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106 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 30, 2012

INDIGNIDADE, DESERDAÇÃO
E SEUS EFEITOS

Ceres Linck dos Santos

Introdução xada pelo falecido. A doutrina costu-


ma denominar esse atributo de capa-
A base do direito sucessório é cidade sucessória. Importante deixar
a transmissão imediata da herança claro que, quando nos referimos à ca-
do falecido aos herdeiros legítimos pacidade sucessória, estamos falan-
e testamentários, como se extrai do de legitimidade, como abordado
expressamente da dicção do no Código Civil em seus arts. 1.787,
art.1.784 do Código Civil, in verbis: 1.798 e 1.802.
“Art.1.784. Aberta a sucessão, a Essa qualidade não se confunde
herança transmite-se, desde logo, aos com a capacidade civil. Há casos em
herdeiros e testamentários”. que o sujeito pode ser incapaz civil-
Trata-se da consumação do princí- mente de exercer atos da vida civil;
pio da Saisine. Todavia, tal transmis- entretanto, pode ter capacidade suces-
são está condicionada à legitimação sória, como o recém-nascido. O caso
sucessória. Assim, é necessário que o emblemático referido por Pontes de
herdeiro, além de ser vocacionado à Miranda é o do pai que falece no leito
herança, seja legítimo e não excluído após relações sexuais1. Uma vez con-
da sucessão, ou melhor, que possua cebido, terá capacidade sucessória sem
qualidade de suceder na herança dei- ter nascido e sem ter capacidade civil.

1 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Parte


Especial. Tomo LVIII. Direito das sucessões: Sucessão testamentária. Disposições tes-
tamentárias em geral. Formas ordinárias do testamento. Atualizado por Vilson Rodri-
gues Alves. Campinas: Bookseller, 2009, p. 26.
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A capacidade para suceder diz O presente artigo destina-se


respeito à qualidade para herdar do a debater tais institutos, bastante
sucessível. Diz Salomão de Araújo confundidos até pouco tempo. Essa
Cateb que “o incapaz não recebe confusão deriva da finalidade dos
herança alguma, a ele não é deferido institutos: ambos visam afastar
o direito sucessório”. da herança aquelas pessoas que
A capacidade sucessória deve praticaram atos reprováveis em
ser aferida ao tempo da abertura da relação ao autor da herança. Contudo,
sucessão, que se regulará conforme a a indignidade é uma pena cominada
lei em vigor, como dita o art.1.787 do pela própria lei, nas hipóteses por ela
Código Civil: “Regula a sucessão e a elencadas. Já a deserdação é a pena
legitimação para suceder a lei vigente imputada pela vontade exclusiva do
ao tempo da abertura daquela”. autor da herança. Quanto às pessoas
Essa delimitação temporal é de sujeitas, na indignidade, podem ser
suma importância, pois significa que declarados indignos qualquer herdeiro
a lei vigente ao tempo do falecimento legítimo, bem como o legatário; na
é a que fixa a legitimação do herdeiro, deserdação, só pode ser deserdado
de sorte que nenhuma alteração herdeiro necessário.
legislativa, anterior ou posterior Este artigo também propõe
ao óbito, poderá alterar o poder analisar as causas, trazer algumas
aquisitivo dos herdeiros. Em suma, a situações instigantes, como o
legitimidade deverá ser verificada ao suicídio assistido, analisar legislações
tempo do falecimento. alienígenas e analisar os efeitos,
Essas noções preliminares são tanto na dogmática brasileira como
necessárias para a análise dos institutos os meios processuais viáveis para o
da indignidade e da deserdação afastamento do direito à herança pelo
que pressupõem a legitimidade do herdeiro.
herdeiro. O herdeiro, por força de lei
ou da vontade do testador, poderá ser
excluído da sucessão. Portanto, ele PARTE I – Indignidade e
tem legitimidade e chega a receber a deserdação
herança, por força da transmissão do
art. 1.784 do Código Civil, regra esta A) Conceitos
peremptória no ordenamento pátrio.
Contudo, repise-se, os institutos da (i) Indignidade
indignidade e deserdação estabelecem Trata-se de uma pena civil que
que os indigitados percam a parcela priva o herdeiro ou o legatário do
que lhes foi destinada por lei. direito de aquisição por herança. O
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herdeiro ou o legatário que comete de ataque à vida deles, como justifica


alguma falta grave contra o autor da Washington de Barros Monteiro3.
herança e seus familiares é excluído O fundamento da indignidade é
da sucessão, ou seja, perde o direito ético, pois a ordem jurídica e a mo-
de receber o quinhão ou o legado, ral repudiam a viabilidade de alguém
uma vez tendo se tornado indigno de auferir vantagem patrimonial daquele
tal beneficiamento. a quem ofendeu. Afirma Washington
Importante ressaltar que o legis- de Barros Monteiro4 que “inspira-
lador previu essa penalidade não só -se o instituto da indignidade num
para faltas graves cometidas contra princípio de ordem pública, porque à
o autor da herança, mas estendeu-a consciência social repugna, sem dúvi-
àqueles atos praticados em relação a da, que uma pessoa suceda a outra,
seus familiares, ampliação essa con- depois de haver cometido contra estes
templada pelo Código Civil de 2002, atos lesivos de certa gravidade”.
ao estender a calúnia ou crimes con- As causas de exclusão da sucessão
tra honra ao seu cônjuge ou compa- por indignidade estão arroladas no
nheiro, como veremos adiante. Urge
art.1.814 do Código Civil e constituem
destacar, preliminarmente, a valori-
um rol taxativo, inadmitindo-se
zação da família, reconhecida tanto
interpretação extensiva ou aplicação
no seu espectro coletivo, como base
analógica, pois são uma penalidade,
da sociedade, como no seu espectro
sendo aplicável o brocardo nulla
restrito2, com base no texto constitu-
poena sine lege. Diz o artigo:
cional do art. 226. Tal inovação legis-
lativa decorre do reconhecimento da
Art.1.814. São excluídos da sucessão
existência de um sentimento íntimo os herdeiros ou legatários:
que uma pessoa nutre em relação a I – que houverem sido autores, co-
determinados familiares, de modo a autores ou partícipes de homicídio
ela própria sentir-se atingida em caso doloso, ou tentativa deste, contra a

2 Diz Arx Tourno, parafraseado por Alexandre de Moraes (Direito constitucional). 20ª
ed. São Paulo Atlas, 2006. p. 780: “Na acepção restrita, família abrande os pais e os
filhos, um dos pais e os filhos, o homem e a mulher em união estável, ou apenas ir-
mãos.... É na acepção strictu sensu que mais se utiliza o termo família, principalmente
do ângulo do jus positum...”.
3 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, V. 6: direito das suces-
sões. 37ª ed., atualização de Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. Ed. São
Paulo: Saraiva, 2009, p. 65.
4 Op. Cit., p. 63.
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pessoa de cuja sucessão se tratar, seu homicídio doloso ou atentado deve


cônjuge, companheiro, ascendente ou ser devidamente comprovado. Meras
descendente; suspeitas não ensejam a indignidade.
II – que houverem acusado caluniosa- A prova de ato contra a vida pode ser
mente em juízo o autor da herança ou
produzida no juízo cível; porém, sus-
incorrerem em crime contra a sua hon-
ra, ou de seu cônjuge ou companheiro; tenta Maria Helena Diniz5 que haven-
do absolvição na esfera penal, pelo
III – que, por violência ou meios
fraudulentos, inibirem ou obstarem o reconhecimento de uma excludente
autor da herança de dispor livremente de criminalidade, superada estaria
de seus bens por ato de última a questão na esfera civil. Isso signi-
vontade. ficaria uma exceção ao princípio da
independência das responsabilidades,
O inciso I tutela os casos de aten- estatuída no art. 935 do Código Civil6.
tados contra a vida do autor da he- Assim, uma vez absolvido, o herdeiro
rança. A norma deixa claro que tal ou legatário não seria declarado in-
ato exige o elemento doloso, de for- digno no juízo cível. Mas nem todos
ma que essa pena de exclusão não se julgados da esfera criminal afastam
aplica aos casos de homicídio culposo a declaração de indignidade no juízo
por negligência, imprudência ou im- cível: não terá reflexo na indignidade
perícia, de error in persona, de aber- a extinção da pena por prescrição ou
raio ictus, de legítima defesa, estado indulto evidentemente.
de necessidade, exercício regular de Destaque-se que o indigno não
um direito, loucura ou embriaguez. precisa ser autor exclusivo do crime.
Isso porque o ato não é voluntário ou Sua coautoria também é mote para a
o autor do ato é inimputável, ou seja, penalidade civil. Na verdade, a forma
não tinha a consciência. de participação no crime ou na sua
A indignidade por ato contra a tentativa é suficiente para afastá-lo da
vida prescinde de sentença penal sucessão, como leciona Washington
condenatória. Contudo, o delito do de Barros Monteiro7.

5 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil brasileiro. V. 6.: direito


das sucessões. 24. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 52.
6 Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo ques-
tionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas
questões se acharem decididas no juízo criminal.
7 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil brasileiro. V. 6.: direito
das sucessões. 24. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 64.
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Alta indagação advém se a insti- obrigando-os a ajuizarem habeas cor-


gação ao suicídio deve ser comparada pus preventivos para responderem as
ao homicídio, para efeito de indigni- ações penais em liberdade. Se na es-
dade. Temos que a resposta é afirma- fera penal tais têm sido os desdobra-
tiva, caso houver indícios da instiga- mentos, não poderemos, logo mais,
ção dolosa, visando o beneficiamento fugir do questionamento dos efeitos
patrimonial do assediador. Tal prova patrimoniais de tal prática, ficando
poderia ser até considerada diabóli- aqui como ponto de reflexão.
ca, mas de inegável necessidade, em Segunda hipótese de indignidade
face da gravidade da penalidade a ser versada no inciso II do art. 1.814
aplicada. do Código Civil é o de acusação
Ainda na mesma análise do inciso
caluniosa ou prática de crime contra a
I, não tardará discutirmos o suicídio
honra do falecido, de seu cônjuge ou
assistido como causa de indignida-
companheiro.
de. No Brasil, a matéria não tem sido
As definições desses atos causa-
enfrentada, como o têm diversas le-
dores de indignidade são previstos
gislações ocidentais. Na Inglaterra, o
suicídio assistido é proibido, o que fez pelo Código Penal. Os crimes con-
com que diversas pessoas migrassem tra a honra estão normatizados nos
para a Suíça, onde é tolerado, nos se- arts.138 a 140 e consistem na calúnia,
guintes termos do art.115 do Código difamação e injúria, a saber:
Penal: “Celui qui, poussé par un mobi-
le égoïste, aura incité une personne au Calúnia
Art. 138 – Caluniar alguém, imputan-
suicide, ou lui aura prêté assistance en
do-lhe falsamente fato definido como
vue du suicide, sera, si le suicide a été crime:
consommé ou tenté, puni d’une peine § 1º – Na mesma pena incorre quem,
privative de liberté de cinq ans au plus sabendo falsa a imputação, a propala
ou d’une peine pécuniaire”. A Suíça ou divulga.
possui poucas clínicas que permitem § 2º – É punível a calúnia contra os
o suicídio assistido. O que temos visto mortos.
na imprensa internacional é que pes- Difamação
soas de países próximos deslocam-se Art. 139 – Difamar alguém, imputan-
para o território helvético para poder do-lhe fato ofensivo à sua reputação.
praticar o suicídio, em caso de enfer- Injúria
midades graves ou estados terminais. Art. 140 – Injuriar alguém, ofenden-
Como consequência, tem-se visto do-lhe a dignidade ou o decoro.
também diversos parentes que acom-
panharam os enfermos serem presos Veja que a lei penal prevê no §2º.
ao retornar aos seus países de origem, do art. 138 como crime a calúnia con-
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tra os mortos. Conjugando-se essa Terceira e última causa de indig-


previsão penal com a penalidade civil nidade é a prática de atos de violência
da indignidade, reforça-se a valoriza- ou de fraude que inibam ou obstem o
ção do elemento ético e moral da pes- autor da herança de dispor livremente
soa, que deve ser preservado não só de seus bens por testamento. É o caso
em vida como após seu óbito. do inciso III do art.1.814 do Código
Maria Helena Diniz, parafra- Civil. O intento da norma é prote-
seando Orlando Gomes, diz que ger a liberdade do testador. Há uma
a expressão crime contra a honra plêiade de atos que podem atingir o
ânimo livre e voluntário do testador,
abrange as ofensas contra a memória
como a coação, corrupção, alteração,
do morto. Washington de Barros
falsificação, inutilização, ocultação,
Monteiro8 esclarece que as ofensas
impedimento etc10. São as hipóteses,
passíveis de gerar a pena da indig-
por exemplo, do legatário que oculta
nidade têm, necessariamente, de ser testamento cerrado ou particular, que
articuladas no juízo criminal, me- impede de revogar ou modificar testa-
diante queixa, que se revele falsa e mento anterior. Apesar de tais atos não
dolosa. Assim, as ofensas veiculadas constituírem delitos penais, sua ocor-
em ação cível (separação judicial, rência, uma vez provada, tem o condão
reclamatória trabalhista etc) não de gerar a declaração de indignidade.
acarretariam indignidade. O Código Civil ressalva em seu
Quanto à necessidade de conde- art.1.818 que não haverá punição caso
nação ou não do ofensor, divergem o legatário corrija seus atos antes da
Carlos Maximiliano e Washington de produção dos efeitos:
Barros Monteiro. Para o primeiro, des-
picienda é a condenação do herdeiro Art. 1.818. Aquele que incorreu em
atos que determinem a exclusão da
ou legatário para sua exclusão. Já para
herança será admitido a suceder, se
o segundo, a prática de crimes contra o ofendido o tiver expressamente
a honra só será configurada se houver reabilitado em testamento, ou em
prévia condenação no juízo criminal9. outro ato autêntico.

8 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil brasileiro. V. 6.: direito


das sucessões. 24. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 65.
9 Idem, p. 66.
10 Com clareza, elenca Washington de Barros Monteiro (2010, p. 66): “Na doutrina,
são estes os casos geralmente apontados: a) o herdeiro constrange o de cujus a testar;
b) ou então impede-o de revogar testamento anterior; c) suprime testamento cerrado ou
particular dele; d) urde ou elabora um testamento falso; e) cientemente, pretende fazer
uso de testamento contrafeito”.
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Maria Helena Diniz justifica o (ii) Deserdação


intuito da lei e frisa a irreversibilidade A deserdação é uma cláusula tes-
do perdão11: tamentária na qual o testador exclui
um ou mais herdeiros necessários
Ninguém melhor do que este [o do recebimento de sua legítima, de-
ofendido] para avaliar o grau de clinando, para tanto, a causa legal. É
ofensa. O direito de perdoar é
uma pena civil, como a indignidade;
privativo e formal; tem o condão de
revogar os efeitos da indignidade entretanto, provém da vontade exclu-
e de admitir o ofensor à herança, siva do autor da herança. É a única
reabilitando-o. Para tanto, a lei impõe forma que tem o testador de afastar
ao ofendido a declaração expressa em os herdeiros necessários da sua suces-
testamento ou ato autêntico, como são. Diz o art. 1.961 do Código Civil:
a escritura pública, de que, apesar “Os herdeiros necessários podem ser
da ofensa recebida, o ofensor deve
privados de sua legítima, ou deserda-
ser chamado a gozar os benefícios
da sucessão. Uma vez concedido o dos, em todos os casos em que podem
perdão, este será irretratável, não ser excluídos da sucessão”. Conse-
mais se reconhecendo aos coerdeiros quentemente, não há deserdação das
legitimação para reabrir o debate. demais categorias de herdeiros legíti-
mos, como os colaterais. Estes, apesar
O parágrafo único do art.1.818 de legítimos, não são herdeiros neces-
do Código Civil tutela a reabilitação sários. Para afastá-los da sucessão,
tácita, ou seja, o ofendido, sabendo da pode o testador simplesmente dispor
ofensa, contempla o indigno com um a universalidade de seus bens, como
legado, demonstrando que não quer a permite o art. 1.850 do Código Civil:
sua punição. Eis o teor da norma: “Para excluir da sucessão os herdeiros
colaterais, basta que o testador dispo-
Parágrafo único. Não havendo nha de seu patrimônio sem os con-
reabilitação expressa, o indigno, templar”. Nesse caso, é dispensável
contemplado em testamento do
fazer qualquer justificativa.
ofendido, quando o testador, ao testar,
já conhecia a causa da indignidade, Se as causas de indignidade
pode suceder no limite da disposição visam o resguardo da ordem social12,
testamentária. porque as causas de indignidade têm

11 Idem, p. 60.
12 Diverge Pontes de Miranda. Idem, p. 29: “A indignidade – que exclui os herdeiros e
faz caducos os legados – não se funda em razão de ordem pública, mas em presunção
da vontade do herdeiro. Por conseguinte, o testador pode obviar aos efeitos excludentes
da lei, opor-se a eles, e a indignidade deixa de surtir efeitos”.
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uma conotação criminal acentuada, ação inversa, criando situações díspa-


a deserdação vai além13, pois abarca res, criticadas pela doutrina17. Dizem
aquelas e outras tantas que devem tais normas:
ser avaliadas pelo testador, medindo
a intensidade de sua decepção, a Art. 1.962. Além das causas
graveza de seu desgosto14. mencionadas no art. 1.814, autorizam
a deserdação dos descendentes por
A partir do Código Civil de 2002,
seus ascendentes:
além dos descendentes e ascendentes, I – ofensa física;
o cônjuge passou a integrar o rol de II – injúria grave;
herdeiros necessários15, em determi- III – relações ilícitas com a madrasta
nados regimes de bens16. Portanto, ou com o padrasto;
podem ser deserdados. IV – desamparo do ascendente em alie-
nação mental ou grave enfermidade.
O testador deverá amparar a de-
serdação em uma das causas previstas Art. 1.963. Além das causas
em lei. Podem ser tanto aquelas idên- enumeradas no art. 1.814, autorizam
ticas às de indignidade como as novas a deserdação dos ascendentes pelos
elencadas pelos art.1.962 e 1.963 do descendentes:
Código Civil. Ao analisar as hipóteses I – ofensa física;
II – injúria grave;
ensejadoras, vemos que o art.1.962
III – relações ilícitas com a mulher
trata das causas em que os ascenden- ou companheira do filho ou a do neto,
tes podem deserdar os descendentes, ou com o marido ou companheiro da
ao passo que o art.1.963 trata da situ- filha ou o da neta;

13 VELOSO, Zeno. Comentários ao Código Civil: parte especial: direito das suces-
sões. V. 21 (arts. 1.857 a 2.027). AZEVEDO, Antônio Junqueira de (coord.). São Pau-
lo: Saraiva, 2003, p. 310.
14 Ibidem, p. 311.
15 Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
16 Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado
este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória
de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da
herança não houver deixado bens particulares.
17 Critica Washington de Barros Monteiro (2010, p. 243: “[...] o legislador deu in-
justificado tratamento diferente conforme os deserdados seja os ascendentes ou os
descendentes: os primeiros podem ser deserdados se mantiverem relações ilícitas com
o cônjuge ou companheiro do filho ou neto, indo, portanto, até o segundo grau na linha
de descendente; os segundos, só com o cônjuge do ascendente, excluído, assim, o com-
panheiro do ascendente, e limitando-se ao primeiro grau, pois só se refere ao padrasto
ou madrasta”.
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IV – desamparo do filho ou neto com júria pode ser a palavra, por meio da
deficiência mental ou grave enfermi- expressão verbal, oral ou por escrito
dade.
(telegrama, cartas, bilhetes etc), bem
como atos (gestos obscenos, condutas
Vejamos de forma pormenorizada desonrosas), como elenca Zeno Velo-
tais causas.
so21, acrescentando que “sem dúvida, o
A ofensa física não carece gravi-
comportamento insultoso, as atitudes
dade, resquício, corpo de delito ou dor.
afrontosas e ultrajantes de um filho
Basta qualquer forma de agressão,
podem injuriar mais gravemente o pai,
justificando Sílvio de Salvo Venosa
maltratá-lo de forma mais intensa e
que o cerne é o desrespeito18. Não há
profunda, do que palavras ofensivas”.
necessidade de condenação penal. O
Nelson Hungria, parafraseado por
que é levado em consideração é o mau
Zeno Veloso, define injúria:
tratamento corporal. Há necessidade
de contato físico. Ameaças, intimi- é a manifestação, por qualquer meio,
dações, promessa de agressão futura, de um conceito ou pensamento
que amedrontem ou assustem a vítima que importe ultraje, menoscabo
não são causas de ofensa física; são ou vilipêndio contra alguém. O
tipificadas como injúria grave, causa bem jurídico lesado pela injúria é,
do inciso II19. Ressalva Sílvio de Sal- prevalentemente, a chamada honra
vo Venosa que “a exemplo do direito subjetiva, isto é, o sentimento da
própria honrabilidade. Se na calúnia
penal, pode ser deserdado o herdeiro
ou na difamação o agente visa,
que foi o autor intelectual da agressão principalmente, ao descrédito moral
praticada por outrem”20. do ofendido perante o terceiro, na
Segunda causa é a injúria grave. injúria seu objetivo primacial é feri-
Aqui, ao contrário da agressão físi- lo no seu brio ou pudor22.
ca, a lei exige um grau de gravidade
para a aplicação da pena de deserda- Zeno Veloso grifa que o conceito
ção. A forma de exteriorização da in- civil é mais amplo que o penal23.

18 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. V.7. 5ª ed. São Paulo:
Atlas, 2005, p. 327.
19 Nesse sentido, VELOSO, Zeno. Idem, p. 330.
20 Idem, 241.
21 Idem, p. 330-331.
22 Idem, p. 331.
23 Idem, p. 331.
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 30, 2012 115

Sílvio de Salvo Venosa leciona tende que, não estando previsto na lei,
que é necessário examinar determina- não se poderia estender a penalidade25.
das condições: Contudo, a ideia destacada por Sílvio
de Salvo Venosa fez-nos crer que o in-
Simples desentendimentos não cons- tuito da lei é repugnar relações sexu-
tituem injúria grave. Importa exami- ais que desequilibrem o lar e abalam a
nar o ânimo de injuriar, juntamente vítima26, razão pela qual cremos que,
com as circunstâncias gerais que en-
volveram a conduta, tais como nível
peculiarmente nesse caso, possa haver
social e cultural dos envolvidos; situ- tal abrangência em relação a compa-
ação em que ocorreu o evento; pro- nheiros dos ascendentes.
vocação da vítima etc. [...] O âmbito Quarta e derradeira causa prevista
aqui deve ser visto de forma mais é o desamparo do testador em estado
ampla. Pode a injúria exteriorizar-se de alienação mental ou grave enfer-
pela palavra escrita, falada ou por
midade. O art.1.962, inc. IV, do Có-
gestos. A gravidade ficará jungida ao
exame da prova e às condições de que digo Civil, prevendo o desamparo do
falamos. A injúria deve ser contra a ascendente, fala em alienação mental.
pessoa do testador e não contra ter- Já o art.1.963, inc. IV, do mesmo Co-
ceira pessoa, ainda que muito querida dex, fala em desamparo do filho ou
por ele. A interpretação de norma pu- neto com deficiência mental ou gra-
nitiva não pode ser extensiva24. ve enfermidade. Prega Washignton
de Barros Monteiro que as expres-
Terceira causa são as relações ilíci- sões alienação e deficiência mental
tas com a madrasta ou com o padras- se equivalem, cabendo à medicina
to, no caso de sucessão descendente, definir em que consistem tais esta-
e relações ilícitas com a mulher ou dos mentais patológicos27. Importa-
companheira do filho ou a do neto, -nos saber que o desamparo previsto
ou com o marido ou companheiro da nas normas é de ordem econômica,
filha ou da neta, no caso de sucessão ou seja, o parente tinha condições de
ascendente. Causa assaz estranheza aportar recursos para prover o doente
que, na primeira, não há previsão de e não o fez deliberadamente. Contu-
relações ilícitas com o companhei- do, Sílvio de Salvo Venosa entende
ro ou companheira do ascendente. que “não se descarta o desamparo
Washington de Barros Monteiro en- moral e intelectual, da dicção legal”28.

24 Idem, p. 327.
25 Idem, p. 242.
26 Idem, p. 328.
27 Idem, 242.
28 Idem, p. 329.
116 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 30, 2012

Incurso o deserdado em alguma de aniversário em (dia/mês/ano),


dessas causas, o testador deverá des- que ocorreu em sua residência,
crever a situação, como determina o localizada na rua ..., na cidade de
******, contando, ainda, o evento
art. 1.964 do Código Civil: “Somen- com a presença de vários familiares e
te com expressa declaração de causa amigos que a tudo presenciaram, que
pode a deserdação ser ordenada em poderá ser provado, incidindo, assim,
testamento”. No caso de desamparo, na deserdação editada no Código
por exemplo, o testador deverá des- Civil, inciso II – injúria grave. Assim,
crever a enfermidade e a forma do quer e determina que seu herdeiro
necessário, ou seja, seu filho PEDRO
desamparo. As mesmas justificativas CARLOS, seja privado da herança,
são necessárias declinar na ocorrên- em sua totalidade, acrescentando o
cia dos outros motes de deserdação. seu quinhão ao dos outros herdeiros
Não são necessários detalhamentos; necessário29.
contudo, inegável que facilitariam o
processo de prova pelo herdeiro ou Acerca dessa redação exemplifi-
pelo interessado na ação judicial pró- cativa, cumpre destacar que, se a de-
pria, razão pela qual são aconselhá- serdação for feita em termos amplos,
veis. Elza de Faria Rodrigues, tabeliã a presunção é a de que atinge também
de notas de Osasco, São Paulo, traz a parte disponível. “No silêncio da
exemplo de cláusula testamentária vontade do disponente, a vocação é
com descrição da situação: da ordem legítima, em toda a heran-
ça”, como leciona Sílvio de Salvo
Nos termos do art. 1.964 do Código Venosa30. Portanto, tanto o objeto da
Civil, a testadora impõe a seu deserdação será a universalidade da
filho PEDRO CARLOS, a pena de
herança como o destino dos bens que
deserdação em virtude dele haver
ofendido moralmente a testadora, caberiam ao deserdado será a apli-
proferindo em tom alto, ou seja, cação conforme a ordem da vocação
gritando por cerca de dez minutos, hereditária, salvo determinação con-
palavras impróprias, rudes, obscenas, trária em testamento. Zeno Veloso
agressivas, imorais e ofensivas, hasteia a possibilidade de a deserda-
gerando toda sorte de humilhação,
ção ser parcial, ao contrário de tantos
angústia e transtornos, que causaram
graves perturbações de saúde, outros juristas brasileiros. Sustenta
inclusive distúrbios psíquicos. O ele tal ideia na ausência de proibição
terrível fato se passou em sua festa legal em nosso ordenamento e na pos-

29 Testamentos: teoria e prática. Belo Horizonte: Del Rey, 2011. p. 249.


30 Idem, p. 332.
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 30, 2012 117

sibilidade praticada em outros países, tuguês, Belga e Francês exigem a pré-


como Chile, Bolívia e Alemanha, este via condenação criminal do herdeiro
último por construção doutrinária. ou do legatário. O Direito Português
Ainda quanto aos cuidados com alia diretamente a indignidade à inca-
a redação, a disposição deve ser pacidade, conforme art. 2.034 do seu
explícita, direta, clara e induvidosa, Código Civil:
não podendo subordinar-se a
deserdação a termo ou condição, ou Art. 2.034. Incapacidade por
seja, a evento futuro e incerto, a teor indignidade.
Carecem de capacidade sucessória,
do art. 121 do Código Civil31. por motivo de indignidade:
A deserdação pode ser instituída 1. O condenado como autor ou cúm-
em qualquer forma de testamento, in- plice de homicídio doloso, ainda que
clusive as especiais32, uma vez inexis- não consumado, contra autor da
tente qualquer restrição legal. sucessão ou contra seu cônjuge, des-
cendente, ascendente, adotante ou
A maciça doutrinada tende a
adotado;
aplicar o perdão, previsto no art. 1.818 2. O condenado por denúncia calu-
do CC para os casos de indignidade, niosa ou falso testemunho contra as
para o instituto da deserdação33. O mesmas pessoas, relativamente a cri-
perdão extinguiria a deserdação, o me a que corresponda pena de prisão
superior a dois anos, qualquer que
que pode ser feito com a revogação
seja a natureza;
do testamento ou elaboração de novo 3. O que por meio de dolo ou coação
sem a repetição da deserdação. induziu o autor da sucessão a fazer,
revogar, ou modificar o testamento,
ou disso o impediu;
4. O que dolosamente subtraiu, ocul-
B) Previsão no Direito
tou, inutilizou, falsificou ou suprimiu
Comparado o testamento, antes ou depois da mor-
te do autor da sucessão, ou se apro-
(i) Indignidade veitou de alguns desses factos.
O instituto da indignidade como
pena civil tem previsão em diversos Art. 2.035. Momento da condenação
do crime.
ordenamentos jurídicos. 1. A condenação a que se referem as
No caso da indignidade por práti- alíneas a) e b) do artigo anterior pode
ca de atos contra a vida, o Direito Por- ser posterior a abertura da sucessão,

31 Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vonta-


de das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.
32 Neste sentido, Zeno Veloso. Idem, p. 337.
33 Neste sentido, Sílvio de Salvo Venosa. Idem, p. 322. Zeno Veloso. Idem, p. 326.
118 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 30, 2012

mas só o crime anterior releva para juicio por haber atentado con-
o efeito. tra la vida del testador, de su cón-
2. Estando dependente de condição yuge, descendientes o ascendientes.
suspensiva instituição de herdeiro Si el ofensor fuere heredero forzoso,
ou a nomeação de legatário, é perderá su derecho a la legítima.
relevante o crime cometido até a 3. El que hubiese acusado al testador
verificação de legatário, é relevante o de delito al que la ley señale pena
crime cometido até a verificação da no inferior a la de presidio o prisión
condição. mayor, cuando la acusación sea
declarada calumniosa.
Art. 2.036. Declaração de indignidade. 4. El heredero mayor de edad que,
A ação destinada a obter a declaração sabedor de la muerte violenta del
de indignidade pode ser intentada testador, no la hubiese denunciado
dentro do prazo de dois anos a contar, dentro de un mes a la justicia, cuando
quer da condenação pelos crimes que ésta no hubiera procedido ya de oficio.
a determinam, quer do conhecimento Cesará esta prohibición en los casos
das causas de indignidade previstas en que, según la ley, no hay la
nas alíneas c) e d) do artigo 2.034. obligación de acusar.
5. El que, con amenaza, fraude o vio-
Art. 2.037. Efeitos da indignidade. lencia, obligare al testador a hacer
1. Declarada a indignidade, a devolu- testamento o a cambiarlo.
ção da sucessão ao indigno é havida 6. El que por iguales medios impidiere
como inexistente, sendo ele conside- a otro hacer testamento, o revocar
rado, parta todos os efeitos, possui- el que tuviese hecho, o suplantare,
dor de má-fé dos respectivos bens. ocultare o alterare otro posterior.
2. Na sucessão legal, a capacidade 7. Tratándose de la sucesión de
do indigno não prejudica o direito de una persona con discapacidad, las
representação. personas con derecho a la herencia
que no le hubieren prestado las
atenciones debidas, entendiendo por
O Código Civil Espanhol também
tales las reguladas en los artículos
tutela a indignidade. Contemplava, 142 y 146 del Código Civil.
inicialmente, seis hipóteses no art.
756. Em 18 de novembro de 2003, (ii) Deserdação
foi acrescentado o §7º. pelo art. 10 Discorrendo acerca da “in/justiça”
da Lei n. 41/2003 para incluir a do instituto da deserdação, Zeno
proteção de ativos de pessoas com Veloso registra que em alguns países,
deficiência, senão vejamos: não há que se falar em deserdação,
porque a liberdade de dispor de seus
Son incapaces de suceder por causa
bens por testamento é ilimitada,
de indignidad:
1. Los padres que abandonaren, pros- absoluta, inexistindo restrição à
tituyeren o corrompieren a sus hijos. disposição patrimonial, tampouco
2. El que fuere condenado en resguardo de herança aos herdeiros
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 30, 2012 119

necessários, como na Inglaterra, c. Ter o sucessível, sem justa causa,


Estados Unidos e México34. recusado ao autor da sucessão ou ao
Já as legislações da França, seu cônjuge os devidos alimentos.
2. O deserdado é comparado ao
Bélgica, Itália e Venezuela optaram indigno para todos os efeitos legais.
por não prever a deserdação, deixando
a matéria da exclusão da sucessão no
Artículo 852
âmbito da indignidade35. Son justas causas para la
A deserdação é instituto previs- desheredación, en los términos
to nas legislações civis de Portugal, que específicamente determinan
Espanha, Suíça, Áustria, Alemanha, los artículos 853, 854 y 855 las de
Argentina, Uruguai, Paraguai, Peru, incapacidad.
Chile, Colômbia e Macau36. Vejamos,
Artículo 853
pois, os textos normativos que estipu- Serán también justas causas para
lam as causas no Direito Português e desheredar a los hijos y descendientes,
Espanhol respectivamente: además de las señaladas en el artículo
756 con los números 2.º, 3.º, 5.º y 6.º,
Artigo 2.166. Deserdação. las siguientes:
1. O autor da sucessão pode em 1. Haber negado, sin motivo legítimo,
testamento, com expressa declaração los alimentos al padre o ascendiente
da causa, deserdar o herdeiro que le deshereda.
legitimário, privando-o da legítima, 2. Haberle maltratado de obra o
quando se verifique alguma das injuriado gravemente de palabra.por
seguintes ocorrências: indignidad para suceder, señaladas en
a. Ter sido o sucessível condenado el artículo 756 con los números 1.º,
por algum crime doloso cometido 2.º, 3.º, 5.º y 6.º.
contra a pessoa, bens ou honra do
autor da sucessão, ou do seu cônjuge, Artículo 854
ou algum descendente, ascendente, Serán justas causas para desheredar
adotante ou adotado, desde que ao a los padres y ascendientes,
crime corresponda pena superior a además de las señaladas en el
seis meses de prisão; artículo 756 con los números 1.º,
b. Ter sido o sucessível, sem justa 2.º, 3.º, 5.º y 6.º, las siguientes:
causa, a recusado ao autor da 1. Haber perdido la patria potestad por
sucessão; las causas expresadas en el artículo 170.

34 VELOSO, Zeno. Comentários ao Código Civil: parte especial: direito das sucessões,
vol.21 (arts. 1.857 a 2.027). AZEVEDO, Antônio Junqueira de (coord.). São Paulo:
Saraiva: 2003, p. 307.
35 Idem, p. 307.
36 Idem, p. 307.
120 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 30, 2012

2. Haber negado los alimentos a sus hijos que foi a ele deixado37. O Código Su-
o descendientes sin motivo legítimo. íço, no art. 4.810, regula a deserdação
3. Haber atentado uno de los padres preventiva: no caso de o descenden-
contra la vida del otro, si no hubiere
te ter diversas execuções, o testador
habido entre ellos reconciliación.
pode privá-lo da metade da sua legíti-
Artículo 855 ma e relegá-la a um filho do endivida-
Serán justas causas para desheredar do, nascido ou por nascer. No direito
al cónyuge, además de las señala- brasileiro, inexiste tal hipótese. Ocor-
das en el artículo 756 con los núme- re, todavia, a inserção nos testamen-
ros 2.º, 3.º, 5.º y 6.º, las siguientes:
1. Haber incumplido grave o reitera-
tos de gravames de inalienabilidade,
damente los deberes conyugales. impenhorabilidade e incomunicabi-
2. Las que dan lugar a la pérdida de la lidade, muito embora seja corrente o
patria potestad, conforme al artículo cancelamento de tais restrições por
170. pecha de inconstitucionalidade38.
3. Haber negado alimentos a los hijos
o al otro cónyuge.
4. Haber atentado contra la vida del
cónyuge testador, si no hubiere me- II. EFEITOS
diado reconciliación.
  Ações cabíveis
Alguns ordenamentos estrangei-
ros preveem a deserdação com boa (i) Indignidade
intenção. O Direito Alemão prevê no A indignidade só pode ser
§ 2.338 de seu Código Civil a prote- declarada judicialmente. Portanto,
ção do descentente herdeiro, que seja deverá ser objeto de ação ordinária,
pródigo ou esteja gravemente endivi- como se extrai do art. 1.815 do Código
dado, a ponto de sua futura herança Civil: “A exclusão do herdeiro ou
correr perigo. Assim, o testador pode legatário, em qualquer desses casos
limitar seu direito à legítima, orde- de indignidade, será declarada por
nando que, depois da morte do des- sentença”.
cendente pródigo ou endividado, seus Outrossim, considerando que a
herdeiros legítimos devam receber o indignidade é uma penalidade civil

37 VELOSO, Zeno. Idem, p. 327.


38 Neste sentido: “Testamento. Inalienabilidade. Impenhorabilidade e Incomunicabili-
dade. Desaparecimento dessas cláusulas no Direito Brasileiro. As cláusulas testamentá-
rias de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, além de prejudiciais,
não foram recepcionadas pelos sistema constitucional vigente no Brasil. [...]” (RJTJR-
GS, 183/177. Rel. Des. Sérgio Gischkow Pereira).
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 30, 2012 121

aplicada pelo juiz, sua natureza é me- de 2002 não lhe retira a legitimidade
ramente declaratória. O juiz não cons- outorgada pelo art. 127 da Constitui-
titui nem desconstitui, a priori, qual- ção Federal, segundo o qual “O Mi-
quer relação jurídica existente entre as nistério Público é instituição perma-
partes. Na verdade, a relação jurídica nente, essencial à função jurisdicional
de sucessão legítima ou testamentária do Estado, incumbindo-lhe a defesa
persiste, operando por sentença um da ordem jurídica, do regime demo-
efeito de declaração da incapacidade crático e dos interesses sociais e indi-
sucessória39. Daí porque a doutrina viduais indisponíveis”. Dessa feita, a
entende que, dentro da classificação defesa da ordem jurídica e o interes-
ternária clássica, a natureza jurídica se social seriam os motes para evitar
da sentença é declaratória40. que o herdeiro ou legatário desnatu-
Normalmente, a ação de indignida- rado fosse beneficiado com a fortuna
de é ajuizada por quem tenha legítimo deixada pela sua vítima. O Conselho
interesse, na forma dos arts. 3º e 6º do da Justiça Federal aprovou em 2004,
Código de Processo Civil, isto é, por na III Jornada de Direito Civil42, o
algum coerdeiro, legatário, donatário. Enunciado n.116 que diz: “O Minis-
Até mesmo o Fisco é referido como tério Público, por força do art. 1.815
legitimado, na ausência de sucessores. do novo Código Civil, desde que pre-
Igualmente, qualquer credor, prejudi- sente o interesse público, tem legiti-
cado com a inércia dos demais. midade para promover ação visando à
A doutrina divide-se quanto à le- declaração da indignidade de herdeiro
gitimidade do Ministério Público para ou legatário”. Já a vertente contrária
a interposição da ação. Maria Helena à legitimidade do Ministério Públi-
Diniz41 alinha-se no grupo que defen- co43 entende que a ação é de natureza
de que a omissão da atribuição ao Mi- estritamente privada, descabendo tal
nistério Público no atual Código Civil múnus ao custus legis.

39 Em verdade, ilegitimidade. Vide considerações feitas na introdução deste trabalho.


40 Diz Washington de Barros Monteiro. Idem, p. 67: “A sentença não é título constitu-
tivo, mas apenas declarativo da incapacidade para suceder”.
41 Idem, p. 54.
42 Cumpre lembrar que tais Jornadas têm o escopo de promover debates de temas su-
geridos pelo novo Código Civil e aprovar enunciados que representem o pensamento da
maioria dos integrantes de cada uma das diversas comissões. Não está claro, ainda, se
tais enunciados têm finalidade de propor alterações legislativas ou de servir de orienta-
ções para os operadores do direito.
43 Nesse sentido, MONTEIRO, Washington de Barros Monteiro. Idem, p. 67.
122 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 30, 2012

A ação de indignidade tramitará dentre outras matérias, reduzir o pra-


pelo rito ordinário, permitindo ampla zo para dois anos.
defesa por parte do réu.
A ação de indignidade só pode (ii) Deserdação
ser ajuizada enquanto vivo o suposto Lavrado o testamento com a
indigno. Se vier a falecer, inviável cláusula de deserdação, uma vez
o ajuizamento da ação declaratória ocorrido o óbito do testador, o
de indignidade porque não há como testamento é apresentado. A partir
imputar uma penalidade civil a quem desse momento, o herdeiro ou o
já faleceu. Consequentemente, seu interessado tem quatro anos para
óbito extingue a ação. ajuizar a ação ordinária de declaração
Uma vez ajuizada ação de in- de deserdação, no qual deverá ser
dignidade, o réu prosseguirá com provada a veracidade da causa arguida
o domínio e posse da herança, até o pelo testador. Diz o Código Civil:
provimento declaratório transitado
em julgado, quando será excluído da Art. 1.965. Ao herdeiro instituído, ou
sucessão. Se falecer antes da decla- àquele a quem aproveite a deserdação,
ração, seu direito à herança passará a incumbe provar a veracidade da
causa alegada pelo testador.
seus sucessores.
Parágrafo único. O direito de provar
O prazo para interposição da ação a causa da deserdação extingue-se no
declaratória de indignidade é de qua- prazo de quatro anos, a contar da data
tro anos, a partir da abertura da su- da abertura do testamento.
cessão. Trata-se de prazo de natureza
decadencial, como se depreende do Vê-se que o interessado deve pro-
art.1.815,§ único, do Código Civil: por a ação. O testamenteiro não con-
“O direito de demandar a exclusão do templado por legado não pode propor
herdeiro ou legatário extingue-se em a ação, como anota Washington de
quatro anos, contados da abertura da Barros Monteiro44. Mas se o interessa-
sucessão”. Esse já era o prazo previs- do não propuser, diz o referido jurista
to no Código Civil de 1916, especifi- que pode o próprio deserdado propor
camente no art.178, § IV. A mantença ação cominatória, para o que o inte-
do mesmo lapso ensejou críticas, che- ressado prove o fundamento da deser-
gando a ser objeto do Projeto de Lei dação, ressalvando que “o exercício
de Alteração do Código Civil, para, dessa ação não o sujeita, porém, a

44 Idem, p. 245.
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 30, 2012 123

comprovar a inexistência da causa em cláusula testamentária de deserdação


que a deserdação se funda”. Já Sílvio será ineficaz47, e não nula, porque ela
de Salvo Venosa entende que a ação existe e era válida, mas não logrou
cabível pelo deserdado seria a ação surtir seus efeitos em face da ausência
declaratória de inexistência de causa de comprovação exigida pela lei. O
de deserdação, com esteio no art. 4º, prazo tem natureza decadencial.
I do CPC45. Caso frustrada a ação declaratória
Quanto ao prazo, o Código Civil de deserdação, sustenta Zeno Veloso
de 1916 previa o prazo de quatro ser viável a ação com esteio na
anos a partir da abertura da sucessão. indignidade48.
O de 2002 alterou para a abertura do Cônscio da dificuldade de produ-
testamento, o que recebeu a crítica ção de prova da veracidade da causa
de Zeno Veloso46, para quem o marco de deserção, propõe Zeno Veloso que
inicial do prazo decadencial deveria seja admitido que o testador, em vida,
ser a abertura da sucessão, o que é requeira, em juízo, medida cautelar,
proposto no Projeto de Lei 6.960. pedindo a produção antecipada da
Aliás, o Projeto também intenciona prova, quanto à causa apontada como
reduzir o prazo para dois anos. ensejadora da deserdação de seu her-
Entenda-se por “abertura do testa- deiro necessário, com base nos arts.
mento” o momento em que o juiz de- 846 a 851 do Código de Processo Ci-
termina o cumprimento do testamento. vil. E propugna a dispensa de ajuiza-
Ajuizada ação pelo interessado e mento de ação principal, dado o cará-
não provada a veracidade da causa, a ter satisfativo dessa cautelar49.

45 Idem, p. 325.
46 Idem, p. 337.
47 Assim sustenta Sílvio de Salvo Venosa. Idem, p. 323. Já Washington de Barros Mon-
teiro entende que o efeito é a nulidade. Idem, p. 245. E talvez o faça com esteio na
antiga redação do art.1.743, § único, do Código. Civil de 1916 que dizia: “Não se pro-
vando a causa invocada para a deserdação, é nula a instituição, e nulas as disposições,
que prejudiquem a legítima do deserdado”. Zeno Veloso entende que a deserdação é
nula se o testamento é nulo. A deserdação é ineficaz por falta de declaração da causa,
pela apresentação de causa não prevista em lei, pela ausência de prova de veracidade
da causa. Idem, p. 324.
48 Idem, p. 313: “Observe-se que, se a deserdação vier a frustrar-se, por ser nulo o tes-
tamento, mas tiver como causa um fato que seja, também, motivo de indignidade, nada
obsta que o interessado promova a respectiva ação com vistas à exclusão do herdeiro,
invocando o art. 1.814”.
49 Idem, p. 320.
124 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 30, 2012

Efeitos dentro da dogmática pode prejudicar o filho inocente). Os


civil brasileira bens que o indigno deixa de herdar
são devolvidos às pessoas que os
herdariam, como se nunca tivesse
(i) Indignidade
sido herdeiro, devido ao caráter
Diz o art. 1.816 do Código Civil: personalíssimo da pena, que não deve
“São pessoais os efeitos da exclusão; ultrapassar a pessoa do delinquente,
os descendentes do herdeiro excluído ante a injustiça de estender-se a
sucedem, como se ele morto fosse outrem as consequências de um fato
antes da abertura da sucessão”. Isso a que se mostrou alheio.
reflete em diversas situações, as quais
passaremos a examinar. A segunda parte do art.1.816 do
Os efeitos da declaração de Código Civil é claro ao delimitar
indignidade podem ser elencados o direito de representação somente
como: aos descendentes, de sorte que,
tendo indigno apenas ascendentes
(i.i) Intransmissibilidade da ex- ou colaterais, estes não poderão
clusão aos descendentes do indigno, substituir o indigno e receber sua
como antevisto pela norma do art. parte na herança.
1.816 do Código Civil. O tratamento
dado ao indigno será uma equiparação (i.ii) Retroatividade dos efeitos
ao que é dado ao herdeiro premorto, da sentença à data de abertura
ou seja, seus descendentes o sucedem da sucessão e responsabilidade
por representação. Frisa Maria Hele- pela devolução. A retroatividade é
decorrência lógica da lei, até porque
na Diniz:
esta equipara o indigno à situação do
se abre exceção ao princípio de premorto. Assim, uma vez retroativos
direito sucessório de que não se pode os efeitos da sentença declaratória de
representar pessoa viva (viventis indignidade, o indigno, além de ser
nulla esta representatio). Com isso excluído da sucessão, responde por
acata-se o princípio constitucional
perdas e danos e é obrigado a devolver
da responsabilidade pessoal (CF,
art.5º., XLV) e a velha parêmia: os frutos e rendimentos, como diz o
nullum patris delictum innocenti art.1817, caput, do Código Civil50,
filio poena est (nenhum crime o pai mas tem o direito de ser reembolsado

50 “Art. 1.817. São válidas as alienações onerosas de bens hereditários a terceiros de


boa-fé, e os atos de administração legalmente praticados pelo herdeiro, antes da senten-
ça de exclusão; mas aos herdeiros subsiste, quando prejudicados, o direito de deman-
dar-lhe perdas e danos”.
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 30, 2012 125

no que haja gasto com a conservação adquirentes não podiam prever a fu-
dos bens, como diz o seu parágrafo tura exclusão do ingrato, pois acredi-
único51. tavam estar adquirindo os bens do
verdadeiro proprietário, o que levou
o legislador a sustentar a validade
(i.iii) Irretroatividade dos efei- dos negócios onerosos efetuados
tos da sentença em relação às alie- pelo herdeiro aparente. Urge escla-
nações onerosas a terceiros. A re- recer a questão do herdeiro aparente.
troatividade antes vista não atinge o É o considerado como verdadeiro e
direito de terceiros, como se vê da legítimo titular do direito sucessório,
embora não o fosse em razão de um
norma do art.1.817, caput 1ª parte, do erro (ignorância da existência de um
Código Civil: “São válidas as aliena- herdeiro mais próximo do autor da
ções onerosas de bens hereditários a herança; reconhecimento post mor-
terceiros de boa-fé, e os atos de admi- tem da paternidade de filho pelo de
nistração legalmente praticados pelo cujus), de exclusão da herança por
herdeiro, antes da sentença de exclu- indignidade ou deserdação, de falsi-
dade ou nulidade de testamento.
são”. Portanto, o efeito aqui é distin-
to: opera-se ex nunc. No direito romano, o possessor pro
A norma prima pela preservação herede, sob aparência de herdeiro,
do terceiro adquirente de boa-fé, que possuía de boa-fé bens hereditários.
não tinha condições de prever a futura Em regra, seus atos de disposição
exclusão do indigno, como bem não poderiam ter validade, ante o
brocardo: nemo ad allium transferre
analisa Maria Helena Diniz a partir de potest quam ipse habet, mas o direito
uma digressão histórica: não pode prescindir das aparências,
em prol da boa-fé, da paz e segurança
Opera a sentença ex nunc, validando social. É preciso levar em conta a
atos praticados pelo herdeiro excluí- boa-fé do adquirente, que acreditou
do até o momento de sua exclusão da não só na legalidade do ato negocial
sucessão, atendendo ao princípio da efetivado, mas também na condição
onerosidade da alienação e da boa-fé de herdeiro do alienante, que até
dos adquirentes, urna vez que o indig- o instante da exclusão, aos olhos
no se apresentava aos olhos de todos de todos, era o “real” herdeiro.
como herdeiro do hereditando, sendo, Logo, merecem proteção jurídica as
portanto, um herdeiro aparente, devi- alienações feitas onerosamente pelo
do à impressão generalizada de ser o herdeiro aparente a terceiro de boa-
sucessor do de cujus. Desse modo, os fé (CC, art. 1.827, parágrafo único),

51 “§ Único: O excluído da sucessão é obrigado a restituir os frutos e rendimentos que


dos bens da herança houver percebido, mas tem direito a ser indenizado das despesas
com a conservação deles”.
126 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 30, 2012

sob pena de acarretar instabilidade mesmo que pudesse transmiti-los


nas relações jurídicas, desde que aos indigitados. Se, na forma direta,
levadas a efeito antes da exclusão. ele é afastado da sucessão, tampouco
O verdadeiro herdeiro apenas poderá
pleitear perdas e danos do excluído.
poderá ser beneficiado por outros
O real herdeiro pode exigir do meios, visando a lei atingir seu fim
aparente a reposição patrimonial, precípuo: impedir o desnaturado do
mas não do terceiro adquirente recebimento de qualquer vantagem
de boa-fé, porque a lei lhe retira a do patrimônio de sua vítima. É o
eficácia reivindicatória da ação. Se a
que diz o § único do art. 1.816 do
alienação for gratuita, não deverá ser
mantida, porque não haverá qualquer Código Civil: “Parágrafo único. O
dano, prevalecendo a situação do excluído da sucessão não terá direito
herdeiro real52. ao usufruto ou à administração dos
bens que a seus sucessores couberem
Entretanto, caso esses terceiros na herança, nem à sucessão eventual
tenham obrado de má-fé, ou seja, desses bens”. A norma é tão ampla
tivessem perfeito conhecimento da que fala em vedação no caso de
situação de indignidade, sofrerão sucessão eventual, ou seja, no caso
os efeitos, tornando-se os negócios de o descendente falecer e não deixar
jurídicos ineficazes53. novos descendentes, o ascendente
declarado indigno não poderá receber
(i.iv) Perda do direito aos bens tais bens.
da herança, em sucessão de seus
descendentes, e direito de usufruto (ii) Deserdação
e administração. Assim como o Diz o art.1.961 do Código Civil:
indigno é excluído da sucessão, caso “Os herdeiros necessários podem
substituído por seus herdeiros por ser privados de sua legítima, ou
força do direito de representação deserdados, em todos os casos em que
estatuído no art. 1.816 do Código Civil, podem ser excluídos da sucessão”.
2ª parte, a lei não poderia permitir que Daí, tiram-se os seguintes efeitos:
ele fosse contemplado sob outro viés,
sob pena de burla. Assim, vetou que o (ii.i) Exclusão do herdeiro
descendente pudesse instituir usufruto necessário do recebimento da
ou administração dos bens recebidos legítima. É o efeito principal da
em representação do indigno, ou deserdação.

52 Idem, p. 58-59.
53 Nesse sentido, MONTEIRO, Washington de Barros Monteiro. Idem, p. 69.
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 30, 2012 127

(ii.ii) Intransmissibilidade da administração dos bens a que seus


exclusão aos descendentes do deser- sucessores couberem na herança,
dado. O efeito é idêntico ao instituto nem à sucessão eventual desses bens.
da indignidade, por se tratar de uma
sansão de caráter pessoal. A doutrina O Deputado Ricardo Fiúza, apre-
sentante do Projeto, acata a sugestão
é maciça no sentido da aplicação do
de Zeno Veloso55:
art.1.816 do Código Civil aos casos
de deserdação54, razão pela qual re-
[...] embora, sob e égide do Código
portamo-nos às justificativas do item Civil de 1916, haja a opinião domi-
‘i.ii’, não sem antes registrar a posi- nante de que os descendentes do de-
ção contrária e isolada de Washington serdado tomam o lugar dele na heran-
de Barros Monteiro, para quem não só ça, exercendo o direito de representa-
o deserdado resta excluído da suces- ção, pois a pena não pode se irradiar
aos descendentes do que praticou os
são como também seus descendentes.
atos desabonadores, para espancar
Tal posicionamento pauta-se no fato dúvidas, convém que esta solução
de inexistir previsão expressa, como o seja dada expressamente na lei.
faz o instituto da indignidade.
(i.iii) Perda do direito aos bens
O Projeto de Lei de Alteração do da herança, em sucessão de seus
Código Civil nº 276 propõe eliminar descendentes, e direito de usufruto
a divergência, inserindo o §2º ao art. e administração. A maciça doutrina
1.965 com o seguinte teor: dá idêntico tratamento à deserdação,
por analogia à indignidade56; contudo,
§2º São pessoais os efeitos da também nessa interpretação destoa
deserdação: os descendentes do
Washington de Barros Monteiro,
herdeiro deserdado sucedem, como
se ele morto fosse antes da abertura pela mesma razão acima referida,
da sucessão. Mas o deserdado qual seja, ausência de previsão pelo
não terá direito ao usufruto ou à legislador de 200258.

54 Assim sustentam: CAHALI, Francisco José. HIRONAKA, Giselda Maria Fernan-


des Novaes. Idem, p. 303. VENOSA, Sílvio de Salvo. Idem, p. 330. VELOSO, Zeno.
Idem, p. 321.
55 FIUZA, Ricardo; com a colaboração de RÉGIS, Maria Luiz Delgado. O novo Códi-
go Civil e as propostas de aperfeiçoamento. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 308.
56 VENOSA, Sílvio de Salvo. p. 330-331. Francisco José. HIRONAKA, Giselda Maria
Fernandes Novaes. Idem, p. 304. VELOSO, Zeno. Idem, p. 322.
57 MONTEIRO, Washington de Barros. Idem, p. 247.
128 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 30, 2012

(i.iv) Retroatividade dos efeitos Aliás, o inventariante, testamenteiro


da sentença à data de abertura e demais interessados têm contra
da sucessão. Como visto no início ele, em princípio, os interditos
possessórios enquanto não definida
do trabalho, aberta a sucessão, a
sua situação, porque sua posse é
herança transmite-se, desde logo, aos injusta a partir da morte do autor da
herdeiros e testamentários. Porém, herança. Se o deserdado mantiver a
havendo uma cláusula testamentária sua posse após a sentença que assim
de deserdação, o deserdado, tendo o reconhecer, os demais interessados
conhecimento deste ato de última têm ação de petição de herança
contra ele. No momento em que o
vontade, não deverá ter a posse dos
testamento é publicado e notificado o
bens, pelo princípio da Saisine. herdeiro apontado, a partir daí cessa
Estará ele de má-fé porque carece de sua posse de boa-fé58.
título hereditário que o habilite. É o
magistério de Silvio de Salvo Venosa: Assim sendo, a priori, não deverá
o deserdado assumir a posse dos bens,
O deserdado, por outro lado, já tem o que tornaria tranquila a aplicação
contra si uma causa expressa no
dos efeitos da sentença declaratória
testamento que o impede, de bom
senso, que assuma a posse dos bens
julgada procedente. Já no caso de
da herança. Se procedente o pedido improcedência, a posse retroage à
de deserdação, nunca terá havido data da abertura da sucessão, tendo
herança para o deserdado, nem ele direito aos bens que lhe tocarem
posse dos bens hereditários. Ainda na legítima59.
que, dentro do prazo decadencial, No entanto, sabe-se que nem sem-
tome ele a iniciativa da ação, mesmo
pre a situação mostra-se tão fluída.
assim ele carece de título hereditário,
que só lhe advirá com o decurso de Muitas vezes, tarda-se à abertura do
prazo de caducidade, ou da ineficácia testamento, desconhecendo o herdei-
da cláusula decretada em juízo. ro necessário a pecha de deserdação
Destarte, publicado e apresentado o contra si clausulada. Aliás, essa é a
testamento, o indigitado não se pode preocupação de Zeno Veloso, que
portar como herdeiro. Pode ocorrer
reclama maior aprofundamento, con-
que o deserdado exerça a posse
material da herança, mas por outro cluindo pela mesma solução dada à
título, seja a posse originalmente boa indignidade60. Assim, propõe o juris-
ou má, mas não por título hereditário. ta que os bens transmitam-se desde

58 Idem, p. 331.
59 VENOSA, Sílvio de Salvo. Idem, p. 331.
60 Idem, p. 323-324.
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 30, 2012 129

logo aos herdeiros, de acordo com o de de alastramento das hipóteses de


princípio de Saisine, consagrado no indignidade e deserdação, por cons-
art. 1.784 do Código Civil, exceto no tituírem ambas penas gravíssimas,
caso de ingresso da ação declaratória impostas ao ofensor, que o extirpa de
de deserção, caso em que a herança um direito fundamental, de primeira
tornar-se-ia litigiosa, devendo os bens geração, garantido pelo art. 5º, inciso
passarem à posse do inventariante ou XXX, da Carta Magna.
outra pessoa designada pelo juiz, me- Entretanto, vê-se que há situações
diante depósito judicial. que exigem do intérprete que ele com-
preenda o intuito da norma e proteja
(i.v) Irretroatividade dos efeitos um bem maior. É forçoso reconhecer
da sentença em relação às alienações que não há como a lei tutelar todas as
onerosas a terceiros. Apregoa Sílvio hipóteses fáticas possíveis, razão pela
de Salvo Venosa idêntico tratamento qual, até mesmo no caso de aplicação
à deserdação dado às situações de uma penalidade civil extrema, não
vislumbradas no caso da indignidade: se pode retirar do julgador a sua inte-
As alienações de boa-fé realizadas ligência e perspicácia na aplicação da
pelo deserdado devem valer quando lei. É o que vimos como resultado de
houver terceiro adquirente de boa- todo o estudo a que se propôs o traba-
fé, devendo o deserdado responder lho e podemos extrair de interessantes
pelas perdas e danos em relação aos julgados, como o caso de declaração
herdeiros alijados61. de indignidade do genro que, tendo
assassinado seu sogro, foi afastado da
partilha na ação de divórcio, por apli-
Considerações finais cação da declaração indignidade62.
Casado pelo regime da comunhão uni-
A leitura das normas e das lições versal, ele receberia a meação da he-
doutrinárias evocam a impossibilida- rança do sogro por ele morto. Por não

61 Idem, p. 331.
62 “MEAÇÃO. DIVÓRCIO. INDIGNIDADE. QUEM MATOU O AUTOR DA HE-
RANÇA FICA EXCLUÍDO DA SUCESSÃO. ESTE É O PRINCÍPIO CONSAGRADO
NO INC. I DO ART. 1595 DO CC, QUE REVELA A REPULSA DO LEGISLADOR
EM CONTEMPLAR COM DIREITO SUCESSÓRIO QUEM ATENTA CONTRA A
VIDA DE ALGUÉM, REJEITANDO A POSSIBILIDADE DE QUE, QUEM ASSIM
AGE, VENHA A SER BENEFICIADO COM SEU ATO. ESTA NORMA JURÍDICA
DE ELEVADO TEOR MORAL DEVE SER RESPEITADA AINDA QUE O AUTOR
DO DELITO NÃO SEJA HERDEIRO LEGÍTIMO. TENDO O GENRO ASSASSINA-
130 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 30, 2012

ser considerado herdeiro, a sentença excluir o herdeiro da sucessão, niti-


e o relator conduziram suas decisões damente, rejeitou a possibilidade de
pela impossibilidade de aplicação da que, quem assim age, ser beneficiado
pena de indignidade, do que divergi- com seu ato”. Com isso, verificamos
ram a revisora e o vogal, em votos que que há uma plêiade de situações im-
primaram pelo intuito normativo: “No previsíveis e, por mais peremptória
momento em que o legislador revelou que veja a previsão normativa, não há
a repulsa em contemplar com direi- como afastar da tutela judicial situa-
to sucessório quem atentar contra a ções fáticas que reclamem a aplicação
vida do autor da herança, a ponto de da pena.

Referências

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DO O SOGRO, NÃO FAZ JUS AO ACERVO PATRIMONIAL DECORRENTE DA


ABERTURA DA SUCESSÃO. MESMO QUANDO DO DIVÓRCIO, E AINDA QUE
O REGIME DO CASAMENTO SEJA O DA COMUNHÃO DE BENS, NÃO PODE
O VARÃO RECEBER A MEAÇÃO CONSTITUÍDA DOS BENS PERCEBIDOS
POR HERANÇA. APELO PROVIDO POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR”.
(SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível N. 70005798004, Sétima Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 09/04/2003).
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