se tornou cada vez mais comum ouvir que as linhas de pesquisa Sc e Pg
“puxam para baixo” os programas de Educação Física, e também por isso alguns
programas de pós-graduação em Educação Física optaram em não possuir linhas de
pesquisas relacionadas com as áreas Sc e Pg.
Os mecanismos de avaliação induzem um tipo de fazer científico que não leva em
consideração as áreas Sc e Pg. Essa tensão do quantitativo de pontos solicitados produz
maiores dificuldades na área, por possuírem tempo e características distintas sobre o
impacto de suas pesquisas (DAOLIO, 2007). Além disso, é necessário apontar que o rol
de revistas dispostas a publicar artigos relacionados aos aspectos sociológicos e
pedagógicos, por exemplo, é bem inferior em relação ao da biodinâmica (SILVA;
GONÇALVES-SILVA; MOREIRA, 2014). Este panorama faz com que as áreas Sc e Pg
tenham que possuir um volume maior de textos para alcançar os pontos da mediana.
Esse cenário descrito acima promove um paradoxo, pois nas áreas Sc e Pg é comum
que a apropriação de referenciais teóricos advindos de outras ciências, métodos de
pesquisa e especificidades da coleta de dados, levem maior tempo para confecção dos
artigos. Mas, a falta de revistas de alto Qualis acaba necessitando que o volume de
artigos seja relativamente mais alto para alcance dos pontos.
Rigo, Ribeiro e Hallal (2012) apontam que o Qualis periódico é orientado por
princípios que estão mais relacionados com a área da saúde, e não estão se mostrando
eficientes para avaliar a diversidade das áreas da Educação Física. Stigger, Silveira e
Myskiw (2015) apontam que isso contribui significativamente para o esvaziamento da
área Sc e Pg.
Logo, para continuar credenciado, os pesquisadores de todas as áreas necessitam
produzir um número de artigo em revistas especializadas. Isto gera uma espécie de
pressão para publicar que tem sido cada vez mais compartilhada com os discentes.
Neste sentido, o objetivo deste ensaio é discutir a pressão nos discentes vinculados às
linhas Sc e Pg para publicar.
Neste artigo, utilizaremos relatos de 10 alunos matriculados em um programa de
pós-graduação em Educação Física em nível de mestrado. Os alunos estão com projetos
de pesquisa vinculados nas linhas Sc ou Pg. Os dados foram coletados através de
questionário enviado previamente por email.

A PRESSÃO PARA PUBLICAR


A avaliação é um processo de muita complexidade, pois tem como buscar realizar
julgamentos a partir de critérios que nem sempre são muito claros. Por isso, muitas
vezes a busca por objetivação dos critérios tende a quantificá-los. Principalmente
quando necessita levantar dados em universo de grande número como é o caso do
impacto da publicação. Todavia, devemos refletir se é possível quantificar a qualidade e
impacto de uma publicação apenas pelo número de citações.
Nas discussões sobre a avaliação da pós-graduação a crítica à Capes acabou se
constituindo como um ponto comum dentre os pesquisadores de todas as áreas.
Porém, a crítica indiscriminada à Capes não nos ajuda a pensar possibilidades. Longe de
resumir meus argumentos na crítica pura e simples a Capes ou construir polaridades
entre a área da saúde e a Sc e Pd estou buscando refletir como podemos juntos pensar
possibilidades que nos permitam pensar formas de avaliação levando em consideração
a diversidade de fazer científico inerente à Educação Física. Cabe ressaltar que algumas
subáreas da saúde também passam por algumas dificuldades semelhantes a Sc e Pg.
Não esqueçamos que em algumas áreas a publicação tem como características rever
caminhos de um determinado grupo social específico. Deveria, portanto, haver uma
análise de contexto e de conteúdo das citações e o real impacto do artigo no meio de
atuação (CARVALHO; MANOEL, 2006). Sobre este ponto, Lovisolo aponta a seguinte
reflexão:

Um artigo publicado em uma revista A1 que teve 1000 leitores e 30 citações seria mais importante que
um artigo publicado em uma revista B3 que teve 30.000 leitores e citado cinco vezes? Um artigo que
influencia de forma significativa a didática da EF é mais ou menos importante que um artigo cujas
elaborações participam de 12 pesquisas que confirmam resultados anteriores de relações estatísticas
entre variáveis? Creio que no momento esse é o tipo de questões que nós devemos fazer e encontrar
respostas mais ou menos consensuais para instaurar novos processos avaliativos. Não devemos
esquecer que na avaliação está de modo prático e poderoso, a orientação dos processos (LOVISOLO,
2014, p.709).

O argumento de Lovisolo retrata mais uma questão que deve ser levada em
consideração. Há muitas preocupações acadêmicas, principalmente na área Pg, que
busca dar respostas a dilemas na Educação Física de escolas brasileiras. Neste sentido,
as pesquisas acabam tendo pouca atratividade para periódicos internacionais e
chegando pouco aos principais interessados, os professores da educação básica. Embora
possa ter um impacto maior para este público. Portanto, dar mais ênfase aos aspectos
qualitativos da avaliação nos parece que é um dado que poderia ser levado em
consideração de maneira mais significativa.
A avaliação com ênfase nos critérios quantitativos como se tem realizado até o
momento constrói uma ideia de “jogar o jogo”, evocando uma busca pela
sobrevivência ao sistema que tem estimulado as práticas de trocas de autoria
(LOVISOLO, 2007; TREIN; RODRIGUES, 2011). No mesmo sentido, Silva, Gonçalves-Silva
e Moreira (2014), apontam que a ideia de “jogar o jogo” oportuniza o desencadeamento
acentuado de desvio de condutas éticas na produção do conhecimento, como plágio,
publicações em empilhamento, fatiamento das publicações, autocitação
descontextualizada, dentre outros possíveis problemas.
Sitgger, Silveira e Myskw (2015) entrevistaram docentes credenciados em programas
de pós-graduação e apontam que o argumento da pressão para publicar é rotineiro nos
professores. Os autores analisaram que enquanto no ano 2000 os docentes publicavam
1,4 artigos em média por ano, no ano de 2010 a média era 7,8 artigos. Os autores
também apontaram que a média de autores por artigos aumentou significativamente.
Enquanto na área Sc e Pg entre 2000 e 2002 era de 2 autores em 2010 passou para 5
autores por artigo. Na área da Biodinâmica esse aumento foi mais expressivo, enquanto
em 1999 a média era 4 autores. Em 2010 já se podia observar artigos com 9 autores de
forma regular, sendo identificado alguns artigos com 20 autores.
Outro reflexo que começa a acontecer nas áreas Sc e Pg é um desencorajamento da
utilização de alguns métodos, principalmente aqueles em que é necessário maior
tempo para coleta de dados como a etnografia. Não optamos por um método de
pesquisa porque simpatizamos, mas porque determinadas técnicas e procedimentos
são aqueles mais apropriados para responderem certos objetivos de pesquisa. Logo, a
corrida da produção para o maior número de papers pode ser visto como um
desperdício de tempo, considerando que analisar a qualidade de dados etnográficos
requer mais tempo e este poderia ser investido para escrever um maior número de
artigos. Em uma conversa informal com docentes que costumam realizar pesquisa com
procedimentos de coletas mais rápidas, explicava sobre o método etnográfico e o
tempo necessário: entrada no campo, familiarização com a cultura, aplicação de
diversos instrumentos e a triangulação dos dados. Recordo que antes que pudesse
terminar a explicação fui interrompido com a solução: “É só parar de fazer pesquisa
assim!”. Longe de fazer uma crítica ao colega, mas esta fala nos ajuda a compreender o
pragmatismo do qual estamos imersos. Para que gastar tanto tempo com esse tipo de
pesquisa se podemos utilizar de outros métodos e acelerar a produção? Notemos que
estas “soluções” reforçam que talvez estamos publicando não mais para divulgar
nossos resultados e estabelecermos comunicação com os atores do campo profissional,
mas apenas para atender critérios quantitativos.
Silva, Gonçalves-Silva e Moreira (2014) afirmam que nessa lógica de publicações, os
temas ou métodos de pesquisa a serem investigados, por vezes, não são mais
escolhidos com base na necessidade de avanços sobre o conhecimento, mas sim, pela
maior velocidade de produção do paper ou probabilidade de se publicar em periódicos
com alto impacto (MANOEL; CARVALHO, 2011, VITOR-COSTA; SILVA; SORIANO, 2012).
E foi neste sentido que perguntamos aos discentes, qual seria na opinião deles o
objetivo da publicação de artigos em revistas acadêmicas. Obtivemos respostas em
duas direções, a primeira de impactar a área, divulgando os resultados da pesquisa e
outra no sentido do cumprimento das exigências dos processos de avaliação e buscar
aumentar o currículo.

Duas funções principais: a primeira é disseminar a produção de conhecimento acadêmico com vistas
a aproximar estes saberes da sociedade [...] A função é qualificar o pesquisador [...] Aqui, escuta-se o
argumento: quem entra no mestrado já sabe que deve sujeitar-se a isso!). A questão é o sentido da
publicação, pois ela dever ser encarada como mais um processo de aprendizagem do mestrando, e não
como uma imposição adornada pela vaidade de determinados sujeitos. (informante 2). Disseminar as
inovações da área, com o objetivo de impactar na realidade (informante 4). Promover o avanço da
ciência, divulgando resultados das pesquisas (informante 5). A maioria publica para melhorar o
currículo e ganhar bolsa de produtividade. Percebe-se que há uma preocupação enorme em produzir
(informante 8). Infelizmente a função principal tem sido a de atender as exigências do sistema. Não há
como negar a grande corrida do mundo acadêmico em torno da ampliação da quantidade de
publicações com o intuito de pontuação referente a concursos/progressão funcional/avaliação de
cursos de pós-graduação (informante 9).

Notemos como a ideia de “jogar o jogo” já se encontra solidificada na cultura


acadêmica e no discurso destes discentes. De fato, os mecanismos de avaliação já
começam a olhar a produção dos docentes com o discente e a produção do discente
como parâmetros avaliativos dos programas. Uma pressão que antes se encontrava
apenas nos docentes já reverbera nos discentes, na medida em que em alguns
programas para se candidatarem ao processo seletivo de doutorado necessitam
comprovar produção, muitas vezes compatíveis com professores de programa com
nota 3 na área 21 da Capes. Se por um lado, os docentes possuem alguma voz nas
críticas e posicionamentos, isso não ocorre com os estudantes que para sobreviverem
na mobilidade da carreira precisam cada vez mais se “sujeitarem” às normas.
Sobre este aspecto, Silva, Gonçalves-Silva e Moreira (2014) apontam que o processo
de formação na pós-graduação, corre o risco de se transformar em produção de
trabalhos para o cumprimento de exigências burocráticas.
Perguntamos se os discentes já se sentiram pressionados para publicar. Dos 10
entrevistados apenas 2 disseram não se sentirem pressionados, mas relataram ser
comum ouvirem de seus professores sobre a pressão para publicação. Os demais
apontaram que publicar seria uma maneira de ter visibilidade e ser respeitado.

[...] alguns professores e orientadores permanecem numa busca desenfreada em querer publicar
demasiadamente, resultando na maioria das vezes uma não preocupação com a qualidade e
relevância do que se está sendo publicado (informante 6).

As pressões vem acompanhadas de frases de efeito, tipo: publicar ou perecer! E os motivos estão
associados à manutenção e crescimento do programa (informante 8).
Todo mestrando se sente, de certa forma pressionado a publicar. E os motivos sejam os de que quanto
mais se produz, mais eficiente você é, e mais respeitado também. Isso não tem nada haver com o
orientador, mas sim com o sistema (informante 3).

Novamente, os discentes deixam de maneira nítida como que os mecanismos de


avaliação produzem rotinas de incorporar uma aceleração da produção. As pressões já
estão postas aos discentes que, muitas vezes, acabaram de ingressar em um programa
de pós-graduação e não possuem maturidade acadêmica.
Silva, Gonçalves-Silva e Moreira (2014) apontam que mestrandos e doutorandos se
veem no meio do fogo cruzado entre pesquisadores e órgão regulador, recaindo sobre
eles os efeitos colaterais. Pressionados pela Capes a manter a produção do corpo
docente, os programas tendem a se apegarem aos pesquisadores em formação
(mestrandos e doutorandos) para manterem-se na ativa, exigindo deles a produtividade
e alimentando, com isso, um “círculo vicioso” já no processo da formação profissional.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Não é nossa intenção realizar uma crítica a Capes como finalidade principal, pois a
ausência de um modelo de avaliação provocaria maiores prejuízos que eventuais
efeitos colaterais produzidos pelo sistema. Ademais, a crítica simples e pura tem sido
danosa a área porque apenas cria barreiras que impedem o diálogo. Compreendemos a
importância e necessidade de existir um sistema de avaliação que busque acompanhar
os programas, os pesquisadores e suas produções. Todavia, ao longo do texto nos
posicionamos na perspectiva que devesse construir mecanismos e/ou critérios,
ferramentas de cunho mais qualitativo que ajudem a identificar o impacto destas
produções na comunidade científica e no campo profissional. Sabemos do desafio que é
avaliar e por isso é necessário que continuemos a propor outras alternativas que
agreguem ao modelo que vigora até o momento.
O modelo que vemos gera pressão para todos os professores das diferentes áreas e
inclusive da Educação Física. Porém, isso se agrava nas áreas Sc e Pg por possuírem
algumas especificidades como menor número de revistas e um menor número de
periódicos com Qualis elevado. O aumento do tempo de 3 para 4 anos talvez seja uma
solução interessante no sentido de levar em consideração os estudos que possuem
maior tempo para produção. E em considerar o aumento do tempo que as revistas vêm
respondendo aos manuscritos submetidos. Mas, contudo, o aumento para quadriênio
pode não afetar significativamente se o quantitativo de pontos subir na mesma
proporção.
Uma indução em revistas da área Sc e Pg pode ser uma alternativa interessante para
que as produções possam priorizar maior qualidade e que a pressão para publicação
possa ser mais controlada e vista apenas como um estímulo e não como um ultimato.
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SEÇÃO II

MULTIPLICIDADES DE OLHARES SOBRE AS SUBÁREAS


SOCIOCULTURAL E PEDAGÓGICA
DA ANTROPOLOGIA DA SAÚDE PARA EDUCAÇÃO
FÍSICA: PRÁTICAS CORPORAIS SOB ANÁLISE
Prof. Dr. Alan Camargo Silva
Professor das Redes Municipal e Estadual de Educação do Rio de Janeiro e da Pós-Graduação Lato e Stricto Sensu
da Escola de Educação Física e Desportos da UFRJ. Membro do Núcleo de Estudos Sociocorporais e Pedagógicos
em Educação Física e Esportes (NESPEFE).

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Desde o início do século XX, saúde-doença, mortes, aflições, processos de cura e
sofrimentos fizeram parte de diversos trabalhos do campo das Ciências Sociais. Mauss
(1993) sugeriu a diversidade de técnicas corporais envolvida por aspectos físico-
biológicos, psicológicos e sociais, o que pode ser visto em condutas de higiene ou de
sexualidade, por exemplo. Durkheim (2007) tentou delinear as regras para definir a
oposição entre o que é normal ou patológico. Turner (1974) focou em processos rituais
tribais em relação a doenças. Evans-Pritchard (1978) preocupou-se em descrever o
modo de vida de uma tribo a partir das bruxarias e suas relações com infortúnios. O
trabalho de Lévi-Strauss (1996) demonstrou a complexidade dos componentes psico-
fisiológicos ao mencionar seu suposto funcionamento a partir dos significados da/ na
relação entre o aspecto social e o sujeito que estava comprometido/ enfeitiçado
próximo da morte.
Embora esses clássicos empreendimentos investigativos tivessem aprofundado
aspectos peculiares de certos grupos sociais sobre o modo como compartilhavam
determinadas representações da doença, do processo terapêutico e dos significados
atribuídos ao corpo, foi apenas durante a segunda metade do século XX, na França, que
emerge efetivamente a Antropologia da Saúde (AUGÉ, 1986; HERZLICH, 2005). Ainda
que tenha ocorrido o desenvolvimento da Antropologia Médica norte-americana e
anglo-saxônica (KLEINMAN; DAS; LOCK, 1997; GOOD, 1998; LOCK; NGUYEN, 2010;
SAILLANT; GENEST, 2012) atrelada essencialmente à biomedicina e à dicotomia
natureza/cultura, indivíduo/sociedade e saúde/doença, foi o campo da Antropologia da
Saúde que desconstruiu a noção de cultura na área da Saúde ao entender que os
saberes e práticas voltados ao corpo e à saúde-doença assim como o próprio referencial
(bio)médico são construções socioculturais e históricas (LE BRETON, 2016).
As aproximações teórico-metodológicas entre o campo da Antropologia e a área de
Educação Física estabeleceram-se nos anos oitenta e noventa, sobretudo, no âmbito
escolar (DAOLIO, 1995; DAOLIO, 2001; DAOLIO, 2004). Entretanto, levando em
consideração que todo campo científico constantemente “[...] é objeto de luta tanto em
sua representação quanto em sua realidade” (BOURDIEU, 2004, p. 29), pode-se registrar
que a área de Educação Física ainda configura-se pela sua (re)construção
epistemológica diante dos referenciais antropológicos.
É nesse contexto da Antropologia da Saúde que a área de Educação Física enriquece-
se em termos acadêmicos, profissionais e de políticas públicas voltadas à saúde.
Especialmente no âmbito não-formal da área de Educação Física, considera-se aqui que
há cada vez mais a necessidade de articular os conhecimentos anatomofisiológicos e do
treinamento com normas, costumes, crenças e valores que são determinantes nas
maneiras como cada grupo social se engaja nas práticas corporais.
Nesse sentido, objetiva-se, nesse texto, apontar possíveis contribuições da
Antropologia da Saúde para Educação Física. Para fins de organização do presente
manuscrito, optou-se aqui por três eixos de discussão: a) Produção do conhecimento; b)
Intervenção profissional; c) Políticas Públicas. Esses prismas de análise fornecem
argumentos para Educação Física legitimar-se sobre o sentir, o pensar e o agir dos
sujeitos face às práticas corporais engendradas por lógicas simbólicas acerca da saúde-
doença e dos processos terapêuticos que ultrapassam o referencial biomédico ainda
hegemônico na área.

PRÁTICAS CORPORAIS NO ÂMBITO DA PRODUÇÃO DO


CONHECIMENTO, INTERVENÇÃO PROFISSIONAL E POLÍTICAS
PÚBLICAS

PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO
Em primeiro lugar, pode-se destacar a relevância da Antropologia da Saúde para
Educação Física na dimensão da produção do conhecimento. Embora tenha ocorrido o
aumento do desenvolvimento de estudos a partir dos referenciais das Ciências Sociais
no campo da Saúde (LUZ, 2011; CANESQUI, 2011) e de pesquisas qualitativas na
Educação Física (SILVA; VELOZO; RODRIGUES JUNIOR, 2008; GOELLNER et al., 2010), a
subárea sociocultural ainda enfrenta dificuldades de se legitimar face a hegemonia da
subárea biodinâmica no cenário acadêmico da Educação Física (BETTI et al., 2004;
MANOEL; CARVALHO, 2011).
Tal cenário supracitado se deve pela área de Educação Física ter privilegiado
investigações de caráter biológico sobre exercício físico e atividade física voltada à
Saúde Pública (NAHAS; GARCIA, 2010) em detrimento da ótica das práticas corporais
que se preocupa com os significados e os sentidos que determinados grupos sociais
atribuem à cultura corporal de movimento (SILVA; DAMIANI, 2005; LAZZAROTTI
FILHO et al., 2010; SILVA, 2014). Pela Educação Física historicamente ter interface com
o campo da Saúde, as relações entre corpo, saúde-doença e cultura ainda tornam-se
uma perspectiva relativamente desconhecida ou pouco investigada no âmbito das
práticas corporais.
Nesse contexto, a partir da possibilidade de exploração de novos e complexos
objetos, temas e abordagens teórico-metodológicas no campo da Antropologia da Saúde
na contemporaneidade (CANESQUI, 2011a; IRIART; CAPRARA, 2011; DESLANDES;
IRIART, 2012), abre-se um espaço profícuo de estudos sobre a multiplicidade de formas
de conceber o processo saúde-doença e os inúmeros artifícios terapêuticos presentes na
prática profissional em Educação Física ou nas concepções e comportamentos daqueles
que realizam as práticas corporais.
Noções de riscos à saúde, práticas e saberes clínicos envolvidos no movimento
humano, usos de substâncias ou produtos para aprimoramento do corpo (fármacos,
anabolizantes, suplementos alimentares, etc.), práticas corporais realizadas em
ambientes indoor ou outdoor como processos terapêuticos, sociabilidades entre grupos
que realizam determinada modalidade de atividade física, imbricamentos entre
consumos e tecnologias visando performances atléticas ou modificações corporais,
redes sociais como espaços de compartilhamento de representações sobre exercício
físico e saúde-doença, dentre outras perspectivas de análise, são campos ainda pouco
explorados na área Educação Física pelo referencial antropológico. Destarte,
argumenta-se, portanto, a necessidade do estímulo a investigações quanti-quali ou
quali-quanti, ou ainda, estudos que centrem suas análises transdisciplinares ou
interdisciplinares abordando os referenciais da Antropologia da Saúde junto aos
pressupostos epidemiológicos ou estatísticos que ainda predominam no âmbito das
práticas corporais.

INTERVENÇÃO PROFISSIONAL
Outro contributo da Antropologia da Saúde para Educação Física pode ser pensado no
nível da intervenção profissional. Isso significa afirmar que os profissionais de
Educação Física devem aliar o conhecimento biomédico à sensibilidade de
compreensão do contexto sociocultural que o cerca. Para isso, esta condição necessária
para uma intervenção mais simétrica ou emancipatória com aqueles que realizam as
práticas corporais exige do professor de Educação Física ouvir e dialogar com o outro,
bem como conhecer as trajetórias ou itinerários individuais e o contexto
macroestrutural ou coletivo que caracterizam o público em foco.
Assim, vale considerar o contexto sociocultural do público que será foco de
intervenção do professor de Educação Física. As condições materiais/objetivas e
simbólicas/subjetivas que atravessam o engajamento nas práticas corporais por
determinados grupos sociais podem ser levadas em consideração na prescrição do
treinamento (SILVA, 2014a). Nesse caso, a ampliação da noção de práticas corporais
voltadas à saúde-doença pela perspectiva antropológica permite o professor de
Educação Física não somente humanizar a sua prática profissional com o outro, mas
também modular as variáveis do treinamento a partir ou com as expectativas e
perspectivas daqueles que realizam as práticas corporais.
Impor, informar, verticalizar ou assumir uma intervenção medicalizada com as
práticas corporais voltadas à saúde exclusivamente a partir de parâmetros técnico-
científicos influencia no compromisso, na adesão e no vínculo daqueles que se
exercitam em diversos espaços onde a área de Educação Física atua. Desse modo, o
profissional de Educação Física tem como desafio entender os motivos, interesses e
lógicas dos sujeitos em realizar as práticas corporais, buscando detectar o que significa
e quais sentidos de saúde-doença para o outro, ou ainda, identificar, por meio da
alteridade, quais ou como acionam determinados dispositivos para cuidar de si. A
prática em saúde na Educação Física deve possibilitar a constante comunicação entre
profissional e o outro, considerando as necessidades os interesses deste com as práticas
corporais e o concebendo como capaz e ativo de agenciar sua própria vida agindo no
momento de exercitar-se conforme suas experiências de vida.
Nesse sentido, interseccionar criticamente os marcadores sociais da diferença
(camada social, gênero, sexualidade, raça/cor/etnia e ciclo de vida) com aspectos que
podem condicionar as representações de saúde-doença (orientação política ou religiosa,
por exemplo) podem fazer parte do cotidiano de orientação do profissional de
Educação Física. Acrescenta-se ainda que a intervenção com o outro deve se pautar
também nos elementos microssociais que atravessam as relações entre saúde-doença e
práticas corporais como o convívio com a família, vizinhos ou amigos na dimensão do
trabalho e do lazer. Em suma, o referencial da Antropologia da Saúde propicia que o
professor de Educação Física conceba a sua atuação de modo contextualizado e
singularizado perante a diversidade ou pluralidade de contextos e grupos sociais.

POLÍTICAS PÚBLICAS
Por fim, outra contribuição do referencial da Antropologia da Saúde para Educação
Física pode se referir às políticas públicas voltadas à saúde. Se a Constituição Federal
(BRASIL, 1988), no artigo 196, aponta que “A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos [...] para a promoção, proteção e recuperação”, vale
questionar como os projetos responsáveis por planejar as práticas corporais para a
população estão sendo conduzidos atualmente.
Historicamente, as políticas públicas voltadas à saúde, sobretudo na área de
Educação Física, alinham-se a perspectivas tradicionais e biologizantes de prevenção
em que privilegiam a mudança de atitudes e de comportamentos individuais
responsabilizando os sujeitos, vistos como passivos e carentes de informação, pelas
próprias condições de saúde-doença (BAGRICHEVSKY; ESTEVÃO; PALMA, 2006; DA ROS,
2006; NOGUEIRA; BOSI, 2017). A própria Política Nacional de Promoção da Saúde
(BRASIL, 2010) não deixa claro o sentido político ou conceitual entre estimular a prática
regular de atividades físicas no sentido de buscar efeitos físico-orgânicos reduzindo os
sujeitos ao “biológico” ou valorizar as práticas corporais como um processo
sociocultural que interfere na interação com o movimento humano.
Diante desse contexto, o referencial da Antropologia da Saúde consegue considerar
os aspectos microscópicos responsáveis por influenciar o engajamento dos sujeitos nas
práticas corporais e compreender os determinantes socioeconômicos e culturais que
engendram tal realidade, diferente das práticas em saúde universalistas, biologistas,
individualistas e a-históricas (LANGDON, 2014). Pela própria constituição da Educação
Física ter sido marcada pelo referencial biomédico técnico-científico, a formulação de
políticas públicas de saúde no Brasil ainda é incipiente (BAGRICHEVSKY, 2007).
Assim, há a necessidade de cada vez mais empreender políticas públicas na área de
Educação Física que considerem não somente o caráter universal, utilitário ou
instrumental das práticas corporais, mas também as especificidades ou peculiaridades
locais e das subculturas que propõem-se a movimentar-se em prol do processo saúde-
doença. Para além dos inegáveis benefícios físico-orgânicos proporcionados pela
realização regular das práticas corporais, torna-se imperativo que as políticas públicas
considerem outros elementos igualmente terapêuticos, tais como a criação e
consolidação de vínculos sociais ou afetivos, maior sociabilidade e a vivência lúdica ou
prazerosa de exercitar-se.
A Antropologia da Saúde potencializa práticas em saúde menos segregacionistas e
mais próximas da realidade dos sujeitos. Assim, nas políticas públicas, a eficácia e o
impacto do movimentar-se não devem restringir-se aos benefícios dos parâmetros
biológicos ou à mercantilização vinculada aos lucros da efetividade de sua prática, pois
o que pode ser determinante para a adesão ou manutenção das práticas corporais é o
significado ou o sentido dado pelos sujeitos à saúde-doença ou aos modos terapêuticos
de acordo com seus contextos e grupos sociais. Portanto, formular políticas públicas
voltadas à saúde depende de identificar as nuances de usos do corpo dos sujeitos a
partir substancialmente do ponto de vista simbólico e relacional daqueles que realizam
as práticas corporais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi possível destacar a importância do campo da Antropologia da Saúde para Educação
Física desde a produção acadêmica, passando pela intervenção profissional, até o
planejamento de políticas públicas voltadas à saúde. As dimensões acadêmicas,
profissionais e de gestão face à organização e à sistematização das práticas corporais
tornam-se relevantes para orientar a área de Educação Física na contemporaneidade.
Assim, longe de perder de vista os aspectos macroestruturais que influenciam no
engajamento das práticas corporais, o “exercício antropológico” da Educação Física em
acessar a lógica interna ou microscópica dos sujeitos em suas realidades sociais e
dimensões simbólicas com o movimento humano torna-se um desafio necessário à
área atualmente. Isto é, revelar as ações e experiências individuais e coletivas com as
práticas corporais a fim de relativizar conceitos biomédicos e entender as noções de
saúde-doença ou os mecanismos terapêuticos daqueles que se exercitam mitiga o
“ethos biologizante” ainda marcante na área.
Logo, partindo da posição antropológica de realizar certa leitura do mundo social,
“[...] como um conjunto de normas que visam aprofundar o conhecimento do homem
pelo homem; e nunca como certezas ou axiomas indiscutíveis e definitivamente
assentados” (DaMATTA, 2010, p. 11), entende-se que o conhecimento técnico-científico é
uma condição necessária para a legitimação da área de Educação Física no campo da
Saúde, mas não é suficiente para buscar apreender a pluralidade ou a carga simbólica
incutida na realização das práticas corporais.
Compreende-se, portanto, que a área de Educação Física deve-se apoiar não somente
na lógica estruturada da racionalidade biomédica, mas também nas vivências e nas
experiências simbólicas dos sujeitos com o movimento humano nos diversos grupos
ou contextos sociais. Em outras palavras, “antropologizar” cada vez mais a área
significa entender e explorar os sentidos e os significados atribuídos às práticas
corporais ampliando a maneira de pensar a questão da saúde como um fenômeno
biopsicossocial.

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GÊNERO E SEXUALIDADE NO CAMPO DA
EDUCAÇÃO FÍSICA E DOS ESPORTES
Profº. Drnd. Leandro Teofilo de Brito
Docente EBTT do Colégio Pedro II. Doutorando em Educação - ProPEd/UERJ

Prof. Dr. Erik Giuseppe Barbosa Pereira
Professor Adjunto da Escola de Educação Física e Desportos da UFRJ.
Líder do Grupo de Estudos Corpo, Esporte e Sociedade (GECOS)

Recorrentemente livros e manuais de metodologia científica buscam apresentar entre


seus conteúdos diversos parâmetros normativos de como se executar uma pesquisa:
uso do referencial teórico, delimitação do problema, justificativa da investigação,
definição de uma hipótese, entrada em campo para coleta de informações, tratamento
de dados, etc. Todos estes trâmites seguem padrões que devem ser executados à risca
para que haja fidedignidade na pesquisa acadêmica que busca ser realizada. Todavia,
sem negar tais premissas, novas possibilidades de metodologias de pesquisa, em
especial as que se situam no campo das ciências sociais e humanas e apresentam como
base os estudos pós-estruturalistas, reconfiguram métodos e técnicas repensando o
positivismo e o caráter normativo presente nas pesquisas em geral. Com base nestas
afirmações, este capítulo discute a construção de uma abordagem teórico-metodológica
para pesquisas sobre gênero e sexualidade no campo dos estudos socioculturais da área
de Educação Física e Esportes: o uso da perspectiva queer.
A teoria queer se apresenta com o objetivo principal de problematizar a dinâmica do
gênero, da sexualidade e do desejo na organização das relações sociais (MISKOLCI,
2009). Apropriando-se do sentido de ofensa que o termo queer significa na língua
inglesa para inversão dessa significação como potência de luta política (PELÚCIO, 2016),
a perspectiva queer coloca em discussão a heterossexualidade como norma e a
hierarquização dos pares binários masculino/feminino nas identificações de orientação
sexual e gênero dos sujeitos.
No que diz respeito aos termos teóricos e metodológicos, os estudos queer surgiram
do encontro entre uma corrente dos Estudos Culturais norte-americanos com a
perspectiva pós-estruturalista francesa, problematizando concepções clássicas de
identidade e agência e foi central no rompimento com a concepção cartesiana de
sujeito como base ontológica e epistemológica (MISKOLCI, 2009). As noções de poder,
regulação, normalização e a sexualidade como dispositivo histórico em Michel
Foucault, a noção de desconstrução em Jacques Derrida e performatividade de gênero
em Judith Butler se mostram como as bases fundamentais de construção da teorização
queer.
Com o maior desenvolvimento acadêmico da teoria queer ao longo dos últimos vinte
anos, pesquisadoras/es se apropriaram da mesma nos contextos de pesquisa, passando
a pensá-la também como possibilidade de configuração teórico-metodológica nas
pesquisas. Parte destas apropriações tiveram como base a principal obra que discorreu
sobre o queer como metodologia de pesquisa, chamada Queer Methods and
Methodologies: intersecting Queer Theories and Social Science Research, uma
organização de Browne & Nash (2010), não traduzida para o português, e que tem como
objetivo esmiuçar como, a partir da fluidez, instabilidade e do caráter desconstrutivo da
teoria queer, torna-se possível fazer pesquisa. As autoras problematizam que o grande
desafio da metodologia queer é pensar como técnicas de pesquisa convencionais
podem se articular com uma proposta teórica instável e subjetiva, como é o caso da
abordagem queer. A obra, de uma maneira geral, tece críticas aos modelos tradicionais
de pesquisa das ciências sociais e humanas, além de abordar capítulos que discutem o
queer em diálogo com etnografias, uso de entrevistas, estudos sobre pessoas
transgêneros e estudos interseccionais que articulam gênero e sexualidade à raça/etnia,
classe social, entre outras categorias. Browne e Nash (2010) afirmam que a pesquisa
queer busca desconstruir e desestabilizar a pesquisa convencional, levando em conta o
deslocamento das identidades, pois, neste contexto, a pesquisa social se debruçará em
contextos pós e anti-identitários.
Desta forma, quando se fala em modos queer de fazer pesquisa, não se pensa apenas
em um tipo de metodologia que se volte para sujeitos que não se enquadram nos
modelos normativos de gênero e orientação sexual, mas também na desconstrução e
ressignificação de métodos e técnicas de pesquisas, repensando seus padrões, sua
rigidez acadêmica e o papel do/a pesquisador/a nesse processo.
Garcia (2012), em resenha sobre a obra de Browne e Nash (2010), defende que esta é
uma abordagem que recusa qualquer cânone ou corrente de pesquisa social fixa e
estável, pois traz inovações metodológicas e teóricas nascidas a partir da combinação
de teorizações desenvolvidas em contextos particulares, comportando discussões
filosóficas, sociológicas, antropológicas e diferentes abordagens disciplinares que se
dedicam ao campo dos estudos de gênero e sexualidade. Neste sentido, a perspectiva
queer se apresenta como método e, ao mesmo tempo, se pretende um modo de
engajamento teórico e/ou conceitual. Para o autor, “A pesquisa queer busca a
compreensão que constitui e desestabiliza a pesquisa convencional, alterando as
esferas fundacionais das identidades, do social e as conceitualizações de realidade que a
ciência social investiga [...]” (GARCIA, 2012, p. 242).
O estadunidense Jack Halberstam também foi outro pesquisador do campo dos
estudos de gênero e sexualidade que se deteve numa explanação teórica sobre a
perspectiva queer como configuração teórico-metodológica nas pesquisas. Por se
utilizar de diferentes métodos como textos críticos, etnografia, estudos históricos,
pesquisa com arquivos e taxonomias, Halberstam (2008) caracteriza a abordagem de
pesquisa queer como um modo flexível em que se busca investigar as identificações de
gênero e sexualidades não normativas, afirmando também haver, em sua
operacionalização, uma certa insatisfação com os métodos acadêmicos convencionais
de pesquisa. Reconhece que as investigações nesta perspectiva podem vir a sofrer
críticas por ter a teoria queer como base metodológica, todavia defende que os métodos
tradicionais de investigações nas ciências sociais e humanas, algumas vezes, não dão
conta de especificidades nas pesquisas sobre gênero e sexualidade: “A metodologia
queer tenta combinar métodos que muitas vezes parecem contraditórios entre si e
rejeita a pressão acadêmica que busca uma coerência entre as disciplinas”
(HALBERSTAM, 2008, p. 35).
León (2012), entre os/as pesquisadores/as nacionais, também foi um autor que
teorizou sobre a abordagem queer nas pesquisas. Pensando a teoria como uma analítica
anarquista da sexualidade – anarcoqueer, conforme a nomeia – e situando as
sexualidades não normativas como nômades, o pesquisador, a partir de uma ampla
discussão, traz de Michel Foucault as teorizações sobre sujeito e discurso, e Judith
Butler com a noção de gênero performativo, afirmando que o debate metodológico no
campo queer passa pela negação de preceitos tradicionais de pesquisas preconizados
nas ciências humanas e sociais. Neste contexto, afirma que a multiplicidade das
identificações, enunciando componentes como gênero, orientação sexual, classe, etnia,
raça, geração, nacionalidade, etc. se articulam a partir das subjetividades dos sujeitos,
construindo assim um pressuposto do uso da abordagem de pesquisa queer. “Cada
investigação é singular. Assim, o método é construído nessa singularidade e só serve
naquele momento. Não se difunde em manuais, mas tão somente na descrição daquela
investigação. É híbrido e provisório” (LEÓN, 2012, p. 232/233).
Destacamos também nesta discussão, pesquisadores/as brasileiros/as que, com base
nestas proposições apresentadas, se utilizaram da perspectiva queer como abordagem
teórica-metodológica em suas pesquisas. Todas as apropriações localizadas foram de
pesquisas do campo da Educação: Cristina d’Ávila Reis, a partir de dissertação de
mestrado que gerou posteriores publicações (REIS; PARAÍSO, 2012; 2013; 2014; REIS,
2014) e Oliveira (2016), em publicação relacionada a tese de doutorado defendida
recentemente. Estas/es autoras/es utilizaram o pensamento queer em pesquisas
etnográficas nos cotidianos escolares, objetivando um olhar desconstrutor para as
identificações de gênero e sexualidade de estudantes, também, em parte,
ressignificando a utilização de métodos e técnicas pelas proposições colocadas por
Browne e Nash (2010).
A partir destas afirmações posicionamos a abordagem queer como potente na
configuração contemporânea sobre metodologia de pesquisa, desmontando e
questionando as naturalizações normativas dos processos de investigação do campo
das ciências sociais e humanas, como aquelas contidas nas fórmulas que tendem a fixar
métodos e técnicas de pesquisas, assim como dicotomizar pesquisador/sujeito de
pesquisa. A operacionalização da abordagem de pesquisa queer ocorre pela
desconstrução de padrões rígidos relacionados ao fazer científico, mas sem perder de
vista o caráter de fidedignidade da pesquisa acadêmica. Deste modo, com base nos/nas
autores/as supracitados, a bricolagem e a mistura de métodos, técnicas e
procedimentos, a transformação dos existentes e a criação de novas formas de abordar
os objetos de pesquisa constituem-se como um modo queer de fazer pesquisa,
conforme o relato que apresentaremos na sequência.

QUEERIZANDO A METODOLOGIA
A abordagem de pesquisa configurada pela perspectiva queer que aqui apresentamos,
diz respeito à pesquisa de campo da tese de doutorado de um dos autores deste
capítulo, que em linhas gerais, buscou problematizar a presença de jovens adolescentes
atletas que se identificam como gays e bissexuais em equipes de base do voleibol.
Como principal teorização da pesquisa, além da perspectiva queer, a noção de
performatividade de gênero, da teórica feminista Judith Butler se mostrou produtiva
para a discussão sobre a orientação sexual e as performances de masculinidades dos
sujeitos da pesquisa. Butler (2015) afirma que o gênero é performativo pela repetição
estilizada do corpo por falas, atos e gestos, que, com base nas normas regidas pela
heterossexualidade reprodutora, buscam enquadrar os sujeitos arbitrariamente em
modelos binários, inteligíveis e coerentes de sexo-gênero-desejo (sexualidade). Todavia,
este é um processo contingente e imprevisível, pois possibilita, ao mesmo tempo, a
manutenção das normas como possibilidades de rupturas e subversões nas
performances de gênero.
Judith Butler, nesta discussão sobre o gênero performativo, se apropria da noção
derridiana de iterabilidade para afirmar que tal repetição jamais se realiza de forma
plena (BUTLER, 2009; DERRIDA, 1991). A iterabilidade é uma propriedade da linguagem
que explica as dinâmicas sociais de construção dos sentidos pela linguagem, que inclui
a alteridade e jogos de poder, ao afirmar que não se repetirá jamais um mesmo
enunciado de maneira idêntica ao proferido inicialmente, mesmo que os
deslocamentos realizados não sejam perceptíveis e nem sempre se apresentem
relevantes politicamente. Essa ressignificação de sentidos pela linguagem é também
apropriada pelo corpo ao se performatizar um gênero, conforme as construções
teóricas propostas pela teórica feminista.
A captação destes jovens adolescentes atletas ocorreu pela técnica bola de neve
(PATTON, 1990), método que tem como objetivo selecionar a amostra por
conveniência, permitindo que se busque sujeitos com o perfil desejado pela pesquisa.
Como o autor da tese trabalhou em início de carreira como professor de escolinhas de
iniciação de voleibol, o contato com pessoas que atuam no campo como professores/as,
técnicos/as e atletas facilitou a captação destes sujeitos. Os jovens adolescentes, sujeitos
da pesquisa, identificam-se como gays e bissexuais, são atletas de clubes amadores e
ligados à federação do estado do Rio de Janeiro e alunos/atletas com bolsas de estudos
em colégios particulares no mesmo estado.
O método utilizado para coleta de dados, conforme a perspectiva pós-estruturalista
adotada pela pesquisa, optamos por chamar de construção de informações e se dá por
uma proposta de entrevistas narrativas. Reconheceu-se que a operacionalização de
narrativas se mostrava potencial ao enunciar como a experiência de jovens
adolescentes atletas gays e bissexuais se constituía no contexto do voleibol, dando voz
a sujeitos invisibilizados e excluídos historicamente no espaço (hetero)normativo do
esporte. A pesquisa não se pautou em uma técnica de entrevistas pré-estabelecida, mas
em uma proposta que possibilitou a construção de um método através da interlocução
de autores/as situados nos estudos pós-estruturalistas, conforme as proposições de
teorizações aqui apresentadas sobre abordagem teórico-metodológica queer.
Partimos inicialmente para a construção de tal proposta pelos estudos da
pesquisadora argentina Leonor Arfuch, que nomeia de “espaço biográfico” (ARFUCH,
2010, p.9) um local de multiplicidades de narrativas que contam de diferentes modos
histórias e/ou experiências de vida. A denominação espaço biográfico, para a autora,
remete-se a um universo de gêneros discursivos que delineiam um território composto
pela “trajetória individual sempre em busca de seus acentos coletivos” (ARFUCH, 2010,
p.15) e que são expressados por entrevistas, conversas, testemunhos, histórias de vida,
relatos de auto-ajuda, anedotários entre outros. A narrativa, como um destes variados
gêneros biográficos, é postulada como uma dimensão configurativa da experiência,
numa relação dialógica e alteritária que se faz possível dentro dos diferentes espaços-
tempos. Nos deteremos, de forma breve, nestes pontos elencados pela pesquisadora.
Ao discorrer sobre a constituição da experiência, Leonor Arfuch se aproxima da
noção proposta pela historiadora feminista Joan Scott. Neste entendimento, quando a
experiência é tomada como origem do conhecimento, a visão dos sujeitos, seja da
pessoa que viveu a experiência ou a da que narra, torna-se verdade apriorística,
remetendo-se a um entendimento essencialista que opera invisibilizando formas de
como a diferença é estabelecida, como e de que maneira esta informa os sujeitos. Scott
(1998), refutando tal posição, propõe que, ao tornar visível a experiência de um grupo,
se coloque em evidência os processos históricos que, constituídos pelo discurso,
posicionam sujeitos na construção crítica de sua experiência, já que: “Não são
indivíduos que têm experiência, mas sim os sujeitos que são constituídos pela
experiência” (p. 304). Deste modo, interessa à pesquisa como a constituição da
experiência dos sujeitos da pesquisa – identificados como jovens adolescentes atletas de
voleibol gays e bissexuais – são narradas.
Outra noção importante enunciada por Arfuch (2010) é o dialogismo e a alteridade, a
qual a autora se aproxima do filósofo russo Mikhail Bakhtin. Nesta proposta, interagir
com o outro no estudo de campo através de um olhar dialógico e alteritário permite
reconhecer o encontro entre sujeitos como um acontecimento, em que o processo
dialógico é uma forma criativa e produtiva do eu se aproximar com suas palavras às
palavras do outro, possibilitando negociações (BAKHTIN, 2011). O espaço biográfico,
para a pesquisadora, é reconhecido como uma instância de trocas dialógicas que se
materializa, por exemplo, pelas entrevistas, através do diálogo mútuo entre
entrevistador e entrevistado. Conforme coloca a autora: “[...] a forma dialógica é
essencial, tanto para o contato e a configuração mesma do ‘campo’ (o traçado temático,
as variáveis e a amostra que orientarão a posterior indagação), quanto para a produção
interlocutiva desses relatos, segundo objetivos particulares” (ARFUCH, 2010, p. 239). Tal
construção de proposta de entrevistas narrativas favorece um olhar não essencializado
e desnaturalizado promovido no diálogo entre pesquisador e sujeitos entrevistados,
assim como também desconstrói as formas mais usuais de utilização de entrevistas nas
pesquisas acadêmicas.
Durante as trocas dialógicas ocorridas entre pesquisador e sujeitos levou-se em
consideração as iterações - retornando à noção derridiana apropriada por Judith Butler
na noção de performatividade - dos enunciados proferidos nas conversas, focalizando
repetições/deslocamentos sobre as questões de gênero e sexualidade propostas pela
pesquisa. Após a realização destas entrevistas, problematizou-se as mesmas pelo que se
configurou como contextos de iteração (LEITE, 2017). Considerando contexto em
Derrida (1991) como uma instância aberta e instável, realizou-se a leitura das
entrevistas narrativas agrupando contextos de iteração: identificando o contexto mais
imediato que as enunciações apontavam através do diálogo ali desenvolvido. Uma
entrevista gera diferentes contextos de iteração e os mesmos são agrupados conforme
temas, que se relacionam com a pesquisa mais geral propriamente dita, considerando
problema objetivos, roteiro de entrevistas, etc. Apresentaremos um contexto de
iteração que foi nomeado como voleibol feminino e expressa de forma bastante clara as
iterações construídas pelo diálogo:

Pesquisador: Você é fã de algum atleta?

Thiago Alves: Sim. Da Tandara.

Pesquisador: Da Tandara... que legal, também gosto dela.

Thiago Alves: Eu amo ela, acho ela uma mulher excepcional também, teve filho agora e não foi pras
olimpiadas, mas voltou super bem em Osasco, porque é uma jogadora forte, de porrada mesmo na
bola, porradeira como se fala, adoro ficar vendo ela jogar, amo o estilo dela de jogar, entendeu?

Pesquisador: Uma pena ela ter sido cortada das olímpiadas. Discordei daquilo.

Thiago Alves: Aquilo foi maior erro... E ela tem uma página no face pros gays, não sei se é a pagina
dela ou se é um fã clube dela gay que fez a página.

Pesquisador: Verdade. Ela tem essa página sim, mas eu acho que é página dela mesmo e não foi feita
Pesquisador: Verdade. Ela tem essa página sim, mas eu acho que é página dela mesmo e não foi feita
pelos fãs não..

Thiago Alves: Ah, lembrei... Ela fez essa página pros fãs, mas também pra homenagear o irmão mais
novo que joga também e é gay

Pesquisador: Verdade.. já soube dessa história também (risos). A gente sempre sabe tudo pelos grupos
de vôlei no face... Você viu que ela jogou bem ontem na semifinal do paulista?

Thiago Alves: Vi, vi sim. Ela jogou pra caramba e foi maior pontuadora do jogo. Não é a toa que ela é o
destaque do time de Osasco e esse vôlei dela me inspira demais

Pesquisador: Você acha que há uma influência da boa fase do vôlei feminino na formação dos
meninos que jogam na base aqui do Rio?

Thiago Alves: Sem dúvidas que sim. O vôlei feminino é caracterizado por muito rali e as pessoas
querem ver emoção, a bola não cai e sempre se fala assim “essa pessoa é muito habilidosa, como ela
pegou essa bola, etc.” Então as pessoas hoje em dia se motivam pela emoção no esporte e o vôlei
feminino sobra em emoção, porque a bola não cai tão fácil, o saque é difícil de passar. E posso te falar?
A maioria das pessoas que hoje jogam vôlei e gostam de vôlei não tem ido no masculino. Como
também não tem masculino adulto mais aqui no Rio é o feminino mesmo que manda. Mas isso não é
só aqui é em SP também, veja o time de Osasco lá quando vem jogar aqui, que manda ônibus e mais
ônibus com sua torcida.

Conforme o trecho apresentado, diferentes enunciações foram geradas a respeito do


voleibol feminino nas colocações do jovem adolescente atleta e do pesquisador,
possibilitando que o diálogo se mostrasse produtivo e iterável frente ao
questionamento colocado, mesmo que relações de hierarquização estivesse ali
presentes, tais como idade e nível de escolaridade. O que buscamos na exposição desta
conversa é a produtividade que as construções possibilitaram na operacionalização do
método.
Cabe colocar que não se descartou o uso de roteiros semi-estruturados para as
entrevistas, assim como de procedimentos éticos mais usuais tais como aprovação por
comitê de ética em pesquisa e uso de termos de consentimento livre e esclarecido,
retomando a afirmação de que os caráteres de rigor e de fidedignidade da pesquisa
acadêmica não são descartados pelas metodologias pautadas nos estudos pós-
estruturalistas.
A configuração de uma abordagem queer para a pesquisa relatada perpassou desde a
opção pelos sujeitos, busca de referenciais teóricos condizentes com a proposta
apresentada, até à construção de um método que trouxesse ressignificações ao que se
encontrava posto como naturalizado entre metodologias de pesquisas. Sua relevância
está no reconhecimento de que a abordagem queer na pesquisa pode ser única e ao
mesmo tempo múltipla.

CONSIDERAÇÕES
O grande desafio de pesquisadores/as que trabalham com metodologias de pesquisa
pós-estruturalistas é situar-se em um universo regulado por normatizações, como é a
pesquisa acadêmica, conduzindo-se em um caminho próprio de inovação, de
transformação e ressignificação do fazer-se pesquisador/a. Desestabilizar
metanarrativas consolidadas no espaço acadêmico coloca tais metodologias de
pesquisa em possível desconfiança, porém a potencialidade de criação de novas
possibilidades e formas de pesquisar favorece um devir de desnaturalização do que está
posto e fixo como verdade absoluta. Por este desafio que reconhecemos a importância
de consolidação destas metodologias nas pesquisas acadêmicas.
Neste sentido não apenas as questões de gênero e sexualidade no campo da
Educação Física e dos Esportes foram focalizadas com o intuito de desconstrução de
seus sentidos mais estabilizados, mas todos os processos que insistem em classificar e
hierarquizar posições que normalizam sujeitos, assim como modos legitimados de
fazer pesquisa tidos como imutáveis em sua “essência”. Queerizar a pesquisa e a
metodologia significa desconstruir-se e desestabilizar-se de uma posição fixa de
pesquisador/a para uma incansável busca pelo infinito de possibilidades.

REFERÊNCIAS
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BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
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ocupações. ETD: Educação Temática Digital, v. 19, p. 23-47, 2017.
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MISKOLCI, R. A Teoria Queer e a Sociologia: o desafio de uma analítica da normalização. Revista Sociologias,
UFRGS, v. 21, p. 150-182, 2009.
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Revista Práxis Educativa, UEPG, v. 11, n. 2, p.332-356, 2016.
REIS, C. A. O uso da metodologia queer em pesquisa no campo do currículo. In: MEYER, D.; PARAISO, M. A.
Metodologias de pesquisas pós-críticas em educação. 2ª ed. Belo Horizonte: Mazza, 2014, p.245-263.
PATTON, M. Q. Qualitative Evaluation and Research Methods. 2 ed. Newbury Park: Sage Publications, 1990.
PELUCIO, L. O Cu (de) Preciado? Estratégias cucarachas para não higienizar o queer no Brasil. Iberic@l: Revue d
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SCOTT, J. A invisibilidade da experiência. Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de


SCOTT, J. A invisibilidade da experiência. Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de
História, São Paulo, v. 16, p.297-325, 1998.
REIS, C. A.; PARAÍSO, M. A. A constituição de corpos guerreiros em um currículo escolar. Revista Educação &
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REIS, C. A.; PARAÍSO, M. A. Normas de gênero em um currículo escolar: a produção dicotômica de corpos e
posições de sujeito meninos-alunos. Revista Estudos Feministas, UFSC, v.22, n.1, p. 237-256, 2014.
SEÇÃO III

APONTAMENTOS SOBRE ÉTICA E PESQUISA NA EDUCAÇÃO


FÍSICA
ETICIDADE NA PESQUISA QUALITATIVA EM
EDUCAÇÃO FÍSICA: O QUE MUDA COM A
RESOLUÇÃO 510/16
Prof, Dr. Alexandre Palma
Professor Associado da Escola de Educação Física e Desportos da UFRJ.
Coordenador do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação Física da UFRJ

INTRODUÇÃO
Pesquisa, basicamente, diz respeito ao meio pelo qual alguém se utiliza para resolver
um problema. Não importa tanto a forma de conhecimento envolvido (científico,
religioso, do senso comum, etc.), para solucionar um problema é preciso pesquisar.
Quando ao cidadão comum se apresenta uma dúvida, muito provavelmente, nos dias
de hoje, ele deverá recorrer à internet para encontrar respostas às suas questões. Isto é,
irá pesquisar, ao seu modo, aquele determinado assunto.
Obviamente, o presente ensaio tratará mais especificamente da pesquisa científica.
Tal pesquisa se fundamenta principalmente no rigor para apreender os dados e analisá-
los. Diferente do senso comum, o conhecimento científico requer inúmeros
procedimentos validados, rigorosos e possíveis de serem reproduzidos. Ocorre, porém,
que a forma hegemônica de produção de conhecimento científico anuncia para si um
discurso de verdade e todos os outros modos passam a ser questionáveis, ainda que
mantenham (ou tentem manter) o rótulo de científicos. Kuhn (1997), por exemplo,
questiona o status científico das ciências sociais, na medida em que estas apresentam
muitos desacordos entre os cientistas e podem apresentar respostas menos
consistentes. Talvez, seja possível afirmar que correntes epistemológicas de posições
positivistas e neopositivistas compreendem como científicos apenas os saberes
produzidos a partir da coleta de dados matematicamente mensuráveis por
instrumentos sofisticados. Neste sentido, acreditam que as pesquisas qualitativas ou das
Ciências Sociais ou Humanas não possam gerar resultados confiáveis (SERAPIONI,
2000).
De outro modo, Serapioni (2000) explica que os investigadores que se utilizam da
pesquisa qualitativa argumentam que a pesquisa quantitativa perde validade, uma vez
que não consegue compreender as subjetividades das pessoas envolvidas com
determinados fenômenos.
No campo de competência da Educação Física, tal como na Saúde Coletiva, os
estudos mais pragmáticos são, ainda, fortemente sustentados pelas ciências biológicas,
enquanto outros pesquisadores se valem das ciências sociais e humanas para encontrar
as soluções de seus problemas de pesquisa (LANGDON; WILK, 2010; KNAUTH; LEAL,
2014; PALMA, 2015).
A despeito de toda diferença possível, a pesquisa científica envolvendo seres
humanos precisou ser eticamente regulada. Contudo, os riscos que envolvem
determinadas pesquisas podem ser extremamente distintos. Neste sentido, o objetivo
do presente ensaio é debater algumas questões éticas da pesquisa em ciências Sociais e
Humanas no campo de competência da Educação Física, bem como, destacar as
diferenças entre as Resoluções (466/12 e 510/16) que norteiam a eticidade da pesquisa
científica no Brasil.

BREVE PERCURSO HISTÓRICO DA BIOÉTICA


A Resolução 466 de 2012 do Conselho Nacional de Saúde define participante de pesquisa
como o “indivíduo que, de forma esclarecida e voluntária, ou sob o esclarecimento e
autorização de seu(s) responsável(eis) legal(is), aceita ser pesquisado” (BRASIL, 2013).
Tal indivíduo, de forma voluntária, se submete a um risco e pode estar sob uma
condição de vulnerabilidade, em razão de seu estado social (submissão a determinados
grupos, pobreza, incapacidade de compreensão, etc.) ou de uma doença, que
prejudicaria sua capacidade de se opor a determinadas situações de poder. Assim, a
finalidade primordial da ética em pesquisa diz respeito à proteção do participante de
pesquisa (KOTTOW, 2008; BRASIL, 2013).
Historicamente, entretanto, os pesquisadores muitas vezes não estiveram
preocupados com as questões éticas que envolviam seus estudos. No século III a.C.
médicos da Escola de Alexandria, como Herófilo de Capadócia e Erasistrato de Cleo,
realizaram importantes descobrimentos sobre estruturas e funcionamentos do corpo
humano. Porém, para tanto, se utilizaram de técnicas de vivisseções de pessoas que
haviam cometidos crimes e estavam condenados à morte. Com o intuito de estudar o
crânio humano e poder contribuir com o tratamento de uma ferida, por uma lança, em
um dos olhos de um rei, André Vesalio e Ambrósio Paré realizaram dissecações de
crânios de sujeitos, igualmente, condenados à morte. No século XVIII, o médico inglês
Charles Maitland procurou estudar a varíola, inoculando-a em prisioneiros. No início do
século XX, com o propósito de investigar a história natural da febre amarela, médicos
do exército norte-americano expuseram soldados aos agentes (mosquitos)
transmissores da doença (ARAÚJO, 2012).
Casos emblemáticos na história de desrespeito à bioética, entre outros, foram os
experimentos de Tuskegee sobre Sífilis, de Willowbrook sobre hepatite e, obviamente,
os experimentos nazistas.
Nos Estados Unidos, em Tuskegee, Alabama, entre 1932 e 1972, uma pesquisa sobre
sífilis envolveu cerca de 600 pessoas negras. Desse grupo, 400 estavam infectados com a
bactéria que causa a sífilis e, a despeito disso, não foram tratados adequadamente,
embora a penicilina já tivesse sido descoberta. Além disso, os participantes não foram
informados sobre os procedimentos da pesquisa, seus riscos e consequências da doença
(ARAÚJO, 2012).
Entre as décadas de 1950 e 1970, também nos Estados Unidos, foi realizada uma
investigação na Escola Estadual de Willowbrook, em Nova Iorque, em que se inoculou
o vírus da hepatite em crianças com doença mental com o objetivo de compreender a
história natural da doença, sem que houvesse consentimento e tenham se beneficiado
do tratamento, ao contrário, somente foram prejudicadas (ARAÚJO, 2012).
Os casos de maior repercussão foram, sem dúvida, as várias experiências nazistas
com seres humanos, que não tiveram limites morais e impuseram, especialmente,
doentes mentais, deficientes físicos, ciganos e judeus, a variações de pressão
atmosférica e de temperatura ambiente; a queimaduras; testes de vacinas,
medicamentos, venenos e hormônios; a infecções/ exposições propositadas de tétano,
células cancerígenas e febre tifoide; entre outras crueldades (CORNWELL, 2003;
ARAÚJO, 2012).
Os aspectos em comum destes procedimentos abrangiam, provavelmente, a falta de
consentimento, o desconhecimento sobre os riscos da participação na pesquisa, a
vulnerabilidade dos participantes, a condução da pesquisa a partir da perspectiva das
ciências biológicas, entre outros aspectos. É possível, ainda, supor que, dado o
momento histórico, não havia debates ou orientações norteadoras dos aspectos éticos
que envolviam as pesquisas científicas, acreditando-se, muito provavelmente, que os
fins justificariam os meios.
Menos divulgados na literatura sobre a história da bioética, entretanto, são os casos
de más condutas científicas envolvendo as ciências sociais e humanas. Alguns
exemplos de procedimentos eticamente questionáveis neste campo envolvem o estudo
de Milgram, premiado pela American Association for the Advancement of Science, sobre
obediência, na década de 1960; o experimento sobre o sistema prisional de Stanford, da
década de 1970, que procurou investigar o comportamento humano em uma prisão
simulada e que desencadeou condutas sádicas dos “guardas” e sofrimento dos
“prisioneiros”; ou ainda a “experiência do Facebook”, conduzida mais recentemente,
sobre o “contágio emocional” com aproximadamente 700 mil usuários da rede social,
sem que estes soubessem da participação na pesquisa (RECUBER, 2016).
Os procedimentos médicos e as experiências nazistas foram julgados após a Segunda
Guerra Mundial (1947) em Nuremberg, Alemanha. Foi, então, a partir desse processo
que se originou o primeiro documento sobre a conduta ética esperada em pesquisas
científicas com seres humanos. Tal documento, de abrangência internacional,
denominado de Código de Nuremberg, foi elaborado com dez princípios éticos que
deveriam ser seguidos pelos pesquisadores. A partir daí e considerando-se a pouca
influência que o Código de Nuremberg teve sobre os investigadores, se observou a
necessidade de regulamentar as pesquisas científicas envolvendo seres humanos e,
especialmente, proteger os participantes de pesquisa. É nesse contexto, portanto, que
surge a Declaração de Helsinque. Este novo documento, elaborado inicialmente em
1964 pela Associação Médica Mundial, tinha como objetivo garantir a moralidade da
pesquisa científica envolvendo seres humanos (ARAÚJO, 2012).
A Declaração de Helsinque, que conta com vários países signatários, sofreu várias
revisões, embora tenha sempre como fundamento a necessidade de obtenção do
consentimento do participante, após ser totalmente esclarecido; de solidez científica
adquirida em experiências laboratoriais anteriores, in vitro e de modelos animais; do
protocolo de pesquisa ter sido aprovado por um comitê de ética independente; de ser
conduzida por pessoas com qualificação; de ter o risco para o participante proporcional
à importância do objetivo do estudo; de ter avaliado os riscos considerando os
benefícios esperados; e de ter respeitada e assegurada a integridade do participante
(ARAÚJO, 2012). Cabe destacar que o Brasil não é signatário da Declaração de Helsinque
em razão da incompatibilidade de entendimento dos critérios estabelecidos para o uso
de placebo e acesso ao produto investigacional após o estudo. Em outras palavras, o
Brasil discorda profundamente da possibilidade do uso de placebo, quando existir
tratamento eficaz disponível, bem como, entende que é obrigatório ceder o produto
que foi investigado aos participantes de pesquisa que dela fizeram parte (GARRAFA e
LORENZO, 2008; SOUSA; FRANCO e MASSUD FILHO, 2012).
Nos Estados Unidos, entre 1974 e 1978, foi criado um grupo de trabalho, denominado
National Commission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral
Research, com a finalidade de estudar os problemas éticos desencadeados pelas
pesquisas científicas. Ao final, a comissão elaborou o Relatório Belmont com três
princípios éticos fundamentais para todas e quaisquer pesquisas envolvendo seres
humanos: a) Princípio do respeito às pessoas, que diz respeito à obrigatoriedade de se
respeitar a autonomia dos indivíduos e capacidade de decidir o que é melhor para si.
Para tanto, é preciso informar completamente do que se trata a pesquisa e os
procedimentos a serem utilizados, que a pessoa compreenda e que seja livre para
participar. Portanto, é preciso contar com três elementos, informação, compreensão e
voluntariedade, para que se incorpore a ideia de consentimento livre e esclarecido; b)
Princípio da beneficência, o qual se identifica a obrigatoriedade de assegurar o bem-
estar dos participantes de pesquisa, além de evitar os danos (ou minimizá-los) e
maximizar os benefícios, embora seja problemático definir quando se justifica
prosseguir a pesquisa para alcançar determinados benefícios, ao mesmo tempo em que
há vários riscos envolvidos; e c) Princípio da justiça, que exige a equidade e
imparcialidade na repartição dos riscos e benefícios entre os participantes das pesquisas
científicas. Por fim, foi caracterizado, posteriormente, um quarto princípio,
provavelmente destacado a partir do princípio da beneficência, em que se aplica a
máxima deontológica primum non nocere, primeiro não prejudicar, e implica na
obrigatoriedade de assegurar que não fará mal aos participantes e se evitará os danos
previsíveis (COSTA, 2008; ARAÚJO, 2012).
BREVE PERCURSO HISTÓRICO DA BIOÉTICA NO BRASIL E A
ETICIDADE NA PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
No Brasil, uma primeira norma ética foi elaborada em 1988. A despeito disso, houve
certo descaso dos pesquisadores, que alegavam obstáculos burocráticos e se ressentiam
da desconfiança ética a eles imputada. Ademais, o documento era muito direcionado à
pesquisa com novos fármacos (BRASIL, 1988; COSTA, 2008).
Alguns anos mais tarde, em 1995, um grupo de trabalho convocado pelo Conselho
Nacional de Saúde (CNS) estudou o documento vigente e elaborou um novo para
nortear as pesquisas científicas envolvendo seres humanos no Brasil. Em 1996 foi
publicada, então, a Resolução CNS no. 196, que vigorou até ser revogada pela Resolução
466 de dezembro de 2012 (BRASIL, 1996; COSTA, 2008; BRASIL, 2013).
A revisão da Resolução CNS 196/96 contou com uma consulta pública que envolveu
mais de 1.800 sugestões, no período compreendido entre 12 de setembro e 10 de
novembro de 2011. As sugestões foram submetidas à análise dos participantes da
reunião extraordinária do Encontro Nacional de Comitês de Ética em Pesquisa (ENCEP).
Posteriormente, o texto final foi encaminhado ao CNS para aprovação e culminou na
Resolução 466/12. Durante a reunião, contudo, foi debatida e evidenciada a necessidade
de se estipular uma resolução específica para as ciências sociais e humanas, sem que
esta ferisse a nova Resolução (466/12) que entraria em vigor (CONSELHO NACIONAL DE
SAÚDE, 2012).
Independente da resolução em vigor, as análises éticas das pesquisas científicas
sempre estiveram pautadas por uma fundamentação biomédica, a despeito dos
Comitês de Ética em Pesquisa, de acordo com a Resolução 196/96, deverem ser
constituídos por um colegiado que inclua profissionais das áreas da saúde, ciências
extas, sociais, humanas e, ao menos, um membro da sociedade que representa os
usuários da instituição (BRASIL, 1996). Diferentes autores, portanto, alegam que os
Comitês de Ética em Pesquisa assumiram uma posição “biocêntrica” (LANGDON;
MALUF; TORNQUIST, 2008; BARBOSA; CORRALES; SILBERMANN, 2014). Provavelmente,
o “biocentrismo” se constituiu a reboque do status das pesquisas biomédicas frente às
ciências sociais e humanas, anteriormente comentado; da percepção direta da
relevância do problema a ser investigado; dos históricos exemplos de atrocidades
cometidos na área biomédica; e, ainda, do menor envolvimento ou menor força
política dos pesquisadores das ciências sociais e humanas junto aos Comitês de Ética em
Pesquisa.
A questão do “biocentrismo” nas análises éticas envolvendo a pesquisa na área das
ciências sociais e humanas tem sido comum em outras partes do mundo. Israel (2014)
explica que pesquisadores da área de ciências sociais e humanas de diversas partes do
mundo, como Austrália, Brasil, Canadá, Estados Unidos, Índia e Reino Unido, têm
argumentado que suas pesquisas têm sofrido limitações em razão da restrição e
distorção aplicadas por reguladores, que não entendem desse tipo de pesquisa. Os
reguladores estão impondo uma base biomédica às suas análises que faz pouco sentido
para os cientistas sociais.
Tal problema gerou, no Brasil, diversas críticas (SANTOS. 2014; GUERRIERO; BOSI,
2015) e em 2016 foi publicada a Resolução 510 que procurava atender aos anseios dos
pesquisadores em ciências Sociais e Humanas (BRASIL, 2016).
O primeiro ponto na Resolução 510/16 que exige atenção diz respeito à definição de
pesquisa ciências humanas e sociais. De acordo com a Resolução 510/16, Capítulo I,
Artigo 2º, item XVI, pesquisa em ciências sociais e humanas são “aquelas que se voltam
para o conhecimento, compreensão das condições, existência, vivência e saberes das
pessoas e dos grupos, em suas relações sociais, institucionais, seus valores culturais,
suas ordenações históricas e políticas e suas formas de subjetividade e comunicação, de
forma direta ou indireta, incluindo as modalidades de pesquisa que envolvam
intervenção”. Portanto, independente da área de formação (Educação Física, Sociologia,
Medicina, Antropologia, etc.), a pesquisa que estiver contida dentro dessas condições
deverá ser analisada com base na Resolução 510/16 (BRASIL, 2016).
A Resolução 510/16 contempla, no Capítulo I, Artigo 2º, item XV, a possibilidade de
condução de uma pesquisa sem que os participantes sejam informados dos objetivos e
procedimentos do estudo. De acordo com a Resolução, a “pesquisa encoberta” é
definida como a “pesquisa conduzida sem que os participantes sejam informados sobre
objetivos e procedimentos do estudo, e sem que seu consentimento seja obtido
previamente ou durante a realização da pesquisa. A pesquisa encoberta somente se
justifica em circunstâncias nas quais a informação sobre objetivos e procedimentos
alteraria o comportamento alvo do estudo ou quando a utilização deste método se
apresenta como única forma de condução do estudo, devendo ser explicitado ao CEP o
procedimento a ser adotado pelo pesquisador com o participante, no que se refere aos
riscos, comunicação ao participante e uso dos dados coletados, além do compromisso ou
não com a confidencialidade. Sempre que se mostre factível, o consentimento dos
participantes deverá ser buscado posteriormente”.
Outra diferença marcante diz respeito à distinção entre o processo de consentimento
livre e esclarecido presente na Resolução 466/12 e o estabelecido na Resolução 510/16,
bem como, o entendimento de registro de consentimento. O processo de
consentimento e de assentimento é um “processo pautado na construção de relação de
confiança entre pesquisador e participante da pesquisa, em conformidade com sua
cultura e continuamente aberto ao diálogo e ao questionamento, não sendo o registro de
sua obtenção necessariamente escrito” (BRASIL, 2016, Capítulo I, Artigo 2º, item XX),
enquanto o registro do consentimento é o “documento em qualquer meio, formato ou
mídia, como papel, áudio, filmagem, mídia eletrônica e digital, que registra a concessão
de consentimento ou de assentimento livre e esclarecido, sendo a forma de registro
escolhida a partir das características individuais, sociais, linguísticas, econômicas e
culturais do participante da pesquisa e em razão das abordagens metodológicas
aplicadas” (BRASIL, 2016, Capítulo I, Artigo 2º, item XXII).
Um ponto polêmico diz respeito ao artigo 25, “A avaliação a ser feita pelo Sistema
CEP/CONEP incidirá sobre os aspectos éticos dos projetos, considerando os riscos e a
devida proteção dos direitos dos participantes da pesquisa”. No parágrafo primeiro lê-se
“A avaliação científica dos aspectos teóricos dos projetos submetidos a essa Resolução
compete às instâncias acadêmicas específicas, tais como comissões acadêmicas de
pesquisa, bancas de pós-graduação, instituições de fomento à pesquisa, dentre outros.
Não cabe ao Sistema CEP/CONEP a análise do desenho metodológico em si”, enquanto no
segundo parágrafo se verifica “A avaliação a ser realizada pelo Sistema CEP/CONEP
incidirá somente sobre os procedimentos metodológicos que impliquem em riscos aos
participantes” (BRASIL, 2016, Capítulo V, Artigo 25º). Reconhece-se, portanto, a distinção
entre a avaliação ética e a metodológica, e limita a apreciação do método do protocolo
de pesquisa encaminhado ao Comitê de Ética (DUARTE, 2017). O problema que se
impõe aqui se refere à dificuldade em separar a análise ética da metodológica,
especialmente, considerando a possibilidade (e necessidade) do Comitê de Ética ser
composto por pesquisadores das ciências sociais e humanas ou dele ser
majoritariamente composto por pesquisadores deste campo.
Outro problema, em que pese Duarte (1997) considerar um avanço, diz respeito ao
artigo 26: “A análise ética dos projetos de pesquisa de que trata esta Resolução só poderá
ocorrer nos Comitês de Ética em Pesquisa que comportarem representação equânime de
membros das Ciências Humanas e Sociais” (BRASIL, 2016, Capítulo V, Artigo 26º). Para
pesquisadores de Educação Física, Saúde Coletiva, Enfermagem, entre outros, cujas
áreas de atuação podem ser tanto de caráter biologicista, como com base nas ciências
sociais e humanas, e considerando que a unidade universitária é quem se filia ao
Comitê de Ética, é possível que, se levado ao “pé da letra”, alguns investigadores não
possam submeter seus projetos ao Comitê de Ética já designado (ou a unidade terá que
ter filiação em mais de um Comitê de Ética e o pesquisador a possibilidade de escolher
para qual enviar). Ademais, em universidades de pequeno porte, em que muitas vezes
só há um único Comitê de Ética, isso talvez represente um problema, na medida em
que a equidade pode não ser formada pela falta de interesse dos pesquisadores das
ciências sociais e humanas comporem o Comitê de Ética. Por outro lado, um segundo
trecho deste mesmo artigo, “devendo os relatores serem escolhidos dentre os membros
qualificados nessa área de conhecimento” (BRASIL, 2016, Capítulo V, Artigo 26º), se
mostra como uma decisão bastante acertada.
Por fim, cabe destacar que, a despeito das mudanças já em curso, é preciso que haja,
urgentemente, uma adaptação na Plataforma Brasil que possibilite a indicação, quando
da submissão do protocolo, da área específica da pesquisa e a indicação da Resolução
que deseja ter o projeto de pesquisa avaliado (GUERRIERO, 2016).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Resolução 510/16 permite alguns avanços. Embora seja possível argumentar que os
A Resolução 510/16 permite alguns avanços. Embora seja possível argumentar que os
pressupostos que a fundamentam, bem como, suas especificidades pudessem estar
presentes em uma única resolução que a contemplasse em conjunto com a Resolução
466/12, provavelmente, a força política nela contida poderia se esvaziar.
Para o campo da Educação Física, a Resolução 510/16 pode representar, igualmente,
um ganho, uma vez que as investigações do campo podem ser de caráter biológico ou
sociológico/ humanidades. Neste sentido, cabe destacar um exemplo. Guerriero e
Minayo (2013) expuseram a seguinte situação: “Uma professora de educação física
propôs uma pesquisa cujos objetivos eram registrar as regras de um jogo indígena e
identificar em que medida as regras do futebol foram incorporadas nesse jogo. Planejou
assistir às olimpíadas indígenas, observar seu desenvolvimento e anotar as regras
usadas nesse evento que ocorre todos os anos” (p. 774). As autoras, então, comentam e
questionam: “Não seria impossível solicitar TCLE, pois todos os jogadores, nesse caso,
estariam presentes. Entretanto, seria adequado solicitar por escrito a permissão para
assistir a jogos que ocorrem em público?” (p. 774). O exemplo em tela é bastante
pertinente e representa bem as novas possibilidades de análise com a Resolução 510/16.

REFERÊNCIAS
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Pesquisa em educação física: perspectivas sociocultural e pedagógica em foco
TELLES, Silvio (org.)
LÜDORF, Sílvia (org.)
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ISBN: 978-85-518-0641-8
1ª edição, outubro de 2017.

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