Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
Introdução
*
Aluno de mestrado em Estudos da Linguagem, da área Linguagem e significação – Estudos do
texto/discurso, na Universidade Estadual de Londrina. E-mail: marcosnaka@gmail.com
**
Professor Doutor da Universidade Estadual de londrina. E-mail: ptgal@uel.br
171
para uma divulgação cada vez maior do universo complexo da interação oral, e isso se
torna aos poucos um convite para a inclusão da oralidade nas salas de aula.
Embora análises sobre a língua falada tenham conquistado um espaço respeitado
nos estudos linguísticos nos últimos anos, elas ainda ocupam um espaço marginal em
relação à língua escrita. Principalmente na sintaxe e na semântica, ainda que parte dos
resultados possam também ser aplicados à língua falada, os corpora utilizados nos
estudos em geral são na maioria das vezes textos escritos, ou seja, o produto final de um
processo de planejamento, de seleções e de alterações que foram apagados.
Também os estudos lexicológicos, muitas vezes deixando de lado o contexto de
produção, omitem os sentidos criados na língua falada em volta de uma interação.
Vocábulos estão sujeitos a sofrer alterações formais e semânticas a todo o momento e a
qualquer situação, com a única condição de que haja um contexto partilhado entre os
interlocutores que permita o perfeito entendimento dessa alteração. Dessa forma, a
neologia se apresenta como um fenômeno mais natural à língua falada do que à língua
escrita.
Alves (2003) assume que os estudos sobre os neologismos têm buscado fontes
literárias, jornalísticas, além de materiais técnicos e científicos. Como se percebe, pouca
atenção tem sido dada à língua falada. É bem verdade que a grande maioria dos
neologismos criados na fala se esvai antes que possam ser estudados. A dinâmica e
efemeridade características dessa modalidade e a situação informal de produção podem
ser apontadas como a causa desse desinteresse científico. No entanto, projetos como o
NURC (Norma Urbana Culta) têm demonstrado que é possível colher frutos acadêmicos
a partir de registros escritos de textos falados.
Para a análise proposta e a fim de se alcançarem os objetivos, partimos de duas
hipóteses principais. A primeira é a de que, na língua falada, a construção de sentidos –
a qual é resultado de processos mentais de seleção lexical – acontece com uma
sistematização diferente à da língua escrita. Isso ocorre por três motivos: i) o
planejamento é concomitante à interação, fazendo com que o falante tenha menos tempo
para a seleção lexical; ii) se o interlocutor não entende o que é dito, pode questionar ou
solicitar repetição do enunciado; e iii) o enunciador conta, para auxiliar na construção
de sentidos, com sinais paralinguísticos como gestos e expressões fisionômicas, além da
entoação de voz. Tendo isso em vista, parte-se para a segunda hipótese, de que, na
língua falada, a responsabilidade da total compreensão é menor do que na língua escrita,
172
e isso permite uma tendência muito forte para a criação vocabular ou adequação de
sentido ao contexto.
Em relação aos procedimentos metodológicos, este estudo irá focar-se num
corpus, que servirá como apoio para a obtenção de resultados. Serão utilizados
inquéritos do projeto NURC/SP e NURC/RJ, ambos da década de 70. Os inquéritos
paulistas foram publicados por Castilho e Preti (1987), e os fluminenses foram
coletados no endereço eletrônico do NURC/RJ1. Abaixo de cada citação constará a
cidade do projeto: São Paulo (SP) ou Rio de Janeiro (RJ); o tipo de inquérito: elocução
formal (EF), diálogo entre dois informantes (D2) ou diálogo entre informante e
documentador (DID) e, por fim, o número do inquérito. Apesar de apresentarmos
ocorrências de diversos inquéritos, focalizamos dois deles, ambos do NURC/RJ, cuja
escolha se deu pela abundância e pela importância das ocorrências: i) inquérito EF-251
– o locutor é um professor de química, 31 anos, formado em Engenharia Química,
morador das zonas Norte e Sul. O professor ministra uma aula sobre solubilidade de
moléculas para o terceiro ano do Ensino Médio; ii) inquérito DID-97 – o locutor é um
professor de psicologia e clínico, 27 anos, pais cariocas, morador da zona Sul e
suburbana. Com o tema família, o falante expõe sua opinião sobre o ato de ter filhos.2
Como este estudo inclui análises de neologismos, faz-se necessário um corpus
de exclusão, haja vista que se consideram neologismos os lexemas que ou não foram
incluídos nos dicionários, ou se apresentam neles como de uso informal. Por esse
motivo, selecionamos Houaiss (2007), por considerarmo-lo como uma fonte bastante
confiável e um dicionário que se apresenta muito aberto às inovações da língua.3
A escrita surgiu pela necessidade de se representar a fala, e por isso não constitui
um sistema linguístico independente. Para Fávero, Andrade e Aquino (2000, p.13), “elas
[oralidade e escrita] mantêm entre si relações mútuas e intercambiáveis”.
Por isso, quando nos referimos à língua falada e à língua escrita, estamos
considerando essas duas realizações de modo geral. É truísmo que existem realizações
1
< www.letras.ufrj.br/nurc-rj>.
2
Admoestamos que este informante utiliza uma linguagem bastante indecorosa, a qual, no entanto, é
muito fértil para este estudo.
3
Este trabalho está redigido na ortografia portuguesa que entrou em vigor em janeiro de 2009. As
citações, quer do corpus, quer do referencial teórico, foram mantidas em sua ortografia original. Todos os
grifos do corpus são nossos, feitos a fim de que o leitor possa localizar com facilidade o termo analisado.
173
algo abstrato; mas no processo rápido da fala, é mais cômodo usar um verbo para se
referir à ação, ou um termo genérico, ou até mesmo criar uma palavra para se expressar.
Se por um lado há tendência na língua falada para o uso de termos genéricos, a
recusa à nominalização também se justifica pelo caráter bastante especialista. Basilio
(1995, p.10) se questiona: “Por que não temos uma palavra para cada acréscimo
semântico necessário?” A autora argumenta que isso seria “multiplicar muitas vezes o
número de palavras que teríamos como vocabulário básico”. A linguagem busca
eficiência comunicativa na flexibilidade de um número reduzido de elementos básicos.
Explica-se então, para a autora, a tendência de formar palavras em vez de captar e
guardar formas diferentes para cada necessidade em diferentes contextos.
Quando os estudos da língua falada se voltam para o léxico, o mais comum é
encontrar análises e teorias a respeito da seleção lexical. Nesse campo, a maioria das
obras tem focado os processos que envolvem essa escolha, e os motivos que se podem
depreender delas.
Na língua falada, a busca pelo termo ideal é precipitada, e, dependendo do
contexto, o falante pode até mesmo solicitar ajuda ao interlocutor na busca pela palavra
que traga os sentidos almejados. As opções lexicais, que não se apresentam na fala de
modo pronto e fluente, constituem o fazer enunciativo, e, dessa forma:
a produção do sentido, para a qual a seleção lexical concorre, identifica-se com o próprio ato da
enunciação. O enunciador, em seu fazer enunciativo, faz escolhas lexicais para produzir os
sentidos que viabilizem os seus propósitos em relação ao enunciatário, na interação em
desenvolvimento. (HILGERT, 2003, p.72)
(1) Inf. suponhamos que eu tenha uma solução saturada de CaCl2... eu jogo lá dentro AgCl...
quem é que precipita... o CaCl2 ou AgCl?
Al. CaCl2
Inf. eu tenho uma solução sa-turada... tá... de AgCl...
Al. de AgCl? de AgCl?
Inf. é... saturada... desculpe... de CaCl2... saturada de CaCl2... (NURC/RJ, Inquérito EF-
251)
(2) Doc. hum... como é que se chama o... existem outros nomes pra entrada?
Loc. outros nomes para a entrada?
Doc. é
Loc. saguão?
Doc. Não... a entrada que você compra pra ...
Loc. AH aquela entrada.
Doc. é
Loc. tíquetes né?
Doc. hum (NURC/RJ, Inquérito DID-17)
além da preposição “sob”. Essas palavras são típicas da linguagem escrita. Ao contrário,
palavras como “botar”, “coisa” (substituindo palavras mais específicas) e os adjetivos
“bonito” e “gostoso” em função adverbial são exemplos da autora para termos próprios
da língua falada.
Também Fávero, Andrade e Aquino (2000) assumiram a existência de diferenças
léxicas entre fala e escrita. As autoras acreditam que os termos não são selecionados ao
acaso. Assim, existem fatores que afetam o uso do léxico, como:
Outro aspecto que Basilio (1995) relembra é o fator emocional, que interfere na
criação vocabular. Para ela, a escrita busca uma objetividade que a fala, principalmente
a do dia-a-dia, rejeita. Dessa forma, as palavras faladas carregam maior carga emotiva e
expressiva. Isso poderá ser percebido nas ocorrências do corpus.
Este estudo propõe-se a observar casos de neologia formal e os sentidos
produzidos com elas. Aqui denominamos neologia formal quando a inovação acontece
no significante, isto é, cria-se um novo vocábulo. As classificações de neologia formal
são: neologismos fonológicos, neologismos formados por prefixação, neologismos
formados por sufixação, neologismos formados por parassíntese e neologismos
formados por composição.
Neologismos fonológicos
p.83).
A palavra fofoca faz parte de um grupo de palavras de origem onomatopaica. A
onomatopeia remete aos significantes criados a partir da sugestão que se tem de um
ruído sonoro da natureza. Visto que se trata de um som, as onomatopeias são
essencialmente faladas. Mesmo em textos escritos, a expressividade dessas palavras se
percebe quando o leitor transfere a palavra à sua referência fônica, e é intensificada se o
leitor a lê em voz alta.
Conforme já apresentado, no inquérito EF-251, tem-se a transcrição de uma aula
sobre solubilidade química. O professor está explicando efeitos de elementos químicos
em combinação. Durante toda a elocução, ele procura tornar o conteúdo mais concreto
ao utilizar, por exemplo, metáforas e prosopopeias. Como se sabe, o entendimento do
conteúdo escolar fica mais fácil se aluno puder fazer comparações com o mundo
concreto em que vive. Veja-se o seguinte fragmento, em que o professor cria uma
onomatopeia:
(4) [...] suponhamos agora... que este sal seja... muito pouco solúvel... mas seja...
praticamente... nada dele se dissolve... você pega cloreto de prata... por exemplo... joga
dentro d'água... pum... direto... [...] (NURC/RJ, Inquérito EF-251)
(5) [...] então sei lá digamos uma regiãozinha ali::... os que não estão acostumados com a
cidade pum se mete no trânsito e se se se (ficam)... talvez até em São Paulo... eu nunca
pego o trânsito... [...] (NURC/SP, inquérito D2-343)
A onomatopeia nessa ocorrência já não tem muita relação com o som, pois a
ação de entrar no trânsito não gera um ruído como lançar um sólido na água. O som
representado nesse exemplo tem uma função maior de representar o susto do indivíduo
ao passar a dirigir numa cidade grande. Além disso, possivelmente o informante utilizou
a onomatopeia para ganhar tempo e encontrar os termos que buscava, o qual é
apresentado em seguida: “se mete no trânsito”.
179
(6) [...] ela mete o dedo na boca e não tira mais... o dia inteiro chupando dedo... tum-tum o
dia inteiro chupando dedo [...]
(7) [...] trepar trepar então é uma beleza é ótimo não sei o que: e todo mundo quer e bá-bá bá-
bá... agora depois que nasce o filho aí realmente é uma merda danada [...]
(8) [...] outro dia estava comentando... a minha irmã pega o filho dela vamos dar de mamar...
um troço importante e tal pra criança quá-quá-quá-quá... ri e bá o diabo a quatro... e o
indivíduo está lá mamando [...]
(9) [...] então o problema não é realmente o fato de ter filhos mas o fato de ser mãe é ser uma
coisa... ser realmente ((risos)) transcendental entendeu? pra todo aquele grupo que cerca
eles entendeu? pra todo uma uma comunidade... então vem o pessoal aos quilos visitar...
todo mundo bum-bum todo mundo [...]
(10) [...] como é que vou dizer? eu falei... de uma hora pra outra o sujeito pá... bota um filho no
mundo [...]
(11) [...] por exemplo... vamos dizer assim que eu seja... entendeu? teu pai... então sou um pai
muito castrador entendeu? não pode fazer isso não pode fazer aquilo bó-bó-bó-bó... e você
então... por reação... você atinge um ponto... entendeu? de independência [...]
(12) [...] só mesmo no Grajaú é que tem árvore plantada em rua... porque aqui eles usam essas
jardineiras essas pseudo-jardineiras que são muito fracas assim... anti-estéticas... isso é
um anti-cachorro anti-carro anti-criança que dá... eh... só serve pra atrapalhar [...]
(NURC/RJ, inquérito D2-12)
Nesse excerto, o prefixo anti- foi usado para construir o sentido de que as
“pseudojardineiras” não são adequadas no quesito de estética, além de não satisfazerem
cachorros, carros e crianças.
É possível perceber que o prefixo é capaz de passar com destreza todos os
sentidos necessários, além de carregá-los de expressividade. Alves (1990) comenta
muito bem a economia discursiva que a prefixação traz ao enunciado. A autora acredita
que a alta produtividade desse processo de formação de palavras no português se deve
ao espírito de economia dos usuários. A negação no fragmento foi mais sucinta do que
se tivesse sido construída por processos sintáticos de frase. Um outro fator que vem ao
encontro de nossa hipótese apresentado pela autora é que, pensando na gramática
gerativa, a negação por processos sintáticos é mais complexa e mais longa na estrutura
profunda do que por prefixação.
Baseando-nos nisso, é cabível prever que muitas vezes a construção de sentidos
pela prefixação surge por ser mais “veloz” no processo mental da construção do
enunciado do que outras composições linguísticas mais elaboradas.
Mudando para o sentido de superioridade, exagero ou grandeza, ele é na maioria
dos casos atribuído por meio do prefixo super-. É bastante comum o falante desejar dar
ênfase a algum termo, e isso justifica o uso bastante corrente dos prefixos do tipo
super-, ultra-, mega- e hiper-.
(13) [...] às vezes tem o velhinho que senta na praça e você já... e o velho vai encostar... não sei
o quê: de repente o velho tem uma cabeça super-aberta super-jovem... deixa eu ver o que
mais... [...] (NURC/RJ, inquérito D2-12)
(14) [...] quer dizer... porque se você vai a uma praia com pessoas que te agradam... você está
ultra-bem... [...] (NURC/RJ, inquérito D2-147)
(15) [...] e os moradores também qualquer fumacinha eles dão logo um berro... porque eles
sabem que o: tomou proporções naquela madeira eh... ultra-seca dos edifícios ninguém
controla mais [...] (NURC/SP, inquérito DID-296)
(16) [...] não quero dizer com isso que... não estou justificando o fato de não ter passado ou
tentando me auto-convencer que foi melhor assim... não é isso entendeu? [...] (NURC/RJ,
inquérito D2-28)
(18) [...] e aliás aliás ela... é super né super eh... ou ela não precisa de ninguém [...]
(NURC/RJ, inquérito D2-12)
No meio do discurso, a vereadora Lurdes Lopes (PFL), pediu um aparte ao colega e foi
logo dizendo:
– Nobre vereador, o presidente Fernando Collor de Mello não é nada disso.
"Disconcordo" totalmente do senhor.
João Pedro não perdoou o erro da parlamentar.
– Vereadora, a senhora está agredindo o Aurélio.
Sem perceber que o parlamentar se referia ao dicionário Aurélio, Lurdes passou a berrar,
muito contrariada, provocando gargalhadas:
– O senhor está fazendo uma acusação absolutamente infundada! Jamais falei mal do
Aurélio. Aliás não conheço ninguém com esse nome!!
Esse episódio corrobora muito do que este estudo vem tratando: de que na
linguagem falada a construção de palavras muitas vezes vem suprir uma lacuna deixada
por uma seleção lexical inicialmente dificultosa. Apenas para esclarecimento, a gafe da
vereadora foi motivo de chacota; no entanto, deve-se também considerar a gafe dos
ouvintes e também do jornalista que redigiu o texto, pois o verbo “desconcordar” (e não
“disconcordar”) existe, e está no Aurélio4. No momento da interação falada, os
interlocutores não tiveram tempo de consultar um dicionário, já o jornalista...
(19) L1 é muito exigente comigo e com o meu marido [...] sabe ela não admite uma falha
nossa... no... ponto de vista dela do que seja... o:: o perfei/ a perfeição...
[
L2 o coordenamento dela...
4
FERREIRA, Aurélio B. H. Novo Aurélio século XXI: dicionário da língua portuguesa. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
183
(20) [...] no tipo de trabalho que eu faço o que nos interessa mais é a mulher eh... eh.... que que
se conscientiza dos seus direitos do... das suas... eh... possibilidades [...] é esse
alertamento à mulher... ajudar ela que acorde pra esse pra esse estado de coisas [...]
(NURC/RJ, inquérito DID-373)
(21) [...] o fato de ser planalto de ser... de ser reto ele não dá muita margem... então aquele tipo
de de esquadra de superquadra... aquilo planejado muito certinho muito:... entende? você
você entra assim numa espécie de uma de um... de uma forma de um... de um
estandartizamento entende? [...] (NURC/RJ, inquérito DID-215)
(22) [...] sobre rádio e televisão... lamentavelmente eu tenho a impressão que no Brasil... com
algumas exceções de... de excelentes programas que nós temos... e eu gostaria de salientar
que na televisão brasileira... eu não sou uma tevente ((risos)) assídua... mas quando assisto
a programas de televisão... os programas de notícias não são bons [...] (NURC/RJ,
inquérito DID-370)
5
Inquérito privado editado por Castilho, Ataliba (coord.). Projeto Norma Urbana Culta. Disponível em:
<http://200.150.149.165:9081/wps/wcm/connect/resources/file/eb16f20dc8eed4b/CILP2BCW585.pdf?M
OD=AJPERES> Acessado em 15 jul. 2009.
184
É interessante notar o processo utilizado pelo falante para construir uma palavra
que significasse “pessoa que assiste a tevê com frequência”. Como se existisse o verbo
“tever”, ele criou uma forma oriunda do particípio presente, assim como “nascente”, de
“nascer”; “atendente”, de “atender”; ou “crescente”, de “crescer”. Os sentidos
almejados só podem ser interpretados pelo contexto da enunciação.
Outra ocorrência é “fodedor”, um exemplo de derivação formada pelo sufixo
-dor:
(23) [...] realmente tiveram filho... ela uma ótima parideira... ele um ótimo fodedor e etc...
realmente tiveram filhos... eh... essas bobagens todas [...] (NURC/RJ, inquérito DID-97)
(24) realmente você não consegue encarar aquele troço ali não... não dimensiona a coisa de
outra forma... entende? então fica uma zona total como é lá entendeu? um... aquilo é uma
esculhambação entendeu? (NURC/RJ, inquérito DID-97)
(25) [...] o que eu quero dizer é que enquanto você vai colocando íons... tá... em determinado
produto... reparem que vocês... deviam estar grilados em alguma coisa aqui... [...]
(NURC/RJ, Inquérito EF-251)
(26) [...] isso aí é um conceitozinho um pouco maior... é que nós sabemos que os cloretos... por
decoreba... aquele negócio que eu falei... [...] (NURC/RJ, Inquérito EF-251)
(27) [...] então esse pessoal do subúrbio... não está acostumado... é uma ave rara gente... uma
ave rara... meio louquete... as pessoas me tratavam meio louquete lá [...] (NURC/RJ,
Inquérito D2-147)
(28) [...] se você começar realmente a examinar as coisas é um verdadeiro crime um verdadeiro
crime e o que... o que que... o que que uma pessoa altamente inexperiente uma ga/ [...]
adolescente tendo tendo filho... brincando de ter filho entende? [...] (NURC/RJ, inquérito
DID-97)
(29) [...] no caso se nós conhecemos a molécula especificamente... se eu sei que é a molécula
do H3PO4... eu sei que ela tem dois hidrogênios [...] (NURC/RJ, inquérito EF-251)
(30) [...] você pega cloreto de prata... por exemplo... joga dentro d'água... pum... direto... você
até pensa... se você pesar... que nenhuma molequinha... nenhum íon... ionzinho de cloro...
de sódio ou de prata estão livres na solução [...] (NURC/RJ, inquérito EF-251)
(31) [...] significa que eu tenho Cl2 a danar... não tenho... hein? coloco lá dentro UMA
molequinha de AgCl... quem é que precipita? [...]
(32) [...] isso com um pouquinho de paciência a gente chega lá [...] (NURC/RJ, inquérito EF-
251)
(33) [...] então pergunto... só um minutinho só... quanto de cloreto de prata ele vai precipitar?
[...] (NURC/RJ, inquérito EF-251)
(34) [...] suponhamos que você colocasse por exemplo... eh::... vamos... vamos (colocar uma
coisa bonitinha aqui nove) [...] (NURC/RJ, inquérito EF-251)
187
(35) [...] meu irmão tem dezenove anos... mentalmente tem trinta... garoto avançadinho...
sabe? então ele é muito inteligente... uma intuição incrível... o melhor amigo dele tem
vinte e sete anos [...] (NURC/RJ, inquérito D2-147)
Muito interessante é usar o diminutivo para escala de tempo, como foi feito em
(32) e (33). É sabido que um minuto não pode ser menor que outro. Dessa forma, a
interpretação que se pode apreender do uso do diminutivo nesse caso é a visão subjetiva
do falante a respeito daquela quantidade de tempo. Ou seja, ele argumenta que um
minuto é pouco tempo. Em (34), a função do diminutivo é dar um ar de graça; e em
(35), o uso do diminutivo em “avançadinho” exerce uma função contrária à original de
um diminutivo. Ao invés de reduzir, aumenta o valor de “avançado”, isto é, “garoto
muito avançado”.
É bastante comum o uso do diminutivo para indicar o estado emocional da
pessoa, ou a relação que ela tem com o objeto, em muitos casos uma relação de
admiração ou apreço:
(36) [...] tem outra coisa né? fazer uma peça pra criança você ver rostinhos bonitinhos
simpáticos olhando pra você::... e dando risa::da [...] (NURC/SP, inquérito D2-161)
(37) [...] a mãe não pode realmente dar de mamar ao filho conversando aqui contigo ou com ele
e com quilos de visita... todo mundo que bonitinho puxa pra cá puxa pra lá... realmente
é... é um objeto entendeu? [...] (NURC/SP, inquérito DID-97)
(38) [...] ela deita no colo da atendente assim e se enrosca toda... e a coisa vai num crescendo
que já no nono dia ela já anda toda... com um cobertorzinho... toda coberta [...]
(NURC/SP, inquérito EF-251)
(39) [...] você vai modificar a... as... condições de solução... então... vocês reparem que o
produto de solubilidade tem um conceitozinho a mais [...] (NURC/SP, inquérito EF-251)
(40) [...] olha como todo grupo de qualquer coisa... o pessoal se dá bem... e sempre tem os
probleminhas [...] (NURC/SP, inquérito D2-161)
(41) [...] porque eu cansei de ir à boate... qual o irmão que vai à boate com a irmã... com a
garota... com caso... não é com casinho lá... com casinho mesmo só de uma noite... pra
hotel depois [...] (NURC/SP, inquérito D2-147)
(42) [...] então o pai vai embora... então a partir daí ela começa a perder uma série de contatos
com os outros... ela se apega... tem um... um urso assim peludão grandão né ela se apega
a esse urso e passa o tempo inteiro agarrada com esse urso... um ursão enorme [...]
(NURC/RJ, inquérito DID-97)
(43) [...] se você botar outra substância... que tiver um ÍON COMUM... acontece... se não tiver
um íon comunão... se não tiver um íon comum [...] (NURC/RJ, inquérito EF-251)
(44) [...] apesar da peça eh estar sendo apresentada pela Comissão Estadual de Teatro... com
apoio dela... Financeiro nós não tivemos apoio nenhum... com exceção de POUquíssima
coisa que nos foi conferida pela:: Prefeitura de São Paulo [...] (NURC/SP, inquérito D2-
161)
(45) [...] o médico realmente se torna uma figura [...] muito importante [...] então acontecem
coisas interessantíssimas... como você realmente deposita tudo isso você tem uma
necessidade de ter esse pai onipotente ali né? [...] (NURC/SP, inquérito DID-97)
(46) [...] e sempre tem os probleminhas... então tinha os estrelos... as estrelas ((riu)) e:: os que
são ao meu ver cabeças-dura [...] (NURC/SP, inquérito D2-161)
(47) [...] eu tive momentos em meu consultório... que dar... numa tarde poder dar duas
telefonemas quando dava [...] (NURC/SP, inquérito DID-296)
(48) [...] um indivíduo com qualquer tipo de problema ou sem problema dentro de uma
determinada família... quer dizer... a família pode muito muitas vezes servir pra que essa
aquele tipo de problema que ele tenha seja muito aumentado [...] e outras vezes não...
realmente às vezes até faz com que a coisa se transforme numa coisa cada vez mais
difícil... quer dizer... um uma esmerdação total... como se diz né? [...] (NURC/RJ,
inquérito DID-97)
(49) [...] tinha que botar a cabeça pra funcionar... não estava de preguiçoso não... mas passava
dias... ficava conversando como é que quebra esse galho? e não existe a teoria do quebra-
galho pro alemão [...] (NURC/RJ, inquérito DID-135)
(50) L2: o ônibus é interessante esse da Companhia... ele... normalmente pelo menos comigo
normalmente leva o quê? uns quarenta e cinco minutos ou mais... o ônibus normal de
190
(51) D: e aqui no Rio... eh:... durante a semana... como é a vida de vocês em termos de...
L2: bom... a minha é um corre-corre... (NURC/RJ, inquérito D2-158)
(52) [...] uma coisa por exemplo que me chamou atenção são... na Suécia os sanduíches [...]
essas entradas são é uma coisa assim de chama-à-mesa uma variedade enorme de de
sanduíches ou canapés [...] (NURC/RJ, inquérito DID-253)
(53) [...] uma vez saí de casa e fui morar em apartamento meu... aluguei um apartamento...
pequeno sala-quarto conjugado... daquele que a gente abre a porta e vê a janela [...]
(NURC/RJ, inquérito DID-48)
6
O termo “referenciação” é abordado por MARCUSCHI, L. A. Atos de referenciação na interação face a
face. in. KOCH, I. e MORATO, E. (orgs.). Cadernos de Estudos Lingüísticos. Campinas, nº. 41, 2001.
7
Alves (1990) acrescenta casos como estes em um outro capítulo à parte da composição. A autora
denomina “reduplicação” os neologismos formados por duas bases iguais. Apesar de concordarmos que
se trate de uma repetição de bases, não vemos motivo para discriminar esse processo da neologia por
composição.
191
(55) [...] tinha um... um irmão que era muito amigo nosso... irmão Rui... muito boa-praça... hoje
em dia nem mais ele é irmão... quase todos eles que eram boas-praças hoje em dia não são
mais irmãos [...] (NURC/RJ, inquérito DID-115)
(56) Doc. hum hum... eh eh que tipo de filme você co/ você gosta de ver... você costuma ir
ver?
Loc. que eu gosto? eu gosto de filme romântico... água-com-açúcar (NURC/RJ,
inquérito DID-17)
(57) [...] e [o feirante] nem tem às vezes condições de cálculos e sobretaxas... lucro-benefício...
custo-benefício [...] (NURC/RJ, inquérito DID-253)
Construções como essa são muito comuns tanto na linguagem falada como na
escrita. O lado positivo é que se faz uma economia de estruturas sintáticas para formar
as relações de sentido entre os termos que formam a palavra composta.
Por fim, além de gerar novas palavras, a composição também é fecunda em
construir sintagmas. Uma ocorrência para ilustrar esse processo é de um bacharel
formado em Direito, mas que, conforme reitera no diálogo, não é militante da área em
que se formou:
(58) [...] se ele vem a ser despedido... de duas uma... ou o patrão... comprova... causa justa... que
é a situação prevista na Legislação do Trabalho [...] (NURC/SP, inquérito DID-250)
8
Apesar de assemelhar-se a um sufixo, Houaiss (2007) esclarece que “mor” se trata de um elemento de
composição, uma vez que é constituído de radical.
192
Considerações finais
Referências
ALVES, Ieda Maria. A neologia na língua falada. In PRETI, Dino (Org.). Léxico na
língua oral e na escrita. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2003.
ALVES, Ieda Maria. Neologismo: criação lexical. São Paulo: Ática, 1990.
CHAFE, Wallace. Integration and involvement in speaking, writing, and oral literature.
In TANNEN, Debora (Ed.). Spoken and written language. Ablex: Norwwod, 1988.
ANEXO
Observações
1. Iniciais maiúsculas: só para nomes próprios ou para siglas (USP etc.)
2. Fáticos: ah, éh, eh, ahn, ehn, uhn, ta (não por está: tá? você está brava?)
3. Nomes de obras ou nomes comuns estrangeiros são grifados.
4. Números: por extenso.
5. Não se indica o ponto de exclamação (frase exclamativa).
6. Não se anota o cadenciamento da frase.
7. Podem-se combinar sinais. Por exemplo: oh:::... (alongamento e pausa).
8. Não se utilizam sinais de pausa, típicos da língua escrita, como ponto-e-vírgula, ponto final, dois
pontos, vírgula. As reticências marcam qualquer tipo de pausa, conforme referido na Introdução.