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DIACONIA

Guia de Estudos

Facilitador: Marcos Nunes da Silva

1a Edição
Potyguara – São Paulo – 2016
PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA GERAL DA IPIB:
Áureo Rodrigues de Oliveira

PRESIDENTE DA FECP:
Heitor Pires Barbosa Junior

MINISTRO DE EDUCAÇÃO DA IPIB:


Agnaldo Pereira Gomes

SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO TEOLÓGICA:


Clayton Leal da Silva

DIRETOR DA EAD-FECP:
Reginaldo von Zuben

AUTOR:
Marcos Nunes da SIlva

CAPA E PROJETO GRÁFICO:


Camyla Barreto e Daniel Vega

DIAGRAMAÇÃO:
Ana Paula Pires

ILUSTRAÇÕES:
FOTOLIA

REVISÃO:
Dorothy Maia

EDIÇÃO:
Reginaldo von Zuben e César Marques Lopes

Reservados todos os direitos desta edição. É proibida a reprodução total ou


parcial dos textos e do projeto gráfico desta obra sem autorização expressa de
autores, organizadores e editores.
APRESENTAÇÃO

Estamos iniciando nova etapa na vida da nossa igreja em termos


de educação teológica. Não se trata apenas de incorporar uma nova
ferramenta que está em evidência nas instituições educacionais, mas
sobretudo de cumprir de modo mais efetivo o mandado da grande
comissão dada por Jesus à igreja: “Ide, fazei discípulos, batizando, en-
sinando...”. A igreja, portanto, tem essa tarefa de ensinar e cuidar da
formação dos seus membros, capacitando-os para a missão.
Como igreja de tradição reformada, trazemos também esta he-
rança da ênfase e do cuidado no ensino, não apenas da sua lide-
rança, mas de seus membros como um todo. Entendemos que a
fé cristã, baseada na revelação que nos foi dada em Cristo e teste-
munhada nas Escrituras, não prescinde do esforço da inteligibilida-
de. Como bem sinalizou Anselmo de Cantuária, um grande teólo-
go medieval, “creio para entender” (credo ut intelligam); por outro
lado, a fé requer o entendimento (fides quaerens intellectum)!
Democratizar a possibilidade de uma formação teológica a
irmãos e irmãs que não têm a oportunidade de frequentar pre-
sencialmente uma faculdade representa, sem dúvida, grande
avanço e empenho na tarefa de cumprir a grande comissão, sen-
do fiel à nossa tradição reformada. 
No anseio de que nossa igreja seja abençoada, mas também
meio de bênção, nossos votos de uma jornada proveitosa!

Rev. Áureo R. Oliveira


Presidente da Assembleia Geral da IPIB
FUNDAÇÃO EDUARDO CARLOS PEREIRA

É muito interessante o texto bíblico em que o apóstolo Pau-


lo, mesmo preso em Roma, pede para que Timóteo traga a sua
capa e os livros, principalmente pergaminhos, a fim de estudar
(2Timóteo 4.13). Até no final da sua vida e ministério, o apóstolo
dos gentios não deixa de se dedicar aos estudos e de se preparar
para conhecer e ensinar com zelo e presteza a Palavra do Senhor.
O Curso Livre de Teologia da Fundação Eduardo Carlos Pereira
(FECP) surge para abençoar muitos irmãos e irmãs com interesse
em, por meio do estudo da teologia, servir a Deus com mais zelo,
segurança e presteza. Nosso desejo é que, de fato, este Curso seja
meio pelo qual a ação poderosa de Deus se manifeste na vida de
todos os estudantes, irmãos e irmãs em Cristo. Com isto, a FECP
atende aos anseios da IPI do Brasil em garantir acesso ao curso de
Teologia não só aos candidatos e candidatas ao sagrado ministério,
mas também a oficiais, liderança, membros e outros interessados,
tanto da IPI do Brasil como de outras denominações cristãs.
Como cristãos, cremos que o Espírito Santo desperta, cha-
ma e capacita pessoas para atuarem nos diversos ministérios
da Igreja. Isto ocorre por causa da necessidade de edificação e
orientação do povo de Deus no mundo, bem como para o cum-
primento da missão de Deus em meio aos desafios do nosso
contexto. Deus faz a parte dele e nós temos a nossa. Temos res-
ponsabilidades no que se refere à busca de excelência na vida
cristã, ao cumprimento da vontade de Deus em nossa vida e à
vitalidade da igreja no testemunho da graça e do amor divinos.
Diante destas responsabilidades, é fundamental o estudo da
Palavra de Deus, da história da igreja, da teologia cristã e das
ferramentas para o exercício pastoral e atuação como líderes
cristãos, tudo visando à boa preparação para desempenharmos
a privilegiada condição de servos e servas, sem deixarmos de ser
amigos e amigas do Senhor Jesus.
A exemplo do apóstolo dos gentios, sejamos dedicados nos
estudos e ricamente abençoados nesta caminhada de aprendi-
zagem e crescimento.

Deus abençoe a todos nós.


SUMÁRIO

MÓDULO 1:
A Diaconia de Jesus

1. A diaconia nos ensinos de Jesus..............................................10


2. A práxis diaconal de Jesus..........................................................13

MÓDULO 2:
Perspectivas bíblico-teológica e histórica da diaconia

1. Diaconia no Antigo Testamento: a prática da justiça...............28


2. Diaconia no Novo Testamento: a prática da consolação..........31
3. O serviço diaconal na Igreja antiga...........................................34
4. Diaconia e Reforma Protestante do século XVI.......................39

MÓDULO 3:
Diaconia em perspectiva

1. A importância da reflexão teológica para a diaconia.............48


2. Diaconia e espiritualidade........................................................ 58
3. Diaconia e missão.......................................................................51
4. Diaconia e suas dimensões.......................................................53
MÓDULO 1
Tema: A Diaconia de Jesus
Diaconia

JJ PARA INÍCIO DE CONVERSA

Caro estudante, seja bem-vindo à disciplina de Diaconia.


Quando pensamos na vida cristã e numa formação pastoral
de qualidade, não podemos prescindir da diaconia. Para isso,
precisamos entender melhor o que é diaconia e como experi-
mentá-la dentro das igrejas locais e do ministério pastoral.
A diaconia tem sido, na maioria das vezes, entendida como
algo secundário dentro da missão da Igreja. Além do desprestí-
gio, também é mal compreendida quanto à sua prática. Não há
reflexão sobre o agir diaconal da Igreja e, por isso, ela não passa
de mero assistencialismo, o que não leva à transformação das
pessoas.
Voltaremos nossos olhos primeiramente para Jesus, o diáco-
no por excelência. Jesus é o nosso Salvador e o nosso Senhor,
exemplo a ser seguido. Em Jesus, encontramos o verdadeiro
diácono, pois ele não veio para ser servido, mas para servir e
entregar sua vida em favor das pessoas. Jesus é o modelo diaco-
nal por excelência, pois viveu e ensinou sobre o servir. Seu en-
sino é decorrência de uma práxis libertadora em favor da vida.
Convido você a olhar para Jesus, autor e consumador da nossa
fé e prática. Este módulo será dividido em duas partes:
1. A diaconia nos ensinos de Jesus;
2. A práxis de Jesus.
Ao estudá-lo, no final, você será capaz de:
1. Ampliar a percepção da importância e da prática da diaconia
na vida e no ministério de Jesus;
2. Saber como Jesus exerceu a diaconia com pessoas excluídas
de sua época;
3. Estar mais disposto a praticar a diaconia em seu contexto lo-
cal.

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

JJ 1. A DIACONIA NOS ENSINOS DE JESUS

A palavra diakonia vem da raiz diakon e aparece 27 vezes no


Novo Testamento. A sua utilização não é originária da Igreja,
mas tomada emprestada da sociedade grega. O seu significa-
do mais comum é “servir à mesa”. Outros significados possíveis
para a palavra diakonia são “servir vinho”, “preparar banquete” e
“cuidar da subsistência”. Portanto, diakonos é aquele que serve,
é o servo ou a serva.Nos Evangelhos, temos três textos clássicos
sobre diaconia: Mateus 25.31-46 (grande julgamento); Lucas
10.25-37 (o bom samaritano) e João 13.1-35 (lavapés). Nestes
textos, somente em Mateus 25.31-46 é que aparece o termo
diaconia. Outro texto clássico e que será objeto de nosso estudo
é o de Marcos 10.35-45, por alguns motivos: a) é o texto mais
antigo em que aparece a palavra diaconia; b) fornece maior
número de dados para compreensão da diaconia; c) porque
conecta o significado de diaconia diretamente ao ministério de
Jesus; d) por colocar diaconia nas instruções de Jesus aos discí-
pulos.

PARA PENSAR
Você conhece bem os textos bíblicos indicados
acima? Estão bem claros em sua memória?
Se não, antes de prosseguirmos, é fundamental
que você os leia, pois sem o conhecimento
deles todo nosso estudo ficará comprometido
neste módulo.

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Diaconia

O texto de Marcos 10.35-45 trata do tema do verdadeiro dis-


cipulado ou do desafio para o seguimento na perspectiva da
cruz. É a caminhada de Jesus em direção à cruz. Por três vezes,
Jesus faz referência a sua paixão e morte (Mc 8.31; 9.30; 10.32).
Os discípulos não entendiam o que ele ensinava sobre o verda-
deiro discipulado. Eles buscavam o caminho da glória e não o da
cruz. Os discípulos discutiam entre eles quem seria o primeiro
ou o maior no Reino de Deus. Não queriam ser os últimos. Mas
Jesus, sabendo o que estavam conversando, disse: “[...] se
alguém quer ser o primeiro, deve ficar em último lugar e servir
a todos” (Mc 9.35).
Jesus inaugura o seu reino com uma regra pétrea: “servir é o
papel de quem lidera na comunidade” (Gaede Neto, 2001, p.50).
É a inversão dos papéis. Quem quer ser o líder, então seja o
diácono, o servo de todos. Mateus 20.26s; 23.11 e Lucas 22.26
mostram que essa regra ou ordem de Jesus tem validade no
reino de Deus e na sua Igreja. No Reino e na Igreja não há lugar
para dominação, mas para constante serviço mútuo (diaconia).
Em Marcos 10, Jesus trata de vários assuntos relacionados
à prática diaconal: a) ele quebra as barreiras do exclusivismo –
dominação masculina (divórcio); b) as crianças excluídas devem
ser acolhidas; c) a mulher discriminada deve ser defendida (di-
vórcio); d) os bens acumulados devem ser distribuídos (jovem
rico).
Como pano de fundo de Marcos 10 está a questão do poder,
pois a sociedade na época de Jesus era constituída por aque-
les que tinham o poder e pelos que eram dominados. Segundo
Michel Clévenot (1979, p.67), “a Palestina do século I era uma
organização social de classes, que se dava em três níveis: a)
econômico: as massas são exploradas pelos privilegiados;
b) político: a casta sacerdotal, apoiada pelos grandes proprie-
tários, que tem em mãos o aparelho do estado; c) ideológico:
a classe dominante impõe a sua ideologia (essencialmente, o

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

sistema de pureza)”. Por cima de tudo isso está Roma que man-
tém seu poder nos dois primeiros níveis: econômico (imposto)
e político (ocupação militar). Deus está no templo e este – ins-
trumento do poder político, econômico e religioso – está asso-
ciado ao poder estabelecido. Gaede Neto (2001, p.70) diz: “neste
quadro todo, Deus está colocado, pelo sistema de dominação
vigente, em lugar fixo, no centro do poder”.
É esse quadro que os discípulos querem manter, voltado
para eles. Em vez da cruz, querem a glória e o poder. É a ten-
tação de Satanás contra Jesus: “tudo isto te darei se, prostrado,
me adorares” (Mt 4.9).
Diante de tudo isso, Jesus propõe algo novo: “entre vós não
é assim”. Quer ser grande (mégas), então sirva (diákonos); quer
ser o primeiro (prôtos), então seja escravo (doûlos) de todos.
“Pois o próprio filho do homem não veio para ser servido (diako-
netênai), mas para servir (diakonésai) e dar a sua vida em resga-
te por muitos” (Mc 10.45).
A proposta de Jesus para o Reino e a Igreja é a diaconia, o
serviço, o discipulado na perspectiva da cruz. Gaede Neto (2001,
p.71) afirma: “o princípio fundamental coloca as relações de
cabeça para baixo, quando faz o embaixo ser o em cima e o em
cima, embaixo”.
Jesus coloca-se ao lado dos 95% da população da Palestina que
vivia debaixo da dominação de Roma e dos poderosos, legitimados
pela religião. É por isso que Jesus se coloca como aquele que neces-
sita de ajuda (Mt 25.31-46), ou seja, as crianças, as mulheres, os es-
cravos, as pessoas doentes, os pobres explorados, os discriminados
e os marginalizados, que sempre serviram, e diz que seriam servidos
pelas pessoas que queriam se tornar grandes. Jesus coloca-se como
exemplo: Deus se tornou pequeno e fraco em Jesus para servir a
todos (Fl 2.5-11). A proposta de Jesus não é uma anarquia política e
religiosa. A questão não é acabar com o poder, mas rever a forma
como o utilizamos: para dominar ou para servir?

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Diaconia

JJ 2. A PRÁXIS DIACONAL DE JESUS

Podemos afirmar que a práxis de Jesus foi libertadora, pois


visava à transformação do ser humano e também da sociedade,
já que propunha o Reino de Deus. A práxis de Jesus tem emi-
nente caráter sociopolítico e alcança a estrutura da sociedade
e da religião da época. Jesus não se apresenta como um refor-
mista ascético à maneira dos essênios, nem como observante
da tradição como os fariseus, mas como libertador profético.
Para Boff (1986, p. 29): “A atuação de Jesus se insere no religio-
so, mas, pelo fato de que o religioso constituía um dos pilares
fundamentais do poder político, toda intervenção no religioso
tinha consequências políticas”.
A práxis de Jesus era libertadora – durante seu ministério, ele
percorreu cidades e aldeias, enxergando as pessoas e a multi-
dão. Identificou-se com as dores e o sofrimento humano. Para
esses, ele sempre teve uma palavra de ânimo e esperança, sem
nenhum tipo de discriminação. Em todas as situações, Jesus
demonstrou muito respeito, amor e compreensão para com as
pessoas. Ele não desvalorizava e não atropelava ninguém, tinha
paciência e caminhava junto, restaurando a dignidade do ser
humano. Em Jesus, duas coisas definia o ser cristão: a) Amar a
Deus; b) Amar ao próximo (Mt 22. 34-40). Quando olhamos para
Jesus, vemos a vivência desse amor. Olhar para Jesus é ver Deus
sofrendo e chorando pelo ser humano. Olhar para Jesus é ver
Deus compreendendo e sentindo a dor daqueles que sofrem.
Olhar para Jesus é ver Deus agindo na vida e na história das
pessoas, visando à transformação da realidade.
Gaede Neto (2001) aborda a práxis de Jesus em quatro temas:
a) A comensalidade de Jesus; b) Jesus e as crianças; c) Jesus e os
enfermos; d) Jesus e as mulheres. Certamente existem outros
temas na práxis de Jesus, mas consideraremos estes para mos-
trar o agir diaconal de Jesus.

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

2.1. A COMENSALIDADE DE JESUS

Jesus percebeu como a mesa está no centro da vida e das re-


lações humanas. Aliás, não só desta vida, mas também no reino
vindouro. Jesus compara o reino dos céus com um banquete
(Mt 22.1-14). Se a comunhão da mesa pode prefigurar o Reino
de Deus, então vale a pena colocar-se a seu serviço.
Jesus de fato realizou constante serviço da mesa, mais do
que a gente normalmente supõe, com pessoas pobres, doentes,
deficientes, oprimidas, pecadoras. Um número surpreendente
de narrativas apresenta Jesus agindo na comunhão da mesa ou
ensinando a partir da metáfora da comunhão da mesa.

CURIOSIDADE:
O ministério de Jesus foi realizado em volta da
mesa. Muitas coisas importantes aconteceram
nos momentos em que Jesus estava num
banquete, numa festa. O evangelista Lucas,
por exemplo, destina um quinto de sua
obra a essa atividade de Jesus. Nos evange-
lhos, o verbo “comer” aparece em 76 textos,
90% deles ligados à comunhão de Jesus à mesa.
A comparação com outros verbos, como ensinar, que aparece
55 vezes, mostra a importância da mesa no ministério de Jesus.

O evangelista Marcos encontrou uma forma original para


expressar a importância da comunhão de Jesus à mesa. Ele faz
culminar cada uma das três etapas do ministério de Jesus numa
ceia: a) ele se despede da Galileia comendo com cinco mil pessoas

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Diaconia

(Mc 6.30-44); b) ao deixar seus adeptos da região gentílica de


Decápolis, Jesus promove uma ceia em que participam quatro
mil pessoas (Mc 8.1-10); c) a despedida de seus discípulos, em
Jerusalém, acontece com a última ceia (Mc 14.12-26).
Digno de nota é também o fato de os oponentes de Jesus
o terem chamado de “glutão e “bebedor de vinho” (Mt 11.19),
alusão clara à prática da comensalidade.
Jesus identificava-se com os pobres, comendo e bebendo
com eles. Para Moltmann (1978, p.43): “A missão não é apenas
proclamação, ensino e cura, mas também comida e bebida
[...]. Esperança é comida e bebida. Comer e beber faz parte da
missão do reino”. Comer com pecadores e publicanos signifi-
cava partilhar do alimento espiritual e material com todas as
pessoas, especialmente com aqueles que eram marginalizados
pela sociedade e também pela religião. Por isso, a ação diaconal
de Jesus é profética, pois denuncia uma prática excludente
da sociedade, gerando desigualdade e pobreza, apresentando
uma nova forma de relacionamento, a partilha.
Os Evangelhos apresentam Jesus como aquele que serve.
Essa foi a diaconia de Jesus. Por causa dessa atividade, ele diz:
“No meio de vós eu sou como quem serve à mesa”.
A comensalidade de Jesus também tem um caráter escatoló-
gico. Na ceia do Senhor, Jesus aponta tanto para o futuro como
para o presente, trazendo esperança. Se no futuro teremos a
grande ceia, a bodas do cordeiro, já podemos experimentar isso
aqui e agora. Por isso, na comensalidade de Jesus, o reino de
Deus está colocado em primeiro lugar.
Na comensalidade de Jesus temos as três dimensões da
diaconia: a) prática: servir; b) comunitária: partilhar; c) profé-
tica: denunciar a miséria e a exclusão. Abordaremos estas di-
mensões no terceiro módulo.

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

CURIOSIDADE:
A Palestina nos tempos de Jesus era uma
sociedade de classes formada por: a) elite:
latifundiários, grandes comerciantes e
sacerdotes; b) classe média: artesãos,
camponeses e comerciantes; c) pobres:
diaristas, desempregados e escravos.

A comensalidade de Jesus é mais que uma refeição, é o


desafio de saciar a fome das pessoas, de incluir os que estão à
margem, de denunciar a falta de alimento na mesa do pobre. É
por isso que a prática de Jesus incomodava os líderes religiosos
da sua época. A prática deles excluía publicanos e pecadores,
enquanto a de Jesus incluía.
O publicano ou coletor de impostos estava na lista das pro-
fissões desprezadas, juntamente com cuidadores de porcos,
curtidores de couro, vendedores de alho, barqueiros, carreteiros,
servidores de mesa, serventes etc. Todas eram mal remuneradas
e executadas por pessoas pobres. Os pecadores provavelmente
eram pessoas praticantes de infrações notórias da lei e que,
muitas vezes, se dedicavam a profissões desonestas e ligadas
a trapaças.
Em Jesus, a comunhão da mesa é comunhão de vida. Por-
tanto, Jesus estava exercitando comunhão de vida com pessoas
marginalizadas, excluídas pela sociedade e pela religião.
Na comensalidade de Jesus está a denúncia da sociedade
injusta e excludente, mostrando que no Reino de Deus a prática
é outra, justa e inclusiva, na qual todos têm acesso à mesa.
Por isso, a diaconia que se fundamenta em Jesus ensina

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Diaconia

servir, para vivermos um novo momento, comunhão entre to-


dos, o reino entre nós!

PARA PENSAR:
“A igreja de hoje está mais próxima do shopping
do que da favela!”

2.2. JESUS E AS CRIANÇAS

Quando os discípulos tentaram impedir que as crianças che-


gassem até Jesus, fica clara a forma como elas eram tratadas
naquela época. As crianças eram excluídas, por isso os discípu-
los tentaram barrá-las. Para compreender a profundidade da
atitude de Jesus ao recebê-las e abençoá-las, faz-se necessário
conhecer como a sociedade da época tratava e entendia as
crianças.
Na arte greco-romana, as crianças eram retratadas como um
adulto em miniatura, mostrando o total descaso e a crueldade
com que eram formadas. A criança só tinha valor por aquilo que
poderia vir a ser e não por aquilo que era, uma criança. Os re-
cém-nascidos eram peças descartáveis dentro da sociedade e
quem decidia sobre o direito à vida era o pai. O direito romano
conferia essa autoridade e poder ao chefe da família. Ele podia
rejeitar, vender e matar suas crianças de acordo com seus inte-
resses. As crianças do sexo feminino, doentes e aleijadas eram

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

as principais vítimas dessa crueldade. Certamente, muitas das


que eram abandonadas morriam, outras eram criadas como
escravas. Os rapazes eram obrigados a tornarem-se gladiadores
e as meninas eram exploradas na prostituição. Muitas dessas
crianças eram vistas como um bom investimento financeiro por
pessoas ricas que as criavam para depois explorá-las como
escravas.
Diversos motivos levavam ao descarte de crianças. Menciona-
-se desde razões cultuais até o capricho de pais abastados por
verem as crianças como um incômodo ao seu estilo de vida.
Mas a razão que mais pesava era a situação de miséria da maioria
do povo.
O judaísmo proibia o abandono e o assassinato de crianças
recém-nascidas. As crianças eram vistas como bênçãos de Deus
(Sl 127.3), especialmente as do sexo masculino, mas era permitido
vendê-las ou penhorá-las. No Antigo Testamento, as mulheres
que têm muitos filhos são chamadas de bem-aventuradas e a
esterilidade é tida como maldição.
Embora os filhos fossem vistos como bênção de Deus, a edu-
cação era muito severa, com base nos ensinamentos da Torá.
A autoridade dos pais estava imediatamente abaixo da autori-
dade de Deus. Corrigia-se o filho e a filha com muito rigor, com
o uso de chicote e, em caso de rebeldia, poderia até ser levado
para o apedrejamento (Dt 21.18-21).
Na educação que se dava aos filhos era diferente da que se
dava às filhas. Estabelecia-se nítida diferença entre os meninos
e as meninas. A educação dos meninos era privilegiada. Aos
cinco anos, eles deviam começar os estudos sagrados. Aos dez
anos, tinham de estudar as tradições. Aos treze anos, tinham a
obrigação de conhecer toda a lei do Senhor e de colocá-la em
prática. Mas, até mesmo os meninos eram discriminados em
relação aos adultos. Somente a partir dos treze anos de idade
eram considerados aptos para entrar no chamado “átrios dos

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Diaconia

homens”, no Templo de Jerusalém. Antes dessa idade, os


meninos tinham que ficar do lado de fora, juntamente com as
mulheres e os gentios, no espaço reservado para eles. Por isso,
em Mateus 14.21, o evangelho escrito especialmente para a
comunidade judaica, as crianças juntamente com as mulheres
não são contadas no relato da partilha dos pães e dos peixes.
Como já vimos na comensalidade de Jesus, a maioria da
população nessa época vivia na mais profunda miséria, por isso
ficava difícil ver os filhos como bênção, pois significavam mais
pessoas para comer, e a comida sempre faltava. Com certeza,
as crianças eram as primeiras vítimas nessa situação de miséria,
sendo vendidas ou até entregues para pagamento de dívidas ou
morriam de fome.
Diante desse contexto de discriminação e exclusão das crianças,
Jesus se coloca na contramão, acolhendo-as, incluindo-as dentro
da sua missão, conferindo-lhes valor e amando-as por aquilo
que são, crianças. E mais, Jesus coloca-as em preeminência ao
afirmar que delas é o Reino de Deus: “Eu afirmo a vocês que
isto é verdade: quem não receber o Reino de Deus como uma
criança nunca entrará nele” (Mc 10.14). Mais do que fazer uma
afirmação teológica, Jesus faz uma denúncia contra a exclusão,
não só das crianças, mas de todos aqueles que eram discrimi-
nados e colocados à margem pela sociedade, atitude legitimada
pela religião.
Jesus vai além, dizendo que só entra no Reino de Deus aqueles
que receberem o reino como uma criança (Mc 10.15). Essa afir-
mação de Jesus corrobora com o que ensinaria aos discípulos
mais tarde, quando disse: “Quem quiser ser o primeiro, que seja
o escravo de todos” (Mc 10.44). Por isso Jesus as recebe e as
abençoa, mostrando o seu valor no Reino de Deus.

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

PARA PENSAR:
“O Reino de Deus é proibido para maiores de
idade” (Rev. Gerson Correia de Lacerda).

JJ 2.3. JESUS E OS ENFERMOS

Na época de Jesus havia poucos médicos e o acesso a eles


era muito difícil, especialmente por parte dos pobres. Em algu-
mas localidades, nem médico tinha. A doença era vista como
uma maldição, consequência do pecado, portanto castigo de
Deus. A doença que mais representava essa visão era a lepra.
Por trás da lepra estava todo um discurso religioso justificando a
condenação dos doentes à exclusão. A doença representava, ao
mesmo tempo, de um lado, a ira de Deus, de outro, a sua bon-
dade. A ira porque a lepra era consequência do pecado; bon-
dade porque propiciava a correção ou a purificação de Deus.
A lepra era considerada a doença mais grave e, conforme
Lv 13.45s, a pessoa com lepra, por ser cultualmente impura,
deveria ser excluída da comunidade. Por isso, as pessoas doen-
tes eram segregadas do povo, afastadas do convívio familiar e
estigmatizadas como malditas por Deus.

Diante dessa situação, Jesus coloca-se como aquele que vem


para curar e restaurar por completo a pessoa doente. A maioria
dos milagres realizados por Jesus são curas. Não podemos separar
essas curas do anúncio do Reino de Deus. Quando Jesus curava,
não só restaurava o corpo, mas também a pessoa, devolvendo-lhe
sua dignidade, tirada pela sociedade e legitimada pela religião.

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Diaconia

Ao curar, Jesus demonstrava sua compaixão, colocando-se


ao lado dos que sofrem, quebrando as barreiras da exclusão.
Gaede Neto (2001, p. 154) diz que Jesus, em sua compaixão,
“não teme contaminar-se nem com a doença do leproso nem
com a doença da sociedade”.
Nas curas de Jesus fica evidente também seu caráter profé-
tico de denúncia contra uma sociedade marcada pela exclusão.
Jesus mostra a importância do corpo dentro da redenção.
Portanto, Jesus como diácono por excelência serve aquele
que sofre. Seus milagres não foram realizados para mostrar poder,
mas como demonstração de amor e submissão à vontade de
Deus. Por isso disse: “Não vim para ser servido, mas para servir
[...]” (Mc 10.45).

PARA PENSAR:
Como devemos ver a doença: castigo de Deus
ou uma construção sociológica legitimada
pela igreja para excluir as pessoas?

2.4 JESUS E AS MULHERES

Na sociedade judaica do tempo de Jesus, a menina era con-


siderada adulta com doze anos e meio. Toda mulher deveria se
casar e o processo do casamento começava com a chegada da
puberdade. O marido era escolhido pelo pai e não poderia ser

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

recusado. A mulher tornava-se propriedade do marido.


As regras eram rígidas. A mulher só podia sair de casa em
casos de necessidade e com o rosto coberto, não podia con-
versar com outro homem na rua, pois poderia ser acusada de
adultério. A fidelidade conjugal era só para mulher e somente
os homens podiam dar carta de divórcio. Rizzante (apud Gaede
Neto, 2001, p. 165) escreve que “desde a adolescência até a me-
nopausa, a mulher era marginalizada do convívio da sociedade:
como impura e causadora de impureza”.

CURIOSIDADE:
A mulher era considerada impura conforme as
prescrições de Levíticos por: a) menstruação
(sete dias - Lv. 15). Isso alterava tudo na
vida dela e da casa. Os objetos que ela
tocava ficavam impuros, assim como quem
a tocasse também, a cama, onde sentasse
etc.; b) parto: quarenta dias para purificar-se,
no caso de nascimento de menino e oitenta dias para
nascimento de menina (Lv. 12).

A mulher não podia frequentar o templo a não ser que ofe-


recesse sacrifícios pelos pecados (Lv 4 e 5). Os sacrifícios eram
pagos, e como a mulher todo mês estava impura, isso acarreta-
va um gasto enorme. Levando em consideração a situação de
pobreza da maioria das mulheres da Palestina nos tempos de
Jesus, frequentar o templo era quase impossível.
Jesus em seu ministério restaurou a dignidade da mulher.
Muitas foram curadas por ele: a mulher que sofria com hemor-
ragia (Mc 5.25-34); a filha de Jairo (Mc 5.21ss); a filha endemo-
niada da mulher siro-fenícia (Mc 7.24-30); a sogra de Pedro (Mc

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Diaconia

1.29-31) e outras. Ao curá-las, Jesus também quebrava a cadeia


de exclusão em que viviam. A mulher com hemorragia toca nas
vestes de Jesus e, segundo a Lei, tornava Jesus impuro, mas ele
a acolhe e não a condena, dividindo com ela o fardo da impureza
que a fazia sofrer a tanto tempo. Ele chama a mulher de filha,
restaurando-lhe a cidadania do povo de Deus, e a despede com
a paz (shalom), voto que quer dizer bem-estar, saúde, felicidade.
Ela agora é também filha do Reino e seguidora de Jesus.
Jesus defende o direito da mulher quando deixa Maria ficar
aos seus pés ouvindo seus ensinamentos (Lc 10.38-42), quando
deixa a mulher ungi-lo com perfume (Mc 14.3-9), quando não
condena a mulher surpreendida em adultério (Jo 8.1-11).
Jesus rompe com a discriminação à mulher quando conversa
com a samaritana (Jo 4), aceita-as como discípulas (Lc 8) e dá-
-lhes o privilégio de participar na morte e ressurreição de Jesus.
Elas ficaram ao seu lado na morte e foram as primeiras teste-
munhas da sua ressurreição.
Diante da exclusão, Jesus ensina que a realidade do Reino
era diferente: “Entre vós não é assim”. Foi mudança de para-
digma para aqueles que queriam viver como súditos do reino
inaugurado por Jesus. Nele vemos a restauração da dignidade
da mulher, usurpada pela sociedade e legitimada pela religião.

PARA PENSAR:
“Se as mulheres devem permanecer em
silêncio, então não teríamos nenhum
testemunho da ressurreição de Jesus” (Jur-
gen Moltmann).

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

JJ ANTES DE VIRAR A PÁGINA:

Caro estudante, vimos em Jesus que a diaconia faz parte do


nosso chamado e da nossa vida como cristãos. Aprendemos
que no Reino de Deus, inaugurado por Jesus, os valores são
invertidos: “quem quer liderar, deve servir”. Somos chamados
para seguir a Jesus na perspectiva da cruz e não da glória
humana.

24
Diaconia

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

MÓDULO 2
Tema: Perspectivas Bíblico-Teológica e
Histórica da Diaconia

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Diaconia

JJ PARA INÍCIO DE CONVERSA

Caro estudante, continuemos nossos estudos sobre diaconia.


Como já ouvimos várias vezes, a Bíblia é a nossa regra única
e infalível de fé e prática. Nela encontramos o que Deus deseja
de sua igreja. Por isso, vamos olhar para os textos do Antigo e
do Novo Testamentos e ver o quanto a diaconia estava presen-
te no agir de Deus junto ao seu povo. Após aprender da ação
diaconal de Jesus, sendo ele o Deus encarnado, veremos que
as Escrituras mostram um Deus diaconal, preocupado com os
empobrecidos, os marginalizados, e por isso a Igreja, desde o
seu início, mostrou que a diaconia estava presente no seu jeito
de ser, ou seja, fazia parte da missão.
Convido-o para caminhar pela história da Igreja e descobrir
os elementos diaconais no seu agir. A Igreja cristã possui uma
história linda de serviço a Deus e ao próximo. Muitas foram as
ações da Igreja em favor de pobres, marginalizados e doentes,
embora em muitos momentos também tenhamos visto a Igreja
ser instrumento de opressão e exclusão. Esse paradoxo caminha
junto com a Igreja e deve ser sempre objeto de nossa reflexão,
lembrando das palavras de Jesus: “Entre vocês não deve ser
assim...”(Mc 10.43).
Como objetivos, ao final deste módulo, você será capaz de:
1. compreender o papel da diaconia no texto bíblico, tanto no
Antigo como no Novo Testamento;
2. perceber como a justiça social e o cuidado com o que sofre
estão associados à diaconia divina;
3. saber como o tema e a prática diaconal ocorreram na história
da Igreja, do seu início até a Reforma Protestante do século XVI;
4. conhecer e valorizar a tradição calvinista no âmbito e na prá-
tica da diaconia.

27
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

JJ 1. DIACONIA NO ANTIGO TESTAMENTO:


A PRÁTICA DA JUSTIÇA

Segundo Karl Barth, “a função da teologia evangélica é


formular uma pergunta concernente à verdade, significando
com isso que a tarefa do teólogo é inquirir se a igreja está com-
preendendo e comunicando (com sua palavra e sua vida) corre-
tamente o evangelho”.
A Bíblia mostra um Deus que se faz conhecido ou que se
revela na caminhada do povo de Israel, na experiência diária
da fé, em meio aos acontecimentos que requerem obediência.
Em Êxodo 24.7 está escrito: “Tudo que falou o Senhor faremos e
obedeceremos”. Nesta resposta do povo está primeiro o fazer e
depois o entender. O Deus bíblico é para ser crido e obedecido
primeiro para depois ser entendido, se é que podemos enten-
dê-lo.
Conhecer a Deus se faz na caminhada, ao praticar o direito
e a justiça que se constituem no cerne da mensagem do Antigo
Testamento. As leis constitutivas dos israelitas repudiam a ex-
ploração e a injustiça, o estar sob o domínio do outro, injustiça
da qual Javé os libertou quando da escravidão no Egito.
O Antigo Testamento mostra um Deus preocupado com o
mais pobre, que se encontra vulnerável e que não tem com o
que se defender. Mostra também que a justiça social tem sua
razão de ser na relação entre o ser humano e Deus e na revela-
ção transmitida ao ser humano registrada nas Escrituras. Deus
é quem garante os fracos, protegendo-os contra o insaciável de-
sejo dos fortes. As estruturas ordenadas por Deus para Israel ti-
nham como um de seus principais objetivos garantir que todos
fossem tratados com justiça.
A Bíblia revela um Deus que se manifesta na história como
aquele que é solidário com os injustiçados, testemunha a luta
pela dignidade e potencializa a memória dos excluídos. Deus

28
Diaconia

olha para os setores da sociedade israelita que mais se acham


vulneráveis, protegendo-os e procurando restabelecer a igual-
dade social.
Olhando para a origem do povo de Israel, vemos um Deus
solidário que se encarna para libertar seu povo (Êx 3.7-10). Em
Deuteronômio 14.22-29 e em 26.12, Deus prescreve um “dízimo
para o pobre” a ser recolhido ao fim de cada três anos, para
atender o levita, o órfão, a viúva, o estrangeiro. Esses represen-
tavam os necessitados e os que não tinham terras.
Em relação à terra, Deus se coloca como proprietário, dono
absoluto da terra (Sl 24.1; 50.12 e Dt 10.14). Em Levítico 25.23-
28, Deus quebra a tendência humana de adquirir terras e mais
terras, criando um monopólio. A criação do shabat, palavra he-
braica que significa descanso, trás em si a preocupação social
e econômica para que todos tenham acesso ao alimento de
maneira igualitária, sem a necessidade de acumular. No shabat
somos convidados a entrar no descanso de Deus e confiar em
sua providência.
Ao instituir o ano sabático e depois o ano do jubileu, Deus
estabeleceu uma anistia geral para todos e todas que fizeram
dívidas, perderam terras e se tornaram escravos por causa das
relações injustas de trabalho. Aqueles que foram acumulando
terra ao longo dos anos deveriam devolver as propriedades aos
seus primeiros donos. As dívidas eram perdoadas, como tam-
bém os senhores libertavam aqueles que se tornaram escravos
(Dt 15.1-18; Lv 25.8-18). O desejo de Deus era que não houvesse
pobre e necessitado entre o seu povo. Shedd (1993, p. 8) escre-
veu: “As leis de Israel foram indiscutivelmente instituídas por
Deus a fim de criar e manter uma sociedade justa para todos os
seus cidadãos, sem consideração de classe ou posição”.

29
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

PARA PENSAR:
Se no texto bíblico a terra pertence a Deus,
portanto uma dádiva dada a todos/as, a
reforma agrária deveria ser uma bandeira
defendida pela Igreja de Jesus?

No Pentateuco, encontramos um conjunto de leis em favor


de pobres e necessitados, leis de caráter humanitário (Dt 24.5-
22). O texto mostra que aqueles que não obedecerem as leis
justas e misericordiosas de Deus serão alvos da sua ira. Nos
livros sapienciais encontramos a figura de Jó, que aponta a
injustiça e o desprezo para com o pobre como pecado (Jó 31.13-
27). Em Provérbios (Pv 30.7-9), Deus propõe ao seu povo um
projeto de vida simples. Em Lamentações, Deus afirma que o
seu povo é sustentado pelas suas misericórdias (Lm 3.22-26).
Os livros proféticos, em geral, chamam o povo para um com-
promisso efetivo com a justiça, a fraternidade, a solidariedade
e o arrependimento (Is 61.1-4; 65.17-25; 58.1-12). Ezequiel con-
dena a falta de compromisso com o pobre e o desamparado,
como abominação diante de Deus (Ez 16.44-51). Os profetas
exigem que a adoração e a justiça andem de mãos dadas e que
seu povo ame a misericórdia e a justiça e viva humildemente
perante Ele (Am 5.21-24 e Mq 6.6-8).
O Antigo Testamento apresenta um Deus justo e exige que
seu povo viva na prática da justiça e da misericórdia, mas tam-
bém mostra o fracasso humano em praticar ou obedecer a von-
tade de Deus. Era por isso que, quando o povo não vivia a justiça,

30
Diaconia

Deus não aceitava sua adoração (Am 5.21-24 e Is 1.11-20).


As Escrituras do Antigo Testamento apresentam argumentos
suficientes quanto à absoluta necessidade da atuação diaconal
do povo de Deus e repudia as condições que descrevem uma
situação humana degenerada.

JJ 2. DIACONIA NO NOVO TESTAMENTO:


A PRÁTICA DA CONSOLAÇÃO

O Novo Testamento mostra um Deus preocupado com sua


criação a ponto de vir ao seu encontro para livrá-lo da condena-
ção, fazendo-se pecador. É o Deus justo que, vendo a incapaci-
dade de seus filhos e filhas em viver a santidade, trata-os com
graça e misericórdia.
Se no Antigo Testamento a ênfase está na justiça, no Novo
Testamento a ênfase recai sobre consolação, compaixão e soli-
dariedade. Uma coisa não invalida a outra. Justiça e misericór-
dia devem caminhar juntas na espiritualidade e na prática dia-
conal da Igreja.
Em Atos 1.1 lemos: “[...] relatando todas as coisas que Jesus
começou a fazer e a ensinar”. Lucas está dizendo que temos a
responsabilidade de dar continuidade ao que Jesus iniciou,
seguindo os passos de Jesus, o mestre, o diácono por excelência.
A teologia do Novo Testamento não está dissociada da vida.
Como cristãos, devemos viver uma vida reta e santa em relação a
Deus e ao próximo. Em meio a uma sociedade injusta, devemos
promover a justiça e chamar os poderosos ao arrependimento
(At 17.30), mas também consolar aqueles que são abatidos pelas
injustiças e as circunstâncias da vida.
Deus é amor e por isso somos chamados e vocacionados
para amar. Somos chamados como Igreja para exercer o minis-
tério da consolação, porque fomos assistidos ou consolados por
Deus em nossas tribulações. O apóstolo Paulo escreveu: “É Ele

31
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

que nos conforta em toda a nossa tribulação, para podermos


consolar os que estiverem em qualquer angústia, com a con-
solação com que nós mesmos somos contemplados por Deus”
(2Co 1.4). Somos consolados por Deus para consolar outros.
Consolar é atender àquele que tem medo, angústia, depres-
são, apatia, vícios, ao que chora, ao que sente dor, frustração ou
desespero. O Rev. Marcos Inhauser (1989, p. 23) define: “Consolar
é comunicar vida em meio à morte e à dor. É colocar-se ao lado
daquele que sofre e caminhar com ele. É ajudar alguém a optar
pela vida e a caminhar o trajeto que leva à vitória sobre a morte”.
O ser humano pode e deve consolar, mas aquele que tem
o Espírito Santo, que recebeu a consolação de Deus, recebeu
também a capacitação para exercer este ministério de maneira
muito mais eficaz e frutífera. Isso porque o seu consolo não
será repetição de palavras teóricas, mas a comunicação de ex-
periência vivida e trabalhada.
Essa capacitação dada pelo Espírito envolve as pessoas que
pertencem a um corpo, ou seja, a comunidade. Portanto, a
Igreja é chamada para exercer o ministério da consolação. Não
existe ministério individual, mas todo ministério está inserido
no corpo de Cristo que é a Igreja. Os membros deste corpo, ca-
pacitados para o ministério da consolação, participam do corpo
de Cristo.
No Novo Testamento encontramos vários exemplos de
homens e mulheres que exerceram esse ministério da conso-
lação dentro da comunidade de fé. Um dos que queremos des-
tacar é Barnabé. Os textos bíblicos que falam de Barnabé dão
testemunho de uma vida totalmente dedicada ao ministério de
solidariedade e consolação e, por isso, era conhecido na comu-
nidade como “filho da consolação” (At 4.36). A sensibilidade de
Barnabé para com as necessidades do próximo mostrou-se, de
forma concreta e corajosa, quando vendeu uma propriedade
e entregou o dinheiro da venda aos apóstolos, para ser distri-

32
Diaconia

buído entre os necessitados (At 4.37). Em Atos 9.26-27, vemos


Barnabé acolhendo Paulo e apresentado-o aos discípulos, fa-
lando da sua conversão e advogando a causa de Paulo porque
não acreditavam nele. O seu ministério jamais foi individualis-
ta. O seu dom de consolação foi exercido na comunidade e em
nome da comunidade. Barnabé não foi um teórico, mas alguém
que na prática mostrou o que é ser solidário. Muito além de fa-
lar, Barnabé atuou, estando em conformidade com 1João 3.18:
“filhinhos, não amemos só de palavras, de conversa, o nosso
amor deve ser verdadeiro, que se mostra por meio de ações”.
No livro de Atos, encontramos a Igreja vivendo diaconalmen-
te. Muitos, como Barnabé, vendiam suas propriedades e depo-
sitavam o resultado aos pés dos apóstolos para atender aqueles
que passavam por necessidades (At 2.42-47). A escolha dos sete
diáconos (At 6) mostrava a preocupação da Igreja em corrigir o
erro que estava sendo cometido com as viúvas helenistas.
Em Paulo encontramos vários ensinos que mostram o cha-
mado para servir (Ef 2.10); para viver o amor (1Co 13); exercer a
generosidade como sinal do reino (2Co 9); devemos ter o mes-
mo sentimento de humildade de Jesus (Fl 2).
Nas cartas gerais ou universais (Pedro, João e Tiago) encon-
tramos o ensino do amor ao próximo, a prática do bem e a ên-
fase nas obras como comprovação de uma fé autêntica (Tg 3).
O Novo Testamento mostra o Deus consolador e o quanto
Ele quer que sua Igreja exerça o ministério da consolação. Con-
solar é colocar-se como instrumento de Deus para tirar as pes-
soas da situação de angústia, de depressão, de revolta e de
desesperança. Mostrar que a vida não acabou, pelo contrário,
é a oportunidade de uma vida nova, regada e encharcada de
Jesus.

33
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

JJ 3. O SERVIÇO DIACONAL NA IGREJA ANTIGA

Segundo Hoornaert (1986), a maior de todas as inovações


trazidas para a história da humanidade pelo cristianismo pode
ser formulada pela simples palavra “serviço”. Na lógica do Reino
inaugurado por Jesus, a regra é justamente o serviço: “entre
vocês tem de ser diferente: o que quiser ser grande seja o servi-
dor [...]” (Mc 10.43-44).
Na história da Igreja primitiva no que se refere ao serviço aos
necessitados, destacamos primeiramente a participação das
mulheres. Foram as mulheres que se colocaram à frente nas
primeiras comunidades cristãs, procurando seguir e atualizar a
prática de Jesus. Hoornaert (1986, p. 176) escreveu: “As mulhe-
res forneciam praticamente toda a infraestrutura das primeiras
comunidades, oferecendo casas para as reuniões (At 12.12-16),
hospedando os missionários itinerantes (At 16.12-14), confec-
cionando roupas para as viúvas (At 9.36-39) ou mesmo dirigindo
as comunidades (At 18.26-27) ou profetizando (At 21.9)”. Embora
as mulheres desenvolvessem o serviço, não ocupavam as ins-
tâncias de poder e decisão da Igreja.
No período pós-apostólico, as cartas pastorais e a Didaquê
nos fornecem subsídios para entender a diaconia da Igreja. As
cartas de Clemente de Roma à Igreja de Corinto mostram que a
prática das boas obras junto aos pobres era algo importante a
ser praticado. A hospitalidade é também ressaltada pelos textos
dessa época, especialmente a Didaquê, documento da Igreja do
século II, que traz várias orientações, inclusive sobre como se
deve proceder em relação àqueles que chegam solicitando ajuda.
Dois aspectos também contribuíram para o agir diaconal da
Igreja desde seu início: a) com o crescimento da Igreja cristã
também cresceram as necessidades de seus membros. Muitos
pobres eram atraídos por causa do serviço diaconal da igreja;
b) os primeiros cristãos vieram do judaísmo e, para os judeus, a

34
Diaconia

prática das boas obras era comum, só que agora com uma nova
fundamentação, ou seja, a Igreja tinha que mostrar com ações
concretas o amor de Cristo.

3.1. CATOLICISMO INCIPIENTE (150 A 312 D.C)

Nesse período já encontramos uma igreja com estrutura


hierárquica: bispos, presbíteros e diáconos. Os diáconos faziam
parte do clero superior e era formado por pessoas abastadas.
O clero inferior - subdiáconos, exorcistas, acólitos, leitores e
ostiários - envolviam-se parcialmente com o trabalho assisten-
cial. Fica clara a divisão entre o clero e o laicato. A diaconia fazia
parte da missão da Igreja como a parte prática em meio ao povo
sofrido.
O Papa Fabiano (236-250 d.C) dividiu Roma em sete bairros
e os confiou a sete diáconos a fim de desenvolverem tarefas de
socorro a necessitados e doentes. O bispo da Igreja de Roma,
Cornélio (253-255 d.C), fez uma lista de 1500 viúvas e carentes.
Nesse período o entendimento das obras como meritórias ganhou
corpo, dividindo os cristãos em dois grupos: a) obras perfeitas:
aqueles que renunciavam a tudo; b) obras imperfeitas: aqueles
que viviam no mundo, mas obedeciam a alguns mandamentos
obrigatórios da Igreja. A Igreja atendia viúvas, órfãos, enfermos,
pobres, prisioneiros e no enterro dos mortos. A hospitalidade
continuava a ser um serviço diaconal muito importante, pois os
cristãos acolhiam o estrangeiro por alguns dias e, se quisesse
ficar, arrumavam emprego para ele.
Em 259 d.C acontece a peste que dizimou parte da Europa, e
a Igreja foi muito importante na ajuda aos doentes. Essa ajuda
era realizada a todos, independente da fé que professavam. Em
relação à escravatura, os cristãos nunca pensaram em erradi-
ca-la, mas lutavam pelos direitos dos escravos e até juntavam
dinheiro para resgatá-los. Na Igreja, os escravos eram tratados

35
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

de maneira igual.
Os bispos eram os responsáveis pela diaconia da Igreja, pois
recebiam as doações e os diáconos faziam a distribuição. Isso
sempre trazia o risco de o bispo desviar dinheiro para si. Vemos
aí a clericalização da diaconia.
Na Igreja Oriental as diaconisas faziam parte do clero e cui-
davam da assistência às mulheres enfermas. Também supervi-
sionavam as mulheres no culto.

3.2. IGREJA IMPERIAL (SÉCULOS IV E V D.C)

O Edito de Milão em 313 d.C. trouxe tranquilidade à Igreja.


O Imperador Constantino, ao se converter ao cristianismo,
acabou com a perseguição aos cristãos e passou a beneficiá-los.
A Igreja foi se acomodando ou se adaptando ao Estado. Cons-
tantino atribuiu à Igreja a tarefa assistencial que o Estado não
conseguia fazer. Nesse período, a Igreja passou a ser vista como
um departamento do Estado, por isso calou-se diante da explo-
ração econômica do Estado por meio dos pesados impostos. O
Estado reconheceu o trabalho diaconal da Igreja e favoreceu-a,
ajudando com contribuições.
A igreja e suas obras assistenciais eram mantidas pelo povo
e pelo Estado. O povo contribuía com dinheiro e víveres, que
eram destinados ao bispo como pagamento pelos seus serviços
(côngrua). Com o benefício do Estado, a Igreja tornou-se rica,
dona de muitas propriedades, e os bispos ficaram ricos, respei-
tados e poderosos. Eles eram auxiliados por diáconos e ecôno-
mos, que os ajudavam na administração das propriedades. O
bispo ganhou poder absoluto quanto a pôr e dispor do patri-
mônio. Nordstokke (2003, p. 141) afirma: “Pode-se afirmar de
modo incisivo: a assistência aos pobres não é mais estruturada
a partir da comunidade e não surge mais a partir do ouvir a
Palavra como ação necessária da obediência, mas constitui um

36
Diaconia

agir necessário do bispo em termos de política social”. Houve


alteração do trabalho diaconal, da assistência aos necessitados
para a assistência ao altar. A igreja, aos poucos, deixou de exer-
cer a diaconia como parte integrante de sua espiritualidade e
missão.
Muitos hospitais foram fundados pela Igreja para atender
especialmente os pobres. Helena, a mãe de Constantino, foi
muito importante nesse período, construindo os primeiros hos-
pitais cristãos. Os templos foram transformados em lugares de
acolhimento aos enfermos. Os serviços prestados aos doentes
eram realizados pelos diáconos. Os mosteiros, apesar de pri-
vilegiar uma prática ascética, dedicavam-se aos cuidados dos
necessitados. Muitos mosteiros foram criados exclusivamente
para atender aos doentes. Esses mosteiros urbanos foram as
primeiras casas de caridade para cuidados de enfermos e
pobres.
Nesse período, as obras ganham definitivamente um valor
meritório. É a justificação por obras. A afirmação de Eusébio de
Cesaréia ganha destaque: “Quem dá ao pobre empresta ao Se-
nhor e será recompensado”. O povo é conclamado a doar para
os pobres, não como um gesto de amor, mas para alcançar as
bênçãos de Deus.

CURIOSIDADE:
Os mosteiros cumpriram função diaconal importante.
Eram assim classificados: nosocômios para
os enfermos; gerontocômios para os idosos;
xenodóquios para os peregrinos; orfanatos
para os órfãos.

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

3.3. IGREJA MEDIEVAL (SÉCULOS IV A XVI D.C)

A Idade Média é um período extenso que vai do século IV


até o século XVI, quando se iniciou a Reforma Protestante. Por
isso, vamos apenas fazer referência a algumas pessoas que se
destacaram na vida da Igreja, seja por seu ensino ou por suas
atitudes, na área diaconal.
Esse período é marcado pela queda do Império Romano Oci-
dental (476 d.C). É um período sombrio para a igreja. Justo Gon-
zales o denomina com a “era das trevas”. A Igreja passa a ser
o abrigo da sociedade. Amplia-se a construção de hospitais e
também sua ligação com os mosteiros.
Alguns personagens se destacam, como Agostinho (354-
430), que defendia a assistência aos pobres e, para isso, se ne-
cessário, até os utensílios da igreja poderiam ser derretidos.
Outro personagem que se sobressai é Severino (482 d.C), que
fundou mosteiros para atender enfermos e carentes. Ele ten-
tou instalar o dízimo obrigatório para esse atendimento e con-
seguiu por um breve tempo. Ele também trabalhou em favor
dos prisioneiros de guerra, ganhando a admiração e o respeito
até dos povos germânicos. Gregório Magno (604 d.C) também
destacou-se nesse período. Ele era romano e em seu ministério
lutou contra a pobreza e a miséria. Sob sua atuação, a diaconia
foi organizada como assistência sistematizada aos pobres. Para
ele, somente monges e freiras poderiam assumir a direção da
diaconia em instituições.
Avançando na história até o século XII, encontramos a figura
de Pedro Valdo. O historiador da igreja Martin Dreher informa
que tanto o ano de nascimento quanto o ano da morte de
Valdo são desconhecidos. Em 1176, Valdo se converte à pobreza
apostólica. Em razão da usura que era praticada e diante das
palavras de Jesus sobre a riqueza, Valdo teve sua vida transfor-
mada, pois ambas tiveram significado especial em seu modo

38
Diaconia

de viver. Para ele, a fé cristã e a riqueza eram inconciliáveis e,


por isso, desfez-se dos seus bens e distribuiu o resultado aos
pobres. Valdo alimentava os pobres, mas também pregava a
Palavra. Foi considerado herege pelo Papa Alexandre III, pois
não acatou a proibição imposta de não anunciar a Palavra. Com
Valdo o dilema estava posto: a mensagem bíblica e a mensagem
da Igreja não eram a mesma coisa.
Outra figura importante deste período é Francisco de Assis.
Francisco di Pietro de Bernardone (1182-1226) era filho de
comerciantes italianos da cidade de Assis. Sua vida trouxe mu-
dança não só no conceito de santidade e devoção, mas na atitude
da Igreja e dos leigos diante do sagrado. Além de pregador po-
pular, Francisco de Assis fez opção pelos marginalizados do seu
tempo, os doentes de lepra. Sua vida influenciou muita gente,
sendo fundada a Ordem Franciscana, que tem como premissa
o cuidado dos pobres e dos doentes. Francisco tinha permis-
são para pregar, o que o levou a várias partes da Europa, como
também ao Oriente. É conferida a ele a frase: “pregue sempre o
evangelho, se necessário use palavras”.

JJ 4. DIACONIA NA REFORMA PROTESTANTE DO SÉCULO XVI

A Reforma Protestante do século XVI trouxe profundas mu-


danças no pensamento religioso. Vários são os reformadores
que se destacaram: Martinho Lutero, João Calvino, Martin Bu-
cer, Ulrico Zuínglio etc. Vamos focar em dois deles que ganha-
ram mais destaque por suas obras e atuações: Martinho Lutero
e João Calvino.
Martinho Lutero (1483-1546) foi um monge agostiniano pre-
ocupado com sua salvação. Era estudioso da Bíblia, professor
de teologia, que encontrou na Carta aos Romanos a resposta
que procurava: a salvação pela graça mediante a fé. A partir dai,
escreveu suas 95 teses e fixou na porta da Igreja de Wittenberg,

39
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

na Alemanha. Para Lutero, as obras não tinham valor meritório,


mas eram consequência da salvação. Ele entendia o amor ao
próximo como regra áurea que deveria ser vivida por toda a
comunidade. Conforme Lutero, a mendicância era o acúmulo
de todas as transgressões da ordem e do mandamento divinos,
algo totalmente contrário do amor ao próximo. Lutero defendia
que Deus concedeu três estados ou condições ao ser humano,
por meio dos quais conserva e governa o mundo: status eccle-
siasticus, status politicus e status oeconomicus.
A função do status ecclesiasticus é testemunhar a vivacidade
do senhorio de Cristo, que traz e concede justiça eterna, paz
eterna e vida eterna. A função do status politicus tem a ver com
a autoridade secular, que deve estabelecer, preservar e fomen-
tar a justiça, a paz e a vida temporais. No status oeconomicus
estão em pauta a preservação e a promoção da base biológica
da vida: o serviço à criação, a família, o trabalho e o sustento da
vida. Para Lutero, todo ser humano participa desses três ele-
mentos de status, ainda que com ênfases distintas.
No status oeconomicus, as capacidades, a propriedade e os
frutos do trabalho foram dados por Deus à pessoa como um
empréstimo, para que os use para servir ao próximo. No status
politicus também está a diaconia, pois deve ser exercido para
o serviço da coletividade, para o bem-estar do povo. No status
ecclesiasticus, todos os crentes são vocacionados através do ba-
tismo a se tornarem “companheiros e irmãos de Cristo”. Lutero
afirmava que não havia “maior culto a Deus do que o amor cris-
tão que ajuda e serve aos carentes”.
Segundo Theodor Strohm, em Lutero, podemos distinguir
uma tríplice diaconia: a) uma diaconia elementar, a ser pratica-
da no círculo de convívio primário e no contexto familiar e do
trabalho remunerado, no dia a dia; b) uma diaconia da Igreja,
voltada à congregação, cujo treinamento e aprendizado da fé
visa não apenas à comunhão, mas também na transformação

40
Diaconia

do mundo; c) uma diaconia política, voltada à comunidade civil,


que começa pelas causas da miséria, da fome e da enfermidade,
e que procura disponibilizar, assegurar e desenvolver condições
para um convívio social justo.

PARA PENSAR:
Lutero criticava a Igreja de sua época dizendo:
“Um amor que espera até que chegue a
necessidade extrema é um amor lerdo, muito
preguiçoso, na verdade nem sequer é amor”.

Outro reformador importante para ser considerado é João


Calvino (1509-1564). Ele nasceu em Nyon, na França, e conver-
teu-se à Reforma Protestante em 1533. Por causa dessa decisão
teve que deixar a França e se estabelecer na cidade de Genebra,
na Suíça. Calvino defendia que devemos levar uma vida santi-
ficada e que a mesma se manifesta pelas obras, como conse-
quência da graça. As suas Ordenanças Eclesiásticas menciona
quatro ofícios: pastores, doutores, presbíteros e diáconos, que
correspondem às áreas: doutrina, educação, disciplina e ação
social.
Para Calvino, havia dois tipos de diáconos: a) os administra-
dores, que recolhiam e geriam os fundos destinados ao socorro
dos pobres; b) os assistentes sociais, que utilizavam esses fun-
dos na assistência direta aos carentes.
O acúmulo de capital que se tornou um mandamento no

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

puritanismo do século XVII não encontra guarida nos ensinos


de Calvino. Para ele, o pobre, enquanto nessa condição, tinha
que receber ajuda dos ricos, pois os mesmos representavam na
Terra uma das formas de Cristo. Ele defendia a igualdade social
e dizia que a desigualdade era pecado e contrária a Deus. Afir-
mava também que o acúmulo de bens era a manifestação de
egoísmo e pecado, corrompendo a ordem natural da economia
que, segundo o desígnio de Deus, deveria assegurar a todos o
viver com tranquilidade e sem necessidade.
Calvino não era contra as riquezas, mas o repouso ou a con-
fiança nelas é o que representa perigo, pois isso pode levar as
pessoas a deixar de buscar uma vida santa. Assim, ele foi a favor
da distribuição justa dos bens e contra o acúmulo nas mãos dos
ricos. Para Calvino, os gastos supérfluos eram condenáveis, não
tanto em razão do luxo em si, mas em função de seu sentido
desrespeitoso e provocante em relação aos pobres. Os refor-
madores e o próprio Calvino viveram de maneira simples, re-
cusando muitas vezes benefícios adicionais, porque iam além
do que necessitavam. Para Calvino, a falta de confiança na pro-
vidência de Deus gera angústia no ser humano quanto à vida e
sua finitude, levando à insatisfação e ao acúmulo ilimitado.
Calvino afirmava que a incredulidade das pessoas na provi-
dência de Deus era a responsável pela desordem econômica,
por isso dizia:

Esta incredulidade os conduz, por falta de confiança


na providência de Deus, ao açambarcamento dos
bens destinados a todos, e este açambarcamento
rompe o equilíbrio da distribuição [...]. Eis qual a
causa porque sempre os homens granjeiam e
adquirem para si, e nunca se podem saciar, e quan-
to mais têm, tanto mais se lhes inflama a ganância,
como em um hidrópico ao ter bebido (Biéler, 1990,
p. 327).

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Diaconia

Para Calvino, na Bíblia não havia nenhuma equivalência


entre riqueza e bênção, sendo que a riqueza não é senão fi-
gurativa da bênção de Deus, mas a bênção não é riqueza nem
precisa dela para existir. Portanto, a falta dos bens materiais em
nada diminuiria a graça de Deus, não havendo uma relação ne-
cessária entre graça e riqueza, como os puritanos acreditavam.
Para ele, muitas vezes, Deus nos priva das riquezas para nos
ensinar verdades espirituais, como aprender a descansar nas
suas promessas. Isto não é apologia à pobreza, mas resignação
diante dela e confiança na providência de Deus. Dizia Calvino:

Se a confiança em Deus não exclui o trabalho, elimina,


em contraposição, o orgulho e a falsa segurança
que o homem crê poder fundamentar sobre seu
trabalho, tão frequentemente acompanhados de
uma atividade febril desmesurada e de um zelo
profissional que devora toda a existência (Biéler,
1990, p. 418).

Calvino, por muitos anos, foi pastor da Igreja de Genebra.


Sua prática pastoral não se resumia somente dentro das paredes
da Igreja, mas tinha uma dimensão diaconal, que ganhava as
ruas e influenciava toda a cidade. Ferreira (1990, p. 204) escre-
veu: “O que Calvino realmente fazia era formular o seu sistema
teológico, procurando torná-lo pertinente à sociedade cristã
que ali queria implantar”.
Para Calvino, a Igreja era chamada para viver a fé dentro da
realidade vigente, influenciando-a com o evangelho de Cristo.
Biéler escreve (1990, p. 224): “Convém aqui salientar que a
assistência social é, ao contrário, concebida da parte de Calvino
e da Reforma como função coletiva da igreja e da comunidade
civil. A coletividade calvinista pode, pois, permitir-se proibir a
mendicância e condená-la”.
Vale ressaltar que o trabalho diaconal da Igreja reformada

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

em Genebra não ficava no assistencialismo, mas tinha dimen-


são libertadora, pois propiciava condições necessárias para
que as pessoas não precisassem mendigar. Por exemplo: sob
a influência de Calvino, os filhos dos pacientes internados no
Hospital Geral recebiam instrução de um professor. Essa edu-
cação era estendida aos adultos enfermos a fim de reeducá-los
profissionalmente.
A atuação de Calvino ia muito além do pastoreio tradicional
dentro da igreja, pois ele exigia melhores salários aos trabalha-
dores, condenava o luxo em relação aos pobres, incentivava a
ajuda aos estrangeiros etc. Em 1549, ele criou o Fundo Francês
para ajudar os refugiados. Esse fundo era administrado pelos
diáconos da Igreja. Para Calvino, a Igreja, dentro da soberania
de Deus, tinha que cumprir o seu chamado na sociedade, in-
fluenciando a todos, ajudando a estabelecer os princípios bíbli-
cos e denunciando as injustiças.

CURIOSIDADE:
Calvino é o primeiro dos teólogos cristãos a
exonerar o empréstimo a juros do opróbrio
moral e teológico que a igreja fazia pesar
sobre o povo. Calvino defendia a limitação
da taxa de juros em Genebra, o que deses-
timulava aqueles que viviam dessa prática.

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Diaconia

JJ ANTES DE VIRAR A PÁGINA

Caro estudante, tratamos neste módulo da história da Igreja,


do papel da diaconia ao longo da história até a Reforma Protes-
tante. Vimos que a vocação diaconal sempre esteve presente
na Igreja, embora tenha havido períodos em que a instituição
sufocou essa vocação, transformando a diaconia numa troca
com Deus pela salvação. Vimos também que os reformadores
viviam de maneira simples e defendiam que a Igreja exercesse
sua vocação diaconal. Calvino defendia a presença da Igreja
entre os pobres, na luta por seus direitos. Com ele é resgatado
o ministério diaconal como parte integrante da missão da Igre-
ja, seguindo os passos de Jesus.
Entendo que, como Igreja Reformada e de tradição calvinis-
ta, precisamos urgentemente voltar os nossos olhos para Cal-
vino e sua atuação em Genebra, na perspectiva de uma prática
pastoral encarnada, sensível à dor e ao sofrimento humano,
que leve a Igreja a viver de maneira concreta o amor de Deus na
sociedade. Calvino foi mais que o pastor da Igreja, foi pastor da
cidade de Genebra, foi um diácono!

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

MÓDULO 3
Tema: Diaconia em perspectiva

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Diaconia

JJ PARA INÍCIO DE CONVERSA

Caro estudante, diante de tudo o que vimos até aqui, pre-


cisamos refletir sobre a atuação diaconal da Igreja nos dias de
hoje. Para isso, a diaconia não pode prescindir de uma profun-
da reflexão teológica que nos leve à pratica diaconal consciente.
Cumprir o chamado de Jesus é viver diaconalmente e isso re-
sulta numa igreja em que a diaconia é parte integrante de sua
espiritualidade e, consequentemente, da missão que a ela foi
confiada.
Convido você a essa reflexão sobre o agir da Igreja hoje,
sobre as dimensões da diaconia, a fim de construir uma Igreja
que na sua pratica reflita o amor de Deus às pessoas de forma
concreta.
Como sempre, ao final deste módulo, você será capaz de:
1. perceber a necessidade de refletir teologicamente sobre diaconia
hoje;
2. relacionar a diaconia como integrante da espiritualidade cristã;
3. compreender a diaconia na perspectiva da missão da igreja;
4. considerar as três dimensões da diaconia: prática, profética
e comunitária.
Vamos lá então.

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

JJ 1. A IMPORTÂNCIA DA REFLEXÃO TEOLÓGICA


PARA A DIACONIA

A Igreja de Jesus é chamada para assumir a sua condição


de serva, por isso a necessidade de reflexão teológica profunda
sobre seu agir no mundo. Diaconia é prática, mas necessita da
reflexão teológica para não se tornar superficial. Ela precisa ela-
borar, a partir de sua prática, a sua base teórica. É importante
dizer aqui da dicotomia entre teoria e prática. Diaconia é mais
fácil fazer do que falar sobre ela. Diaconia sempre será essen-
cialmente ação, por mais que se fale e reflita sobre ela. Sem
ação não há diaconia, mas não é toda ação que é diaconia. A
diaconia está relacionada com a fé cristã. Diaconia é obediên-
cia ao chamado de Deus; é a Igreja que não se cala diante das
injustiças que são cometidas contra a vida. Podemos dizer que
é uma teoria prática a serviço do Reino. É neste sentido que
utilizamos a palavra práxis, ou seja, a ação fundamentada e
norteada pela reflexão teórica.
Dentro da reflexão teológica sobre diaconia, precisamos res-
ponder algumas perguntas: O que fazer? Como fazer? Quem
deve fazer? São perguntas que devem ser respondidas me-
diante reflexão profunda, trazendo à luz a prática diaconal res-
ponsável e consciente, visando à transformação da realidade
das pessoas sofridas. A diaconia deve ser vista como um saber
científico e, como todo saber científico, depende de observa-
ções, análises e argumentos. Esse saber científico procura uma
terminologia consciente e adequada e manifesta-se em textos
científicos que possibilitam discussão mais ampla sobre o seu
conteúdo. A diaconia pode ser definida como intervenção cons-
ciente para transformar uma situação de sofrimento ou injusti-
ça. Toda intervenção precisa de métodos para ser eficaz. Méto-
do é uma palavra que vem do grego e significa: “caminho para
chegar a um fim”. Surgem então mais perguntas: A diaconia deve

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Diaconia

desenvolver seu próprio método? Ela não pode usar das meto-
dologias existentes da assistência social, da pedagogia social, da
enfermagem, da psicologia?
Nordstokke (2003) responde a pergunta acima com um
“não”. Para ele, deve haver relação entre identidade e método.
A identidade diaconal mostra o porquê e para que. A metodo-
logia diaconal ensina como fazer ou agir. Por isso, deve haver
sempre uma ligação entre identidade e método, senão corre-se
o risco de a identidade ser apenas um discurso bem elaborado,
mas sem concretude. Por isso, sempre há lugar para a reflexão
crítica, inclusive dos métodos, pois nem sempre o agir diaconal
da Igreja leva à transformação da realidade.
Na verdade, o que estamos afirmando sobre a necessidade
de se refletir teologicamente sobre diaconia e a importância de
um método refere-se ao fato de que a igreja deve cuidar para
que a prática não se torne assistencialismo acrítico que, em vez
de transformar, só perpetua uma situação, por melhor intenção
que se tenha. Infelizmente, esta é a situação de muitas ações
diaconais em nossos dias.

PARA PENSAR:
A entrega de cesta básica, prática comum
nas igrejas, embora necessária, transforma
a realidade das pessoas ou as mantém
dependentes dessa ajuda?

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

JJ 2. DIACONIA E ESPIRITUALIDADE

Sempre que se fala de espiritualidade pressupõe-se uma ex-


periência humana no campo religioso da fé. Quando se trata de
diaconia, a ênfase recai no serviço prestado ao próximo, sem
que isso esteja vinculado à espiritualidade. Esse tem sido o erro
da Igreja e o porquê de a diaconia ser considerada como um ato
secundário.
Espiritualidade e diaconia são eixos paralelos do mandamen-
to principal que move o cristianismo e que fundamenta sua es-
piritualidade: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo
como a ti mesmo”. Essas duas manifestações cristãs ocorrem
de forma interativa e interdependente. Isso significa dizer que
não há espiritualidade cristã se não for ao mesmo tempo diaco-
nal, e não há diaconia que não seja um sinal de espiritualidade
da Igreja. Tiago em sua carta escreveu: “Mas alguém poderá di-
zer: ‘Você tem fé, e eu tenho ações.’ E eu respondo: ‘Então me
mostre como é possível ter fé sem que ela seja acompanhada
de ações. Eu vou lhe mostrar a minha fé por meio das minhas
ações’” (Tg 2.18).
No texto bíblico acima, Tiago mostra que a espiritualidade
consciente é essencialmente diaconal, pois se manifesta em ges-
tos concretos. A fé tem que deixar marcas concretas na realidade
em que é manifestada. Espiritualidade cristã é vertical, pois está
ligada a Deus, mas se horizontaliza no abraço, no estender a mão,
no doar o pão e na presença solidária. O profeta Amós faz dura crí-
tica à espiritualidade vazia, sem sinais concretos de amor e justiça.
Assim ele escreveu: “O SENHOR diz ao seu povo: Eu odeio, eu de-
testo as suas festas religiosas; não tolero as suas reuniões solenes
[...]. Parem com o barulho das suas canções religiosas; não quero
mais ouvir a música de harpas. Em vez disso, quero que haja tanta
justiça como as águas de uma enchente e que a honestidade seja
como um rio que não para de correr” (Am 5.21-24).

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Diaconia


PARA PENSAR:
“A falta de pão na mesa do pobre pode ser a
denúncia da falta de espiritualidade no altar
dos cristãos” (Rev. Carlos Queiroz).

O mesmo autor citado acima, Carlos Queiroz, no “XI Congres-


so Nacional de Diaconia da IPIB” também afirmou: “a espiritu-
alidade é um ato de fazer desdobrar-se em amor ao próximo
a experiência transcendente, enquanto diaconia é a tarefa de
transformar num culto a Deus a ação sócio-política em favor da
vida”. Portanto, diaconia é parte integrante da espiritualidade
cristã, faz parte da missão da igreja.

JJ 3. DIACONIA E MISSÃO

A igreja sempre teve dificuldade para reconhecer a diaconia
como parte integrante da “missio Dei”. Vimos que no início era
uma prática normal, isto é, a diaconia fazia parte do jeito de ser
da greja como aprendizado da caminhada com Jesus. Com o
passar do tempo, isso foi se perdendo, seja por causa do valor
meritório das obras ou pelo entendimento de que a missão se
resume em fazer discípulos somente através do anúncio da
Palavra.
Ao longo da história, muitos cristãos, com suas vidas, mos-
traram a identidade diaconal da Igreja e tentaram conduzi-la na

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

perspectiva de que a diaconia fizesse parte da caminhada e da


missão da igreja. Lutero esperava que a prática das boas obras,
de forma desinteressada e voltada ao próximo, se manifestasse
quando a verdadeira fé fosse anunciada. Mas ele constatou que
a prática era maior quando se acreditava em obras meritórias,
ou seja, por interesse. Já, entre os reformados e pietistas, que
ensinam a teologia mais voltada para a ação, a prática da diaconia
encontra terreno mais fértil. Jürgen Moltmann ensina sobre o
“diaconato geral de todos os crentes”, ou seja, todos e todas
são chamados para servir. Ele se preocupa em ver a conexão de
salvação e bem-estar e, com isso, insere a diaconia no processo
de missão e de salvação. A salvação é para hoje e se completa
no depois. É para o ser humano todo!
Diante disso tudo, diaconia não pode ficar fora da missão da
Igreja, pois faz parte do DNA da Igreja, de sua espiritualidade
e vocação. Heinz Lorenz (2003, p. 285), ao citar Martin Ruhfus,
escreveu:

Comunidade diaconal surge onde o anúncio da


Palavra e a ação social se interpenetram, e onde a fé
e a realidade se encontram na vida da comunidade.
Isso significa que diaconia tem que ser vista e
vivenciada pela Igreja como parte integrante de
sua missão, assim como a pregação da Palavra.

Conforme Heinz (2003), para que a Igreja tenha convicção da


diaconia como missão, ela não pode ser ação isolada de uma
pessoa movida pelo amor cristão, mas ação pensada, refletida
e praticada por toda a comunidade. Diaconia se faz na Igreja e
através da Igreja em obediência ao chamado de Jesus. É a Igreja
enquanto povo de Deus que deve exercer a diaconia, manifes-
tando o amor e a solidariedade com aqueles que sofrem.

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Diaconia


CURIOSIDADE:
Desde o início da Igreja percebemos cinco eixos
fundamentais que caracterizavam seu agir
e que são interdependentes, formando um
todo. Se tirar um eixo, a Igreja terá dificulda-
des em cumprir a missão de Deus no mundo.
São eles: 1) martyria: pregação e testemunho;
2) koinonia: comunhão; 3) leiturgia: espirituali-
dade, adoração e celebração; 4) diakonia: serviço;
5) didaquê: ensino.

JJ 4. DIACONIA E SUAS DIMENSÕES

No agir diaconal encontramos três dimensões que cami-


nham juntas e são interligadas. Gaede Neto (2001) mostra que
estavam no ministério de Jesus. São elas: prática, profética e
comunitária.

4.1. DIMENSÃO PRÁTICA



A Igreja tem a tendência de espiritualizar suas ações, por
isso a primazia da pregação da Palavra em detrimento de gestos
concretos (diaconia). A Igreja, influenciada pela filosofia grega,
especialmente por Platão, sempre olhou para as pessoas como
um ser dividido: corpo e alma. A salvação é sempre vista como
algo futuro, por isso é vista também como individual, e o que
importa é levar as pessoas a essa reconciliação com Deus, ou
seja, a salvação da alma!
Se por um lado é verdade, por outro esta perspectiva negligencia

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

uma parte importante da salvação cristã: o corpo. A obra da


salvação só se completou com a ressurreição do corpo: “Jesus
ressuscitou!”. Por isso, a Igreja deve ver sempre na morte de
Jesus uma ação diaconal de entrega e doação.
Na cruz, Jesus se identifica com todos os pobres e margina-
lizados, com toda a humanidade. A encarnação mostra que o
corpo é importante, pois Deus se fez carne, habitou entre nós,
cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória. A Igreja,
assumindo o chamado de seu mestre Jesus, que foi um diácono
por excelência, deve se colocar como sinal concreto do amor de
Deus!
Lothar Hoch (2011, p. 24) escreve: “A teologia que tem Jesus
Cristo como fundamento precisa necessariamente ser prática,
pois ela resulta do seguimento da sua cruz”. É na cruz de Cristo
que vemos o quanto esse evangelho é encarnado e o quanto
temos que vivenciar uma fé em favor da vida. Em Jesus existe
uma ligação muito clara entre proclamação da Palavra e ação
libertadora, pois Jesus pregava e alimentava o povo.
Quando lemos Mateus 4.23: “Jesus andou por toda a Galileia,
ensinando nas sinagogas, anunciando a boa notícia do Reino e
curando as enfermidades e as doenças graves do povo”, vemos
que o ministério de Jesus não se limitava apenas à proclamação
e ao ensino, ou à salvação da alma, mas havia uma dimensão
prática e corporal, a prática diaconal.
Gustavo Gutierrez (1986) defende uma teologia que se torna
concreta na ação da Igreja, tratando dos seguintes temas: a)
compreensão holística do ser humano: o ser humano como
uma totalidade; b) compreensão da salvação: a salvação é tam-
bém uma realidade intra-histórica; c) a cosmovisão: combater
as injustiças sociais é visto como desafio para a fé, uma fé a ser-
viço da vida; d) a compreensão da encarnação: Jesus é a Palavra
que se fez carne; e) a compreensão da caridade (amor) a par-
tir de Mateus 25.31-46, que mostra o amor sendo manifestado

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Diaconia

com gestos concretos.


A Igreja deve buscar uma leitura diaconal da Bíblia e colocar
em prática, envolvendo-se na sociedade através de capelanias
(carcerária, hospitalar, estudantil etc), participando de associa-
ções de bairros, conselhos (tutelar, da criança e do adolescente,
segurança etc) e movimentos sociais, levando consolação e
solidariedade para as pessoas que sofrem, mostrando o amor
de Deus através de compromissos práticos em favor da vida,
conforme orientação de 1João 3.18: “Meus filhinhos, o nosso
amor não deve ser somente de palavras e de conversa. Deve
ser um amor verdadeiro, que se mostra por meio de ações”.

PARA PENSAR:
“A igreja só é igreja se ela existir para os outros”
(Dietrich Bonhoeffer)

4.2. DIMENSÃO PROFÉTICA

Em Provérbios 31.8 está escrito: “Fale a favor daqueles que


não podem se defender. Proteja os direitos de todos os desam-
parados”. A diaconia é prática, mas não pode deixar de ser pro-
fética, ou seja, condenar as injustiças e defender o direito à vida.
Adiel Tito de Figueiredo (1997, p. 180) escreveu: “Lamenta-
velmente a igreja [...] não tem dado atenção a esse ministério
glorioso. Muitas vezes, ela tem abafado e impedido a ação de

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Deus por causa de sua conivência com os poderosos, de seu


medo de agir e de sua inveja ou ciúmes”.
A Igreja não pode se calar diante das injustiças que são co-
metidas, seja na sociedade, na política, na religião, no meio am-
biente etc. A Igreja de Jesus deve ser a voz profética em favor
dos que não têm voz. Para isso, deve condenar o pecado huma-
no e social, fruto de estruturas injustas e corruptas que explo-
ram e matam as pessoas.
A mudança do ser humano e das estruturas injustas devem
caminhar juntas. A salvação não pode ser vista somente como
ação individual, mas também coletiva. A salvação é pessoal,
mas se manifesta no corpo e na sociedade. Conversão é mu-
dança do eu para o nós! É transformação do indivíduo em pes-
soa. O indivíduo é egoísta, individualista e preso a sua própria
vontade e desejos. A pessoa é o ser liberto de si mesmo para
uma vida de entrega e obediência, que se realiza na comunhão
e na experiência do amor com Deus e com o próximo. Por isso,
a Igreja se coloca em favor daqueles que estão excluídos, sem
voz nem vez!
Portanto, a Igreja diaconal é aquela que vive a espiritualida-
de integral, promovendo a vida em meio à morte e seus sinais.
Deus criou a vida, criou o homem e a mulher à sua imagem
e semelhança. Qualquer desrespeito à vida deve ser profetica-
mente denunciado pela Igreja. A Igreja que se cala torna-se co-
nivente com as injustiças e com o pecado.

4.3. DIMENSÃO COMUNITÁRIA

Diaconia não é somente a vocação de algumas pessoas que


foram eleitas ou escolhidas numa comunidade de fé. Em Atos
6 vemos que a Igreja vivia diaconalmente, mas tinha suas de-
ficiências. A escolha dos sete diáconos foi para organizar a
prática diaconal e não para inserir a comunidade nesta prática.

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Diaconia

Gaede Neto, citado por Nordstokke (2001, p. 27), afirma: “Não


se pode imaginar uma prática diaconal que não seja enraizada na
vivência comunitária”. Para Boff (1984), é na comunidade que
se exercita a ligação entre a fé e a vida, entre o evangelho e a
libertação.
Portanto, é na Igreja e através da Igreja que a diaconia deve
ser exercida, tornando-a relevante onde está inserida. O cha-
mado é para a Igreja. Os dons e os ministérios são dados para
a comunidade. Não podemos relegar essa tarefa apenas a
algumas pessoas, mas toda a comunidade é chamada para ser-
vir. Portanto, a Igreja deve ser diaconal, seguindo os passos de
Jesus.

PARA PENSAR:
Certa vez um grupo de cristãos na Índia
foi falar com Mahatma Ghandi na tentativa
de convertê-lo ao cristianismo. Diante da
opressão britânica ao povo indiano e a
legitimação dessa situação pelo cristianismo
inglês, ouviram de Ghandi o seguinte: “Res-
peito e admiro o seu Cristo, mas abomino o
cristianismo de vocês, porque vocês estão
longe de ser o que seu mestre foi”.

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JJ PREZADO ESTUDANTE

Após o estudo desta disciplina, meu desejo é que você, na


vida e no exercício do seu ministério, seja diácono ou diaconisa,
independente de ser ordenado ou não para isto. Ser diácono ou
diaconisa, em primeiro lugar, está na essência do cristão.
O meu desejo é que você sirva a Deus e às pessoas. Vivemos
dias em que a Igreja quer ser servida. Muitos que se dizem pas-
tores e pastoras conduzem a Igreja somente a partir dos púlpi-
tos e de seus gabinetes, não se misturam com o povo. Muitos
se autodenominam cristãos, mas não exercem a diaconia. Que
não seja assim com você. Que você conduza a Igreja ao exercício
da diaconia e que elase torne relevante na sociedade, seguindo
os passos de Jesus, o diácono por excelência.

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Diaconia

JJ BIBLIOGRAFIA

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