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Coleção

QUESTÕES DA NOSSA ÉPOCA


Volume 125

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Lõwy, Michael, 1938-


Ecologia e socialismo / Michael Lõwy. - São Paulo :
Cortez, 2005. - (Coleção questões da nossa época ; v. 125)

Bibliografia.
ISBN 85-249-1151-4
1. Ecologia - Aspectos políticos 2. Ecologia humana
3. Mendes, Chico, 1944-1988 4. Política ambiental
5. Proteção ambiental 6. Socialismo - Aspectos ambientais
I. Título. II. Série.

05-5095 CDD-304.2

índices para catálogo sistemático:

1. Ecossocialismo : Sociologia 304.2


ECOLOGIA E SOCIALISMO Michael Löwy Sumário
Capa: Estúdio Graal Preparação de originais:
Jaci Dantas Revisão: Maria de Lourdes de
Almeida Composição: Dany Editora Ltda. Introdução — A herança de Chico Mendes .............. 7
Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales
1. Progresso destrutivo: Marx, Engels e
a ecologia ........................................................... 19
2. O que é o ecossocialismo? ............................... 41
3. Por uma ética ecossocialista.............................. 67

Bibliografia ............................................................. 79

ANEXOS
Manifesto Ecossocialista Internacional.............. 85
Rede Brasil de Ecossocialistas ........................... 91

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem au-
torização expressa do autor e do editor.

© 2005 by Autor

Direitos para esta edição


CORTEZ EDITORA
Rua Bartira, 317 — Perdizes
05009-000 — São Paulo-SP
Tel.: (11) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290
E-mail: cortez @ cortezeditora.com.br
www.cortezeditora.com.br

Impresso no Brasil — setembro de 2005


/EiCORTÊZ
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exilou na Bolívia, onde participou nas lutas populares;
perseguido, foi morar na selva amazônica, na fronteira
do Acre com a Bolívia.
Este aprendizado marxista teve uma influência im-
I ntroduçao portante na formação das idéias políticas de Chico
Mendes: em suas próprias palavras, o encontro com
A herança de Chico Mendes Távora “foi uma das melhores ajudas e uma das razões
pelas quais eu julgo que estou em toda essa luta. Outros
companheiros, infelizmente, naquela época, não
A convergência entre ecologia e socialismo teve no
tiveram o privilégio de receber uma orientação tão
Brasil um precursor na extraordinária figura de Chico
importante como a que recebi para o futuro”.1
Mendes, um lutador que pagou com sua vida seu Em 1975 Chico funda, junto com Wilson Pinheiro,
compromisso com a causa dos povos da floresta o sindicato dos trabalhadores rurais de Brasiléia, e,
amazônica. Chico se transformou numa figura pouco depois, em 1977, o sindicato dos trabalhadores
legendária, um héroi do povo brasileiro, mas o trata- rurais de Xapuri, sua terra natal. No mesmo ano, é
mento mediático de sua história tende a ocultar a eleito vereador pelo MDB para a Câmara Municipal
radicalidade social e política de seu combate. Existem local, mas bem rapidamente se dá conta de que este
também tentativas infelizes de “cortar pela metade” sua partido não é solidário com suas lutas.
herança política: ecologistas reconciliados com o É nesta época que ele vai inaugurar, com seus com-
capitalismo “esquecem” seu compromisso socialista, panheiros do sindicato, uma forma de luta não-vio-
enquanto que socialistas atrasados negam a dimensão lenta inédita no mundo: os famosos empates. São
ecológica de sua luta. centenas de seringueiros, com suas mulheres e fi-
Formado na cultura cristã libertadora das comu-
nidades de base, o jovem seringueiro Francisco Alves
Mendes Filho, nascido em 15 de dezembro de 1944,
descobre o marxismo nos anos 1960 graças a um ve- 1 Chico Mendes por ele mesmo, Rio de Janeiro, FASE, 1989, p. 64.
terano comunista, Euclides Fernandes Távora, antigo Trata-se de uma entrevista autobiográfica realizada em Xapuri em no-
tenente de 1935, partidário de Luís Carlos Prestes, que, vembro-dezembro de 1988 pelo prof. Pedro Vicente Sobrinho, da Uni-
versidade Federal do Acre, segundo um roteiro estabelecido por Cândido
depois de ficar preso em Fernando de Noronha, se Grzybowksi, professor na Fundação Getúlio Vargas.
ECOLOGIA E SOCIALISMO 9
10 MICHAEL LÖWY

lhos, que se dão as mãos e enfrentam, sem armas, os militar na Lei de Segurança Nacional, a pedido dos
buldôzeres das grandes empresas interessadas no des- fazendeiros da região que procuravam envolvê-lo nesse
matamento, na derrubada das árvores. Algumas vezes episódio. Várias vezes, em 1980 e 1982, ele é levado a
os trabalhadores são derrotados, mas frequentemente julgamento diante de Tribunais Militares, acusado de
conseguem parar, com suas mãos nuas, os tratores, “incitação à violência”, mas acaba sendo absolvido, por
buldôzeres e motosserras dos destruidores da floresta, falta de provas.
ganhando, às vezes, a adesão dos peões encarregados Nestes primeiros anos de sua atividade sindical,
do desmatamento. Chico Mendes, socialista convicto, milita nas fileiras
O inimigo dos seringueiros são os latifundistas, o do Partido Comunista do Brasil. Decepcionado com
agro-negócio, as empresas madeireiras ou pecuárias, este partido que, segundo seu depoimento, na hora da
que querem derrubar as árvores para exportar a madeira luta “se escondia atrás das cortinas”,3 ele adere em
e/ou para plantar mato no lugar da floresta, criando 1979-80 ao novo Partido dos Trabalhadores, fundado
gado para a exportação. Um inimigo poderoso, que por Lula e seus companheiros, situando-se logo em sua
conta com seu braço político, a UDR, seu braço ala esquerda, socialista. Sua tentativa de se eleger
armado, os jagunços e pistoleiros mercenários, e deputado estadual pelo PT em 1982 não tem sucesso, o
inúmeras cumplicidades na Polícia, na Justiça e nos que não é de surpreender, considerando a pouca base
governos (local, estadual e federal). eleitoral do partido nestes primeiros anos. Em 1985 ele
É a partir desta época que Chico Mendes começa a organiza, com seus companheiros sindicalistas, o
receber as primeiras ameaças de morte; pouco depois, Encontro Nacional dos Seringueiros que vai fundar o
em 1980, seu companheiro de lutas, Wilson Pinheiro, Conselho Nacional dos Seringueiros. Sua luta recebe o
será assassinado. Para vingar este crime, que, como de
costume, ficou impune, um grupo de seringueiros
resolveu “justiçar” o fazendeiro mandante do uma reação do pequeno contra o grande”. Chico Mendes por ele mesmo,
assassinato.2 Chico Mendes é enquadrado pelo regime Rio de Janeiro, FASE, 1989, p. 19.
3 “Eu discordava de algumas posições do PC do B, naquela época,
porque quando a gente se articulava contra o latifúndio, quando eu en-
de Wilson Pinheiro. (...) Os trabalhadores submeteram o fazendeiro a um frentava a luta, os embates e a repressão caíam em cima de mim, eles se
julgamento sumário e a decisão foi pelo seu fuzilamento. (...) Mas, aí, a escondiam por detrás das cortinas. Só eu aparecia na história. Comecei a
Justiça funcionou desta vez, de uma forma muito brava. Durante 24 ficar meio bravo com aquilo, desconfiando daquilo. Rompi com o grupo
horas, dezenas, centenas de seringueiros foram presos, torturados, alguns do PC do B e aderi ao Partido dos Trabalhadores”. (Chico Mendes por
de unha arrancada com alicate. A Justiça funcionou porque tinha sido ele mesmo, p. 69)
ECOLOGIA E SOCIALISMO 11
12 MICHAEL LOWY

apoio do PT, da Pastoral da Terra, da CUT e do MST, Chico Mendes era perfeitamente consciente da di-
que se está formando nesta época. mensão ecológica desta luta, que interessava não só aos
É nestes anos que o combate dos seringueiros e povos da Amazônia, mas a toda a população mundial,
outros trabalhadores que vivem da extração (castanha, que depende da floresta tropical (“o pulmão verde do
babaçu, juta) para defender a floresta vai convergir com planeta”):
o das comunidades indígenas e grupos camponeses “Descobrimos que para garantir o futuro da Ama-
diversos, dando lugar à formação da Aliança dos Povos zônia era necessário criar a figura da reserva extrati-
da Floresta. Pela primeira vez, seringueiros e indígenas, vista como forma de preservar a Amazônia. (...) Nós
que tantas vezes se haviam enfrentado no passado, entendemos, os seringueiros entendem, que a Ama-
unem suas forças contra o inimigo comum: o zônia não pode se transformar num santuário intocável.
latifúndio, o agro-business, o capitalismo agrícola
Por outro lado, entendemos, também, que há uma
destrutor da floresta. Chico Mendes definiu com as
necessidade muito urgente de se evitar o des-
seguintes palavras as bases desta aliança: “Nunca mais
matamento que está ameaçando a Amazônia e com isto
um companheiro nosso vai derramar o sangue do outro;
está ameaçando até a vida de todos os povos do
juntos nós podemos proteger a natureza, que é o lugar
planeta. (...)
onde nossa gente aprendeu a viver, a criar os fdhos e a
O que nós queremos com a reserva extrativista?
desenvolver suas capacidades, dentro de um
Que as terras sejam da União e que elas sejam de
pensamento harmonioso com a natureza, com o meio
ambiente e com os seres que habitam aqui”.4 usufruto dos seringueiros ou dos trabalhadores que nela
habitam, pois não são extrativistas só os seringueiros.”5
A solução proposta, uma espécie de reforma agrária
adaptada às condições da Amazônia, é de inspiração
socialista, posto que se baseia na propriedade pública
da terra, e no usufruto dos trabalhadores. É
provavelmente nesta época que Chico diz à sua com-

4 Discurso de Chico Mendes, citado por Ailton Krenak, coordena- 5 Chico Mendes por ele mesmo. Rio de Janeiro, FASE, 1989, p. 24.
dor da União das Nações Indígenas, in Chico Mendes, Sindicato dos O título deste capítulo da entrevista autobiográfica é “A criação de
Trabalhadores de Xapuri, Central Única dos Trabalhadores, São Paulo, reservas extrativistas na Amazônia como alternativa ecológica e eco-
janeiro de 1989, p. 26. nômica”.
ECOLOGIA E SOCIALISMO 13
14 MICHAEL LÖWY

panheira de lutas Marina Silva: “Nega velha, isso que a unificou todos os povos do planeta, num só ideal e num
gente faz aqui é ecologia. Acabei de descobrir isso no só pensamento de unidade socialista, e que pôs fim a
Rio de Janeiro”.6 todos os inimigos da nova sociedade.
Em 1987, organizações ambientalistas americanas Aqui ficam somente a lembrança de um triste pas-
convidam Chico Mendes para dar seu testemunho em sado de dor, sofrimento e morte.
uma reunião do Banco Interamericano de Desculpem. Eu estava sonhando quando escrevi
Desenvolvimento; sem hesitação, ele denuncia que o estes acontecimentos que eu mesmo não verei. Mas
desmatamento da Amazônia era resultado dos projetos tenho o prazer de ter sonhado”.7
financiados pelos bancos internacionais. E a partir Em 1988, o Encontro Nacional da CUT aprova a
deste momento que ele se torna internacionalmente tese apresentada por Chico Mendes em nome do Con-
conhecido, recebendo, pouco depois, o Prêmio selho Nacional dos Seringueiros, com o título “Defesa
Ecológico “Global 500”, das Nações Unidas. Seu da Natureza e dos Povos da Floresta”, que apresenta,
combate era, ao mesmo tempo, social e ecológico, local entre suas reivindicações, a seguinte exigência, ao
e planetário, “vermelho” e “verde”. mesmo tempo ecológica e social: “pela imediata
Pragmático, homem de terreno e de ação, organi- desapropriação dos seringais em conflito para a
zador e lutador, preocupado com questões práticas e implantação de assentamentos extrativistas de modo a
concretas — alfabetização, formação de cooperativas, não agredir a natureza e a cultura dos povos da floresta,
busca de alternativas econômicas viáveis — Chico era possibilitando a utilização auto-sustentável dos
também um sonhador e um utopista, no sentido nobre e recursos naturais, incrementando tecnologias
revolucionário da palavra. E impossível ler sem secularmente desenvolvidas pelos povos estratores da
emoção o testamento socialista e internacionalista que Amazônia...”.8
ele deixou para as gerações futuras, publicado depois Ele obtém nesta época duas vitórias importantes: a
de sua morte numa brochura do sindicato de Xapuri e implantação das primeiras reservas extrativistas criadas
da CUT: no Estado do Acre, e a desapropriação do Seringal
“Atenção, jovem do futuro! Cachoeira, do latifundista Darly Alves da Silva, em
6 de setembro do ano de 2120, aniversário do pri-
meiro centenário da revolução socialista mundial, que
7 Chico Mendes, Sindicato dos Trabalhadores de Xapuri, Central
Única dos Trabalhadores, São Paulo, janeiro de 1989, p. 34.
6 Cf. Legado Chico Mendes, Rio de Janeiro, Sesc. 2003, p. 38. 8 Ibid., p. 21.
ECOLOGIA E SOCIALISMO 15
16 MICHAEL LÖWY

Xapuri. Chico atribuía grande significado a esta em outros países e continentes.


conquista: “A coisa mais importante para estimular a Hoje, princípios de 2005, a luta dos seringueiros
continuidade deste movimento foi a vitória dos continua, com altos e baixos. O prefeito de Xapuri e o
seringueiros da Cachoeira. Esta vitória da Cachoeira governador do Acre são do PT e se enfrentam com o
teve uma repercussão positiva para toda a região, pois poder da oligarquia. Mas os pistoleiros a soldo dos
os seringueiros estão conscientes de que eles lutaram latifundistas da Amazônia continuam matando, como o
contra o grupo mais forte, com assassinos sanguinários. mostrou espetacularmente o recente assassinato da
Os seringueiros tinham consciência que estavam missionária norte-americana Dorothy Stang, ampla-
lutando com o esquadrão da morte e mesmo assim não mente conhecida por seu compromisso com a luta dos
temeram. Tivemos dias em que contamos com 400 camponeses sem terra. Marina Silva é ministra do Meio
seringueiros reunidos (...) em piquetes no meio da mata Ambiente no governo de Lula, e tenta promover
(...)”.9 medidas de proteção da floresta amazônica — mas não
Para a oligarquia rural, que tem, há séculos, o hábito conseguiu impedir a legalização da soja transgênica
de “eliminar” — em total impunidade — aqueles que imposta pela Monsanto.
ousam organizar os trabalhadores para lutar contra o Mais do que em partidos ou administrações, a he-
latifúndio, ele é um “cabra marcado para morrer”. rança de Chico Mendes está presente nas lutas, nos
Pouco depois, em dezembro de 1988, Chico Mendes é combates de seringueiros e indígenas, na mobilização
assassinado, em frente a sua casa, por pistoleiros a dos camponeses contra os transgênicos, na con-
serviço dos Alves da Silva. vergência entre ecologia e socialismo que começa a se
Por sua articulação entre socialismo e ecologia, realizar, não só em pequenas redes militantes, mas
reforma agrária e defesa da Amazônia, lutas campo- também em torno do mais importante movimento
nesas e lutas indígenas, a sobrevivência de humildes social do Brasil, o Movimento dos Trabalhadores
populações locais e a proteção de um patrimônio da Rurais Sem Terra (MST).
humanidade — a última grande floresta tropical ainda No quadro das comemorações do seu 20° aniver-
não destruída pelo “progresso” capitalista — o combate sário, o MST organizou, em colaboração com a UFRJ,
de Chico Mendes é um movimento exemplar, que um seminário internacional no Rio de Janeiro (julho de
continuará a inspirar novas lutas, não só no Brasil mas 2004) sobre os “Dilemas da Humanidade”.10 Na

9 Chico Mendes por ele mesmo, p. 57. 10 Nesta ocasião, o autor deste livro teve a oportunidade de fazer
ECOLOGIA E SOCIALISMO 17

brochura de apresentação da Conferência, encontramos


resumido, em belas palavras, o “sonho de olhos
abertos” (para usar uma expressão do filósofo marxista
da esperança Ernst Bloch) dos organizadores: “um
sonho que teima em acontecer: um mundo igualitário,
que socialize suas riquezas materiais e culturais”. No
mesmo documento encontramos este diagnóstico da
realidade atual: “A tal ponto o mundo encontra-se
aviltado que não se trata mais de pensar estratégias para
fazê-lo “voltar aos eixos”; trata-se de construir um
caminho novo, baseado na igualdade entre os seres
humanos e em princípios ecológicos”. Um caminho
novo, igualitário e ecológico, socializando as riquezas:
acho que Chico Mendes se reconheceria neste
programa.

Paris, 15 de maio de 2005


Michael Lõwy

uma exposição sobre o ecossocialismo, que suscitou ampla discussão.


20 MICHAEL LOWY
ÊDITORQ 19
1 presentes nos textos dos fundadores do materialismo
histórico, sublinhando, entretanto, as pistas dadas por
Progresso destrutivo: eles para uma ecologia de inspiração marxista.
Marx, Engels e a ecologia11 Quais são as principais críticas dos ecologistas ao
pensamento de Marx e Engels? Primeiramente, eles são
descritos como partidários de um humanismo
Em que medida o pensamento de Marx e Engels é conquistador, “prometéico”, que opõe o homem à
compatível com a ecologia moderna? Podemos con- natureza, e que faz dele o mestre e o senhor do mundo
ceber uma leitura ecológica de Marx? Quais são as natural. É verdade que encontramos em suas obras
aquisições do marxismo indispensáveis à constituição muitas referências ao “controle”, à “supremacia” ou
de um ecossocialismo à altura dos desafios de século mesmo à “dominação” sobre a natureza. Por exemplo,
XXI? E quais são as concepções de Marx que exigem segundo Engels, no socialismo, os seres humanos “pela
uma “revisão” em função dessas exigências? As breves primeira vez tornam-se os mestres reais e conscientes
notas que se seguem não têm a pretensão de responder da natureza, porque e enquanto mestres de sua própria
a estas questões, mas somente de colocar algumas vida em sociedade”. Todavia, como veremos mais
balizas para o debate. Meu ponto de partida é a abaixo, os termos “supremacia” ou “dominação” da
constatação de que: a) os temas ecológicos não ocupam natureza remetem com freqüência, em Marx e Engels,
um lugar central no dispositivo teórico marxiano; b) os simplesmente ao conhecimento das leis da natureza.
escritos de Marx e Engels sobre a relação entre as Por outro lado, o que surpreende desde os primeiros
sociedades humanas e a natureza estão longe de serem escritos de Marx é seu naturalismo patente, sua visão
unívocos, e podem portanto ser objeto de interpretações
do ser humano como ser natural, inseparável de seu
diferentes; c) a crítica do capitalismo de Marx e Engels
ambiente natural. A natureza, escreve Marx nos
é o fundamento indispensável de uma perspectiva
Manuscritos de 1844, “é o corpo não-orgânico do
ecológica radical. A partir destas premissas, tentarei
homem”. Ou ainda:
colocar em evidência algumas tensões ou contradições
Dizer que a vida psíquica e intelectual do homem está
indissoluvelmente ligada à natureza não significa outra
11 Traduzido por Marina Soler Jorge. Texto publicado originalmen-
coisa senão que a natureza está indissoluvelmente ligada
te na Revista Margem Esquerda, n. 3, abril/2004 e autorizado para esta
com ela mesma, pois o homem é uma parte da natureza.
edição por Boitempo Editorial Jinkings Editores Associados Ltda.
ECOLOGIA E SOCIALISMO 21 22 MICHAEL LOWY

(Marx, 1962: 62-87) obter terra cultivá- vel, nunca imaginaram que
eliminando junto com as florestas os centros de coleta e
Certamente, Marx reivindica para si o humanismo, as reservas de umidade lançaram as bases para o atual
mas ele define o comunismo como um humanismo que estado desolador desses países. Quando os italianos dos
é, ao mesmo tempo, um “naturalismo acabado”; e, Alpes cortaram as florestas de pinheiros da encosta sul,
sobretudo, ele o concebe como a verdadeira solução tão amadas na encosta norte, eles não tinham a menor
para “o antagonismo entre o homem e a natureza”. idéia de que agindo assim cortavam as raízes da indústria
láctea da sua região; previam menos ainda que pela sua
Graças à abolição positiva da propriedade privada, a
prática eles privavam de água suas fontes montanhesas
sociedade humana se tornará “a realização da unidade durante a maior parte do ano (...). Os fatos nos lembram a
essencial do homem com a natureza, a verdadeira todo instante que nós não reinamos sobre a natureza do
ressurreição da natureza, o naturalismo completo do mesmo modo que um colonizador reina sobre um povo
homem e o humanismo completo da natureza”. estrangeiro, como alguém que está fora da natureza, mas
Estas passagens não se referem diretamente ao que nós lhe pertencemos com nossa carne, nosso sangue,
nosso cérebro, que nós estamos em seu seio e que toda a
problema ecológico — e às ameaças sobre o meio
nossa dominação sobre ela reside na vantagem que
ambiente — , mas é da lógica deste tipo de naturalismo levamos sobre o conjunto das outras criaturas por
permitir uma abordagem da relação homem/ natureza conhecer suas leis e por podermos nos servir dela
que não seja unilateral. Em um texto célebre de Engels judiciosamente. (Engels, 1968: 180-181)
sobre “O papel do trabalho na transformação do
macaco em homem” (1876), este mesmo tipo de Certamente, este exemplo tem um aspecto muito geral
naturalismo serve de fundamento a uma crítica da — ele não coloca em questão o modo de pro- dução
atividade humana predatória sobre o meio ambiente: capitalista, mas as civilizações antigas —, porém ele
não deixa de ser um argumento ecológico de uma
Nós não devemos nos vangloriar demais das nossas vitó-
surpreendente modernidade, tanto por colocar-se contra
rias humanas sobre a natureza. Para cada uma destas vitó-
rias, a natureza se vinga de nós. É verdade que cada
as destruições geradas pela produção como pela sua
vitória nos dá, em primeira instância, os resultados crítica ao desflorestamento.
esperados, mas em segunda e terceira instâncias ela tem Segundo os ecologistas, Marx, seguindo Ricardo,
efeitos diferentes, inesperados, que muito frequentemente atribui a origem de todo valor e de toda riqueza ao
anulam o primeiro. As pessoas que, na Mesopotâmia, trabalho humano, negligenciando a contribuição da
Grécia, Ásia Menor e alhures destruíram as florestas para natureza. Esta crítica resulta, na minha opinião, de um
ECOLOGIA E SOCIALISMO 23 24 MICHAEL LOWY

mal-entendido: Marx utiliza a teoria do valor- trabalho mente em Marx e Engels (e ainda mais no marxismo
para explicar a origem do valor de troca, no âmbito do ulterior) uma postura pouco crítica a respeito do sis-
sistema capitalista. A natureza, por outro lado, participa tema de produção industrial criado pelo capital e uma
da formação das verdadeiras riquezas, que não são tendência a fazer do “desenvolvimento das forças
valores de troca, mas valores de uso. Esta tese é muito produtivas” o principal vetor do progresso. O texto
explicitamente empregada por Marx na “Crítica do “canônico” deste ponto de vista é o célebre “Prefácio à
Programa de Gotha” contra as idéias de Lassalle e seus contribuição à crítica da economia política” (1859), um
discípulos: dos escritos de Marx mais marcados por um certo
evolucionismo, pela filosofia do progresso, pelo
O trabalho não é a fonte de toda riqueza. A natureza é
fonte dos valores de uso (que são, de qualquer forma, a
cientificismo (o modelo das ciências da natureza) e por
riqueza real!) tanto quanto o trabalho, que não é em si uma visão nada problematizada das forças produtivas:
nada além da expressão de uma força natural, a força de Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças
trabalho do homem. (Marx, Engels, 1950: 128) produtivas materiais da sociedade entram em contradição
com as relações de produção existentes (...). De formas
Os ecologistas acusam Marx e Engels de produ-
de desenvolvimento das forças produtivas essas relações
tivismo. Esta acusação é justificada? Não, na medida
se transformam em seus grilhões (entraves). Sobrevém
em que ninguém denunciou tanto quanto Marx a lógica então uma época de revolução social. (...) Uma formação
capitalista de produção pela produção, a acumulação de social nunca perece antes que estejam desen- volvidas
capital, de riquezas e de mercadorias como fim em si. todas as forças produtivas para as quais ela é
A idéia mesma de socialismo — ao contrário de suas suficientemente desenvolvida
miseráveis contrafações burocráticas — é a de uma
Nesta passagem célebre, as forças produtivas apa-
produção de valores de uso, de bens necessários à
recem como “neutras”, e a revolução tem por tarefa
satisfação das necessidades humanas. O objetivo
tão-somente abolir as relações de produção que se
supremo do progresso técnico para Marx não é o
tomaram um “entrave” a um desenvolvimento ilimitado
crescimento infinito de bens (“o ter”) mas a redução da
daquelas.
jornada de trabalho e o crescimento do tempo livre (“o
A seguinte passagem dos Grundrisse é um bom
ser”).
exemplo da admiração muito pouco crítica de Marx
No entanto, é verdade que se encontra freqüente-
pela obra “civilizatória” da produção capitalista e por
ECOLOGIA E SOCIALISMO 25
26 MICHAEL LÖWY

sua instrumentalização brutal da natureza: homem, uma coisa útil. Não é mais reconhecida como
uma potência. A inteligência teórica das leis naturais tem
Deste modo, então, a produção fundada sobre o capital todos os aspectos de um estratagema que procura subme-
cria por um lado a indústria universal, ou seja, o sobre - ter a natureza às necessidades humanas, seja como objeto
trabalho, ao mesmo tempo que o trabalho criador de va- de consumo, seja como meio de produção.
lores; por outro lado, um sistema de exploração geral das
propriedades da natureza e do homem (...). O capital co- Parece faltar a Marx e Engels uma noção geral dos
meça então a criar a sociedade burguesa e a apropriação limites naturais ao desenvolvimento das forças
universal da natureza e estabelecer uma rede que engloba produtivas. Encontra-se aqui ou lá, como por exemplo
todos os membros da sociedade: esta é a grande ação ci- nesta passagem de A ideologia alemã, a intuição do
vilizatória do capital. potencial destrutivo que elas têm:
Ele se eleva a um nível social tal que todas as sociedades
anteriores aparecem como desenvolvimentos puramente No desenvolvimento das forças produtivas atinge-se um
locais de humanidade e como uma idolatria da natureza. estado onde surgem forças produtivas e meios de circula-
Com efeito, a natureza torna-se um puro objeto para o 12 ção que só podem ser nefastos no âmbito das relações
existentes e já não são forças produtivas mas sim forças
destrutivas (o maquinismo e o dinheiro).13

Infelizmente, esta idéia não é desenvolvida pelos


dois autores, e não é certo se a destruição que está em
questão aqui é aquela da natureza. Por outro lado, em
certas passagens relativas à agricultura, vemos esboçar-
se uma verdadeira problemática ecológica, e uma
crítica radical das catástrofes resultantes do
produtivismo capitalista. O que encontramos nestes
textos é um tipo de teoria da ruptura do metabolismo
entre as sociedades humanas e a natureza, como re-

12 Tradução deste trecho a partir da edição em português: Karl


Marx, Para a crítica da economia política; Salário, preço e lucro; O 13 Tradução deste trecho a partir da edição em português: Karl
rendimento e suas fontes (São Paulo, Abril Cultural, 1982, Coleção Os Marx e Friedrich Engels, A ideologia alemã (Lisboa: Presença/Martins
Economistas). Fontes, 1974, Coleção Síntese).
ECOLOGIA E SOCIALISMO 27 28 MICHAEL LOWY

sultado do produtivismo capitalista. O ponto de partida cionam à agricultura os meios para o esgotamento da
de Marx são os trabalhos do químico e agrônomo terra.14
Liebig, do qual “é um dos méritos imortais (...) ter feito
Como a maioria dos exemplos que veremos a se-
ressurgir amplamente o lado negativo da agricultura
guir, a atenção de Marx se concentra sobre a agricul-
moderna sob o ponto de vista científico”. A expressão tura e o problema da devastação dos solos, mas ele
Riss des Stofwechsels, ruptura ou distensão do vincula esta questão a um princípio mais geral: a
metabolismo — ou das trocas materiais — aparece ruptura no sistema de trocas materiais (Stoffwechsel)
notadamente numa passagem do capítulo 47, “Gênese entre as sociedades humanas e o meio ambiente, em
da renda fundiária capitalista”, no livro III de O contradição com “as leis naturais da vida”. É inte-
capital. ressante notar assim duas sugestões importantes, ainda
Por um lado, a grande propriedade rural reduz a popula- que pouco desenvolvidas por Marx: a cooperação entre
ção agrícola a um mínimo em decréscimo constante e lhe indústria e agricultura neste processo de ruptura, e a
contrapõe uma população industrial em constante extensão dos danos, graças ao comércio internacional, a
crescimento, amontoada em grandes cidades; gera, com uma escala global.
isso, condições que provocam uma insanável ruptura O tema da ruptura do metabolismo se encontra tam-
(unheilbaren Riss) no contexto do metabolismo bém numa passagem conhecida do livro I d’ O capital:
(Stoffwechsel) social, prescrito pelas leis naturais da vida, a conclusão do capítulo sobre a grande indústria e a
em decorrência da qual se desperdiça (verschleudert) a agricultura. É um dos raros textos de Marx no qual se
força da terra e esse desperdício é levado pelo contrário coloca explicitamente a questão das devastações
muito além das fronteiras do próprio país (Liebig). (...) provocadas pelo capital sobre o ambiente natural —
Grande indústria e grande agricultura, exploradas indus- assim como uma visão dialética das contradições do
trialmente, atuam conjuntamente. Se, originariamente, “progresso” induzidas pelas forças produtivas:
elas se diferenciam pelo fato de que a primeira devasta
(verwüstet) e arruina mais a força de trabalho e por isso a Com a preponderância sempre crescente da população
força natural do homem, e a última, mais diretamente a urbana que amontoa em grandes centros, a produção ca-
força natural da terra, mais tarde, ao longo do desen- pitalista acumula, por um lado, a força motriz histórica da
volvimento, ambas se dão as mãos, ao passo que o sis-
tema industrial na zona rural também extenua os traba- 14 Tradução deste trecho a partir da edição em português: Karl
lhadores e, por sua vez, a indústria e o comércio propor- Marx. O capital, v. III, t. 2. (São Paulo, Abril Cultural, 1985, coleção Os
Economistas).
ECOLOGIA E SOCIALISMO 29
30 MICHAEL LÖWY

sociedade, mas perturba, por outro lado, o metabolismo tivo, um “progresso” na degradação e na deterioração
(Stoffwechsel) entre homem e terra, isto é, o retorno dos do meio ambiente natural. O exemplo escolhido não é o
componentes da terra consumidos pelo homem, sob melhor, e parece limitado demais — a perda da
forma de alimentos e vestuários, à terra, portanto, a eterna
fertilidade do solo —, mas ele ao menos coloca a
condição natural de fertilidade permanente (dauernder)
do solo. Com isso, ela destrói simultaneamente a saúde questão mais geral das agressões ao meio natural, às
física dos trabalhadores urbanos e a vida espiritual dos “condições naturais eternas”, pela produção capitalista.
trabalhadores rurais. Mas, ao destruir as condições desse A exploração e o aviltamento dos trabalhadores e da
metabolismo, desenvolvidas espontaneamente, obriga-o, natureza são postos em paralelo, como resultado da
simultaneamente, a restaurá-lo de maneira sistemática, mesma lógica predatória, aquela da grande indústria e
como lei reguladora da produção social e numa forma da agricultura capitalista. É um tema retomado
adequada ao pleno desenvolvimento humano. (...). E cada
freqüentemente em O capital, por exemplo nestas
progresso da agricultura capitalista não é só um progresso
da arte de saquear o solo, pois cada progresso no aumento
passagens do capítulo sobre a jornada de trabalho:
da fertilidade por certo período é simultaneamente um
A limitação do trabalho manufatureiro foi ditada pela
progresso na ruína das fontes permanentes dessa
necessidade, pela mesma necessidade que disseminou o
fertilidade. Quanto mais um país, como, por exemplo, os
guano pelos campos da Inglaterra. A mesma culpa cega
Estados Unidos da América do Norte, se inicia com a
que esgota o solo, atacava até a raiz a força vital da nação
grande indústria como fundamento de seu desenvolvi-
(...). Na sua paixão cega e desmesurada, na sua gula por
mento, tanto mais rápido esse processo de destruição. Por
isso, a produção capitalista só desenvolve a técnica e a trabalho extra, o capital ultrapassa não apenas os limites
combinação do processo de produção social ao minar morais, mas também os limites psicológicos extremos da
simultaneamente as fontes de toda a riqueza: a terra e o jornada de trabalho (...) E ele alcança seu objetivo abran-
trabalhador.15 gendo a vida do trabalhador, assim como um agricultor
ávido obtém de seu solo um maior rendimento esgotando
Muitos aspectos são notáveis neste texto: primei- sua fertilidade.
ramente, a idéia de que o progresso pode ser destru-
Esta associação direta entre a exploração do pro-
letariado e a da natureza, a despeito de seus limites,
abre um campo de reflexão sobre a articulação entre
15 Tradução deste trecho a partir da edição em português: Kari luta de classes e luta em defesa do meio ambiente, em
Marx, O capital, v. I, t. 2. (São Paulo, Abril Cultural, 1984, coleção Os um combate comum contra a dominação do pro-
Economistas).
ECOLOGIA E SOCIALISMO 31 32 MICHAEL LOWY

letariado. Os dois problemas — a degradação das florestas e a


Estes diferentes textos colocam em evidência a do solo — são inclusive estreitamente ligadas em suas
contradição entre a lógica imediatista do capital e a análises. Em uma passagem da Dialética da natureza,
possibilidade de uma agricultura “racional” fundada Engels cita a destruição das florestas cubanas pelos
sobre uma temporalidade muito mais longa e numa grandes produtores de café espanhóis e a desertificação
perspectiva durável e intergeracional que respeita o do solo resultante como exemplo da atitude imediatista
meio ambiente: e predatória do “atual modo de produção” para com a
natureza, e de sua indiferença aos “efeitos naturais”
Mesmo os químicos agrícolas claramente conservadores
nocivos das suas ações a longo prazo.
como Johnson, por exemplo, reconhecem que a proprie-
dade privada é um limite intransponível para uma agri- O problema da poluição do meio ambiente não está
cultura verdadeiramente racional. (...) Todo o espírito da ausente de suas preocupações, mas é abordado quase
produção capitalista, orientado para o lucro monetário que exclusivamente sob o ângulo da insalubridade dos
imediato, está em contradição com a agricultura, que bairros operários nas grandes cidades inglesas. O
deve levar em conta o conjunto permanente (ständigen) exemplo mais evidente são as páginas de A condição
das condições de vida da cadeia das gerações humanas. da classe operária inglesa (1844), nas quais Engels
Um exemplo espantoso são as florestas, que só são em
descreve com horror e indignação a acumulação de
certa medida administradas de acordo com o interesse
geral lá onde elas não estão submetidas à propriedade dejetos e resíduos industriais nas ruas e nos rios, o gás
privada mas à gestão estatal. carbônico que toma o lugar do oxigênio e envenena a
atmosfera, as “exalações dos rios contaminados e
Depois do esgotamento do solo, o outro exemplo de poluídos” (Marx e Engels, 1953: 129-130) etc.
catástrofe ecológica sugerido pelos textos de Marx e Implicitamente, estas passagens e outras análogas
Engels citados até aqui é aquele da destruição das põem em questão a poluição do meio ambiente pela
florestas. Ele aparece repetidas vezes em O capitai.
atividade industrial capitalista, mas a questão não é
[...] o desenvolvimento da civilização e da indústria em nunca colocada diretamente.
geral (...) se mostra sempre tão ativo na devastação das Como Marx e Engels definem o programa socialista
florestas que tudo aquilo que pôde ser empreendido para em relação ao ambiente natural? Quais as trans-
a conservação e produção é comparativamente completa- formações que o sistema produtivo deve conhecer para
mente insignificante. tornar-se compatível com a preservação da natureza?
ECOLOGIA E SOCIALISMO 33 34 MICHAEL LOWY

Eles parecem com freqüência conceber a produção um “entrave” para as forças (ressorts) materiais da
socialista simplesmente como a apropriação coletiva produção. A mesma lógica “continuísta” preside certas
das forças e dos meios de produção desenvolvidos pelo passagens do Anü-Diihring, onde se trata do socialismo
capitalismo: uma vez abolidos os “grilhões” que as como sinônimo do desenvolvimento ilimitado das
relações de produção e em particular as relações de forças produtivas:
propriedade representam, estas forças poderão se
desenvolver sem entraves. Haveria então um tipo de A força de expansão dos meios de produção faz soltar
(sauter) as correntes das quais o modo de produção capi-
continuidade substancial entre o aparelho produtivo
talista as havia encarregado (chargée). Esta liberação das
capitalista e o socialista, a aposta socialista sendo antes
correntes é a única condição requerida para um desen-
de tudo a gestão planificada e racional desta civilização volvimento das forças produtivas interrompidas, progre-
material criada pelo capital. Por exemplo, na célebre dindo a um ritmo sempre mais rápido, e por conseqüên-
conclusão do capítulo sobre a acumulação primitiva do cia, para um crescimento sem limites da produção em si.
capital, Marx escreve:
Não é necessário dizer que o problema do meio
O monopólio do capital toma-se um entrave para o modo ambiente está ausente desta concepção da passagem ao
de produção que floresceu com ele e sob ele. A centrali-
socialismo. No entanto, é possível encontrar outros
zação dos meios de produção e a socialização do trabalho
escritos que levam em consideração a dimensão
atingem um ponto em que se tornam incompatíveis com
seu invólucro capitalista. Ele é arrebentado. Soa a hora ecológica do programa socialista e abrem algumas
final da propriedade privada capitalista. (...) A produção pistas interessantes. Vimos que os Manuscritos de 1844
capitalista produz, com a inexorabilidade de um processo se referem ao comunismo como “a verdadeira solução
natural, sua própria negação.16 para o antagonismo entre o ser humano e a natureza”. E
Além do determinismo fatalista e positivista, esta na passagem citada abaixo do volume I d 'O capital
passagem parece deixar intacta, na perspectiva so- Marx deixa entender que as sociedades pré-capitalistas
cialista, o conjunto do modo de produção criado “sob asseguram “espontaneamente” (naturwüchsig) o
os auspícios” do capital, pondo em questão apenas “o Stoffwechsel, o metabolismo entre os grupos humanos e
invólucro” da propriedade privada, transformada em a natureza; no socialismo (a palavra não aparece
diretamente, mas podemos inferir pelo contexto)
deveremos restabelecê-lo de forma sistemática e
16 Tradução deste trecho a partir da edição em português: Karl racional, “como lei reguladora da produção social”. É
Marx, O capital, v. I, t. 2. op. cit.
ECOLOGIA E SOCIALISMO 35
36 MICHAEL LÖWY

pena que nem Marx nem Engels tenham desenvolvido bons paters famílias, deixá-la em melhor estado para as
esta intuição fundada na idéia de que as comunidades futuras gerações.
pré-capitalistas viviam espontaneamente em harmonia
Em outras palavras: Marx parece aceitar o “Prin-
com o seu meio natural, e que a tarefa do socialismo é cípio Responsabilidade” (“Príncipe Responsabilité”)
restabelecer esta harmonia sobre novas bases. caro a Hans Jonas, a obrigação de cada geração de
Certas passagens de Marx parecem considerar a respeitar o meio ambiente — condição de existência
conservação do meio ambiente natural como uma tarefa das próximas gerações.
fundamental do socialismo. Por exemplo, o volume III Em alguns textos o socialismo está associado à
d O capital opõe a lógica capitalista da grande abolição da separação entre cidades e campo, e desta
produção agrícola,yfundada sobre a exploração e forma à supressão da poluição industrial urbana: “É
desperdício das forças do solo, a uma outra lógica, de apenas pela fusão da cidade e do campo que se pode
natureza socialista: “o tratamento conscientemente eliminar a intoxicação atual do ar, da água e do solo;
racional da terra como eterna propriedade comunitária, somente ela pode levar as massas que hoje se prostram
e como condição inalienável (iunveräusserlichen) de nas cidades ao ponto em que seus dejetos servirão para
existência e de reprodução da cadeia das gerações produzir plantas, no lugar de produzir doenças”. A
humanas sucessivas”. Um raciocínio análogo se formulação é inadequada — a questão sendo reduzida a
encontra algumas páginas mais acima: um problema de metabolismo dos dejetos humanos! —
Mesmo uma sociedade inteira, uma nação, enfim, todas as , mas uma questão essencial é colocada: como pôr fim
sociedades contemporâneas tomadas em conjunto, não ao envenenamento industrial do meio ambiente? O
são proprietárias da terra. Elas são apenas ocupantes, romance utópico do grande escritor marxista libertário
usufrutuárias (Nutzniesser), e devem, como William Morris, Notícias de lugar nenhum (1890), é
uma tentativa fascinante de imaginar um mundo
socialista novo, onde as grandes cidades industriais
tenham cedido lugar a um hábitat urbano/rural que
respeite o ambiente natural.
Enfim, sempre no mesmo volume III d’O capital,
Marx não define mais o socialismo como a dominação
ou o controle humano sobre a natureza, mas antes
ECOLOGIA E SOCIALISMO 37 38 MICHAEL LOWY

como controle sobre as trocas materiais com a mais do que uma correção dos “excessos" do
natureza: na esfera da produção material, produtivismo capitalista.
Podemos concluir provisoriamente esta discussão
[...] a única liberdade possível é a regulação racional, com uma sugestão, que me parece pertinente, avançada
pelo ser humano socializado, pelos produtores
por Daniel Bensáíd em sua recente — e notável — obra
associados, de seu metabolismo (Stoffwechsel) com a
natureza, que eles controlam juntos ao invés de serem
sobre Marx, o intempestivo: reconhecendo que seria tão
dominados por ele como por uma potência cega. abusivo exonerar Marx das ilusões “progressistas” ou
“prometéicas” de seu tempo como fazer dele uma voz a
Esta idéia será retomada por sua conta, quase pa- favor da industrialização desmedida, ele nos propõe um
lavra por palavra, por Walter Benjamin, um dos pri- caminho bem mais fecundo: instalar-se nas
meiros marxistas do século XX a se colocar este tipo de contradições de Marx e tomá-las a sério. A primeira
questão: desde 1928, em seu livro Senso único (Sens destas contradições sendo, com certeza, aquela entre o
unique), ele denunciava a idéia de dominação da credo produtivista de certos textos e a intuição de que o
natureza como um “ensinamento imperialista” e progresso pode ser a fonte da destruição irreversível do
propunha uma nova concepção de técnica como “im- meio ambiente.
pério (maîtrise) da relação entre a natureza e a hu-
manidade”. A questão ecológica é, na minha visão, o grande
Não será difícil encontrar outros exemplos de uma desafio para uma renovação do pensamento marxista
real sensibilidade à questão do ambiente natural da no início do século XXI. Ela exige dos marxistas uma
atividade humana. Não resta dúvida de que falta a ruptura radical com a ideologia do progresso linear e
Marx e Engels uma perspectiva ecológica de conjunto. com o paradigma tecnológico e econômico da
Por outro lado, é impossível pensar em uma ecologia civilização industrial moderna. Certamente, não se trata
crítica à altura dos desafios contemporâneos sem ter em — isto é evidente — de colocar em questão a
conta a crítica marxiana da economia política, o necessidade do progresso científico e técnico e da
questionamento da lógica destrutiva induzida pela elevação da produtividade do trabalho: estas são duas
acumulação limitada de capital. Uma ecologia que condições incontornáveis para dois objetivos essenciais
ignora ou negligencia o marxismo e sua crítica do do socialismo: a satisfação das necessidades sociais e a
fetichismo da mercadoria está condenada a não ser redução da jornada de trabalho. O desafio é reorientar o
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progresso de maneira a tomá-lo compatível com a transformação do sistema produtivo herdado do


preservação do equilíbrio ecológico do planeta. capitalismo, assim como do sistema de transportes e do
O calcanhar-de-aquiles do raciocínio de Marx e sistema de habitação urbana.
Engels era, em alguns textos “canônicos”, uma con- Em poucas palavras, o ecossocialismo implica uma
cepção acrítica das forças produtivas capitalistas — ou radicalização da ruptura com a civilização material
seja, do aparelho técnico/produtivo capitalista/in- capitalista. Nesta perspectiva, o projeto socialista visa
dustrial moderno —, como se elas fossem “neutras” e não apenas uma nova sociedade e um novo modo de
como se fosse suficiente aos revolucionários socializá- produção, mas também um novo paradigma de
las, substituir sua apropriação privada por uma civilização.
apropriação coletiva, fazendo-as funcionar em be-
nefício dos trabalhadores e desenvolvendo-as de
maneira ilimitada. Creio que seria necessário aplicar no
aparelho produtivo moldado pelo capital o mesmo
raciocínio que Marx propunha, em A guerra civil na
França (1871), para o tema do aparelho de Estado: “A
classe trabalhadora não pode se contentar em tomar tal
e qual a máquina do Estado e fazê- la funcionar por sua
própria conta”. Mutatis mutandis, os trabalhadores não
podem se contentar em tomar tal e qual a “máquina”
produtiva capitalista e fazê-la funcionar por sua própria
conta: eles devem transformá-la radicalmente — o
equivalente daquilo que Marx chama numa carta a
Kugelmann sobre a Comuna de Paris, “destruir o
aparelho de Estado” burguês — em função de critérios
socialistas e ecológicos. O que implica não apenas a
substituição das formas de energia destrutivas por
fontes de energia renováveis e não-poluentes como a
energia solar, mas também uma profunda
42 MICHAEL LOWY
6DITORO 41

desastre ecológico de proporções incalculáveis. Não se


trata de ceder ao “catastrofis- mo” constatar que a
dinâmica do “crescimento” infinito induzido pela
expansão capitalista ameaça destruir os fundamentos
naturais da vida humana no Planeta.18
Como reagir frente a esse perigo? O socialismo e a
0 que é o ecossocialismo?17 ecologia — ou pelo menos algumas das suas correntes
— têm objetivos comuns, que implicam questionar a
autonomização da economia, do reino da quantificação,
1. Os marxistas e a ecologia da produção como um objetivo em si mesmo, da
ditadura do dinheiro, da redução do universo social ao
Crescimento exponencial da poluição do ar nas cálculo das margens da rentabilidade e às necessidades
grandes cidades, da água potável e do meio ambiente da acumulação do capital. Ambos pedem valores
em geral; aquecimento do Planeta, começo da fusão qualitativos: o valor de uso, a satisfação das
das geleiras polares, multiplicação das catástrofes necessidades, a igualdade social para uns, a
“naturais”; início da destruição da camada de ozônio;
preservação da natureza, o equilíbrio ecológico para
destruição, numa velocidade cada vez maior, das
outros. Ambos concebem a economia como “inserida”
florestas tropicais e rápida redução da biodiversidade
no meio ambiente: social para uns, natural para outros.
pela extinção de milhares de espécies; esgotamento dos
A questão ecológica é, a meu ver, o grande desafio
solos, desertificação; acumulação de resíduos,
para uma renovação do pensamento marxista no início
notadamente nucleares, impossíveis de controlar;
do século XXI. Tal questão exige dos marxis- tas uma
multiplicação dos acidentes nucleares e ameaça de um
revisão crítica profunda da sua concepção tradicional
novo Chernobyl; poluição alimentar, manipulações
de “forças produtivas”, bem como uma ruptura radical
genéticas, “vaca louca”, gado com hormônios. Todos
com a ideologia do progresso linear e com o paradigma
os faróis estão no vermelho: é evidente que a corrida
louca atrás do lucro, a lógica pro- dutivista e mercantil
da civilização capitalista/indus- trial nos leva a um 18 Ver a esse respeito a excelente obra de Kovel, J. The Ennemy
of Nature. The end of capitalism or the end of the world? Nova Iorque:
17 Traduzido por Renata Cordeiro. Zed Books, 2002.
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tecnológico e econômico da civilização industrial pista fecunda foi aberta pelo ecologista e “marxista-
moderna. Walter Benjamin foi um dos primeiros polanyista” norte-americano James O’Connor: é pre-
marxistas do século XX a se colocar esse tipo de ciso acrescentar à primeira contradição do capitalismo,
questão: já em 1928, no seu livro Sentido único, ele examinada por Marx, a que há entre as forças e as
denunciava a idéia de dominação da natureza como um relações de produção, uma segunda contradição, a que
“ensino imperialista” e propunha uma nova concepção há entre as forças produtivas e as condições de
da técnica como “domínio da relação entre a natureza e produção: os trabalhadores, o espaço urbano, a na-
a humanidade”. Alguns anos depois, nas Teses sobre o tureza. Pela sua dinâmica expansionista, o capital põe
conceito de história, ele se propõe enriquecer o em perigo ou destrói as suas próprias condições, a
materialismo histórico com as idéias de Fourier, esse começar pelo meio ambiente natural — uma possi-
visionário utópico que sonhara com “um trabalho que, bilidade que Marx não tinha levado suficientemente em
muito longe de explorar a natureza, tem condições de consideração.20
fazer com que dela nasçam as criações adormecidas no Outra abordagem interessante é sugerida num texto
seu cerne”.19 recente de um “eco-marxista” italiano: “A fórmula
Hoje, ainda, o marxismo está longe de ter preen- segundo a qual se produz uma transformação das forças
chido o seu atraso nessa área. No entanto, algumas potencialmente produtivas em forças efetivamente
reflexões começam a dedicar-se a essa tarefa. Uma produtivas, sobretudo em relação ao meio ambiente,
nos parece mais apropriada e mais significativa do que
o esquema muito conhecido da contradição entre as
19 Benjamin, W. Sens unique. Paris: Lettres Nouvelles/Maurice forças produtivas (dinâmicas) e as relações de produção
Nadeau, 1978, p. 243 e “Thèses sur la philosophie de l’histoire”, in: (que as encadeiam). Além disso, essa abordagem
L’homme, le tangage et la culture. Paris: Denoël, 1971, p. 190. Podemos
igualmente mencionar o socialista austríaco Julius Dickmann, autor de
permite dar um fundamento crítico e não apologético
um ensaio pioneiro publicado em 1933 em La critique sociale: de acordo ao desenvolvimento econômico, tecnológico,
com ele, o socialismo seria o resultado não de um “desenvolvimento científico, e, portanto, elaborar um conceito de
impetuoso das forças produtivas”, mas antes uma necessidade imposta
pela “diminuição das fontes de recursos naturais” dilapidadas pelo
capital. O desenvolvimento “irrefletido” das forças produtivas pelo 20 O'Connor, J. “La seconde contradiction du capitalisme:
capitalismo mina até mesmo as condições de vida do gênero humano. causes et conséquences”, in: Actuel Marx n. 12. “L'écologie, ce
(“La véritable limite de la production capitaliste”, La critique sociale, n. matérialisme historique”. Paris: Presses Universitaires de France, 1992,
9, setembro de 1933). pp. 30-36.
ECOLOGIA E SOCIALISMO 45 46 MICHAEL LOWY

progresso ‘diferenciado’ (E. Bloch)”.21 rentes dominantes da ecologia política européia são
Quer seja marxista ou não, o movimento operário muito insuficientes ou levam a becos sem saída. A sua
tradicional na Europa — sindicatos, partidos sociais- principal fraqueza é ignorar a conexão necessária entre
democratas e comunistas — permanece ainda pro- o produtivismo e o capitalismo, o que leva à ilusão do
fundamente marcado pela ideologia do “progresso” e “capitalismo limpo” ou de reformas capazes de lhe
pelo produtivismo, chegando até mesmo, em alguns controlar os “excessos” (como, por exemplo, as eco-
casos, a defender, sem se questionar muito, a energia taxas). Ou então, tomando por pretexto a imitação,
nuclear ou a indústria automobilística. É verdade que pelas economias burocráticas do comando, do
um princípio de sensibilização ecologista está em vias produtivismo ocidental, tais correntes põem
de desenvolvimento, notadamente nos sindicatos e capitalismo e “socialismo” de costas grudadas, como
partidos de esquerda nos países nórdicos, na Espanha, variantes do mesmo modelo — um argumento que
na Alemanha etc. perdeu muito do seu interesse após o desabamento do
pretenso “socialismo real”.
Os ecologistas se enganam se pensam que podem
2. 0 ecossocialismo fazer a economia da crítica marxiana do capitalismo:
uma ecologia que não se dá conta da relação entre
A grande contribuição da ecologia foi — e ainda é “produtivismo” e lógica do lucro está fadada ao
— fazer-nos tomar consciência dos perigos que fracasso — ou pior, à recuperação pelo sistema. Os
ameaçam o planeta em conseqüência do atual modo de exemplos abundam... A ausência de uma postura
produção e consumo. O crescimento exponencial das anticapitalista coerente levou a maior parte dos partidos
agressões ao meio ambiente, a ameaça crescente de verdes europeus — na França, Alemanha, Itália,
uma ruptura do equilíbrio ecológico configuram um Bélgica — a tornar-se simples partidários “eco-
cenário-catástrofe que põe em questão a própria reformistas” da gestão social-liberal do capitalismo
sobrevivência da vida humana. Confrontamo-nos com pelos governos de centro-esquerda.
uma crise de civilização que exige mudanças radicais. Considerando os trabalhadores como irremedia-
O problema é que as propostas feitas pelas cor- velmente votados ao produtivismo, alguns ecologistas
não tomam uma posição sobre o movimento operário, e
inscreveram na sua bandeira: “nem esquerda, nem
21 Babarolo, T. “Encore sur marxisme eL écologie”, in: direita”. Alguns ex-marxistas convertidos à ecologia
Quatrième Internationale, n. 44, julho de 1992, p. 25.
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dizem apressadamente “adeus à classe operária" (André ideologia das correntes dominantes do movimento
Gorz), ao passo que outros (Alain Lipietz) insistem que operário, eles sabem que os trabalhadores e as suas
é preciso deixar o “vermelho” organizações são uma força essencial para qualquer
— isto é, o marxismo ou o socialismo — para aderir transformação radical do sistema, e para o estabeleci-
ao “verde”, novo paradigma que traria uma resposta mento de uma nova sociedade, socialista e ecológica.
para todos os problemas econômicos e sociais. O ecossocialismo se desenvolveu sobretudo durante
Enfim, nas correntes ditas “fundamentalistas” (ou os últimos trinta anos, graças às obras de pensadores do
deep ecology), vemos esboçar-se, sob o pretexto de porte de Manuel Sacristan, Raymond Williams, Rudolf
combate contra o antropocentrismo, a recusa do hu- Bahro e André Gorz (nos seus primeiros escritos), bem
manismo, o que leva a posições relativistas que põem como graças às preciosas contribuições de James
todas as espécies vivas no mesmo nível. É realmente O’Connor, Barry Commoner, John Bellamy Foster,
necessário considerar que o bacilo de Koch ou o mos- Joel Kovel (EUA), Juan Martinez Allier, Francisco
quito anófeles têm o mesmo direito à vida que uma Fernandez Buey, Jorge Riechman (Espanha), Jean-Paul
criança tuberculosa ou com malária? Déléage, Jean-Marie Harribey (França), Elmar
Portanto, o que é o ecossocialismo? Trata-se de Altvater, Frieder Otto Wolf (Alemanha), e de muitos
uma corrente de pensamento e de ação ecológica que outros, que se expressam numa rede de revistas, tais
faz suas as aquisições fundamentais do marxismo como Capitalism, Nature and Socialism, Ecologia
— ao mesmo tempo que o livra das suas escórias Política etc.
produtivistas. Para os ecossocialistas a lógica do Essa corrente está longe de ser politicamente ho-
mercado e do lucro — assim como a do autoritarismo mogênea, mas a maioria dos seus representantes par-
burocrático de ferro e do “socialismo real” — são tilha de alguns temas comuns. Em ruptura com a
incompatíveis com as exigências de preservação do ideologia produtivista do progresso — na sua forma
meio ambiente natural. Ainda que critiquem a capitalista e/ou burocrática — e oposta à expansão ao
infinito de um modo de produção e de consumo
destruidor da natureza, tal corrente representa uma
tentativa original de articular as idéias fundamentais do
socialismo marxista com as aquisições da crítica
ecológica.
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James O’Connor define como ecossocialistas as dias.23 Tal sistema, portanto, se fundamenta,
teorias e os movimentos que aspiram a subordinar o necessariamente, na manutenção e no aumento da
valor de troca ao valor de uso, organizando a produção desigualdade gritante entre o Norte e o Sul.
em função das necessidades sociais e das exigências da 2) Seja como for, a continuação do “progresso”
proteção do meio ambiente. O seu objetivo, um capitalista e a expansão da civilização fundada na
socialismo ecológico, seria uma sociedade economia de mercado — mesmo sob essa forma bru-
ecologicamente racional fundada no controle demo- talmente desigualitária — ameaça diretamente, a médio
crático, na igualdade social, e na predominância do prazo (qualquer previsão seria arriscada), a própria
valor de uso.22 Eu acrescentaria que tal sociedade supõe sobrevivência da espécie humana. A preservação do
a propriedade coletiva dos meios de produção, um meio ambiente natural é, portanto, um imperativo
planejamento democrático que permita à sociedade humanista.
definir os objetivos da produção e os investimentos, e A racionalidade limitada do mercado capitalista,
uma nova estrutura tecnológica das forças produtivas. com o seu cálculo imediatista de perdas e lucros, é
O raciocínio ecossocialista repousa em dois argu- intrinsecamente contraditória com uma racionalidade
mentos essenciais: ecológica, que leve em conta a longa temporalidade dos
1) O modo de produção e de consumo atual dos ciclos naturais. Não se trata de opor os “maus”
países capitalistas avançados, fundado numa lógica de capitalistas ecocidas aos “bons” capitalistas verdes: é o
acumulação ilimitada (do capital, dos lucros, das próprio sistema, fundado na impiedosa competição, nas
mercadorias), do esgotamento dos recursos, do con- exigências da rentabilidade, na corrida atrás do lucro
sumo ostentatório, e da destruição acelerada do meio rápido que é o destruidor dos equilíbrios naturais. O
ambiente, não pode, de modo algum, ser expandido pretenso capitalismo verde não passa de uma manobra
para o conjunto do planeta, sob pena de uma crise publicitária, de uma etiqueta que visa vender uma
ecológica maior. Segundo cálculos recentes, se ge- mercadoria, ou, na melhor das hipóteses, de uma
neralizássemos para o conjunto da população mun- dial iniciativa local equivalente a uma gota de água sobre o
o consumo médio de energia dos EUA, as reservas solo árido do deserto capitalista.
conhecidas de petróleo seriam esgotadas em dezenove

22 O’Connor, J. Natural causes. Essays in Ecological Marxism. 23 Mies, M. “Liberación dei consumo o politización de la vida
Nova Yorque: The Guilford Press, 1998, pp. 278-331. cotidiana”, in: Mientras Tanto, n. 48, Barcelona, 1992, p. 73.
ECOLOGIA E SOCIALISMO 51 52 MICHAEL LOWY

Contra o fetichismo da mercadoria e a autonomi- bancos e das empresas capitalistas para se tomar um
zação reificada da economia pelo neoliberalismo, o bem comum da sociedade. Certamente, a mudança
jogo do futuro está, para os ecossocialistas, na im- radical diz respeito não apenas à produção, mas
plantação de uma “economia moral” no sentido que E. também ao consumo. Todavia, o problema da
P. Thompson dava a essa expressão, ou seja, uma civilização burguesa/industrial não é — como
política econômica fundada em critérios não-mone- pretendem em geral os ecologistas — “o consumo
tários e extra-econômicos: em outras palavras, a excessivo” da população, e a solução não é a “limi-
“reimbricação” do econômico no ecológico, no social e tação” geral do consumo, notadamente nos países
no político.24 capitalistas avançados. É o tipo de consumo atual,
As reformas parciais são de todo insuficientes: é fundado na ostentação, no desperdício, na alienação
preciso substituir a microrracional idade do lucro por mercantil, na obsessão acumuladora, que deve ser
uma macrorracionalidade social e ecológica, o que questionado.
exige uma verdadeira mudança de civilização.25 Isso é Uma reorganização de conjunto do modo de pro-
impossível sem uma profunda reorientação tecno- dução e de consumo é necessária, fundada em critérios
lógica, que vise a substituição das atuais fontes de exteriores ao mercado capitalista', as necessidades reais
energia por outras, não-poluentes e renováveis, tais da população (não necessariamente “pagáveis”) e a
como a energia eólica ou solar.26 Portanto, a primeira preservação do meio ambiente. Em outras palavras,
questão que se coloca é a do controle dos meios de uma economia de transição para o socialismo, “re-inserida”
produção, e, sobretudo, das decisões de investimento e (como diria Karl Polanyi) no meio ambiente social e
de mutação tecnológica, que devem ser arrancadas dos natural, porque fundada na escolha democrática das
prioridades e dos investimentos pela própria população
— e não pelas “leis do mercado” ou por um politburo
24 Cf. Bensaíd, D. MarxVintempestif Paris: Fayard, 1955. pp.
385- 386, 396 e Riechmann, J. Problemas con los frenos de emergencia? onisciente. Em outras palavras, um planejamento
Madri: Editorial Revolución, 1991, p. 15. democrático local, nacional, e, cedo ou tarde,
25 Ver a esse respeito o notável ensaio de Riechmann, J. "El internacional, que defina: 1) quais produtos deverão ser
socialismo puede llegar solo en bicicleta”, in: Papeies de la Fondation
subvencionados ou até mesmo distribuídos
de Invesligaciones Marxistas. Madri, n. 6, 1996.
26 Alguns marxistas já sonham com um "comunismo solar”: ver gratuitamente; 2) quais opções energéticas deverão ser
Schwartzman, D. “Solar Communism”, in: Science and Society. Special seguidas, ainda que não sejam, num primeiro momento,
issue “Marxism and Ecology”, v. 60, n. 3, outono de 1996.
ECOLOGIA E SOCIALISMO 53 54 MICHAEL LOWY

as mais “rentáveis”; 3) como reorganizar o sistema de Sul.


transportes, em função de critérios sociais e ecológicos; Essa aliança implica que a ecologia renuncie às
4) quais medidas tomar para reparar, o mais rápido tentações do naturalismo anti-humanista e abandone a
possível, os gigantescos estragos do meio ambiente sua pretensão de substituir a crítica da economia
deixados “como herança” pelo capitalismo. E assim política. Essa convergência implica, outrossim, que o
sucessivamente... marxismo se livre do produtivismo, substituindo o
Essa transição levaria não apenas a um novo modo esquema mecanicista da oposição entre o de-
de produção e a uma sociedade igualitária e demo- senvolvimento das forças produtivas e das relações de
crática, mas também a um modo de vida alternativo, a produção que o entravam pela idéia, muito mais
uma civilização nova, ecossocialista, para além do fecunda, de uma transformação das forças potencial-
reino do dinheiro, dos hábitos de consumo artificial- mente produtivas em forças efetivamente destrutivas.27
mente induzidos pela publicidade, e da produção ao
infinito de mercadorias nocivas ao meio ambiente (o
carro individual!). 3. Desenvolvimento das forças produtivas ou subversão do
Utopia? No sentido etimológico (“lugar algum”), aparelho de produção?
sem dúvida. Mas se não acreditamos, com Hegel, que
“tudo o que é real é racional, e tudo o que é racional é Um certo marxismo clássico — que utiliza algumas
real”, como pensaremos numa racionalidade passagens de Marx e Engels — parte da contradição
substancial sem apelarmos para utopias? A utopia é entre forças e relações de produção, e define a
indispensável à mudança social, com a condição de que revolução social como a supressão das relações de
seja fundada nas contradições da realidade e nos produção capitalistas, que se tornaram um obstáculo
movimentos sociais reais. E o caso do ecos- socialismo, para o livre desenvolvimento das forças produtivas.
que propõe uma estratégia de aliança entre os Essa concepção parece considerar o aparelho produtivo
“vermelhos” e os “verdes” — não no senti- do político “neutro”, e o seu desenvolvimento ilimitado.
estreito dos partidos sociais-democratas e dos partidos É preciso rejeitar essa perspectiva, de um ponto de
verdes, mas no sentido amplo, ou seja, entre o vista ecossocialista, inspirando-se em algumas
movimento operário e o movimento ecológico — e de
solidariedade para com os oprimidos e explorados do
27 Bensáíd, D. Marx l’intempestif pp. 391-396.
ECOLOGIA E SOCIALISMO 55 56 MICHAEL LOWY

observações de Marx sobre a Comuna de Paris: os sistema produtivo ou dos transportes — substituição
trabalhadores não podem apoderar-se do aparelho de progressiva da estrada pelo trem — deve ser feita com
Estado capitalista e pô-lo em funcionamento em be- a garantia do pleno emprego da força de trabalho.
nefício próprio. Devem “quebrá-lo” e substituí-lo por Qual será o futuro das forças produtivas nessa tran-
outro, de natureza totalmente distinta, uma forma não- sição para o socialismo — um processo histórico que
estatal e democrática de poder político. não se conta em meses ou anos? Duas escolas se
O mesmo vale, mutatis mutandis, para o aparelho confrontam no cerne daquilo a que poderíamos chamar
produtivo: por sua natureza e estrutura, ele não é neu- a esquerda ecológica:
tro, mas está a serviço da acumulação do capital e da I. A escola otimista, segundo a qual, graças ao pro-
expansão ilimitada do mercado. Contradiz as exigên- cesso tecnológico e às energias leves, o desenvolvi-
mento das forças produtivas socialistas pode ter uma
cias de preservação do meio ambiente e de saúde da
expansão ilimitada, que vise satisfazer “cada qual
força de trabalho. Portanto, faz-se necessário “revo-
segundo as suas necessidades”. Essa escola não leva
lucioná-lo”, transformando radicalmente a sua natu-
em conta os limites naturais do planeta, e acaba por
reza. Isso pode significar, para alguns ramos da pro-
reproduzir, sob a etiqueta de “desenvolvimento du-
dução — as centrais nucleares, por exemplo — “que-
rável”, o modelo socialista antigo.
brar”. De qualquer modo, as próprias forças produtivas
II. A escola pessimista, que, partindo desses limites
devem ser profundamente modificadas.
naturais, considera que é preciso limitar, de forma
Isso significa, antes de mais nada, uma revolução draconiana, o crescimento demográfico e o nível de
energética, a substituição das energias não-renováveis e vida das populações. E preciso reduzir pela metade o
responsáveis pela poluição e envenenamento do meio consumo de energia, ao preço da renúncia às casas
ambiente — carvão, petróleo e combustíveis nucleares individuais, aos aquecedores, etc. Como essas medidas
— por energias “leves” e renováveis: água, vento, sol. são muito impopulares, essa escola acarinha, por vezes,
Mas é o conjunto do modo de produção e de con- o sonho de uma “ditadura ecológica esclarecida”.
sumo — fundado, por exemplo, no carro individual e Parece-me que ambas as escolas partilham de uma
em outros produtos desse tipo — que deve ser trans- concepção puramente quantitativa do desenvolvimento
formado, somado à supressão das relações de produção das forças produtivas. Há uma terceira posição, que me
capitalistas e ao começo de uma transição para o parece mais apropriada, cuja hipótese principal é a
socialismo. Está implícito que cada transformação do
ECOLOGIA E SOCIALISMO 57 58 MICHAEL LOWY

mudança qualitativa do desenvolvimento: pôr fim no indivíduos são movidos por desejos e aspirações
monstruoso desperdício dos recursos pelo capitalismo, infinitas, que é preciso controlar e reprimir. Acontece
fundado na produção, em grande escala, de produtos que o ecossocialismo é fundado numa aposta, que já
inúteis ou nocivos: a indústria de armamentos é um era a de Marx: a predominância, numa sociedade sem
exemplo evidente. Trata-se, portanto, de orientar a classes, do “ser” sobre o “ter”, isto é, da realização
produção para a satisfação das necessidades autênticas, pessoal, pelas atividades culturais, lúdicas, eróticas,
a começar por aquelas a que podemos chamar esportivas, artísticas, políticas, em vez do desejo de
“bíblicas”: água, comida, roupas, moradia. acumulação ao infinito de bens e produtos. Esse desejo
Como distinguir as necessidades autênticas das é induzido pela ideologia burguesa e pela publicidade,
artificiais e factícias? Estas últimas são induzidas pelo e nada indica que é uma “natureza humana eterna”.
sistema de manipulação mental que se chama “pu- Isso não quer dizer que não haverá conflito entre as
blicidade”. Peça indispensável para o funcionamento exigências da proteção do meio ambiente e as ne-
do mercado capitalista, a publicidade está votada a cessidades sociais, entre os imperativos ecológicos e as
desaparecer numa sociedade de transição para o
necessidades do desenvolvimento, notadamente nos
socialismo, para ser substituída pela informação for-
países pobres. Cabe à democracia socialista, liberta dos
necida pelas associações de consumidores. O critério
imperativos do capital e do “mercado”, resolver essas
para distinguir uma necessidade autêntica de uma
contradições.
artificial é a sua persistência após a supressão da 4. Convergências no combate
publicidade... (Coca-cola!).
O carro individual, em contrapartida, responde a A utopia revolucionária de um socialismo verde ou
uma necessidade real, mas num projeto ecossocia- lista, de um comunismo solar não significa que não devamos
fundado na abundância dos transportes públicos agir desde agora. Não ter ilusões sobre a possibilidade
de “ecologizar” o capitalismo não quer dizer que não
gratuitos, o carro individual terá um papel muito mais
possamos empreender o combate pelas reformas
reduzido do que na sociedade burguesa, em que se
imediatas. Por exemplo, algumas formas de eco-taxas
tornou um fetiche mercantil, uma marca de prestígio, e
podem ser úteis, com a condição de que sejam
o centro da vida social, cultural, esportiva e erótica dos
observadas por uma lógica social igualitária (fazer com
indivíduos.
que os poluidores paguem e não os consumidores) e de
Certamente, responderão os pessimistas, porém os que nos libertemos do mito de um cálculo econômico
ECOLOGIA E SOCIALISMO 59 60 MICHAEL LOWY

do “preço de mercado” dos estragos ecológicos: são Acordos. Em vez dos interesses a longo prazo da
variáveis incomensuráveis do ponto de vista monetário. humanidade, predominaram aqueles, de curta visão,
Temos, desesperadamente, necessidade de ganhar das multinacionais do petróleo e da indústria
tempo, de lutar imediatamente pela interdição dos CFC automobilística.29
(clorofluorcar- bonetos) que destroem a camada de O combate por reformas ecossociais pode ser por-
ozônio, por uma moratória sobre os transgênicos, por tador de uma dinâmica de mudança, de “transição”
limitações severas das emissões de gases responsáveis entre as demandas mínimas e o programa máximo, com
pelo “efeito estufa!”, pelo privilégio dos transportes a condição de que se recusem os argumentos e as
públicos em relação ao carro individual poluente e anti- pressões dos interesses dominantes, em nome das
social.28 “regras do mercado”, da “competitividade” ou da
A armadilha que nos ameaça nesse terreno é ver as “modernização”.
nossas reivindicações levadas formalmente em conta, Algumas demandas imediatas já são, ou podem
porém esvaziadas do seu conteúdo. Um caso exemplar rapidamente se tornar, o ponto de convergência entre
são os Acordos de Kioto sobre a mudança climática, movimentos sociais e movimentos ecológicos,
que previam uma redução mínima de 5% em relação a sindicatos e defensores do meio ambiente, “vermelhos”
1990 — muitíssimo pouco para resultados realmente e “verdes”:
eficazes — na emissão dos gases responsáveis pelo — a promoção de transportes públicos — trens,
aquecimento do planeta. Como sabemos, os EUA, metrôs, ônibus, bondes — baratos ou gratuitos como
principal potência responsável pela emissão dos gases, alternativas para o abafamento e a poluição das çi-
se recusam obstinadamente a assinar os Acordos; dades e dos campos pelo carro individual e pelo sis-
quanto à Europa, Japão e Canadá, eles assinaram os tema de transportes rodoviários;
Acordos, mas acrescentan- do-lhes cláusulas — o — a luta contra o sistema da dívida e os “ajustes”
célebre “mercado de direitos de emissão”, ou o ultraliberais impostos pelo FMI e pelo Banco Mundial
reconhecimento dos chamados “poços de carbono” — aos países do Sul, com conseqüências sociais e
que reduzem enormemente o alcance, já limitado, dos ecológicas dramáticas: desemprego em massa, des-
truição das proteções sociais e das culturas de víveres,
28 Riechmann, J. “Necesitamos una reforma fiscal guiada por
critérios igualitários y ecologicos”, in: De la economia a la ecologia. 29 Ver a análise esclarecedora de Foster, J. B., “Ecology against
Madri: Editorial Trotta, 1995, pp. 82-85. Capitalism”, in: Monthly Review, v. 53, n. 5, outubro de 2001, pp. 12-14.
ECOLOGIA E SOCIALISMO 61 62 MICHAEL LOWY

destruição dos recursos naturais' para a exportação; mais fácil do que considerar que as questões ecológicas
— defesa da saúde pública, contra a poluição do ar, só dizem respeito aos países do Norte — um luxo das
da água (lençóis freáticos) ou dos alimentos pela avidez sociedades ricas. Cada vez mais se desenvolvem nos
das grandes empresas capitalistas; países do capitalismo periférico — o “Sul” —
— a redução do tempo de trabalho como resposta movimentos sociais de dimensão ecológica.
ao desemprego e como visão da sociedade que privi- Esses movimentos reagem a um agravamento cres-
legie o tempo livre em relação à acumulação de bens.30 cente dos problemas ecológicos da Ásia, África e
Contudo, no combate por uma nova civilização, a América Latina, em conseqüência de uma política
um só tempo mais humana e que respeite mais a na- deliberada de “exportação da poluição” pelos países
tureza, é o conjunto dos movimentos sociais eman- imperialistas. Essa política tem, diga-se de passagem,
cipadores que é preciso associar. Como diz tão bem uma “legitimação” econômica imbatível — do ponto
Jorge Riechmann: de vista da economia capitalista de mercado —
recentemente formulada por um eminente expert do
“Esse projeto não pode renunciar a nenhuma das cores do Banco Mundial, Lawrence Summers: os pobres custam
arco-íris: nem ao vermelho do movimento operário
menos caro! Para citar as suas próprias palavras: “a
anticapitalista e igualitário, nem ao violeta das lutas para
a libertação da mulher, nem ao branco dos movimentos medida dos custos da poluição nociva à saúde depende
não-violentos para a paz, nem ao anti-autoritarismo negro dos rendimentos perdidos por causa da morbidez e da
dos libertadores e anarquistas, e ainda menos ao verde da mortalidade recrudescidas. Desse ponto de vista, uma
luta por uma humanidade justa e livre num planeta quantidade dada de poluição nociva à saúde deveria ser
habitável”.31 realizada no país com os mais baixos custos, isto é, no
*** país com os salários mais baixos”.32 Uma formulação
A ecologia social se tornou uma força social e po- cínica que revela muito mais a lógica do capital global
lítica presente na maior parte dos países europeus, bem do que todos os discursos consoladores sobre o
como, em certa medida, nos EUA. Porém, nada seria “desenvolvimento” produzidos pelas instituições
financeiras internacionais.
Vemos, também, surgirem nos países do Sul um
30 Ver Rousset, P. “Convergence de combats. L’écologique et le
social”, in: Rouge, 16 de maio de 1996, pp. 8-9.
31 Riechmann. J. “El socialismo puede llegar solo en bicicleta”, p. 32 Cf. “Let them eat pollution”, in: The Economist, 8 de fevereiro de
57. 1992.
ECOLOGIA E SOCIALISMO 63
64 MICHAEL LÖWY

movimento a que J. Martinez-Alier chama “a ecologia business”) nos campos. Em geral, tais movimentos não
do pobre” ou ainda “neo-narodnismo ecológico”, isto é, se definem como ecológicos, mas nem por isso o seu
mobilizações populares em defesa da agricultura combate deixa de ter uma dimensão ecológica
campestre, e do acesso comunal aos recursos naturais, determinante.33
ameaçados de destruição pela expansão agressiva do Está implícito que esses movimentos não se opõem
mercado (ou do Estado), bem como lutas contra a às melhorias trazidas pelo progresso tecnológico: pelo
degradação do ambiente imediato provocada pela troca contrário, a demanda de eletricidade, água corrente,
desigual, pela industrialização dependente, pelas canalização dos esgotos, e multiplicação aos
manipulações genéticas e pelo desenvolvimento do ambulatórios médicos ocupa um lugar de destaque na
capitalismo (o “agro- sua plataforma de reivindicações. O que eles recusam é
a poluição e a destruição do seu meio natural em nome
das “leis de mercado” e dos imperativos da “expansão”
capitalista.
Um texto recente do dirigente camponês peruano
Hugo Blanco exprime notavelmente o significado dessa
“ecologia dos pobres”:
“A primeira vista, os defensores do meio ambiente ou os
conservacionistas surgem como pessoas gentis, ligeira-
mente loucas, cujo principal objetivo na vida é impedir o
desaparecimento das baleias azuis ou dos ursos pandas. O
povo comum tem coisas mais importantes com que
ocupar-se, a exemplo de como obter o pão de cada dia.
(...) Entretanto, existem no Peru muitas pessoas que são
defensoras do meio ambiente. É claro que se lhes dis-
serem ‘vocês são ecologistas’, provavelmente responde-

33 Martinez-Alier. J. “Political Ecology. Distributional Conflicts,


and Economic Incommensurability”, in: New Left Review, n. 211, maio-
junho de 1995, pp. 83-84.
ECOLOGIA E SOCIALISMO 65 66 MICHAEL LOWY

rão ‘ecologista é a sua mãe!’ ... E no entanto: não são os esquerda, com a simpatia da opinião pública,
habitantes da cidade Ilo e dos vilarejos circunvizinhos, preocupada com as consequências imprevisíveis das
em luta contra a poluição provocada pela Southern Peru manipulações transgênicas sobre a saúde pública e
Copper Corporation, defensores do meio ambiente? (...) E
sobre o meio ambiente natural. Luta contra a
não é a população da Amazônia totalmente ecologista,
mercantilização do mundo e defesa do meio ambiente,
pronta para morrer para defender as suas florestas contra
a depredação? Da mesma forma que a população de resistência à ditadura das multinacionais e combate
Lima, quando protesta contra a poluição das águas.”34 pela ecologia estão intimamente ligados na reflexão e
na prática do movimento mundial contra a
Hoje, no início do século XXI, a ecologia social se mundialização capitalista/liberal.
tornou um dos ingredientes mais importantes do vasto
movimento contra a globalização capitalista neoliberal
que está em processo de desenvolvimento, tanto no
Norte quanto no Sul do planeta. A presença maciça dos
ecologistas foi uma das características chocantes da
grande manifestação de Seattle contra a Organização
Mundial do Comércio em 1999. E no Fórum Social
Mundial de Porto Alegre em 2001, um dos atos
simbólicos fortes do evento foi a operação, levada a
cabo pelos militantes do Movimento dos Sem-Terra
brasileiros (MST) e pela Confederação Camponesa
francesa de José Bové, de arrancar uma plantação de
milho transgênico da multinacional Monsanto. O
combate contra a multiplicação descontrolada dos
transgênicos mobiliza, no Brasil, na França e em outros
países, não apenas o movimento ecológico, mas
também o movimento camponês, e uma parte da

34 Artigo no jornal La Republica, Lima, 6 de abril de 1991 (citado


por Martinez-Alier, ibid. p. 74).
68 MICHAEL LOWY
<aCORT€Z
'©CDITORO nomia e Sociedade: “A reificação (Versachlichung) da
67
economia fundada na base da socialização do mercado
segue totalmente a sua própria legalidade objetiva
(,sachlichen). O universo reificado (versachlichte
Kosmos) do capitalismo não deixa espaço algum para
uma orientação caritativa...” Weber daí deduz que a
economia capitalista é estruturalmente incompatível
com critérios éticos: “Em contraste com qualquer outra
Por uma ética ecossocialista* forma de dominação econômica do capital, devido ao
seu ‘caráter impessoal’, não poderia ser eticamente
regulamentada. (...) A competição, o mercado, o
O capital é uma formidável máquina de reificação.
mercado de trabalho, o mercado monetário, o mercado
Desde a Grande Transformação de que fala Karl
das mercadorias, numa palavra, considerações
Polanyi, isto é, desde que a economia capitalista de
‘objetivas’, nem éticas, nem anti-éticas, mas
mercado se autonomizou, desde que ela, por assim simplesmente não-éticas... ordenam o comportamento
dizer, se “desinseriu” da sociedade, ela funciona uni- no ponto decisivo e introduzem instâncias impessoais
camente segundo as suas próprias leis, as leis im- entre os seres humanos referidos”.37 No seu estilo
pessoais do lucro e da acumulação. Supõe, ressalta neutro e não-engajado, Weber pôs o dedo no essencial:
Polanyi, “ingenuamente a transformação da substância o capital é intrinsecamente, pela sua essência, “não-
natural e humana da sociedade em mercadorias”, ético”.
graças a um dispositivo, o mercado auto-regulador, que Na raiz dessa incompatibilidade, encontramos o
tende, inevitavelmente, a “quebrar as relações humanas fenômeno da quantificação. Inspirado pela
e a (...) aniquilar o hábitat natural do homem”. Trata-se Rechenhaftigkeit — o espírito de cálculo racional de
de um sistema impiedoso, que lança os indivíduos das que fala Weber — o capital é uma formidável má-
camadas desfavorecidas “sob as rodas mortíferas do quina de quantificação. Só reconhece o cálculo das
progresso, esse carro de Juguemaut”.35 36
perdas e dos lucros, as cifras da produção, a medida
Max Weber já havia admiravelmente capitado a ló-
dos preços, dos custos e dos ganhos. Submete a eco-
gica “coisificada” do capital na sua grande obra Eco-
nomia, a sociedade e a vida humana à dominação do
* Traduzido por Renata Cordeiro.
36 Polanyi, K. La grande transformation. Aux origines 37 Weber, M. Wirtschaft und Gesellschaft. Tübingen: JCB
politiques et économiques de notre temps. Paris: Gallimard, 1983, p. 70. Mohr, 1923, pp. 305, 708-709.
ECOLOGIA E SOCIALISMO 69 70 MICHAEL LOWY

valor de troca da mercadoria, e da sua mais abstrata


expressão, o dinheiro. Esses valores quantitativos, que ral ou física, uma vez tornada valor venal, é levada ao
se medem em 10, 100, 1.000 ou 1.000.000, não mercado para ser apreciada no seu mais justo valor”.38
conhecem nem o justo, nem o injusto, nem o bem, nem As primeiras reações, não apenas operárias, mas
o mal: dissolvem e destroem os valores qualitativos, e, também camponesas e populares contra a mercanti-
em primeiro lugar, os valores éticos. Entre os dois, há a lização capitalista ocorreram em nome de alguns
“antipatia”, no sentido antigo, alquímico, do termo: valores sociais, de algumas necessidades sociais con-
falta de afinidade entre duas substâncias. sideradas mais legítimas do que a economia política do
Hoje, esse reinado total — na verdade, totalitário capital. Estudando esses movimentos de massa, greves
— do valor mercantil, do valor quantitativo, do di- de fome e revoltas do século XVIII inglês, o
nheiro, das finanças capitalistas, atingiu um grau sem historiador E. P. Thompson fala do confronto entre a
precedentes na história humana. Porém, a lógica do “economia moral” da plebe e a economia capitalista de
mercado (que tem em Adam Smith o seu primeiro
sistema já havia sido captada por um crítico lúcido do
grande teórico). As greves de fome (em que as
capitalismo, em 1847: “Chegou, enfim, um tempo em
mulheres desempenhavam o papel principal) eram uma
que tudo o que os homens haviam considerado
forma de resistência ao mercado — em nome da antiga
inalienável se tornou objeto de troca, de tráfico e podia
“economia moral” das normas comunitárias
alienar-se. O tempo em que as próprias coisas que até
tradicionais — que não deixavam de ter a sua
então eram comunicadas, mas jamais trocadas; dadas,
racionalidade e que, a longo prazo, provavelmente
mas jamais vendidas; adquiridas, mas jamais
salvaram as camadas populares da fome.39
compradas — virtude, amor, opinião, ciência, O socialismo moderno é herdeiro desse protesto
consciência etc. — em que tudo passou para o social, dessa “economia moral”. Quer fundar a pro-
comércio. O tempo da corrupção geral, da venalidade dução não mais em critérios do mercado e do capital —
universal ou, para falar em termos de economia a “demanda pagável”, a rentabilidade, o lucro, a
política, o tempo em que qualquer coisa, mo- acumulação — mas na satisfação das necessidades

38 Marx, K. Misère de la Philosophie. Paris: Ed. Sociales, 1947,


p. 33.
39 Thompson, E. P. “Moral Economy Reviewed”, in: Customs
in Common. Londres: Merlin Press, 1991, pp. 267-268.
ECOLOGIA E SOCIALISMO 71 72 MICHAEL LOWY

sociais, o “bem comum”, a justiça social. Trata-se de Grande Transformação”, contra a autonomização
valores qualitativos, irredutíveis à quantificação reificada da economia em relação às sociedades, e de
mercantil e monetária. Recusando o produtivismo, um desejo de “re-inserir” a economia num meio
Marx insistia na prioridade do ser dos indivíduos — a ambiente social e natural.40 Mas essa convergência só é
plena realização das suas potencialidades humanas — possível com a condição de que os marxistas submetam
em relação ao ter, a posse de bens. Para ele, a primeira a uma análise crítica a sua concepção tradicional das
necessidade social, a mais imperativa, e a que abria as “forças produtivas” — voltaremos a esse ponto — e de
portas do “Reino da Liberdade” era o tempo livre, a que os ecologistas acabem com a ilusão de uma
redução da jornada de trabalho, o desenvolvimento dos “economia de mercado” limpa. Essa dupla operação é a
indivíduos no jogo, no estudo, na atividade cidadã, na obra de uma corrente, o ecossocialismo, que conseguiu
criação artística, no amor. fazer a síntese dos dois processos.
Entre essas necessidades sociais, há uma que toma Quais poderiam ser os principais elementos de uma
uma importância cada vez mais decisiva hoje — e que ética ecossocialista, que se oponha radicalmente à
Marx não havia levado suficientemente em con- lógica destruidora e fundamentalmente “não-ética”
sideração (exceto em algumas passagens isoladas) na (Weber) da rentabilidade capitalista e do mercado total
sua obra: a necessidade de preservar o meio ambiente — esse sistema da “venalidade universal” (Marx)?
natural, a necessidade de um ar respirável, de uma água Adianto aqui algumas hipóteses, alguns pontos de
potável, de uma alimentação livre de venenos químicos partida para a discussão.
ou de radiações nucleares. Uma necessidade que se Antes de mais nada, trata-se, parece-me, de uma
identifica, tendencialmente, com o próprio imperativo ética social: não é uma ética dos comportamentos
de sobrevivência da espécie humana neste planeta, cujo individuais, não visa culpabilizar as pessoas, promover
equilíbrio ecológico está seriamente ameaçado pelas o ascetismo, ou a autolimitação. Com certeza, é
conseqüências catastróficas — efeito estufa, destruição importante que os indivíduos sejam educados para
da camada de ozônio, perigo nuclear — da expansão ao respeitar o meio ambiente e recusar o desperdício, mas
infinito do produtivismo capitalista. o verdadeiro jogo se joga noutra parte: na mu- dança
O socialismo e a ecologia partilham, portanto, dos das estruturas econômicas e sociais capitalis-
valores sociais qualitativos, irredutíveis ao merca- do.
Partilham, igualmente, de uma revolta contra “A
40 Cf. Bensaíd, D. Marx Vintempestif pp. 385-386, 396.
ECOLOGIA E SOCIALISMO 73 74 MICHAEL LOWY

tas/comerciais, no estabelecimento de um novo pa- questão muito mais urgente, que diz respeito
radigma de produção e distribuição, fundado, como diretamente às gerações atuais: os indivíduos que
vimos mais acima, em levar em conta as necessidades vivem no começo do século XXI já conhecem as
sociais — notadamente a necessidade vital de viver conseqüências dramáticas da destruição e do enve-
num meio ambiente natural não degradado. Uma nenamento capitalista da biosfera, e correm o risco de
mudança que exige atores sociais, movimentos sociais, se defrontar — pelo menos no que diz respeito aos
organizações ecológicas, partidos políticos, e não jovens — em vinte ou trinta anos com verdadeiras
apenas indivíduos de boa vontade. catástrofes.
A crise ecológica, ao ameaçar o equilíbrio natural Trata-se também de uma ética igualitária: o modo
do meio ambiente, põe em perigo não apenas a fauna e de produção e de consumo atual dos países capitalistas
a flora, mas também, e sobretudo, a saúde, as con- avançados, fundado numa lógica de acumulação
dições de vida, a própria sobrevivência da nossa es- ilimitada (do capital, dos lucros, das mercadorias), de
pécie. Portanto, não há necessidade alguma de ir desperdício dos recursos, de consumo ostentatório, e de
guerrear contra o humanismo ou “o antropocentris- destruição acelerada do meio ambiente, não pode de
mo” para ver na defesa da biodiversidade ou das es- modo algum ser expandido para o conjunto do planeta,
pécies animais em vias de extinção uma exigência ética sob pena de crise ecológica maior. Portanto, esse
e política. O combate para salvar o meio ambiente, que sistema é, necessariamente, fundado na manutenção e
é necessariamente o combate por uma mudança de no agravamento da desigualdade gritante entre o Norte
civilização, é um imperativo humanista, que diz e o Sul. O projeto ecossocialista visa uma
respeito não apenas a esta ou àquela classe social, mas redistribuição planetária da riqueza, e um
ao conjunto dos indivíduos. desenvolvimento em comum dos recursos, graças a um
Esse imperativo concerne às gerações futuras, novo paradigma produtivo.
ameaçadas de receber como herança um planeta que se A exigência ético-social de satisfação das neces-
tornou inabitável, onde é impossível viver, devido à sidades sociais só tem sentido num espírito de justiça
acumulação cada vez mais descontrolada dos estragos social, de igualdade — o que não quer dizer ho-
causados ao meio ambiente. Mas o discurso que mogeneização — e de solidariedade. Implica, em
fundava a ética ecológica fundamentalmente nesse última análise, na apropriação coletiva dos meios de
perigo futuro está hoje ultrapassado. Trata-se de uma produção e na distribuição dos bens e dos serviços “a
ECOLOGIA E SOCIALISMO 75 76 MICHAEL LOWY

cada qual segundo as suas necessidades”. Nada tem em raiz do mal. As meias-medidas, as semi-reformas, as
comum com a pretensa “equidade” liberal, que quer conferências do Rio, os mercados de direito de po-
justificar as desigualdades sociais na medida em que luição são incapazes de dar uma solução. É necessária
elas estariam “ligadas a funções abertas a todos em uma mudança radical de paradigma, um novo modelo
condições de igualdade equitativa de oportunidades” de civilização, em resumo, uma transformação
(Rawls)41 — o argumento clássico dos defensores da revolucionária.
“livre competição” econômica e social. Essa revolução se refere às relações de produção —
O ecossocialismo implica também numa ética a propriedade privada, a divisão do trabalho — mas
democrática: enquanto as decisões econômicas e as também às forças produtivas. Contra uma certa vulgata
escolhas produtivas ficarem nas mãos de uma oli- marxista — que pode apoiar-se em alguns textos do
garquia de capitalistas, banqueiros e tecnocratas — ou fundador — que concebe a mudança unicamente como
no desaparecido sistema das economias estatiza- das, supressão — no sentido da Aufhebung hegeliana — de
de uma burocracia que escapa a todo e qualquer relações sociais capitalistas, “obstáculos ao livre
controle democrático — jamais sairemos do ciclo desenvolvimento das forças produtivas”, é preciso
infernal do produtivismo, da exploração dos traba- questionar a própria estrutura do processo de produção.
lhadores e da destruição do meio ambiente. A demo- Enfim, o ecossocialismo é uma ética responsável.
cratização econômica — que implica na socialização Na sua célebre obra, O Princípio Responsabilidade
das forças produtivas — significa que as grandes (1979), o filósofo Hans Jonas pôs em evidência as
decisões sobre a produção e a distribuição não são ameaças que a destruição do meio ambiente pela tec-
tomadas pelos “mercados” ou por um politburo, mas nologia moderna apresenta para as gerações futuras.
pela própria sociedade, após um debate democrático e Desde a publicação do seu livro, a crise ecológica se
pluralista, em que se oponham propostas e opções tem infinitamente agravado, e a ameaça de uma ca-
diferentes. É a condição necessária para a introdução tástrofe no meio ambiente de proporções imprevisíveis
de uma outra lógica socioeconômica, e para uma outra se perfila no horizonte das próximas décadas. Não se
relação com a natureza. trata mais apenas de responsabilidade para com as
O ecossocialismo é uma ética radical, no sentido gerações futuras, como pensava Jonas, mas na verdade
etimológico da palavra: uma ética que se propõe ir à para com a nossa própria geração. As perturbações
climáticas resultantes do efeito estufa — só para
41 Rawls, J. Libéralisme politique. Paris: PUF. 1995, p. 29-30.
ECOLOGIA E SOCIALISMO 77 78 MICHAEL LOWY

mencionar esse exemplo — já se fazem sentir e correm lucro e da acumulação? Quer dizer, sem um projeto
o risco, num futuro próximo, de ter consequências utópico de transformação social, que submeta a
dramáticas para o conjunto da humanidade, O produção a critérios extra-econômicos, de-
“Princípio Responsabilidade”, para ter um significado mocraticamente escolhidos pela sociedade? E como
ético verdadeiro, não pode referir-se unicamente “à imaginar semelhante projeto sem integrar, como um
natureza” como abstração, mas antes ao meio ambiente dos seus principais eixos, uma nova atitude em relação
natural da vida humana: o antropo- centrismo é aqui à natureza, respeitosa do meio ambiente? O “Princípio
sinônimo de humanismo. Responsabilidade” é incompatível com um
Hans Jonas opõe o seu “Princípio Responsabili- conservacionismo tremente, que se recusa a questionar
dade” ao “Princípio Esperança” de Ernst Bloch e às o sistema econômico atual, e que qualifica de
idéias utópicas do socialismo. É verdade que as utopias “irrealista” qualquer busca por uma alternativa.
econômicas fundadas no Princípio Expansão — Contrariamente ao que parece sugerir Hans Jonas,
desenvolvimento ilimitado da produção, crescimento não há necessariamente contradição entre o “Princípio
infinito do consumo — são, desse ponto de vista, Esperança”, tal como Bloch o formula, e o “Princípio
eticamente “irresponsáveis”, porque contraditórios com Responsabilidade”, no sentido de uma preservação do
o equilíbrio ecológico do planeta. Mas isso não se meio ambiente para gerações futuras. Longe de serem
aplica ao “Princípio Esperança” em si, essa aspiração contraditórios, ambos os princípios estão, portanto,
utópica milenar a uma sociedade livre e igualitária, que estreitamente ligados, inseparáveis, são mutuamente
Emst Bloch descreve tão bem no seu livro.42 dependentes, dialeticamente complementares. Sem o
Como imaginar uma solução verdadeira, isto é, “Princípio Responsabilidade”, a utopia só pode ser
radical, para o problema da crise ecológica, sem destrutiva, e sem o “Princípio Esperança”, a
mudar, do vinho para a água, o modo atual de produ- responsabilidade não passa de uma ilusão conformista.
ção e de consumo, gerador de desigualdades gritantes e
de estragos catastróficos? Como impedir a degradação
crescente do meio ambiente sem romper com uma
lógica econômica que só conhece a lei do mercado, do

42 Bloch, E. Le Principe Espérance. Paris: Gallimard, très volu-


mes, 1976 a 1984.
80 MICHAEL LOWY
6DITORR 79

Bibliografia MARX, Karl. Para a crítica da economia política; Salário,


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ECOLOGIA E SOCIALISMO 81

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6DITORO 83

Anexos
86 MICHAEL LOWY
/Ei CORTEZ
'&6DITORO Agindo sobre a natureza e seu equilíbrio ecológico, o
85
sistema, com seu imperativo de expansão constante da
lucratividade, expõe ecossistemas a poluentes
desestabilizadores, fragmenta habitats que evoluíram
milhões de anos de modo a permitir o surgimento de
organismos, dilapida recursos, e reduz a vitalidade sensual
da natureza às frias trocas necessárias à acumulação de
Manifesto Ecossocialista Internacional capital.
Do lado da humanidade, com suas exigências de
O século XXI se inicia com uma nota catastrófica, com autodeterminação, comunidade e existência plena de sentido,
um grau sem precedentes de desastres ecológicos e uma o capital reduz a maioria das pessoas do mundo a mero
ordem mundial caótica, cercada por terror e focos de guerras reservatório de mão-de-obra, ao mesmo tempo em que
localizadas e desintegradoras, que se espalham como uma descarta os considerados inúteis. O capital invadiu e minou a
gangrena pelos grandes troncos do planeta — África Central, integridade das comunidades por meio de uma cultura de
Oriente Médio, América do Sul e do Norte —, ecoando por massas global de consu- mismo e despolitização. Ele
todas as nações. expandiu as disparidades de riqueza e de poder em níveis
Na nossa visão, as crises ecológicas e o colapso social sem precedentes na história. Trabalhou lado a lado com uma
estão profundamente relacionados e deveriam ser vistos rede de Estados corruptos e subservientes, cujas elites locais,
como manifestações diferentes das mesmas forças poupando o centro, executam o trabalho de repressão. O
estruturais. As primeiras derivam, de uma maneira geral, da capital também colocou em funcionamento, sob a supervisão
industrialização massiva, que ultrapassou a capacidade da das potências ocidentais e da superpotência norte-
Terra absorver e conter a instabilidade ecológica. O segundo americana, uma rede de organizações trans-estatais destinada
deriva da forma de imperialismo conhecida como a minar a autonomia da periferia, atando-a às suas dívidas
globalização, com seus efeitos desintegra- dores sobre as enquanto mantém um enorme aparato militar que força a
sociedades que se colocam em seu caminho. Ainda, essas obediência ao centro capitalista.
forças subjacentes são essencialmente diferentes aspectos do Nós entendemos que o atual sistema capitalista não pode
mesmo movimento, devendo ser identificadas como a regular, muito menos superar, as crises que deflagrou. Ele
dinâmica central que move o todo: a expansão do sistema não pode resolver a crise ecológica porque fazê-lo implica
capitalista mundial. em colocar limites ao processo de acumulação — uma opção
Rejeitamos todo tipo de eufemismos ou propaganda que inaceitável para um sistema baseado na regra “cresça ou
suavizem a brutalidade do sistema: todo mascaramento de morra!”. Tampouco ele pode resolver a crise posta pelo
seus custos ecológicos, toda mistificação dos custos terror ou outras formas de rebelião violenta, porque fazê-lo
humanos sob os nomes de democracia e direitos humanos. significaria abandonar a lógica do império, impondo limites
Ao contrário, insistimos em enxergar o capital a partir inaceitáveis ao crescimento e ao “estilo de vida” sustentado
daquilo que ele realmente fez. pelo império. Sua única opção é recorrer à força bruta,
88 MICHAEL LOWY
ECOLOGIA E SOCIALISMO 87
incrementando a alienação e
semeando mais terrorismo e contraterrorismo, gerando assim
uma nova variante de fascismo.
Em suma. o sistema capitalista mundial está
historicamente falido. Tornou-se um império incapaz de se
adaptar, cujo gigantismo expõe sua fraqueza subjacente. O
sistema capitalista mundial é. na linguagem da ecologia,
profundamente insustentável e, para que haja futuro, deve
ser fundamentalmente transformado ou substituído.
É dessa forma que retornamos à dura escolha apresentada
por Rosa Luxemburgo: “Socialismo ou Barbárie!”, em que a
face da última está impressa neste século que se inicia na
forma de eco- catástrofe, terror e contraterror e sua
degeneração fascista.
Mas por que socialismo, por que reviver esta palavra
aparentemente consignada ao lixo da história pelos
equívocos de suas interpretações no século XX? Por uma
única razão: embora castigada e não realizada, a noção de
socialismo ainda permanece atual para a superação do
capital. Se o capital deve ser superado, uma tarefa dada
como urgente considerando a própria sobrevivência da
civilização, o resultado será necessariamente “socialista”,
pois esse é o termo que designa a passagem a uma sociedade
pós-capitalista. Se dizemos que o capital é radicalmente
insustentável e se degenera em barbárie, delineada acima,
então estamos também dizendo que precisamos construir um
“socialismo” capaz de superar as crises que o capital iniciou.
E se os “socialismos” do passado falharam nisso, é nosso
dever, se escolhemos um fim outro que não a barbárie, lutar
por um socialismo que triunfe. Da mesma forma que a
barbárie mudou desde os tempos em que Rosa Luxemburgo
enunciou sua profética alternativa, também o nome e a
realidade do “socialismo” devem ser adequados aos tempos
atuais.
E por essas razões que escolhemos nomear nossa
90 MICHAEL LOWY
ECOLOGIA E SOCIALISMO 89

interpretação de “socialismo” como um ecossocialismo, e de mercadorias, isso se traduz em uma valorização dos
nos dedicar à sua realização. valores de uso em detrimento dos valores de troca — um
Por que Ecossocialismo? projeto de relevância de longo prazo baseado na atividade
Entendemos o ecossocialismo não como negação, mas econômica imediata.
como realização dos socialismos da “primeira época” do A generalização da produção ecológica sob condições
século vinte, no contexto da crise ecológica. Como seus socialistas pode fornecer a base para superação das crises
antecessores, o ecossocialismo se baseia na visão de que atuais. Uma sociedade de produtores livremente associados
capital é trabalho passado reificado, e se fortalece a partir do não cessa sua própria democratização. Ela deve insistir em
livre desenvolvimento de todos os produtores, ou em outras libertar todos os seres humanos como seu objetivo e
palavras, a partir da não separação entre produtores e meios fundamento. Ela supera assim o impulso imperialista
de produção. Entendemos que essa meta não teve sua subjetiva e objetivamente. Ao realizar tal objetivo, essa
implementação possível no socialismo da “primeira época”. sociedade luta para superar todas as formas de dominação,
As razões dessa impossibilidade são demasiadamente incluindo, especialmente, aquelas de gênero e raça. Ela
complexas para serem aqui rapidamente abordadas, cabendo, supera as condições que conduzem a distorções
entretanto, mencionar os diversos efeitos do fundamentalistas e suas manifestações terroristas. Em
subdesenvolvimento no contexto de hostilidade por parte das síntese, essa sociedade se coloca em harmonia ecológica
potências capitalistas. Essa conjuntura teve efeitos nefastos com a natureza em um grau impensável sob as condições
sobre os socialismos existentes, principal mente no que se atuais. Um resultado prático dessas tendências poderia se
refere à negação da democracia interna associada à apologia expressar, por exemplo, no desaparecimento da dependêhcia
do produ- tivismo capitalista, o que conduziu ao colapso de combustíveis fósseis — característica do capitalismo
dessas sociedades e à ruína de seus ambientes naturais. industrial —, que, por sua vez, poderia fornecer a base
O ecossocialismo retém os objetivos emancipatórios do material para o resgate das terras subjugadas pelo
socialismo da “primeira época”, ao mesmo tempo em que imperialismo do petróleo, ao mesmo tempo em que
rejeita tanto os objetivos reformistas da social-democracia possibilitaria a contenção do aquecimento global e de outras
quanto as estruturas produtivistas das variações burocráticas aflições da crise ecológica.
do socialismo. O ecossocialismo insiste em redefinir a Ninguém pode ler estas recomendações sem pensar
trajetória e objetivo da produção socialista em um contexto primeiro em quantas questões práticas e teóricas elas
ecológico. Ele o faz especificamente em relação aos “limites suscitam e, segundo e mais desesperançosamente, em quão
ao crescimento”, essencial para a sustentabilidade da remotas elas são em relação à atual configuração do mundo,
sociedade. Isso sem, no entanto, impor escassez, sofrimento tanto no que se refere ao que está baseado nas instituições
ou repressão à sociedade. O objetivo é a transformação das quanto no que está registrado nas consciências. Não
necessidades, uma profunda mudança de dimensão precisamos elaborar estes pontos, os quais deveriam ser
qualitativa, não quantitativa. Do ponto de vista da produção instantaneamente reconhecidos por todos. Mas insistimos
ECOLOGIA E SOCIALISMO 91 /aCORT€Z
'&6DITORÖ
92
que eles devem ser tomados na perspectiva adequada. Nosso
projeto não é nem detalhar cada passo deste caminho nem se
render ao adversário devido à preponderância do poder que
ostenta. Nosso projeto consiste em desenvolver a lógica de
uma suficiente e necessária transformação da atual ordem e
começar a dar os passos intermediários em direção a esse
objetivo. O fazemos para pensar mais profundamente nes- Rede Brasil de Ecossocialistas
sas possibilidades e, ao mesmo tempo, iniciar o trabalho de
reunir aqueles de idéias semelhantes. Se existe algum mérito
A Rede Brasil de Ecossocialistas foi lançada no dia 27 de
nesses argumentos, então ele precisa servir para que práticas
e visões semelhantes germinem de maneira coordenada em janeiro de 2003, durante o Fórum Social Mundial. A
diversos pontos do globo. O ecossocialismo será universal e iniciativa foi discutida durante os dois dias da oficina “A
internacional, ou não será. As crises de nosso tempo podem Sustentabilida- de pelo Ecossocialismo”, promovida pelo
e devem ser vistas como oportunidades revolucionárias, e Centro de Estudos Ambientais — CEA — de Pelotas (RS) e
como tal temos o dever de afirmá-las e concretizá-las. Instituto TERRAZUL — de Fortaleza (CE), com a
participação de mais de 250 pessoas, de 16 estados
David Barkin, Arran Gare, Howie Hawkins, Joel Kovel, brasileiros.
Richard Lichtman, Peter Linebaugh, Ariel Salleh, Walt A Rede Brasil de Ecossocialistas não substitui nenhuma
Sheasby, Ahmet Tonak, Victor Wallis (EUA), Laurent organização política e social. Constitui-se pç>r uma
Garrouste, Jean- Marie Harribey, Michael Lõwy, Pierre articulação de militantes ecossocialistas, que nas diferentes
Rousset, Bernard Teisseire (França, Charles-André Udry esferas da ação política atuarão de acordo com os princípios
(Suíça), Cristobal Cervantes, José Tapia (Espanha), Renan e a reflexão teórica e programática construída pelo
Vega (Colômbia), Isabel Loureiro, Marcos Barbosa de referencial do ecossocialismo.
Oliveira, Roberta Menasche (Brasil).

Declaração de princípios e objetivos da Rede Brasil de


Ecossocialistas

Não existe futuro para qualquer pensamento político que


não seja ecologicamente sustentável. A crise ecológica é um
fenômeno global, que deve ser tratado local e mundialmente
com a mesma intensidade. Em sua ofensiva, para
transformar tudo em propriedade e mercadoria, o capital
patenteia a vida, apropria-se da biodiversidade, quer impor
os produtos transgê- nicos, privatizar, mercantilizar e
94 MICHAEL LOWY
controlar as reservas
ECOLOGIA florestais e a água.
E SOCIALISMO 93 fica cada vez mais sozinha na superfície da terra. Um planeta
Entender que a lógica da produção e consumo habitado por espé-
capitalistas funciona como se ela mesma fosse o seu próprio
objetivo não basta; temos que transpor a barreira do
entendimento ortodoxo, objetivado puramente nos termos
das antigas vitórias da classe operária e seu partido, e
reconhecer que a pauta ecológica impõe uma nova
identificação de atores da cena social e na composição do
bloco de forças em torno da aliança operário-camponesa.
A rede de ecossocialistas é formada por mulheres e
homens que acreditam que o ambiente não pertence a
indivíduos, grupos ou empresas, nem mesmo a uma só
espécie. Que lutam para que cada ser humano existente no
planeta tenha os mesmos direitos a dispor dos elementos
ambientais e sociais de que necessita e que, quando estes
forem limitados, ou mesmo insuficientes, a divisão deve ser
justa e planejada e nunca definida por guerras, competição
ou outras formas de disputa. Que compreendem que a
humanidade deve limitar e adequar as suas atividades
produtivas, respeitando os outros seres e processos de
manutenção da vida no planeta.
Homens e mulheres que acreditam que o ecossocialismo
é a realização do socialismo, livre dos equívocos
burocratizantes e centralizadores do chamado socialismo
real, e atualizado ao contexto da crise ecológica. Lutamos
por uma sociedade sem a exploração de pessoas sobre
pessoas, onde o trabalho vise a libertação e não alienação
humana. Uma sociedade movida por energia de fontes
renováveis, onde a produção reaproveite totalmente os
materiais utilizados, sem gerar resíduos.
Lutamos por um Planeta onde o eterno ciclo natural de
extinção e renovação de espécies mantenha-se determinado
por ritmos naturais e não mais dentro do ritmo avassalador
dos dias de hoje, em que muitas espécies sucumbem com
enorme rapidez, por causa das ações da humanidade, que
96 MICHAEL LOWY
ECOLOGIA E SOCIALISMO 95

cies originadas nos processos naturais de criação e mutação Mundial 27 de janeiro de 2003
naturais, onde se insere a humanidade. . MICHAEL LÕWY nasceu em São Paulo em 1938.
Uma sociedade onde todos têm direito básico ao seu
Filho de imigrantes judeus, licenciou-se em Ciências
território, a um espaço para viver na superfície da Terra, e
onde o espaço ambiental não é objeto de especulação Sociais na USP em 1960. Foi um dos fundadores da
imobiliária ou instrumento de dominação e exclusão. Onde a organização Política Operária (Palop) em 1960.
terra fica para quem nela trabalha e vive, no campo e na Doutorou-se na Sorbonne com Lucien Goldmann em
cidade. E falamos de cidades sustentáveis. Onde as pessoas 1964, com uma tese sobre o jovem Marx. Vive em
têm consciência de que toda a produção utiliza elementos
Paris há 30 anos. É diretor de pesquisas no Centre
ambientais, conhecimentos e estruturas sociais. E que,
portanto, parte de produção é de propriedade social e toda
National de la Recherche Scientifique (CNRS). E autor
pessoa tem direito de acesso aos resultados da produção de livros e artigos traduzidos em 22 idiomas. Entre
social, que lhe permita viver em condições dignas. seus livros publicados no Brasil, destacam-se: Método
Uma sociedade que não aceite riscos sócio-ambientais. dialético e teoria política (Paz e Terra); Redenção e
Que entenda que a inexistência de provas para demonstrar utopia (Companhia das Letras); O marxismo na
que uma tecnologia é perigosa não basta para a sua
América Latina — uma antologia de 1909 aos dias
aceitação, pois quando surge uma inovação, normalmente
ainda não se tem conhecimento dos riscos. Ao contrário, é atuais — Org. (Fundação Perseu Abramo); e pela
preciso que a tecnologia prove ser segura e constitua-se em Cortez Editora: Marxismo e teoria da libertação, As
instrumento de melhoria sócio-ambiental da sociedade, em aventuras de Karl Marx contra o barão de
relação ao existente. Münchausen, A evolução política de Lukács: 1909-
Lutamos por um tempo onde a diversidade social é fruto 1929, Ideologia e Ciência Social.
da livre determinação de pessoas e povos. As diferenças
culturais, étnicas, de raça, de gênero e de opção sexual não
podem jamais ser instrumento de negação de igualdade de
direitos sociais.
Enfim, a rede de ecossocialistas é formada por pessoas
que dedicam suas vidas para defender a vida, contra a
barbárie e pela paz no planeta.
Porto Alegre, III Fórum Social
Outras temas afins da
Coleção Questões da Nossa Época
Vol. 4 - PASSADO SEMPRE PRESENTE (O)
Clarice Nunes (org.)
Vol. 13 - IMPORTÂNCIA DO ATO DE LER (A): em três artigos que se completam
Paulo Freire
Vol. 19 - EDUCAÇÃO E CIDADANIA: quem educa o cidadão?
Ester Buffa, Miguel Arroyo e Paolo Nosella
Vol. 30 - INDIVÍDUO EM FORMAÇÃO (O): diálogos interdisciplinares sobre educação
Barbara Freitag
Vol. 34 - ASCENSÃO E QUEDA DO PROFESSOR
Eurize Caldas Pessanha
Vol. 35 - CRISE DOS PARADIGMAS E A EDUCAÇÃO (A)
Zaia Brandão (org.)
Vol. 36 - EDUCAÇÃO E POLÍTICA NO BRASIL DE HOJE
Lúcia Maria Wanderley Neves Vol. 37 - IDEOLOGIA NO
LIVRO DIDÁTICO
Ana Lúcia Goulart de Faria
Vol. 38 - MEIO AMBIENTE E FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Heloísa Dupas Penteado
Vol. 39 - AUTORIDADE DO PROFESSOR: meta, mito ou nada disso?
Lúcia M. Teixeira Furlani
Vol. 60 - UNIVERSIDADE NA AMÉRICA LATINA: tendências e perspectivas
Afrànio Mendes Catani (org.)
Vol. 61 - INFÂNCIA, EDUCAÇÃO E NEOLIBERALISMO
Paulo Ghiraldelli Jr. (org.)
Vol. 62 - MUNDIALIZAÇÃO E POLÍTICA EM GRAMSCI
Alex Fiúza de Mello
Vol. 63 - ENSINO MÉDIO E PROFISSIONAL: as políticas do Estado neoliberal
Acacla Kuenzer
Vol. 67 - ADEUS PROFESSOR, ADEUS PROFESSORA? novas exigências educacionais e profissão docente
losé Carlos Libâneo
Vol. 68 - BRINCAR, CONHECER, ENSINAR
Sanny S. da Rosa
Vol. 71 - EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL E CULTURA POLÍTICA
Maria da Glória Gohn
Vol. 72 - SETE ENSAIOS SOBRE O COLLÈGE DE FRANCE
AfrAnlo Mendes Catani e Paulo H. Martinez (orgs.)
Vol. 74 - TV E ESCOLA: discursos em confronto
Qlaucla Guimarães
VBI. 7» ARTE. HISTORIA E ENSINO: uma trajetória
Dulct) Oslnski
Vol. 81 - LITERATURA E COMUNICAÇÃO NA ERA DA ELETRÔNICA
Fábio Lucas
Vol. 82 - FIM DO NORDESTE & OUTROS MITOS (O)
Mlchel Zaldan Filho
Vol. 83 - GLOBALIZAÇÃO E O ESTADO COSMOPOLITA (A): as antinomias de Jürgen Habermas
Flãvlo Bezerra de Farias
Vol. 86 - JUSTIÇA E EDUCAÇÃO: a justiça plural e a igualdade complexa na escola
Carlos Estêvão
Vol. 88 - PARA QUEM PESQUISAMOS PARA QUEM ESCREVEMOS: o impasse dos Intelectuais
Regina Leite Garcia (org.)
Vol. 89 - TEMPO, DURAÇÃO E CIVILIZAÇÃO: percursos Braudelianos
Carlos Antonio Aguirre Rojas
Vol. 94 - GRAMSCI E O BRASIL: recepção e difusão de suas idéias
Lincoln Secco
Vol. 95 - PASSADO E PRESENTE DOS VERBOS LER E ESCREVER
Emllia Ferreiro
Vol. 99 - ENIGMAS DA CULTURA
I dgard de Assis Carvalho
Coleção incidente: “Mataram Wilson e os trabalhadores ficaram em desespero. (...)
Sentindo que não iam ter nenhuma resposta por parte da Justiça (...) foram
emboscar um dos fazendeiros, um dos mandantes da morte

QUESTÕES DA NOSSA EPOCA


Novo visual a partir do número 101
Vol. 101 - (DES)QUALIFICAÇAO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL BRASILEIRA (A)
Ramon de Oliveira
Vol. 102 - COLEGIADO ESCOLAR: espaço de participação da comunidade
Mônica Abranches
Vol. 103 - DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO NA “REFORMA” DO ESTADO
//se Gomes Silva
Vol. 104 - PROFESSORES REFLEXIVOS EM UMA ESCOLA REFLEXIVA
Isabel Alarcão
Vol. 105 - DIALÉTICA DO AMOR PATERNO
Moacir Gadotti
Vol. 106 - GLOBALIZAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL
Hassan Zaoual
Vol. 107 - CIÊNCIAS HUMANAS E PESQUISA: leituras de Mihkail Bakhtin
Maria Teresa Freitas, Solange Jobim e Souza e Sônia Kramer (orgs.)
Vol. 108 - TEMPOS PÓS-MODERNOS
Fernando Magalhães
Vol. 109 - A CATEGORIA “QUESTÃO SOCIAL” EM DEBATE
Alejandra Pastorini
Vol. 1 1 0 - 0 QUE PENSAM OS ALUNOS SOBRE A ESCOLA NOTURNA
Vilma Abdalla
Vol. 111 - FILOSOFIA POLÍTICA DA AMÉRICA: a ideologia do novo século americano
Flavio Bezerra de Farias
Vol. 112 - MODERNISMO E ENSAIO HISTÓRICO
André Gaio
Vol. 113 - AMEAÇA DE IDENTIDADE E PERMANÊNCIA DA PESSOA
Lindinalva Laurindo da Silva Vol. 114 - Histórias (re)construídas
António Teodoro (qrg.)
Vol. 115 - SERTÕES DE JOVENS: uma antropologia pedagógica
Vanda Silva
Vol. 116 - EDUCAÇÃO CONTINUADA NA ERA DIGITAL
Maria Helena Bettega Vol. 117 - A CIÊNCIA É INUMANA?
Henri Atlan
Vol. 1 1 8 - 0 EDUCADOR APRENDEDOR
Paulo M. Périssé
Vol. 119 - DIÁLOGO SOBRE O CONHECIMENTO
Edgar Morin, Alfredo Pena-Vega, Bernard Paillard
Vol. 120 - A UNIVERSIDADE NO SÉCULO XXI
Boaventura de Sousa Santos
Vol. 121 - POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NORTE-AMERICANAS
Juliana do Couto Ghisolfi
Vol. 122 - A FILANTROPIA EMPRESARIAL
Nathalie Beghin
Vol. 123 - O PROTAGONISMO DA SOCIEDADE CIVIL
Maria da Glória Gohn
2. Em sua entrevista autobiográfica, Chico Mendes descreve este

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