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A DIREITO
ELABORAÇÃO RACIONAL DO DIREITO PPRIVADO:
RIVADO : DA
DA CODIFICAÇÃO À L EGÍSTICA
CODIFICAÇÃO À LEGÍSTICA1
ALEXANDRE FLÜCKIGER E
JEAN-DANIEL DELLEY2
1
Tradução: Paulo
Roberto Magalhães.
Revisão da tradu-
ção: Maria Lina Soa-
res Souza.
FÁBIO
neas curtas e pouco numerosas, seus artigos
são fáceis de ler e compreender, mesmo por
Genebra
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et 406 ss. Para uma (pannomium)20 . Mesmo que sua construção tenha sido mais
discussão mais re-
empírica, os estudos de Legística material atuais, centrados
cente do assunto, ver
MORAND, Charles- no imperativo da eficácia, ligam-se a essa lógica benthamiana.
Albert, "La
croissance norma- É preciso mencionar ainda a contribuição de Gaetano
tive: comment faire Filangieri21 . Esse conde napolitano, autor de uma monumen-
face à une masse de tal “Science de la législaton”22 , teorizou sobre a avaliação
droit considérable?",
Schweizerisches
legislativa, caminho crucial para a racionalização do processo
Zentralblatt für legislativo. Ele imagina um quarto poder, o “censor das leis”,
S t a a t s - u n d que deve, ao mesmo tempo, cuidar dos efeitos nefastos da
Gemeindeverwaltung multiplicidade das leis e de sua adaptação às novas
1986, nº 8. Para uma
bibliografia atual, ver circunstâncias.
DRAGO, Roland
(dir.), La confection Consagrado à guarda das leis, instruído sobre o estado
de la loi, Paris, 2005, da nação, atento distinguir e identificar todas as
p. 238.
11
causas da desordem, é ele quem percebe primeiro os
Para uma lista mais
detalhada, ver, por
erros da legislação; e, uma vez conhecida a natureza
exemplo, MATHIEU, do mal, saberia ele empregar os meios mais adequados
2004 (nota 4), p. 75 para destruí-lo.23
ss: proliferação das
leis, leis instáveis, Dois movimentos vão, todavia, contribuir para enfra-
efêmeras e muito quecer essas tentativas de elaboração de uma verdadeira
técnicas, leis ilegí-
veis, leis "fracamen- ciência da legislação. Em primeiro lugar, a concepção liberal
te parlamentares" do Estado, que se impõe no século XIX, restringe a esfera
(ou seja, que atribu- de atividade pública exclusivamente às tarefas de polícia.
em um papel muito
Além disso, o amor imoderado das leis manifestado pelas
importante ao go-
verno no procedi- luzes deságua, após a revolução, na sua sacralização. Para
mento legislativo), garantir a objetividade do Direito, assegurar-lhe o estatuto de
presença na lei de ciência, o positivismo jurídico postula dissociar o Direito
disposições regula-
dos valores e se concentra nos métodos tendentes a uma
mentares ou norma-
tivas, concorrência aplicação correta das leis, em detrimento dos que deveriam
de outras normas presidir a sua elaboração24.
supra ou infra-es-
tatais, semi-públi- No entanto, pode-se reencontrar até nossos dias esse
cas ou privadas, cuidado de levar em conta a realidade social – esse “material”
leis inaplicáveis.
12
CHEVALLIER, para retormarmos a expressão de Eugen Huber25 –, presente
Jacques, L’évaluation como um fio condutor na teoria, quando não na prática
législative: un enjeu legislativa26 . Assim, no século XIX, a teoria alemã da legislação
politique.In:DELCAMP,
destaca a relação estreita que deve existir entre o ato de legislar
Alain et al., Contrôle
parle-mentaire et e o estado da situação à qual vai se aplicar a lei. A necessidade
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CARBONNIER,Jean, legislativo, e essa escolha implicava a exclusão dos
Essais sur les lois?,
legisladores que legislavam por paixão35.
Paris, 1979, p. 219.
O codificador, entretanto, tem que se prevenir contra
dois riscos: o de se abstrair das realidades sociais e políticas,
privilegiando a perspectiva intelectual de sua obra, e aquele,
bem conhecido, desde a crítica de Friedrich Carl von Savigny
à codificação do Direito alemão36, de imobilizar e esclerosar o
36
SAVIGNY (VON),
Friedrich Carl, Vom
Beruf unserer Zeit
Direito. Enquanto o primeiro obstáculo só pode ser superado
für Gesetzgebung pelos métodos da Legística material (análise da realidade
und Rechtswissen- social com o aporte das ciências humanas), o segundo foi
schaft, Heidelberg superado, em um primeiro momento, pelos procedimentos da
1814, p. 71 s. et 81 s.
Legística formal, que, por mais engenhosos que fossem (em
particular redação de normas abertas para dar lugar à evolução
da jurisprudência e adoção de leis especiais para as matérias
37
novas), mostraram seus limites no contexto de um movimen-
Ref. cit. In: KRAMER,
Ernest, Nationale to que alguns qualificaram de decodificação37.
Privatrechts-kodifika-
tionen, internationale B. A decodificação progressiva do Direito
Privatrechts-vereinhei-
tlichung und Priva- Privado: uma necessidade acrescida de Legística
trecht-svergleichung
zu Beginn des neuen 1. A codificação: uma lógica de conservação
Jahrhundert, Revue de
droit suisse, 2005 I p.
423 s., que prefere falar
A codificação, em seu espírito, obedece essencialmen-
de recodificação e de te a uma lógica da conservação38 . Em seu discurso preliminar
uma renovação da do Códigio Civil francês, Portalis notava também
codificação (p. 424 s.).
38
DUNAND, 2005 que é preciso ser comedido quanto às novidades em
(nota 32), p. 32 ss.
39
Ref. cit. In:
matéria de legislação, porque se é possível, em uma
DUNAND, 2005 (nota instituição nova, avaliar as vantagens que a teoria nos
32), p. 36, nota 104. oferece, não é possível conhecer todos os inconvenientes
que só a prática pode mostrar39.
40
HUBER,Eugène,Code
civil suisse: exposé des
motifs, Berne 1901, p.
Huber, a propósito do Código Civil suíço, afirmava
5. DUNAND, Jean-
Philippe,Lecodecivilde também que “em uma codificação vale mais conservar que
Eugen Huber: une loi inovar”40 , muito embora seu projeto tenha inspirado numero-
conçue dans l’esprit de sas inovações cuja contribuição ele preferiu minimizar41.
la démocratie?. In:
TSCHANNEN, Pierre Uma vez codificada, a matéria tende a se petrificar/
(éd.), La démocratie
imobilizar. Uma tal constatação não é nova: “Assim, muito
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langue et droit – atingir as metas e objetivos visados81. A norma, uma vez que
Between Law and
se inscreve em uma lógica de ação, reveste-se de um caráter
Language, Bruxelles et
Montréal, 2005, p. 119 instrumental. Ora, o instrumento tem vocação para servir o
ss, 123 s. Não podería- fim visado. Ele deve ser pertinente com relação a esse fim; ele
mos, entretanto, con- é suscetível de ser modificado se os resultados esperados não
cordar com essas duas
se manifestam. Reconhece-se nisso as fases essenciais do
autoras na medida em
que consideram que procedimento metódico acima apresentadas82.
"ninguémlevaadianteo
argumento de que os Na Suíça, nem a Constituição federal nem a legislação,
textos legislativos de- a partir do momento em que fazem referência às exigências de
veriam ser redigidos de um procedimento metódico no processo legislativo, não
maneira a ser acessí-
veis ao público", o que
distinguem entre Direito Público e Direito Privado. No Direito
faz–naopiniãodelas– federal, o fundamento da Legistica – material – está na
com que a acessibilida- obrigação que a Assembléia federal tem de cuidar para que a
de das leis seja cada eficácia das medidas tomadas pela confederação seja avaliada
vez mais utópica
(BERTAGNOLLO / (artigo 170 Cst), consagrando um novo princípio
LAURENT, 2005, p. constitucional: o da eficácia83. Essa disposição inclui, no seu
123). campo de aplicação, tanto a atividade do conselho federal, da
81
MOOR, Pierre,
administração, dos tribunais federais, ou, ainda, as medidas
Droit administratif,
v. I, Berne, 1994, p. tomadas pelos cantões no cumprimento do Direito federal84,
37 ss. quanto o conjunto de tarefas e de atividades da Assembléia
federal85 , inclusive a atividade legislativa do Parlamento86 .
82
Ver acima ch. 0.
83
Sobre a natureza
desse princípio, ver
Disso resulta que o Direito Privado não está isento dessa
FLÜCKIGER, Alexan- obrigação. A lei sobre a Assembléia federal87 explicita esta última
dre, "Le droit nos artigos 27 (avaliação da eficácia), 44, alínea 1, letra “f”
administratif en (levar em conta os resultados da avaliações de eficácia pelas
m u t a t i o n :
l’émergence d’un
comissões parlamentares) e 141 (conteúdo da mensagem que
principe d’efficacité", acompanha um projeto de ato legislativo) notadamente. Esta
Revue de droit última disposição obriga o conselho federal a fazer constar, na
administratif et fis-
mensagem que acompanha todo projeto de ato, principalmente
cal, 2001, p. 93-119.
84
AUBERT, Jean- “os pontos de vista e variantes discutidas no estágio preliminar
François / MAHON, do procedimento legislativo e sua apreciação pelo conselho
Pascal, Petit federal” (artigo 141, alínea 2, letra “c”), “as modalidades de
commentaire de la
Constitution fédérale
execução do projeto, a avaliação à qual esta execução dará lugar
de la Confédération e as possibilidades de execução que foram examinadas no
suisse du 18 avril estágio preliminar do procedimento legislativo” (artigo 141,
1999, Zurich, Bâle, alínea 2, letra “d”), “as conseqüências econômicas, sociais,
Genève 2003,
p.1291.
ambientais do projeto” (artigo 141, alínea 2, letra “g”). Este
artigo faz referência ao essencial do procedimento metódico
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eram representantes da eficácia das medidas tomadas pelo Estado, não faz a
de organizações
distinção. Muito menos o Direito Privado pode furtar-se a essa
socioeconômicas; ou
ainda a comissão en- exigência, à medida que ele não é mais destinado a regulamen-
carregada da revisão tar as relações sociais no seio de uma sociedade estável. Prova
total do direito dos disso é a multiplicação das leis especiais, que vêm perturbar
cartéis, com 18 mem-
a sistemática fechada das grandes codificações, bem como o
bros, dos quais 7 re-
presentavam interes- desenvolvimento da jurisprudência. Segundo essa ótica, a
ses. codificação não é a solução.
98
WIDMER /
WESSNER, sem Sem dúvida, um procedimento metódico parece, à
data (nota 1).
99
primeira vista, mais indicado e mais prático para a elaboração
RICHLI, 2000 (nota
90), p.37s. das legislações de Direito Público. É necessário procurar as
100
RICHLI, 2000 (nota razões desse relativo avanço metodológico no fato de que os
90 ). objetos normativanente abrangidos pelo Direito Público – mas
101
Tradução pesso- igualmente pelo Direito Penal – têm uma existência
al, RICHLI, 2000
(nota 90), p. 78. independentemente do Direito: o meio ambiente, o território,
102
NOLL 1973 (nota a doença, a velhice, a criminalidade não são basicamente fatos
22), p. 68. jurídicos. E não é por acaso, porque a elaboração do Direito
103
NOLL 1973 (nota de Família leva amplamente em conta os conhecimentos
22), p. 68.
sociológicos nesse domínio. Essa sociologia “ponte”, como a
qualifica Peter Noll102, que explora os mesmos objetos que
certos ramos do Direito, faz enorme falta ou está muito pouco
desenvolvida nos ramos do Direito cujo objeto tem existência
apenas jurídica, como o contrato ou a pessoa moral.
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