Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
SOBRE
PROCESSO
ADMINISTRATIVO
DISCIPLINAR
27 de fevereiro de 2019
2
CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO
BOLETIM INTERNO Nº 28
CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO
2) CORREGEDORIA-GERAL
PORTARIA
N.º 1780, DE 10 DE JULHO DE 2015.
Art. 1º. Tornar público o elogio concedido ao servidor MARCOS SALLES
TEIXEIRA, ocupante do cargo efetivo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil,
matrícula SIAPE nº 2180871, em razão dos relevantes serviços prestados ao serviço público
federal, ao Sistema de Correição do Poder Executivo Federal e a esta Corregedoria-Geral da
União, especialmente pela confecção, desenvolvimento, disponibilização aberta e constante
atualização do trabalho autoral “Anotações sobre Processo Administrativo Disciplinar” e
publicações correlatas, que se consolidaram na seara disciplinar pelo pioneirismo, inovação e
elevada qualidade técnica.
Art. 2º. Determinar que o elogio objeto deste ato conste dos assentamentos
Funcionais do servidor
(pg. 4)
4
OBSERVAÇÕES INICIAIS
AGRADECIMENTOS E CRÉDITOS
Na primeira versão deste texto, quando contava com apenas 282 páginas:
A Cecília Miyuki Ishida, incentivadora e colaboradora inicial das ideias de
capacitação e de manualização, e a Rudinei Junkes, com quem assisti a um treinamento de
10 a 13 de novembro de 2003, de onde extraí conhecimentos técnicos que me deram a
necessária segurança para ministrar aulas de processo administrativo disciplinar, a partir de 24
a 28 de novembro de 2003, cujos slides se desdobraram nas primeiras anotações que deram
origem a este texto.
A Nelson Rodrigues Breitman, Carlos Higino Ribeiro de Alencar e Dionísio
Carvallhêdo Barbosa, pela revisão da primeira versão do texto, e a Kleber Alexandre
Balsanelli, por sua posterior revisão, a fim de adotá-lo temporariamente como apostila dos
treinamentos de processo administrativo disciplinar patrocinados pela Controladoria-Geral da
União em âmbito nacional.
A todos os colegas da Corregedoria (Coger) e dos Escritórios de Corregedoria (Escor)
e alunos em treinamentos na Secretaria da Receita Federal do Brasil e em órgãos externos
que, com sua leitura e aplicação prática, incentivam a manutenção atualizada deste texto e a
sua disponibilização.
Rio de Janeiro, abril de 2005
ÍNDICE ANALÍTICO
1 - INTRODUÇÃO ............................................................................25
2 - ESTRUTURA CORRECIONAL NA SECRETARIA DA
RECEITA FEDERAL DO BRASIL E ANTECEDENTES DO
PROCESSO DISCIPLINAR ............................................................33
2.1 - DEVERES DE REPRESENTAR E DE APURAR
IRREGULARIDADES NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL 33
2.1.1 - A Inserção dos Deveres de Representar e de Apurar
Originariamente em Via Hierárquica ...................................................... 33
2.1.2 - A Migração do Dever de Apurar com a Especificidade das
Corregedorias ............................................................................................. 36
2.1.3 - Aspectos Comuns em Ambos Deveres, Tanto em Via Hierárquica
Quanto com Corregedoria......................................................................... 37
2.1.4 - O Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-
Geral da União e o Sistema de Correição do Poder Executivo Federal 40
2.1.5 - A Corregedoria-Geral do Ministério da Fazenda........................ 64
Autoria....................................................................................................................... 399
3.2.3.5 - Apurações Disciplinadas em Normas Diferentes da Lei nº 8.112, de 11 de
dezembro de 1990 ..................................................................................................... 402
3.2.3.5.1 - Responsabilização de Intervenientes em Comércio Exterior ............. 403
3.2.3.5.2 - Dano e Desaparecimento de Bem........................................................ 404
3.2.4 - Agentes Públicos............................................................................ 415
3.2.4.1 - Agentes Públicos que não se Sujeitam à Lei nº 8.112, de 11 de dezembro
de 1990....................................................................................................................... 416
3.2.4.1.1 - Agentes Políticos e Vitalícios ............................................................... 416
3.2.4.1.2 - Empregados Públicos Celetistas na Administração Pública Direta e
Indireta................................................................................................................... 417
3.2.4.1.3 - O Caso Específico de Empregados Celetistas do Serpro na Secretaria
da Receita Federal do Brasil................................................................................. 434
3.2.4.1.4 - Pessoal Contratado por Tempo Determinado e Militares .................. 443
3.2.4.2 - Agentes Públicos que se Sujeitam à Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de
1990............................................................................................................................ 445
3.2.4.2.1 - Servidores Efetivos (Estáveis ou em Estágio Probatório) .................. 446
3.2.4.2.2 - Servidores em Comissão ...................................................................... 453
3.2.5 - Manutenção das Vinculações Estatutárias do Servidor em Férias,
Licenças ou Outros Afastamentos .......................................................... 458
4.14.3.1 - Absolvição Criminal por Insuficiência de Provas ou por Fato Não Ser
Crime e Falta Residual .......................................................................................... 1649
4.14.4 - Exceções à Independência das Instâncias............................... 1650
4.14.4.1 - Absolvição Criminal por Inexistência do Fato ou Autoria ou por
Excludentes de Ilicitude ......................................................................................... 1651
4.14.4.2 - Condenação Criminal Definitiva .......................................................... 1652
4.14.5 - Repercussão do Julgamento de Contas por Parte do Tribunal
de Contas da União................................................................................. 1653
1 - INTRODUÇÃO
Apresenta-se este texto como um mero estudo teórico, de natureza pessoal e autoral,
acerca das normas, técnicas e práticas que vinculam ou informam a Administração Pública na
condução do processo disciplinar e na aplicação do regime disciplinar em âmbito federal, com
o enfoque no rito processual da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e com especial
ênfase nas peculiaridades da atividade correcional na Secretaria da Receita Federal do Brasil
(RFB, órgão resultante da fusão da ex-Secretaria da Receita Federal - SRF com a extinta
Secretaria da Receita Previdenciária - SRP, conforme a Lei nº 11.457, de 16 de março de
2007). Aqui, a expressão “regime disciplinar’ refere-se ao conjunto de comandos legais
definidores de ilícitos disciplinares, penas associadas, competências punitivas e prescrição da
punibilidade, enquanto a expressão “processo disciplinar” refere-se à instrumentalidade que
tem por fim justamente a aplicação daqueles comandos materiais.
Acerca do embasamento legal do tema em apreço, vale de imediato mencionar que,
com a promulgação da Constituição Federal (CF), de 5 de outubro de 1988, mais
especificamente em função da redação original do caput do seu art. 39 e do art. 24 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios ficaram obrigados a instituir, no prazo de dezoito meses, por meio de lei, regime
jurídico único nas respectivas esferas de Administração Pública direta e nas autarquias e
fundações públicas.
Assim, no âmbito federal, foi editada a citada Lei nº 8.112, de 1990. Esta Lei, também
chamada de Estatuto ou Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das
Autarquias e das Fundações Públicas Federais, foi originalmente publicada no Diário Oficial
da União (DOU) de 12/12/90, Seção 1, pg. 23935, e teve sua redação consolidada no DOU de
18/03/98, Seção 1, pg. 1, por determinação do art. 13 da Lei nº 9.527, de 10 de dezembro de
1997.
Posteriormente, a Emenda Constitucional (EC) nº 19, de 14 de junho de 1998 (a
chamada Emenda da Reforma Administrativa), flexibilizou na Administração Pública direta,
autárquica e fundacional o instituto do regime jurídico único, implementando a figura do
contrato de emprego público. Mas esta atividade constituinte derivada teve sua eficácia
suspensa, no Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de medida cautelar concedida na
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 2.135-4, publicada em 07/03/08, fazendo
retornar a aplicabilidade da redação original do caput do art. 39 da CF (ou seja, o regime
jurídico único), até que se tenha o julgamento definitivo da Ação.
Aqui, desde já, se aponta a frustração consubstanciada com o advento da Lei nº 8.112,
de 1990 - pelo menos no que se refere à instância correcional -, seja em sua redação original,
seja em sua redação consolidada pela Lei n° 9.527, de 1997 (que pouco alterou o regime e o
processo disciplinar). O legislador cometeu o equívoco de reproduzir, neste atual Estatuto -
que deveria refletir a integralidade do estado democrático de direito recém-conquistado -,
dispositivos da Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952 (o então Estatuto dos Funcionários
Públicos Civis da União - EF), expressamente revogado pela Lei nº 8.112, de 1990, o qual,
por sua vez, fazia o mesmo, também reproduzindo dispositivos da norma anterior (o Decreto-
Lei nº 1.713, de 28 de outubro de 1939), editada sob o regime ditatorial do Estado Novo.
Assim, não é errado afirmar que, na verdade, pelo menos na matéria correcional, a atual Lei nº
8.112, de 1990, ainda encontra muito de sua matriz inspiradora naquele ultrapassado Decreto-
Lei n° 1.713, de 1939. E, até a presente data, a processualística disciplinar e as definições
materiais de regime não receberam do legislador ordinário a devida atenção, na forma de uma
sistemática revisão e de uma completa atualização.
É certo que o regramento disciplinar do servidor público federal - que, conforme
afirmado acima, tinha repouso desde a metade do século anterior na Lei nº 1.711, de 1952 - já
havia obtido uma parcial atualização após a promulgação da atual CF e antes da entrada em
26
vigor da Lei nº 8.112, de 1990, com a edição da Lei nº 8.027, de 12 de abril de 1990. Esta Lei
apenas atualizava a lista de ilícitos do antigo Estatuto, vinculava-lhe as penas e estabelecia os
respectivos prazos prescricionais; ou seja, a Lei nº 8.027, de 1990, tão somente havia inovado
no regime disciplinar, nada tendo alterado no rito processual do antigo Estatuto. Sete meses
depois, a Lei nº 8.112, de 1990, foi editada, não só ajustando o rito processual aos novos
preceitos e garantias constitucionais mas também mantendo grande parte da relativa
atualização que os enquadramentos haviam ganhado com a Lei nº 8.027, de 1990, já que
muitos destes dispositivos foram reproduzidos no novo Estatuto (em alguns casos, apenas
com ajuste na pena vinculada).
Assim, é de se dizer que tanto a Lei nº 1.711, de 1952, quanto a Lei nº 8.027, de 1990,
foram revogadas pela Lei nº 8.112, de 1990. Aquela longeva Lei, e toda sua legislação
complementar, foi expressamente revogada pelo art. 253 do atual Estatuto. E, embora a Lei nº
8.112, de 1990, não tenha revogado expressamente a Lei nº 8.027, de 1990, por ter regulado
inteiramente a matéria de que esta tratava - qual seja, o regime disciplinar do servidor, tendo
redefinido ilícitos, a eles vinculado penas e estabelecido prazos prescricionais e competências
julgadoras -, nos termos do § 1º do art. 2º do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942
(antiga Lei de Introdução ao Código Civil - LICC, atualmente denominada Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro - LINDB), operou a revogação tácita da mencionada Lei,
após apenas sete meses de sua vigência.
Ainda sob a ótica crítica que necessariamente tem de se ter sobre a Lei nº 8.112, de
1990, no que concerne ao tema correcional, é forçoso reconhecer também que aquele diploma
legal aborda todo o tipo de direitos e deveres da relação jurídico-estatutária firmada entre
servidores e a Administração Pública federal, de sorte que a matéria disciplinar nela encartada
não é a única e nem mesmo a sua principal vocação. A Lei nº 8.112, de 1990, não tem nem a
intenção e muito a menos a qualidade e a extensão de ser um código material ou um código
processual para a instância disciplinar. Assim, este Estatuto deixa muitas lacunas acerca do
processo e do regime disciplinares, que obrigam a integração por meio de outras leis, voltadas
para a processualística administrativa ou, residualmente, até mesmo judicial (nos códigos
processuais e materiais), e de demais fontes ou referências, tais como princípios jurídicos,
entendimentos sedimentados na Administração e no Poder Judiciário e, por fim, nas
manifestações da doutrina.
Não obstante, acrescente-se que, no que diz respeito ao Direito positivado, o presente
texto considera apenas a normatização dotada de efeito vinculante e coercitivo, legalmente
válida para definir o regime disciplinar e para estabelecer o devido processo de natureza
disciplinar a servidores.
Daí, o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo
Federal (aprovado pelo Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994) e o Código de Conduta da
Alta Administração Federal, de 18 de agosto de 2000, bem como todo o Sistema de Gestão da
Ética do Poder Executivo (de que trata o Decreto n° 6.029, de 1º de fevereiro de 2007) e até
mesmo as matérias atinentes às competências da Comissão de Ética da RFB (CE-RFB) são
aqui apenas sucintamente mencionados, a título de informação, mas não considerados como
diplomas normativos integrantes da instância disciplinar, por não se inserirem nas normas de
natureza administrativa punitiva. O descumprimento de suas regras não é objeto de processo
disciplinar, salvo quando também existir repercussão da conduta na esfera legal disciplinar,
hipótese em que a autoridade com competência correcional deve atuar de ofício ou mediante
provocação por parte das competentes comissões de ética.
Calcado então na Lei nº 8.112, de 1990, o foco do texto em tela é integralmente
voltado à aplicação do Direito Administrativo Disciplinar, o qual, como ramo do Direito
Público, decorre da competência de a Administração Pública impor modelos de
comportamento a seus agentes, com o fim de manter a regularidade, em sua estrutura interna,
na execução e prestação dos serviços públicos. Decorrendo mais especificamente do Direito
27
matéria jurídica, somente a análise concreta caso a caso, à luz da legislação vinculante, seja
pela autoridade competente, seja pela comissão, é que permitirá a aplicabilidade ou não das
ideias aqui expostas.
Em reforço à cautela recomendada acima para a adoção dos posicionamentos
defendidos ao longo deste texto, relembre-se a já exposta crítica às lacunas existentes no texto
da Lei nº 8.112, de 1990, sobretudo nas passagens em que este abrangente Estatuto tenta
rascunhar um processo e um regime disciplinares, o que obriga a frequente integração com
outras fontes legais, principiológicas ou jurisprudenciais.
“Integrar uma norma, seja ela de direito administrativo disciplinar, quer seja
de outro ramo do Direito, significa a ação de o intérprete e aplicador do direito
identificar lacunas não intencionais ou não eloquentes - não desejadas ou
percebidas pelo legislador no momento de produção legislativa -na norma sob
análise e, assim, nesse espaço normativo aberto, complementar o seu sentido,
tendo em mira (limitação) os fins buscados pela própria lei (ou pelo sistema ou
regime jurídico, sistematicamente), pelo legislador ou pelo corpo social.”,
Sandro Lucio Dezan, “Direito Administrativo Disciplinar - Direito Material”,
Vol. I, pg. 168, Editora Juruá, 1ª edição, 2013.
Não obstante, mesmo depois de se empregarem todas estas alternativas de se
integrarem as lacunas do Estatuto, ainda restam incidentes processuais possíveis de ocorrer na
prática cotidiana da atividade correcional, sem se ter qualquer tipo de normatização ou
jurisprudência. Portanto, ao se elaborar um texto com a intenção de abordar o máximo de
detalhes e de situações que podem acontecer, desde a notícia do cometimento de suposta
irregularidade até o ato final de julgamento do processo disciplinar, faz-se necessário suprir as
lacunas restantes com praxes, práticas e costumes administrativos e, na parcela mais residual,
até mesmo com opiniões pessoais. Assim, se por um lado, ao se chegar a ponto de se
expressar opiniões pessoais, ganha-se na expectativa de se ver suprida a quase totalidade dos
incidentes possíveis, por outro lado, expõe-se a críticas, contestações, discordâncias, já que
qualquer outro agente aplicador da processualística disciplinar pode, nesta parcela residual da
matéria totalmente descoberta de norma, adotar opinião divergente e igualmente válida ou até
mesmo de melhor qualidade técnico-jurídica.
A síntese deste texto é a tentativa de se descrever, passo a passo, o instrumento de
exercício do poder correcional, qual seja, o processo disciplinar desde a forma de se fazer
chegar à Administração a notícia da ocorrência de suposta irregularidade até o resultado final
do rito contraditório, com o julgamento e aplicação da sanção em decorrência da
comprovação do cometimento de infração disciplinar, descritas no regime disciplinar, se for o
caso. Neste rumo, o trabalho tem a deliberada pretensão de ser o mais detalhado e
pormenorizado possível, com a intenção de tentar suprir as dúvidas de ordem prática e
operacional com que frequentemente se deparam os integrantes de equipes investigativas e de
comissões disciplinares. O enfoque é precipuamente procedimental e prático, tentando-se
abordar desde as situações mais cotidianas até aquelas mais inusitadas, sem a pretensão de
aprofundar questões conceituais e teóricas de natureza jurídica, para as quais se dispõe de
satisfatória doutrina.
Reconhecida a principal vocação deste texto - discorrer sobre o processo disciplinar -,
eis que demais conceitos de regime disciplinar que porventura interessem a esta
instrumentalidade (institutos constitucionais e penais e o regime disciplinar da própria Lei nº
8.112, de 1990 - deveres, proibições e penalidades administrativas dos servidores públicos
federais) estão inseridos ao longo da exposição do rito, exatamente no ponto em que cada um
deve ser suscitado na prática, de forma a preservar ao máximo a descrição sequenciada dos
atos processuais conforme eles efetivamente ocorrem. Ou seja, os institutos de Direito
material (do regime disciplinar) são criteriosa e providencialmente inseridos na descrição do
Direito processual (do processo disciplinar).
30
Informe-se que, na extensa abrangência de temas, por muitas vezes ocorre de uma
explanação justificar remissão ou referência a outras passagens do texto. Daí, para facilitar a
leitura em via eletrônica deste longo trabalho, não só o Índice possui links eletrônicos que
remetem ao conteúdo como também as remissões, no meio do texto, a outros tópicos, contam
com links que remetem ao ponto exato cuja leitura complementar ou suplementar se quer
recomendar.
Ainda acerca da forma ora empregada de elaboração deste trabalho, esclarece-se que
os temas são apresentados em tópicos, com textos narrativos meramente autorais amparados,
quando possível, nas fontes normativas ou jurisprudenciais, no Direito consuetudinário e em
manifestações doutrinárias e, por fim, no total vácuo informador, residualmente, em meros
posicionamentos pessoais.
Quando possível, a dissertação autoral de cada tópico é enriquecida por uma pré-
determinada sequência informativa, iniciada por reproduções da base normativa, dentro das
quais, sempre que aplicável, incluem-se normas internas específicas da RFB (em azul),
seguidas de citações de entendimentos adotados na Administração (em vermelho), de
decisões judiciais (em verde) e de manifestações doutrinárias (em marrom). É de se destacar
que nem sempre se dispõe de qualquer destas fontes ou referências e muito menos de todas,
mas, sempre que empregadas, o foram na ordem acima descrita (ainda que com lacunas de
uma ou de outras), como reflexo de um decrescente poder vinculante.
Uma vez que os trechos expositivos que possuem base normativa são imediatamente
seguidos desta base legal reproduzida, quando se entendeu não prejudicar a compreensão da
leitura, em regra, poupou-se a construção autoral das citações de artigos e normas, salvo
quando relevante.
Ressalve-se também que não se teve a intenção de, no presente texto, reproduzir
manifestações de entendimentos administrativos, jurisprudenciais e doutrinários sobre todos
os temas ora abordados da matéria disciplinar. Ao contrário, para não sobrecarregar
demasiada e desnecessariamente o texto, lançou-se mão das citações daquelas quatro fontes
ou referências apenas nos pontos em que se considerou relevante trazer à tona tais apoios às
interpretações ora adotadas, poupando reproduzir entendimentos administrativos,
jurisprudenciais e doutrinários quando estes simplesmente repetem os dispositivos das normas
ou quando abordam temas pacificados e que não suscitam nenhuma polêmica ou dúvida.
Ademais, faz-se necessário esclarecer que, uma vez que o principal objetivo deste
texto é apresentar um roteiro prático para condução do processo disciplinar e para a
consequente aplicação do regime disciplinar, aqui se reproduziram apenas as manifestações
jurisprudenciais e doutrinárias que coincidem com os entendimentos ora adotados - os quais,
por sua vez, sempre refletem posicionamentos institucionais da Coger e também, sempre que
possível, da CGU. Assim, deliberadamente, não se mencionam julgados ou autores em
sentido oposto ao ora adotado. Como regra geral, não faz parte do objetivo do presente texto
apresentar discussões exclusivamente conceituais, diferentes teorias e correntes contrárias de
pensamento.
Introduza-se, que, além do texto principal em si, seguem cinco Anexos. O primeiro
consolida as principais passagens de Pareceres da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre
matéria disciplinar, de aplicação obrigatória ou referencial na Administração Pública federal,
que se encontram distribuídas ao longo deste texto. O segundo aborda com detalhes questões
referentes à responsabilidade civil e descreve o processo de tomada de conta especial (TCE),
propositalmente reservado para um anexo, fora do corpo principal do texto, visto que, embora
guarde correlações com a matéria disciplinar, é um instituto voltado àquela instância
reparadora. O terceiro apresenta uma análise sobre os conceitos de assédio moral e assédio
sexual. O quarto lista os dados de publicação de todas as normas citadas no texto. E o último
sintetiza os ritos processuais ordinário e sumário por meio de fluxogramas.
33
para o assunto. Antecipe-se que tal especificidade, adquirida com a evolução e com o
aprimoramento da Administração e com o crescente repúdio social ao desvio de conduta dos
agentes públicos, visando à qualificação, especialização, isenção, imparcialidade e eficiência,
em nada afronta o parágrafo único do art. 116 e o caput do art. 143, ambos da Lei nº 8.112, de
1990. Embora não expresso no texto positivado da citada Lei, tal grau de amadurecimento
interno dos órgãos e entidades, em absoluta consonância com a base principiológica estatuída
na Constituição Federal (CF) como reitora da Administração Pública, jamais poderia ser tido
como ilegal.
Nestes órgãos e entidades, os deveres de representar e de apurar as supostas
irregularidades têm algumas peculiaridades em comparação com a regra geral acima descrita
(aqui já se permite a liberalidade de também adjetivar tal regramento não só como “geral”,
mas também como antigo, anacrônico, estático ao tempo da publicação da Lei nº 8.112, de
1990). Nesta aprimorada configuração, o servidor que tem ciência de suposta irregularidade
ou de ato ilegal, omissivo ou com abuso de poder, sempre com algum grau de associação com
o cargo do infrator, deve representar, a partir do seu chefe imediato e ao longo de sua via
hierárquica, até o titular da sua unidade ou do seu órgão (ou entidade) de lotação, ainda nos
termos dos incisos VI e XII do art. 116 da citada Lei. A diferença com o modelo antigo é que
esta representação não mais se dirige a uma autoridade hierarquicamente superior ao
representado. Por sua vez, aquela autoridade hierarquicamente superior ao representante deve
encaminhar a representação ao titular da unidade especializada na matéria correcional.
Percebe-se que, neste caso, não necessariamente o procedimento passa por qualquer superior
hierárquico do representado.
Ou seja, diferentemente da regra geral (e temporalmente defasada), em que o dever de
apurar deveria guardar algum grau de proximidade com o representado, em razão da
preservação da linha hierárquica, em tais órgãos ou entidades possuidores do elogiado grau de
amadurecimento, tal competência é deslocada exclusivamente para a unidade especializada no
tema correcional, que não mantém qualquer vinculação com a unidade de lotação do
representado ou de ocorrência do fato. Este regramento específico, quando existente nos
órgãos ou entidades dotados de maior especialização na matéria disciplinar, afasta a regra
geral (e anacrônica), contida no caput do art. 143 da Lei nº 8.112, de 1990, de o dever de
apurar as supostas irregularidades ser cumprido em relação de proximidade em referência
tanto ao representado quanto ao local dos fatos. Nesta modelagem aprimorada, os titulares das
demais unidades do órgão ou da entidade não têm competência para apreciar representações
ou denúncias de natureza disciplinar, nem mesmo para arquivá-las, e muito menos para
instaurar processo disciplinar, devendo encaminhar à unidade correcional as notícias de
supostas irregularidades.
A parcela salutar de cautela com que deve ser cumprido o dever funcional de
representar segue detalhada em 2.3.2.
Na esteira, a despeito de o parágrafo único do art. 116 da Lei nº 8.112, de 1990,
determinar que a representação seja oferecida a partir da via hierárquica do representante
(havendo ou não Corregedoria), caso este a formule diretamente a alguma autoridade
hierárquica superior ou até mesmo à autoridade exclusivamente competente para matéria
correcional, sem fazê-la passar por seu chefe imediato e daí por toda sua linha de hierarquia,
não se deve, à vista do atendimento de valores de maior envergadura (associados à moralidade
na seara pública), tão somente por esta lacuna formal, deixar de se recepcionar a
representação e dar-lhe o devido encaminhamento e muito menos, se for o caso de a peça
mostrar-se relevante, omitir-se na determinação da investigação até mesmo já da apuração
disciplinar. Nestes casos, sopesados os motivos para o servidor ter atravessado diretamente a
representação, abstraindo-se de atos eivados de má-fé, não cabe cogitar de qualquer medida
correcional contra o representante, restando afastada a antijuridicidade de sua conduta
descumpridora da norma positivada.
Uma situação que bem exemplifica a hipótese acima (seja na regra geral da apuração
em via hierárquica, seja existindo Corregedoria) é quando o representante tem alguma
desconfiança da imparcialidade de seu chefe imediato ou outra autoridade hierarquicamente
superior ou quando algum destes é justamente o representado ou pode estar envolvido no fato
relatado. À vista dos naturais constrangimento e desconforto e até mesmo da possibilidade de
obstrução de provas e de medidas de retaliação, a própria Lei nº 8.112, de 1990, no inciso VI
de seu art. 116, disciplina esta situação específica, refletindo a inadequação da manutenção do
comando geral (de a representação dever ser encaminhada por toda via hierárquica de quem a
formula) e se harmoniza com a realidade fática, para permitir que o representante encaminhe
sua peça para outra autoridade - que se recomenda, em princípio, que seja qualquer
autoridade, ainda em linha hierárquica, iniciada a partir da autoridade imediatamente acima
daquela representada, ou o titular da unidade ou, em última instância, se for o caso, a
autoridade exclusivamente competente para a matéria correcional. Este comando legal
compreensivo também se faz refletir no ordenamento infralegal, conforme o caput do art. 5º
da Portaria Coger-MF nº 42, de 21 de novembro de 2013, e o caput do art. 4º da Portaria RFB
nº 6.483, de 29 de dezembro de 2017, que dispõem sobre apuração de irregularidades
funcionais nos respectivos âmbitos do Ministério da Fazenda (MF) como um todo e
especificamente da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB).
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 116. São deveres do servidor:
VI - levar as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo ao
conhecimento da autoridade superior ou, quando houver suspeita de
envolvimento desta, ao conhecimento de outra autoridade competente para
apuração (Redação dada pela Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011);
Portaria Coger-MF nº 42, de 2013 - Art. 5º O servidor que tiver ciência de
irregularidade no serviço público deverá, imediatamente, representar, por
escrito, ao titular da unidade, ou, no caso de representação contra o titular da
unidade, remetê-la diretamente à unidade correcional competente, sob pena de
responsabilidade administrativa, civil e penal.
Portaria RFB nº 6.483, de 2017 - Art. 4º O servidor que tiver ciência de
irregularidade no serviço público deverá, imediatamente, representar, por
escrito e na sua via hierárquica, à respectiva autoridade mencionada no inciso
IV do caput do art. 2°, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e
penal
Convém, por oportuno, salientar que eventuais representações encaminhadas
unicamente a órgãos externos (como, por exemplo, Ministério Público Federal - MPF,
Departamento de Polícia Federal - DPF, Ministério da Transparência, Fiscalização e
Controladoria-Geral da União - CGU) não afastam a obrigação de representar internamente,
40
5.480, de 2005, impõe a tendência crescente de os entes instituírem suas corregedorias, como
reflexo da atual relevância da matéria.
Em complemento, o Decreto nº 8.910, de 22 de novembro de 2016, ao estabelecer a
estrutura regimental da CGU, na matéria que aqui mais interessa, ou seja, na competência
correcional, especificou que, em seu âmbito, as atividades de órgão central (definidas no art.
4º do Decreto nº 5.480, de 2005) são exercidas pela CGU/CRG, e, mais especificamente,
ratificou as competências deste órgão interno para analisar representações e denúncias,
instruir, instaurar ou determinar instauração de procedimentos correcionais e para propor a
avocação de procedimentos em curso, alcançando todos os órgãos e entidades do Poder
Executivo federal, conforme os incisos I, VII a X e XII do seu art. 14.
Deste Decreto nº 8.910, de 2016, nos seus arts. 2º e 15, se extrai ainda que a
CGU/CRG, cujo titular é o Corregedor-Geral da União da CGU (também chamado de
Corregedor-Geral da CGU, ocupante de cargo em comissão do Grupo-Direção e
Assessoramento Superiores - código DAS-101.6), tem sob sua jurisdição três Corregedorias
Adjuntas da CGU, subdivididas por área de atuação (de Área Econômica - CGU/CRG/Corec,
de Área de Infraestrutura - CGU/CRG/Corin e de Área Social - CGU/CRG/Coras), cujos
titulares são os respectivos Corregedores Adjuntos da CGU (ocupantes de cargos em
comissão código DAS-101.5), às quais compete apurar irregularidades ocorridas em suas
esferas de competência, acompanhar e conduzir os respectivos procedimentos correcionais e
coordenar as atividades de suas corregedorias setoriais junto aos Ministérios. Abaixo destas
três Corregedorias Adjuntas da CGU, ainda na linha hierárquica da CGU/CRG, situam-se as
já mencionadas unidades setoriais de correição, junto aos Ministérios das respectivas áreas,
cujos titulares são os Corregedores Setoriais da CGU (ocupantes de função comissionada do
Poder Executivo - código FCPE-101.4). Também inserida na CGU/CRG, foi criada a
Coordenação-Geral de Responsabilização de Entes Privados da CGU (CGU/CRG/Corep, cujo
titular é o Coordenador-Geral de Responsabilização de Entes Privados da CGU (ocupante de
função comissionada código FCPE-101.4), para desempenhar as competências, no âmbito do
órgão central, atinentes ao processo administrativo de responsabilização (PAR) de entes
privados, instituído pela Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, e mencionado em 2.2.2.2.3.
Por fim, já fora da linha hierárquica da CGU/CRG, nos órgãos e entidades de cada Ministério,
encontram-se as também já citadas unidades seccionais de correição.
Como se percebe, à luz do art. 8º-A do Decreto nº 6.944, de 21 de agosto de 2009, os
cargos em comissão acima mencionados são todos da categoria direção, que comportam
subordinados e substituto (códigos 101, não havendo aqui cargos da categoria
assessoramento, de códigos 102).
Note-se que o Decreto nº 5.480, de 2005, denominava cada uma das três unidades de
área como Corregedoria-Geral Adjunta e, consequentemente, denominava cada um de seus
titulares como Corregedor-Geral Adjunto. O Decreto nº 8.910, de 2013, destacadamente em
seus arts. 2º e 15, passou a denominá-los apenas como Corregedoria Adjunta e Corregedor
Adjunto, terminologia que, sendo mais recente, se adotou ao longo deste texto - embora não
se trate de revogação daquela norma por esta.
Decreto nº 8.910, de 2016 - Art. 1º O Ministério da Transparência,
Fiscalização e Controladoria-Geral da União - CGU, órgão central do Sistema
de Controle Interno, do Sistema de Correição e das unidades de Ouvidoria do
Poder Executivo federal, tem como área de competência os seguintes assuntos:
I - adoção das providências necessárias à defesa do patrimônio público, ao
controle interno, à auditoria pública, à correição, à prevenção e combate à
corrupção, às atividades de ouvidoria e ao incremento da transparência da
gestão no âmbito da administração pública federal;
II - decisão preliminar acerca de representações ou denúncias fundamentadas
que receber, indicando as providências cabíveis;
III - instauração de procedimentos e processos administrativos a seu cargo,
49
ferramenta para a alimentação do banco de informações, por força da Portaria CGU nº 1.043,
de 24 de julho de 2007, conforme o caput do seu art. 1º. Desta forma, na prática, a obrigação
passou a ser automaticamente suprida, a cada evento concretamente ocorrido, restando
obsoleta a temporalidade trimestral ainda prevista nas duas normas supra para este envio.
Portaria CGU nº 1.043, de 2007 - Art. 1º As informações relativas a processos
disciplinares instaurados no âmbito dos órgãos e entidades que compõem o
Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, criado por meio do Decreto
nº 5.480, de 30 de junho de 2005, deverão ser gerenciadas por meio do Sistema
de Gestão de Processos Disciplinares - CGU-PAD.
O emprego deste sistema no âmbito do MF foi regulamentado pela Portaria Coger-MF
nº 17, de 30 de janeiro de 2014. Segundo os arts. 2º e 3º desta norma, devem ser registrados
no sistema CGU-PAD, no prazo de até trinta dias da ocorrência, os principais andamentos de
processos disciplinares (em gênero, comportando todos os ritos), tais como instauração,
prorrogação, designação de nova comissão ou equipe, alteração de integrantes do colegiado,
indiciação, encaminhamento para autoridade julgadora, julgamento, anulação e interposição
de qualquer espécie recursal ou revisão, e também em fases similares, no que couber, em
sindicâncias investigativas (instauração e encerramento) e patrimoniais (notificação do
investigado, caso ocorra, e encerramento).
Portaria Coger-MF nº 17, de 2014 - Art. 2º É obrigatório o registro no Sistema
CGU-PAD de informações relativas aos seguintes procedimentos disciplinares
instaurados no âmbito deste Ministério:
I - Procedimento Administrativo para Empregado Público (art. 3º da Lei nº
9.962, de 22 de fevereiro de 2000);
II - Processo Administrativo Disciplinar (Lei nº 8.112, de 11 de
dezembro de 1990);
III - Rito Sumário (Lei nº 8.112, de 1990);
IV - Sindicância “Servidor Temporário” (art. 10 da Lei nº 8.745, de 9 de
dezembro de 1993);
V - Sindicância Investigativa;
VI - Sindicância Acusatória (Lei nº 8.112, de 1990); e
VII - Sindicância Patrimonial.
Art. 3º Serão obrigatoriamente registrados no Sistema CGU-PAD, os seguintes
atos dos procedimentos disciplinares mencionados no art. 2º:
I - instauração;
II - prorrogação;
III - recondução;
IV - alteração de membros ou presidente de comissão disciplinar;
V - indiciamento;
VI - encaminhamento do processo para a autoridade julgadora;
VII - julgamento;
VIII - anulação, de natureza administrativa ou judicial;
IX - pedido de reconsideração e decorrente decisão;
X - interposição de recurso hierárquico e decorrente decisão; e
XI - instauração de processo de revisão.
Parágrafo único. As informações sobre os atos deverão ser registradas no
Sistema CGU-PAD, em até 30 (trinta) dias, a contar de sua ocorrência ou da
data de sua publicação.
Compete aos Escor (e também à Coger, nas excepcionais hipóteses em que o
Corregedor figura como autoridade instauradora ou julgadora) alimentar a base de dados
externa do mencionado sistema CGU-PAD a cada evento concretamente ocorrido em
procedimentos estritamente disciplinares (PAD e sindicância disciplinar). É de se ressalvar
que, dentre procedimentos investigativos, o sistema correcional da RFB informa no sistema
CGU-PAD a existência apenas de sindicâncias investigativas e patrimoniais, não cadastrando
investigações preliminares e investigações patrimoniais. Ademais, compete ainda às
58
autoridades fiscais e administrativas que porventura lancem mão de sua parcela concorrente
de competência correcional proceder a todos os registros no aludido sistema, no termos do
parágrafo único do art. 6º da Portaria RFB nº 6.483, de 29 de dezembro de 2017.
Portaria RFB nº 6.483, de 2017 - Art. 6º
Parágrafo único. As autoridades mencionadas no caput devem ainda proceder
a todos os registros cabíveis, desde a instauração até o julgamento, no Sistema
de Controle de Processos Disciplinares (CGU-PAD), do Ministério da
Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU), de que
trata a Portaria CGU nº 1.043, de 24 de julho de 2007, e seguir as normas,
notas técnicas e orientações manualizadas vinculantes do Sistema de Correição
do Poder Executivo Federal.
Também obriga-se a registro no CGU-PAD a celebração de Termo de Ajustamento de
Conduta (TAC), tema abordado em 2.5.7, em até trinta dias do evento, segundo o caput do
art. 10 da norma própria de regência daquele tipo de acordo, a Instrução Normativa CGU nº 2,
de 30 de maio de 2017, editada posteriormente à Portaria Coger-MF nº 17, de 2014 (daí
porque o TAC não constou da lista dessa norma mais genérica).
Instrução Normativa CGU nº 2, de 2017 - Art. 10. O TAC deverá ser registrado
no CGU-PAD no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data de sua celebração.
Neste rumo, informe-se ainda que, antes mesmo da implantação do sistema CGU-
PAD, o sistema correcional da RFB já contava com um sistema interno de acompanhamento
da atividade correcional (o Sistema de Acompanhamento de Comissões - Siacom), cuja base
de dados é similar àquela que posteriormente a CGU viria a implantar no âmbito de todo o
Poder Executivo federal e cuja alimentação também cabia, precipuamente, aos Escor e,
residualmente, à Coger. Todavia, por razões técnicas de tecnologia da informação, apesar de
ser um sistema oficialmente homologado, tornou-se necessário descontinuar o emprego do
Siacom em 31/07/14.
Assim, resta que no sistema CGU-PAD, a cada procedimento disciplinar instaurado,
deve o Escor (ou a Coger, quando aplicável) informar os dados da portaria instauradora (nº,
autoridade signatária, nomes e dados funcionais dos integrantes da comissão, espécie
processual e data e meio de publicação). No curso dos trabalhos, mediante informações
prestadas pela comissão, deve ainda o Escor (ou a Coger, se for o caso) atualizar o banco de
dados, informando nome(s) e dados funcionais do(s) acusado(s), dados das portarias de
prorrogação e de designação de nova comissão (incluindo nomes e dados funcionais de
eventuais novos integrantes) e, quando aplicável, informar a indiciação do(s) acusado(s).
Cabe também ao Escor (ou à Coger) informar o resultado do julgamento (se houve absolvição
ou responsabilização e, neste caso, os dados do ato punitivo, tais como nº da portaria,
autoridade signatária, punição aplicada, data e meio de publicação e eventual efeito da
prescrição), bem como o encaminhamento dos autos à autoridade julgadora, as declarações
administrativa ou judicial de nulidade e a interposição de qualquer esfera recursal ou
revisional e as respectivas decisões. O mesmo se aplica para eventuais autoridades fiscais ou
administatIvas que visem a figurar como autoridade instauradora.
Apenas para complementar a informação por ora prestada acerca de sistemas de
controle, mencione-se ainda a existência de mais um sistema interno, gerido pela
Coordenação-Geral de Gestão de Pessoas (Cogep), para controle das repercussões da matéria
correcional, a saber, o Sistema de Apoio às Atividades Administrativas (SA3), incumbindo
também aos Escor (ou à Coger, se for o caso) informar dados funcionais do(s) acusado(s) e o
resultado do julgamento.
Fechado este parêntese acerca da repercussão de parte das competências da CGU
sobre o sistema correcional da RFB, retorna-se à descrição dos ditames da Portaria CGU nº
335, de 2006, retomando-se do ponto em que havia sido interrompida, no tema das
competências nela estabelecidas.
59
órgão central, conforme o caput do art. 11 e o caput do art. 12, ambos da mesma norma.
Portaria CGU nº 335, de 2006 - Art. 10. A apuração de responsabilidade, no
âmbito do Órgão Central e das unidades setoriais, por falta funcional
praticada por servidor público, será realizada mediante sindicância ou
processo administrativo disciplinar.
Parágrafo único. Nas unidades seccionais, a apuração de responsabilidade
deverá observar as normas internas a respeito do regime disciplinar e
aplicação de penalidades.
Art. 11. No âmbito do Órgão Central e das unidades setoriais, a instauração de
sindicância ou de processo administrativo disciplinar caberá ao Ministro de
Estado do Controle e da Transparência, ao Secretário-Executivo, ao
Corregedor-Geral e aos Corregedores Setoriais, conforme o nível do cargo,
emprego ou função do servidor ou empregado a ser investigado.
Art. 12. As comissões de sindicância e de processo administrativo disciplinar
instauradas pelo Órgão Central e pelas unidades setoriais serão constituídas,
de preferência, com servidores estáveis lotados na Corregedoria-Geral da
União.
A sindicância disciplinar (ou autônoma ou acusatória ou contraditória ou punitiva ou
apuratória) é o procedimento para apurar responsabilidade de menor gravidade e pode, se for
o caso, após respeitados o contraditório e a ampla defesa, redundar em apenação (de
advertência ou de suspensão de até trinta dias); deve ser conduzida por comissão de dois ou
três servidores estáveis, no prazo de até trinta dias, prorrogado por igual período. O PAD é o
instrumento para apurar responsabilidade de servidor por infração cometida no exercício do
cargo ou a ele associada, sob rito contraditório, podendo aplicar todas as penas estatutárias;
deve ser conduzido por comissão formada por três servidores estáveis, no prazo de até
sessenta dias, prorrogado por igual período. Conforme já antecipado acima, estes prazos não
são fatais, podendo ser designada nova comissão após o prazo prorrogado.
As instaurações destes dois ritos disciplinares, em face de servidores de qualquer
órgão ou entidade, a cargo das unidades setoriais de correição devem ser comunicadas à
CGU/CRG, para acompanhamento e avaliação. O julgamento cabe ao Ministro de Estado da
Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União, em caso de penas expulsivas e
suspensão superior a trinta dias; ao Corregedor-Geral da União da CGU, em caso de
suspensão de até trinta dias; e aos Corregedores Adjuntos da CGU, em caso de advertência ou
arquivamento, cabendo pedido de reconsideração à autoridade que decidiu e um grau de
recurso nas decisões dos Corregedores Adjuntos da CGU e do Corregedor-Geral da União da
CGU.
Portaria CGU nº 335, de 2006 - Art. 4° Para os fins desta Portaria, ficam
estabelecidas as seguintes definições:
III - sindicância acusatória ou punitiva: procedimento preliminar sumário,
instaurada com fim de apurar irregularidades de menor gravidade no serviço
público, com caráter eminentemente punitivo, respeitados o contraditório, a
oportunidade de defesa e a estrita observância do devido processo legal;
IV - processo administrativo disciplinar: instrumento destinado a apurar
responsabilidade de servidor público federal por infração praticada no
exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do
cargo em que se encontre investido;
Art. 12.
§ 2° No caso de sindicância acusatória ou punitiva a comissão deverá ser
composta por dois ou mais servidores estáveis.
§ 3° A comissão de processo administrativo disciplinar deverá ser constituída
por três servidores estáveis, nos termos do art. 149 da Lei n° 8.112, de 11 de
dezembro de 1990.
Art. 13. As unidades setoriais, tão logo instaurem procedimentos disciplinares,
remeterão à Corregedoria-Geral cópia da portaria de instauração, sem
63
Mais que isto, de certa forma, pode-se inferir que a atuação da Coger-MF, nos limites
de sua competência, exclui apenas a atuação do sistema correcional da RFB, pois na mesma
linha já delineada desde o Decreto nº 8.029, de 2013, a regulamentação inferior, operada pela
Portaria MF nº 492, de 23 de setembro de 2013, que traça regras gerais para a atuação
correcional no âmbito do MF, praticamente reconhece apenas a Coger como outra unidade
seccional de correição e não deixa espaço para criação de novas unidades seccionais de
correição nos demais órgãos da Pasta. Além do claro comando exposto no art. 1º da
mencionada norma, o mesmo tipo de construção, adotando uma espécie de lista exaustiva -
incluindo apenas a Coger-MF e o Corregedor-Geral do MF e a Coger e o Corregedor da RFB
- também é verificado em diversos outros dispositivos de índole procedimental (tais como os
arts. 8º, 10, 11, 16, 17, 19 e 20, todos da Portaria MF nº 492, de 2013, de desnecessária
reprodução nesta passagem do texto).
Portaria MF nº 492, de 2013 - Art. 1º A Corregedoria-Geral do Ministério da
Fazenda e a Corregedoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil
executarão, no âmbito de suas atribuições, as atividades relacionadas à
prevenção e à apuração de irregularidades disciplinares, por meio da
instauração e da condução de procedimentos correcionais.
Primeiramente, para esclarecer o correto alcance orgânico da competência da Coger-
MF, introduz-se que o Decreto nº 9.003, de 2017, ao mencionar, na alínea “a” do inciso II do
seu art. 8º, os “órgãos singulares ou colegiados”, de imediato, restringiu sua alçada aos órgãos
componentes da Administração Pública direta, tendo excluído as entidades de Administração
Pública indireta da Pasta (de que são espécies as autarquias, como Banco Central do Brasil
(BCB), Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Superintendência de Seguros Privados
(Susep) e Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc); as empresas
públicas, como a Casa da Moeda do Brasil (CMB), o Serviço Federal de Processamento de
Dados (Serpro) e Caixa Econômica Federal (CEF); e as sociedades de economia mista, como
o Banco do Brasil (BB); conforme a classificação que se apresentará em 3.2.4.1.2). Mas, além
disto, no que tange especificamente aos órgãos da Pasta, é necessário destacar que este
mesmo Decreto, em seu art. 2º, ao elencar a estrutura organizacional do MF, como de praxe
em norma de tal natureza em âmbito federal, não primou pela técnica redacional, uma vez que
não atentou para a consagrada classificação doutrinária, causando dúvida acerca do alcance do
comando corretamente redigido na supramencionada alínea “a” do inciso II do seu art. 8º,
tornando necessária a abordagem detalhada do tema.
Ao se ler o art. 2º do Decreto nº 9.003, de 2017, se tem a equivocada impressão que os
órgãos teriam três subdivisões (de assistência direta ao Ministro de Estado da Fazenda,
específicos singulares e colegiados, respectivamente em seus incisos I, II e III), à margem da
clássica divisão doutrinária, no que tange a atuação funcional, tão somente entre órgãos
singulares (ou unipessoais, em que, não obstante possuírem vários agentes auxiliares, as
decisões emanam de um único agente, em geral o seu titular) e órgãos colegiados (ou
pluripessoais, em que as decisões, conforme lei, regimento ou estatuto, emanam de
manifestação de um conjunto de agentes, por maioria, não se vinculando à vontade do titular).
Na verdade, a norma destaca um subgrupo de órgãos que, independentemente de serem
singulares ou colegiados, não possuem uma finalidade técnica específica mas sim se prestam
a tão somente dar assistência ao Ministro de Estado da Fazenda. Na interpretação sistemática
do próprio Decreto nº 9.003, de 2017, é preciso compreender os órgãos chamados de
“assistência direta e imediata ao Ministro de Estado” e de “específicos singulares”, nos
incisos I e II do seu art. 2º, como indistintamente inseridos no conceito doutrinário de órgãos
singulares, de forma que, juntamente com os órgãos colegiados do inciso III do mesmo
dispositivo, todos estejam igualmente alcançados pela competência correcional da Coger-MF,
estabelecida na alínea “a” do inciso II do art. 8º do mesmo Decreto.
Assim, como órgãos singulares, submetem-se à atuação correcional da Coger-MF
tanto a Secretaria-Executiva, o Gabinete e as Assessorias Especiais do Ministro de Estado e
69
de Controle Interno (no inciso I do art. 2º do Decreto nº 9.003, de 2017), quanto a RFB, a
Secretaria do Tesouro Nacional (STN), a Secretaria do Política Econômica (SPE), a Secretaria
de Assuntos Internacionais (SAI), a Secretaria de Previdência (SP), a Secretaria de Promoção
da Produtividade e Advocacia da Concorrência, a Secretaria de Acompanhamento Fiscal,
Energia e Loteria e a Escola de Administração Fazendária (Esaf), no inciso II do mesmo
dispositivo; e, como órgão colegiado, também se submete àquela atuação correcional,
destacadamente, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf, que é um órgão
colegiado, como segunda instância administrativa recursal em matéria tributária, autônomo
em relação à RFB e diretamente vinculado ao Ministro de Estado da Fazenda), dentre outros.
De se destacar que a abrangência acima disposta não incluiu a Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional (PGFN), a despeito de figurar como órgão específico singular no inciso II
do art. 2º do Decreto nº 9.003, de 2017, pois o parágrafo único do art. 8 do mesmo Decreto
excluiu da competência correcional da Coger-MF os membros da Advocacia-Geral da União
(AGU) e os Procuradores Federais, conforme também faz refletir o art. 2º da Portaria MF nº
492, de 2013.
Portaria MF nº 492, de 2013 - Art. 2º As atribuições de unidade seccional do
Sistema de Correição no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
(PGFN) serão exercidas pela unidade indicada no seu regimento interno,
respeitada a competência da Corregedoria-Geral da Advocacia da União.
Parágrafo único. O Procurador-Geral da Fazenda Nacional expedirá as
normas necessárias para a regulamentação da atividade de correição no
âmbito da PGFN.
Feita esta apresentação do foco subjetivo da competência, nos termos dos incisos I e II
do art. 8º do Decreto nº 9.003, de 2017, cabe, então, à Coger-MF atuar - no sentido mais
amplo do termo, aplicando, no âmbito exclusivo da Pasta, todos os procedimentos
correcionais, sejam investigativos, sejam contraditórios, na análise de representações e
denúncias, na realização de juízo de admissibilidade, na instauração de ritos investigativos,
inclusive de sindicância patrimonial, ou de sindicância disciplinar ou de processo
administrativo disciplinar (PAD) - em face de irregularidades praticadas no âmbito de órgão
singular ou colegiado que não possua unidade própria de correição ou quando relacionadas a
mais de um órgão ou ainda para apurar atos atribuídos a titulares de órgãos (em que se destaca
o Secretário da Receita Federal do Brasil) e a conselheiros de órgãos colegiados da estrutura
do MF (em que se destaca o caso dos servidores da Carreira Tributária e Aduaneira da Receita
Federal do Brasil - TARFB atuando no Carf, na função pública de conselheiro representante
da Fazenda Nacional, em dedicação integral e exclusiva neste órgão colegiado, ou nele
ocupando cargo em comissão ou função de confiança), por determinação ministerial nos dois
últimos casos.
Decreto nº 9.003, de 2017 - Art.8o À Corregedoria-Geral compete:
I - analisar as representações e as denúncias que lhe forem encaminhadas,
ressalvadas as competências específicas das demais corregedorias dos órgãos
do Ministério;
II - instaurar e conduzir, de ofício ou por determinação superior, e decidir pelo
arquivamento, em sede de juízo de admissibilidade, de sindicâncias, inclusive
patrimoniais, e de processos administrativos disciplinares:
a) para apurar irregularidades praticadas no âmbito de órgão singular ou
colegiado da estrutura organizacional do Ministério que não possua
corregedoria própria ou quando relacionadas a mais de um órgão da referida
estrutura; ou
b) para apurar atos atribuídos aos titulares dos órgãos e aos conselheiros dos
órgãos colegiados do Ministério, por meio de determinação do Ministro de
Estado;
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica aos membros da
Advocacia-Geral da União e aos Procuradores Federais.
70
desmembramento das apurações por fatos que envolvam mais de um órgão fazendário ou que
envolvam servidor comum e autoridade cuja competência correcional recai na Coger-MF,
delegar, no que cabível, ao órgão possuidor de unidade de correição própria, as apurações
referentes a agentes sem o foro privilegiado.
Portaria Coger-MF nº 42, de 2013 - Art. 3º Compete ao Corregedor-Geral do
Ministério da Fazenda:
I - a decisão quanto à instauração de sindicância disciplinar e de processo
administrativo disciplinar para apurar responsabilidade de servidor no âmbito
de órgão da estrutura do Ministério da Fazenda que não possua unidade de
correição própria, ou quando a apuração relacionar-se a mais de um órgão da
estrutura do Ministério da Fazenda;
II - a decisão quanto à instauração de sindicância disciplinar e de processo
administrativo disciplinar, quando, nas unidades dotadas de corregedoria
própria, o acusado ou investigado, à época dos fatos ou à época da decisão de
instauração, for ocupante de cargo de Corregedor, Corregedor-Adjunto, ou
ocupante de cargo de direção ou assessoramento superior ao do Corregedor;
III - a decisão quanto à instauração de sindicância disciplinar e de processo
administrativo disciplinar, quando, nas unidades dotadas de corregedoria
própria, houver mais de um investigado e pelo menos um deles se enquadrar
nos casos previstos no inciso anterior;
IV - mediante prévia autorização do Ministro de Estado da Fazenda, a decisão
quanto à instauração de sindicância disciplinar e de processo administrativo
disciplinar, quando o acusado ou investigado, à época dos fatos ou à época da
instauração, for titular de órgão ou conselheiro dos órgãos colegiados da
estrutura do Ministério da Fazenda, assim como em relação ao servidor que
praticar, nessas qualidades, atos passíveis de apuração disciplinar.
§ 1º Na hipótese prevista no fim do inciso I, quando um dos órgãos possuir
unidade de correição própria, o Corregedor-Geral poderá, se a situação assim
o recomendar, desmembrar o feito e delegar a essa unidade de correição a
instauração de sindicância disciplinar e de processo administrativo disciplinar
para apurar responsabilidade de servidor do respectivo órgão.
§ 2º Na hipótese do inciso III, o Corregedor-Geral poderá, se a situação assim
o recomendar, desmembrar o feito e delegar à corregedoria da unidade a
instauração de sindicância disciplinar e de processo administrativo disciplinar
em relação ao servidor não enquadrado nos casos previstos no inciso II.
Da mesma forma como se exporá em 3.2.3.5.1 e em 3.2.3.5.2 especificamente para a
RFB, a mencionada norma interna da Coger-MF, em seu art. 2º, também excepciona da
competência do Corregedor-Geral do MF a apuração em casos de responsabilidade dos
intervenientes nas operações do comércio exterior, que seguem o rito estabelecido no art. 76
da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003; nos casos de dano ou desaparecimento de bem
público e de mercadorias apreendidas sob a guarda de unidades do MF, que seguem o rito
estabelecido pela Instrução Normativa CGU nº 4, de 17 de fevereiro de 2009; e nos casos de
desaparecimento de processo administrativo, que devem ser apurados por sindicância
investigativa instaurada pelo titular da unidade.
Portaria Coger-MF nº 42, de 2013 - Art. 2º O disposto no art. 1º não abrange a
apuração de:
I - responsabilidade dos intervenientes nas operações de comércio exterior,
bem assim os respectivos recursos, nos termos do art. 76 da Lei nº 10.833, de
29 de dezembro de 2003;
II - dano ou desaparecimento de bem público de que trata a Instrução
Normativa Sedap nº 205, de 8 de abril de 1988, da Secretaria de Administração
Pública da Presidência da República;
III - dano ou desaparecimento de mercadorias apreendidas sob guarda das
unidades do Ministério da Fazenda; e
IV - desaparecimento de processo administrativo, quando não houver indícios
de responsabilidade de servidor.
72
do Poder Executivo federal, qual seja, o Presidente da República, no degrau abaixo veem-se
os diversos Ministérios, em igualdade de status, em que se destacam, apenas para o fim
didático da gravura, o MF e a CGU. A partir daí, enquanto a linha hierárquica tem inerente à
sua própria definição o fato de se inserir no Ministério, a linha do SisCor-PEF atua
exatamente ao oposto, pois as normas e orientações irradiadas no âmbito da CGU repercutem
além de seus próprios limites, nas unidades seccionais de correição dos órgãos fazendários e
fiscais. Enfim, as ramificações da hierarquia não contêm nenhuma interseção ou superposição
com a linha de incidência do SisCor-PEF.
Acrescente-se que, na gravura, aproveitou-se ainda para pontilhar o raio de
competência da atuação correcional da Coger-MF no âmbito dos órgãos de assistência direta,
singulares específicos e dos principais colegiados.
Retomando as peculiaridades do sistema correcional, é preciso destacar que, como
forma de garantir a atuação institucional e a segurança funcional de seus servidores
integrantes, o Decreto nº 2.331, de 1997, não só criou as unidades correcionais mas também
dotou o sistema com cláusulas de proteção, que adiante se descrevem.
A primeira destas cláusulas reside no instituto do mandato de que dispõe o Corregedor
a fim de poder exercer sua função. Antes, relembre-se que, sem prejuízo da autonomia técnica
e da independência de atuação de que goza o sistema correcional, a Coger integra a RFB e
insere-se em sua linha hierárquica, sendo até mesmo o Corregedor hierarquicamente
subordinado ao Secretário da Receita Federal do Brasil.
Não obstante esta subordinação hierárquica, a nomeação do Corregedor não compete
ao Secretário da Receita Federal do Brasil, cabendo-lhe apenas fazer a indicação ao Ministro
de Estado da Fazenda. A competência para efetivamente nomear o Corregedor recai sobre
este titular da Pasta. A partir de sua nomeação, o Corregedor exerce mandato de três anos,
com possibilidade de ser reconduzido por mais um período de igual duração. O instituto do
mandato significa a importantíssima peculiaridade de que, apesar de ocupar cargo em
comissão (do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - código DAS-101.4), o
Corregedor não se sujeita à livre exoneração, nem por parte do Ministro de Estado da Fazenda
e muito menos pelo Secretário da Receita Federal do Brasil.
Ademais, a exemplo do mandato do Corregedor-Geral do MF, conforme já previa o §
1º do art. 8º do Decreto nº 5.480, de 2005, na leitura conjunta do parágrafo único do art. 9º e
dos §§ 1º e 2º do art. 26, ambos do Decreto nº 9.003, de 2017, a indicação que antecede a
nomeação e a recondução do Corregedor condicionam-se à aprovação da CGU.
A questão da possibilidade de recondução do Corregedor sofreu relevante modificação
com a já mencionada edição do Decreto nº 8.029, de 2013, que alterou o Decreto nº 7.482, de
2011. Uniformizando o tema no âmbito das unidades seccionais de correição do MF, o
Decreto nº 7.482, de 2011, passou a estabelecer que o mandato trienal dos titulares comporta
apenas uma única recondução, limitação que não constava do Decreto nº 2.331, de 1997.
Assim, o Decreto nº 8.029, de 2013, no inciso III do seu art. 8º, revogou o art. 2º do Decreto
nº 2.331, de 1997, passando o tema interno a ser disciplinado pelos §§ 1º e 2º do art. 15-A do
Decreto nº 7.482, de 2011, e com regra de transição específica no art. 6º do Decreto nº 8.029,
de 2013. E, atualmente, todos estes comandos estão compilados no parágrafo único do art. 9º
e nos §§ 1º e 2º do art. 26, ambos do Decreto nº 9.003, de 2017.
Decreto nº 8.029, de 2013 - Art. 6º As regras constantes no parágrafo único do
artigo 4o-C do Anexo I ao Decreto no 7.482, de 2011, aplicam-se aos atuais
ocupantes do cargo de Corregedor, ou equivalente, e serão observadas para o
exercício de novo mandato.
Decreto nº 9.003, de 2017 - Art.9º
Parágrafo único. O Corregedor-Geral exercerá mandato de três anos, admitida
a recondução, mediante aprovação prévia do Órgão Central do Sistema de
Correição do Poder Executivo federal.
84
Art. 26.
§ 1o O Ministro de Estado nomeará o Corregedor da Secretaria da Receita
Federal do Brasil, após indicação pelo Secretário da Receita Federal do Brasil
e aprovação prévia pelo Órgão Central do Sistema Central de Correição do
Poder Executivo federal.
§ 2o O Corregedor da Secretaria da Receita Federal do Brasil exercerá
mandato de três anos, admitida a recondução, mediante aprovação prévia do
Órgão Central do Sistema de Correição do Poder Executivo federal.
Este tema peculiar envolvendo a nomeação do Corregedor merece detida e
desapaixonada apreciação. Ora, diante da natureza sensível da matéria correcional, que pode
vir a se contrapor a entendimentos ou até a afrontar e impedir interesses, sejam de pessoas,
sejam de grupos, de outra forma não se poderia cogitar da atuação deste sistema, encabeçado
pela autoridade do cargo de Corregedor. Não se contempla que esta autoridade, com as
competências regimentais que lhe são inerentes, tivesse sua atuação subjugada a intenções,
conveniências, tendências ou humores momentâneos, ou nem mesmo sujeita a críticas de
dedicação, produtividade ou insuficiência de desempenho, a ponto de ter sua posição
fragilizada pelo risco de poder ser exonerado a qualquer momento, discricionariamente por
meros critérios de oportunidade e conveniência. Não obstante se situar na linha hierárquica
abaixo do Secretário da Receita Federal do Brasil e ocupar um cargo em comissão no órgão, a
posição de Corregedor, como síntese de todo o sistema correcional, deve ser robusta, sólida,
segura e estável no tempo previsto para o exercício do seu mandato.
nacional, inclusive estranha ao sistema correcional; ou após dois anos, para outra unidade de
correição, devendo permanecer nesta unidade por mais dois anos, totalizando então quatro
anos o seu período aquisitivo para remoção para fora do sistema correcional.
A rigor, por ausência de previsão legal, todas estas prerrogativas acima, acerca de
remoção, não beneficiam os servidores ocupantes de demais cargos que não integram a
Carreira TARFB.
Apresentadas as cláusulas concedidas aos servidores integrantes do sistema
correcional, com destaque para a possibilidade de saída para demais unidades da RFB,
cumpre agora abordar o deslocamento no sentido oposto, qual seja, as formas de ingresso de
servidores na Coger ou em algum Escor, por remoção a pedido ou de ofício.
Antes de descrever como as espécies legais de remoção se refletem no ingresso no
sistema correcional da RFB, é imprescindível apresentar uma ferramenta gerencial que figura
como o principal instrumento para, de forma continuada, suprir o necessário quadro de
lotação da Coger e dos Escor. Trata-se do Painel de Intenção de Atuação Profissional (Piap),
cujo alcance é tamanho que se aplica a toda espécie de remoção com que se cogita deslocar
um servidor para a Corregedoria e contempla não apenas os integrantes da Carreira TARFB
mas sim todo o quadro funcional da RFB.
O Piap foi instituído pela Portaria RFB nº 914, de 12 de abril de 2012, e
regulamentado pela Portaria Cogep nº 322, de 27 de junho de 2012, e figura como um espaço
virtual apropriado no âmbito do Sistema de Apoio às Atividades Administrativas (SA3) no
qual os servidores interessados em integrarem o quadro funcional do sistema correcional
devem manifestar esta sua intenção de atuação naquele processo de trabalho, autoavaliando
seus grau de interesse, conhecimentos, habilidades e atitudes nos desdobramentos das
diferentes linhas de competência da atuação correcional.
Quebrando a sequência cronológica da exposição da normatização do tema, impõe-se
desde logo mencionar que a Portaria RFB nº 2.588, de 18 de agosto de 2017, veio
posteriormente aperfeiçoar e estabelecer, em seus arts. 4º a 6º, que tal inscrição no Piap, pelos
servidores interessados em remoção, é pré-requisito para que, após terem analisadas e
ponderadas suas autoavaliações e demais informações porventura solicitadas, sejam aqueles
de perfil profissional interessante indicados pelo Corregedor ao Secretário da Receita Federal
do Brasil. Não tendo a norma delimitado a espécie de remoção a ser aplicada a cada caso,
pode-se então considerar a inscrição no Piap como uma condição comum e geral para
remoções de ofício e para as duas espécies de remoção a pedido - na verdade, para
movimentações não apenas para as unidades da Corregedoria mas também para as unidades
do processo de trabalho de pesquisa e investigação, a cargo da Coordenação-Geral de
Pesquisa e de Investigação (Copei) e de seus Escritórios (Espei).
Portaria RFB nº 2.588, de 2017 - Art. 4º O servidor interessado em atuar nas
unidades de Corregedoria ou de Pesquisa e Investigação deve estar inscrito no
Painel de Intenção de Atuação Profissional (PIAP), de que trata a Portaria
RFB nº 914, de 12 de abril de 2012, nos processos de trabalho “Desenvolver a
Integridade Funcional” e/ou “Realizar Ações de Pesquisa e Investigação”,
respectivamente.
Parágrafo único. O registro da intenção de atuação profissional do servidor no
PIAP é voluntário, vincula-o às regras previstas nesta Portaria e na Portaria
RFB nº 914, de 2012, e não implica a geração de direito para o inscrito ou de
obrigação por parte da Administração.
Art. 5º A indicação de servidor para exercício nas unidades de Corregedoria e
de Pesquisa e Investigação compete, respectivamente, ao Corregedor da RFB e
ao Coordenador-Geral de Pesquisa e Investigação.
Art. 6º Para fins de melhor qualificação do perfil profissiográfico do servidor, é
facultada a complementação de informações, adicionalmente àquelas
disponibilizadas no PIAP, mediante o preenchimento de questionário.
89
instituição do Piap, a norma, destacadamente em seu art. 10, não vedou as demais formas
previstas em lei de remoção para a Coger ou para os Escor, conforme se detalha a seguir.
Portaria RFB nº 2.588, de 2017 - Art. 10. O disposto nesta Portaria não exclui
outras possibilidades que, excepcionalmente, se façam necessárias, para o
ingresso de servidores nas unidades de Corregedoria e de Pesquisa e
Investigação, mediante autorização do Secretário da Receita Federal do Brasil.
Neste rumo, a segunda modalidade de servidor ser removido de qualquer unidade da
RFB para o sistema correcional se dá por meio de remoção de ofício, prevista no inciso I do
parágrafo único do art. 36 da Lei nº 8.112, de 1990, já reproduzido no início do presente
tópico. Esta modalidade de remoção contempla deslocamentos no interesse da Administração,
disciplinados no âmbito da RFB pelo art. 2º da Portaria RFB nº 3.300, de 2011,
destacadamente em seus incisos I (em que pode se fundamentar processo seletivo interno, já
que todo sistema correcional é tido como unidade central), III (para ingresso de servidor
nomeado ou designado para ocupar função gratificada ou cargo em comissão) e V (para
ingresso de servidor que se desloque no âmbito do mesmo município, sem ônus) – havia ainda
a aplicabilidade no VII, restrita ao período em que o sistema correcional contou com o Núcleo
de Corregedoria (Nucor) de Manaus).
Portaria RFB nº 3.300, de 2011 - Art. 2º A remoção de ofício ocorrerá, no
interesse da Administração, especialmente nos seguintes casos:
I - para as Unidades Centrais, localizadas em Brasília ou em suas subunidades
situadas em municípios listados em Anexo específico do Regimento Interno da
Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) e para as unidades que se
localizam em municípios de fronteira; (Redação dada pela Portaria RFB nº
915, de 2012)
III - nomeação ou exoneração de cargos de Direção e Assessoramento Superior
(DAS) e designação ou dispensa de Função Gratificada (FG), em outra
unidade, de chefia e assessoramento da Secretaria da Receita Federal do
Brasil;
V - remoção que envolva unidades situadas no mesmo Município;
VII - deslocamento de Brasília para outros municípios onde estejam localizadas
subunidades das Unidades Centrais, sem lotação própria, conforme disposto no
Regimento Interno, sendo nestes casos a lotação fixada na respectiva
Superintendência Regional da Receita Federal do Brasil, exceto nos casos dos
Núcleos de Pesquisa e Investigação e Núcleos de Corregedoria, em que a
lotação será fixada nos Escritórios das respectivas Regiões Fiscais.
Por fim, cumpre ainda mencionar a possibilidade de servidor ser removido de qualquer
unidade da RFB para unidade de Corregedoria por intermédio de remoção a pedido
independentemente do interesse da Administração, prevista no inciso III do parágrafo único
do art. 36 da Lei nº 8.112, de 1990, já reproduzido no início do presente tópico. Nada impede
que, premido por deslocamento do cônjuge ou do companheiro também servidor e que foi
deslocado de ofício ou por motivo de saúde própria, de cônjuge, companheiro ou dependente,
o servidor pleiteie ser removido para unidade correcional que atenda aquela necessidade de
sua vida pessoal. Esta previsão legal encontra reflexo no art. 4º da Portaria RFB nº 3.300, de
2011, destacadamente em seus incisos I e II, já que o inciso III, referente a concurso de
remoção interna, não é usualmente utilizado como forma de ingresso na Corregedoria (a
classificação em concurso de remoção depende apenas de manifestação de vontade do
servidor e de sua pontuação, o que não atende as especificidades do trabalho correcional,
requeredoras de avaliação do perfil profissional do candidato).
Portaria RFB nº 3.300, de 2011 - Art. 4o A remoção a pedido,
independentemente do interesse da Administração, ocorrerá exclusivamente
nos seguintes casos:
I - para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil
ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal
93
788, de 29 de maio de 2018, alterou o Anexo Único da Portaria RFB nº 2.383, de 2017,
passando a autorizar também a atividade “análise e elaboração de processos de correição” a
ser executada na modalidade de teletrabalho. Posteriormente, já quando a Portaria RFB n°
2.383, de 2017, teve o Anexo Único revogado para que a lista de atividades autorizadas
passassem a constar de portaria específica, na trilha obtida pela Coger, a Portaria RFB n° 390,
de 21 de fevereiro de 2019, admitiu novos acréscimos, contemplando outros processos de
trabalho.
Portaria RFB nº 390, de 2019 - Anexo Único - Atividades Autorizadas à
Execução na Modalidade de Teletrabalho:
I - Análise e julgamento de processos administrativos fiscais;
II - Desenvolvimento de sistemas corporativos na área de tecnologia da
informação;
III - Análise e elaboração de processos de correição;
IV - Realizar Auditoria Interna;
V - Gerir Direito Creditório de Contribuinte;
VI - Gerir Cadastros Tributários e Aduaneiros; e
VII - Preparo, análise, decisão e execução de processos de arrecadação,
cobrança, cumprimento das obrigações acessórias e garantia do crédito
tributário.
Traçado este relato histórico-cronológico da autorização de emprego do teletrabalho
pelo sistema correcional, é de se dizer, à luz do art. 15 da Portaria RFB nº 2.383, de 2017, que
o servidor interessado e comprometido em adotar tal ferramenta deve solicitar a seu chefe
imediato, por formulário próprio, disponível na intranet institucional, que expresse ciência de
todas as condições. Destaca-se que, além da já mencionada óbvia vedação a servidores do
sistema que não executem TCs, o art. 16 da mesma norma, dentre outros casos, nos seus
incisos I e III, veda a adesão de servidor em estágio probatório ou que tenha sido nomeado ou
designado para ocupar cargo ou função de chefia, o que atinge todos os Chefes e Chefes
Substitutos detentores de cargo em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores
(DAS) ou de função gratificada (FG), sendo certo que esta cláusula não se confunde em si
com o fato de o servidor exercer o encargo de substituto eventual, pois a norma não veda tal
condição e há substitutos eventuais na corregedoria sem FG (os substitutos eventuais não
detentores de DAS ou FG somente estão impedidos de realizar suas atividades em teletrabalho
em caso de afastamento ou impedimento legal do titular). Uma vez deferido o pedido -
tratando-se de ferramenta discricionária de interesse da Administração, por óbvio cabe
indeferimento motivado -, a designação se dá por portaria específica do Chefe de Escor, do
Chefe de Divisão ou do Corregedor, dependendo da unidade de lotação e da localização do
servidor, publicada no Boletim de Serviço da RFB (BS RFB). A designação se dá por período
mínimo de seis meses e máximo de dois anos, sem prejuízo da manutenção das avaliações a
cada trimestre civil, e com possibilidade de ilimitadas prorrogações. Não há vedação para que
o titular de unidade lance mão de portaria coletiva de designação de vários servidores para
teletrabalho em único ato.
Portaria RFB nº 2.383, de 2017 - Art. 15. A solicitação do servidor, para
realização de atividades em Teletrabalho, deverá ser consignada em formulário
próprio em que declare expressamente o conhecimento dos termos desta
Portaria, em especial:
I - do Plano de Trabalho aprovado para a atividade;
II - do compromisso de cumprimento das metas fixadas;
III - de que sua admissão na modalidade de Teletrabalho, em função da
conveniência do serviço, é ato discricionário da Administração e não constitui
direito do solicitante;
IV - de que a instalação em que executará o trabalho atende as exigências
constantes do inciso XI do art. 25; e
V - das hipóteses de desligamento e responsabilidades, conforme arts. 19 e 25.
§ 1º A designação do servidor para Teletrabalho, por ato do titular da unidade,
98
resultados alcançados em cada TC, à luz dos relatórios trimestrais, e submeter sua avaliação à
Audit e à Cogep.
Portaria RFB nº 2.383, de 2017 - Art. 21. Ao final de cada trimestre civil,
deverá ser emitido relatório de acompanhamento e de avaliação das metas e
dos resultados alcançados pelos servidores da respectiva unidade da RFB,
consolidados por atividade em Teletrabalho.
§ 1º Os resultados a que se refere o caput deverão ser publicados, até o último
dia do mês subsequente ao término do trimestre civil, pelo:
I - Gestor da Atividade em Teletrabalho, na Seção 2 (dois) do Diário Oficial da
União, mediante portaria contendo a consolidação dos resultados por atividade
desenvolvida; e
II - titular da unidade da RFB, no Boletim de Serviço da RFB, mediante
portaria contendo o resultado, por atividade desenvolvida, individualizado por
servidor.
§ 2º Na hipótese do indicador de produtividade ser mensurado em
periodicidade inferior à trimestral, será considerada, para a avaliação de que
trata o caput, a média das apurações realizadas no trimestre, na forma
indicada no Plano de Trabalho. (Redação dada pela Portaria RFB nº 2.694, de
19 de setembro de 2017)
Art. 22. Deverá ser realizada, pelo Gestor da Atividade em Teletrabalho, ao
final de cada ano civil, avaliação dos efeitos e resultados alcançados em cada
atividade em Teletrabalho, mediante acompanhamento dos relatórios de que
trata o art. 21.
§ 1º O Gestor da Atividade em Teletrabalho, com base na avaliação a que se
refere o caput, poderá sugerir ajustes no Plano de Trabalho, inclusive revisão
das métricas e metas, e propor eventual descontinuidade da atividade em
Teletrabalho.
§ 2º As avaliações a que se referem o caput deverão ser consolidadas e
enviadas à Audit para exame, conforme inciso II do art. 29, e posterior remessa
à Cogep.
unidade central para as respectivas projeções regionais e locais. Diferentemente desta visão
estanque e verticalizada, o sistema correcional, de forma peculiar, “corta’ em linha transversal
a estrutura e o desenho regimental da RFB, comunicando-se com todos os macroprocessos de
trabalho internos, importando afirmar que nenhuma outra estrutura do órgão se posiciona
imune ou à margem da atuação correcional.
Desde a já mencionada norma regimental subsequente à sua criação até o atual
Regimento Interno da RFB (aprovado pela Portaria MF nº 430, de 9 de outubro de 2017),
organicamente, a Coger mantém o status - concedido desde a época da criação da
Coordenação-Geral de Auditoria e Correição (Coauc) - de unidade central de assessoramento
direto do Secretário da Receita Federal do Brasil. A posição regimental ocupada pela Coger
não lhe retira sua independência técnica e sua autonomia de ação, nos limites de sua
competência correcional, pois, do contrário, cogitar de um sistema correcional com atuação
tutelada seria o mesmo que cogitar de uma pantomima.
Organograma da RFB
SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL
UNIDADES DESCENTRALIZADAS:
SRRF
Organograma da Coger
CORREGEDOR NA UC NAS RF
CORREGEDOR ADJUNTO
COORDENAÇÃO
DISCIPLINAR - CODIS
SEÇÃO DE
CAPACITAÇÃO
E DESENVOLV.
- SACAD
Nos termos do caput do art. 5º e do Anexo IV, ambos do Regimento Interno da RFB,
não só a Coger mas também os Escor são unidades centrais, não obstante, com exceção do
Escor na 1ª RF (Escor01), situarem-se fora de Brasília. De acordo ainda com estes
dispositivos regimentais, a Coger e os Escor possuem lotação própria.
Conforme estabelecem o parágrafo único do art. 1º, o § 2º do art. 5º e o Anexo XXII,
todos do Regimento Interno da RFB, a Coger jurisdiciona em todo o território nacional o seu
processo de trabalho específico, que juntamente com outros processos de trabalho associados
à ética, à gestão de riscos e à auditoria interna, integram o macroprocesso de trabalho voltado
à gestão da conformidade institucional.
Portaria MF nº 430, de 2017 - Regimento Interno da RFB - Art. 1º
Parágrafo único. No exercício das suas atribuições a RFB atuará de forma
sistêmica e orientada aos processos de trabalho.
Art. 5º As Unidades Centrais (UC) são localizadas em Brasília - DF, exceto as
estruturas constantes do Anexo IV desta Portaria.
§ 1º A lotação das unidades localizadas fora de Brasília - DF está definida no
Anexo IV mencionado no caput.
§ 2º As Subsecretarias e as Unidades de Assessoramento Direto, subordinadas
diretamente ao Secretário da Receita Federal do Brasil, realizam,
respectivamente, a governança e a gestão, em âmbito nacional, dos processos
de trabalho constantes do Anexo XXII.
A denominação destes processos de trabalho e do macroprocesso de trabalho se
harmoniza com a redação da Portaria RFB nº 925, de 28 de junho de 2018, que estabelece o
inventário de competências do órgão (com destaque específico para seu Anexo XI). A atual
cadeia de valores institucional define o macroprocesso de trabalho como “Gestão da
Conformidade Institucional”, que engloba o processo de trabalho de interesse direto do
sistema correcional, intitulado “Desenvolver a Integridade Funcional”, ao lado dos processos
de trabalho intitulados “Promover a Ética Institucional”, “Gerir Riscos Institucionais” e
“Realizar Auditoria Interna”.
O Corregedor é regimentalmente competente para investigar ou processar até os
Chefes de Gabinete e de Assessorias do Secretário da Receita Federal do Brasil, estando fora
de sua alçada os ocupantes de cargo de natureza especial de Secretário (por força da alínea
“b” do inciso II do art. 8º do Decreto nº 9.003, de 13 de março de 2017, e do inciso IV do art.
7º da Portaria MF nº 492, de 23 de setembro de 2013, que traça regras gerais para a atuação
correcional no âmbito do MF, por ser titular do órgão) e de cargos em comissão de Secretário
Adjunto da Receita Federal do Brasil, Subsecretários, Corregedor e o Corregedor Adjunto
(por força do inciso III do art. 7º da Portaria MF nº 492, de 2013, já que aqueles dois
primeiros ocupam cargo em comissão código DAS-101.5, superiores ao do Corregedor, que
ocupa cargo em comissão código DAS-101.4), enquanto os Chefes de Escor, como regra e em
apertada síntese, são regimentalmente competentes para investigar ou processar qualquer
servidor ou autoridade local ou regional, estando fora de suas alçadas os ocupantes de cargos
em comissão de Superintendente e de Superintendente Adjunto da Receita Federal do Brasil.
Todas estas exclusões nas competências do Corregedor e dos Chefes de Escor estendem-se
aos ocupantes daqueles cargos em comissão tanto ao tempo do cometimento do fato quanto ao
tempo da decisão de instaurar o rito disciplinar e aos respectivos substitutos eventuais por atos
107
vigência de alguns de seus dispositivos - inclusive, o conteúdo do seu art. 13, sobre
interrupção de férias, encontra-se reproduzido no atual art.11 da Portaria RFB n° 6.483, de
2017.
zona cinzenta, intermediária, em que não se verifica a nítida fronteira a separar as condutas
merecedoras de sanção disciplinar daquelas provocadoras apenas de censura ética e o
aplicador do Direito se vê no dilema de que subinstância deve provocar.
Em um enfoque mais prático, é como se aqui se ampliasse o foco daquele modelo
essencialmente teórico, dos dois círculos concêntricos, com que vistos de longe supostamente
separados por delgada e clara fronteira. Agora, nesta nova visão, como de um observador
mais próximo da realidade, se percebe que os dois círculos não se separam por uma delgada e
bem definida fronteira mas sim mutuamente se estendem, se tocam e se superpõem, formando
uma zona de transição cinzenta entre as áreas demarcadoras dos ilícitos disciplinares e das
transgressões éticas. Esta nova percepção mais apurada prossegue segregando a parcela de
condutas minimamente comportamentais que apenas infringem os preceitos éticos e também
segregandoo a parcela de condutas que, por sua maior gravidade, merecem exclusiva
repercussão disciplinar; e demonstra, justo na zona cinzenta de transição, uma indesejada
superposição entre as infrações disciplinares mais leves e as transgressões éticas mais
próximas da fronteira infracional. Este problema da superposição advém da natureza
estatutária da Lei nº 8.112, de 1990, que obrigou o legislador ordinário a enquadrar desde as
mais graves ilicitudes de absoluta intolerância até deslizes comportamentais de baixa
ofensividade, similares a desvios apenas éticos.
O dilema assume maior relevância porque, neste campo, exige-se a eleição do único e
justo remédio jurídico reconstituidor do equilíbrio interno afetado pela ação humana
criticável. Em um outro extremo distante do tema, há uma autônoma estanqueidade que
separa a instância penal da instância disciplinar, em que os respectivos aplicadores não
precisam se preocupar com prioridade, simultaneidade ou consecução de uma ação em relação
à outra (a instauração de uma nem veda nem absorve a instauração da outra), pois prevalece a
regra da possibilidade de cumulação das respectivas sanções. Mas, aqui, no campo impreciso
em que se trava a discussão, entre as subinstâncias administrativas disciplinar e ética,
diferentemente, há a preocupação com a concomitância, pois a deflagração da processualística
disciplinar absorve e inibe a simultânea ou a consequente deflagração de instrumentalidade
ética. Como as sanções disciplinar e ética não se cumulam, opera neste campo uma regra de
excludência das subinstâncias. Isto significa dizer que aquele aventado apenas aparente
conflito de normas requer solução com a eleição do critério da consunção, por meio do qual se
esclarece que a lei, as condutas e as penas estatutárias absorvem os regramentos, os desvios e
as censuras ético-comportamentais.
Atento a esta absorção, para se verificar, com excludência, se o caso em tela reclama
atuação correcional (ou, se não, por exclusão, atuação ética), necessário sintetizar que os
aspectos comportamentais elevados ao patamar de ilicitude disciplinar nos arts. 116 e 117
mais comumente suscitados em representações e denúncias circunscrevem-se a zelo laboral,
lealdade institucional, obediência aos princípios da legalidade e da hierarquia, presteza,
urbanidade, moralidade administrativa, assiduidade e pontualidade. Ademais, para prosseguir
defendendo que os descumprimentos de tais deveres mereçam repercussão disciplinar, devem
se dar no pleno exercício do cargo ou de forma ao menos indiretamente relacionados ao
cargo. Atendendo a estes dois critérios cumulativos, é provável que se esteja diante de
indícios de infração disciplinar; ao contrário, caso inexistente(s) um ou ambos critérios, por
resíduo, pode-se estar diante apenas de deslize ético.
Diante de tantos bens jurídicos tutelados, em diferentes graus, pela lei estatutária, até é
compreensível que não se consiga delinear com fronteira clara e exata que tipo de conduta de
viés comportamental necessariamente terá repercussão disciplinar. Mas, do contrário, pode-se
trraár umm regra apriorística do tipo de conduta que não terá repercusssão disciplinar e que,
por resíduo, sofrerá então incidência do regramento ético. Como regra, as condutas
perpetradas no âmbito privado do servidor, sem relação sequer indireta com o cargo, não
assumem relevância estatutária.
117
Isto porque um dos pilares mais sólidos do regime disciplinar encartado na Lei nº
8.112, de 1990, e, consequentemente, da aplicação instrumental do processo disciplinar,
reside na máxima de que, como regra, os atos exclusivamente de vida privada não são
alcançados pelos ditames estatutários. A base legal para tal compreensão dogmática advém da
literalidade do art. 148 daquela Lei, que delimita a ação disciplinar para tão somente apurar
atos cometidos no pleno exercício do cargo ou, no máximo, em extensão, para apurar atos
cometidos, se não no pleno exercício, que ao menos guardem relação indireta como este
múnus público.
Lei n° 8.112, de 1990 - Art. 148. O processo disciplinar é o instrumento
destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração
praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com
as atribuições do cargo em que se encontre investido.
Mas é possível que mesmo atos que não afrontem bens jurídicos tutelados pela Lei n°
8.112, de 1990, e/ou que tenham sido cometidos em exclusiva seara privada não fiquem
totalmente à margem das subinstâncias administrativas de controle e de monitoramento
comportamentais. Pode ser o caso de se estar diante de indícios de materialidade e de autoria
situados na zona das condutas que, a despeito de não atingirem o patamar de infração à lei
estatutária, sejam transgressões aos diplomas emanadores do comportamento esperadamente
ético do agente integrante do quadro técnico da RFB.
À vista da construção doutrinária inicialmente exposta, de que a instância ética pode
ser compreendida como um minus residual em relação à instância disciplinar, e não havendo
elementos materiais de infração estatutária, quando se cogitar de possíveis contornos éticos na
conduta, é de se exigir a apreciação do corpo técnico regimental e normativamente
competente, a saber, a CE-RFB.
Não obstante se saber de antemão que a atividade preventiva, no âmbito da RFB,
decorre, precipuamente, da atuação não só do foro específico para o tema, a CE-RFB, mas
também do poder hierárquico, destaca-se que o fato de a atuação do sistema correcional ser
intrinsecamente ligada ao tema disciplinar não prejudica e muito menos impede que zele pela
manutenção da conduta ética do corpo funcional e contribua em todas as ações que, em
caráter concorrente, são promovidas, indistintamente, por todas as demais unidades e
autoridades do órgão.
Neste rumo, é de se ratificar a atuação da Coger e dos Escor com a CE-RFB e com as
chefias hierárquicas. Sabe-se que, de um lado, a competência para matéria disciplinar
concentra-se, precipuamente, nos titulares da Coger e dos Escor. Por outro lado, como de
outra forma não poderia ser, diante de sua matéria-fim, a este mesmo sistema correcional
também incumbe atuar e contribuir nas ações conscientizadoras da necessidade do
comportamento ético no órgão, sobretudo na prevenção ao desvio de conduta, em total
articulação com a CE-RFB, que figura como o foro institucional especializado no tema e
detentor de seu próprio ferramental amparado em normatização específica, e ainda com as
autoridades regionais e locais, às quais, de forma difusa, também competem ações de natureza
preventiva junto a seus subordinados. É inequívoco que, à margem de previsões regimentais,
como a qualquer outra unidade ou autoridade administrativa, ao sistema correcional e a seus
titulares e integrantes também incumbe, diuturnamente, de forma diluída com todas as suas
demais competências, zelar, preventivamente, pela postura ética do quadro funcional, também
sendo certo que, no atual ordenamento interno, sua atuação nesta seara, focando a prevenção,
deve se harmonizar, sem se superpor e muito menos se contrapor, à atuação específica da CE-
RFB.
Ou seja, a despeito de uma leitura ou de um conhecimento apressado do tema levar
equivocadamente à indução de que o sistema correcional atém-se apenas à matéria disciplinar
e punitiva, verifica-se dos comandos do caput do art. 1º do Decreto nº 2.331, de 1º de outubro
de 1997, que - como de outra forma não poderia ser - a atuação preventiva ao desvio de
118
Relembre-se que mais do que diferenciar as atuações das duas Divisões técnicas da
Coger, aqui se quer diferenciar as duas linhas de atividade e que ambas linhas de atuação são
exercidas de formas distintas na unidade central (onde excepcionalmente são executadas) e
nos Escor (onde, ao contrário, a menos de casos específicos, são precipuamente executadas).
A Diaco, por exemplo, em particular, além de suas competências típicas de unidade central
para todo o sistema, executa as atividades correcionais (e também de assessoramento)
especificamente nos casos excepcionais em que o Corregedor figura como autoridade
instauradora.
Uma vez que a matéria correcional será o precípuo foco de interesse de todo o
presente texto, aqui, neste tópico específico, não se concentrará atenção à matéria de interesse
da Diaco, mas sim se dedicará algum esforço às investigações disciplinares excepcionalmente
conduzidas pela Divid ou comumente conduzidas pelos Escor e apenas supervisionadas pela
Divid. E este maior esforço também se justifica ao se repisar que, embora a atividade
investigativa anteceda a aplicação do Direito Administrativo Disciplinar, tem-se que as
investigações disciplinares, em termos teórico-conceituais, já se aproximam mais do processo
disciplinar que a atuação de prevenção - mas sem com ele se confundir.
De imediato, é de se abordar que, historicamente, em ordens regimentais
ultrapassadas, cabia à Coger a chamada “auditoria correcional” e competia às Coordenações
de matéria específica (Coordenações-Gerais de Tecnologia e Segurança da Informação; de
Tributação; de Fiscalização; de Administração Aduaneira; e de Administração Tributária - de
Arrecadação e Cobrança, atualmente - Cotec, Cosit, Cofis, Coana e Codac) a chamada
auditoria interna de aplicação de normas e procedimentos, por meio de suas Divisões de
Auditoria de Procedimentos (Diaup).
Naquele contexto regimental mais antigo, enquanto a auditoria interna de aplicação de
normas e procedimentos e de gestão de riscos era - e ainda é - definida como atividade
permanente de controle e orientação, de natureza técnico-procedimental, abarcando o exame
dos procedimentos operacionais, das rotinas de trabalho e das atualizações dos registros nos
sistemas informatizados, para verificar sua consistência, propriedade e obediência às normas,
com vistas ao aperfeiçoamento do controle e das normas aplicáveis a procedimentos e rotinas
de trabalho e ao mapeamento dos riscos, a auditoria voltada para fim correcional também era
uma atividade de controle, só que empregada já sob o foco disciplinar, visando à busca de
indícios de irregularidades funcionais, tendo se fundamentado e se executado, naquela época,
basicamente apenas no Sistema Arco (Auditoria e Controle de Sistemas, atualmente já
descontinuado), conforme definiam as Portarias SRF nº 883, de 16 de julho de 2002, nº 1.205,
de 18 de outubro de 2002, e nº 195, de 2 de março de 2004.
Avançando na cronologia, em uma ordem regimental mais recente, a partir de 2007,
aquela diluída competência para a auditoria interna sobre aplicação de normas e
procedimentos e de gestão ficou limitada a uma Coordenação-Geral específica, de Auditoria
Interna (Audit), a qual incumbe auditar as áreas de atendimento, controle de crédito,
aduaneira, fiscalização, tecnologia e administração e ainda coordenar a gestão de riscos. Além
disto, por uma questão de cautela terminológica, se, por um lado, o texto regimental vigente
até 2014 inovava ao dispor para a Coger e os Escor a competência para a expressão inédita e
mais específica “investigação disciplinar”, por outro lado, ainda mantinha para o sistema
correcional a competência para o termo mais genérico “auditoria”. Por fim, a alteração
regimental promovida pela Portaria MF nº 499, de 11 de dezembro de 2014, de forma mais
coerente com a coexistência da Audit, o Regimento Interno da RFB passou a prever
competência para o sistema correcional executar “investigação disciplinar”, tendo se excluído
o termo “auditoria” da positivação normativa das competências regimentais do sistema
correcional.
Não obstante a apresentação deste relato histórico, primeiramente deve se assentar,
com relação ao âmbito interno da RFB, que a expressão “investigação disciplinar”,
123
Escor), para transferir atribuições dos respectivos chefes e também para estabelecer jurisdição
de Escor de forma concorrente em todo território nacional.
Portaria RFB nº 268, de 2012 - Art. 7° C. Delegar competência ao Corregedor
para, no âmbito da Corregedoria, transferir competências entre unidades e
subunidades, e atribuições entre dirigentes, bem como estabelecer jurisdição de
forma concorrente em todo território nacional. (Incluído pela Portaria RFB nº
1.360, de 16 de julho de 2014)
Tais competências restam refletidas no § 2º do art. 2º da Portaria RFB nº 6.483, de 29
de dezembro de 2017.
Portaria RFB n° 6.483, de 2017 - Art. 2º
§ 2º O Corregedor poderá, a qualquer tempo:
I - avocar a instauração ou a tramitação de sindicância disciplinar ou de PAD,
sem que isso implique revogação parcial ou total da competência das
autoridades mencionadas nos incisos III e IV do caput; e
II - transferir competências entre unidades e subunidades, e atribuições entre
dirigentes, mediante critérios definidos e atualizados em ato próprio, bem como
estabelecer jurisdição de forma concorrente em todo território nacional.
atos lesivos à Administração praticados em seu interesse ou benefício, prevendo sanções que
afetam diretamente o patrimônio daqueles entes corruptores e adeptos de estratagemas à
margem da boa ética empresarial.
Lei nº 12.846, de 2013 - Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a responsabilização
objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a
administração pública, nacional ou estrangeira.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e às
sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de
organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações,
associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham
sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de
direito, ainda que temporariamente.
Art. 2º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos
administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu
interesse ou benefício, exclusivo ou não.
Segundo a manifestação da CGU, por meio da Comissão de Coordenação de
Correição da CGU (CGU/CCC), estampada no Enunciado CGU/CCC nº 17, de 11 de
setembro de 2017, também as empresas individuais de responsabilidade limitada (Eireli) são
atingidas por este ordenamento.
Enunciado CGU/CCC nº 17, de 2017: “Aplicação da Lei nº 12.846, de 1º de
agosto de 2013 à empresa individual de responsabilidade limitada - Eireli. A
empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) está sujeita à
responsabilização administrativa prevista na Lei nº 12.846, de 1º de agosto de
2013.”
De se destacar a previsão legal de responsabilização administrativa
independentemente de comprovação de ânimo subjetivo (ou seja, de atuação com culpa ou
com dolo) de parte de quem quer que seja, bastando, para a configuração do ato lesivo, a mera
concretização fática da hipótese legal. Não há que se condicionar a nova incidência legal à
busca de elementos indicadores de intencionalidade e consciência e nem mesmo de dever de
cautela na conduta de qualquer partícipe. A responsabilização administrativa da pessoa
jurídica se impõe com a mera comprovação de prática de ato proibido na Lei nº 12.846, de
2013, sendo suficiente a comprovação da relação de nexo causal entre a conduta empresarial e
o resultado ilícito pretendido (e não necessariamente obtido, conforme se antecipa que o
inciso II do art. 7º da mesma Lei permite interpretar) que afronta bem jurídico que aquele
diploma legal tutela. No contexto legal precedente, o ordenamento voltava-se apenas para a
responsabilização das pessoas físicas ativas na prática da corrupção, seja quando agiam
individualmente, seja quando agiam como administradores de pessoas jurídicas, como, por
exemplo, disciplinam o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (CP)
e a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 (a chamada Lei de Improbidade Administrativa),
sempre dependentes da comprovação do seu estado anímico subjetivo (de culpa ou de dolo) -
para as pessoas jurídicas, restavam apenas repercussões associadas à proibição de contratar
com a Administração Pública. De outro giro, arma-se o Estado, a partir deste novo paradigma,
com o ferramental jurídico para atingir predominantemente o bem jurídico talvez de maior
relevância da atividade empresarial, que é seu próprio patrimônio - e de forma objetiva e
direta.
Tanto é assim que, conforme o art. 3º da Lei nº 12.846, de 2013, esta espécie objetiva
de responsabilidade administrativa (punitiva sobre a pessoal jurídica) e civil (reparadora de
prejuízo ao erário, sobre seu patrimônio) não se confunde com a eventual responsabilização
penal individual de seus dirigentes (na medida das respectivas culpabilidades), não se
superpondo a esta esfera de Direito e não a prejudicando. Até porque esta esfera punitiva
sobre a pessoa, de forma diametralmente oposta à inovação trazida pela citada Lei, sobre a
entidade privada, requer a comprovação de dolo ou ao menos de culpa. Em outras palavras,
opera aqui o consagrado princípio da independência das instâncias.
129
Assim, no foco de maior interesse, em primeira leitura, qualquer ato lesivo decorrente
de atuação de pessoa jurídica em todas as áreas de atuação fiscal (independentemente do
macroprocesso de trabalho da RFB) imporia ao Ministro de Estado da Fazenda as
competências instauradora e julgadora do PAR.
Todavia, este titular da Pasta, por meio da Portaria ME nº 20, de 29 de janeiro de
2019, com base no parágrafo único do mencionado art. 3° do Decreto n° 8.420, de 2015,
delegou competências para instauração e para apuração de responsabilidade de pessoa jurídica
mediante PAR, no âmbito da RFB, para o Corregedor e para os Chefes de Escritório de
Corregedoria (Escor), de acordo com suas jurisdições regimentais; para o Procurador-Geral da
Fazenda Nacional, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN); e,
residualmente no restante do âmbito do Ministério da Fazenda (MF), para o Corregedor-Geral
do MF.
Portaria ME nº 20, de 2019 - Art. 1º Delegar a instauração de processo de
apuração de responsabilidade de pessoa jurídica de que trata a Lei nº 12.846,
de 1º de agosto de 2013, no âmbito deste Ministério da Economia, competindo:
I - ao Corregedor do Ministério da Economia, no âmbito de todo o Ministério
da Economia, exceto os ocorridos no âmbito da Secretaria Especial da Receita
Federal do Brasil e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional;
II - ao Procurador-Geral da Fazenda Nacional, no âmbito da Procuradoria-
Geral da Fazenda Nacional;
III - ao Corregedor da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil e aos
Chefes de Escritórios da Corregedoria da Receita Federal, no âmbito da
Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, nos termos do regimento
interno do órgão.
Parágrafo único. Quando o processo de apuração de responsabilidade de
pessoa jurídica envolver mais de um órgão da referida estrutura, a
competência para apuração será do Corregedor do Ministério da Economia..
Na esteira, a partir do Regimento Interno da RFB aprovado pela Portaria MF n° 430,
de 9 de outubro de 2017, a Coger passou a contar com uma Divisão específica para o tema, a
Divisão de Responsabilização de Entidades Privadas (Dires). O art. 26 da norma regimental
atribui à Dires a competência para gerir e executar as atividades referentes à responsabilização
de entidades privadas. Ademais, o inciso I do art. 330 e o inciso II do art. 332, ambos do
Regimento Interno da RFB, estabelecem similares competências instauradoras para o
Corregedor e para os Chefes de Escor. Ressalve-se que o fato de os Escor não possuírem
projeções regionais orgâncias de Dires (a exemplo da também inexistência de tais projeções
de Divid e de Diaco e nem por isso deixam de proceder a investigações e processos
disciplinares) não veda e nem tampouco inibe que procedimentalizem PAR nos seus
respectivos âmbitos, associados ao domicílio da entidade privada.
Portaria MF n° 430, de 2017 - Regimento Interno da RFB - Art. 26. À Divisão
de Responsabilização de Entidades Privadas (Dires) compete gerir e executar
as atividades relativas à responsabilização de pessoa jurídica, nos termos da
lei.
Art. 330. Ao Corregedor incumbe:
I - instaurar ou avocar a instauração de procedimentos correcionais e de
responsabilização de pessoa jurídica, nos termos da lei;
Art. 332. Aos Chefes dos Escors incumbe, no âmbito de sua competência:
II - instaurar e determinar a realização de procedimentos de responsabilização
de pessoa jurídica, nos termos da lei, relativos a atos e fatos praticados por
entidade privada localizada na respectiva região fiscal;
Não obstante o acima exposto, conforme esclarece o art. 4º do Decreto nº 8.420, de
2015, a ciência de suposto ato lesivo, de imediato faz inaugurar o que se denomina fase de
admissibilidade, que pode conter ou não procedimentos investigativos e analíticos antes da
decisão da autoridade instauradora (ou seja, como elementos de instrução da emanação do seu
133
Uma vez designada, a comissão dispõe do prazo de 180 dias, a contar da data de
publicação da portaria instauradora e prorrogável por igual período, para concluir seus
trabalhos, conforme estabelecem os §§ 3º e 4º do art. 10 da Lei nº 12.846, de 2013. O art. 6º e
o caput e o § 1º do art. 9º, ambos do Decreto nº 8.420, de 2015, reiteram o prazo e que estes
trabalhos apuratórios devem ser conduzidos pelo colegiado de forma autônoma e
independente em relação à autoridade instauradora no que concerne às suas convicções, com
atenção ao sigilo necessário ao interesse público do esclarecimento fático e à preservação da
imagem da pessoa jurídica e com absoluto respeito às máximas constitucionais da ampla
defesa e do contraditório, inafastáveis e essenciais em qualquer espécie de rito de natureza
punitiva, como é o caso do PAR. Acerca de prazo, a CGU positivou, no § 4o do art. 50 da
Instrução Normativa CGU nº 14, de 2018, o entendimento de que, findo o prazo prorrogado
sem que os trabalhos investigativos estejam concluídos, deve a autoridade instauradora
designar nova comissão.
Lei nº 12.846, de 2013 - Art. 10.
§ 3o A comissão deverá concluir o processo no prazo de 180 (cento e oitenta)
dias contados da data da publicação do ato que a instituir e, ao final,
apresentar relatórios sobre os fatos apurados e eventual responsabilidade da
pessoa jurídica, sugerindo de forma motivada as sanções a serem aplicadas.
§ 4o O prazo previsto no § 3o poderá ser prorrogado, mediante ato
fundamentado da autoridade instauradora.
Decreto nº 8.420, de 2015 - Art. 6º A comissão a que se refere o art. 5º exercerá
suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo,
sempre que necessário à elucidação do fato e à preservação da imagem dos
envolvidos, ou quando exigido pelo interesse da administração pública,
garantido o direito à ampla defesa e ao contraditório.
Art. 9º O prazo para a conclusão do PAR não excederá cento e oitenta dias,
admitida prorrogação por meio de solicitação do presidente da comissão à
autoridade instauradora, que decidirá de forma fundamentada.
§ 1º O prazo previsto no caput será contado da data de publicação do ato de
instauração do PAR.
Instrução Normativa CGU nº 14, de 2018 - Art. 50.
§ 4º A comissão de PAR poderá ser reconduzida após o encerramento de seu
prazo de prorrogação, quando necessário à conclusão dos trabalhos.
Cabe aqui apontar uma incoerência instrumental. A CGU também se manifestou, por
meio da Comissão de Coordenação de Correição da CGU (CGU/CCC), estampada no
Enunciado CGU/CCC nº 7 de 23 de janeiro de 2019, indicando uma insstrumentalidade
diferente: após a prorrogação do prazo originário, se sucederiam sucessivas prorrogações, em
lugar de designaçao de nova comissão. Tenndo em vista que a Instrução Normativa é norma
stricto sensu e seu comando se harmoniza com a praxe do PAD, se sugere seguir a norma.
Mas a divergência não é relevante, mas sim apenas formal; o que imorta e que ambas as
fontes defendem o prosseguimento dos trabalhos após o transcurso dos primeiros 360 dias.
Enunciado CGU/CCC n° 7, de 2019: “Prorrogações de prazo de comissão de
processo administrativo de responsabilização - PAR. O prazo dos trabalhos das
comissões de Processo Administrativo de Responsabilização - PAR, de que
trata a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, poderá ser prorrogado, por mais
de uma vez, mediante ato fundamentado da autoridade instauradora, para
possibilitar a regular conclusão do processo”.
Nos termos do caput e do § 1º do art. 26, ambos da Lei nº 12.846, de 2013, do art. 8º
do Decreto nº 8.420, de 2015, e do art. 13 da Portaria CGU nº 910, de 2015, após se instalar
em sua sala de trabalho e estudar os autos, deve a comissão notificar a pessoa jurídica da
instauração do PAR, informando os fatos ilícitos sob apuração, a fim de que possa não só
acompanhar os atos instrutórios mas também solicitar no prazo de dez dias as provas que
pretende produzir, ter acesso aos autos exclusivamente na repartição e obter cópias porventura
137
requeridas, por intermédio de quem possua tal poder no estatuto ou contrato social, como
representante legal ou procurador, ou de quem administre seus bens.
Lei nº 12.846, de 2013 - Art. 26. A pessoa jurídica será representada no
processo administrativo na forma do seu estatuto ou contrato social.
§ 1o As sociedades sem personalidade jurídica serão representadas pela pessoa
a quem couber a administração de seus bens.
Decreto nº 8.420, de 2015 - Art. 8º A pessoa jurídica poderá acompanhar o
PAR por meio de seus representantes legais ou procuradores, sendo-lhes
assegurado amplo acesso aos autos.
Parágrafo único. É vedada a retirada dos autos da repartição pública, sendo
autorizada a obtenção de cópias mediante requerimento.
Portaria CGU nº 910, de 2015 - Art. 13. Instalada a comissão, será a pessoa
jurídica notificada da abertura do PAR para acompanhar todos os atos
instrutórios e para, no prazo de dez dias, especificar as provas que pretende
produzir. (Redação dada pela Portaria CGU nº 1.381, de 23 de junho de 2017)
§ 1° A pessoa jurídica poderá acompanhar o PAR por meio de seus
representantes legais ou procuradores, sendo-lhes assegurado amplo acesso
aos autos.
§ 2° É vedada a retirada dos autos da repartição pública, sendo autorizada a
obtenção de cópias mediante requerimento.
§ 3º Na notificação prévia, a Comissão informará à pessoa jurídica dos fatos
ilícitos apurados. (Incluído pela Portaria CGU nº 1.381, de 2017)
Acrescentem-se os mandamentos do caput e do § 1º do art. 7º do Decreto nº 8.420, de
2015, destacando a extensa liberalidade para uso dos mais diversos meios para concretização
dos atos de comunicação no curso do PAR, entre a comissão e a pessoa jurídica e demais
intervenientes, sendo expressamente aceitos o correio eletrônico, a via postal e, por fim, até
por meio de edital no Diário Oficial da União (DOU), em jornal de grande circulação no
Estado em que se sedia o ente privado e no sítio eletrônico do órgão condutor do PAR.
Decreto nº 8.420, de 2015 - Art. 7º As intimações serão feitas por meio
eletrônico, via postal ou por qualquer outro meio que assegure a certeza de
ciência da pessoa jurídica acusada, cujo prazo para apresentação de defesa
será contado a partir da data da cientificação oficial, observado o disposto no
Capítulo XVI da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
§ 1º Caso não tenha êxito a intimação de que trata o caput, será feita nova
intimação por meio de edital publicado na imprensa oficial, em jornal de
grande circulação no Estado da federação em que a pessoa jurídica tenha sede,
e no sítio eletrônico do órgão ou entidade pública responsável pela apuração
do PAR, contando-se o prazo para apresentação da defesa a partir da última
data de publicação do edital.
Ademais, no desempenho da tarefa para que foi designada, a comissão também tem
liberdade ampla de utilização de todos os meios probatórios regularmente aceitos em Direito,
inclusive podendo se valer do atual estágio tecnológico para realizar reuniões, deliberações e
atos de coleta de prova por meio de videoconferências ou por meio de quaisquer outros
recursos de transmissão de sinais de áudio e vídeo em tempo real, desde que atente sempre
para as garantias constitucionais de ampla defesa e de contraditório, conforme preceitua o art.
14 da Portaria CGU nº 910, de 2015.
Portaria CGU nº 910, de 2015 - Art. 14. A comissão procederá à instrução do
PAR podendo utilizar-se de todos os meios probatórios admitidos em lei, bem
como realizar quaisquer diligências necessárias à elucidação dos fatos.
Parágrafo único. Os atos processuais poderão ser realizados por meio de
videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e
imagens em tempo real, assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa.
(Redação dada pela Portaria CGU nº 1.381, de 2017)
138
Embora, a rigor já devam ser mencionadas pela comissão desde o seu relatório,
didaticamente, convém neste ponto abordar as penas previstas, visto irrigarem fortemente o
ato de julgamento. O art. 6º da Lei nº 12.846, de 2013, prevê as sanções para as pessoas
jurídicas incursas nos enquadramentos listados no já reproduzido art. 5º da mesma Lei.
As penas legalmente previstas são multa e publicação extraordinária da sentença
condenatória, que podem ser aplicadas, após a já mencionada manifestação jurídica da PGFN
(no caso específico do MF), isolada ou cumulativamente, de acordo com as peculiaridades de
cada caso concreto, sem prejuízo da reparação civil do dano causado, nos termos conjuntos
dos incisos I e II do caput e dos §§ 1º a 3º do art. 6º e do caput do art. 13, ambos da Lei nº
12.846, de 2013.
Lei nº 12.846, de 2013 - Art. 6º Na esfera administrativa, serão aplicadas às
pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta
Lei as seguintes sanções:
I - multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do
faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo
administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem
auferida, quando for possível sua estimação; e
II - publicação extraordinária da decisão condenatória.
§ 1º As sanções serão aplicadas fundamentadamente, isolada ou
cumulativamente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e com a
gravidade e natureza das infrações.
§ 2º A aplicação das sanções previstas neste artigo será precedida da
manifestação jurídica elaborada pela Advocacia Pública ou pelo órgão de
assistência jurídica, ou equivalente, do ente público.
§ 3º A aplicação das sanções previstas neste artigo não exclui, em qualquer
hipótese, a obrigação da reparação integral do dano causado.
Art. 13. A instauração de processo administrativo específico de reparação
integral do dano não prejudica a aplicação imediata das sanções estabelecidas
nesta Lei.
Por sua vez, o art. 7º da Lei nº 12.846, de 2013, elenca uma lista de parâmetros de
dosimetria, que informarão se a pena cabível é apenas da publicação extraordinária ou de
multa ou de ambas e, no caso de multa, qual o seu valor, dentre o espectro permitido. Dentre
tais parâmetros, destaca-se a existência ou não de programa de integridade.
Lei nº 12.846, de 2013 - Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação
das sanções:
I - a gravidade da infração;
II - a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator;
III - a consumação ou não da infração;
IV - o grau de lesão ou perigo de lesão;
V - o efeito negativo produzido pela infração;
VI - a situação econômica do infrator;
VII - a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações;
VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade,
auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de
códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica;
IX - o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou
entidade pública lesados; e
Parágrafo único. Os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos
previstos no inciso VIII do caput serão estabelecidos em regulamento do Poder
Executivo federal.
Conforme o inciso I e o § 4º do art. 6º da Lei nº 12.846, de 2013, a multa varia de
0,1% a 20% do faturamento bruto da pessoa jurídica no exercício anterior à instauração do
PAR e jamais pode ser inferior à vantagem auferida com a conduta ilícita, se quantificável; e,
alternativamente, pode variar em termos absolutos de R$ 6.000,00 a R$ 60.000.000,00 se for
143
parágrafo único do art. 25, ambos da Lei nº 12.846, de 2013, a prescrição da punibilidade da
pessoa jurídica em face de atos lesivos à Administração Pública se opera em cinco anos do
conhecimento da infração (ou na data da cessação em caso de conduta continuada ou
permanente), sendo interrompida a contagem com a instauração do PAR ou com a celebração
de acordo de leniência.
Lei nº 12.846, de 2013 - Art. 16.
§ A celebração do acordo de leniência interrompe o prazo prescricional dos
atos ilícitos previstos nesta Lei.
Art. 25. Prescrevem em 5 (cinco) anos as infrações previstas nesta Lei,
contados da data da ciência da infração ou, no caso de infração permanente ou
continuada, do dia em que tiver cessado.
Parágrafo único. Na esfera administrativa ou judicial, a prescrição será
interrompida com a instauração de processo que tenha por objeto a apuração
da infração.
Após o julgamento, cabe à pessoa jurídica cumprir a decisão em quarenta dias ou
interpor pedido de reconsideração, no prazo de dez dias, ambos contados da data de
publicação do ato punitivo. Uma vez interposto o pedido de reconsideração, ao qual se atribui
efeito suspensivo, a autoridade julgadora tem prazo de trinta dias para apreciar a peça e, no
caso de a decisão ser mantida, a pessoa jurídica tem restituído o prazo de trinta dias para
cumprir as sanções, a contar da decisão do pedido de reconsideração, sob pena de inscrição
em dívida ativa, conforme o art. 11 do Decreto nº 8.420, de 2015.
Decreto nº 8.420, de 2015 - Art. 11. Da decisão administrativa sancionadora
cabe pedido de reconsideração com efeito suspensivo, no prazo de dez dias,
contado da data de publicação da decisão.
§ 1º A pessoa jurídica contra a qual foram impostas sanções no PAR e que não
apresentar pedido de reconsideração deverá cumpri-las no prazo de trinta dias,
contado do fim do prazo para interposição do pedido de reconsideração.
§ 2º A autoridade julgadora terá o prazo de trinta dias para decidir sobre a
matéria alegada no pedido de reconsideração e publicar nova decisão.
§ 3º Mantida a decisão administrativa sancionadora, será concedido à pessoa
jurídica novo prazo de trinta dias para cumprimento das sanções que lhe foram
impostas, contado da data de publicação da nova decisão.
Apenas superficialmente mencione-se (por não ser tema de aprofundado interesse no
presente) que, além da específica forma de responsabilidade administrativa e da obrigação de
reparar o dano causado pela conduta lesiva, a Lei nº 12.846, de 2013, em seus arts. 18 a 20,
também menciona a possibilidade de responsabilização judicial, com possibilidade de
decretação judicial de indisponibilidade ou até de perda de bens, proibição de recebimento de
subsídios oficiais, suspensão ou interdição parcial de suas atividades e até a dissolução
compulsória da pessoa jurídica (em hipóteses similares àquelas que sustentam a
desconsideração da personalidade jurídica pela Administração, quando é empregada para
promover a conduta delituosa ou para ocultar interesses ilícitos ou identidade dos
beneficiários). Ademais, os arts. 29 e 30 da citada Lei asseguram a independência desta
responsabilização administrativa em relação ao processamento de infração à ordem
econômica e às repercussões decorrentes de atos de improbidade e de ilícitos relativos a
licitações e contratos.
(ou em que tem exercício, caso a unidade de exercício seja distinta da de lotação) do
representado, pois, em princípio, estabelece que, no âmbito do sistema correcional, a
competência para exarar o juízo de admissibilidade e, por conseguinte, também o poder para
arquivar o feito ou para instaurar a devida apuração recaem sobre o Chefe do Escor que, ao
tempo da emissão do mencionado juízo, possui aquela jurisdição. Em outras palavras, a
norma interna esclarece que o envio de representação para o Corregedor é de ser tido como
hipótese excepcional, já que sua competência instauradora é infralegalmente residual e que, se
a unidade onde a suposta ilicitude foi cometida não coincide com a unidade de lotação (ou de
exercício, se diferente) do representado ao tempo da emissão do juízo de admissibilidade,
aquele local de acontecimento dos fatos resta irrelevante para a definição de a quem se dirige
a representação (sobretudo se estiver em outra RF). Destaque-se que o tema da competência
emanadora de juízo de admissibilidade e, por conseguinte, instauradora na RFB, embora se
faça relevante ser abordado aqui em termos genéricos, será objeto de detalhada apresentação
em 2.5.2 e em 4.2.1.
Portaria RFB nº 6.483, de 2017 - Art. 2º A instauração de sindicância
disciplinar e de PAD bem assim a decisão de arquivamento em fase de
admissibilidade cabem:
III - ao Chefe de Escritório de Corregedoria (Escor), quando tiver ciência de
irregularidade praticada por servidor lotado ou em exercício em unidade
descentralizada ou em unidade central localizada na respectiva Região Fiscal;
e
Em síntese, na RFB, a regra é de o dever de representar ser exercido na via hierárquica
do representante (como também é a regra geral da Lei nº 8.112, de 1990), até o titular de sua
unidade de lotação (ou de exercício, se diferente) e de os deveres de analisar a representação e
de apurar as supostas irregularidades, se for o caso, mediante instauração da instância
disciplinar, recaírem sobre o Chefe do Escor da jurisdição da unidade de lotação do servidor
representado (ou da jurisdição da sua unidade de exercício, se diferentes tais jurisdições), ao
tempo da decisão de instaurar ou de arquivar o feito. Mas pode haver situações excepcionais
para o exercício desta competência, que serão abordadas em 3.2.2.1 e em 3.2.2.2.
Ressalte-se que, embora o presente tópico tenha concentrado sua argumentação em
torno especificamente da representação funcional, a instrumentalização aqui mencionada
também se aplica, no que cabível, às demais formas de notícia de irregularidade que se
apresentam à Administração e que, em termos gerais, podem receber a conceituação de
denúncias, conforme melhor se abordará em 2.4.2.
Sob a ótica do representante, isto é o que por ora pode interessar: tendo ciência de
suposta irregularidade funcional, cabe-lhe apenas encaminhar a representação em sua própria
via hierárquica a partir de seu chefe imediato, até o titular da sua unidade de lotação (ou de
exercício, se diferente). Já para todos os agentes intermediários na cadeia hierárquica, até o
titular da unidade, cabe-lhes apenas dar o devido prosseguimento à peça original, a fim de
fazê-la chegar, sem procrastinação e obstrução, aos titulares de unidades fiscais ou
administrativas centrais, regionais ou locais acima exaustivamente listados, a quem cabe ou
procedimentalizar ou encaminhar à competente projeção regional do sistema correcional.
Sendo esta a regra geral, a partir daí, na imensa maioria dos casos, esta própria estrutura
especializada se incumbirá de dar a leitura jurídica adequada a quem cabe apreciar a
representação e decidir o juízo de admissibilidade.
Neste rumo, com o fim de atender ao disposto nos incisos VI e XII e no parágrafo
único do art. 116 da Lei nº 8.112, de 1990, e à regulamentação imposta pelo caput do art. 4º
da Portaria RFB nº 6.483, de 2017, quando o servidor representa diretamente à Coger, em
regra, esta unidade central remete a provocação para o Escor da correspondente jurisdição
apuratória, recomendando ainda que seja dada ciência da representação ao chefe imediato do
representante - sem prejuízo de, em algum caso específico, a seu exclusivo critério ou nas
restritas hipóteses que o ordenamento interno vincula, refletindo o princípio da hierarquia,
154
outrem. Ainda que aquele sujeito à crítica seja um agente público inserido no ambiente da
repartição e em meio ao horário de sua jornada, não é possível dissociar, fragmentar e isolar
os seus aspectos e as suas características pessoais e inerentes à sua natureza humana
(sabidamente multifacetada e pulverizada de forma indescritível por infinitas nuances
individuais) daquela sua condição momentânea de ser, naquele momento e naquele local,
simultaneamente um servidor sujeito a regras estatutárias. Em outras palavras, é de se ter
tolerância com as diferenças comportamentais, culturais, posturais, ideológicas e sociais de
cada um e não dar-lhes indevido caráter infracional a ponto de se sentir na obrigação de
representar. Pequenos deslizes e divergências, frente à convenção de cada um acerca do que é
esperado em termos de relação interpessoal, laboral e social a que são obrigados os servidores
pela forçada e involuntária convivência no ambiente de trabalho, não impõem o dever de
representar.
Menos ainda se pode cogitar da nefasta intenção de um servidor em se utilizar do
grave e constrangedor instrumento da representação com o único fim de atormentar,
desequilibrar, incomodar outro servidor ou autoridade por quem nutre uma relação de
antipatia. É preciso alertar a este servidor impulsivo que a representação pode vir a se
configurar no ato inaugural e deflagrador de uma severa e onerosa instância processual, cujo
emprego se delimita às estritas previsões legais de busca do reequilíbrio interno após um
infrator ter cometido ato irregular, e que em nada se confunde com satisfação de suas
aleivosias e leviandades.
Neste ponto, o mais conflituoso é reconhecer que, afora casos extremados de graves
deslealdade institucional e imoralidade administrativa, a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de
1990, não previu, de forma imediata e clara, possível repercussão disciplinar contra este
representante que move a máquina pública e tenta atingir um outro servidor desafeto apenas
para satisfação de interesses pessoais, conforme já se detalhou em 2.1.3. Aqui, talvez, nem
caiba crítica ao legislador, pois é aceitável presumir que a omissão tenha sido intencional e
não por mero descuido. É viável interpretar que a Lei, já presumindo que o ato de representar
traz sempre em si uma parcela natural e salutar de refração interna, não tenha mesmo desejado
deixar possibilidade de a iniciativa de representar, por parte daquele que cogita de saber de
alguma irregularidade, pudesse voltar-se ou ser usada contra si mesmo. Por mais frustrante
que possa ser para aquele que foi objeto de uma representação infundada, é possível enxergar
esta inteligência não desestimuladora na omissão legal.
Da mesma forma, as autoridades regionais ou locais, os titulares de unidades fiscais ou
administrativas, devem atentar para não confundir os mandamentos embutidos no § 2º do art.
4º da Portaria RFB nº 6.483, de 29 de dezembro de 2017, de procedimentalizar a fase de
admissibilidade ou de encaminhar ao respectivo Escritório de Corregedoria (Escor) notícias
de supostas irregularidades com a sua ampla competência regimental, que as incumbe de uma
imensa gama de atos de supervisão técnica e de gerência e de administração de pessoal. Estas
suas competências de exercício cotidiano não devem ser substituídas e antecipadas pela
residual competência disciplinar, de aplicação muito específica.
Não raro, chegam ao gabinete da autoridade reclames e queixumes sobre as questões
mencionadas nos parágrafos acima, acerca de meras divergências entre subordinados, sejam
técnicas sobre temas de trabalho, sejam de posturas comportamentais. É de se incentivar que o
gestor regional ou local tenha o claro discernimento de que a obrigação funcional de
encaminhar peças ao Escor ou de cidir por si só procedimentalizar a fase de admissibilidade
refere-se à parcela não cotidiana de notícias que tratem da excepcional e da residual
possibilidade de cometimento de infração estatutária, o que requer ao menos indícios de
materialidade de conduta irregular. Os fatos que podem encontrar solução dentro da ampla
gama de estratégia de resolução de conflitos interpessoais - sejam de viés comportamental,
sejam de discordância técnica - devem ser absorvidos por este gestor regional ou local.
Esta autoridade deve ser capaz, por si só, apesar das reconhecidas lacunas de
156
apreciação correcional.
Sem jamais se cogitar de incentivo à omissão e muito menos à impunidade, este
conjunto de ações a cargo da autoridade regional ou local, exercitado de forma contínua e
coerente, desemboca na percepção de uma linha uniforme de atuação e, por fim, gera o
positivo efeito de desestimular iniciativas de servidores no sentido de formularem
representações inócuas, irrazoáveis, inadequadas e despropositadas, que oneram material e
imaterialmente a Administração, causando desvio de força de trabalho e impactando o
equilíbrio interno da unidade. Mais que isto, não só na coerência das atitudes, mas até mesmo
na exposição do discurso, cabe ao titular de unidade fiscal ou administrativa desestimular o
emprego indevido do constrangedor instrumento da representação.
Obviamente, as posturas econômicas que aqui se defendem dizem respeito, quanto ao
representante, à iniciativa de formular a representação e em encaminhá-la ao titular da
unidade local ou regional; quanto a esta autoridade, a não instauração de processo disciplinar
por conta própria ou o não envio ao Escor condicionam-se à total certeza de solução não
disciplinar para o caso e preferencialmente contando com a aquiescência do representante. De
outro lado, uma vez recebida uma representação formalizada, por escrito, por mais inócua que
lhe pareça, não tendo surtido efeito a tentativa de persuadir o representante, falece
competência a qualquer servidor ou autoridade para não lhe dar o devido impulso, seja
decidindo seu mérito, se acaso cabível em sua parcela de competência disciplinar, seja
remetendo-a ao Chefe do respectivo Escor. Do contrário, em contexto de incerteza e de
insegurança e diante de um representante refratário, convém se preservar a não se expor a
risco, dando-se o adequado tratamento correcional, seja decidindindo sua fase de
admissibilidade se porventura for competente, seja remetendo ao Escor (sem prejuízo de
juntar uma manifestação opinativa), pois aquele autor pode vir a formular uma segunda
representação, agora contra quem não deu o prosseguimento à sua primeira peça.
Por fim, tendo sido vencidos todos os salutares graus de refração e de economia de
ação acima descritos, tendo chegado a representação à autoridade correcional, a esta cabe
exercitar seu poder-dever com extremado bom senso, conforme por reiteradas vezes se
reforçará, sobretudo ao longo de todo o extenso e detalhado tópico em que se abordará a
relevante decisão de arquivar o feito ou de instaurar o processo disciplinar, a que se denomina
juízo de admissibilidade, em 2.5. O dever de instaurar o processo disciplinar, à vista da notícia
de suposta irregularidade, é cumprido sem precipitação ou impulsividade, sem jamais
confundir o oneroso e residual rito disciplinar com o foro para o levantamento de procedência
mínima da representação. Embora à margem da determinação legal, o dever de determinar a
apuração é postergado, sendo antecedido, de forma cautelosa e conservadora, por todo um
procedimento investigativo o mais exaustivo possível, na busca não só da materialidade
representada mas também da autoria, sem as quais não se instaura. Mais que isto, em qualquer
momento de sua aplicação, jamais se deve perder de vista que a matéria correcional deve ser
compreendida com reserva e com cautela, de emprego residual (o que não significa omissão,
negligência ou condescendência), mas tão somente nas hipóteses e propósitos elencados na
lei.
Em suma, não se deve vulgarizar os institutos da representação e do processo
disciplinar, pois ambos não se coadunam com o emprego banalizado, seja para questões
eivadas de vieses de pessoalidade, seja para pequenas questões técnico-gerenciais sem aspecto
disciplinar. Ademais, a síntese de tudo o que foi exposto acima, com inegável extensão de
interpretações, é que, se, de um lado, inequivocamente operam os deveres de qualquer agente
público representar, de as autoridades intermediárias encaminharem a representação até
chegar à respectiva autoridade com competência instauradora e esta determinar a apuração
disciplinar, por outro lado não é menos verdade que toda construção hipotética e fria na lei
comporta e se aperfeiçoa com o dinamismo de uma salutar leitura ponderada pelo bom senso.
E tudo o que acima foi exposto também se aplica à autoridade regional ou local e ao
158
Chefe de Escor no que diz respeito ao tratamento cauteloso diante de denúncia recebida de
particular.
2.4.1 - Representação
Formalmente, a expressão “representação funcional” (ou, simplesmente,
“representação”), conforme introduzido em 2.1.1, refere-se à peça escrita formulada por
servidor, como cumprimento de dever legal de informar à Administração o seu conhecimento,
advindo das suas atribuições funcionais, de suposta irregularidade, de qualquer natureza
(estatutária ou não), cometida por qualquer agente público (ou até particular) ou de suposto
ato ilegal, omissivo ou com abuso de poder, cometido por autoridade. Abstraindo do foco de
interesse a representação em face de conduta cometida por particular, o sentido mais estrito de
representação se condiciona ao relato de conduta funcional tida como ilícita e que guarde
algum grau de correlação (ao menos indireta) com o cargo que o representado ocupa.
O dever de representar encontra previsão vinculante nos incisos VI e XII e no
parágrafo único do art. 116 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, com leitura
complementar em 4.7.2.6 e em 4.7.2.12, cujo enfoque é a responsabilização decorrente do seu
descumprimento. Em espécie, este dever de representar também abarca a formalização da
peça escrita, por parte da própria autoridade superior, de conhecimento de suposta ilicitude
cometida por subordinado, em razão do direto exercício do poder hierárquico.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 116. São deveres do servidor:
VI - levar as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo ao
conhecimento da autoridade superior ou, quando houver suspeita de
envolvimento desta, ao conhecimento de outra autoridade competente para
apuração (Redação dada pela Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011);
XII - representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder.
Parágrafo único. A representação de que trata o inciso XII será encaminhada
pela via hierárquica e apreciada pela autoridade superior àquela contra a qual
é formulada, assegurando-se ao representando ampla defesa.
No âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), com as especificidades
de cumprimento do dever legal de representar já abordadas em 2.3.1, a representação deve ser
formulada na via hierárquica do representante, a partir de seu chefe imediato, até o titular de
unidade de lotação (ou de exercício), a quem incumbe encaminhar ao Chefe do Escritório de
Corregedoria (Escor) da respectiva Região Fiscal (RF); ou, simplesmente, caso seja
formalizada pelo próprio titular da unidade, cabe-lhe remeter diretamente ao Chefe do Escor.
A exceção se faz quando o representante cogita de alguma autoridade da via hierárquica estar
direta ou indiretamente envolvida com os fatos noticiados, podendo, nesta hipótese, dirigir
sua peça à autoridade hierarquicamente superior ao seu foco de desconfiança ou até mesmo
diretamente ao Chefe do Escor.
Se, nos dois tópicos antecedentes já mencionados acima, se descreveu materialmente o
dever de representar e a forma de cumpri-lo, sob ótica do representante, desde sua vinculação
genérica em lei até suas peculiaridades específicas na RFB, o que se busca descrever no
160
2.4.2 - Denúncia
Já o termo “denúncia” pode comportar dois sentidos. O primeiro, mais abrangente,
teria o valor em gênero de todas as notícias de irregularidades, englobando a espécie das
representações (como, a rigor, parece ser o emprego adotado na Lei nº 8.112, de 11 de
dezembro de 1990, destacadamente no caput do seu art. 144). O segundo sentido, mais estrito,
diferenciado da representação, refere-se exclusivamente à peça apresentada por particular,
noticiando à Administração o suposto cometimento de irregularidade por servidor, associada
ao exercício do cargo ocupado por este agente público denunciado. Apenas por uma questão
didática, de deixar claro a origem da notícia de irregularidade a que se fará referência neste
texto, aqui se empregará o termo “denúncia” com o segundo enfoque, mais restrito, não
abrangente mas sim complementar em relação às representações, como as notícias de
irregularidades trazidas por particulares.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 144. As denúncias sobre irregularidades serão
objeto de apuração, desde que contenham a identificação e o endereço do
denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a autenticidade.
162
existência apenas virtual, sem suporte documental físico em papel), no qual os agentes
processuais (usuários) podem realizar atos administrativos na mesma sequência procedimental
em que se conduz um processo administrativo convencional, com as mesmas garantias
constitucionais e legais de rito e de direitos do administrado.
Pode-se, então, neste ponto, apresentar a definição de processo digital, em
contraposição ao processo físico (já definido como aquele que possui suporte documental em
papel). Ao longo do presente texto, em que se reflete o ambiente informatizado da RFB e
especificamente de seu sistema correcional, a expressão “processo digital” é empregada como
referência ao processo com suporte documental em meio digital e formalizado no sistema e-
Processo. Apenas para diferenciar e evitar indevido emprego como sinônimos, apresenta-se
ainda uma terceira definição, fora do interesse do presente texto, de processo eletrônico, em
que as informações tramitam exclusivamente por meio de sistemas informatizados ou por
bases de dados, sem possuírem suporte documental, nem físico nem sequer digital, ou seja,
este fluxo de informações não constitui um processo administrativo.
O sistema e-Processo concilia duas grandes capacidades: primeiramente, executa o
gerenciamento eletrônico de documentos, tratando das imagens geradas a partir dos mais
diversos elementos com suporte documental em papel, e também operacionaliza o fluxo de
trabalho, integrando aquelas imagens geradas dos documentos ao andamento procedimental
em que atuam os diferentes usuários. E o espectro destas capacidades não se limita ao órgão
de origem, visto ser o sistema uma plataforma que interliga e sequencia as atuações não só da
RFB (em geral, o órgão em que se origina o processo administrativo) mas também da
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e do Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais (Carf) e alcança os respectivos bancos de dados, além de interagir com diversos outros
sistemas informatizados de controle e de cobrança de créditos tributários (sem substituí-los),
sendo certo que os dois primeiros órgãos têm atuação nos processos disciplinares, reservando-
se para o terceiro órgão atuação apenas de foco fiscal, fora do interesse do presente texto.
Sendo assim, o sistema consiste em uma ferramenta eletrônica que permite desde a
formalização e a prática de atos processuais até a tramitação e o gerenciamento não só dos
documentos mas também dos procedimentos e dos processos administrativos como um todo,
em meio digital. Inequivocamente, tais potencialidades contribuem para a celeridade
processual, simplificam a feitura de atos meramente mecânicos, formais e repetitivos no
andamento processual, automatizam a geração de cópia e a tramitação entre unidades e órgãos
usuários e aumentam a segurança institucional (muito além da segurança já mencionada com
a mera protocolização e com o consequente recebimento de nº de cadastramento no sistema
Comprot), pois facilitam a transparência não apenas no sentido de propiciar acesso remoto,
virtual e seguro aos usuários internos (servidores dos órgãos da Administração tributária) e
externos (contribuinte e seu representante legal) mas também por deixar registros das
atuações, com que se agiliza a responsabilização por tentativas de adulteração ou qualquer
forma de fraude processual.
À vista do histórico acima resgatado, é imprescindível desde já reconhecer que o
sistema e-Processo foi desenvolvido com o fim precípuo de atender à processualística fiscal.
Como tal, toda sua arquitetura submete-se aos princípios e normas que regem aquela
instância, na qual, não obstante ser regra dos atos da Administração, a publicidade deve ser
harmonizada com o rol de direitos e garantias fundamentais individuais estampados em
diversos incisos do art. 5º da Constituição Federal (CF). Assim, ao mesmo tempo em que o
contribuinte tem garantias de acesso e de ampla defesa em contraposição à exigência de
crédito tributário, tem preservadas sua intimidade e sua privacidade face a terceiros, dentre o
quais, obviamente, não se incluem os próprios agentes do Fisco. Em outras palavras, o
sistema permite que o contribuinte (ou seu representante legal) consulte os processos fiscais
de seu interesse, através do Centro Virtual de Contribuintes (e-CAC), pela internet, reiterando
a transparência da atuação estatal, fortemente refletida na Lei nº 12.527, de 18 de novembro
de 2011, mas sem abrir mão de todo rito de segurança estabelecido desde a edição da MP nº
167
peticione por meio do e-CAC, via internet. A segunda marca inibe o acesso no âmbito dos
usuários internos daqueles três órgãos, ou seja, impede que, salvo um usuário a quem se
atribua a condição de “deter a guarda ou a carga momentânea” dos autos ou de “estar
autorizado a efetuar consultas e solicitações de juntada” no processo (nos sentidos figurados e
coloquiais das expressões e paras as quais posteriormente se darão as denominações formais,
respectivamente, de “responsável” e de “habilitado”), os demais servidores os consultem e os
impulsionem, por meio da intranet institucional. Antecipe-se que as mencionadas figuras de
responsável e de habilitado para o processo sigiloso surgem de forma coerente, porque a
noção de sigilo não se coaduna com permissão de visualização ostensiva e liberada, fazendo
com que o sistema exija a existência daqueles usuários a quem, exclusivamente, se concede
acesso.
Compreenda-se, então, que o emprego do sistema e-Processo pela processualística
disciplinar, mediante módulo específico, significa uma diferenciação excepcional em toda
forma de se pensar e de se utilizar a nova ferramenta tecnológica, que tem a facilitação da
transparência como uma de suas potencialidades. Na matéria correcional, a reserva se faz
muito mais crítica, sensível e exigida, restringindo-se o acesso aos seus processos digitais
apenas aos agentes das unidades de correição devidamente autorizados e ao acusado. Tal
cautela se aplica tanto à fase de admissibilidade, em que o sigilo é protegido pelo inciso VIII
do excepcional art. 23 daquela Lei, quanto ao processo disciplinar em si, cujo sigilo tem a
proteção específica do caput do art. 150 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
Além da cristalina e inequívoca diferenciação, sob a ótica do acesso externo, no trato
de processos digitais correcionais e de processos digitais fiscais (nos quais o contribuinte
interessado, na condição de usuário externo, visualiza os autos, solicita juntada de
documentos e consulta solicitações e atos de comunicação fora do ambiente institucional),
aquelas duas fontes legais de sigilos específicos da instância correcional impedem, sob a ótica
interna, que nela se repita a amplitude de acesso propiciada na instância fiscal, já que, nesta, a
existência apenas de dados protegidos por sigilo fiscal não impediria o acesso de usuários
integrantes dos três órgãos gestores do sistema.
Enquanto nos processos fiscais em meio digital - e também na maioria dos processos
de mero interesse funcional de servidor atinentes a temas da alçada da gestão de pessoas - a
regra é a liberada acessibilidade no ambiente interno de usuários da RFB e para tal regra todo
o sistema e-Processo foi aprioristicamente arquitetado, nos processos disciplinares em meio
digital, a regra é a segregação do acesso a poucos usuários com perfil específico e restrito para
o módulo sigiloso (perfil denominado “Epro-Processo Sigiloso”). Por estes motivos se
considera que a aplicação daquela segunda marca de sigilo, voltada para usuários internos, é
que, de fato, torna um processo digital sigiloso no sistema.
Fechado este parêntese e retomando a instrumentalidade, ao se informarem aqueles
três níveis de classificação do processo digital no sistema Sief/Processos, faz-se um pré-
cadastramento naquele sistema e os autos recebem um nº de cadastramento no sistema
Comprot já no formato de numeração padrão do sistema e-Processo. Em outras palavras,
automaticamente, o cadastramento de um processo digital no sistema Comprot tanto exige o
seu pré-cadastramento (classificação no grupo, tipo e subtipo, com o quê já pode ser
consultado na lista de processos pré-cadastrados) no sistema Sief-Processos quanto alimenta
automaticamente a base de dados do sistema e-Processo.
A numeração de processo administrativo lato sensu no padrão do sistema Comprot
tem, como regra geral, os cinco primeiros dígitos refletindo um código neste sistema
associado à unidade responsável por sua protocolização, seguidos de seis dígitos com a
numeração sequenciada propriamente dita, separados por barra de quatro dígitos indicadores
do ano e de dois dígitos verificadores. A numeração padrão do sistema e-Processo diferencia
os processos digitais convencionando o sexto e o sétimo dígitos sempre como “7” e “2”,
restando então as formas xxxxx.xxxxxx/xxxx-xx para processos físicos e
173
que não se confundem com prática de ato processual. Ambas podem ser definidas, de maneira
extremamente sintética, como gêneros de funcionalidades que se empregam para deslocar
processos digitais, seja entre atividades, seja entre equipes, seja entre integrantes da equipe, e
se desdobram em espécies, sendo algumas aplicáveis a todos tipos de processos formalizados
no sistema e-Processo enquanto outras, em sentido contrário, não são aplicáveis a processos
disciplinares em meio digital e que, portanto, não merecerão atenção e aprofundamento no
presente texto além da rápida menção aqui nesta passagem.
As movimentações, como um gênero de funcionalidade, são compreendidas como
deslocamentos de processos digitais que implicam a alteração de pelo menos um dos dois
elementos: a equipe ou a atividade. Pode-se, então, ter a movimentação que altera a equipe
para realizar a mesma ou outra atividade e pode-se ter ainda a movimentação que altera a
atividade a cargo de uma equipe. E, de forma meramente conceitual e didática (inexistindo
tais expressões no sistema e-Processo), podem ser ramificadas em movimentações em geral,
típicas dos processos digitais de acesso liberado, em que não há que se preocupar a quem (a
qual usuário individualmente) exatamente se atribui o processo, e movimentações mais
estritas, em processos digitais marcados pelo sigilo operado até no ambiente interno da RFB
(como é o caso dos procedimentos correcionais), em que se obriga a atribuição do feito a
determinado usuário, que, como já se antecipou linhas acima, se chamará de “responsável”
(ou, em outras palavras, em que se obriga que a movimentação também contemple
obrigatoriamente a distribuição dos autos àquele usuário específico, a que o sistema denomina
especificamente de “movimentação com distribuição”).
Já no foco mais específico desta ramificação das movimentações de emprego nos
processos digitais requeredores de sigilo interno, como ocorre no âmbito da Coger e dos
Escor, a espécie de movimentação que altera a atividade a ser realizada pela mesma equipe
pode ser tida como menos comum no emprego correcional do sistema e-Processo (em vista da
já reconhecida elasticidade com que as atividades são previamente definidas), enquanto a
espécie de movimentação mais frequente, que altera a equipe, somente repercute em registros
de tramitação no sistema Comprot se a equipe de destino for de outra unidade (ou até mesmo
entre equipes de mesma unidade que possuam códigos próprios no sistema Comprot, em
unidades maiores, o que não é o caso da corregedoria). Ressalta-se que a movimentação com
distribuição somente é autorizada pelo sistema e-Processo quando realizada por membro da
equipe onde se encontra o processo e quando a atividade de destino do processo estiver
configurada com “Permissão para Distribuição na Movimentação” (configuração no sistema a
partir da funcionalidade “Associar Atividades às Equipes”). Em razão disto, todas as
atividades por onde tramitarão os processos disciplinares deverão possuir a mencionada
autorização. Além disto, enquanto não há outras exigências para o usuário responsável pelo
processo realizar a movimentação em comento, o usuário não responsável também terá
autorização para realizar a movimentação desde que possua o perfil “Epro-Processo Sigiloso”
ou que uma das equipes do sistema e-Processo de que faça parte esteja habilitada para acesso
aos autos.
Por sua vez, as distribuições, também como um gênero de funcionalidade, são
compreendidas como deslocamentos de processos digitais dentro da mesma equipe. E, de
forma meramente conceitual e didática (à margem de tais definições no sistema e-Processo),
podem ser ramificadas em distribuições em geral e distribuições mais estritas,
respectivamente típicas dos processos digitais de acesso liberado ou marcados pelo sigilo
interno, dependendo se há dispensa ou necessidade de se atribuir o feito a determinado
usuário. Há quatro espécies de distribuição no sistema e-Processo (distribuição em sentido
estrito, autodistribuição, liberação e redistribuição). A escolha da terminologia na arquitetura
do sistema pode não ter sido a mais feliz, pois obriga que se deixe claro que o sentido do
termo “distribuição” naquela expressão “movimentação com distribuição”, que quer indicar a
atribuição da “guarda ou da carga dos autos” a determinado usuário (responsável), não se
confunde com esta funcionalidade “distribuição”, nem em gênero, nem em espécie.
175
digital, sejam já recebidos pela equipe Triag em suporte documental digital, sejam aqueles
que necessitaram de digitalização (escaneamento), são movimentados para a equipe Gabin,
onde receberão os tratamentos iniciais a cargo do Chefe do Escor, conforme a seguir se
sintetiza.
Uma vez que as representações ou as denúncias e os processos disciplinares, ao serem
pré-cadastrados no sistema Sief/Processos com classificação correspondente a um dos
quatorze subtipos de processos digitais de interesse do sistema correcional, não só recebem o
seu nº de cadastro no sistema Comprot, mas também, neste mesmo momento, já obtêm a
marcação automática de sigilo, em razão da configuração nacional, e, por conseguinte,
requerem a identificação de a quem, individualmente, devem ser atribuídos (a figura do
responsável), cabe a cada Escor definir previamente no sistema e-Processo quem dentre os
integrantes de sua equipe Triag deve figurar como tal, para recepcioná-los neste primeiro
momento e para poder acessar os autos. A praxe é de as chefias dos Escor figurarem como
responsáveis no sistema para recepção de processos digitais, daí porque integram a citada
equipe.
Em consequência, se uma representação ou denúncia for movimentada para um Escor
com a devida classificação e com a marcação automática de sigilo desde a unidade de origem,
pode se afirmar que o remetente também atribui a responsabilidade a um usuário da equipe
Triag na unidade de destino a quem concede acesso à ocorrência (em geral, o Chefe do
respectivo Escor). Em outras palavras, nas movimentações de processos digitais, o sistema
informa à unidade remetente qual a equipe de entrada e quem figura como responsável para
acessar processos sigilosos na unidade de destino.
Por outro lado, se uma representação ou denúncia der entrada em um Escor sem a
marcação automática de sigilo - ou seja, se a ocorrência deu entrada ainda em formato não
digital e foi então convertida ou, mesmo que já esteja em processo digital, se um servidor na
unidade de origem a cadastrou no sistema Sief/Processos em um subtipo processual diferente
daqueles quatorze de interesse da corregedoria do tipo processual “Recursos Humanos e do
grupo processual “Processo Administrativo/Judicial” e a movimentou fora do módulo sigiloso
-, estando em ambas hipóteses na equipe Gabin, o Chefe do Escor deve definir, manualmente,
as duas marcas de sigilo para aquele processo digital.
Para abordar este incidente, neste ponto, faz-se então necessário apresentar uma
segunda possibilidade de manejo de processos digitais sigilosos no sistema e-Processo.
Além da funcionalidade que permite que as marcas de sigilo sejam nacionalmente
configuradas de forma automática para qualquer processo digital classificado nos quatorze
subtipos de processos digitais correcionais, sendo a cláusula de sigilo uma exceção na
construção como um todo do sistema e-Processo - embora, por oposição, seja a regra geral
para o emprego do sistema pela corregedoria -, há ainda uma outra funcionalidade, que atribui
a restritos usuários que precisem atuar em processos digitais sigilosos um perfil específico
para estes processos. A posse deste perfil é um atributo pessoal do servidor, que não se altera
em razão das equipes que integra ou dos processos digitais em que atua.
Obviamente, já que os processos correcionais em meio digital são sigilosos, de forma
geral, os servidores dos Escor e da Coger devem ser contemplados, pelos respectivos titulares
de unidades, com este perfil específico para processos digitais sigilosos. Para deixar
inequívoca a diferenciação e a especificidade, enquanto pode-se dizer que a posse deste perfil
para usuários da instância fiscal é exceção, por outro lado, é a regra geral para usuários do
sistema correcional.
A atribuição deste perfil a um usuário permite-lhe marcar com sigilo um determinado
processo digital originalmente não incluído na configuração nacional do módulo sigiloso e do
qual esteja como responsável. E, já que a marcação de sigilo é exceção no âmbito do sistema
e-Processo, obriga-se que, na sequência, este usuário deixe registrada a justificativa para ter
178
tornado aqueles autos sigilosos, que ficará incluída em seu histórico (como o sistema não
sugere textos padronizados para tal justificativa, cabe ao usuário descrever livremente a sua
motivação, como, por exemplo, justificar que se trata de representação, de denúncia ou de
processo disciplinar).
A posse deste perfil permite também ao usuário movimentar com distribuição ou
redistribuir processos sigilosos que estejam com a equipe de que é integrante, ainda que não
seja o seu responsável. Interessante destacar que mesmo um usuário sem o perfil específico
para processo digital sigiloso, ao lhe ser distribuído um processo digital marcado com sigilo, o
que lhe atribui a condição de responsável, passa a poder acessá-lo.
Após a abordagem do tema referente ao sigilo dos processos digitais, faz-se agora
pertinente apresentar dois outros conceitos empregados pelo sistema e-Processo e também
fundamentais para a compreensão do seu funcionamento, sobretudo quanto a processos
sigilosos, quais sejam, as condições de responsável e de habilitado e as noções de
responsabilidade e de habilitação em processo digital. Na verdade, são conceitos
completamente associados uns aos outros, tanto que, ao se abordar o sigilo, fez-se
indispensável mencionar, por inúmeras vezes, ainda que de forma diluída, a ideia de usuário
responsável. Pode-se dizer que há uma circularidade complementar a relacionar todos estes
conceitos, de sorte que a noção completa de cada um deles somente advém, de forma
recíproca e dinâmica, após se apresentarem as noções dos demais.
Conforme já mencionado, uma vez que as ocorrências e os processos disciplinares
encartados em processos digitais são demarcados no sistema e-Processo com cláusula de
sigilo, que impede visualização ostensiva e liberada de seus conteúdos, requerem a definição,
a cada momento, de algum usuário que figure como responsável, o que equivale a quem
detinha a “guarda” ou a “carga” se ainda se cogitasse de um processo com suporte documental
em papel. Tal condição é exercida, a cada momento, individualmente apenas por um único
determinado usuário e não por toda equipe que ele integra, e independe de prévia habilitação.
A responsabilidade pode ser alterada em favor de outro integrante da equipe, mantida
a mesma atividade a ser executada, na hipótese de redistribuição do processo digital. A
responsabilidade também pode ser alterada em favor de integrante da mesma equipe (mas
nada impede que seja para o mesmo integrante que já estava como responsável) em outra
atividade ou em favor de integrante de outra equipe na mesma ou em outra atividade, nas duas
espécies de movimentação acima descritas como movimentação com distribuição, pois o
mesmo ato contempla não só a mudança de atividade e/ou de equipe do processo digital como
também a definição do novo responsável dentre os integrantes que o próprio sistema lista da
equipe de destino.
Quanto aos poderes do responsável, de imediato, informe-se que, no primeiro
momento da tramitação de um processo digital, apenas este usuário pode ter acesso aos autos;
mas, em seguida, também os usuários habilitados pelo responsável, bem como, no transcurso
processual, aqueles usuários habilitados por responsáveis anteriores também podem ter acesso
aos autos.
Mas, mais que o poder de consulta dos autos, sintetize-se que o responsável não sofre
nenhuma restrição no impulso do processo digital. Se, além de figurar como responsável, o
usuário também possuir o perfil específico para processo digital sigiloso, pode alterar a
marcação de sigilo, tornando o processo sigiloso ou não sigiloso. E, tão somente por figurar
como responsável, mesmo que não possua aquele perfil específico, o usuário pode alterar o
conteúdo do processo (juntar ou excluir documentos); pode movimentar com distribuição ou
redistribuir o processo, o que significa dizer também que pode atribuir a outro usuário
(mesmo que este também não possua o perfil específico) a subsequente qualidade de novo
responsável, bastando distribuir-lhe o processo, seja movimentando com distribuição, seja
redistribuindo; e pode habilitar e desabilitar toda uma equipe ou outros usuários
individualmente (mesmo que estes também não possuam o perfil específico), incluindo ou
179
perfil específico para processo sigiloso, que integre a equipe onde se encontram os autos e que
haja definição de habilitação para acesso a esta sua equipe. Além disto, reitere-se que a
movimentação com distribuição somente é autorizada pelo sistema e-Processo, em qualquer
caso, quando realizada por membro da equipe onde se encontra o processo e quando a
atividade de destino do processo estiver configurada com “Permissão para Distribuição na
Movimentação”, razão pela qual todas as atividades por onde tramitarão os processos
disciplinares deverão possuir a mencionada autorização. Já a redistribuição somente é
autorizada pelo sistema e-Processo quando a atividade onde se encontra o processo estiver
configurada com “Permissão para Distribuição por Qualquer Membro” (configuração no
sistema a partir da funcionalidade “Associar Atividades às Equipes”) ou quando o usuário
estiver cadastrado como supervisor da equipe, (configuração no sistema a partir da
funcionalidade “Associar Membros às Equipes”). Além disso, repisando, enquanto não há
outras exigências para o usuário responsável pelo processo realizar a movimentação ou
redistribuição em comento, o usuário não responsável também terá autorização para realiza-
las desde que possua o perfil “Epro-Processo Sigiloso” ou que uma das equipes do sistema e-
Processo de que faça parte esteja habilitada para acesso aos autos.
Ato contínuo, para qualquer procedimento correcional em meio digital, o Chefe do
Escor deve habilitar os usuários que poderão visualizar o processo digital, além do próprio
responsável atual, habilitando, então, de imediato, toda a equipe Gabin, para que todos os seus
integrantes possam ter acesso ao processo digital na íntegra do seu curso (e, caso se instaure o
processo disciplinar, cabe idêntica determinação para que o Chefe do Escor habilite toda a
equipe Diaco). É importante que estas habilitações sejam em nome das equipes (e não nos nº
de inscrição no CPF do Chefe do Escor, do Chefe da Diaco e dos demais integrantes das duas
equipes), a fim de que todos os integrantes (inclusive os futuros) possam manter o acesso ao
processo digital ao longo de seu curso, pois as habilitações por CPF se perdem a cada
alteração de responsável, ou seja, se perdem a cada movimentação ou redistribuição do
processo digital.
Importante pontuar que os responsáveis anteriores não mantêm consigo os poderes de
responsável ao longo da tramitação do processo digital. Estes poderes, acima listados, são
exercidos, a cada momento, apenas pelo responsável atual. Os responsáveis anteriores não
mais alteram conteúdo dos autos ou alteram marcação de sigilo ou habilitam e desabilitam
usuários; apenas podem se manter habilitados caso o tenham sido por equipe e não de forma
individual por seu nº de inscrição no CPF.
Esta explanação acerca de responsabilidade e de habilitação permite a assertiva de
que, no processo em meio digital, o gênero usuários abrange as espécies responsável e
habilitados, sendo que, nesta última, no caso específico de processo disciplinar, podem ser
incluídos o Chefe do Escor, as equipes Gabin, Diaco e comissão, além do acusado ativo (e
não licenciado ou afastado), e, na primeira espécie, alternam-se, a cada movimentação ou
redistribuição, o Chefe do Escor e cada um dos integrantes da comissão.
Neste ponto, após enfim terem sido apresentados todos os conceitos importantes,
revela-se didático e pertinente retomar de forma mais completa noções que inicialmente
haviam sido apenas introduzidas acerca das principais funcionalidades para os processos
digitais sigilosos, em associação dinâmica com o conceito de responsável. Primeiramente, por
mero contraponto, relembre-se que, nas espécies de movimentação de processo digital não
sigiloso (os processos fiscais normalmente manejados no âmbito da RFB e os processos de
meros interesses pessoais de servidores), bastam as mudanças em si de equipe para equipe
e/ou de atividade para atividade, por meio da já mencionada espécie de movimentação em
geral, sem definição de responsável, podendo qualquer integrante da equipe de destino
livremente acessar os autos movimentados.
Já no caso de processo digital de natureza disciplinar, marcado por cláusula de sigilo e
por tal motivo sempre requeredor da figura de um responsável, e aqui merecedor de
181
FASE DE
ADMISSIBILIDADE SUBFASE ANALÍTICA (opcional - art. 3º):
Parecer propositivo de admissibilidade
(segundo Portaria (com modelo institucional próprio)
Coger-MF nº 24,
de 2013)
representante deve redigir sua peça e encaminhá-la, na sua via hierárquica, até o titular da sua
própria unidade de lotação, que pode ser um Subsecretário, ou o Chefe de Gabinete ou um
Chefe de Assessoria do Secretário da Receita Federal do Brasil, ou um Coordenador-Geral, ou
um Coordenador Especial, ou o Chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros
(Cetad), caso seja lotado em unidade central; ou deve encaminhá-la até o respectivo
Superintendente ou Delegado da Receita Federal do Brasil, caso seja lotado em unidade
regional ou local. Em síntese, se o servidor for lotado em uma unidade central, deve
encaminhar sua representação até o respectivo titular; se for lotado em Superintendência
Regional, deve encaminhar sua representação até o respectivo Superintendente; se for lotado
em qualquer espécie de Delegacia (Delegacias Especiais da Receita Federal do Brasil de
Administração Tributária - Derat, de Fiscalização - Defis, de Fiscalização de Comércio
Exterior - Delex, de Instituições Financeiras - Deinf, de Maiores Contribuintes - Demac, de
Pessoas Físicas - DERPF, de Comércio Exterior - Decex, de Julgamento - DRJ e da Receita
Federal do Brasil - DRF) ou Alfândega da Receita Federal do Brasil (ALF), deve encaminhar
sua representação até o respectivo Delegado; e se for lotado em Inspetoria, Agência e em
Posto de Atendimento, igualmente deve encaminhar sua representação até respectivo o
Delegado da Receita Federal do Brasil que jurisdiciona sua unidade de lotação.
Fechado este parêntese do dever de representar e voltando então à abordagem da
competência para fase de admissibilidade, é precisso agora desdobrar a análise em função da
unidade em que a notícia dá entrada ou em que tem início.
De imediato, se a ocorrência se inicia por um Escor ou pela Corregedoria (Coger), seja
como unidades recebedoras da representação ou da denúncia, seja como unidades
fomentadoras do trabalho investigativo interno de ofício, é certo que todo tratamento da fase
de admissibilidade se circunscreverá no próprio sistema correcional. Em outras palavras,
tendo a ocorrência dado entrada ou se iniciado no Escor ou na Coger, independentemente da
gravidade da suposta infração, não há possibilidade de o tratamento da fase de
admissibilidade e a consequente decisão de arquivar o feito ou de instaurar a instância
disciplinar migrarem para a unidade local ou regional ou central de ocorrência do fato ou de
lotação ou de exercício do servidor envolvido. Tendo se iniciado no sistema correcional, não
se opera a mitigação da exclusividade da corregedoria para o trato da matéria disciplinar e não
há que se falar da parcela de competência correcional da qual se deu a já mencionada
concorrência a titulares de algumas unidades fiscais e administrativas no inciso IV do art. 341
do Regimento Interno da RFB. Quando a ocorrência se inicia no sistema correcional, não se
cogita da aplicação desta inovação regimental, aplicável apenas quando o conhecimento da
notícia de suposta irregularidade se dá no âmbito de determinaddas unidades fiscais ou
administrativas e ainda assim cumulativamente condicionada ao parâmetro da baixa
ofensividade da conduta.
Iniciando-se a ocorrência no âmbito do sistema correcional, a leitura dos incisos II e
III do caput do art. 2° da Portaria RFB n° 6.483, de 2017, esclarece a diferenciação das
competências do Chefe de Escor e do Corregedor para procedimentalizar a fase de
admissibilidade e exarar seu consequente juízo.
Verifica-se mais especificamente do inciso II acima mencionado que a competência do
Corregedor é restrita e exaustiva, limitando-se apenas aos casos em que o representado ou
denunciado tiver ocupado à época do fato ou ocupe à época da decisão, dentre outros cargos
de maior hierarquia, o cargo de titular de unidade regional, qual seja, de Superintendente ou
de Superintendente Adjunto da Receita Federal do Brasil, ou ainda, nas unidades centrais,
quaisquer cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores código acima
do seu próprio cargo de Chefe de Escor, que é código DAS-101.2 (a saber, cargos de Chefe de
Gabinete e Chefes de Assessorias do Secretário da Receita Federal do Brasil - DAS-101.3 e 4,
Assessores - DAS-102.4, Assessores Técnicos - DAS-102.3, Ouvidor - DAS-101-3
Coordenadores-Gerais - DAS-101.4, Chefe do Cetad - DAS-101.4, Coordenadores Especiais -
DAS-101.3 e Coordenadores - DAS-101.3) ou que tenha cometido o fato no exercício interino
193
CPP - Art. 97. O juiz que espontaneamente afirmar suspeição deverá fazê-lo
por escrito, declarando o motivo legal, e remeterá imediatamente o processo ao
seu substituto, intimadas as partes.
Se, excepcionalmente, o tema vem à tona por provocação do investigado, não se
prescinde da manifestação do servidor ou da autoridade instauradora; e aí cabem duas
possibilidades. Por um lado, se o servidor ou a autoridade instauradora acata a tese de ser
impedido ou impedida ou suspeito ou suspeita, novamente, mediante a prova irrefutável do
impedimento ou a alegação pertinente da suspeição, basta o repasse da análise para outro
servidor ou que os atos que competem àquela autoridade sejam realizados por seu substituto
eventual, em perfeita analogia com os arts. 98 e 99 do CPP. Mas, por outro lado, se o servidor
ou a autoridade instauradora não acata a tese de ser impedido ou impedida ou suspeito ou
suspeita, deve o incidente ser protocolizado em autos apartados, a ser instruído com a peça
inicial do investigado e com a manifestação do servidor ou da autoridade, e em seguida
remetido para decisão da autoridade superior, em perfeita analogia com o caput do art. 100 do
CPP, quais sejam a autoridade instauradora e a autoridade hierarquicamente superior: sendo o
Chefe de Escor a autoridade instauradora, seguem para o Corregedor; sendo o Corregedor,
seguem para o Secretário da Receita Federal do Brasil; sendo Delegado, segue para
Superintendente da Receita Federal do Brasil; sendo o Superintendente ou titular de unidade
central, segue para o Secretério da Receita Federal do Brasil.
CPP - Art. 98. Quando qualquer das partes pretender recusar o juiz, deverá
fazê-lo em petição assinada por ela própria ou por procurador com poderes
especiais, aduzindo as suas razões acompanhadas de prova documental ou do
rol de testemunhas.
Art. 99. Se reconhecer a suspeição, o juiz sustará a marcha do processo,
mandará juntar aos autos a petição do recusante com os documentos que a
instruam, e por despacho se declarará suspeito, ordenando a remessa dos autos
ao substituto.
Art. 100. Não aceitando a suspeição, o juiz mandará autuar em apartado a
petição, dará sua resposta dentro em três dias, podendo instruí-la e oferecer
testemunhas, e, em seguida, determinará sejam os autos da exceção remetidos,
dentro em vinte e quatro horas, ao juiz ou tribunal a quem competir o
julgamento.
Em qualquer hipótese de alegação de impedimento ou de suspeição, seja
espontaneamente pelo próprio servidor, pela própria autoridade instauradora, seja pelo
investigado, deve o incidente ser levado à decisão da autoridade hierarquicamente superior,
coletando-se manifestação circunstanciada daquele cuja isenção se questiona. À luz dos arts.
111 e 112 do CPP, os questionamentos de impedimento e de suspeição são incidentais e não
suspendem o andamento do procedimento principal enquanto são analisados (a despeito de o
inciso III do art. 313 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil
(CPC) prever a suspensão, elege-se como primeira fonte de integração a processualística
penal, em razão da maior afinidade). Mas, por outro lado, uma vez decidido pela ocorrência
de impedimento ou de suspeição do servidor ou da autoridade instauradora, os atos por ela
cometidos são declarados nulos e devem ser refeitos, conforme o art. 101 do CPP.
CPP - Art. 101. Julgada procedente a suspeição, ficarão nulos os atos do
processo principal, pagando o juiz as custas, no caso de erro inescusável;
rejeitada, evidenciando-se a malícia do excipiente, a este será imposta a multa
de duzentos mil-réis a dois contos de réis
Art. 111. As exceções serão processadas em autos apartados e não
suspenderão, em regra, o andamento da ação penal.
Art. 112. O juiz, o órgão do Ministério Público, os serventuários ou
funcionários de justiça e os peritos ou intérpretes abster-se-ão de servir no
processo, quando houver incompatibilidade ou impedimento legal, que
declararão nos autos. Se não se der a abstenção, a incompatibilidade ou
impedimento poderá ser argüido pelas partes, seguindo-se o processo
200
apenas valendo a remissão para as hipóteses de exceção em que a autoridade competente para
o juízo de admissibilidade não recai na regra geral do Chefe do Escor da jurisdição do
representado ou denunciado ao tempo da análise.
inicial ou nos autos indícios ou provas de que um servidor tenha cometido suposto fato
passível de crítica em determinado tempo ou período e em determinado local. Diante de
notícias evasivas, amplas, genéricas, inespecíficas que sequer permitem o delineamento do
fato noticiado, o princípio da eficiência informa a inviabilidade de se mover a Administração
para realizar varreduras ilimitadas em termos objetivos e subjetivos, devendo merecer tal caso
liminar arquivamento, sob amparo do entendimento doutrinário da Controladoria-Geral da
União (CGU).
“Como já asseverado, a notícia de irregularidade deverá estar revestida de
plausibilidade, ou seja, conter o mínimo de elementos indicadores da
ocorrência concreta de um ilícito (materialidade) e se possível os indícios de
autoria, de modo que notícias vagas podem ensejar o arquivamento sumário da
denúncia, eis que não se afigura razoável movimentar a máquina estatal, por
demais dispendiosa, para apurar notícia abstrata e genérica, em cujo teor não
se encontra requisitos mínimos de plausibilidade.”, Ministério da
Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União, “Manual de
Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 59, 2013, disponível em
http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/Manual PAD.pdf,
acesso em 07/08/13
Importante reiterar esta necessária percepção da viabilidade apuratória e probatória, já
que, em atenção aos ônus inerentes à instância disciplinar, quando se vislumbra de antemão a
ínfima ou nenhuma possibilidade de se obter prova do fato criticável ou da conduta humana,
não se cogita de sua instauração tão somente para proceder a investigações genéricas e
difusas. O processo disciplinar não é foro justificável, razoável e proporcional para o mero
possível e intempestivo levantamento de indícios de irregularidade não obtidos até a fase de
admissibilidade e de desfecho presumivelmente infrutífero.
Nesta linha, é forçoso reconhecer que, em leitura dinâmica e conglobante de todos os
princípios simultaneamente informadores do Direito Administrativo Disciplinar, na hipótese
de a provocação do dever funcional de instaurar a apuração em vista de notícia de suposta
irregularidade já nascer fragilizada pela relevante probabilidade de insucesso na busca de
prova, com inequívoca repercussão na inviabilidade da aplicação do resultado punitivo em
face do infrator, deve a autoridade instauradora, em fase de admissibilidade, ponderar os ônus
de se empregarem os escassos recursos humanos e materiais de que se sabe dispor a
Administração, além do desgaste inerente à condução do processo em si. Pode-se defender
que, quando não se vislumbra a possibilidade de se obter as inequívocas materialidade e
autoria (por exemplo, em função da natureza dos atos funcionais em questão ou em função do
longo tempo decorrido), mesmo que se esgotem todos os esforços instrucionais possíveis - e
com todos os ônus a eles inerentes - é viável se eleger a máxima do in dubio pro reo e da
presunção de inocência para arquivar o feito liminarmente.
Mas, estando presentes na notícia os elementos indicativos mínimos da ocorrência
criticável em razão da ação humana que permitam a compreensão e a delimitação fática, é de
se prosseguir na análise, verificando, na sequência, se aquela situação noticiada enseja
ilicitude ou não. Não figurando aquele fato na previsão hipotética normativa como ilícito -
como, por exemplo, meros atos exclusivamente de vida privada (conforme se definirá em
3.2.3.1) ou atos de gerência administrativa de pessoal ou de pequenos aspectos
comportamentais (conforme se definirá em 3.2.3.3) -, o caso merece, ainda que por razão
distinta, o mesmo fim acima defendido, qual seja, o liminar arquivamento. Por outro lado, se
o fato delineado apresenta contornos de ilicitude, a análise avança, no sentido da identificação
do ramo do Direito afrontado.
Caso o fato delineado até apresente contornos de ilicitudes, mas de naturezas distintas
da disciplinar - seja pela matéria em si à margem do regramento estatutário, seja pela
qualidade do autor não regido pela Lei nº 8.112, de 1990 -, deve o caso ser encaminhado à
respectiva autoridade ou foro competente, abstraindo-se de persecução disciplinar. A
207
Instrução Normativa CGU nº 14, de 14 de dezembro de 2018, no parágrafo único do seu art.
9º, indica a provocação de outras instâncias jurídicas, quando pertinente.
Instrução Normativa CGU nº 14, de 2018 - Art. 9º
Parágrafo único. Caso sejam identificados indícios de irregularidade com
repercussão não correcional, a matéria deverá ser encaminhada à autoridade
competente para a respectiva apuração, independentemente da decisão adotada
no juízo de admissibilidade.
Isto porque a instância disciplinar não deve ser chamada a agir e muito menos se sentir
efetivamente provocada diante, por exemplo, de mera transgressão ética (conforme já exposto
em 2.5.2.1), de crimes comuns (conforme se definirá em 3.2.1.1), de atos de naturezas
jurídicas diversas (tais como fiscal, contábil, trabalhista, dentre outros), de atos
incipientemente associados a dano ou desaparecimento de bens (conforme se definirá em
3.2.3.5.2) ou ainda de atos cometidos por não servidor (conforme se definirá em 3.2.4.1).
Ademais, recomenda-se que também se atente, desde a fase de admissibilidade, com a
devida cautela, para os princípios da intervenção mínima e da insignificância e para os
conceitos de mera voluntariedade, erro escusável e de ausência de ilicitude material, como
motivações de arquivamentos, conforme se abordará, respectivamente, em 4.6.1.1, em 4.6.3.1,
em 4.6.3.2 e em 4.6.3.3, ao se tratar de indiciação e de enquadramentos.
Por outro lado, somente se o caso apresenta contornos de ilicitude disciplinar, ou seja,
mediante indícios de materialidade e de autoria de infração estatutária, deve-se aprofundar a
análise acerca da qualidade da notícia formulada, verificando se já se operou a prescrição.
Neste rumo, merece destaque a manifestação da CGU, por meio da Comissão de
Coordenação de Correição da CGU (CGU/CCC), estampada no Enunciado CGU/CCC nº 4,
de 4 de maio de 2011, nos termos que se exporão em 4.13.1.5, acerca da flexibilização do
poder-dever em princípio imposto à autoridade competente para instaurar o processo
disciplinar quando já se verifica, em fase preliminar, a prescrição da punibilidade,
concedendo-lhe a prerrogativa de ponderar as peculiaridades do caso concreto. Caso tenha
ope rado e não haja justificativas para a excepcional persecução disciplinar de punibilidade
prescrita (por exemplo, a possibilidade de repercussão em outras instâncias - como
ressarcimento ao erário ou representação penal), recomenda-se o arquivamento do feito.
Enunciado CGU/CCC nº 4, de 2011: “Prescrição. Instauração. A
Administração Pública pode, motivadamente, deixar de deflagrar procedimento
disciplinar, caso verifique a ocorrência de prescrição antes da sua instauração,
devendo ponderar a utilidade e a importância de se decidir pela instauração
em cada caso.”
E novamente mencione-se a Instrução Normativa CGU nº 14, de 2018, que, no § 3º
do seu art. 10 positivou o entendimento que a CGU já adotava no seu Enunciado acima.
Instrução Normativa CGU nº 14, de 2018 – Art. 10.
§ 3º A autoridade competente pode, motivadamente, deixar de deflagrar
procedimento correcional, caso verifique a ocorrência de prescrição antes da
sua instauração.
Ainda na mesma linha de argumentação, deve-se avaliar se há outras hipóteses de
extinção da punibilidade, mencionadas em 4.13.5.2, tais como a morte do servidor ou a
retroatividade benigna da lei. Pode também ser considerado como desestimulador da
instauração de segundo procedimento o fato de o servidor já ter sido demitido em outro
processo administrativo disciplinar (PAD) anterior, conforme já mencionado em 3.2.2.2.2.c.
Por outro lado, não se tendo concretizado nenhuma destas hipóteses, duas
possibilidades se desdobram. Se os indícios de materialidade e de autoria são suficientes para
de imediato se identificar e se delinear a conduta ilícita e o servidor por ela responsável, deve-
se propor a instauração do rito disciplinar. Mas, se os indícios de materialidade e de autoria,
208
disciplinar se, em sua avaliação prévia, parece-lhe necessário realizar alguma pesquisa
pontual ou aprofundada ou empregar algum procedimento de investigação, tais como, para
qualquer tipo de ilícito, uma análise preliminar ou o rito de uma sindicância investigativa, ou
ainda o rito de uma sindicância patrimonial.
A definição destes mencionados ritos foi esboçada, superficialmente, em 2.2.2.2.2, e
será detalhada adiante, em 2.5.3.2.
Na sequência, provocado pela autoridade instauradora (ou pelo grupo de
assessoramento), o servidor ou equipe ou comissão do grupo de investigação disciplinar pode
fornecer ao grupo de assessoramento, a fim de que este formule o parecer propositivo de
admissibilidade: a resposta solicitada à pesquisa pontual ou aprofundada; ou um relatório de
sindicância investigativa ou de sindicância patrimonial; ou uma informação disciplinar, nos
demais casos, inclusive de análise preliminar. Importante frisar que, a priori, recomenda-se
que ao grupo de investigação disciplinar cabe apenas atender à demanda da autoridade
instauradora ou do grupo de assessoramento, não devendo ser de sua alçada, porém, redigir o
parecer analítico de admissibilidade, com proposta de instauração do rito disciplinar ou de
arquivamento do feito, competência que convém recair naquele último grupo, qualquer que
tenha sido o rito investigativo porventura empregado.
A segmentação de tarefas na fase antecedente à decisão em juízo de admissibilidade se
ampara nos argumentos de que esta praxe vigente labora a favor da qualidade, fomentando
especialização de parte do pessoal (do grupo de investigação disciplinar) no emprego dos
procedimentos de investigação enriquecidos pelas ferramentas investigativas e, de outra parte
(do grupo de assessoramento), nas técnicas de redação jurídica, uma vez que podem ser
consecutivamente empregados servidores com perfil mais investigativo para as primeiras
tarefas de levantamento fático e, com perfil mais jurídico, para a consequente análise de
pertinência do arquivamento ou da instauração; de que não se impõe um retrabalho, pois não é
necessário que o parecer de viés jurídico repita todos os aspectos técnicos e fáticos levantados
pelo relatório ou pela informação disciplinar, podendo o servidor do grupo de assessoramento
se concentrar apenas nas questões jurídicas de presença ou não de indícios de materialidade e
de autoria, irrigando-as com a análise dinâmica dos princípios atuantes; e que, em síntese, se
trata de uma praxe recomendada de forma não impositiva, a ser tratada gerencialmente pelos
Chefes de Escor, de acordo com o perfil e quantidade de seu pessoal, e que não prejudica ou
impede que determinada unidade correcional, mais carente de pessoal, concentre, em
determinado caso em andamento, todas as tarefas investigativas e analíticas da fase pré-
processual em um mesmo servidor (ou em uma mesma equipe ou comissão).
À vista da recomendação de distribuição de tarefas a grupos especializados, cabe abrir
um parêntese para esclarecer se nos casos em que não se vislumbre nenhuma necessidade de
promoção de procedimentos de investigação, pode a autoridade instauradora redigir
diretamente a peça analítica em que se baseará, ato contínuo, a sua própria decisão ou se deve
a fase de admissibilidade ser instruída por peça opinativa obrigatoriamente redigida por
servidor subordinado àquela autoridade. Na esteira, também convém esclarecer se, caso haja
necessidade de se proceder a procedimentos de investigação, há obrigatoriedade de serem
conduzidos por outro servidor a fim de amparar a decisão em fase de admissibilidade ou se
pode a própria autoridade instauradora, diretamente, fazê-las e emitir a decisão, dispensando
trabalho instrutório a cargo de outro agente subordinado. Também se aproveita para enfrentar
a questão se incorre em impedimento ou suspeição o servidor que proceder aos procedimentos
de investigação (ou que deles participar em equipe ou comissão) e que, consecutivamente,
vier a elaborar o parecer propositivo de admissibilidade, em excepcional afastamento da
rotina ora proposta, de segmentação das tarefas investigativas e analíticas.
Quanto ao primeiro ponto, pela simples leitura atenta do caput do art. 3º da Portaria
Coger-MF nº 24, de 29 de outubro de 2013, se atesta que não há necessidade de se ter peça
opinativa da lavra de outro servidor diferente da autoridade instauradora (em geral, do grupo
211
de se arquivar o feito ou de se instaurar o rito disciplinar, visto que contemplam uma atividade
tão somente descritiva e uma atividade de simples proposição analítica em cima daquilo que o
próprio agente descreveu, ambas sem o condão decisório em desfavor do investigado -
ressalvando-se, por óbvio, que o servidor que realizar os procedimentos de investigação, além
de redigir a análise jurídica, não pode atuar como autoridade instauradora. Embora se
recomende o emprego de pessoal especializado nas tarefas de natureza investigativa e nas
tarefas de natureza jurídico-analíticas - apenas por um foco gerencial de melhor
aproveitamento de pessoal e de especialização -, a eventual necessidade de condensar em um
mesmo servidor (ou uma mesma equipe ou comissão) as duas instruções antecedentes à
decisão da autoridade instauradora não configura hipótese de impedimento ou suspeição.
Também há posicionamento institucional neste sentido.
Orientação Coger nº 35
Não há impedimento ou suspeição em um mesmo servidor, individualmente ou
em equipe ou em comissão, atuar nas investigações e na consecutiva
elaboração de parecer de juízo de admissibilidade de um mesmo procedimento,
desde que não venha a ser autoridade instauradora.
A rigor, pode se dizer, de forma mais genérica e abrangente, que qualquer peça
(independentemente da forma que assuma - seja ou não um relatório ou uma informação
disciplinar, decorrente de procedimento de investigação, ou um parecer propositivo - e de
conter ou não expressa proposta de arquivamento ou de instauração) pode ser apta para que,
tomando-a como base, a autoridade instauradora manifeste sua decisão cognitiva de arquivar
o feito ou de instaurar o rito disciplinar.
Ademais, é válido que a autoridade instauradora se satisfaça com as descrições
meramente fáticas e até com a eventual proposta constantes do relatório ou da informação
disciplinar de trabalho investigativo porventura necessário e concluído por servidor (ou por
equipe ou comissão) do grupo de investigação disciplinar e as tome diretamente como as
bastantes razões de sua decisão cognitiva de arquivar o feito ou de instaurar o rito disciplinar;
não obstante, caso aquelas descrições fáticas não forneçam informações e subsídios
suficientes, também é válido que a autoridade instauradora devolva ao mesmo servidor (ou à
mesma equipe ou comissão) - ou também que repasse para outro(s), do grupo de
assessoramento - para que se proceda à análise jurídica em parecer propositivo, a fim de servir
como base daquela decisão cognitiva. Também há posicionamento institucional neste sentido.
Orientação Coger nº 36
A autoridade instauradora pode tomar as descrições fáticas e a eventual
proposta constantes do relatório ou da informação de trabalho investigativo
diretamente como base de sua decisão cognitiva de arquivar o feito ou de
instaurar o rito disciplinar; não obstante, caso aquelas descrições fáticas não
forneçam informações e subsídios suficientes, pode a autoridade instauradora
devolver os elementos até então coligidos ao mesmo servidor ou à mesma
equipe ou comissão, ou repassá-los a outro(s), para que se proceda à análise
jurídica em parecer propositivo, a servir como base daquela decisão cognitiva.
Destaque-se que a busca do necessário convencimento acerca da existência dos
indícios de materialidade e autoria opera-se com tamanha força que o § 2º do art. 2º da
Portaria Coger-MF nº 24, de 2013, prevê e permite que a autoridade instauradora, porventura
ainda na dúvida e insegura quanto à pertinência da onerosa instauração da instância
disciplinar mesmo após a conclusão de um determinado procedimento de investigação, pode
determinar a realização de novos procedimentos investigativos, até que disponha de
elementos suficientes para emitir seu juízo de admissibilidade. Em outras palavras, caso a
autoridade instauradora se sinta não satisfeita ou não conformada com o resultado apresentado
ao final de determinado procedimento, pode determinar a realização de outros procedimentos,
atitude em que, dentre outras, desde instaurar integralmente todo um novo rito, também inclui
as simples determinações pontuais para realização de uma diligência ou de uma perícia ou o
213
Chefe do Escor
Pedido de análise
Pedido de pesquisa
Grupo de pontual ou aprofundada Grupo de
investigação assesso-
disciplinar Pesquisa ramento
pontual
É de se ressaltar que, embora não seja a principal vocação deste texto, esta
procedimentaliçao em fluxo aplica-se, no que couber, à fase de admissibilidade do processo
administrativo de responsabilização de pessoas jurídicas (PAR), regido pela Lei nº 12.846, de
1º de agosto de 2013, regulamentada pelo Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015, e
mencionada nos arts. 15 a 18 da Instrução Normativa CGU nº 14, de 2018, englobando em
seu escopo o rito denominado investigação preliminar, mencionado em 2.2.2.2.3.
Importante consolidar desde já uma terminologia diferenciadora adotada no sistema
214
correcional da RFB e que se empregará ao longo de todo este texto, inclusive para o processo
disciplinar. De um lado, denomina-se parecer a peça propositiva da lavra de um parecerista
(em geral do grupo de assessoramento), dirigida ao chefe da própria unidade emissora (ao
Chefe do Escor ou ao Corregedor), emitindo uma análise a fim de propor-lhe alguma decisão
ou providência (como, por exemplo, parecer de admissibilidade, parecer de análise de
processo e parecer de análise de pedido de reconsideração ou de recurso hierárquico, quando
se dirige à própria autoridade recorrida). Vale esmiuçar que, ainda que a providência proposta
pelo parecerista ao seu chefe de unidade seja um mero encaminhamento para uma escala
hierárquica superior com competência decisória, cabe enquadrar a peça como parecer se o
trabalho que se analisa foi instaurado por ordem daquela primeira autoridade local, a quem
deve se dirigir a apreciação se a tarefa determinada foi realizada de forma satisfatória ou não
(como será o caso de um parecer, propondo encaminhamento de PAD à Procuradoria-Geral
da Fazenda Nacional - PGFN em razão de acatar relatório de uma comissão de inquérito
designada por Chefe de Escor conclusivo pelo cometimento de infração punível com pena de
demissão).
As demais peças analítico-descritivas se denominam informação, mas comportam
especificação diferenciadora.
De um lado, tem-se a informação externa quando se faz necessário prestar resposta a
uma demanda externa à unidade emissora, como, por exemplo, quando um Escor ou a Coger
presta subsídio a outra unidade do sistema correcional ou a outra unidade da RFB ou a outro
órgão, e que é uma peça disponibilizável por sua própria natureza (já que se dirige para fora
do ambiente de sua lavratura). Os interlocutores institucionais mais comuns que se pode citar,
em lista não exaustiva, são Poder Judiciário, Ministério Público Federal (MPF), Departamento
de Polícia Federal (DPF), Advocacia-Geral da União (AGU), Controladoria-Geral da União
(CGU) e PGFN, dentre outros. Com fim elucidativo, vale, didaticamente, diferenciar a
presente menção à PGFN da hipótese citada acima para parecer, pois aqui se trata de elaborar
de uma informação externa no âmbito do Escor onde se originou um PAD e que, após
julgado, vem a ser objeto de qualquer espécie de recurso ou de revisão de competência
ministerial e para a qual aquele órgão solicite a peça analítica de instrução. Naquele primeiro
caso, o parecer é como uma culminância de todo um trabalho originado e desenvolvido a
mando do próprio Chefe do Escor; no caso presente, a informação externa é solicitada ao
Escor, pela PGFN, para instruir uma incumbência que é sua, apenas por uma questão de maior
proximidade e de suposto maior conhecimento dos fatos por parte daquela unidade
correcional.
De outro lado, diferencia-se a informação disciplinar, mencionada em diversas
passagens neste tópico voltado à fase de admissibilidade, com que se consubstancia o fim de
um trabalho investigativo (como, por exemplo, de análise preliminar ou investigação
patrimonial), em geral demarcada pela cláusula de ser sigilosa, voltada que é à tramitação
interna.
Ainda nesta linha de textos analítico-propositivos em fase de admissibilidade, reitere-
se que, naqueles procedimentos formalizados por designação de comissão, como sindicância
patrimonial e sindicância investigativa, o trabalho final deste colegiado consubstancia-se em
relatório.
Informe-se também que, por mero resíduo, também se nomeia como informação
disciplinar a resposta promovida pelo Serviço de Atividades Administrativas (Sesad) à
demanda se determinado servidor possui registro de natureza correcional em seu
assentamento funcional, mencionada em 4.3.7.1.
Normas gerais
IN CGU 14/18 e Regimento Interno Regimento Interno
comportamental; e, por fim, até pode ser empregado mesmo para pesquisa prévia de interesse
patrimonial em um estágio ainda tão incipiente que não justifique o emprego de sindicância
patrimonial.
No sentido mais frequente do emprego do instituto, pode-se lançar mão de análise
preliminar quando se quer identificar indícios de materialidade e de autoria em suposta(s)
ilicitude(s) cometida(s) por um ou mais de um determinado(s) agente(s), deflagrando-se a
partir de uma notícia inicial possuidora de algum grau de delimitação objetiva ou subjetiva,
ainda que abarcando um foco abrangente de condutas ou de agentes. Assim, como a
investigação foca-se no esclarecimento de uma notícia inicial acerca de determinado(s)
agente(s) e de determinada(s) conduta(s), pode-se dizer que, decerto, o conhecimento da
suposta irregularidade em tela, neste caso, advém de notícia de fato conhecido,
independentemente de esta notícia indicar única conduta de único agente ou demarcar extenso
conjunto de condutas de inúmeros agentes identificados (mas, em todo caso, trata-se de uma
notícia sem grau de determinismo a ponto de justificar a instauração de um procedimento
investigativo mais aprofundado e muito menos a instauração da instância disciplinar).
Mas há também uma segunda possibilidade, menos frequente, de emprego do instituto
da análise preliminar, englobando, de forma residual, qualquer tipo de procedimento voltado
indistintamente para uma determinada atividade, praxe ou conduta que possa ser praticada por
um extenso e a priori não delimitado universo de agentes, e, como tal, dissociada de qualquer
critério movido pela prévia individualização de algum ou de alguns servidores. A análise
preliminar desta espécie, em geral, associa-se a um gerenciamento de risco potencial (baseado
em vulnerabilidades normativas ou ambientais ou em casos de desvio já conhecido para se
constatar se se repetem em outras unidades) de cometimento de determinada(s) ilicitude(s),
sem prévia delimitação objetiva ou subjetiva (ou seja, pode ser deflagrada sem uma precisa
demarcação das condutas e dos agentes a serem investigados). Como tal, pode decorrer tão
somente da espontânea e de ofício percepção da autoridade designadora de que determinada
situação, à margem de individualização de autores, possa envolver risco infracional, sem
qualquer notícia inicial; ou pode também decorrer de uma notícia genérica de suposta prática
infracional sem apontar autores e, portanto, não justificadora de imediato rito disciplinar; ou
pode ainda decorrer de uma notícia focada sobre determinado(s) servidor(es) ou conduta(s)
mas que, ao final, resta extrapolada pela diligência da Administração, por esta perceber um
risco além da individualização inicial, descartando-se aquela provocação inicial para se buscar
um alcance objetivo ou subjetivo maior que o noticiado.
Assim, de uma forma ou de outra (sequer havendo notícia inicial ou, se havendo,
tendo ela sido descartada), tem-se que este segundo tipo de análise preliminar marca-se pelos
fatos da inespecificidade objetiva e subjetiva e de que o conhecimento da suposta
irregularidade, neste caso, advém de pesquisas oriundas (quando não há notícia inicial) ou
realizadas (quando se descarta a notícia inicial) internamente no próprio sistema correcional,
sendo certo que, ao tempo de seu início, não se dispõe de elementos que justifiquem a
instauração de um procedimento investigativo mais aprofundado e muito menos a instauração
da instância disciplinar. Importa destacar que, tendo se originado de um procedimento geral e
impessoal para todo o corpo funcional ou para uma parcela dele ou tendo se originado de
notícia concreta, este tipo de análise preliminar é totalmente desvinculado das atividades e
planejamentos da Coordenação-Geral de Auditoria Interna (Audit).
Por fim, mencione-se que, a despeito de toda construção apresentada neste tópico para
justificar a adoção do conceito de análise preliminar com o fim de suprir a lacuma na
processualística disciplinar depois que a Instrução Normativa CGU n° 4, de 2018, levou o
conceito de investigação preliminar para a fase de admissibilidade antecedente do PAR,
também se pode estender o emprego deste rito doutrinário como forma de triagem qualificada
antes de se deflagrar uma formal investigação preliminar em algum caso concreto de
investigação de suposto ato lesivo à Administração cometido por pessoa jurídica, conforme
exposto em 2.2.2.2.3.
223
esgotando também os atos de instrução de natureza contraditória, a ponto de nada restar para
ser feito no curso do inquérito administrativo. Convém reservar o foro contraditório para a
feitura de provas desta natureza.
Todavia, em casos de avaliação patrimonial, que em geral se baseiam precipuamente
em análise de provas documentais (a exemplo de pesquisas em dossiês e em sistemas
informatizados internos em geral, remessa de atos de comunicação e de circularizações e
respectiva juntada de documentos e informações recebidos em resposta), pode ocorrer de a
fase de admissibilidade ser de fato exaustiva e exauriente e não restar à comissão nada além
de interrogar o acusado. Neste caso, é possível compreender que a necessária busca da
verdade material suficiente apenas para fazer deflagrar o poder-dever de a autoridade
competente determinar a instauração de processo disciplinar em seu juízo de admissibilidade
praticamente se superpõe à mesma verdade material que adiante pode vir a justificar a
indiciação do acusado e a sua apenação, de forma a nada restar mesmo para a comissão
instruir o processo, a não ser dar a sua própria leitura às planilhas, às tabelas e aos cálculos de
variação patrimonial advindos da fase investigativa, ofertar à defesa o contraditório acerca
dessa sua leitura e interrogar o acusado. Ainda neste caso, o fato de o servidor ou a equipe ou
a comissão sindicante responsável pela condução dos trabalhos de apreciação da evolução
patrimonial do investigado, ao final de seu trabalho, elaborar planilhas ou tabelas e cálculos
não se confunde com feitura de prova de natureza contraditória em momento inadequado, pois
elaborar planilhas e tabelas dados numéricos não é fazer prova em si, mas sim aplicar sua
livre cognição sobre as provas documentais de natureza pré-constituída que ampararam e
instruíram as planilhas, tabelas e cálculos.
De outro lado, em casos de ilícitos funcionais em geral (que comumente requerem
provas de natureza contraditável não pré-constituída para comprovação) e em casos de
avaliação patrimonial que excepcionalmente requeiram prova de natureza contraditável não
pré-constituída para comprovação, não convém que este tipo de prova seja realizada na fase
de admissibilidade, mas sim no curso do processo disciplinar, a fim de se harmonizar com a
inteligência estendida do art. 155 do CPP. E, caso tenha sido excepcionalmente realizada na
fase de admissibilidade, deve ser refeita de ofício pela comissão no inquérito administrativo,
mesmo se a defesa não peticionar.
Mas há uma ressalva muito importante a ser feita aqui. Muito já se enfatizou a cautela
de se evitar realizar, na fase de admissibilidade, prova de natureza contraditória, sob pena de
ter de refazê-la posteriormente, no processo disciplinar subsequente, e também já se reiterou
tal desnecessidade para as provas de natureza pré-constituída. O que se busca com tal
posicionamento é refletir a convicção de que a prova de natureza contraditória
antecipadamente coletada pode e certamente será ainda melhor coletada no seu refazimento
no curso do processso disciplinar, sob a riqueza do manto do contraditório, e este é um
aprimoramento processual factível, já que o próprio ente administrativo (em síntese, o sistema
correcional) que a realizou originalmente, em geral, possui todas as condições, em suas
próprias mãos, para refazê-la. O mesmo não ocorre com provas realizadas originalmente em
outros processos ou procedimentos, por outros entes, coletadas sob manto contraditório e
trazidas como prova documental emprestada. Esta é uma situação comum na realidade da
atividade correcional na RFB, em que muitos casos caminham em paralelo com inquéritos
policiais ou com ações penais, de onde se tem o compartilhamento judicialmente autorizado.
Para estas provas, realizadas alhures por agentes estranhos, aqui prevalece o seu valor estático
documental de prova emprestada e não cabe a certeza de viabilidade de seu refazimento
aprimorado no curso do processo disciplinar pela comissão processante. Embora
originalmente tenha sido coletada sob natureza contraditória, estando aqui como prova
documental, a este elemento probante não se aplica a obrigatoriedade do refazimento de ofício
independente de pedido da defesa para ser licitamente empregada na formação da convicção.
Seu refazimento no processo disciplinar, seja por iniciativa da comissão, seja a pedido da
defesa, condiciona-se a uma análise de pertinência e de viabilidade, por parte da comissão
237
processante.
Retornando à lista de atos de instrução recomendáveis ou não em fase de
admissibilidade, é de se reiterar que, em princípio, não há expressa previsão legal para
representado ou denunciado e para representante ou denunciante se manifestarem na fase de
admissibilidade, nem mesmo por escrito. Não obstante, a manifestação por escrito destas
pessoas é uma prova indubitavelmente válida, não carreando nenhuma nulidade ao
procedimento proceder a tais atos e tê-los autuados. Isto porque pode se demonstrar útil,
diante de representação ou denúncia insuficientemente instruída, provocar, por escrito, o
representante ou denunciante a refiná-la. Além disto, quando operacional e estrategicamente
se justificar (quando a quebra da reserva e a perda do fator surpresa não impuserem riscos de
destruição de provas, por exemplo), pode-se ter até a oportunização ao representado ou
denunciado para se manifestar por escrito e agregar alegações ou provas que possam
esclarecer a seu favor o teor da representação ou denúncia sob apreciação, sendo de se inferir
que, uma vez provocado a se manifestar na fase de admissibilidade, ou seja, passando a saber
da existência de pesquisas ou procedimentos de investigação contra si, muito provavelmente o
servidor peticionará acesso aos autos.
Além disto, excepcionalmente, pode ser necessário ouvir, em prova oral, o
representante ou o denunciante ou mesmo outras pessoas em fase de admissibilidade. Nestes
casos residuais, nada impede de se tomar o comprometimento de verdade do depoente e de
configurá-lo como testemunha, caso atenda as condições para tal, conforme se abordará em
4.4.4.3.2 e 4.4.4.3.3, a fim de agregar maior valor jurídico ao ato (em analogia ao inquérito no
processo penal, em que a autoridade policial pode tomar testemunho). Além de este
chamamento preliminar ser excepcional, deve ser visto com extremada cautela e reserva, pois
pode se estar antecipando, sem o devido contraditório, uma prova oral relevante no posterior
rito contraditório. Por óbvio, caso venha a ser instaurada a instância disciplinar e esta prova
oral seja relevante para formação de convicção, para que possa ser empregada e valorada pela
comissão, deve ser refeita de ofício, independentemente de pedido de refazimento pela defesa,
sob manto do contraditório (notificando o acusado para acompanhar e contraditar, se desejar),
ainda que tenha sido tomada como testemunho na fase de admissibilidade.
A prova oral preliminar do representado ou denunciado na fase de admissibilidade
deve ser vista de forma ainda mais residual e excepcional, porque, de um lado, ele ainda nem
sequer foi formalmente acusado mas, por outro lado, já pode se ver obrigado a alegar a
cláusula de não autoincriminação, o que pode lhe causar situação embaraçosa no processo.
Caso muito excepcionalmente seja realizada, deve o servidor ser informado do seu direito
constitucional de não ser obrigado a produzir prova contra si mesmo e de poder optar pelo
silêncio, conforme se aduzirá em 4.4.16.4.1.
Atente-se que caso o servidor representado ou denunciado seja excepcionalmente
intimado a prestar prova oral em fase de admissibilidade, o inciso XXI do art. 7º da Lei nº
8.906, de 4 de julho de 1994 (o Estatuto da ordem dos Advogados do Brasil - OAB), confere-
lhe o direito de se fazer acompanhar e assistir por seu advogado, bem como no decorrer do
restante dos trabalhos investigativos.
Lei nº 8.906, de 1994 - Art. 7º São direitos do advogado:
XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob
pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e,
subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele
decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso
da respectiva apuração: (Incluído pela Lei nº 13.245, de 12 de janeiro de 2016)
a) apresentar razões e quesitos; (Incluída pela Lei nº 13.245, de 2016)
Não obstante as excepcionais possibilidades acima expostas de chamar o representado
ou denunciado aos autos, conforme se exporá em 2.5.6.2.2, nem mesmo a este servidor é
conferida prerrogativa de, ex officio, ser notificado da existência e do andamento dos
238
trabalhos investigativos e de ser contemplado com acesso, vista, cópia ou informação dos
elementos instrucionais coletados e muito menos de atuar, participar, interferir e contraditar a
condução unilateral deste rito, a cargo da Administração - obviamente, caso seja chamado ao
procedimento, a partir de então, descabe lhe negar o acesso que presumivelmente pedirá. E
também como se aduzirá em 2.5.6.2.3, na esteira, em regra, o representante ou denunciante,
na figura de uma pessoa física (ou seja, aqui dissociando-se da hipótese de ser um membro do
Ministério Público Federal - MPF ou do Poder Judiciário), não tem direito de acesso às
investigações ou de acompanhá-las e de ser informado passo a passo sobre o tratamento dado
à sua representação ou denúncia.
Tampouco, depois de apresentada a peça inicial, é dado ao representante ou
denunciante o direito de dela desistir, de retirar a acusação a fim de extinguir o processo. Por
um lado, o servidor que representa contra irregularidade de que tem conhecimento nada mais
faz senão cumprir dever funcional, conforme os incisos VI e XII do art. 116 da Lei nº 8.112,
de 11 de dezembro de 1990. Por outro lado, o particular que denuncia em razão de
irregularidade tão somente mantém um comprometimento de ordem moral e ética com a
Administração que, nos termos do inciso IV do art. 4º da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de
1999 (a Lei Geral do Processo Administrativo, que regula a processualística no âmbito da
Administração Pública federal), também atinge o patamar de dever do administrado em
relação ao Poder público. Tais liames não têm o condão de elevar o representante ou o
denunciante à qualidade de interessado nas investigações e muito menos a influir ou ditar seus
rumos. Uma vez recepcionada a representação ou denúncia, as investigações dela decorrentes
passam a ser da Administração e, portanto, os interesses que as movem são unicamente
públicos e indisponíveis. A relação jurídica do representante ou denunciante com as
investigações e com o processo disciplinar porventura instaurado em decorrência da
provocação por eles apresentada se encerra com a entrega desta peça inicial. A fase de
admissibilidade ou a instância disciplinar encerram uma atípica relação jurídica, em que os
polos são ocupados, exclusivamente, de um lado, pelo Estado e, de outro, pelo servidor
investigado ou posteriormente acusado, não comportando interesses outros de quem quer que
seja.
Ainda neste tema, caso o representante ou denunciante venha manifestar, após ter
apresentado sua peça inicial que, ao ter provocado a Administração, não objetivava a
instauração de processo disciplinar, cumpre esclarecer que qualquer servidor e até mesmo
particular, ao tomar conhecimento de suposta irregularidade no âmbito da Administração
Pública federal, por expresso dever legal, deve representar ou denunciar à autoridade
competente, a qual, por sua vez, quando justificável, sob ótica correcional, fica obrigada a
instaurar a devida apuração contraditória (conforme os incisos VI ou XII do art. 116 e o caput
do art. 143, ambos da Lei nº 8.112, de 1990, e o inciso IV do art. 4º da Lei nº 9.784, de 1999).
Ou seja, não se cogita de qualquer discricionariedade, sob critérios de oportunidade e
conveniência, na formulação da representação ou da denúncia e sobretudo das consequentes
fase de admissibilidade e decisão de instaurar a instância disciplinar. Assim, a manifestação
volitiva do representante ou do denunciante, divorciada de valor jurídico, no sentido de se
arrepender e desistir de sua representação ou denúncia, não tem, por si só, o condão de
interferir no poder-dever de esclarecer o fato.
Também não assiste direito ao representante ou denunciante de determinar que
somente entregará outras provas, de que espontaneamente ou por intimação informou dispor,
no momento em que lhes aprouver.
É de se dizer que, no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil, à vista do
caráter restritivo e residual da instância disciplinar, com todos os ônus que lhe são inerentes
(materiais e imateriais), vigora a Portaria RFB nº 6.483, de 29 de dezembro de 2017, cujo
inciso II do § 3º do art. 4º, conforme já exposto em 2.4.1, regulamentando o dever funcional
dos incisos VI ou XII do art. 116 da Lei nº 8.112, de 1990, estabeleceu os requisitos de
admissibilidade de representação funcional, dispondo que esta, em princípio, deve se fazer
239
acompanhar, dentre outros, das provas que o representante dispuser. Prossegue a norma, no §
4° do mesmo dispositivo, impondo que a representação incompleta deve ser devolvida,
mediante intimação, para que o representante preste os esclarecimentos adicionais
indispensáveis para subsidiar a fase de admissibilidade e para possibilitar ao representado o
conhecimento preciso da notícia que lhe é contrária, de modo a garantir-lhe ampla defesa.
A fase de admissibilidade de representação, instruindo a decisão, a cargo da autoridade
instauradora, de instaurar ou não processo disciplinar, deve ser conduzida ao amparo de todos
os elementos disponíveis acerca do fato representado, visto que é justamente da sua integral
ponderação que se extrai a conclusão de possibilidade ou não de se ter configurada a
repercussão disciplinar. Desta forma, todas as provas de que o representante tenha
conhecimento de possível irregularidade devem ser disponibilizadas à autoridade instauradora
desde a peça inicial para a fase de admissibilidade e não após instaurado o suposto processo
disciplinar ou em qualquer outro momento que, a seu exclusivo talante, considere oportuno e
conveniente. A normatização da matéria, amparada nos princípios reitores, não confere tal
discricionariedade ao representante, visto que, a rigor, é seu dever representar e contribuir
para o esclarecimento de fatos de interesse da Administração.
Analogamente, o mesmo posicionamento se defende para o caso de denunciante, com
a diferença de que este, a rigor, não se submete à normatização interna, mas prevalece a base
principiológica da seara pública e o mandamento legal do inciso IV do art. 4º e do caput do
art. 39, ambos da Lei nº 9.784, de 1999.
Lei nº 9.784, de 1999 - Art. 4º São deveres do administrado perante a
Administração, sem prejuízo de outros previstos em ato normativo:
IV - prestar as informações que lhe forem solicitadas e colaborar para o
esclarecimento dos fatos.
Art. 39. Quando for necessária a prestação de informações ou a apresentação
de provas pelos interessados ou terceiros, serão expedidas intimações para esse
fim, mencionando-se data, prazo, forma e condições de atendimento.
ao falso. Sobretudo quanto a este segundo risco, causador de maior aflição ao investigador,
por óbvio não há existir tamanha impetuosidade a favor do trabalho a ponto de expô-lo a risco
funcional, mas não é o que aqui ocorre. Sem perder de vista jamais a advertência registrada
acima, acerca da submissão a riscos de sua integridade e segurança pessoais quando o
investigador se expõe de forma impetuosa e desacompanhada em ações externas, não há que
se cogitar de incursão em tipo penal, associado ao falso, já que não há em sua conduta mínimo
desígnio consciente de vontade de praticar um crime, mas sim tão somente elevado espírito
público para atender o interesse social que move a investigação face ao desvio de conduta.
Se até mesmo as autoridades da polícia judiciária e do Ministério Público Federal, a
despeito de todo arcabouço jurídico e das fortes ferramentas persecutórias que têm a seu
dispor, por vezes, se veem obrigadas a lançar mão de estratégias de inteligência para instruir
seus procedimentos investigativos, com muito mais razão também terá de fazê-lo, quando
indispensável e necessário, o servidor integrante do sistema correcional de órgão executivo,
detentor de menores poderes de coercitividade. O deslinde do conflito de direitos, da tensão
residente na lacuna de lei, se resove casa a caso, com a atenta leitura da base principiológica
reitora. A ponderação dinâmica de princípios da indisponibilidade do interesse público, da
oficialidade, da busca da verdade material, da razoabilidade e da proporcionalidade, a favor
do interesse público, por muitas vezes será o caminho para referendar tais investidas
estratégicas da inteligência investigativa, mesmo que por vezes mitigando círculos de direitos
sensíveis como privacidade e intimidade da pessoa..
disciplinar instaurado por tal fato, se vem à tona que, na verdade, ele deu causa ao extravio do
laudo com o fim de posteriormente atuar no desembaraço aduaneiro de forma irregular, para
fazê-lo com base em classificação fiscal indevidamente favorável ao contribuinte e
discrepante do que apontava aquela análise química, tem-se certo que aqui também há duas
infrações distintas mas que guardam relação de conexão material (ou objetiva) teleológica
entre si (a segunda foi efeito da primeira) e que recomendam apurações em um mesmo
processo. Da mesma forma, se, em primeiro momento, se verifica que um servidor concedeu
irregularmente uma certidão negativa de débitos a um contribuinte que não fazia jus e, no
curso da fase de admissibilidade ou do processo disciplinar instaurado por tal fato, se detecta
que, posteriormente à emissão da certidão indevida, ele também acessou sistema
informatizado do órgão e adulterou registros armazenados naquela base como forma de dar
aparência de regularidade àquela emissão de certidão, igualmente tem-se certo que se trata de
duas infrações distintas mas que guardam relação de conexão material (ou objetiva)
consequencial entre si (a segunda tentou ocultar a primeira) e que recomendam apurações em
um mesmo processo.
Diferentemente destes exemplos de espécies de conexão em que há relações de causa
ou consequência a estabelecer uma forte ligação consecutiva entre os dois ilícitos, pode-se
figurar a conexão apenas ocasional quando um servidor, com intenção de a princípio tão
somente suprir a curiosidade pessoal acerca da situação fiscal de determinado contribuinte
conhecido seu, comete um acesso imotivado a sistema informatizado e, sem que fizesse parte
de seu desígnio inicial, ao se deparar com uma pendência fiscal, utiliza-se de sua senha para
promover uma indevida regularização a favor daquele terceiro. Na mesma linha, também
pode-se figurar a conexão material (ou objetiva) ocasional quando um servidor, inicialmente
movido tão somente pela intenção de retardar um procedimento aduaneiro em desfavor de
determinado contribuinte, retém injustificadamente o despacho e daí, com mercadoria
pendente de liberação em seu poder, resolve subtrair algum exemplar do lote. Também, em
ambos os casos, se justifica um único processo.
Um exemplo de conexão probatória (ou instrumental) ocorre quando, em primeiro
momento, se verifica que um servidor agiu de forma irregular em determinado ato funcional
e, no curso da fase de admissibilidade ou do processo disciplinar instaurado por tal fato, se
detecta que, na verdade, o servidor recebeu ordem expressa e manifestamente ilegal de seu
superior hierárquico para assim proceder, sendo certo que a prova do cometimento da infração
por parte do subordinado, ao ter atuado de forma irregular no hipotético procedimento, requer
que antes se comprove a ilegalidade da ordem emitida pelo superior (este infração é
prejudicial daquela), parecendo inafastável a necessidade de apurações em um único processo.
Para ilustrar um exemplo de infrações conexas na reunião ao acaso de pessoas, pode-
se mencionar a hipótese de diversos servidores, por desígnios próprios, individualizados e
autônomos uns aos outros, em determinado momento, se afastarem do local de serviço
comum a todos sem autorização da sua chefia imediata ou descumprirem uma ordem superior
inequivocamente legal a todos dirigida. Para ilustrar um exemplo de infrações conexas em
concurso de pessoas nos mesmos lugar e tempo, pode-se ter que dois servidores, no
cumprimento de termo de distribuição de procedimento fiscal (TDPF) no estabelecimento de
um contribuinte, mediante combinação prévia, atuem em conluio, com um deles lavrando uma
autuação sabidamente a maior e com o outro ofertando a assessoria tributária para realizar a
peça de impugnação fiscal. Pode-se ter como exemplos de infrações conexas em concurso de
pessoas em lugar e/ou tempo distinto(s) quando um servidor admite ou encaminha
favoravelmente um determinado tratamento tributário favorável a pleito de contribuinte que
será concluído ou decidido posteriormente por outro servidor, em ações reciprocamente
conscientes e irregulares, tais como a admissão e a conclusão em regime especial de trânsito
aduaneiro ou uma minuta propondo a concessão de um benefício fiscal a ser assinada pelo
superior hierárquico, em que ambos agentes reciprocamente sabem da irregularidade de suas
condutas e assim agem em acerto prévio e indevido. E, para exemplificar infrações conexas
249
reciprocamente cometidas por mais de uma pessoa, uma contra a outra, mencionam-se as
hipóteses de dois servidores, dirigirem ofensas verbais um ao outro ou de se agredirem
fisicamente. Em todos estes exemplos, embora se trate de duas infrações distintas, cada uma
praticada por um servidor (independente de serem ou não praticadas no mesmo tempo e no
mesmo lugar), guardam conexão intersubjetiva pela reunião ou pelo concurso de pessoas ou
pela reciprocidade e recomendam apuração em um único processo.
Das situações hipotéticas acima, para que se possa considerar duas (ou mais) infrações
como conexas, à luz do sentido estrito como o conceito se opera em instâncias penal ou
processual penal, é imprescindível que os fatos irregulares cometidos por um mesmo agente
ou por mais de um agente guardem relação tamanha que a elucidação do cometimento ou das
circunstâncias elementares de uma passa pelo esclarecimento da outra, de forma que a
apuração conjunta e simultânea de ambas em único processo seja relevante e imprescindível
para formar a convicção global dos fatos, em favor da economia e da celeridade processuais e
da segurança jurídica.
Relembrando-se então o art. 76 do CPP e agora talvez podendo-se melhor
compreendê-lo (no sentido de que é um comando legal que define conexão para fim de
definição de competência julgadora), a consideração de que dois ou mais ilícitos são conexos,
a aconselhar a união apuratória em só processo, pode decorrer do vínculo existente entre estes
ilícitos (conexões materiais ou objetivas) ou pode decorrer da indissociabilidade das provas
destes ilícitos (conexão probatória ou instrumental) ou, por fim, pode decorrer do liame entre
os agentes destes ilícitos (conexões intersubjetivas).
Pelo exposto, o surgimento do novos fatos conexos, seja ainda no transcorrer da fase
de admissibilidade, seja no curso do processo disciplinar, autoriza a sua inclusão no escopo
inicial investigativo ou da apuração contraditória em andamento.
A detecção de novos fatos marcados por conexão em relação ao fato representado ou
denunciado autoriza que sejam abarcados não só na fase de admissibilidade em andamento
mas também até mesmo no processo administrativo disciplinar em curso (caso este já tenha
sido instaurado). Em outras palavras, não há ilegalidade na extensão dos escopos investigativo
e apuratório quando sobrevier o conhecimento de novos fatos ligados por relação de conexão
com os fatos primitivos representados ou denunciados (quando tal ciência se der na fase de
admissibilidade) ou ainda com relação aos fatos originalmente ensejadores da instauração
(quando tal ciência se der pela comissão no curso do processo administrativo disciplinar -
PAD ou da sindicância disciplinar). Acrescente-se que, no caso de conhecimento de novos
fatos conexos já no curso do processo disciplinar, sua inclusão no escopo dos trabalhos
somente é válida se ocorrida antes de eventual indiciação do acusado, requerendo apenas a
soberana deliberação da comissão e dispensando que a autoridade instauradora adite a
portaria, da qual já conta a referência à extensão para fatos conexos.
Estes conceitos de ilícitos independentes e de ilícitos conexos não estão expressos no
CP porque a lei penal os considera inseridos em outro conceito, de relevante definição,
chamado concurso material (ou real) de ilícitos, este sim previsto de forma expressa no art. 69
do CP. O concurso material de ilícitos se dá quando o agente, em mais de uma conduta (em
mais de um processo de execução, comissivo ou omissivo, ou de mais de um desígnio, doloso
ou culposo), sucessivamente, pratica dois ou mais ilícitos, independentemente se cometidos
no mesmo tempo ou no mesmo lugar, obtendo, então, mais de um resultado delituoso. No
concurso material de ilícitos, há mais de uma conduta do autor e, por conseguinte, ele incorre
em mais de um ilícito, idênticos ou não, que podem ser independentes (recomendando a
priori apuração em ações penais independentes ou ao menos autorizando que assim se o faça)
ou conexos (recomendando apuração em uma mesma ação penal), conforme acima já exposto,
mantendo como único elo a identidade do agente. Não se configura o concurso material de
infrações se, com relação ao primeiro ilícito, já houve condenação definitiva - pois, assim, o
que se pode configurar é reincidência - ou prescrição da punibilidade. Estando-se diante de
250
autor cuja conduta merece grave reprovabilidade, a lei penal prevê o severo sancionamento,
devendo ser somadas as penas de cada ilícito. Como se trata de mais de um ilícito, a
prescrição é considerada para cada um isoladamente, mantendo-se a regra geral de cômputos
independentes dos respectivos prazos a partir da consumação de cada ato, na leitura conjunta
do art. 119 com o inciso I do art. 111, ambos do CP.
CP - Concurso material
Art. 69. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois
ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas
privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação
cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)
Em contrapartida ao concurso material de ilícitos, a lei penal define o concurso formal
(ou ideal) de ilícitos, no art. 70 do CP, quando o agente comete uma única conduta (um único
processo de execução, comissivo ou omissivo, e decorrente de um único desígnio, por meio
de um único impulso volitivo, doloso ou culposo) e, simultaneamente, incorre em dois
ilícitos, idênticos ou não, obtendo, então, mais de um resultado delituoso. No concurso formal
de ilícitos, em geral, se tem dois ilícitos conexos, destacadamente em razão da peculiaridade
de terem sido cometidos na mesma ocasião, para os quais se recomenda a apuração em uma
mesma ação penal. Em tais casos, embora não deixe de ser dois ilícitos em concurso, tão
somente por uma questão de política criminal, como regra, a lei penal prevê uma apenação
inferior à que seria cabível em caso de concurso material, aplicando somente a pena mais
grave (se distintas as penas de cada ilícito) ou somente uma delas (se iguais), mas com
acréscimo, em ambos os casos de um sexto até a metade (exasperação da pena). Não obstante,
como se trata de mais de um ilícito, a prescrição é considerada para cada um isoladamente,
mantendo-se a regra geral de cômputos independentes dos respectivos prazos a partir da
consumação de cada ato, na leitura conjunta do art. 119 com o inciso I do art. 111, ambos do
CP.
CP - Concurso formal
Art. 70. Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou
mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis
ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um
sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação
ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios
autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.(Redação dada pela Lei nº
7.209, de 1984)
Parágrafo único. Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do
art. 69 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)
Com o fim de se tentar refletir ambos os conceitos de concurso material e formal de
ilícitos para a instância disciplinar (aplicação esta que, em 4.5.3, se ratificará como relevante),
de imediato, relembrando-se que já se afirmou que a maioria das pluralidades de condutas
configura infrações independentes, registra-se que praticamente todas estas se inserem no
conceito de concurso material de ilícitos, às quais devem ainda ser somadas também muitas
das pluralidades de condutas que configuram infrações conexas. Daí, pode-se afirmar que a
imensa maioria das situações que envolvem o cometimento de mais de uma infração de que se
pode cogitar em instância disciplinar recai no conceito de concurso material de ilícitos,
podendo ser aqui aproveitados, como exemplos, tanto a menção genérica de todas as
combinações de condutas (sucessivas ou simultâneas) que se amoldem a quaisquer dois ou
mais enquadramentos da Lei nº 8.112, de 1990, quanto os exemplos já enumerados acima de
condutas conexas. Assim, caso se verifique, em fase de admissibilidade, a ocorrência de
pluralidade de ilícitos configuradores de concurso material, em princípio, é recomendável, em
decorrência, proposta de instauração de processos disciplinares autônomos (ou ao menos se
justifica que assim se o faça, se as infrações são independentes) ou de um único processo
disciplinar (se as infrações são conexas).
251
De outro lado, força-se concluir como residual e rara a possibilidade de, configurados
mais de um ilícito, a conduta em instância administrativa se ajustar à definição de concurso
formal de ilícitos. Como exemplo de concurso formal de ilícitos pode-se ter uma única
manifestação pública de um servidor, sob um único desígnio, que, nesta condição, ao mesmo
tempo, tanto ofenda a lealdade que se exige em relação à RFB quanto se dirija de forma
desurbana ou com desapreço em relação à pessoa de um superior hierárquico. Um outro
exemplo que se pode citar é se um servidor, com o fim de agredir outra pessoa, atira em sua
direção um equipamento público e, naquele único desígnio, tanto atinge a vítima quanto
destrói o bem. Assim, caso se verifique, em fase de admissibilidade, a ocorrência de
pluralidade de ilícitos configuradores de concurso formal, em princípio, é recomendável, em
decorrência, proposta de instauração de um único processo disciplinar.
Antecipando-se, em sintéticas palavras, o que será abordado detalhadamente em
4.13.1.4, no caso de ilícitos independentes em concurso, na esteira da recomendação de
emprego de distintos procedimentos (investigativos ou contraditórios), também se tem que os
respectivos cômputos prescricionais se dissociam um do outro, atrelando-se às condicionantes
de cometimento e de conhecimento de cada infração. E no caso de ciência de novos fatos
conexos, ainda na fase de admissibilidade ou já no curso do processo disciplinar, inaugura-se,
para cada um destes fatos recém-conhecidos um novo marco inicial do prazo prescricional,
pois o termo inicial da inicial da contagem do prazo prescricional se dá com o conhecimento
parcelado de cada ilícito, autonomamente considerado. Nesta linha de entendimento, é
possível concluir que a fase de admissibilidade ou a apuração disciplinar de vários fatos em
concurso (material ou formal) em uma unidade processual não afeta o tratamento legal dos
marcos iniciais da prescrição, que deve ser computado separadamente em relação a cada
infração, autonomamente considerada (sejam elas independentes, sejam elas até mesmo
conexas).
Na sequência, a lei penal, no art. 71 do CP, define o ilícito continuado (ou
continuidade delitiva) como sendo resultante de mais de uma conduta em que o agente pratica
dois ou mais ilícitos de mesma espécie (não necessariamente idênticos, bastando ter os
mesmos elementos descritivos) e sendo o(s) subsequente(s) possível(is) de ser(em) tomado(s)
como continuação do primeiro. Importante destacar que o requisito de continuidade que deve
ligar o(s) ilícito(s) posterior(es) ao primeiro deve ser aferido em termos tanto de condições
objetivas, tais como de tempo, de lugar, de modo de execução e outras condições
semelhantes, quanto em termos de ânimo subjetivo específico de o autor, em um único
impulso volitivo (um único desígnio), querer (com dolo) ou manter (com culpa) a prática
ilícita continuada, aproveitando-se, para a execução dos ilícitos posteriores, das mesmas
relações e oportunidades propiciadas pelo primeiro ilícito, na forma de um único contexto ou
de situações que se repetem ou que se prolongam no tempo. A doutrina e a jurisprudência
convencionam acatar, acerca de tempo, um intervalo de ação de até trinta dias e, acerca de
lugar, uma extensão que pode abarcar até municípios vizinhos. No caso de ilícito continuado,
a recomendação é de que se apurem todos os ilícitos de que já se tem conhecimento até o
momento de instauração de uma só ação.
CP - Crime continuado
Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois
ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira
de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como
continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se
idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um
sexto a dois terços. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)
Parágrafo único. Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com
violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente,
bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos
crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as
252
ilícitos já apreciados pelos laços da continuidade, podendo novo processo ser instaurado em
razão destes novos fatos. Em outras palavras, apesar da recomendação de se operar apuração
em única ação para os ilícitos já conhecidos, não há impedimento de se ter outra ação para
outros ilícitos de que se tenha conhecimento posterior.
Refletindo este conceito na instância administrativa, pode-se ter a configuração de
ilícitos continuados quando o servidor, em curtos intervalos de tempo, em uma mesma
unidade, utilizando de mesmo modus operandi e valendo-se das mesmas condições de
contexto propiciadoras da prática, realiza continuadamente atos infracionais de mesma
espécie - em forte associação com os conhecimentos técnicos que detém, da área em que atua
e dos acessos, em sentido amplo do termo, que as atribuições legais de seu cargo lhe
propiciam -, tais como diversas inscrições ou alterações cadastrais de pessoa física ou de
pessoa jurídica, diversos cancelamentos de débitos fiscais, diversas emissões de certidões
negativas de débito, diversos registros de exportações fictícias em sistema informatizado de
comércio exterior, diversos desembaraços aduaneiros de declarações de importação, sendo
recomendável, em todos estes exemplos, que as apurações acerca dos fatos até então
conhecidos se deem em um mesmo processo.
Interessante destacar aqui a peculiaridade em especial de um determinado ilícito
disciplinar, que é o ato de improbidade por enriquecimento ilícito, previsto no inciso VII do
art. 9º da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 (a chamada Lei de Improbidade
Administrativa), combinado com o inciso IV do art. 132 da Lei nº 8.112, de 1990, conforme
se exporá em 4.7.4.4.3. O enriquecimento ilícito em si não é um ato funcional e não se
confunde com a conduta antijurídica em si, de ação ou de omissão, perpetrada na condição de
servidor no exercício do cargo (como o são os diversos exemplos mencionados acima), mas
sim o resultado que decorre do ato funcional infracional. Na esteira, embora se reconheça
tratar-se de uma modelação ainda frágil e incipiente, pode-se aduzir que a sua natureza
jurídica depende das circunstâncias materiais de cada caso concreto, uma vez que acompanha
a natureza jurídica do ato funcional que lhe precede. Em outras palavras, se um ato ilícito
único e instantâneo acarretar enriquecimento ilícito recebido de uma só vez, esta infração
subsequente também pode ser tida como instantânea. Por outro lado, se qualquer uma das
práticas ilícitas continuadas exemplificadas acima acarretar reiterados episódios de
enriquecimento ilícito, estas infrações subsequentes poderão assumir a natureza de
continuadas. Portanto, em função da natureza jurídica do ato funcional de que decorre, o
enriquecimento ilícito pode ser uma infração instantânea ou continuada.
Pelo exposto, caso se tenha em fase de admissibilidade uma quantidade discreta de
eventos na linha acima exemplificada (que atendam aos requisitos objetivos e subjetivos da
continuidade, tais como diversas inscrições ou alterações cadastrais de pessoa física ou de
pessoa jurídica, diversos cancelamentos de débitos fiscais, diversas emissões de certidões
negativas de débito, diversos registros de exportações fictícias em sistema informatizado de
comércio exterior, diversos desembaraços aduaneiros de declarações de importação) e, no
curso do processo disciplinar, venha ao conhecimento da comissão novos episódios de
conduta da mesma espécie, em princípio, na leitura restritiva que se teria dos conceitos em
questão sob óticas penal e processual penal, embora, em regra os ilícitos em relação de
continuidade recomendem um único processo, pode ser conveniente que se formule nova
representação à autoridade instauradora, a fim de se evitar alegação de extrapolação dos
poderes apuratórios atribuídos na portaria instauradora e o enfrentamento da questão do
marco inicial do prazo prescricional. Nesta linha cautelosa, repise-se que o ilícito continuado
é apenas uma construção fictícia do Direito Penal, com o fim de imputar sanção menos severa
que se imputaria caso se considerassem os ilícitos constituintes em concurso material, sendo
certo que eventual coisa julgada em relação ao procedimento original não interfere em
posterior apuração.
Entretanto, não obstante este posicionamento a priori conservador, é de se reconhecer
que, em instância disciplinar, em que o universo de penas possível é discreto, esta
254
diferenciação conceitual entre ilícito continuado e concurso material de ilícitos não teria
efeito, conforme adiante se abordará com mais profundidade. Na prática, o fato de um
servidor cometer uma determinada quantidade de atos ilícitos com defasagem temporal menor
ou maior que a referência jurisprudencial de trinta dias, na mesma unidade ou em unidade
localizada em outra localidade, valendo-se ou não de mesmo modus operandi, sem que, de um
jeito ou de outro, se configure conexão no sentido estrito das instâncias penal ou processual
penal, se, por um lado, não altera as recomendações de se autuarem em um mesmo processo
disciplinar todos os ilícitos de que de imediato já se tem conhecimento e de, em princípio, a
comissão formular representação à parte caso levante novos ilícitos no curso do inquérito
administrativo, também, por outro lado, não conduz à irretorquível declaração de nulidade
caso os novos ilícitos sejam abarcados no processo já em curso.
Com efeito, caso em fase de admissibilidade, demarcada por uma quantidade discreta
de eventos que atendam aos requisitos objetivos e subjetivos da continuidade, se identifiquem
novos episódios de conduta da mesma espécie, não se tem dúvida da legalidade da inclusão
destes novos fatos no escopo investigativo em curso.
E, analogamente ao que se defendeu para infrações conexas em concurso, ainda que de
forma menos hialina, no caso de se identificarem, no curso do processo disciplinar, novos
fatos que se inserem no conceito jurídico de ilícito continuado em relação aos fatos que deram
origem à instauração, admite-se que a comissão processante os inclua no objeto da apuração.
Acrescente-se que a inclusão destes novos fatos no escopo dos trabalhos somente é válida se
ocorrida antes de eventual indiciação do acusado, requerendo apenas a soberana deliberação
da comissão e dispensando que a autoridade instauradora adite a portaria.
E novamente antecipando em síntese o que detidamente se abordará em 4.13.1.4,
também para o ilícito continuado, na linha da regra geral para o concurso material de
infrações, deve-se operar o cálculo da prescrição de forma individualizada, considerando a
autonomia resultante do conhecimento particularizado de cada infração, seja ainda em fase de
admissibilidade, seja já no curso do processo disciplinar. Apenas advirta-se que caso o
conhecimento diferido no tempo dos diversos ilícitos de natureza continuada se dê antes da
instauração, ainda na fase de admissibilidade, e também se dê de forma que, em razão da data
de conhecimento de algum(ns) deste(s) ilícito(s), já se tenha operado a prescrição e para
outros ainda não, já de pronto deve-se desconsiderar do escopo instaurador aqueles ilícitos
para os quais o tempo decorrido desde o conhecimento já faz operar a prescrição e de manter
no foco apuratório somente aqueles ilícitos para os quais este efeito extintor da punibilidade
ainda não se operou.
Por fim, aborda-se o conceito doutrinário de ilícito habitual. Sem contar com definição
expressa na lei penal, o ilícito habitual tem a peculiaridade de ser considerado configurado
somente após a reiteração de determinados atos que, se tomados isoladamente, não atingem o
patamar de ilicitude. O ilícito habitual decorre da reiteração com que o agente pratica atos
que, por si sós, até seriam penalmente irrelevantes, mas que auferem reprovabilidade social
justamente com a habitualidade. Obviamente, tratando-se, a rigor, de um conjunto de atos
praticados com habitualidade e que, no seu todo, constituem um ilícito único, recomenda-se
para o ilícito habitual uma ação penal única e considera-se iniciada sua contagem
prescricional na data de consumação do último ato constituinte, conforme se discorrerá mais
detidamente em 4.13.1.4.
Diferentemente do ilícito continuado (no qual, na verdade, cada ato em si já configura
um ilícito e que, como já afirmado acima, trata-se de uma ficção jurídica para conter em
apenas um conceito o que, na verdade, se constitui de diversos ilícitos em concurso material),
o ilícito habitual é de fato um ilícito único, mas formado por diversos atos que,
separadamente, são atípicos. No ilícito habitual, é a habitualidade que faz daquela prática um
estilo ou um hábito de vida reprovável do agente, sendo então, um elemento do tipo.
O ilícito habitual não se confunde nem mesmo com o conceito de habitualidade
255
delitiva (ou habitualidade no crime ou criminosa) por parte do agente que comete vários
ilícitos independentes. Enquanto no ilícito habitual a habitualidade é uma qualidade do ilícito,
na habitualidade delitiva do agente o que se tem é a pluralidade de condutas ilícitas, sendo a
habitualidade uma qualidade do autor. Na instância penal, esta diferenciação é relevante, a
fim de que não se beneficie o agente que se move pela vontade de cometer diversos ilícitos e
que, como tal, deve se sujeitar ao sancionamento cumulativo do concurso de ilícitos, com a
mesma sanção a que se sujeita o autor que incorre no ilícito único de natureza habitual.
Ademais, embora ambos conceitos se insiram na recomendação da unidade processual,
também não se deve confundir ilícito habitual com ilícitos conexos, no sentido estrito deste
conceito. Enquanto o primeiro se refere a um ilícito único, configurado após a reiteração de
determinados atos que, por si sós, não configuram ilicitude, por outro lado, a conexão se
configura com dois ou mais ilícitos que guardam entre si, em algum grau, indissociabilidade
apuratória.
E, embora ambos sejam ilícitos únicos, também não se confunde o ilícito habitual com
o ilícito permanente, pois aquele não se consuma com um ato único e se caracteriza pela
reiteração, enquanto este possui a particularidade de que já se consuma desde o primeiro
momento, a despeito de a conduta antijurídica se prolongar ininterruptamente no tempo. No
ilícito permanente, desde o primeiro momento da ação antijurídica, a ilicitude está
configurada e mantém-se ininterruptamente configurada um dia após, uma semana após, um
mês após; enfim, assim mantém-se pelo tempo em que permanece a ação, até quando o agente
cessar a afronta ao bem jurídico tutelado - não obstante, ratifique-se, já estar configurado
desde o nascedouro da ação. No ilícito habitual, diferentemente, além de os atos antijurídicos
poderem ser interpolados e cometidos com algum espaçamento temporal, de forma não
ininterrupta, os primeiros atos não possuem o condão de fazer consumada a ilicitude, que
somente se aperfeiçoa, se concretiza e se sedimenta com a reiteração, e não desde o primeiro
momento.
O reflexo do conceito de ilícito habitual em instância administrativa, embora deva ser
fortemente ponderado por cautela, pode se fazer razoável excepcionalmente em alguns casos
concretos. A Lei nº 8.112, de 1990, prevê repercussão disciplinar, por exemplo, para o
servidor que deixa de ser assíduo e pontual ao serviço ou que exerce atividade incompatível
com o cargo ou que proceda de forma desidiosa (conduta que também pode se amoldar,
dependendo das peculiaridades de cada caso concreto, ao conceito de ilícito continuado) ou
que participe da gerência ou da administração de sociedade ou que exerça o comércio. Com as
ponderações necessárias diante do caráter vinculante dos enquadramentos administrativos,
pode-se compreender que, em tese, a ausência ao serviço em discretas oportunidades, ou a
prática de um único ato isolado e pontual em vida privada que não se harmonize com as
atribuições públicas ou de desleixo, desapego ou descompromisso culposos no exercício do
cargo ou de gestão em uma sociedade ou um ato de venda de determinado bem não atingem o
patamar de ofender aos bens jurídicos respectivamente tutelados pelo Estatuto. Todavia, a
prática ou o exercício habituais de cometer qualquer um destes atos - que, em princípio,
isoladamente não fazem merecer persecução e apenação disciplinar - configuram
enquadramentos previstos na Lei nº 8.112, de 1990, que podem ser tidos, então, com certa
afinidade com o conceito extraído da doutrina penal de ilícitos habituais e devem todos estes
atos constituintes de que se tem conhecimento em fase de admissibilidade serem apreciados
de forma conglobante em um único processo. Há posicionamento institucional neste sentido.
Orientação Coger nº 28
O enquadramento no art. 117, X, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990,
requer a reiteração da conduta, não se consumando com atos pontuais ou
eventuais, que, se tomados isoladamente, não atingem o patamar de ilicitude,
conforme a doutrina define ilícito de natureza jurídica habitual.
Em contrapartida, como regra geral do regime disciplinar, o conceito de ilícito
habitual não se aplica e não se faz como pré-requisito para imputar a um
256
uma norma vigente que determina que aquela mercadoria seja apreendida. Não há no exemplo
em questão, de uma única conduta, concurso de infrações, nem independentes tampouco
conexas, menos ainda há infrações continuadas ou habituais. Há apenas uma infração final, de
irregularmente liberar a mercadoria (que, a rigor, deveria ter sido apreendida), que absorve o
ato inicial (de inobservar a norma que determinava a apreensão), integrante da conduta
acabada, resolvendo-se o conflito apenas aparente de normas, que parecia indicar dois
enquadramentos possíveis, pelo critério da subsidiariedade.
Feita a apresentação destes conceitos oriundos da instância penal e esboçados alguns
exemplos de como eles poderiam se fazer refletir na instância disciplinar, é de se ratificar o
enfoque com que se introduziu o presente tema. Diante das características inerentes ao Direito
Penal, no qual os ilícitos encontram rígida definição demarcada pela tipicidade e cuja sanção,
além de sempre gravosa no círculo de direitos pessoais, comporta significativa elasticidade no
quantum a ser aplicado, este conjunto de conceitos legais e doutrinários é extremamente
relevante naquela instância, com o fim de ponderar com equilíbrio a aplicação da pena,
sobretudo nas diferentes espécies de concurso. Com o objetivo de evitar sanções
desproporcionais, na instância penal, as delimitações, fronteiras e diferenças entre os
presentes conceitos são tratadas com rigor, mantendo-se, de fato, um forte grau de
estanqueidade e incomunicabilidade entre os conjuntos de hipóteses que respectivamente em
cada um deles se enquadram. Afinal, para a instância penal, é extremamente relevante
diferenciar se o concurso importará na cumulatividade das penas ou tão somente na
exasperação da pena ou ainda na pena única associada ao ilícito habitual. Daí, os conceitos de
conexão e de concurso de ilícitos, ilícitos continuados e ilícitos habituais rigidamente diferem
entre si, bem como as consequências que implicam em termos de unidade ou pluralidade
processual e de cômputo prescricional, e, diante da severidade das sanções penais, guardam
natureza inafastavelmente excludente.
Todavia, é de ratificar que a instância disciplinar, sem jamais se afastar de princípios
constitucionais garantistas da defesa, dinâmica e simultaneamente também se rege por alguns
princípios específicos (como da autotutela, da indisponibilidade do interesse público, do
formalismo moderado, da verdade material e da oficialidade, evidenciadores de maiores
liberdade e economicidade na atuação administrativa) e que, nela, os ilícitos são definidos sob
a generalidade abrangente dos enquadramentos e as penas são discretas e sem a característica
do casuísmo penal, conforme se demonstrará em 4.6.3. À vista destas peculiaridades, é de se
demarcar que os conceitos de concurso de ilícitos, ilícitos continuado e habitual e de conexão
até podem ser considerados na aplicação do regime e do processo disciplinares, mas de forma
menos rígida e severa e sem a rigorosa estanqueidade com que se aplicam na instância penal,
inclusive na repercussão determinadora de único ou de múltiplos processos.
A superficial menção a estes conceitos de instâncias penal material e processual, sem
se confundir com qualquer vinculação a eles em instância disciplinar e apenas para enriquecer
o arrazoado em grau de analogia, se justifica em meio à apresentação da fase de
admissibilidade porque é de se enfatizar a pertinência de se esgotarem as investigações antes
da emissão do juízo de admissibilidade. Menos do que aqui estabelecer supostas hipóteses de
nulidade processual caso a Administração, por seus diferentes agentes envolvidos na
aplicação do regime disciplinar (autoridade ou comissão, seja em fase de admissibilidade, seja
em rito contraditório do processo disciplinar), no maior grau de liberdade com que lhe é
consentido atuar, mitigue as repercussões decorrentes de classificação de ilícito como
independente, conexo, continuado ou habitual, o que se quer é estimular o aprofundamento
das pesquisas e das ferramentas investigativas.
O importante a se destacar por ora é que deve a fase de admissibilidade buscar esgotar
todas as investigações pertinentes ao objeto da denúncia ou representação sob análise, de
forma a propiciar à autoridade instauradora a mais completa visão que seja possível neste
momento incipiente acerca de eventuais desdobramentos da conduta funcional. Com isto, a
autoridade instauradora passa a contar com todos os subsídios para a decisão de instaurar um
258
processo disciplinar abarcando o rol de episódios que guardam natureza conexa, continuada
ou habitual que se possa identificar e, na sequência, a comissão a ser designada terá diante de
si um universo delimitado de trabalho, dispensando-lhe esforços investigativos com o fim de
agregar novos fatos a seu escopo apuratório; ou, por outro lado, a autoridade instauradora
pode, a seu critério, instaurar diferentes processos administrativos disciplinares para a
apuração de ilícitos independentes.
Mas, caso a fase de admissibilidade não tenha exaurido a identificação fática, é
pacífica, não só à vista da maior liberdade de ação da instância disciplinar mas até mesmo de
acordo com os dispositivos trazidos subsidiariamente do CP e do CPP, a possibilidade (que
não se confunde com obrigatoriedade) de unidade processual em casos de concurso de ilícitos
conexos e de novos fatos demarcadores da habitualidade em ilícito habitual, de acordo como
estes conceitos estritamente são elaborados na instância penal. Assim, conforme se ratificará
em 4.2.2.1.1, é possível a comissão abarcar para seu escopo apuratório eventuais infrações
conexas - seja pela inter-relação material teleológica, consequencial ou ocasional dos fatos
cometidos pelo mesmo autor, seja por reunião ou concurso de pessoas ou reciprocidade ou
ainda por indissociabilidade probatória de modo geral - àquelas que tenham provocado a
decisão de instaurar o processo disciplinar e que, como tal, não tenham feito parte do rol
motivador da decisão da autoridade instauradora, acatando o caráter propositivo do parecer de
admissibilidade. Com ainda maior facilidade se defende a plausibilidade de a comissão
abarcar para o apuratório em curso fatos demarcadores da habitualidade da infração única sob
apuração e que porventura não tenham sido levantados na fase de admissibilidade e instruído
a decisão de instaurar o processo disciplinar.
Todavia, como já se reconheceu ao abordar a continuidade delitiva, apesar dos
esforços hermenêuticos ali lançados, a mesma convergência entre a linha de atuação
administrativa e os conceitos mais rígidos oriundos da instância penal e, por conseguinte, a
mesma facilidade conclusiva não se encontram quando se analisa a hipótese de a comissão se
deparar, no curso de seus trabalhos apuratórios, com ilícitos com vínculo de continuidade em
relação aos fatos que tenham provocado a instauração do processo disciplinar. Nestes casos,
tomando-se pelo estrito rigor da conceituação extraída da instância penal, para se evitar
possível alegação de que, em tese, se teria extrapolado os poderes expressos na portaria de
designação, poderia soar mais recomendável que a comissão encaminhasse representação à
parte para a autoridade instauradora, a fim de que estes novos fatos fossem submetidos a novo
juízo de admissibilidade, conforme mais detidamente se retornará a este tema em 4.2.2.1.2.
Não obstante, à vista das peculiaridades já manifestadas do Direito Disciplinar em face
do Direito Penal, sob a informação de princípios especificamente caros da autotutela, da
indisponibilidade do interesse público, da verdade material e da oficialidade, que aqui
repercutem na aceitação de que o conceito de conexão estritamente compreendido nas
instâncias penal e processual penal pode ser tomado de forma mais abrangente e elástica e
menos delimitada e rigorosa, a teórica recomendação acima exposta, de representação à parte
diante de novos episódios continuados, não aufere o condão de, a contrario sensu, ter como
nula a extensão dos trabalhos apuratórios, por parte da comissão, para abarcar estes fatos de
natureza continuada que vieram ao conhecimento somente ao tempo do inquérito
administrativo, ao amparo de doutrina do Ministério da Transparência, Fiscalização e
Controladoria-Geral da União (CGU).
“Deverão ser examinados no mesmo processo, ou seja, apuradas e julgadas
num só processo disciplinar: 130
a) os fatos ligados entre si, por pontos de conveniências, em que o
conhecimento de um deles ajuda a entender outro;
b) as faltas disciplinares cometidas em co-autoria (faltas cometidas por vários
acusados quando houver relação acusatória entre eles).
c) os fatos continuados, quando o mesmo servidor cometeu diversos atos de
mesmo conteúdo, em caráter contínuo (infração continuada = série de ilícitos
259
da mesma natureza)
Os fatos novos que não tenham relação direta com os que motivaram a
instauração do processo disciplinar devem ser objeto de apuração isolada, em
outro procedimento.”, Ministério da Transparência, Fiscalização e
Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo Administrativo
Disciplinar”, pgs. 129 e 130, 2013, disponível em http://www.cgu.gov.br/
Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.pdf, acesso em 07/08/13
Acrescente-se, como reforço a esta flexibilização com que se importam os conceitos
em tela, da instância penal, para a instância administrativa, pode-se defender que, aqui, os
termos “conexos” e “conexão”, comumente expressos na portaria de instauração, vão além do
sentido estrito e exaustivo da lista de incisos do art. 76 do CPP e venham a assumir um
sentido mais elástico e abrangente de qualquer forma de liame - no sentido léxico de coesão,
ligação, relação a unir - que, à vista das já mencionadas peculiaridades da base principiológica
estruturante da esfera disciplinar, autorizem a unidade processual.
No mesmo rumo, é de se trazer à tona o conceito processual penal da continência,
mencionado nos arts. 77 a 79 do CPP. Da mesma forma como se introduziu o conceito de
conexão, tem-se que o instituto da continência não se associa à ideia de mais uma forma de se
classificarem ilícitos mas sim está associado à competência, na inteligência de que diversos
fatos possam ser considerados, ainda que ficticiamente “contidos” em um único ilícito - como
um continente - a ser congruentemente julgado, em um único processo, por uma única
autoridade julgadora, a quem se oferta uma visão conglobante de todo o conjunto probatório,
igualmente a fim de prevenir a ocorrência de decisões discrepantes, propiciando economia
processual, razoável duração do processo e, sobretudo, segurança jurídica.
CPP - Art. 77. A competência será determinada pela continência quando:
I - duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração;
II - no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts. 51, § 1o, 53,
segunda parte, e 54 do Código Penal.
Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e
julgamento, salvo:
As remissões do inciso II do art. 77 do CPP, se atualizadas, se reportam aos conceitos
de crime continuado, de erro na execução (a chamada aberratio ictus) e de resultado diverso
do pretendido (a chamada aberratio criminis), respectivamente, nos atuais arts. 71, 73 e 74 do
CP. Assim, das quatro hipóteses mencionadas no art. 77 do CPP, apenas duas aqui se
demonstram relevantes para também serem agregadas às possibilidades autorizadoras de
unidade processual, em leitura conjunta com o caput do art. 79, ambos do CPP: quando dois
ou mais agentes cometem um único ilícito (de se perceber que não se trata de qualquer
espécie de conexão intersubjetiva, já que conexão requer multiplicidade de ilícitos e a
hipótese em tela comporta apenas um ilícito) e quando se comete crime continuado.
Estas hipóteses que se agregam às possibilidades de unidade processual por
continência podem ser figuradas por meio de exemplos para a instância administrativa. Pode-
se ter a continência por dois agentes cometendo um mesmo ilícito, indicadora de um único
processo, no caso de dois servidores, no cumprimento de TDPF no estabelecimento de um
contribuinte, mediante combinação prévia, exijam determinada vantagem com o fim de não
procederem à vinculada autuação, devendo a conduta de ambos agentes ser encartada em um
único ilícito continente a fim de ser processada um uma única ação. E pode-se ter a
continência por ilícito continuado, também indicadora de um único processo, no caso de um
servidor que, aproveitando-se das condições objetivas reinantes de tempo e de espaço de não
haver vigilância em determinada repartição do fim do expediente, de forma continuada, sob
mesmo modus operandi, invade algumas salas e furta diferentes bens públicos; tendo em vista
que somente um daqueles recintos conta com câmera de segurança, apenas este encaminha
representação; e, seja ainda em fase de admissibilidade, seja já no curso do processo
disciplinar, vindo à tona os furtos também cometidos nas demais salas que não noticiaram,
260
devem todos os furtos serem encartados em um único e fictício ilícito continente a fim de ser
processado um uma única ação.
O exemplo acima edificado para atos continuados, cometidos praticamente em uma
conduta ininterrupta, é mais fácil de se vislumbrar como ilícito de natureza continuada a
inserir-se no conceito de continência a indicar um único processo. Mas também os exemplos
já mencionados quando se abordou a conceituação de ilícito continuado (tais como diversas
inscrições ou alterações cadastrais de pessoa física ou de pessoa jurídica, diversos
cancelamentos de débitos fiscais, diversas emissões de certidões negativas de débito, diversos
registros de exportações fictícias em sistema informatizado de comércio exterior, diversos
desembaraços aduaneiros de declarações de importação), que são cometidos de forma
interpolada no tempo, igualmente encontram a justificativa jurídica para a unidade processual
- ainda que com maior esforço construtivo - no mesmo conceito da continência. Este tipo de
conduta continuada - seja com todos os ilícitos detectados antes da instauração, seja com parte
dos ilícitos detectados antes da instauração e parte detectada já no curso do inquérito
administrativo - justifica ou ao menos autoriza, sem risco de nulidade, a inclusão em único
processo disciplinar por força do conceito da continência.
Novamente, é de se destacar o maior grau de liberdade com que se move a instância
disciplinar. Se, por um lado, o caput do art. 79 do CPP impõe a unidade processual para o
caso de continência na instância penal, na processualística disciplinar se pode aduzir que a
existência de continência por razão de continuidade de infrações disciplinares, se não obriga,
ao menos permite a análise de conveniência e oportunidade para que fatos de natureza
continuada conhecidos já após a instauração sejam abarcados no mesmo inquérito
administrativo em curso.
Em síntese, em função da natureza jurídica da ilicitude que veio a lume em momento
posterior, bem como da aferição se existe algum liame entre esta e o fato ilícito originalmente
conhecido, são abarcadas na consideração lato sensu como fatos conexos - o que autoriza a
unicidade processual - as noções de conexão estrita prevista no art. 76 do CPP (a que a
doutrina chama de conexões teleológica, consequencial, ocasional, probatória e
intersubjetiva), continência, nos termos do art. 77 do mesmo diploma, que inclui por sua vez a
continuidade delitiva (com definição no art. 71 do CP), além do conceito doutrinário de ilícito
habitual. Ademais, os fatos assim definidos como conexos podem integrar a fase de
admissibilidade ou o processo disciplinar já em curso. No caso de processo disciplinar, a
extensão dos trabalhos para fatos conexos conhecidos após a instauração é válida desde que
ocorra antes da indiciação, dispensa qualquer alteração da portaria instauradora, de que consta
a expressão “fatos conexos”, e pode ser objeto de soberana e motivada deliberação da
comissão, sem necessidade de se submeter à autoridade instauradora. Há posicionamentos
institucionais neste sentido.
Orientação Coger nº 40
Conexão, em matéria processual disciplinar, compreende não só as espécies
estritas de ilícitos conexos elencadas no art. 76 do CPP mas também os ilícitos
tidos como habituais, os ilícitos continuados definidos no art. 71 do CP e os
ilícitos compreendidos na definição de continência, constante do art. 77 do
CPP.
Orientação Coger nº 41
O conhecimento de novas irregularidades tidas no conceito amplo de conexão
permite a sua inclusão no escopo de trabalho de fase de admissibilidade ou de
PAD já em curso, desde que, neste último caso, se dê em momento anterior à
indiciação.
Orientação Coger nº 42
A inclusão de novas irregularidades tidas no conceito amplo de conexão no
escopo apuratório de PAD já em curso não impõe alteração da portaria
instauradora e pode ser objeto de soberana deliberação da comissão, sem
261
prescrição na instância disciplinar, ainda que, na hipótese de extensão das apurações a fatos
conexos àqueles que determinaram a instauração ou de novos episódios de ilícito único
marcado pela habitualidade ou ainda alcançados pela continência, estes novos fatos sejam
brindados com nova e específica contagem prescricional medida a partir da data em que se
tornaram conhecidos, conforme se aduzirá em 4.13.1.4, este é um tema que sempre comporta
discussões e que provavelmente imporá à Administração enfrentar tese de defesa a favor da
unicidade prescricional.
Caso sejam identificados em meio à instrução de rito investigativo de natureza
patrimonial (seja iniciado por provocação, seja iniciado de ofício), podem ser incluídos, no
escopo dos trabalhos, os fatos também associados à questão patrimonial pretéritos ou
posteriores aos períodos denunciados ou representados (em sindicância patrimonial) ou aos
períodos abrangidos nos critérios de seleção (em investigação patrimonial) e ocorridos até a
data da conclusão daquele procedimento de investigação, desde que os dados necessários
estejam disponíveis (o que significa, em caso de retroação da análise, a recomendação
conservadora de não retroagir demais a ponto de já não mais se obterem documentos
necessários à formação da convicção) e que o ato de instauração não tenha expressado
delimitação de período. Esta análise conglobante não só resta autorizada sob seus aspectos
jurídicos e dogmáticos - uma vez que é defensável concentrar em um único procedimento de
investigação atos infracionais de natureza jurídica continuada, como pode ser o ilícito de
índole patrimonial, de que se tem conhecimento em diferentes períodos -, como também pode
até se demonstrar recomendável dos pontos de vista gerencial, pragmático e operacional. Há
posicionamento institucional neste sentido.
Orientação Coger nº 15
Não obstante não alterarem o início da contagem do prazo prescricional,
podem ser incluídos, no escopo dos trabalhos de quaisquer procedimentos
investigativos de natureza patrimonial, fatos novos também associados à
questão patrimonial ocorridos em períodos anteriores ou posteriores àqueles
que deram ensejo à instauração do rito e dos quais se tem conhecimento em
meio à instrução, desde que o ato de instauração não tenha delimitado o
alcance temporal.
Mas, a priori, conforme se exporá em 4.13.1.4, em razão da natureza jurídica do ilícito
de índole patrimonial, em postura conservadora, estes acréscimos no alcance objetivo não
possuem o condão de permitir que se considerem como fatos novos a deslocarem o início da
contagem do prazo prescricional, que se mantém vinculado à regra geral para cada rito - a
menos que, excepcionalmente, se restrinja a investigação original aos períodos denunciados
ou representados (em sindicância patrimonial) ou aos períodos abrangidos nos critérios de
seleção (em investigação patrimonial) e que se represente para que seja instaurado novo
procedimento de investigação para os fatos pretéritos ou posteriores ou que, não se
confirmando os indícios em relação àqueles períodos denunciados ou representados ou aos
períodos abrangidos nos critérios de seleção, o relatório do rito investigativo figure como
representação, hipóteses em que se pode iniciar a contagem do prazo prescricional para estes
fatos novos a partir desta nova provocação.
E, quando a equipe de investigação ou comissão de sindicância, no curso de
procedimentos de investigação de natureza patrimonial (sejam iniciados por provocação,
sejam iniciados de ofício), identifica fatos novos que não guardam conexão ou relação de
habitualidade com o fato original que provocou sua designação, estes novos fatos devem ser
objeto de representação diretamente apresentada à autoridade instauradora. Obviamente, se
aqui se cogita de, em meio a procedimento investigativo de natureza patrimonial, se
identificar novos fatos sem relação de conexão ou habitualidade com o fato originário, é
porque esta nova provocação pode ter qualquer outra natureza, que não patrimonial. E, como
de outra forma não poderia mesmo ser, requerem processamentos individualizados notícias de
ilicitude de natureza patrimonial e notícias de irregularidades associadas a ato funcionais,
263
Não cabe aqui a adoção de uma leitura restritiva dos dispositivos acima que regulam a
representação e a denúncia (exigindo a identificação do denunciante), como se eles
delimitassem todo o universo de possibilidades de se noticiar o cometimento de
irregularidades. Ao contrário, diante dos diversos meios de se levar o conhecimento de
suposta infração à Administração, tem-se que aqueles dispositivos devem ser vistos apenas
como formas específicas reguladas em norma, mas não as únicas licitamente aceitáveis para
provocar a instância disciplinar.
Neste rumo, defende-se que, diante da forte refração que a sociedade e o ordenamento
(que, em tese, reflete os valores sociais) manifestam pelas condutas infracionais, se a
autoridade se mantivesse inerte, à vista de notícia bem formulada e detalhada de suposta
infração disciplinar, com indicação de indícios de materialidade e de autoria, por conta
unicamente do anonimato, afrontaria princípios e normas que tratam como dever apurar
suposta irregularidade de que se tem conhecimento na Administração Pública federal.
Tampouco a comum alegação por parte de denunciados, de inconstitucionalidade, obtém
sucesso. Uma vez que a previsão constitucional da livre manifestação do pensamento (inciso
IV do art. 5º da Constituição Federal - CF) em nada se confunde com o oferecimento de
denúncia à Administração em virtude de se ter ciência de suposta irregularidade, a este
instituto não se aplica a vedação do anonimato. Ademais, conforme se abordará em 4.4.14.2,
o interesse público deve prevalecer sobre o interesse particular. O tema recebe pacíficos
amparos jurisprudencial e doutrinário.
STF, ‘Habeas Corpus’ nº 99.490: “Ementa: (...) Segundo precedentes do
Supremo Tribunal Federal, nada impede a deflagração da persecução penal
pela chamada “denúncia anônima”, desde que esta seja seguida de diligências
realizadas para averiguar os fatos nela noticiados (86.082, rel. min. Ellen
Gracie, DJe de 22.08.2008; 90.178, rel. min. Cezar Peluso, DJe de 26.03.2010;
e HC 95.244, rel. min. Dias Toffoli, DJe de 30.04.2010)”.
STF, Mandado de Segurança nº 24.369: “Ementa: delação anônima.
Comunicação de fatos graves que teriam sido praticados no âmbito da
administração pública. Situações que se revestem, em tese, de ilicitude
(procedimentos licitatórios supostamente direcionados e alegado pagamento de
diárias exorbitantes). A questão da vedação constitucional do anonimato (CF,
art. 5º, IV, ‘in fine’), em face da necessidade ético-jurídica de investigação de
condutas funcionais desviantes. Obrigação estatal, que, imposta pelo dever de
observância dos postulados da legalidade, da impessoalidade e da moralidade
administrativa (CF, art. 37, ‘caput’), torna inderrogável o encargo de apurar
comportamentos eventualmente lesivos ao interesse público. Razões de
interesse social em possível conflito com a exigência de proteção à
incolumidade moral das pessoas (CF, art. 5º, X). O direito público subjetivo do
cidadão ao fiel desempenho, pelos agentes estatais, do dever de probidade
constituiria uma limitação externa aos direitos da personalidade? Liberdades
em antagonismo. Situação de tensão dialética entre princípios estruturantes da
ordem constitucional. Colisão de direitos que se resolve, em cada caso
ocorrente, mediante ponderação dos valores e interesses em conflito.
Considerações doutrinárias. Liminar indeferida.”
Idem: STJ, Mandados de Segurança nº 7.069, 12.385 e 13.348, Recurso
Ordinário em Mandado de Segurança nº 4.435 e Recurso Especial nº 867.666
“(...) Em outras palavras, o fato de a Constituição Federal vedar o anonimato
não autoriza a Administração Pública a desconsiderar as situações irregulares
de que tenha conhecimento, por ausência de identificação da fonte
informativa.” Francisco Xavier da Silva Guimarães, “Regime Disciplinar do
Servidor Público Civil da União”, pg. 104, Editora Forense, 2ª edição, 2006
“O fato de a Constituição Federal vedar o anonimato não tem interpretação
que autorize a Administração Pública a desconsiderar as situações irregulares
de que tenha ciência sem a identificação da fonte. A exigência de identificação
267
Da mesma forma como no anonimato, por um lado, afirma-se que, diante da forte
refração que a sociedade e o ordenamento (que, em tese, reflete os valores sociais)
manifestam pelas condutas infracionais, se a autoridade se mantivesse inerte, por conta
unicamente do caráter difuso da notícia, afrontaria princípios e normas que tratam como dever
apurar suposta irregularidade de que se tem conhecimento na Administração Pública federal, e
com amparo da doutrina.
“Desde que não tenham sido conseguidos por meios ilícitos, os conectivos
processuais de instauração podem chegar ao conhecimento da autoridade
competente de modo meramente informativo (difuso) ou de maneira
postulatória (precisa).
A via informativa poderá dar-se até mesmo por intermédio dos meios de
comunicação social (jornal, rádio, televisão, etc), embora, nesses casos, deva a
autoridade administrativa competente verificar, de pronto, se a versão
veiculada constitui, pelo menos em tese, infração disciplinar, devendo, até,
exigir que o responsável por tal divulgação confirme por escrito tais
increpações.
Somente depois desses cuidados, podem tais elementos configurar um princípio
de prova autorizador da instauração do processo disciplinar.” José Armando
da Costa, “Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 205,
Editora Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005
“Nasce o processo disciplinar de uma denúncia, que poderá originar-se: (...)
- de notícia na imprensa.” Francisco Xavier da Silva Guimarães, “Regime
Disciplinar do Servidor Público Civil da União”, pg. 130, Editora Forense, 2ª
edição, 2006
“O noticiário na imprensa, especialmente os textos escritos, podem servir de
comunicação de indícios de irregularidades (...).” Antônio Carlos Palhares
Moreira Reis, “Processo Disciplinar”, pg. 59, Editora Consulex, 2ª edição,
1999
Mas, por outro lado, repete-se que a autoridade não deve se precipitar na instauração
da instância disciplinar, com todos os ônus a ela inerentes, à vista de notícias de mídia lato
sensu. Se mesmo nos casos ordinários, de notícia de origem personificada, se defende que a
fase de admissibilidade deva ser conduzida com extrema cautela e enriquecida por
procedimento de investigação, ainda mais se enfatiza tal recomendação em notícia originada
pelo caráter difuso da mídia. Nestes casos, deve-se proceder com maior cautela antes de se
decidir pela instauração do processo disciplinar, para evitar precipitada e injusta ofensa à
honra do servidor (vez que a notícia de mídia pode ser precipitada e carecer de
fundamentação, de aprofundamento e até de credibilidade), promovendo investigação ainda
mais criteriosa, aprofundada, crítica e exigente (não contraditória, pois não há a figura de
acusado), atendendo ao art. 2º da Portaria Coger-MF nº 24, de 2013, acerca do fato noticiado.
Igualmente ao anonimato, busca-se, neste caso, consubstanciar, por meio de
investigações e pesquisas a cargo do servidor incumbido da fase de admissibilidade (seja
integrante do grupo de assessoramento, seja integrante do grupo de investigação disciplinar),
todo o teor fático (em termos de materialidade e de autoria) trazido na notícia. Se, por um
lado, a notícia de mídia não deve ser liminarmente descartada tão somente por este detalhe de
sua origem, por outro lado, não deve, de imediato, por si só, justificar a instauração de
processo disciplinar. Faz-se necessário, para evitar instauração precipitada, avaliar se todo o
teor infracional da conduta noticiada é mesmo possível de ter ocorrido.
Se esta investigação confirmar a plausibilidade, ainda que por meio de indícios, da
notícia difusa veiculada pela mídia, convalidando-a, ela passa a aperfeiçoar sua lacuna. Daí,
pode-se dizer que o parecer de admissibilidade se ordena não pela formalidade de o
conhecimento da irregularidade ter se dado pessoalmente pela autoridade ou por meio difuso.
A proposta deste parecer, previsto no art. 3º da Portaria Coger-MF nº 24, de 29/10/13, para
que o processo disciplinar seja instaurado, com o fim de comprovar o fato e a sua autoria,
271
primeira vontade da Lei e deve então ser bem motivada e fundamentada. Isto porque,
principiologicamente, é como se, neste momento preliminar, atuasse sobre a Administração a
vontade ou determinação da sociedade de que o Poder Público esclarecesse todas as notícias
de supostas irregularidades disciplinares; juridicamente, esta construção reflete o princípio do
in dubio pro societate.
Tendo sido superada toda a cautela anteriormente abordada para evitar instaurações
inócuas e havendo elementos indiciários indicadores de suposta irregularidade disciplinar, em
analogia ao processo penal (em que princípios da oficialidade, da indisponibilidade do
interesse público e da legalidade impõem que o Ministério Público Federal (MPF) promova a
ação penal), neste estágio do processo administrativo também prevalece em instância
administrativa aquela máxima de que, em tese, a sociedade exige a apuração, conforme
doutrina da Controladoria-Geral da União (CGU).
“Colocada a questão da obrigatoriedade de apuração da irregularidade que
chegar ao conhecimento da autoridade competente, é importante observar que
tal obrigação não é absoluta, mas permite flexibilizações, já que nem todas as
notícias de irregularidade, após a devida análise, levarão a aludida autoridade
a concluir pela existência de infração disciplinarmente censurável. Por outro
lado, impende destacar que, havendo dúvida, deverá a autoridade determinar a
apuração dos fatos. Aplica-se neste caso, a máxima ‘in dubio, pro societate’.
Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União,
“Manual de Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 62, 2013, disponível em
http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.pdf,
acesso em 07/08/13
Por um lado, não se expõe a críticas e muito menos a risco de responsabilizações o
servidor do grupo de assessoramento e a autoridade instauradora que, diante dos elementos
inicialmente coletados, tenham firmado convicção preliminar de existência de indícios de
materialidade e de autoria e, consequentemente, provocaram a instauração da instância
disciplinar e, ao final do rito contraditório, a ilicitude não restou comprovada. O fato de a fase
de admissibilidade fornecer convicção prévia de existência daqueles indícios é licitamente
válido e suficiente para provocar a decisão de instauração da instância disciplinar, em nada
vinculando os trabalhos da comissão a ser designada e também não expondo a autoridade a
nenhum risco se, após o minucioso rito contraditório, os indícios de irregularidade não se
concretizarem.
Neste momento, atua um minus nos requisitos de provocação para que a autoridade
instauradora se sinta compelida a decidir no sentido do in dubio pro societate, instaurando a
instância disciplinar. Ao final do processo disciplinar, no momento de se concluir pela
responsabilização ou não, o salutar equilíbrio de forças jurídicas se restabelece e se satisfaz
com a inversão para o princípio do in dubio pro reo caso restem dúvidas da efetiva
configuração do ilícito. Na esteira, abstraindo das hipóteses de atuação eivada de má-fé, não
há que se cogitar de danos morais, e consequentemente de direito de indenização ao servidor
por ter figurado no polo passivo do processo disciplinar que tenha se encerrado com
arquivamento, conforme se coleta amparo jurisprudencial.
STJ, Recurso Especial nº 678.240: “Ementa: 6. A simples instauração de PAD
normalmente não enseja a condenação da Administração Pública em danos
morais. Tendo sido constatada uma irregularidade, a Administração tem o
dever de apurar a infração, nos termos do art. 143 da Lei n. 8.112/90. 7. O fato
de os colegas do recorrido terem tomado conhecimento da instauração do PAD
porque houve coleta de provas e oitiva de testemunhas justamente no círculo
social dele (recorrido) não é suficiente para configurar ato ilícito (...).”
E, mesmo com a adoção do TAC no ordenamento disciplinar, é muito limitado o poder
concedido à autoridade para compor, perdoar ou transigir por meio de solução alternativa. Até
para celebrar o TAC se faz necessário que o servidor e que a conduta, cumulativamente,
277
restando residualmente as demais condutas para a alçada das autoridades policiais estaduais.
Advirta-se que o § 1º do art. 144 da CF atribuiu ao DPF uma série de competências
exclusivas, sobretudo acerca de fatos de amplitudes e de repercussões nacional e federal,
sendo a atividade de polícia judiciária da União apenas uma espécie. No caso das condutas
funcionais que possam ser objeto de interesse da matéria correcional e, consequentemente,
deste texto, a regra é de o inquérito policial transcorrer no âmbito do DPF, seja por iniciativa
da própria autoridade policial, seja por requisição do Poder Judiciário ou do Ministério
Público Federal (MPF), conforme melhor se aduzirá em 4.14.2, ao se mencionar o rito da
responsabilização penal. Residualmente, em regra fora do escopo de interesse deste texto,
demais condutas tipificadas na lei penal como crime podem vir a ser objeto de inquérito
policial no âmbito das Polícias Civis dos Estados, por iniciativa própria da autoridade policial
ou por requisição do respectivo Poder Judiciário ou do Ministério Público estaduais.
CF - Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade
de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade
das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e
mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: (Redação dada
pela Emenda Constitucional - EC nº 19, de 4 de junho de 1998)
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento
de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e
empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão
interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser
em lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o
contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros
órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
(Redação dada pela EC nº 19, de 1998)
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária
e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem
pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em
lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
CPP - Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no
território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das
infrações penais e da sua autoria. (Redação dada pela Lei nº 9.043, de 9 de
maio de 1995)
Fechado este parêntese acerca do conceito de polícia judiciária, voltando-se à analise
da natureza do inquérito policial, extrai-se da própria literalidade do art. 20 do CPP e das
construções doutrinárias destinadas a esclarecê-lo que a instância de Direito Público punitivo
preserva o sigilo de suas diligências investigativas como forma de atentar para o inafastável
princípio reitor da indisponibilidade do interesse público - princípio este de índole pública
que, no presente tema, diante da dinâmica característica do arcabouço principiológico,
prevalece sobre princípios garantidores de direitos individuais.
Das manifestações doutrinárias acima reproduzidas, merece destaque também o
ensinamento de que a própria literalidade do inciso LV do art. 5º da CF esclarece que somente
se cogita de contraditório para litigantes em processos judicial ou administrativo e para
281
acusados em geral, condições que não contemplam o mero investigado. Na fase investigativa
administrativa, assim como, analogamente, no inquérito policial, não há litigantes ou
acusados da forma como estes dois termos foram empregados na CF, uma vez que nos
procedimentos de investigação empregados (investigações preliminares, investigações
patrimoniais, sindicâncias patrimoniais e sindicâncias investigativas) não há que se falar de
litígio estabelecido em um processo stricto sensu ou de acusação. Melhor aduzindo,
descartando-se de plano a hipótese de haver litígio em fase de admissibilidade e dedicando-se
à análise da hipótese que merece maiores esforços - de existência ou não de acusação -, uma
vez que aqueles procedimentos de investigação não possuem finalidade punitiva, afirma-se
que neles não há acusação. Portanto, pode-se ratificar que a CF não garante o contraditório ao
investigado em instância administrativa.
Daí, em reforço à normatização legal e infralegal já mencionada em 2.5.1, tem-se que
a integração por analogia com a instância penal reforça a compreensão de que, também na
instância disciplinar, a fase de admissibilidade em geral e os procedimentos de investigação
empregados são de natureza investigativa, a ser preservada por cláusula de sigilo e marcada
pela discricionariedade e pela inquisitorialidade, não se submetendo ao princípio do
contraditório, que se opera apenas, se for o caso, após a instauração do PAD ou da sindicância
disciplinar, em consonância com a doutrina do Ministério da Transparência, Fiscalização e
Controladoria-Geral da União (CGU).
“Sobre a específica questão do sigilo, é possível encontrar na doutrina
brasileira, ainda que de forma isolada, posicionamento no sentido de que tal
característica dos procedimentos em estudo seria inconstitucional. A
justificativa apresentada para essa conclusão é a de que, ao investigar notícia
de irregularidade de forma sigilosa, a Administração estaria desobedecendo ao
direito do devido processo legal e do acesso à informação, ainda que o faça na
condição de representante do interesse público e sob os ditames que esse
mesmo interesse lhe impõe, ditames esses também subsidiados por direitos
constitucionais, como, por exemplo, direito à igualdade, direito à honra e à
imagem e presunção de inocência ou não-culpabilidade.
Para adotar esse entendimento, a doutrina em referência necessariamente
esqueceu de pelo menos uma das mais importantes normas de interpretação das
regras e princípios constitucionais, qual seja, a da não absolutização dos
direitos. Sobre a matéria, transcreve-se o ensino de Bernardo Gonçalves
Fernandes:
‘O entendimento contemporâneo dos direitos fundamentais, ainda mais quando
tomados como valores, representa uma leitura relativista dos mesmos. Isto é, os
direitos fundamentais não podem ser tomados como elementos absolutos na
ordem jurídica, mas sempre compreendidos e analisados caso a caso e de modo
relativo (ou limitado).’
Ainda sobre o assunto, tem-se a sempre precisa e abalizada lição de Alexandre
de Moraes:
‘Os direitos humanos fundamentais, dentre eles os direitos e garantias
individuais e coletivos consagrados no art. 5º da Constituição Federal, não
podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de
atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição
da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total
consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.’
Isso posto, resta impossível conceder qualquer razão à citada posição
doutrinária de absolutização de direitos fundamentais, sob pena de se instalar
verdadeiro caos na sociedade, haja vista que, a prevalecer tal entendimento,
suas conclusões necessariamente haveriam de ser estendidas aos demais casos
de conflito de direitos, gerando, a título de exemplo, as seguintes anomalias
jurídicas: o direito à livre locomoção como um obstáculo à decretação de
prisão e o direito de liberdade de expressão amparando a incitação ao racismo
ou a apologia ao crime.
Somando-se a isso tudo, e para finalizar a questão, aponte-se uma última
282
nem mesmo ao servidor representado, denunciado ou investigado. E, ainda com mais ênfase,
se assevera que muito menos estaria a Administração obrigada a conceder, de ofício, acesso,
vista, cópia ou esclarecimento ao representante ou denunciante e tampouco a terceiros outros
quaisquer. No mesmo rumo, as assertivas ora apresentadas são fortalecidas pelo fato também
já exposto de que, como regra, a fase de admissibilidade transcorre de forma sigilosa, não
contemplando qualquer ciência ou participação de quem quer que seja, o que faz presumir
que, em princípio, nem o próprio servidor representado, denunciado ou investigado tem
conhecimento da existência dos trabalhos e de seu andamento e muito menos o tem qualquer
outro terceiro, no que se inclui o representante ou denunciante.
Exemplos de
informações sigilosas
em razão da natureza Conjunto das informações em geral,
com acesso regulado pela Lei nº 12.527, de 18/11/11
específica dos dados
3
7
4
alteradas pela Lei nº 12.527, de 2011. A instrumentalização que adiante se exporá, dentro das
diversas formas de atuação do sistema correcional, se aplica tão somente às informações
encartadas em fase de admissibilidade em geral ou nos procedimentos de investigação
empregados (investigação patrimonial, sindicância patrimonial, sindicância investigativa e
análise preliminar), prévios à instauração do rito disciplinar, ainda em curso ou já arquivados,
ou, por fim, nos PAD ou sindicâncias disciplinares já arquivados. De um lado, uma vez
instaurada a instância disciplinar, opera-se, de forma automática, indivisível e atemporal, a
cláusula de sigilo específica prevista no caput do art. 150 da Lei nº 8.112, de 1990; de outro
lado, ainda em fase de admissibilidade ou já após arquivada a instância disciplinar, opera-se o
sigilo previsto no inciso VIII do art. 23 da Lei nº 12.527, de 2011, mas que, para sua efetiva
aplicação com o fim de inibir a divulgação de dados que prejudiquem atividades em curso de
inteligência, investigação ou fiscalização, requer, da Administração, a providência
estabelecida na mesma Lei, com a atribuição de grau reservado de sigilo.
Feita esta apresentação material da inovação legislativa, definidora da espécie de sigilo
genericamente associada à segurança da sociedade e do Estado e da competência para tal
atividade, passa-se a abordar a procedimentalização imposta pela Lei nº 12.527, de 2011, e
regulamentada pelo Decreto nº 7.724, de 2012, para a apreciação de pedidos de acesso, vista,
cópia ou esclarecimento da informação pública em geral - ou seja, àquelas informações em
poder da Administração e que são de acesso irrestrito, por, especificamente, não possuírem
natureza disciplinar, fiscal, bancária, profissional (e em especial médico-pericial), telefônico
ou por, de forma mais geral, não serem imprescindíveis para a segurança da sociedade ou do
Estado, como, por exemplo, por não prejudicarem as atividades investigativas.
Nos termos regulamentados pelo Decreto nº 7.724, de 2012, em seus arts. 9º e 10, no §
1º do art. 15 e no art. 16, cabe ao interessado apresentar o pedido de acesso, vista, cópia ou
esclarecimento desta espécie de informações no Serviço de Informações ao Cidadão (SIC) do
órgão correspondente ou, ainda, por meio de sítio eletrônico institucional, seja do próprio
órgão, seja por meio do Sistema e-SIC, disponibilizado pela CGU em seu sítio eletrônico.
Atendendo, enfim, à necessidade de regulação da parte final do inciso XXXIII do art. 5º da
CF, o Decreto, refletindo o comando do art. 11 da Lei nº 12.527, de 2011, estabelece que,
caso o pedido de acesso, vista, cópia ou esclarecimento de informação geral não possa ser
prontamente atendido, o SIC do órgão possui prazo de vinte dias, contado da apresentação do
pedido e prorrogável por mais dez dias, para enviar ao solicitante a informação ou a resposta
de denegação, acompanhada da motivação da decisão e de comunicado de possibilidades de
pedido de recurso ou de desclassificação da informação e da autoridade competente para sua
apreciação.
Decreto nº 7.724, de 2012 - Art. 9º Os órgãos e entidades deverão criar Serviço
de Informações ao Cidadão - SIC, com o objetivo de:
I - atender e orientar o público quanto ao acesso à informação;
II - informar sobre a tramitação de documentos nas unidades; e
III - receber e registrar pedidos de acesso à informação.
Parágrafo único. Compete ao SIC:
I - o recebimento do pedido de acesso e, sempre que possível, o fornecimento
imediato da informação;
II - o registro do pedido de acesso em sistema eletrônico específico e a entrega
de número do protocolo, que conterá a data de apresentação do pedido; e
III - o encaminhamento do pedido recebido e registrado à unidade responsável
pelo fornecimento da informação, quando couber.
Art. 10. O SIC será instalado em unidade física identificada, de fácil acesso e
aberta ao público.
Art. 15. Recebido o pedido e estando a informação disponível, o acesso será
imediato.
§ 1º Caso não seja possível o acesso imediato, o órgão ou entidade deverá, no
prazo de até vinte dias:
I - enviar a informação ao endereço físico ou eletrônico informado;
293
pertinente, nos mesmos moldes acima, pode o Corregedor decidir pela atribuição de grau
reservado. E o mesmo se aplica para informações encartadas em PAD ou em sindicância
disciplinar já arquivados.
Ressalte-se que não necessariamente a atribuição de grau reservado a determinada
informação encartada em fase de admissibilidade em geral ou nos procedimentos de
investigação empregados (investigação patrimonial, sindicância patrimonial, sindicância
investigativa e análise preliminar) ou ainda em rito contraditório já arquivado deve se dar
espontaneamente antes de o interessado ter protocolizado o pedido. É cabível que o
Corregedor, de ofício ou por provocação, faça a tal atribuição partir do momento em que já se
tem o pedido por parte do peticionante, conforme autoriza o art. 20 da Portaria MF nº 233, de
2012.
Portaria MF nº 233, de 2012 - Art. 20. A classificação deverá ser realizada no
momento em que a informação for gerada ou, posteriormente, sempre que
necessário.
Ademais, qualquer pedido, sobretudo de terceiros, de acesso, vista, cópia ou
esclarecimento de informações de natureza correcional encartadas em fase de admissibilidade
em geral ou nos procedimentos de investigação empregados ou ainda em instância disciplinar
já arquivada, com lastro exclusivamente nos direitos estabelecidos pela Lei nº 12.527, de
2011 (ou no Decreto nº 7.724, de 2012, ou na Portaria MF nº 233, de 2012), deve ser
manejado à luz do regramento específico daquele diploma legal e de seus regulamentos
infralegais.
Assim, em caso de pedido protocolizado fisicamente no Protocolo-SIC-MF, situado no
Edifício Órgãos Centrais, em Brasília, ou, virtualmente, pelos sítios eletrônicos do MF ou da
CGU, deve aquele protocolo centralizador do MF, após providenciar o registro da demanda
no Sistema e-SIC, encaminhá-la, via Módulo Documento do Sistema de Comunicação e
Protoloco (Comprot), o aplicativo Comprotdoc Web, para a RFB, por intermédio da
Ouvidoria deste órgão (Gabin/Ouvid - informe-se que, originalmente, esta entrada se dava por
intermédio da Divisão de Atividades Administrativas (Gabin/Diadm), também a exemplo da
Ouvidoria, vinculada ao Gabinete do Secretário da Receita Federal do Brasil). A Gabin/Ouvid
repassa a demanda, via e-processo, para a unidade competente (Coger ou Escor, no caso). Na
sequência, a unidade correcional deve elaborar a resposta, seja esclarecendo de imediato não
possuir a informação solicitada; seja, no prazo de quinze dias, fornecendo a informação
solicitada ou denegando-a de forma motivada em virtude de oposição de cláusula de sigilo (ou
porque a informação desde sempre é protegida por se inserir em um rito disciplinar em curso
ou por ser de natureza fiscal, bancária, profissional - e em especial médico-pericial -,
telefônica ou segredo de justiça ou ainda porque, encartando-se em fase de admissibilidade e
não sendo daquelas espécies de natureza, a ela o Corregedor atribuiu grau reservado, com
base no inciso VIII do art. 23 da Lei nº 12.527, de 2011, em razão de sua disponibilização
prejudicar atividades de inteligência, investigação ou fiscalização em andamento com o fim
de prevenir ou de reprimir infrações), ou ainda solicitando prorrogação do prazo por mais dez
dias; e encaminhar esta resposta, via e-processo, à Gabin/Ouvid. À Gabin/Ouvid incumbe
formalizar a resposta e encaminhá-la à Ouvidoria do MF, via Sistema Comprotdoc Web, para
que esta, enfim, a forneça ao solicitante.
A mesma procedimentalização se obriga ainda que o solicitante formule diretamente
no Escor ou na Coger ou até mesmo em qualquer unidade descentralizada da RFB o pedido de
acesso, vista, cópia ou esclarecimento de informações de natureza correcional encartadas em
fase de admissibilidade em geral ou nos procedimentos de investigação empregados
(investigação patrimonial, sindicância patrimonial, sindicância investigativa e análise
preliminar) ou em PAD ou sindicância disciplinar já arquivados. Baseando-se o pedido
exclusivamente nos direitos estabelecidos pela Lei nº 12.527, de 2011 (ou no Decreto nº
7.724, de 2012, ou na Portaria MF nº 233, de 2012), deve o titular da unidade de entrada
297
remetê-lo por malote para o Protocolo-SIC-MF, a fim de ser registrado no Sistema e-SIC e ser
remetido de volta, da forma acima descrita, pela Gabin/Diadm para unidade correcional
provocada. De se destacar que, nas hipóteses de o pedido ser apresentado diretamente na
unidade correcional, mesmo se a autoridade entender que a demanda deve ser deferida,
havendo ou não atribuição de grau reservado pelo Corregedor, não lhe cabe imediatamente
fornecer o acesso à informação, bem como não lhe cabe diretamente responder pelo
indeferimento, uma vez que os pedidos baseados exclusivamente na Lei nº 12.527, de 2011
(ou no Decreto nº 7.724, de 2012, ou na Portaria MF nº 233, de 2012), devem ser
instrumentalizados da forma prevista no diploma legal e na sua regulamentação infralegal,
destacadamente nos incisos II e IV do art. 14 da mencionada Portaria MF.
É de se destacar a possibilidade de o servidor representado, denunciado ou investigado
peticionar diretamente na unidade correcional pedido de acesso a informações acerca da fase
de admissibilidade em curso, lastreando-o na Lei nº 12.527, de 2011, e a resposta ter de
incluir dados pessoais, fiscais, bancários, telefônicos ou médico-periciais do próprio
solicitante. Sendo certo que a resposta deve seguir o rito específico, via Gabinete, Protocolo-
SIC-MF e Ouvidoria do MF, com o fim de evitar que dados acobertados por aquelas espécies
de sigilo associadas à natureza das informações tramitem por unidades estranhas ao sistema
correcional e até por órgãos estranhos à RFB, recomenda-se a emissão de uma resposta
comunicando a pertinência do pleito e que as informações solicitadas, por conterem dados sob
aquelas cláusulas específicas de sigilo, não podem ser remetidas na via eletrônica e se
encontram à disposição, na unidade correcional provocada, para serem retiradas pessoalmente
pelo próprio solicitante ou por seu procurador constituído.
Acrescente-se ainda que, em caso de pedido dirigido ao Escor ou à Coger para acesso,
vista, cópia ou esclarecimento de informações de natureza correcional encartadas em fase de
admissibilidade em geral ou nos procedimentos de investigação empregados (investigação
patrimonial, sindicância patrimonial, sindicância investigativa e análise preliminar) ou ainda
em PAD ou em sindicância disciplinar já arquivados, a decisão denegatória (em razão de
atribuição de grau reservado pelo Corregedor), a cargo do correspondente titular da unidade
correcional provocada, deve indicar, respectivamente, o Corregedor ou o Secretário da
Receita Federal do Brasil como autoridade competente para apreciar eventual recurso; e, em
todos os casos, deve indicar este último como autoridade reclassificadora da atribuição de
grau reservado pelo Corregedor. De se destacar ainda que eventual existência de decisão, a
cargo do Corregedor, atribuindo grau reservado a determinada informação não afasta a
competência para o Chefe de Escor formular a resposta, caso a fase investigativa transcorra
naquelas unidades e a elas tenha sido dirigido o pedido.
Neste rumo, ressalve-se que não se impõe à Administração o dever de prestar
informações diante de pedidos genéricos, desarrazoados, desproporcionais ou que exijam
trabalhos adicionais de análise, interpretação ou consolidação de dados e informações, tais
como uma apuração especial, conforme se depreende do art. 13 do Decreto nº 7.724, de 2012,
e do § 2º do art. 15 da Portaria MF nº 233, de 2012.
Decreto nº 7.724, de 2012 - Art. 13. Não serão atendidos pedidos de acesso à
informação:
I - genéricos;
II - desproporcionais ou desarrazoados; ou
III - que exijam trabalhos adicionais de análise, interpretação ou consolidação
de dados e informações, ou serviço de produção ou tratamento de dados que
não seja de competência do órgão ou entidade.
Parágrafo único. Na hipótese do inciso III do caput, o órgão ou entidade
deverá, caso tenha conhecimento, indicar o local onde se encontram as
informações a partir das quais o requerente poderá realizar a interpretação,
consolidação ou tratamento de dados.
Portaria MF nº 233, de 2012 - Art. 15.
298
diligências.
Eu me perguntaria: nós deveríamos consagrar na súmula o direito irrestrito
dos advogados de acesso aos autos da investigação, ou das diligências, de cada
diligência já concluída? Claro que estou falando de um receio que é justo, de
que o conhecimento prévio de uma diligência comprometa toda a linha da
investigação. E, comprometendo toda a linha da investigação, o princípio da
justiça penal eficaz resultaria vulnerado. É uma distinção que eu apenas
pondero, levo à consideração dos eminentes Ministros. (...)
Ora, ‘em processo judicial ou administrativo’. Nós sabemos que o inquérito
policial nem é processo administrativo nem processo nem processo judicial, é
pré-processo, um ‘tertium genus’. É uma terceira figura, uma terceira via de
direito. Daí chamarmos muito até - eu nem gosto dessa expressão - de fase
inquisitorial da investigação criminal.
Será que essa consideração de não ser o inquérito policial um processo
administrativo nem judicial, e, portanto, não comportar essa defesa com toda
amplitude, não nos levaria também a fazer a distinção entre investigação e
diligências investigatórias?”
STF, Proposta de Súmula Vinculante nº 1 (que aprovou a Súmula Vinculante nº
14), Voto: “(...) duas coisas devem ser distinguidas nos inquéritos policiais:
uma coisa são os elementos de provas já documentados. Quanto a estes
elementos de prova já documentados, não encontro modo de restringir o direito
dos advogados em defesa dos interesses do cliente envolvido nas investigações.
Outra coisa são todos os demais movimentos, atos, ações e diligências da
autoridade policial que também compõem o inquérito. A autoridade policial
pode, por exemplo, proferir despacho que determine certas diligências cujo
conhecimento pode frustrá-las; a esses despachos, o advogado não tem direito
de acesso prévio, porque seria concorrer com a autoridade policial na
investigação e, evidentemente, inviabilizá-la. (...). Por isso, tal ementa, a meu
ver, resguarda os interesses da investigação criminal, não apenas das
diligências em andamento, mas ainda das diligências que estão em fase de
deliberação. A autoridade policial fica autorizada a não dar ciência prévia
desses dados ao advogado, a qual poderia comprometer o resultado final da
investigação. O que não se quer é retirar dos advogados, na defesa dos clientes
envolvidos nas investigações, o acesso aos elementos de prova que já tenham
sido documentados. (...)
(...) há certos elementos que, embora já concluídos, indicam a necessidade de
realização de outros.
Não é fácil. É questão grave. Há certas diligências cuja realização não se
exaure em si mesma, mas aponta para outras. (...)
Isto é, as autoridades policiais continuarão autorizadas a estabelecer seu
programa de investigação sem que os advogados lhe tenham acesso. O que não
poderão evitar é apenas isso, e que me parece fundamental na súmula: os
elementos de prova já coligidos, mas que não apontem para outras diligências,
que não impliquem conhecimento do programa de investigação da autoridade
policial, enfim que não cerceiem de nenhum modo o Estado no procedimento de
investigação, esses não podem ser subtraídos do advogado. Então, ele terá
acesso, mas evidentemente a autoridade policial estará autorizada a separar os
elementos de inquérito. (...)
É nesses termos, Senhor Presidente, que voto. (...) não é aos autos do inquérito,
é acesso aos elementos já documentados. Apenas isso.”
Resgatando este histórico da edição da Súmula Vinculante nº 14 do STF, tem-se
cristalino que o STF jamais cogitou - sequer na sua atenção para a gravosa instância penal - de
garantir irrestrito acesso ao defensor do investigado, sobretudo na programação, nas
conjecturas, na síntese elaborativa das provas a serem perseguidas ou ainda em persecução. A
leitura dos votos demonstra que a Corte compreende que assiste ao investigado em inquérito
um conjunto de direitos essenciais da pessoa, mas, ao mesmo tempo, observa que o inquérito
não comporta toda a amplitude da defesa e ratifica a preocupação em manter a eficácia da
302
devidas adequações.
Em outras palavras, havendo pedido de acesso, vista, cópia ou esclarecimento, em fase
de admissibilidade em geral ou nos procedimentos de investigação empregados (investigação
patrimonial, sindicância patrimonial, sindicância investigativa e análise preliminar), por parte
do servidor representado, denunciado ou investigado, seja pessoalmente, seja por intermédio
de procurador, deve o pleito ser deferido exclusivamente no que pertine aos elementos já
devidamente autuados - como determina, inclusive, o já mencionado princípio da comunhão
da prova - e cuja linha investigativa exaure-se em si mesmos ou ainda que não apontem para a
realização de outras diligências. De se destacar, de um lado, que tal entendimento supera
inclusive eventual classificação de informação em grau reservado de sigilo, nos termos do
inciso VIII do art. 23 da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (a Lei de Acesso à
Informação Pública), por se ter compreendido que a disponibilização poderia comprometer
atividades de inteligência, fiscalização ou investigação. Diante da relevância do pleito
formulado pelo próprio servidor representado, denunciado ou investigado, aquela cláusula de
reserva deve ser afastada a favor do peticionante. Mas, de outro lado, também se ressalte que
aqui não se defende a irrestrita concessão a favor do peticionante, podendo, se for o caso, o
exercício do direito constitucionalmente assegurado ser efetivado e satisfeito parcialmente, se
houver linhas investigativas ainda incipientes, para as quais a dinâmica ponderação de
princípios em confronto autoriza que a Administração, à luz dos entendimentos externados
pela interpretação histórica da edição da Súmula Vinculante nº 14 do STF, obstrua o
conhecimento do interessado.
Em reforço ao acima exposto, embora trate a rigor de outra hipótese, também aponta
no sentido da preservação do interesse público da investigação, a preponderar sobre a total
abertura de acesso a informações, a positivação operada pela CGU na Instrução Normativa
CGU nº 14, de 2018, em que o inciso III do art. 68 permite a ocultação da reprodução da fonte
de quando esta reside em documentos sigilosos. Em outras palavras, a CGU atesta que a
unidade de correição pode utilizar e trabalhar informação sigilosa em suas próprias
construções, até citando-a, mas não sendo obrigada a reproduzi-la.
Instrução Normativa CGU nº 14, de 2018 - Art. 66. A organização dos autos
dos procedimentos correcionais observará as seguintes recomendações:
III - os relatórios e os termos produzidos no curso da investigação farão apenas
referência aos documentos que possuam natureza sigilosa ou restrita, sem a
reprodução da informação de acesso restrito, a fim de resguardar a
informação.
No mesmo rumo, sintonizado com a manifestação vinculante da Corte Suprema,
caminhou o ordenamento legal, com a alteração promovida no art. 7º da Lei nº 8.906, de 4 de
julho de 1994 (o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB), que elenca os direitos
do advogado. De um lado, a Lei assegura ao advogado o direito de acesso a autos de
investigação de qualquer natureza, em qualquer instituição (não somente repartição policial) e
ainda que em andamento - o que, por óbvio, inclui o curso da fase de admissibilidade em
instância administrativa. Mas o legislador não desatendeu de resguardar do conhecimento da
defesa os elementos de prova relacionados a linhas investigativas em andamento e que, por
este motivo, corretamente ainda não tenham sido autuados, tendo em vista o risco de pôr a
perder a efetividade dos trabalhos em curso, na contrapartida de não ter tolerado o uso de má-
fé ao conceder acesso delimitado aos autos ou de subtrair elementos já autuados. É o que se lê
no conjunto do inciso XIV e dos §§ 10 e 12 do mencionado art. 7º. Portanto, é de se destacar
que nem mesmo o Estatuto da OAB, sabidamente um diploma legal assegurador das
prerrogativas do advogado, tem em seu texto a garantia de acesso irrestrito aos autos
investigativos em curso, tendo a Lei se harmonizado na linha de equilíbrio entre a concessão
da proteção constitucional e a preservação do múnus estatal e da efetividade dos trabalhos de
investigação.
Lei nº 8.906, de 1994 - Art. 7º São direitos do advogado:
304
Normativa CGU nº 14, de 2018. Enquanto a regra geral do dispositivo normativo, no caput e
nos seus incisos, é da restrição de acesso a informações com cláusulas legais de sigilo, o § 1º
excepciona para o servidor investigado (bem como, para momentos processuais posteriores,
acusado e indiciado).
Instrução Normativa CGU nº 14, de 2018 - Art. 64. As unidades do Sistema de
Correição do Poder Executivo Federal manterão, independentemente de
classificação, acesso restrito às informações e aos documentos, sob seu
controle, relacionados a:
I - informações pessoais relativas à intimidade, à vida privada, à honra e à
imagem das pessoas;
II - informações e documentos caracterizados em lei como de natureza sigilosa,
tais como sigilo bancário, fiscal, telefônico ou patrimonial;
III - processos e inquéritos sob segredo de justiça, bem como apurações
correcionais a estes relacionados;
IV - identificação do denunciante, observada a regulamentação específica; e
V - procedimentos correcionais que ainda não estejam concluídos.
§ 1º A restrição de acesso de que trata este artigo não se aplica àquele que
figurar como investigado, acusado ou indiciado.
Este acesso, vista, cópia ou esclarecimento irrestrito ao conjunto autuado se aplica
também se for o caso de múltiplos representados, denunciados e investigados. Não há como
se mitigar tal abertura a dados, ainda que sigilosos, dos demais coparticipantes do polo
passivo do procedimento investigativo - nas condicionantes de se ter de dar o excepcional
acesso, cópia ou vista - se a conexão fática conduziu à unicidade processual. Se se decidiu
pela unicidade processual, é de se supor, com lógica, que os fatos guardam conexão e os
dados de interesse de uma defesa também irrigam os interesses das demais defesas, igual e
reciprocamente. Dentro desta lógica, é menos provável que dados de outros representados,
denunciados ou investigados no bojo do mesmo procedimento e que possuam natureza
sigilosa, já autuados, caso se tenha de dar fornecimento, não interessem, em virtude
presumível conexão das condutas, à amplitude de defesas alheias. Ao amparo da sempre
inafastável amplitude de defesa, se for o caso excepcional de se dar acesso, cópia, vista ou
esclarecimento, não há que se limitar tal fornecimento em razão tão somente da natureza
sigilosa dos dados autuados dos demais coparticipantes do polo investigado.
Este entendimento é o cristalino reflexo do principio da comunhão da prova,
mencionado em 3.3.3.7, e restou sedimentado com a manifestação da CGU, por meio da
Comissão de Coordenação de Correição da CGU (CGU/CCC), estampada no Enunciado
CGU/CCC nº 19, de 10 de outubro de 2017, que, apesar de expressar “acusados”, pode ser
perfeitamente estendido para fase de admissibilidade, a favor de investigados..
Enunciado CGU/CCC nº 19, de 2017: “Direito de acesso integral ao
procedimento correcional por todos os acusados. Havendo conexão a justificar
a instauração de procedimento correcional com mais de um acusado, a todos
eles será garantido o acesso integral aos documentos autuados.”
Ao se possibilitar o conhecimento dos elementos já autuados (que se subentende
aqueles que se exaurem em si mesmos e que encerram determinada linha investigativa) e ao
se preservar o poder de a Administração reservar parte das diligências ou caminhos de
persecução ainda incompletos, inconclusos ou em curso, logra-se, à luz do bom Direito,
compatibilizarem-se os interesses do servidor representado, denunciado ou investigado e a
eficácia do múnus público investigativo em instância disciplinar. Não obstante, não é demais
reforçar que a concessão de informações quanto ao conteúdo e ao andamento dos trabalhos
internamente conduzidos pela Administração não retira o caráter sigiloso, inquisitorial e
unilateral desta atividade; ou seja, o respeito à garantia fundamental de ter conhecimento
acerca do objeto da investigação não se confunde com permitir a participação e a atuação do
servidor na fase de admissibilidade (questionando provas ou peticionando pela realização de
atos instrucionais), visto não se afastar a conclusão de que a esta fase não comporta o direito
307
ao contraditório.
Também é de se ressaltar a ressalva já apresentada em 2.5.6.2.1, no sentido de que a
fase de admissibilidade em geral ou os procedimentos de investigação empregados
(investigação patrimonial, sindicância patrimonial, sindicância investigativa e análise
preliminar) devem ser compreendidos como procedimentos administrativos
instrumentalizados e manejados não por conterem um fim em si mesmos, mas sim para, ao
seu final, permitirem à autoridade competente o devido embasamento para proferir uma
decisão (qual seja, de arquivar preliminarmente o feito ou de instaurar a instância disciplinar).
Daí, à luz da leitura a contrario sensu do § 3º do art. 7º da Lei nº 12.527, de 2011, e do art. 20
do Decreto nº 7.724, de 2012, até a emanação de tal decisão, sobre todo o conteúdo
documental encartado em tal fase de admissibilidade, em tese, recairia a cláusula de sigilo
imposta pelo art. 23 da citada Lei, mas que, pelas razões acima expostas, no caso de
provocação por parte do próprio investigado, deve ser flexibilizada.
Lei nº 12.527, de 2011 - Art. 7º
§ 3o O direito de acesso aos documentos ou às informações neles contidas
utilizados como fundamento da tomada de decisão e do ato administrativo será
assegurado com a edição do ato decisório respectivo.
Decreto nº 7.724, de 2012 - Art. 20. O acesso a documento preparatório ou
informação nele contida, utilizados como fundamento de tomada de decisão ou
de ato administrativo, será assegurado a partir da edição do ato ou decisão.
O mesmo se depreende também da leitura a contrario sensu da manifestação da
Controladoria-Geral da União (CGU), por meio da Comissão de Coordenação de Correição da
CGU (CGU/CCC), estampada no Enunciado CGU/CCC nº 14, de 31 de maio de 2016.
Enunciado CGU/CCC nº 14, de 2016: “Restrição de aceso dos procedimentos
disciplinares Os procedimentos disciplinares têm acesso restrito para terceiros
até o julgamento, nos termos do art. 7º, parágrafo 3º, da Lei nº 12.527/2011,
regulamentado pelo art. 20, caput, do Decreto nº 7.724/2012, sem prejuízo das
demais hipóteses legais sobre informações sigilosas.”
Novamente em reforço à argumentação acima exposta, a título de informação,
acrescente-se que a CGU, na condição de órgão central do Sistema de Correição do Poder
Executivo Federal (SisCor-PEF), adotou normatização que confere a cláusula de sigilo por
toda a fase de admissibilidade em curso em seu próprio âmbito, até seu arquivamento, e que a
estende no curso de processo disciplinar decorrente, até a publicação do respectivo
julgamento, conforme se depreende do caput e do § 1º do art. 5º da Portaria CGU nº 1.613, de
26 de julho de 2012. Embora tal norma tenha aplicação restrita àquele órgão, convém sua
menção no presente, a título de referência.
Portaria CGU nº 1.613, de 2012 - Art. 5º A restrição de acesso às informações
prevista nos incisos IV e VII do artigo 4º desta Portaria se extingue a partir da
conclusão do procedimento investigativo, quando os relatórios e notas técnicas
se tornarão públicos.
1º Consideram-se concluídos, no âmbito da CGU, os procedimentos
investigativos relativos a:
I - ação correicional:
a) procedimento disciplinar instaurado ou acompanhado: com a publicação do
julgamento pela autoridade competente:
b) investigação preliminar: com o arquivamento do processo em caso de não
ser procedente o fato originário da investigação e, no caso contrário, a
publicação do julgamento do procedimento disciplinar decorrente da
investigação; e
c) relatórios de inspeção correicional: com a aprovação do relatório pelo
Corregedor-Geral da União.
E a CGU pacificou de vez este entendimento na sua Instrução Normativa CGU nº 14,
308
ainda em andamento não é invalidado nem mesmo caso se queira trazer à colação a aplicação
subsidiária da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (a Lei Geral do Processo Administrativo,
que regula a processualística no âmbito da Administração Pública federal), e mais
especificamente no inciso II do seu art. 3º, no inciso I do seu art. 9º e no seu art. 46. O caput e
o inciso II, ambos do art. 3º daquela Lei, estabelecem de forma inequívoca que a condição de
interessado é situação especial ou específica do gênero administrado. As figuras de
administrado e de interessado não se confundem. Ao contrário, apenas sob determinadas
condições é que o administrado se configura um interessado, para quem se garantiriam o
acesso, vista, cópia ou esclarecimento ao procedimento em curso. E tais condições são
estabelecidas no art. 9º da mesma Lei, conforme pontua a doutrina.
Lei nº 9.784, de 1999 - Art. 3º O administrado tem os seguintes direitos perante
a Administração sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:
II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a
condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles
contidos e conhecer as decisões proferidas;
Art. 9º São legitimados como interessados no processo administrativo:
I - pessoas físicas ou jurídicas que o iniciem como titulares de direitos ou
interesses individuais ou no exercício do direito de representação;
Art. 46. Os interessados têm direito à vista do processo e a obter certidões ou
cópias reprográficas dos dados e documentos que o integram, ressalvados os
dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direito à
privacidade, à honra e à imagem.
“(...) a lei federal (n. 9.784, de 1999) agrupou-os em dois segmentos: de um
lado, a Administração; do outro, os administrados, ora assim denominados, ora
tratados sob o rótulo ‘interessados’ (...). Parece nítido, dos preceitos do
referido diploma legal, que o nome ‘interessados’ está reservado para o
administrado quando ele se torna sujeito da relação processual
administrativa.”, Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, “Processo
Administrativo”, pg. 125, Malheiros Editores, 1ª edição, 2001
Nesta linha, não se deve interpretar equivocadamente que o inciso I do art. 9º da Lei nº
9.784, de 1999, estabeleça uma relação de interessado nem mesmo para, quando é o caso,
quem dá causa ao início das investigações como representante (no sentido de denunciante). É
necessário destacar o enfoque que, sistematicamente, esta Lei (chamada de Lei Geral do
Processo Administrativo, lato sensu e que não tem como vocação a matéria disciplinar e
punitiva) dá aos termos “representação” ou “representante”. Nesta Lei, aqueles termos são
empregados no sentido de atuar como procurador, em favor de alguém, em sentido oposto ao
da matéria disciplinar. Tanto que o enfoque do dispositivo acima é de exercício de direito,
enquanto o tema aqui em tela trata de cumprimento de dever funcional.
O fato é que, em regra, mesmo quando existente, o representante ou denunciante não
tem, apenas em razão desta qualidade, direito de acesso, vista, cópia ou esclarecimento sobre
o tratamento em curso concedido à sua representação ou denúncia. O servidor que representa
em razão de conhecimento de irregularidade tão somente cumpre o dever funcional
estabelecido nos incisos VI e XII do art. 116 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990,
enquanto o particular que denuncia também em razão de conhecimento de irregularidade nada
mais faz que manter um compromisso de ordem moral e ética com a Administração. Tais
situações não têm o condão de elevar o representante ou o denunciante à qualidade de
interessado na relação jurídica. A relação destes agentes com o processo administrativo a ser
eventualmente protocolizado se esgota com a entrega da representação ou da denúncia, não se
estabelecendo uma relação de interesse de quem quer que seja pessoalmente a impulsionar as
investigações; ao contrário, as investigações e os interesses por sua condução são públicos e
indisponíveis e passam a ser exclusivos da Administração, a menos que o peticionante
comprove a existência de interesse jurídico legítimo e justificável. A Controladoria-Geral da
União positivou o tema, no § 2º do art. 64 da Instrução Normativa CGU nº 14, de 14 de
313
do art. 1° da mesma norma, que remete o poder institucionalmente para o órgão. Além do
maior respaldo que sempre se obtém com ato administrativo sem caráter pessoalizado e
protagonizado pela instituição, limitando a participação da autoridade instauradora à simples
assinatura do termo na condição jurídica de compromitente representante da Administração,
tal construção na redação do termo também afasta a exigência de se ter encontro concreto,
físico e pessoal entre o Chefe do Escor e o servidor, este na condição jurídica de
compromissário, e supera qualquer insegurança jurídica de que a validade do acordo estaria
condicionada ao fato de suas assinaturas não só serem conjuntas mas também simultâneas.
Instrução Normativa CGU n° 2, de 2017 - Art. 3° A celebração do TAC será
realizada pela autoridade competente para instauração do respectivo
procedimento disciplinar.
Ainda sobre a questão da competência, importa ressaltar que a celebração de TAC
incumbe exclusivamente à autoridade correcional que seria competente para instaurar o
processo disciplinar em razão daquela infração de menor poder ofensivo cometida pelo
servidor e que seria punível com advertência. A instituição do TAC não inovou nenhuma
iniciativa a cargo dos titulares de unidades fiscais locais ou regionais e em nada alterou os
deveres funcionais de representar e/ou de encaminhar representações à autoridade correcional,
cabendo apenas à autoridade instauradora, a priori na fase de admissibilidade, decidir se cabe
ou não o TAC. Ora, e de outra forma não poderia ser, pois se o TAC é um instrumento de
razoável e eficiente economia e dispensa de processo disciplinar, somente pode caber sua
celebração àquela autoridade capaz para instaurar, pois, do contrário, se teria o absurdo de
uma autoridade inibir ato que seria da competência de outra.
A rigor, a Instrução Normativa CGU n° 2, de 2017, no caput do seu art. 1°, faculta à
Administração celebrar TAC, sem obrigá-la. Até é possível que, diante de um caso concreto
em que se cogita de aplicação de advertência e mesmo que todos os demais condicionantes
normativos para a celebração estejam atendidos (dois associados ao agente, no art. 5°:
inexistência de outro acordo no prazo de dois anos e de registro válido de penalidade
disciplinar - três anos para advertência e cinco anos para suspensão - nos seus assentamentos
funcionais; e quatro associados à conduta, nos incisos do caput do art. 4º: ausência de indícios
de prejuízo ao erário superior ao limite estabelecido no inciso II do art. 24 da Lei n° 8.666, de
21 de junho de 1993, de circunstância do caput do art. 128 da Lei nº 8.112, de 1990,
ensejadora de agravamento ou de indícios de crime contra a Administração Pública ou de
improbidade administrativa), em razão de a autoridade instauradora vislumbrar um
interessante efeito didático-profilático ou por qualquer outra razão estratégica, pode se
instaurar o processo disciplinar e se aplicar a pena, sem ter de se celebrar o acordo.
Instrução Normativa CGU n° 2, de 20117 - Art. 4º Não poderá ser celebrado
TAC nas hipóteses em que haja indício de:
I - prejuízo ao erário;
II - circunstância prevista no art. 128 da Lei nº 8.112, de 1990, que justifique a
majoração da penalidade; ou
III - crime ou improbidade administrativa.
Art. 5° Não poderá ser firmado TAC com o agente público que, nos últimos dois
anos, tenha gozado do benefício estabelecido por este normativo ou possua
registro válido de penalidade disciplinar em seus assentamentos funcionais.
Mas, neste caso, se houver pedido de TAC por parte do servidor, pode parecer
defensável a tese de defesa de que há um direito subjetivo a seu favor. A solução que
harmoniza a segurança jurídica necessária para não expor a corregedoria à crítica de ter
cometido ato ilegal e arbitrário (como seria o caso de uma resposta denegatória alegando um
total poder discricionário) e também para que não se prejudiquem as estratégias correcionais
passa pela avaliação se é possível, no caso, motivar o indeferimento do pedido com base no
inciso II do art. 4º da citada norma. Com efeito, não é difícil, sobretudo ainda em fase de
admissibilidade ou, no máximo em até cinco dias da entrega da notificação inicial da condição
321
havia se comprometido a não cometer no prazo pactuado, geradora então de uma nova
responsabilização e submetida a uma nova contagem de prazo prescricional, independente da
primeira infração, conforme o § 2° do art. 9° da Instrução Normativa CGU nº 2, de 2017. A
correta elaboração do termo pela autoridade instauradora deve permitir que, ao se dizer que o
TAC foi descumprido, se tenha que o servidor reincidiu em prática infracional. Em outras
palavras, a obrigação a ser pactuada no TAC deve ser tal que o fato capaz de deixá-lo
descumprido seja uma infração disciplinar.
Instrução Normativa CGU nº 2, de 2017 - Art. 9°
§ 2º No caso de descumprimento do TAC, a chefia adotará imediatamente as
providências necessárias à instauração ou continuidade do respectivo
procedimento disciplinar, sem prejuízo da apuração relativa à inobservância
das obrigações previstas no ajustamento de conduta.
O TAC é como um benefício condicionado que ao infrator se oferece; descumpri-lo
em si não deve ser confundido com ilicitude, mas sim deve ser entendido como uma forma de
perder, desperdiçar, deixar de fazer jus ao benefício que fora ofertado, além de decorrer do
cometimento de alguma outra infração.
Conforme o art. 2º da Instrução Normativa CGU, o TAC estabelece obrigações a
serem cumpridas pelo servidor em determinado prazo estipulado pela autoridade instauradora
Como, à luz do parágrafo único do art. 7º daquela norma, este prazo pode ser, no máximo, de
dois anos, nada impede, então, que a autoridade compromitente, a seu critério motivado,
estabeleça prazo inferior a dois anos para submissão do servidor às obrigações impostas. É de
se destacar que esta possibilidade em nada se confunde com o prazo de exatamente dois anos,
contados a partir da celebração, em que fica válido o registro do acordo nos assentamentos do
servidor e no qual se veda que o mesmo agente venha a ser beneficiado por outro TAC,
conforme o art. 5º e o caput do art. 9º da citada norma.
Instrução Normativa CGU n° 2, de 2017 - Art. 7
Parágrafo único. O prazo de cumprimento do TAC não poderá ser superior a 2
(dois) anos.
Art. 9° O TAC será registrado nos assentamentos funcionais do agente público
e, após o decurso de dois anos a partir da data estabelecida para o término de
sua vigência, terá seu registro cancelado.
Embora de natureza bastante análoga, o TAC não se confunde com o Acordo de
Conduta Pessoal e Profissional (ACPP), que é instrumento regimental ao dispor da Comissão
de Ética da Secretaria da Receita Federal do Brasil (CE-RFB), como oportunizador ao
servidor que infringe preceitos éticos, diante do seu reconhecimento do desvio, a fim de não
sofrer o procedimento de apuração ética (PAE) e a eventual sanção (censura) daquela
instância.
Feita a apresentação conceitual da ferramenta do TAC, dedica-se agora a descrever a
sua instrumentalidade. Quando a fase de admissibilidade identifica indícios de materialidade e
de autoria de infração disciplinar suscitadora de pena de advertência em contexto em que não
cabem construções principiológicas ou doutrinárias amparadoras do prévio arquivamento do
feito, pode a autoridade instauradora ofertar o TAC ao servidor. Para isto, na regra geral em
que o investigado sequer sabe que é alvo de fase de admissibilidade em curso e não se
presumindo, portanto, pedido de celebração de acordo, cabe ao parecerista, motivadamente,
propor esta iniciativa, ao final do seu parecer de admissibilidade. Se, excepcionalmente, o
investigado tiver ciência da sua possibilidade de vir a responder processo disciplinar e, ainda
em fase pré-processual, solicitar o acordo, deve o parecerista, motivadamente, propor em sua
peça o deferimento do pleito, já não havendo que se falar de oferta, visto que a iniciativa terá
partido do próprio agente. Por fim, caso o servidor apresente seu pedido de acordo já após a
instauração do processo disciplinar, em até cinco dias do recebimento da notificação inicial da
sua condição de acusado (ou mesmo já vencido este prazo), uma vez que não compete à
comissão se manifestar sobre o pleito e muito menos decidi-lo, cabe-lhe apenas encaminhá-lo,
324
à margem dos autos principais, para a autoridade instauradora, não havendo necessidade de
sobrestar o andamento de seus trabalhos apuratórios até a decisão acerca do TAC.
Havendo proposta de oferta espontânea pelo parecerista no parecer de admissibilidade,
concordância da autoridade instauradora e aquiescência por parte do servidor ou havendo
pedido por parte do servidor e deferimento por parte da autoridade antes ou depois de ter
instaurado o processo disciplinar, a celebração do TAC se dá no corpo do próprio termo que
se redige em nome da Administração, a ser assinado pela autoridade e pelo agente, que pode
ou não se fazer acompanhar de procurador legalmente constituído.
Conforme os incisos do caput do art. 7° da Instrução Normativa CGU n° 2, de 2017,
texto em si do termo deve conter a identificação do servidor, a informação de que o acordo
decorre de iniciativa de ofício ou de pedido tempestivamente apresentado, os fundamentos de
fato e de direito de sua celebração (ou seja, a descrição da conduta fática, a indicação dos
elementos que a comprovam, a apreciação de que repercutiriam em pena de advertência e de
que não existem os impedimentos normativos para a concessão do benefício), o expresso
reconhecimento por parte do agente de que incorreu na infração e o seu comprometimento em
cumprir as obrigações pactuadas, bem como o prazo e o modo de cumprimento e forma pelo
qual a chefia imediata do servidor deverá fiscalizar a conduta do subordinado.
Instrução Normativa CGU n° 2, de 2017 - Art. 7º O TAC deverá conter:
I - a qualificação do agente público envolvido;
II - os fundamentos de fato e de direito para sua celebração;
III - a descrição das obrigações assumidas;
IV - o prazo e o modo para o cumprimento das obrigações; e
V - a forma de fiscalização das obrigações assumidas.
Reconhece-se que a maior dificuldade na redação do termo reside no estabelecimento
das obrigações a serem impostas ao servidor. É preciso ter cuidado para harmonizar com
equilíbrio uma forma concreta de reprimenda sobre o infrator associada ao cargo e ao
interesse público e sem resvalar em vieses de pessoalidade, constrangimento, humilhação e
sem invadir a vida privada com comandos completamente dissociados da infração suscitadora
do TAC. Não soa razoável e coerente com a norma de regência que as obrigações impostas
tenham natureza de penas alternativas totalmente à margem do arcabouço estatutário, tais
como seriam comandos de prestações de serviços comunitários ou de ações com reflexos
exclusivos sobre a sociedade civil.
Neste tema das obrigações a serem pactuadas, pode ser exigido que o servidor tome
providências ou atitudes que, de forma imediata, reduzam ou eliminem efeitos de sua conduta
infracional, tais como, a meros títulos de exemplos cabíveis para alguns enquadramentos
puníveis com advertência, se retratar formalmente ou reparar os efeitos de sua irregularidade
(seja integralmente, seja em parte) ou regularizar situações que restaram ao arrepio da
normatização após a ilicitude ou ainda qualquer outra medida que vise a reconstituir o
equilíbrio interno da Administração e que foi rompido ou prejudicado com o ilícito. Ademais,
sempre que cabível, é necessário ainda que o termo especifique as formas como devem ser
cumpridas as obrigações.
E, sobretudo, deve o termo especificar as obrigações por tempo certo (no máximo por
dois anos) que se impõem ao servidor. Estas obrigações tanto podem reproduzir
enquadramentos legais de deveres ou de proibições estatutárias como podem introduzir
determinações de fazer ou de não fazer extraestatutárias, como, a meros títulos de exemplos,
participar de eventos de capacitação ou de reciclagem ou seguir de forma expressa
determinado manual interno de procedimentalização no respectivo processo de trabalho ou
elaborar trabalhos ou estudos técnicos ou ter de observar prazos específicos para cumprir
tarefas ou ter de se submeter a um controle individualizado de cumprimento de jornada de
trabalho ou ainda de preservação ou de conservação de bens ou de materiais de consumo. Na
verdade, mesmo nestas chamadas obrigações extraestatutárias, assim entendidas como aquelas
325
não expressas como enquadramentos positivados na lei, não se cogita de invadir a vida
privada do servidor impondo-lhe ordens que extrapolem os liames da reação estatutária; tais
obrigações devem se circunscrever a comandos que reflitam ou que ramifiquem os princípios
reitores da Administração, desde sempre aplicáveis independentemente de expressão na lei, a
exemplo de princípios da legalidade, da hierarquia e da moralidade. Novamente, sempre que
cabível, é necessário ainda que o termo especifique as formas como devem ser cumpridas as
obrigações.
O termo também deve expressar a forma como a chefia imediata do servidor deve
fiscalizar o cumprimento das obrigações pactuadas, para que, ao final do prazo imposto,
informe à autoridade instauradora se as determinações foram ou não atendidas.
Considerando então que a própria chefia imediata do servidor terá o ônus de fiscalizar
o cumprimento das obrigações impostas - sejam aqueles de resolução imediata, sejam aquelas
por período de tempo determinado - e reconhecendo ser o estabelecimento destas obrigações o
item de maior dificuldade de elaboração e de redação da parte da autoridade correcional, pode
o Chefe de Escor, na peculiaridade de um caso concreto em que tal dificuldade lhe pareça
intransponível, buscar o contato com o titular da unidade ou com o chefe imediato do
servidor, a fim de lhe pedir indicação de obrigações que possam, ao mesmo tempo, atender as
condições de traduzirem interesse correcional de ajuste comportamental ou, se inaplicável, ao
menos interesse público como um todo e viabilidade fiscalizatória. Importante destacar que
esta estratégia de formular contato com a unidade de origem se revela aqui como apenas uma
possibilidade que se oferta à autoridade instauradora em casos residuais em que, a despeito de
todos seus exaustivos esforços, excepcionalmente não logra vislumbrar o que possa impor ao
faltoso além de descrever deveres legais genéricos. Em outras palavras, nem se estimula e se
vulgariza esta opção ao dispor do Chefe do Escor (que, pode, após uma desafortunada
consulta de tal natureza, agora se sentir de certa forma vinculado a uma sugestão impertinente
dos gestores locais), e nem se critica caso eventualmente a autoridade correcional, esgotados
em vão seus esforços de elaboração, não vislumbra outra hipótese que não seja a consulta
local, até porque à corregedoria não convém impor uma obrigação que nada contribua, em
termos de interesse público, com a unidade em si ou com a Administração como um todo, ou
que a exponha à crítica local por sua implausibilidade, impraticabilidade ou impossibilidade
de ser fiscalizada.
Por este motivo, o art. 8° e o já mencionado caput do art. 9°, ambos da Instrução
Normativa CGU n° 2, de 2017, estabelecem que a celebração do TAC deve ser comunicada
ao chefe imediato do servidor (ou por quem o substituir em seus afastamentos e impedimentos
legais ou regulamentares ou o suceder em casos de nova localização na mesma unidade ou de
mudança de unidade de exercício ou de lotação), com cópia do termo, e deve ser registrada
nos assentamentos funcionais do agente, registro este que terá validade por até dois anos após
o esgotamento do prazo imposto para cumprimento das obrigações. Além disto, o caput do
art. 10 da mesma norma exige que a celebração do TAC seja informada no Sistema de Gestão
de Processos Disciplinares (CGU-PAD, do Ministério da Transparência, Fiscalização e
Controladoria-Geral da União - CGU).
Instrução Normativa CGU n° 2 - Art. 8º A celebração do TAC será comunicada
à chefia imediata do agente público, com o envio de cópia do termo, para
acompanhamento do seu efetivo cumprimento.
Art. 10. O TAC deverá ser registrado no CGU-PAD no prazo de 30 (trinta)
dias, a contar da data de sua celebração.
Ao final do prazo imposto, a manifestação do chefe imediato confirmando que o
servidor cumpriu com as obrigações pactuadas impede o rito disciplinar em razão do mesmo
fato, de acordo com o § 1° do art. 9° da Instrução Normativa CGU n° 2, de 2017. E, segundo
o parágrafo único do art. 3° da mesma norma, em consequência, o TAC deve ser homologado
pela autoridade que seria competente para aplicar a pena de advertência, o que novamente
recai, em regra, no Chefe do Escor ou, excepcionalmente, no Corregedor.
326
forma ou de outra, se estará respeitando a vontade maior da Lei, que é de limitar a aplicação
do Direito Administrativo Disciplinar como um todo.
Similar conceituação se empregou internamente, no inciso V do art. 1º da Portaria
RFB nº 6.483, de 29 de dezembro de 2017.
Portaria RFB nº 6.483, de 2017 - Art. 1º A apuração de irregularidade de
natureza disciplinar no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil
(RFB) será feita mediante os seguintes procedimentos correcionais:
V - processo administrativo disciplinar (PAD): instrumento destinado a apurar
responsabilidade de servidor público por infração praticada no exercício de
suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se
encontrava investido à época dos fatos.
Sendo assim, na matéria que aqui interessa, informe-se que tal mandamento, acerca da
delimitada abrangência do regime e do processo disciplinares, se volta tanto à autoridade
instauradora, em seu juízo de admissibilidade antes de instaurar o processo; quanto também se
projeta adiante, seja à comissão processante, ao conduzir o apuratório e concluir pelo
cometimento ou não de irregularidade, seja, por fim, à autoridade julgadora, ao decidir pelo
arquivamento ou pela punição do servidor.
Neste ponto, é de se destacar a rica e dupla leitura que se extrai do art. 148 da Lei nº
8.112, de 1990. Se, por um lado, o dispositivo freia o indevido ímpeto persecutório e punitivo
da Administração, por outro lado, dentro do foco de atuação que ele mesmo permite, o
mandamento confere uma relevante abrangência ao regime disciplinar. Este dispositivo legal,
conforme sua literalidade, deve ser lido atentamente em duas partes: a parte inicial define o
processo disciplinar como o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor “por
infração praticada no exercício de suas atribuições”, enquanto a parte final acrescenta que é
também o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração “que
tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido”.
Percebe-se que a parte inicial do art. 148 da Lei nº 8.112, de 1990, é de entendimento e
de aplicação absolutamente cristalinos e previsíveis ou ainda inquestionáveis e esperados na
matéria em tela: o processo disciplinar é o instrumento para apurar atos ilícitos cometidos por
servidor no pleno exercício de seu cargo, o que se confunde com a própria certeza de que o
ato guarda inexorável relação com o cargo. A contrario sensu, esta primeira parte permite
extrair a regra geral de que o regime disciplinar, a priori, não alcança, por exemplo, atos do
servidor totalmente dissociados do cargo que ocupa. Mas, por ora, o que se quer ressaltar é
justamente a importância - nem sempre percebida - da parte final do dispositivo legal, que
também prevê a aplicação do processo disciplinar para apurar atos que, embora não cometidos
no pleno exercício do cargo, guardam uma relação ainda que indireta com o múnus ou função
pública do servidor. Esta parte final do dispositivo, então, excepcionando a regra geral da
parte inicial, confere poderes à Administração para processar o servidor por atos ou
comportamentos que, embora praticados, por exemplo, em ambiente de sua vida privada, em
momento em que o agente não está no pleno exercício do seu múnus (cometidos fora da
repartição ou fora da jornada de trabalho), guardem relação direta ou pelo menos indireta
(nem que seja sob presunção legal) com o cargo que ocupa ou com as suas atribuições legais
ou ainda com a instituição ou que de alguma forma neles interfira, conforme melhor se
abordará conclusivamente em 3.2.3.1.6.
Repise-se que o art. 148 da Lei nº 8.112, de 1990, é um delimitador da atuação estatal
punitiva; mas também, ao mesmo tempo, deve o aplicador perceber que, dentro do universo
delimitado de atuação legalmente permitida, o regime disciplinar incide de forma abrangente.
Neste rumo, por exemplo, em princípio, o regime disciplinar também se aplica para atos
cometidos por servidor em desvio de função. Não obstante a crítica que cabe à prática do
desvio de função, é de se compreender que o ato cometido em tal condição é funcional e
guarda relação indireta com o cargo regular do servidor em desvio. O infrator somente pode
332
quem de fato atuou, pessoalmente, na perpetração do ilícito, mas também quem permitiu ou
propiciou que outrem o fizesse, concorrendo para o fato, por ação ou por omissão dolosa ou
culposa. Daí, em aplicação extensiva do caput e do § 2º do art. 13 do Decreto-Lei nº 2.848, de
7 de dezembro de 1940 - Código Penal (CP), o sentido de autoria aqui deve ser compreendido
recaindo tanto em termos estritos sobre o efetivo autor do ato quanto em termos mais amplos
sobre o responsável pelo ato, por concorrência.
CP - Relação de causalidade (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11 de julho
de 1984)
Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável
a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o
resultado não teria ocorrido. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)
Relevância da omissão (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
§ 2º A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir
para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: (Incluído pela Lei nº
7.209, de 1984)
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; (Incluída pela
Lei nº 7.209, de 1984)
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
(Incluída pela Lei nº 7.209, de 1984)
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
(Incluída pela Lei nº 7.209, de 1984)
Importante aqui se posicionar acerca do comando estatuído no art. 28 do Decreto-Lei
nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (antiga Lei de Introdução ao Código Civil - LICC,
atualmente denominada Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB), que, de
forma inovadora ao CP, estabeleceu que o agente público deveria responder “pessoalmente
por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”. Por mais
inadequado que pareça ser qualquer aplicador do Direito se contrapor à lei positivada, neste
caso até se consegue justificativa para fazê-lo, ao interpretar que a construção subjetiva
empregada, “em caso de dolo ou erro grosseiro”, não se harmoniza com outros comandos
legais históricos.
Tanto a lei material penal quanto a lei material civil estabelecem no Direito pátrio dois
estados anímicos infracionais, quais sejam, o dolo e a culpa, caracterizadores da indispensável
responsabilidade subjetiva. Diante da visão sistemática do ordenamento, outra possibilidade
não resta se não a crítica que o art. 28 da LINDB padece de atecnica redacional. Sendo certo
que, no Direito Penal, o erro exclui a responsabilização (seja por vezes atuando na exclusão
do dolo e, por conseguinte, da tipicidade, seja por vezes atuando na exclusão da punibilidade),
soa até incoerente, ilógica, contraditória e incongruente a construção ora adotada pelo
legislador ordinário, ao elencar e igualar o dolo e o erro grosseiro como duas espécies de um
mesmo gênero, como ramificações de uma mesma raiz, ambos como elementos
caracterizadores da responsabilização. Por tal motivo, ao longo de todo este texto, se adotará o
desdobramento clássico dos ânimos subjetivos causadores de responsabilização, entre dolo e
culpa, descartando-se a construção empregadora do “erro grosseiro”.
Na verdade, as três linhas de responsabilidade de que se pode cogitar mais
frequentemente em decorrência de atuação funcional, quais sejam, administrativa, penal e até
mesmo a civil, todas, indistintamente, submetem-se à responsabilização subjetiva antes de
imporem seus respectivos gravames (sejam punitivos, nas duas primeiras, seja patrimonial, na
última).
Além da cediça necessidade da instância penal, de forte índole punitiva, de ter a
comprovação do ânimo subjetivo do autor antes de se sentir provocada, a imposição de pena
estatutária ao servidor e a obrigação pessoal de civilmente reparar dano em decorrência do
exercício do seu cargo igualmente requerem a comprovação de que a sua conduta infratora foi
dolosa ou no mínimo culposa, em ato comissivo ou omissivo. Sem este pré-requisito
334
essencial, ainda que a conduta do servidor formalmente pudesse encontrar tipificação criminal
ou enquadramento disciplinar ou até mesmo tenha efetivamente acarretado dano, não há que
se cogitar de nenhuma das três responsabilizações. Ou seja, prevalece a máxima de que a
responsabilização de servidor, tanto especificamente na instância disciplinar quanto nas duas
outras instâncias judiciais, em decorrência de ato funcional, requer a comprovação do ânimo
subjetivo do agente na sua conduta, seja por culpa, seja por dolo.
Em qualquer destas linhas de responsabilidade, a responsabilização subjetiva requer,
de forma intransigente, que se comprove uma relação causal entre a ocorrência objetiva do
fato tido como ilícito em lei e a conduta funcional (seja comissiva ou omissiva) eivada de
culpa ou de dolo, por parte do agente, em associação ao cargo que ocupa.
Conforme se verá em seguida, enquanto, por um lado, a materialidade é fortemente
associada ao conceito de ilícito disciplinar (cuja lista exaustiva reside nos arts. 116, 117 e 132
da Lei nº 8.112, de 1990) e este, por sua vez, se enquadra no que se chama de abrangência
objetiva da persecução, a autoria é intrinsecamente associada ao conceito de servidor
estatutário (como agente público submetido ao citado diploma legal) e este, por sua vez, se
enquadra no que se chama de abrangência subjetiva, conforme a seguir se detalhará.
3.2.1.1 - Alguns Destaques sobre Ilícitos Penais Cometidos por servidores e, em Especial,
Crime de Abuso de Autoridade (ou de Abuso de Poder)
Por óbvio, dentre a imensa gama de atuação do Direito Penal, aqui o que mais
detidamente interessa é sua parcela de intersecção com o Direito Administrativo Disciplinar,
ou seja, onde se encontram as condutas acima definidas como ilícitos disciplinar-penais. Para
esta análise mais limitada da instância penal, afasta-se do interesse o cometimento de crime
comum, tanto por um agente privado quanto até mesmo por um servidor, pois trata-se de ato
cometido em sua vida privada, para o qual não se exige a qualidade especial de o agente ser
servidor. Na parcela de maior interesse, onde se situam os crimes especiais (em que a conduta
criminosa, por sua própria definição legal, só pode ser realizada por um agente público), o que
se tem é o servidor que, no ato associado direta ou indiretamente a seu cargo, afronta tanto a
Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, quanto ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro
de 1940 - Código Penal (CP) ou leis especiais que definem crimes. Além de possível instância
civil (se o ato também causar prejuízo), este servidor, em tese, pode ser processado, de forma
independente, tanto pela instância administrativa (no rito da Lei nº 8.112, de 1990, podendo,
se for o caso, ser punido com advertência, suspensão, demissão, cassação de aposentadoria ou
destituição do cargo em comissão), quanto pela instância criminal (no rito do Decreto-Lei nº
3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal (CPP) ou no rito que porventura a
lei especial estabelecer, podendo, se for o caso, ser punido com multa, detenção e reclusão,
sendo as duas últimas espécies do gênero das penas privativas de liberdade).
De se mencionar ainda que a lei penal pode prever, como efeito acessório da
condenação (efeito este que pode ser automático ou não, dispensando ou não a expressa
manifestação do juiz na sentença, dependendo se a definição material do crime se encontra em
leis especiais ou no CP), a perda do cargo, para determinados crimes - comuns ou funcionais -
em que o agente criminoso seja servidor. Esta perda do cargo faz parte da decisão judicial e
não se confunde com a pena administrativa de demissão, tanto que se configura em exceção
de possibilidade de ato de vida privada (um crime comum praticado por servidor) ter
repercussão em sua vida funcional - mas não como resultado de processo disciplinar, pois a
perda de cargo é uma ordem judicial a ser cumprida imediatamente pela projeção de gestão de
pessoas, já devidamente amparada no rito da apuração criminal. A decretação judicial de
perda de cargo em decorrência de condenação penal não gera provocação para instauração de
processo disciplinar no sistema correcional, se configurando apenas no efeito acessório ao fim
do rico, cauteloso, contraditório e defensivista rito da ação penal, em que se tenha assegurado
ao agente todo o rol de garantias de defesa.
Conforme se abordará em 4.14.2 e em 4.14.3, os atos funcionais cometidos por
servidor que podem ser considerados crimes não serão administrativamente apurados como tal
- como crimes - em função da independência das instâncias, da harmonia entre os Poderes e
das competências exclusivas de cada Poder. Não se aceita que uma comissão disciplinar, na
indiciação ou no relatório de um processo disciplinar, enquadre o ato funcional infracional
339
que também configura crime no dispositivo da lei penal, sob pena de sobrestar a instância
administrativa até a manifestação definitiva da instância penal, exclusivamente competente
para tal. Mas isto não significa que tais atos restem impunes na instância administrativa. Ao
contrário, se o ato associado ao exercício do cargo público comporta tal gravidade e
reprovabilidade social a ponto de configurar crime, também configurará ilícito disciplinar e,
dentro desta definição e com o devido processo legal da Lei nº 8.112, de 1990, é que será
administrativamente apurado e, se for o caso, penalizado, com enquadramento em algum dos
incisos dos arts. 116, 117 ou 132 desta Lei.
Embora o ato funcional possa também configurar crime, à vista da independência das
instâncias, ele pode ser regularmente processado no âmbito da Administração, por uma
comissão disciplinar, julgado e, se for o caso, apenado pela autoridade administrativa
competente, antes mesmo de ser apreciado pelo Poder Judiciário, desde que devidamente
enquadrado na lei estatutária. Em outras palavras, quando o ilícito disciplinar também
configura crime, a apuração criminal não faz parte da abrangência objetiva do processo
disciplinar, mas a apuração administrativa da infração estatutária faz.
Como primeiros e destacados exemplos de ilícitos de natureza penal passíveis de
serem cometidos por servidores nesta condição (ou seja, restritivamente como agentes
públicos, em decorrência do exercício do cargo), citam-se os crimes contra a Administração
Pública dos arts. 312 a 326 do CP e os crimes contra a ordem tributária do art. 3º da Lei nº
8.137, de 27 de dezembro de 1990. Conforme melhor se detalhará em 4.7.4.1, todos estes
crimes são apuráveis judicialmente, por meio de ação penal pública, promovida pelo
Ministério Público Federal (MPF), nos moldes previstos no CPP (a Lei nº 8.137, de 1990,
definiu os crimes contra a ordem tributária como crimes a serem incluídos na lista dos crimes
contra a Administração Pública, do CP). Para estes crimes funcionais, o CP prevê a
possibilidade, na alínea “a” do inciso I do seu art. 92, de o juiz declarar a perda do cargo
quando condena a pena privativa de liberdade por um ano ou mais.
Estes exemplos merecem o destaque acima porque são os únicos crimes que
encontram excepcionalíssima previsão de enquadramento disciplinar e, embora de forma
muito rara, nos moldes do tópico supramencionado, até podem redundar em repercussão
estatutária, no inciso I do art. 132 da Lei nº 8.112, de 1990.
Ainda nesta linha, mas já sem previsão expressa na Lei nº 8.112, de 1990, é de se
mencionar os atos cometidos por servidor com abuso de autoridade, conforme definidos nos
arts. 3º e 4º da Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965. Esta Lei definiu uma série de atos
abusivos por parte das autoridades civis e militares, nos termos do seu art. 5º e estabeleceu
que eles podem redundar, de forma independente, em repercussões administrativa, civil e
penal.
Lei nº 4.898, de 1965 - Art. 3º Constitui abuso de autoridade qualquer
atentado:
a) à liberdade de locomoção;
b) à inviolabilidade do domicílio;
c) ao sigilo da correspondência;
d) à liberdade de consciência e de crença;
e) ao livre exercício do culto religioso;
f) à liberdade de associação;
g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;
h) ao direito de reunião;
i) à incolumidade física do indivíduo;
j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.
Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:
a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as
formalidades legais ou com abuso de poder;
b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento
não autorizado em lei;
340
Lei de Licitações e Contratos), que trata das licitações na Administração Pública. Embora esta
Lei, em vários dos dispositivos elencados entre seus arts. 89 a 98, tenha definido como crimes
determinados atos que são exclusivos do servidor (atuante em licitações) e tenha para eles
previsto, no art. 83, a perda do cargo como efeito automático da condenação judicial, não os
incluiu na definição de crimes contra a Administração Pública (conforme a Lei nº 8.137, de
1990, expressamente incluiu). Da mesma forma que a Lei nº 4.898, de 1965, a Lei n° 8.666,
de 1993, estabeleceu um rito penal específico, adotando o CPP apenas como fonte subsidiária.
Não obstante, um ato cometido por servidor civil federal que se amolda em uma das
definições de crime da Lei n° 8.666, de 1993, conforme o art. 82 desta Lei, pode acarretar, por
um lado, tanto o rito penal estabelecido naquele diploma legal (que pode redundar até na
perda do cargo, como efeito da decisão judicial) como, por outro lado, também o processo
disciplinar da Lei nº 8.112, de 1990, podendo ser enquadrado, por exemplo, nos incisos I, II,
III ou IX do art. 116, ou nos incisos IX ou XI do art. 117, ou nos incisos IV, IX ou X do art.
132 e, se for o caso, ser punível de acordo com o art. 127, todos do atual Estatuto até com
demissão.
Lei n° 8.666, de 1993 - Art. 82. Os agentes administrativos que praticarem atos
em desacordo com os preceitos desta Lei ou visando a frustrar os objetivos da
licitação sujeitam-se às sanções previstas nesta Lei e nos regulamentos
próprios, sem prejuízo das responsabilidades civil e criminal que seu ato
ensejar.
Art. 83. Os crimes definidos nesta Lei, ainda que simplesmente tentados,
sujeitam os seus autores, quando servidores públicos, além das sanções penais,
à perda do cargo, emprego, função ou mandato eletivo.
Mencionem-se ainda a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que definiu em seus arts.
3º a 14 e 20 os crimes resultantes de discriminação e de preconceito de diversas naturezas, e a
Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997, que em seus arts. 1º e 2º definiu o crime de tortura. Os
atos nelas definidos não são exclusivos de servidor público (sobretudo os da primeira Lei, em
que a maioria dos atos recaem sobre agentes particulares) e não se inserem em crimes contra a
Administração Pública. Nenhum destes dois diplomas legais estabeleceu rito específico e
ambos previram como efeito da condenação judicial, no caso de os atos nelas definidos serem
praticados por servidor público, a perda do cargo (efeito não automático na primeira e
automático na segunda).
Lei nº 7.716, de 1989 - Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes
resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional. (com a redação dada pela Lei nº 9.459, de 15 de maio de
1997)
Art. 16. Constitui efeito da condenação a perda do cargo ou função pública,
para o servidor público, e a suspensão do funcionamento do estabelecimento
particular por prazo não superior a três meses.
Art. 18. Os efeitos de que tratam os arts. 16 e 17 (vetado) desta Lei não são
automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.
Lei nº 9.455, de 1997 - Art. 1º Constitui crime de tortura:
I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-
lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de
terceira pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de
violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma
de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
§ 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a
interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.
343
Cita-se também a Lei nº 10.224, de 15 de maio de 1001, que incluiu o art. 216-A no
CP, tipificando, tanto em instância trabalhista privada como em seara pública, o crime de
assédio sexual. Sobre este tema, recomenda-se a leitura do Anexo III, que aborda as
conceituações de assédio moral e de assédio sexual e suas aplicações em seara pública.
CP - Art. 216-A. Constranger alguém com intuito de levar vantagem ou
favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior
hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou
função.
Novamente, é de se destacar que tais condutas funcionais elencadas nos arts. 312 a 326
do CP e nas Leis nº 8.137, de 1990, 4.898, de 1965, e 8.666, de 1993, bem como as condutas
descritas nas Leis nº 7.716, de 1989, e 9.455, de 1997, nas hipóteses de serem cometidas por
servidor no exercício do cargo, merecerão processamento administrativo disciplinar, podendo
se encontrar para elas enquadramentos nos arts. 116, 117 ou 132 da Lei nº 8.112, de 1990
(não devendo jamais os dispositivos do CP e destas Leis fazerem parte da indiciação e do
relatório da comissão disciplinar), sem prejuízo de independente ação penal.
intervalo temporal entre quando o fato supostamente ilícito foi cometido e quando se dá início
à sua investigação ou apuração no qual tenha havido alteração nos contornos da relação
jurídica mantida entre o servidor e a Administração. E, dependendo de especificidades do
caso concreto, pode-se fazer necessário superpor as duas análises e seus efeitos quando se
verificam simultaneamente tanto aspectos espaciais quanto temporais.
cumprir o dever de representar, de outro lado, pode haver diferenças na competência para
apreciar a representação (ou denúncia, se for o caso) e para decidir, em fase de
admissibilidade, pelo arquivamento ou pela instauração de processo disciplinar, cabendo aqui
um desdobramento. Em primeira hipótese, se a unidade de ocorrência do fato se situa na
mesma Região Fiscal (RF) da unidade de lotação (ou de exercício, se diferente) do
representado ou denunciado, a notícia da suposta irregularidade deve ser encaminhada
justamente ao Chefe do respectivo Escritório de Corregedoria (Escor) desta jurisdição, para
apreciação e decisão do juízo de admissibilidade, não se operando, neste caso, nenhuma
relevante especificidade. Mas se a unidade de ocorrência do fato se situa em outra RF
diferente daquela em que se situa a unidade de lotação (ou de exercício, se diferente) do
representado ou denunciado, a notícia da suposta irregularidade deve ser encaminhada ao
Chefe do Escor da jurisdição da unidade onde o servidor desempenha as atribuições legais do
seu cargo, para apreciação e decisão do juízo de admissibilidade, operando-se uma
diferenciação em relação à configuração comum e frequente.
Não havendo coincidência entre as jurisdições do local da ocorrência da suposta
irregularidade e da unidade de lotação (ou de exercício, se diferente, inclusive em casos de
exercício provisório e de ocupação de cargo em comissão) do acusado, este comando
normativo interno consagra a relevância concedida aos princípios da ampla defesa e do
contraditório - ainda que com alguma parcela de mitigação à presumida maior facilidade para
se coletar a prova no local onde ocorreu a suposta infração -, buscando propiciar ao servidor
maior proximidade com o processo e com a comissão e, em princípio, tentando evitar que este
tenha de arcar com ônus no acompanhamento processual, uma vez que não haveria amparo
em lei para que o ordenador de despesas autorizasse pagamento de passagens e diárias para
acompanhamento do processo que transcorresse fora de sua sede, conforme se aduzirá em
4.3.6.4.
De se ressaltar, no entanto, que nem mesmo esta sistematização de atribuir
competência instauradora ao Chefe do Escor da jurisdição da unidade de lotação (ou de
exercício, se diferente) do representado ou denunciado assegura a este a absoluta proximidade
com os autos e o poupa de eventuais custos para acompanhamento, pois pode ocorrer de a
unidade em que o servidor desempenhe suas atribuições legais não se situar na mesma
localidade em que se sedia o respectivo Escor, podendo haver, de toda forma, necessidade de
deslocamentos do acusado, às suas expensas, no curso da instrução processual. O que se pode
inferir é que, com o atual regramento, o risco de o acusado ter de suportar algum ônus
financeiro no acompanhamento processual restará minorado em comparação à regra de o
processo se vincular ao local da ocorrência do fato, pois é de se presumir que eventuais
deslocamentos se restringirão à abrangência geográfica de apenas uma RF (e há ainda a
possibilidade de emprego de videoconferência para realização de atos instrucionais e de
designação de secretário remoto na localidade de lotação - ou de exercício, se diferente - do
acusado, para fornecer-lhe acesso aos autos, além do uso do processo digital, com a adoção do
Sistema Processo Eletrônico pela corregedoria).
Já no que diz respeito ao julgamento em processo disciplinar originado por suposta
infração cometida em unidade da RFB, é de se afirmar que tal ato final do rito consubstancia
o próprio poder punitivo estatal e, como tal, indissociavelmente, vincula-se à jurisdição
hierárquica sobre a unidade de lotação (ou de exercício, se diferente, inclusive em casos de
exercício provisório e de ocupação de cargo em comissão) do servidor ao tempo de sua
emissão, conforme se antecipa entendimento da Advocacia-Geral da União (AGU),
reproduzido em 3.2.2.1.2 (Despacho do Advogado-Geral da União, de 09/05/06, que aprovou
a Nota Decor/CGU/AGU nº 16/2008-NMS e o Despacho Decor/CGU/AGU nº 10/2008-JD,
nos termos do Despacho do Consultor-Geral da União nº 143/2008). Assim, tanto no caso de
suposta infração cometida na própria unidade de lotação (ou de exercício, se diferente) quanto
no caso de infração cometida em unidade distinta de sua unidade de lotação (ou de exercício,
se diferente) e esteja este local do fato localizado na mesma RF ou não, inexiste dúvida de
346
fato de que as repercussões disciplinares se fazem sentir no cargo efetivo), tem-se que este
entendimento, ao expressar que o deslocamento da aplicação da pena (quando é o caso de
responsabilização) faz igualmente deslocar o indissociável julgamento, também se aplica para
as outras hipóteses em que o servidor mantém alguma espécie de vínculo jurídico-
administrativo de natureza temporária onde por ora desempenha suas atribuições legais e onde
comete a ilicitude, tais como quando se encontra em exercício provisório ou quando ocupa
cargo em comissão. E, se assim é mesmo em hipóteses de manutenção de vínculo temporário,
com maior certeza se afirma que o julgamento e o associado ato de aplicação da pena (quando
é o caso de responsabilização) se mantêm na instituição de origem nos casos estritamente
similares ao que fora objeto da Formulação Dasp nº 180, ou seja, em que o infrator comete o
ilícito em outro órgão público federal no qual não mantenha nenhuma forma de vínculo
jurídico-administrativo sequer de natureza temporária (em instituição na qual nem mesmo
esteja cedido ou em exercício provisório ou ocupando cargo em comissão), tendo cometido o
fato em momento e sob condições em que se encontrava ou por mera liberalidade pessoal ou
no máximo por estar cumprindo alguma determinação ou convocação de natureza imediata e
pontual de curta duração.
Para o caso concreto de servidores da Carreira Tributária e Aduaneira da Receita
Federal do Brasil (TARFB) atuando no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf -
que é um órgão colegiado, como segunda instância administrativa recursal em matéria
tributária autônomo em relação à RFB e diretamente vinculado ao Ministro de Estado da
Fazenda), na função pública de conselheiro representante da Fazenda Nacional, em dedicação
integral e exclusiva neste órgão colegiado, ou nele ocupando cargo em comissão ou função de
confiança, opera-se a alteração de exercício. Neste caso, a alínea “b” do inciso II do art. 8º do
Decreto nº 9.003, de 13 de março de 2017, estabelece que, mediante determinação do
Ministro de Estado da Fazenda, a competência instauradora em face destes servidores migra
para a Corregedoria-Geral do Ministério da Fazenda (Coger-MF) conforme já aduzido em
2.1.5.
Decreto nº 9.003, de 2017 - Art. 8o À Corregedoria-Geral compete:
II - instaurar e conduzir, de ofício ou por determinação superior, e decidir pelo
arquivamento, em sede de juízo de admissibilidade, de sindicâncias, inclusive
patrimoniais, e de processos administrativos disciplinares:
b) para apurar atos atribuídos aos titulares dos órgãos e aos conselheiros dos
órgãos colegiados do Ministério, por meio de determinação do Ministro de
Estado;
relação estatutária (de natureza laboral, pecuniária e previdenciária) regida pela Lei nº 8.112,
de 1990, firmada entre o servidor e a Administração. Dito isto, faz-se necessário analisar se
incidentes que possam ocorrer ao longo do tempo na vida funcional - variando desde aqueles
que preservam a íntegra dos vínculos estatutários, passando por outros que mantêm parte
destes vínculos e até atingir os que os rompem totalmente - repercutem na manifestação da
submissão ao regime e ao processo disciplinares e na competência correcional.
Ao asseverar que o processo disciplinar se reporta à situação funcional do tempo do
cometimento da suposta infração, antecipa-se, em leitura a contrario sensu, que a submissão
do agente ao regime disciplinar independe da condição em que se encontra o seu vínculo
estatutário com a Administração e da manutenção ou não da sua punibilidade ao tempo e ao
fim do processo.
Tendo-se então introduzido, de forma muito superficial, que, como regra, a
aplicabilidade do regime e do processo disciplinares se mantém na marcha temporal a
despeito de incidentes que possam ocorrer na vida funcional do agente, convém adentrar nas
peculiaridades de como ocorrências de tal natureza operam e se instrumentalizam
especificamente no âmbito da estrutura correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil
(RFB).
O assunto emerge por ser forçoso reconhecer que, apesar da determinação legal para
que se proceda à imediata apuração da suposta ilicitude (no caput do art. 143 da Lei nº 8.112,
de 1990), em geral, resta inevitável algum lapso de tempo entre o recebimento da
representação ou denúncia até a efetiva manifestação do juízo de admissibilidade, de instaurar
o processo disciplinar ou de arquivar o feito.
Em preliminar, ressalve-se e relembre-se, conforme a regra geral já exposta em 2.5.2,
que, não obstante este lapso temporal, caso, ao se emitir o juízo de admissibilidade, o servidor
ainda esteja lotado (ou em exercício, se diferente) na mesma unidade desde o tempo do
cometimento do fato supostamente irregular - lotação ou exercício que determinaram o
encaminhamento da representação ou da denúncia para o respectivo Escritório de
Corregedoria (Escor) -, cabe a esta mesma unidade correcional arquivar o feito ou instaurar o
rito disciplinar.
mesma esfera.
(Nota: O art. 231 do antigo Estatuto vedava a exoneração a pedido de acusado,
similarmente ao atual art. 172 da Lei nº 8.112, de 11/12/90.)
“Não há, contudo, obstáculo legal a que o acusado, na constância do processo,
seja exonerado, a pedido, de um cargo para ocupar outro da mesma esfera de
governo, desde que continue vinculado ao mesmo regime disciplinar, ainda que
se trate de órgão da Administração indireta.
A possibilidade de exoneração a pedido, nesses casos, escuda-se no fato de que,
vindo o funcionário a ser punido, a reprimenda resultante poderá alcançar-lhe
no novo cargo, que é, sem dúvida, o escopo principal a que visa o art. 172 da
Lei n° 8.112/90.” José Armando da Costa, “Teoria e Prática do Processo
Administrativo Disciplinar”, pgs. 212 e 213, Editora Brasília Jurídica, 5ª
edição, 2005
ainda para ser apreciada ou até mesmo já acatada pelo respectivo Chefe do Escor, porém sem
ter sido efetivamente instaurado o rito disciplinar. Mesmo neste caso, a fase de
admissibilidade deve ser transladada para o Escor da nova jurisdição do servidor, a fim de que
o respectivo Chefe reavalie todos os elementos autuados, seja acatando os trabalhos
porventura existentes, seja complementando-os, se entender pertinente, promova as suas
análises ou ratifique as anteriores e, ao final, forme sua própria convicção e emita a decisão
para a qual passou a ser competente, de arquivar o feito ou de instaurar o rito disciplinar.
Destaque-se que tal recomendação em nada prejudica o interesse do servidor, visto que, diante
de uma proposta ou até mesmo de um acatamento por parte do Chefe do Escor de origem a
favor da instauração, a reanálise no Escor de destino somente possibilitará duas hipóteses: ou
de alterar para melhor o encaminhamento, procedendo ao arquivamento, ou de manter o
encaminhamento que já existia, de instaurar a instância disciplinar, restando impossível
decorrer qualquer decisão que agrave contra o servidor em comparação ao cenário anterior.
A rigor, também se deve mencionar a hipótese de, já após o servidor estar lotado (ou
em exercício) em unidade de outra RF, terem sido encerradas no Escor da jurisdição de
origem todas as investigações em fase de admissibilidade, com proposta de arquivamento mas
esta ainda não ter sido apreciada pelo respectivo Chefe. Neste caso, além de, em razão de o
lapso temporal entre a proposta e a efetiva decisão costumar ser menor, tal hipótese se
demonstrar menos frequente que a de uma proposta de instauração estar aguardando a
viabilidade de ser concretizada, é de se somar que, na prática, convém que o Chefe do Escor
da jurisdição de origem, diante da notícia de alteração de RF do servidor, aprecie
prementemente a proposta e, na presunção de normalidade e de qualidade dos trabalhos, a
acate e promova o efetivo arquivamento. O mesmo se aplica para o caso ainda mais
excepcional de a decisão pelo arquivamento já ter sido manifestada pelo Chefe do Escor da
jurisdição de origem mas os autos ainda se encontrarem nesta unidade correcional, sem o
efetivo encaminhamento para o Arquivo Geral.
Acrescente-se a hipótese de ser o investigado inativo ou ex-servidor: nestas situações
casos, a fase de admissibilidade (e também o processo disciplinar decorrente, se for o caso)
deve ser deflagrado (e permanecer, mesmo que este mude seu domicílio para outra jurisdição)
na alçada do Escor que jurisdicionava sua última unidade de lotação (ou de exercício, se
diferente), conforme determina o § 7° do art. 2° da Portaria RFB n° 6.483, de 2017.
Por fim, obviamente, na hipótese de fase de admissibilidade já definitivamente
encerrada no Escor da jurisdição de origem e arquivados os autos, não cabe, acerca dos
mesmos fatos constantes da representação ou da denúncia já apreciada - salvo a hipótese de
surgimento posterior de novos fatos ou de novas provas - nenhuma iniciativa por parte do
Escor da jurisdição de destino com vista a reanalisar o caso e muito menos a reformar aquela
decisão, conforme o § 8º do art. 2º da Portaria RFB nº 6.483, de 2017.
Na acepção didática que aqui se quer dar - a ser complementada com a recomendada
leitura de 3.2.4.2, onde o termo é retomado já sob outro enfoque e para outro fim -, tem-se por
ora que o conceito de “servidor”, cabível na expressão “agente público”, compreendido como
aquele investido em cargo público regido pela Lei nº 8.112, de 1990, abarca um gênero que se
desdobra em duas espécies, a saber, servidor ativo e servidor inativo. Embora se possa causar
um leigo e imediato estranhamento com a segunda espécie, ratifique-se que, juridicamente,
existe sim a expressão “servidor inativo”, já que o caput do art. 230 daquela Lei expressa tal
divisão, ao mencionar “(...) servidor, ativo ou inativo, (...)”. E, antecipando o que se exporá
naquele mencionado tópico, uma vez que a citada Lei contempla cargos públicos de
provimento efetivo e de provimento em comissão, pertine expor desde já que a qualidade de
servidor ativo se aplica a ocupante tanto de cargo de provimento efetivo quanto de cargo de
provimento em comissão, enquanto a qualidade de servidor inativo aplica-se apenas a quem
ocupou cargo de provimento efetivo, não havendo que se cogitar de inatividade decorrente de
provimento comissionado.
Daí, desdobre-se que o servidor ativo concentra o foco de interesse e de incidência da
Lei nº 8.112, de 1990, como o elemento subjetivo da imensa maioria dos seus dispositivos, e
significa o servidor em plena atividade, exercendo as atribuições do seu cargo, sob a sujeição
da integralidade dos vínculos estatutários que ligam o agente público à Administração, quais
sejam, de sua relação de trabalho recompensado com a prestação estatal remuneratória e com
o plano de securidade social (vínculos estatutários laboral, pecuniário e previdenciário).
Embora, a rigor, o gênero “servidor” se desdobre em ativo e em inativo, percebe-se
claramente da leitura sistemática de toda a Lei nº 8.112, de 1990, que o texto legal toma a
espécie “ativo” como padrão, como défault qualificador segundo o qual se deve subentender o
termo “servidor” a síntese da expressão “servidor ativo”, não repetida apenas por economia de
forma, já que o conteúdo concreto da maioria dos comandos deixa claro se reportar a quem
está em plena atividade. Em outras palavras, mais do que condensar a imensa maioria das
menções legais, a espécie “ativo” é subentendida no silêncio do termo positivado
genericamente apenas como “servidor”. No sentido oposto, quando se faz necessário, o
legislador deixa claro no texto que se reporta apenas ou também ao servidor inativo.
Nas inúmeras vezes em que a Lei nº 8.112, de 1990, menciona apenas “servidor”, pela
leitura do contexto, percebe-se sempre que ali se menciona o servidor na atividade, estando
expressas na Lei as menções também ou apenas ao inativo. Exemplos bastante elucidativos do
que se expõe acima coletam-se com as leituras do parágrafo único do art. 157 e do inciso I do
art. 173, ambos daquela Lei. Onde se diz que “Se a testemunha for servidor público, a
expedição do mandado [para testemunhar] será imediatamente comunicada ao chefe da
repartição onde serve (...)” e que “Serão assegurados transporte e diárias: ao servidor
convocado para prestar depoimento fora da sede de sua repartição, na condição de
testemunha, denunciado ou indiciado”, claramente se emprega o termo genérico “servidor” no
sentido restrito de ativo, pois, do contrário, não faria sentido mencionar seu “chefe da
repartição” e a “sede da repartição”.
De outro lado, contraponha-se que o servidor inativo, apenas eventual e expressamente
mencionado no texto da Lei nº 8.112, de 1990, ainda preserva parte do vínculo estatutário,
pois se, sob condição da inatividade, não mais mantém a relação laboral, ainda se liga à
Administração pelos vínculos pecuniário e previdenciário. Por sua vez, o servidor inativo se
subdivide em duas subespécies, quais seja, o aposentado e o posto em disponibilidade, em que
as respectivas relações de inatividade se diferenciam por uma ser a priori definitiva e a outra
ser desde sempre temporária.
O servidor inativo aposentado aufere, sob diferentes condicionantes jurídicas
(voluntária ou compulsoriamente, por decurso de período contributivo ou por acometimento
de moléstia invalidante ou por atingimento de idade máxima), o direito à inatividade
remunerada por intermédio do provento de aposentadoria. E esta condição, a priori, a menos
361
destes agentes limita-se ao caput do art. 134, que comanda que “(...) a demissão, ou a
destituição de cargo em comissão (...) incompatibiliza o ex-servidor (...)”. Mesmo sem
mencionar o agente que teve a aposentadoria ou a disponibilidade cassada, constrói-se
facilmente a interpretação que todos os agentes punidos com penas expulsivas são espécies de
ex-servidor.
Ressalve-se que o agente que teve a aposentadoria ou a disponibilidade cassada
poderia ser denominado de “ex-inativo”. Além de a Lei nº 8.112, de 1990, não empregar este
termo em nenhum de seus dispositivos, não é juridicamente errado incluir este apenado no
gênero “ex-servidor”, pois é certo que o inativo aposentado e o inativo em disponibilidade
eram servidores.
Os conceitos materiais das penas de demissão, de cassação de aposentadoria ou
disponibilidade e de destituição de cargo em comissão e a reprodução dos respectivos
comandos legais, que foram apenas mencionados no parágrafo acima, estão detalhados em
4.10.2.5, a cuja leitura se remete, para evitar desnecessária repetição.
Complementa-se a leitura deste tema em 4.10.2, onde se apresentará a relação de
penas cabíveis a cada espécie de aqui definida de elemento subjetivo (servidor ativo com
desdobramentos das diversas espécies já mencionadas em 3.2.4.2.1 de seu provimento,
servidor inativo aposentado, servidor inativo em disponibilidade e ex-servidor).
E a segunda forma de total rompimento daquele vínculo estatutário se dá por meio do
instituto da exoneração, que pode se dar a pedido ou de ofício, conforme as previsões dos arts.
34 e 35 da Lei nº 8.112, de 1990 (ainda há duas outras previsões constitucionais de
exoneração de ofício, uma de acordo com o inciso III do § 1º do art. 41, em conjunto com o
caput e com o parágrafo único do art. 247, e outra de acordo com o inciso II do § 3º do art.
169, todos da Constituição Federal - CF, e com a redação dada pela Emenda Constitucional -
EC nº 19, de 4 de junho de 1998), e que não possui natureza punitiva mas sim se inclui como
ato de livre arbítrio do agente ou como ato da competência da gestão de pessoas.
Reconheça-se que, a rigor, não há na Lei nº 8.112, de 1990, menção expressa a
exonerado que o relacione com a condição de ex-servidor, mas é perfeitamente compreensível
da inteligência sistemática da Lei que todas as hipóteses de exoneração de ofício e as
hipóteses de exoneração a pedido que não decorram de posse em outro cargo inacumulável
também regido pela mesma Lei rompem todas as espécies de vínculo estatutário do agente
com a Administração de forma que exonerado é uma espécie de ex-servidor. Por óbvio, a
exoneração de que aqui se trata não se confunde com a exoneração para posse em outro cargo
inacumulável regido pela Lei nº 8.112, de 1990 e mencionada em 3.2.2.2.1 e na manifestação
do Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp) exarada em sua Formulação Dasp
nº 1.
Os conceitos materiais das diferentes espécies de exoneração e a reprodução dos
respectivos comandos constitucionais e legais, que foram apenas mencionados no parágrafo
acima, estão detalhados em 4.10.2.6, a cuja leitura se remete, para evitar desnecessária
repetição.
Apresentada a diferença fundamental de que inativo ainda mantém algum grau de
vínculo estatutário (pecuniário e previdenciário) enquanto ex-servidor em nada mais se
vincula com a Lei nº 8.112, de 1990, e destacado que inativo não é o mesmo que ex-servidor e
que os dois conceitos não guardam nenhuma relação (nem de sinônimo e nem de espécie e de
gênero), ressalte-se o que lhes resta de traço comum. Mesmo já na condição de inativo ou de
ex-servidor, ambos agentes ainda podem se sujeitar ao regime a o processo disciplinares em
virtude fato presumida e precipuamente grave, ensejador de pena expulsiva, cometido ao
tempo da atividade (sendo certo que, para a espécie de ex-servidor já expulso, se cogitará de
um segundo PAD).
À vista então do exposto acima, apenas com o fim de firmar convenções
363
economicidade e eficiência, com o quê resta defensável que tais específicas persecuções
disciplinares somente se justificam à vista de notícia de fato grave, não soando razoável
instaurar processo disciplinar para apurar infração de leve ou mediana gravidade sabidamente
punível com pena de advertência ou de suspensão em face de inativo, contra quem não há
previsão legal sequer para converter pena de suspensão em multa sobre provento de
aposentadoria ou sobre remuneração da disponibilidade, conforme se abordará em 4.10.2.
Superada esta análise pragmática de relevância, uma vez que, para as duas espécies de
inatividade (aposentadoria e disponibilidade), são legalmente aplicáveis o regime e o processo
disciplinares no âmbito do sistema correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil
(RFB) e como a regra geral do ordenamento interno dissocia a competência instauradora do
local de ocorrência da suposta ilicitude, para se esclarecer sobre que autoridade recai a
competência correcional em tais casos, deve-se buscar solução que se harmonize com a
inteligência de que o ordenamento vigente busca propiciar proximidade entre o servidor e as
instâncias investigativa e disciplinar.
Neste rumo, para os casos acima, de excepcional persecução disciplinar mesmo com o
servidor já na inatividade, não fazendo sentido se perquirir qual a unidade de lotação (ou de
exercício) e, consequentemente, qual o seu domicílio necessário ao tempo da emissão do juízo
de admissibilidade, da instauração e ao final do processo disciplinar, a interpretação que se
mostra mais razoável é presumir que, em geral, o inativo permanecerá na mesma localidade
em que se operaram a vacância do cargo por aposentadoria (espécie prevista no inciso VII do
art. 33 da Lei nº 8.112, de 1990) ou a pouco comum disponibilidade e se eleger que a
competência para decidir pelo arquivamento do feito ou para instaurar o rito apuratório e, no
que couber, para proceder ao julgamento cabe ao respectivo Chefe de Escritório de
Corregedoria (Escor) da jurisdição da última unidade de lotação (ou de exercício, se diferente)
do agente.
Assim se um servidor comete uma suposta irregularidade ao tempo em que se
encontrava em atividade no âmbito da RFB e vem a ser objeto de representação ou denúncia
já após a ter auferido aposentadoria ou ter sido posto em disponibilidade, a priori, a
competência correcional recai sobre o Chefe do respectivo Escor da jurisdição da sua última
unidade de lotação (ou de exercício, se diferente), por se presumir que, em regra geral,
manterá seu domicílio na mesma localidade. E mesmo se, já em fase de admissibilidade, o
inativo esteja domiciliado em localidade de outra jurisdição, de diferente Região Fiscal (RF),
na ausência de regramento expresso e específico e não cabendo submeter a Administração a
eventuais decisões de mero foro pessoal daquele que já não mais tem sua permanência em
uma localidade determinada pelo exercício de suas atribuições legais, deve se manter a
competência correcional na alçada do Chefe do Escor da jurisdição da sua última unidade de
lotação (ou de exercício, se diferente).
Na mesma toada, se a mudança de domicílio, para localidade situada em diferente RF,
se dá já após encerradas as investigações mas antes da decisão do juízo de admissibilidade ou
antes da efetiva instauração do processo disciplinar, as competências de natureza correcional
para arquivar o feito ou para instaurar o rito disciplinar devem ser mantidas na alçada do
mesmo Chefe do Escor da jurisdição da sua última unidade de lotação (ou de exercício, se
diferente).
Ainda em linha de analogia, caso o inativo altere seu domicílio para localidade situada
em diferente RF já no curso do inquérito administrativo, as competências de natureza
correcional devem ser mantidas na jurisdição onde o processo disciplinar foi instaurado,
sequer se cogitando de o Chefe de Escor que instaurou o rito disciplinar provocar o
Corregedor acerca da pertinência de a apuração migrar para o Escor da jurisdição da
localidade de destino. Tampouco se cogita de se migrarem as competências associadas a
julgamento - a menos, por óbvio, de julgamento que extrapole a competência daquela
autoridade, conforme se aduzirá em 4.10.3.
365
Ressalve-se que não se cogita de execução da pena porventura julgada cabível (a qual,
à vista do viés pragmático com que tais instaurações e processamentos atípicos devem ser
compreendidos, praticamente restringe-se à pena expulsiva) porque, quando um ex-servidor
detentor de cargo efetivo se exonera a pedido ou é exonerado de ofício antes do processo
disciplinar ser instaurado ou, mais excepcionalmente, julgado - diferentemente de quando a
hipótese recai sobre um servidor apenas comissionado e não detentor de cargo efetivo, para o
qual o parágrafo único do art. 135, combinado com o art. 35, ambos da Lei nº 8.112, de 1990,
prevê que a exoneração seja convertida em pena de destituição de cargo em comissão -, não
há previsão legal para similar conversão, nem mesmo na hipótese de conduta grave
merecedora de sanção capital (a única ressalva é da previsão legal de conversão, em
demissão, da exoneração de ofício, de servidor efetivo, em razão da não satisfação das
condições do estágio probatório quando o agente também responde disciplinarmente,
conforme o parágrafo único do art. 172, combinado com o inciso I do parágrafo do art. 34,
ambos da Lei nº 8.112, de 1990, à vista do que se descreverá em 4.10.2.6), como também
entende a doutrina. Fora esta hipótese residual, por inequívoca atenção à garantia
constitucional de que não há pena sem previsão legal, não há que se cogitar de qualquer
tentativa de estender aquele comando do parágrafo único do art. 135 da Lei nº 8.112, de 1990,
para o servidor efetivo estável previamente exonerado. A priori, o remédio jurídico
imediatamente encontrado no ordenamento é aquele prescrito no caput do art. 172 da Lei nº
8.112, de 1990, que veda a exoneração a pedido no curso do processo disciplinar.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 34. A exoneração de cargo efetivo dar-se-á a
pedido do servidor, ou de ofício.
Parágrafo único. A exoneração de ofício dar-se-á:
I - quando não satisfeitas as condições do estágio probatório;
II - quando, tendo tomado posse, o servidor não entrar em exercício no prazo
estabelecido.
Art. 35. A exoneração de cargo em comissão e a dispensa de função de
confiança dar-se-á: (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10 de dezembro de
1997)
I - a juízo da autoridade competente;
II - a pedido do próprio servidor.
Art. 135. A destituição de cargo em comissão exercido por não ocupante de
cargo efetivo será aplicada nos casos de infração sujeita às penalidades de
suspensão e de demissão.
Parágrafo único. Constatada a hipótese de que trata este artigo, a exoneração
efetuada nos termos do art. 35 será convertida em destituição de cargo em
comissão.
Art. 172. O servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser
exonerado a pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do
processo e o cumprimento da penalidade, acaso aplicada.
Parágrafo único. Ocorrida a exoneração de que trata o parágrafo único, inciso
I, do art. 34, o ato será convertido em demissão, se for o caso.
“(...) é possível [transformar exoneração em demissão] quanto ao ocupante de
cargo em comissão que não seja titular de cargo efetivo, mas não ao ex-
servidor que ‘antes mesmo da abertura de inquérito administrativo, já fora
exonerado a pedido’ (Parecer Colepe/Dasp, Proc. nº 763/70, apr. 28.04.70).
‘Impossível tornar-se sem efeito a exoneração regular de funcionário para
aplicar-lhe a pena de demissão’ (Parecer Colepe/Dasp nº 586/70, apr.
28.04.70).” Antônio Carlos Palhares Moreira Reis, “Processo Disciplinar”,
pgs. 285 e 286, Editora Consulex, 2ª edição, 1999
Não obstante, o fato apurado em face do ex-servidor exonerado, dependendo de sua
gravidade, pode acarretar, como medidas cautelares ou como efeitos acessórios da
condenação, repercussões como indisponibilidade de bens, reparação de prejuízo,
representação penal ou vedação temporária ou definitiva de retorno a cargo e/ou emprego
públicos federais (nos termos dos arts. 136 e 137 da Lei nº 8.112, de 1990), conforme
370
4.10.6.6, 4.14.1 e 4.14.2. É para a concretização de tais efeitos acessórios que se publica a
portaria punitiva em face do ex-servidor, sem deixar de fazer remissão à sua condição de
exonerado, de forma que a Administração, a partir daí, possa ter meios de frustrar intenção de
retorno em caso de nova investidura, seja decorrente de aprovação em concurso, seja apenas
comissionada, bem como de tomar aquelas medidas cautelares. Portanto, a publicação formal
da portaria punitiva se justifica e se destaca, sobretudo em casos de condutas graves, puníveis
com pena expulsiva, não só para tornar o ato jurídico perfeito e acabado, afastando alegação
de prescrição da punibilidade, mas também para que se agreguem os cabíveis efeitos
acessórios. A pena imposta, ainda que não seja executada, já é suficiente para se afaste a
prescrição e para que os efeitos acessórios da condenação se aperfeiçoem e se tornem
aplicáveis - destacadamente a vedação temporária ou definitiva a cargo e/ou emprego
públicos federais -, pois tais decorrências independem da execução da pena julgada cabível.
Ainda maiores ressalvas merece a hipótese de ex-servidor exonerado a pedido ou de
ofício da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) e de quem se tem notícia de
cometimento de suposta irregularidade ao tempo em que integrava este quadro e que, ao
tempo da emissão do juízo de admissibilidade, ocupe ou passe a ocupar, no curso do
processamento, outro cargo público federal, regido por lei ou estatuto próprio diferente da Lei
nº 8.112, de 1990, ou até mesmo outro cargo público, de esfera estadual ou municipal. Ainda
que neste caso se demonstre relevante que a estrutura correcional da RFB aprecie notícia da
suposta irregularidade e, dependendo da gravidade da conduta, até instaure e movimente a
devida apuração em face do seu ex-servidor, além de permanecer a ressalva de inviabilidade
jurídica de conversão da exoneração em pena expulsiva, acrescente-se que, após o inquérito
administrativo, falecendo competência para a autoridade correcional em âmbito federal,
subordinada à Lei nº 8.112, de 1990, proceder ao julgamento de agente que não mais se insere
em sua linha de subordinação e tampouco estando a correspondente autoridade daquele outro
ente federado vinculada ao rito processual estabelecido pela citada Lei, cabe apenas àquela
autoridade, após suas diligências cautelares e acessórias, encaminhar a esta a notícia do
resultado das apurações.
abordagem do tema, que seu entendimento se aplica a servidor por ele próprio classificado
como “elemento inescrupuloso e ímprobo”, o que permite denotar que toda sua construção
acerca do que ele denomina de infrações externas se concentra em atos de forte grau de
ofensividade e de repulsa social, como, por exemplo, a improbidade administrativa, inferindo-
se provavelmente não se contar com este seu magistério para condutas de menor gravosidade.
Por sua vez, o segundo autor ressalvou a inviolabilidade de parcelas garantidas de liberdade
pessoal e de privacidade da pessoa. Em outras palavras, deve-se ter em mente que a
possibilidade de entendimento extensivo das vinculações estatutárias aos atos de vida privada
em sentido amplo é ponderada por efetivos freios e contrapesos, admitidos mesmo por
aqueles que a defendem, indicando desde já que tal aplicação deve ser, no máximo, residual e
excepcional.
sua parte final, excepcionalmente, permite leitura a contrario sensu de que também se cogita
de reflexo disciplinar para atos que, mesmo cometidos fora do espaço e do tempo do exercício
da função pública (ou seja, além dos limites físicos da repartição e do horário de jornada de
trabalho, e até mesmo em gozo de férias, de licenças ou de outros regulares afastamentos,
conforme se aduzirá em 3.2.5), guardem relação ao menos indireta com o cargo que ocupa ou
com suas atribuições legais ou com o órgão onde é lotado ou que de alguma forma neles
interfira ou com eles se relacionem. É nesta interpretação extraída da parte final do art. 148 da
Lei nº 8.112, de 1990, que então, reside o amparo legal para se cogitar de excepcional
repercussão disciplinar para atos cometidos pelo servidor em sua vida privada.
Pública, com a instituição ou com o cargo. Ou seja, ainda que cometidos por servidor inserido
na abrangência subjetiva, não satisfazem à abrangência objetiva da matéria disciplinar do
Estatuto. Por este motivo, não deve interessar à Administração a vida pessoal de seus
servidores, seus deslizes de comportamento, seus vícios e suas falhas inerentes à condição
humana de forma geral, afastando-se de plano da incidência disciplinar quaisquer atos de tais
naturezas e que em nada se relacionem com a função pública, não obstante poderem ser
criticáveis sob outras óticas éticas, sociais ou jurídicas. Como regra, o desvio no
comportamento exclusivamente pessoal, sem qualquer correlação com o cargo, pode importar
crítica à luz de códigos de ética ou de conduta, que não se confundem com normas
disciplinares, ou podem acarretar repercussão civil ou até penal, mas não provocam
responsabilização administrativa, apurável por meio de processo disciplinar. É certo que o
excepcional alcance do regime disciplinar sobre atos de vida privada, por ampliar o controle
estatal além dos deveres e obrigações funcionais, deve ser compreendido de forma restritiva.
Assim, além da óbvia previsão em lei (que, no foco de interesse, se admite na parte
final do art. 148 da Lei nº 8.112, de 1990), como primeiro condicionante fático a se analisar
antes de se cogitar de repercussão disciplinar para ato cometido em vida privada do servidor,
é necessário que tal conduta mantenha algum grau de vinculação com as atribuições legais do
cargo. Sendo aquele ato cometido pelo servidor em condições totalmente dissociadas, alheias
e à margem do cargo que ocupa ou de suas atribuições legais ou ainda podendo aquele mesmo
ato ser igualmente cometido por um particular qualquer, independentemente da condição
especial de ser servidor, não há que se cogitar de repercussão disciplinar, conforme amparam
a jurisprudência e a doutrina.
TRF da 1ª Região, Apelação em Mandado de Segurança nº 1999.01.00.061930-
0: “Ementa: 1. O art. 143 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, prevê: ‘A autoridade
que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a
sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo
disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa’. Assim, o fato gerador para
abertura de sindicância ou processo administrativo é a ciência de
irregularidade no serviço público, não se estendendo a fatos da vida privada,
ocorridos em uma partida de futebol, sem qualquer relação ou repercussão no
exercício da função pública. 2. Na hipótese dos autos, a sindicância foi
desvirtuada de sua natural finalidade, para punir servidor público que não
cometeu nenhuma irregularidade no exercício de suas funções. Instauração de
sindicância nula.”
“O que deve ser cotejado, portanto, é a relação direta de prejuízo entre a
conduta privada, se manifestamente incompatível com os valores esperados dos
titulares de cargos na Administração Pública, e sua imediata vinculação com
as atribuições funcionais do servidor. (...)
Isto é, a excepcional responsabilização do agente público transgressor, em
razão de ato praticado fora do exercício da função administrativa, depende de
o ilícito guardar pertinência com as específicas atribuições funcionais do cargo
ocupado pelo servidor faltoso, do que segue o raciocínio, a contrario sensu, de
que não caberá punição disciplinar, em princípio, por conduta inteiramente
alheia às competências do posto titularizado pelo transgressor e que não
implique atentado contra a Administração Pública, ou ao menos que não
evidencia que o agente esteja moralmente impossibilitado de prosseguir no
desempenho de seus específicos misteres administrativos. (...)
Muita ponderação e cautela devem presidir a apreciação concernente à
repercussão administrativa da conduta da vida privada do servidor público. Só
em casos inquestionáveis de prejuízo para a atividade funcional ou o prestígio
direto do funcionário em face das atribuições específicas de seu cargo,
prejudicadas pela ação consumada no âmbito particular, é que se pode discutir
eventual apenação disciplinar.” Antonio Carlos Alencar Carvalho, “Manual de
Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância”, pgs. 132, 133, 136 e 137,
Editora Fortium, 2008, 1ª edição
377
extensão do regime disciplinar à esfera da vida particular não como regra mas sim como
exceção. A responsabilização disciplinar por ato cometido fora do exercício do cargo é legal,
porém residual e excepcional.
3.2.3.1.4 - O Enfoque Delimitado com que Deve Ser Entendida a Exigida Moralidade
Administrativa
E de outra forma não se poderia sedimentar o entendimento do tema, visto que é
cediço o limite de separação entre a matéria ético-moral (e aqui desde logo se manifestam a
desnecessidade, o desinteresse e mesmo a incapacidade em aprofundar o debate em bases
filosóficas de diferenciação entre ética e moral), de que comumente se pode permear a vida
pública, e a matéria jurídica, que informa o regime disciplinar.
Qualquer aplicador do regime disciplinar encartado na Lei nº 8.112, de 11 de
dezembro de 1990, de imediato percebe que as excepcionais e residuais críticas sob ótica
funcional que possam se impor sobre atos de vida privada, muito comumente, tangenciam a
discussão acerca da moralidade ou não de tais condutas sob análise. Isto de fato ressurge
como enfoque a priori para a matéria porque, a reboque do já mencionado dispositivo
delimitador do art. 148 daquela Lei, o mesmo diploma legal impõe aos servidores vinculados
o dever funcional, litteris, de “manter conduta compatível com a moralidade administrativa”,
no inciso IX do seu art. 116. Sem que aqui se afaste a possibilidade de se ter outro
enquadramento para atos de vida privada alcançáveis pelo regime disciplinar, sem dúvida, o
que se demonstra mais factível é aquele que encarta a crítica a uma conduta tida como imoral
por parte do servidor, a que a doutrina especializada chama de “infrações morais”, ao mesmo
tempo em que adverte quanto à cautela que se deve ter sobre o tema.
“Desde logo, cabe aduzir que existem limites materiais de tipificação dos
comportamentos, construindo-se os tipos na base dos valores e princípios
constitucionais, das liberdades públicas e dos direitos fundamentais da pessoa
humana. É na exemplificação dos processos tipificatórios que pretendo abordar
o problema das chamadas ‘infrações morais’, categorias tão presentes em
ordenamentos jurídico-administrativos, estatutos disciplinares e legislação
extravagante. É um tema atual, portanto. Mais ainda, é um tema relevante,
porque envolve a produção de um raciocínio jurídico lastreado na defesa de
direitos fundamentais, que não podem ser afetados indevidamente pela
pretensão punitiva do Estado, ainda que esta venha veiculada em esferas de
relações de especial sujeição entre o Poder Público e o infrator. (...)
No Direito Penal é antiga a discussão a respeito da criminalização das chama-
das ‘infrações morais’, e esses crimes têm merecido repúdio das legislações e
doutrinas mais modernas. (...)
Se para o Direito Penal essas considerações parecem pertinentes, creio que
também ao Direito Administrativo, em sua medida, se revelam adequadas as
mesmas cautelas. O Direito Administrativo não pode qualificar de ilícita uma
conduta tão somente porque se revele eventualmente atentatória ao juízo de
moralidade comum, porque tal perspectiva abriria um vasto campo de
insegurança jurídica, desmoronando o pilar de legalidade que sustenta o
Estado de Direito. Não creio que isso seja possível. (...)
Nesse contexto, sabe-se que a moralidade protegida pelo Direito insere-se no
campo da Ética pública, diferenciando-se da ‘Ética privada’. (...). O Direito é o
campo por excelência da Ética pública. Por tal motivo, as normas jurídicas não
devem adentrar o campo privado dos comportamentos imorais, eis um outro
pilar da autonomia destas instâncias de controle. Preceitos morais, no entanto,
tratando de condutas privadas de pessoas, incorporados ao Direito numa
perspectiva de Ética pública, não constituem uma raridade jurídica. Pelo
contrário, no setor público são comuns as iniciativas de normatização de
comportamentos imorais situáveis ordinariamente na esfera privada dos
indivíduos.
381
análise. O que se quer, e nisso se deve insistir, é a garantia de que o foro íntimo
do indivíduo não seja punido, compreendendo-se esse foro íntimo a partir de
seus desdobramentos em diversos estilos de vida.” Fábio Medina Osório,
“Direito Administrativo Sancionador”, pgs. 288 a 297, Editora Revista dos
Tribunais, 2ª edição, 2005
Neste enfoque, é de se buscar a correta interpretação não só da literalidade específica
do inciso IX do art. 116 da Lei nº 8.112, de 1990, mas, sobretudo, de como a Lei,
sistematicamente, neste tema, considera o termo “moralidade”. A simples leitura do
dispositivo legal demonstra que a vontade da Lei não é de abarcar no regime disciplinar do
servidor qualquer ato que afronte o sentido mais amplo de moral. A Lei foi expressa em punir
a conduta incompatível com a moralidade administrativa, em espécie, e não a moral social
como um todo.
E andou bem o legislador ordinário neste ponto, ao inserir no regime disciplinar um
reflexo imediato do princípio da moralidade, encartado no art. 37 da Constituição Federal
(CF), uma vez que o legislador constituinte, em boa hora compreendeu que, embora haja
distinção entre valores ético-morais e ciência jurídica, é pacífico que os preceitos éticos
sempre permearam, como repercussão das vontades sociais, os institutos do Direito e a
positivação das normas. À vista da harmônica convivência autônoma dos princípios
constitucionais da legalidade e da moralidade, é certo que a atividade pública tem sua
validade simultânea e cumulativamente subordinada ao Direito e à moral, vez que não se
confundem licitude e honestidade, conforme melhor se exporá em 3.3.1.6. Mas aqui não se
cuida da moral comum, imposta ao homem em sua vida privada, mas sim da moral jurídica,
imposta ao agente público em seu múnus oficial. Daí porque a Lei refletiu o princípio
constitucional da moralidade em dever funcional de manter conduta compatível com a
moralidade administrativa.
A cautela se faz por demais necessária, primeiramente porque, em um extremo, não se
poderia cogitar de repercussão disciplinar à vista de preceitos éticos, religiosos, sociais,
culturais, políticos, geográficos ou temporais (enfim, de conceitos fortemente subjetivos e
mutáveis) e de intromissão da Administração nas parcelas constitucionalmente protegidas de
intimidade, de privacidade e de liberdade de pensar, de se manifestar e de se associar, dentre
outros, de cada um. E, por outro extremo, tem-se certo que, na instância jurídica, os atos
funcionais eivados de dolo e de má-fé e objeto de maior grau de repulsa e ofensividade, tais
como aqueles geradores de enriquecimento ilícito, de dano ao erário ou de afronta a princípios
reitores da Administração, podem importar nas mais gravosas repercussões cíveis, inclusive
disciplinar (e provavelmente também penais), se configurarem improbidade administrativa. A
improbidade administrativa é considerada uma imoralidade administrativa qualificada, ou
seja, uma espécie qualificada da conduta incompatível com a moralidade administrativa, nos
termos da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 (a chamada Lei de Improbidade
Administrativa), conforme a linha doutrinária.
“Não há, em realidade, homens perfeitos que escapem, ao longo da vida, de
toda e qualquer ilegalidade. Não há pessoa que, ao longo da vida, fique
absolutamente imune ao cometimento de toda e qualquer espécie de infração, e
aqui não me refiro, por óbvio, a uma infração necessariamente penal ou a um
ato de improbidade administrativa, porque destes se pode e deve normalmente
escapar. Falo de infrações em sentido amplo, infrações morais e até mesmo
jurídicas, como o desrespeito a um semáforo de trânsito ou outras regras de
convívio social. Seria hipocrisia dizer que todas as regras, em todos os
momentos, são, invariavelmente, respeitadas. Não há quem nunca tenha
ultrapassado, por mínimo que seja, o limite legal de velocidade ou atravessado,
no caso de pedestre, uma via pública fora da faixa de segurança. Difícil quem
nunca tenha se excedido em alguma atitude ou se omitido de alguma
providência que se lhe era exigível. Raras as pessoas que passam pela vida sem
vestígios mínimos de alguma ilicitude ou infração a regras morais, admitindo-
383
para atos graves, fortemente desabonadores da dignidade funcional, de que são exemplo a
improbidade administrativa e casos em geral de forte conflito de interesses público e privado.
Não se confunda o esforço de retórica acima empregado - com o fim de reiterar o
enfoque residual e excepcional como deve ser vista a possibilidade de responsabilização
disciplinar para fatos cometidos na vida privada -, quando se mencionou a incursão em
condutas graves como improbidade administrativa e conflito de interesses, como excludente
de condutas de menor grau de afronta e lesividade também serem excepcionalmente atingidas
pela parte final do art. 148 da Lei nº 8.112, de 1990. É possível que um ato de vida privada,
ainda que não comporte gravidade e reprovabilidade a ponto de ser considerado como
ímprobo (e, portanto, merecedor de pena expulsiva). A possibilidade em tela não passa pela
gravidade da conduta e tampouco pela consequente repercussão reprovadora em mídia e
clamor social.
Ao contrário, em síntese, os atos de vida privada que, excepcional e residualmente,
podem merecer a excepcional aplicação do regime disciplinar são aquelas condutas que
guardam algum grau de relação com as atribuições legais do cargo e que, genericamente,
afrontam o patrimônio moral ou a imagem da instituição e/ou da Administração Pública,
cabendo nesta expressão os mais variados graus de gravidade e de reprovabilidade, de forma
que o enquadramento e a consequente apenação restam dependentes das condicionantes de
cada caso concreto. Há posicionamento institucional neste sentido, em peça propositiva
oriunda de debates internos.
Orientação Coger nº 30
Para que um ato de vida privada seja alcançado pelo regime disciplinar, é
necessário que guarde relação com as atribuições do cargo e que afronte o
patrimônio moral ou a imagem da instituição ou da administração pública,
independentemente do grau de gravidade e de reprovabilidade definidor do
enquadramento adequado às condicionantes do caso concreto e da consequente
apenação.
A conclusão ora esposada - de que a possibilidade de atos de vida privada serem
atingidos pela aplicação do regime disciplinar deve ser compreendida de forma excepcional e
residual, já significa uma ampliação do controle estatal e que, portanto merece sempre
interpretação restritiva - também encontra apoio no entendimento do Ministério da
Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU), conforme expressa sua
doutrina manualizada.
“Os atos praticados na esfera da vida privada do servidor público em princípio
não são apurados no âmbito da Lei nº 8.112/90 e só possuem reflexos
disciplinares quando o comportamento relaciona-se com as atribuições do
cargo.
Percebe-se que há outras sanções no meio social a que está sujeito o indivíduo
e não se pode pretender recorrer ao direito disciplinar pelo simples fato do
responsável pelo ato censurável se tratar de um servidor público. Em resumo, a
repercussão disciplinar sobre atos de vida privada é residual e excepcional,
amparada pela parte final do art. 148 da Lei nº 8.112/90”, Ministério da
Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União, “Manual de
Processo Administrativo Disciplinar”, pgs. 30 e 31, 2013, disponível em
http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.pdf,
acesso em 07/08/13
3.2.3.2 - Não Exigência de Dedicação Exclusiva nem Mesmo para Atividades Exclusivas
ou Carreiras Típicas de Estado
Na sequência do exposto no tópico anterior, relevante resgatar que, desde a edição da
Emenda Constitucional (EC) nº 19, de 4 de junho de 1998, que alterou o § 8º do art. 39 da
Constituição Federal (CF), na leitura conjunta com o § 4º do mesmo comando constitucional,
389
E, uma vez que, para poder causar conflito de interesses com o cargo, faz-se
necessário que a atividade privada guarde alguma correlação com o múnus público, pode-se
dizer que, mesmo após todo o percurso ora descrito de inovação e alteração legislativa,
manteve-se a linha geral de atuação da Lei nº 8.112, de 1990, neste aspecto, qual seja: de
forma geral, os atos de vida particular estão fora do alcance do regime disciplinar, a menos
daqueles atos que, mesmo praticados em âmbito privado, podem, em algum grau, manter
tangências e correlações com a tutela pública exercida pelo cargo.
por serem leigos e despreparados para o trato com pessoas, podem potencializar o atrito a
ponto de levarem a deslizes mais graves.
Para evitar tal desfecho, a Administração dispõe de pessoal capacitado e dedicado e de
ferramentas adequadas e proporcionais, inseridos na extensão do processo de trabalho de
gestão de pessoas. Situações materiais e decorrentes tratamentos gerenciais que por longo
tempo estiveram à margem do reconhecimento do Direito positivado, espraiando-se em
iniciativas isoladas de um ou de outro administrador regional ou local e estanques entre si,
ganharam previsão normativa interna, com vistas ao emprego uniformizado e padronizado dos
possíves meios de solução ou ao menos de intermediação.
A primeira iniciativa oficial que merece menção nesta linha preventiva de atuação em
favor de uma visão conglobante de saúde e de bem estar reside nas diretrizes e ações
estabelecidas na Portaria MPOG/SRH nº 1.261, de 5 de maio de 2010, mais especificamente
no caput, no parágrafo único e nos incisos VII e XI do seu art. 2º e no caput e nos incisos II,
IV, V, X e XII do seu art. 3º. A norma ministerial deixa claro o objetivo público de proteger e
preservar a higidez mental do servidor, o bom ambiente físico e interpessoal de trabalho e as
boas condições laborativas, já mencionando técnicas multidisciplinares preventivas de
acolhimento e mediação de conflitos.
Portaria MPOG/SRH nº 1.261, de 2010 - Art. 2º Para os fins desta Portaria,
entendem-se por promoção de saúde as ações que, voltadas para a melhoria
das condições e relações de trabalho, favoreçam a ampliação do conhecimento,
o desenvolvimento de atitudes e de comportamentos individuais e coletivos para
a proteção da saúde no local de trabalho.
Parágrafo único. Inclui-se na promoção de saúde a prevenção a agravos,
entendida como ação antecipada que objetiva evitar danos à saúde do servidor
em decorrência de fatores comportamentais, do ambiente e/ou do processo de
trabalho.
VII - detectar precocemente, acolher e monitorar o tratamento da pessoa com
sofrimento psíquico;
XI - intervir nas situações de conflito vivenciadas no local de trabalho,
buscando soluções dialogadas e ações mediadas pela equipe multiprofissional,
constituindo comissões de ética onde não existirem, como instâncias de
mediação no âmbito institucional;
Art. 3º Entende-se por assistência terapêutica o conjunto de práticas com foco
no atendimento às necessidades e expectativas de saúde dos servidores, a partir
de diferentes modalidades de atenção direta, realizadas por equipe
multiprofissional.
II - priorizar a atenção psicossocial por meio de equipe multiprofissional,
estimulando a integração e o aprofundamento de saberes e práticas integradas
em torno de um conhecimento transdisciplinar;
IV - valorizar o atendimento em grupo como espaço de troca de experiências
subjetivas e de informações gerais sobre atendimentos médicos, psicológicos,
sociais, culturais e jurídicos, garantindo o sigilo profissional;
V - organizar serviços de acompanhamento psicossocial que disponham de
atendimento a demandas espontâneas dos servidores ou por encaminhamento,
com vistas a intervenções breves e encaminhamento para tratamento;
X - atuar sobre os fatores de risco e proteção associados ao abuso de álcool e
outras drogas, baseando-se na política de saúde mental e na estratégia de
redução de danos referendada pelo Ministério da Saúde;
XII - intervir, em qualquer nível hierárquico, nas situações de conflito
vivenciadas por pessoas em sofrimento psíquico no seu local de trabalho,
buscando junto aos gestores uma resolução pelo diálogo e por ações assertivas
para o servidor e para a APF.
Mais especificamente no âmbito da RFB, após iniciativas isoladas em determinadas
Regiões Fiscais (RF), mencione-se, primeiramente, a instituição formal do Espaço da Fala,
por intermédio da Portaria RFB nº 460, de 26 de março de 2016, em sintonia com as diretrizes
394
não justificados à chefia imediata, devem ser objeto da ferramenta gerencial cabível, que é o
corte de ponto, conforme determina o art. 44 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
Como um outro exemplo a se citar nesta linha, a insuficiência de desempenho e de
contribuição individual para cumprimento de metas de produtividade pode justificar redução
na pontuação, para fins de progressão funcional e de promoção do servidor na carreira, uma
vez que estes dois institutos dependem de periódica avaliação de desempenho, também a
cargo de sua chefia imediata, com base, entre outros, em critérios de iniciativa, cooperação,
assiduidade, pontualidade, urbanidade, disciplina, produtividade e aprimoramento.
Ou seja, tais ferramentas e instrumentos gerenciais demonstram que o administrador -
destacadamente a chefia imediata do servidor - não só pode como deve atuar na gerência de
seu pessoal, fazendo repercutir em direitos funcionais a sua avaliação sobre alguns critérios
que têm forte relação com aspectos comportamentais. Como, em síntese, os dois exemplos
não exaustivos mencionados acima, ao final, repercutem na remuneração recebida pelo
servidor, tem-se ilustrado que, entre outros parâmetros, a Administração dispõe da retribuição
financeira pelo trabalho como uma das ferramentas de gestão para estimular o comportamento
adequado. Muitos outros exemplos podem ser citados, como o poder discricionário conferido
à chefia para, a seu critério, definir em que posto de trabalho o servidor deverá desempenhar
suas atribuições legais a fim de melhor atender ao interesse público, bem como a decisão de a
quem conceder quaisquer formas de retribuição, incentivo e reconhecimento pela dedicação e
comprometimento por parte do servidor com os valores institucionais.
Assim, demonstra-se que aspectos comportamentais basilares da boa ou da má conduta
funcional encontram, respectivamente, estímulo ou remédio na subinstância de gerência
administrativa e, por conseguinte, como reflexo, na subinstância de gestão de pessoas. No
caso de condutas insatisfatórias, é bastante razoável entender que, a princípio, os atos de
gerência a cargo do administrador, porventura cabíveis, devem ser empregados
preventivamente à representação disciplinar e sobretudo à persecução disciplinar, que
somente devem ser empregadas quando nenhum outro ato gerencial surte o necessário efeito
restabelecedor da ordem interna. Nesta linha, é de suma importância para o corpo funcional e
para a própria instituição que os administradores, gestores de pessoal e a Comissão de Ética
da RFB (CE-RFB) tenham plena consciência de que, como regra, os atos funcionais
merecedores de ajustes gerenciais ou de atenção da gestão de pessoas não se confundem com
matéria disciplinar e pode ser ainda que não se confundam sequer com matéria ética, pois as
subinstâncias, em geral, são independentes na Administração e, sobretudo, que se tenha certo
que, dentre estas esferas estatais de atuação, a subinstância disciplinar é sempre de ser vista
como a derradeira e mais residual.
Coerente com a linha doutrinária e principiológica adotada por todo o sistema
correcional, embora a Lei nº 8.112, de 1990, por sua natureza estatutária (que a obriga a
lançar mão de abrangentes enquadramentos, diferentemente da típica lei penal), albergue em
seus enquadramentos punitivos condutas de pequeno poder lesivo que tangenciam aspectos
comportamentais, ratifica-se a relevante fronteira existente entre aspectos meramente
cotidianos e transgressões éticas, em comparação com os ilícitos disciplinares.
Pode-se dizer que, em geral, a atuação correcional repercute de forma muito onerosa
no corpo funcional e na instituição quando o gestor não atenta para esta diferenciação e tenta
estender a gravosa responsabilização disciplinar para atos que mereceriam solução apenas
com ferramentas gerenciais e de gestão de pessoas ou, no máximo, éticas. No âmbito
administrativo, a subinstância disciplinar deve ser compreendida como um remédio jurídico
excepcional e residual, a ser aplicado com cautela e com reserva naquelas situações
extremadas em que providências e instrumentos não punitivos internos à gerência da própria
unidade não são suficientes para fazer surtir o efeito ordenador ou reparador desejado. A
subinstância disciplinar é verdadeiramente o mais amargo remédio jurídico de que dispõe a
Administração para manter e para restabelecer a ordem e o equilíbrio internos porventura
afetados por alguma conduta infracional e, por isto, não deve ter o emprego vulgarizado.
397
Não soa razoável, proporcional e eficiente lançar mão do pesado ferramental jurídico
do processo disciplinar e da sanção disciplinar para corrigir aspectos meramente
comportamentais da conduta funcional. A fase de admissibilidade deve primeiramente
valorizar a intervenção mínima que se extrai da incomunicabilidade das distintas
competências regimentais do sistema correcional, da gerência administrativa e da gestão de
pessoas. Acrescente-se ser por demais cediço todo o ônus inerente à ação disciplinar,
independentemente de seu resultado final e mesmo quando proporcionalmente manejada; e
este ônus se enfatiza - tanto em aspectos materiais (custo financeiro, prejuízo da
produtividade na matéria-fim, etc), quanto em aspectos imateriais (fragilização da segurança
jurídica interna, prejuízos à honra do corpo funcional, etc) - quando a atuação se dá de forma
desarrazoada. Antes de seu emprego, cabe ao administrador esgotar todas as demais
ferramentas gerenciais e administrativas - e, portanto, menos onerosas - de que dispõe para
reequilibrar o status interno na Administração.
É de se entender que condutas criticáveis meramente por aspectos comportamentais
podem ser solucionadas apenas com tratamentos gerenciais ou de gestão, à vista dos
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. E, desta forma, ratifica-se que as questões
de tal natureza merecem soluções que melhor atendem ao interesse público - aqui muito mais
preservado com a cautela de se buscar a adequação das forças de trabalho às atividades do que
com efeito punitivo stricto sensu. Nem sempre, é necessário que se destaque, o processo
disciplinar e a consequente punição disciplinar despontam como o melhor ou único remédio
para solucionar conflitos interna corporis na Administração.
As condutas sujeitas a meros ajustes comportamentais, a cargo das chefias imediatas,
em atos claramente limitados à tarefa de gestão de pessoal, não devem merecer provocação ao
sistema correcional. Os aspectos meramente comportamentais da conduta dos servidores
devem ser ajustados e balizados, quando necessário, por meio das mais variadas ferramentas
gerenciais de que dispõe o administrador, mas não, pelo menos em um primeiro momento,
por meio das penas estatutárias do regime disciplinar. A atividade de chefia embute ônus,
compromissos e responsabilidades que são inerentes às tarefas de lidar com pessoal, não
sendo acertada a tentativa de repassar as responsabilidades de gestão de pessoal para o
sistema correcional.
Neste sentido, as chefias imediatas e as autoridades regionais ou locais titulares de
unidades fiscais ou administrativas devem atentar para não confundir os mandamentos
encartados no § 2º do art. 4º da Portaria RFB nº 6.483, de 29 de dezembro de 2017, de
formular e de encaminhar representações ou de procedimentalizar por conta própria a fase de
admissibilidade (quando competentes) em razão de supostas irregularidades, com a sua ampla
competência regimental, que as incumbe de uma imensa gama de atos de gerência e de
administração de pessoal. Estas suas competências de exercício cotidiano devem merecer
resolução interna gerencial e não serem objeto de representação, não podendo ser confundidas
com a residual competência disciplinar, de aplicação muito específica.
Embora, a rigor, a Lei nº 8.112, de 1990 preveja responsabilidade administrativa para
condutas meramente comportamentais, é de se atentar para a impropriedade de se “queimar
etapa” e se tentar emprestar repercussão disciplinar a uma conduta para a qual se pode, em
primeiro momento, buscar uma solução gerencial e menos traumática.
Como se vê, de forma coerente, ao se defender a independência das subinstâncias
dentro da própria Administração, nada mais se faz que repisar que as posturas preventivas
(tais como de gestão de pessoas e de gerência administrativa) podem ter o condão de
anteceder e até mesmo de inibir a atuação repressiva. Em outras palavras, o emprego das
ferramentas gerenciais de que dispõe o administrador, ainda que à primeira vista pareça
antipático e constrangedor, tem o condão de inibir o emprego dos remédios jurídicos mais
onerosos (sob todas as óticas, pessoal e institucional) como são o processo e o regime
disciplinar.
398
seguir a tese abraçada por um superior hierárquico não deve ser objeto de repercussão
disciplinar.
Também não se enquadra, em princípio, na abrangência objetiva, o regular exercício
do direito de greve por parte do servidor, em face da inexistência de lei específica que
regulamente este direito, previsto no inciso VII do art. 37 da Constituição Federal (CF). A
adesão pacífica e ordeira, por parte do servidor, ao movimento paredista (em que se inclui não
somente a greve em sentido estrito mas também as paralisações e as operações de
retardamento de procedimentos administrativos, tais como operações-padrão), não deve
acarretar, a priori, a instauração de processos disciplinares para punir os servidores como
faltoso ao serviço ou como descumpridor de deveres de dedicação ou de obediência
hierárquica. É de se lembrar que, em face da inércia legislativa, que não pode limitar o
exercício de um direito subjetivo, têm o Poder Judiciário e a doutrina reconhecido o exercício
do direito de greve.
Havendo a deflagração de determinado movimento paredista, sobretudo se
conclamado pela unidade de representação classista-sindical, e os servidores (sejam os
sindicalizados, sejam até mesmo os não sindicalizados) que venham a aderir à conduta
adotada pela maioria da categoria no devido foro representativo, atuando ou deixando de atuar
dentro dos limites votados, não incorre em ilicitude. E a construção de tal entendimento
supera posicionamentos políticos do momento, resumindo-se tão somente a uma construção
jurídica. A conduta omissiva ou comissiva do servidor, de não cumprir determinada atribuição
legal ou de não cumprir determinada ordem superior ou de se ausentar ao serviço, até pode
sim configurar a ilicitude formalmente descrita na norma, em analogia à tipicidade; mas não
atingirá o patamar de ser antijurídica ou contrária ao Direito, uma vez que terá sido praticada
ao amparo da excludente de ilicitude descrita como exercício regular de direito - qual seja o
direito à greve, ainda que não devidamente regulamentado.
STF, Mandado de Injunção n° 20: “Ementa: Mandado de injunção. Direito de
greve - Constituição, art. 37, VII. 2. Legitimado este sindicato a requerer
mandado de injunção, com vistas a ser possibilitado o exercício não só de
direito constitucional próprio, como dos integrantes da categoria que
representa, inviabilizado por falta de norma regulamentadora. Precedente no
Mandado de Injunção n° 347-5-SC. 3. Sindicato da área de educação de
Estado-Membro. Legitimidade ativa. 4. Reconhecimento de mora do Congresso
Nacional, quanto à elaboração da lei complementar a que se refere o art. 37,
VII, da Constituição. Comunicação ao Congresso Nacional e ao Presidente da
República.”
STF, Mandado de Injunção n° 438: “Ementa: Direito de greve no serviço
público: o preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao
servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada,
desprovida, em consequência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para
atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio
texto da Constituição. A mera outorga constitucional do direito de greve ao
servidor público civil não basta - ante a ausência de auto-aplicabilidade da
norma constante do art. 37, VII, da Constituição - para justificar o seu imediato
exercício. O exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos
servidores civis só se revelará possível depois da edição da lei complementar
reclamada pela Carta Política. A lei complementar referida - que vai definir os
termos e os limites do exercício do direito de greve no serviço público -
constitui requisito de aplicabilidade e de operatividade da norma inscrita no
art. 37, VII, do texto constitucional. Essa situação de lacuna técnica,
precisamente por inviabilizar o exercício do direito de greve, justifica a
utilização e o deferimento do mandado de injunção. A inércia estatal configura-
se, objetivamente, quando o excessivo e irrazoável retardamento na efetivação
da prestação legislativa - não obstante a ausência, na constituição, de prazo
pré-fixado para a edição da necessária norma regulamentadora - vem a
401
dever de apuração, de forma que, em princípio, não necessariamente são realizadas nos
moldes do rito processual da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (o que não se confunde
com vedar sua adoção subsidiária). Desta forma, em um primeiro momento, não estão
inseridas na competência da Corregedoria (Coger) ou dos Escritórios de Corregedoria (Escor),
não devendo ser enviadas a estas unidades as respectivas notícias de irregularidade.
se cogitar que algum servidor tenha agido com culpa ou dolo no evento danoso. Nesta
abordagem inicial, o bem até poderia estar em mãos de algum servidor perfeitamente
identificável quando ocorreu o sinistro e ainda assim o procedimento administrativo prévio se
dará no âmbito da unidade local se não houver indícios de ânimo subjetivo (culpa ou dolo) na
conduta.
Avançando para além do enfoque meramente conceitual e iniciando a análise sob a luz
do ordenamento de regência e abordando primeiramente o sentido mais estrito de bens (bens
patrimoniados e bens retidos ou apreendidos, excluindo deste conceito os processos
administrativos), tem-se que a matéria foi disciplinada no âmbito do Poder Executivo federal
pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU), por
meio da Instrução Normativa CGU nº 4, de 17 de fevereiro de 2009. É de se antecipar que
esta norma revogou a já mencionada Instrução Normativa Sedap nº 205, de 1988, apenas no
que se referia à obrigatoriedade de apuração de responsabilidade disciplinar decorrente de
dano ou desaparecimento de bem de pequeno valor; a antiga norma não foi revogada nos
tópicos em que aborda outros temas, tais como controle contábil e inventário de bens
públicos.
A Instrução Normativa CGU nº 4, de 2009, em seu art. 1º, estabeleceu uma apuração
simplificada, a cargo da própria unidade de ocorrência do fato, à margem do sistema
correcional, a ser realizada por meio do instrumento processual chamado Termo
Circunstanciado Administrativo (TCA), para casos de dano ou desaparecimento de bem
público que implicar prejuízo de pequeno valor (assim entendido quando o preço de mercado
- e não de registro contábil - para aquisição ou para reparação do bem extraviado ou
danificado for igual ou inferior ao limite legal para dispensa de licitação, atualmente de R$
17.600,00, conforme a atualização dos valores constantes dos incisos I e II do art. 23 da Lei
n° 8.666, de 21 de junho de 2003, operada pelo Decreto n° 9.412, de 18 de junho de 2018,
valores estes que repercutem e se aplicam ao tema, por força do inciso II do art. 24 da mesma
Lei). O tema conta ainda com um “Perguntas e Respostas” disponível no endereço
http://www.cgu.gov.br/sobre/perguntas-frequentes/atividade-disciplinar/dano-e-
desaparecimento-de-bens#15.
Instrução Normativa CGU nº 4, de 2009 - Art. 1º Em caso de extravio ou dano
a bem público, que implicar em prejuízo de pequeno valor, poderá a apuração
do fato ser realizada por intermédio de Termo Circunstanciado Administrativo
(TCA).
Parágrafo único. Para os fins do disposto neste artigo, considera-se prejuízo de
pequeno valor aquele cujo preço de mercado para aquisição ou reparação do
bem extraviado ou danificado seja igual ou inferior ao limite estabelecido como
de licitação dispensável, nos termos do art. 24, inciso II, da Lei nº 8.666, de 21
de junho de 1993.
Com isto, de imediato já se limita o emprego do TCA: somente é permitido se já se
sabe, de antemão, que o prejuízo decorrente de dano ou extravio de bem é inferior a R$
17.600,00, não se podendo aplicar aquele rito simplificado quando o prejuízo supera este
limite. Obviamente, em casos em que não se sabe ao certo o valor do prejuízo, pode-se dar
início ao TCA justamente elegendo-o como o meio hábil para, de imediato, buscar a
quantificação do prejuízo; quantificando o prejuízo abaixo do limite, em princípio, pode-se
prosseguir no rito simplificado e, quantificando-o acima, tem de se encerrar o TCA e adotar o
rito adequado, conforme adiante se exporá.
O TCA, claramente, foi instituído objetivando a eficiência e a racionalização do
emprego dos recursos públicos, como uma alternativa - sob determinadas condições de
aplicação - ao oneroso rito disciplinar, cujo custo por vezes é desproporcional em relação ao
benefício obtido.
No mesmo sentido a Instrução Normativa CGU n° 14, de 14 de dezembro de 2018,
408
um instrumento válido como segunda tentativa de solucionar casos, sem chegar ao extremo
oneroso de processo disciplinar, que porventura não tenham sido solucionados pelo TCA.
Assim, nas hipóteses de prejuízo inferior ao limite quando causado por culpa e em que
o autor não tenha aquiescido em ressarcir no âmbito do TCA conduzido ainda na sua própria
unidade de lotação ou quando causado por dolo (para a qual nem se cogitou de TCA) e que
tenham sido então objeto de representação para o sistema correcional, a CGU foi além na
tentativa de poupar a onerosa instância disciplinar, estendendo a este infrator a possibilidade
de reconhecer a sua conduta irregular, ressarcir o prejuízo e celebrar o acordo, dispensando-
se, em sede de admissibilidade (ou, no máximo, em até cinco dias do recebimento da
notificação inicial da condição de acusado), a instauração (ou a continuidade) do processo
disciplinar. É de se compreender a possibilidade de, agora na iminência de se ver no polo
passivo de um processo disciplinar (ou já figurando no início desta relação processual), o
infrator reconheça sua conduta irregular, aceite ressarcir o prejuízo dela decorrente e obtenha
o benefício de celebrar o acordo.
Percebe-se restarem ainda duas situações intermediárias: quando se tem configurado
prejuízo superior a R$ 17.600,00 mas não se sabe se o dano ou o desaparecimento do bem
decorreu de seu uso regular, sem culpa ou dolo, ou se decorreu de conduta culposa ou dolosa
de determinado servidor identificado; ou quando se tem configurado prejuízo, mesmo que
inferior a R$ 17.600,00, mas não se tem a identificação do servidor possivelmente
responsável. Nestes casos, por força da limitação imposta pelo art. 1º da Instrução Normativa
CGU nº 4, de 2009, o TCA não se revela meio legal para a investigação, no âmbito da
unidade local, da existência ou não de ânimo subjetivo e, se for o caso, de sua especificação
(se culpa ou se dolo).
Além disto, também é cristalino que o TCA não se aplica a dano ou a desaparecimento
de processo administrativo, uma vez que a esta espécie não se pode aplicar o limite do
prejuízo (de R$ 17.600,00). Mesmo que o processo administrativo verse sobre algum valor
financeiro (um crédito tributário, por exemplo), não se confunde o valor intangível dos autos
com o quantum que porventura neles se discuta, bem como a providência administrativa de
reconstituir os autos não se confunde com aquiescência em restituir valor.
Uma vez que não há amparo normativo para se utilizar o TCA na unidade local como
rito para se apurar se houve ânimo subjetivo na conduta que acarretou dano ou
desaparecimento de bem com prejuízo superior a R$ 17.600,00 ou de processo administrativo
e muito menos quando não se tem identificado o servidor possivelmente responsável, a priori
restaria aplicar a estas três hipóteses os regramentos gerais da responsabilidade disciplinar,
previstos na Lei nº 8.112, de 1990, sem exceção para condutas eivadas de culpa ou de dolo.
Ainda assim, sem expressa previsão legal, também é de se buscar a ponderação entre a
proporcionalidade do processo disciplinar e o grau de reprovação ao dano ou extravio de bem
ou de processo administrativo.
Neste ponto, é de se resgatar que, há muito tempo, a RFB já havia avançado na busca
da ponderação entre a proporcionalidade do processo disciplinar e o bem tutelado. A Portaria
RFB nº 4.491, de 6 de outubro de 2005, remetia todos os casos de dano ou de
desaparecimento de bens (patrimoniados ou apreendidos) e também de processos
administrativos à unidade local, determinando, respectivamente nos incisos II a IV do seu art.
3º, a instauração de sindicância investigativa, com o fim de investigar indícios de culpa ou
dolo na conduta do servidor para, somente em caso positivo, se cogitar de representação à
instância correcional. Todavia, com o advento da inovação trazida ao ordenamento pela
Instrução Normativa CGU nº 4, de 2009, e pela Portaria CGU/CRG nº 513, de 2009, como
normas de status jurídico superior (advindas do órgão central do Sistema de Correição do
Poder Executivo Federal - SisCor-PEF) e sendo ainda mais recentes, considerou-se desde
então alterado tacitamente o regramento interno da RFB.
Assim, buscando a harmonização com as normas superiores, o ordenamento interno
411
restou também alterado, com a edição da Portaria RFB nº 6.483, de 29 de dezembro de 2017,
que dispõe sobre apuração de irregularidades funcionais no âmbito da RFB e cujo art. 3º
passou a sedimentar, positivadamente, o que já se praticava desde a edição das mencionadas
Instrução Normativa CGU e Portaria CGU/CRG.
Com isto, ratificou-se que os procedimentos que eram previstos nos incisos I e IV do
art. 3º da revogada Portaria RFB nº 3.131, de 15 de julho de 2011 (que revogou a Portaria
RFB nº 4.491, de 2005, mantendo similares dispositivos), e que são integralmente
reproduzidos no art. 3º da Portaria RFB nº 6.483, de 2017 (operações com intervenientes do
comércio exterior e dano ou desaparecimento de processos administrativos), não sofreram
alteração, aplicando-se a tais casos, respectivamente, o rito definido pelo art. 76 da Lei nº
10.833, de 29 de dezembro de 2003, e a sindicância investigativa definida nos §§ 3º e 4º do
mesmo artigo. Em contrapartida, os procedimentos relativos aos incisos II e III do mesmo
artigo (dano ou desaparecimento de bens patrimoniados ou apreendidos) receberam expressa
positivação de procedimentalização da forma prevista na norma mais recente (Instrução
Normativa CGU nº 4, de 2009) nas condições de prejuízo limitado a R$ 17.600,00 em
conduta no máximo culposa.
Portaria RFB nº 6.483, de 2017 - Art. 3º O disposto no art. 1º não abrange a
apuração de:
II - dano ou desaparecimento de bem público de que trata a Instrução
Normativa Sedap nº 205, de 8 de abril de 1988, da Secretaria de Administração
Pública da Presidência da República, quando não houver indícios de
responsabilidade de servidor;
III - dano ou desaparecimento de mercadorias apreendidas sob guarda da
RFB, quando não houver indícios de responsabilidade de servidor; ou
IV - desaparecimento de processo administrativo, quando não houver indícios
de responsabilidade de servidor.
§ 1º Está compreendido na definição de dano ou desaparecimento, constante
nos incisos II, III e IV, aquele decorrente de caso fortuito ou de força maior,
como nos casos de incêndios e acidentes naturais.
§ 2º Quando aplicável, a Instrução Normativa CGU nº 4, de 17 de fevereiro de
2009, regerá as apurações de que tratam os incisos II e III, a cargo do Chefe
do setor responsável pela gerência de bens e materiais na unidade
administrativa.
Este regramento interno também segue praticamente reproduzido no ordenamento
infralegal da Corregedoria-Geral do Ministério da Fazenda (Coger-MF), conforme se verifica
nos incisos II a IV e nos §§ 1º a 4º do art. 2º da Portaria Coger-MF nº 42, de 21 de novembro
de 2013, que dispõe sobre apuração de irregularidades funcionais no âmbito da Pasta.
Portaria Coger-MF nº 42, de 2013 - Art. 2º O disposto no art. 1º não abrange a
apuração de:
II - dano ou desaparecimento de bem público de que trata a Instrução
Normativa Sedap nº 205, de 8 de abril de 1988, da Secretaria de Administração
Pública da Presidência da República;
III - dano ou desaparecimento de mercadorias apreendidas sob guarda das
unidades do Ministério da Fazenda; e
IV - desaparecimento de processo administrativo, quando não houver indícios
de responsabilidade de servidor.
§ 1º Está compreendido na definição de dano ou desaparecimento, constante
nos incisos II, III e IV, aquele decorrente de caso fortuito ou de força maior,
como nos casos de incêndios e acidentes naturais.
§ 2º As apurações de que tratam os incisos II e III, a cargo do Chefe do setor
responsável pela gerência de bens e materiais na unidade administrativa, se
darão nos termos da Instrução Normativa CGU nº 4, de 17 de fevereiro de
2009.
Assim, resta aqui a necessidade de se abordar a sindicância investigativa definida nos
412
sequer como eventual responsável para que terceiro cometesse o fato, em ação ou inação
culposa ou dolosa, deve-se dar prosseguimento nas providências atinentes apenas ao controle
interno, como baixa contábil do bem ou restituição dos autos, se for o caso, significando que
não haverá nenhuma repercussão disciplinar e muito menos imposição de ressarcimento a
quem quer que seja. Ainda nesta hipótese, por fim, não há nenhuma necessidade de remessa
dos autos ao respectivo Escor, sendo arquivados pela própria unidade de ocorrência do fato.
Nos termos do § 4º do art. 3º da Portaria RFB nº 6.483, de 2017, somente na hipótese
de a sindicância investigativa instaurada na própria unidade local obter indícios de suposta
autoria (ou concorrência) por parte de servidor, com culpa para o prejuízo superior a R$
17.600,00, ou com dolo para prejuízo de qualquer valor, associado a bem; ou com culpa ou
dolo para o dano ou desaparecimento de qualquer processo administrativo é que, além das
medidas administrativas internas atinentes a controle interno porventura cabíveis, se
encaminha para o respectivo Escor (ou o próprio titular da unidade procedimentaliza a fase de
admissibilidade, na hipótese de entender que o caso cabe na parcela concorrente de
competência correcional atribuída no inciso IV do art. 341 do Regimento Interno da RFB e
reproduzida no inciso IV do caput do art. 2° da Portaria RFB n° 6.483, de 2017), a fim de se
instaurar o apuratório disciplinar, sob ampla defesa e contraditório (sem prejuízo de, nas
hipóteses em que for cabível, sem prejuízo excedente a R$ 17.600,00, a autoridade
instauradora ainda ofertar o TAC). Se a investigação interna revelar um possível autor ou
responsável com culpa para prejuízo limitado a R$ 17.600,00 associado a bem, pode-se
prosseguir com instrumentalidade no âmbito da unidade local, com o TCA.
Portaria RFB nº 6.483, de 2017 - Art. 3º
§ 4º Se no decorrer da sindicância investigativa de que trata o § 3º forem
identificados indícios de responsabilidade de servidor pelo dano ou
desaparecimento, o sindicante ou a comissão deverá fazer os autos conclusos à
autoridade que o(a) designou, mediante relatório circunstanciado, o qual se
constituirá na representação para fins de instauração de sindicância
disciplinar ou de PAD, nos termos do art. 2º.
Tendo a sindicância investigativa levantado indícios de que o servidor,
intencionalmente, praticou ato causador de prejuízo de qualquer valor, seja por imperícia,
imprudência ou negligência, praticou o ato causador de prejuízo superior a R$ 17.600,00, em
decorrência de dano ou desaparecimento de bem ou causador de dano ou extravio de processo
administrativo (ou permitiu que terceiro o praticasse), não lhe cabe prosseguir, pois sua
portaria de instauração, baseada apenas em competência regimental da autoridade local, não
se baseia na Lei nº 8.112, de 1990, e, como tal, não tem o poder de acusar ninguém e muito
menos de redundar em pena estatutária. Neste caso, deve o sindicante ou a comissão elaborar
relatório dirigido à autoridade local, propondo apreciação sob ótica disciplinar, pelo próprio
titular da unidade, se for competente, ou remessa dos autos ao Escor. Repisa-se mais uma vez
que não basta o simples fato de se identificar o servidor que tinha o bem ou o processo
danificado ou extraviado sob guarda ou uso ou carga no momento do sinistro para se aduzir
que se configurou sua responsabilização administrativa, pois esta requer conduta culposa ou
dolosa no evento. Caso seja a proposta aprovada pela autoridade local, este relatório se
consubstanciará em uma representação para a autoridade correcional emita seu juízo de
admissibilidade para instaurar ou não sindicância disciplinar ou PAD, nos termos do caput do
art. 143 da Lei nº 8.112, de 1990.
Tanto na hipótese de bem patrimoniado ou apreendido quanto na hipótese de processo
administrativo danificados ou extraviados, tendo decidido a respectiva autoridade com
competência correcional pela instauração do rito disciplinar, a comissão designada para tal,
após a instrução coletada sob manto do devido processo legal, do contraditório e da ampla
defesa, pode concluir pela inocência do servidor representado e relatar a favor do
arquivamento do feito ou pode concluir por sua responsabilização disciplinar.
Para que se cogite desta segunda possibilidade, se faz necessário que o colegiado tenha
414
comprovado a conduta culposa ou dolosa do servidor, uma vez que, repisa-se, não se
contenta, para o grave fim de responsabilização disciplinar, com a simples comprovação
fática de que objetivamente ocorreu ato danoso; a responsabilização de índole punitiva tem
natureza subjetiva e não objetiva, requerendo ainda que se comprove que não só o fato danoso
ocorreu, mas também que sua ocorrência se deu em virtude de conduta imperita, negligente,
imprudente ou consciente e intencional por parte do servidor, seja para ele mesmo cometer o
ato, seja para propiciar que terceiro o cometesse.
Reitera-se, neste ponto, as ressalvas já feitas acima, acerca das duas simplificações
introduzidas pela CGU e que comportam, em certa medida, uma aplicação consecutiva e
suplementar, ambas visando que condutas acarretadoras de dano ou de extravio de bem e/ou
de processo administrativo tenha sua apuração encerrada sem processo disciplinar. Relembre-
se então que a Instrução Normativa CGU nº 4, de 2009, permite, sob condições, o emprego do
TCA (condutas culposas causadoras de prejuízo limitado a R$ 17.600,00 em bens) e que a
Instrução Normativa CGU nº 2, de 2017, permite, sob outras condições, o emprego do TAC
(condutas culposas ou dolosas causadoras de prejuízo limitado a R$ 17.600,00 em bens ou
causadoras de dano ou desaparecimento de processos administrativos).
Convém então aqui discorrer sobre alguns elementos de materialidade de atuação
dolosa de servidor no extravio de bem patrimoniado ou apreendido (e até, onde cabível, de
processo administrativo extraviado), que em nada se confundem com condutas de menor
gravidade, tais como falta zelo com a economia de material e conservação do patrimônio ou
retirada inautorizada de qualquer documento ou objeto da repartição, enquadráveis no inciso
VII do art. 116 e no inciso II do art. 117, ambos da Lei nº 8.112, de 1990, puníveis no
máximo com suspensão. Os elementos formadores de convicção que serão abordados adiante
autorizam enquadramento como valimento de cargo ou improbidade administrativa ou ainda
dilapidação do patrimônio público, conforme o inciso IX do art. 117 ou os incisos IV ou X do
art. 132, ambos da Lei nº 8.112, de 1990.
Antes, é preciso introduzir que, diferentemente do cotidiano desgaste e consumo dos
materiais de expediente ou até mesmo de dano ou extravio culposos de bens de pequena
monta, passíveis de ocorrer cotidianamente em qualquer unidade, as hipóteses que aqui serão
abordadas se fazem mais frequentes em unidades aduaneiras, em depósitos de mercadorias
(sobretudo apreendidas) ou ainda no curso de operações de repressão aduaneira, antes mesmo
de os bens passarem ao formal controle fiscal.
Em tais situações de extravio presumivelmente doloso, convém verificar se há aparato
de filmagem de vídeo na repartição ou no recinto ou no ambiente, a fim de solicitar as mídias
para averiguação. Deve-se atentar para a possibilidade de, uma vez que o controle de tais
equipamentos reside nas mãos de servidores da própria unidade, os ajustes de captação de
imagem terem sido alterados ou até desativados ou ainda de as imagens terem sido violadas
ou editadas justamente no momento do sinistro ou em momentos de presença de determinado
servidor possivelmente envolvido. E a confiabilidade do circuito interno de imagem resta
ainda mais minorada se o controle se dá nas dependências de outro órgão ou entidade, a
exemplo da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) ou Empresa
Brasileira de Correios Telégrafos (ECT).
Seja por meio de diligências, seja por meio da análise dos vídeos, importa também
identificar outros servidores que estivessem presentes no local no momento do sinistro ou que
conhecem a forma de trabalhar do suposto infrator ou que conhecem bem a rotina de trabalho,
as falhas, as lacunas e os descontroles infraestruturais. Tais agentes, uma vez identificados,
juntamente com o superior hierárquico, devem ser intimados para depor, a fim de informarem
as tarefas a cargo do servidor e se estas incluíam atuar no recinto em que se deu o extravio em
tela e sobretudo o manuseio do bem extraviado. Cabe verificar se se deu de forma regular a
baixa do bem ou a sua destinação ou destruição, atentando para o histórico daquela repartição,
se o caso em tela desponta como único ou como reiterado, contumaz e associado a momentos
415
(para quê se recomenda pesquisa em farta doutrina), importa enumerar as inúmeras espécies
de agentes públicos cabíveis nesta definição ampla. Pela sua diversidade, estes agentes
mantêm diferentes graus de vinculação com a Administração Pública, graus estes que definem
se, além de figurarem nos abrangentes polos passivos do CP e da Lei nº 8.429, de 1992,
também se sujeitam à responsabilização disciplinar via processo disciplinar. Por mero efeito
didático, a presente abordagem se iniciará com os agentes públicos, cargos, categorias ou
carreiras que não são regidos pela Lei nº 8.112, de 1990, até chegar na descrição de sua
abrangência subjetiva.
3.2.4.1 - Agentes Públicos que não se Sujeitam à Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990
edição, 2006
Tais vínculos empregatícios se consubstanciam em contratos de trabalho que, em
síntese, compreendem um plexo de direitos e de deveres do empregador e do empregado e,
consequentemente, dão suporte ao poder disciplinar daquele (na figura do titular do órgão ou
do dirigente máximo da entidade) em face deste nas hipóteses de descumprimento de suas
obrigações contratuais. O poder disciplinar, por meio do qual o empregador garante a
regularidade e a ordem interna, decorre apenas da própria relação contratual em si, ainda que
excepcionalmente ou apenas ad argumentandum não esteja expressamente previsto na lei
específica, no contrato ou em qualquer outro ato de regulamentação interna.
Por um lado, uma vez que, como regra, o empregado público não aufere o instituto da
estabilidade da forma como é constitucionalmente conferido ao servidor estatutário, conforme
assevera a jurisprudência, é lícita a rescisão de seu contrato de trabalho por mero ato
unilateral da Administração Pública direta ou indireta (inserido no poder potestativo de
rescisão unilateral do contrato, que a lei trabalhista faculta a qualquer empregador). A
dispensa sem justa causa é um ato facultativo de mera gestão de pessoal, não decorrente de
cometimento de infração trabalhista pelo empregado e, como tal, não possui natureza de
penalidade disciplinar, já que, nesta hipótese, o empregador resta obrigado a indenizar o
empregado.
STF, Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 507.326: “Ementa: 1.
Esta Corte orientou-se no sentido de que as disposições constitucionais que
regem os atos administrativos não podem ser invocadas para estender aos
funcionários de sociedade de economia mista, que seguem a Consolidação das
Leis do Trabalho, uma estabilidade aplicável somente aos servidores públicos,
estes sim submetidos a uma relação de direito administrativo. 2. A aplicação
das normas de dispensa trabalhista aos empregados de pessoas jurídicas de
direito privado está em consonância com o disposto no § 1º do art. 173 da Lei
Maior, sem ofensa ao art. 37, caput e II, da Carta Federal.”
Idem: STF, Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 469.189 e Recurso
Extraordinário nº 363.328
Ressalve-se que, nos casos de emprego público regido pela Lei nº 9.962, de 2000, em
órgãos da Administração Pública direta, autarquias ou fundações públicas de direito público,
esta hipótese é bem mais restrita do que em sociedades de economia mista, empresas públicas
ou fundações públicas de direito privado. Fora as possibilidades estabelecidas nos quatro
incisos do art. 3º da Lei nº 9.962, de 2000, para rescisão unilateral do contrato de trabalho por
parte da Administração (a primeira hipótese é a falta grave, conforme definido no art. 482 da
CLT, e as três demais são de molde constitucional, a saber, a acumulação ilegal, a necessidade
de redução de quadro por excesso de despesa e a insuficiência de desempenho), para as
demais hipóteses ou fatos, a jurisprudência trabalhista do Tribunal Superior do Trabalho
(TST) já entendeu pela extensão do instituto da estabilidade a favor, exclusivamente, dos
empregados celetistas de órgãos da Administração Pública direta, autarquias ou fundações
públicas de direito público
TST, Enunciado da Súmula nº 390
I - O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou
fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. II -
Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda
que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a
estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988.
Por outro lado, o empregador, e aí se inclui até com maior ênfase a Administração
Pública direta ou indireta, deve amparar qualquer ato punitivo em elementos de motivação e
de convicção - ou seja, em provas - que sustentem a segurança do exercício do mencionado
poder disciplinar diante de ato infracional cometido pelo empregado. Embora não seja objeto
do presente texto aprofundar na análise dos princípios e fundamentos da CLT, é de se
424
TST.
TST, Enunciado da Súmula nº 77: “Nula é a punição de empregado se não
precedida de inquérito ou sindicância internos a que se obrigou a empresa por
norma regulamentar.”
STF, Recurso Extraordinário nº 298.108: “Ementa: (...) A 1ª Turma dessa
Corte, ao julgar o Agrag 245.235, decidiu: “Agravo regimental. - Está correto
o despacho agravado que assim afasta as alegações dos ora agravantes: 1.
Inexistem as alegadas ofensas à Constituição. Com efeito, tratando-se de
empregado de sociedade de economia mista, não se aplica a ele o disposto no
artigo 41 da Constituição Federal que somente disciplina a estabilidade dos
servidores públicos civis. Por outro lado, por negar, corretamente, essa
estabilidade a empregado de sociedade de economia mista, e por entender que
o regulamento interno de pessoal do Banco em causa não confere estabilidade
em favor de seus empregados, não ofendeu o acórdão recorrido o artigo 37, II,
da Constituição, que diz respeito a investidura por concurso público, nem o
‘caput’ desse mesmo artigo por haver aplicado, também corretamente, as
normas de dispensa trabalhista que se aplicam aos empregados de pessoas
jurídicas de direito privado, em consonância, aliás, com o que preceitua o
artigo 173, § 1º, da Carta Magna.”
Idem, STF, Recurso Extraordinário nº 245.235
STJ, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 8.551: “Ementa: 1. A
legislação correlata estabeleceu apenas que o ato de dispensa de servidores
celetistas, condicionado à oportunidade e conveniência, avaliadas
exclusivamente pela administração pública, fosse devidamente motivado,
prescindindo, assim da instauração de processo administrativo.”
STJ, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 18.512: “Ementa: A
necessidade de processo administrativo para demissão está intimamente ligada
à idéia de estabilidade, sendo, pois, excluído dessa benesse servidora celetista
que não se tornou estável no serviço público, nos moldes do art. 19 da ADCT.”
Embora se tenha afirmado que, também no âmbito da Administração Pública direta ou
indireta, são aplicáveis a faculdade de dispensar sem justa causa e o exercício do poder
disciplinar a priori sem rito contraditório, é certo que, diante das peculiaridades e dos
princípios específicos reitores da seara pública, tais aplicações sofrem algumas adequações
em comparação às formas e condições com que se aplicam no setor privado. Sendo o
empregado público uma espécie do gênero agente público, eis que sua relação laboral
contratual, inequivocamente, é contemplada com algumas especificidades em comparação à
relação de mesma natureza firmada no setor privado.
Neste curso, primeiramente, à margem da matéria disciplinar, pontua-se que a
dispensa sem justa causa de empregado público, seja para todos aqueles empregados com
contratos regidos pela Lei nº 9.962, de 2000, e que mantêm vínculo direto com o órgão da
Administração Pública direta ou com a entidade autárquica ou fundacional, seja para aqueles
contratados de acordo com leis específicas de cada empresa pública ou sociedade de
economia mista ou ainda por fundação pública de direito privado, como ato administrativo em
gênero, convém que seja motivada.
E, no que pertine ao tema disciplinar, chegando ao conhecimento da Administração
Pública direta ou indireta a notícia de suposta infração trabalhista cometida pelos empregados
públicos acima descritos, mesmo no exercício de seu emprego no órgão da Administração
Pública direta ou na entidade autárquica ou fundacional regido pela Lei nº 9.962, de 2000, ou
na empresa pública ou sociedade de economia mista ou ainda em fundação pública de direito
privado em que é contratado, e que possa acarretar a aplicação das penas trabalhistas de
advertência, de suspensão ou sobretudo de dispensa por justa causa, é de se conceder maior
apego ao garantismo conservador e aos direitos de defesa impessoalmente a todos
consagrados em detrimento da liberalidade de agir. Neste rumo, além da necessária motivação
426
do ato punitivo, destaca-se que, mesmo diante do silêncio na literalidade da CLT, o reflexo de
garantias fundamentais consagradas no atual ordenamento constitucional permite que se
recomende, até onde cabível, a extensão, a favor do agente, dos direitos ao tratamento
impessoal, ao devido processo legal, à participação contraditória na produção de provas e à
ampla defesa (ainda que se tenha a instrução processual coletada de forma inquisitorial - caso
a regulamentação interna não exija em contrário -, na hipótese de convicção preliminar em
desfavor do empregado, ao menos se deve formalizar acusação e notificá-lo para, caso queira,
solicitar novas provas ou contestar as já existentes e para apresentar sua própria defesa, a fim
de se propiciar julgamento imparcial), independentemente da gravidade da conduta e da pena
trabalhista cabível.
Assim, sintetizando as informações precedentes, ainda que não exista base legal no
sentido estrito que obrigue a aplicação de qualquer rito para dispensar sem justa causa e muito
menos para apurar qualquer irregularidade trabalhista (leve, mediana ou grave, punível com
advertência, suspensão ou dispensa por justa causa) supostamente cometida por agente
celetista estável ou não, em atenção aos princípios reitores da atividade administrativa, no
caso específico de empregado público, o órgão ou a entidade de origem deve adotar
instrumentalização que atenda às garantias fundamentais erigidas na CF para aplicação de
pena e motivar não só este ato mas também a dispensa não punitiva. Este necessário e
indispensável procedimento administrativo de apuração de infração trabalhista que o
empregado tenha cometido no âmbito do órgão da Administração Pública direta ou da
entidade da Administração Pública indireta em que exerce seu emprego, deve transcorrer
neste próprio órgão ou entidade. E, de forma mais específica, tratando-se de empregado com
vínculo direto com órgão da Administração Pública direta ou com entidade autárquica ou
fundacional, regido pela Lei nº 9.962, de 2000, na ausência de lei específica, no que for
cabível, pela similitude da matéria, é recomendável que esta instrumentalização tome por
analogia o rito garantista da Lei nº 8.112, de 1990; e, no caso de empregado de empresa
pública ou de sociedade de economia mista ou ainda de fundação pública de direito privado,
esta instrumentalização deve seguir a lei específica ou a norma interna de regência na
entidade ou o acordo coletivo de trabalho ou, por fim, residualmente, os dispositivos que
forem aplicáveis da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (a Lei Geral do Processo
Administrativo, que regula processualística no âmbito da Administração Pública federal). Em
ambos os casos, o poder disciplinar (qualquer que seja a pena trabalhista a ser aplicada ao
final do procedimento administrativo - de advertência, de suspensão ou de dispensa por justa
causa) incumbe à autoridade que figurar como contratante, que pode ser desde o chefe da
unidade até o titular do órgão ou o dirigente máximo da entidade. Ademais, uma vez que a
dispensa sem justa causa e a apenação em qualquer grau do empregado público são atos
administrativos, gozam de presunção de legitimidade, devendo então a ausência de motivação
ser comprovada, conforme entendimento da Advocacia-Geral da União, por meio do seu
Parecer AGU nº GQ-64 e também de acordo com a doutrina manualizada do Ministério da
Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU).
Parecer AGU nº GQ-64 (vinculante): “Ementa: Ilegalidade da Portaria nº 306,
de 30.09.80. Servidor admitido por concurso, conquanto regido pela
Consolidação das Leis do Trabalho, não pode ser dispensado
discricionariamente, sem motivação. Ato nulo, a configurar abuso de poder.
Reintegração do interessado no emprego.
8. A dispensa do emprego, como todo o ato administrativo, há de ser motivada,
ainda que se cuide de relação regida pela CLT, implicando sua falta, sem
dúvida, invalidade do ato, até mesmo por se configurar, na hipótese, abuso de
poder.
9. No âmbito da Administração Pública, ao contrário do que se verifica na
atividade privada, não é admissível venha a autoridade, a seu talante, rescindir
sem causa contrato de trabalho, máxime considerando tratar-se de servidor
admitido por concurso e detentor em seus assentamentos de boas referências
funcionais, como consta do processo.”
427
trabalhista, caso cabíveis. Ressalte-se que, conforme o entendimento da CGU, por meio da
CGU/CCC, estampado no Enunciado CGU/CCC nº 13, de 28 de abril de 2016, dispensa-se a
instauração de novo processo de natureza disciplinar no órgão de origem do empregado
cedido. Não obstante, ressalte-se que a decisão sobre o encerramento da requisição é ato de
gestão, sem natureza punitiva, assentado sobre conveniência e oportunidade do órgão
requisitante e não fica condicionada ao encerramento nem do processo disciplinar e muito
menos do procedimento porventura instaurado no órgão ou entidade de origem do empregado
público.
Enunciado CGU/CCC nº 13, de 2016: “Repercussão da destituição do cargo
em comissão no vínculo celetista. A penalidade de destituição de cargo em
comissão aplicada ao empregado público cedido a órgão da Administração
Pública Direta, Autárquica e Fundacional poderá repercutir no vínculo
empregatício, sendo desnecessária a instauração de novo processo disciplinar
no âmbito da empresa estatal.”
Na segunda forma, com fundamento em lei específica (o que, em sentido lato, também
obriga englobar a possibilidade de previsão em medida provisória), o empregado público é
requisitado de entidade da Administração Pública indireta que presta regularmente serviços à
Administração Pública direta ou a autarquias ou fundações públicas de direito público, nos
termos do inciso II e dos §§ 5º e 6º do art. 93 da Lei nº 8.112, de 1990. Neste caso, o
empregado público mantém seu vínculo de emprego na empresa pública ou na sociedade de
economia mista da qual é contratado sob égide trabalhista e não é considerado servidor e,
portanto, na hipótese de envolver-se no cometimento de suposta infração (desde sempre de
natureza trabalhista), não faz jus ao processo disciplinar previsto que a Lei nº 8.112, de 1990,
prevê apenas para os agentes estatutários. Como o empregado público mantém tão somente
sua relação contratual de trabalho com sua entidade de origem, apenas a esta compete o poder
punitivo, sendo então pertinente que o fato supostamente irregular seja comunicado pelo
órgão cessionário à entidade cedente, a fim de que esta realize o necessário e indispensável
procedimento administrativo porventura previsto na lei específica, na norma interna de
regência, no acordo coletivo de trabalho ou, por fim, residualmente, nos dispositivos que
forem aplicáveis da Lei nº 9.784, de 1999 (procedimento este que, repisa-se, mesmo se
existente, não se confunde com o processo disciplinar, previsto na Lei nº 8.112, de 1990) ou
que, ao menos, conforme aduzido acima, assegure ao empregado público as máximas
constitucionais da ampla defesa e do contraditório e do julgamento imparcial pela autoridade
competente e da motivação do ato punitivo. Não obstante, da mesma forma como na primeira
hipótese, a decisão sobre o encerramento da requisição é ato de gestão, sem natureza punitiva,
assentado sobre conveniência e oportunidade do órgão requisitante, não se condicionando ao
encerramento do procedimento porventura instaurado na entidade de origem do empregado
público.
A CGU, doutrinariamente, manifesta iguais entendimentos para as duas situações
acima descritas.
“O empregado público de estatal que comete irregularidade funcional
enquanto cedido à União, suas autarquias ou fundações para ocupar cargo em
comissão, se sujeita ao processo administrativo disciplinar previsto na Lei nº
8.112/90, uma vez que se encontra investido em cargo público. O processo
deverá ser instaurado pela autoridade competente do local do fato e conduzido
sob observância dos requisitos da lei. Ao seu fim, competirá igualmente à
autoridade do local do fato julgar o feito, uma vez que o empregado ocupa
cargo público vinculado àquela unidade e, portanto, nessa condição, submete-
se à sua estrutura hierárquica. De se frisar que, a depender da gravidade da
infração, a autoridade competente poderá impor a pena de destituição do cargo
em comissão a teor do que dispõe o art. 135 da Lei n° 8.112/90.
O resultado deste processo disciplinar deve ser encaminhado a sua empresa
estatal de origem, para adoção das medidas cabíveis, especialmente no que
432
não há então que se falar em aplicação, por parte do órgão requisitante ou contratante, do
regime disciplinar previsto nos arts. 116 a 142 da Lei nº 8.112, de 1990, contra o empregado
público celetista, podendo, em regra, este cessionário apenas comunicar o fato à entidade de
origem.
E, na esteira, ainda naquelas duas formas em que o empregado público possui apenas o
vínculo contratual de trabalho, uma vez que a parte processual não sobrevive por si só, sendo
sim instrumentalização da aplicação do direito material, a princípio, convém que a apuração
de suposta irregularidade transcorra onde se aplica o regime sancionador, nos moldes próprios
da legislação trabalhista ou específicos da entidade da Administração Pública indireta, não
havendo tampouco que se cogitar de obrigação de instauração de processo disciplinar imposto
nos arts. 143 a 182 da Lei n° 8.112, de 1990, por parte do órgão onde o empregado público
tenha cometido o suposto ilícito.
Neste rumo, que não se confunda a específica matéria estatutária do regime e do
processo disciplinares com o fato de que, no âmbito das empresas públicas, sociedades de
economia mista e fundações públicas de direito privado, as leis de criação ou os regulamentos
e regimentos internos da entidade possam estabelecer o rito e o regime disciplinar próprio de
seus empregados, elencando as penas cabíveis e as autoridades competentes para
motivadamente aplicá-las. Tais atos de sanção de forma alguma se inserem na matéria do
processo administrativo disciplinar, pois sequer são revestidos de atividade da Administração
Pública direta, significando tão somente mera gestão privada de recursos humanos, conforme
prevê o já mencionado inciso II do § 1º do art. 173 da CF.
Mas, não obstante todo o acima exposto - em que se defendeu a inequívoca convicção
de que o órgão da Administração Pública direta ou a autarquia ou a fundação pública de
direito público cessionário ou contratante no qual o empregado de empresa pública ou
sociedade de economia mista, por força de cessão prevista nos §§ 5º e 6º do art. 93 da Lei nº
8.112, de 1990, ou por contrato de prestação de serviços, não é obrigado a instaurar qualquer
espécie de procedimento meramente investigativo e muito menos de apuração contraditória
quando aquele agente comete infração trabalhista no âmbito do próprio órgão ou entidade -,
nada impede que, à vista de suas avaliações de conveniência e oportunidade, assim o faça. Em
outras palavras, embora não obrigado, pode o órgão da Administração Pública ou a autarquia
ou a fundação pública de direito público em que o empregado público comete infração
trabalhista instaurar alguma espécie de rito investigativo ou até apuratório.
Destacadamente em casos de conduta de maior gravidade (por exemplo, associada à
divulgação ou ao uso de dados sigilosos ou a qualquer tipo de ação enquadrável como
improbidade administrativa ou com indícios de crime contra a Administração), a necessidade
de instaurar rito investigativo ou apuratório pode se justificar até mesmo como um ato de
gestão auxiliador de tomada de decisões, já que pode identificar ocorrência ou não de eventual
dano ao erário ou pode levantar indícios de cometimento de crime, a ensejarem provocações
das devidas instâncias civil e penal ou comunicações a órgãos de controle, ou pode
simplesmente elucidar lacunas, fragilidades ou falhas administrativas, institucionais ou
normativas a serem sanadas para evitar novos episódios similares.
Nestes casos mais graves, pode o órgão da Administração Pública direta ou a autarquia
ou a fundação pública de direito público instaurar um procedimento de análise preliminar ou
uma sindicância investigativa, que podem redundar em arquivamento, caso nada seja
confirmado contra o empregado; ou em meras recomendações de ajustes de rotinas ou praxes
internas ou de normas infralegais, comuns em casos de lacunas ou falhas institucionais ou de
responsabilidade difusa (quando não se tem elementos para individualizar a
responsabilidade); ou em notícia à empresa pública ou à sociedade de economia mista cedente
ou contratada caso se levantem indícios de cometimento de infração trabalhista por parte de
seu empregado; e/ou ainda em provocações de natureza civil e penal às autoridades
respectivamente competentes.
434
Em casos ainda mais específicos, em que a conduta do empregado está associada por
qualquer forma de conexão (sobretudo da espécie intersubjetiva) também à conduta de um
servidor estatutário, em razão do qual o órgão da Administração Pública direta ou a autarquia
ou a fundação pública de direito público já terá mesmo de instaurar rito disciplinar da Lei nº
8.112, de 1990, pode-se estender ao agente celetista a condição de figurar no polo passivo de
PAD ou de sindicância disciplinar, atendendo à unidade processual prevista no art. 79 do
Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal (CPP), conforme
já exposto em 2.5.3.4.
Também pode-se estender, até onde cabível, o rito da Lei nº 8.112, de 1990, mesmo
sem participação de servidor estatutário, se a conduta do empregado revela tal gravidade e
repercussão que se demonstre, por critérios discricionários de oportunidade e conveniência,
adequado que o órgão da Administração Pública direta ou a autarquia ou a fundação pública
de direito público assim o faça (inclusive, dependendo da materialidade, se adequando o rito
sumário).
Em casos menos graves, de conduta de menor potencial ofensivo ou que não decorram
de falhas ou fragilidades institucionais ou de lacunas normativas internas e sem repercussão
de natureza civil ou penal, pode se mostrar suficiente o já aduzido mero comunicado do órgão
da Administração Pública direta ou da autarquia ou da fundação pública de direito público à
empresa pública ou à sociedade de economia mista a que se vincula o empregado faltoso, a
fim de que esta entidade cedente ou contratada investigue o fato, de acordo com sua lei
específica ou norma interna ou acordo coletivo de trabalho ou, residualmente, nos termos que
foram cabíveis da Lei nº 9.784, de 1999.
Destaque-se que em todos os casos, ainda que tenha o órgão da Administração Pública
direta ou a autarquia ou a fundação pública de direito público instaurado análise preliminar,
sindicância investigativa ou rito contraditório da Lei nº 8.112, de 1990, tais ritos não possuem
o condão punitivo sobre o empregado, funcionando apenas como elementos de instrução para
que a empresa pública ou a sociedade de economia mista cedente ou contratada, nos termos
de sua lei específica ou de sua norma interna ou de seu acordo coletivo de trabalho ou, na falta
destas regras próprias, da Lei nº 9.784, de 1999, promova o devido rito interno e que, ao final,
ampare o eventual ato punitivo da competência exclusiva da entidade a que é vinculado o
empregado (em geral, este poder recai no seu dirigente máximo).
Importante reiterar que eventual conjunto probatório investigado ou apurado no
âmbito de órgão da Administração Pública direta, autárquica ou fundacional, por mais
sedimentado que porventura seja, não possui o condão de infligir diretamente qualquer
espécie de penalidade trabalhista (advertência, suspensão ou dispensa sem justa causa) ao
empregado sob cessão ou contrato de prestação de serviço. Enfim, pode (não se obriga) o
órgão da Administração Pública direta ou a autarquia ou a fundação pública de direito público
instaurar rito investigativo ou contraditório e, fazendo-o ou não, o que lhe obriga é promover
a ciência da empresa pública ou da sociedade de economia mista, pois apenas a esta entidade
incumbe o posterior procedimento interno necessário e indispensável para apenação
trabalhista do empregado público. Não obstante, é de se reiterar que eventual devolução do
empregado à empresa pública ou à sociedade de economia mista é um ato de mera gestão,
podendo ser concretizado de forma imediata e discricionária, independentemente do resultado
das investigações ou apurações.
empregado público) que liga o agente público à Administração. Em outras palavras, uma vez
que não convém que o rito a ser empregado se dissocie da condição de o acusado ser regido
pela Lei nº 8.112, de 1990, ou pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943
(Consolidação das Leis do Trabalho - CLT), em conjunto com normas internas da entidade da
Administração Pública indireta, ou seja, de ele ser estatutário ou celetista, é de se afirmar que
nem mesmo os mencionados princípios procedimentais justificam ou obrigam a instauração
do procedimento apuratório no local do fato se, além de não se inserir em linha hierárquica
abaixo da(s) autoridade(s) instauradora e/ou julgadora, o acusado nem sequer se submete ao
regime e ao processo disciplinares vigentes no órgão em que se daria a apuração.
Enquanto a RFB, como órgão da Administração Pública direta, tem seu quadro
composto por servidores estatutários vinculados ao regramento disciplinar estabelecido pela
Lei nº 8.112, de 1990, e sob tais mandamentos atua seu sistema correcional, o quadro do
Serpro mantém sua relação trabalhista regida pela CLT e por normatização infralegal interna,
que estabelecem penas e rito próprios, à margem dos ditames, dos deveres e, em
contrapartida, das garantias estatutárias que recaem exclusivamente sobre os servidores.
Não integrando o empregado celetista o quadro da RFB, pondera-se que, mesmo tendo
ele desempenhado suas funções em unidade deste órgão (e ainda que sob formal cessão por
específica previsão legal) ao tempo da suposta infração trabalhista, tal fato não teria o condão
de torná-lo agente público regido pela Lei nº 8.112, de 1990, sequer temporariamente e, muito
menos, de obrigatoriamente sujeitá-lo ao regime e ao processo disciplinares previstos naquele
diploma legal e aplicáveis no âmbito da ocorrência dos fatos. Em outras palavras, o rito
procedimental da Lei nº 8.112, de 1990 - a que se submete, como única base legal, o trabalho
deste sistema correcional - não tem vinculada aplicação sobre o empregado do Serpro. Nem
mesmo com base na argumentação principiológica a favor da instauração onde se encontra
localizado o acusado se vislumbra obrigatoriedade sequer de as apurações se darem por meio
do respectivo Escor, além da óbvia ausência de competência para o julgamento e para a
eventual apenação fora do órgão de lotação do agente.
Assim, da mesma forma como já havia se verificado nos termos positivados da
normatização, também à luz de uma análise principiológica, tem-se que o procedimento,
desde sua instauração, melhor se amolda aos ditames da legislação trabalhista e aos
regramentos internos específicos da empresa pública empregadora, de sua exclusiva
aplicação, e que o julgamento e a eventual apenação do empregado público - mais do que
poderem - devem mesmo seguir obrigatoriamente aquela normatização. Não possuindo o
infrator vinculação estatutária perante a Administração Pública direta, o poder disciplinar
porventura justificado, após o devido rito legal, recai sobre seu empregador, à luz da
legislação trabalhista que rege seu contrato de trabalho. O poder punitivo sobre o empregado
celetista deve ser exercido pelo Serpro, nos moldes previstos na CLT, onde também convém
que sejam respeitadas as máximas constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa,
do contraditório e outras garantias fundamentais da pessoa aplicáveis à matéria.
Não obstante o acima aduzido, na mesma linha que já se expôs quando se abordou a
hipótese em termos genéricos de empregado celetista de empresa pública ou de sociedade de
economia mista cometer irregularidade trabalhista em razão de cessão ou de contrato de
prestação de serviço em órgão da Administração Pública direta ou autarquia ou fundação
pública de direito público, não se afasta o dever legal de a Administração se sentir provocada
a investigar diante da notícia de suposta irregularidade, seja o possível autor agente estatutário
ou não. Daí, o sistema correcional da RFB não deve se eximir de seu dever legal de ao menos
realizar prévias investigações e, ainda, subsidiar o processo decisório a cargo das autoridades
administrativas competentes pela gestão que envolve o empregado celetista.
Assim, conforme já exposto acima de forma genérica, agora, de forma mais específica,
cabe apresentar possíveis instrumentalizações que o respectivo Escor pode adotar diante de
notícia de suposta irregularidade cometida por empregado do Serpro desempenhando suas
439
de responsabilidade (análogo à indiciação, prevista no art. 161 da Lei nº 8.112, de 1990), para
que, a partir deste ponto, o caso seja remetido ao empregador, a quem cabe coletar defesa do
acusado e julgá-lo. Isto porque não havendo subordinação hierárquica, não se cogitaria de
competência no âmbito da RFB para tal julgamento e para a respectiva apenação, que
deveriam ser encaminhados para a autoridade competente no âmbito daquela empresa.
É de se adequar a recomendação feita acima, voltada para o caso comum de a
materialidade indicar a instauração de processo disciplinar em seu rito ordinário. Todavia,
caso a materialidade que se tenha nos autos se avizinhe da definição de acumulação ilegal, ou
de abandono de cargo, ou de inassiduidade habitual, requeredoras de rito sumário, uma vez
que este já se inicia com o termo de imputação (similar à indiciação), é razoável estender o
procedimento até o relatório da comissão.
Acrescente-se que, em todas as três possíveis instrumentalizações acima expostas,
além da necessária e indispensável comunicação ao Serpro, a que cabe o procedimento de fim
punitivo da alçada trabalhista, tendo em vista que a prestação de serviços daquela empresa à
Secretaria da Receita Federal do Brasil atende, em essência, mais específica e diretamente, às
diversificadas demandas das Superintendências Regionais da Receita Federal do Brasil
(SRRFs), deve também o Chefe do Escor comunicar o resultado das investigações prévias ou
das apurações contraditórias ao respectivo Superintendente (ou ao Coordenador-Geral da
Coordenação-Geral de Gestão de Pessoas - Cogep, no caso de o ilícito ter se dado em unidade
central), a fim de que esta autoridade, em mero ato de gestão, avalie a conveniência e a
oportunidade de manter o empregado ou de, liminarmente, devolvê-lo à empresa (ressaltando
mais uma vez que eventual ato de devolução do empregado não possui natureza punitiva).
Ademais, em reforço ao critério discricionário de análise, por suas exclusivas
avaliações de oportunidade e conveniência para instaurar rito investigativo ou contraditório
em face de empregado do Serpro, é de se acrescentar que o Chefe de Escor pode dispor de tal
decisão como ato de gestão, cujo resultado possa servir de amparo para tomada de decisões
administrativas. Em outras palavras, o resultado do procedimento pode ser utilizado para
sanar lacunas normativas, para ajustar praxes e rotinas internas, para impedir novos fatos
indesejados de responsabilização difusa e não individualizável, bem como pode servir de
elemento de instrução para o devido rito de reparação civil de dano erário ou ainda para
embasar eventual representação penal.
Ressalte-se que toda a gama de avaliação discricionária acima exposta, ao dispor do
Chefe do Escor, independe das repercussões porventura previstas nas legislações trabalhista e
até mesmo penal ou civil, se for o caso. Isto porque, por óbvio, não obstante as conclusões
acima acerca da ausência de obrigatoriedade do Escor para instaurar processo disciplinar
contra empregado celetista e sobretudo da incompetência para julgá-lo e, se for o caso, para
puni-lo, bem como as já mencionadas repercussões previstas na legislação trabalhista ao
alcance do empregador, não aproveita o empregado do Serpro de vácuo legislativo que lhe
concedesse a absurda condição de se ver imune a autônomos regramentos que sancionam
condutas graves cometidas por agentes públicos. A mero título de exemplo, além das já
mencionadas possíveis repercussões cabíveis na legislação trabalhista ao encargo do
empregador, cite-se a hipótese de a conduta perpetrada pelo empregado do Serpro se amoldar
a algum dos enquadramentos da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 (a chamada Lei de
Improbidade Administrativa), que define atos de improbidade administrativa e que prevê
sérias repercussões, tais como reparação de dano ao erário, aplicação de multa, decretação de
perda de bens e de perda da função pública, dentre outras.
Desdobrando as competências estabelecidas na então vigente Lei nº 10.683, de 28 de
maio de 2003, de comandos sucedidos na Lei nº 13.502, de 1º de novembro de 2017, a
Presidência da República instituiu, por meio do Decreto nº 5.480, de 30 de junho de 2005, o
Sistema de Correição do Poder Executivo Federal (SisCor-PEF) conforme define seu art. 1º,
de acordo com o já exposto em 2.1.4. Este Decreto dispôs ao Ministério da Transparência,
441
A comissão de sindicância específica para tal caso pode ser composta no mínimo por
dois servidores, efetivos (e não necessariamente estáveis) ou até mesmo também temporários,
com prazo de trabalho de trinta dias, prorrogáveis sucessivamente até a conclusão dos
trabalhos, conforme estabelecem o caput e o § 1º do art. 39 da Instrução Normativa CGU nº
14, de 2018. Importante destacar que especificamente para este rito, a norma da CGU não
prevê o instituto da designação de nova comissão após a fluência dos prazos original e
prorrogado, mas sim sucessivas prorrogações.
Instrução Normativa CGU nº 14, de 2018 - Art. 38. As infrações disciplinares
atribuídas a contratados nos termos da Lei nº 8.745, de 1993, serão apuradas
mediante sindicância, observados os princípios do contraditório e da ampla
defesa.
Parágrafo único. Da sindicância poderá resultar a aplicação de penalidade de
advertência, de suspensão de até 90 (noventa) dias ou de demissão.
E, por fim, é de se mencionar, ainda, os militares (como se denominam os membros
das Forças Armadas - Exército, Marinha e Aeronáutica - e também das Polícias Militares e
dos Corpos de Bombeiros dos Estados e Distrito Federal), que até a Emenda Constitucional
(EC) n° 18, de 5 de fevereiro de 1998, com que se alteraram comandos do art. 142 da CF,
eram considerados espécie de servidores públicos. A partir daí, a rigor, integram uma
categoria à parte de agentes públicos que, à vista de seu específico estatuto militar (Lei nº
6.880, de 9 de dezembro de 1980), não se subordinam à Lei n° 8.112, de 1990, e estão fora do
escopo do presente texto.
CF - Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e
pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares,
organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema
do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos
poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
§ 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na
organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.
§ 2º Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares.
§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-
se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:
(Incluído pela EC nº 18, de 1998)
X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a
estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade,
os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações
especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades,
inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de
guerra. (Incluído pela EC nº 18, de 1998)
A Lei nº 6.880, de 1980, com efetiva natureza de um estatuto, rege todos os direitos,
prerrogativas, deveres e obrigações dos membros das Forças Armadas e sedimenta que sua
atuação deve ser exercida com especial atenção aos princípios da hierarquia e da disciplina,
conforme se extrai dos seus arts. 1º e 2º e do caput do seu art. 3º. Ademais, a mencionada Lei,
no caput do seu art. 42, enumera que o militar pode incorrer em crime (apurado pela Justiça
Militar, de que tratam os arts. 122 e 123 da CF), contravenção ou transgressão disciplinar.
Lei nº 6.880, de 1980 - Art. 1º O presente Estatuto regula a situação,
obrigações, deveres, direitos e prerrogativas dos membros das Forças
Armadas.
Art. 2º As Forças Armadas, essenciais à execução da política de segurança
nacional, são constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, e
destinam-se a defender a Pátria e a garantir os poderes constituídos, a lei e a
ordem. São instituições nacionais, permanentes e regulares, organizadas com
base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da
República e dentro dos limites da lei.
Art. 3° Os membros das Forças Armadas, em razão de sua destinação
445
repercute naquele, embora sejam institutos distintos, interpretando que não foram
recepcionados pela nova ordem constitucional os textos legais estatutários (como o caput do
art. 20 e o art. 21, ambos da Lei nº 8.112, de 1990, por exemplo) que mantiveram o estágio
probatório em 24 meses e o período aquisitivo para estabilidade em dois anos. Desta forma,
prevalece o entendimento jurisprudencial de que o prazo do estágio probatório é de três anos
de efetivo exercício no cargo, com o qual se harmoniza o prazo para concessão de
estabilidade.
STF, Suspensão de Tutela Antecipada nº 264, Decisão: “(...) A nova norma
constitucional do art. 41 é imediatamente aplicável. Logo, as legislações
estatutárias que previam prazo inferior a três anos para o estágio probatório
restaram em desconformidade com o comando constitucional. Isso porque, não
há como se dissociar o prazo do estágio probatório do prazo da estabilidade.
(...)”
Idem: STF, Suspensões de Tutela Antecipada nº 310 e 311; e STJ, Mandados de
Segurança nº 12.523 e 14.274
Encerrando este breve parêntese, é certo que a eventual inabilitação de servidor em
estágio probatório referente a um cargo efetivo deve decorrer de procedimento administrativo
em que sejam oferecidas ao avaliado as garantias de exercício de ampla defesa e de
contraditório, conforme entende a jurisprudência. Não obstante, este procedimento específico
para o fim de avaliação do estágio probatório (no termos do § 1º do art. 20 da Lei nº 8.112, de
1990) não se confunde com a formalidade e com o rito próprio do processo disciplinar, vez
que se reflete em instância administrativa de gestão de pessoas, distinta da correcional e sua
eventual repercussão, de exoneração de ofício do cargo efetivo no caso de servidor não
estável ou de recondução ao cargo anteriormente ocupado no caso de servidor estável
(conforme o § 2º do mesmo dispositivo legal acima), não se confunde com o caráter punitivo
da pena de demissão prevista no regime disciplinar (prevista no inciso III do art. 127 e no art.
132, ambos da mesma Lei). Embora se reconheça que os fatores de avaliação se
intercomunicam com a matéria correcional, devem, para fins de avaliação de estágio
probatório, ser apreciados pela autoridade de gestão de pessoas sob a ótica e sob os princípios
específicos desta instância, que não necessariamente se manifestam de forma idêntica à forma
como são exigidos e sancionados na instância disciplinar, podendo eventual crítica ao
comportamento funcional repercutir apenas na avaliação funcional e não em instância
disciplinar ou vice-versa.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 20.
§ 1º Quatro meses antes de findo o período do estágio probatório, será
submetida à homologação da autoridade competente a avaliação do
desempenho do servidor, realizada por comissão constituída para essa
finalidade, de acordo com o que dispuser a lei ou o regulamento da respectiva
carreira ou cargo, sem prejuízo da continuidade de apuração dos fatores
enumerados nos incisos I a V do caput deste artigo. (Redação dada pela Lei nº
11.784, de 2008)
§ 2º O servidor não aprovado no estágio probatório será exonerado ou, se
estável, reconduzido ao cargo anteriormente ocupado, observado o disposto no
parágrafo único do art. 29.
STJ, Recurso em Mandado de Segurança nº 20.934: “Ementa: (...) 3. A
exoneração do servidor público aprovado em concurso público, que se
encontra em estágio probatório, não prescinde da observância do
procedimento administrativo específico legalmente previsto, sendo
desnecessária a instauração de processo administrativo disciplinar, com todas
suas formalidades, para a apuração de inaptidão ou insuficiência no exercício
das funções, desde que tal exoneração se funde em motivos e fatos reais e sejam
asseguradas as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
Precedentes. 4. No caso dos autos, o procedimento administrativo para a não
confirmação do Impetrante no cargo de Investigador de Polícia da Polícia
450
direito público. Ou seja, é possível responsabilizar tanto o servidor ocupante de cargo efetivo
(estável ou não), quanto o ocupante exclusivamente de cargo em comissão, que não detém
simultaneamente cargo efetivo.
No caso de servidor que possui apenas o vínculo comissionado com a Administração,
ou seja, que não detém cargo efetivo mas sim somente cargo em comissão, a eventual pena
expulsiva prevista na Lei nº 8.112, de 1990 (no inciso V do seu art. 127 e no seu art. 135), é a
destituição do cargo em comissão, não havendo que se aplicar o termo demissão, conforme se
abordará em 4.10.2.5. Já no caso de servidor que possui cargo efetivo e ocupa também cargo
em comissão ou função de confiança no mesmo ente federado (União, Estado, Distrito
Federal ou Município), e, no exercício deste múnus comissionado ou de confiança, comete
irregularidade grave, a eventual pena expulsiva é a demissão do cargo efetivo (inciso III do
art. 127 e art. 132, ambos da Lei nº 8.112, de 1990), que fará cessar em definitivo a relação
funcional do servidor com a Administração - neste caso, a relação comissionada ou de
confiança pode ser mantida ou cessada a qualquer tempo, a critério da autoridade nomeante,
em mero ato de gestão de pessoas, independentemente de ser exercida no mesmo órgão ou em
órgão distinto daquele em que o servidor detém o cargo efetivo.
Como acima ressalvado, a repercussão de que aqui se cuida é cristalina quando ambos
os órgãos inserem-se em mesmo ente federado, regidos por mesmo Estatuto - por exemplo,
quando ambos os cargos são de órgãos federais, ainda que de diferentes Poderes (a
irregularidade grave cometida no exercício de cargo em comissão no Poder Legislativo ou
Poder Judiciário federais repercute no cargo efetivo que o servidor ocupa no Poder Executivo
federal e vice-versa). Em princípio, em razão da autonomia constitucionalmente garantida,
não haverá esta repercussão se os cargos em comissão e efetivo são de diferentes entes
federados (a irregularidade grave cometida no cargo em comissão estadual, distrital ou
municipal não repercute no cargo efetivo que o servidor ocupa na Administração federal e
vice-versa). A exceção de que se pode cogitar é quando o ato cometido no cargo em comissão
de outro ente federado encontra definição como infração e tem previsão de apenação
expulsiva em lei de aplicação nacional, como, por exemplo, a Lei nº 8.429, de 2 de junho de
1992 (a chamada Lei de Improbidade Administrativa), que define os ilícitos de improbidade
administrativa, conforme a doutrina do Ministério da Transparência, Fiscalização e
Controladoria-Geral na União (CGU)
“Questão interessante refere-se à repercussão da destituição de cargo em
comissão quando o agente ocupa cargo efetivo em outro órgão. O entendimento
dominante é de que se ambos os órgãos pertencerem ao mesmo ente federado
(por exemplo, dois órgãos federais, independentemente se do Poder Executivo,
Legislativo ou Judiciário) e forem disciplinados pelo mesmo Estatuto, a
transgressão disciplinar perpetrada no exercício de cargo em comissão
repercutirá no cargo efetivo originário. Ressalve-se os casos em que os cargos
em comissão e efetivo são de diferentes entes federados, em virtude da
autonomia que caracteriza a federação. Alerte-se sobre a exceção quando o ato
cometido no cargo em comissão de outro ente federado configura infração
apenada com expulsão em lei de aplicação nacional, a exemplo dos ilícitos
previstos na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92).”, Ministério
da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União, “Manual de
Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 39, 2013, disponível em
http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.pdf,
acesso em 07/08/13
Administrativo Disciplinar - Direito Material”, Vol. III, pgs. 267 e 268, Editora
Juruá, 1ª edição, 2013
Neste aspecto, em especial, destaca-se a licença para tratar de interesses particulares,
prevista no art. 91 da Lei nº 8.112, de 1990, cujo gozo traz a ressalva de que tem afastada a
proibição prevista no inciso X do art. 117 da mesma Lei. Em outras palavras, no período de
até três anos em que o servidor se afasta por tal licença, pode exercer gerência ou
administração de sociedade privada ou praticar atos de comércio, conforme se exporá
detalhadamente em 4.7.3.10.4.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 91. A critério da Administração, poderão ser
concedidas ao servidor ocupante de cargo efetivo, desde que não esteja em
estágio probatório, licenças para o trato de assuntos particulares pelo prazo de
até três anos consecutivos, sem remuneração. (Redação dada pela MP nº
2.225-45, de 4 de setembro de 2001)
Parágrafo único. A licença poderá ser interrompida, a qualquer tempo, a
pedido do servidor ou no interesse do serviço. (Redação dada pela MP nº
2.225-45, de 2001)
Art. 117. Ao servidor é proibido:
X - participar de gerência ou administração de sociedade privada,
personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade
de acionista, cotista ou comanditário; (Redação dada pela Lei nº 11.784, de 22
de setembro de 2008)
Parágrafo único. A vedação de que trata o inciso X do caput deste artigo não
se aplica nos seguintes casos: (Incluído pela Lei nº 11.784, de 2008)
I - participação nos conselhos de administração e fiscal de empresas ou
entidades em que a União detenha, direta ou indiretamente, participação no
capital social ou em sociedade cooperativa constituída para prestar serviços a
seus membros; e (Incluído pela Lei nº 11.784, de 2008)
II - gozo de licença para o trato de interesses particulares, na forma do art. 91
desta Lei, observada a legislação sobre conflito de interesses. (Incluído pela
Lei nº 11.784, de 2008)
Aproveita-se para esclarecer que a licença incentivada, que havia sido introduzida
pelos arts. 8 a 11 e 18 a 20 da Medida Provisória nº 2.174-28, de 24 de agosto de 2001, que
tinha natureza similar à licença para tratar de interesses particulares, foi excluída do
ordenamento pela Lei nº 12.998, de 18 de junho de 2014.
Apresentada a peculiaridade da licença para tratar de interesses particulares, retoma-se
a discussão inicial, acerca da manutenção do vínculo estatutário (destacadamente do regime
disciplinar) enquanto o servidor se encontra no gozo de tal afastamento. Este entendimento,
cujas primeiros amparos repousavam na base principiológica, tem obtido crescente respaldo
normativo, inicialmente em normas infralegais, e por fim culminando na expressa previsão
em lei.
Mencione-se, então, que o art. 9º da Portaria MF nº 249, de 12 de junho de 2009,
asseverou que o gozo da licença para tratar de interesses particulares não isenta o servidor do
regime disciplinar, com exceção da hipótese já ressalvada no inciso II do parágrafo único do
art. 117 da Lei nº 8.112, de 1990.
Portaria MF nº 249, de 2009 - Art. 9º A licença para tratar de interesses
particulares não isenta o servidor dos deveres, impedimentos e vedações
previstos no regime administrativo disciplinar, ressalvado o disposto no art.
117, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
Na mesma linha, o então Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG),
por meio de sua Secretaria de Gestão Pública (MPOG/Segep), como órgão central do Sistema
de Pessoal Civil da Administração Federal (Sipec), editou a Portaria Normativa MPOG/Segep
nº 4, de 6 de julho de 2012, que, ao traçar regramentos para a concessão e usufruto da licença
para tratar de interesses particulares em todo Poder Executivo federal, reiterou que não se
461
acerca de determinado tema, conforme se detalhará em 3.3.8. Por último, com baixo grau de
certeza e de segurança, mencionam-se ainda as fontes negociais, oriundas de manifestações de
vontades particulares em contratos, aqui citadas apenas para esgotar a conceituação, visto não
se adequarem ao ramo de Direito público em tela.
Importante mencionar que a LINDB volta a mencionar e a valorizar, em seu art. 24,
as fontes que refletem práticas reiteradas e jurisprudências judicial e administrativa,
incluindo-as no conceito mais genérico e abrangente de orientações gerais. Segundo este
comando legal, a avaliação da validade de ato, processo ou norma passa pela ponderação de
tais orientações gerais aplicáveis à época e não se deve invalidar situações consolidadas tão
somente em virtude de posterior mudança de entendimento expresso naquelas fontes.
LINDB - Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou
judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma
administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as
orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança
posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente
constituídas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018)
Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e
especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência
judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática
administrativa reiterada e de amplo conhecimento público. (Incluído pela Lei
nº 13.655, de 2018)
A teoria explica, portanto, que as fontes formam uma concepção sistemática e
hierarquizada de centros emanadores e positivadores do Direito, que se manifestam por meio
dos respectivos atos, com decrescentes forças de impositividade, desde as fontes legislativas
até as fontes consuetudinárias e jurisprudenciais e por fim as negociais (normas, costumes,
sentenças e até contratos, que aqui serão desprezados).
Não obstante, dentre os objetivos específicos do presente texto, com licença ao mesmo
tempo simplificadora e extensiva de terminologia, a palavra “fonte” será empregada
abarcando, além daquela conceituação tradicional acima, também um conjunto de regras
estruturais que, mesmo não figurando como elementos emanadores em sentido estrito do
Direito, integram a razão jurídica e agregam uma forma de coesão global ao sistema e ao
ordenamento jurídico e conferem-lhe a necessária imperatividade. Nestas regras estruturais
inserem-se, dentre o que pode ser relevante para o presente texto, os princípios jurídicos, que,
desde os mais gerais até os de aplicação mais específica, alcançam grande importância e
relevância na matéria jurídica, e, por fim, a doutrina, figurando esta como o elemento
informador de menor grau de hierarquia, de objetividade e de imposição, conforme se
detalhará em 3.3.8.
Quanto aos princípios de Direito, aqui os abordando de uma forma global (tanto
aqueles princípios gerais de Direito, aplicáveis em qualquer ramo jurídico, quanto aqueles
mais específicos de determinada instância), convém expor uma apresentação introdutória,
pois não serão contemplados com um tópico específico neste texto. Sendo, de certa forma, um
reflexo da ideia abstrata que se tem do Direito natural (como um conjunto de regramentos
universais e derivados da consciência coletiva e da busca da justiça ideal), na verdade, os
princípios jurídicos se manifestam e repercutem em distintos ramos da ciência jurídica e nas
respectivas normatizações, em todos ou apenas em alguns destes ramos, de diferentes formas
e intensidades e atendendo às respectivas peculiaridades. Embora, formalmente, não sejam
uma fonte emanadora de Direito, os princípios jurídicos encontram-se fortemente enraizados e
indissociadamente refletidos nas fontes normativas de cada instância de Direito, já que tanto
melhor será uma normatização quanto mais ela conseguir refletir os valores adotados como
princípios desde sua construção natural.
Em virtude da extremada relevância que os princípios jurídicos assumem nas
correspondentes instâncias de Direito - já que é neles que, em suma, reside o caráter
467
todavia, jamais lhes retira a essência de serem princípios). Eles fornecem ao aplicador uma
visão sistêmica do ordenamento, interpretando seu sentido ou integrando suas lacunas. Diante
de situações que aparentemente comportam mais de uma decisão legalmente aceitável ou que
aparenta não ter nenhuma solução cabível, o emprego adequado dos princípios certamente
propiciará ao aplicador a conduta correta ou, ao menos, excluirá as condutas incompatíveis.
Uma vez que os princípios jurídicos (gerais ou específicos) refletem os mais altos
valores abstratos adotados pelo grupamento social, eles se inserem na percepção abstrata que
pode se ter de Direito natural e de sentimento social de justiça. Em decorrência, sob ótica
ideal, a positivação em normas que regula o contexto jurídico deve buscar, ao máximo
possível, fazer refletir no ordenamento vinculante aquelas premissas e aqueles fortes axiomas
espontaneamente adotados pelo corpo social e que refletem sua vontade, sendo certo que,
independentemente da expressa positivação dos princípios em normas, o ordenamento sempre
deve ser compreendido aprioristicamente impregnado dos valores por eles estabelecidos. Daí,
como os princípios direcionam e informam a elaboração das normas reguladoras, em
determinadas situações, pode se revelar muito mais afrontoso ao Direito não observar um
princípio do que descumprir uma norma positivada. Como tal, conforme também entende a
doutrina, um processo conduzido com inobservância de princípios reitores pode vir a ser
objeto de crítica por nulidade.
“Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A
desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico
mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos. É a mais grave
forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio
atingido, porque representa ingerência contra todo o sistema, subversão de
seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e
corrosão de sua estrutura mestra.”, Celso Antônio Bandeira de Melo, “Curso
de Direito Administrativo”, pg. 943, Malheiros Editores, 25ª edição, 2008
“Não obstante, destaque-se que os princípios jurídicos são bem mais
importantes do que as normas escritas, razão por que é bastante correto dizer
que se afronta muito mais o direito quando se desacata um dos seus princípios
do que quando se desatende a uma de suas normas textuais, posto que uma
regra expressa contém apenas uma diretiva, enquanto que um princípio encerra
um conteúdo informador e formador de várias normas.” José Armando da
Costa, “Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 47,
Editora Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005
Além deste aspecto de transcenderem os limites jurídicos, vez que o processo de
criação normativa deve se inspirar nesta robusta base conceitual espontaneamente adotada
pelo grupamento social e que o consequente ordenamento deve espelhá-la, tem-se ainda que
os princípios jurídicos, independentemente de advirem do texto constitucional, de lei, da
construção doutrinária ou mesmo do Direito natural, formam um conjunto de ferramentas que
refletem a excelência do salutar jogo de pesos e contrapesos em que deve se apoiar o Direito.
Os princípios são mandamentos que dinamicamente se intercomunicam, seja por vezes para se
reforçarem mutuamente, seja por vezes para que um atue como delimitador de outro. Nenhum
princípio pode ser compreendido de forma isolada e muito menos empregado de forma
estanque e dissociada, em detrimento de toda a base principiológica da instância de Direito
em questão, como se prevalecesse de forma absoluta sobre os demais, não comportando freios
em seu emprego. Devido ao alto grau de abstração que os caracteriza, é possível que haja
colisões entre os princípios aplicáveis a uma mesma situação fática, ou seja, que dois ou mais
princípios, passíveis de subsidiar determinada decisão, conduzam o caso a soluções
diametralmente opostas.
Ao contrário, o aplicador do Direito deve ter inequívoca percepção de que princípios
formam um conjunto dinâmico de forças que se amoldam e se delimitam. Os princípios
mutuamente se tocam, se tangenciam e se delimitam por meio de fronteiras dinâmicas e
470
doutrina. Antes, destaque-se que a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 (a chamada Lei de
Improbidade Administrativa), que figura como uma importante fonte legal do Direito
Administrativo Disciplinar em termos de conceituação material de atos de improbidade
administrativa, por não possuir aplicação na instância procedimental disciplinar, não será aqui
abordada e terá, neste texto, sua aplicação detalhada em 4.7.4.4.1, quando se apresentará a
definição material daquela espécie de ilícito.
“São fontes originárias do processo disciplinar a Constituição Federal, os
estatutos dos servidores públicos e as normas de organização de entidades
como empresas públicas e sociedades de economia mista. As lacunas são
seguidas pela Lei do Processo Administrativo (na área federal, Lei nº
9.784/99), pela analogia dentro do Direito Administrativo, pelos princípios que
regulam o processo disciplinar e o Direito Administrativo, pelas normas e
princípios do Direito Penal e Processual Penal, pelo Código de Processo Civil
- matriz de todos os processos - e pelos princípios gerais do direito.” Léo da
Silva Alves, “Sindicância e Processo Disciplinar em 50 Súmulas”, pg. 33,
Editora Brasília Jurídica, 1ª edição, 2005
Conforme afirmado acima, a exposição das fontes normativas se fará calcada
precipuamente nos princípios nelas previstos. Diante da conhecida hierarquização das fontes
normativas, é comum que princípios de natureza constitucional se reflitam nas leis ordinárias,
bem como é comum que princípios encartados em leis de regulamentações mais gerais
também estejam previstos em leis mais específicas. Para se evitar desnecessária repetição da
conceituação de determinados princípios, tais enunciados serão aqui apresentados sempre
somente à luz da norma de maior hierarquia que os reflete. Assim, se determinado princípio se
encontra encartado tanto na Constituição Federal (CF) quanto na Lei nº 9.784, de 1999, no
Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal (CPP) e no CPC,
ele será aqui abordado apenas quando se mencionarem os princípios da CF; se determinado
princípio se vê refletido tanto na Lei nº 9.784, de 1999, quanto no CPP e no CPC, ele será
aqui abordado apenas quando se mencionarem os princípios daquela Lei; e se determinado
princípio se vê refletido tanto no CPP quanto no CPC, ele será aqui abordado apenas quando
se mencionarem os princípios do CPP.
mutuamente se reforçam, mitigando, por vezes, a precisa fronteira entre um e outro, tamanha
a intensidade com que se associam.
Por sua vez, a garantia constitucional do contraditório significa para o acusado ter o
direito de se contrapor a cada ato realizado pela comissão ou de dar-lhe a versão que condiz
com seus interesses de defesa ou de, para cada ato, construir a sua própria tese ou
entendimento jurídico que entenda cabível. O princípio se concretiza com a oferta da ciência
das provas juntadas aos autos e com a garantia de poder contestá-las de imediato, caso deseje,
estabelecendo uma relação bilateral, não necessariamente antagônica, mas sim
preferencialmente colaboradora com a elucidação da verdade. Por outro lado, o contraditório
se satisfaz apenas com a oferta, com a faculdade, com a prerrogativa que se concede ao
interessado em produzir contradita em relação a atos que militem a seu desfavor, não
caracterizando afronta ao princípio, se, uma vez devidamente ofertada a oportunidade à parte,
ela se omite e não a exercita. Em síntese, o contraditório se concretiza quando o processo
propicia o diálogo. Para isto, é necessário, então, dar ciência ao acusado, como regra geral,
com prazo hábil de antecedência de três dias úteis, de atos de produção de provas (provas
orais – tais como oitivas de testemunhas, interrogatórios e acareações -, diligências, perícias,
assessorias técnicas, etc) e decisões prolatadas, conforme se verá em 4.4.3, a fim de que a
parte, caso queira, possa se opor ou dar outra versão ou fornecer interpretação jurídica
diversa, conforme também sustenta a doutrina.
“A diferença parece sutil, mas é fundamental. No contraditório, o acusado
procura derrubar a verdade da acusação; na ampla defesa, ele sustenta a
verdade dele.” Léo da Silva Alves, “A Prova no Processo Disciplinar”, pg. 23,
Editora Lumen Juris, 1ª edição, 2003
Enfim, não basta que a comissão colete os elementos de prova que lhe pareçam
relevantes para formar sua convicção; o contraditório garante ao acusado a faculdade não só
de contra-arrazoar as provas elaboradas pela comissão, como também de produzir suas
próprias provas e de ter suas alegações imparcialmente apreciadas e valoradas pela
Administração.
Em patamar infraconstitucional, o princípio do contraditório, além do art. 153 e do
caput do art. 156 da Lei nº 8.112, de 1990, também se encontra positivado no caput do art. 2º
da Lei nº 9.784, de 1999.
As garantias da ampla defesa e do contraditório devem ser encaradas pela comissão
como a base da condução do processo, pois são os pilares da validade dos atos processuais, da
decisão prolatada e de todo o processo em si, independentemente do rito (se processo
administrativo disciplinar - PAD em rito ordinário ou sumário ou se sindicância disciplinar).
A comissão deve reservar, no curso de todo o apuratório, constante atenção a estes dois
direitos, visto que, como regra, no processo disciplinar, sua inobservância é a causa mais
comum de nulidade.
Assim se manifestou a Advocacia-Geral da União (AGU), quando o órgão jurídico
apreciou os direitos ao contraditório e à ampla defesa, nos seus Pareceres nº GQ-37, 55 e 177,
vinculantes, reproduzindo a citação doutrinária que se segue:
“É por isto que o contraditório não se pode limitar ao oferecimento de
oportunidade para produção de provas. É preciso que ele mesmo (o
magistrado) avalie se a quantidade de defesa produzida foi satisfatória para a
formação do seu convencimento. Portanto, a ampla defesa não é aquela que é
satisfatória segundo os critérios do réu, mas sim aquela que satisfaz a
exigência do juízo. (...) (Celso Ribeiro Bastos, Comentários à Constituição do
Brasil, Editora Saraiva, 1989, 2º vol, pg. 267).”
Nunca é demais ressaltar que o exposto no presente tópico restringe-se a processo
disciplinar que contenha em si uma relação de litígio, como é o caso da instância disciplinar,
tais como o PAD em stricto sensu e a sindicância disciplinar, em que a Administração acusa o
servidor, não estando alcançados pelo enunciado constitucional de se garantirem ampla defesa
e contraditório a investigados nos ritos meramente investigativos da fase de admissibilidade,
476
poderes ou prerrogativas, mas só pode fazer o que a lei expressamente autoriza. De certa
forma, pode-se sintetizar que, em regra, entre particulares, vigora a autonomia da vontade,
enquanto, em seara pública, a Administração e o agente público têm vontades delimitadas
pela lei e pelo interesse público.
Feita esta introdução geral, atentando-se especificamente para a seara pública, enfoca-
se que o princípio da legalidade, mencionado no caput do art. 37 da CF, exige que os agentes
públicos mantenham sua atuação funcional delimitada por previsão legal.
Mas é de se atentar que, para a legítima prática de um ato administrativo, não basta a
existência formal de lei a autorizar sua emanação; além disto, deve também ter ocorrido o
conjunto fático que a lei estabelece como pré-requisito para a prática do tal ato. O ato
administrativo somente pode ser praticado se estiverem atendidas as condições que a lei que o
prevê estabelece como necessárias à sua emanação.
Aplicando este princípio no processo disciplinar, em indissociável relação com o
princípio do devido processo legal, afirma-se que os agentes públicos competentes para sua
condução (autoridade instauradora, comissão e autoridade julgadora) têm sua atuação
delimitada pela previsão legal, de forma que todos os atos processuais sejam produzidos da
forma prevista em lei (no sentido amplo do termo, de qualquer ato normativo).
Como se tem, no enfoque em questão, o devido processo legal definido nos Títulos IV
e V da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, eis que resta limitada margem de
discricionariedade na matéria disciplinar, dada a vinculação do procedimento à lei, desde a
obrigatoriedade de a autoridade competente instaurar o processo, passando pelo rito
apuratório a cargo da comissão e concluindo nas listas exaustivas e associadas de infrações e
penalidades administrativas. E, mesmo nos casos em que resta alguma margem discricionária,
isto não se confunde com arbitrariedade, visto que o agente público deve adotar a melhor
conduta, dentre o conjunto de decisões legalmente aceitáveis, segundo critérios de
conveniência e oportunidade para o interesse público.
Na leitura mais extensiva deste princípio, não basta o procedimento seguir os ditames
da lei; também é necessário que ele assegure a satisfação das finalidades da lei, conferindo
não só legalidade mas também legitimidade ao processo como um todo e ao resultado com ele
alcançado. E o termo “lei” deve ser lido de forma extensa, albergando todo o ordenamento,
desde a CF, passando pelas leis e decretos, até as normas infralegais, internas do órgão.
Com atenção a este enfoque, de também se buscar legitimidade, atendendo os fins
previstos em lei, convém abordar que a legalidade é delimitada por outros princípios caros ao
processo, como eficiência, razoabilidade e proporcionalidade. As autoridades intervenientes e
os servidores designados para compor comissão não devem ser cegamente submissos à estrita
legalidade em situações que atentam contra o bom senso, o senso de justiça e, principalmente,
contra o interesse público.
Na busca deste objetivo, tem-se em princípio que a atuação da Administração deve
atender à lei; mas, resgatando que o princípio da legalidade requer uma compreensão mais
complexa em sua aplicação, sem dúvida, ao mesmo tempo, tem de se cuidar de fazê-lo sem se
afastar do bom Direito. O agente público investido da função correcional (seja autoridade
instauradora, comissão ou julgador) não pode se abster do bom senso, do senso de justiça e de
equilíbrio, da noção concreta dos fatos e das vinculadas repercussões, por força da visão
conglobante dos princípios da eficiência, da razoabilidade e da proporcionalidade, também
conforme pontua a doutrina.
“Numa visão mais coerente e eqüânime do constitucionalismo atual, (...) a
garantia individual do princípio da legalidade não restará satisfeita apenas
com a circunstância de que as restrições impostas ao cidadão estejam previstas
em lei, mas sim que elas sejam proporcionais (...) o princípio constitucional da
legalidade deve-se associar ao princípio virtual e inorgânico da
479
regramentos para todos os requisitos de sua validade, restando limitado grau de liberdade ao
agente público na sua efetivação. Uma vez não atendido qualquer dos requisitos legais ou
regulamentares, o ato inquina-se de vício de ilegalidade e de consequente nulidade.
Sendo toda a emanação deste tipo de ato integralmente delimitada por lei, cabe ao
Poder Judiciário, por um lado, apenas avaliar sua legalidade, ou seja, analisar a conformidade
do ato com a lei; mas, por outro lado, o controle judicial se dá sobre todos os requisitos do
ato, podendo anulá-lo quando contiver ilegalidade.
Em complemento, um ato administrativo é dito discricionário quando a lei (em sentido
amplo) mantém certa margem de liberdade de decisão nas mãos do agente público,
permitindo que este adote, dentre todas as soluções cabíveis conforme o Direito, aquela que
melhor atende aos critérios de oportunidade e de conveniência da Administração para a
situação em tela. A discricionariedade não se confunde com arbítrio, pois os requisitos de
competência do agente, de finalidade de interesse público e de forma de acordo com a
prevista em lei não se afastam (sobretudo os dois primeiros, podendo, por vezes, ser
legalmente permitida mais de uma forma para a realização de um ato). A discricionariedade,
em geral, faculta ao agente público a análise de oportunidade e de conveniência acerca apenas
dos requisitos de motivo e de objeto, de forma que, nas hipóteses em que a lei assim prevê, o
ato discricionário é uma liberdade de atuação legalmente permitida, enquanto o ato arbitrário,
que não respeite aos requisitos mínimos exigidos, resta sempre inválido, ilegal e à margem do
Direito.
Uma vez que no ato discricionário alguns de seus requisitos de validade encontram
definição em lei e outros são deixados, com maior ou menor grau de liberdade, à apreciação
da Administração, tal espécie de ato pode ser avaliada pelo Poder Judiciário tanto em termos
de legalidade (ou seja, a conformidade com a lei dos requisitos regrados) quanto em termos de
mérito (ou seja, a oportunidade e a conveniência, diante do interesse público buscado, na
adoção do motivo e do objeto). No caso do ato discricionário, o controle judicial é possível,
mas, em vista da independência e da harmonia dos Poderes, deve ser respeitada a
discricionariedade que a lei confere à Administração para adoção de motivo e de objeto do
ato, cabendo ao Poder Judiciário analisar os aspectos de legalidade atinentes aos requisitos
regrados e analisar se o exercício da discricionariedade nos demais requisitos se ateve ou não
aos limites concedidos pela lei (o que, de certa forma, circularmente, mantém a análise em
critérios de legalidade), podendo anular o ato inquinado de ilegalidade ou de abuso de poder.
Assim, sob ótica disciplinar, conforme mais detidamente se abordará em 4.10.2.1, a
aplicação do regime disciplinar sobre o servidor é vinculada, não admitindo a Lei nº 8.112, de
11 de dezembro de 1990, nenhuma apreciação de conveniência ou oportunidade à autoridade,
devendo ser punido o infrator cuja responsabilidade reste comprovada após o rito do processo
disciplinar. Não obstante, a citada Lei confere raro espaço de discricionariedade à
Administração quando prevê, por exemplo, que as irregularidades enquadradas no seu art. 116
ou nos incisos I a VIII e XIX do seu art. 117 podem ser punidas com advertência ou com
suspensão, conforme critérios do seu art. 128.
Uma vez que a CF, no caput do seu art. 37, elencou os princípios da legalidade e da
moralidade como autônomos, tem-se que um ato até pode ser legal mas não necessariamente
moral (no sentido de justo ou honesto). Advirta-se que, no presente texto, embora se
empreguem indistintamente os vocábulos “imoral” e “imoralidade”, tem-se que as afrontas à
moralidade contemplam não só o que, em sentido estrito, se chama de imoral (quando a
afronta à moral é consciente) mas também de amoral (quando a afronta se dá por postura de
indiferença, por ausência de senso moral).
CF - Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência (...) (Redação dada pela Emenda Constitucional - EC
nº 19, de 14 de junho de 1998)
485
Mas esta moral de que aqui se cuida não é a moral comum, imposta ao homem para
sua vida externa, mas sim a moral jurídica, imposta ao agente público, em sua conduta interna
na instância administrativa. Daí, doutrinariamente, o princípio passa a ser melhor especificado
como princípio da moralidade administrativa.
Tal princípio impõe ao agente público os deveres de servir à Administração e também
aos administrados com honestidade, respeito, boa-fé e imparcialidade, bem como de exercer
suas atribuições legais sem se afastar da finalidade da lei e da isonomia, vedando buscar
indevido proveito pessoal ou de outrem com abuso de poder. Diante das espécies excesso de
poder e desvio de finalidade, depara-se com duas formas de ato abusivo: uma, detectada à
mera ilegalidade do ato cometido por agente incompetente; e outra, detectada à imoralidade
do ato, em sua parcela discricionária, de forma que o ato imoral pode até ser legal, mas esta
legalidade apenas aparente não lhe empresta legitimidade.
Não obstante, à vista do caráter harmônico com que se amparam, se ponderam e se
amoldam os princípios, não se pode fazer sobrepor o princípio da moralidade administrativa
aos demais princípios, como, por exemplo, fazendo com que preceitos éticos, sociais,
culturais, religiosos, políticos, geográficos ou temporais (enfim, valores subjetivos)
imponham deveres ou restrições não objetivamente previstos em lei ou que quebrem a
isonomia entre as pessoas ou que prejudiquem a publicidade dos atos públicos. Tampouco se
cogita que, em nome da moral interna da pessoa, se justifique o descumprimento da norma
positivada.
Por um lado, a moralidade administrativa, em síntese, integra a conduta ética na
aplicação da lei na margem da discricionariedade, impondo que, além dos critérios de
oportunidade e conveniência, os atos administrativos devem ainda contemplar a decisão entre
o honesto e o desonesto. O princípio não se aplica de forma antagônica ou divorciada da
legalidade, mas sim atua “dentro da lei”, disciplinando a parcela permitida de
discricionariedade na atividade pública, orientando, interpretando e dando coerência ao
ordenamento positivado. Enquanto as normas estabelecem exigências, o princípio da
moralidade administrativa tem o condão de otimizar o cumprimento destas exigências.
Mas, por outro lado, este é um princípio cuja invocação requer cautela, visto ser um
mandamento aberto (por requerer complementação valorativa, obtida da jurisprudência e da
doutrina), de difíceis positivação e conceituação. O fato de conceitos éticos e morais terem
passado a repercutir juridicamente por meio da CF não autoriza que se considere ilícito
jurídico qualquer ato da vida concreta que, em determinado local ou época, possa ser tratado
como violação a preceito moral, visto que, concretamente, este é um conceito flexível no meio
social, no tempo e no espaço, conforme já dito, influenciado por valores subjetivos. Destaque-
se que esta cautela ainda mais fortemente se justifica uma vez que, no extremo, a
configuração de dano ao erário ou enriquecimento ilícito ou afronta aos deveres de
honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade, com alto grau de ofensividade e dolo,
afrontando em particular o núcleo da conduta moral (ou seja, o dever mais específico da
probidade administrativa), pode importar em seriíssimas repercussões se for tomada como ato
de improbidade administrativa. O ato de improbidade administrativa é considerado como
imoralidade administrativa qualificada, ou seja, como uma espécie qualificada do gênero
imoralidade administrativa, em decorrência de a conduta imoral ainda acarretar dano ao erário
e/ou enriquecimento ilícito.
Decerto, no caso específico da condução do processo disciplinar, restará atendido o
princípio da moralidade administrativa se a conduta da comissão for proba, motivada pela
imparcialidade de apurar, sem promiscuir-se a favor do acusado e sem levar-se por
pessoalidade contrária a ele.
O princípio da moralidade também encontra positivação infraconstitucional no caput e
no inciso IV do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (a Lei
Geral do Processo Administrativo, que regula processualística no âmbito da Administração
486
Pública federal).
indissociável, informações de tais naturezas, opera-se a vedação de acesso à íntegra dos autos,
sob pena de se permitir obtenção indevida de informação protegida. Nos mesmos termos já se
manifestou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, por meio do Parecer PGFN/Cojed nº
874/2014.
Parecer PGFN/Cojed nº 874/2014 - “20. (…)
d) Os Procedimentos Administrativos Disciplinares têm trâmite sigiloso, em
atenção ao art. 150 da Lei nº 8.112, de 1990;
e) Em casos excepcionais, devidamente justificados, podem ser divulgadas a
terceiros informações veiculadas em Processos Administrativos Disciplinares
ainda em trâmite, se necessários à tutela judicial ou administrativa de direitos
fundamentais;
f) Em casos tais, recomenda-se a extração de certidão com declaração do
conteúdo pretendido pelo interessado, a extração de cópia de documento(s)
específico(s), a manutenção de documentos sigilosos em autos apartados ou
mesmo a extração de cópias com a ocultação de partes/excertos dos
documentos ou atos dos Processos Administrativos Disciplinares;
g) Finalizado o Procedimento Disciplinar, o dever de sigilo permanece em se
verificando a existência de documentos abrangidos pelo sigilo (fiscal, bancário,
interceptações telefônicas) e o terceiro interessado não detenha autorização
judicial para analisá-los;
Ainda que ausentes documentos alcançados por sigilo, informações pessoais
veiculadas h) nos autos (de partes ou testemunhas) e demais informações que
revelem estratégias de atuação do órgão não recomendam a divulgação
integral a terceiros de seu conteúdo, exigindo-se uma análise pontual e
casuística da possibilidade de divulgação dos documentos; e
i) Em casos tais, recomenda-se a extração de certidão com declaração do
conteúdo pretendido pelo interessado, a extração de cópia de documento(s)
específico(s), a manutenção de documentos sigilosos em autos apartados ou
mesmo a extração de cópias com a ocultação de partes/excertos dos
documentos ou atos dos Processos Administrativos Disciplinares.”
O princípio da publicidade também encontra positivação infraconstitucional no inciso
V do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 9.784, de 1999.
em favor de outro mais relevante para o caso concreto, à luz do princípio da convivência das
liberdades. Em determinado caso, a despeito da proteção de algum direito fundamental de
qualquer pessoa, pode-se considerar que esteja em jogo um outro bem jurídico, também
merecedor de tutela, em favor de uma outra pessoa ou sobretudo a favor de toda a sociedade e
que seja mais relevante que aquele direito individual. Diante de tal conflito, resta inadmissível
a prevalência de princípios e de direitos absolutos, devendo se operar uma flexibilização
parcial de cada um deles, por meio de uma redução proporcional dos respectivos alcances - o
que não significa dizer a total eliminação de um, mas sim que as peculiaridades de cada caso
concreto ditarão o ponto de compatibilização e de equilíbrio harmônico entre eles e entre a
inteligência sistemática do texto constitucional.
Daí, importa destacar que o Supremo Tribunal Federal (STF), mais alta Corte do
Poder Judiciário pátrio, tido como a Corte protetora da constitucionalidade, já se manifestou
neste sentido, a saber, da possibilidade excepcional de quebra do direito fundamental da
pessoa quando a este direito privado se contrapõe o interesse maior, que é o interesse público,
uma vez que nenhuma liberdade individual pode ser exercida de forma absoluta quando
repercute danosamente à ordem pública e ao bem social. Diante do conflito de direitos, a
tensão entre o interesse particular e o interesse público se resolve caso a caso, sendo possível
que, em determinada hipótese de colidência, ao se ponderar valores e direitos em confronto,
se decida pela concessão da maior relevância e preponderância ao interesse de toda a
sociedade. Esta ponderação de valores pode ser justificada e reforçada também trazendo à
tona, dinamicamente, o princípio da proporcionalidade. Assim, dentro dos limites
estabelecidos em lei, o STF, com amparo doutrinário, tolera que, excepcional, proporcional e
motivadamente, se mitiguem garantias fundamentais da pessoa erigidas no art. 5º da CF.
STF, Mandado de Segurança nº 23.452, Voto: “Não há, no sistema
constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter
absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências
derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que
excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas
restritivas das prerrogativas, individuais ou coletivas, desde que respeitados os
termos estabelecidos pela própria Constituição.”
Idem: STF, Mandado de Segurança nº 24.369; e Justiça Federal de 1ª
Instância, Ação Cautelar nº 2001.5101003489-6.
“É que os direitos do homem, segundo a moderna doutrina constitucional, não
podem ser entendidos em sentido absoluto, em face da natural restrição
resultante do princípio da convivência das liberdades, pelo que não se permite
que qualquer delas seja exercida de modo danoso à ordem pública e às
liberdades alheias.” Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e
Antonio Magalhães Gomes Filho, “As Nulidades no Processo Penal”, pg. 145,
Editora Revista dos Tribunais, 9ª edição, 2006
Ora, de outra forma não poderia mesmo considerar a mais alta Corte pois, do
contrário, se estabeleceria uma inversão ou até mesmo uma subversão da ordem jurídica caso
se tentasse justificar a garantia fundamental em favor, por exemplo, de um possível infrator
em detrimento do interesse público maior. É cristalino que quando o legislador constituinte,
em acertada hora, estabeleceu como cláusulas pétreas a favor de todos as garantias
fundamentais da pessoa e inerentes ao Estado Democrático de Direito, fundava-se na
presunção de regularidade em que se esteia inicialmente a ciência jurídica, não tendo passado
em sua intenção propiciar garantias a favor de quem, em tese, incorre em infrações.
Integra o senso comum o reconhecimento da possibilidade de qualquer pessoa, em
razão de um ato infracional, se ver em situação tal que seus interesses pessoais antagonizem
com o interesse público, quando o Estado, por algumas de suas representações (Poder
Judiciário, autoridade policial ou Administração, por exemplo), busca a devida persecução e
punição, mediante aplicação do Direito Público, protegendo o interesse público e agindo em
494
seu nome. Em tal situação, não foi com vista a permitir o congelamento das ações estatais
inibidoras ou repressoras do ilícito que o constituinte erigiu determinados mandamentos de
salutar natureza garantista. Naquele momento, ao amparo de uma ferramenta teleológica de
interpretação, não buscava o constituinte abarcar a hipótese de proteção fundamental em favor
de possível infrator e a despeito de todo o interesse social. As garantias fundamentais e as
liberdades individuais do texto constitucional jamais podem ser vistas como subterfúgio para
irregularidades e para os respectivos infratores, conforme ilustra a doutrina.
“Os direitos humanos fundamentais, dentre eles os direitos e garantias
individuais e coletivos consagrados no art. 5º da Constituição Federal, não
podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de
atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição
da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total
consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito”, Alexandre de
Moraes, “Direito Constitucional”, pg. 27, Editora Atlas, 19ª edição, 2006
Pelo exposto, há situações em que garantias constitucionais podem ser limitadas. Se já
não o foram no próprio texto da CF (originário ou por meio de emendas constitucionais),
somente poderão ser atenuadas tais garantias por meio de lei stricto sensu, a qual, em regra,
ponderando direitos conflitantes com proporcionalidade e razoabilidade, fará prevalecer o
interesse público. Por exemplo, quanto ao inciso X do art. 5º da CF, menciona-se a Lei
Complementar (LC) nº 105, de 10 de janeiro de 2001, que regulamenta a quebra do sigilo
bancário; quanto a este mesmo inciso X em conjunto com o inciso XI ainda do art. 5º da CF,
mencionam-se os dispositivos recepcionados do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de
1941 - Código de Processo Penal (CPP) para busca e apreensão; quanto ao inciso XII,
menciona-se a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, que regulamentou a interceptação
telefônica.
2008
Citem-se, por exemplo, como de aplicação em todo o rito disciplinar, quando cabíveis,
os princípios listados no art. 2º da Lei nº 9.784, de 1999, no seu caput e também nos incisos
do parágrafo único. De imediato, como não poderia ser diferente, a Lei reporta-se a princípios
constitucionais (ampla defesa, no caput e no inciso X do parágrafo único do art. 2º;
contraditório, no caput do art. 2º; legalidade, no caput e no inciso I do parágrafo único do art.
2º; impessoalidade, no inciso III do parágrafo único do art. 2º; moralidade, no caput e no
inciso IV do parágrafo único do art. 2º; publicidade, no inciso V do parágrafo único do art. 2º;
e eficiência, no caput e no inciso IX do parágrafo único do art. 2ºe no art. 48).
Lei nº 9.784, de 1999 - Art. 2º A administração pública obedecerá, dentre
outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade,
proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança
jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre
outros, os critérios de:
I - atuação conforme a lei e o Direito;
II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de
poderes ou competências, salvo autorização em lei;
III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção
pessoal de agentes ou autoridades;
IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;
V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de
sigilo previstas na Constituição;
VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações,
restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao
atendimento do interesse público;
VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a
decisão;
VIII - observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos
administrados;
IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de
certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;
X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à
produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam
resultar sanções e nas situações de litígio;
XI - proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas
em lei;
XII - impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação
dos interessados;
XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o
atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de
nova interpretação.
Os princípios positivados no art. 2º da Lei nº 9.784, de 1999, tanto aqueles meramente
enumerados no caput quanto aqueles descritos no parágrafo único, são aplicáveis no processo
administrativo lato sensu. Sendo este um gênero do qual o processo disciplinar é uma espécie,
naturalmente, os princípios informadores do primeiro repercutem, ainda que em diferentes
graus, no segundo. Aqui também não é objetivo esgotar a análise dos princípios elencados na
Lei supra, para o quê se remete à doutrina especializada; dispensa-se a repetição dos
princípios já abordados do caput do art. 37 da Constituição Federal (CF); e busca-se enfatizar
as repercussões dos demais princípios no processo disciplinar, em que atuam como agentes da
Administração a comissão e as autoridades intervenientes, instauradora e julgadora.
Além desta base principiológica, a Lei nº 9.784, de 1999, estabelece, de forma
criteriosa, normas e conceitos que se aproveitam, subsidiariamente, no processo disciplinar e
que, à medida que for conveniente, serão abordados ao longo deste texto. A título de exemplo,
496
Como decorrência do primado de que o agente público tem sua conduta funcional
determinada pela vinculação ao ordenamento, o princípio em tela, como consequência
daquela vinculação, atua como inibidor do arbítrio, da pessoalidade e da discricionariedade,
determinando que todo ato ou decisão administrativa que importar em restrição de direitos
deve, obrigatoriamente, ter expressa a sua motivação, sob pena de ser passível de crítica por
nulidade.
A motivação é a explanação dos motivos que justificam a edição ou a emanação ou a
prática de determinado ato. Assim, enquanto os motivos são as indispensáveis razões de fato
ou de direito para a existência do ato, como um de seus requisitos de validade, nos termos já
expostos em 3.3.1.4.1, a motivação é a sua menção no ato; a motivação é a expressa
formalização dos motivos.
Em outras palavras, sendo o motivo a necessária e indispensável justificativa fática ou
jurídica para a realização de um ato administrativo, ele é inerente ao próprio ato e deste resta
indissociável, na premissa razoável de que nenhum ato de natureza jurídica se concretiza
como obra natural espontânea ou de forma aleatória e ainda sem ter em seu supedâneo uma
construção intelectual humana que justifique sua realização. Assim, por um lado, o motivo é
um requisito essencial à validade de qualquer ato, não se cogitando de o agente público atuar
sem razões de ordem pública a impulsionar suas manifestações e procedimentos decisórios ou
instrumentais. Por outro lado, diferentemente, a motivação pode ou não ser exigida, podendo
ou não os motivos serem manifestados no ato.
Necessário atentar para o natural relaxamento - e que pode acarretar algum grau de
confusão - com a terminologia sobre o tema. Quando, comumente, se menciona que
determinado ato administrativo deve ser motivado, se quer referir ao indispensável requisito
de validade de aquele ato possuir, na base de sua realização, um motivo fático ou jurídico que
o justifique, motivo este que não necessariamente deva estar exposto, como forma de
motivação. É comum se referir à necessidade de o ato ser motivado como consagração
daquele requisito indispensável à sua validade, o que, por um lado, não se confunde com a
necessidade de exposição do seu motivo, mas que, por outro lado, mesmo nas hipóteses de tal
desnecessidade, em caso de haver qualquer questionamento acerca da validade do ato, uma
vez que o motivo de sua realização existe, pode ser prontamente manifestado a quem o requer.
Nos casos em que o motivo regularmente não segue manifestado, a validade do ato
pode ser aferida por outra forma através da qual se verifique ou se compreenda este pré-
requisito, tais como em atos anteriores que lhe tenham dado supedâneo ou no simples amparo
em norma que preveja sua realização ou na condução ou na conclusão de um processo do qual
ele se originou, conforme também entende a doutrina.
“(...) Enquanto o motivo retrata a existência das razões de fato ou de direito
que impulsionaram a manifestação volitiva do agente da Administração,
motivação (...), portanto, é o motivo expressamente formalizado. Significa que o
motivo nem sempre estará constando do ato, mas poderá ser identificado em
documentos formais diversos; assim, um ato administrativo pode não conter
motivação, mas pode encontrar-se o motivo, por exemplo, em processo
administrativo de onde se originou o ato. Desse modo, todo ato, para ser
válido, precisa ter motivo, ao passo que nem sempre a motivação é exigível.”,
José dos Santos Carvalho Filho, “Processo Administrativo Federal”, pg. 52,
Editora Lumen Juris, 2ª edição, 2005
E, em complemento, quando exigida, a motivação não se confunde apenas com
fundamentar ou apontar o enquadramento legal que ampara a realização do ato, mas sim
apresentar, previamente ao ato ou à decisão, as razões e os elementos de convencimento para
realizá-lo, no que diz respeito tanto aos pressupostos de fato quanto aos preceitos jurídicos e
de direito. Obviamente, decorrendo do princípio da legalidade, a necessidade de motivação se
mitiga no espectro permitido ao agente público em atuar nos liames de seus critérios de
oportunidade ou conveniência, ou seja, quando este exerce regularmente seu poder
498
autoridade competente, mas sim de um dever de ofício indisponível, diante da tutela pública a
que se presta.
À vista do indisponível interesse público que move a presente instância jurídica, as
representações e denúncias que chegam ao conhecimento da autoridade devem ser
imparcialmente apreciadas, sob múnus vinculado e não discricionário; se for o caso de se
decidir positivamente em fase de admissibilidade, instaurando o processo disciplinar, este
deve ser conduzido até o seu final, não podendo se deixar de esgotar as apurações; e, por fim,
se for o caso de se concluir pela responsabilização do servidor, este deve ser apenado nos
termos legais, não havendo previsão para composições ou repercussões alternativas.
O princípio da indisponibilidade do interesse público tem positivação nos já
reproduzidos caput e inciso XIII do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 9.784, de 29 de
janeiro de 1999.
aplicada deve ser adequada ao ato ilícito, condizente com sua gravidade, atentando para o que
se consagra como do simetria da pena. Neste contexto, importante antecipar tema que será
detalhadamente exposto em 4.7.1.1 e em 4.10.2.1: tendo em vista a vinculação da aplicação
da pena e sua inequívoca associação aos enquadramentos da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro
de 1990, o melhor manejo deste princípio, em conjunto com o princípio da razoabilidade,
inegavelmente relevantes em seara pública punitiva, se dá não na inaceitável mitigação da
pena associada ao enquadramento conclusivo, mas sim na definição razoável e proporcional
deste enquadramento. Não se quer dizer que a Administração, por meio da comissão e da
autoridade julgadora, não atenta para estes dois princípios; atenta, sim, mas não com o condão
de deixar de aplicar penas vinculadamente associadas aos enquadramentos, mas sim em
buscar uma compreensão mais razoável e proporcional dos fatos cometidos antes de
enquadrá-los.
O princípio da proporcionalidade tem positivação nos já reproduzidos caput e inciso
VI do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
tal limitação, vigora na Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) o regramento interno de
que a competência instauradora e, por conseguinte, a tramitação do processo disciplinar
vinculam-se à jurisdição da unidade de lotação (ou de exercício, se diferente) do acusado,
como forma de minorar o risco de este ter de suportar ônus financeiro no acompanhamento
processual.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 173. Serão assegurados transporte e diárias:
I - ao servidor convocado para prestar depoimento fora da sede de sua
repartição, na condição de testemunha, denunciado ou indiciado;
II - aos membros da comissão e ao secretário, quando obrigados a se
deslocarem da sede dos trabalhos para a realização de missão essencial ao
esclarecimento dos fatos.
STJ, Recurso Especial nº 678.240: “10. O alegado cerceamento de defesa
ocorreu, segundo o recorrido, porque ‘[a] comissão processante, ao deslocar-
se ao interior do estado, para coleta de provas, não proporcionou as diárias a
que tinha direito o A. para que pudesse acompanhar as diligências e tomada de
depoimentos’ (fl. 4). 11. Em momento algum, a Lei n. 8.112/90 determinou à
Administração Pública o pagamento do deslocamento do servidor investigado
para acompanhar as diligências realizadas no PAD. Ao contrário, o art. 156,
caput, daquele diploma normativo apenas garante o direito de o servidor
acompanhar as diligências (obviamente, se quiser e se tiver condições).”
“Na condição de denunciado ou indiciado e estando o processo sendo
realizado fora da cidade onde trabalha, a locomoção e as despesas com
refeições não serão pagas pela administração, pois este inciso é claro quando
diz ‘convocado para prestar depoimento’ e não para assistir depoimento de
outras pessoas.” Wolgran Junqueira Ferreira, “Comentários ao Regime
Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União”, pg. 154, Edições
Profissionais, 1ª edição, 1992
O princípio da gratuidade tem positivação no inciso XI do parágrafo único do art. 2º
da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
Federal (STF). Deste princípio, extrai-se, sob ótica instrumental, que pode a Administração,
por meio do superior hierárquico, rever os atos emanados pelo subordinado, seja por
revogação, seja por anulação, tanto de ofício quanto a pedido, conforme melhor se abordará
em 4.12. E, neste rumo, o presente enunciado tem como imediato corolário o princípio da
pluralidade das instâncias.
STF, Enunciado da Súmula n° 346
A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos.
STF, Enunciado da Súmula n° 473
A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que
os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por
motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e
ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
O princípio da autotutela tem positivação nos arts. 53 e 55 da Lei nº 9.784, de 1999.
Lei n° 9.784, de 1999 - Art. 53. A Administração deve anular seus próprios
atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de
conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Art. 55. Em decisão da qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse
público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis
poderão ser convalidados pela própria Administração.
Código Civil
Prosseguindo na apresentação das fontes do Direito Administrativo Disciplinar, após
ter-se abordado a Constituição Federal (CF), como a fonte soberana de qualquer ramo
jurídico, e a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (a Lei Geral do Processo Administrativo,
que regula processualística no âmbito da Administração Pública federal), como a primeira
fonte a ser analisada pelo aplicador do Direito quando a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de
1990, se mostrar silente, passa-se para a análise do emprego subsidiário de Códigos de
matéria substancial e processual das instâncias judiciais, a saber, penal e civil, conforme
respaldam a jurisprudência e a doutrina.
TRF da 4ª Região, Apelação Cível nº 368.621: “Ementa: 2) É consabido que ao
processo administrativo disciplinar se pode aplicar subsidiariamente as normas
de direito processual penal.
“O direito administrativo disciplinar guarda relações com o direito civil
(noções de domicílio, de pessoa jurídica), constitucional (princípios e garantias
constitucionais incidem diretamente no processo administrativo disciplinar,
como do juiz natural, da irretroatividade da norma penal, da inadmissibilidade
de provas ilícitas, do contraditório e da ampla defesa, do devido processo legal,
da legalidade, moralidade, eficiência, publicidade, etc), penal (conceito de
crime contra a Administração Pública como falta disciplinar passível de pena
demissória, contagem da prescrição das faltas administrativas pelos prazos
prescricionais do Código Penal - art. 142, Lei federal n. 8.112/1990, idéias de
excludentes de ilicitude e de culpabilidade, inimputabilidade, etc), processual
civil e penal (procedimentos em audiências e para coleta de provas, etc),
comercial (conceitos de comércio e gerência, de atividade comercial
incompatível com a função pública, para fins de demissão do agente
transgressor), dentre outros tantos exemplos.”, Antonio Carlos Alencar
Carvalho, “Manual de Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância”, pg.
163, Editora Fortium, 1ª edição, 2008
“O direito disciplinar, como já dito, não é infenso à analogia penal, ainda mais
quando se cogita de pena de natureza grave, conforme se vê do entendimento
do Supremo Tribunal Federal manifestado no RE 78.917 (RTJ 71/284). O
direito disciplinar não é infenso à analogia penal. Antes, ao que ensina
Themístocles B. Cavalcanti no caso das penas puramente administrativas, os
mesmos princípios podem também ser aplicados por analogia (Direito e
Processo Disciplinar, p. 179)”. Sebastião José Lessa, “Do Processo
Administrativo Disciplinar e da Sindicância”, pg. 129, Editora Brasília
Jurídica, 4ª edição, 2006
“Nesses procedimentos [processo administrativo punitivo] são adotáveis,
subsidiariamente os preceitos do processo penal comum, quando não
conflitantes com as normas administrativas pertinentes”, Hely Lopes Meirelles,
“Direito Administrativo Brasileiro”, pg. 653, Malheiros Editores, 26ª edição,
2001
Neste rumo, necessário se pontuar de início que a aplicação de dispositivos do
Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal (CPP), do Decreto-
Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (CP), da Lei nº 13.105, de 16 de
março de 2015 - Código de Processo Civil (CPC) e da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002
- Código Civil (CC) somente pode ser dar de forma subsidiária, ou seja, quando a CF, a Lei nº
8.112, de 1990, e a Lei nº 9.784, de 1999, não apresentarem disciplinamento para a questão
requerida em determinado caso concreto. Ademais, além de jamais poderem ser empregados
em detrimento de disciplinamentos existentes nas fontes acima mencionadas, a aplicação
subsidiária de dispositivos destes Códigos deve se dar com as devidas adaptações e ajustes
para as peculiaridades da instância administrativa em relação às instâncias judiciais. O próprio
CPC encerra tal comando positivado em seu art. 15.
510
362, 367 e 370, acerca de notificações ou de citações por carta precatória, de réu preso e com
hora certa; dos arts. 156 e 386, VI, acerca do ônus probante e da absolvição por ausência de
provas; do art. 239, acerca de indícios; dos arts. 232, 234, 235 e 236, acerca de provas
documentais e tradução; dos arts. 202 a 224, acerca de oitiva de testemunhas; do art. 226,
acerca do reconhecimento de pessoas ou de coisas; dos arts. 159, 160, 174, 176 e 182 acerca
de perícias; dos arts. 229 e 230, acerca de acareação; do art. 157, acerca de provas ilícitas; dos
arts. 185, 186, 190, 191 e 197 a 200, acerca de interrogatório, dos direitos de o acusado não
fazer prova contra si mesmo e de se manter calado e de confissão; dos arts. 149 a 152, acerca
do incidente de insanidade mental; do art. 497 do CPP, acerca de defesa inepta; dos arts. 383 e
384, acerca de alteração de enquadramento; dos arts. 563, 565, 566 e 570, acerca de nulidade;
e dos arts. 65 e 935, acerca de independência das instâncias.
Da mesma forma, ao longo do texto, serão pontualmente destacados os seguintes
dispositivos do CP, dentre outros, em lista não exaustiva: dos arts. 61, 69, 70 e 71, acerca de
conexão, concurso de infrações e infrações continuadas; dos arts. 330 e 342, acerca dos
crimes de desobediência e de falso testemunho; dos arts. 151 e 153, acerca dos crimes de
revelação de correspondência, comunicação telefônica e de revelação de segredo; do art. 26,
acerca de inimputabilidade; dos arts. 69 e 70, acerca de concursos de normas ou de infrações;
dos arts. 18 a 26, acerca da definição analítica de crime; dos arts. 92 e 312 a 326, acerca de
crimes contra a Administração Pública e do efeito acessório da condenação penal de perda do
cargo; do art. 63, acerca de reincidência; dos arts. 109 a 112, acerca de prescrição criminal; e
do art. 107, acerca de extinção da punibilidade.
Similarmente, ao longo do texto, serão pontualmente destacados os seguintes
dispositivos do CPC, dentre outros, em lista não exaustiva: do art. 224, acerca de contagem de
prazo; dos arts. 238, 246 a 254, 256, 269, 270 a 275, acerca de notificação inicial ou de
citação com hora certa; do art. 188 do CPC, acerca de forma de atos processuais; dos arts. 369
a 374, acerca de provas; dos arts. 442, 443, 447, 448, 455, 457 e 459, acerca de oitivas de
testemunhas e de declarantes; dos arts. 483 e 484, acerca de diligências; dos arts. 465 e 464,
acerca de perícias; dos arts. 276 as 283, acerca de nulidades; e dos arts. 747 e 748, acerca de
interdição judicial.
Por fim, ao longo do texto, serão pontualmente destacados os seguintes dispositivos do
CC, dentre outros, em lista não exaustiva: dos arts. 1.591 a 1.595, acerca de relações de
parentesco; dos arts. 70 a 76, acerca de domicílio e de domicílio necessário; arts. 927, 932,
935, 942 e 1.147, acerca de reparação civil; dos arts 960 a 991 e 1.150, acerca do Direito de
empresa; e do art. 199, acerca de prescrição.
bem jurídico foi atingido pela conduta do agente, mas também quando o foi de forma
relevante. Em outras palavras, este princípio aponta para que o aplicador do Direito, antes de
cogitar da gravosa provocação da instância penal, verifique se os demais ramos jurídicos não
podem solucionar o conflito, de forma que o Direito Penal somente seja aplicado em último
caso, quando os controles formais e as proteções encartadas nos demais ramos não supram a
necessária tutela a valores primordiais da vida em sociedade.
Na esteira, sendo o Direito Administrativo Disciplinar também uma instância jurídica
pública e punitiva e voltando-se para a tutela de um conjunto de bens jurídicos de menor
amplitude (o que nem sempre se confunde com menor relevância) que o foco amplo da
instância penal, não há porquê não se cogitar de extensão de tal postura salutarmente
cautelosa, adotada por este ramo responsável pela proteção de bens jurídicos de interesse de
toda a sociedade. Assim, conforme voltará a se expor em 4.6.1.1, no âmbito restrito da
Administração, o Direito Administrativo Disciplinar também deve ser compreendido como o
remédio jurídico de aplicação subsidiária e residual, somente justificável quando as demais
formas de agir da Administração (seja coibindo ou inibindo ilícitos, seja restabelecendo o
equilíbrio interno afetado por condutas indesejadas), como por exemplo, o emprego de todas
as ferramentas ao dispor da gestão de pessoas, se demonstram ineficazes e insuficientes.
Ainda em linha de consequência do preceito em tela, não se admite que a parte que
tenha peticionado pela realização de determinada prova, posteriormente, entendendo que, ao
contrário do esperado, os resultados daquele ato instrucional possam se revelar ou já tenham
se revelado prejudiciais a seus próprios interesses, venha a rogar pela desconsideração de seu
requerimento ou pela inutilização da prova no processo e na formação do convencimento do
juiz. Não cabe sequer à parte requisitar para que, segregadamente, se seccionem as
informações contidas naquele elemento formador de convicção, como se possível fosse
selecionar apenas a parcela que se demonstre a ela favorável, com intenção de que a outra
parcela da prova seja desconsiderada. Uma vez que a prova, em sua íntegra, assume o valor
publicista de fornecer ao juízo a informação mais próxima possível do real e somente sob tal
cláusula de interesse público teve sua realização deferida, com este instituto não se coadunam
as inaceitáveis ideias de propriedade ou de exclusividade ou de seu uso delimitado à
conveniência de quem quer que seja. Tanto ao tempo ainda da petição quanto já após a
realização da prova, caso o juiz entenda por sua relevância para o correto julgamento, o ato
deve ser feito ou a prova deve ser integralmente mantida, a despeito da mudança de intenção
de quem havia inicialmente provocado por sua produção. Este primado se reflete, por
exemplo, nos comandos do parágrafo único do art. 412 e no art. 419, ambos da Lei nº 13.105,
de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil (CPC).
Assim é também porque, neste ponto, o princípio da comunhão da prova se reforça
com a aplicação de outro primado, qual seja, do princípio geral de Direito que reza a
proibição do autofavorecimento de quem quer que seja com sua própria torpeza - aqui, no
sentido mais abrangente deste enunciado generalista, pois nele se insere, de forma mais
específica ao tema, o preceito da vedação da assunção de comportamentos contraditórios entre
si por uma parte em processo (conforme se exemplificará em 4.12.1). Além do argumento
acima apresentado de ausência de propriedade da prova, também ao amparo deste preceito
associado à lisura e à lealdade na atuação processual se ratifica que não se tolera que a parte
peticione pela realização de determinada prova, quando se presume que este seu ato ampara-
se na boa-fé, e, posteriormente, tão somente por vislumbrar que os resultados daquele ato
instrucional lhe sejam surpreendentemente desfavoráveis, tente impedir sua realização ou sua
valoração (se já realizado), pois, ao assim agir, restará claro o ardil, eivado de má-fé, com a
intenção de tentar subtrair do juiz o mais completo entendimento acerca dos fatos reais
discutidos no processo.
Acrescente-se que a comunhão da eficácia da prova constante dos autos supera até
mesmo a questão de a que parte incumbia produzi-la ou, em termos mais comuns, a quem
cabia o ônus da prova. Segundo o princípio em tela, para o interesse público da decisão justa,
o que importa é que a prova relevante para o deslinde da questão seja realizada e conste dos
autos, não sendo pré-requisito de sua admissão e de sua valoração que sua realização tenha
decorrido exatamente da parte sobre a qual recaía o ônus de fazê-lo. A prova assume valor
homogêneo no processo ainda que tenha sido realizada em virtude de atuação de sobre quem
não recaía o ônus de produzi-la e mesmo que, ao final, venha a contribuir na convicção do
juiz de forma desfavorável ao interesse desta parte que por ela diligenciou. Isto significa que,
uma vez realizada no processo determinada prova, tal elemento atuará na formação de
convicção do julgador, de forma homogênea tanto sobre a parte a quem incumbia o ônus de
produzi-la quanto sobre a parte oposta e também independentemente de se sua realização se
deveu justamente a quem cabia tal ônus ou se, contrariamente, decorreu de quem nem sequer
estava obrigado a fazê-lo; e ainda, em qualquer das duas hipóteses, uma vez sendo a prova do
processo, não cabe à parte contrariada com sua autuação e valoração requerer seu
desentranhamento ou desconsideração.
Por óbvio, se o princípio informa pela manutenção da realização da prova mesmo
quando a parte que a provocou, posteriormente, manifesta renúncia ou arrependimento, menos
ainda se cogita de se ver alterada a decisão da feitura de ato instrucional ou de juntada de
elemento de prova quando esta é determinada de ofício pelo julgador. Ademais, tamanha pode
522
ser a força deste enunciado que se cogita de que, a rigor, em instância processual judicial, a
obrigação da realização da prova atuaria até mesmo sobre o juiz, quando este, após ter
deferido o pedido de feitura do ato instrucional apresentado por uma parte ou após ter
decidido realizá-lo de ofício, venha a alterar seu entendimento antes da efetiva realização;
neste caso, segundo a doutrina, a não realização da prova já decidida somente se legitimaria,
na primeira hipótese, com a concordância da outra parte, e, na segunda hipótese, com a
concordância de ambas as partes.
“A palavra comunhão vem do latim ‘communione’, que significa ato ou efeito
de comungar, participação em comum em crenças, idéias ou interesses.
Referindo-se à prova, portanto, quer-se dizer que a mesma, uma vez no
processo, pertence a todos os sujeitos processuais (partes e juiz), não obstante
ter sido levada por um deles. (...)
O princípio da comunhão da prova é um consectário lógico dos princípios da
verdade real e da igualdade das partes na relação jurídico processual, pois as
partes, a fim de estabelecer a verdade histórica nos autos do processo, não
abrem mão do meio de prova levado para os autos.
Outro exemplo. A parte (autor ou a defesa, não importa) junta aos autos um
documento que, a princípio, é-lhe favorável. Porém, após determinada reflexão,
percebe que aquele documento poderá lhe acarretar prejuízos. Neste caso, não
tem o direito de retirar o documento dos autos sem o consentimento da parte
contrária, e, mesmo que com o assentimento desta, pode o juiz resolver avaliar
o documento para posterior valoração. Por conclusão, os princípios da
verdade real e da igualdade das partes na relação jurídico-processual fazem
com que as provas carreadas para os autos pertençam a todos os sujeitos
processuais, ou seja, dão origem ao princípio da comunhão das provas.”,
Paulo Rangel, “Direito Processual Penal”, pgs. 378 e 379, Editora Lumen
Juris, 6ª edição, 2002
Também decorre de leitura circunscrita e delimitada do princípio da comunhão da
prova o reconhecimento, já esposado em 2.5.6.2.2, em atenção à Súmula Vinculante nº 14 do
Supremo Tribunal Federal (STF), de que o investigado possa ter residual acesso a elementos
de prova já operacionalizados, documentados e autuados em inquérito e que se exaurem em si
mesmos e que não apontem para a realização de outras diligências ou que não impliquem
conhecimento da estratégia em fase investigativa.
STF, Habeas Corpus nº 87.725, Decisão: “Essa compreensão do tema - cabe
ressaltar - é revelada por autorizado magistério doutrinário (Adalberto José Q.
T. de Camargo Aranha, ‘Da Prova no Processo Penal’, p. 31, item n. 3, 3ª ed.,
1994, Saraiva; Daniel Amorim Assumpção Neves, ‘O Princípio da Comunhão
da Prova’, in Revista Dialética de Direito Processual (RDPP), vol. 31/19-33,
2005; Fernando Capez, ‘Curso de Processo Penal’, p. 259, item n. 17.7, 7ª ed.,
2001, Saraiva; Marcellus Polastri Lima, ‘A Prova Penal’, p. 31, item n. 2, 2ª
ed., 2003, Lumen Juris, v.g.), valendo referir, por extremamente relevante, a
lição expendida por José Carlos Barbosa Moreira (‘O Juiz e a Prova’, in
Revista de Processo, nº 35, Ano IX, abril/junho de 1984, p. 178/184): ‘E basta
pensar no seguinte: se a prova for feita, pouco importa a sua origem. (...). A
prova do fato não aumenta nem diminui de valor segundo haja sido trazida por
aquele a quem cabia o ônus, ou pelo adversário. A isso se chama o ‘princípio
da comunhão da prova’: a prova, depois de feita, é comum, não pertence a
quem a faz, pertence ao processo; pouco importa sua fonte, pouco importa sua
proveniência. (...).”
Na processualística disciplinar, o princípio da comunhão da prova encontra adequação
em praticamente todas as suas formas de manifestação, sobretudo na fase de inquérito
administrativo, em que a coleta ou a feitura dos atos instrucionais se destacam e se
concretizam, necessitando apenas de algum temperamento no que diz respeito à peculiar
atuação da comissão de inquérito em comparação com a atuação do juiz na tríade composição
do processo judicial. Em razão de o colegiado atuar naquela fase tanto como o agente da
523
Administração condutor da persecução quanto como o ente estatal competente para valorar
livremente o conjunto probatório, sem se confundir com uma parte antagônica ao acusado,
não se cogita de uma prova porventura contrária à defesa ser tida como favorável à comissão
ou vice-versa.
Assim, reflete-se integralmente no processo disciplinar o enunciado de que, tendo a
prova sua juntada ou realização sempre decorrente de deliberação autônoma e soberana da
comissão, seja ex oficio, seja atendendo pedido de defesa, com atenção unicamente ao
interesse público da busca da verdade material, tal elemento, uma vez autuado, passa a
pertencer ao processo e tanto o colegiado quanto qualquer acusado podem dele se utilizar
como formador de convicção em qualquer sentido que seja, a favor ou contra (inclusive de
quem porventura tenha provocado sua autuação).
O princípio da comunhão da prova, voltado para a instância disciplinar, ratifica e
reforça o que será melhor abordado em 4.4.1.2 e em 4.4.3.1, de que, independentemente da
origem do ato instrucional, não existe a dicotomia de provas de acusação e de provas de
defesa e de que, ao lado dos princípios da ampla defesa e do contraditório, havendo mais de
um acusado e ainda que seus interesses e teses de defesa sejam colidentes, as provas
realizadas, seja de ofício, seja a pedido de algum acusado, submetem-se às necessárias
notificações e faculdades de participação de todos e estes podem extrair elementos que lhes
sejam favoráveis, ainda que eventualmente em sentido contrário aos interesses da parte que
peticionou pela realização.
Reflete-se também o entendimento de que, uma vez decidida pela comissão a autuação
de determinada prova - e, se assim deliberou o colegiado, significa que o foi em exclusivo
atendimento ao interesse público do esclarecimento fático -, independentemente de sua
origem e de a quem ela possa favorecer ou de fato favorece, não cabe a um acusado solicitar a
desconsideração da decisão de juntá-la ou de realizá-la (se antes da autuação) ou solicitar seu
desentranhamento (se já autuada) ou sequer de ser considerada apenas parcialmente nos
elementos que lhe são favoráveis.
Não obstante, não se reflete no inquérito administrativo o entendimento de que, uma
vez deliberado pela comissão, a pedido ou de ofício, realizar determinada prova e caso
posteriormente o colegiado altere seu próprio entendimento, a dispensa da realização daquele
ato instrutório dependeria da aquiescência do(s) acusado(s). Acima do posicionamento
doutrinário acima exposto, quando se apresentou o princípio à luz do processo judicial, eis
que, no processo disciplinar, impera a expressa determinação legal, constante do § 1º do art.
156 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, de que compete, autônoma e soberanamente,
à comissão, a qualquer tempo, deliberar pela realização ou não de ato de prova e indeferir os
pedidos que ela considere impertinentes, protelatórios ou de nenhum interesse para o
esclarecimento dos fatos.
fevereiro de 1967, o Dasp, formal e efetivamente, passou a figurar como órgão central do
Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (Sipec). Em 1986, esta competência foi
repassada para a Secretaria de Recursos Humanos da Secretaria de Administração Pública da
Presidência da República (PR/Sedap/SRH) e, ao longo do tempo, consecutivamente, para a
Secretaria de Recursos Humanos da Secretaria de Planejamento e Coordenação da Presidência
da República (PR/Seplan/SRH), Departamento de Recursos Humanos da Secretaria de
Administração Federal da Presidência da República (PR/SAF/DRH), Secretaria de Recursos
Humanos do Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado (Mare/SRH),
Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
(MPOG/SRH) e atualmente recai na Secretaria de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho
no Serviço Público do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão
(MPDG/SEGRT). O Sipec compõe-se, além do órgão central, de unidades setoriais (as
Coordenações-Gerais de Gestão de Pessoas - CGGP dos Ministérios), e de unidades
seccionais (os Departamentos de Recursos Humanos - DRH das autarquias e fundações
públicas).
Sobretudo no período entre 1952 a 1973, no desempenho de suas competências, o
Dasp era frequentemente provocado a se manifestar, por meio de pareceres de suas divisões
ou coordenações internas (citam-se Coordenação de Legislação de Pessoal - Colepe, e
Comissão de Acumulação de Cargos - CAC, as quais, por vezes solicitavam ainda
manifestação da Consultoria Jurídica - CJ), em processos administrativos concretos, versando
sobre as mais diversas matérias atinentes ao regime jurídico da época, ou seja, sob a antiga
Constituição Federal (CF, de 1967) e a Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952 (o então
Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União - EF). Naquela época, principalmente se o
Departamento Administrativo do Serviço Público não lograva pacificar o entendimento acerca
de determinada matéria ou se por qualquer motivo (inclusive recursal) se fazia necessária uma
manifestação superior em um processo específico, também era provocada a se manifestar a
Consultoria-Geral da República (CGR, atual Advocacia-Geral da União - AGU), igualmente
por meio de pareceres.
Como os órgãos subordinados integrantes do Sipec frequentemente consultavam o
Dasp acerca da possibilidade de estenderem, para outros casos concretos, aquelas
manifestações que haviam sido emitidas para situações específicas e individuais, no corpo de
um determinado processo, o órgão central decidiu, em 1971, elaborar enunciados impessoais,
autônomos e numerados, a valer como interpretação oficial e fonte de uniformização e
orientação administrativa sobre os mais variados temas acerca da relação estatutária entre
servidor e Administração.
Esses enunciados, chamados Formulações Dasp, foram elaborados pela Colepe, e
oficialmente publicados entre 1971 e 1973, e se faziam acompanhar da base legal e dos
entendimentos que o Dasp (por meio da própria Colepe, CAC e/ou CJ) e/ou a CGR já haviam
emitido ao terem analisado processos concretos. Ou seja, as Formulações eram sínteses
impessoais, de uso geral, de manifestações pretéritas do órgão central em processos
administrativos específicos. Tais verbetes, por força do inciso III do art. 116 do Decreto-Lei
nº 200, de 1967, e conforme estabelece a Formulação Dasp nº 300, passaram a constituir
orientação normativa do órgão central obrigatória para os órgãos de pessoal da Administração
Pública federal integrantes do Sipec, com respaldo também da doutrina.
Decreto-Lei nº 200, de 1967 - Art. 116. Ao Departamento Administrativo do
Serviço Público (Dasp) incumbe:
III - zelar pela observância dessas leis e regulamentos, orientando,
coordenando e fiscalizando sua execução, e expedir normas gerais obrigatórias
para todos os órgãos;
Formulação Dasp nº 300. Formulações
As Formulações elaboradas e publicadas pelo Dasp (Colepe) constituem, por
força do disposto no art. 116, III, do Decreto-Lei nº 200, de 1967, orientação
526
normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos
judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave
insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão
idêntica. (Incluído pela EC nº 45, de 2004)
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula
aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo
Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou
cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida
com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. (Incluído pela EC nº 45,
de 2004)
Lei nº 11.417, de 2006 - Art. 2º O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício
ou por provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional,
editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa
oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder
Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal,
estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na
forma prevista nesta Lei.
§ 1º O enunciado da súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a
eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos
judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual que
acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos
sobre idêntica questão.
Resgata-se também os comandos do art. 1º do Decreto nº 2.346, de 10 de outubro de
1997, cujo caput determina a observância pela Administração das decisões do STF que
interpretam a CF. No caso de declaração apenas incidental de inconstitucionalidade de uma
lei ou de um ato normativo, cabe ao Senado Federal suspender sua execução; sem prejuízo,
sobretudo diante de inércia ou omissão da casa legislativa, podem o Ministro de Estado ou o
Advogado-Geral da União proporem ao Presidente da República que autorize a extensão dos
efeitos da decisão judicial.
Decreto nº 2.346, de 1997 - Art. 1º As decisões do Supremo Tribunal Federal
que fixem, de forma inequívoca e definitiva, interpretação do texto
constitucional deverão ser uniformemente observadas pela Administração
Pública Federal direta e indireta, obedecidos aos procedimentos estabelecidos
neste Decreto.
§ 1º Transitada em julgado decisão do Supremo Tribunal Federal que declare a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, em ação direta, a decisão,
dotada de eficácia ex tunc, produzirá efeitos desde a entrada em vigor da
norma declarada inconstitucional, salvo se o ato praticado com base na lei ou
ato normativo inconstitucional não mais for suscetível de revisão
administrativa ou judicial.
§ 2º O disposto no parágrafo anterior aplica-se, igualmente, à lei ou ao ato
normativo que tenha sua inconstitucionalidade proferida, incidentalmente, pelo
Supremo Tribunal Federal, após a suspensão de sua execução pelo Senado
Federal.
§ 3º O Presidente da República, mediante proposta de Ministro de Estado,
dirigente de órgão integrante da Presidência da República ou do Advogado-
Geral da União, poderá autorizar a extensão dos efeitos jurídicos de decisão
proferida em caso concreto.
Nos termos do inciso XII do art. 4º e o caput do art. 43, ambos da Lei Complementar
(LC) nº 73, de 10 de fevereiro da 1993 (a lei orgânica da Advocacia-Geral da União - AGU),
e também do art. 2º do Decreto nº 2.346, de 1997, as súmulas editadas pelo Advogado-Geral
da União, reconhecendo jurisprudência reiterada dos tribunais, uma vez publicadas
oficialmente, são de observância obrigatória pelas unidades jurídicas da Administração
Pública. Devem, pois, ser reconhecidas também pelas comissões e autoridades disciplinares.
LC nº 73, de 1993 - Art. 4º São atribuições do Advogado-Geral da União:
533
tem suas próprias normas, princípios, institutos e valores, não sendo correta a constante
tentativa de fazer prevalecer, no rito do processo e no regime disciplinares, toda a inteligência
das leis penal e processual penal. Embora estas instâncias guardem similaridades e afinidades,
pois são todas de Direito público punitivo, o Direito Penal tutela bens jurídicos distintos e de
maior relevância que a instância disciplinar, fazendo ao mesmo tempo o infrator merecer
sancionamento mais grave e, por consequência, maior grau de garantias e de segurança do que
ocorre com o servidor acusado na instância administrativa, de forma que nem todas as
garantias de defesa daquela instância necessariamente se refletem nesta instância.
Ademais, embora se saiba que os modelos doutrinários, na verdade, permeiam toda a
construção vinculante de comportamentos emanada pelas fontes, já que não se cogita de
elaboração de normas e regras à margem do conhecimento científico, a doutrina em si com
elas não se confunde. Enquanto as regras e normas obrigam, a doutrina atua apenas revelando
e auxiliando na compreensão do significado daquelas e de como elas se aplicam. Mesmo que
se cogite de uma determinada corrente doutrinária majoritária ou dominante diante de um
determinado tema, esta razão jurídica ali emanada não tem o condão de emanar o Direito, mas
tão somente de interpretá-lo, como, por exemplo, uniformizando entendimento acerca de
termos legais vagos e imprecisos.
Decerto, tanto a jurisprudência quanto a doutrina, embora possam ser invocadas nos
atos em geral e nas decisões administrativas, não valem como norma de cumprimento
obrigatório.
simultânea à criação da Coger, pois desde, seus primórdios, o sistema correcional sempre
dispôs de um conjunto de apostilas com coletâneas de legislação e jurisprudências
administrativa e judicial e ainda de um enxuto manual. Em 2004, aquele antigo material
ganhou uma forte reformulação formal e material, tendo-se chegado ao conjunto atual, de
cinco apostilas, e, a partir daí, passou a contar com automáticas atualizações de conteúdo.
Inicialmente restrito ao uso interno, o conjunto ganhou publicidade e visibilidade internas ao
passar a disponibilizado na intranet institucional após a sua aprovação formal, operada pela
Portaria Coger nº 41, de 5 de julho de 2012, que também lhe atribuiu o atual nome e caráter
vinculante no âmbito da Coger.
Portaria Coger n° 41, de 2012 - Art. 1º Ficam aprovadas as Apostilas
Orientadoras da Aplicação do Processo e do Regime Disciplinar, bem como
suas atualizações, disponíveis na Biblioteca Virtual da Corregedoria-Geral, na
intranet da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Art. 2º As Unidades da Corregedoria-Geral, seja por seus servidores lotados e
em exercício, seja, no que cabível, por servidores convocados ou designados
como colaboradores eventuais, no desempenho de suas atribuições referentes a
formalização, condução e demais atividades relativas a processos
administrativos disciplinares e sindicâncias disciplinares de que trata o art.
143 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, deverão observar as
orientações constantes das mencionadas Apostilas.
No formato atual, a “Apostila n° 1 - Consolidação de Normas e Manifestações
Vinculantes Aplicáveis ao PAD e Notas Técnicas Coger” (que, em versões anteriores, era
tratada como o manual institucional), compõe-se de duas partes, ambas com a característica
comum de se limitarem a comandos de aplicação obrigatória. A primeira parte, da
Consolidação de Normas e Manifestações Vinculantes Aplicáveis ao PAD é uma coletânea de
dispositivos normativos (desde a Constituição Federal - CF, passando por leis, até normas
internas infralegais) e de manifestações administrativas (pareceres da Advocacia-Geral da
União - AGU, enunciados da Comissão de Coordenação e Correição do Ministério da
Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União - CGU/CCC e formulações do
Departamento Administrativo do Serviço Público - Dasp). A segunda parte contém as Notas
Técnicas Coger, abaixo descritas, que são textos emitidos pela Coger com o fim de
uniformizar entendimento interno acerca de temas de interesse correcional.
O conjunto compreende também duas apostilas de legislação, as de nº 2 e nº 3, que
apresentam normas atualizadas, com informações acerca da publicação, das alterações
sofridas e das revogações. Para facilitar a pesquisa, as duas apostilas contêm índices
explicativos, com reprodução dos assuntos abordados na norma (via de regra, reproduzindo a
ementa), indicação se está reproduzida na íntegra ou em parte e lista das normas
supervenientes que a alteraram.
A “Apostila nº 2 - Legislação Básica” contém as normas de aplicação direta e
cotidiana, tais com a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, os dispositivos de interesse do
Regimento Interno da RFB e a norma interna (e suas antecessoras), atualmente a Portaria RFB
nº 6.483, de 29 de dezembro de 2017, que regula a atividade correcional no âmbito do órgão.
A “Apostila nº 3 - Legislação Complementar” contém as normas de grande relevância
para a matéria, que podem ser consideradas como fontes do processo disciplinar em geral e no
âmbito da RFB, agrupadas em função do objetivo de seu emprego ou do assunto tratado.
O conjunto compreende ainda duas apostilas, de nº 4 e nº 5, com decisões e pareceres
sobre a matéria disciplinar.
A “Apostila nº 4 - Jurisprudência (Decisões Judiciais) contém um ementário de
julgados das Cortes Superiores do Poder Judiciário federal, organizados por assunto, em
ordem alfabética.
Por fim a “Apostila nº 5 - Pareceres da AGU, Enunciados da CGU/CCC e
536
Formulações Dasp” contém a íntegra de praticamente todos os pareceres emitidos pela AGU
sobre matéria disciplinar, desde 1993. Os pareceres estão organizados por assunto, em ordem
alfabética, com alguns mecanismos para facilitar a busca em função do assunto desejado. O
índice contém a reprodução da ementa e dos tópicos abordados. Além da pesquisa por
assunto, o índice também permite pesquisa por numeração, tanto pelo nome do Advogado-
Geral da União que o aprovou, quanto do Consultor que o redigiu. Além disso, ao final de
cada grupo por assunto, destacam-se remissões a pareceres que, embora estejam em outro
grupo, também abordam secundariamente aquele assunto. Quando aplicável, foi dado
destaque ao fato de o parecer ser vinculante (aprovado e publicado). Constam ainda da
apostila todas as formulações, pareceres e orientações normativas do antigo Dasp que se
mantêm aplicáveis por estarem de acordo com o atual ordenamento e os enunciados emitidos
pela CGU/CCC.
Na sequência, mencione-se o ManCor, que foi elaborado, em maio de 2015, com o fim
precípuo de contribuir para a maior celeridade na condução e na conclusão dos processos
disciplinares no âmbito da RFB, aliada à indispensável segurança jurídica dos trabalhos
correcionais, servindo como amparo institucional para adoção de instrumentalidade e de
formas mais simples e ao mesmo tempo corretas, padronizadas e avalizadas.
Nesta linha, sua elaboração não visou a propiciar um texto extenso e enriquecido por
debates jurídicos de índole principiológica ou jurisprudencial; ao contrário, a intenção
pragmática sempre foi suprir ao corpo funcional da Coger uma inédita fonte rápida de leitura
para a solução de dúvidas ou problemas pontuais.
O ManCor teve seu conteúdo técnico-conceitual dividido em dois grandes Módulos,
assim organizados:
• Módulo I: Descrição procedimental dos ritos ordinário e sumário do processo
disciplinar, sistematizando a forma de realização dos atos que em geral ocorrem em
todo e qualquer processo, desde o recebimento de representações ou denúncias até os
efeitos pós-julgamento de possibilidade de reforma da decisão. Este Módulo I se
subdivide em Submódulos que abarcam desde a fase de admissibilidade até instância
recursal.
• Módulo II: Descrição de diversas intercorrências incomuns no curso do processo
disciplinar e que, por tal motivo, requerem solução mais cautelosa. Estes incidentes
foram apartados do Módulo I porque, ao contrário daquele conteúdo, não ocorrem em
todo PAD.
Além dos dois Módulos, o ManCor conta ainda com um conjunto de Modelos
associados aos atos processuais comuns do processo disciplinar e descritos no Módulo I e
com um conjunto de Modelos associados às intercorrências abordadas no Módulo II. Todos
estes Modelos foram redigidos contemplando, simultaneamente, a mais enxuta e simples
redação possível com as regras de elaboração de atos constantes do Manual de Redação e
Elaboração de Atos da Secretaria da Receita Federal do Brasil, por vezes adaptadas da
instância fiscal para a instância processual disciplinar.
Com os objetivos de ao mesmo tempo gerar um texto de leitura leve e rápida que
propicie efetiva e produtiva consulta por parte do leitor apenas naquele ponto que lhe
interessa e de também se adequar à tendência institucional de disponibilizar manuais com a
característica de o conteúdo ser fragmentado em curtos trechos linkados eletronicamente
desde um índice, o ManCor foi redigido buscando reduzir os atos processuais e os institutos e
conceitos jurídicos de interesse em reduzidas células de informação, a fim de propiciar ao
usuário a consulta e a navegação pelo índice da forma mais concentrada e efetiva possível.
Inicialmente, o ManCor foi disponibilizado para exclusivo emprego interno no sistema
correcional. Mas, com o Regimento Interno da RFB aprovado pela Portaria MF nº 430, de 9
de outubro de 2017, que operou relevante alteração ao ter atribuído parte da competência
537
para as rotinas e praxes a serem desenvolvidas em situações concretas similares aos temas
debatidos.
será processada no prazo reduzido à metade (de 60 para 30 dias - arts. 152 e
145, parágrafo único da Lei nº 8.112/90 - admitida sua prorrogação por igual
prazo), salvo em relação à defesa, cujo prazo legal não poderá ser diminuído,
por compreensão extensiva, notadamente porque essa redução implicaria
prejuízo para o indiciado.” Francisco Xavier da Silva Guimarães, “Regime
Disciplinar do Servidor Público Civil da União”, pg. 127, Editora Forense, 2ª
edição, 2006
E tal interpretação aqui proposta encontra apoio na percepção de que a leitura dos
Títulos IV e V da Lei nº 8.112, de 1990, sugere que o legislador, em diversas passagens,
empregou indistintamente a expressão “processo administrativo disciplinar”, por vezes
atribuindo-lhe o sentido específico da forma processual mais completamente ali prevista (o
PAD stricto sensu) e, em outras passagens, atribuindo-lhe o sentido amplo, em que cabem o
PAD em si e a sindicância disciplinar, sempre sob princípios do contraditório e da ampla
defesa.
Portanto, conceitualmente, pode-se interpretar que a expressão genérica “processo
administrativo disciplinar” comporta as espécies PAD e a sindicância disciplinar prevista na
Lei nº 8.112, de 1990. E, ao se deparar com aquela expressão no texto da citada Lei, somente
a leitura do contexto pode indicar se o legislador está se referindo ao gênero lato sensu ou à
espécie stricto sensu. Tal percepção se resolve atendo-se às poucas passagens da Lei em que o
texto explicita peculiaridades e diferenciações da sindicância disciplinar em relação ao PAD;
no mais, não havendo positivação diferenciadora, prevalece a interpretação sistemática de que
os comandos legais se aplicam a ambos os ritos.
Em termos concretos, assenta-se que, mesmo a partir deste ponto, em que pela
primeira vez no curso deste texto, se dedicou a mencionar a existência de nomes de dois ritos
legais, se prossegue no emprego da convenção de, em regra, se grafar, de forma genérica,
apenas “processo disciplinar”, dispensando-se a menção também da sindicância disciplinar. À
vista da certeza de que os dois conceitos seguem o mesmo e único rito estabelecido na Lei nº
8.112, de 1990, e obedecem aos mesmos princípios de Direito, já que ambos convergem como
apuratórios de índole disciplinar, resta então subentendido que, salvo expressa menção em
contrário, tudo o que se escrever para o PAD é absolutamente válido também para a
sindicância disciplinar. Assim, aqui, como regra geral, convenciona-se que a expressão
“processo disciplinar” (ou mesmo “processo administrativo disciplinar”, muito lida nas
manifestações jurisprudenciais e doutrinárias) compreenderá tanto o PAD stricto sensu quanto
a sindicância disciplinar. Quando se quiser se referir especificamente a um ou a outro tipo de
apuratório específico, far-se-á expressa ressalva, empregando-se a sigla PAD para se referir
apenas à forma mais completa.
O que importa repisar é que, tratando-se de ritos de igual natureza correcional,
instaurados exclusivamente com o fim de reestabelecer o equilíbrio interno administrativo por
meio da possível sanção em face do infrator, tanto o PAD quanto a sindicância disciplinar
devem ser conduzidos sob irrestrita atenção à mesma gama principiológica e devem ser
procedimentalizados segundo o devido processo legal estabelecido na Lei nº 8.112, de 1990.
A sindicância disciplinar encontra definições normativas no caput do art. 30 da
Instrução Normativa CGU nº 14, de 2018 (que adotou a terminologia sindicância acusatória -
Sinac), no inciso III do art. 3º da Portaria MF nº 492, de 2013, e no inciso III do art. 1º da
Portaria RFB nº 6.483, de 29 de dezembro de 2017. Ademais, como de outra forma não
poderia ser, aplicam-se, no âmbito do sistema correcional da Secretaria da Receita Federal do
Brasil (RFB), os dispositivos instrumentais dos arts. 30 e 31 da mencionada Instrução
Normativa CGU.
Instrução Normativa CGU nº 14, de 2018 - Art. 30. A SINAC constitui
procedimento destinado a apurar responsabilidade de servidor público federal
por infração disciplinar de menor gravidade, quando não cabível TAC ou TCA.
541
de imediato aquele rito, não sendo a sindicância disciplinar pré-requisito. O inciso II do art.
145 e o art. 146, ambos da Lei nº 8.112, de 1990, estabelecem apenas que, se a pena cabível
for suspensão superior a trinta dias ou demissão, a apuração deve se dar através de PAD, sem
vedarem, todavia, que este rito seja imediatamente adotado, mesmo para casos que
posteriormente se resolvam em cominações mais brandas. Neste rumo, a literalidade do caput
do art. 143 da mesma Lei estabelece o caráter alternativo, a critério da autoridade
instauradora, para que esta, à vista da notícia de cometimento de suposta irregularidade,
deflagre a sindicância disciplinar ou o PAD, sendo certo que aquela não é pré-requisito
obrigatório deste, nem mesmo quando não seja conhecida a autoria da suposta infração ao
tempo da instauração.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 146. Sempre que o ilícito praticado pelo servidor
ensejar a imposição de penalidade de suspensão por mais de 30 (trinta) dias,
de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, ou destituição de
cargo em comissão, será obrigatória a instauração de processo disciplinar.
Neste sentido, seguem as manifestações da Advocacia-Geral da União (AGU), nos
Pareceres AGU nº GM-1 e nº GQ-37, ambos vinculantes, e também da jurisprudência e da
doutrina:
Parecer AGU nº GM-1, vinculante: “6. As normas pertinentes à sindicância e
ao processo disciplinar não prescrevem a realização da primeira, em regra
previamente à instauração deste. A simples leitura dos arts. 153 e 154 da Lei nº
8.112, de 1990, já o demonstra. Atenta à natureza da infração e às
circunstâncias em que esta se verifica, a autoridade competente deve aquilatar
se da sua apuração poderá resultar a advertência, a suspensão de até trinta
dias ou a inflição de penalidade mais grave, a fim de determinar a modalidade
de apuração, se a realização de sindicância ou a abertura de processo. Em se
insinuando dúvida razoável a respeito da prática da infração ou de sua autoria,
e dependendo de sua gravidade, a autoridade competente deverá ter
discernimento suficiente para determinar a realização de investigação prévia (a
sindicância), com vistas à verificação da necessidade de proceder, ou não, à
cabal apuração das irregularidades, através do processo disciplinar.”
Parecer AGU nº GQ-37, vinculante: “25. No pertinente à nulidade da
sindicância, é necessário dirimir que, ‘de lege lata’, as irregularidades se
apuram mediante sindicância ou processo disciplinar, prescindindo este da
preliminar verificação das infrações através da primeira.
26. Efetua-se a apuração da conduta anti-social do servidor por intermédio de
sindicância ou processo disciplinar, dependendo da infração e das
circunstâncias em que foi cometida. No art. 143, supramencionado, o
legislador utilizou a alternativa ‘ou’ considerando haver variação na natureza
das irregularidades e no grau de dificuldade de sua constatação. Há aquelas
facilmente verificáveis de consequências revestidas de tal gravidade que a lei
preconiza medidas drásticas restritivas de direitos, mais compatíveis com uma
apuração de rigor, cujos ritos são contidos em lei. Em vista dessa linha de
valorização, não discrepou a lei ao estatuir que da sindicância exsurge a
aplicação das penalidades de advertência, ou suspensão de até trinta dias, ou
instauração de processo disciplinar. Inexiste exigência legal, ou necessidade
em determinados casos, de que todo processo disciplinar seja precedido de
sindicância, nem sua prescindibilidade implica inobservância de qualquer
princípio de direito.”
STF, Recurso em Mandado de Segurança nº 22.789: “Ementa: Do sistema da
Lei 8.112/90 resulta que, sendo a apuração de irregularidade no serviço
público feita mediante sindicância ou processo administrativo, assegurada ao
acusado ampla defesa (art. 143), um desses dois procedimentos terá de ser
adotado para essa apuração, o que implica dizer que o processo administrativo
não pressupõe necessariamente a existência de uma sindicância, mas, se
instaurada for a sindicância, é preciso distinguir: se dela resultar a
544
acesso em 07/08/13
Todavia, também na hipótese de sindicância disciplinar antecedente ao PAD, restará
desaconselhável a manutenção dos membros quando a respectiva comissão provocar a
autoridade instauradora com manifestação de convicção de cometimento de irregularidade por
parte do servidor acusado, enquadrando-a e justificando a conversão, à vista da vinculação
existente no regime disciplinar e da limitação punitiva da sindicância disciplinar. Neste caso,
diferentemente da hipótese do parágrafo anterior, pode a defesa vir a cogitar da quebra da
imparcialidade e da isenção destes integrantes, sendo aconselhável a designação de novos
nomes, a fim de evitar incursão em nulidade por prejuízo à defesa.
Em todo caso, na hipótese de se instaurar PAD em decorrência de sindicância
disciplinar, tem-se que esta integrará aquele, conforme determina o caput do art. 154 da Lei nº
8.112, de 1990.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 154. Os autos da sindicância integrarão o processo
disciplinar, como peça informativa da instrução.
E há duas formas de se operacionalizar esta passagem, protocolizando ou não um nº
específico de processo para o PAD. Na primeira forma possível, mais de acordo com o texto
legal acima, protocoliza-se o novo PAD, que recebe nº próprio de processo e a ele se juntam,
por anexação, os autos da sindicância disciplinar. Conforme o item 5.3.1 da Portaria
MPOG/SLTI nº 5, de 19 de dezembro de 2002, a anexação é uma forma de juntada em
definitivo de dois processos, sendo que o processo acessório (a sindicância disciplinar, no
caso) passa a fazer parte integrante do processo principal (o PAD) e tem suas folhas
renumeradas, de forma que se mantêm a paginação e o nº do processo principal.
Portaria Normativa MPOG/SLTI nº 5, de 2002
5.3 Juntada
5.3.1 Juntada por anexação
Na juntada por anexação, as peças do conjunto processado serão renumeradas
a partir do processo acessório.
A metodologia adotada para juntada por anexação é:
a) Colocar em primeiro lugar a capa e o conteúdo do processo principal;
b) Retirar a capa do processo acessório, sobrepondo-o à capa do processo
principal e manter os processos sobre as duas capas, formando um único
conjunto;
c) Renumerar e rubricar as peças do processo acessório, obedecendo a
numeração já existente no principal;
d) Lavrar termo de juntada por anexação na última folha do processo mais
antigo;
Como, neste caso, obrigatoriamente os autos da sindicância disciplinar deverão ser
entregues à autoridade instauradora - a fim de que ela, após remeter ao protocolo formador de
processos o pedido de formação de novos autos, proceda à anexação -, a forma mais
conveniente de a comissão de sindicância provocar a conversão em PAD será por meio de
relatório preliminar. Este relatório, dirigido à autoridade instauradora e submetendo-lhe a
proposta de conversão, é redigido assim que o colegiado vislumbrar a necessidade de ter seus
poderes estendidos, sem necessidade de esgotar apuração, indiciar e coletar defesa. Caso a
autoridade instauradora concorde com a proposta relatada, faz emitir a nova portaria,
designando comissão de inquérito.
Ainda na primeira hipótese, de se protocolizar o PAD, não convém fazer a juntada por
apensação, em que o processo acessório apenas acompanharia temporariamente o principal,
mantendo suas respectivas paginações e nº de protocolo, para que pudessem ser separados
após a decisão.
Na segunda forma possível, não se protocoliza especificamente o PAD; faz-se apenas
com que seus autos prossigam nos mesmos autos da sindicância disciplinar, mantendo o
548
mesmo nº de processo e a numeração das folhas já existentes. Neste caso, é recomendável que
o PAD se inicie em um novo volume, lavrando-se o seu termo de abertura e o termo de
encerramento do volume anterior.
Neste caso, diferentemente da primeira opção, não necessariamente os autos da
sindicância disciplinar precisam passar pela autoridade instauradora. Daí, à vista do princípio
do formalismo moderado, a provocação de conversão até pode se dar de maneira menos
formal, mediante ata de deliberação, na qual a comissão de sindicância decida pelo pedido de
extensão de seus poderes, à vista de motivos elencados, encaminhada à autoridade
instauradora por meio de ofício. Caso a autoridade instauradora concorde com a proposta,
pode enviar para a comissão, também via ofício, a nova portaria de designação de comissão
de inquérito. Esta ata de deliberação deve ser redigida assim que o colegiado vislumbrar a
necessidade de ter seus poderes estendidos, sem necessidade de esgotar apuração, indiciar e
coletar defesa. O emprego desta forma de provocação não acarreta perda de tempo com o
deslocamento dos autos da comissão para a autoridade instauradora; enquanto há uma troca de
ofícios, a comissão de sindicância, desde que dentro de seu prazo, pode continuar trabalhando
já que ela continua de posse dos autos e não se dissolve com a entrega do relatório. Assim,
esta opção é mais justificável quando se tem prazo enxuto para os trabalhos ou quando a
comissão está fora da sede da autoridade instauradora. Por óbvio, não haveria nenhuma
ilegalidade se a comissão de sindicância deliberasse agir de maneira mais formal e mais
cautelosa, similar à hipótese anterior, redigindo relatório prévio dirigido à autoridade
instauradora e lhe remetendo os autos da sindicância disciplinar, para que esta os devolvesse
com a portaria de designação de comissão de inquérito.
No caso de sindicância disciplinar redundar na instauração de PAD, não
necessariamente devem ser refeitos os atos de instrução probatória porventura realizados no
primeiro procedimento, visto que se presume tenham sido coletados sob o manto do
contraditório, oportunizando ao acusado e a seu procurador acompanhar sua feitura e dela
participar. Apenas se ressalve que, se porventura, atos de natureza contraditória e formadores
de convicção, tais como provas orais (oitivas, interrogatórios e acareações), diligências,
perícias e assessorias técnicas - tiverem sido feitos no rito prévio (seja sindicância disciplinar,
seja qualquer rito investigativo de fase de admissibilidade) sem a necessária oferta do
contraditório à defesa, para que possam legalmente serem usados na formação de convicção,
deverão ser refeitos no inquérito administrativo do PAD, independentemente de petição da
parte. Diferentemente, as provas de natureza pré-constituída (a exemplo de pesquisas em
dossiês e em sistemas informatizados internos em geral, remessa de atos de comunicação e de
circularizações e respectivas juntadas de documentos e informações recebidos em resposta,
por não terem natureza contraditória, não exigem refazimento no PAD, conforme se detalhou
em 2.5.3.3.1.
Tendo sido devidamente apurada a responsabilidade do servidor por meio de PAD, é
irrelevante a ocorrência de nulidade na sindicância disciplinar que o antecedeu, conforme já
se manifestaram a AGU, no Parecer AGU nº GQ-37, vinculante, e também a jurisprudência e
a doutrina:
Parecer AGU nº GQ-37, vinculante: Ementa: (...) A legalidade do processo
disciplinar independe da validade da investigação, efetuada através da
sindicância de que adveio aquele apuratório.”
STF, Mandado de Segurança nº 22.103: “Ementa: Tendo a pena imposta ao
ora impetrante decorrido de processo administrativo disciplinar que se seguiu
à sindicância, e pena essa imposta com base nas provas colhidas no inquérito
integrante desse processo, é despiciendo o exame dos alegados defeitos que
haveria na sindicância, e que não influíram na imposição da pena que foi dada
ao ora impetrante.”
“(...) não há razão para se defender que as nulidades da sindicância atingem o
PAD, quando ela for apenas uma peça preparatória deste. Afinal, toda
549
3.131, de 15 de julho de 2011. Ao revogar a Portaria RFB nº 4.491, de 2005, esta norma não
só atualizou e até revogou alguns dispositivos daquela primeira Portaria, como também
inovou no tema (e, por conseguinte, na competência para emissão de juízo de
admissibilidade), passando a regra geral da jurisdição do local da ocorrência do fato para a
jurisdição da unidade de lotação (ou de exercício, se diferente) do servidor ao tempo da
instauração e estabelecendo que a competência instauradora a cargo do Corregedor é
excepcional e residual.
Importa destacar a inequívoca teleologia que norteou a inovação normativa trazida
pela revogada Portaria RFB nº 3.131, de 2011, e vigente até os dias atuais. Sem sombra de
dúvidas, quis-se propiciar ao acusado em processo disciplinar na RFB a proximidade com os
autos, com a comissão e com os trabalhos apuratórios em si, em respeito às garantias de
ampla defesa e de contraditório (em que também se reflete a tentativa de reduzir as
necessidades de o acusado arcar com custos de deslocamento no acompanhamento processual,
o que ocorria, com maior frequência no antigo regramento, quando o acusado tinha lotação ou
exercício em jurisdição diferente da de ocorrência dos fatos) e ainda, sob ótica da própria
Administração e da comissão, em atenção ao princípio da economia processual nos contatos
com a defesa. Reitera-se que este direcionamento adotado pelo ordenamento interno,
favorecendo a proximidade da defesa, em detrimento do local de ocorrência dos fatos,
encontra respaldo jurisprudencial.
TRF da 5ª Região, Agravo de Instrumento nº 64.934: Voto: “4. Significa,
portanto, que, num órgão de abrangência nacional, como o é a
Superintendência da Polícia Federal, a Comissão Disciplinar Permanente (ou
a temporariamente formada para determinada apuração de irregularidade) de
um Estado da Federação pode desempenhar suas funções na averiguação de
irregularidades ocorridas em outro Estado da Federação. 5. Nos termos do
artigo 149 da Lei 8.112/90, ademais, ‘o processo disciplinar será conduzido
por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade
competente, observado o disposto no § 3º do art. 143, que indicará, dentre eles,
o seu presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de
mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado’. 6.
Como se vê, os requisitos para a regularidade da formação da comissão
processante são apenas a (i) estabilidade dos seus membros, (ii) o seu grau de
escolaridade e (iii) a sua designação pela autoridade competente, podendo os
fatos a serem investigados ter ocorrido no próprio Estado em que trabalham ou
em outro Estado em que o órgão ou entidade tenha representação. 7. Demais
disso, é de acrescentar-se que uma Comissão formada por servidores de outro
Estado provavelmente será até mesmo mais imparcial nas apurações do que se
formada por servidores do mesmo local de trabalho do investigado, servindo
ainda mais aos ditames do art. 150 da Lei n 8.112/90, segundo o qual ‘A
Comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade,
assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse
da administração’.
A positivação desta matéria voltou a receber alguns aperfeiçoamentos, com a edição
da Portaria RFB nº 136, de 6 de fevereiro de 2013, que revogou a Portaria RFB nº 3.131, de
2011, esclarecendo ainda mais o caráter residual da competência instauradora do Corregedor,
postura esta que foi mantida na normatização interna, estabelecida pela Portaria Coger nº 14,
de 30 de janeiro de 2014.
Mas o tema sofreu forte alteração com o Regimento Interno da Secretaria da Receita
Federal do Brasil aprovado pela Portaria MF nº 430, de 9 de outubro de 2017, em razão da
quebra do paradigma da exclusividade da competência correcional na Coger e nos Escor, o
que se refletiu na edição da Portaria RFB nº 6.483, de 29 de dezembro de 2017, que
tacitamente revogou a Portaria Coger nº 14, de 2014, e atualmente dispõe sobre a apuração de
irregularidades funcionais no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB). A
relevante inovação deste contexto regimental foi a atribuição de uma parcela concorrente de
553
presumem de menor potencial ofensivo e, como tal, puníveis com pena de advertência.
A competência de Delegados da Receita Federal do Brasil se delimita ao corpo
funcional que lhes é direta ou indiretamente subordinado. Como titulares de quaisquer
espécies de Delegacias (Delegacias Especiais da Receita Federal do Brasil de Administração
Tributária - Derat, de Fiscalização - Defis, de Fiscalização de Comércio Exterior - Delex, de
Instituições Financeiras - Deinf, de Maiores Contribuintes - Demac, de Pessoas Físicas -
DERPF, de Comércio Exterior - Decex, de Julgamento - DRJ e da Receita Federal do Brasil -
DRF) ou de Alfândegas da Receita Federal do Brasil (ALF), além dos servidores da própria
unidade, também podem ter sob sua alçada em termos correcionais servidores em exercício
em Postos de Atendimento, Agências (ARF) e Inspetorias da Receita Federal do Brasil (IRF).
Analogamente, as competências instauradoras dos Superintendentes e dos titulares de
unidades centrais (Chefe de Gabinete e Chefes de Assessorias do Secretário da Receita
Federal, Subsecretários, Coordenadores-Gerais Coordenadores Especiais e Chefe do Cetad) se
restringem aos servidores lotados e em exercício nas respectivas Superintendências Regionais
da Receita Federal do Brasil (SRRF) e nas respectivas unidades centrais.
Tendo chegado, a qualquer destas autoridades (seja por conhecimento próprio e
pessoal, seja por representação ou denúncia encaminhada na via hierárquica), a notícia de
suposta irregularidade, envolvendo servidor de sua jurisdição e acerca de fato que se presuma
punível com pena de advertência (a saber, por fatos enquadráveis nos incisos I a XII do art.
116 ou nos incisos I a VIII e XIX do art. 117, ambos da Lei n° 8.112, de 1990), e tendo
procedimentalizado a fase de admissibilidade e exarado o respectivo juízo de admissibilidade
positivo, compete-lhe proceder à instauração de sindicância disciplinar ou de PAD, à vista da
parte final da alínea “b” do inciso I do § 2° do art. 4°, em conjunto com o inciso IV do caput e
com o § 5° do art. 2°, ambos da Portaria RFB n° 6.483, de 2017.
Portaria RFB n° 6.483, de 2017 - Art. 2º A instauração de sindicância
disciplinar e de PAD bem assim a decisão de arquivamento em fase de
admissibilidade cabem:
IV - aos Subsecretários, ao Chefe de Gabinete, aos Chefes de Assessorias, aos
Coordenadores-Gerais, aos Coordenadores Especiais, ao Chefe do Centro de
Estudos Tributários e Aduaneiros (Cetad), aos Superintendentes e aos
Delegados da Receita Federal do Brasil, quando tiverem ciência de
irregularidade praticada por servidor que lhe seja subordinado, nos casos de
infração disciplinar de menor potencial ofensivo, punível com pena de
advertência.
§ 5º Os delegados, no uso da competência estabelecida no inciso IV do caput,
poderão instaurar procedimentos em relação a servidores lotados nas
inspetorias, agências e postos de atendimento da Receita Federal do Brasil que
lhes são subordinados.
Art. 4º
§ 2º A autoridade mencionada no inciso IV do caput do art. 2º, tendo recebido a
representação ou sendo quem primeiro teve conhecimento da irregularidade:
I - caso a infração se inclua em sua alçada, pode, a seu critério:
a) encaminhar a representação recebida ou representar diretamente ao Escor
da respectiva Região Fiscal;
b) decidir pelo arquivamento do feito, por ausência de materialidade ou de
autoria, ou pela instauração de sindicância disciplinar ou de PAD; ou
c) celebrar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), se cabível, nos termos da
Instrução Normativa CGU nº 2, de 30 de maio de 2017.
II - caso a infração extrapole sua alçada, deve encaminhar a representação
recebida ou representar diretamente ao Escor da respectiva Região Fiscal.
Relembre-se que, mesmo para fatos cabíveis neste espectro material de menor
potencial ofensivo e que lhes tenham chegado ao conhecimento, estas autoridadades fiscais e
administrativas não são obrigadas a promover a fase de admissibilidade e a decidirem pelo
arquivamento do feito ou pelo arquivamento do processo disciplinar, sendo-lhes facultado
559
remeter a ocorrência para o Escor da respectiva RF, nos termos da alínea “a” do inciso I do §
2° do art. 4° da Portaria RFB n° 6.483, de 2017.
O caminho oposto não é aceito, qual seja, de o Chefe de Escor ter conhecimento de
fato supostamente punível com pena de advertência e, por algum critério de oportunidade e
conveniência, remeter para o titular da unidade de lotação do servidor envolvido para que este
procedimentalize a fase de admissibilidade e/ou para que instaure o processo disciplinar.
Também não cabe, de forma alguma, por absoluta incompetência, titular de unidade fiscal ou
administrativa instaurar processo disciplinar para fato originariamente punível com pena de
suspensão ou com pena expulsiva, salvo hipótese de aplicação de pena de suspensão de até
trinta dias em razão de reincidência genérica de fato punível com pena de advertência.
Atingindo de vez o patamar mais cotidiano e comum da aplicação da matéria
correcional (com o que se abstrai das incomuns hipóteses de instauração a cargo do
Corregedor-Geral do MF e de instauração ou de avocação por parte do Secretário da Receita
Federal do Brasil ou do Ministro de Estado da Fazenda e também das autoridades fiscais e
administrativas da RFB), a principal questão que resta a ser elucidada se refere ao
disciplinamento trazido pela Portaria RFB n° 6.483, de 2017, acerca do esclarecimento de
quando cabe ao Corregedor e quando cabe ao Chefe de Escor instaurar o rito disciplinar ou
arquivar o feito.
Excluindo aquelas autoridades estranhas ao sistema correcional e não vocacionadas
para a matéria e sobretudo por se presumir que titulares de unidades centrais,
Superintendentes e Delegados da Receita Federal do Brasil, na imensa maioria dos casos em
que forem provocados por representações, denúncias ou qualquer espécie de notícia de
irregularidades ainda que cabível no campo material de menor potencial ofensivo, seguirão a
razoável e sensata faculdade concedida na parte inicial da alínea “b” do inciso I do § 2° art. 4°
da Portaria RFB n° 6.483, de 2017, tem-se, na leitura conjunta dos incisos II e III do caput do
art. 2º da mesma norma, que a regra geral vigente na RFB é de a competência instauradora
recair sobre o Chefe do Escor que jurisdicione a unidade em que o representado ou
denunciado seja lotado (ou em que tem exercício, caso a unidade de exercício seja distinta da
de lotação), mesmo sendo unidade central, independentemente de qual era a unidade de
lotação (ou de exercício) do servidor ao tempo da identificação dos fatos por ele praticados. O
inciso II supra reforça que cabem ao Corregedor, em princípio, hipóteses excepcionais para
figurar como autoridade instauradora (todas associadas apenas ao fato peculiar de o objeto da
apuração envolver servidor que ocupe ou que tenha ocupado determinados cargos em
comissão).
Portaria RFB n° 6.483, de 2017 - Art. 2º A instauração de sindicância
disciplinar e de PAD bem assim a decisão de arquivamento em fase de
admissibilidade cabem:
II - ao Corregedor, quando tiver ciência de irregularidade praticada por
servidor que ocupe cargos de Superintendente ou de Superintendente Adjunto
da Receita Federal do Brasil, ou, no âmbito das unidades centrais da RFB, que
ocupe função ou cargo de direção ou assessoramento superior ao do Chefe de
Escor, tanto à época dos fatos quanto à época da decisão, ou que tenha atuado
em tais qualidades;
III - ao Chefe de Escritório de Corregedoria (Escor), quando tiver ciência de
irregularidade praticada por servidor lotado ou em exercício em unidade
descentralizada ou em unidade central localizada na respectiva Região Fiscal;
e
Em razão da pouco técnica competência correcional atribuída a autoridades fiscais e
administrativas, o ordenamento ao menos cuidou de preservar uma cláusula de segurança em
termos tanto de preparo e capacitação quanto de isenção e imparcialidade. Não por acaso,
além de histórica construção possível de ser feita à luz do princípio da hierarquia, consagrado
no art. 15 da Lei n° 9.784, de 1999, a favor do Corregedor, a Portaria RFB n° 6.483, de 2017,
560
2011.
Mas, por outro lado, possuindo as respectivas condutas supostamente infracionais
determinado grau de associação e de corelação que não permite suas análises desmembradas
ou que ao menos as prejudica (em outras palavras, dependendo, ainda que minimamente ou
em parte, o esclarecimento de uma conduta do simultâneo e indissociável esclarecimento da
outra), tem-se então um peculiar contexto em que a regra geral não oferece a exata resposta se
a ambos ou se a algum dos dois correspondentes Chefes de Escor competiria a instauração.
Quando o objeto da apuração envolver servidores lotados (ou em exercício) em mais
de uma Região Fiscal ao tempo da instauração e que tenham praticado determinada(s)
conduta(s) cuja individualização da antijuridicidade seja indissociável do caráter infracional
de todo o conjunto fático, em virtude de seu grau de concatenação, interdependência ou de
consecutividade, a aplicação da regra geral faria exigir indesejados esforços de apuração
simultâneos, indissociáveis e superpostos em mais de uma jurisdição correcional. Em outras
palavras, a correta compreensão da possível aplicabilidade do dispositivo encartado no § 4º do
art. 2º da Portaria RFB nº 6.483, de 2017, requer que se tenha um conjunto fático em que, ao
se tentar empregar a regra geral das jurisdições associadas às unidades de lotação (ou de
exercício) dos envolvidos no momento da instauração, se tivesse de provocar dois ou mais
Chefes de Escor para um mesmo dever apuratório.
Mas é de ressalvar que o que o dispositivo em tela quer abarcar, precipuamente, são
situações bastante peculiares em que a suposta infração se inicia com condutas, atitudes,
operações ou procedimentos cometidos por determinado(s) servidor(es) lotado(s) ou em
exercício em uma RF e se conclui ou se aperfeiçoa somente com o cometimento simultâneo
ou posterior de outros atos funcionais por parte de outro(s) servidor(es) lotado(s) ou em
exercício em outra(s) RF(s) e que, se isoladamente tomados em cada local, não logram o
esclarecimento fático como um todo, de forma que não haveria parâmetro a permitir o
desmembramento das correspondentes condutas sob cada jurisdição dos Chefes de Escor.
Somente em tal cenário incomum - como, por exemplo, qualquer tratamento ou regime
tributário indevidamente concedido a um contribuinte por um servidor de uma RF e concluído
também de forma irregular e concatenada por outro servidor de outra RF - é que,
residualmente, se atende à literalidade inserida na norma para possibilitar que o Corregedor
atribua priorização da competência a apenas um dos Chefes de Escor das jurisdições
envolvidas.
Reitera-se então que, deste específico contexto fático, pode-se extrair o quão crescente
e forte é a refração no ordenamento para que o Corregedor figure como autoridade
instauradora. Tanto é extremamente residual a possibilidade com que o ordenamento interno
contempla a competência instauradora a cargo do Corregedor que, mesmo nestas hipóteses de
fatos cometidos por servidores lotados (ou em exercício) em mais de uma RF e que não
comportam desmembramento, ainda assim, o Corregedor determina que a competência recaia
sobre um dos Chefes de Escor, não se prevendo a ascensão para o foro instaurador
qualificado.
Assim, na peculiaridade da RFB, por um lado, se dois servidores, respectivamente
lotados (ou em exercício, se diferente) nas Xª e Yª RFs, cometem um determinado fato ilícito
no âmbito de quai(is)quer RF(s), não sendo as condutas claramente dissociáveis,
independentemente do lugar geográfico onde tenham sido concretizadas e onde repercutem, o
Corregedor deve determinar o Chefe de Escor responsável pela instauração conjunta.
É forçoso concluir que o § 4º do art. 2º da Portaria RFB nº 6.483, de 2017, também
abarca a situação peculiaríssima em que a suposta infração, com algum grau de
indissociabilidade, tenha sido cometida por dois servidores lotados (ou em exercício) em uma
mesma RF mas, que ao tempo da instauração, um deles esteja lotado (ou em exercício) em
outra jurisdição. Por outro lado, se aquela mesma suposta infração tiver sido cometida por
dois servidores lotados (ou em exercício) em diferentes RFs mas, que ao tempo da
564
impedem que recaiam no próprio Chefe do Escor (e, em especial, no Chefe do Escor01, para a
hipótese envolvendo servidores lotados na Coger) o juízo de admissibilidade e o
arquivamento do feito ou a instauração da instância disciplinar, se for o caso, tanto em razão
de desvios comportamentais ou por atos funcionais quaisquer que independam da condição de
integrante de comissão, quanto, nesta condição específica, em razão de atos cometidos na
relação com o acusado ou com seu procurador ou ainda com outros agentes intervenientes,
conforme estes podem vir a representar ou a denunciar, em geral sob alegações de suposto ato
de abuso de poder na condução dos trabalhos e em especial na denegação de pedidos
protelatórios ou impertinentes ou ainda ao confundirem a postulação de incidente de supostos
impedimentos ou suspeição (que se descreverão em 4.2.6) com representação ou denúncia.
Acerca da aplicação da regra geral a estes casos de representação ou denúncia contra
servidor lotado no Escor ou contra servidor convocado para integrar comissão, podem ocorrer
duas hipóteses de impedimento para que o Chefe do Escor emita seu juízo de admissibilidade,
arquivando o feito ou, se for o caso, instaurando o rito disciplinar, como se descreve a seguir.
Quando o Chefe do Escor já tiver atuado no caso na condição de representante contra o seu
subordinado ou contra o convocado, ele deve se declarar impedido, em favor da atuação em
seu lugar do Chefe Substituto do Escor. E, no caso de representação ou denúncia contra
integrante de comissão (lotado no Escor ou convocado) formulada por acusado, procurador ou
qualquer outro interveniente no processo em curso em razão de ato ao qual o Chefe do Escor
também esteja de alguma forma vinculado, por ter atuado ou interferido, este deve se declarar
impedido, em favor da atuação em seu lugar do Corregedor.
Por óbvio, em respeito à regra geral, tanto no caso de servidor lotado em Escor ou na
Coger, quanto no caso de servidor estranho ao sistema e que é temporariamente convocado
pelo Chefe de Escor (ou até mesmo pelo Corregedor), na hipótese de este agente cometer
suposta irregularidade no curso dos trabalhos da comissão para que foi designado, em geral, a
competência recai sobre o Chefe do Escor da jurisdição de sua unidade de lotação (ou de
exercício). Não obstante esta autoridade instauradora coincidir, na maioria das vezes, com o
Chefe do Escor que o designou para compor a comissão ou especificamente com o Chefe do
Escor01 no caso de designação por parte do Corregedor (já que é mais comum o servidor,
tanto lotado quanto convocado, ser designado em sua própria jurisdição), não necessariamente
sempre significam as mesmas autoridades, caso a designação, por qualquer Chefe de Escor ou
pelo Corregedor, tenha sido para compor comissão em RF diferente da de sua lotação (ou de
exercício).
No caso de se ter servidor lotado (ou em exercício) em determinada RF e que, ao ser
designado para compor comissão em outra jurisdição, incorre em suposta irregularidade, a
competência para emitir juízo de admissibilidade e para arquivar o feito ou para proceder à
instauração da instância disciplinar, em princípio, se mantém na regra geral, qual seja,
vinculada ao Chefe do Escor que jurisdiciona a sua unidade de lotação (ou de exercício) - o
que, no caso de servidor lotado em Escor, coincide com o próprio Chefe de Escor que é seu
superior hierárquico imediato -, e não associada ao Escor da jurisdição de onde transcorre o
processo no qual foi cometida a suposta ilicitude. Ainda que valha o comando de que a
aplicação de legislação de pessoal incumbe, ao tempo da convocação, à autoridade
convocadora, isto não possui o condão de superar a regra geral da competência instauradora
estabelecida no inciso III do caput do art. 2º da Portaria RFB nº 6.483, de 2017.
Por fim, no caso de servidor lotado na Coger ou de servidor estranho ao sistema e
convocado pelo Corregedor para integrar comissão e que cometa suposta irregularidade (seja
por ato funcional qualquer, dissociado da condição de integrante de comissão, seja por ato
processual diretamente associado à condição de integrante de comissão), as competências
acima descritas recaem, como regra geral, respectivamente, sobre o Chefe do Escor01 ou
sobre o Chefe do Escor da jurisdição da unidade de lotação (ou de exercício) do servidor
convocado, sendo que este coincide com o mesmo Chefe do Escor01 se o integrante de
comissão é lotado (ou tem exercício) em unidade da 1ª RF. O fato de o servidor ser lotado na
566
Coger ou de ser convocado pelo Corregedor não tem o condão de lhe conceder foro
privilegiado e de afastar a regra geral, estabelecida no inciso III do caput do art. 2º da Portaria
RFB nº 6.483, de 2017, visto que este dispositivo estabelece a competência para Chefes de
Escor inclusive sobre servidores lotados (ou em exercício) em unidades centrais situadas nas
respectivas RFs.
Ainda no presente tema, merece análise a questão da competência para instaurar
processo disciplinar para apurar ilícitos cometidos antes da criação da RFB, por meio da Lei
nº 11.457, de 16 de março de 2007. Para isto, se faz necessário o resgate, historicamente, que
o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia do então Ministério da Previdência
Social (MPS), dividia-se em duas grandes áreas de atuação, a saber, a Diretoria de Benefícios
(DB) e a Diretoria de Receita Previdenciária (DRP). A partir de 05/10/04, esta segunda área
de atuação, englobando arrecadação, fiscalização, lançamento, normatização e recuperação de
receita previdenciária, foi repassada para a Secretaria da Receita Previdenciária (SRP), órgão
então criado na estrutura direta daquela Pasta e que teve transferidos para seus quadros todos
os servidores da Carreira Auditoria-Fiscal da Receita Previdenciária (ARP) e passou ainda a
ter em exercício servidores administrativos em geral lotados naquela autarquia e que
desempenhavam atribuições legais ligadas à receita previdenciária. Com a criação da RFB,
decorrente da fusão dos Fiscos federais, todas aquelas competências da extinta SRP vieram
para este novo órgão, bem como seus servidores da Carreira de ARP, enquanto os servidores
administrativos que tinham exercício no órgão extinto (cargos do Plano de Classificação de
Cargos - PCC, instituído pela Lei nº 5.645, de 10 de dezembro de 1970; do Plano Geral de
Cargos do Poder Executivo - PGPE, tais como Analista Técnico-Administrativo, de nível
superior, e Assistente Técnico-Administrativo, de nível intermediário, instituído pela Lei nº
11.357, de 19 de outubro de 2006; e das Carreiras Previdenciária; da Seguridade Social e
Trabalho; do Seguro Social; e da Previdência, Saúde e Trabalho) foram redistribuídos para o
novo órgão, com o direito de optar, em 180 dias, por retornar ao INSS, conforme os arts. 10 e
12 da Lei nº 11.457, de 2007. Posteriormente, com a Lei nº 11.907, de 2 de fevereiro de 2009,
em seus arts. 256 e 256-A, estes cargos administrativos foram transpostos para o Plano
Especial de Cargos do MF (Pecfaz do Quadro de Pessoal do MF), a partir de 01/07/08, com
novo direito de optar, em noventa dias, pelo retorno a seu órgão de origem.
Compete à atual estrutura correcional da RFB instaurar processo disciplinar para
apurar qualquer irregularidade estatutária cometida ao tempo da extinta Secretaria da Receita
Previdenciária e também para apurar irregularidade estatutária vinculada às áreas de
arrecadação, fiscalização, lançamento, normatização e recuperação de receita previdenciária
ou nas atividades-meio associadas àquelas funções, transferidas do INSS para a extinta SRP,
cometidas ao tempo da DRP daquela autarquia, independentemente da lotação ou exercício
atual do servidor (ou seja, ainda que o servidor administrativo tenha retornado para o INSS - o
que levaria junto para aquele órgão a competência de julgamento, conforme já aduzido em
3.2.2.2.1.c). Por outro lado, compete à atual estrutura correcional do INSS apurar quaisquer
irregularidades cometidas na área de benefício, seja ao tempo de sua DB, seja após a criação
da extinta SRP, independentemente da lotação ou exercício atual do servidor (ou seja, ainda
que atualmente este servidor integre os quadros da RFB, o que traria junto para este órgão a
competência de julgamento, conforme já aduzido no mesmo tópico acima indicado).
Como exceção à regra geral acima, tem-se que, o caso específico de instauração de
processo com o único fim de apurar ato de improbidade administrativa por enriquecimento
ilícito decorrente de variação patrimonial a descoberto ou de sinais exteriores de riqueza ou de
movimentação financeira incompatível, conforme se descreverá em 4.7.4.4.3, sendo este um
ilícito dissociado da comprovação de ato funcional, pode-se ter como concorrente a
competência instauradora se a materialidade tiver se configurado ao tempo em que o servidor
atuava na área de benefícios do INSS e se este atualmente integra os quadros da RFB.
Por fim, repisa-se a hipótese já mencionada em 3.2.2.2.1.b de, no curso do processo
disciplinar instaurado pelo Chefe do Escor então competente na jurisdição de origem, o
567
servidor obter remoção (seja por provimento judicial, seja com base na autorização
excepcionalmente prevista no inciso I do art. 8° da Portaria RFB nº 6.483, de 2017, ou por
qualquer outro motivo) ou ter alteração do exercício ou lograr investidura em novo cargo
ainda no âmbito da RFB, para ser lotado (ou ter exercício, se diferente) em unidade situada
em outra RF. Sendo processo disciplinar instaurado por Chefe de Escor, ao se ter notícia da
entrada em exercício do acusado na outra RF, deve esta autoridade instauradora da jurisdição
de origem provocar o Corregedor, a fim de que este decida se a apuração deve ou não ser
transladada para o Escor da jurisdição de destino, conforme estabelece o inciso V do § 6º do
art. 2º da Portaria RFB n° 6.483, de 2017. Em tese, até se pode cogitar de que, como regra,
com o fim de manter a inteligência reinante de facilitar o acesso do acusado aos autos, deve o
processo ser transladado para o respectivo Escor da nova jurisdição. Todavia, a apreciação
caso a caso se justifica porque, em contrapartida àquele posicionamento apriorístico, pode
ocorrer de o inquérito administrativo já estar em fase adiantada a ponto de não se recomendar
a migração da competência e dos autos. Operacionalmente, no caso de se justificar a
transladação da competência para o Escor da nova jurisdição do acusado, mediante
manifestação do Corregedor, pode-se demarcar que deve o Chefe do Escor da jurisdição de
origem aguardar o momento de encerramento do prazo da portaria vigente, para, em lugar de
prorrogar o prazo ou de designar nova comissão, encaminhar os autos para o Chefe do Escor
da jurisdição de destino, que passará, a partir deste momento, a incumbir-se da tramitação
processual e de todas responsabilidades e competências de autoridade instauradora.
Ainda neste rumo de incidentes no curso do processo disciplinar, é de se ressalvar que
se o acusado for inativo ou ex-servidor, mesmo que altere seu domicílio para outra jurisdição,
o procedimento prossegue no Escor da jurisdição da sua última unidade de lotação ou de
exercício, conforme o § 7° do art. 2° da Portaria RFB n° 6.483, de 2017.
Ademais, se for o caso de ocorrer aquela excepcional remoção de acusado servidor
ativo no curso de processo disciplinar instaurado por autoridade fiscal ou administrativa, não
há possibilidade de transladação, devendo o procedimento permanecer na jurisdição da
unidade de origem, confome o inciso IV do § 6° da Portaaria RFB supra.
Ademais, seja qual for a
Portaria RFB n° 6.483, de 2017 - Art. 2°
§ 6º Ocorrendo remoção ou alteração de exercício do servidor:
IV - após a instauração de sindicância disciplinar ou de PAD amparada no
inciso IV do caput, a apuração permanecerá na jurisdição de origem.
V - após a instauração de sindicância disciplinar ou de PAD amparada nos
incisos II ou III do caput, o Corregedor poderá, no momento da prorrogação
do prazo do apuratório ou da designação de nova comissão disciplinar,
transferir a competência para o Escor que jurisdicione a nova unidade de
lotação ou de exercício do servidor.
§ 7º Caso o investigado ou acusado seja inativo ou ex-servidor, o procedimento
investigativo e a sindicância disciplinar ou o PAD transcorrerão no Escor da
jurisdição da última unidade de lotação ou de exercício, sem prejuízo quanto
ao disposto nos §§ 2º, 3º, 4º e 5º.
As informações prestadas no presente tópico podem ser sintetizadas como se segue:
Tipo de competência Representado ou denunciado Autoridade instauradora
Competências associadas Corregedor-Geral e Corregedor-Geral Adjunto
Ministro de Estado da Fazenda
ao cargo do MF
568
de 3 de abril de 2014, em seus arts. 1º, 3º e 5º, a partir de 31/07/14, a publicação interna de
atos administrativos se dá exclusivamente por meio do Boletim de Serviço da RFB (BS RFB),
instituído como um periódico diário eletrônico e de extensão “portable document format”
(pdf), com conteúdo (dividido tematicamente entre Seção 1 - para atos normativos de forma
geral; e Seção 2 - para atos relativos à vida funcional dos servidores) divulgado, acessível e
facilmente pesquisável por data de edição, na página inicial da intranet institucional. Informe-
se que o recebimento de material a ser publicado e a elaboração diária do BS RFB competem
à Divisão de Atividades Administrativas do Gabinete da RFB (Gabin/Diadm).
Portaria RFB nº 872, de 2014 - Art. 1º Fica instituído o Boletim de Serviço da
Secretaria da Receita Federal do Brasil (BS/RFB), periódico diário eletrônico
para publicação de atos administrativos da RFB.
Art. 2º O BS/RFB será divulgado na intranet diariamente, em formato PDF.
§ 1º Na hipótese de inexistir matéria para publicação, o BS/RFB não será
editado.
§ 2º A divulgação de que trata o caput será efetuada preferencialmente até as
18h (dezoito horas), horário de Brasília.
§ 3º Excepcionalmente, no interesse da Administração, poderá haver edição
extra do BS/RFB.
§ 4º A página inicial da intranet da RFB apresentará acesso permanente ao
BS/RFB.
Art. 3º Compete à Divisão de Atividades Administrativas (Diadm) do Gabinete
da RFB elaborar e divulgar o BS/RFB.
§ 1º Serão publicados na Seção 1:
I - as normas de execução;
II - as portarias com conteúdo normativo;
III - as ordens de serviço;
IV - os atos declaratórios executivos;
V - as resoluções; e
VI - as notas técnicas.
§ 2º Serão publicados na Seção 2 os atos relativos à vida funcional dos
servidores da RFB, cabendo à Cogep a regulamentação dos Atos
Administrativos de publicação obrigatória no BS/RFB.
§ 3º Os atos que tiverem sua publicação no Diário Oficial da União ou em
outro meio oficial exigido por legislação específica não serão publicados no
BS/RFB.
Art. 5º Os atos a serem publicados no BS/RFB deverão ser enviados para a
caixa postal BoletimdeserviçoRFB, em formato ODT, acompanhados da
respectiva versão em formato PDF com assinatura digital.
Assim, conforme o § 2º do art. 4º e o art. 8º, ambos da Portaria RFB nº 872, de 2014,
no caso específico de portaria de instauração de processo disciplinar (bem como de qualquer
outro documento de natureza instrumental e de interesse das comissões disciplinares, dos
Escritórios de Corregedoria - Escor ou da Corregedoria - Coger), a publicação deve se dar na
Seção 2 do BS RFB, viável de ocorrer a qualquer dia útil da semana, sendo dispensada a
publicação em outro veículo de divulgação interna no âmbito do Ministério da Fazenda (MF),
tais como Boletins de Pessoal ou de Serviço do Ministério da Fazenda - BP MF ou BS MF,
bem como em qualquer outro canal interno na RFB ou em suas unidades centrais ou
descentralizadas.
Portaria RFB nº 872, de 2014 - Art. 8º A publicação de ato no BS/RFB exclui a
necessidade de sua publicação nos Boletins de Pessoal e de Serviço do
Ministério da Fazenda (BP/MF e BS/MF), bem como em outros canais internos
utilizados pelas Unidades Centrais e Descentralizadas
Acrescente-se ainda que a instituição do BS eletrônico trouxe a reboque para o sistema
correcional o emprego da ferramenta que possibilita a assinatura digital de documentos no
âmbito da RFB, por meio do Sistema Solução de Assinatura de Documentos Digitais (e-
572
Mas isto não significa poder arbitrário e ilimitado de investigação, uma vez que os
atos administrativos requerem, como elemento de validade, dentre outros, a motivação e
competência: motivação aqui se demonstra importante porque são os fatos apreciados na fase
de admissibilidade que motivaram a decisão, por parte da autoridade instauradora, de editar
uma forma de mandato, em nome da comissão, a fim de que o colegiado proceda a seu
esclarecimento; e competência aqui merece destaque porque a comissão é designada por um
ato que, se por um lado não enumera exaustivamente o alcance dos trabalhos apuratórios, por
outro lado, deixa indicado o seu delimitador, adstringindo o escopo aos fatos narrados no
processo até a data da instauração e àqueles que se demonstrem conexos (ainda que se tome
este termo em sentido amplo, é necessária alguma relação de conexão para a extensão dos
trabalhos).
Grosso modo, pode-se dizer que, em casos com multiplicidade fática a se apurar e/ou
com muitos servidores envolvidos, dependendo da forma e do momento em que tais extensões
objetivas e/ou subjetivas já estavam ou tenham vindo aos autos, pode-se lançar mão de dois
institutos jurídicos que desafogam a unidade processual e acarretam a formação de novos
autos, em favor da celeridade e da eficiência, a saber, a representação ou o desmembramento.
Ainda em um patamar fortemente superficial de análise, pode-se sintetizar que a
representação é uma ferramenta mais utilizada diante do conhecimento de fatos novos não
conexos com os fatos originariamente autuados e que, em geral, restam descobertos no curso
do procedimento (de apuração, em geral, condicionada a nova fase de admissibilidade e à
instauração de novo processo disciplinar, com novo trio processante diferente do
representante e com seu próprio cômputo prescricional); por outro lado, o desmembramento é
uma ferramenta mais utilizada para casos já conhecidos desde o início do procedimento ou a
ele já integrados (de prosseguimento apuratório que, em geral, dispensa nova fase de
admissibilidade e outro trio processante e com prazo prescricional atrelado ao primeiro,
porque, de um jeito ou de outro, já eram de conhecimento da Administração antes de
desmembrar).
Decerto, conforme se abordará em 4.2.2.1.2 e em 4.2.3, a decisão acerca da
conveniência de a comissão solicitar desmembramento dos autos ou de formular
representação não se pontua por qualquer normatização ou balizamento, mas sim se conduz
unicamente pelo aspecto estratégico da efetiva e célere instrução processual, equilibrada pela
segurança jurídica, ponderando-se, caso a caso, as vantagens e desvantagens de cada
ferramenta. Há posicionamento institucional neste sentido
Orientação Coger nº 11
Em procedimento disciplinar com multiplicidade fática a apurar e/ou com
muitos acusados, a decisão acerca da conveniência de a comissão solicitar
desmembramento dos autos ou de formular representações não se baliza por
qualquer normatização, mas sim pelo aspecto estratégico da efetiva e célere
condução processual e da segurança jurídica
para cuidar deste novo fato, sendo possível ter de se operar o desentranhamento de peças,
conforme se aduzirá em 4.2.3. Há posicionamento institucional neste sentido, em peça
propositiva oriunda de debates internos.
Orientação Coger nº 43
O conhecimento de novas irregularidades tidas como independentes em relação
aos fatos objeto da fase de admissibilidade ou do PAD em curso recomenda a
formalização de procedimento distinto.
De se reforçar o já exposto linhas acima, em 4.2.2.1.1, que a existência de conexão em
sentido amplo autoriza a unidade processual, mas não a determina. De certa forma, pode-se
compreender que a conexão lato sensu é um pré-requisito necessário mas não suficiente para
justificar que a comissão abarque os novos fatos ao escopo original de seu trabalho. Sem
qualquer espécie de relação de conexão (ou seja, no caso de infrações independentes), a
extensão dos trabalhos não se justifica; com alguma relação de conexão, a extensão dos
trabalhos se autoriza, com o que não se confunde que se obriga. Ainda que existente a relação
de conexão, podem os trabalhos em curso já se encontrarem em estágio tal que não se justifica
retroceder a instrução probatória para a juntada de novos fatos ou pode também a juntada
prejudicar direito de defesa (por exemplo, no caso de servidor lotado ou em exercício em
outra jurisdição). Nesta linha, tanto o art. 80 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941
- Código de Processo Penal (CPP) quanto o § 1º do art. 55 e o art. 57, ambos da Lei nº
13.105, de 16 de março de 2015 - o Código de Processo Civil (CPC) e também a
jurisprudência permitem compreender que a reunião das apurações em um único processo é
uma faculdade atribuída ao órgão condutor dos trabalhos - e não uma obrigatoriedade -, a ser
exercida com certa margem de discricionariedade para se avaliar, em conjunto, a intensidade
de conexão, a economia processual obtida e o risco de decisões conflitantes.
CPP - Art. 80. Será facultativa a separação dos processos quando as infrações
tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou,
quando pelo excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão
provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a
separação.
CPC - Art. 55.
§ 1º Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta,
salvo se um deles já houver sido sentenciado.
Art. 57. Quando houver continência e a ação continente tiver sido proposta
anteriormente, no processo relativo à ação contida será proferida sentença sem
resolução de mérito, caso contrário, as ações serão necessariamente reunidas.
TRF da 1ª Região, Habeas Corpus nº 44.534: “Ementa: Em razão da maior
complexidade, podem os processos ser desmembrados, por motivos de
conveniência da instrução (...), ainda que eventualmente exista conexão entre
as infrações processadas.”
Cabe destacar, mais uma vez, a impropriedade de se ter a fase de admissibilidade
esparsa e precipitada, baseada apenas em rápida e superficial amostragem de alguns episódios
com indícios de materialidade e de autoria para propor instauração antes de esgotar o universo
fático a se apurar, e, posteriormente, no curso do rito contraditório, a comissão ter de
aprofundar investigações fáticas e se deparar com eventos relacionados aos iniciais, mesmo
que seja com traços de conexão ou de habitualidade ou até mesmo de continência e
destacadamente com traços apenas de continuidade.
Uma vez que, em relação aos fatos que originalmente provocaram a instauração, a
portaria instauradora permite que a comissão abarque em seu foco apuratório tão somente os
fatos ligados por conexão em sentido lato e que se subentendem extensíveis também os fatos
associados por habitualidade, é de se alertar que a inclusão de fatos novos relacionados apenas
por traços de continuidade poderia suscitar alegações de se ter extrapolado os poderes
estabelecidos no mandato em que se constitui aquele ato inaugural e de incompetência do
585
colegiado para assim proceder, alegação esta superável, conforme já aduzido em 2.5.3.4, caso
se consiga inserir no conceito jurídico da continência. De toda sorte, novos fatos
independentes dos fatos originais a priori devem ser objeto de representação.
Ainda neste tema, acrescente-se que, à vista da atual regulamentação interna da
competência instauradora no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB),
também merece representação apartada à autoridade instauradora a hipótese de a comissão
identificar indícios de materialidade e de autoria de infração cometida por servidor lotado (ou
em exercício) em diferente RF, ou seja, da jurisdição de outro Escor (a rigor, em qualquer
caso, configuradas ilicitudes indissociáveis ou mesmo dissociáveis realizadas por servidores
lotados ou em exercício em diferentes Regiões Fiscais, o Chefe do Escor de origem deve
consultar o Corregedor, a quem cabe determinar a qual Escor competirá o procedimento, nos
termos do § 4º do art. 2º da Portaria RFB nº 6.483, de 29 de dezembro de 2017, conforme já
se aduziu em 4.2.1).
Relembre-se ainda a peculiaridade já aduzida em 2.5.3.4, estendendo-a aqui já para
momento posterior, no curso do processo disciplinar: quando a comissão incumbida de apurar
suposto ilícito de natureza patrimonial identifica fatos novos supostamente ilícitos associados
a atos funcionais e que, portanto, não guardam conexão ou relação de habitualidade com as
supostas desproporções patrimoniais já sob apuração, estes novos fatos devem ser objeto de
representação diretamente apresentada à autoridade instauradora. Uma vez que se defende em
4.7.4.4.3 a não vinculação da comprovação da ilicitude associada à desproporção patrimonial
com irregularidades associadas a ato funcionais, ainda que de um mesmo servidor, seria
incoerente a unicidade processual, devendo em geral ser processadas em autos
individualizados.
Assim, seja pela ausência de conexão (no sentido amplo de qualquer forma de liame)
entre as infrações, ou seja pelo momento processual inoportuno para a extensão apuratória,
seja ainda por envolver servidor de outra jurisdição, deve a comissão, em tais hipóteses de se
deparar com novos fatos supostamente ilícitos no curso de sua apuração, como regra geral,
proceder à representação - mas sem perder de vista o aspecto estratégico que necessariamente
deve permear tal decisão, na busca da célere e efetiva condução processual e da segurança
jurídica. Verifica-se a cautela com que a jurisprudência trata o prejuízo à defesa em tais
hipóteses.
TRF da 1ª Região, Apelação Cível nº 2002.32.00.003347-9, Voto: “Gira a
controvérsia no presente mandam us em torno da aferição da legalidade de ato
(...) que (...) determinou a reunião de processos administrativos envolvendo a
apuração de três sindicâncias com objetos distintos relativos à impetrante (...).
Ao que se extrai dos autos, a impetrante logrou demonstrar suposto prejuízo
sofrido em razão da reunião das aludidas apurações em um único processo
(...), fato que, além de tumultuar o feito que sequer demonstra conexão entre os
ilícitos apurados, implicou no óbice ao exercício do contraditório e ampla
defesa da impetrante.”
TRF da 1ª Região, Apelação Cível nº 1999.38.00.040702-0: “Ementa: 7. A
apuração de irregularidades sem qualquer conexão fática entre si dificulta a
defesa dos acusados, podendo ainda causar tumulto processual e prolongar o
processo de forma desnecessária. A ausência de ligação entre as infrações é
tão notória que sua análise é feita de forma totalmente separada no próprio
relatório da comissão processante. Por conseguinte, a dificuldade de se
observar com rigor o princípio do contraditório e da ampla defesa, bem como o
princípio da razoável duração do processo configura a abusividade da
apuração conjunta.”
Destaque-se que a previsão citada acima de a comissão representar pode ser exercida
assim que tais fatos novos se revelem materializados, momento este que pode ser incidental,
em meio à instrução do rito disciplinar (hipótese em que não deve postergar esta provocação
586
para o fim de seus trabalhos) ou, se for o caso, pode coincidir com as conclusões de seu
relatório. Como a comissão é órgão independente e autônomo na Administração Pública, não
se vinculando a nenhuma autoridade, nem mesmo à que a designou, conforme 4.3.10.2.2, não
se insere em via hierárquica, podendo representar diretamente à outra que não a instauradora,
como, por exemplo, à autoridade jurisdicionante do representado. Não obstante, convém fazê-
lo por meio de sua autoridade instauradora.
Assim sendo, cabe à autoridade instauradora proceder ao juízo de admissibilidade
acerca desta notícia específica e, se for o caso, instaurar novo processo disciplinar. E, uma vez
que os integrantes da comissão originária atuaram como representantes para este novo
processo, não devem compor o respectivo colegiado.
Destaque-se que no caso da representação em virtude do conhecimento de novas
infrações independentes e desconhecidas até então, como regra geral, opera-se um novo e
autônomo cômputo prescricional. Conforme se aduzirá em 4.13.1.4, estes fatos novos têm o
início da contagem do prazo prescricional desvinculado do fato original que provocou a
designação, tendo seu termo inicial vinculado a seu específico conhecimento por parte da
Administração, que se dá com a mencionada representação dirigida à autoridade instauradora,
e a ser verificado até a publicação da portaria de instauração do segundo feito disciplinar, em
harmonia com o Parecer AGU nº GQ-55.
Como consequência da representação, pode ser necessário desentranhar documentos
originais do processo inicial para instruir o(s) novo(s) processo(s) instaurado(s), lavrando-se o
devido termo, sem repaginação de folhas. E, tendo sido retirados elementos originais do
processo originário, recomenda-se, além da autuação do termo de desentranhamento,
reconstituí-lo com cópias autenticadas do que foi desentranhado.
Especificamente nos processos digitais, formalizados no Sistema Processo Eletrônico
(e-Processo) e que possuem suporte documental em meio digital, também não há que se falar
em renumeração de folhas, pois os documentos, depois de juntados em definitivo, recebem
numeração permanente e, mesmo após sua exclusão, permanecem disponíveis e acessíveis a
partir da funcionalidade de pesquisa a documentos.
4.2.3 - Desmembramento
Por fim, em hipótese distinta das abordadas em 4.2.2.1.1 e em 4.2.2.1.2, pode
acontecer de figurar em um processo disciplinar uma grande quantidade de servidores como
possivelmente responsáveis por ato(s) ilícito(s), seja por seus nomes já terem sido apontados
desde a representação ou a denúncia, seja por terem surgido em decorrência do esgotamento
dos procedimentos de investigação na fase de admissibilidade. Pode também ocorrer de um
mesmo processo, já desde a instauração, abarcar diversos fatos, envolvendo um único ou mais
de um servidor. Pode ainda se cogitar da hipótese de multiplicidade fática ou de autores
cabíveis nos conceitos de conexões material, probatória ou intersubjetiva ou de ilícito habitual
ou ainda ligados por continência, agregados ao foco apuratório já pela comissão, na fase do
inquérito administrativo (uma vez que, se não houvesse qualquer espécie de conexão ou
sequer habitualidade ou continência ou ainda de continuidade, a rigor, o caso recairia na
solução via representação, abordada no segundo tópico acima mencionado). De acordo com
as definições e regra já expostas em 2.5.3.4 e no primeiro tópico acima mencionado, havendo
qualquer espécie de conexão lato sensu interligando estes elementos objetivos ou subjetivos
impulsionadores do dever de apurar, ou seja, ainda que reste extenso o espectro de trabalho,
se os variados fatos cometidos por um único servidor ou se as condutas de diversos servidores
guardarem forte inter-relação e indissociabilidade, é preferível que o processo seja conduzido
de forma una, com todos os acusados e fatos conexos a apurar no mesmo procedimento.
Não obstante, é de se ponderar que a grande quantidade de servidores envolvidos e/ou
a ampla diversidade de fatos a se esclarecer em um mesmo processo, ainda que guardando
587
conexão ou liame de qualquer natureza, pode(m) dificultar a apuração, uma vez que torna(m)
mais trabalhosa e demorada a condução do rito.
Aventando-se desta hipótese excepcional (de uma cadeia de conexões lato sensu tão
extensa que inviabilize operacionalmente a racional condução da apuração), à vista da parcela
de discricionariedade conferida à Administração para decidir sobre a forma mais eficiente de
conduzir os trabalhos, já comentada em 4.2.2.1.2, e agregando-se à análise a possibilidade de
a comissão se deparar com multiplicidade fática ou de autores em condutas dissociáveis e que
não guardam conexão (infrações independentes), demonstra-se possível - desde que não traga
prejuízo para a qualidade do resultado global - desmembrar os trabalhos em mais de um
processo, individualizando ou subdividindo em grupos menores as apurações.
Para este fim, de imediato, é de se dizer que se, por um lado, o desmembramento não
tem expressa previsão de emprego na instância disciplinar na lei específica (a Lei n° 8.112, de
11 de dezembro de 1990), também é certo dizer que este diploma legal não o veda. Assim, no
silêncio da legislação de regência - e também na lei geral do processo administrativo, Lei n°
9.784, de 29 de janeiro de 1999 - busca-se o disciplinamento no Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de
outubro de 1941 - Código de Processo Penal (CPP), que prevê o instituto em seu art. 80, e
também na jurisprudência.
CPP - Art. 80. Será facultativa a separação dos processos quando as infrações
tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou,
quando pelo excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão
provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a
separação.
TRF da 2ª Região, Apelação Cível nº 2009.51.01.003129-8: “Ementa: 1. O
instituto do desmembramento de processo não tem expressa previsão de
emprego em instância disciplinar na lei específica (Lei n° 8.112/90), porém este
diploma legal não o veda. Assim no silêncio da legislação de regência e,
também na lei geral do processo administrativo, Lei n° 9.784/99, busca-se o
disciplinamento no Código de Processo Penal (CPP), que prevê em seu art. 80,
a faculdade separação dos processos quando ‘(...) pelo excessivo número de
acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo
relevante, o juiz reputar conveniente a separação’. 3. Não há que se falar em
prejuízo de defesa pela falta de conhecimento dos atos praticados pelas
comissões de inquérito dos processos desmembrados. Isto porque é evidente
que o julgamento acerca das acusações não pode se dar com base em
elementos estranhos ao processo, ou seja, qualquer eventual acusação
produzida contra o autor exclusivamente dos demais PADs serão
desconsideradas, sob pena de incorrer em nulidade. 4. O autor não comprovou
o efetivo prejuízo, para caracterizar o cerceamento de defesa em razão do
desmembramento, pois o cerceamento de defesa é um fato e, em decorrência,
quem o alega deve demonstrar o efetivo dano sofrido no exercício do direito de
defender-se, não admitindo sua presunção.”
Assim, se os nomes dos envolvidos ou os diversos fatos constam dos autos desde a
representação ou a denúncia ou se surgiram nas investigações prévias em fase de
admissibilidade, pode a autoridade instauradora avaliar a viabilidade e, se for o caso,
motivadamente, determinar a instauração de mais de um processo, emitindo então mais de
uma portaria de instauração (ficando a seu critério designar a mesma comissão ou não).
Analogamente, pode a comissão, já no curso do processo, considerar que a grande
quantidade de acusados e/ou a diversidade de fatos constantes dos autos desde a instauração
ou a que se chegou no curso do inquérito administrativo, ainda que guardem qualquer forma
de conexão ou de liame, dificulta(m) o apuratório, seja por obrigar(em) a postergação de sua
conclusão, seja por prejudicar(em) o direito de defesa de algum acusado, e, entendendo não
haver perda para a qualidade dos trabalhos de apuração, solicitar o desmembramento à
autoridade instauradora. Em tais casos, deve ser emitida portaria de instauração para o
588
processo desmembrado, que poderá ser conduzido pela mesma comissão, se o colegiado
apenas solicitou o desmembramento em razão dos fatos que já constavam dos autos iniciais
(reiterando-se que deve ser conduzido por outro trio, caso o colegiado tenha efetivamente
figurado como representante).
De forma geral, aqui se cogitando de desmembramento de um processo original em
decorrência de multiplicidade fática ou de autores que já constavam dos autos desde antes da
instauração ou que foram abarcados ao apuratório pela comissão em razão de conexão
material, probatória ou intersubjetiva ou por habitualidade ou ainda de continência (que inclui
a continuidade delitiva) em relação aos fatos originários, a rigor, não se cogita de emissão de
juízo de admissibilidade específico e o cômputo prescricional segue agregado para todo o
conjunto.
Como consequência do desmembramento, pode ser necessário desentranhar
documentos originais do processo inicial para instruir o(s) novo(s) processo(s)
desmembrado(s), lavrando-se o devido termo, sem repaginação de folhas. E, tendo sido
retirados elementos originais do processo originário, recomenda-se, além da autuação do
termo de desentranhamento, reconstituí-lo com cópias autenticadas do que foi desentranhado.
Especificamente nos processos digitais, formalizados no Sistema Processo Eletrônico
(e-Processo) e que possuem suporte documental em meio digital, o termo de
desentranhamento é gerado automaticamente pelo sistema (mediante registro da motivação da
exclusão de peças) e também não há que se falar em renumeração de folhas, pois os
documentos, depois de juntados em definitivo, recebem numeração permanente e, mesmo
após sua exclusão, permanecem disponíveis e acessíveis a partir da funcionalidade de
pesquisa a documentos.
4.2.4.1 - Estabilidade
Não obstante o aduzido em 3.2.4.2.1, quando se apresentou que, doutrinariamente, o
conceito de estabilidade associa-se a um vínculo estatutário entre o servidor e o serviço
público e não apenas com o cargo efetivo que ora ocupa, faz-se aqui necessário analisar o
reflexo deste instituto jurídico no que diz respeito a figurar como requisito para que um
servidor integre comissão de inquérito ou de sindicância.
A melhor inteligência do comando inserido no caput do art. 149 da Lei nº 8.112, de 11
de dezembro de 1990, ao exigir a estabilidade como requisito para integrar comissões, é no
sentido de que o diploma legal quer assegurar a este servidor absolutas independência,
segurança, imparcialidade e isenção para atuar nos trabalhos apuratórios, sem risco de sofrer
qualquer tipo de ingerência ou pressão por parte de quem quer que seja e, destacadamente, por
parte de autoridade superior a quem ainda possa estar submetido nas avaliações de estágio
probatório.
Embora se reconheça que os institutos da estabilidade e do estágio probatório, a
despeito de guardarem intrínseca correlação, não se confundem, não há como negar que um
servidor, mesmo estável no serviço público federal em razão de ter cumprido requisitos para
tal em cargo anteriormente ocupado mas ainda em cumprimento de estágio probatório no
cargo que ocupa ao tempo da designação para integrar comissão disciplinar, possa vir a sofrer
alguma espécie de perturbação ou algum grau de mitigação na independência, segurança,
imparcialidade e isenção que a Lei exige do integrante e quer tutelar a bem da qualidade dos
trabalhos. Conforme também entende a doutrina, ainda que em menor grau, mesmo este
servidor já detentor do vínculo estatutário de estabilidade com o serviço público federal pode
sofrer represálias ou acometer-se de inseguranças indesejáveis na sua atuação como integrante
de comissão em razão do risco de ser reprovado no estágio probatório do cargo efetivo atual e
de ser reconduzido ao cargo efetivo anterior, em confronto inequívoco com a vontade da Lei e
com os princípios reitores do processo disciplinar.
“(...) quando o art. 149 do Estatuto estabelece que o PAD será conduzido por
comissão com três servidores estáveis, visa a assegurar integral independência
desses servidores, para evitar que sofram ingerência indevida. Trata-se de uma
garantia do investigado similar à garantia do cidadão no tocante às
prerrogativas dos membros da Magistratura e do Ministério Público. Por isso,
a simples estabilidade no serviço público não asseguraria ao servidor essa
independência, uma vez que o atual cargo é fruto da vontade do servidor que se
submeteu a um novo concurso público e, portanto, para ele é de considerável
importância (...).”, Luciano Rosa Vicente, “A Controvérsia sobre a
Estabilidade dos Membros de Comissões Disciplinares na Esfera Federal
Brasileira”, Revista Fórum Administrativo, nº 193, pgs. 57 a 66, Editora
Fórum, março de 2017
“Toda ameaça a bem valioso, o atual cargo pode ser assim considerado, seria
590
Receita Federal do Brasil (ATRFB) presida comissão em que o acusado seja detentor do
cargo efetivo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil (AFRFB), já que ambos cargos
são de nível superior, e nem mesmo para que servidor ocupante de cargo administrativo de
nível médio o faça em face de acusado ocupante de cargos de AFRFB ou de ATRFB, mas,
neste caso, desde que o presidente grau de escolaridade no mínimo igual ao acusado. Todavia,
se não por impedimento legal mas sim em função de critérios extralegais de oportunidade e
conveniência, quando o processo cuida de apurar irregularidade associada à atribuição legal
concorrente dos dois cargos da Carreira Tributária e Aduaneira da Receita Federal do Brasil
(TARFB), recomenda-se que a presidência da comissão recaia sobre servidor igualmente
competente para o ato, ou seja, ocupante de um dos dois cargos e, mais especificamente, se o
ato é competência exclusiva de AFRFB, convém que o presidente também seja ocupante do
mesmo cargo.
Quanto ao grau (ou nível) de escolaridade, no País, existem apenas três: ensino
fundamental, ensino médio e educação superior, conforme o art. 21 da Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996 (a Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Neste rumo, com amparo
doutrinário, aduz-se que títulos acadêmicos (tais como mestrado ou doutorado ou pós-
graduação lato sensu) não estão acima do grau superior, sendo nele enquadrados sem
diferenciação.
“No tocante ao nível de escolaridade que a lei, agora, passa a exigir como
requisito alternativo para o servidor presidir comissão de processo disciplinar,
há de ser entendido o alcançado pela conclusão de cursos regulares (1º, 2º e 3º
graus, ou seja, fundamental, médio e superior), não sendo levado em
consideração, portanto, os cursos de aperfeiçoamento, os de extensão
universitária, como mestrado, doutorado ou os de especialização, que apenas
qualificam, aprimoram e enriquecem o conhecimento, sem, todavia, elevar ou
interferir no nível de escolaridade.” Francisco Xavier da Silva Guimarães,
“Regime Disciplinar do Servidor Público Civil da União”, pg. 108, Editora
Forense, 2ª edição, 2006
De forma geral, os cargos tão somente classificam-se em três níveis, respectivamente
associados aos graus de instrução: auxiliar (que requer ensino fundamental), intermediário
(que requer ensino médio) e superior (que requer ensino superior). Assim, o posicionamento
do servidor nos padrões e classes de sua carreira não se reflete na comparação do nível do
cargo. Pode, por exemplo, um servidor detentor de cargo de nível superior e posicionado no
padrão inicial da primeira classe presidir comissão em que o acusado seja detentor também de
cargo de nível superior e posicionado no mais alto padrão da última classe. Tampouco a
complexidade das atribuições do cargo se reflete nesta condição legal.
Embora haja atos que sejam de atribuição do presidente, nas deliberações e nas
manifestações de convicção, os votos dos três integrantes têm o mesmo valor. Frise-se: não há
relação de hierarquia dentro da comissão, mas apenas distribuição não rigorosa de atribuições
e uma reserva de competência para a execução de determinados atos ao presidente (e, mesmo
assim, em regra, os atos da comissão são previamente deliberados em conjunto pelo trio,
podendo apenas a sua posterior operacionalização ser atribuída especificamente ao
presidente).
De forma expressa, a Lei nº 8.112, de 1990, reserva ao presidente da comissão
designar o secretário (no § 1º do art. 149), denegar os pedidos impertinentes da defesa (no §
1º do art. 156), intimar as testemunhas (no caput do art. 157) e citar o indiciado para
apresentar defesa (no § 1º do art. 161) - mas sempre respaldado por deliberação colegiada
prévia. Não obstante, a praxe - ou seja, mero costume sem rigor - é de caber ao presidente
representar a comissão para pessoas estranhas ao processo, receber procuradores dos
acusados, dirigir as reuniões e os atos de coleta de prova e emitir mandados, despachos e
decisões interlocutórias em geral.
592
subordinados, figurando o chefe como vogal (e se, ao contrário, o chefe for o presidente, não
repercutirá nos trabalhos da comissão a subordinação hierárquica que lhe devem os vogais na
atividade cotidiana).
Evidentemente, até pode-se discutir a conveniência destas situações exemplificadas
acima, para força de argumentação, mas não a legalidade. A Lei apenas exige a estabilidade
para os três integrantes detentores de cargo efetivo e estabelece critério de nível do cargo
efetivo ou de grau de escolaridade do presidente em relação ao acusado. Tendo assim se
expressado o legislador em termos de requisitos legais, não cabe ao aplicador da lei criar
restrições que a norma não previu, tais como requisitos de nível de cargo ou grau de
escolaridade dos vogais em relação ao presidente ou ao acusado e de experiência de qualquer
dos integrantes na matéria técnica de que cuida o processo. Obviamente, se a autoridade
instauradora dispuser de servidor(es) experiente(s) na matéria e designá-lo(s) para
compor(em) o colegiado, buscando qualidades pessoais, estará atuando à vista da eficiência,
mas isto não se confunde com requisito essencial.
Assim, como mera recomendação, não exigida em lei, em busca de solução otimizada,
mas a ser contraposta a todo instante pelas carências de pessoal na Administração Pública
federal, o ideal seria a comissão contar com pelo menos um servidor de formação jurídica e já
experiente na matéria processual disciplinar (preferencialmente o presidente) e com pelo
menos um servidor conhecedor da matéria técnica de que especificamente trata o apuratório,
conforme também já opinou a AGU, por meio do seu Parecer AGU nº GQ-12:
Parecer AGU nº GQ-12, vinculante: “18. Integram a c.i. três servidores
estáveis, dela não podendo participar cônjuge, companheiro ou parente do
provável responsável pela prática das infrações disciplinares, consanguíneo ou
afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau. Essas exigências
explicitadas no art. 149 da Lei nº 8.112 são suscetíveis de ampliação, a fim de
serem abrangidos outros requisitos, em salvaguarda da agilidade,
circunspeção e eficácia dos trabalhos, bem assim dos direitos dos servidores
envolvidos nos fatos. São os cuidados recomendados no sentido de que sejam as
comissões constituídas de servidores com nível de conhecimento razoável do
assunto inerente às faltas disciplinares e, preferencialmente, de um Bacharel
em Direito, face às implicações de ordem jurídica originárias do apuratório.
19. São meras qualidades pessoais que devem possuir os servidores a serem
designados para compor a comissão, prescindindo de autorização de lei, nesse
sentido.”
Também como recomendação extralegal, diferentemente do que se defendeu para
integrantes de sindicância investigativa (e também de equipe de investigação disciplinar), na
hipótese de se instaurar processo administrativo disciplinar (PAD) em decorrência de
sindicância disciplinar, uma vez que os atos foram realizados sob manto de ampla defesa e
contraditório (não se podendo afirmar que a convicção constante do relatório da sindicância
disciplinar tenha sido formada de maneira inquisitorial e unilateral), é possível que membro
desta comissão de sindicância disciplinar faça parte da comissão de inquérito do PAD
decorrente.
Tal hipótese se configurará, e até se tornará recomendável, à vista do princípio da
eficiência, quando a comissão de sindicância disciplinar tão somente solicitar à autoridade
instauradora, à luz de suas preliminares apurações, a extensão de seus poderes apuratórios,
sem manifestar de forma expressa uma prévia convicção de mérito acerca de suposta
responsabilização funcional, conforme já aduzido em 3.4.3.
Todavia, também na sindicância disciplinar restará desaconselhável a manutenção dos
membros quando a respectiva comissão relatar à autoridade instauradora, manifestando
convicção de cometimento de irregularidade por parte do servidor acusado, enquadrando-a e
justificando, à vista da vinculação existente no regime disciplinar e da limitação punitiva da
sindicância disciplinar, a conversão em PAD. Neste caso, diferentemente da hipótese do
594
parágrafo anterior, não se pode crer na perfeita isenção destes integrantes, sendo aconselhável
a designação de novos nomes.
Acrescente-se ainda que também não há vedação para que a autoridade instauradora
substitua integrante(s) da comissão no curso do inquérito administrativo, podendo tanto
somente alterar, dentre aqueles servidores que já compunham, a condição de presidente e de
vogal, sem trazer nenhum nome novo para o colegiado, bem como pode excluir algum(ns)
integrante(s) e incluir novo(s), seja na mesma posição ocupada por quem sai, seja em outra
posição, importando ainda em remanejamento interno na composição do trio, conforme reitera
a jurisprudência. Em todos estes casos, se o ato se resumir à substituição (não coincidindo
com portaria de prorrogação ou de designação de nova comissão), deve a autoridade emitir
portaria específica, descrevendo as alterações processadas, submeter à publicação para
posterior autuação no processo. Caso a substituição de membro(s) coincida com prorrogação
ou designação de nova comissão, sintetizam-se os dois fatos em uma única portaria,
estabelecendo a nova composição.
STJ, Mandado de Segurança nº 14.827: “Ementa: 2. Não há, no art. 149 da Lei
nº 8.112/1990, nem em qualquer outro dispositivo dessa lei, vedação à
substituição dos membros da comissão processante, providência que poderá ser
levada a efeito desde que os novos integrantes preencham os requisitos
legalmente estabelecidos.”
STJ, Mandado de Segurança nº 8.213: “Ementa: 2. A alteração no comando
dos trabalhos da comissão processante não importou em qualquer
irregularidade, porquanto, a teor do art. 149 da Lei nº 8.112/90, o colegiado
permanecia composto por servidores estáveis, cujo presidente ocupava cargo
de nível igual ou superior ao impetrante.”
STJ, Mandado de Segurança nº 17.474: “Ementa: 11. A simples ocorrência de
alterações na composição da Comissão Processante durante o curso do PAD
não é causa de nulidade, sendo fenômeno plenamente justificável diante das
alterações que ocorrem no serviço público ao longo do tempo, onde servidores
se aposentam, se exoneram e se transferem de localidades.”
Seja de uma forma, seja de outra, conforme já aduzido em 2.1.4, nos termos exigidos
pelos arts. 2º e 3º da Portaria Coger-MF nº 17, de 30 de janeiro de 2014, alterações na
comissão devem ser informadas pelo Escritório de Corregedoria (Escor), ou pela
Corregedoria (Coger), nas hipóteses excepcionais em que o Corregedor figura como
autoridade instauradora, na base de dados externa, do Sistema de Gestão de Processos
Disciplinares (CGU-PAD, do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-
Geral da União - CGU).
Ainda na linha das recomendações não previstas em lei, em busca do ideal da solução
otimizada, dificultadas pelas carências de recursos na Administração Pública, convém que a
autoridade instauradora disponibilize para a comissão acomodações condizentes com o
trabalho a se realizar. Uma vez publicada a portaria e entregues os autos à comissão, tão
somente a ela cabe a guarda do processo, em defesa de sua autonomia e independência e
também do caráter sigiloso da instância disciplinar. Para isto, a comissão deve ter uma sala
privativa, dotada de porta com fechadura e tranca seguras, divisórias opacas até o teto,
armários com trancas para guardar o processo, mesas e cadeiras para a realização de oitivas e
interrogatórios e microcomputadores com conexão em rede, além de acesso máquinas
xerográfica e digitalizadora e, se possível, sala específica para realização de audiências.
Especificamente para o sistema correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil
(RFB), ainda que com a adoção do programa de gestão na modalidade teletrabalho,
disciplinado internamente pela Portaria RFB n° 2.383, de 13 de julho de 2017, e estendida ao
processo de trabalho correcional pela Portaria RFB n° 788, de 29 de maio de 2018, por meio
da qual integrantes das comissões disciplinares não necessariamente cumprirão sua jornada de
trabalho na repartição, e com o advento do processo digital, formalizado no Sistema Processo
595
Eletrônico (e-Processo), se abstraia de mencionar a entrega e a guarda física dos autos (visto
que passam a operar os conceitos de responsável e de habilitado no processo), não se afasta a
pertinência acerca das condizentes acomodações infraestruturadas para a atividade
correcional.
reuniões deliberativas quanto para feitura de atos de instrução, desde provas orais até
diligências em sentido amplo, onde for cabível e viável fazê-lo. Este estágio tecnológico e
normativo viabiliza então a construção acima, que não afronta o texto da Lei. No mesmo
sentido também aponta a adoção do processo digital e o emprego do Sistema Processo
Eletrônico (e-Processo) pelo sistema correcional, por meio do qual o acesso aos autos e a
participação processual se viabilizam de forma virtual.
CPC - Art. 236.
§ 3º Admite-se a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou
outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real.
Instrução Normativa CGU nº 12, de 2011 - Art. 1º O Sistema de Correição do
Poder Executivo Federal - SisCor-PEF, visando instrumentalizar a realização
de atos processuais a distância, poderá promover a tomada de depoimentos,
acareações, investigações e diligências por meio de videoconferência ou outro
recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real,
assegurados os direitos ao contraditório e à ampla defesa, na forma
disciplinada nesta Instrução Normativa.
Parágrafo único. Nos termos dos artigos 153 e 155 da Lei 8.112/90, os meios e
recursos admitidos em direito e previstos no caput serão utilizados no intuito de
garantir a adequada produção de provas, de modo a permitir a busca da
verdade real dos fatos, visando, em especial, à proteção dos direitos dos
administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração.
Art. 2º Poderão ser realizadas audiências e reuniões por meio de
teletransmissão de sons e imagens ao vivo e em tempo real, destinadas a
garantir a adequada produção da prova, sem prejuízo de seu caráter
reservado, nos procedimentos de natureza disciplinar ou investigativa.
Ademais, é de se ressalvar que, no caso específico do sistema correcional da Secretaria
da Receita Federal do Brasil (RFB), de diferenciado grau de normatização interna, de
estruturação e de informatização, com a adoção do processo digital, com suporte documental
em meio digital, formalizado no Sistema Processo Eletrônico (e-Processo), determinada pela
Ordem de Serviço Coger nº 1, de 3 de junho de 2015, e do programa de gestão na modalidade
teletrabalho, disciplinado internamente pela Portaria RFB n° 2.383, de 13 de julho de 2017, e
estendida ao processo de trabalho correcional pela Portaria RFB n° 788, de 29 de maio de
2018, deixou de existir a configuração tradicional de comissão composta por três servidores
lotados e em exercício em determinado Escor, todos residentes na mesma localidade, e
instalada fisicamente em determinada sala da unidade de correição na qual se fazem as
reuniões deliberativas e realizam os atos instrucionais.
Obviamente, o posicionamento e a praxe acima descritos, de a designação de
integrantes de comissão recair, precipuamente, sobre servidores lotados no sistema
correcional e de o colegiado se instalar nas próprias dependências do Escor (ou da Coger), em
nada afrontam a Lei e a normatização interna. Ao contrário, além de se alinhar ao
ordenamento vigente, esta rotina administrativa concilia-se perfeitamente com o princípio
constitucional da eficiência, ao suprir as tarefas disciplinares com a maior organização
logística e de infraestrutura das instalações, mencionadas em 4.2.4.3, e com a melhor
qualificação técnica do corpo treinado, capacitado e habilitado para os trabalhos disciplinares,
com plena capacidade de atender à vontade legal de conceder dedicação integral à matéria e
distante de eventuais pessoalidades do caso concreto - pois se pode presumir maior
especialização e isenção da parte de servidores lotados no sistema correcional para
conduzirem apurações de supostos ilícitos disciplinares cometidos nas unidades -, ao mesmo
tempo em que supre o menor custo tanto pessoal quanto material, não prejudicando a
continuidade e a normalidade do desempenho das atividades-fim do órgão, sobretudo na
unidade de lotação (ou de exercício) do acusado e de ocorrência do fato.
A já aludida ausência de dispositivo em norma interna que expressamente obrigue a
priorização, por parte do Chefe de Escor (ou do Corregedor), de empregar servidores da
598
própria unidade correcional, para comporem as comissões por ele mesmo designada, decorre
da desnecessidade de tal mandamento redundante, pois, decerto, a autoridade que dispõe de
competência para instaurar processos disciplinares obviamente dispõe do poder de fazê-lo
com seu próprio corpo funcional subordinado e, extreme de dúvidas, embute ainda a
competência para suprir-lhe a instalação dos trabalhos em suas próprias e adequadas
dependências.
Não obstante, é certo que o Regimento Interno da RFB e a Portaria RFB nº 6.483, de
2017 (e, extensivamente, a Portaria MF nº 492, de 23 de setembro de 2013, que traça regras
gerais para a atuação correcional no âmbito do Ministério da Fazenda - MF), estabelecem
duas diferentes competências para a autoridade instauradora na RFB. O Chefe de Escor (ou o
Corregedor, excepcionalmente) dispõe de uma dupla possibilidade de competências: não só
esta que se aborda no presente tópico, para instaurar os processos disciplinares e que,
obviamente, engloba a designação de servidores de sua própria alçada hierárquica para
desempenhar o múnus apuratório, em hipótese tida como regra geral; mas também a
competência para, de acordo com sua discricionariedade, quando se demonstrar oportuno e
conveniente, em determinados casos específicos e a seu critério, convocar servidores externos
ao sistema correcional para integrarem as comissões que conduzirão aqueles processos, em
hipótese tida como excepcional e que se detalhará a seguir.
dispõem de competência para convocar servidores em todo âmbito da RFB (importa destacar
que a norma interna não delimita a competência convocatória do Chefe de Escor à respectiva
Região Fiscal - RF). No entanto, o Regimento Interno da RFB não confere natureza
irrecusável a estas competências; a visão regimental, macro e harmônica de todo o órgão, sem
positivar o caráter irrecusável da convocação, sinaliza que tais competências podem ser
empregadas de forma amigável e negociada em acordo com a unidade de lotação ou de
exercício (se diferente) do servidor convocado.
Avançando-se na leitura sistemática do ordenamento, verifica-se que a questão da
convocação de servidores, genericamente tratada no Regimento Interno da RFB, ganhou
disciplinamento mais detalhado com a edição da Portaria MF nº 492, de 23 de setembro de
2013, igualmente de lavra ministerial, mas de foco exclusivamente correcional e que traça
regras gerais para a atuação correcional no âmbito do Ministério da Fazenda (MF). A citada
Portaria MF, primeiramente em seu art. 10, apenas ratifica as competências convocatórias, em
favor exclusivamente do Corregedor-Geral do MF e do Corregedor, dentro das respectivas
jurisdições; e, em seguida, no caput do seu art. 11, confere a estas convocações o caráter
irrecusável e estabelece um certo grau de instrumentalização para o tema.
Portaria MF nº 492, de 2013 - Art. 10. O Corregedor-Geral do Ministério da
Fazenda poderá convocar servidores em exercício nos órgãos do Ministério
para atuarem em procedimentos correcionais.
Parágrafo único. O Corregedor da Secretaria da Receita Federal do Brasil
poderá convocar servidores em exercício nas unidades da Secretaria da
Receita Federal do Brasil para atuarem em procedimentos correcionais.
Art. 11. As convocações referidas no art. 10 são irrecusáveis e não dependem
de prévia autorização do titular do órgão a que estiver subordinado o servidor,
devendo ser previamente comunicadas ao titular da unidade do respectivo
órgão.
Neste aspecto é que releva a edição da Portaria Coger-MF nº 492, de 2013, pois, no
âmbito da RFB, conferiu a natureza irrecusável apenas para as convocações realizadas pelo
Corregedor (ou seja, quando o próprio atua como autoridade instauradora (seja do rito
contraditório, seja do rito investigativo). Ademais, apesar não ter condicionado as
convocações do Corregedor à prévia anuência do titular da unidade, estabeleceu que suas
convocações devem ser previamente comunicadas àquela autoridade, sem, todavia, conceder a
esta a prerrogativa de recusá-las. Ademais, a doutrina é consonante quanto à inviabilidade de
o servidor convocado recusar-se a cumprir a determinação superior de integrar comissão, a
menos que se enquadre nas hipóteses legais de impedimento ou de suspeição.
“O exercício da função dos componentes da comissão de processo, como não
poderia deixar de ser, constitui encargo de natureza obrigatória, o que
significa dizer que o servidor, uma vez escolhido para tal composição, não
poderá escusar-se ao cumprimento desse ‘munus publico’, a menos que argúa
razões de foro íntimo, o que é justificável, pois, nesses casos de suspeição, se
expõe a risco a validade do processo.” José Armando da Costa, “Teoria e
Prática do Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 199, Editora Brasília
Jurídica, 5ª edição, 2005
“Participar de comissão disciplinar constitui encargo no sentido de obrigação
funcional que não comporta escusa, ante o caráter de múnus público, salvo
razões justificadas de foro íntimo que coloquem o servidor na condição de
suspeito.” Francisco Xavier da Silva Guimarães, “Regime Disciplinar do
Servidor Público Civil da União”, pg. 109, Editora Forense, 2ª edição, 2006
“(...) existe a hipótese de algum membro da Comissão buscar se eximir do
encargo, pretendendo se declarar suspeito, ou alegar a existência de outros
interesses de serviço que não podem ser postergados.
Nas duas situações, tanto a doutrina quanto a orientação administrativa
brasileiras são no sentido de se recusar uma e outra, por se entender ser
600
comissão designada em outro processo em que o mesmo servidor figura como acusado.
Excepcionalmente, também pode ocorrer conflito entre uma primeira atuação como
testemunha ou perito em determinado processo e uma posterior atuação em outro processo,
ambos administrativos, de interesse do mesmo servidor, que mantenha alguma relação de
pertinência ou de proximidade fática (fruto de desmembramento, por exemplo) com o
primeiro processo.
Mandado de Segurança nº 12.684: “Ementa: 9. Não está impedido de
funcionar no processo administrativo o servidor que tenha participado, ou
venha participar, de outro processo, na condição de testemunha, salvo quando
o depoimento prestado carrega opinião ou prejulgamento sobre a conduta do
indiciado, o que não ocorreu no caso concreto.”
“A Lei quer impedir que o agente funcione no processo assumindo mais de uma
função, possibilitando a ocorrência de constrangimento em virtude de eventuais
posições geradoras de manifestação de vontade antagônicas. De fato, se o
indivíduo está em posições jurídicas diversas, não terá como evitar o
desconforto de admitir duas soluções para a mesma questão. É isso que o
legislador quer impedir.
A participação impeditiva pode dar-se quando o agente é perito; a razão é
óbvia: o perito exerce função eminentemente técnica e, portanto, deve situa-se
distante de qualquer interesse. Assim, não é compatível que seja perito técnico
e ao mesmo tempo encarregado de decidir a matéria do processo. O mesmo se
dá quando desempenha o papel de testemunha: como a esta cabe relatar fatos
de forma verídica, deve também estar longe das partes, e tal posição se
incompatibiliza com a de autoridade incumbida do processo. Como
representante, a incompatibilidade é indiscutível: a qualidade de representante
implica, como é natural, a defesa dos interesses do representado. Se assim é,
nenhuma isenção terá o agente da Administração se estiver ligado por vínculo
de representação com o interessado.” José dos Santos Carvalho Filho,
“Processo Administrativo Federal”, pg. 133, Editora Lumen Juris, 2ª edição,
2005
Nesta linha, é de se informar que a normatização infralegal, consubstanciada no
parágrafo único do art. 21 da Portaria MF nº 492, de 23 de setembro de 2013, igualmente
refletido no art. 20 da Portaria RFB n° 6.483, de 29 de dezembro de 2017, inseriu uma
hipótese de impedimento que a, rigor, não se alinha aos limites do art. 18 da Lei nº 9.784, de
1999, ao estabelecer como impedido o servidor que atue como perito ou como auxiliar do
Poder Judiciário ou do Ministério Público em processo judicial referente aos mesmos fatos
objeto de apuração disciplinar conduzida por comissão integrada por aquele agente.
Conforme se reiterará em 4.4.9.2, de imediato, pode ocorrer (sobretudo em hipótese de
transcurso simultâneo de instâncias administrativa e criminal, por exemplo) de o Poder
Judiciário ou o Ministério Público ou qualquer outro órgão necessitar que algum servidor atue
na instância judicial como perito ou auxiliar, em função de seus conhecimentos técnicos
específicos. Caso, em primeiro momento, esta requisição seja apresentada diretamente ao
próprio servidor que atua em atividades correcionais, de acordo com o caput do art. 21 da
Portaria MF nº 492, de 2013, e com o caput do art. 20 da Portaria RFB n° 6.483, de 2017, este
deve comunicar o fato para a autoridade instauradora e para seu chefe imediato (caso estas
autoridades sejam distintas, como na hipótese de servidor convocado), ainda que não integre
comissão ou que a comissão por ele integrada conduza apurações sobre fatos distintos dos que
originaram a designação como perito ou auxiliar. No foco mais específico do presente
interesse, caso a requisição recaia sobre integrante de comissão que conduza apurações sobre
os mesmos fatos que justificaram a designação como perito ou auxiliar, ao ter tomado
conhecimento da demanda externa, seja por intermédio do próprio integrante requisitado, seja
por ter recebido diretamente a requisição do Poder Judiciário ou do Ministério Público, cabe
primeiramente à autoridade instauradora provocar a instância fiscal, com o fim de obter
indicação de outro servidor estranho ao processo disciplinar a ser ofertado ao órgão
609
requisitante para desempenhar a tarefa. Isto porque o parágrafo único do mesmo dispositivo
normativo determina, como hipótese de impedimento, que o servidor seja imediatamente
afastado da comissão que porventura integre e que conduza apurações acerca do mesmo fato
objeto de sua designação como perito ou auxiliar, como se operasse a presunção de que a
atuação como perito ou auxiliar contamina a isenção para continuar na comissão.
O comando encartado no parágrafo único do art. 21 da Portaria MF nº 492, de 2013, e
no parágrafo único do art. 20 da Portaria RFB n° 6.483, de 2017, termina por esclarecer a
motivação preventiva do caput daquele dispositivo, uma vez que, já sabendo previamente da
designação de qualquer servidor como perito ou auxiliar, a autoridade instauradora já não o
inclui em comissões. Obviamente, o dispositivo é válido e vigora no ordenamento interno,
mas obriga-se a reconhecer que extrapola os limites do impedimento estabelecido no art. 18
da Lei nº 9.784, de 1999, porque o texto legal restringe a crítica inafastável à isenção à
hipótese de o servidor acumular mais de uma atuação no mesmo processo, mas não para
processos distintos, como é o caso da hipótese regulamentada pela Portaria MF, já que a
atuação em procedimento no âmbito do Ministério Público ou em processo no âmbito do
Poder Judiciário passou a também impor vedação intransponível para atuação em outro feito,
na instância disciplinar.
Portaria MF nº 492, de 2013 - Art. 21. O servidor que atue em atividades
correcionais e que seja designado para atuar como perito ou auxiliar do Poder
Judiciário, do Ministério Público ou de qualquer outro órgão deverá
comunicar tal fato à respectiva corregedoria e ao titular do órgão ou da
unidade de lotação, independentemente de qualquer ato nesse sentido praticado
pela autoridade que o designou.
Parágrafo único. O servidor que for designado para atuar como perito, nas
situações previstas no caput deste artigo, será afastado imediatamente das
atividades da comissão de sindicância ou de processo disciplinar que trate dos
mesmos fatos objeto da perícia.
Portaria RFB n° 6.483, de 2017 - Art. 20. O servidor que atue em atividades
correcionais e que seja designado para atuar como perito ou auxiliar do Poder
Judiciário, do Ministério Público ou de qualquer outro órgão deverá
comunicar tal fato à autoridade instauradora da RFB e ao chefe de sua unidade
de lotação, independentemente de qualquer ato nesse sentido praticado pela
autoridade que o designou.
Parágrafo único. O servidor que for designado para atuar como perito, nas
situações previstas no caput deste artigo, será afastado imediatamente das
atividades da comissão que trate dos fatos objeto da perícia.
De se acrescentar que a normatização infralegal ratifica a obrigatoriedade de o
servidor convocado manifestar-se, de forma motivada, para a autoridade instauradora caso
constate ser impedido de atuar na comissão para a qual foi designado - não obstante a
literalidade do parágrafo único do art. 12 da Portaria MF nº 492, de 2013, mencionar a
obrigação apenas para o servidor convocado (que faz supor se referir apenas aos servidores
lotados em unidades estranhas ao sistema correcional), a melhor interpretação indica o caráter
extensivo, de também obrigar eventuais servidores lotados na Coger ou no Escor e que se
vislumbrem impedidos de atuar. Tal manifestação, por si só, não possui o condão de desde já
excluir o servidor da comissão, pois carece de exame e decisão da parte da autoridade
instauradora, ainda que sob viés estritamente objetivo.
Portaria MF nº 492, de 2013. Art. 12.
Parágrafo único. O servidor convocado que constatar a existência de
impedimento legal ou motivo de força maior que impeça sua participação no
procedimento correcional deverá encaminhar exposição circunstanciada à
autoridade instauradora, para fins de exame e decisão.
Por fim, o inciso III do art. 18 da Lei nº 9.784, de 1999, define como impedido de
atuar na comissão disciplinar quem mantenha um litígio judicial ou administrativo em face do
610
< >
3º grau 2º grau 1º grau 1º grau 2º grau 3º grau
3° grau 4° grau
O parentesco por afinidade em linha reta, como sogro, sogra, genro e nora, não se
extingue com a dissolução do casamento ou da união estável, ao contrário do parentesco por
afinidade em linha colateral, como cunhado, conforme o § 2º do art. 1.595 do CC.
E os fluxogramas acima se desdobram em tantos outros para a mesma pessoa, tomados
de forma absolutamente similar com os parentes consanguíneos em linha reta e em linha
colateral do cônjuge ou companheiro desta pessoa em relação à qual se verifica o
impedimento, trazendo à tona seus sogros e cunhados, além de bisavôs, avôs, tios e sobrinhos
do cônjuge, definindo então idênticas relações impeditivas por afinidade.
O cônjuge da pessoa em relação à qual se verifica o impedimento, por óbvio, integra
as relações interpessoais violadoras da imparcialidade, sendo impedido de atuar; todavia,
perceba-se que o CC não o inclui como parente, uma vez que a relação é outra, não de
parentesco, mas sim de união conjugal. E este tratamento, isonomicamente, é estendido ao
companheiro de união estável.
Sintetizando então o que foi abordado acima, uma vez que as normas de regência para
matéria disciplinar em geral reportam-se a parentesco até terceiro grau, incluem-se em tais
dispositivos:
• bisavôs, avôs, pai, mãe, filhos, netos e bisnetos da própria pessoa em relação à qual se
verifica o impedimento, como seus parentes consanguíneos em linha reta;
• irmãos, tios e sobrinhos desta mesma pessoa, como seus parentes consanguíneos em
linha colateral (primos se excluem, por serem de quarto grau);
e os mesmos parentes em relação ao cônjuge ou companheiro:
• bisavôs, avôs, pai e mãe (sogro e sogra) do cônjuge ou companheiro da pessoa em
relação à qual se verifica o impedimento, como seus parentes por afinidade em linha
reta (normalmente, os descendentes do cônjuge são os mesmos já computados acima
para a própria pessoa: filhos, netos e bisnetos);
• irmãos (cunhados), tios e sobrinhos do cônjuge ou companheiro desta mesma pessoa,
como seus parentes por afinidade em linha colateral.
Apresentadas as hipóteses materiais de incidentes de impedimento e de suspensão dos
integrantes de comissão, quanto à sua instrumentalidade, é de se dizer que, como as Leis nº
8.112, de 1990, e nº 9.784, de 1999, não abordaram o tema, a solução se reporta aos arts. 97 a
615
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 238. Os prazos previstos nesta Lei serão contados
em dias corridos, excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o do vencimento,
ficando prorrogado, para o primeiro dia útil seguinte, o prazo vencido em dia
em que não haja expediente.
O prazo originário máximo de conclusão de sindicância disciplinar é de até trinta dias
corridos, enquanto do processo administrativo disciplinar (PAD) é de até sessenta dias
corridos, ambos contados da data de publicação da portaria, que se dá no boletim de serviço
(ou, excepcionalmente, no boletim de pessoal) do órgão responsável por publicação interna na
jurisdição da unidade instauradora (que, no caso, é o Boletim de Serviço da Secretaria da
Receita Federal do Brasil - BS RFB).
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 145.
Parágrafo único. O prazo para conclusão da sindicância não excederá 30
(trinta) dias, podendo ser prorrogado por igual período, a critério da
autoridade superior.
Art. 152. O prazo para a conclusão do processo disciplinar não excederá 60
(sessenta) dias, contados da data de publicação do ato que constituir a
comissão, admitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as
circunstâncias o exigirem.
Conforme já exposto em 4.2.2.1.1, a autoridade instauradora deve fazer constar da
portaria de instauração o prazo concedido à comissão; em regra, consigna-se o prazo máximo,
de sessenta ou de trinta dias para PAD ou sindicância disciplinar, mas nada impede que, a
critério da autoridade instauradora, seja concedido um prazo menor (o que, na prática, não é
empregado ou sequer recomendado). Caso a portaria instauradora não expresse o prazo,
convenciona-se adotar aqueles prazos máximos que a Lei estabelece, conforme também
entende a doutrina.
“Geralmente se concede o prazo máximo previsto na lei - 60 dias para o PAD e
30 dias para a sindicância -, mas se isto não for feito considera-se que o prazo
é o máximo da lei.
(...) nada impede que a comissão conclua os trabalhos antes do prazo fixado na
Portaria.”, Vinícius de Carvalho Madeira, “Lições de Processo Disciplinar”,
pg. 84, Fortium Editora, 1ª edição, 2008
O caput do art. 152 da Lei nº 8.112, de 1990, estabelece de forma expressa que, no
caso específico da contagem do prazo de conclusão de PAD, seu início se dá na data de
publicação da portaria de instauração (fato estendido à sindicância disciplinar por analogia,
diante do silêncio da Lei).
E, desta regra, duas interpretações em geral podem figurar como possíveis,
desdobrando-se até uma terceira interpretação mencionável no caso específico de a publicação
da portaria se dar em uma sexta-feira - ressalte-se que, embora atualmente isto já não mais
seja a regra, vez que o BS RFB é diário, já o foi, ao tempo dos boletins regionais, que eram
publicados apenas à sextas-feiras.
No caso geral, independentemente do dia da semana em que é feita a publicação, a
primeira hipótese interpretativa a se mencionar é a de que o caput do art. 152 da Lei nº 8.112,
de 1990, seria uma especificidade a se sobrepor à regra geral do art. 238 da mesma Lei,
impondo que o primeiro dia de contagem seja considerado já no próprio dia da publicação da
portaria, seja ele qual for, de segunda-feira à sexta-feira. Em oposição, é bastante plausível
que o citado caput do art. 152 deva ser lido de acordo com a regra geral, contando como
primeiro dia o dia seguinte ao da publicação (inclusive sábado no caso de publicação na sexta-
feira, já que a Lei não excluiu o início em dia não útil, mas sim apenas o vencimento). Por
fim, apenas para o caso específico de a publicação se dar em uma sexta-feira. ainda se poderia
se interpretar que o início efetivo da contagem se postergaria para a segunda-feira
subsequente (primeiro dia útil após a publicação), estendendo para a instância administrativa
disciplinar a regra do § 2º do art. 184 da Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015 - Código de
619
autoridade superior.
Art. 152. O prazo para a conclusão do processo disciplinar não excederá 60
(sessenta) dias, contados da data de publicação do ato que constituir a
comissão, admitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as
circunstâncias o exigirem.
Assim, se perto de esgotar o prazo originário, a comissão percebe que não conseguirá
encerrar os trabalhos de apuração, deve comunicar o fato à autoridade instauradora e solicitar
a prorrogação do prazo.
Esta solicitação à autoridade instauradora pode ser encaminhada por meio de ofício
(preferencialmente em via virtual, por meio de correio eletrônico institucional, nos termos do
art. 1º da Portaria SRF nº 1.397, de 11 de novembro de 2002), contendo breve justificativa
(descrição da fase em que se encontra o processo, do que já foi feito, do que está pendente de
se fazer e dos deslocamentos previstos, se for o caso), nos termos do art. 9º da Portaria Coger-
MF nº 42, de 21 de novembro de 2013, e do art. 14 da Portaria RFB nº 6.483, de 29 de
dezembro de 2017, que dispõem sobre a apuração de irregularidades funcionais nos
respectivos âmbitos do Ministério da Fazenda (MF) como um todo e especificamente da
Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB).
Portaria Coger-MF nº 42, de 2013 - Art. 9º O presidente de comissão de
sindicância disciplinar ou de processo administrativo disciplinar deverá
solicitar à autoridade instauradora autorização para deslocamento de
servidores integrantes de comissão, bem como solicitar prorrogação do prazo
da comissão, quando necessário.
Portaria RFB nº 6.483, de 2017 - Art. 14. O presidente deverá solicitar à
autoridade instauradora autorização para deslocamento de servidores
integrantes da comissão disciplinar, bem como solicitar prorrogação do prazo
de conclusão do trabalho, quando necessário.
E tal pedido deve ser encaminhado antes da data que antecede o encerramento do
prazo originário, a fim de que a autoridade tenha tempo hábil para editar nova portaria, pois
não convém que exista lapso de tempo para prorrogar o prazo de conclusão dos trabalhos da
comissão. Mas a existência de pequeno lapso de tempo entre o decurso do prazo original e a
publicação da portaria de prorrogação, por si só, não acarreta prejuízo à defesa e, portanto,
não contamina o processo por nulidade. Para tanto, basta que excepcionalmente a autoridade
instauradora designe nova comissão, nos termos que se apresentarão em 4.2.7.3 (ainda que
mantendo a mesma composição), conforme também entende a doutrina, em lugar de lançar
mão do instituto da prorrogação, a fim de evitar alegação de nulidade por se ter prorrogado
um prazo que a rigor já havia se esgotado. Já que se recomenda a designação de novo
colegiado, subentende-se que, obviamente, a antiga comissão não deve produzir nenhum ato
naquele intervalo desamparado de portaria, entre o fim do prazo originário e a publicação da
nova portaria. Se porventura a comissão tiver produzido atos neste período, estes não devem
ser utilizados, nem direta nem indiretamente, como elementos formadores de convicção; para
poderem repercutir na formação de convicção, devem ser refeitos após a designação da nova
comissão.
“Observe-se que a prorrogação deve ser solicitada com antecedência para
evitar interrupções no prazo, que há de ser contínuo. Ademais, não se prorroga
o que já foi extinto.” Francisco Xavier da Silva Guimarães, “Regime
Disciplinar do Servidor Público Civil da União”, pg. 140, Editora Forense, 2ª
edição, 2006
O prazo prorrogado deve ser igual ao prazo originariamente concedido, ou seja, de até
mais trinta ou sessenta dias para sindicância disciplinar ou PAD, já que a praxe do prazo
originário é de ser dado em seu máximo permitido na Lei. Ademais, a contagem do prazo
prorrogado não começa da publicação da portaria de prorrogação (que, como afirmado acima,
se recomenda acontecer antes do esgotamento do prazo originário, a fim de não haver lapso
621
30 dias 30 dias
prazo prorrogado: mais 30 dias a partir do 30º dia e não
do 29º dia
60 dias 60 dias
prazo prorrogado: mais 60 dias a partir do 60º dia e não
do 57º dia
não há que se confundir esta competência gerencial com quebra da cediça autonomia ou
independência da comissão, uma vez que se objetiva tão somente controlar o andamento dos
trabalhos e a dedicação da comissão, sem interferir em sua leitura de mérito. A autonomia da
comissão se revela e se restringe no mérito que a própria, de forma independente, extrai dos
autos, e não tem o condão de conceder suposta prerrogativa aos integrantes para se
considerarem à margem de deveres funcionais elementares (tais como dedicação, assiduidade,
etc).
Portaria RFB nº 6.483, de 2017 - Art. 27. A Coger e os Escor acompanharão e
avaliarão as atividades correcionais, notadamente quanto aos prazos e à
adequação às normas, às instruções e às orientações técnicas.
Na mesma toada, conforme determinam o caput, o seu inciso I e o § 1º do art. 1º e o
caput do art. 2º, ambos da Ordem de Serviço Coger nº 1, de 13 de junho de 2013, a cada
pedido de prorrogação, deve a comissão enviar à autoridade instauradora cópia digitalizada
(escaneada) atualizada dos autos, identificada de acordo com o art. 1º da Portaria Coger nº 55,
de 20 de julho de 2012, a fim de ser disponibilizada, na pasta virtual compartilhada referente
ao Escritório de Corregedoria (Escor), em subpastas específicas organizada por nº de
processo.
Portaria Coger nº 55, de 2012 - Art. 1º Deverão ser digitalizados todos os
processos disciplinares, sindicâncias acusatórias e sindicâncias investigativas
no âmbito da Corregedoria-Geral, dos Escritório de Corregedoria nas Regiões
Fiscais (Escor) e no Núcleo de Corregedoria em Manaus (Nucor).
Ordem de Serviço Coger nº 1, de 2013 - Art. 1º A Divisão de Controle da
Atividade Correcional (Dicac) criará, em pastas identificadas com os nomes
dos Escritórios e do Núcleo de Corregedoria da Secretaria da Receita Federal
do Brasil (Escor/Nucor), no endereço <\\compartilhamentos.rfoc.srf\
RFOC\ESCORXXDIGITAL>, subpastas denominadas:
I - PAD EM ANDAMENTO, onde serão armazenados cópias dos Processos
Administrativos Disciplinares (PADs) e das Sindicâncias Disciplinares que
estiverem em curso no Escor/Nucor;
§ 1° As subpastas PAD EM ANDAMENTO, PAD CONCLUÍDO e PROCESSOS
CONCLUÍDOS COM JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE NEGATIVO serão
subdivididas em subpastas identificadas pelos números dos respectivos
processos, cujas cópias deverão ser armazenadas com separação em volumes,
anexos e apensos, conforme padrão estabelecido no Anexo I da Portaria Coger
nº 55, de 20 de julho de 2012.
Art. 2° As Comissões de Inquérito e as Comissões de Sindicância Disciplinar
enviarão à autoridade instauradora, a cada prorrogação, a cada recondução e
após a autuação do relatório final, cópia digitalizada (em formato .pdf) da
versão atualizada do PAD ou da Sindicância Disciplinar, para disponibilização
na subpasta PAD EM ANDAMENTO.
A exemplo da portaria de instauração, na mesma linha já exposta em 4.2.2.1.1, as
portarias de prorrogação não devem indicar o nome do acusado e o fato sob apuração. A
propósito, o comando da portaria de prorrogação deve se limitar a tão somente determinar que
se prorroga pelo mesmo quantitativo de dias, a contar do término do período inicial, o prazo
para conclusão dos trabalhos da comissão, com remissão apenas ao nº do processo e aos
dados da publicação da portaria anterior.
As portarias de prorrogação devem ser publicadas internamente no boletim de serviço
(ou, excepcionalmente, no boletim de pessoal) do órgão responsável por publicação interna na
jurisdição da unidade instauradora (que, no caso, é o Boletim de Serviço da RFB - BS RFB).
A procedimentalização para a aposição da assinatura digital e para a publicação da portaria no
BS RFB e a recomendação para que se juntem aos autos a impressão da versão em extensão
“portable document format” (pdf) da portaria e a(s) página(s) do Boletim que a contempla(m)
podem ser revistas em 4.2.1.1, de repetição desnecessária e a cuja leitura se remete. Além de
623
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 147. Como medida cautelar e a fim de que o
servidor não venha a influir na apuração da irregularidade, a autoridade
instauradora do processo poderá determinar o seu afastamento do exercício do
cargo, pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, sem prejuízo da remuneração.
Parágrafo único. O afastamento poderá ser prorrogado por igual prazo, findo
o qual cessarão os seus efeitos, ainda que não concluído o processo.
O mesmo entendimento já era esposado desde o tempo do Departamento
Administrativo do Serviço Público (Dasp), como se lê em duas manifestações suas, nos
termos das Formulações Dasp nº 216 e nº 279, que amparam as certezas de que deve se dar
continuidade ao processo disciplinar ainda que não concluído no prazo legal (ao tempo da Lei
nº 1.711, de 28 de outubro de 1952, o então Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da
União - EF, o prazo processual era de sessenta dias prorrogáveis por mais trinta, totalizando
os noventa dias a que se refere a Formulação Dasp), por meio do instituto da designação de
nova comissão, sem prejuízo, não obstante, da contagem prescricional. Ademais, o tema
também é pacificado na jurisprudência e na doutrina.
Formulação Dasp nº 216. Inquérito administrativo
Esgotados os 90 dias a que alude o art. 220, parágrafo único, do Estatuto, sem
que o inquérito tenha sido concluído, designa-se nova comissão para refazê-lo
ou ultimá-lo, a qual poderá ser integrada pelos mesmos funcionários.
Formulação Dasp nº 279. Prescrição
A redesignação da comissão de inquérito, ou a designação de outra, para
prosseguir na apuração dos mesmos fatos não interrompe, de novo, o curso da
prescrição.
STJ, Mandado de Segurança nº 7.962: “Ementa: Esta Colenda Corte já firmou
entendimento no sentido de que a extrapolação do prazo para a conclusão do
processo administrativo disciplinar não consubstancia nulidade susceptível de
invalidar o procedimento.”
Idem: STF, Mandados de Segurança nº 7.015, 21.494 e 22.656; e STJ,
Mandados de Segurança nº 7.066, 7.435 e 8.877 e Recursos em Mandado de
Segurança nº 6.757 e 10.464
“Se o prazo original de sessenta dias já tiver expirado, poderá ser concedida
prorrogação por mais sessenta dias. Havendo estourado esses dois prazos,
deverá ser redesignada a comissão ou feita a designação de uma outra.” José
Armando da Costa, “Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar”,
pgs. 178 e 179, Editora Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005
“Esgotado o prazo e sua prorrogação, sem a conclusão dos trabalhos, (...) não
restará à administração outra alternativa senão designar, de imediato, outra
comissão, podendo renovar as indicações dos membros da comissão dissolvida,
se acolhidas as justificativas apresentadas e continuarem os citados integrantes
merecedores de confiança. (...)
Quanto ao excesso (...) no cumprimento do prazo para encerramento dos
trabalhos, convém lembrar que esta circunstância não constitui causa
prejudicial à apuração correta dos fatos e não nulifica o processo. (...)
Presentes, portanto, motivos prevalentes de ordem pública (apuração da
verdade real), não há que se falar em desrespeito às normas legais.” Francisco
Xavier da Silva Guimarães, “Regime Disciplinar do Servidor Público Civil da
União”, pg. 140, Editora Forense, 2ª edição, 2006
“Não tendo sido cumprido o prazo, nem mesmo com a prorrogação, a
autoridade instauradora tem o dever de destituir a Comissão, nomeando-se
outra para prosseguir os trabalhos. (...)
A pratica permite (e a Lei não impede) que os membros da Comissão dissolvida
possam vir integrar a nova Comissão, se a autoridade instauradora assim
entender, levando em conta que o prazo foi ultrapassado, não por negligência
ou falta de capacidade, senão por dificuldades naturais na apuração da
626
neste caso, que se descartem estes últimos dias superpostos do prazo prorrogado.
Reiteram-se aqui as mesmas situações já expostas em 4.2.7.2, a cuja leitura se remete,
para que se considere ou não a autoridade instauradora impedida para designar nova
comissão, com base em posicionamento institucional, em peça propositiva oriunda de debates
internos. Também se poupa de reproduzir as mesmas bases normativas para que a autoridade
instauradora aprecie o pedido de designação de nova comissão à vista do relato das
providências já tomadas e ainda a tomar pelo colegiado (a saber, o art. 27 da Portaria RFB nº
6.483, de 29 de dezembro de 2017) e que determinam o envio de cópia digitalizada
(escaneada) atualizada dos autos para disponibilização em pasta virtual (a saber, o caput, o
seu inciso I e o § 1º do art. 1º e o caput do art. 2º, ambos da Ordem de Serviço Coger nº 1, de
13 de junho de 2013, e o art. 1º da Portaria Coger nº 55, de 20 de julho de 2012).
Orientação Coger nº 12
Servidor que tenha atuado na sede investigativa não pode instaurar o
procedimento disciplinar subsequente, prorrogar o prazo ou designar ou
reconduzir nova comissão processante e integrar a comissão.
A exemplo das portarias de instauração e de prorrogação, na mesma linha já exposta
em 4.2.2.1.1, as portarias de designação de nova comissão não devem indicar o nome do
acusado e o fato sob apuração. A propósito, o comando da portaria de designação de nova
comissão deve determinar a constituição de novo colegiado, especificando tratar-se de
comissão de sindicância disciplinar ou de comissão de inquérito, indicando os três integrantes,
com nomes cargos e matrículas, e o seu presidente, com o fim de ultimar, no prazo de trinta
ou de sessenta dias, as apurações das irregularidades e das demais infrações conexas que
porventura surjam, fazendo remissão apenas ao nº do processo.
Quanto às instrumentalidades da publicação da portaria de designação de nova
comissão, da preservação da sua via original, da suas vias a serem juntadas aos autos, da
justificativa da comissão e da alimentação da base de dados externa, do Sistema de Gestão de
Processos Disciplinares (CGU-PAD, do Ministério da Transparência, Fiscalização e
Controladoria-Geral da União - CGU), reporta-se ao que já se descreveu em 4.2.7.2.
Caso, de forma muito excepcional e residual, a comissão seja composta por servidores
convocados, estranhos ao sistema correcional, e se encontre instalada na unidade de lotação
ou de exercício do servidor representado ou acusado ou, ainda muito mais residualmente, na
unidade de ocorrência do fato, até pode se justificar o envio de tal comunicado à autoridade
instauradora, por meio de correio eletrônico institucional (nos termos do art. 1º da Portaria
SRF nº 1.397, de 11 de novembro de 2002), já que não há a ciência e o controle automáticos
propiciados pela proximidade. Em complemento, nesta hipótese pouco frequente, além de
informar o início dos trabalhos e o local de instalação, convém ainda que a comissão informe
também à autoridade instauradora, no mesmo expediente, o seu horário de funcionamento,
que pode ser igual ou menor à jornada diária de oito horas de trabalho, dependendo do quanto
o colegiado conceda ou não para si a prerrogativa da dedicação integral ao trabalho
correcional, conforme se abordará em 4.3.10.2.1.
Mas, por outro lado, por expressa determinação legal (a saber, o caput do art. 15 da
Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992), no rito que descreverá em 4.4.12.4 e em 4.7.4.4.2,
especificamente em casos de apuração de improbidade administrativa, a comissão deve
expressar, ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Tribunal de Contas da União (TCU, por
meio da Secretaria de Controle Externo da Fazenda Nacional - SecexFazenda, daquela Corte),
de forma bastante sintética, que, em atendimento àquele comando legal, comunica a
instauração de processo disciplinar em face em face de determinado servidor (indicando
apenas o nº do processo, o nome e o nº de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF do
acusado). Extrai-se do texto da Lei que a comissão não deve postergar a comunicação para o
momento em que se configurar a convicção preliminar ou conclusiva do cometimento da
infração (que seria na indiciação ou após sopesar a defesa, no relatório). Tampouco pode a
comissão deixar de proceder ao comunicado mesmo em hipóteses em que a instauração tenha
decorrido de representação de um daqueles dois órgãos ou de operação conjunta de que o
Parquet também tenha participado.
Lei nº 8.429, de 1992 - Art. 15. A comissão processante dará conhecimento ao
Ministério Público e ao Tribunal ou Conselho de Contas da existência de
procedimento administrativo para apurar a prática de ato de improbidade.
Parágrafo único. O Ministério Público ou o Tribunal ou Conselho de Contas
poderá, a requerimento, designar representante para acompanhar o
procedimento administrativo.
Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão
representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que
requeira ao juízo competente a decretação do sequestro dos bens do agente ou
terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio
público.
Importante trazer à tona que o comando do parágrafo único do art. 5º da Portaria
Coger nº 13, de 30 de janeiro de 2014, indicaria que, no caso de instauração de processo
disciplinar decorrente de trabalho de sindicância patrimonial, já caberia à própria autoridade
instauradora, após receber o relatório sindicante, proceder aos dois comunicados acima assim
que decidisse pela admissibilidade positiva. Mas tendo em vista que o próprio comando
normativo submete a sua finalidade a atender o disposto no texto da Lei, o qual, por sua vez,
impõe a obrigação à comissão, não só não se vislumbra nulidade mas até mesmo se
compreende como mais acertado na visão sistemática do ordenamento que, mesmo em tal
caso, os comunicados possam ser realizados logo em seguida à instauração, pelo próprio trio,
após sua deliberação de dar início aos trabalhos. Com isto, atende-se a vontade da Lei, que é
de os dois órgãos acompanharem, se assim entenderem pertinente, os trabalhos apuratórios já
sob manto contraditório, sendo ainda de se relembrar que não é incomum a hipótese de a
autoridade instauradora manifestar seu juízo decisório a favor da instauração mas somente vir
a efetivá-la, mediante seus critérios gerencias, tempos depois, não fazendo sentido deixar o
MPF e o TCU informados de algo que ainda não se deflagrou.
Portaria RFB nº 13, de 2014 - Art. 5º Concluídos os trabalhos de sindicância
631
Existindo no processo mais de um servidor acusado, ainda que os fatos que os arrolem
sejam exatamente os mesmos, deve a comissão lavrar notificações iniciais individuais, sem
menções recíprocas. Prosseguindo na hipótese, caso haja nos autos dados sigilosos de cada
um deles (sobretudo de sigilos fiscal e bancário, sem prejuízo também de merecerem atenção
especial os dados protegidos por sigilos profissional de forma geral e em especial médico-
pericial, de comunicações, telefônico ou de qualquer forma relativos à intimidade, vida
privada, honra e imagem, por exemplo), não há que se opor obstrução ao acesso aos demais
coacusados e a seus procuradores. Este entendimento é o cristalino reflexo do principio da
comunhão da prova, mencionado em 3.3.3.7, e restou sedimentado com a manifestação da
CGU, por meio da Comissão de Coordenação de Correição da CGU (CGU/CCC), estampada
no Enunciado CGU/CCC nº 19, de 10 de outubro de 2017.
Enunciado CGU/CCC nº 19, de 2017: “Direito de acesso integral ao
procedimento correcional por todos os acusados. Havendo conexão a justificar
a instauração de procedimento correcional com mais de um acusado, a todos
eles será garantido o acesso integral aos documentos autuados.”
Embora literalmente o Enunciado CGU/CCC nº 19, de 2017, se volte de forma
específica para dados sigilosos de coacusados, seu comando também se estende para dados
protegidos de terceiros (contribuintes, de forma geral, envolvidos com os fatos sob apuração).
Por exemplo, se em determinado processo disciplinar com mais de um acusado, há dados
sigilosos de um terceiro associados a apenas um dos acusados, o Enunciado CGU/CCC, ao
mencionar “acesso integral aos documentos autuados”, sem restringir se de coacusados ou de
terceiros, permite acesso também ao outro acusado.
Não obstante a inteligência do princípio da comunhão da prova e o comando do
Enunciado CGU/CCC acima, apenas por uma questão formal de melhor controlar o acesso a
informações sensíveis, pode a comissão estabelecer o critério de autuar dados sigilosos em
anexos individualizados. Esta linha norteou a edição da Instrução Normativa CGU nº 14, de
2018, em que a CGU positivou, no inciso I do caput do seu art. 66, que o material sigiloso
deve ser autuado apartado dos autos principais.
Instrução Normativa CGU nº 14, de 2018 - Art. 66. A organização dos autos
dos procedimentos correcionais observará as seguintes recomendações:
I - as informações e documentos recebidos no curso do procedimento que
estejam resguardadas por sigilo legal comporão autos apartados, que serão
apensados aos principais;
Caso opte por esta rotina, se os dados sigilosos de cada um dos acusados já tiverem
vindo encartados no processo desde a representação, pode a comissão os desentranhar do
volume principal, por meio de termo próprio, e os autuar novamente, na forma de anexos
separados e individualizados. E caso o processo já contenha, desde a fase de admissibilidade,
dados protegidos por sigilo que se vislumbre que serão não utilizados como prova por se
revelarem desnecessários para a apuração, convém que a comissão registre em termo o seu
desentranhamento e devolução para a autoridade instauradora, seja para sua guarda no Escor
enquanto transita o processo (caso se vislumbre qualquer possibilidade de uso futuro), seja
para sua destruição (caso se tenha certo que não serão objeto de provocações futuras).
Nas peculiaridades decorrentes da adoção do processo digital pelo sistema correcional
da RFB, é de se destacar que a comissão, por intermédio do responsável, deve habilitar o
acusado a acessar os autos, conforme já exposto em 2.4.3. Diferentemente da habilitação das
equipes Gabin, Diaco e da própria comissão, que são feitas para a íntegra das equipes, a
habilitação para o acusado, no sistema e-Processo, obrigatoriamente é feita de forma
individualizada, por meio do seu nº de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF),
habilitação esta que se perde a cada alteração de responsável, devendo, então, a comissão
atentar para esta limitação do sistema e refazer a habilitação.
Acrescente-se que não existe funcionalidade no sistema e-Processo para que acusado
639
inativo ou ex-servidor e seus procuradores acessem o processo digital, nem mesmo por meio
do Centro Virtual de Atendimento (e-CAC).
Nos processos digitais formalizados no sistema e-Processo, além da aplicação do
princípio da comunhão da prova e do comando do Enunciado CGU/CCC nº 19, de 2017,
ainda opera, a mesma esteira a limitação operacional, pois sequer há possibilidade de se
conceder habilitação a acusado de forma parcial, restringindo acesso à parte dos autos. Com
isto, na hipótese de haver mais de um acusado e de se ter que anexar documentos protegidos
pelas já mencionadas cláusulas individualíssimas de sigilo, não há como se restringir que um
acusado habilitado não visualize aqueles dados do outro. Destarte, visando preservar os
documentos protegidos por cláusulas individualíssimas, faz-se necessário autuá-los em
processos digitais específicos, juntando-os por apensação ao processo principal. E na hipótese
excepcional de as características dos documentos não permitirem a sua juntada a um processo
digital, deverá ser formalizado processo em papel, classificado no Sief Processos no grupo
“Processo Tributário”, tipo “Outros Tributário” e subtipo “Processo Dossiê em Papel do
Processo Digital (PDPPD)”. Neste caso, o processo digital deverá ter o número e a descrição
do PDPPD registrados em suas palavras-chave..
Quanto à forma de entrega da notificação inicial, reitera-se que, a rigor, o ato de
notificar o servidor de sua condição de acusado no início dos trabalhos não encontra expressa
e literal previsão na Lei nº 8.112, de 1990, sendo sua necessidade extraída da leitura
sistemática da Lei e dos princípios reitores. Diferentemente, a Lei nº 8.112, de 1990, nos §§ 1º
e 4º do art. 161, previu de forma expressa um ato de comunicação posterior, que é a citação
para apresentar defesa. Na ausência de previsão legal específica para a notificação inicial,
muito do que se precisa para elucidar tal relevante ato é interpretado, sistematicamente, a
partir do que a mesma Lei previu para a citação - daí, a presente remissão ao § 4º do seu art.
161.
Assim sendo, adiante-se que o § 4º do art. 161 da Lei nº 8.112, de 1990, ao expressar,
em incidente abordado em 4.3.5.1, a possibilidade de o servidor se recusar a receber a
mencionada citação, permite a interpretação de que aquele relevante ato de comunicação
deve, a princípio, ser pessoalmente entregue ao servidor.
Ora, uma vez que a notícia primordial da existência de um processo contra o servidor é
ainda mais relevante e essencial do que a provocação para que o mesmo apresente sua defesa
no curso daqueles autos de que já tem conhecimento, é bastante plausível defender que
também a notificação inicial, na mesma linha que o § 4º do art. 161 da Lei nº 8.112, de 1990,
atribuiu à citação, deve ser entregue de forma pessoal ao servidor.
A notificação inicial deve ser entregue pessoalmente por ser uma comunicação
dirigida ao acusado de caráter individual e personalíssimo, pois, a partir deste momento, lhe
impõe prática ou abstenção de atos a seu exclusivo encargo. Esta entrega pessoal pode ser
suprida por três diferentes meios: com entrega física em mãos; ou, sendo esta inviável ou
impossível, com a remessa em via postal para o seu endereço residencial, com aviso de
recebimento (AR, em que o remetente preenche um formulário próprio, que lhe é devolvido
pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, assinado e datado por quem recebeu
a postagem, comprovando que a remessa foi entregue e quando o foi) e ainda que não
necessariamente recebida de forma direta pelo próprio destinatário (conforme o § 3º do art. 26
da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e o art. 274 do Código de Processo Civil - CPC); ou
ainda por meio dos seus correios eletrônicos institucional (nos termos da Portaria SRF nº
1.397, de 11 de novembro de 2002) ou particular, desde que assegurada a garantia jurídica de
recebimento. As hipóteses mais viáveis de emprego de cada um destes três meios serão
indicadas adiante.
CPC - Art. 274. Não dispondo a lei de outro modo, as intimações serão feitas
às partes, aos seus representantes legais, aos advogados e aos demais sujeitos
do processo pelo correio ou, se presentes em cartório, diretamente pelo
640
se as cautelas comprobatórias - e que, portanto, devem ser autuadas - do envio por parte do
remetente e do recebimento por parte do destinatário de atos de comunicação por meio de
correio eletrônico institucional ou privado e por via postal.
Interessante pontuar que, diferentemente dos diplomas legais de instância pública
instrumental punitiva (quais sejam, o CPP e a Lei nº 8.112, de 1990), o CPC, no inciso I do
art. 246, no caput e no inciso IV do art. 247, nos §§ 1º e 4º do art. 248 e no art. 249, não só
contempla o chamamento da parte aos autos por via postal como também até elege esta como
a forma padrão e ordinária de se fazer a citação inicial no processo civil (similar à notificação
inicial do processo disciplinar). Ademais, a lei processual civil contempla ainda a
possibilidade de se fazê-lo por meio eletrônico, podendo-se dizer até que reserva-se para a
entrega fisicamente em mãos do termo (no caso, por meio de oficial de justiça) uma qualidade
de secundária e excepcional.
CPC - Art. 246. A citação será feita:
I - pelo correio;
II - por oficial de justiça;
III - pelo escrivão ou chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório;
IV - por edital;
V - por meio eletrônico, conforme regulado em lei.
Art. 247. A citação será feita pelo correio para qualquer comarca do país,
exceto:
IV - quando o citando residir em local não atendido pela entrega domiciliar de
correspondência;
Art. 248.
§ 1º A carta será registrada para entrega ao citando, exigindo-lhe o carteiro,
ao fazer a entrega, que assine o recibo.
§ 4º Nos condomínios edilícios ou nos loteamentos com controle de acesso, será
válida a entrega do mandado a funcionário da portaria responsável pelo
recebimento de correspondência, que, entretanto, poderá recusar o
recebimento, se declarar, por escrito, sob as penas da lei, que o destinatário da
correspondência está ausente.
Art. 249. A citação será feita por meio de oficial de justiça nas hipóteses
previstas neste Código ou em lei, ou quando frustrada a citação pelo correio.
A aplicação extensiva na processualística disciplinar do comando estabelecido no § 1º
do art. 248 do CPC deixa inequívoco que, na hipótese de se empregar via postal para entrega
da notificação inicial, o único requisito exigido sobre a correspondência é que seja feita por
meio de carta registrada com AR. E é importante destacar que o CPC, no § 4º do mesmo art.
248, ratificou a validade da entrega do ato de comunicação a porteiros ou demais empregados
em caso de o servidor residir em condomínio ou qualquer outra espécie de moradia com
controle de acesso, sendo certo que alcança também o empregado doméstico da sua própria
unidade residencial. E, se o destinatário estiver ausente, o comando legal permite que o
responsável pelo recebimento de correspondência recuse receber, desde que declare a
ausência por escrito. Assim, nas passagens do presente texto em que se menciona entrega
física em mãos, fica subentendido que não necessariamente se dá de forma estrita pelas mãos
do servidor.
Uma possibilidade mais residual de entrega da notificação inicial a servidor lotado ou
em exercício em unidade situada em localidade distinta daquela em que se sedia a comissão,
contando com concordância doutrinária, é o presidente da comissão encaminhar, por meio de
malote, as duas vias do documento e cópia dos autos para o chefe da unidade, na forma de
uma carta precatória (cuja definição se encontra no inciso III do art. 237 do CPC, ou
simplesmente precatória, conforme lhe dá emprego o art. 353 do CPP), para que aquela
autoridade entregue fisicamente em mãos ao servidor e devolva à comissão uma via
devidamente assinada e datada (ressalve-se que esta situação em nada se confunde com os
dois incidentes narrados a seguir, em 4.3.5).
643
CPP - Art. 353. Quando o réu estiver fora do território da jurisdição do juiz
processante, será citado mediante precatória.
CPC - Art. 237. Será expedida carta:
III - precatória, para que órgão jurisdicional brasileiro pratique ou determine
o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato relativo a pedido
de cooperação judiciária formulado por órgão jurisdicional de competência
territorial diversa;
“Conquanto sejam silentes os regimes disciplinares a respeito da modalidade
de citação por precatória, entendemos que inexista qualquer contra-indicação
jurídica a que se realize, no processo disciplinar, a citação por essa forma.”
José Armando da Costa, “Teoria e Prática do Processo Administrativo
Disciplinar”, pg. 161, Editora Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005
Prosseguindo ainda mais nas hipóteses, no caso de servidor que se encontra em gozo
de licença ou inativo (aposentado ou em disponibilidade) ou de ex-servidor (já punido com
pena expulsiva em outro processo administrativo disciplinar - PAD - ou exonerado), qualquer
daqueles portadores aceitáveis deve tentar o contato no último domicílio atualizado dentre
todos os constantes das diversas bases de dados ao dispor da RFB. Neste rol, pode-se citar as
bases de dados disponíveis no macroprocesso de trabalho de gestão de pessoas (mais
especificamente no SA3) ou nos processos de trabalho de arrecadação e de fiscalização (tais
como no sistema CPF e nas declarações de ajuste anual de Imposto sobre a Renda de Pessoa
Física - DIRPF).
Ainda nestes casos de servidor licenciado ou inativo ou de ex-servidor, pode-se
também estender quaisquer tentativas anteriormente expostas para servidor lotado ou em
exercício em unidade situada na mesma localidade em que se sedia a comissão ou em
localidade distinta.
Por costumar acarretar problemas na celeridade processual, merece maior cautela a
hipótese de o servidor em licença médica - a ser descrita em 4.4.9.1 - que se recusa a receber a
notificação inicial para figurar como acusado, nos termos já expostos em 3.2.5. Em tal
situação, deve a comissão provocar a junta médica oficial a se manifestar se a doença
incapacita o acompanhamento do processo disciplinar. Se a junta médica atestar que não
incapacita, a comissão pode tentar notificá-lo (talvez, se for o caso, tendo de lançar mão de
instrumentos descritos em 4.3.5), pois conforme também entende a doutrina, o fato de estar de
licença médica não necessariamente o impede de acompanhar o processo disciplinar.
“O fato de o servidor acusado estar em gozo de licença médica quando da
instalação dos trabalhos não impede a sua notificação prévia, e muito menos
significa que irá causar alguma nulidade no processo disciplinar.” Adriane de
Almeida Lins e Debora Vasti da Silva do Bonfim Denys, “Processo
Administrativo Disciplinar - Manual”, pg. 314, Editora Fórum, 1ª edição, 2007
Estando o servidor em local sabido no exterior, poder-se-ia cogitar de adaptar ao
processo disciplinar o instrumento da carta rogatória (cuja definição se encontra no inciso II
do art. 237 do CPC e conforme lhe dão emprego os arts. 368 e 783 do CPP), com o quê a
comissão provocaria a autoridade instauradora a encaminhar ao Ministério da Justiça (MJ) o
pedido de notificação inicial, por via diplomática, às autoridades estrangeiras competentes.
Todavia, a jurisprudência entende que, como o instituto da carta rogatória é de competência
exclusiva do Poder Judiciário, somente se aplica ao processo judicial, devendo se adotar na
espécie a provocação mediante ofício dirigido à autoridade consular (embora o julgado
mencione expressamente oitiva de testemunha, verificando-se que o entendimento se funda na
natureza extrajudicial do ato, também se aplica à notificação inicial). Destaque-se que,
estando o servidor em local sabido, ainda que no estrangeiro, não se pode lançar mão de
notificação inicial por edital, descrita a seguir, em 4.3.5.2.
CPP - Art. 368. Estando o acusado no estrangeiro, em lugar sabido, será citado
644
14, de 2018, no § 8º do seu art. 33, estabeleceu que a entrega de qualquer ato de comunicação,
gênero em que se inclui a notificação inicial, pode se dar por qualquer meio escrito, inclusive
eletrônico, desde que se propicie a certeza jurídica da ciência do acusado (embora a norma
estenda alternativamente para a ciência do procurador com poderes constituídos, a explanação
linhas acima justifica a adoção de postura mais cautelosa para a notificação inicial, de
recebimento centrado na pessoa apenas do próprio acusado).
Instrução Normativa CGU nº 14, de 2018 - Art. 33.
§ 8º A comunicação dos atos processuais poderá ser realizada por qualquer
meio escrito, inclusive na forma eletrônica, desde que se assegure a
comprovação da ciência do interessado ou de seu procurador com poderes
suficientes para receber a comunicação.
Por fim, em síntese, em caso de dúvida por parte da comissão acerca do necessário
atendimento do caráter personalíssimo por qualquer outro meio de entrega da notificação
inicial, o emprego superposto também da via postal com AR, além de pouco oneroso, fornece
um bom grau de segurança de se ter cumprido aquele requisito.
fatos que guardam relação de conexão (em sentido amplo) com os fatos originalmente sob
apuração. Em ambas hipóteses de extensão do foco apuratório (seja por identificar a atuação
do novo acusado nos mesmos fatos originais, seja por identificar sua atuação em fatos
conexos), também atua como condicionante o momento processual ainda justificador do
alargamento dos trabalhos; não sendo conexos os novos fatos ou, mesmo que o sejam, sendo
identificados em momento processual que já não mais recomenda a extensão, deverá a
comissão representar à parte para a autoridade instauradora emitir específico juízo de
admissibilidade.
Nos casos acima expostos em que se justifica notificar um servidor da sua condição de
acusado já no curso do inquérito administrativo, cabe um desdobramento acerca de como
deve proceder a comissão quanto aos atos instrucionais porventura já realizados e autuados
antes de seu ingresso no polo passivo. Tratando-se de atos de instrução materializados por
meio de provas pré-constituídas (a exemplo de pesquisas em dossiês e em sistemas
informatizados internos em geral, remessa de atos de comunicação e de circularizações e
respectiva juntada de documentos e informações recebidos em resposta, inclusive provas de
natureza originalmente contraditória e trazidas emprestadas de outros processos e
procedimentos), que não possuem natureza contraditória, não há que se ofertar refazimento,
independentemente do momento em que tenham sido realizados e autuados (seja na fase de
admissibilidade, seja já no curso do processo disciplinar, antes desta nova notificação inicial).
Já os atos de natureza contraditória (a exemplo de provas orais - oitivas, interrogatórios
acareações - diligências, perícias e assessorias técnicas), para poderem ser valorados na
formação de convicção referente a este novo acusado, precisam ser refeitos pela comissão,
independentemente do momento em que tenham sido realizados e autuados (seja na fase de
admissibilidade, seja já no curso do processo disciplinar, antes desta nova notificação inicial)
e mesmo que esta defesa não peticione neste sentido, conforme já se detalhou em 2.5.3.3.1.
É de se ratificar que esta iniciativa de ofício em respeito ao segundo acusado se
mantém igualmente mesmo se tais atos tiverem sido realizados e autuados ainda na fase de
admissibilidade, com o que se presume terem sido refeitos quando da notificação inicial do
primeiro acusado, ou se somente tiverem sido originalmente realizados e autuados já após a
notificação inicial do primeiro acusado. Isto porque não basta que se tenha assegurado o pleno
atendimento do princípio do contraditório a favor apenas da defesa do primeiro, mas não do
novo acusado. A simples oferta de poder questionar e contestar por escrito o conteúdo estático
do termo já autuado da prova que originalmente possuía natureza contraditória significa
reduzi-la à condição de prova documental e suprimir deste segundo acusado o direito à
plenitude do contraditório (a plenitude de poder contraditar um ato probatório reside na
possibilidade de presença, participação e contestação no real momento de sua feitura e coleta,
depreendendo a natureza e a dinâmica intrínseca do ato, antes de sua fria e estática redução a
termo). Portanto, sem tal oferta plena, estes atos de natureza contraditória feitos antes da
segunda notificação inicial serão nulos e carrearão nulidade à formação de convicção
contrária a esta defesa, se forem considerados na eventual indiciação.
Ainda na linha desta postura cuidadosa, é de se relembrar que, não é porque o
comando do art. 155 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo
Penal (CPP), veda que o julgador decida com base apenas em provas coletadas na
investigação, que se utilizaria interpretação literal estrita de que se a prova de natureza
contraditória já tivesse sido realizada a favor do primeiro acusado já no curso do processo
disciplinar a base principiológica reitora estaria suprida. Isto não é verdade, pois sabe-se que a
inteligência por trás daquele comando legal quer o respeito ao princípio do contraditório e não
o simples atendimento de literalidade.
CPP - Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação,
ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. (Redação dada
647
escrita, propondo arquivamento. Mas uma situação um pouco diferente se configura quando,
em um processo disciplinar em que transitem mais de um servidor notificado como acusado, a
comissão adquire convicção de não mais se justificar manter um deles no polo passivo (seja
em função de notificação inicial de outro servidor que exclua a anterior, seja em função de se
ter comprovado a inocência ou por outro motivo qualquer que justifique sua exclusão). Neste
caso incomum, recomenda-se que o colegiado delibere tal fato em ata e apresente relatório
parcial à autoridade instauradora, descrevendo detalhadamente os motivos de tal deliberação.
Ato contínuo, a autoridade instauradora deve apreciar a provocação da comissão e
exarar sua decisão, concordando com a exclusão do servidor originalmente acusado ou
discordando de tal proposta, e remeter sua decisão ao colegiado, para juntada aos autos.
Destaque-se que o incidente transcorre nos autos do processo disciplinar original,
dispensando-se o formalismo de se proceder a desmembramento para que em autos apartados
se analisasse a questão da exclusão prévia. Caso a autoridade instauradora acate as razões
apresentadas pela comissão, o servidor é considerado excluído do polo passivo e do rol de
acusados, tendo como consequência serem afastados, a partir deste momento, os gravames da
condição de responder a processo disciplinar. Não obstante, ressalve-se que nada impede que,
se for o caso de o julgamento requerer autoridade julgadora de maior hierarquia, pode esta
autoridade discordar da decisão inicial e determinar a reabertura do processo em face daquele
servidor previamente excluído do polo passivo.
No processo disciplinar, não há previsão legal para que a comissão intime o acusado
para que ele apresente defesa prévia. Neste momento do processo, antes de se ter procedido à
apuração contraditória e à acusação formal (indiciação, se for o caso), tal iniciativa por parte
do colegiado seria inócua e ineficiente, pois, a rigor, o servidor ainda não teria do que se
defender. Não obstante, em observância ao princípio da ampla defesa, pode o acusado,
espontaneamente, sem ter sido instado pela comissão, trazer tantos quantos arrazoados
entender convenientes no curso da instrução, conforme também entende a doutrina.
“Em razão do contraditório e da ampla defesa, é recomendável que os
memoriais, razões antecipadas de defesa e outros documentos apresentados
pelo acusado sejam sempre recebidos, autuados, em separado ou não, e
considerados para fim de análise de julgamento final.” Francisco Xavier da
Silva Guimarães, “Regime Disciplinar do Servidor Público Civil da União”,
pg. 147, Editora Forense, 2ª edição, 2006
4.3.5.3 - Servidor em Local Conhecido e que se Oculta para Não Receber a Notificação
Inicial
654
Um terceiro incidente pode ainda ocorrer, como uma situação intermediária às duas
anteriormente descritas: o servidor tem paradeiro certo e conhecido, mas oculta-se, para não
ser notificado, quando um dos membros da comissão (o presidente ou indistintamente
qualquer dos dois vogais, não sendo necessária a formalidade de estarem presentes os três
integrantes) ou um integrante do grupo de atividades administrativas dos Escritórios de
Corregedoria (Escor) que porventura o possuam ou ainda qualquer servidor do Escor vai a seu
encontro (nestas hipóteses de servidor estranho ao colegiado, basta suprir a cautela com os
sigilos da instância disciplinar e em especial da honra, imagem e privacidade do acusado em
face de terceiros).
A rigor, não se trata do primeiro caso, em que o portador efetivamente encontra o
servidor e ele se nega a assinar a notificação inicial. Tampouco se trata do segundo caso, em
que a comissão sequer sabe onde encontrá-lo. Aqui, a comissão sabe onde o servidor pode ser
encontrado, mas, diante de sua estratégia de se ocultar, não logra ficar diante dele para tentar
lhe entregar a notificação inicial. A hipótese ora tratada alberga, por exemplo, a situação,
enfrentada com certa frequência, em que o portador da notificação inicial dirige-se à
residência do servidor ativo, que, por qualquer motivo, não está comparecendo ao seu local de
serviço (ou ainda no caso de se tratar de inativo ou de ex-servidor), e quem o atende até
confirma que ele ali reside mas informa que não se encontra no momento e que não sabe dizer
quando estará presente.
Neste caso, primeiramente, deve a comissão conseguir demonstrar nos autos que são
conhecidos os locais de trabalho e de residência onde pode ser encontrado o servidor ativo ou
o local de residência onde pode ser encontrado o inativo ou o ex-servidor. Por local de
residência entendam-se o(s) endereço(s) residencial(is) declarados nas diversas bases de
dados ao dispor da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), tais como nas bases de
dados disponíveis no macroprocesso de trabalho de gestão de pessoas (mais especificamente
no Sistema de Apoio às Atividades Administrativas - SA3) ou nos processos de trabalho de
arrecadação e de fiscalização (tais como no Sistema de Cadastro Pessoas Físicas - CPF e nas
declarações de ajuste anual de Imposto sobre a Renda de Pessoa Física - DIRPF).
Além disto, deve também registrar nos autos algumas tentativas de encontrá-lo
neste(s) local(is), em diferentes dias e horários, redigindo atas de deliberação e termos de
ocorrência - com identificação daqueles que as realizaram, data e hora e coletando, se
possível, testemunho assinado de colegas de trabalho e de superiores hierárquicos ou de
familiares, empregados, vizinhos, amigos, porteiros ou quaisquer outros prepostos -, com que
se comprovem as sucessivas idas infrutíferas àquele(s) endereço(s), a saber, à unidade de
lotação ou de exercício e ao endereço residencial do servidor ativo ou ao endereço residencial
do inativo ou do ex-servidor. Como referência, pode-se mencionar a quantidade de duas
tentativas, conforme estabelecido no caput do art. 252 da Lei nº 13.105, de 16 de março de
2015 - Código de Processo Civil (CPC) - ressalvando-se que pode ocorrer de, na segunda ou
na terceira ou até em mais idas sucessivas, de fato, a comissão se deparar com ausências
justificáveis do servidor, não podendo se tomar a referência de duas tentativas como limite
fatal. A questão crucial no presente tema não reside no simples esgotamento de duas idas ao
local em que se presumia poder encontrar o agente, mas sim na existência de indícios de que
este intencionalmente se oculta.
Configurada então a hipótese em tela, uma última tentativa prática de solucionar o
incidente - antes de se buscar apoio jurídico em integração com outras leis -, seria de
quaisquer dos possíveis portadores da notificação inicial se revezarem no(s) tal(is) local(is)
conhecido(s), no máximo de tempo possível de abrangência, para ostensivamente tentarem
encontrar o servidor. Restando também esta estratégia infrutífera ou até mesmo
desaconselhável (por exemplo, por questões de segurança pessoal dos portadores), pode-se
buscar uma solução no Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo
Penal (CPP), eleito como primeira fonte de integração na processualística disciplinar em caso
de lacuna tanto na Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990, quanto na Lei n° 9.784, de 29 de
655
janeiro de 1999. O caput do art. 362 do CPP, por sua vez, remete ao procedimento
estabelecido nos arts. 252 a 254 do CPC (atualizando a remissão aos arts. 227 a 229 da
revogada lei processual civil).
CPP - Art. 362. Verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de
justiça certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma
estabelecida nos arts. 227 a 229 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 -
Código de Processo Civil. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 20 de junho de
2008)
CPC - Art. 252. Quando, por 2 (duas) vezes, o oficial de justiça houver
procurado o citando em seu domicílio ou residência sem o encontrar, deverá,
havendo suspeita de ocultação, intimar qualquer pessoa da família ou, em sua
falta, qualquer vizinho de que, no dia útil imediato, voltará a fim de efetuar a
citação, na hora que designar.
Segundo os mencionados arts. da lei de processo civil, quando há suspeita de que o réu
se oculta, deve ser intimada qualquer pessoa da família ou um vizinho ou um amigo ou ainda
porteiros e outros prepostos ou empregados do condomínio ou residência de que o oficial
retornará no dia útil imediato, na hora que designar, para proceder ao ato de comunicação (a
chamada “citação com hora certa “), aqui aplicados extensivamente como última tentativa de
a comissão encontrar pessoalmente o servidor. Assim, na hipótese em que há indícios de que
o servidor, embora de paradeiro certo e conhecido, não é encontrado no local onde seria
esperado, em decorrência de intencionalmente se ocultar da comissão, será considerado
notificado como acusado na data previamente aprazada, mesmo que nesta oportunidade
novamente não seja encontrado.
Nesta instrumentalização excepcional, de se destacar que deve o emissário portar
consigo a notificação inicial já pronta (para a hipótese de lograr o encontro pessoal), registrar
em termo de ocorrência mais uma ida infrutífera à residência do servidor (no mínimo, a
segunda vez) e intimar um parente, vizinho, amigo, porteiro, empregado ou preposto a
comunicar ao agente que o colegiado retornará em dia imediatamente posterior e em horário
previamente determinado, a fim de proceder à notificação inicial e levar aos autos aquele
termo e uma via recibada desta intimação.
Interessante destacar que, a exemplo do que se pontuou para o caso da citação em
processo civil por via postal, o CPC, no parágrafo único do art. 252, ratificou a validade da
intimação a porteiros ou demais empregados em caso de o servidor residir em condomínio ou
qualquer outra espécie de moradia com controle de acesso, sendo certo que alcança também o
empregado doméstico da sua própria unidade residencial.
CPC - Art. 252.
Parágrafo único. Nos condomínios edilícios ou nos loteamentos com controle
de acesso, será válida a intimação a que se refere o caput feita a funcionário da
portaria responsável pelo recebimento de correspondência.
Todos estes registros servem de prova das sucessivas idas infrutíferas da comissão
àqueles endereços - sobretudo ao residencial - e das recomendações deixadas com quem
atendeu o portador para que informasse o servidor quando se retornaria para tentar novamente
encontrá-lo. A cada diligência no endereço residencial, deve-se buscar extrair o máximo de
informações de parte de quem atende (seja para lograr um meio seguro de enfim encontrar o
servidor, seja para deixar inequívoco nos autos a sua estratégia de se esquivar da comissão),
tais como confirmação de que o agente realmente reside naquele endereço, as razões da sua
ausência, a previsão de horário de retorno, o horário em que é mais provável encontrá-lo em
casa ou ainda alguma outra forma de contato.
Para este último deslocamento, em que se presume a necessidade de redigir um termo
conclusivo quanto aos incidentes de ocultação e qualificador da condição de acusado, convém
que vá um dos integrantes da comissão. Na data e horário aprazados, novamente não
656
encontrando o servidor, após consignar com quem atender que o agente foi informado do
comparecimento anterior do signatário e da data e do horário marcados para esta última
tentativa e coletar as informações da razão de sua ausência, conforme o caput e o § 1º do art.
253 do CPC, deve o integrante da comissão lavrar novo termo de ocorrência, em duas vias,
em que se registram a ausência do acusado e que não se dispõe de previsão de seu horário de
retorno, a consideração de que a notificação inicial está realizada e o nome da pessoa que lhe
atender, deixando uma via do termo com esta pessoa, como a contrafé a que se refere o § 3º
do mesmo dispositivo legal, e levando a outra via para os autos.
Acrescente-se que, de acordo com o § 2º do art. 253 do CPC, a ausência do parente ou
vizinho que havia sido intimado ou a sua recusa em receber o ato de comunicação não
impedem que se efetive o ato com hora certa.
Obviamente, em nenhum dos dois momentos, pode o portador deixar a notificação
inicial em si (embora convenha que sempre a porte já pronta) e muito menos cópia do
processo com um estranho aos autos. Por fim, autuados os termos de ocorrência e com a
notificação inicial, deve a comissão remetê-los, no prazo de dez dias contados da autuação,
juntamente com cópia integral dos autos, na via postal, com aviso de recebimento (AR, em
que o remetente preenche um formulário próprio, que lhe é devolvido pela Empresa Brasileira
de Correios e Telégrafos - ECT, assinado e datado por quem recebeu a postagem,
comprovando que a remessa foi entregue e quando o foi), para o endereço residencial do
acusado, conforme o art. 254 do CPC.
CPC - Art. 253. No dia e na hora designados, o oficial de justiça,
independentemente de novo despacho, comparecerá ao domicílio ou à
residência do citando a fim de realizar a diligência.
§ 1º Se o citando não estiver presente, o oficial de justiça procurará informar-
se das razões da ausência, dando por feita a citação, ainda que o citando se
tenha ocultado em outra comarca, seção ou subseção judiciárias.
§ 2º A citação com hora certa será efetivada mesmo que a pessoa da família ou
o vizinho que houver sido intimado esteja ausente, ou se, embora presente, a
pessoa da família ou o vizinho se recusar a receber o mandado.
§ 3º Da certidão da ocorrência, o oficial de justiça deixará contrafé com
qualquer pessoa da família ou vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o
nome.
Art. 254. Feita a citação com hora certa, o escrivão ou chefe de secretaria
enviará ao réu, executado ou interessado, no prazo de 10 (dez) dias, contado da
data da juntada do mandado aos autos, carta, telegrama ou correspondência
eletrônica, dando-lhe de tudo ciência.
Verifica-se abaixo que a Advocacia-Geral da União (AGU), por meio do seu Parecer
AGU nº GM-3, já se manifestou pelo emprego do remédio previsto na lei civil em caso de
ocultação (embora o caso em espécie se referisse à entrega da citação para apresentar defesa,
é perfeitamente aplicável à notificação inicial como acusado). A mesma interpretação
extensiva, a favor do emprego do instituto da hora certa no processo disciplinar, também se
extrai da manifestação do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da
União (CGU), por meio da Comissão de Coordenação de Correição da CGU (CGU/CCC),
estampada no Enunciado CGU/CCC nº 11, de 30 de outubro de 2015. Embora se reconheça
que a literalidade do dispositivo se reporte apenas à citação para apresentar defesa, não se faz
imperativa uma leitura restritiva, podendo se tomar como referência para outros momentos
processuais, conforme aqui se faz. O mesmo se aplica à doutrina.
Parecer AGU nº GM-3, não vinculante: “Ementa: O Direito Disciplinar rege-
se por normas específicas e independentes do Direito Penal, inexistindo
viabilidade jurídica de serem aproveitadas normas criminais, por via
analógica, a fim de nulificar processo disciplinar por haver-se efetuado a
citação por hora certa com vistas à apresentação de defesa.
6. A maneira como se efetua o chamamento para o indiciado apresentar sua
657
defesa encontra-se prescrita na Lei nº 8.112, art. 161, § 1º: “será citado por
mandado expedido pelo presidente da comissão”. O sentido literal desse
comando, por si só, é suficiente para demonstrar a validade do procedimento
consistente em o indiciado receber o mandado expedido pelo presidente do
colegiado. É norma desprovida da rigidez que representaria a exigência de que
se efetuasse a citação, exclusivamente, por edital, em se esquivando o indiciado
de recebê-la.
7. A execução do ato processual de citação por hora certa atende à literalidade
e à finalidade do art. 161, tanto que nessa maneira de atuar não se vislumbra
qualquer dano para o exercício do direito de ampla defesa.”
Enunciado CGU/CCC nº 11, de 2015: “Citação por hora certa no
procedimento disciplinar. No âmbito do Processo Disciplinar, a citação poderá
ser realizada por hora certa, nos termos da legislação processual civil, quando
o indiciado encontrar-se em local certo e sabido, e houver suspeita de que se
oculta para se esquivar do recebimento do respectivo mandado”.
“A citação por hora certa aplica-se àqueles casos em que há suspeita de que o
servidor indiciado está se ocultando para não receber a citação ou a
notificação.
Subsidiariamente, aplica-se o Código de Processo Civil (art. 227 e 228)
quando, por três vezes o membro-secretário procurar o servidor indiciado para
entregar a citação e não o encontrando em casa ou no trabalho, poderá intimar
o chefe imediato de que no dia posterior voltará, durante o expediente normal
da repartição, a fim de efetuar a citação, na hora designada.
No dia e hora designados, o membro-secretário comparecerá no setor onde
trabalha o servidor indiciado, a fim de realizar a diligência.
Se o servidor indiciado não estiver presente, o membro-secretário procurará se
informar das razões da ausência, dando por feita a citação, ainda que o
indiciado tenha se ausentado do setor, com o intuito de se esquivar do ato.
O membro-secretário lavrará certidão da ocorrência e deixará contrafé (cópia)
com o chefe imediato do servidor indiciado, mencionando-o na respectiva
certidão.
Após, o colegiado registrará tudo em ata e o presidente determinará que seja
enviada ao servidor indiciado, para sua residência, por carta registrada com
AR de ‘mão própria’, cópia da certidão e do mandado, dando-lhe ciência.”
Adriane de Almeida Lins e Debora Vasti da Silva do Bonfim Denys, “Processo
Administrativo Disciplinar - Manual”, pg. 363, Editora Fórum, 1ª edição, 2007
Acerca do posicionamento adotado pela CGU para superar a estratégia de ocultação do
servidor a fim de não receber a notificação inicial de sua condição de acusado, eis que deixou
de haver qualquer dúvida de que o órgão central do Sistema de Correição do Poder Executivo
Federal (SisCor-PEF) também contempla o emprego da ferramenta da hora certa para este
momento processual. A saber, a Instrução Normativa CGU nº 14, de 14 de novembro de
2018, no § 9º do seu art. 33, estendeu o emprego da hora certa para suprir a comunicação de
qualquer ato processual.
Instrução Normativa CGU nº 14, de 2018 - Art. 33.
§ 9º Para a realização dos atos de comunicação, admite-se a utilização da
citação por hora certa, nos termos da legislação processual civil, quando o
acusado ou indiciado encontrar-se em local certo e sabido e houver suspeita de
que se oculta para se esquivar do recebimento do respectivo mandado.
datado por quem recebeu a postagem, comprovando que a remessa foi entregue e quando o
foi).
Lei nº 9.784, de 1999 - Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o
processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência
de decisão ou a efetivação de diligências.
Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com
antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de
realização.
A convenção ora exposta somente se altera, centralizando-se os atos de comunicação e
a participação processual no procurador, caso as condições do acusado dificultem ou
inviabilizem a entrega pessoal (por estar de licença, afastado, preso, afastado ou em paradeiro
não sabido) ou caso este não possa, por qualquer outro motivo, ou manifeste não querer
receber pessoalmente as comunicações da comissão e acompanhar o processo - além das já
mencionadas exceções para intimações para interrogatórios e citação, que devem ser
entregues ao próprio acusado, por lhe imporem prática ou abstenção de ato.
É de se destacar o caráter alternativo desta normatização: nem a simples indicação
apriorística de que os atos de comunicação podem ser entregues diretamente ao acusado e
muito menos a possibilidade concedida de se fazê-lo por meio do procurador podem ser
confundidas com algum tipo de obrigatoriedade excludente. O princípio do formalismo
moderado opera aqui uma dupla possibilidade, em forma de alternatividade simplificadora e
agilizadora dos trabalhos processuais ordinários e não personalíssimos. Tanto a
Administração quanto a defesa podem se harmonizar e escolherem a forma mais conveniente
e produtiva de se concretizar a vontade da Lei, no sentido de se estabelecer a dialética
processual e de que os atos atinjam os fins a que se proponham.
Ou seja, diferentemente do que ocorre em instância judicial, caso o acusado opte por
exercitar o acompanhamento da apuração, pode fazê-lo pessoalmente e de forma exclusiva. O
texto legal foi claro ao prever o caráter alternativo do acompanhamento, pessoal ou por
procurador, facultando a escolha ao próprio interessado. Não há necessidade de constituir
procurador e menos ainda, se for o caso, de este ser advogado (a defesa técnica é uma
faculdade na instância disciplinar), conforme também entende a doutrina.
“97) O servidor público pode exercer sua autodefesa no processo
administrativo disciplinar, sem estar assistido por advogado ou defensor
dativo, ainda que não possua inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil.
Antonio Carlos Alencar Carvalho, “Manual de Processo Administrativo
Disciplinar e Sindicância”, pg. 1069, Editora Fortium, 2008, 1ª edição
Em outras palavras, na seara administrativa em geral e inclusive na processualística
disciplinar, é como se operasse uma concessão postulatória ao próprio administrado, ao
próprio interessado, aqui mais especificamente na condição de acusado. Diferentemente do
processo judicial em geral (em que, salvo exceções a exemplos de juizados especiais cíveis,
processo administrativo fiscal e causas trabalhistas, a simples capacidade processual para ser
parte e para produzir atos jurídicos personalíssimos no processo não se confunde com a mais
específica capacidade postulatória, para a qual se exige alguma técnica como requisito
essencial de validade para a prática de determinados atos, normalmente atribuída ao
profissional capacitado para o regular exercício da advocacia e detentor da devida
procuração), no processo disciplinar, a lei não impôs capacidade técnica para o próprio
interessado praticar atos em geral e nem mesmo para peticionar, contestar e recorrer
Sequer ampara a tese da imprescindibilidade de advogado em instância disciplinar o
art. 133 da Constituição Federal (CF), que diz ser o advogado “indispensável à administração
da justiça”, pois o dispositivo constitucional condiciona tal exigência aos “limites da lei”.
Além de sistematicamente não se encontrar em toda a CF dispositivo expressamente
obrigando a defesa técnica, a interpretação a contrário sensu do mencionado art. 133 é de que
660
se aceita, nos limites da lei, processo sem advogado (e há exemplos reais disto, como acima já
indicados). Ora, esta mesma CF condiciona a apuração punitiva ao devido processo legal; em
atendimento, a Lei nº 8.112, de 1990, estabelece o rito e, não obstante, não prevê
obrigatoriedade de advogado. Diante da parte final do art. 133 da CF, permitindo que a lei
regule o tema caso a caso, não há que se criticar de inconstitucional a Lei nº 8.112, de 1990,
por não exigir advogado, tanto que nunca houve tal declaração formal por parte da Corte
competente, e assim entende a jurisprudência.
STF, Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n° 244.027: “Ementa:
Agravo regimental a que se nega provimento, porquanto não trouxe o
agravante argumentos suficientes a infirmar os precedentes citados na decisão
impugnada, no sentido de que, uma vez dada a oportunidade ao agravante de
se defender, inclusive de oferecer pedido de reconsideração, descabe falar em
ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório no fato de se
considerar dispensável, no processo administrativo, a presença de advogado,
cuja atuação, no âmbito judicial, é obrigatória.”
STF, Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n° 207.197: “Ementa: A
extensão da garantia constitucional do contraditório (art. 5º, LV) aos
procedimentos administrativos não tem o significado de subordinar a estes toda
a normatividade referente aos feitos judiciais, onde é indispensável a atuação
do advogado.”
Idem: STF, Agravo de Instrumento n° 239.029, Recurso Extraordinário n°
396.288 e Mandado de Segurança n° 2.961.
E o tema foi definitivamente soterrado com a edição da Súmula Vinculante nº 5 do
Supremo Tribunal Federal (STF), abordada em 4.3.6.3.
Podem ser feitas algumas ilações acerca da motivação do legislador ordinário em não
ter imposto a presença de advogado no processo disciplinar. Mencione-se que tal instância
não põe em risco garantia fundamental da pessoa (a saber, a liberdade). Na ponderação de
bens tutelados, o processo penal, como melhor exemplo, cuida de bem jurídico mais relevante
para a pessoa que o processo disciplinar, que, em sua essência, trata de uma relação jurídico-
estatutária que se firma entre servidor e Estado, que, em amplo sentido sociológico, engloba a
“relação de trabalho”. Ora, se é assim, se, na lei trabalhista, podem os empregados
reclamarem pessoalmente à Justiça do Trabalho - conforme o art. 791 do Decreto Lei nº
5.452, de 1º de maio de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho - CLT) -, não se sustenta
tratamento tão diferenciado para o servidor. Ademais, em última análise, em caso de afronta a
garantias fundamentais, sempre pode o servidor socorrer-se no Poder Judiciário. Acrescente-
se que o ônus da prova é da Administração, não necessitando o servidor de comprovar sua
inocência. Em reforço, o caráter facultativo da defesa técnica é reiterado na já mencionada Lei
nº 9.784, de 1999, mais especificamente no inciso IV do art. 3º da Lei nº 9.784, de 1999. E,
por fim, relembre-se o previsto equilíbrio de forças na relação processual, já que, se o Estatuto
não exige que comissão e autoridades instauradora e julgadora sejam bacharéis em Direito e
advogados, é aceitável que também não o tenha feito para o procurador da parte, se for o caso.
Lei nº 9.784, de 1999 - Art. 3º O administrado tem os seguintes direitos perante
a Administração sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:
IV - fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória
a representação, por força de lei.
Uma vez que, no processo disciplinar, o acusado possui capacidade postulatória, a não
obrigatoriedade da presença de advogado não acarreta prejuízo, pois ao próprio servidor
destinatário das provocações para participar da instrução probatória cabe discernir quando lhe
convém buscar a defesa técnica e ter a intervenção do profissional habilitado nos momentos
processuais que eleger.
Mas, em contrapartida, não pode este procurador ser servidor (pois, neste caso, ele
pode, pelo menos em tese, se ver incurso na vedação prevista no inciso XI do art. 117 da Lei
661
nº 8.112, de 1990).
O acusado pode constituir, em um mesmo instrumento, ou em mais de um, diversos
procuradores para acompanhar o processo e todos terão acesso aos autos e aos atos de
instrução. E, se porventura em atos instrucionais ou em qualquer forma de contato da defesa
com a comissão comparecerem mais de um procurador de um mesmo acusado, todos têm o
mesmo direito de pedir a palavra, de se manifestar e de pleitear. É de se compreender que os
direitos constitucionais à ampla defesa e ao contraditório devem ser concedidos e estendidos à
defesa como um todo (defesa aqui compreendida organicamente, como a íntegra do conjunto
de agentes que atuam nas articulações a favor do acusado) e não apenas a um ou a alguns dos
procuradores regularmente constituídos.
Ademais, não há vedação ou impedimento na Lei nº 8.112, de 1990, para que um
mesmo procurador, sendo advogado ou não, atue na defesa de mais de um acusado em um
mesmo processo disciplinar, bastando, para isto, que cada um assine a respectiva procuração
individual ou que assinem em conjunto procuração única.
A priori, se contempla que, na imensa maioria dos processos com mais de um acusado
copatrocinado, é possível esta regular e aceitável constituição de um mesmo procurador. Tal
possibilidade é cabível tanto nas hipóteses em que os contornos fáticos e as condutas apuradas
permitam que as teses, argumentações, estratégias e petições formuladas pelo procurador
sejam exatamente as mesmas, uníssonas e convergentes, para todos os copatrocinados quanto
também naquelas em que sejam apenas parcialmente coincidentes e até mesmo quando sejam
específicas e dissociadas, em linhas autônomas de construção, sem pontos de convergência e
de divergência, para cada copatrocinado. Em síntese, aqui se cogita da extensa gama de
possibilidades de situações em que o procurador tenha total possibilidade de dispor a
integralidade de seus esforços e recursos e de apresentar o mesmo grau de qualidade,
compromisso e de capacidade profissional na defesa dos interesses comuns ou específicos de
cada um de seus copatrocinados - deixando claro que esta homogeneidade laboral não
significa necessariamente ter de valer-se das mesmas técnicas e alegações -, sem ter de
privilegiar um(ns) em detrimento de outro(s).
Mas, ao contrário da configuração mais frequente de processos com múltiplos
acusados, em que as condutas imputadas a cada um guardam uma fronteira de
individualização e de estanqueidade subjetiva, podem ocorrer raras situações em que se
encontrem arrolados em um mesmo processo servidores cujas condutas sob apuração guardem
relações fáticas de excludência ou tenham como alegações de defesa teses que mutuamente se
desmentem ou se contradizem, configurando o que se chama de defesas colidentes (ou defesas
conflitantes). Em primeiro momento, estas situações não merecem preocupação se cada
acusado tem sua própria linha de defesa, seja pessoal, seja por exclusivos procuradores. Por
fim, em resíduo excepcional, o tema se torna de fato sensível e passa a merecer maior grau de
atenção quando mais de um acusado no mesmo processo constituem um mesmo procurador e
seus interesses de defesa seguem linhas excludentes ou contrárias.
Por óbvia construção lógica, é inconcebível, à luz de toda rica gama principiológica
que instrui a processualística disciplinar, que um mesmo procurador consiga ser igualmente
técnico e dedicado ao defender acusados cujas linhas de defesa precisam mesmo ser de
acusações recíprocas ou se baseiam em alegações que mutuamente se infirmam. Há de
prevalecer neste conturbado e incomum contexto a tutela da preservação da amplitude de
defesa a favor indiscriminadamente de qualquer acusado. E esta garantia fundamental não
será completamente assegurada se os contornos fáticos forem tais que impeçam ou ao menos
que mitiguem a total entrega, dedicação e lealdade igualitária e impessoal do procurador
constituído em favor de todos os seus constituintes.
Focando especificamente no caso de o procurador ser um advogado, eis que o
ordenamento jurídico - aqui em sentido amplo da expressão - busca proteger e assegurar
aquela indispensável relação de integralidade dos esforços e de recursos do constituído a favor
662
autorizam se cogitar deste traumático incidente processual, somente cabe à comissão declarar
sua ocorrência quando há defesas que reciprocamente se acusam ou que se baseiam em teses
excludentes (ainda que não sejam de acusações recíprocas). Este entendimento restritivo do
que sejam defesas colidentes encontra amparo jurisprudencial.
STJ, Habeas Corpus nº 232.620: “Ementa: IV - Só se configura o conflito de
defesas na hipótese em que um réu atribui a outro a prática criminosa que só
pode ser imputada a um único acusado, de modo que a condenação de um
ensejará a absolvição do outro, ou quando o delito tenha sido praticado de
maneira que a culpa de um réu exclua a do outro, o que, in casu, não ocorreu
(precedentes).”
Somente neste caso e no momento da cabal percepção do conflito é que cabe à
comissão deliberar pela declaração da ocorrência de defesas colidentes e intimar os acusados
e seu procurador a que opere(m) a(s) desconstituição(ões). Uma vez detectada pela comissão
a inequívoca ocorrência de defesas colidentes, não deve o colegiado se omitir na intimação
para que os acusados e procuradores busquem a solução, já que se presume que o incidente
inevitavelmente leva ao prejuízo da garantia constitucional da ampla defesa, o que pode
configurar insanável nulidade processual com posterior refazimento de atos.
Aprofundando a questão da possível nulidade decorrente de defesas colidentes,
necessário se restringir que aquele efeito somente se concretizará com a comprovação de
prejuízo efetivo à defesa de algum(ns) dos copatrocinados. Esta convicção, também sob
amparo jurisprudencial, permite estender que, se até determinado ponto da instrução
processual, o procurador comum tenha demonstrado o mesmo grau de participação e de
dedicação a favor dos interesses de todos os copatrocinados, de forma a até então não se
vislumbrar nenhuma mitigação da amplitude de defesa contra os interesses de algum(ns) dos
acusados, e, a partir daquele ponto, tenha-se detectado o surgimento de teses conflitantes,
basta que neste momento a comissão declare a ocorrência do incidente e diligencie por seu
saneamento, não cabendo alegação de prejuízo por parte das defesas nos atos pretéritos e
tampouco se justificando seu refazimento. Apenas na hipótese de ter havido um lapso
temporal no curso do qual já se identificam as defesas colidentes e prejuízo no patrocínio dos
interesses de um ou de alguns dos copatrocinados é que cabe à comissão ofertar-lhes a
possibilidade de peticionarem pelo refazimento destes atos inquinados (pontua-se que, mesmo
neste caso, não há que se refazer de ofício os atos instrucionais pretéritos, mas sim apenas
mediante petição).
STJ, Habeas Corpus nº 268.662: “Ementa: 2. A nulidade decorrente da
colidência de defesas pressupõe a demonstração de que houve, entre corréus
defendidos pelo mesmo causídico, apresentação de teses conflitantes. Na
espécie, das razões do writ consta apenas a menção de que o paciente e corréu
tiveram o mesmo defensor, sem, analiticamente, elucidar-se o prejuízo que tal
circunstância, per se, neutra, poderia ter acarretado.”
STJ, Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 355.608: “Ementa:
2. Esta Corte entende que não há que se falar em nulidade, pois é necessário
que se demonstre a colidência de defesas, bem como o efetivo prejuízo advindo
dessa contradição.”
STJ, Habeas Corpus nº 144.542: “Ementa: 4. A colidência de defesas somente
se configura se a culpa de um réu excluir a do outro, o que não ocorre na
espécie, não havendo, enquanto representados pelo mesmo defensor público,
Dr. (...), nenhum tipo de acusação recíproca entre o paciente (...) e o corréu
(...). 5. A partir do momento em que o Dr. (...) entendeu pela possibilidade de
teses conflitantes, houve a nomeação, a seu pedido, de mais um defensor para o
promovendo, ficando, assim, as alegações finais do paciente (...) subscritas
pela defensora pública Drª. (...) e as do corréu (...), pelo defensor público Dr.
(...), tendo, cada qual, apresentado defesas específicas para a situação
retratada nos autos.
664
comunicação por parte do acusado a favor daquele terceiro, para tentar solucionar o conflito
momentâneo e requeredor de imediata decisão, pode o colegiado tentar contato telefônico
com o servidor, a fim de que este confirme ter ciência da postulação e, ato contínuo, envie por
escrito uma procuração (ou uma simples autorização para o ato), por correio eletrônico
institucional ou particular, ou ao menos que concorde com a elaboração de termo de
ocorrência relatando o fato e que o advogado firme compromisso de fornecer a procuração no
prazo legal, sob pena de representação à OAB. Do contrário, na ausência de tais providências,
o acesso ou a participação devem ser indeferidos. Reitera-se que qualquer incidente desta
natureza, à margem da necessária procuração, protagonizado por um terceiro qualquer que se
intitula procurador do acusado mas que não tem a qualidade de ser advogado deve ser
inequivocamente indeferido pela comissão.
Em decorrência da citada cláusula de reserva, a ampla representatividade de entidade
sindical não se faz refletir no processo disciplinar. O sindicato ou qualquer outra associação
de classe do acusado, tão somente em função de sua representatividade coletiva, não tem
direito de acesso aos autos e de acompanhar o processo, nem mesmo por algum advogado
especificamente integrante do seu corpo jurídico. Obviamente que isto não afasta a
prerrogativa, à luz do princípio do formalismo moderado, de o acusado constituir nos autos,
mediante regular procuração, algum membro da entidade classista para atuar como seu
procurador, hipótese em que, especificamente como tal, ele terá livre acesso.
Mas, não possuindo o instrumento de mandato, não cabe o representante sindical,
alegando seu poder de representatividade classista em defesa do interesse do associado,
postular ou acompanhar informalmente (sem procuração ou sem constar do termo ao final por
todos assinado) ato de instrução. Se, por um lado, é verdade que a Lei nº 9.784, de 1999, nos
incisos III e IV de seu art. 9º, reconheceu direitos a organizações ou associações
representativas, por outro lado, restringiu a prerrogativa de atuarem como interessados apenas
no tocante a direitos coletivos ou difusos, enquanto o processo disciplinar é subjetivo e
pessoal, interessando apenas ao acusado e a seu procurador legalmente constituído.
Lei nº 9.784, de 1999 - Art. 9º São legitimados como interessados no processo
administrativo:
III - as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e
interesses coletivos;
IV - as pessoas ou as associações legalmente constituídas quanto a direitos ou
interesses difusos.
164 da Lei nº 8.112, de 1990. Neste caso, não se cuida essencialmente de garantir o
contraditório, posto que já suprido com a prerrogativa de acompanhar a instrução, mas sim de
cláusula de ampla defesa, de ter peça escrita de defesa autuada antes da decisão, nem que seja
redigida por terceiro. Quisesse o legislador autorizar o emprego de um defensor designado
para atos processuais, ele teria manifestado de forma expressa, conforme fez no incidente da
revelia.
O tema foi abordado na Nota Técnica Coger nº 2005/6.
Nota Técnica Coger nº 2005/6: “Ementa: Não cabe a designação de defensor
ad hoc ou dativo para quaisquer atos da instrução probatória - oitivas de
testemunhas, diligências, formulação de quesitos para perícia/assistência
técnica, etc -, nos quais o acusado e/ou seu procurador não comparecem, desde
que tenha sido o acusado regularmente notificado. (...) Somente existe expressa
previsão legal para designação de defensor dativo com o fim de elaborar
defesa escrita de indiciado revel. (...)”
Daí se extrai que, da forma legalmente prevista, a garantia constitucional da ampla
defesa será obrigatoriamente exercida na fase de defesa escrita, pois o processo disciplinar
não segue para julgamento sem este requisito essencial, conforme também entende a doutrina.
“Assim, durante todo o processo, estando o acusado em local conhecido,
mesmo que ele se demonstre apático aos chamados anteriores, continuará a ser
avisado de todos os atos da Comissão para poder deles participar e/ou contra
eles arguir alguma oposição. Destarte, se ele preferir não se manifestar, ficar
alheio ao processo, mesmo tendo a Comissão jamais cessado de convidá-lo a
exercer sua ampla defesa durante toda a fase instrutória do processo, a
Comissão não precisará designar defensor ad hoc para os atos para os quais o
acusado não quis participar. Mas é imprescindível que a Comissão junte ao
processo todas as intimações entregues ao acusado, com a sua assinatura de
recebimento, sem as quais o processo fatalmente será anulado, pois não haverá
nos autos a comprovação imprescindível de que foi dada ao acusado a
oportunidade de se defender.
Entretanto, conforme previsto pela Lei 8.112/90, se ele não apresentar a defesa
escrita, que é a última peça de defesa prevista no processo disciplinar, apenas
neste caso, será dado a ele um defensor dativo, nos termos do § 2º do art. 164
da Lei 8.112/90 (...).
Assim, em princípio, a Súmula nº 5 do STF revigorou a sistemática da Lei
8.112/90 e estabeleceu que o acusado tem apenas a faculdade de se fazer
defender durante todo o processo, não podendo se obrigar a Administração a
providenciar a defesa do servidor durante a fase instrutória, mas apenas ao
final do processo, se o indiciado regularmente citado não apresentar sua defesa
escrita.”, Vinícius de Carvalho Madeira, “Lições de Processo Disciplinar”, pg.
158, Fortium Editora, 1ª edição, 2008
No curso da fase de inquérito administrativo, a comissão atua como o agente público
competente para a condução e, como tal, sujeita-se ao princípio da legalidade, com o que só
lhe é dado fazer aquilo que a lei expressamente lhe permite. Assim, independentemente da
nomenclatura que se empregue (ad hoc ou dativo), age sem amparo da Lei a comissão que,
diante da realização de ato instrucional sem a presença do acusado ou de seu procurador, em
que pese a regular notificação, designa (ou solicita que se designe) defensor estranho aos
autos para acompanhar, em nome da defesa, aquele ato específico, conforme novamente
concorda a doutrina.
“O servidor implicado tem o direito de acompanhar todo o procedimento e dele
participar e não o dever de assim proceder.
Trata-se, portanto, de faculdade que lhe é conferida por lei, exercitável, a seu
exclusivo juízo de oportunidade, a qualquer momento. Inafastável, na forma da
lei, é a apresentação da defesa escrita, após o ato formal de indiciamento,
como se verá mais tarde. (...)
670
advogado é uma faculdade de que o servidor dispõe, que lhe é conferida pelo art. 156 da Lei
nº 8.112, de 1990, e não uma obrigatoriedade (exatamente da forma como já se discorreu em
4.3.6.1, sendo tal dispositivo legal um reflexo direto do princípio do formalismo moderado).
Ademais, o Excelso Pretório reafirmou o entendimento de que o defensor dativo somente
deve ser designado, além da hipótese de revelia prevista no art. 164 da Lei nº 8.112, de 1990,
quando a defesa apresentada se mostrar absolutamente incapaz de contestar as imputações,
tema que mereceu apreciação doutrinária.
“Além disso, mesmo ausente a defesa própria ou por procurador, a lei só exige
a nomeação de defensor dativo quando o acusado, ao final do processo,
indiciado e citado para apresentar a defesa escrita, não o faz (conforme o art.
164 da mesma lei). Não existe revelia enquanto não se chega a esta fase final
do processo disciplinar. Não há previsão de defensor ad hoc nem dativo
durante o processo. E mais, mesmo no caso de haver a indicação de dativo por
falta de apresentação dessa defesa escrita, este dativo não precisa ser sequer
bacharel em direito, basta ser servidor de cargo efetivo superior ou do mesmo
nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado. Este é o
comando da Lei 8.112/90.
O que a 5ª Súmula Vinculante do STF explicita é que, quando o acusado segue
o art. 156 da Lei 8.112/90 e opta por se defender pessoalmente ou por defensor
não inscrito na OAB (não advogado), está abrindo mão de sua faculdade de
contratar advogado técnico em Direito, mas a Administração Pública que o
condena neste tipo de processo não está ferindo a Constituição, pois o princípio
da ampla defesa e o do contraditório não incluem, necessariamente, a presença
de defensor especialista em Direito (Advogado inscrito na OAB). Ou seja, o
STF vaticinou que basta que ao acusado tenha sido franqueada a possibilidade
de exercer sua ampla defesa utilizando todos os meios e recursos admitidos em
Direito, e se ele não quis utilizar todos este meios e recursos, não haverá
afronta à Constituição.”, Vinícius de Carvalho Madeira, “Lições de Processo
Disciplinar”, pgs. 150 e 151, Fortium Editora, 1ª edição, 2008
De se destacar que tal hipótese de situação excepcional muito bem levantada pelo STF
em nada inova o entendimento até então reinante na Administração e muito menos enfraquece
o condão e a aplicabilidade do julgado, pois tão somente reflete a possibilidade, desde sempre
aceita na processualística disciplinar, de o servidor, devidamente indiciado e citado a
apresentar defesa, diante da complexidade que possa exigir a contestação dos fatos a ele
imputados e de sua pouca habilidade ou até mesmo desinteresse para fazê-lo, vir a apresentar
aquilo que se entende por defesa inepta ou insuficiente, que não satisfaz às máximas da ampla
defesa, ou solicitando a designação de um defensor a seu favor para elaborar a peça que o
próprio se declara incapaz de fazer, restando então indefeso e justificando-se, em nova
situação excepcional, a designação, por parte da Administração, de servidor para atuar como
defensor, conforme se abordará em 4.8.5.2 e como também entende a doutrina. Mas é de se
destacar que tal situação precisa ser verificada concretamente no processo, como um corolário
do princípio do prejuízo (ter sido prejudicada a defesa, em decorrência da incapacidade de o
servidor se defender à vista da complexidade do caso concreto), não se autorizando a simples
e precipitada adoção de uma presunção de nulidade, conforme sumulara o STJ.
“Todavia, pode acontecer de o indiciado apresentar uma defesa escrita tão
ruim, que será como se ele estivesse indefeso. Às vezes, mesmo a defesa
apresentada por advogado é tão fraca que a Administração não pode fingir que
o acusado se defendeu, pois a defesa precisa ser efetiva, ainda que apenas no
final do processo. Portanto, se acontecer de a defesa escrita apresentada pelo
acusado ou por seu defensor ser muito fraca, a Administração terá que
considerá-lo revel e nomear para ele um defensor dativo.
Entendo que foi nesse sentido que, nos debates entre os Ministros do STF, no
julgamento do RE 434059 que deu origem à Súmula vinculante nº 5, se levantou
a questão de que, na eventualidade de ‘o processo ser muito complexo e fugir à
compreensão do servidor para que ele próprio se defenda’, seria necessária a
674
matéria, tanto judicial quanto administrativamente, mas impediu que injustiças sejam
cometidas, como os casos de acusados que, ao se valerem da pretensa obrigatoriedade da
defesa técnica, apenas se mostravam inertes, renunciando ao direito de nomear um
profissional habilitado, e, após sofrerem a aplicação da pena de demissão, conseguiam a sua
reintegração por via judicial, acabando por se beneficiar da suposta nulidade a que eles
mesmos teriam dado causa.
eles, o seu presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de
mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado.
(Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10 de dezembro de 1997)
Art. 150. A Comissão exercerá suas atividades com independência e
imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido
pelo interesse da administração.
Parágrafo único. As reuniões e as audiências das comissões terão caráter
reservado.
Art. 152.
§ 2º As reuniões da comissão serão registradas em atas que deverão detalhar
as deliberações adotadas.
Art. 156. É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo
pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir
testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se
tratar de prova pericial.
A Lei nº 8.112, de 1990, estabelece um salutar equilíbrio de forças ao prever, de um
lado, no caput do seu art. 149, o poder condutor do rito a cargo da comissão e, de outro lado,
no caput do seu art. 156, ao assegurar ao acusado os direitos ao contraditório e à ampla defesa
acerca dos atos instrucionais, lato sensu, que atuam de forma direta ou mesmo indireta na
formação de convicção e de convencimento. Neste enfoque amplo e abrangente, aquelas
garantias fundamentais se concretizam não só na prerrogativa de o acusado (e/ou de seu
procurador) participar do ato de coleta de prova e nele atuar, bem como de contestar as provas
porventura contra ele coletadas e ainda de apresentar as suas próprias provas, tanto já
devidamente materializadas e hábeis para de pronto serem encartadas nos autos quanto ainda
na forma de pedidos de atos instrucionais a serem realizados pelo colegiado e, por fim, de
manifestar discordância quanto ao resultado de deliberações da comissão de cuja ata tenha
sido notificado.
Todavia, esta extensa tutela a favor da defesa não inclui a faculdade de o acusado (ou
seu procurador) participar das reuniões deliberativas da comissão, visto que, primeiramente,
estes em si são meros atos do mundo concreto ainda à margem do foro jurídico processual e,
além disto, jamais se consubstanciam em prova ou em elemento formador de convicção ou de
convencimento que possa ser contrário a interesses da defesa. As reuniões deliberativas da
comissão não se confundem com atos de coleta de provas; quando muito, podem ser apenas a
conjectura e o planejamento da futura realização de um ato processual, este sim sujeito à
faculdade do contraditório.
Ainda antes dos atos de coleta de prova, mencionam-se as atas de deliberação. Estas
atas, diferentemente das concretas reuniões de que decorrem, já integram o mundo jurídico,
pois consubstanciam como termo autuado no processo os resultados porventura atingidos pelo
colegiado em suas discussões, estudos ou conjecturas. Uma vez que a comissão deve notificar
o acusado do teor de suas atas de deliberação, estes termos processuais sujeitam-se à
faculdade de a defesa exercer sobre eles o contraditório. Ainda assim, destaque-se que mesmo
as atas de deliberação tão somente se prestam, em nome da transparência da condução, a
registrar nos autos a sequência de atos a serem realizados - seja de ofício, seja por pedido da
parte -, e, igualmente às reuniões deliberativas, jamais se confundem com os atos de instrução
probatória porventura discutidos e planejados e de futura coleta deliberada.
É de se compreender, portanto, que as reuniões da comissão e a redação das
respectivas atas de deliberação são atos exclusivos do colegiado, como resultado da soberana
e autônoma condução do rito que o caput do art. 149 da Lei nº 8.112, de 1990, lhe confere. E
esta visão sistemática da Lei nº 8.112, de 1990, crescentemente enrobustece o entendimento
ora defendido ao se verificar que o já mencionado § 2º do seu art. 152, em redação ainda mais
inequívoca que a do discutido parágrafo único do seu art. 150, cita as “reuniões da comissão”.
O sentido excludente da expressão é cristalino, em que o complemento nominal “da
comissão” tem inequívoco efeito possessivo em relação a “reuniões”. Houvesse possibilidade
680
ao contrário (qual seja, de participação do acusado de tais reuniões), neste ponto, o legislador
teria expressado a permissão ou empregado complemento mais genérico para se referir às
reuniões.
O contraditório a favor do acusado se manifesta e se assegura com a garantia a ele
ofertada de contestar aquilo que foi registrado pela comissão nas suas atas de deliberação, mas
jamais de participar das reuniões deliberativas e de interferir na redação das atas. Este
entendimento em nada fere as inequívocas garantias de ampla defesa, de contraditório, de
devido processo legal e de publicidade, visto que, ato contínuo a qualquer deliberação
soberana da comissão, este colegiado obriga-se a notificar a defesa, com o que esta pode
contestar o objetivo da decisão. Qualquer que seja o teor de uma ata que contrarie interesses
do acusado e qualquer que seja a natureza do ato ali deliberado (mero ato interlocutório,
resposta a um questionamento, decisão de realização ex officio de ato de instrução ou
indeferimento de algum pedido da defesa), a garantia ao direito de contraditar restará
assegurada com a obrigatória notificação à defesa, com o que a parte poderá, motivadamente,
contestar convicções a seu desfavor ou apresentar pedido de contraprovas a seu favor.
Não cabe ao acusado o “abuso de defesa” de se considerar partícipe legal das reuniões
internas da comissão. A comissão é um ente jurídico dotado não só de isenta e técnica
oficialidade mas também de seus próprios métodos, conhecimentos, certezas, convicções,
divagações, presunções, concordâncias, discordâncias, dúvidas e demais balizamentos de
quaisquer atividades humanas, que, para serem harmonizados, requerem certo grau de ajuste e
de organização de sua dinâmica interna, vez que é um colegiado composto de três pessoas.
Fazer com que o acusado participe de suas reuniões internas e atue na lavratura das
respectivas atas equivaleria a minar dos integrantes da comissão direitos seus fundamentais e
inerentes a qualquer pessoa.
A liberdade na construção intelectual, no encadeamento de ideias, na formação do
raciocínio, na conjectura de decisões, na discussão de rumos a serem tomados e na
manifestação de pensamentos, de opiniões e de objetivos protegida de constrangimentos ou
coações não só constitui, naturalmente, valor intrínseco de qualquer pessoa como também,
juridicamente, é pilar fundamental do Estado Democrático de Direito para qualquer cidadão.
Não se coaduna com o bom Direito, apenas pelo fato de que, naquele momento, elaboram ato
administrativo com potencialidade de atingir relevantes bens jurídicos do acusado, eliminar
daquelas três pessoas integrantes da comissão tais garantias fundamentais, ainda que
exercitadas, de forma peculiar, ex officio e em trio.
Mais que isto, repisa-se a natureza inafastavelmente abstrata que caracteriza conceitos
como convicções, ideias, pensamentos, conjecturas, discussões, estudos, projeções, objetivos
ou estratégias. São ilimitadas potencialidades inerentes à condição humana e que, enquanto
apenas objeto de reunião entre pessoas, mantêm-se à margem do processo concreto. Os
integrantes da comissão, mesmo no exercício de seu múnus público, têm mantidas suas
garantias fundamentais para o exercício daquelas potencialidades em momentos reservados
somente seus. Mas, uma vez manifestados aqueles conceitos pela comissão por meio de ata de
deliberação, materializada como termo no processo, ganham contorno e valor jurídico. A
partir deste momento, obriga-se a comissão a dar àquelas suas construções abstratas a devida
publicidade a quem interessa, ou seja, ofertando ao acusado a prerrogativa de contestar
juridicamente o teor de suas atas de deliberação.
A mera reunião em si dos membros da comissão bem como o ato contínuo de elaborar
a ata de deliberação decorrente não trazem nenhum prejuízo à defesa. O que importa para a
defesa é apenas o resultado concreto que pode (não necessariamente) advir de tal reunião em
termos de elementos processuais autuados na ata de deliberação. Tudo mais que ocorrer
envolvendo aqueles três integrantes (tais como seus diálogos, discussões, trocas de
informações, de opiniões e de conclusões na sala da comissão ou mesmo em qualquer outro
local) até o instante que antecede a autuação no processo da ata de deliberação em nada
681
afronta ou cerceia direitos do acusado, vez que tais manifestações orais ou de qualquer outra
natureza informal não se autuam; o prejuízo ao acusado - e consequentemente a tutela jurídica
- somente surge com a eventual concretização de alguma decisão autuada como ata no
processo, uma vez que somente passa a fazer parte do processo, juridicamente, aquilo que se
faz constar da ata de deliberação. Toda a demais dinâmica do ato concreto de três pessoas se
reunirem que restar à margem da ata também restará à margem do processo e,
consequentemente, de eventual imputação de responsabilidade e, em última análise, não terá
provocado o objetivo teleológico do legislador em assegurar a prerrogativa do contraditório a
favor do acusado. Tanto é assim que, relembrando o relevante conjunto de bens jurídicos a
favor do acusado que o legislador quis tutelar, tem-se que novamente o já mencionado § 2º do
art. 152 da Lei nº 8.112, de 1990, determinou o registro formal das deliberações em ata
autuadas no processo, a fim de que não possa a comissão agir com arbítrio ou com
subterfúgios e a parte seja notificada e possa contestar, exercendo seu contraditório, de forma
a não haver nesta dinâmica nenhum prejuízo às suas garantias fundamentais.
O caráter reservado igualmente aplicado às reuniões da comissão e às audiências (aqui
entendidas como provas orais, de que são exemplos as oitivas de testemunhas, as acareações e
os interrogatórios de acusados) significa que tais atos não podem ser realizados na presença
de terceiros que não guardam nenhuma relação com o processo. Mas isto não significa que a
Lei nº 8.112, de 1990, tenha igualado os modus operandi destes atos distintos e de natureza
díspares.
Enquanto as audiências são, em essência, elementos de prova por serem atos de que se
coletam convicção e convencimento, as reuniões internas da comissão são meros atos de
organização procedimental que até podem, como exemplo, deliberar a realização de ato
probatório mas não são em si o ato de prova. Assim, o contraditório recai inequivocamente e
sem restrições ou limites, a favor da defesa, sobre aqueles atos formadores de convencimento,
de que são rico exemplo as audiências, nas quais a garantia fundamental se concretiza com a
efetiva participação do acusado (e/ou de seu procurador), inquirindo e reinquirindo. Mas não
há que se cogitar, a menos que se abrace tese distorcida e de abuso de defesa, de garantia de o
acusado ser coparticipe das reuniões que refletem o poder-dever exclusivo da comissão de
conduzir o rito procedimental.
Ademais, é de se lembrar que o parágrafo único do art. 150 da Lei nº 8.112, de 1990,
como de outra forma não poderia ser, é de ser lido em harmonia com o caput do mesmo
artigo. Aquele artigo inicia-se estabelecendo que “A comissão exercerá suas atividades com
independência imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou
exigido pelo interesse da administração”, para depois ser sucedido pelo mencionado
parágrafo único, que estabelece o caráter reservado das reuniões da comissão e das
audiências. Ou seja, antes mesmo de dizer que as reuniões da comissão e as audiências não
podem ser presenciadas por terceiros, a citada Lei assegurou, no exercício das atividades da
comissão, o sigilo necessário à elucidação do fato. É de se compreender, nos termos já
expostos em 2.5.6.2.1, que o termo “reservado” se insere, como espécie, no termo “sigilo”,
em gênero, de forma que o parágrafo único em nada destoa do caput do art. 150 da Lei nº
8.112, de 1990. Convém aqui reforçar que o sigilo de que trata o art. 150 da Lei nº 8.112, de
1990, não é, em sua essência, uma cláusula de garantia a favor do acusado, mas sim uma
instrumentalidade a favor da Administração, para garantir as devidas apurações, conforme
também compreende a doutrina.
STJ, Mandado de Segurança nº 7.983: “Ementa: (...). 2. A eventual quebra do
sigilo das investigações, com suposto vazamento de informações à imprensa,
não tem o condão de revelar processo administrativo falho, porquanto o sigilo,
na forma do art. 150 da Lei n. 8.112/90, não é garantia do acusado, senão que
instrumento da própria investigação.”
STJ, 13.656: “Ementa: (...) V - O sigilo de que trata o art. 150 da Lei n.º
8.112/90, é aquele “necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse
682
161, 164 e 165, todos da Lei n° 8112/90, o em. órgão ministerial afirmou que
‘tais dispositivos regulam a forma como o direito de defesa do servidor,
consubstanciado no direito de presença e de audiência, poderá ser exercido no
curso do procedimento até a apresentação do relatório conclusivo pela
comissão. O servidor poderá participar das audiências realizadas pela
Comissão processante, nos termos dos artigos da Lei acima destacados, mas
não das reuniões - apesar de ambas terem caráter reservados (parágrafo único
do art. 150) -, por absoluta ausência de previsão legal’. (...)”
“Os atos dinamizados pela comissão de processo são formalizados em atas,
termos, despachos e ofícios. Toda vez os membros desse colegiado se reunirem
para estudo e deliberação sobre o andamento do processo, deverá o secretário
fazer constar de ata as soluções adotadas. Daí o comando expresso, nesse
sentido, do Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União (Lei nº
8.112/90), proclamando que ‘as reuniões da comissão serão registradas em
atas que deverão detalhar as deliberações adotadas (art. 152, § 2º)’.”, José
Armando da Costa, “Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar”,
pg. 226, Editora Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005
“Primeiras Ações da Comissão (...) a Comissão deverá abrir o processo
oficialmente por meio da Ata de Instalação da Comissão. Nessa ata, a
Comissão vai dizer quais as medidas iniciais que pretende tomar (...). Em
seguida, a Comissão deliberará acerca das diligências e provas que devam ser
colhidas, escolherá as testemunhas que serão intimadas para depor (art. 157,
parágrafo único, Lei nº 8.112/90) e já poderá, inclusive, marcar as datas dos
depoimentos.”, Vinícius de Carvalho Madeira, “Lições de Processo
Disciplinar”, pg. 100, Fortium Editora, 1ª edição, 2008
“Instalada a comissão, providência que deverá ser adotada imediatamente
após o ato de sua designação, os membros que a integram deverão reunir-se
para conhecer os fatos denunciados, sobre eles trocar idéias e estabelecer a
melhor forma ou o critério mais adequado para a condução dos procedimentos
apuratórios e coleta de provas necessárias, materiais, testemunhais e
periciais.”, Francisco Xavier da Silva Guimarães, “Regime Disciplinar do
Servidor Público Civil da União”, pg. 117, Editora Forense, 2ª edição, 2006
“O início dos trabalhos de sindicância ou de processo disciplinar exige o
planejamento da prova a ser produzida (...). Os responsáveis pela instrução,
consequentemente, deverão identificar os meios de esclarecimento dessas
questões e organizar uma pauta a ser cumprida, distribuindo, quando for o
caso, as diligências e aprazando os atos a serem praticados em audiência.
Cumprido o roteiro, a comissão, em nova reunião, decidirá sobre as medidas
complementares.”, Leo da Silva Alves, “Sindicância e Processo Disciplinar em
50 Súmulas”, pg. 44, Editora Brasília Jurídica, 1ª edição, 2005
“Modelo 18 - Ata de trabalhos - Aos ... dias do mês de ... do ano de dois mil ...,
às ... horas, na sala de Comissão de ... (CPAD ou CSP), no ...º andar da ...,
localizada à Av. ..., nº ..., bairro ... - ..., presentes os servidores ..., ... e ...,
respectivamente presidente e membros da Comissão de ..., instituída pela
Portaria nº ..., de ... de ... de 20..., publicada no BS nº ..., de .../.../... (modificada
pela Portaria nº ..., de ... de ... de 20..., publicada no BS nº ..., de .../.../...), que
apura a denúncia constante no processo Administrativo nº ... e apensos nº ...,
reuniu-se a referida Comissão, como tem feito diariamente desde a instalação
dos trabalhos. Aberta a sessão, foram determinadas as seguintes providências:
(...). Nada mais havendo a ser tratado, foi lavrado o presente termo que vai
assinado pelo Presidente e demais membros.”, Adriane de Almeida Lins e
Debora Vasti da Silva do Bonfim Denys, “Processo Administrativo Disciplinar
- Manual”, pgs. 325 e 326, Editora Fórum, 1ª edição, 2007
direito onde o legislador não previu, tem-se que a notificação inicial como acusado não veda a
aposentadoria por invalidez e a aposentadoria compulsória, até porque, presume-se, estes
institutos se configuram por motivos alheios à vontade do servidor. A segunda é que aquela
condição não impede que o servidor, no decorrer do processo disciplinar, seja exonerado, a
pedido, de um cargo para ocupar outro da mesma esfera de governo, desde que continue
vinculado ao mesmo regime disciplinar, segundo a manifestação do Departamento
Administrativo do Serviço Público (Dasp), por meio de sua Formulação Dasp nº 1.
Formulação Dasp nº 1. Exoneração a pedido
Não contraria o disposto no art. 231 do Estatuto dos Funcionários a
exoneração que não exclua o indiciado do serviço público federal quer porque
acumulasse cargos, quer porque a exoneração resulte da posse noutro cargo da
mesma esfera.
(Nota: O art. 231 do antigo Estatuto vedava a exoneração a pedido de acusado,
similarmente ao atual art. 172 da Lei nº 8.112, de 11/12/90.)
A propósito, a despeito de o caput do art. 172 da Lei n° 8.112, de 1990, não ter
expressado, a interpretação sistemática do próprio diploma legal informa e impõe que também
não cabe a Administração indeferir pedido de vacância do cargo ocupado por servidor
acusado em processo disciplinar na hipótese de posse em outro cargo inacumulável, inclusive
com a possibilidade de ser reconduzido ao cargo original, diante de eventual inabilitação no
estágio probatório do segundo provimento, conforme preveem em conjunto o inciso I do art.
29 e o inciso VIII do art. 33 daquela Lei.
Aqueles comunicados da condição de acusado às autoridades correcional e local
também se justificam por força da normatização infralegal e interna. Desde norma editada ao
tempo em que a matéria correcional era exercida na linha hierárquica e sem o aprimoramento
sistêmico hoje experimentado (a saber, o art. 10 da Portaria Mare/SRH nº 2, de 14 de outubro
de 1998) e agora consubstanciada no caput e no inciso I do art. 8º da Portaria Coger-MF nº
42, de 2013, e no caput e no inciso I do art. 8° da Portaria RFB n° 6.483, de 29 de dezembro
de 2017, no curso do processo disciplinar, a possibilidade de ser removido, o gozo de
determinados direitos funcionais (tais como férias e licenças e afastamentos que a
Administração tenha poderes discricionários para conceder) e até mesmo a realização de
deslocamentos para fora da sede da unidade de lotação (ou de exercício), por parte do
acusado, dependem de autorização da autoridade instauradora.
Portaria Normativa Mare/SRH nº 2, de 1998 - Art. 10. É facultado ao
Presidente da Comissão, quando julgar necessário, solicitar à chefia imediata
do servidor acusado em processo de sindicância ou processo administrativo
disciplinar, a reprogramação de suas férias.
Portaria Coger-MF nº 42, de 2013 - Art. 8º O servidor que estiver respondendo
a sindicância disciplinar ou processo administrativo disciplinar:
I - somente poderá ser removido ou autorizado a entrar de férias, licenças ou
qualquer tipo de afastamento que a administração tenha poderes
discricionários para conceder, bem assim deslocar-se a serviço para fora da
sede de sua unidade, após o julgamento do processo, salvo se expressamente
autorizado pela autoridade instauradora;
II - deve atender imediatamente a qualquer convocação da comissão
disciplinar.
Portaria RFB n° 6.483, de 2017 - Art. 8º O servidor que estiver respondendo a
sindicância disciplinar ou a PAD:
I - somente poderá ser removido ou autorizado a entrar de férias, licenças ou
qualquer tipo de afastamento que a administração tenha poderes
discricionários para conceder, bem assim deslocar-se a serviço para fora da
sede de sua unidade, após o julgamento do processo, salvo se expressamente
autorizado pela autoridade instauradora;
II - deve atender imediatamente a qualquer convocação da comissão
687
disciplinar..
Diante dos termos genéricos empregados, na expressão “ser removido ou autorizado a
entrar de férias, licenças ou qualquer tipo de afastamento que a Administração tenha poderes
discricionários para conceder”, é de se buscar o exato alcance do comando normativo.
A remoção, conforme o art. 39 da Lei nº 8.112, de 1990, é o deslocamento do servidor
no âmbito da RFB, mudando ou não de sede, e pode ser de ofício (no interesse da
Administração) ou a pedido (a critério da Administração ou independente do seu interesse).
Uma vez que os dois comandos normativos acima não delimitaram, é claro que a vedação em
comento para servidor que figura como acusado em processo disciplinar alcança todas as
espécies de remoção, indistintamente (com destaque óbvio para a hipótese de o acusado
peticionar por sua remoção, já que a hipótese de a Administração ter intenção de remover
servidor que responde a processo disciplinar parece menos factível).
Prosseguindo, a Lei nº 8.112, de 1990, estabelece, em seu Título III, a lista dos direitos
e vantagens funcionais. Assim, além do vencimento e da remuneração (no Capítulo I), as
vantagens (no Capítulo II) são as indenizações, as gratificações e os adicionais, a que se
somam, no que aqui interessa, as férias (no Capítulo III), as licenças (no Capítulo IV) e os
afastamentos (no Capítulo V). Da imediata leitura da literalidade legal, extrai-se que, se o
Capítulo II congrega as vantagens, os demais Capítulos do Título III apresentam espécies
diversas de direitos. Férias, licenças e afastamentos, portanto, são espécies do gênero direitos
e, enquanto os arts. 77 e 78 da Lei nº 8.112, de 1990, não permitem margem de
discricionariedade na auferição do direito a trinta dias de férias, as licenças e os afastamentos
se desdobram em diversas espécies, em geral concedidas a critério da Administração e com
poucas hipóteses de direito totalmente à margem do poder discricionário estatal, conforme se
apresenta. A Lei nº 8.112, de 1990, estabelece, entre seus arts. 81 e 96-A, a licença por
motivo de doença em pessoa da família, a licença por motivo de afastamento do cônjuge, a
licença para o serviço militar, a licença para atividade política, a licença para capacitação (que
sucedeu a licença prêmio por assiduidade), a licença para tratar de assuntos particulares e a
licença para o desempenho de mandato classista; o afastamento para servir a outro órgão ou
entidade, o afastamento para exercício de mandato eletivo, o afastamento para estudo ou
missão no exterior e o afastamento para participação em programa de pós-graduação stricto
sensu.
Deste rol, apenas a licença para o serviço militar, a licença para atividade política, a
licença para o desempenho de mandato classista e o afastamento para exercício de mandato
eletivo não comportam nenhuma discricionariedade a favor da Administração. Some-se que a
licença para tratamento de saúde, a licença por acidente em serviço, a licença à gestante e à
adotante e a licença-paternidade estão definidas nos arts. 202 a 214 da Lei nº 8.112, de 1990,
inseridas no Título VI, da Seguridade Social, e especificamente incluídos como benefícios
(Capítulo II) e não como direitos funcionais, estando portanto fora do alcance das normas em
comento. O fato de o servidor responder processo disciplinar não prejudica a fruição daqueles
direitos e a obtenção destes benefícios, até porque seu gozo não passa por discricionariedade a
favor da Administração.
Em resumo, o caput e o inciso I do art. 8º da Portaria Coger-MF nº 42, de 2013, e o
caput e o inciso I do art. 8º da Portaria RFB nº 6.483, de 2017, a priori - salvo autorização da
autoridade instauradora -, vedam que servidor acusado em processo disciplinar seja removido
de ofício ou a pedido, entre de férias ou entre de licenças por motivo de doença em pessoa da
família, por motivo de afastamento do cônjuge, capacitação (ou prêmio por assiduidade) ou
para tratar de assuntos particulares ou ainda entre em afastamento para servir a outro órgão ou
entidade, para estudo ou missão no exterior ou para participação em programa de pós-
graduação stricto sensu ou ainda demais licenças ou afastamentos que porventura venham a
contemplar parcela de discricionariedade a favor da Administração para conceder, conforme
também pontua a doutrina, inclusive do Ministério da Transparência, Fiscalização e
688
pessoas e esta pode emitir automaticamente a certidão de nada consta (que o sistema
denomina de “Consulta a Procedimento Disciplinar” ou informalmente chamado de “Nada
Consta Coger”) e dar o prosseguimento regular ao pleito. Caso haja registro atual ou pretérito
de natureza disciplinar nos assentamentos do servidor, o sistema apenas informa a existência
de ocorrência (sem descrevê-la) e indica que a unidade de projeção de gestão de pessoas
consulte, por via do correio eletrônico institucional, o sistema correcional, a fim de que este se
pronuncie sobre a ocorrência.
Na prática, a forma desta consulta da unidade de projeção de gestão de pessoas ao
sistema correcional pode variar em função da natureza do pedido do servidor, a qual, por sua
vez, pode acarretar diferentes espécies e durações de afastamento pleiteado, importando em
distintos graus de rigidez de controle para sua concessão, em face da necessidade de
prosseguimento dos trabalhos correcionais. Por um lado, no caso de o pedido ser para apenas
gozar férias, a unidade de projeção de gestão de pessoas pode consultar diretamente a
autoridade instauradora (que, em geral, é o Chefe do respectivo Escor), a fim de que esta
verifique com a comissão a possibilidade ou não de o servidor ser liberado naquele período
delimitado. Por outro, no caso de pedidos de maior repercussão, como licenças de média ou
longa duração, exoneração e aposentadoria, a unidade de projeção de gestão de pessoas deve
consultar, através do correio eletrônico institucional, o Sesad, a fim de que este se pronuncie,
por meio de uma informação disciplinar, acerca da possibilidade ou não de o servidor ter seu
pleito deferido, em função de haver registro atual (ou até pretérito, dependendo do tipo de
pedido) de natureza correcional, nos termos disciplinados pela Portaria Coger/Cogep nº 1, de
2011.
Portaria Coger/Cogep nº 1, de 2011 - Art. 3o O documento comprobatório de
que o servidor não responde a sindicância ou PAD, não sofreu penalidade e
não teve o registro de extinção de punibilidade por prescrição nos
assentamentos funcionais, denominado “Consulta a procedimento disciplinar”,
é emitido com base nos registros lançados no sistema SA3.
Art. 4o Havendo qualquer registro disciplinar relacionado ao servidor
pesquisado, o banco de dados emitirá um alerta para que a Corregedoria-
Geral seja consultada e se pronuncie por meio do Serviço de Controle da
Atividade Correcional (Secac) da Corregedoria-Geral da RFB (Coger), que
emitirá uma Informação Disciplinar Coger/Secac.
§ 2o A consulta deverá ser formulada por meio do correio eletrônico
corporativo da RFB e encaminhada ao Serviço de Controle da Atividade
Correcional da Coger, e deverá conter o nome do servidor, a matrícula
siapecad e a motivação da consulta.
§ 3o Os registros disciplinares cadastrados no sistema SA3 não incluem as
reintegrações precárias ou definitivas de servidores e não contempla,
igualmente, as interrupções, suspensões ou anulações de processos. Nesses
casos, o sistema emitirá um alerta para que a Corregedoria-Geral seja
consultada.
Art. 5º A comunicação de que trata o art. 9º, da Portaria RFB nº 3.131, de 15
de julho de 2011, deverá ser estendida ao Chefe do Núcleo de Corregedoria
para os processos acompanhados por aquela unidade, exclusivamente para fins
de registro no SA3.
Esclareça-se a necessidade de, além do escopo deste tópico, o sistema correcional e as
unidades de projeção de gestão de pessoas também terem controle da existência de registros
pretéritos de natureza disciplinar no assentamento do servidor, tais como já ter sido punido ou
já ter tido conclusão de cometimento de infração com punibilidade prescrita. Há direitos
funcionais cuja regulamentação interna estabelece restrição de gozo não só ao servidor que,
ao tempo do pedido, esteja respondendo a processo disciplinar, mas também àquele que já
tenha sofrido punição ou que tenha registro de punibilidade prescrita, bem como também
pode haver repercussões de natureza gerencial, como vedações para candidaturas em certames
internos para designação para cargos em comissão ou para ocupação de funções de confiança.
693
De se destacar, todavia, que todas estas espécies de repercussões pretéritas se limitam aos
prazos de três e de cinco anos que o art. 131 da Lei nº 8.112, de 1990, estabelece para as
penas de advertência e de suspensão, conforme se aduzirá em 4.10.6.3.
Nesta linha, relembre-se o já aduzido em 2.5.7, de que a celebração de Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC) deve ser registrada nos assentamentos funcionais do servidor,
que este registro tem validade por dois anos contados após a vigência do acordo e de que a
existência de tal registro válido impede a fruição do mesmo benefício pelo autor, conforme
estabelecem o art. 5º e o caput do art. 9º, ambos da Instrução Normativa CGU nº 2, de 30 de
maio de 2017.
Instrução Normativa CGU nº 2, de 2017 - Art. 5° Não poderá ser firmado TAC
com o agente público que, nos últimos dois anos, tenha gozado do benefício
estabelecido por este normativo ou possua registro válido de penalidade
disciplinar em seus assentamentos funcionais.
Art. 9° O TAC será registrado nos assentamentos funcionais do agente público
e, após o decurso de dois anos a partir da data estabelecida para o término de
sua vigência, terá seu registro cancelado.
ofício acompanhado de ata de deliberação com a devida motivação, que podem ser
encaminhados por meio do correio eletrônico institucional (nos termos do art. 1º da Portaria
SRF nº 1.397, de 11 de novembro de 2002), e determinar então o emprego de tal medida
extremada já após a notificação inicial do servidor como acusado no processo, em qualquer
momento no curso da instrução, nos termos da Formulação Dasp nº 39. Sem prejuízo de um
caso específico requerer a providência imediata por parte da autoridade instauradora, como
recomendação geral, ela deve pesar que, uma vez afastado o servidor, a comissão corre maior
risco de enfrentar dificuldade para contatá-lo e notificá-lo de seu direito de acompanhar o
processo. Sendo assim, tem-se como razoável que é mais justificável a adoção da medida
preventiva após a instauração do processo e, consequentemente, após a notificação inicial do
acusado, mediante provocação do colegiado.
Formulação Dasp nº 39. Suspensão preventiva
A suspensão preventiva pode ser ordenada em qualquer fase do inquérito
administrativo.
Devem ser ponderados, na decisão da autoridade sobre a conveniência de afastar a
qualquer tempo o servidor ou de preservar a prestação de serviços, os seguintes fatores
exemplificativos: os acontecimentos, as circunstâncias da apuração e a ascendência do
servidor sobre os meios de prova, com o objetivo de se aquilatar as possibilidades de sua
influência nos trabalhos (por coação, ameaças, pressões diretas ou indiretas). Há previsão
normativa interna, inclusive, nos termos do art. 38 da Portaria Cotec nº 19, de 28 de maio de
2007, para revogação de certificado digital e-CPF de servidor afastado preventivamente.
Portaria Cotec nº 19, de 2007 - Art. 38. O presidente de comissão de
sindicância ou de comissão de inquérito é competente para solicitar a
revogação de certificado digital de funcionário da RFB quando, em processo
disciplinar, for determinado o afastamento preventivo do servidor do exercício
do cargo.
A Lei define apenas que o prazo deste afastamento preventivo é de até sessenta dias,
prorrogável por igual período. Assim sendo, a critério da autoridade instauradora, estes 120
dias que o legislador autorizou para ser aplicada a medida cautelar podem ser distribuídos em
intervalos de quaisquer durações, desde que não ultrapassem aquele limite máximo. Nada
impede que seja aplicado por um determinado período e que, uma vez que se entendam
cessados os motivos que levaram à imposição do afastamento preventivo, não seja o
afastamento prorrogado ou até mesmo seja o ato revogado ainda no curso de seu prazo (por
exemplo, caso o servidor já tenha entregue sua defesa escrita e a comissão comece a elaborar
o relatório sob vigência da portaria de afastamento do indiciado, pode o colegiado propor à
autoridade instauradora o cancelamento da medida cautelar), como também entende a
doutrina. Por outro lado, nada impede que se retome tal medida uma vez que se vislumbre a
repetição dos motivos que levaram à sua primeira adoção, respeitado sempre o limite máximo
de 120 dias.
“Como todo ato administrativo, o afastamento previsto é revogável a qualquer
tempo, pela autoridade que o determinou, uma vez entenda esta que não mais
persistem os motivos determinantes da medida.” Antônio Carlos Palhares
Moreira Reis, “Processo Disciplinar”, pg. 96, Editora Consulex, 2ª edição,
1999
“(...) Se o afastamento for inferior a 60 dias, e tiver havido uma prorrogação
(exemplo: 30 + 30), nada impede que haja outras prorrogações, por igual
período, sem que ultrapasse o máximo permitido, que é de 120 dias.” Judivan
Juvenal Vieira, “Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 229, IOB Thomson,
1ª edição, 2005
Qualquer que seja o momento em que se aplique a medida cautelar, a operação se dá
por meio de portaria da autoridade instauradora, internamente publicada e com vigência em
princípio imediata, determinando o afastamento por determinado período. O ato excepcional
697
de afastar preventivamente o servidor requer, para sua validade, a clara motivação. Assim, se
a determinação de afastar preventivamente advém da convicção da autoridade instauradora,
esta deve fazer constar a motivação em sua portaria; se o afastamento preventivo se dá por
provocação da comissão, deve a autoridade fazer remissão ao ofício do colegiado que, por sua
vez, menciona como parte integrante a ata de deliberação em que expôs sua motivação para
solicitar a medida cautelar. Prosseguindo na instrumentalidade, após a publicação da portaria,
deve a autoridade instauradora comunicar ao Superintendente, ao Chefe da Divisão de Gestão
de Pessoas da respectiva Superintendência Regional da Receita Federal do Brasil
(SRRF/Digep) e ao titular da unidade de lotação do servidor e a aplicação da medida cautelar,
informando o período de afastamento, o não prejuízo da remuneração e a vedação de acesso à
repartição salvo para direito de petição (na condição de acusado ou de contribuinte) e
solicitando o registro do fato nos assentamentos funcionais e que seja dada ciência ao
servidor, destacando seu dever de atender qualquer convocação do colegiado, conforme o § 1º
do art. 12 da Portaria RFB nº 6.483, de 2017. Este ofício da autoridade instauradora é de
dispensável autuação no processo.
É de se atentar que a eventual aplicação do afastamento preventivo não tem o condão
de prejudicar o exercício de garantias constitucionais, como o direito à ampla defesa e ao
contraditório, conforme ratifica a jurisprudência. Assim, ainda que afastado preventivamente
o servidor, deve a comissão cuidar de lhe fornecer todas as necessárias comunicações de
realização de atos instrucionais, para que, caso seja de seu interesse, compareça e acompanhe
(por óbvio, especificamente no momento da realização de ato instrucional, é de se afastar o
efeito de proibição de entrada do servidor nas dependências da repartição). Reforça-se, mais
uma vez, a recomendação para que tal medida cautelar seja vista como remédio excepcional,
uma vez que, retirando o servidor da sua rotina laboral, a própria comissão passa a
experimentar dificuldades para encontrá-lo e para lhe entregar os necessários atos de
comunicação. Também é de se reafirmar que o instituto em tela veda o acesso do agente
público à repartição como um todo na qualidade de servidor, não podendo alcançá-lo quando
este procura a instituição como um contribuinte qualquer.
STJ, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 128: “Ementa: (...) O
princípio da mais ampla defesa foi claramente estendido ao processo
administrativo, de natureza disciplinar, como garantia constitucional. Todavia,
a providência cautelar da administração, baseada em lei, procurando evitar
qualquer interferência nas investigações, não importa em cerceamento, desde
que se instaure o procedimento adequado à apuração dos fatos, assegurados o
contraditório e a ampla defesa.”
Por fim, à vista do dispositivo do parágrafo único do art. 147 da Lei n° 8.112, de 1990,
o instituto do afastamento preventivo ampara o entendimento de que o prazo de conclusão do
processo não é fatal, conforme já comentado em 4.2.7.3.
A título de informação, acrescente-se que a lei processual penal, no inciso VI do art.
319 do Código de Processo Penal (CPP), ao tratar de medidas cautelares diferentes da prisão,
confere ao juiz o poder de determinar o afastamento do cargo de servidor que esteja
respondendo à ação penal, quando entender que a permanência em exercício possa ser
utilizada para a prática criminosa. De se destacar que se trata de instituto distinto e
independente do afastamento preventivo previsto no art. 147 da Lei nº 8.112, de 1990.
Enquanto aquele primeiro tipo de afastamento do cargo decorre de decisão judicial em vista
da ação penal em curso e não tem marco final, o segundo tipo compete à autoridade
administrativa em virtude de se vislumbrar possibilidade de interferência no curso do
processo administrativo e não pode ultrapassar 120 dias. Na mesma linha, também o
parágrafo único do art. 20 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, no que diz respeito
especificamente à apuração penal ou administrativa de improbidade administrativa, confere
tanto às autoridades judicial e administrativa o poder de determinar o afastamento do
exercício do cargo, quando relevante para a instrução processual.
698
CPP - Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: (Redação dada
pela Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011).
VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza
econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a
prática de infrações penais; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
Lei nº 8.429, de 1992 - Art. 20.
Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá
determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou
função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à
instrução processual.
Ainda neste tópico, aproveita-se para mencionar o comando estabelecido no § 2º do
art. 14 da Portaria MF nº 492, de 2013, e reproduzido no § 2º do art. 12 da Portaria RFB nº
6.483, de 2017. Segundo tais dispositivos, pode a autoridade instauradora, sob os mesmos
motivos justificadores do afastamento preventivo, em outra medida cautelar sem fim punitivo
e sem afronta ao princípio da presunção de inocência, determinar o exercício provisório do
acusado em qualquer outra unidade, desde que tal medida não importe em ônus para o erário.
Portaria MF nº 492, de 2013 - Art. 14.
§ 2º A autoridade instauradora também poderá, motivadamente, determinar,
pelas mesmas razões referidas no caput e enquanto perdurar a instrução
processual, o exercício provisório do servidor em outra unidade administrativa
do órgão do Ministério da Fazenda, desde que não haja ônus para o Erário.
Portaria RFB nº 6.483, de 2017 - Art. 12.
§ 2º A autoridade instauradora também poderá, motivadamente, determinar,
pelas mesmas razões referidas na parte final do caput e enquanto perdurar a
instrução processual, o exercício provisório do servidor em outra unidade
administrativa, desde que não haja ônus para o Erário.
A determinação, por parte da autoridade instauradora, para que o servidor venha a ter
exercício provisório em unidade distinta daquela em que exercia suas atribuições legais
também deve ser compreendida como uma medida cautelar, sem fim punitivo e de emprego
excepcional, justificável apenas quando a manutenção de sua presença possa influenciar nos
trabalhos apuratórios. Acrescente-se ainda que esta medida não pode acarretar qualquer
espécie de prejuízo às garantias fundamentais de ampla defesa e de contraditório
Da mesma forma como mencionado no afastamento preventivo, quanto ao momento
de aplicação, a rigor, a normatização também não condicionou o emprego desta medida
cautelar à notificação inicial do servidor para acompanhar o processo como acusado. O
emprego do exercício provisório pode se dar a qualquer momento a partir da instauração do
processo disciplinar, seja por imediata decisão da autoridade instauradora, seja por posterior
provocação da comissão, diferindo daquela primeira medida no prazo, visto que pode
perdurar por toda a instrução processual, não tendo como limite pré-determinado um
quantitativo de dias.
Pode a autoridade instauradora, a seu exclusivo critério, motivadamente determinar
novo exercício para o servidor mesmo antes do início dos trabalhos apuratórios da comissão,
já no momento em que instaura o procedimento disciplinar. Pode também ocorrer de, não
havendo de início motivos fundamentados para determinar o novo exercício, a autoridade
instauradora vir a ser provocada pela comissão, por intermédio de ofício acompanhado de ata
de deliberação com a devida motivação, e determinar então o emprego de tal medida cautelar
já após a notificação inicial do servidor como acusado no processo, em qualquer momento no
curso da instrução.
Não obstante estas possibilidades, como, neste caso, o servidor é mantido no exercício
de suas atribuições legais, pondera-se que esta determinação pode ser compreendida como
uma medida possível de, a priori, menor efeito constrangedor e que ainda possibilita à
comissão mais fácil acesso ao acusado, em comparação aos efeitos de quando este é
699
preventivamente afastado. Assim, por um lado, pode (o que não significa que necessariamente
deve) ser tomada como uma tentativa de manutenção da normalidade antes de se chegar ao
ponto de se adotar a providência mais forte do afastamento preventivo, de forma a ser
inicialmente aplicável em situações quaisquer em que se vislumbre um menor espectro do
poder de atuação do servidor sobre a apuração ou sobre os agentes intervenientes e em
contextos em que a simples mudança do local de exercício de suas atribuições legais já
assegurem a normalidade necessária. Mas, por outro lado, em sentido oposto, também pode
ser tomada em situações extremadas, já após o esgotamento do prazo de 120 dias de
afastamento preventivo e sem que tenham cessado os motivos da medida de exceção.
Qualquer que seja o momento em que se aplique a medida cautelar, a operação se dá
por meio de portaria da autoridade instauradora, internamente publicada e com vigência em
princípio imediata, determinando o novo exercício em outra unidade por toda instrução
processual. O ato excepcional de alterar a unidade de exercício do servidor requer, para sua
validade, a clara motivação. Assim, se a determinação de alterar o exercício advém da
convicção da autoridade instauradora, esta deve fazer constar a motivação em sua portaria; se
a alteração do exercício se dá por provocação da comissão, deve a autoridade fazer remissão
ao ofício do colegiado que, por sua vez, menciona como parte integrante a ata de deliberação
em que expôs sua motivação para solicitar a medida cautelar. Prosseguindo na
instrumentalidade, uma vez que a mudança de unidade de exercício obrigatoriamente passa
pela Digep e pela unidade local, não é necessário que a autoridade instauradora comunique
aquelas autoridades regional e local, bastando, após a publicação da portaria, que a chefia da
Digep registre o fato nos assentamentos funcionais e dê ciência ao servidor.
Em harmonia com a determinação expressamente contida no dispositivo em tela de
que esta medida não pode impor ônus ao erário e com o entendimento principiológico de que
também não pode acarretar prejuízos à defesa, tem-se que, em leitura sistemática com o inciso
III do caput do art. 2º da mesma Portaria RFB nº 6.483, de 2017, que determina que o
processo disciplinar transcorra na jurisdição da unidade de lotação ou de exercício do
acusado, este exercício provisório obrigatoriamente deve se dar em unidade situada na mesma
Região Fiscal (RF) e, preferencialmente, localizada na mesma localidade em que
originalmente o servidor exercia seu cargo.
simultaneamente como parte e juiz, em desigualdade a ser compensada pela atuação isenta,
conforme também entende a doutrina. Esta dupla atuação da Administração, como agente
condutor das apurações e como julgador, impõe que se busque o equilíbrio, de forma que as
prerrogativas de agente persecutório sejam ponderadas e temperadas por freios delimitadores
da ação estatal, em face do acusado, que reage apenas individualmente no processo, sem
dispor do mesmo ferramental oficial.
“No procedimento apuratório de ilícito funcional, a relação é bilateral. De um
lado, o servidor público e de outro, a administração que, ao proceder às
investigações e decidir sobre o feito, o faz no próprio interesse e nos limites que
a lei lhe impõe.
Não age a Administração Pública, nesse caso, como terceira pessoa, estranha à
relação processual. Apura e decide consoante o mandamento legal, no
exclusivo interesse do serviço público.
Essa dupla função de julgar e acusar, atribuída à Administração Pública, é
vista por muitos como fator de desequilíbrio nas relações processuais.
No entanto, surgem, por imperativo constitucional, como solução
restabelecedora da igualdade processual, as garantias conferidas ao servidor
público, consistentes no contraditório, na ampla defesa e na observância do
devido processo legal.
A essas garantias, a Lei nº 8.112/90, no art. 150, acresceu outra consistente na
obrigatoriedade da comissão atuar com independência e imparcialidade, de
modo a satisfazer o equilíbrio entre as partes.
O trabalho elucidatório conferido à comissão apuradora encontrará, portanto,
o seu ponto de equilíbrio na descoberta real dos fatos, pela aplicação de
métodos científicos, sem a preocupação de ensejar a declaração de inocência
ou culpabilidade do servidor acusado.” Francisco Xavier da Silva Guimarães,
“Regime Disciplinar do Servidor Público Civil da União”, pgs. 123 e 124,
Editora Forense, 2ª edição, 2006
defesa, antes de tudo, ter clara consciência do que se está sendo acusado.
Destaque-se, todavia, que tais condutas não são exigidas expressamente em lei, aqui
figurando como mera recomendação, cujo emprego condiciona-se à viabilidade de cada caso
concreto, destacadamente no que se refere à questão estratégica de nem sempre se poder
expor as linhas de apuração, sob pena de se por a perder efeitos preservados unicamente no
elemento surpresa.
Em outras palavras, do acima exposto se extrai ser aceitável que, com a motivação de facilitar
o acesso do acusado aos autos, uma comissão possua mais de um secretário com atuação
prolongada na fase de inquérito administrativo, sem se cogitar de ilegal extensão do citado
comando legal e muito menos de nulidade processual, visto em nada prejudicar a defesa.
A solução ora sugerida permite contemplar que os integrantes da comissão possam
desempenhar suas demais atribuições legais no Escor (que precipuamente são de integrar
outros colegiados, inclusive adotando idêntica configuração para conduzir simultaneamente
mais de um processo com acusado distante, ou até mesmo compor outros grupos ou equipes
de trabalho dedicados a outras atividades do processo de trabalho correcional) e se deslocar
apenas para a eventual realização de atos de instrução probatória fora da sede do colegiado, ao
mesmo tempo em que propicia que a defesa não sofra prejuízo no acesso aos autos e que o
secretário remoto mantenha inalterado o cumprimento de suas atribuições legais cotidianas
em sua unidade, visto que sua dedicação ao processo disciplinar em questão não se dá de
forma ininterrupta (grosso modo, atua apenas quando surgir alguma provocação da defesa e
caso se realizarem atos instrucionais em sua unidade). O processo original deve ficar de posse
do secretário remoto (a quem incumbe a preservação de sigilo e, para tal, devem lhe ser
fornecidas condições de preservação de segurança dos autos, já elencadas em 4.2.4.3), a fim
de que este conceda vista e cópia dos autos, quando solicitadas, e autue todas as petições que
porventura a defesa apresentar.
Para que a dinâmica acima sugerida se efetive, faz-se necessário que a designação do
secretário remoto seja notificada à defesa já na própria notificação inicial que dá ciência ao
servidor de sua condição de acusado - ou por meio de qualquer outra notificação específica,
caso esta configuração se concretize, por qualquer motivo (em decorrência de remoção, por
exemplo), já no curso da instrução probatória.
A rotina de trabalho exige que a comissão mantenha em dia o fornecimento de cópia
digitalizada (escaneada) do processo para o secretário remoto conceder vista ou cópia e que
este encaminhe, precipuamente via malote, eventuais petições do acusado para o colegiado
autuar e realizar seus trabalhos de deliberação e de análises em sua sede.
Analogamente à situação acima descrita, de a comissão, permanentemente ao longo de
todo o trabalho apuratório, se encontrar geograficamente afastada da unidade de lotação (ou
de exercício) do acusado, também pode o colegiado necessitar de algum remédio
juridicamente válido para suprir um curto e delimitado período de tempo em que todos seus
integrantes, simultaneamente, precisem se afastar da sua sede onde transcorre o processo
disciplinar. Isto pode ocorrer, a título de exemplos não exaustivos, em função de inscrição
voluntária ou de convocação ex officio para participar ou para atuar em eventos de qualquer
natureza (reuniões de trabalho, treinamentos, cursos, execução de tarefas ou mandados ou
ordens judiciais, dentre outros) ou de férias, licenças ou quaisquer outros afastamentos ou de
recessos comuns em época de fim de ano ou ainda de retorno às unidades de origem no caso
excepcional de servidores convocados de outras localidades. Ou seja, trata-se aqui de
situações impeditivas da normalidade da condução dos trabalhos apenas temporariamente, de
forma que não se cogita de substituição do trio, mas tão somente do breve aguardo de seu
retorno.
Nestas situações excepcionais de ausência de todos os integrantes por apenas alguns
dias, a comissão deliberar, para o intervalo de tempo delimitado, designar um servidor (em
princípio do próprio Escor) para figurar como secretário ad hoc, ou meramente, em solução
ainda mais simples em termos de instrumentalização (dispensando-se edição e publicação de
portaria), solicitar à autoridade instauradora para que aquele servidor ou para que esta
autoridade conceda vista ou cópia dos autos, mediante cópia integral digitalizada do processo
- que a comissão deve entregar atualizada até o último dia de expediente antes de se ausentar -
, e receba quaisquer outras petições porventura apresentadas pela defesa. Por óbvio, a
participação destes agentes (secretário ad hoc ou autoridade instauradora e, se for o caso, seu
712
substituto eventual, conforme prevê o art. 38 da Lei nº 8.112, de 1990) se resume estritamente
a conceder vista ou cópia a partir da versão digitalizada que ficou em seu poder e a
recepcionar petições, cujas apreciação e implementação, se for o caso, competem
exclusivamente à comissão, após seu retorno.
Tratando-se de situações excepcionais e de curta duração de ausência simultânea de
todos os integrantes, não se faz necessário o formalismo de notificar o acusado acerca da
designação de secretário ad hoc ou da solicitação dirigida à autoridade instauradora, conforme
se recomendou acima para a hipótese de a comissão estar permanentemente afastada da
localidade onde se encontra o servidor. No caso em tela, pode a comissão, após deliberação
conjunta, apenas fixar um aviso na porta da sala de sua instalação, indicando à defesa que,
caso compareça no período da delimitada ausência, busque contato com o servidor designado
temporariamente como secretário ad hoc ou com a autoridade instauradora, a fim de ter vista
ou cópia dos autos ou ainda de dar entrada em outras petições a serem oportunamente
apreciadas pelo colegiado.
De se destacar, por fim, que a designação de secretário remoto ou de secretário ad hoc
(seja para todo o curso dos trabalhos apuratórios, seja apenas na curta duração de alguma
ausência dos integrantes) ou a solicitação à autoridade instauradora (que automaticamente se
estende, em seus impedimentos, para o substituto eventual) para que se concedam vista e
cópia dos autos e para que se recebam demais petições da defesa se, por um lado, não obrigam
que tais agentes se dediquem exclusivamente a se disponibilizarem e a se prontificarem, por
todo o horário de expediente, na sala da comissão, no aguardo de suposta provocação da
defesa, também, por outro lado, devem efetivamente contemplar o direito de efetivo acesso do
acusado e de seu procurador aos autos. Em outras palavras, o secretário remoto ou o secretário
ad hoc ou a autoridade instauradora (e seu substituto eventual) podem manter suas rotinas de
trabalho e dedicação às suas tarefas cotidianas, mas sem prejuízo de atentarem para o fato de
que, na medida do possível, devem estar presentes na repartição em horário comum de
expediente, a fim de poderem ser localizados na hipótese de a defesa comparecer para
apresentar qualquer petição, sob pena de posteriormente se ter de enfrentar alegação de que
houve suposta obstrução ao direito de acesso aos autos.
Com o advento do Sistema Processo Eletrônico (e-Processo), restou possível ao
acusado na ativa (e não licenciado ou afastado) consultar e gerar cópia a qualquer tempo o
processo em formato digital, praticamente tornando sem sentido a concessão de vista ou o
fornecimento de cópia dos autos, o que pode mitigar, dependendo dos contornos de cada
processo em si, a importância da designação das duas espécies de secretários acima descritas.
Assim, nada impede que se conceda vista ou cópia dos autos a acusado não habilitado
(acusado ativo afastado ou licenciado ou inativo ou ex-servidor) ou até mesmo, de forma
muito eventual, a acusado habilitado (e não licenciado ou afastado), embora este tenha acesso
aos autos a qualquer tempo, que porventura queira consultá-los por meio de estação de
trabalho do secretário remoto ou ad hoc, redigindo, nestes caso, o termo de concessão de vista
ou de cópia.
entendimento interno. Não sendo isto possível e à vista de que o integrante da comissão,
como agente público, tem o direito inafastável de manifestar sua convicção, caso este membro
divergente não concorde com algum termo do processo e faça questão de consignar sua
discordância, pode ele, então, expor seu voto em separado.
Embora, a rigor, a divergência possa se estabelecer em qualquer momento do inquérito
administrativo, no caso excepcional de tal incidente se fazer insuperável dentro da comissão, é
mais recomendável que, se, pela natureza da divergência, for possível postergar sua
manifestação, o integrante divergente o faça apenas no relatório. Obviamente tal
recomendação é mais viável de ser acatada se a divergência repousa em questão de mérito ou
de convicção e não na discussão se deve ou não ser realizado determinado ato processual ou
na forma de realizá-lo. No caso de divergência insuperável na comissão quanto a realizar ou
não determinado ato de instrução processual, em razão da exaustividade da busca da verdade
material, pode se fazer mais pertinente acatar pela realização, conforme também entende a
doutrina.
“É possível, inclusive, que haja um relatório final, em separado, de um dos
membros, caso discorde da opinião dos demais. Obviamente, o ideal é que
antes de partirem para a cizânia, os membros discutam entre si e cheguem a um
acordo, mas nunca deve haver imposições por parte do presidente. Nos casos
em que a divergência for sobre a produção de uma prova é sempre melhor
optar pela sua produção, pois a finalidade do processo é a busca da verdade.”,
Vinícius de Carvalho Madeira, “Lições de Processo Disciplinar”, pg. 92,
Fortium Editora, 1ª edição, 2008
Já na hipótese de divergência sobre mérito ou convicção, pode, por exemplo, tal
incidente se estabelecer na deliberação de indiciar ou não o servidor, ao final da instrução
probatória. Neste caso, alguns argumentos se apresentam para a recomendação de postergá-lo
para o relatório. Primeiramente, se menciona que o integrante divergente poderá melhor
amparar sua convicção tomando a cautela de permitir que o processo esteja devida e mais
completamente instruído e o fato de o servidor ser indiciado e forçado a apresentar defesa
escrita pode ao final suprir ainda mais argumentos a favor do integrante que era favorável a
não indiciar; indica-se também o conflito que pode ocorrer na defesa do servidor caso haja
divergentes convicções de indiciação, sendo cabível o questionamento de para qual delas deve
apresentar suas teses de defesa; aponta-se ainda a relevância de se suprir a autoridade
julgadora com completos elementos para sua decisão. Ademais, em caso de divergência neste
momento processual, deve-se tomar como esteio o princípio do in dubio pro societate,
procedendo à indiciação de forma mais gravosa, ainda que seja postura minoritária, a fim de
provocar a defesa a trazer todos os seus argumentos e de possibilitar que a autoridade proceda
ao julgamento com os autos exaustivamente instruídos, desde que a indiciação comporte
todos os fatos de que se acusa o servidor, sem necessidade de determinar a ultimação de atos
processuais, risco que pode se concretizar caso se decida preliminarmente pela não indiciação.
Destaque-se que esta recomendação não afronta o entendimento geral de que, já a partir da
deliberação de se dar por encerrada a instrução processual e deliberar por indiciar ou não,
opera-se a inversão do in dubio pro societate para o in dubio pro reo, conforme se expõe em
4.4.18.1, pois esta máxima se opera na presunção de normalidade dos trabalhos e de
uniformidade de convicção, ou seja, quando os três membros, unanimemente, se sentem
inseguros para prosseguir, devendo então todos acatarem a presunção de inocência. Não é o
caso de que aqui se trata, quando pelo menos um dos membros cogita de indiciar ou de fazê-
lo de forma mais gravosa.
Seja em virtude uma divergência configurada já desde a deliberação de indiciar o
acusado, seja uma divergência que se manifesta somente no momento de externar a conclusão
final, na esteira do que se aduziu acima, indiferentemente, o incidente somente terá registro no
relatório. E como é fácil presumir que a discordância reside em algum aspecto específico, não
se crê em divergência na íntegra de um documento extenso e politemático como o relatório e
714
menos ainda em toda a condução do processo. Tendo-se chegado a este ponto incontornável,
na hipótese residual de a comissão não lograr a uniformidade de entendimento e o integrante
fazer questão de registrar sua discordância, deve-se redigir um relatório único, primeiramente
com a peça integral, em que se inclui o trecho divergente merecedor da posição majoritária do
trio, assinada pelos três integrantes, seguida de um tópico extra ao final, com o voto
divergente vencido acerca daquele ponto específico, assinado apenas pelo membro destoante,
conforme também entende a doutrina.
“Cabe ao (...) divergente dar seu voto em separado, que seguirá como primeiro
anexo ao texto do relatório. O relatório deverá ser, como todas as demais peças
de deliberação coletiva, assinado por todos os membros da Comissão. (...).”
Antônio Carlos Palhares Moreira Reis, “Processo Disciplinar”, pg. 172,
Editora Consulex, 2ª edição, 1999
Relembre-se, com amparo doutrinário, que o direito a voto na comissão é igualitário;
ou seja, o voto do presidente tem o mesmo peso que o voto de cada vogal, podendo aquele ser
posição vencida em relação aos outros dois integrantes.
“Não há hierarquia entre os membros da comissão. Entretanto, o vencido deve
se submeter à maioria e assinar todos os termos, inclusive a indiciação e o
relatório. Fica a ele reservado o direito de consignar voto em separado.” Léo
da Silva Alves, “Sindicância e Processo Disciplinar em 50 Súmulas”, pg. 72,
Editora Brasília Jurídica, 1ª edição, 2005
A despeito de aqui se ter destacado o tema da divergência em um tópico, é de se
ressaltar que, em que pese a esta possibilidade de se consignar a divergência nos autos, antes
de tudo, a comissão deve sempre atentar que a existência de voto divergente pode, em tese,
enfraquecer a conclusão e que, por isto, o incidente deve ser ao máximo evitado.
Além dos dispositivos gerais acerca de forma elencados no art. 22 da Lei nº 9.784, de
1999, na ausência de previsão desta natureza na Lei nº 8.112, de 1990, e também na Portaria
RFB nº 6.483, de 29 de dezembro de 2017, encontram-se, em patamar infralegal, embora não
específicos para o processo disciplinar, detalhados regramentos de forma na Portaria
Normativa MPOG/SLTI nº 5, de 19 de dezembro de 2002, e no Manual Prático de
Formalização, Preparação, Apreciação, Julgamento e Movimentação do Processo
Administrativo-Tributário (Maproc, aprovado pela Portaria SRF nº 374, de 20 de março de
2002.
Alguns destes detalhados regramentos formais podem ser aproveitados e adaptados, no
que cabível, para a processualística disciplinar, somados a meras recomendações não
positivadas extraídas da prática processual administrativa, destacadamente no que se refere a
protocolização do processo, capa, tamanho de papel, padrão de redação, juntada e
desentranhamento de documentos, numeração e renumeração de folhas, abertura, organização
e encerramento de volumes e anexos, juntada, desapensação e desmembramento de processos.
Antecipe-se que tais aspectos formais preservam importância em processos físicos, com
suporte documental em papel, restando quase totalmente descartados nos processos digitais,
com suporte documental em meio digital, formalizado no Sistema Processo Eletrônico (e-
Processo). De imediato, reitera-se a introduçao ao tema apresentada 2.4.3, em que se expôs
que a Portaria RFB n° 6.483, de 29 de dezembro de 2017, em seu art. 26, estabeleceu que a
tramitação de não só de processos mas também de documentos no âmbito do sistema
correcional deve se operar, preferencialmente, por meio do sistema e-Processo.
Portaria RFB n° 6.483, de 2017 - Art. 26. O encaminhamento de processo e de
documentos previstos nesta Portaria se dará, preferencialmente, por meio do
Sistema Processo Eletrônico (e-Processo).
seriedade, organização e planejamento. É por meio de suas reuniões internas deliberativas que
a comissão organiza e planeja a forma de atuar, dedicando o devido respeito não só ao
interesse público do bom trabalho mas também à integridade e à honra pessoal e profissional
do servidor envolvido, afastando de sua atuação os nefastos descaso, empirismo, despreparo
ou improviso.
E, como direto corolário do princípio da finalidade, a materialização deste técnico e
imparcial planejamento, reduzida a termo nos autos (uma vez que não se aceita a oralidade no
processo), se dá com a elaboração de atas de deliberação, por meio das quais a comissão
externa ao acusado seus posicionamentos e os atos que vislumbra realizar (e com o que se
respeitam os objetivos de uma condução motivada e transparente). As atas sintetizam as
reuniões deliberativas da comissão, devendo, portanto, ser assinadas por todos os integrantes
do colegiado. Tanto é relevante esta dinâmica que a Lei nº 8.112, de 1990, no parágrafo único
do art. 150 e no § 2º do art. 152, prevê que as reuniões da comissão tenham caráter reservado
(como espécie de sigilo) e que sejam registradas em atas que detalhem as deliberações
adotadas exclusivamente pelos integrantes do trio processante.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 150.
Parágrafo único. As reuniões e audiências das comissões terão caráter
reservado.
Art. 152.
§ 2º As reuniões da comissão serão registradas em atas que deverão detalhar
as deliberações adotadas.
As reuniões deliberativas da comissão e as consequentes atas de deliberação podem
ater-se desde a decisão de realização de meros atos interlocutórios formais, sem repercussão
na formação de convencimento (como um simples pedido de prorrogação de prazo, por
exemplo) até a oferta de resposta a provocações e questionamentos apresentados pelo acusado
e a realização de atos de coleta de prova formadora de convicção, sendo que estes últimos
podem decorrer de intenção do próprio colegiado ou de pedido da defesa.
A dinâmica da condução processual pode ser sintetizada nos seguintes passos da
comissão: reúne-se isoladamente para estudar os autos ou discutir temas técnicos ou
procedimentais ou decidir próxima(s) ação(ões), de forma preferencialmente presencial,
contando com os seus três integrantes; se for o caso de esta reunião concluir pela adoção de
algum entendimento ou pela tomada de alguma decisão (nem sempre a construção intelectual
leva a algum resultado concreto), redige a ata de deliberação em que expõe a motivação
acerca daquela conclusão e a materializa nos autos como um termo processual; comunica o
teor da deliberação ao acusado (e, em se tratando de realização de ato de instrução probatória,
notifica-o do local e da data da realização, a fim de que a defesa possa, se quiser, se fazer
presente); e, por fim, se for o caso, realiza o ato.
Esta rotina cuida de preservar a unicidade da condução. Ou seja, amparado por uma
reunião interna da comissão e por uma ata de deliberação assinada pelo trio processante,
posteriormente, um ato processual em si, dependendo de sua natureza, tanto pode ser
praticado conjuntamente pelo colegiado, redundando em um termo assinado por todos os
integrantes (atos formadores de convicção em geral, como oitivas, diligências, interrogatórios,
etc), como também pode ser praticado por apenas um dos integrantes e ter o termo apenas por
ele assinado (mandados a cargo do presidente ou atos meramente operacionais, que podem ser
assinados apenas pelo secretário). O que importa é que, como regra geral, sendo o termo
assinado por apenas um integrante, haja o prévio respaldo da anuência dos demais em ata de
deliberação, afastando qualquer alegação de condução unilateral dos trabalhos. Este
entendimento é refletido no julgado abaixo, de sorte a se poder estender o entendimento
jurisprudencial emitido especificamente para a indiciação para qualquer ato processual
decorrente de deliberação colegiada.
STJ, Recurso Especial nº 1.258.041: Ementa: (...) Ainda que ultrapassado o
718
como forma de suprir agilidade e economia de recursos públicos quando um (ou mais) dos
membros do colegiado se encontra(m) em diferente localidade dos demais, conforme o § 3º
do art. 236 do CPC e o art. 1º da Instrução Normativa CGU/CRG nº 12, de 1º de novembro de
2011. De se destacar que, embora aqui se remeta à leitura da instrumentalização da
videoconferência para oitiva de testemunha, que se apresentará em 4.4.4.6, para o caso de
reunião da comissão aproveita-se apenas o que cabível, destacadamente o que se refere à
infraestrutura de equipamentos e de auxílio técnico.
CPC - Art. 236.
§ 3º Admite-se a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou
outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real.
Ainda com mais razão, no caso específico do sistema correcional da Secretaria da
Receita Federal do Brasil (RFB), de diferenciado grau de normatização interna, de
estruturação e de informatização, com a adoção do processo digital, com suporte documental
em meio digital, formalizado no Sistema Processo Eletrônico (e-Processo), determinada pela
Ordem de Serviço Coger nº 1, de 3 de junho de 2015, e do programa de gestão na modalidade
teletrabalho, disciplinado internamente pela Portaria RFB n° 2.383, de 13 de julho de 2017, e
estendida ao processo de trabalho correcional pela Portaria RFB n° 788, de 29 de maio de
2018, pode-se justificar a mitigação do comando expresso no § 1º do art. 22 da Lei nº 9.784,
de 1999, de indicar, na ata de deliberação, o local da reunião. Diante daquelas duas
ferramentas simplificadoras do trabalho, deixou de existir a configuração tradicional de
comissão composta por três servidores lotados e em exercício em determinado Escritório de
Corregedoria (Escor), todos residentes na mesma localidade, e instalada fisicamente em
determinada sala da unidade de correição na qual se fazem as reuniões deliberativas. Como o
Direito, ciência dinâmica, não pode estar à margem do contexto social em que se insere,
obviamente é de se contemplar na sua aplicação os avanços tecnológicos disponíveis, de
forma ser possível um trio composto por servidores localizados em diferentes localidades
utilizar recursos de áudio e vídeo para realizar remotamente suas reuniões. Em tais casos,
obviamente, não cabe indicar local de realização do ato processual, cabendo à comissão
registar no corpo da ata que a reunião se deu de forma remota.
Uma vez que não é facultado à defesa participar das reuniões deliberativas da
comissão, independentemente da forma como se realizem e do local onde realizem, a
mitigação do comando do § 1º do art. 22 da Lei nº 9.784, de 1999, é superada, sem nulidade,
homenageando-se aqui os princípios do formalismo moderado e do prejuízo.
Embora a norma infralegal de regência, a saber, a Instrução Normativa CGU/CRG nº
12, de 2011 - com que o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da
União (CGU), mais especificamente por meio da Corregedoria-Geral da União da CGU
(CGU/CRG), que efetivamente exerce as atividades do órgão central do Sistema de Correição
do Poder Executivo Federal (SisCor-PEF), regulamentou, de forma vinculante para esta
unidade seccional de correição, o emprego da videoconferência -, e também a outra norma
que aqui se cita apenas como mera referência, a saber, a Portaria AGU nº 490, de 24 de
outubro de 2011 (por meio da qual a Advocacia-Geral da União - AGU regulamentou o
emprego da videoconferência apenas nas suas aproprias atividades correcionais), prevejam a
possibilidade de uso desta ferramenta tanto para a realização de audiências (provas orais,
destacadamente oitivas de testemunhas e, excepcionalmente, interrogatórios de acusados)
quanto para a realização de reuniões da comissão, necessário se destacar as inafastáveis
diferenças procedimentais destes atos, em razão de suas inconfundíveis naturezas.
Assim, embora aquelas duas normas, em seus próprios corpos, mencionem tanto um
tipo de ato quanto outro e, em razão da natureza contraditável das provas orais realizadas no
curso do inquérito administrativo, sejam obrigadas a mencionarem a faculdade de
participação da defesa, tal extensão, conforme já defendido em 4.3.6.5 não é de ser aplicada
para as reuniões via videoconferência de participação exclusiva dos membros do colegiado.
720
para cuidar de seus interesses. A convenção ora exposta somente se altera, centralizando-se os
atos de comunicação no procurador, caso as condições do acusado dificultem ou inviabilize a
entrega pessoal (destacadamente quando este se encontra em licença, afastado, preso ou em
paradeiro incerto e não sabido) ou caso este não possa, por qualquer motivo, ou manifeste não
querer receber pessoalmente as comunicações da comissão. Mas, de outro lado, relembrem-se
a ressalva de que três atos em especial encerram caráter personalíssimo, a exigir entrega
pessoal ao acusado e não ao procurador, independentemente de poderes expressos na
procuração, que são a notificação inicial, a intimação para prestar interrogatório e citação para
apresentar defesa.
Lei nº 9.784, de 1999 - Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o
processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência
de decisão ou a efetivação de diligências.
Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com
antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de
realização.
STJ, Mandado de Segurança nº 10.404: “Ementa: 2. A ausência de intimação
dos procuradores dos impetrantes não acarreta nulidade destes atos, haja vista
a intimação pessoal dos acusados.”
STJ, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 19.741: “Ementa: IV -
Inexiste vício a macular o processo administrativo disciplinar no fato de as
intimações terem sido feitas apenas ao advogado nomeado pelo servidor
indiciado.”
Os atos de chamamento de outras pessoas ao processo, de forma também apriorística,
são:
• Intimação: para servidores ativos não autoridades, inativos, ex-servidores, procuradores
e demais pessoas (particulares, terceiros e administrados em geral). Sendo
especificamente para testemunhar, o mandado tem por base legal bastante e suficiente o
caput do art. 157 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que determina, de forma
genérica, que “As testemunhas serão intimadas a depor”; sendo para realizar qualquer
outro ato ou qualquer outra participação processual, também se deve intimar e, em tais
casos, convém que o mandado tenha por base legal o inciso IV do art. 4º e o art. 39 e,
talvez até, dependendo das peculiaridades do caso específico, ainda reforçar, se cabível,
com o mandamento do art. 28, todos da Lei nº 9.784, de 1999. Uma vez que a imensa
maioria dos comandos da Lei nº 8.112, de 1990, dirige-se de forma mais específica ao
servidor ativo (embora expresse de forma aparentemente genérica apenas “servidor”), se
poderia cogitar de não haver poder para intimar pessoas alheias a este disciplinamento
(tais como para obrigar participações outras de inativo ou de ex-servidor que não nos
seus interrogatórios, já que, como acusados, aplica-se a regra geral da intimação, acima
descrita, ou quaisquer participações de demais pessoas), mas esta ilação é totalmente
afastada pela natureza pública do processo, conforme também manifesta a doutrina do
Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU).
Decerto, não se recomenda o uso do termo “convite” ou da expressão “solicitação de
comparecimento” para nenhuma espécie de destinatário, por expressarem forte grau de
discricionariedade e de voluntariedade na decisão de atender ou não ao chamado;
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 157. As testemunhas serão intimadas a depor
mediante mandado expedido pelo presidente da comissão, devendo a segunda
via, com o ciente do interessado, ser anexada aos autos.
Lei nº 9.784, de 1999 - Art. 4º São deveres do administrado perante a
Administração, sem prejuízo de outros previstos em ato normativo:
IV - prestar as informações que lhe forem solicitadas e colaborar para o
esclarecimento dos fatos.
Art. 28. Devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o
724
Art. 248.
§ 1º A carta será registrada para entrega ao citando, exigindo-lhe o carteiro,
ao fazer a entrega, que assine o recibo.
§ 4º Nos condomínios edilícios ou nos loteamentos com controle de acesso, será
válida a entrega do mandado a funcionário da portaria responsável pelo
recebimento de correspondência, que, entretanto, poderá recusar o
recebimento, se declarar, por escrito, sob as penas da lei, que o destinatário da
correspondência está ausente.
Art. 249. A citação será feita por meio de oficial de justiça nas hipóteses
previstas neste Código ou em lei, ou quando frustrada a citação pelo correio.
Art. 270. As intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico,
na forma da lei.
Art. 273. Se inviável a intimação por meio eletrônico e não houver na
localidade publicação em órgão oficial, incumbirá ao escrivão ou chefe de
secretaria intimar de todos os atos do processo os advogados das partes:
I - pessoalmente, se tiverem domicílio na sede do juízo;
II - por carta registrada, com aviso de recebimento, quando forem domiciliados
fora do juízo)
Art. 275. A intimação será feita por oficial de justiça quando frustrada a
realização por meio eletrônico ou pelo correio.
A aplicação extensiva na processualística disciplinar do comando estabelecido no § 1º
do art. 248 do CPC deixa inequívoco que, na hipótese de se empregar via postal para entrega
da notificação inicial, o único requisito exigido sobre a correspondência é que seja feita por
meio de carta registrada com AR. E é importante destacar que o CPC, no § 4º do mesmo art.
248, ratificou a validade da entrega do ato de comunicação a porteiros ou demais empregados
em caso de o acusado residir em condomínio ou qualquer outra espécie de moradia com
controle de acesso, sendo certo que alcança também o empregado doméstico da sua própria
unidade residencial. E, se o destinatário estiver ausente, o comando legal permite que o
responsável pelo recebimento de correspondência recuse receber, desde que declare a
ausência por escrito.
Acrescente-se ainda que, segundo a aplicação extensiva do parágrafo único do art. 274
do CPC à processualística disciplinar, na hipótese de mudança de endereço, temporária ou
definitiva, por parte do acusado, sem a devida comunicação à Administração (conforme
determina o art. 162 da Lei nº 8.112, de 1990), serão considerados válidos os atos de
comunicação que lhe tenham sido enviados, por via postal, para o endereço original, ainda
que não recebidos pessoalmente pelo destinatário.
CPC - Art. 274. Não dispondo a lei de outro modo, as intimações serão feitas
às partes, aos seus representantes legais, aos advogados e aos demais sujeitos
do processo pelo correio ou, se presentes em cartório, diretamente pelo
escrivão ou chefe de secretaria.
Parágrafo único. Presumem-se válidas as intimações dirigidas ao endereço
constante dos autos, ainda que não recebidas pessoalmente pelo interessado, se
a modificação temporária ou definitiva não tiver sido devidamente comunicada
ao juízo, fluindo os prazos a partir da juntada aos autos do comprovante de
entrega da correspondência no primitivo endereço.
O caráter alternativo da entrega das notificações e intimações ao acusado ou ao seu
procurador, já defendido acima - salvo para os atos de caráter personalíssimo, como
notificação inicial, intimação para o interrogatório e citação para apresentar defesa -, e a
múltipla possibilidade de meios e formas de fazê-lo validamente foram referendados pela
manifestação da CGU, por meio da Comissão de Coordenação de Correição da CGU
(CGU/CCC), estampada no Enunciado CGU/CCC nº 10, de 30 de outubro de 2015, desde que
feita por escrito (não se aceita o comunicado meramente verbal) e com comprovação da
ciência, na linha do § 3º do art. 26 da Lei nº 9.784, de 1999.
Enunciado CGU/CCC nº 10, de 2015: “Validade da notificação de atos
728
Federal do Brasil (Marea), aprovado pela Portaria RFB nº 1.086, de 18 de julho de 2018, que
estabelecem o padrão de fonte Times New Roman, espaçamento simples entre as linhas e de 6
pontos após cada parágrafo, desdobrado em: tipo normal e tamanho doze no texto geral; tipo
itálico (podendo ou não estar entre aspas), tamanho onze e recuo à esquerda de 3,5 cm nas
citações longas, com mais de três linhas (citações curtas, que não excedem três linhas, são
inseridas no texto, com tamanho 12 e tipo itálico, com ou sem aspas); e tipo normal e
tamanho dez nas notas de rodapé.
Os autos processuais são compostos de folhas, que, por sua vez, contêm duas páginas
(o seu anverso ou frente, normalmente utilizado, e o seu verso, em geral não utilizado). A
rigor, não há vedação legal ou nem mesmo normativa para que se utilizem as páginas de
anverso e de verso de cada folha. Apenas não se costuma digitar ou escrever na página de
verso por mera praxe, sobretudo porque a grande maioria dos atos processuais se resumem a
conteúdos curtos, que cabem em apenas uma página ou no máximo em poucas páginas e
também porque o uso apenas das páginas de anverso facilita e agiliza a automação da extração
de cópias. Daí, torna-se pouco eficiente usar as páginas de anverso e de verso para um
documento cujo conteúdo caiba em apenas duas páginas, por exemplo, o que faria economizar
apenas uma dentre duas folhas. Mas, por outro lado, em documentos mais extensos (como
pareceres, informações, indiciação, relatório), que se utilizam de muitas folhas, pode ser útil
digitá-los, imprimi-los e autuá-los usando as páginas de anverso e de verso de cada folha.
Importante destacar que, como o que se numera são as folhas dos autos, quando
excepcionalmente se utilizarem as duas páginas de determinada folha, apenas a sua página de
anverso recebe a numeração, apondo-se na página de verso o mesmo número de folha do
anverso, seguido da letra “v”, sem acrescentar novo número à numeração de folhas. E, na
regra geral, em que não se utiliza a página de verso das folhas, esta deverá conter a expressão
“Em branco”, escrita ou carimbada, ou um simples risco por caneta, em sentido vertical ou
oblíquo.
Como exemplo de formalidade que a lei não dispensa, o § 4º do art. 22 da Lei nº
9.784, de 29 de janeiro de 1999, determina que as folhas dos autos sejam numeradas e
rubricadas, pelo secretário ou qualquer integrante da comissão, de forma contínua através dos
volumes (não se numerando capa e contracapa e versos de folhas eventualmente utilizados) e
de forma independente para cada anexo. Sempre que se tiver que renumerar as folhas do
processo em decorrência de detecção de erro na numeração originalmente aposta, deve-se
anular com um traço horizontal ou oblíquo a numeração anterior, conservando-se, porém, sua
legibilidade (não se aceita paginação alfanumérica, como fl. 1A, fl. 1B), além de se redigir o
termo de renumeração de folhas, descrevendo as numerações que foram corrigidas.
Lei nº 9.784, de 1999 - Art. 22.
§ 4º O processo deverá ter suas páginas numeradas sequencialmente e
rubricadas.
Com a adoção do processo digital e o emprego do Sistema Processo Eletrônico (e-
Processo) pelo sistema correcional, necessário apontar diferenças acerca de numeração de
folhas em razão do meio de suporte documental utilizado. Nos processos físicos, que possuem
suporte documental em papel, as peças desentranhadas não ensejarão a renumeração das
folhas, devendo serem mantidas em arquivo no Escritório de Corregedoria (Escor) até a
decisão definitiva do processo disciplinar, quando então poderão ser destruídas. Nos
processos digitais, formalizados no sistema e-Processo e que possuem suporte documental em
meio digital, também não haverá a renumeração das folhas, já que os documentos, quando
juntados em definitivo, recebem numeração permanente e, consequentemente, não há que se
falar em termo de renumeração de folhas. Mas acrescente-se que, mesmo após a exclusão de
documentos, em que pese não mais integrarem o processo, permanece sua disponibilidade no
sistema e-Processo, acessível a partir da funcionalidade de pesquisa a documentos.
Ao se fazer remissão a algum documento já acostado aos autos, para facilitar a defesa
736
administrativo, como autoriza o art. 22, § 3º, porque é meio mais rápido e mais
econômico para o interessado. Em relação a cópias juntadas por agentes
administrativos, a presunção é, logicamente, mais ampla, de modo que só
quando o interessado justificar sua dúvida, de forma clara e razoável, é que o
administrador deverá certificar a autenticidade, assim mesmo considerando
alguma situação peculiar envolvendo o aspecto de fidedignidade documental.”
José dos Santos Carvalho Filho, “Processo Administrativo Federal”, pg. 149,
Editora Lumen Juris, 2ª edição, 2005
Ainda que a Lei nº 9.800, de 25 de maio de 2005, volte-se especificamente para o
processo judicial, pode-se estender que há previsão legal em nosso ordenamento para se
utilizar sistemas eletrônicos e virtuais de transmissão de dados e imagens para encaminhar
petições escritas e documentos em geral, ressalvando-se a responsabilidade do remetente pela
qualidade e fidelidade do material transmitido e devendo os originais posteriormente serem
entregues, para juntada, ou apresentados, para autenticação. Se tal facilidade é válida para o
processo judicial, que sabidamente é mais formal que o processo administrativo, não há
porque se impedir que a comissão pratique atos de sua competência à vista de transmissões
eletrônicas ou virtuais comportadas pelo atual estágio tecnológico.
Lei nº 9.800, de 26/05/99 - Art. 1º É permitida às partes a utilização de sistema
de transmissão de dados e imagens tipo fac-símile ou outro similar, para a
prática de atos processuais que dependam de petição escrita.
Art. 2º A utilização de sistema de transmissão de dados e imagens não
prejudica o cumprimento dos prazos, devendo os originais ser entregues em
juízo, necessariamente, até cinco dias da data de seu término.
Art. 3º Os juízes poderão praticar atos de sua competência à vista de
transmissões efetuadas na forma desta Lei, sem prejuízo do disposto no artigo
anterior.
Art. 4º Quem fizer uso de sistema de transmissão torna-se responsável pela
qualidade e fidelidade do material transmitido, e por sua entrega ao órgão
judiciário.
No curso dos trabalhos, pode se demonstrar necessário, seja por motivação espontânea
da comissão, seja a pedido da defesa, que se extraiam folhas ou peças já autuadas no processo.
O desentranhamento de elementos dos autos pode decorrer, dentre outros motivos, mais
comumente de desmembramento de um processo original para instauração de outro, contendo
peças daquele primeiro, ou de se ter detectado alguma juntada de documentos absolutamente
impertinentes ou desnecessários ou por decisão judicial. A formalização desta operação se dá
por meio do termo de desentranhamento e, dependendo do motivo do desentranhamento,
pode-se manter vago o número de folha(s) desentranhada(s), conforme normatiza o item 5.5
da Portaria Normativa MPOG/SLTI nº 5, de 19 de dezembro de 2002, ou pode-se substituí-las
por cópias autenticadas pelo próprio servidor encarregado do ato, quando houver necessidade,
devendo constar do termo a solução adotada.
Portaria Normativa MPOG/SLTI nº 5, de 19/12/02 - 5. Procedimentos com
Relação a Processos
5.5. Desentranhamento de Peças
Sempre que houver retirada de folhas ou peças, lavrar, após o último despacho,
o “Termo de Desentranhamento”.
O processo que tiver sua folha ou peça retirada conservará a numeração
original de suas folhas ou peças, permanecendo vago o número de folha(s)
correspondente(s) ao desentranhamento, apondo-se o carimbo de
desentranhamento.
Especificamente nos processos digitais, formalizados no Sistema Processo Eletrônico
(e-Processo) e que possuem suporte documental em meio digital, não há que se falar em
renumeração de folhas, pois os documentos, depois de juntados em definitivo, recebem
numeração permanente e, mesmo após sua exclusão, permanecem disponíveis e acessíveis a
partir da funcionalidade de pesquisa a documentos.
738
e Linux que cria volumes criptografados que podem ser montados como
unidades virtuais;
II - AxCrypt - aplicativo de código aberto de criptografia de arquivos, que se
integra com o Windows para compactar, criptografar, descriptografar,
armazenar, enviar, deletar e trabalhar com arquivos individuais.
Art. 2° O uso do VeraCrypt é obrigatório nos seguintes casos:
I - Estações de trabalho localizadas na Corregedoria, nos Escritórios de
Corregedoria e no Núcleo de Corregedoria;
II - Estações de trabalho localizadas em quaisquer unidades da RFB, onde
esteja sendo desenvolvido trabalho correcional; e
III - Dispositivos móveis, tais como notebooks, pen-drives, HDs externos,
tablets ou outros equipamentos e dispositivos cujo patrimônio o servidor
possua a guarda e que contenham informações disciplinares.
Parágrafo único. A obrigação do uso do VeraCrypt se estende aos dispositivos
de uso particular do servidor, caso estes contenham qualquer arquivo ou dado
de procedimentos disciplinares.
Art. 3° O uso do AxCrypt é obrigatório nos seguintes casos:
I - Nas deleções de arquivos e de pastas que contenham informações de
procedimentos disciplinares;
II - Nas transmissões de informações pela Rede Local relacionadas a
procedimentos disciplinares, especialmente procedimentos digitalizados; e
III - Na criação de arquivos criptografados a serem enviados para demais
unidades da RFB.
Acrescente-se ainda que, conforme determinam a Portaria Coger nº 55, de 20 de julho
de 2012, em seu art. 1º, e a Ordem de Serviço Coger nº 1, de 13 de junho de 2013, em seus
arts. 1º a 5º, diversos momentos no curso do processo (ou do procedimento) obrigam que a
comissão (ou o servidor responsável) forneça cópias de termos processuais relevantes ou
proceda à digitalização da integralidade dos autos, a fim de disponibilizar, na pasta virtual
compartilhada referente ao Escor. Assim, conforme se detalha em 2.5.5, 4.2.7.2, 4.2.7.3,
4.9.3, 4.10.6.7 e em 5.1.2, devem ser fornecidas cópias em formato editável dos pareceres de
admissibilidade, de análise em julgamento e de análise de pedido de reconsideração e de
recurso hierárquico e também do relatório e deve-se proceder à atualização da cópia
digitalizada integral do processo a cada pedido de prorrogação do prazo ou de designação de
nova comissão, após a autuação do relatório e após o julgamento no âmbito do Escor ou após
o encaminhamento para a autoridade julgadora competente.
Portaria Coger nº 55, de 20/07/12 - Art. 1º Deverão ser digitalizados todos os
processos disciplinares, sindicâncias acusatórias e sindicâncias investigativas
no âmbito da Corregedoria-Geral, dos Escritório de Corregedoria nas Regiões
Fiscais (Escor) e no Núcleo de Corregedoria em Manaus (Nucor).
Ordem de Serviço Coger nº 1, de 13/06/13 - Art. 1º A Divisão de Controle da
Atividade Correcional (Dicac) criará, em pastas identificadas com os nomes
dos Escritórios e do Núcleo de Corregedoria da Secretaria da Receita Federal
do Brasil (Escor/Nucor), no endereço <\\compartilhamentos.rfoc.srf\
RFOC\ESCORXXDIGITAL>, subpastas denominadas:
I - PAD EM ANDAMENTO, onde serão armazenados cópias dos Processos
Administrativos Disciplinares (PADs) e das Sindicâncias Disciplinares que
estiverem em curso no Escor/Nucor;
II - PAD CONCLUÍDO, onde serão armazenados, após o encerramento dos
trabalhos no âmbito do Escor/Nucor, cópias dos PADs e das Sindicâncias
Disciplinares descritos no inciso I;
III - PROCESSOS CONCLUÍDOS COM JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
NEGATIVO, onde serão armazenados cópias dos processos administrativos
encerrados no Escor/Nucor que não resultarem em PAD ou Sindicância
Disciplinar; e
IV - DOCUMENTOS EDITÁVEIS, onde serão disponibilizados, em formato
editável, cópias dos relatórios finais produzidos pelas Comissões de Inquérito
740
editor de texto para papel e que, sem que seu(s) subscritor(es) aponha(m) sua(s) assinatura(s)
manuscrita(s), seja posteriormente digitalizado (escaneado) em arquivo de extensão pdf), tais
como termos processuais da lavra exclusiva da comissão e que não requerem participação e
assinatura de agentes estranhos, a exemplo de atas de deliberação, indiciação e relatório.
Pode-se dizer que este tipo de documento somente passará a existir de forma completa quando
seu(s) subscritor(es) fizer(em) sua(s) assinatura(s) digital(is) no sistema e-Processo,
decorrente de certificação digital de seu(s) token(s). Em síntese, o que define um documento
nato-digital é a assinatura digital feita no sistema, que pode ser verificada por meio de
consulta à palavra-chave do documento ou por suas marcas d´água (marcas d´água são
informações complementares aplicadas automaticamente pelo sistema no cabeçalho e no
rodapé de um documento autuado, tais como numeração da folha e identificação de quem o
autenticou, assinou e imprimiu, e que não existem no documento original, ou seja, não foram
objeto de edição pelo usuário).
Esta definição dos documentos digitais cabíveis no espectro dos documentos voltados
a comporem o volume processual principal, como arquivos pagináveis, repercute no
prosseguimento da descrição instrumental pois a quantidade de passos restantes no
procedimento de inclusão definitiva do documento no processo digital depende da forma pela
qual foi elaborado.
Para qualquer dos tipos de documentos digitais pagináveis (seja digitalizado, seja nato-
digital), após se ter então marcado a funcionalidade “Inclusão de Documentos” e classificado
aquele arquivo de extensão pdf, o responsável deve fazer sua autenticação, por meio de
certificação digital de seu token. A autenticação equivale ao “confere com o original” do
processo físico, por meio da qual o responsável apõe a sua fé pública para declarar a
igualdade entre o documento original em papel ou apenas digitado no editor de texto e o
documento de extensão pdf incluído no processo digital. Antes disto, qualquer documento
juntado ao processo digital na forma de arquivo de extensão pdf e classificado mas que ainda
não tenha sido autenticado (ou confirmado, no caso da já mencionada cópia simples) fica no
status de minuta, o que equivale a um rascunho visualizado apenas pelos integrantes da
equipe (comissão).
Como o documento digitalizado (escaneado) já teve a(s) assinatura(s) manuscrita(s)
do(s) seu(s) subscritor(es), bastam a inclusão do arquivo paginável de extensão pdf, a
classificação e a autenticação realizada pelo responsável para encerrar sua juntada de forma
definitiva no processo digital. A data do documento digitalizado no sistema e-Processo é a
mesma da assinatura do documento físico, figurando a data da autenticação apenas como
aquela em que se atestou sua autenticidade.
Já o documento nato-digital, que apenas teve seu conteúdo digitado no editor de texto
sem assinatura(s) manuscrita(s), para ter sua juntada de forma definitiva no processo digital,
deve ainda ser assinado digitalmente pelo responsável ou, se for o caso, por todos os
integrantes da equipe (comissão), por meio de sua(s) assinatura(s) digital(is) decorrente(s) de
certificação digital de seu(s) token(s). Isto significa que, no caso de comissão, após o
responsável fazer sua assinatura digital, deve redistribuir o processo digital para outro
integrante poder fazê-lo (o que faz alterar o responsável e cancelar eventuais habilitações por
nº de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), conforme já aduzido em 2.4.3.
Mas antes da autenticação e da(s) assinatura(s) digital(is) propriamente dita(s) do
documento nato-digital, convém que se faça o procedimento facultativo prévio (não
obrigatório) de definir a(s) assinatura(s) digital(is) do responsável ou dos integrantes da
equipe no sistema e-Processo. A rigor, o sistema aceita a definição prévia de assinatura
mesmo que somente um servidor venha a assinar o documento e assim se recomenda que seja
feito. Definindo-se então previamente a assinatura ou todas as assinaturas digital(is)
requerida(s) para a convalidação daquele documento específico, o sistema reconhece que o
documento deve permanecer na condição de documento validado, como um documento ainda
744
O “arquivo pdf com assinatura encapsulada” até poderia ser juntado em processo
digital como documento paginável; todavia, ao ser autenticado ou validado, o sistema e-
Processo não preservaria como disponíveis para visualização a(s) informação(ões) extra(s)
da(s) sua(s) assinatura(s) digital(is) apostas no aplicativo gerador. Caso se queira manter
consultável, após a juntada, aquele conteúdo que se encontrava encapsulado no arquivo
original, deve-se optar por sua juntada como arquivo não paginável, pois assim o sistema
preserva a(s) informação(ões) extra(s) nele contida(s) da(s) assinatura(s) digital(is) e
possibilita sua(s) confirmação(ões). Já o “arquivo pdf com arquivo encapsulado” não é aceito
de forma alguma no sistema e-Processo como documento paginável, podendo ser juntado ao
processo digital apenas como arquivo não paginável e, assim, o sistema preserva consultáveis
na íntegra não só o arquivo original como também o(s) outro(s) arquivo(s) vinculado(s).
Conforme já abordado linhas acima, repise-se que em havendo a necessidade de
preservar as demais características especiais de quaisquer documentos, como, por exemplo, as
macros e as funções de documentos textos ou planilhas eletrônicas, a sua juntada deverá ser
processada como arquivos não pagináveis, na medida em que a sua conversão para
documento de extensão pdf irá comprometer as informações do documento origem.
O acusado ativo (e não licenciado ou afastado) pode formalizar no sistema e-Processo
solicitação de juntada de documento (SJD), autenticado ou confirmado, oriundo de cópia
simples que não requer autenticação, ou ainda de arquivo não paginável.
Informe-se ainda que, além das já mencionadas cores dos documentos encerrados em
arquivos pagináveis no índice de documentos, o sistema e-Processo fornece outras indicações
por cor na tela da caixa de trabalho e no índice do processo digital, com o fim de alertar o
usuário acerca de alguma pendência:
• Indicador laranja: solicitação de juntada pendente de análise;
• Indicador verde: documento pendente de autenticação ou assinatura;
• Indicador amarelo: pendência de ciência;
• Indicador azul: pendência de manifestação da ciência;
• Indicador vermelho: pendência de cadastro no sistema Sief (não obrigatório para
processos disciplinares).
Quanto à destinação de documentos físicos produzidos no curso do processo digital,
cabem alguns desdobramentos em razão da origem.
Os documentos produzidos exclusivamente pela comissão, pela Corregedoria (Coger),
pelos Escritórios de Corregedoria (Escor), por qualquer unidade da Secretaria da Receita
Federal do Brasil (RFB) ou pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), sem
assinatura do acusado, residem na regra geral da juntada como documento paginável, qual
seja, devem ser convertidos para arquivo de extensão pdf, seja por procedimento de
digitalização (escaneamento), seja por meio de conversão eletrônica direta de impressão
digital, podendo ser descartadas suas respectivas matrizes físicas com suporte documental em
papel após a inclusão no processo digital, conforme se extrai do § 2º do art. 3º da Ordem de
Serviço Coger nº 1, de 3 de junho de 2015.
De outro giro, no caso de documentos produzidos pela comissão, pela Coger, pelos
Escor, por qualquer unidade da RFB ou pela PGFN e que possuam assinatura do acusado e
também os documentos produzidos exclusivamente por terceiros, após os documentos
pagináveis de extensão pdf serem incluídos no processo digital, as matrizes físicas de suporte
documental em papel devem ser arquivadas fisicamente em dossiê no Escor, até a remessa
definitiva do processo digital para arquivo.
Já no caso de qualquer tipo de documento apresentado pela defesa (desde provas
documentais, passando por petições e provocações, até a peça de defesa escrita - mas
748
ressalvando-se aqueles que tenham sido levados aos autos por meio de SJD para a hipótese
específica de acusado ativo e não licenciado ou afastado), após os documentos pagináveis de
extensão pdf serem incluídos no processo digital, as matrizes físicas devem ser devolvidas ao
autor, se for possível, mediante coleta de termo de recebimento de documento, a ser também
autuado no processo digital. Se a devolução não for possível, as matrizes físicas devem se
juntar ao mesmo dossiê arquivado no Escor, mencionado acima, até o fim da tramitação do
processo digital.
Ao final de cada ano, os dossiês de documentos físicos referentes a processos digitais
definitivamente arquivados no curso daquele período devem ser juntados em um único
processo com suporte documental em papel, a ser remetido ao Arquivo Geral da
Superintendência de Administração do Ministério da Fazenda (Samf).
A rigor, percebe-se que esta procedimentalização manualizada pela Coger difere da
positivação do caput e do § 1º do art. 3º da Ordem de Serviço Coger nº 1, de 2015, que
determinaria que o arquivamento das matrizes físicas no Escor se prolongasse até o fim do
prazo de prescrição da pretensão de discussão judicial acerca da autenticidade dos
documentos.
Ordem de Serviço Coger nº 1, de 2015 - Art. 3º Os documentos produzidos pela
Comissão ou pela defesa nos quais conste a assinatura do acusado deverão,
após sua digitalização, ser arquivados fisicamente no Escritório até que ocorra
a prescrição da pretensão de discussão judicial de autenticidade.
§ 1º O procedimento previsto no caput deverá ser adotado para documentos
produzidos por terceiros.
§ 2º Não se enquadram na categoria de documentos produzidos por terceiros
aqueles oriundos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou de qualquer
unidade da Receita Federal do Brasil.
Por fim, quanto ao arquivamento definitivo, informe-se que o sistema e-Processo
reserva um espaço virtual, denominado Arquivo Único, para o qual podem ser movimentados
os processos digitais ao fim de sua tramitação. A rigor, o Arquivo Único é uma equipe, já que
processos digitais somente podem ser movimentados para equipes. Mas trata-se de uma
equipe peculiar, que não possui usuários integrantes e, consequentemente, para a qual um
processo sigiloso pode ser movimentado sem atribuição de responsável. E é de se reconhecer
que o sistema e-Processo contempla perfis, não exclusivos de usuários da corregedoria, que
dão poder ao usuário de desarquivar qualquer processo digital encaminhado ao Arquivo
Único (mais, especificamente, os perfis “Epro-Arquivo” e “Epro-Processo Sigiloso”).
Conforme se detalhará em 4.10.6.8, se, de um lado, é certo que a cláusula de sigilo
imposta pelo caput do art. 150 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, ao processo
disciplinar é afastada com o seu julgamento e com sua remessa definitiva para arquivo, à luz
do § 3º do art. 7º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, de outro lado, também não se
discute que o art. 22 da mesma Lei excepciona a publicidade dos dados protegidos por
cláusulas específicas de sigilo de outras naturezas, tais como o sigilo fiscal, o sigilo bancário,
o sigilo profissional (em que se inclui a documentação de perícia médica), o sigilo telefônico
e demais dados relativos à intimidade, vida privada, honra e imagem e o segredo de justiça.
Lei nº 12.527, de 2011 - Art. 7º
§ 3º O direito de acesso aos documentos ou às informações neles contidas
utilizados como fundamento da tomada de decisão e do ato administrativo será
assegurado com a edição do ato decisório respectivo.
Art. 22. O disposto nesta Lei não exclui as demais hipóteses legais de sigilo e
de segredo de justiça nem as hipóteses de segredo industrial decorrentes da
exploração direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou
entidade privada que tenha qualquer vínculo com o poder público.
Portanto, os processos disciplinares em meio digital que contenham dados protegidos
por sigilo bancário, profissional, telefônico e relativos à intimidade, vida privada, honra e
749
imagem e sob segredo de justiça não devem ser movimentados para o Arquivo Único do
sistema e-Processo, devendo ser arquivados na equipe Arqui de cada Escor ou da Coger.
Percebe-se que a mera existência de documentos com dados protegidos por sigilo fiscal, não
oponível no âmbito da RFB, não impede a movimentação do processo digital para o Arquivo
Único do sistema, mantidas a marcações de sigilo previamente estabelecidas para usuários
internos e externos.
jurídicas construídas pela própria lei. Ressalve-se, para interesse de instância punitiva pública,
que o inciso II do art. 156 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de
Processo Penal (CPP) preserva a autonomia do julgador, caso lhe reste dúvida, para
diligenciar acerca de fatos até tidos como incontroversos entre as partes, mitigando a
aplicação dos incisos II e III do art. 334 do CPC.
CPC - Art. 374. Não dependem de prova os fatos:
I - notórios;
II - afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;
III - admitidos no processo como incontroversos;
IV - em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.
CPP - Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém,
facultado ao juiz de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 09/06/08)
II - determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a
realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (Incluído
pela Lei nº 11.690, de 9 de junho de 2008)
Uma vez que o objetivo da prova é firmar a convicção do julgador, tem-se um
inequívoco aspecto subjetivo nesta construção intelectual, em que a autoridade a quem se
dirige a prova pode evoluir desde o estado de ignorância acerca do fato, avançando para a
dúvida, progredindo para a certeza e, por fim, culminando no convencimento. Vigora no
ordenamento pátrio o sistema da persuasão racional das provas, consagrado no caput do art.
155 do CPP e no art. 371 do CPC, que permite ao julgador a livre valoração das provas,
porém longe da sua livre convicção pessoal e dissociada dos elementos dos autos, pois deve
fazê-lo delimitadamente ao que consta do processo e sob molde da motivação e dos
fundamentos de sua decisão, conforme já mencionado em 3.3.3.1.
CPP - Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação,
ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. (Redação dada
pela Lei nº 11.690, de 2008)
CPC - Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos,
independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as
razões da formação de seu convencimento
Em instância administrativa, busca-se o convencimento por meio da verdade material,
não se limitando a Administração à verdade formal dos elementos originalmente autuados, e,
para tal, dispõe o julgador da liberdade e da elasticidade na atividade de instrução probatória,
podendo-se valer de todos os meios hábeis de prova para fixá-los, materializá-los como
elementos válidos no processo a fim de fornecer convencimento ao destinatário.
A rigor, as provas podem ser transportadas do mundo real para o processo através dos
meios da reconstrução histórica (sob a forma de provas orais, por exemplo), da representação
(sob a forma documental, por exemplo) ou ainda da reprodução objetiva (sob as diversas
formas materiais, como pericial, por exemplo), sendo necessário diferenciar o meio de prova
(o instrumento com que se leva o fato para os autos) da forma da prova (que é maneira como a
prova se apresenta, tais como oral - ou pessoal -, documental e pericial). Diante da sutileza da
diferenciação destes dois conceitos, que requer um grau de aprofundamento desnecessário ao
objetivo deste texto, permite-se a liberalidade simplificadora de se usar indistintamente o
termo “meio” com o fim de abranger também o conceito de “forma”.
Neste rumo, tem-se que, dentre as diversas classificações que a doutrina estabelece
para a matéria probatória, pode-se dividir as provas em típicas, que são aquelas reguladas
expressamente na lei processual (por exemplo, o testemunho, o interrogatório, a acareação, a
diligência, a perícia, o documento, a presunção, conforme se somam os arts. 151 a 159 da Lei
nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, os arts. 155 a 250 do CPP e os arts. 369 a 484 do CPC e
756
ainda o art. 212 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil (CC) e em atípicas,
que, residualmente, são as provas cujos meios de obtenção não estão regulados ou
mencionados em lei, mas que nem por isto são vedadas e que gozam de presunção da validade
no art. 369 do CPC e também de forma implícita no parágrafo único do art. 155 do CPP
(figurando como exemplo a prova emprestada). Daí, exemplos de provas de ambas as espécies
podem ser válidos, a despeito de inexistência de expressa previsão legal para as provas
atípicas, já que o princípio da verdade material não se coaduna com o esgotamento ou com a
delimitação dos meios de prova. As listas de atos probatórios constantes dos diplomas legais
acima não é exaustiva, delimitando-se apenas, em patamar constitucional, por aquelas provas
que afrontam a moralidade, a dignidade humana e todas as cláusulas de proteção individual.
CPC - Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem
como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para
provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir
eficazmente na convicção do juiz.
CPP - Art. 155.
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as
restrições estabelecidas na lei civil. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
CC - Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico
pode ser provado mediante:
I - confissão;
II - documento;
III - testemunha;
IV - presunção;
V - perícia.
Neste sentido, no âmbito infralegal, a Controladoria-Geral da União, por meio de sua
Instrução Normativa CGU nº 14, de 14 de novembro de 2018, reiterou a possibilidade de
emprego de todos os meios de prova admitidos em lei. De se ressaltar que a norma infralegal
positivou a aceitabilidade da prova emprestada.
Instrução Normativa CGU nº 14, de 2018 - Art. 12. Nos procedimentos
correcionais regulamentados nesta Instrução Normativa poderão ser utilizados
quaisquer dos meios probatórios admitidos em lei, tais como prova documental,
inclusive emprestada, manifestação técnica, tomada de depoimentos e
diligências necessárias à elucidação dos fatos.
Para suprir o já mencionado sistema da persuasão racional em que o julgador
livremente valora as provas, se, por um lado, o julgador deve limitar-se ao conjunto
probatório autuado e não pode se manifestar por mera opinião pessoal extra-autos, por outro
lado, pode diligenciar para trazer ao processo tudo o que cogita de ser relevante para o seu
próprio convencimento e diante das provas coletadas, não se prende a nenhuma escala prévia
de valor absoluto, atribuindo-lhes leitura dinâmica de valor.
Convém ressalvar que, não obstante vigorar no ordenamento pátrio a regra geral de
que, em princípio, são aceitos todos os meios empregados na comprovação, para que as
provas validamente atuem na formação de convicção da autoridade julgadora, devem ser
obtidas em obediência a ditames de lei material e processual, sob pena de inadmissibilidade
ou de ilegalidade.
Uma segunda classificação doutrinária acerca da matéria probatória é aquela que as
divide em função de seu grau de associação com o fato que se quer comprovar. Daí, a prova é
chamada direta quando se refere ao fato cuja ocorrência ou inocorrência se busca comprovar
ou quando é este próprio fato probando, fornecendo ao destinatário da prova a ideia integral
que carrega em si mesma, dispensando-lhe de qualquer construção baseada em seu raciocínio
ou em sua experiência. Já a prova indireta é aquela que se associa a fato outro que não o fato
que se deseja comprovar, mas que, por meio de um trabalho de raciocínio ou de uma
757
2006
“O indício é um conceito largamente utilizado no Direito Processual Penal e,
mais ainda, há de sê-lo no Direito Administrativo Sancionador. (...) O Direito
Administrativo Sancionador é especialmente receptivo à prova indiciária
enquanto meios probatórios, até porque essa modalidade de prova é
fundamental no estabelecimento de pautas de ‘razoabilidade’ nos julgamentos.
No fundo, a razoabilidade do decreto condenatório é muito mais importante do
que a suposta ‘certeza’ subjetiva absoluta do julgador.
No campo das responsabilidades sancionatórias, cabe aduzir que os indícios
podem ser suficientes para uma condenação, especialmente no terreno do
Direito Administrativo repressor (...).” Fábio Medina Osório, “Direito
Administrativo Sancionador”, pgs. 492 a 494, Editora Revista dos Tribunais, 2ª
edição, 2005
do processo), o polo ocupado pela Administração altera-se em seu agente condutor. Se, na
fase de instauração, a decisão de dar início ou não às apurações recai sobre a autoridade legal
e regimentalmente competente e se, na fase final de julgamento, retorna a autoridade a atuar,
tem-se que, no cerne e na fase mais rica do processo, qual seja, a segunda fase, do chamado
inquérito administrativo, onde se coleta a instrução probatória e onde se firma a convicção
contrária ou a favor do servidor, é a comissão que atua e conduz os trabalhos apuratórios,
mantendo com o acusado a dialética jurídica válida na busca da materialização da prova.
Nesta fase de inquérito administrativo (apesar da infeliz denominação adotada pelo
legislador, trata-se de uma fase integralmente contraditória e marcada pela ampla participação
da defesa na formação probatória), não se tem no processo disciplinar a bipolaridade
antagônica, diante do juiz, de um agente acusador, em oposição ao polo que se defende. Na
verdade, na essência dos princípios reitores da processualística disciplinar (mais sagrados que
a literalidade nem sempre feliz da lei), esta segunda fase, marcada pela busca das provas
formadoras de convicção, caracteriza-se pela atuação de ofício da comissão na busca da
verdade material de tudo aquilo que possa interessar imparcialmente no esclarecimento fático.
Desdobra-se aqui, desde já, uma interessante consequência diferenciadora da
processualística disciplinar em comparação com os ritos processuais judiciais. O fato de não
haver quem acusa ou pleiteia e quem se defende ou contesta, ou seja, de não litigarem duas
partes com interesses antagônicos, faz com que o instituto da preclusão sofra frequentes
mitigações. No rito administrativo, mais fortemente fincado na busca da verdade material que
os processos judiciais (nos quais o respeito aos interesses e direitos processuais da parte
oponente valorizam, por vezes, a verdade formal), os delimitadores formais assumem menor
força determinante, em razão da simultânea atuação do princípio do formalismo moderado.
Uma vez que concessões e tolerâncias a favor da defesa, que possam ser concedidas em
diversos momentos processuais, além do que expressamente se encontra previsto em lei, não
geram prejuízo a interesses de parte oponente - visto não existir esta parte antagônica -,
aceita-se a mitigação da preclusão de direitos e de prazos de interesse da defesa. Assim, não
raro, os prazos concedidos à defesa na fase de instrução probatória não são fatais,
prevalecendo, muitas vezes, o maior apego à busca da prova do que ao rigor formal.
O processo disciplinar é um instrumento de ofício por meio do qual a Administração
deve ser capaz de atender ao apelo social e suprir respostas a apenas - em síntese - duas
perguntas: se realmente houve o fato supostamente ilícito narrado na representação ou na
denúncia e quem foi seu autor. Apenas disto deve cuidar o processo disciplinar e, por
conseguinte este é o rumo a ser tomado pela comissão quando, na segunda fase processual,
ocupa o lugar do Estado-Administração na condução dos trabalhos apuratórios.
Por mais difícil que, de fato, possa ser para quem atua no processo disciplinar -
sobretudo para quem se vê em seu polo passivo - , é necessário que se abstraia de qualquer
visão maniqueísta e que se compreenda que, neste rito, não há polo acusatório se
confrontando com defesa, mas sim, há um ente estatal que, por oficialidade, imparcialidade e
interesse público, busca apurar tudo o que possa ser relevante para trazer aos autos,
materializado como prova juridicamente válida, a verdade dos fatos e o esclarecimento da
representação ou denúncia que provocou a instauração. Em outras palavras, a comissão não
acusa, mas sim apura. A comissão não atua como acusação, mas sim como polo de apuração.
Apurar não necessariamente se confunde com acusar.
Desta seriíssima construção principiológica que informa o processo disciplinar em sua
base - e que também se apóia no princípio da comunhão da prova, já abordado em 3.3.3.7 -,
advém um dos pilares de sua sustentação, que é de que, neste rito, não existe a dicotomia de
provas de acusação e provas de defesa, bem como não há atos da comissão e atos da parte. Os
atos processuais e os elementos de prova no processo disciplinar têm igual valor neste
sentido, independentemente de terem sido realizados por diligência de ofício e espontânea da
comissão ou de terem sido trazidos pelo acusado ou de terem tido sua realização, por parte do
762
colegiado, a pedido da parte. Seja qual for a forma pela qual o ato ou a prova venha a ser
produzido e autuado no processo disciplinar, isto somente ocorre se o ato ou a prova se
demonstra de interesse público, ou seja, caso se demonstre relevante para o interesse maior e
para o único objeto que move a Administração nesta senda, que é imparcialmente esclarecer o
fato representado ou denunciado. Na processualística disciplinar, adota-se o pressuposto de
que os atos de instrução probatória que têm sua realização decidida pela comissão, seja de
ofício, seja a pedido, são todos, indistintamente, atos ou provas do processo ou atos ou provas
da Administração, no sentido oficial e público do termo (não se confundindo com parte
persecutória), a quem, em última análise, sempre interessa o imparcial esclarecimento do fato.
Desta base principiológica exsurgem imediatas consequências. A primeira é de que
não há limitações quantitativas de provas a serem realizadas de ofício ou a pedido da defesa.
Tantas quantas forem as provas que se demonstrem relevantes e imprescindíveis ao
esclarecimento fático tantas serão aquelas realizadas, independentemente de que lado tenha
partido a iniciativa de fazê-la.
Nesta compreensão se funda a interpretação a se extrair do art. 155 da Lei nº 8.112, de
11 de dezembro de 1990. Em consonância com os dispositivos não taxativos constantes do
art. 369 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil (CPC) e do
parágrafo único do art. 155 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de
Processo Penal (CPP) e do art. 212 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil
(CC), mencionados em 4.4.1.1, é certo que a lista de atos instrucionais mencionada no
Estatuto é meramente exemplificativa, sem o condão de exaurir as hipóteses de emprego de
busca de prova, podendo decorrer sua realização tanto de iniciativa da própria comissão,
cumprindo seu dever de ofício de apurar, quanto de pedido do acusado, exercendo seu direito
à ampla defesa e ao contraditório.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 155. Na fase do inquérito, a comissão promoverá a
tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis,
objetivando a coleta de prova, recorrendo, quando necessário, a técnicos e
peritos, de modo a permitir a completa elucidação dos fatos.
Ainda como consequência, afirma-se que, em princípio, não cabe à comissão impor ou
repassar para o acusado os custos de realização de ato instrucional, como também defende a
doutrina, a menos que, excepcionalmente, em situações específicas, a Administração não
disponha de recursos, quando então deve ser notificado o acusado de que o ato probatório
solicitado somente será realizado com sua aquiescência em custeá-lo. Por outro lado, a defesa
não tem o condão de, na via administrativa, impugnar determinado ato de instrução,
obrigando sua desconsideração na convicção, também com aquiescência doutrinária.
“A Administração Pública tem o compromisso de esclarecer a verdade. Ela não
pode transferir ao acusado o ônus desse encargo. Dessa forma, custos
decorrentes de perícias e traduções, por exemplo, devem ser assumidos pelo
Erário. Condicionar uma perícia requerida ao pagamento pelo servidor é
cercear a plenitude de defesa.
À comissão processante cabe examinar a necessidade da prova. Uma vez
reconhecida como fundamental ao esclarecimento dos fatos, não importa se
requerida pelo acusado; há que ser deferida, passando a Administração a
cobrir os custos dela decorrentes.” Léo da Silva Alves, “Prática de Processo
Disciplinar”, pg. 231, Editora Brasília Jurídica, 1ª edição, 2001
“Não compete à defesa a impugnação da prova, mesmo porque a apreciação
da sua validade é ulterior e nela entra, substancialmente, o critério que difere
do Poder Judiciário, baseado na discricionariedade dos atos administrativos,
mas pode, isto sim, a defesa irrogá-la como de nenhum efeito jurídico, no seu
entender.” Egberto Maia Luz, “Direito Administrativo Disciplinar - Teoria e
Prática”, pg. 181, Edições Profissionais”, 4ª edição, 2002
Ainda neste tema de custos incursos na instrução processual, incumbe ao presidente da
763
menos de situação excepcional, em que uma perícia, por exemplo, é essencial para ditar o
rumo da continuidade da apuração, a instrução não é suspensa ou interrompida até que se
obtenha, por meio de laudo, termo, etc, o resultado daquela prova externa. Uma forma de
tentar suprir celeridade na realização de atos de instrução desta natureza é a comissão entrar
em contato com o órgão ou unidade para tentar identificar quem procederá ao trabalho de
perícia, assessoria técnica ou assistência técnica e buscar um contato pessoal.
Em regra, pode-se ter, como primeira recomendação, ouvir como testemunha o
representante ou denunciante, caso exista esta figura, a fim de inquirir se confirma o teor da
peça escrita, conforme se abordará em 4.4.4.
Mas, a rigor, é o curso do processo que vai determinar os atos a serem realizados e a
sua sequência, à medida que a comissão for formulando sua convicção. Embora jurídica e
formalmente somente se admita que a comissão considere-se convicta ao final da instrução,
devido ao senso crítico e analítico natural de qualquer um, a convicção é construída (e, talvez,
destruída) ao longo da instrução e a cada novo elemento de prova coletado. Não deve a
comissão, a despeito das provas dos autos, ser refratária ou agir com inércia para alterar seu
entendimento acerca do caso.
Ratificando-se o já exposto em 2.5.3.3.1, caso excepcionalmente tenha sido realizado,
em qualquer procedimento investigativo em fase de admissibilidade, algum ato de instrução
probatória que tenha natureza contraditória - a exemplo de provas orais em geral (oitivas,
interrogatórios ou acareações), diligências, perícias e assessorias técnicas - sem que se tivesse
acusado a se notificar e se demonstre relevante para a formação de convicção da comissão
condutora do inquérito administrativo subsequente, o seu emprego no curso do processo
disciplinar e a sua valoração na formação de convicção da comissão requerem seu
refazimento de ofício, independentemente de pedido da defesa. E o mesmo se aplica ao caso
de servidor notificado como acusado posteriormente já no curso do inquérito administrativo,
conforme se aduziu em 4.3.4.2.
Nesta senda, não são suficientes para defender a manutenção daquele ato de instrução
probatória de natureza contraditória coletado de forma inquisitorial a tese de que todos os
ritos antecedentes podem integrar o processo disciplinar como peças informativas, na
extensão do caput do art. 154 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e a alegação de
que a notificação inicial da condição de acusado faz-se acompanhar de cópia integral dos
autos e expressa que o servidor tem direito a pedir e questionar provas e o seu silêncio
significaria aceitação tática de todo conjunto autuado. Mesmo diante de tais contra-
argumentos, na supremacia do pleno atendimento do princípio do contraditório, em
detrimento de economia processual e celeridade, deve imperar o conservadorismo e a
comissão deve refazer aquele ato coletado de forma inquisitorial para que possa considerá-lo
relevante para sua formação de convicção, independentemente de pedido da defesa.
O não atendimento da advertência acima, do refazimento de ofício, significa reduzir o
apriorístico valor de uma prova de natureza contraditória e dinâmica a uma prova de natureza
documental e estática e, com isto, desatende-se de forma grave o indispensável respeito ao
princípio do contraditório a favor do acusado.
A simples oferta, já no curso do processo disciplinar, de poder questionar e contestar
por escrito o conteúdo estático do termo já autuado da prova que originalmente possuía
natureza contraditória significa reduzi-la à condição de prova documental e suprimir do
acusado o direito à plenitude do contraditório (a plenitude de poder contraditar um ato
probatório reside na possibilidade de presença, participação e contestação no real momento de
sua feitura e coleta, depreendendo a natureza e a dinâmica intrínseca do ato, antes de sua fria e
estática redução a termo). Portanto, sem tal oferta plena, estes atos de natureza contraditória
feitos na fase de admissibilidade serão nulos e carrearão nulidade à formação de convicção
contrária a esta defesa, se forem considerados na eventual indiciação, conforme também
entende a jurisprudência.
770
investigações.
Encareceu o Superior Tribunal de Justiça: ‘O indeferimento motivado do
pedido de acareação de testemunhas e de perícia grafotécnica não importa em
cerceamento de defesa quando o conjunto probatório dos autos tornar
desnecessária a produção de tais provas.’
Fernando Capez sustenta que apenas os fatos duvidosos em sua configuração e
relevantes para julgamento do processo devem ser objeto da atividade
probatória.
Enuncia o Superior Tribunal de Justiça: ‘O indeferimento de pedido de
produção de perícia, por si só, não se caracteriza como cerceamento de defesa,
principalmente se a parte faz solicitação aleatória, desprovida de qualquer
esclarecimento.’ Ratifica a Corte: ‘Não há cerceamento de defesa no
indeferimento de produção de prova manifestamente desnecessária.’
O Superior Tribunal de Justiça endossou: ‘Não há ilegalidade em ato
indeferitório de produção de provas eminentemente protelatórias, competindo,
ainda, ao servidor a entrega de documentos que pretenda utilizar-se, desde que
fiquem sob a sua guarda’.” Antonio Carlos Alencar Carvalho, “Manual de
Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância”, pg. 497, Fortium Editora,
1ª edição, 2008
“A L. 8.112 faculta ao presidente da comissão indeferir pedidos de provas que
considere impertinentes, ou meramente protelatórias, ou desinteressantes para
o esclarecimento dos fatos. Significa isto que sempre que o servidor indiciado
requerer prova de todo inaplicável ao caso, ou com intenção manifestamente
procrastinatória, apenas para consumir tempo útil de processo, ou ainda sem
qualquer relação com ele, poderá indeferir tal pedido. Desnecessário recordar
que todo e qualquer indeferimento dessa natureza precisará estar justificado
com rigor e precisão, pois está, em última análise, furtando ao indiciado o
direito de uma prova que requereu.
É certo que nem toda a prova pedida precisa ser deferida, tanto no processo
administrativo quanto no judicial, onde é frequente Juízes indeferirem
requerimentos de provas que consideram impertinentes, protelatórios ou
irrelevantes. Em todos os casos, entretanto, repita-se, a denegação dos pedidos
precisará estar razoavelmente fundamentada, demonstrando-se quão indevido é
o pedido. Em assim não acontecendo, remanescerá ao requerente um claro
direito à obtenção da prova, factível até pela via do mandado de segurança.”
Ivan Barbosa Rigolin, “Comentários ao Regime Jurídico Único dos Servidores
Públicos Civis”, pg. 294, Editora Saraiva, 4ª edição, 1995
De se destacar a informação, acima constante, de que o eventual indeferimento de
pedido de prova apresentado pela defesa deve ser notificado ainda no curso da instrução, para
que o acusado possa contestá-lo diante da própria comissão.
Embora estejam igualmente inseridos no chamado direito de petição (previsto nos arts.
104 a 115 da Lei nº 8.112, de 1990, e que, como gênero, sintetiza o direito de o administrado
requerer diretamente à Administração), há dois institutos que, à vista da autonomia e da
independência da comissão, exigem aqui uma abordagem específica: o pedido de
reconsideração e o recurso hierárquico. Sendo a comissão o ente exclusivamente competente
para a condução da segunda fase do processo (o inquérito administrativo), tem-se que, aí, ela
é a própria Administração. Como tal, em tese, seus atos poderiam suscitar os dois
requerimentos acima citados.
De um lado é certo que o indeferimento, por parte da comissão, de qualquer petição
apresentada pelo acusado, referente a ato instrucional, pode ser objeto de um único pedido de
reconsideração ao próprio colegiado, à luz do art. 106 da Lei nº 8.112, de 1990, a fim de que
ele reveja sua decisão original.
Todavia, de outro lado, sendo a comissão um órgão autônomo e independente na
Administração Pública, não se inserindo em via hierárquica e não sendo subordinada a
776
que os documentos públicos podem ser judiciais, elaborados por escrivães ou serventuários de
justiça nas escrivanias de justiça (cartórios judiciais) ou nas secretarias de varas de justiça; ou
notariais, elaborados por tabeliães (notários) responsáveis por tabelianatos (ofícios de notas
ou notariados) ou oficiais responsáveis por registros públicos; ou ainda administrativos,
elaborados por servidores em geral de qualquer outro órgão público. Os documentos são
particulares se elaborados por um agente particular ou por quem aja nesta qualidade. A esta
primeira classificação acrescente-se que os documentos podem ser assinados (subscritos) ou
anônimos: os documentos assinados possuem autoria aparente (bem como presunção de que o
conteúdo nele representado foi desejado pelo autor), a ser confirmada ou não com a sua
autenticidade, e os não assinados não possuem autoria aparente.
CPC - Art. 405. O documento público faz prova não só da sua formação, mas
também dos fatos que o escrivão, o chefe de secretaria, o tabelião ou o servidor
declarar que ocorreram em sua presença.
Na sequência destes primeiros conceitos, à luz dos arts. 410 e 411 do CPC, tem-se que
os documentos públicos gozam de presunção de serem autênticos (pois trazem em si mesmos
a prova da autoria); já os documentos particulares somente são reputados autênticos se o
tabelião reconhecer a firma aposta em sua presença, necessitando em regra serem autenticados
(tendo a autoria comprovada fora de si mesmos) ou podem ainda restar sem autenticidade.
CPC - Art. 410. Considera-se autor do documento particular:
I - aquele que o fez e o assinou;
II - aquele por conta de quem ele foi feito, estando assinado;
III - aquele que, mandando compô-lo, não o firmou porque, conforme a
experiência comum, não se costuma assinar, como livros empresariais e
assentos domésticos.
Art. 411. Considera-se autêntico o documento quando:
I - o tabelião reconhecer a firma do signatário;
II - a autoria estiver identificada por qualquer outro meio legal de certificação,
inclusive eletrônico, nos termos da lei;
III - não houver impugnação da parte contra quem foi produzido o documento.
O termo “documento” comporta duas acepções, em sentido amplo e em sentido estrito.
Em sentido amplo, contém tanto o conceito de “instrumento” quanto o de documento em
sentido estrito. O termo “instrumento “ refere-se aos documentos que, desde sua feitura,
destinam-se a figurar como prova pré-constituída de algum fato, constituindo, extinguindo ou
modificando este ato jurídico, e que, como tal, em regra, são escritos e formais, restando os
documentos em sentido estrito (a que o já reproduzido caput do art. 232 do CPP chama de
“papéis”) como prova apenas casualmente, pois não são elaborados com este fim específico e
pré-determinado.
Tanto os instrumentos quanto os documentos em sentido estrito podem ser públicos ou
particulares, de acordo com a definição genérica acima já exposta. Quanto aos instrumentos,
no primeiro caso, inserem-se como públicos, dentre outros, os atos processados em juízo, tais
como peças de processos judiciais, elaborados por escrivães ou por serventuários de justiça;
as escrituras públicas lavradas por tabeliães (notários) ou por oficiais de registros públicos, à
vista de seus livros e assentamentos cartoriais extrajudiciais, sendo certo que, por vezes, a lei
exige algum destes requisitos formais, conforme comanda o art. 406 do CPC; e, como
particulares, os contratos civis, as escrituras particulares, os livros comerciais e contábeis, os
recibos, os cheques, as procurações e os papéis e registros domésticos ainda que não
assinados. Residualmente, quanto aos documentos em sentido estrito, dentre outros,
mencionam-se como públicos os termos que consubstanciam atos administrativos em geral; e,
como particulares, as cartas missivas, as mensagens e as notícias de mídia, submetidas a
critério constitucional de admissibilidade, conforme reitera o art. 233 do CPP. De se ressalvar
que as exemplificações acima são dinâmicas; em outras palavras, um documento em sentido
estrito pode ser alçado à espécie de instrumento se for elaborado com a prévia intenção de
780
servir de meio de prova de um fato e um instrumento pode valer como documento em sentido
estrito se casualmente vier a valer como prova de um fato distinto daquele nele representado.
CPC - Art. 406. Quando a lei exigir instrumento público como da substância do
ato, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta.
CPP - Art. 233. As cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios
criminosos, não serão admitidas em juízo.
Parágrafo único. As cartas poderão ser exibidas em juízo pelo respectivo
destinatário, para a defesa de seu direito, ainda que não haja consentimento do
signatário.
Neste aspecto, esclareça-se que as provas coletadas por meio de atos instrucionais são
materializadas nos autos em forma documental. Citem-se, a título de exemplos não
exaustivos, as provas orais e diligenciais, que são materializadas nos autos por meio de
termos; e as provas periciais, que o são por meio de laudos. Não sendo provas pré-
constituídas que porventura posteriormente se mostraram de pertinente juntada ao processo
mas sim tendo sido provas produzidas com o fim específico de comporem os autos, a rigor,
tais elementos não possuem a natureza de prova documental, mas sim mantêm suas naturezas
intrínsecas de prova oral ou pericial, a despeito da forma como se materializam nos autos.
Os documentos públicos, em sentido amplo, fazem prova, tanto em relação às partes
quanto em relação a terceiros, não só acerca de sua própria lavratura mas também acerca de
tudo o que o agente público (em sentido amplo) nele relatou, nos termos do já mencionado
caput do art. 405 do CPC. Já os documentos particulares, em sentido amplo, uma vez
assinados, fazem presumir, de forma relativa, como verdadeiras todas as assertivas neles
registradas, não se aceitando sua consideração fracionada apenas naquilo que favorece a parte,
presunção que se fortalece em autenticidade caso sejam expressa ou tacitamente reconhecidos
pela parte, cabendo-lhe, em sentido inverso, contestar a autenticidade de sua assinatura e o
conteúdo documentado, conforme leitura conjunta dos arts. 408 e 412 do CPC e do art. 235
do CPP. Os documentos particulares, em sentido amplo, não assinados (tais como papéis e
registros domésticos) fazem prova apenas em sentido desfavorável em relação ao signatário,
incumbindo-lhe o ônus da prova a seu favor acerca daquilo que declarou. Também os livros e
a escrituração contábeis não admitem consideração fracionada, por ordem dos arts. 417 e 419
do CPC.
CPP - Art. 235. A letra e firma dos documentos particulares serão submetidas a
exame pericial, quando contestada a sua autenticidade.
CPC - Art. 408. As declarações constantes do documento particular escrito e
assinado ou somente assinado presumem-se verdadeiras em relação ao
signatário.
Parágrafo único. Quando, todavia, contiver declaração de ciência de
determinado fato, o documento particular prova a ciência, mas não o fato em
si, incumbindo o ônus de prová-lo ao interessado em sua veracidade.
Art. 412. O documento particular de cuja autenticidade não se duvida prova
que o seu autor fez a declaração que lhe é atribuída.
Parágrafo único. O documento particular admitido expressa ou tacitamente é
indivisível, sendo vedado à parte que pretende utilizar-se dele aceitar os fatos
que lhe são favoráveis e recusar os que são contrários ao seu interesse, salvo se
provar que estes não ocorreram.
Art. 417. Os livros empresariais provam contra seu autor, sendo lícito ao
empresário, todavia, demonstrar, por todos os meios permitidos em direito, que
os lançamentos não correspondem à verdade dos fatos.
Art. 419. A escrituração contábil é indivisível, e, se dos fatos que resultam dos
lançamentos, uns são favoráveis ao interesse de seu autor e outros lhe são
contrários, ambos serão considerados em conjunto, como unidade.
Os documentos podem se apresentar em original, quando são os próprios documentos
genuínos que fazem conhecer ou que representam o fato, ou em cópia, que são reproduções,
781
4.4.1.7 - Tradução
No caso de apresentação de provas documentais escritas em idioma estrangeiro, uma
vez que a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de
1999, não trataram do assunto, autoriza-se a aplicação subsidiária do dispositivo processual
penal. O Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal (CPP),
em seu art. 236, estabelece que estas provas, se relevantes para formação da convicção,
devem ter o seu original juntado aos autos e ser traduzidas, em princípio, por tradutor público
(também chamado de tradutor juramentado). Quanto à tradução, atente-se que a lei penal a
menciona em condicional (se necessária), subentendendo-se que pode ser dispensada,
dependendo do caso concreto e do tipo de prova de que se trata, conforme também assevera a
jurisprudência.
CPP - Art. 236. Os documentos em língua estrangeira, sem prejuízo de sua
juntada imediata, serão, se necessário, traduzidos por tradutor público, ou, na
falta, por pessoa idônea nomeada pela autoridade.
STJ, Recurso Especial nº 616.103: “Ementa: 1. Em se tratando de documento
redigido em língua estrangeira, cuja validade não se contesta e cuja tradução
não é indispensável para sua compreensão, não é razoável negar-lhe eficiência
de prova. O art. 157 do CPC, como toda regra instrumental, deve ser
interpretado sistematicamente, levando em consideração, inclusive, os
princípios que regem as nulidades, nomeadamente o de que nenhum ato será
declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para acusação ou para a
defesa (pas de nullité sans grief). Não havendo prejuízo, não se pode dizer que
a falta de tradução, no caso, tenha importado violação ao art. 157 do CPC.”
TRF da 2ª Região, Apelação Cível nº 361.011: “Ementa: II. Não se mostra
razoável exigir-se que a Comissão de Inquérito Administrativo providencie a
realização de perícia, não somente porque a incolumidade dos documentos em
foco se mostra legitimamente apta a revelar a realidade sobre os fatos jurídicos
786
fizeram ou o farão seu cônjuge, parentes ou afins de até terceiro grau (destacando-se
que, na Lei Geral do Processo Administrativo, que não é disciplinar, o termo
“representante” tem o significado de “procurador” e não de “servidor denunciante”),
conforme ampara a doutrina;
“A Lei quer impedir que o agente funcione no processo assumindo mais de uma
função, possibilitando a ocorrência de constrangimento em virtude de eventuais
posições geradoras de manifestação de vontade antagônicas. De fato, se o
indivíduo está em posições jurídicas diversas, não terá como evitar o
desconforto de admitir duas soluções para a mesma questão. É isso que o
legislador quer impedir.
A participação impeditiva pode dar-se quando o agente é perito; a razão é
óbvia: o perito exerce função eminentemente técnica e, portanto, deve situa-se
distante de qualquer interesse. Assim, não é compatível que seja perito técnico
e ao mesmo tempo encarregado de decidir a matéria do processo. O mesmo se
dá quando desempenha o papel de testemunha: como a esta cabe relatar fatos
de forma verídica, deve também estar longe das partes, e tal posição se
incompatibiliza com a de autoridade incumbida do processo. Como
representante, a incompatibilidade é indiscutível: a qualidade de representante
implica, como é natural, a defesa dos interesses do representado. Se assim é,
nenhuma isenção terá o agente da Administração se estiver ligado por vínculo
de representação com o interessado.” José dos Santos Carvalho Filho,
“Processo Administrativo Federal”, pg. 133, Editora Lumen Juris, 2ª edição,
2005
• e estar litigando judicial ou administrativamente com o acusado ou com o cônjuge ou
companheiro do acusado, desde antes da instauração do processo disciplinar.
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 18. É impedido de atuar em processo
administrativo o servidor ou autoridade que:
I - tenha interesse direto ou indireto na matéria;
II - tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou
representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou
parente e afins até o terceiro grau;
III - esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou
respectivo cônjuge ou companheiro.
Art. 19. A autoridade ou servidor que incorrer em impedimento deve comunicar
o fato a autoridade competente, abstendo-se de atuar.
Parágrafo único. A omissão do dever de comunicar o impedimento constitui
falta grave, para efeitos disciplinares.
Em 2.5.2, alertou-se que se aplicam à autoridade instauradora as mesmas cláusulas de
impedimento e suspeição aqui abordadas. Assim, nos termos do inciso II do art. 18 da Lei nº
9.784, de 1999, em regra, não é recomendável acatar pedido da parte para que a autoridade
instauradora também atue no processo como testemunha.
E em 4.2.6 já se aduziu que, enquanto os incisos I e III, por razões distintas (o
primeiro, por conter indesejável parcela de subjetividade e por não apresentar contornos
definidos em hipótese de impedimento; e o terceiro, por ser de cristalina e inequívoca
objetividade), não merecem aprofundamento, faz-se necessário abordar o inciso II do art. 18
da Lei nº 9.784, de 1999. A hipótese de impedimento, nos estritos termos legais, se limita à
atuação de um agente (ou de seus parentes) no mesmo processo sob mais de uma função. Ou
seja, a primeira leitura que se extrai do dispositivo legal é de que o impedimento não se aplica
à hipótese de um agente (ou seus parentes) ter atuado em outro processo administrativo e
menos ainda em processo judicial em que figura(ou) o mesmo servidor interessado (acusado).
Em princípio, pode atuar na instrução probatória quem já atuou em outro processo
administrativo ou judicial em que figura(ou) o mesmo servidor acusado. Todavia, nada
impede que, à vista de peculiaridades de eventual caso concreto, em que a participação em
outros autos tenha se marcado por fortes manifestações a favor ou contra o servidor acusado
790
amizade íntima pressupõe relacionamento além dos limites laborais, com visitas familiares,
lazer conjunto e ligação afetiva de companheirismo e preocupação pessoal. Por outro lado, a
inimizade notória também requer um conflito que ultrapasse mera reação de baixa empatia ou
mesmo de antipatia, de conhecimento geral pelo menos dentro do ambiente da repartição.
Ademais, o vício fica sanado se não for arguído pelo acusado ou pelo próprio agente suspeito,
ainda em sintonia com a jurisprudência.
Lei nº 9.784, de 1999 - Art. 20. Pode ser arguida a suspeição de autoridade ou
servidor que tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum dos
interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins
até o terceiro grau.
Art. 21. O indeferimento de alegação de suspeição poderá ser objeto de
recurso, sem efeito suspensivo.
STF, Recurso em Mandado de Segurança nº 24.613: “Ementa: 2. Nas hipóteses
de suspeição há presunção relativa de parcialidade, sujeita à preclusão. Se o
interessado deixa de arguí-la na primeira oportunidade em que lhe couber falar
nos autos (art. 138, § 1º do CPC), convalida-se o vício, tendo-se por imparcial
o magistrado.”
E, em interpretação extensiva § 2º do art. 149 da Lei nº 8.112, de 1990, pode-se
acrescentar ainda como possibilidade de suspeição a hipótese de o agente interveniente ser
cônjuge, parente ou afim de até terceiro grau do acusado (hipótese em que também se pode
cogitar de aplicação do art. 20 da Lei nº 9.784, de 1999). De se destacar que o dispositivo
elencado na Lei nº 8.112, de 1990, como impedimento para integrante de comissão, não se
reflete com igual intensidade no caso de agente interveniente da instrução, já que o cônjuge
ou o parente ou o afim até podem atuar, mas com ressalva em sua isenção, à vista da notória
suspeição (a título de exemplo ratificador deste entendimento, mencione-se que o art. 206 do
Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal - CPP e o inciso I
do art. 448 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil - CPC não
impedem a prova oral fornecida por cônjuge ou parente ou afim).
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 149.
§ 2º Não poderá participar de comissão de sindicância ou de inquérito,
cônjuge, companheiro ou parente do acusado, consanguíneo ou afim, em linha
reta ou colateral, até o terceiro grau.
CPP - Art. 206. A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor.
Poderão, entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim
em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o
filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-
se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.
CPC - Art. 448. A testemunha não é obrigada a depor sobre fatos:
I - que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge ou companheiro e
aos seus parentes consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o
terceiro grau;
Em 4.2.6, a cuja leitura se remete, foram apresentadas as definições de graus de
parentesco e a forma de contá-los, bem como alertou-se para a inaplicabilidade da alegação de
nulidade em benefício de quem lhe deu causa.
Apresentadas as hipóteses materiais de incidentes de impedimento e de suspensão dos
agentes intervenientes na instrução probatória, quanto à sua instrumentalidade, é de se dizer
que, como as Leis nº 8.112, de 1990, e nº 9.784, de 1999, não abordaram o tema, a solução se
reporta aos arts. 97 a 101, 105, 111 e 112 do CPP.
Se o agente interveniente, espontaneamente, demonstra, de forma objetiva, ser
impedido ou se manifesta suspeito em face do acusado, apenas cabe ao presidente da
comissão (ou à autoridade instauradora, dependendo de quem o tiver designado a atuar),
792
pelo trio em face de provocações formuladas pela defesa. Por fim, esta dinâmica se
complementa e se aperfeiçoa com a efetiva comunicação ao acusado do teor deliberado,
comunicação esta que, em função da natureza do ato de que se dá ciência, se opera por meio
de notificação ou de intimação, conforme a seguir se descreve.
Como regra geral, emprega-se na processualística disciplinar a notificação (além de
para comunicar ao servidor a existência do processo e sua condição de acusado, conforme já
abordado em 4.3.4.1, mas de terminologia própria como notificação inicial, justamente para
diferenciar das notificações ordinárias no curso da instrução) para comunicar ao acusado a
realização de atos de instrução probatória e o teor de respostas, decisões ou despachos
emitidos pelo colegiado em razão de petições e provocações apresentadas pela defesa. A
praxe mais comum é de, diante de petições ou provocações da defesa, a comissão delibera
responder ou decidir a questão interposta e o faz de duas formas, ou no corpo da própria ata
de deliberação ou em termo específico de decisão ou de despacho; ato contínuo, dependendo
do meio pelo qual manifestou seu entendimento, ou naquela própria ata ou em ata específica
na sequência da resposta ou decisão, a comissão delibera comunicar seu posicionamento ao
acusado e, na sequência, o faz por meio de notificação. Não obstante esta ser a praxe mais
usual, diante do princípio do formalismo moderado, resta irrelevante se a prática da comissão
for de emitir suas respostas, decisões e despachos e em seus próprios termos autuados coletar
ciência do acusado, dispensando a notificação específica para este fim. Além das notificações,
mencionam-se ainda, como atos de comunicação entre a comissão e o acusado, as intimações,
por meio das quais o colegiado obriga ou convoca o acusado a uma determinada atuação ou
participação no processo.
irregularidade.
Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com
antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de
realização.
Art. 66. Os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial,
excluindo-se da contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento.
§ 1º Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil seguinte se o
vencimento cair em dia em que não houver expediente ou este for encerrado
antes da hora normal.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 238. Os prazos previstos nesta Lei serão contados
em dias corridos, excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o do vencimento,
ficando prorrogado, para o primeiro dia útil seguinte, o prazo vencido em dia
em que não haja expediente.
Todavia, neste ponto, em que a priori se aborda o prazo com que deve ser previamente
notificado o acusado da realização de ato de instrução, não se cogita da hipótese de prazo para
que ele próprio efetivamente realize algo; mas, sim, precipuamente, aqui se cogita de um
prazo que a Lei define a favor do acusado para que a comissão lhe dê ciência, por notificação,
de algo que, em regra, a Administração (seja diretamente por meio do próprio colegiado, seja
por meio de algum interveniente chamado aos autos por deliberação do trio em atendimento
ao interesse público e à oficialidade), produzirá futuramente. Neste caso, em que a tutela é de
se garantir certa anterioridade no comunicado como forma de propiciar oportunidade de o
acusado comparecer e contraditar, ainda que se possa, no rigor da literalidade da Lei, defender
a feitura do ato já no terceiro dia útil, é recomendável que a comissão adote postura mais
cautelosa e conservadora, efetivando o ato somente a partir do quarto dia útil, suprindo os três
dias úteis de intervalo. E no caso específico de se tratar de prazo concedido, em geral por
intimação, para o acusado efetivamente fazer algo ou produzir algum ato, diferentemente, se
afirma que o terceiro dia útil é o termo final para que a comissão esteja obrigada a esperar
pelo atendimento por parte do acusado.
Como referência para situações diversas que ocorrem no processo sem que haja
previsão legal de prazo, pode-se adotar o dispositivo constante do art. 24 da Lei nº 9.784, de
1999, qual seja, o prazo de cinco dias corridos, para atos a serem realizados pelo órgão, pela
autoridade ou por administrados. Novamente, para a exata definição do dia a partir do qual se
pode realizar o ato, socorre-se na regra geral de contagem de prazos, estabelecida no caput do
art. 66 da mesma Lei (que é idêntica à regra geral do art. 238 da Lei nº 8.112, de 1990).
Assim, exclui-se o dia da entrega da notificação e considera-se o quinto dia corrido após a
entrega como o dia a partir do qual, a rigor, já é legal a realização do ato (a título de exemplo,
notificação entregue em uma quinta-feira permite, por esta regra, a realização do ato na terça-
feira).
Lei nº 9.784, de 1999 - Art. 24. Inexistindo disposição específica, os atos do
órgão ou autoridade responsável pelo processo e dos administrados que dele
participem devem ser praticados no prazo de cinco dias, salvo motivo de força
maior.
Parágrafo único. O prazo previsto neste artigo pode ser dilatado até o dobro,
mediante comprovada justificação.
Art. 66. Os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial,
excluindo-se da contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento.
§ 1º Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil seguinte se o
vencimento cair em dia em que não houver expediente ou este for encerrado
antes da hora normal.
Diferentemente da situação que se abordou acima (de prazo que a Lei define a favor
do acusado para que a comissão lhe dê ciência de algo que, em regra, a Administração
produzirá futuramente - seja diretamente por meio do próprio colegiado, seja por meio de
algum interveniente chamado aos autos por deliberação do trio em atendimento ao interesse
796
pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, assinado e datado por quem recebeu
a postagem, comprovando que a remessa foi entregue e quando o foi) e ainda que não
necessariamente recebida de forma direta pelo próprio destinatário (conforme o § 3º do art. 26
da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e o art. 274 do Código de Processo Civil - CPC); ou
ainda por meio dos correios eletrônicos institucional (nos termos da Portaria SRF nº 1.397, de
11 de novembro de 2002) ou particular do acusado ou por meio dos correios eletrônicos
comercial ou particular do procurador, desde que assegurada a garantia jurídica de
recebimento. As hipóteses mais viáveis de emprego de cada um destes três meios serão
indicadas adiante.
CPC - Art. 274. Não dispondo a lei de outro modo, as intimações serão feitas
às partes, aos seus representantes legais, aos advogados e aos demais sujeitos
do processo pelo correio ou, se presentes em cartório, diretamente pelo
escrivão ou chefe de secretaria.
Parágrafo único. Presumem-se válidas as intimações dirigidas ao endereço
constante dos autos, ainda que não recebidas pessoalmente pelo interessado, se
a modificação temporária ou definitiva não tiver sido devidamente comunicada
ao juízo, fluindo os prazos a partir da juntada aos autos do comprovante de
entrega da correspondência no primitivo endereço.
Lei nº 9.784, de 1999 - Art. 26.
§ 3º A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com
aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da
ciência do interessado.
Portaria SRF nº 1.397, de 2002 - Art. 1º O Correio Eletrônico, ferramenta de
propriedade da Secretaria da Receita Federal - SRF, constitui instrumento de
uso institucional, destinado ao intercâmbio de mensagens, para fins de
racionalização do trabalho e aumento da produtividade.
Há posicionamentos institucionais nestes sentidos, em peças propositivas oriundas de
debates internos
Orientação Coger n° 54
Os comunicados acerca de atos processuais personalíssimos, que imponham
prática ou abstenção ato a cargo do acusado, a exemplos exaustivos da
notificação inicial, das intimações para interrogatório e da citação, devem ser-
lhe entregues pessoalmente, o que se supre com entrega em mãos ou vias postal
ou virtual com confirmação de recebimento, não suprida com entrega apenas
ao procurador, independentemente dos poderes expressos na procuração.
Orientação Coger n° 55
Não se consideram comunicados de atos processuais personalíssimos aqueles
que se dirigem a intervenientes na instrução probatória, que não o acusado, e
para os quais dispensa-se entrega pessoal.
Tendo sido o ato de comunicação diferente de intimação para ser interrogado entregue
pessoalmente ao acusado, dispensa-se a entrega também ao seu procurador. A Lei nº 9.784, de
29 de janeiro de 1999, no caput do art. 26 e no art. 41, impõe a comunicação apenas ao
interessado (acusado), não a prevendo também para seu procurador, postura ratificada pela
jurisprudência e pela doutrina.
Lei nº 9.784, de 1999 - Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o
processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência
de decisão ou a efetivação de diligências.
Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com
antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de
realização.
STJ, Mandado de Segurança nº 10.404: “Ementa: 2. A ausência de intimação
dos procuradores dos impetrantes não acarreta nulidade destes atos, haja vista
799
dois vogais, não sendo necessária a formalidade de estarem presentes os três integrantes)
quanto por um servidor estranho à comissão, seja integrante do grupo de atividades
administrativas dos Escritórios de Corregedoria (Escor) que porventura o possuam, seja ainda
por qualquer servidor do Escor (nestas hipóteses de servidor estranho ao colegiado, basta
suprir a cautela com os sigilos da instância disciplinar e em especial da honra, imagem e
privacidade do acusado em face de terceiros).
Quanto ao local da entrega da notificação (ou da intimação), aborda-se primeiramente
o caso comum de o acusado ser um servidor lotado ou em exercício na mesma localidade em
que se sedia a comissão. O servidor incumbido da tarefa de entregar a notificação (ou a
intimação) pode, de imediato, buscar contato telefônico com o servidor, a fim de explicar
previamente a situação jurídica em que este se encontra e justificar a necessidade e a
relevância deste contato pessoal.
Tendo havido o contato telefônico, pode-se combinar de o servidor comparecer à sala
da comissão, até para privilegiar a discrição e a reserva, ou de o portador da notificação (ou da
intimação) se dirigir a seu local de trabalho (sobretudo quando o servidor é lotado ou tem
exercício em unidade situada no mesmo prédio em que se sedia o colegiado).
Obviamente, esta iniciativa de buscar o prévio contato telefônico com o servidor pode
não ser factível quando, de antemão, já se presuma que este não colaborará com os trabalhos,
inclusive e sobretudo na hipótese de existir fundado receio de este se evadir, dificuldade esta
que pode ser contornada com um contato prévio com a chefia do servidor ou com o titular da
sua unidade de lotação ou de exercício, a fim que solicitar à autoridade que chame o
subordinado a seu gabinete, em horário previamente combinado para que o portador do ato de
comunicação também lá compareça.
Avançando nas hipóteses, também no caso de o servidor ser lotado ou ter exercício em
unidade situada em localidade distinta daquela em que se sedia a comissão, mantém-se a
recomendação de primeiramente se tentar fazer um contato prévio com o próprio, seja por
telefone, seja até meio de videoconferência (quando se percebe uma maior necessidade de
cautela neste contato) e combinar a remessa da notificação (ou da intimação) por via postal
(com AR, conforme o § 3º do art. 26 da Lei nº 9.784, de 1999, ou ainda até mesmo por meio
do correio eletrônico institucional (nos termos da Portaria SRF nº 1.397, de 2002) ou por meio
de correio eletrônico comercial ou particular do servidor ou de seu eventual procurador.
Em 4.3.11.3, a cuja leitura se remete para evitar desnecessária repetição, apresentam-
se as cautelas comprobatórias - e que, portanto, devem ser autuadas - do envio por parte do
remetente e do recebimento por parte do destinatário de atos de comunicação por meio de
correio eletrônico institucional ou privado e por via postal.
Interessante destacar que a Lei nº 9.784, de 1999, no § 3º do art. 26; o Decreto-Lei nº
3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal (CPP), no § 2º do art. 370; e a Lei
nº 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil (CPC), no caput do art. 270 e
no art. 273, equiparam a entrega física em mãos da intimação (que aqui pode ser
compreendida lato sensu tanto para a notificação quanto para a intimação em si) à entrega por
via postal e até mesmo a entrega por meio eletrônico. E, mais que isto, o CPC, no caput do
art. 275, chega mesmo ao ponto de condicionar a entrega física em mãos à falha na prévia
entrega via postal, priorizando tal meio. O mesmo efeito se obtém dos arts. 246 a 249 do CPC
para a entrega da citação, priorizando a via postal.
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 26.
3º A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com
aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da
ciência do interessado.
CPP - Art. 370.
§ 1º A intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do
801
CPC - Art. 274. Não dispondo a lei de outro modo, as intimações serão feitas
às partes, aos seus representantes legais, aos advogados e aos demais sujeitos
do processo pelo correio ou, se presentes em cartório, diretamente pelo
escrivão ou chefe de secretaria.
Parágrafo único. Presumem-se válidas as intimações dirigidas ao endereço
constante dos autos, ainda que não recebidas pessoalmente pelo interessado, se
a modificação temporária ou definitiva não tiver sido devidamente comunicada
ao juízo, fluindo os prazos a partir da juntada aos autos do comprovante de
entrega da correspondência no primitivo endereço.
Uma possibilidade mais residual de entrega de notificação (ou de intimação) a servidor
lotado ou em exercício em unidade situada em localidade distinta daquela em que se sedia a
comissão, contando com concordância doutrinária, é o presidente da comissão encaminhar,
por meio de malote, as duas vias do documento e cópia dos autos para o chefe da unidade, na
forma de uma carta precatória (cuja definição se encontra no inciso III do art. 237 do CPC, ou
simplesmente precatória, conforme lhe dá emprego o art. 353 do CPP), para que aquela
autoridade entregue pessoalmente ao servidor e devolva à comissão uma via devidamente
assinada e datada. Pode-se cogitar ainda da possibilidade de nomeação de um secretário
remoto, na localidade onde se encontra o indiciado, pelo presidente da comissão ou pela
autoridade instauradora (possivelmente já desde a instrução processual) e então que se o
utilize para a entrega de atos de comunicação, conforme já se expôs em 4.3.10.4, com
anuência doutrinária.
CPP - Art. 353. Quando o réu estiver fora do território da jurisdição do juiz
processante, será citado mediante precatória.
CPC - Art. 237. Será expedida carta:
III - precatória, para que órgão jurisdicional brasileiro pratique ou determine
o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato relativo a pedido
de cooperação judiciária formulado por órgão jurisdicional de competência
territorial diversa;
“Conquanto sejam silentes os regimes disciplinares a respeito da modalidade
de citação por precatória, entendemos que inexista qualquer contra-indicação
jurídica a que se realize, no processo disciplinar, a citação por essa forma.”
José Armando da Costa, “Teoria e Prática do Processo Administrativo
Disciplinar”, pg. 161, Editora Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005
Prosseguindo ainda mais nas hipóteses, no caso de servidor que se encontra em gozo
de licença ou inativo (aposentado ou em disponibilidade) ou de ex-servidor (já punido com
pena expulsiva em outro processo administrativo disciplinar - PAD - ou exonerado), qualquer
daqueles portadores aceitáveis deve tentar o contato no último domicílio atualizado dentre
todos os constantes das diversas bases de dados ao dispor da Secretaria da Receita Federal do
Brasil (RFB). Neste rol, pode-se citar as bases de dados disponíveis no macroprocesso de
trabalho de gestão de pessoas (mais especificamente no Sistema de Apoio às Atividades
Administrativas - SA3) ou nos processos de trabalho de arrecadação e de fiscalização (tais
como no Sistema de Cadastro Pessoas Físicas - CPF e nas declarações de ajuste anual de
Imposto sobre a Renda de Pessoa Física - DIRPF).
Ainda nestes casos de servidor licenciado ou inativo ou de ex-servidor, pode-se
também estender quaisquer tentativas anteriormente expostas para servidor lotado ou em
exercício em unidade situada na mesma localidade em que se sedia a comissão ou em
localidade distinta, no que se inclui a entrega ao procurador.
Por costumar acarretar problemas na celeridade processual, merece maior cautela a
hipótese de o servidor em licença médica - a ser descrita em 4.4.9.1 - que se recusa a receber
atos de comunicação, nos termos já expostos em 3.2.5. Em tal situação, deve a comissão
provocar a junta médica oficial a se manifestar se a doença incapacita o acompanhamento do
processo disciplinar. Se a junta médica atestar que não incapacita, a comissão pode prosseguir
803
úteis após a publicação do último destes editais, podendo o ato de instrução probatória ser
realizado regularmente pela comissão, ainda que ausente o servidor. Há posicionamento
institucional neste sentido.
Orientação Coger nº 38
No caso de acusado que se evade dos atos de comunicação e de instrução
processual, a comissão processante deve, primeiramente, exaurir as tentativas
de localizá-lo (por diligências a seu local de trabalho e a seu domicílio e por
notificação por hora certa) para somente então valer-se do instrumento do
edital com o fim de notificá-lo da realização de um ou mais atos instrucionais.
Por fim, depreende-se do art. 76 do CC, acima reproduzido, que, tendo o réu preso
paradeiro certo, ao acusado nesta condição não se aplica a notificação (ou a intimação) por
edital. No mesmo sentido é a clara determinação do art. 360 do CPP, com a qual se harmoniza
a doutrina. Em que pese a especificidade da situação, para fins administrativos, deve a
comissão, ao máximo possível, tentar empregar o procedimento comum de notificação (ou de
intimação), seja por meio de diligência no presídio ou unidade carcerária, seja requerendo ao
juízo da vara de execuções penais a apresentação do preso ao órgão administrativo.
Extensivamente, também se assevera que não é caso de empregar edital para servidor que se
encontra internado em estabelecimento hospitalar em razão de tratamento de sua saúde.
CPP - Art. 360. Se o réu estiver preso, será pessoalmente citado. (Redação
dada pela Lei nº 10.792, de 01/12/03)
“O servidor preso será citado pelo membro da comissão, em diligência ao
presídio. Ou, então, será requerida ao Juiz titular da Vara de Execuções Penais
a apresentação do preso no órgão público, quando será procedido o ato
citatório.” Léo da Silva Alves, “Prática de Processo Disciplinar”, pg. 174,
Editora Brasília Jurídica, 1ª edição, 2001
Mencione-se ainda um terceiro incidente, a exemplo do que se aduziu em 4.3.5.3,
quando o acusado tem paradeiro certo e conhecido, mas oculta-se, para não ser notificado (ou
intimado), quando um dos membros da comissão (o presidente ou indistintamente qualquer
dos dois vogais, não sendo necessária a formalidade de estarem presentes os três integrantes)
ou um integrante do grupo de atividades administrativas dos Escor que porventura o possuam
ou ainda qualquer servidor do Escor vai a seu encontro (nestas hipóteses de servidor estranho
ao colegiado, basta suprir a cautela com os sigilos da instância disciplinar e em especial da
honra, imagem e privacidade do acusado em face de terceiros).
Aqui, a comissão sabe onde o acusado pode ser encontrado, mas, diante de sua
estratégia de se ocultar, não logra ficar diante dele para tentar lhe entregar a notificação (ou a
intimação) do ato de instrução processual. A hipótese ora tratada alberga, por exemplo, a
situação, enfrentada com certa frequência, em que o portador da notificação (ou da intimação)
dirige-se à residência do servidor ativo, que, por qualquer motivo, não está comparecendo ao
seu local de serviço (ou ainda no caso de se tratar de inativo ou de ex-servidor), e quem o
atende até confirma que ele ali reside mas informa que não se encontra no momento e que não
sabe dizer quando estará presente.
Neste caso, primeiramente, deve a comissão conseguir demonstrar nos autos que são
conhecidos os locais de trabalho e de residência onde pode ser encontrado o servidor ativo ou
o local de residência onde pode ser encontrado o inativo ou o ex-servidor. Por local de
residência entendam-se o(s) mesmo(s) endereço(s) residencial(is) declarados nas diversas
bases de dados ao dispor da RFB, acima já descritos.
Além disto, deve também registrar nos autos algumas tentativas de encontrá-lo
neste(s) local(is), em diferentes dias e horários, redigindo atas de deliberação e termos de
ocorrência - com identificação daqueles que as realizaram, data e hora e coletando, se
possível, testemunho assinado de colegas de trabalho e de superiores hierárquicos ou de
familiares, empregados, vizinhos, amigos, porteiros ou quaisquer outros prepostos -, com que
808
Art. 254. Feita a citação com hora certa, o escrivão ou chefe de secretaria
enviará ao réu, executado ou interessado, no prazo de 10 (dez) dias, contado da
data da juntada do mandado aos autos, carta, telegrama ou correspondência
eletrônica, dando-lhe de tudo ciência.
Verifica-se abaixo que a Advocacia-Geral da União (AGU), por meio do seu Parecer
AGU nº GM-3, já se manifestou pelo emprego do remédio previsto na lei civil em caso de
ocultação (embora o caso em espécie se referisse à entrega da citação para apresentar defesa,
é perfeitamente aplicável à notificação ou à intimação de ato de instrução). A mesma
interpretação extensiva, a favor do emprego do instituto da hora certa no processo disciplinar,
também se extrai da manifestação exarada pela CGU, por meio da CGU/CCC, estampada no
Enunciado CGU/CCC nº 11, de 30 de outubro de 2015. Embora se reconheça que a
literalidade do dispositivo se reporte apenas à citação para apresentar defesa, não se faz
imperativa uma leitura restritiva, podendo se tomar como referência para outros momentos
processuais, conforme aqui se faz. O mesmo se aplica à doutrina.
Parecer AGU nº GM-3, não vinculante: “Ementa: O Direito Disciplinar rege-
se por normas específicas e independentes do Direito Penal, inexistindo
viabilidade jurídica de serem aproveitadas normas criminais, por via
analógica, a fim de nulificar processo disciplinar por haver-se efetuado a
citação por hora certa com vistas à apresentação de defesa.
6. A maneira como se efetua o chamamento para o indiciado apresentar sua
defesa encontra-se prescrita na Lei nº 8.112, art. 161, § 1º: “será citado por
mandado expedido pelo presidente da comissão”. O sentido literal desse
comando, por si só, é suficiente para demonstrar a validade do procedimento
consistente em o indiciado receber o mandado expedido pelo presidente do
colegiado. É norma desprovida da rigidez que representaria a exigência de que
se efetuasse a citação, exclusivamente, por edital, em se esquivando o indiciado
de recebê-la.
7. A execução do ato processual de citação por hora certa atende à literalidade
e à finalidade do art. 161, tanto que nessa maneira de atuar não se vislumbra
qualquer dano para o exercício do direito de ampla defesa.”
Enunciado CGU/CCC nº 11, de 2015: “Citação por hora certa no
procedimento disciplinar. No âmbito do Processo Disciplinar, a citação poderá
ser realizada por hora certa, nos termos da legislação processual civil, quando
o indiciado encontrar-se em local certo e sabido, e houver suspeita de que se
oculta para se esquivar do recebimento do respectivo mandado”.
“Como exemplo de emprego do instituto em sede de direito disciplinar,
mencione-se a utilização da citação por hora certa, há tempo prevista no
Código de Processo Civil e recentemente prescrita no código processual penal,
para se efetivar a notificação do servidor acusado que se furte a esse ato
direto.”, Sandro Lucio Dezan, “Direito Administrativo Disciplinar - Direito
Material”, Vol. I, pg. 144, Editora Juruá, 1ª edição, 2013.
“A citação por hora certa aplica-se àqueles casos em que há suspeita de que o
servidor indiciado está se ocultando para não receber a citação ou a
notificação.
Subsidiariamente, aplica-se o Código de Processo Civil (art. 227 e 228)
quando, por três vezes o membro-secretário procurar o servidor indiciado para
entregar a citação e não o encontrando em casa ou no trabalho, poderá intimar
o chefe imediato de que no dia posterior voltará, durante o expediente normal
da repartição, a fim de efetuar a citação, na hora designada.
No dia e hora designados, o membro-secretário comparecerá no setor onde
trabalha o servidor indiciado, a fim de realizar a diligência.
Se o servidor indiciado não estiver presente, o membro-secretário procurará se
informar das razões da ausência, dando por feita a citação, ainda que o
indiciado tenha se ausentado do setor, com o intuito de se esquivar do ato.
O membro-secretário lavrará certidão da ocorrência e deixará contrafé (cópia)
811
4.4.4.1.1 - Quem Deve, Quem Pode Mas Não É Obrigado e Quem Não Pode Depor
Em princípio, de forma análoga ao que ocorre na instância processual penal, qualquer
pessoa pode testemunhar no processo disciplinar e a regra geral é da obrigatoriedade em
comparecer, tanto no caso de servidores quanto no caso de agentes privados, conforme se
extrai da leitura conjunta do art. 202 com a parte inicial do art. 206, ambos do Decreto-Lei nº
3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal (CPP). Mais especificamente no
que diz respeito à obrigatoriedade de testemunhar em processo disciplinar, enfatiza-se o dever
funcional - associado ao dever de lealdade institucional - de servidor público federal, ainda
que de outro órgão, comparecer ao ato quando devidamente intimado.
CPP - Art. 202. Toda pessoa poderá ser testemunha.
Art. 206. A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão,
entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha
reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho
814
adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou
integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.
Mas, prosseguindo na leitura do art. 206 do CPP, a sua parte final estabelece que,
independentemente de ser ou não servidor público, por óbvios motivos de vinculação com a
parte, é certo que o cônjuge, o filho, o irmão, o pai, a mãe e os parentes afins do acusado têm
a prerrogativa de se declararem desobrigados de depor, salvo se, excepcionalmente, a critério
da comissão, se entender que é impossível se obter a busca da elucidação do fato por outro
meio. Estas pessoas não são proibidas de depor: elas podem, mas não são obrigadas.
Em 4.2.6 foram apresentadas as definições de graus de parentesco e a forma de contá-
los, a cuja leitura se remete. A interpretação sistemática do ordenamento impõe que hoje se
inclua o companheiro de união estável em textos normativos mais antigos, que mencionavam
apenas o cônjuge, como neste caso do CPP.
Como exceções à regra geral da admissibilidade do testemunho, são proibidos de
depor, no art. 207 do CPP, aqueles que, em razão da atividade exercida (gênero laboral que
aqui abarca sua função, seu ministério, seu ofício ou sua profissão), devam guardar segredo (a
exemplo do advogado, do médico, do psicólogo, do padre e outros agentes cujo múnus
inequivocamente permita ao agente saber da privacidade e da intimidade do acusado), salvo
se forem desobrigados pelo acusado e se quiserem prestar a prova oral. Ressalve-se que há a
possibilidade de tais profissionais incorrerem no crime de violação de segredo profissional,
tipificado no art. 154 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal
(CP), caso deponham sem a prévia anuência do interessado e se este vier a representar.
CPP - Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função,
ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas
pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.
CP - Violação do segredo profissional
Art. 154. Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em
razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa
produzir dano a outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Parágrafo único. Somente se procede mediante representação.
Em acréscimo, o art. 228 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil
(CC), nos incisos I, IV e V e nos §§ 1º e 2º, veda que deponham na condição de testemunha
também os menores de dezesseis anos de idade, os impedidos e os suspeitos e, a estes, o § 1º
do art. 447 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil (CPC), soma
ainda os incapazes.
CC - Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas:
I - os menores de dezesseis anos;
IV - o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes;
V - os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro
grau de alguma das partes, por consangüinidade, ou afinidade.
§ 1º Para a prova de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir o
depoimento das pessoas a que se refere este artigo. (Redação dada pela Lei nº
13.146, de 6 ed julho de 2015)
§ 2º A pessoa com deficiência poderá testemunhar em igualdade de condições
com as demais pessoas, sendo-lhe assegurados todos os recursos de tecnologia
assistiva. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015)
CPC - Art. 447. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as
incapazes, impedidas ou suspeitas.
§ 1º São incapazes:
I - o interdito por enfermidade ou deficiência mental;
II - o que, acometido por enfermidade ou retardamento mental, ao tempo em
que ocorreram os fatos, não podia discerni-los, ou, ao tempo em que deve
815
apenas da Secretaria da Receita Federal do Brasil - RFB), não raro o agente público estranho
ao órgão reage com desconforto e até com certo grau de inconformismo ou de previsível
insubmissão à intimação advinda de comissão disciplinar à margem de sua hierarquia. Daí,
advém a inteligência de se comunicar à sua chefia imediata, para que esta, harmonizando o
princípio da hierarquia com a indisponibilidade do interesse público que move o processo
disciplinar, diligencie pela presença do intimado. Tanto é assim que o CPC, no inciso III do §
4º do seu art. 455 prevê que a intimação do juiz para que servidor compareça para
testemunhar se faz por meio de requisição a seu chefe, podendo-se então inferir a relevância
do comando legal estatutário, por vezes inadvertidamente esquecido ou desprezado por
comissões, já que reflete a mesma instrumentalidade garantista adotada pela lei processual
civil. Conforme já aduzido em 4.4.1.4, no caso de testemunha lotada em Agência da Receita
Federal do Brasil (ARF), recomenda-se que esta comunicação seja dirigida ao Agente, não
sendo necessário comunicar ao respectivo Delegado. Se o servidor for de outro órgão, por
convenção para comunicados extraórgãos, a comunicação ao seu chefe imediato se dá por
ofício.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 157.
Parágrafo único. Se a testemunha for servidor público, a expedição do
mandado será imediatamente comunicada ao chefe da repartição onde serve,
com a indicação do dia e hora marcados para inquirição.
CPC - Art. 445
§ 4º A intimação será feita pela via judicial quando:
III - figurar no rol de testemunhas servidor público ou militar, hipótese em que
o juiz o requisitará ao chefe da repartição ou ao comando do corpo em que
servir;
“Não diz a Lei que o servidor deva ser federal, nem submetido ao Regime
Jurídico Único. Assim, a expressão deve ser entendida no seu sentido mais
amplo: servidor, ou empregado (celetista), da administração direta ou indireta,
civil ou militar, dos três Poderes das três Órbitas de Poder, ao ser intimado a
depor como testemunha, deverá ter seu chefe avisado de tal evento.” Antônio
Carlos Palhares Moreira Reis, “Processo Disciplinar”, pgs. 142 e 143, Editora
Consulex, 2ª edição, 1999
Nestas atos de comunicação que antecedem a oitiva, não se informa nada a respeito do
foco apuratório e do polo passivo do processo à testemunha e a seu chefe (caso o depoente
seja servidor) e tampouco se lhes antecipam teor de perguntas e objetivos do ato (o que se
busca esclarecer). A oitiva de testemunha tem a peculiaridade da oralidade e da
instantaneidade, características que lhe agregam certo grau de qualidade dinâmica na
valoração final do conjunto probatório, e deve a comissão preservar tal riqueza, mantendo
resguardado ao máximo o conteúdo da prova.
Sendo a testemunha servidor ativo com lotação ou exercício em localidade distinta de
onde deve prestar a prova oral, o inciso I do art. 173 da Lei nº 8.112, de 1990, assegura-lhe o
direito de receber diárias e passagens com o fim de se deslocar para cumprir o dever funcional
de testemunhar. Neste caso, por previsão regimental, no art. 232 combinado com o inciso VIII
do art. 330, ambos do Regimento Interno da RFB, aprovado pela Portaria MF nº 430, de 9 de
outubro de 2017, e em extensão ao art. 14 da Portaria RFB nº 6.483, de 29 de dezembro de
2017, que dispõe sobre a apuração de irregularidades funcionais no âmbito da RFB - na linha
do art. 9º da Portaria Coger-MF nº 42, de 21 de novembro de 2013, que dispõe sobre a
apuração de irregularidades funcionais no âmbito do Ministério da Fazenda (MF) -, mediante
provocação do presidente da comissão, incumbe ao Chefe de Escor, como autoridade
instauradora, propor ao Corregedor, como ordenador de despesas, nos termos do § 1º do art.
80 do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, e a este decidir as questões atinentes a
deslocamentos, diárias e passagens de interesse correcional.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 173. Serão assegurados transporte e diárias:
818
Acusado Advogado
Testemunha
Advogado Acusado
Testemunha
confronto a literalidade do art. 158 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, com dispositivos de outros
diplomas legais processuais de instância judicial, tanto civil quanto penal.
De um lado, o art. 158 do Estatuto estabelece que as oitivas de testemunhas em
processo administrativo disciplinar devem ser prestadas oralmente e materializadas como
prova juridicamente válida por meio da redução a termo nos autos.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 158. O depoimento será prestado oralmente e
reduzido a termo, não sendo lícito à testemunha trazê-lo por escrito.
Acrescente-se que este comando legal deve ser interpretado em conformidade
sistemática com a Lei nº 9.784, de 29/01/99, que, como primeira fonte legal a ser
subsidiariamente aplicada à Lei nº 8.112, de 11/12/90, regula o processo administrativo em
âmbito federal. E o § 1º do art. 22 desta Lei determina que os atos do processo devem
necessariamente observar a forma escrita.
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 22.
§ 1º Os atos do processo devem ser produzidos por escrito, em vernáculo, com
a data e o local de sua realização e a assinatura da autoridade responsável.
De outro lado, mencione-se que, em consonância com o comando encartado no art. 5º,
LXXVIII da CF - que assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação -, outros
sistemas processuais já reconhecem a gravação como um meio possível de propiciar
celeridade processual. Assim, o CPC, no caput do seu art. 460, faculta às partes gravarem os
depoimentos de testemunhas. Também o CPP, tanto ao disciplinar o procedimento comum,
em seu art. 405, quanto ao dispor do processo da competência do júri, prevê a possibilidade de
registro das provas orais por meio audiovisual. Por fim, na mesma linha, a Lei nº 9.099, de
26/09/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, em seu art. 13, também
menciona a possibilidade de gravação de atos instrucionais.
CPC - Art. 460. O depoimento poderá ser documentado por meio de gravação.
CPP - Art. 405.
§ 1º Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado,
ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação
magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual,
destinada a obter maior fidelidade das informações. (Incluído pela Lei nº
11.719, de 20/06/08).
§ 2º No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes
cópia do registro original, sem necessidade de transcrição. (Incluído pela Lei
nº 11.719, de 20/06/08).
Art. 475. O registro dos depoimentos e do interrogatório será feito pelos meios
ou recursos de gravação magnética, eletrônica, estenotipia ou técnica similar,
destinada a obter maior fidelidade e celeridade na colheita da prova. (Redação
dada pela Lei nº 11.689, de 09/06/08)
Parágrafo único. A transcrição do registro, após feita a degravação, constará
dos autos. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 09/06/08)
Lei nº 9.099, de 26/09/95 - Art. 13.
§ 3º Apenas os atos considerados essenciais serão registrados resumidamente,
em notas manuscritas, datilografadas, taquigrafadas ou estenotipadas. Os
demais atos poderão ser gravados em fita magnética ou equivalente, que será
inutilizada após o trânsito em julgado da decisão.
Na mesma linha, acrescente-se que a Lei nº 11.419, de 19/12/06, admitiu o emprego
de meios eletrônicos e de informatização no processo judicial, empregando-se arquivos
digitais, mas condicionando a prática de atos processuais por meio eletrônico ao uso de
assinaturas eletrônicas.
Lei nº 11.419, de 19/12/06 - Art. 8º
828
De uma forma ou de outra, cabem aqui algumas hipóteses. Se o acusado não contesta
o compromisso e não alega contradita à testemunha, registra-se no termo e passa-se às
perguntas. Se o acusado não aceita o compromisso e alega contradita, arguindo circunstâncias
que tornariam a testemunha suspeita de parcialidade ou indigna de fé, mas não traz prova da
alegação e o depoente não ratifica a crítica, a comissão deve crer no depoente, manter a
validade do compromisso e a qualidade de testemunha, registrar estes fatos no termo e tomar
o testemunho, mesmo se a defesa protesta. Mas se a comissão se convence da alegação da
defesa e decide não mais considerar o depoente como testemunha e sim como declarante
(desobrigado do compromisso), faz registrar no termo que exclui o compromisso de verdade
que havia sido firmado acima e a nova qualidade do depoente. Importante destacar que, em
todos estes casos, inclusive quando a comissão decide pela exclusão do compromisso e pela
alteração de testemunha para declarante, o termo deve reproduzir o mais fielmente possível o
que ocorre na sala. Ou seja, não se apaga o que ocorreu no início, quando originalmente o
depoente firmou compromisso de verdade após as perguntas sobre impedimento e suspeição.
Mantém-se este fato inicial e agrega-se a informação de que, com a contradita, a comissão
mudou a qualidade do depoente para declarante.
Conforme já aduzido em 4.4.2, no caso de contradita, deve a comissão tomar por regra
que se faz necessário solucionar esta questão incidental, no próprio termo da oitiva, antes da
realização do ato, ainda que isto demande alguma busca de prova. Uma vez que se impõe que
a comissão notifique a parte com o prazo mínimo de três dias úteis - o que leva a dizer que a
defesa fica sabendo antecipadamente da oitiva do agente a respeito do qual cogita de
impedimento ou suspeição -, é possível defender a tese de que a defesa tem de trazer eventual
prova de alegada exceção até a realização do ato e de que preclui seu direito se somente o faz
após a feitura do ato de prova. Não obstante esta primeira leitura, a busca da verdade material,
como um princípio fortemente impulsionador da processualística disciplinar (diferentemente
do processo judicial, ainda mais preso à verdade forma), impõe que se mitigue e que se
flexibilize esta intempestividade contrária à defesa, de forma que, mesmo se a parte traz a
prova do alegado impedimento ou suspeição do agente interveniente já após o ato de oitiva, é
possível que a comissão se convença da tese da defesa e refaça ou descarte o ato instrucional.
Caso se configure a suspeição, ou o impedimento, ou a contradita, este fato não
impede que a comissão produza a prova. Nesta hipótese, apenas não se deve considerar o
depoente como testemunha, a quem se impõe compromisso com a verdade, mas ainda assim
coleta-se a prova oral, na qualidade de declarante (desobrigado do compromisso), conforme
se verá em 4.4.5. Ao final da instrução processual, caberá à comissão, em sua livre apreciação
da prova, atribuir ou não veracidade às declarações prestadas, ao compará-las com as demais
provas acostadas.
CPP - Art. 214. Antes de iniciado o depoimento, as partes poderão contraditar
a testemunha ou arguir circunstâncias ou defeitos, que a tornem suspeita de
parcialidade, ou indigna de fé. O juiz fará consignar a contradita ou arguição e
a resposta da testemunha, mas só excluirá a testemunha ou não lhe deferirá
compromisso nos casos previstos nos arts. 207 e 208.
(Nota: O art. 207 lista os proibidos de depor em função do ofício e o art. 208
exclui o compromisso de verdade para os parentes do acusado, doentes mentais
e menores de quatorze anos.)
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação,
ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. (Redação dada
pela Lei nº 11.690, de 09/06/08)
CPC - Art. 457.
§ 1º É lícito à parte contraditar a testemunha, arguindo-lhe a incapacidade, o
impedimento ou a suspeição, bem como, caso a testemunha negue os fatos que
lhe são imputados, provar a contradita com documentos ou com testemunhas,
835
4.4.4.4 - A Inquirição em Si
Encerradas todas as preliminares, passa-se às perguntas. Convém que a comissão já
tenha preparado previamente as perguntas que intenciona fazer (sem prejuízo de serem
incluídas outras ou de algumas serem excluídas ou modificadas com o curso do depoimento).
Em todos os casos em que se repetirá depoimento de testemunha (que já tenha deposto
no mesmo processo disciplinar ou em outro, ou excepcionalmente em procedimento
investigativo que o antecedeu, ou em via judicial), recomenda-se que as perguntas sejam
refeitas, por expresso, não sendo recomendável condensar todo o ato em uma única pergunta
para que o depoente ratifique seu depoimento anterior, sob pena de se perder a rica natureza
dinâmica e contraditória da prova oral.
Este planejamento prévio é fundamental para a boa realização da prova oral. Deve a
comissão cuidar de rascunhar perguntas simples, curtas, de fácil compreensão, sem
construções dúbias e sem inserir dois ou mais questionamentos em um único quesito.
836
testemunhas presenciais.
Parágrafo único. O disposto no inciso III deste artigo não terá aplicação na
fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.
Art. 227. No reconhecimento de objeto, proceder-se-á com as cautelas
estabelecidas no artigo anterior, no que for aplicável.
Art. 228. Se várias forem as pessoas chamadas a efetuar o reconhecimento de
pessoa ou de objeto, cada uma fará a prova em separado, evitando-se qualquer
comunicação entre elas.
“Não se refere (...) a lei ao reconhecimento de pessoa ou coisa. O
reconhecimento visa a apontar o autor ou o objeto utilizado na infração em
inquérito. É prudente que ocorra o reconhecimento quando existe dúvida sobre
a identidade do acusado, ou de locais ou de objetos diretamente envolvidos com
a irregularidade em apuração.
A Comissão tem o direito e, mais ainda, o dever de promover a requisição de
coisas que sejam indispensáveis ao esclarecimento da questão. Ou mesmo de
requisitar a presença de pessoa - servidor para que haja o seu devido
reconhecimento com o mesmo objetivo.” Antônio Carlos Palhares Moreira
Reis, “Processo Disciplinar”, pg. 135, Editora Consulex, 2ª edição, 1999
Também se pode permitir breves consultas a apontamentos ou documentos. Pode
ocorrer de, para que a testemunha tenha condição de responder a determinada pergunta, ser
necessário ter vista de algum documento do próprio processo (o que não se confunde com a
inadequação de se dar vista integral dos autos à testemunha, face ao caráter sigiloso do
processo administrativo disciplinar, conforme o art. 150 da Lei nº 8.112, de 11/12/90).
As perguntas previamente elaboradas em conjunto pela comissão (aqueles
questionamentos mais genéricos seguidos de questionamentos mais específicos) devem ser
apresentadas pelo presidente com precisão e habilidade. Relembre-se o já aduzido em 4.4.1.2,
no sentido de que esta postura presidencialista não é levada a rigor na espontânea participação
dos dois vogais, podendo estes membros apresentar quesitos complementares a qualquer
momento e diretamente à testemunha. A comissão empregará, ao longo de toda a oitiva, tom
neutro, não lhe sendo lícito usar de meios que revelem coação, intimidação ou invectiva. Em
certos casos, em razão da dinâmica e dos rumos imprevisíveis que possa tomar o ato de prova
oral, pode o presidente ou qualquer vogal (sobretudo o membro que não é presidente e que
também não é secretário) inserir perguntas que ratifiquem ou retifiquem informações já
constantes dos autos ou já prestadas pelo depoente, a fim de avaliar sua coerência e
credibilidade, sobretudo em situações em que se detecta o emprego de respostas evasivas ou
vagas e contradições ou inverdades. Pode ainda a comissão lançar mão da estratégia de
instigar o depoente com pergunta que sugere ou afirma a existência de indícios de
cometimento de conduta irregular, à vista de provas já obtidas ou até mesmo passíveis de
serem obtidas.
CPC - Art. 459.
§ 2º As testemunhas devem ser tratadas com urbanidade, não se lhes fazendo
perguntas ou considerações impertinentes, capciosas ou vexatórias..
“Posteriormente é aberta a palavra aos dois outros membros, mas nada impede
que a interação da Comissão permita que um dos membros faça uma pergunta
que lhe veio à mente antes de o Presidente lhe passar a palavra; todavia, isto
tem de ser feito com muito cuidado e com a aquiescência do Presidente, para
não tumultuar o depoimento.”, Vinícius de Carvalho Madeira, “Lições de
Processo Disciplinar”, pg. 106, Fortium Editora, 1ª edição, 2008
Cabe também ao presidente reduzir a termo as respostas, cingindo-se o mais fielmente
possível às expressões e frases empregadas pela testemunha. O presidente deve encontrar a
medida exata entre, por um lado, não interromper demasiadamente a testemunha, interferindo
na sua concatenação lógica de ideias e raciocínio, e por outro lado, não deixar a testemunha
falar ininterruptamente por longo tempo, pois ao final terá dificuldade para se lembrar de
838
tudo. Convém então combinar previamente com o depoente que, em caso de resposta mais
longa, serão feitas pausas espaçadas para reduzir a termo. Pode-se, inclusive, ao final de uma
resposta mais longa, solicitar ao secretário que leia o texto digitado em voz alta, a fim de a
testemunha ratificar ou corrigir. Mais que isto, para assegurar a necessária garantia do ato e
até mesmo para tentar inibir exageradas contestações ou solicitações de retificação quando da
leitura final do termo, recomenda-se que a comissão adote a praxe, previamente informada, de
ler em voz alta cada pergunta e resposta consignadas.
CPP - Art. 215. Na redação do depoimento, o juiz deverá cingir-se, tanto
quanto possível, às expressões usadas pelas testemunhas, reproduzindo
fielmente as suas frases.
Coleta-se um testemunho em função do que se espera que o depoente possa trazer para
o processo em termos de esclarecimentos acerca do fato investigado. Neste rumo, não
interessam as apreciações pessoais do depoente, devendo ser impedidas pelo presidente da
comissão. No outro extremo, dentro do que efetivamente importa na prova oral, como
elemento de aferição de sua credibilidade, nos termos do art. 203 do CPP, deve a testemunha
não só informar o que sabe, mas também explicar para a comissão “as razões de sua ciência
ou as circunstâncias” de como teve conhecimento daquilo que diz. A valoração da prova oral
passa pela capacidade de a testemunha não apenas dizer sobre tal fato, mas de também
esclarecer como e porque que soube do fato e em que circunstâncias se deu tal conhecimento
(se presenciou o ato sob apuração ou se dele soube por intermédio de terceiros, por exemplo).
CPP - Art. 203. A testemunha fará (...) relatar o que souber, explicando sempre
as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de
sua credibilidade.
Art. 213. O juiz não permitirá que a testemunha manifeste suas apreciações
pessoais, salvo quando inseparáveis da narrativa do fato.
“(...) a testemunha, para merecer confiança, precisa atender a três elementos:
a) Informar algo de sua ciência (...). b) Razão da ciência (...). c) Circunstâncias
da ciência (...).” Léo da Silva Alves, “Sindicância e Processo Disciplinar em 50
Súmulas”, pg. 51, Editora Brasília Jurídica, 1ª edição, 2005
Incumbe ainda ao presidente, sem prejuízo do auxílio dos dois vogais, zelar pela
manutenção da ordem, de forma a não permitir que acusado e procurador interfiram nas
perguntas e respostas ou intimidem a testemunha.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 159.
§ 2º O procurador do acusado poderá assistir ao interrogatório, bem como à
inquirição das testemunhas, sendo-lhe vedado interferir nas perguntas e
respostas, facultando-se-lhe, porém, reinquiri-las, por intermédio do presidente
da comissão.
“Vale lembrar que o patrono da defesa não pode intervir, de qualquer modo,
nas perguntas e nas respostas, conforme vedação do art. 187 do CPP. Mas
cabe-lhe zelar pela fidelidade dos registros, evitando anotações indevidas,
incorretas, incompletas ou que não reflitam, na essência, o que o interrogado
efetivamente declarou.” Léo da Silva Alves, “A Prova no Processo
Disciplinar”, pg. 82, Editora Lumen Juris, 1ª edição, 2003
Caso a parte tente interferir indevidamente no ato, deve o presidente impedir,
registrando o incidente no termo; na reiteração, pode o presidente advertir com a possibilidade
de determinar que o acusado ou até mesmo que o procurador (em hipótese mais rara, já que
deste se espera uma postura mais técnica e isenta que a do acusado) se retire do recinto,
também com o devido registro no termo. Obviamente que esta prerrogativa deve ser evitada,
tentando-se ao máximo contornar a situação e conduzir de forma serena o ato, sem precisar
chegar a tal providência extremada. Mas, se for necessário, após solicitar a retirada do
procurador ou do acusado, caso não se retire(m) espontaneamente, a comissão deve solicitar à
segurança ou vigilância que o(s) retire do recinto. Na hipótese extremada de se ter
839
espontaneidade da resposta, por permitir, quando for o caso, que o depoente tenha tempo
maior para formular o que responder.
Por fim, dá-se a palavra ao acusado e a seu procurador, para que formulem suas
perguntas. Diferentemente dos vogais, a defesa deve dirigir suas perguntas ao presidente para
que este, se entender cabíveis, repasse-as ao depoente. Com base no art. 156, § 1º, da Lei nº
8.112, de 11/12/90, o presidente tem a prerrogativa de denegar perguntas irrelevantes,
repetitivas, impertinentes (mas, como já aduzido em 4.4.1.5, deve usar este poder com muita
cautela), não cabendo, todavia, negar a registrar no termo as perguntas indeferidas, se assim a
defesa provocar. Na verdade, independente deste comando expresso no § 3º do art. 459 do
CPC, a priori, presumindo-se a serena e imparcial condução do ato pela comissão e por seu
presidente, até parece conveniente que se registre mesmo, para deixar evidenciadas eventuais
estratégias da defesa de buscar digressões do cerne das apurações ou de ofender a testemunha.
CPC - Art. 459.
§ 2º As perguntas que o juiz indeferir serão obrigatoriamente transcritas no
termo, se a parte o requerer (Redação dada pela Lei nº 7.005, de 28/06/82)
Havendo mais de um acusado, mesmo que a oitiva tenha sido solicitada por apenas um
deles ou que o depoente tenha informações a prestar apenas acerca de um acusado, todos
devem ser notificados da oitiva e, uma vez comparecendo, pessoalmente ou por meio de seus
procuradores, têm direito à igual participação, formulando perguntas à testemunha.
Se, no curso da oitiva em que, no início, se firmou compromisso de verdade, o
depoente, diante de determinada pergunta, alega a cláusula de não se autoincriminar para não
responder, convém que se a acate, em homenagem à garantia constitucional, com a
contrapartida de possivelmente esta testemunha passar a ser objeto de apuração.
CPC - Art. 448. A testemunha não é obrigada a depor sobre fatos:
I - que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge ou companheiro e
aos seus parentes consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o
terceiro grau;
STF, ´Habeas Corpus´ nº 71.421, Despacho: “(...) a ´self-incrimination´
constitui causa legítima que exonera o depoente - seja ele testemunha ou
indiciado - do dever de depor sobre os fatos que lhe sejam perguntados e de
cujo esclarecimento possa resultar, como necessário efeito causal, a sua
própria responsabilização penal.”
STF, ´Habeas Corpus´ nº 73.035: “Ementa: I. Não configura o crime de falso
testemunho, quando a pessoa, depondo como testemunha, ainda que
compromissada, deixa de revelar fatos que possam incriminá-la.”
“(...) a testemunha tem assegurado o direito de não responder às indagações
que eventualmente possam incriminá-las, como faz certo o julgado do Egrégio
Tribunal Regional Federal da 1ª R (HC 2004.01.00.010515-1).” Sebastião José
Lessa, “Do Processo Administrativo Disciplinar e da Sindicância”, pg. 119,
Editora Brasília Jurídica, 4ª edição, 2006
“(...) toda a legislação pátria é unânime no sentido de que ninguém será
obrigado a depor de fatos que o prejudiquem, ou que causem dano a seu
cônjuge e aos seus parentes consanguíneos ou afins, em linha reta ou na
colateral em segundo grau; que podem se recusar a depor o ascendente ou
descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão, o
pai, ou o filho adotivo.” Adriane de Almeida Lins e Debora Vasti da Silva do
Bonfim Denys, “Processo Administrativo Disciplinar - Manual”, pgs. 330 e
331, Editora Fórum, 1ª edição, 2007
Ao final das perguntas da comissão e da parte, deve o presidente passar a palavra para
o depoente, para que este acrescente o que quiser acerca do fato apurado. Caso tenha sido
acrescentado algo a respeito do acusado ou a comissão tenha feito novas perguntas, devolve-
841
se a palavra à defesa para contraditar. Destaca-se que nada obsta que a comissão, por
intermédio do seu presidente, retome as perguntas se achar necessário, mesmo após já ter
passado a palavra à parte ou para manifestações finais do depoente - desde que, por óbvio,
conceda novamente a palavra à defesa. Aliás, não se despreza esse momento, pois, em um
clima já menos tenso e com maior propensão ao relaxamento e à espontaneidade, pode o
depoente acrescentar novos fatos ou novas versões.
Parecer PGFN/CJU nº 1.076/2007: “16. Quanto ao aspecto formal, tão
enaltecido e explorado pela defesa, a Comissão agiu muito bem ao registrar
que não estava impedida de formular perguntas após as reinquirições da
defesa, lembrando que o processo administrativo disciplinar se rege pelo
formalismo moderado em que a rigidez das formas deve ceder em favor do
objetivo maior: a verdade real e o pleno esclarecimento dos fatos.
17. O apego exagerado à forma, novamente se fez presente quando a defesa,
mediante interpretação conveniente do art. 156 da Lei n. 8.112/90, considerou
que é sua a última palavra quando dos depoimentos das testemunhas
(reinquirição), tudo, como bem observou a Comissão, para esquivar-se da
discussão do real objeto do processo (...).”
Se, no curso da oitiva, o acusado apresenta alguma petição para a qual não se tem
imediata resposta, por requerer análise, pode o presidente suspender momentaneamente o
depoimento, para que a comissão, a sós na sala, possa deliberar. Ainda, pode optar por
registrar no termo de oitiva que a petição será analisada oportunamente e, no prazo de até
cinco dias (conforme art. 24 da Lei nº 9.784, de 29/01/99), será apresentada resposta ao
acusado.
Deve-se registrar no termo de depoimento todos os fatos efetivamente ocorridos ao
longo do ato. O termo deve ser o mais fiel à realidade possível. Assim, todos os incidentes,
interferências, advertências verbais e as abstenções de fazer uso da palavra, sejam da parte de
quem for (vogais, acusado, procurador e testemunha), devem ser consignadas no termo.
Ao final, revisa-se o texto e imprime-se uma única via, para que a testemunha leia
antes de assinar, e encerra-se o termo, coletando assinaturas de todos os presentes. Caso a
testemunha não saiba ou eventualmente não possa assinar seu próprio nome, deve-se registrar
o incidente no termo e solicitar que alguém assine o termo por ela.
CPP - Art. 216. O depoimento da testemunha será reduzido a termo, assinado
por ela, pelo juiz e pelas partes. Se a testemunha não souber assinar ou não
puder fazê-lo, pedirá a alguém que o faça por ela, depois de lido na presença
de ambos.
Se, ainda no curso do testemunho ou já na revisão final, a testemunha (ou a defesa)
solicitar que se altere relevantemente o teor de alguma resposta (excluídos pequenos lapsos,
esquecimentos ou equívocos e meros erros de digitação ou de grafia), não convém editar em
cima da resposta original, para que não se perca a espontaneidade da primeira manifestação.
Diante deste pedido, convém consignar ao final que foi solicitado o registro de nova resposta,
sem eliminar o registro original.
“Após encerrada a ata de depoimento, todos os presentes precisam assiná-la,
principalmente para comprovar que a testemunha deu realmente aquele
depoimento e que o acusado, se presente, realmente pôde participar. Se,
contudo, o depoente se recusar a assinar a ata porque entende que o que foi
registrado não foi o que ele disse, em sendo isso verdade, a era do computador
permite que seja feita a correção sem maiores problemas (nesta hora a
Comissão precisa de bom senso para não criar problemas desnecessários com
a testemunha). Entretanto, se o que o depoente quer retirar ou modificar é algo
que ele realmente disse e que vai servir como prova importante, a Comissão
deverá registrar a recusa em assinar e tomar como testemunha os presentes.
Não é a solução ideal e deve ser evitada ao máximo, pois um depoimento sem
assinatura da testemunha perde muito do seu valor.”, Vinícius de Carvalho
842
4.4.4.5 - Breve Introdução a Aspectos Verbais e Não Verbais Extraíveis da Prova Oral
Sendo o ato de instrução probatória mais fortemente marcado pelo contato entre
pessoas do que qualquer outro elemento de formação de convicção, o sucesso da coleta da
prova oral transcende a simples e formal obediência a ritos e instrumentalidades normativos,
vez que não se pode abstrair da condição humana dos participantes. A prova oral realizada no
curso do processo administrativo disciplinar tem a riqueza e a dinâmica de poder produzir,
nos agentes participantes daquela relação processual, mensagens de distintas naturezas. A
saber, a prova oral transmite aos agentes processuais informações simbólicas, verbais, não
verbais e escritas. Não obstante se poder sintetizar que, com a deliberação a favor da
realização de prova oral, a comissão a priori busca, de forma unilateral, obter informações de
início de posse apenas do depoente, aqui se estendem como destinatários daquele rol de
mensagens todos os agentes participantes do ato (ou seja, além do colegiado, também a
843
testemunha e até mesmo o acusado e seu procurador, acaso presentes), pois há comunicações
que seguem o sentido inverso, partindo da comissão para serem recebidas pelo depoente e
partilhadas com a defesa.
Dentre aquelas quatro diferentes naturezas das mensagens extraíveis da prova oral, eis
que as mensagens simbólica e escrita são breve e facilmente explicáveis. Tanto é verdade o
acima exposto, acerca do duplo sentido do fluxo de informações, que a mensagem simbólica é
transmitida de imediato e de forma simultânea e recíproca, entre os diferentes participantes do
ato, e associa-se à postura, à aparência e à indumentária com que cada um se apresenta já
desde o primeiro contato, na recepção do depoente pela comissão e na apresentação de seus
membros. Coloquialmente, é a chamada “primeira impressão”, inegavelmente capaz de
inaugurar empatias e refrações, de acordo com preconceitos e opiniões preconcebidas de cada
um. Sendo um ato formal de instrução probatória que obrigatoriamente conta com a presença
de agente(s) externo(s) à comissão, recomenda-se uma apresentação sóbria de parte dos
integrantes do colegiado e passível de ajustes caso a caso. Um exemplo reside na
desnecessidade em geral de os integrantes portarem terno e gravata ou traje social feminino
para uma prova oral ordinária, mas talvez seja recomendável tal uso se a oitiva a ser coletada
for de uma alta autoridade ou de um notório agente privado, que certamente assim chegarão
trajados. Já a informação de natureza escrita que se extrai da prova oral reside no termo de
oitiva a ser redigido, a cada resposta, ao longo da realização do ato e a ser lido, corrigido e por
fim autuado como elemento probatório válido e materializado.
De outro lado, as informações verbais e, sobretudo, as informações não verbais
extraíveis da prova oral exigem maior esforço descritivo. Uma vez que estas informações -
diferentemente das mensagens simbólica e escrita, que se expõem e se consubstanciam em
momentos mais demarcados (respectivamente logo no início e ao fim do ato) - diluidamente
se manifestam praticamente ao longo de todo o ato, antes de discorrer sobre ambas, convém
abordar dois momentos importantes da prova oral, quais sejam, a aproximação com o
depoente e a formulação de perguntas.
Após a apresentação dos participantes e a indicação dos assentos e posições a serem
ocupados, de iniciativa do presidente como forma a demarcar sua autoridade na condução do
ato, deve a comissão buscar uma aproximação harmônica com o depoente, com o objetivo de
aliviar ou ao menos diminuir os previsíveis e compreensíveis nervosismo, ansiedade e
desconforto e os decorrentes receio e distanciamento iniciais.
Neste momento (em que não se recomenda já expor o depoente a confrontações e a
embates com temas críticos ou sensíveis), convém que o presidente estimule assuntos triviais
e cotidianos e que possam ser do gosto ou do interesse da testemunha para, ao mesmo tempo
em que se tenta quebrar o clima inicial de tensão, também se observar o padrão
comportamental normal do depoente, em um momento ainda de relaxamento das
autopreservações, barreiras, defesas e autocensuras, com o fim de posteriormente poder
comparar com sua reação em momentos de confrontação e embate. Ademais, neste início do
contato, convém que a comissão ajuste sua retórica e sua terminologia ao grau de instrução,
de articulação e de elaboração do depoente. Esta percepção inicial é importante a fim de evitar
que a comissão equivocadamente interprete determinado padrão comportamental ansioso ou
nervoso e que já seja inerente àquela pessoa mesmo em condição de conforto (como simples
tiques, manias, trejeitos ou cacoetes, por exemplo) como se fosse um indevido indicativo de
estar se sentindo sobre pressão e daí induzido à defensiva insinceridade.
Para obter esta salutar postura de relaxamento da parte do depoente (e, por que não
dizer, até mesmo da parte dos integrantes da comissão), o colegiado dispõe de algumas
técnicas de aproximação.
A primeira a se mencionar é a técnica da reciprocidade, por meio da qual o presidente
procura ser persuasivo no sentido de que aquela prova oral, uma vez bem desenvolvida e bem
desempenhada, pode angariar ganhos ou proveitosos resultados para ambos os lados
844
reações corporais, e ainda podem ser influenciados (no sentido de terem suas emissões
estimuladas ou inibidas) pela postura dos interlocutores (destacadamente do presidente).
É inquestionavelmente relevante que a comissão atente não apenas para os aspectos
verbais das respostas mas sim que extraia leitura dinâmica e conglobante desta verbalização
com os aspectos não verbais, os quais, por algumas vezes, reforçam e, por outras vezes,
desmentem aquilo que se fala. O atento integrante da comissão deve se preparar para ser
capaz de apreender do depoente além de sua oralidade, a fim de identificar e avaliar não só o
que se diz, mas sobretudo como se diz. E, para este fim, conta-se com o resultado de diversos
estudos que, se por um lado, baseiam-se em certo grau de empirismo e devem ser vistos com
reservas e cautelas diante da infinita miríade de comportamentos, reações e subjetividades
humanas, por outro lado, emprestam um razoável valor de credibilidade ao se divorciarem,
por seu academicismo, de meras crendices ou lendas leigas.
Por exemplo, pode-se apresentar como comportamento verbal padrão de um depoente
sincero a inferência de que este responde os questionamentos de forma direta e espontânea e
demonstra crível e inabalável indignação se é injustamente provocado, com negação imediata
e sem hesitação daquilo que lhe é imputado; e, em geral, empenha-se com respostas proativas,
cooperativas e colaborativas para o esclarecimento fático, predispondo-se até a identificar ou
ao menos a contribuir ou especular acerca do responsável pelo fato em apuração.
Já o depoente que se presume insincero tende, verbalmente, a hesitar a responder, por
vezes refazendo a pergunta ou pedindo para que se a repita, como formas de obter algum
tempo para elaborar sua resposta não espontânea; ou usa de resposta evasiva que foge da
pergunta; ou nega especificamente um ato que não é exatamente aquele com que se o
provoca; ou vale-se de termos que tornam sua resposta genérica em face do que foi
perguntado (como “Normalmente,...” ou “Geralmente,...”); ou apoia ou reforça suas respostas
em expressões idiomáticas ou em frases feitas de valor religioso ou com certa ênfase falsa,
dramática ou até demagógica (como “Pelo amor de Deus...” ou “Sinceramente,...” ou “Que eu
me lembre...” e similares); ou apresenta memória seletiva, resgatando com detalhes nuances
que lhe interessam e dizendo não se lembrar dos fatos apenas nas questões que lhe são
críticas; ou disfarça e foge do cerne da provocação, não verbalizando sua literalidade mas sim
valendo-se de eufemismos ou de uma retórica em exagerado e artificial grau de erudição,
formalismo e rebuscamento, com que tenta convencer que tem distância do fato ou do
responsável; ou responde em tom de voz mais baixo; ou reage com falsa e teatralizada
indignação acompanhada de forte e pontual gestualidade; ou não se empenha com respostas
proativas, cooperativas e colaborativas, não se predispondo a auxiliar no esclarecimento fático
e muito menos contribui ou especula acerca da identificação do responsável pelo fato em
apuração.
Nos aspectos não verbais, um depoente presumivelmente sincero pode se caracterizar
por apresentar uma postura corporal serena, ereta, atenta e simbolicamente aberta ao diálogo e
à contribuição, mantendo contato visual com o interlocutor; comumente ilustra com gestos
manuais suas explanações, a fim de torná-las mais claramente compreensíveis; e apresenta
naturais mudanças de postura e de posição do corpo frente o interlocutor, mas sempre
mantendo atenção no diálogo.
Já o depoente com traços indicativos de insinceridade pode apresentar
comportamentos não verbais marcados pela postura corporal refratária à proximidade com o
interlocutor, mantendo-se distante ou retraído, com o corpo projetado para trás ou de lado ou
ainda em postura que demonstra impaciência ou vontade de se evadir do recinto ou
desinteresse ou até mesmo desânimo quando se percebe pouco convincente; ou apresenta
postura rígida, estática, congelada, inerte ou até desdenhosa, mas com forte e brusca mudança
repentina de postura quando recebe um questionamento sensível; ou apoia a cabeça ou o
queixo na mão; ou limita-se a responder afirmativa ou negativamente com movimentos da
cabeça; ou não fixa o olhar no interlocutor, evitando contato visual, ou mantém um olhar
846
universo de pessoas analisadas nos mencionados estudos acadêmicos que levaram aos
resultados acima sintetizados em brevíssimas linhas. Tanto é verdade que há indicativos de
uma mesma inferência que soam até incompatíveis e incoerentes entre si. Isto se explica pela
inesgotável individualização do ser humano, sendo a lista acima a ser tomada como mera
indicação e inferência globais, podendo cada indivíduo reagir de uma ou de outra forma
dentre aquelas listadas para um mesmo grupo, não sendo de se exigir ou de se esperar que
cada indivíduo paute suas reações na lista completa daquelas posturas verbais e não verbais
elencadas. Pode ocorrer até um depoente apresentar sinais não verbais antagônicos aos
esperados e acima listados, de forma que não se pode tomar nenhum destes indicativos de
forma absoluta.
Importante destacar que os indicadores não verbais, ainda que claramente percebidos,
não devem ser levados a termo mas indicam rumos e linhas a serem adotados na prova oral
em si e na apuração no curso do processo como um todo. Não se registra no termo o
comportamento não verbal, mas se o tem, sim, como um indicador silencioso e não manifesto
para seguir determinada convicção acerca da presumida sinceridade ou insinceridade do
depoente quanto a determinado ponto sensível. Não se tem dúvida que, a menos de lapsos de
memória e de atos falhos, o conjunto de comportamentos não verbais pode se revelar mais
espontâneo e crível que a verbalização, sobretudo em momentos de tensão e de confrontação.
Até porque, em geral, os comportamentos não verbais manifestam-se de forma reativa aos
questionamentos mais sensíveis. Atento a esta consideração, o integrante de comissão deve se
permitir crer, em determinada pergunta, que a verbalização do depoente pode ser ratificada ou
retificada pelo seu conjunto comportamental não verbal.
Dentro do infinito espectro das possíveis reações humanas a qualquer provocação,
deve-se ressaltar que não cabe ao integrante da comissão formular uma convicção acerca da
possível sinceridade ou acerca da possível insinceridade do depoente com base em apenas um
indicativo pontual e isolado. Seria extremamente perigoso e falível supor um certo grau de
sinceridade ou de insinceridade do depoente apenas à vista de uma análise rasteira, simplista,
superficial e precipitada em virtude da percepção de algum indicativo dissociado do contexto.
Deve sim o integrante da comissão buscar a experiência de avaliar o padrão comportamental
do depoente de início, ainda em zona de conforto, para depois confrontar com os aspectos
verbais e não verbais conjunta e conglobantemente perceptíveis no curso da prova oral.
Por fim, cumpre informar que praticamente tudo o que foi aduzido acima também se
aplica, com as devidas adaptações ao interrogatório do acusado, daí porque, em 4.4.16.5, se
remeteu à leitura do presente tópico.
assinaturas de todos os presentes neste recinto, remeta para a comissão a via do termo tanto
por meio do correio eletrônico institucional, para imediata juntada aos autos, quanto por meio
de malote, para juntada posterior. A remessa, por malote, da via original em que os presentes
na sala remota apuseram suas rubricas e assinaturas se justifica porque convém que se autuem
as vias do termo que contêm rubricas e assinaturas de próprio punho dos participantes em
cada localidade (tantas vias originais quantos forem os distintos recintos). E a remessa, pelo
correio eletrônico institucional, da via digitalizada também se justifica para se ter de imediato,
já desde o momento do encerramento do ato, em um documento único, uma via com rubricas
e assinaturas de todos os participantes e para suprir o risco de eventual extravio da via original
a ser remetida por malote.
Na hipótese de se ter o ato envolvendo mais de duas localidades (por exemplo,
comissão em uma localidade, defesa em outra e testemunha em uma terceira ou ainda mais de
um acusado em diferentes localidades), a finalização do ato é similar à descrita acima, mas
com algumas peculiaridades. Após o ajuste do texto, o secretário da comissão deve imprimir o
termo, coletar rubricas e assinaturas dos presentes em sua sala, digitalizar esta via e remetê-la
pelo correio eletrônico institucional para o secretário ad hoc situado na sala remota. Este
secretário ad hoc da segunda localidade deve imprimir o termo digitalizado com rubricas e
assinaturas dos presentes na sala da comissão, coletar rubricas e assinaturas dos presentes em
sua sala, digitalizar esta via e remetê-la pelo correio eletrônico institucional para o secretário
ad hoc situado na terceira localidade. Este secretário ad hoc da terceira localidade deve
imprimir o termo digitalizado com rubricas e assinaturas dos presentes na sala da comissão e
na segunda localidade, coletar rubricas e assinaturas dos presentes em sua sala, digitalizar esta
via e remetê-la pelo correio eletrônico institucional para o secretário da comissão. O
colegiado deve imprimir esta via digitalizada, com rubricas e assinaturas de todos os
participantes, e autuá-la no processo, juntamente com a via original com rubricas e assinaturas
dos presentes na sua sala, encerrando-se as providências daquele momento da coleta da prova
oral. E, posteriormente, os secretários ad hoc que acompanharam o ato nos recintos remotos
devem remeter para a comissão, por meio de malote, as vias digitalizadas do termo por eles
recebidas ao final da oitiva com rubricas e assinaturas da comissão dos presentes nas salas
respectivamente anteriores, na qual coletou rubricas e assinaturas dos presentes na sua própria
sala, a fim de que, em conjunto com as duas vias que já instruem os autos desde a data da
realização da videoconferência, todas também sejam autuadas.
Em suma, devem ser autuadas, logo após o término do ato, a via com rubricas e
assinaturas originais de quem esteve na sala da comissão e a via digitalizada com rubricas e
assinaturas de todos os presentes em cada localidade; e, por fim, posteriormente, deve(m) ser
remetida(s) de volta para a comissão, para também ser(em) autuada(s), a(s) via(s)
eletronicamente recebida(s) pelo(s) secretário(s) ad hoc com rubricas e assinaturas de quem
esteve presente na(s) localidade(s) anterior(s) e na(s) qual(is) se coletaram rubricas e
assinaturas originais de quem esteve presente na(s) respectiva(s) sala(s).
Há ainda um detalhe formal a se destacar no caso específico de se necessitar realizar
várias oitivas de testemunhas por meio de videoconferência e de cada ato em si envolver
diversas localidades distintas. A recomendação de autuação, para cada oitiva, da via
digitalizada com rubricas e assinaturas de todos os participantes, da via com rubricas e
assinaturas originais dos presentes na sala da comissão e de todas as vias com rubricas e
assinaturas originais coletadas em cada uma das demais localidades acarretaria a juntada de
diversas vias de um mesmo documento (possivelmente recebidas pela comissão em intervalos
de tempo díspares e aleatórios, diante da ausência de controle e de previsibilidade dos
serviços de malotes oriundos de distintas localidades) e esta quantidade se multiplicaria na
hipótese de serem realizados diversos atos por videoconferências no mesmo processo. Neste
caso bastante específico, para evitar a autuação de muitos documentos de mesmo teor, de
forma repetitiva e não cronológica, pode a comissão deliberar, para cada ato realizado por
meio de videoconferência, autuar no volume em si do processo apenas as vias digitalizadas
857
com rubricas e assinaturas de todos os participantes e autuar em anexo todas as demais vias
com rubricas e assinaturas originais de partes dos agentes.
No caso específico de processo digital formalizado no Sistema Processo Eletrônico (e-
Processo), pode-se obter uma simplificação nos procedimentos finais, aqui já descritos
contando inclusive com a possibilidade de serem envolvidas mais de duas localidades. Ao
final do ato, após ajustado o texto entre todos os agentes participantes, devem ser juntadas ao
processo digital tantas vias do termo de oitiva por videoconferência (todas de igual forma e
teor) quantas forem as localidades envolvidas, ressalvada a sala da comissão se esta estiver
sozinha. A comissão deve assinar digitalmente todas as vias e os demais presentes devem
assinar somente as vias correspondentes às localidades onde se encontram, de forma que o
conjunto de todas as vias contenha as assinaturas de todos os participantes. Estando a
comissão sozinha em sua sala, basta que assine, digitalmente, as vias das demais localidades.
Mas se estiver acompanhada, a comissão deve imprimir uma via do termo de oitiva e,
juntamente com quem mais porventura esteve na mesma localidade, deve rubricar as
primeiras folhas do termo e assinar a última e, em seguida, juntá-la ao processo. Já as demais
vias devem ter os encaminhamentos que se seguem. O arquivo eletrônico original, sem
assinaturas, deve ser remetido, pelo correio eletrônico institucional, para os secretários ad hoc
situados nas demais localidades. Nestas salas remotas, os secretários ad hoc devem imprimir
o termo, rubricar, assinar, coletar rubricas e assinatura de quem mais porventura esteve
naqueles recintos, digitalizar esta nova versão do documento e formalizar solicitação de
juntada de documento (SJD) no sistema e-Processo. O colegiado deve então analisar as
referidas SJDs e, em seguida, assinar digitalmente todas as vias do termo apresentadas.
Posteriormente, os secretários ad hoc deverão remeter de volta para a comissão, por meio de
malote, aquelas vias digitalizadas do termo, nas quais coletaram rubricas e assinaturas de
quem porventura esteve presente nos recintos remotos, e que após foram por ele
encaminhadas ao colegiado por meio de SJDs, para a guarda dos documentos pela comissão.
Embora se tenha inserido a descrição do emprego da videoconferência no ponto do
presente texto em que se discute a forma de coleta de testemunho de inativo, ex-servidor ou
particular situado em localidade diferente, esta ferramenta, conforme prevê a Instrução
Normativa CGU/CRG nº 12, de 01/11/11, também pode ser usada, exatamente com a mesma
dinâmica acima descrita, para se coletar testemunho de servidor ativo que se encontra em
localidade distinta da comissão, caso não seja possível ou justificável deslocá-lo, seja por
questões de custo ou por quaisquer outras dificuldades operacionais.
Da mesma forma como se aduziu para a oitiva presencial, para a qual não se
recomenda a gravação do ato de instrução, na ausência de regramento impositivo ou
impeditivo, também não se verifica, em princípio, justificativa para que se proceda à gravação
da oitiva por videoconferência, ainda que haja viabilidade técnica para tal, visto que o ato será
reduzido a termo e este termo é a prova válida e suficiente a constar dos autos.
Mencione-se que a Secretaria da Receita Federal do Brasil implantou, no ambiente
virtual denominado Portal de Comunicação Virtual, um Serviço de Videoconferência, para
sistematização e controle de agendamentos do uso desta ferramenta de comunicação interna
por parte de todas as unidades do órgão, com vista ao desempenho de suas atividades fins,
acessível pela intranet institucional, no menu “Acesso Rápido”, ou pelo endereço eletrônico
http://comunicacaovirtual.receita.fazenda, onde se encontra um guia procedimental resumido
para o usuário. É de se ressaltar, todavia, que, como regra geral, à vista das peculiaridades e
cautelas específicas da instância disciplinar, o emprego de videoconferência em PAD ou
sindicância disciplinar não se amolda a este sistema institucional, podendo, do citado material,
serem aproveitadas, de forma subsidiária, apenas conceituações e definições básicas ou
informações complementares e a necessidade de agendamento, em caso de serem utilizadas
mais de quatro salas ou em caso de se prever que a videoconferência possa ultrapassar as 18
horas. Quando necessário fazer o agendamento por algum destes dois motivos, o Portal de
Comunicação Virtual abre um link “Agenda videoconferências”, que remete a um espaço
858
precatória que será realizada e oferece-lhe prazo para, se desejar, apresentar os seus quesitos
complementares, não se afastando a prerrogativa de o colegiado, com base no art. 156, § 1º da
Lei nº 8.112, de 11/12/90, indeferir perguntas impertinentes, protelatórias ou sem interesse
para o esclarecimento dos fatos.
“A despeito de não existir empecilho de cunho legal a que possa a comissão se
deslocar para outros pontos do território nacional, advirta-se, porém, que
medidas de contenção de despesas, por vezes, desaconselham ou tornam
proibitivas tais movimentações onerosas.
Para suprir tal impasse, a única alternativa acenável é a carta precatória, por
meio da qual a comissão depreca outras autoridades para o cumprimento de
algumas diligências, as quais, embora imprescindíveis ao esclarecimento dos
fatos objeto do processo, não são tão essenciais a ponto de exigirem esses
onerosos deslocamentos.
A comissão pode, por conseguinte, deprecar o cumprimento das seguintes
diligências: audição de testemunhas, acareações, reconhecimento de pessoas
ou coisas, reprodução simulada de fatos, colheita de material gráfico ou
mecanográfico e outras mais.
Não obstante, recomenda-se que as comissões não abusem do recurso à carta
precatória, posto que é discutível a validade plena dos atos processuais
realizados fora do processo e por uma só pessoa. Processualmente, há muita
diferença entre os atos de um colegiado e os que são realizados por uma só
autoridade. Os primeiros são, obviamente, dotados de maior credibilidade
jurídico-processual.” José Armando da Costa, “Teoria e Prática do Processo
Administrativo Disciplinar”, pgs. 228 e 229, Editora Brasília Jurídica, 5ª
edição, 2005
Como a Lei nº 8.112, de 11/12/90, é silente acerca do prazo a ser concedido à parte,
recomenda-se a integração com a Lei nº 9.784, de 29/01/99, de onde se pode extrair duas
referências: três dias úteis ou cinco dias corridos, optando-se pelo mais benéfico à parte.
Informa-se, ainda, que se assim preferir, o acusado e/ou seu procurador pode(m) comparecer
pessoalmente ao ato, às próprias custas, para formular suas perguntas à testemunha (cabe à
parte tomar as providências que entenda mais convenientes para exercer o contraditório).
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 41. Os interessados serão intimados de prova
ou diligência ordenada, com antecedência mínima de três dias úteis,
mencionando-se data, hora e local de realização.
Art. 24. Inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade
responsável pelo processo e dos administrados que dele participem devem ser
praticados no prazo de cinco dias, salvo motivo de força maior.
Parágrafo único. O prazo previsto neste artigo pode ser dilatado até o dobro,
mediante comprovada justificação.
Ato contínuo, a comissão deve remeter, por carta precatória, todas as perguntas,
preferencialmente para aquela autoridade que, na localidade onde se encontra a testemunha,
tem poder de instaurar instância disciplinar ou, secundariamente, para a autoridade titular de
unidade fiscal da jurisdição, para que esta autoridade deprecada designe servidor ou comissão
para a realização da oitiva por carta precatória. A intimação (em duas vias), dirigida à
testemunha pelo servidor ou comissão designado(a) pela autoridade deprecada, deve conter a
data, hora e localidade da oitiva, com prazo hábil de três dias úteis de antecedência, para ser
ouvida (art. 41 da Lei nº 9.784, de 29/01/99).
CPP - Art. 222. A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será
inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim,
carta precatória, com prazo razoável, intimadas as partes.
§ 1º A expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal.
§ 2º Findo o prazo marcado, poderá realizar-se o julgamento, mas, a todo
tempo, a precatória, uma vez devolvida, será juntada aos autos.
No ato, o servidor ou a comissão designado(a) deve seguir, no que couber, as técnicas
860
terceiro grau;
II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.
Em 4.2.6 foram apresentadas as definições de graus de parentesco e a forma de contá-
los, a cuja leitura se remete. A interpretação sistemática do ordenamento impõe que hoje se
inclua o companheiro de união estável em textos normativos mais antigos, que mencionavam
apenas o cônjuge, como neste caso do CPP.
Todavia, em harmonia ao que se aduziu em 4.4.2, uma vez que não se trata de pessoas
legalmente impedidas e proibidas de depor em razão de ofício, de doentes mentais e de
menores de quatorze anos (arts. 207 e 208 do CPP), a desobrigação de deporem ou a
suspeição não impedem que sejam ouvidos no processo se a comissão, em sua livre
apreciação da prova, considera estritamente necessário o depoimento de alguma daquelas
pessoas. Apenas, neste caso, não depõem como testemunhas, mas sim como declarantes, sem
que deles se exija o compromisso de verdade.
CPP - Art. 214. Antes de iniciado o depoimento, as partes poderão contraditar
a testemunha ou arguir circunstâncias ou defeitos, que a tornem suspeita de
parcialidade, ou indigna de fé. O juiz fará consignar a contradita ou arguição e
a resposta da testemunha, mas só excluirá a testemunha ou não lhe deferirá
compromisso nos casos previstos nos arts. 207 e 208.
(Nota: O art. 207 lista os proibidos de depor em função do ofício e o art. 208
exclui o compromisso de verdade para os parentes do acusado, doentes mentais
e menores de quatorze anos.)
CPC - Art. 447.
§ 4º Sendo necessário, pode o juiz admitir o depoimento das testemunhas
menores, impedidas ou suspeitas.
§ 5º Os depoimentos referidos no § 4º serão prestados independentemente de
compromisso, e o juiz lhes atribuirá o valor que possam merecer.
“(...) seu depoimento será considerado como apenas de informante (...) quando
houver relação de parentesco, consanguíneo ou afim, com o acusado, bem
como sendo o depoente cônjuge ou companheiro do acusado, pois os parentes,
servidores ou não, poderão apresentar sua versão do fato ou elementos de
elucidação, os quais deverão ser tomados com as cautelas devidas. Seus
depoimentos serão registrados como de informantes e não de testemunhas.
Como informantes, tais pessoas estão isentas de assumir o compromisso de
‘dizer sempre a verdade, toda a verdade, do que souber e lhe for perguntado’.
A Comissão poderá ouvir as testemunhas impedidas ou suspeitas, somente se o
seu depoimento for estritamente necessário. Dentre estas, as pessoas
interessadas no resultado da averiguação em curso. Neste caso, o depoimento
será tomado, como se disse, sem o compromisso, e a Comissão deverá atribuir-
lhe o valor que possa merecer, conforme determina analogicamente o § 4º do
art. 405 do Código de Processo Civil.” Antônio Carlos Palhares Moreira Reis,
“Processo Disciplinar”, pg. 141, Editora Consulex, 2ª edição, 1999
No caso de declarante que já se sabe antecipadamente ter vínculo pessoal com o
acusado, o chamado para prestar prova oral pode ser consubstanciado em intimação ou em
excepcional solicitação de comparecimento, a critério da comissão, à vista das peculiaridades
do caso específico, que podem indicar maior relevância e imprescindibilidade à prova oral,
tendo registrado a motivação em ata de deliberação.
Mas pode ocorrer de a vinculação somente vir à tona no momento do depoimento,
quando então a testemunha se declara desobrigada ou suspeita ou é contraditada pela defesa.
Neste caso, deve a comissão, antes de prosseguir na realização do ato, registrar o incidente no
próprio termo, alterando a qualificação do depoente de testemunha para declarante.
Feitas estas ressalvas, aproveitam-se as demais recomendações feitas acima para o
depoimento de testemunha quanto à condução do ato em si e também, se for o caso, se
862
4.4.6 - Diligências
Dentro da processualística administrativa disciplinar, o termo “diligências”, da forma
como elencado na lista exemplificativa de atos de instrução previstos no art. 155 da Lei n°
8.112, de 11/12/90, refere-se, de forma genérica e ampla, a qualquer deslocamento da
comissão na busca da elucidação do fato, mediante verificações ou vistorias que podem ser
realizadas pelos próprios integrantes da comissão, não requerendo a especialidade de um
perito ou técnico. Tais deslocamentos da comissão, em geral, se dirigem ao local de
ocorrência dos fatos, mas também podem, ocasionalmente, se dirigirem a outros locais que de
alguma forma estejam associados ao objeto da apuração e visam a melhor verificar fatos,
objetos ou circunstâncias ou para interpretá-los ou ainda para reconstituir determinadas
situações. Enfim, incluem-se nesta espécie de elemento formador de convicção todos os atos
por meio dos quais, formalmente e com o devido registro nos autos, a comissão sai de sua sala
de instalação com o fim de angariar, no ambiente externo (seja em uma repartição do próprio
órgão ou de outro órgão ou seja em ambiente público ou privado; seja no local de ocorrência
do fato ou em qualquer outro lugar) qualquer tipo de informação concreta acerca do objeto da
apuração.
Estas diligências, previstas no processo disciplinar pelo Estatuto sob enfoque a priori
mais generalista (sem prejuízo de tipos mais específicos de diligências, com peculiaridades
próprias, que adiante serão abordados), têm sua realização condicionada apenas à prévia e
autônoma deliberação da comissão, dispensando intervenção de outras autoridades estranhas
ao processo. Como atos de natureza contraditória, a sua correta e necessária formalização,
além da já mencionada prévia ata de deliberação da comissão, exige a entrega de notificação
(nas formas e meios permitidos em 4.3.11.3 e em 4.4.3) ao acusado para que este, se quiser,
acompanhe a realização, com três dias úteis de antecedência, conforme o art. 41 da Lei nº
9.784, de 29/01/99.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 155. Na fase do inquérito, a comissão promoverá a
tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis,
objetivando a coleta de prova, recorrendo, quando necessário, a técnicos e
peritos, de modo a permitir a completa elucidação dos fatos.
CPC - Art. 483. O juiz irá ao local onde se encontre a pessoa ou a coisa
quando:
863
natureza contraditória e terem sua realização notificada ao acusado, nas estritas condições
impostas pela Lei, em situação de risco iminente para a Administração, em que a diligência
requer sigilo (por exemplo, quando a prévia comunicação do ato poderá frustrar seus
objetivos, propiciando perda de prova relevante por destruição), há previsão legal para,
excepcionalmente e sob devida motivação, adotarem-se medidas acautelatórias, procedendo-
se à diligência sem prévia notificação à parte.
Lei nº 9.784, de 29/01/97 - Art. 45. Em caso de risco iminente, a Administração
Pública poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a
prévia manifestação do interessado.
“Excepcionalmente, a Comissão poderá realizar diligências sem a prévia
notificação do interessado, quando o sigilo for absolutamente necessário para
garantir o êxito da empreitada, o que não ofende a garantia do contraditório,
uma vez que o acusado terá acesso posteriormente àqueles elementos
probatórios constantes dos autos do processo.”, Ministério da Transparência,
Fiscalização e Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo
Administrativo Disciplinar”, pg. 190, 2013, disponível em
http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/Manual PAD.pdf,
acesso em 07/08/13
“A previsão da medida regrada no citado art. 45, da Lei n. 9.784/99,
guardadas as peculiaridades devidas, encontra similar na providência
‘inaudita altera pars’, prevista no art. 797 do Código de Processo Civil.
De fato, surgem situações no processo administrativo disciplinar que reclamam
providências céleres e acautelatórias, com vista a garantir a eficiência do
trabalho investigatório, que busca a verdade real ou material, a par de
ressalvar os direitos do servidor.” Sebastião José Lessa, “Do Processo
Administrativo Disciplinar e da Sindicância”, pg. 223, Editora Brasília
Jurídica, 4ª edição, 2006
“É permitido que a providência administrativa acauteladora seja tomada sem a
prévia manifestação do interessado. O Código de Processo Civil (art. 797)
também admite que o juiz adote medidas cautelares sem a audiência das partes,
mas ressalva expressamente que tal sucederá ‘só em casos excepcionais’. A
ressalva se nos afigura inteiramente aplicável no processo administrativo (...).
(...) as providências preventivas tanto podem ser adotadas antes de ser
instaurado o processo, como durante o seu curso. Naquele caso, tratar-se-á de
providências cautelares prévias, enquanto neste o agente adotará providências
cautelares incidentais.
Bem diversificadas podem ser as providências preventivas por parte da
Administração. Dependendo da situação fática, pode ser determinada a
retenção de bens ou documentos, interdição de local, (...).” José dos Santos
Carvalho Filho, “Processo Administrativo Federal”, pgs. 210 e 211, Editora
Lumen Juris, 2ª edição, 2005
Conforme se reiterará em 4.4.16, E a Controladoria-Geral da União asseverou em
definitivo a plausibilidade jurídica desta excepcional prova de diligência sem prévia
notificação ao acusado (ou até mesmo ao investigado, já que, embora aqui se mencione na
fase de inquérito administrativo, o órgão central do Sistema de Correição do Poder Executivo
Federal - SisCor-PEF prevê esta espécie de ato instrutório mesmo em fase de
admissibilidade). A Instrução Normativa CGU nº 14, de 14 de novembro de 2018, mais
especificamente no seu art. 13, dispõe que, cautelarmente, pode a Administração verificar o
uso, por parte do servidor, de equipamentos, recursos logístico-estruturais e mobiliários
públicos. Este comando, a favor da Administração, com a ação verbal “acessar” permitindo a
ideia de diligenciar, inclui a verificação de documentos e demais meios de provas porventura
guardados em armários, estantes, mesas, gavetas e demais peças de mobília da repartição e
armazenados em computadores, memórias e demais recursos de tecnologia da informação de
propriedade pública e, como consequência, inclui a análise dos acessos a sistemas
866
colegiado ao particular, a questão se resolve com mera ata de deliberação para oficiar o
terceiro, dispensando-se a incomum diligência de natureza fiscal. Todavia, se a comissão, de
acordo com sua própria e autônoma leitura dos autos e dos fatos, entende que os necessários
documentos de natureza fiscal em poder exclusivo do contribuinte podem não ser por este
confiavelmente fornecidos mediante simples intimação e considere que se justifique a ida
pessoal do agente do Fisco ao estabelecimento privado (com o que se conta com inegável
efeito positivo da surpresa, da imprevisibilidade e da espontaneidade), outra opção não restará
a não ser lançar mão do residual porém lícito instrumento da diligência fiscal.
Acrescente-se ainda que esta diligência fiscal nas dependências do particular, por si só,
apenas visa a trazer aos autos do processo administrativo disciplinar dados e provas
documentais porventura encontrados no estabelecimento, extraídos da escrituração contábil
ou do demais acervo documental em poder do contribuinte, e que se revelem de interesse, não
tendo, portanto, o condão de emitir, já naquele momento em si de sua realização, nenhum
elemento de natureza subjetiva, que reflita interpretações ou opiniões de caráter pessoal ou
tendenciosidades por parte de quem a executa e, consequentemente, que possa por tais
impressões se contaminar. Neste aspecto, reside relevante diferenciação em comparação com
a diligência em sentido lato mencionada no art. 155 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, de natureza
contraditória, visto que, naquele ato comum, pode a comissão adotar, à vista de suas próprias
interpretação e leitura daquilo que ela mesma observa e das provas que ela mesma
dinamicamente coleta e sob oferta de contraditório, determinado entendimento ou convicção
favorável ou contrária à parte e assim consignar no termo de diligência. Na mesma linha,
afasta-se a alegação de que a diligência fiscal realizada no âmbito do processo disciplinar
poderia se configurar em uma espécie de perícia ou de assistência técnica (conforme se
definirão em 4.4.9 e 4.4.10), visto não agregar aos autos nenhuma avaliação subjetiva ou juízo
de valor, conforme faz diretamente o próprio perito, por meio de seu laudo, ou indiretamente
o assistente técnico, fornecendo subsídios à comissão.
Ao contrário, nesta diligência fiscal, o executante tão somente recolhe frios e estáticos
documentos de interesse da apuração e os descreve de forma sucinta no próprio termo de
diligência ou em termo de apreensão anexado ao termo de diligência. Da mesma forma como
se defenderá adiante (em 4.4.8, para a apuração especial), no caso da diligência fiscal, os
juízos de valor se sedimentarão a priori (no momento em que a comissão delibera solicitar
sua realização, sendo certo que a Lei n° 8.112, de 11/12/90, não prevê participação do
acusado nas deliberações) e a posteriori (quando o acusado for chamado a contestar, se
quiser, a prova documental juntada e quando a comissão livremente a valorar, na deliberação
de indiciar ou não, com o contraditório novamente sendo exercido na defesa escrita, se for o
caso).
Desta forma, não há que se alegar desequilíbrio de condições de atuar. Tanto a
comissão quanto o acusado receberão, de um agente externo ao processo e detentor de
presunção de impessoalidade, legitimidade e de boa-fé, dados e documentos frios e inertes,
desprovidos, para ambos os lados, da dinâmica exclusiva do ato de coleta de provas. Não
tendo nem um e nem outro participado da coleta dos dados e dos documentos, para ambos,
estes elementos se reduzirão a provas documentais, carecedoras de leitura e de interpretação,
para em momento posterior à sua coleta e à sua juntada, deles extraírem as suas próprias
convicções e as contestações às convicções opostas, em igualdade de condições e sob estrito
respeito ao contraditório e à isonomia.
Com isto, pode-se afirmar que a coleta em si dos documentos, realizada por
intermédio da diligência ao amparo do TDPF-D, não labora convencimento sujeito ao
contraditório; o convencimento, cuja legitimidade para influir na convicção final reside na
oferta ao contraditório, será, sim, posteriormente construído pela comissão, quando esta
analisar os documentos em sua sala de instalação e se submeterá à livre contestação por parte
do acusado, quando este tiver ciência da juntada ou vista e cópia dos autos. Daí porque não há
que se cogitar de formação de juízo de valor no momento da feitura da prova, ou seja, no
872
de informações prestadas por escrito ou mesmo por provas orais, cabe a ela mesma realizar
diligência nos termos genéricos mencionados no art. 155 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, de
providências totalmente a seu alcance, com notificação à defesa e dispensando-se emissão de
TDPF-D. Por meio desta diligência, a própria comissão verifica, atesta e coleta suas próprias
impressões acerca da operacionalidade da unidade visitada, sob ponderação das contestações
da defesa, se for o caso, e registra o resultado em termo.
Por outro lado, prosseguindo neste exemplo hipotético meramente ilustrativo, se
aquela mesma comissão deliberar ser necessária a verificação, no estabelecimento da
empresa, de documentação fiscal ou de escrituração contábil, cabe-lhe solicitar à autoridade
instauradora a emissão de TDPF-D, em nome de AFRFB estranho ao colegiado, sem
notificação à defesa e detalhando minuciosamente as informações de que precisa, com
posterior juntada aos autos do material fornecido pelo executante do Mandado e sua
submissão ao contraditório.
Ainda em mera exemplificação hipotética, se a comissão, em lugar de se fazer
presente nas dependências do contribuinte, necessitar tão somente de confirmar a existência
do estabelecimento privado em determinado endereço, basta-lhe realizar a diligência de
sentido lato, com notificação à defesa e sem emissão de TDPF-D. Embora esta prova se
relacione de alguma forma com o estabelecimento privado, uma vez que não se farão
necessárias a entrada do integrante da comissão nas dependências do contribuinte e muito
menos a vista ou a análise de documentos ou de escrituração, o ato se resume a uma diligência
comum, realizada pela própria comissão por fora das dependências privadas, no ambiente
público do logradouro, podendo ter a presença e a participação contraditória do acusado e
encerrando-se com o registro em termo daquilo que foi observado in loco.
Encerrando a diferenciação hipotética de exemplos, se aquela mesma comissão, em
lugar de simplesmente ter de verificar a existência do estabelecimento privado em
determinado endereço, necessitar esclarecer se o acusado mantém ou não qualquer tipo de
relacionamento com a empresa, de forma a se demonstrar relevante simplesmente comprovar
que o acusado não só sabe da existência daquelas dependências e como também as frequenta,
deve ela mesma novamente proceder a uma diligência em sentido lato, sem necessidade de
emissão de TDPF-D. Em relação à hipótese anterior, a diferença deste exemplo (em que basta
à comissão se postar, de forma reservada, em local fora do estabelecimento, apenas para
comprovar a espontânea entrada do acusado, sem também necessitar entrar) é que, em tal caso
específico, talvez se justifique o emprego da prerrogativa concedida pelo art. 45 da Lei nº
9.784, de 29/01/99, que se traduz em a própria comissão realizar a diligência
excepcionalmente sem notificar a defesa, visto que, por óbvio, o objeto do ato se perderia com
a prévia comunicação e, ao final, redigir o respectivo termo e posteriormente conceder vista
ao acusado, como forma de garantir-lhe o contraditório.
Finalizando o tema do emprego da diligência de natureza fiscal em instância
correcional, acrescente-se que, tendo em vista a natureza inquisitorial deste ato, nada impede
a edição e o efetivo emprego do TDPF-D em fase de admissibilidade, conforme já (a validade
de um TDPF-D em instância correcional não tem como pré-requisito a instauração do
processo disciplinar).
orais - que, por sua natureza, podem refletir pessoalidades, avaliações subjetivas, etc - tem-se,
em determinados casos, que a reprodução simulada pode servir como forma válida e eficiente
de ratificação ou de desmentido daquilo que foi dito. Não é raro ocorrer, em determinado
processo, de uma prova requerer a feitura de outra como forma de sua validação. Assim, não
só para provas orais, mas para qualquer outro tipo de elemento formador de convicção, pode-
se lograr a confirmação ou não da possibilidade material daquilo que a prova informa.
“Essa providência [reprodução simulada], entre outras razões de
convencimento, tem por escopo verificar a possibilidade de haver o delito
disciplinar sido praticado do modo que as testemunhas, os acusadores ou
vítimas afirmam perante as comissões disciplinares. Poderá ainda tal
diligência se prestar para testar a verossimilhança da própria confissão dos
acusados, quando se desconfie que, para exculpar outras pessoas influentes,
pretendam falsos confitentes assumir a responsabilidade pelas irregularidades
funcionais em apuração.” José Armando da Costa, “Teoria e Prática do
Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 111, Editora Brasília Jurídica, 5ª
edição, 2005
“Então, o expediente da reprodução simulada é importante para confirmar a
possibilidade material daquilo que está sendo afirmado. (...)
As declarações devem ser confrontadas com os outros elementos dos autos e,
sempre que a dúvida repousar sobre a possibilidade material do que foi dito,
deve ser promovida a reprodução simulada (...).” Léo da Silva Alves, “Prática
de Processo Disciplinar”, pg. 210, Editora Brasília Jurídica, 1ª edição, 2001
“Em certas situações, pode ser conveniente, desde que não ofenda a moral e
aos bons costumes, reproduzir de forma simulada os fatos pertinentes à prática
da infração disciplinar, a fim de verificar, por exemplo, a verossimilhança da
versão apresentada pela defesa.” Antonio Carlos Alencar Carvalho, “Manual
de Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância”, pg. 547, Editora
Fortium, 2008, 1ª edição
De forma análoga ao que dispôs para a diligência, em respeito à garantia do direito ao
contraditório, se a defesa se fizer presente à reprodução simulada, antes de seu encerramento,
deve a comissão perguntar ao acusado ou a seu procurador se desejam mais alguma simulação
(obviamente, sujeita à imediata apreciação de pertinência por parte do colegiado) e se querem
manifestar alguma informação a mais no termo, devendo constar do documento tais ofertas e
as respectivas respostas, bem como, se for o caso, as razões do motivado indeferimento por
parte do trio (não se afasta a prerrogativa estabelecida no § 1º do art. 156 da Lei nº 8.112, de
11/12/90, de o presidente denegar pedidos impertinentes, protelatórios ou sem relação com o
fato).
já abordado em 4.3.12.2.
Nos termos das normatizações infralegal e interna, consubstanciadas no art. 17 da
Portaria MF nº 492, de 23/09/13, e refletido de forma mais específica no art. 24 da Portaria
RFB n° 6.483, de 29 de dezembro de 2017, não só os servidores lotados na Coger ou em
Escor, mas também aqueles designados para integrar comissões ou equipes de investigação
podem solicitar ao Corregedor ou ao Chefe de Escor autorização para acesso a sistemas
informatizados da Secretaria da Receita Federal do Brasil, em modalidade consulta,
independentemente de tal acesso estar previsto em portaria estabelecedora de perfis. E a
mesma competência para conceder acesso a sistemas foi delegada pelo Corregedor aos Chefes
de Escor, por meio da Portaria Coger nº 4, de 16 de janeiro de 2014.
Portaria MF nº 492, de 2013 - Art. 17. O Corregedor-Geral do Ministério da
Fazenda e o Corregedor da Secretaria da Receita Federal do Brasil poderão
autorizar o acesso aos sistemas informatizados dos órgãos do Ministério da
Fazenda abrangidos nas respectivas esferas de competência, nos perfis
necessários ao desenvolvimento das atividades correcionais, por parte dos
servidores subordinados e dos integrantes de comissão ou equipe por eles
designada, bem como os seus próprios.
Parágrafo único. O acesso autorizado nos termos do caput será implementado
independentemente de estar previsto em portaria de perfil específica.
Portaria RFB n° 6.483, de 2017 - Art. 24. O Corregedor e os Chefes de Escor
poderão autorizar o acesso aos sistemas informatizados, nos perfis necessários
ao desenvolvimento das atividades correcionais, dos servidores subordinados e
de integrantes de comissão ou de equipe por eles designada, bem como os seus
próprios.
Parágrafo único. O acesso autorizado nos termos do caput será implementado
independentemente de estar previsto em portaria de perfil específica e deverá
ser limitado ao prazo da investigação ou da comissão.
Portaria Coger nº 4, de 2014 - Art. 1º Delegar aos Chefes de Escritório e de
Núcleo da Corregedoria a competência para autorizar o acesso aos sistemas
informatizados, nos perfis necessários ao desenvolvimento das atividades
correcionais, dos servidores subordinados e integrantes de comissão ou equipe
por eles designada, bem como os seus próprios.
Parágrafo único. A competência de que trata este artigo não poderá ser
subdelegada.
Acrescente-se que as senhas de acesso que o servidor já possuía antes de integrar
comissão disciplinar, mesmo quando concedidas para desempenho de atividades fins na
instituição, podem ser utilizadas para obter informações julgadas relevantes para o
prosseguimento do feito disciplinar, não sendo necessária autorização por parte da autoridade
instauradora.
Além das pesquisas que podem ser feitas pela própria comissão (desde os sistemas
informatizados mais simples e usuais da Secretaria da Receita Federal do Brasil até outros
menos comuns, conforme descritos em 2.5.3.3.1 e em 2.5.3.3.2), pode o colegiado solicitar
diretamente ou por intermédio da autoridade instauradora ao grupo de investigação disciplinar
ou a outras autoridades, pesquisas em ferramentas mais poderosas e de acesso reservado.
Tudo o acima exposto no presente tópico é de ser compreendido à luz da ponderação
da recomendação, já expressada em 2.5.3.4, para que se esgote na fase de admissibilidade
todas as pesquisas e investigações, a fim de que a comissão não tenha de buscar apuração de
novos fatos não conexos ou continuados em relação aos motivos que ensejaram a instauração.
por contrato, ficam sob a guarda do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) ou
da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev) ou ainda de qualquer
outra empresa que seja contratada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) para
prestar o serviço de guarda de sua base de dados e, que, portanto, são impossíveis de se obter
com mera pesquisa por parte da comissão ou sistema correcional como um todo (em que se
incluem a Divisão de Investigação Disciplinar - Coger/Divid e os grupos de investigação
disciplinar dos Escor), o colegiado pode deliberar em ata solicitar uma apuração especial.
Em síntese, a apuração especial é um meio de prova válido quando se precisa
identificar, grosso modo, acesso à base de dados institucional. Mais especificamente, por
meio de apuração especial, é possível, por exemplo, identificar o usuário responsável por
determinado acesso a sistema informatizado da Secretaria da Receita Federal do Brasil, com
registro do local e endereço eletrônico do equipamento - endereço IP ou internet protocol -,
ou identificar os acessos de determinada natureza realizados em um local ou por um usuário.
Antes de adentrar no tema, relevante destacar, à vista do alto custo e do longo tempo
de resposta, que é fundamental restringir ao estritamente essencial e indispensável o pedido de
realização de apuração especial. A comissão deve analisar restritivamente esta necessidade à
vista do objetivo inicialmente bem delineado. Relembra-se aqui a competência que os
integrantes da comissão têm para, com o uso de suas senhas de acesso a sistemas
informatizados e de seus conhecimentos técnicos sobre a matéria-fim, proceder por conta
própria às pesquisas, tentando ao máximo evitar a dependência de agentes externos.
A exemplo das provas periciais lato sensu e o exame grafotécnico mais
especificamente, eis que a possibilidade de a comissão ter de deliberar pela feitura de uma
apuração especial pode ser um dos exemplos a fortemente indicar a pertinência de se realizar
interrogatório prévio, cuja aceitabilidade se defenderá em 4.4.16.1 (tomando o cuidado de
registrar na intimação que este ato em nada prejudicará o chamamento posterior para que o
acusado se manifeste no fim da instrução, por meio do interrogatório final). Em outras
palavras, se já desde o início da instrução tem-se como elemento que pode ser relevante na
formação da convicção a autoria de determinados acessos a sistema, demonstra-se pertinente
chamar de imediato o acusado a ser interrogado se ratifica ou se contesta os registros
informatizados que apontam sua matrícula ou senha. Caso o servidor reconheça como seus os
acessos sob questão, afasta-se o risco de ter de enfrentar o a apuração especial adiante; caso
não ratifique, desde que seja relevante e imprescindível para a convicção global, pode a
comissão já de início provocar a apuração especial, enquanto transcorrem em paralelo demais
atos de instrução.
Caso se demonstre realmente imprescindível realizar a apuração especial, deve a
comissão encaminhar o pedido à autoridade instauradora, a fim de que esta repasse para a
Coordenação-Geral de Tecnologia e Segurança da Informação (Cotec) por meio do Sistema
de Controle de Demandas (SCD). Nos termos da normatização infralegal, consubstanciada no
art. 16 da Portaria MF nº 492, de 23/09/13, e refletida de forma mais específica no art. 21 da
Portaria RFB n° 6.483, de 29 de dezembro de 2017, a Cotec dará prioridade ao atendimento
desta solicitação. Acrescente-se, ademais, que por força de contrato, o Serpro (ou a Dataprev
ou qualquer outra empresa contratada para o serviço de guarda da base de dados) é obrigado a
consultar a base de dados sob sua guarda e a prestar as informações solicitadas.
Portaria MF nº 492, de 2013 - Art. 16. As unidades de tecnologia da
informação dos órgãos do Ministério da Fazenda darão prioridade ao
atendimento da solicitação da Corregedoria-Geral do Ministério da Fazenda e
da Corregedoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil, para subsidiar o
desempenho das atividades correcionais, que tenha por objeto apurações a
serem realizadas nas bases de dados localizadas nos órgãos do Ministério da
Fazenda, no Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) ou na
Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev).
878
concluído.
Faz-se necessário atentar para alguns detalhes importantes no preenchimento do
pedido no sistema SCD. No item “Serviço”, deve-se escolher opção “Prev-PAD” apenas
quando a pesquisa se referir a sistemas da extinta Secretaria da Receita Previdenciária (SRP),
marcando-se a opção “PAD” para pesquisas em todos os demais sistemas internos. Ademais,
não se deve informar o nº de Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou de Cadastro Nacional da
Pessoa Jurídica (CNPJ) e muito menos o nome do investigado ou acusado no campo “Resumo
do Serviço” do pedido, pois este campo fica visível a todos os usuários do sistema SCD; este
tipo de detalhamento individual deve ser feito no campo “Complementos do
Serviço/Anexos”. Importante também lembrar que, como o sistema SCD associa toda a
tramitação do pedido, o envio de mensagens e a remessa da resposta ao servidor habilitado
que tenha aberto a demanda, deve o Escor manter atualizada uma lista dos servidores
habilitados e de demandas em seu nome, pois, em caso de eventual remoção daquele servidor,
deve-se alterar o nome do solicitante, a fim de que as respostas não sejam automaticamente
dirigidas para o correio eletrônico institucional do recém-removido.
Faz-se necessário antecipar a diferenciação entre apuração especial e perícia,
assessoria técnica e assistência técnica. Conforme se aduzirá em 4.4.9 e 4.4.10, estes três atos
instrucionais têm em comum o fato de que, em última análise, trazem aos autos juízo de valor
sobre fatos ou dados pré-existentes (seja diretamente, por meio do laudo do próprio perito ou
assessor técnico, seja indiretamente, com o assistente técnico fornecendo subsídios à
comissão), com base nos quesitos formulados a servidor ou profissional detentor de
conhecimento especializado. Daí, para se ter respeitada a garantia do contraditório, se
defenderá em 4.4.9 e 4.4.10, a oportunização ao acusado para que este também possa
apresentar seus quesitos (se desejar), uma vez que a quesitação unilateral apenas por parte da
comissão pode induzir ou direcionar aquele juízo de valor que ao final será acostado à
instrução probatória.
Diversamente ocorre na apuração especial, cuja justificativa de realização não repousa
na extração de juízo de valor sobre fatos ou dados pré-existentes. Na apuração especial, tão
somente, a comissão solicita à empresa contratada para guarda de dados que, como órgão
responsável por sistemas informatizados e depositário de dados, lhe forneça algumas
informações. O ato, em síntese, consubstancia-se tão somente em a empresa acessar o banco
de dados de interesse da Secretaria da Receita Federal do Brasil e que por contrato fica sob
sua guarda, e listar os dados solicitados para a comissão. Ao atender tal demanda, a empresa
não agrega aos autos, nem direta nem indiretamente, nenhuma avaliação subjetiva. No caso,
os juízos de valor ocorrerão a priori (no momento em que a comissão delibera solicitar sua
realização, sendo certo que a Lei n° 8.112, de 11/12/90, não prevê participação do acusado
nas deliberações) e a posteriori (quando o acusado tiver vista dos autos e porventura contestar
a prova juntada ou quando a comissão livremente a valorar, na deliberação de indiciar ou não,
com o contraditório sendo exercido na defesa escrita, se for o caso). Daí porque não há que se
cogitar de formação de juízo de valor no momento da feitura da prova, ou seja, no momento
em que o Serpro coleta os dados solicitados.
Portanto, sendo a apuração especial uma forma objetiva de se coletar uma prova, não
há que se dar prévia notificação de sua realização ao acusado e muito menos que a ele se
estender direito de quesitar. Até porque qualquer quesito que o acusado pudesse acrescentar
ao pedido de apuração especial seria, na verdade, um dado adicional que poderia ser extraído
do banco de dados - ao mesmo tempo, de extração independente dos dados originalmente
solicitados e não atuando na leitura que deles se obtém - e que deveria ser considerado um
outro pedido de prova, dissociado do primeiro, passível de ser provocado pelo acusado em
qualquer momento no curso do processo, e de realização sob jugo da comissão. Em síntese, a
apuração especial figura como um mero desarquivamento de dados, no sentido mais amplo do
termo - a exemplo do que pode ocorrer com documentos ou processos da matéria-fim para
instruir o processo disciplinar, para cujos desarquivamentos não se cogita de quesitação da
880
parte.
diferenciação entre perito stricto sensu e assessor técnico (ou, simplesmente, técnico).
O sentido mais estrito do termo “perito” refere-se à pessoa cujo cargo público é
especificamente perito. Mais do que um conhecimento, este servidor tem uma atribuição legal
de exercer a atividade de perícia, manifestando-se, no que for provocado, por meio de laudo
pericial (por exemplo, uma pessoa que ocupa o cargo público de perito do Departamento de
Polícia Federal, no pleno exercício de seu munus público, pode elaborar um laudo pericial
grafotécnico).
Já o assessor técnico é, em regra, um servidor detentor de determinado conhecimento
em função de sua área de atividade, mas sem ser ocupante de cargo específico de perito e que
contribui para o esclarecimento, no que for provocado, prestando assessoria técnica, por meio
de laudo técnico (por exemplo, uma pessoa que ocupa o cargo público de engenheiro de um
órgão público qualquer, aproveitando os conhecimentos de que dispõe sobre sua atividade
laboral, pode elaborar um laudo técnico sobre uma obra). Ou seja, sendo necessário
determinado conhecimento específico e não havendo um cargo público de perito daquela
matéria, subsidiariamente, pode-se lançar mão do assessor técnico.
Assim, somente se cogita de perícia, no sentido com que este termo é aplicável ao
processo disciplinar, realizada em seara pública. Pela própria definição de perito ser o
detentor do cargo público para tal munus (a despeito do senso comum tratar o termo “perito”
com uma abrangência lato sensu), não se cogita de perito privado, de forma que o perito,
sendo sempre um servidor, é dotado de fé pública. As assessorias técnicas, por sua própria
definição, nem sempre são realizadas em seara pública; mas, sempre que possível, devem sê-
lo, de forma que, preferencialmente, o assessor técnico seja servidor, dotado de fé pública.
Diferentemente do perito, o assessor técnico, excepcionalmente, na ausência da requerida
especialização em seara pública, até pode não ser um servidor público, mas sim um agente
privado (como é comum ocorrer em casos de necessidade de avaliação imobiliária, em que o
acusado declara valores subavaliados de seus acréscimos patrimoniais).
Destaque-se que ambos, ao emitirem um laudo (seja pericial, seja técnico), laboram
em prova para o processo. Em outras palavras, a manifestação do perito ou do assessor
técnico é, em si, uma prova processual; o laudo pericial ou técnico é a prova em si sobre o
assunto que se quer esclarecer.
CPP - Art. 160. Os peritos elaborarão o laudo pericial, onde descreverão
minuciosamente o que examinarem, e responderão aos quesitos formulados.
(Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28/03/94)
Assim, se a comissão, na sua livre convicção, entende necessária alguma perícia para
instruir o processo (em situações que exijam conhecimento técnico especializado e para as
quais exista um cargo público específico de perito, tais como exame grafotécnico; transcrição
de prova obtida por meio de interceptação telefônica, gravação ou filmagem; tradução
juramentada, dentre outras), deve deliberar em ata e entregar notificação (nas formas e meios
permitidos em 4.3.11.3 e em 4.4.3) ao acusado, ofertando-lhe prazo para apresentação, por
escrito, de quesitos. Tratando-se de matéria de natureza policial, tradicionalmente se busca o
Departamento de Polícia Federal (em extensão ao comando do art. 144, § 1º, I e IV da CF,
que atribuiu competência exclusiva para atuar como polícia judiciária da União), mas sem
prejuízo de se empregarem outros órgãos, como a Polícia Civil estadual. Citam-se ainda,
como outros exemplos, os tradutores juramentados, os ofícios de registros de imóveis, juntas
comerciais, etc.
De forma análoga, se a comissão, na sua livre convicção, entende necessária alguma
assessoria técnica para instruir o processo (em situações que exijam conhecimento técnico
especializado e para as quais não exista um cargo público específico de perito, tais como,
dentre outras, inventário de bens; exame contábil; avaliação de bens; conferência de valores e
avaliações técnicas de equipamentos ou mercadorias, mesmo que estes bens, valores,
equipamentos ou mercadorias estejam confiados a servidores acusados de malversação),
882
igualmente deve deliberar em ata e entregar notificação (nas formas e meios permitidos em
4.3.11.3 e em 4.4.3) ao acusado, ofertando-lhe prazo para apresentação, por escrito, de
quesitos.
CPP - Art. 176. A autoridade e as partes poderão formular quesitos até o ato
da diligência.
Para ambos os casos, deve primeiramente a comissão elaborar seus próprios quesitos,
buscando ao máximo esgotar todas as dúvidas a fim de não se fazer necessário posterior
complementação. Neste rumo, convém que a comissão deixe um quesito final com
provocação para que o perito ou assessor técnico acrescente mais alguma informação que
julgar relevante. Após a formulação de seus quesitos, a comissão deve ofertá-los à defesa,
afim de que esta exerça o direito ao contraditório, formulando quesitos de seu interesse
(inclusive que possam se contrapor aos do colegiado).
Não obstante, não se afasta a prerrogativa de a comissão, com base no art. 156, § 1º da
Lei nº 8.112, de 11/12/90, indeferir quesitos impertinentes, protelatórios ou sem interesse para
o esclarecimento dos fatos. Ademais, como a Lei nº 8.112, de 11/12/90, é silente acerca deste
prazo, recomenda-se a integração com a Lei nº 9.784, de 29/01/99, de onde se pode extrair
duas referências: três dias úteis ou cinco dias corridos, optando pelo mais benéfico à parte.
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 41. Os interessados serão intimados de prova
ou diligência ordenada, com antecedência mínima de três dias úteis,
mencionando-se data, hora e local de realização.
Art. 24. Inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade
responsável pelo processo e dos administrados que dele participem devem ser
praticados no prazo de cinco dias, salvo motivo de força maior.
Parágrafo único. O prazo previsto neste artigo pode ser dilatado até o dobro,
mediante comprovada justificação.
Uma vez que a normatização é silente quanto a quem cabe designar o perito, pode-se
tê-lo designado nos autos por portaria tanto do presidente da comissão quanto da autoridade
instauradora. Por uma questão de cautela, a fim de evitar alegação da defesa de interferência
da comissão na designação e consequentemente no trabalho do perito, pode-se recomendar a
opção mais conservadora, qual seja, da designação ficar a cargo da autoridade instauradora.
Diante do silêncio da lei, a cautela acima não significa ilegal a designação por parte do
presidente da comissão, de forma que aquela eventual alegação é perfeitamente afastável se
não se configurar efetivo prejuízo à defesa. Mesmo nesta hipótese, recomenda-se que a
comissão encaminhe o pedido de realização da perícia via autoridade instauradora, com a
indicação do órgão e do perito (se for o caso), do tema a ser desenvolvido e dos quesitos que
devam ser respondidos. Mas tal margem de liberalidade aqui admitida a favor do presidente
da comissão é obrigatoriamente afastada no caso excepcional de a perícia acarretar custo,
devendo então a comissão solicitar à autoridade instauradora sua realização, expondo os
motivos que a justifiquem, bem como o respectivo custo.
Da mesma forma que se expôs para perícia, uma vez que a normatização também é
silente quanto a quem cabe designar o assessor técnico, pode-se tê-lo designado nos autos por
portaria tanto do presidente da comissão quanto da autoridade instauradora. Por uma questão
de cautela, a fim de evitar alegação da defesa de interferência da comissão na designação e
consequentemente no trabalho do assessor técnico, pode-se recomendar a opção mais
conservadora, qual seja, da designação ficar a cargo da autoridade instauradora. Diante do
silêncio da lei, a cautela acima não significa ilegal a designação por parte do presidente da
comissão, de forma que aquela eventual alegação é perfeitamente afastável se não se
configurar efetivo prejuízo à defesa. Mesmo nesta hipótese, recomenda-se que a comissão
encaminhe o pedido de realização da assessoria técnica via autoridade instauradora, com a
indicação do órgão e do assessor técnico (se for o caso), do tema a ser desenvolvido e dos
quesitos que devam ser respondidos (a perícia contábil, por exemplo, pode ser solicitada à
projeção local ou regional de fiscalização). Mas tal margem de liberalidade aqui admitida a
883
que impeçam o esclarecimento da verdade material, em solução menos traumática que sua
rejeição, é possível, excepcionalmente, que o perito ou assessor técnico serem convocados a
prestarem prova oral, conforme o inciso I do § 5º do art. 159 do CPP, com o fim de melhor
esclarecerem pontos de seus laudos, na condição de declarantes (em razão de já terem
participado do processo como perito ou assessor técnico, estão impedidos para testemunhar,
nos termos do inciso I do art. 18 da Lei nº 9.784, de 29/01/99), oportunidade em que podem
ser reinquiridos pelo acusado, por seu procurador ou por seu assistente técnico particular. É
possível ainda que o perito ou assessor técnico sejam intimados a responderem quesitos
adicionais, em complemento a seus laudos originais.
CPP - Art. 159.
§ 5º Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à
perícia: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 09/06/08)
I - requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para
responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou
questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima
de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo
complementar; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 09/06/08)
“O uso de expressões técnicas desconhecidas, por exemplo, pode exigir um
esclarecimento adicional.(...) ou (...) a sua conclusão parece contrária ao
convencimento que já se tinha; ou então contrasta com todas as demais provas
já recolhidas (...). A comissão, então, pode solicitar ao perito que complete,
explique ou compareça a audiência para ser inquirido. Esta previsão encontra-
se no art. 435 do CPC.” Léo da Silva Alves, “A Prova no Processo
Disciplinar”, pgs. 168 e 169, Editora Lumen Juris, 1ª edição, 2003
“(...) Mesmo que não haja acompanhamento da perícia, pois muitas vezes esse
exame técnico é feito por órgão ou entidade oficial competente, é sempre
possível contraditar o laudo apresentado, podendo-se requerer a inquirição do
perito em audiência.” Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, “Processo
Administrativo”, pg. 139, Malheiros Editores, 1ª edição, 2001
Obviamente, ambas as hipóteses acima aventadas, de se ouvir o perito ou assessor
técnico como declarante ou de se remeter quesitos complementares, passam pela iniciativa de
ofício da comissão ou de sua aquiescência a pedido da defesa, compreendendo o próprio
colegiado que, de fato, o laudo merece esclarecimento ou complementação.
Mas não se confunda a diferença essencial entre prova de natureza pericial lato sensu e
prova oral: enquanto naquela primeira buscam-se o conhecimento, a opinião ou a avaliação
técnico-científica do expert no tema, na prova oral busca-se um relato fático dissociado de
opiniões e apreciações pessoais.
Acrescente-se ainda uma outra possibilidade, cogitada pelos §§ 2º e 3º do art. 464 do
CPC, qual seja, diante de um tema técnico de menor complexidade que não dependa um laudo
para esclarecimento, pode-se apenas coletar prova oral do perito ou do assessor técnico
especialista.
CPC - Art. 464.
§ 2º De ofício ou a requerimento das partes, o juiz poderá, em substituição à
perícia, determinar a produção de prova técnica simplificada, quando o ponto
controvertido for de menor complexidade.
§ 3º A prova técnica simplificada consistirá apenas na inquirição de
especialista, pelo juiz, sobre ponto controvertido da causa que demande
especial conhecimento científico ou técnico.
Ainda na seara da incompletude, insuficiência ou obscuridade do laudo pericial ou
técnico, é de afirmar que a prova pericial não se harmoniza com os institutos do pedido de
reconsideração ou de recurso hierárquico, previstos nos arts. 106 e 107 da Lei nº 8.112, de
11/12/90. Independentemente da visão conglobante a favor da comissão, que lhe permite
887
motivadamente não valorar o laudo desconforme com as demais provas autuadas, não cabe
pedir ao perito ou ao assessor técnico que reconsidere seus conhecimentos específicos sobre o
tema em que foi demandado a se manifestar e menos ainda se cogita de recorrer a um superior
hierárquico daquele especialista, visto que a sua manifestação técnica se encerra em si mesma
nos objetivos e contornos do processo em curso, nada se confundindo ou se misturando com
eventual linha de subordinação hierárquica em que aquele detentor de conhecimentos técnicos
se insere em seu local de trabalho e em sua unidade ou órgão de lotação. Conforme exposto
acima, reconhece-se ser possível que, amparada em outras provas, às quais a liberdade de
apreciação probatória lhe conceda prerrogativa de conceder maior valoração, pode a comissão
até desconsiderar o laudo pericial ou técnico, mas não cabe provocar o profissional que o
exarou a mudar sua manifestação e nem tampouco provocar que um superior hierárquico seu,
na sua específica linha de hierarquia, faça impor sua compreensão sobre o tema.
Nesta linha, perceba-se que a CGU, novamente em manifestação doutrinária, não
inclui o pedido de reconsideração e o recurso hierárquico como possibilidades a serem
manejadas nem pela comissão e menos ainda pela defesa em face de laudo pericial ou técnico.
“Em princípio, a participação do acusado para a formação da prova pericial
cinge-se às manifestações já expostas: I) requerer a produção desse meio de
prova, II) formular quesitos, após ser intimado para tal fim, III) contestar
elementos do laudo pericial, depois de notificado sobre a sua juntada aos autos
e, finalmente, IV) requerer a oitiva do perito, e nessa ocasião inquiri-lo.”,
Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União,
“Manual de Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 141, 2013, disponível
em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.pdf,
acesso em 07/08/13
Fechando este tema das possibilidades de aprimoramento e de refazimento da prova
pericial, convém reproduzir os entendimentos externados pela Advocacia-Geral da União, em
sua manifestação doutrinária, devendo-se atualizar as remissões para os §§ 1º a 3º do art. 480
do CPC.
“Outros aspectos a serem observados pela comissão processante quanto à
produção da prova pericial são os seguintes:
a) se a comissão entender necessário, poderá intimar o perito para prestar
esclarecimentos oralmente sobre determinada questão;
b) a comissão processante deverá basear suas conclusões no que for posto no
laudo pericial, sem prejuízo, no entanto, de formar convicção diversa, desde
que amparada em outras provas e que o faça de forma fundamentada;
c) a comissão processante poderá solicitar, de ofício ou a requerimento do
acusado, a realização de nova perícia, quando a matéria não lhe parecer
suficientemente esclarecida;
Obs. 1) a segunda perícia tem por objeto os mesmos fatos sobre os quais
recaíram a primeira e se destina a corrigir eventual omissão ou inexatidão dos
resultados a que esta conduziu (art. 438 do Código de Processo Civil);
Obs. 2) ‘a segunda perícia rege-se pelas disposições estabelecidas para a
primeira’ (art. 439 do Código de Processo Civil);
Obs. 3) a segunda perícia não substitui a primeira, cabendo a comissão
processante apreciar livremente o valor de uma e outra.”, Advocacia-Geral da
União, “Manual Prático de Processo Administrativo Disciplinar e
Sindicância”, 1ª edição, 2015, disponível em http://www.agu.gov.br/
unidade/cgau, acessado em 29/05/17
Especificamente no caso de exame grafotécnico, é de se antecipar que a possibilidade
de a comissão ter de deliberar pela feitura desta prova pericial pode ser um dos exemplos a
fortemente indicar a pertinência de se realizar interrogatório prévio, cuja aceitabilidade se
defenderá em 4.4.16.1 (tomando o cuidado de registrar na intimação que este ato em nada
prejudicará o chamamento posterior para que o acusado se manifeste no fim da instrução, por
meio do interrogatório final). Em outras palavras, se já desde o início da instrução tem-se
888
como elemento que pode ser relevante na formação da convicção a autoria de determinado
documento, demonstra-se pertinente chamar de imediato o acusado a ser interrogado (ou,
excepcionalmente, qualquer outro agente a ser inquirido) se ratifica ou se contesta os
manuscritos ou a assinatura. Caso o servidor reconheça como seus os escritos sob questão,
afasta-se o risco de ter de enfrentar o exame grafotécnico adiante; caso não ratifique, desde
que seja relevante e imprescindível para a convicção global, pode a comissão já de início
provocar o exame grafotécnico, enquanto transcorrem em paralelo demais atos de instrução.
Para proceder ao exame grafotécnico, a comissão deve se orientar com perito do órgão
público competente (em princípio, Departamento de Polícia Federal) sobre o conteúdo do
texto a ser ofertado. Não havendo escritos para a comparação ou se forem insuficientes os
exibidos, seguindo as orientações técnicas, pode a própria comissão proceder à coleta de
material.
CPP - Art. 174. No exame para o reconhecimento de escritos, por comparação
de letra, observar-se-á o seguinte:
I - a pessoa a quem se atribua ou se possa atribuir o escrito será intimada para
o ato, se for encontrada;
II - para a comparação, poderão servir quaisquer documentos que a dita
pessoa reconhecer ou já tiverem sido judicialmente reconhecidos como de seu
punho, ou sobre cuja autenticidade não houver dúvida;
III - a autoridade, quando necessário, requisitará, para o exame, os
documentos que existirem em arquivos ou estabelecimentos públicos, ou nestes
realizará a diligência, se daí não puderem ser retirados;
IV - quando não houver escritos para a comparação ou forem insuficientes os
exibidos, a autoridade mandará que a pessoa escreva o que lhe for ditado. Se
estiver ausente a pessoa, mas em lugar certo, esta última diligência poderá ser
feita por precatória, em que se consignarão as palavras que a pessoa será
intimada a escrever.
Art. 235. A letra e firma dos documentos particulares serão submetidas a
exame pericial, quando contestada a sua autenticidade.
STJ, Mandado de Segurança nº 6.547: “Ementa: (...) II - Não há cerceamento
ao direito de defesa da servidora por não se produzir prova que, além de não
ter sido requerida, mostrou-se desnecessária. Hipótese em que se deixou de
realizar perícia técnica sobre assinaturas do conferente na concessão de
benefícios, tendo em vista que a servidora acusada as reconheceu como suas.”
Caso o acusado (ou qualquer outro agente de quem excepcionalmente se precise
coletar a prova), alegando a garantia constitucional de não se autoincriminar, se recuse a
fornecer material para exame grafotécnico, pode-se tentar suprir a lacuna fornecendo originais
(não se recomenda envio de cópias xerográficas) de documentos por ele preenchidos ou
assinados, disponíveis na repartição (tais como folhas de ponto, despachos e termos
elaborados em processos).
No caso de processos com suporte documental em papel, os documentos originais a
serem periciados deve ser temporariamente desentranhados dos autos, mediante termo de
desentranhamento, substituídos por cópias durante a feitura da prova, e remetidos por ofício
da comissão, juntamente com os seus quesitos e os da defesa (caso a defesa os tenha
apresentado) ao Departamento de Polícia Federal, onde em geral e a priori são realizados os
exames grafotécnicos de interesse da Administração federal. No caso dos processos digitais,
formalizados no Sistema Processo Eletrônico (e-Processo) e que possuem suporte documental
em meio digital, os documentos devem ser retirados do dossiê do processo até que sejam
restituídos à comissão juntamente com o laudo pericial.
É importante que a comissão verifique se o fato objeto do processo administrativo
disciplinar também é objeto de inquérito policial e, em caso positivo, esta informação deve
constar do ofício, pois provavelmente esta simultaneidade de demandas causará maior
interesse no Departamento de Polícia Federal em realizar o exame grafotécnico. Caso não
889
haja condições operacionais (em razão de excesso de demandas, por exemplo) ou mesmo
interesse por parte do Departamento de Polícia Federal em realizar a prova solicitada, pode-se
redirecionar o pedido a outros órgãos públicos competentes, como a Polícia Civil do
respectivo estado, por exemplo. A última hipótese é a contratação pública de profissional
especializado em exame grafotécnico, por meio de procedimento licitatório promovido pela
respectiva Divisão de Programação e Logística, devendo, para fim de comprovar a motivação
desta contratação excepcional, a comissão se acautelar e preservar todos os ofícios com
pedidos precedentes a órgãos públicos e as comprovações de suas negativas ou omissões em
realizarem o exame.
Os quesitos da comissão devem se restringir a questionar se os escritos cuja autoria se
discute são ou não do punho do acusado (ou de quem quer que seja). Como regra geral - a
menos de peculiaridades de algum caso concreto - não convém que a comissão adentre em
questões mais detalhadas em seus quesitos, tais como questionar eventuais diferenças de
grafia, deixando este tipo de quesito à disposição do periciado, que é quem melhor conhece a
própria assinatura e/ou escrita.
Não há previsão legal que ampare a intenção do acusado de compelir a comissão a
proceder a exame grafotécnico, podendo esta negar pedido considerado impertinente ou
protelatório, sem prejuízo de, assim em qualquer tipo de prova pericial, poder o acusado, às
suas custas, submeter determinados escritos a um perito particular e apresentar o laudo à
comissão, que deve juntá-lo aos autos.
Além da perícia médica lato sensu, empregada para se atestar qualquer problema de
saúde do servidor e que será abordada no tópico seguinte, outra perícia médica de natureza
mais específica é aquela em que se avaliam a sanidade mental e a imputabilidade do acusado,
a cargo de junta médica oficial da Superintendência de Administração do Ministério da
Fazenda, e será abordada em tópico à parte, em 4.4.17.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 202. Será concedida ao servidor licença para
tratamento de saúde, a pedido ou de ofício, com base em perícia médica, sem
prejuízo da remuneração a que fizer jus.
Art. 203. A licença de que trata o art. 202 desta Lei será concedida com base
em perícia oficial. (Redação dada pela Lei nº 11.907, de 02/02/09)
§ 1º Sempre que necessário, a inspeção médica será realizada na residência do
servidor ou no estabelecimento hospitalar onde se encontrar internado.
§ 2º Inexistindo médico no órgão ou entidade no local onde se encontra ou
tenha exercício em caráter permanente o servidor, e não se configurando as
hipóteses previstas nos parágrafos do art. 230, será aceito atestado passado
por médico particular. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10 de dezembro de
1997)
§ 3º No caso do § 2º, o atestado somente produzirá efeitos depois de
recepcionado pela unidade de recursos humanos do órgão ou entidade.
(Redação dada pela Lei nº 11.907, de 02/02/09)
§ 4º A licença que exceder o prazo de 120 (cento e vinte) dias no período de 12
(doze) meses a contar do primeiro dia de afastamento será concedida mediante
avaliação por junta médica oficial. (Redação dada pela Lei nº 11.907, de
02/02/09)
§ 5º A perícia oficial para concessão da licença de que trata o caput deste
artigo, bem como nos demais casos de perícia oficial previstos nesta Lei, será
efetuada por cirurgiões-dentistas, nas hipóteses em que abranger o campo de
atuação da odontologia. (Incluído pela Lei nº 11.907, de 02/02/09)
Art. 204. A licença para tratamento de saúde inferior a 15 (quinze) dias, dentro
de 1 (um) ano, poderá ser dispensada de perícia oficial, na forma definida em
regulamento. (Redação dada pela Lei nº 11.907, de 02/02/09)
CC - Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário
não poderá aproveitar-se de sua recusa.
Decreto nº 7.003, de 09/11/09 - Art. 3º A licença para tratamento de saúde será
concedida ao servidor, a pedido ou de ofício:
I - por perícia oficial singular, em caso de licenças que não excederem o prazo
de cento e vinte dias no período de doze meses a contar do primeiro dia de
afastamento; e
II - mediante avaliação por junta oficial, em caso de licenças que excederem o
prazo indicado no inciso I.
Parágrafo único. Nos casos previstos no inciso I, a perícia oficial deverá ser
solicitada pelo servidor no prazo de cinco dias contados da data de início do
seu afastamento.
Art. 4º A perícia oficial poderá ser dispensada para a concessão de licença
para tratamento de saúde, desde que:
I - não ultrapasse o período de cinco dias corridos; e
II - somada a outras licenças para tratamento de saúde gozadas nos doze meses
anteriores, seja inferior a quinze dias.
§ 1º A dispensa da perícia oficial fica condicionada à apresentação de atestado
médico ou odontológico, que será recepcionado e incluído no Sistema
Integrado de Administração de Recursos Humanos - SIAPE, módulo de Saúde.
§ 2º No atestado a que se refere o § 1º, deverá constar a identificação do
servidor e do profissional emitente, o registro deste no conselho de classe, o
código da Classificação Internacional de Doenças - CID ou diagnóstico e o
tempo provável de afastamento.
§ 3º Ao servidor é assegurado o direito de não autorizar a especificação do
diagnóstico em seu atestado, hipótese em que deverá submeter-se à perícia
oficial, ainda que a licença não exceda o prazo de cinco dias.
§ 4º O atestado deverá ser apresentado à unidade competente do órgão ou
entidade no prazo máximo de cinco dias contados da data do início do
afastamento do servidor.
§ 5º A não apresentação do atestado no prazo estabelecido no § 4º, salvo por
891
motivo justificado, caracterizará falta ao serviço, nos termos do art. 44, inciso
I, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
§ 6º A unidade de recursos humanos do órgão ou entidade do servidor deverá
encaminhar o atestado à unidade de atenção à saúde do servidor para registro
dos dados indispensáveis, observadas as normas vigentes de preservação do
sigilo e da segurança das informações.
§ 7º Ainda que configurados os requisitos para a dispensa da perícia oficial,
previstos nos incisos I e II do caput, o servidor será submetido a perícia oficial
a qualquer momento, mediante recomendação do perito oficial, a pedido da
chefia do servidor ou da unidade de recursos humanos do órgão ou entidade.
Art. 5º Na impossibilidade de locomoção do servidor, a avaliação pericial será
realizada no estabelecimento hospitalar onde ele se encontrar internado ou em
domicílio.
Art. 8º A perícia oficial para concessão de licença para tratamento de saúde,
nas hipóteses em que abranger o campo de atuação da odontologia, será
efetuada por cirurgiões-dentistas.
Informe-se que o Manual de Perícia Oficial em Saúde do Servidor Público Federal,
emitido pela Secretaria de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho no Serviço Público do
Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão - MPDG/SEGRT e aprovado pela
Portaria MPDG/SEGRT nº 19, de 20/04/17, prevê a possibilidade de o servidor se fazer
acompanhar, na perícia, de seu médico particular, na condição de assistente técnico. O mesmo
diploma estabelece ainda que o simples comparecimento à consulta médica não gera licença,
devendo ser comprovado por declaração do médico assistente, para fim de justificativa da
ausência ou de exigência de compensação de horário.
“Fica a critério do perito a presença de acompanhante durante a perícia, desde
que este não interfira nem seja motivo de constrangimento, pressão ou ameaça
ao perito ou ao periciado.
O comparecimento a consulta com profissional de saúde, tratamento,
procedimentos ou exames, por uma fração do dia, não gera licença, por falta
de amparo legal, mas deverá ser comprovado por meio de declaração de
comparecimento emitida pelo profissional assistente, para servir como
justificativa de afastamento, ficando a critério da chefia imediata do servidor a
compensação do horário, conforme a legislação em vigor (parágrafo único do
art. 44 da Lei no 8.112, de 1990).
O atestado do assistente não reúne, por si só, os elementos suficientes para a
concessão de licenças motivadas por incapacidade resultante de doença ou
lesão. Cabe ao perito retirar do atestado as informações que servirão de base
para orientar seu trabalho, podendo acatar ou não a sugestão do profissional
assistente. Para tanto o perito poderá solicitar ao servidor ou seu dependente
legal a apresentação de pareceres, exames, atestados e relatórios (...).”,
Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão - Secretaria Gestão de
Pessoas e Relações de Trabalho no Serviço Público, “Manual de Perícia
Oficial em Saúde do Servidor Público Federal”, 3ª edição, 2017, pgs. 5 de seu
Capítulo I, 15 de seu Capítulo II e 56 de seu Capítulo III
Quanto à origem do médico ou da junta médica oficial, em princípio, busca-se no
próprio órgão a que está vinculado o servidor (ou seja, no caso, empregam-se os médicos ou
as juntas médicas oficiais das Superintendências de Administração do Ministério da Fazenda).
Não obstante, ao tratar da assistência à saúde do servidor, a Lei prevê ainda a possibilidade de
se realizarem perícias ou inspeções médicas em outros órgãos públicos da área de saúde ou no
Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 230. A assistência à saúde do servidor, ativo ou
inativo, e de sua família compreende assistência médica, hospitalar,
odontológica, psicológica e farmacêutica, terá como diretriz básica o
implemento de ações preventivas voltadas para a promoção da saúde e será
prestada pelo Sistema Único de Saúde - SUS, diretamente pelo órgão ou
892
dependerá do rito contraditório do devido processo legal, com a análise das peculiaridades de
cada caso em concreto.
Tanto é verdade que na situação intermediária acima não se adota nenhuma resposta
apriorística para as repercussões e que deve se atentar às condições e particularidades de cada
caso, conforme o rito contraditório possa enriquecer a instrução processual, que, neste rumo,
se obtêm manifestações jurisprudenciais de diferentes resultados. Menciona-se,
primeiramente, julgado em que a Corte Superior manteve a demissão de servidor, por
abandono de cargo, em virtude da não homologação de atestado médico particular por
aspectos formais, por parte do órgão oficial, destacando-se que, embora o caso em concreto
não se referisse a problema de saúde mental, a linha de argumentação do julgado atribuiu
relevância ao aspecto formal da homologação do atestado de forma a se presumir que, mesmo
que a moléstia fosse mental, a decisão poderia ser a mesma.
STJ, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 14.816: “Ementa:
Administrativo. Mandado de Segurança. Ex-servidor público estadual. Laudo
médico. Não homologação. Licença médica não concedida. Faltas ao serviço
não abonadas. Abandono de cargo. Ato de demissão. Legalidade. Tendo sido
descumprido requisitos básicos exigidos pela lei para concessão de licença
médica para tratamento de saúde - como a homologação de laudo médico por
órgão competente e reconhecimento de firma em atestado passado por médico
particular, tornam-se injustificáveis as faltas cometidas por servidor,
inexistindo direito a ser amparado pela via do ‘mandamus’ por revestir-se de
legalidade o ato demissório. Recurso ordinário desprovido.”
Todavia, por outro lado, a mesma Corte Superior, emitiu dois julgados mais recentes,
afastando a pena demissória em casos de formal configuração de abandono em que os
servidores não haviam cumprido formalidades de apresentar à Administração os atestados
médicos de moléstias mentais, acatando a possibilidade de o não cumprimento de formalidade
ter se devido justamente à perturbação mental.
STJ, Recurso em Mandado de Segurança nº 21.392: “Ementa: Processo
administrativo disciplinar. Servidor público. Abandono de cargo motivado por
quadro de depressão. Animus abandonandi. Não-configuração. II - Os
problemas de saúde da recorrente (depressão) ocasionados pela traumática
experiência de ter um membro familiar em quadro de dependência química, e
as sucessivas licenças médicas concedidas, embora não comunicadas à
Administração, afastam a presença do animus abandonandi.”
STJ, Recurso Especial nº 637.447: “Ementa: Administrativo. Servidor público.
Abandono de cargo. Não-configuração. Existência de justa causa. Inteligência
do art. 207, § 1º, da Lei 1.711/52. 2. Hipótese em que o servidor se ausentou
por mais de 30 (trinta) dias, sem informar, em momento oportuno, para fins de
concessão de licença médica, sua enfermidade psicológica. A situação clínica
foi, todavia, posteriormente comprovada por laudo médico, razão pela qual não
se configura o abandono de cargo.”
Por fim, conforme já aduzido em 3.2.5, a cuja leitura se remete a fim de evitar
desnecessária repetição, vale destacar que o fato de o servidor estar de licença médica não
necessariamente o impede de acompanhar o processo disciplinar (sobretudo se a licença
médica advém de males meramente físicos, dissociados da capacidade mental).
em primeiro momento, esta requisição seja apresentada diretamente ao próprio servidor que
atua em atividades correcionais, de acordo com o caput do art. 21 da Portaria MF nº 492, de
23/09/13, este deve comunicar o fato para a autoridade instauradora e para seu chefe imediato
(caso estas autoridades sejam distintas, como na hipótese de servidor convocado), ainda que
não integre comissão ou que a comissão por ele integrada conduza apurações sobre fatos
distintos dos que originaram a designação como perito ou auxiliar. No caso de a requisição
recair sobre integrante de comissão que conduza apurações sobre os mesmos fatos que
justificaram a designação como perito ou auxiliar, ao ter tomado conhecimento da demanda
externa, seja por intermédio do próprio integrante requisitado, seja por ter recebido
diretamente a requisição do Poder Judiciário ou do Ministério Público, cabe primeiramente à
autoridade instauradora provocar a instância fiscal, com o fim de obter indicação de outro
servidor estranho ao processo administrativo disciplinar a ser ofertado ao órgão requisitante
para desempenhar a tarefa. Isto porque os parágrafos únicos dos mesmos dispositivos
normativos determinam, como hipótese de impedimento, que o servidor seja imediatamente
afastado da comissão que porventura integre e que conduza apurações acerca do mesmo fato
objeto de sua designação como perito ou auxiliar, como se operasse a presunção de que a
atuação como perito ou auxiliar contamina a isenção para continuar na comissão. O comando
encartado no parágrafo único do art. 21 da Portaria MF nº 492, de 23/09/13, termina por
esclarecer a motivação preventiva do caput dos mesmos dispositivos, uma vez que, já sabendo
previamente da designação de qualquer servidor como perito ou auxiliar, a autoridade
instauradora já não o inclui em comissões.
Mas é de se reconhecer que esta hipótese de impedimento acrescentada no
ordenamento pelo parágrafo único do art. 21 da Portaria MF nº 492, de 23/09/13, refletido no
art. 20 da Portaria RFB n° 6.483, de 29 de dezembro de 2017, a rigor, não se alinha aos
limites do art. 18 da Lei nº 9.784, de 29/01/99. Obviamente, os dispositivo são válidos e
vigoram no ordenamento interno, mas extrapolam os limites do impedimento previsto na Lei,
porque o texto legal restringe a crítica inafastável à isenção à hipótese de o servidor acumular
mais de uma atuação no mesmo processo, mas não para processos distintos, como é o caso da
hipótese regulamentada pela Portaria MF e pela Portaria RFB, já que a atuação em
procedimento no âmbito do Ministério Público ou em processo no âmbito do Poder Judiciário
passou a também impor vedação intransponível para atuação em outro feito, na instância
disciplinar.
Portaria MF nº 492, de 2013 - Art. 21. O servidor que atue em atividades
correcionais e que seja designado para atuar como perito ou auxiliar do Poder
Judiciário, do Ministério Público ou de qualquer outro órgão deverá
comunicar tal fato à respectiva corregedoria e ao titular do órgão ou da
unidade de lotação, independentemente de qualquer ato nesse sentido praticado
pela autoridade que o designou.
Parágrafo único. O servidor que for designado para atuar como perito, nas
situações previstas no caput deste artigo, será afastado imediatamente das
atividades da comissão de sindicância ou de processo disciplinar que trate dos
mesmos fatos objeto da perícia.
Portaria RFB n° 6.483, de 2017 - Art. 20. O servidor que atue em atividades
correcionais e que seja designado para atuar como perito ou auxiliar do Poder
Judiciário, do Ministério Público ou de qualquer outro órgão deverá
comunicar tal fato à autoridade instauradora da RFB e ao chefe de sua unidade
de lotação, independentemente de qualquer ato nesse sentido praticado pela
autoridade que o designou.
Parágrafo único. O servidor que for designado para atuar como perito, nas
situações previstas no caput deste artigo, será afastado imediatamente das
atividades da comissão que trate dos fatos objeto da perícia.
4.4.11 - Acareação
Expressamente, para casos em que se detectem contradições em seus depoimentos, o
art. 158, § 2º da Lei nº 8.112, de 11/12/90, prevê a realização de acareação entre testemunhas.
O art. 159, § 1º da mesma Lei também prevê acareação entre acusados quando divergirem em
seus interrogatórios. Em sentido estrito, a Lei não prevê acareação entre testemunha e
acusado, mas também não a veda de forma expressa. Não obstante, se aceita que, tomados
aqueles dispositivos estatutários em leitura mais abrangente, em conjunto com uma aplicação
extensiva do art. 229 do CPP, até se pode cogitar de acareação entre testemunhas e acusados,
apesar de suas opostas possibilidades de omitir verdades e de não produzir provas contra si
mesmos.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 158.
§ 2º Na hipótese de depoimentos contraditórios ou que se infirmem, proceder-
se-á a acareação entre os depoentes.
Art. 159.
§ 1º No caso de mais de um acusado, cada um deles será ouvido
900
4.4.12.1 - O Dever Funcional de o Agente do Fisco Guardar Sigilo dos Dados Fiscais e a
Questão do Ministério Público
Iniciando-se pelo sigilo fiscal, tem-se que ao mesmo tempo em que o ordenamento
permite ao Fisco acessar dados patrimoniais, econômicos e financeiros de pessoas físicas e
jurídicas a fim de proceder à sua competência constitucional e legal, este mesmo ordenamento
veda que o agente fiscal torne públicos os dados particulares obtidos em razão do ofício, e
904
considera que a imotivada divulgação configura violação do dever de guardar sigilo funcional,
com repercussões administrativa e até penal e civil.
Assim, a menos de, em primeira hipótese, o próprio indivíduo espontaneamente
concordar com o repasse destes seus dados a terceira pessoa, a regra geral é da proibição da
violação do sigilo por parte de agentes públicos que, em função do cargo que ocupam,
acessam tais dados. Mais especificamente, sendo, em âmbito federal, a Secretaria da Receita
Federal do Brasil o órgão legalmente competente a dispor, para seu múnus oficial e de
interesse público, da base de dados reveladora da riqueza do universo dos contribuintes, a
seus agentes cabe a regra geral da inviolabilidade da intimidade e privacidade alheias.
Neste tema, de imediato, convém delimitar o alcance da expressão “sigilo fiscal”.
Preambularmente, tal tarefa se escora na definição genérica que se pode extrair da atual
literalidade do art. 198 do Código Tributário Nacional (CTN). No escopo próprio de uma Lei
Complementar definidora de normas gerais sobre o Direito Tributário pátrio, o mencionado
dispositivo legal permite extrair de sua leitura que o sigilo fiscal projeta-se sobre os dados que
revelam a situação econômica ou financeira da pessoa física ou jurídica, no que se inclui a
propriedade de qualquer tipo de bens e riqueza em geral, ou a natureza e o estado de seus
negócios ou atividades.
CTN - Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a
divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação
obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito
passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou
atividades. (Redação dada pela Lei Complementar nº 104, de 10/01/01)
Tão somente por esta definição genérica, jamais se duvidou, pelo simples senso
comum, que, por um lado, a obrigatoriedade de guardar sigilo se opera, por exemplo, sobre as
declarações de ajuste anual de imposto sobre a renda de pessoas física ou jurídica e sobre os
balanços contábeis destas últimas. Também, por outro lado, sempre restou inequívoco que não
são protegidos pela cláusula de sigilo fiscal os meros dados cadastrais de identificação de
contribuintes (tais como nome, endereço, filiação e contatos pessoais e eletrônicos e a
regularidade ou não de sua situação fiscal) e composição societária. E, neste sentido,
mencionem-se manifestações tanto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional quanto da
Secretaria da Receita Federal do Brasil, por meio da Cosit.
Parecer PGFN/CDA nº 2.152/2007: “11. Observamos que dados meramente
cadastrais não estão resguardados por qualquer espécie de sigilo, visto que são
dados costumeiramente fornecidos pelos sujeitos em sua vida social, negocial,
quotidiana, v.g.: número do CPF, CNPJ, RG, telefone, agência e conta
bancária, nome completo, estado civil, endereço, bens legalmente submetidos a
registro público, pessoas jurídicas de que participa, ascendentes, descendentes,
etc. Estes dados, por serem fornecidos pelo próprio sujeito espontaneamente e
usualmente ou por obrigação legal a registros públicos, não integram a sua
esfera da intimidade ou da vida privada, sendo dotados de certo grau de
publicidade inerente ao seu uso na sociedade. Basta ver que qualquer folha de
talão de cheques contém boa parte deles.”
Solução de Consulta Interna-Cosit nº 24, de 30/08/10: “10. No que diz respeito
ao fornecimento de endereço do contribuinte (quinta e sexta questões
apresentadas), conforme ficou assente na SCI Cosit nº 16, de 21 de junho de
2005, não se trata de informação protegida pelo sigilo fiscal.
10.1 O CTN estabelece que a prestação de assistência mútua e a permuta de
informações entre as Fazendas Públicas depende de previsão em lei ou
convênios (art. 199), silenciando-se quanto à necessidade de convênios na
prestação de informações econômico-fiscais não abrangidas pelo sigilo. Não
obstante, visando uniformizar e controlar a disseminação de informações, a IN
SRF nº 19, de 1998, disciplinou os procedimentos de fornecimento de dados
cadastrais e econômico-fiscais da RFB a outros órgãos ou entidades.
905
Isto posto, a Instrução Normativa SRF nº 19, de 1998, estabeleceu, nos seus arts. 1º e
4º, a possibilidade de a RFB disponibilizar tais dados para solicitantes de direito publico ou
privado (para instituições privadas, o fornecimento somente é permitido se as informações
forem indispensáveis ao exercício de suas atividades) que não integrem as Fazendas Públicas
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante celebração de
convênio. Conforme os arts. 3º, 5º, 6º e 9º da norma, este convênio regulará se o fornecimento
se dará de forma eventual ou continuada e se será mediante apuração especial ou acesso direto
à base de dados (esta modalidade é disponível apenas para instituições públicas).
Instrução Normativa SRF nº 19, de 1998 - Art. 1º Esta Instrução Normativa
disciplina os procedimentos de fornecimento de dados cadastrais e econômico-
fiscais da Secretaria da Receita Federal - SRF, a outras entidades.
Art. 2º
§ 1º O fornecimento de dados fica limitado àqueles constantes de cadastro de
domínio público e que não informem a situação econômica ou financeira dos
contribuintes.
§ 2º Consideram-se de domínio público os dados das pessoas físicas ou
jurídicas, que, por força de lei, devam ser submetidos a registro público.
Art. 3º O fornecimento de dados será condicionado sempre à celebração de
convênio entre a SRF e a entidade solicitante, observado modelo aprovado por
ato específico.
Art. 10. O disposto nesta Instrução Normativa se aplica, também, ao
fornecimento de dados econômico-fiscais, que devem ser apresentados de
forma agregada, vedada a possibilidade de identificação de contribuintes.
Em complemento, a Instrução Normativa SRF nº 20, de 17 de fevereiro de 1998,
estabeleceu, nos seus art. 1º, 2º e 4º, a possibilidade de a RFB disponibilizar não só dados
cadastrais mas também dados econômico-fiscais (e aqui sem a restrição de serem
apresentados de forma agregada) para órgãos ou entidades da Fazenda Pública da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, também mediante celebração de convênio,
obviamente com menores limitações que aquelas impostas pelos convênios exigidos pela
Instrução Normativa SRF nº 19, de 1998, a favor dos demais órgãos, entidades e instituições).
Conforme os arts. 5º e 6º daquela norma, este convênio regulará se o fornecimento se dará de
forma eventual ou continuada e se será mediante apuração especial ou acesso direto à base de
dados.
Instrução Normativa SRF nº 20, de 1998 - Art. 1º Esta Instrução Normativa
disciplina os procedimentos de fornecimento de dados cadastrais e econômico-
fiscais da Secretaria da Receita Federal - SRF, a outros órgãos e entidades da
Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Art. 2º Para fins desta Instrução Normativa, consideram-se órgãos e entidades
da Fazenda Pública aqueles dotados de competência legal para cobrar e
fiscalizar impostos, taxas e contribuições instituídas pelo Poder Público.
Art. 4º O fornecimento de dados será condicionado sempre à celebração de
convênio entre a SRF e o órgão ou a entidade solicitante, observado modelo
aprovado por ato específico.
Como não poderia ser diferente, estes comandos normativos ganharam reprodução no
Manual de Sigilo Fiscal da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Portaria RFB nº 3.541, de 2011 - Manual do Sigilo Fiscal da Secretaria da
Receita Federal do Brasil - 4.1 - (...) Para atendimento de solicitações de
fornecimento de dados cadastrais, deve ser observado o disposto nas Instruções
Normativas SRF nº 19 e nº 20, ambas de 17 de fevereiro de 1998, sendo a
última aplicável a órgãos e entidades da Administração Pública direta e
indireta que detenham competência para fiscalizar e cobrar impostos, taxas e
contribuições instituídas pelo Poder Público, e a primeira aplicável a outros
órgãos e entidades não integrantes da administração tributária.
Nos termos das citadas Instruções Normativas, o fornecimento de dados fica
908
seu caput, como regra geral, a inviolabilidade do sigilo fiscal. Todavia, positivando o caráter
relativo do direito individual face ao interesse público, a nova redação passou a contemplar
maior possibilidade de regular afastamento da cláusula de proteção individual, sem que se
cogite de configuração do ilícito de violação de sigilo.
CTN - Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a
divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação
obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito
passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou
atividades.
§ 1º Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199,
os seguintes:
I - requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;
II - solicitações de autoridade administrativa no interesse da administração
pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo
administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de
investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de
infração administrativa.
§ 2º O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da administração
pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega
será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize
a transferência e assegure a preservação do sigilo.
§ 3º Não é vedada a divulgação de informações relativas a:
I - representações fiscais para fins penais;
II - inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública;
III - parcelamento ou moratória.
(Redação dada pela Lei Complementar nº 104, de 10/01/01)
Primeiramente, a redação do novo § 1º do art. 198 do CTN manteve, como imediata
exceção, a troca de informação entre os Fiscos dos diversos entes da Federação, mediante lei
ou convênio, conforme estabelece o art. 199, a ser concretizada nos termos regulamentados
pela Portaria SRF nº 20, de 17/02/98. Prosseguindo na inteligência da nova redação, tem-se
que o legislador previu ainda mais duas hipóteses de exceção, nos incisos I e II do citado § 1º.
No inciso I do § 1º do art. 198 do CTN, manteve-se também a exceção para o caso de
requisição de autoridade judiciária - qual seja, o magistrado (juiz, desembargador ou ministro
de Tribunais Superiores ou Supremo Tribunal Federal, o que não inclui Juízo Arbitral) -,
mediante tão somente o interesse da Justiça, que sempre se presume em requisição advinda
daquelas autoridades ou encaminhadas sob sua ordem. Daí, diante da extensa gama de tutelas
a cargo do Poder Judiciário, o regular fornecimento de dados não deve ser entendido na
restrição de apuração de ilícito disciplinar stricto sensu, mas sim para amparar qualquer tipo
de demanda advinda do juízo, inclusive para apuração de ilícitos de diferentes instâncias de
responsabilização (como tributária, penal e civil). Ou seja, à vista especificamente desta
demanda externa, o servidor do Fisco está obrigado a transferir os dados fiscais solicitados,
não se cogitando, por óbvio, que incorra em ilícito.
Portaria RFB nº 3.541, de 07/10/11 - Manual do Sigilo Fiscal da Secretaria da
Receita Federal do Brasil - 3.2.1 - (...) Anote-se que a norma estabelece que a
requisição deve ser de autoridade judiciária, assim entendido o Magistrado
(Juiz, Desembargador, Ministro de Tribunais Superiores, do Supremo Tribunal
Federal). Dessa forma, para atendimento da requisição, o servidor da RFB
deve verificar se o expediente oriundo do Poder Judiciário está firmado por
autoridade judiciária ou por servidor que, de ordem da autoridade judiciária
competente, firma o expediente que encaminha a requisição.
Atenção Orienta-se que a resposta da RFB seja sempre dirigida à própria
autoridade judiciária requisitante.
Registre-se, outrossim, que não cabe à RFB analisar se a requisição de
autoridade judiciária foi formalizada no interesse da Justiça. Presume-se que
tenha sido feita no interesse da Justiça.
913
8º da Lei Complementar nº 73, de 20/05/93. Ou seja, ao terem tomado como base legal a Lei
Orgânica do Ministério Público da União (previsto no art. 128, I da CF), tais entendimentos
não abarcaram os Ministérios Públicos dos Estados (separadamente previsto no art. 128, II da
CF). Com isto, especificamente no que tange aos Ministérios Públicos dos Estados, ainda
prevalecem os entendimentos externados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (em
seus Pareceres PGFN/CAT nº 891/2001, 1.157/2001 e 1.443/2007), devendo o fornecimento
de dados protegidos por sigilo fiscal a estes órgãos ministeriais se condicionar ao atendimento
das condições exigidas pelo art. 198, § 1º do CTN.
Retornando ao art. 198 do CTN, prosseguindo no inciso II do seu § 1º, como inovação
ao texto original, passou-se a prever também a exceção para o caso da solicitação de
autoridade administrativa, externa à Secretaria da Receita Federal do Brasil, à margem de
autorização judicial. Só que, neste caso, diferentemente da requisição por parte da autoridade
judiciária (bastante por si só), o afastamento da garantia individual se dá mediante interesse da
Administração Pública (ou seja, para apuração de infração disciplinar, punível pela
Administração, no âmbito de sua autotutela) e também em função de outras condições que a
Lei estabelece, sobre as quais a seguir se discorrerá.
diante de indício de grave irregularidade disciplinar (uma vez que o pedido de dados fiscais
advém de autoridade administrativa, coerentemente o texto legal condiciona o fornecimento à
apuração apenas de infração desta natureza, não abarcando na permissão dados solicitados
para apuração de infrações de naturezas distintas, como civil e penal, por exemplo) a provocar
o afastamento de uma cláusula constitucional de proteção da intimidade. Além disto, os dados
fiscais solicitados devem ser essenciais para a apuração em tela e devem guardar direta
relação com o servidor acusado e com o fato objeto da apuração. Para o foco de maior
interesse no presente, que é o correcional, faz-se necessário, então, que a autoridade externa
solicitante expresse em seu pedido os motivos que justificaram a instauração do processo ou
procedimento administrativo, demonstrando a necessidade de apurar infração disciplinar
supostamente cometida pelo servidor cujos dados fiscais se solicitam e que estes dados
guardem pertinência com a infração.
Parecer PGFN/CDA nº 2.152/2007 - “36.
f) As informações submetidas ao sigilo fiscal somente poderão ser fornecidas
pela RFB e pela PGFN quando solicitadas, cumulativamente:
f.1) por autoridade administrativa da administração direta ou indireta de
qualquer dos Poderes legalmente constituídos;
f.2) para atender a fins de investigação de infração administrativa;
f.3) quando sejam adequadas e necessárias para o esclarecimento daquilo que
é investigado (princípio da proporcionalidade);
f.4) com o requisito objetivo da existência de processo ou procedimento
administrativo em trâmite no órgão solicitante (procedimento presidido pela
autoridade administrativa referida em “a”); e
f.5) que as informações se refiram exclusivamente ao sujeito que é investigado
(aplicação do subprincípio da necessidade, pertencente ao princípio da
proporcionalidade);
g) Não há que se falar em solicitação de informação à RFB ou PGFN,
submetida ao sigilo fiscal, para que seja posteriormente instaurado o processo
ou procedimento administrativo, a existência do procedimento ou processo
administrativo é condicionante objetiva prévia para a legalidade da solicitação
da informação;”
Ou seja, interpretando a leitura atual do art. 198 do CTN para o caso específico do
servidor investigado em instância disciplinar em órgão externo, como exceção à cláusula,
pode-se afastar seu sigilo, sem necessidade de autorização judicial, se for pedido por
autoridade administrativa em ato de interesse público e se houver processo administrativo
instaurado contra ele (e basta que seja processo ou procedimento administrativo qualquer, não
necessariamente disciplinar, podendo ser de índole inquisitorial e investigativa), com o fim de
apurar a prática de infração administrativa de sua suposta autoria. O afastamento de sigilo
fiscal de terceiro que não o acusado, se for algo indispensável no processo, a favor de órgão
externo, terá de ser judicialmente autorizado, já que o art. 198 do CTN, em princípio, não o
ampara.
Em resumo, a inovação trazida pela Lei Complementar nº 104, de 10/01/01, ao art.
198 do CTN acrescentou a possibilidade de o agente fiscal afastar o sigilo do servidor
investigado, a favor de outro órgão externo, à margem de autorização judicial, mediante
apenas pedido de autoridade administrativa externa, repassando a esta autoridade solicitante
não só os dados protegidos mas também a responsabilidade de preservar seu sigilo. Em outras
palavras, o ordenamento propicia à autoridade externa o acesso e o uso dos dados fiscais, mas
não a sua divulgação.
Os entendimentos ora expostos, delimitando a possibilidade condicionada de
fornecimento de dados fiscais, aplicam-se independentemente de que órgão externo advém a
requisição. Exemplificadamente, citam-se como também sujeitos às condicionantes legais do
art. 198, § 1º, II do CTN, para receberem dados fiscais:
• os Ministérios Públicos Estaduais;
920
acesso a dados fiscais à margem dos requisitos do art. 198 do CTN. Não obstante, uma vez
cumpridos os requisitos legais, é licita a transferência de dados sigilosos à autoridade policial.
Nota Cosit nº 3, de 07/01/04: “17. À luz do exposto, conclui-se ser descabido o
fornecimento de informações de sujeitos passivos protegidas pelo sigilo fiscal a
autoridade policial no exercício da atividade que lhe é própria - questão objeto
da Nota SRRF02/Disit nº 40, de 2001, e da SCI Disit/SRRF06 nº 1, de 2002 -,
haja vista que, nesse caso: (...) b) referido procedimento busca apurar a prática
de ilícito criminal (ato punível pelo Estado), e não de uma infração
administrativa (ato punível pela Administração); e c) a autoridade policial age
no interesse da Justiça, e não no interesse da Administração.”
(Nota: O item “a”, suprimido, trazia entendimento já superado por posterior
Parecer PGFN/CDI n° 1.433/2006 e pelo art. 16 da Portaria CGU nº 335, de
30/05/06, exposto linhas acima)
Solução de Consulta Interna-Cosit nº 2, de 24/01/05: “12. Por todo o exposto,
conclui-se que, uma vez instaurado inquérito policial a fim de apurar a prática
de infração penal objeto de representação fiscal para fins penais, é admissível
o fornecimento pela Secretaria da Receita Federal de informações relativas ao
representado e ao crédito tributário apurado, ainda que protegidas pelo sigilo
fiscal, à autoridade policial federal que conduz o inquérito.
Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 198, com a redação determinada
pelo art. 1º da Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001.”
Solução de Consulta Interna-Cosit nº 24, de 30/08/10: “f) na hipótese em que a
representação fiscal para fins penais se referir a apenas um sujeito passivo e o
processo de auto de infração que deu origem a tal representação contiver
dados de terceiros, havendo requisição de informações da autoridade policial
que conduz o inquérito policial relativas ao representado, deve-se suprimir os
dados daqueles, desde que não haja indícios de sua participação no ilícito
penal.”
Por outro lado, em sentido oposto, cita-se a exceção, de abrigo constitucional (art. 100,
§§ 9º e 10 e art. 131 da CF) e legal (art. 4º da Lei nº 9.028, de 12/04/95), que autoriza o
fornecimento de dados protegidos por sigilo fiscal à Advocacia-Geral da União (aqui
compreendida em seus órgãos ou unidades de representação judicial da União e das autarquias
e fundações públicas federais, a saber: o Gabinete; a Procuradoria-Geral da União, incluindo
suas unidades regionais, estaduais e seccionais; a Procuradoria-Geral Federal, incluindo as
Procuradorias Regionais Federais, as Procuradorias Federais nos Estados, as Procuradorias
Seccionais Federais e os Escritórios de Representação), para o cumprimento de seu mister de
representar judicial ou extrajudicialmente a União, defendendo seus direitos e interesses tanto
em matéria tributária quanto em outra matéria qualquer de interesse da Secretaria da Receita
Federal do Brasil, bem como para executar créditos da União e ainda para expedição de
precatórios e compensação de débitos perante a Fazenda Pública.
Lei nº 9.028, de 12/04/95 - Art. 4º Na defesa dos direitos ou interesses da
União, os órgãos ou entidades da Administração Federal fornecerão os
elementos de fato, de direito e outros necessários à atuação dos membros da
AGU, inclusive nas hipóteses de mandado de segurança, habeas data e habeas
corpus impetrados contra ato ou omissão de autoridade federal.
Nos termos acima, advindo de autoridade competente no âmbito da Advocacia-Geral
da União, não há que se opor à solicitação de transferência de dados acobertados por sigilo
fiscal, quando estes se demonstram necessários à legítima defesa de interesses nacionais.
Assim se manifestaram a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e a própria Secretaria da
Receita Federal do Brasil, por meio de seu Manual do Sigilo Fiscal, aprovado pela Portaria
RFB nº 3.541, de 07/10/11:
Portaria RFB nº 3.541, de 07/10/11 - Manual do Sigilo Fiscal da Secretaria da
Receita Federal do Brasil - 7.1 - (...) Atenção 4) Podem ser fornecidas
923
informações protegidas por sigilo fiscal à AGU, para fins de defesa da União
em processo judicial que envolva matéria tributária ou outra de interesse da
RFB, desde que as informações solicitadas estejam relacionadas ao objeto da
ação judicial, em conformidade com o disposto no art. 4º da Lei nº 9.028, de 12
de abril de 1995. Para as demais ações judiciais que não envolvam a RFB,
devem-se observar as disposições contidas no convênio e no inciso II do § 1º do
art. 198 do CTN.
Parecer PGFN/CJU/CED nº 1.249/2008: “16. Registre-se, de resto, que a
informação sigilosa não há de ser franqueada a qualquer órgão de Estado, mas
especificamente àquele que, por determinação constitucional, representa a
União judicial ou extrajudicialmente.
20. Cuida-se, portanto, de hipótese anômala de transferência de sigilo que
deflui do próprio ordenamento jurídico e da racionalidade que o orienta,
exatamente como se verifica no acesso a informações protegidas por sigilo
fiscal pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
24. Ante o exposto, tendo em vista que a solicitação emana de autoridade que,
na forma da Constituição e das Leis, detém competência para representar a
União judicial e extrajudicialmente, bem assim que foi objetivamente indicada
a necessidade de a Advocacia-Geral da União conhecer essas informações
para o exercício da legítima defesa dos interesses do Estado brasileiro (...), é a
manifestação no sentido da possibilidade jurídica de fornecimento (...).”
Também a favor da disponibilização de dados para a Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional já se manifestou este próprio órgão de assessoramento jurídico.
Parecer PGFN/PGA nº 980/2004: “Ementa: Sigilo fiscal. Possibilidade de
acesso recíproco de dados econômico-fiscais entre a Secretaria da Receita
Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Previsão constitucional
de compartilhamento de cadastros e de informações fiscais: Emenda
Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003.”
Por sintetizar diversos aspectos acima abordados, nos termos ora vigentes, didática foi
a manifestação da Cosit, nos seguintes termos:
Solução de Consulta Interna-Cosit nº 24, de 30/08/10: “A expressão
‘Administração Pública’, constante do art. 198, § 1°, II, do Código Tributário
Nacional (CTN), abrange a administração direta e indireta de qualquer das
esferas da Administração Pública e a expressão ‘Autoridade Administrativa’
refere-se àquela autoridade de qualquer dos Poderes legalmente constituídos
(Executivo, Legislativo e Judiciário).
O fornecimento de informações protegidas pelo sigilo fiscal ao Ministério
Público Estadual só é possível caso a solicitação preencha todos os requisitos
do art. 198, § 1º, inciso II, do CTN.
O Segundo Termo Aditivo ao Convênio celebrado entre a RFB e a AGU prevê a
prestação de informações, à AGU, à Procuradoria-Geral da União e à
Procuradoria-Geral Federal, sobre bens, direitos e rendas declarados e, se
houver, sobre faturamento, para fins de execução.
O acesso ao Ministério Público da União de informações abrangidas pelo
sigilo fiscal, compreende os ministérios públicos que compõem esse órgão.
Os dados relativos ao endereço do sujeito passivo não estão protegidos pelo
sigilo fiscal, contudo, o seu fornecimento por parte da RFB, em caráter
sistemático, requer a celebração de convênio com a entidade solicitante.
Na hipótese em que a representação fiscal para fins penais se referir a apenas
um sujeito passivo e o processo de auto de infração que deu origem a tal
representação contiver dados de terceiros, havendo requisição de informações
da autoridade policial que conduz o inquérito policial relativas ao
representado, deve-se suprimir os dados daqueles, desde que não haja indícios
de sua participação no ilícito penal.”
Embora a interpretação ora adotada seja a de que o mandamento do art. 198 do CTN
924
volta-se ao dever do agente fiscal para com autoridades externas, nada impede que uma
comissão disciplinar designada no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil adote
uma postura mais cautelosa e conservadora de seguir os procedimentos acima descritos (mas
destaque-se que não se considera obrigatória tal postura no caso de integrantes serem agentes
do próprio Fisco). A hipótese legal do art. 198, § 1º, II do CTN ampara perfeitamente a
solicitação de dados fiscais ao titular da unidade fiscal da jurisdição do acusado, encaminhada
via Chefe do Escor (autoridade administrativa com poder de mando e indiretamente
responsável pela apuração), no interesse da Administração (para apurar, em instância
disciplinar, ilícito disciplinar do servidor objeto do pedido).
Nesta linha, finalizando a análise da nova redação do art. 198 do CTN, para a hipótese
de se afastar o sigilo fiscal de servidor investigado, no interesse da Administração - ou seja,
na hipótese de o agente do Fisco fornecer dados protegidos por sigilo fiscal à outra autoridade
administrativa -, o § 2º do citado artigo estabelece que a obrigação de preservar o sigilo é
transferida para a autoridade recebedora das informações. Neste intercâmbio de dados entre
órgãos ou autoridades públicas, com vista à investigação de ilícitos disciplinares, transferem-
se não só os dados fiscais solicitados, mas também a responsabilidade de não divulgá-los, já
que a autoridade solicitante receberá os dados pessoalmente e mediante recibo que formalize a
transferência e assegure a preservação do sigilo. Assim, quando o agente do Fisco, nos termos
permitidos em lei, repassa a outra autoridade os dados protegidos por sigilo fiscal,
propiciando-lhe não só o acesso, mas também o uso dos dados, não há que se falar que ele
incorreu no ilícito de violar o dever de guardar sigilo funcional, visto que a presunção é de
que esta garantia do particular (de não ter seus dados tornados públicos ou divulgados)
permanecerá preservada.
Idêntico entendimento se extrai também do art. 25, § 2º da Lei nº 12.527, de 18/11/11,
que regulamenta a garantia fundamental estabelecida no art. 5º, XXXIII da CF, atinente ao
direito de petição.
Lei nº 12.527, de 18/11/11 - Art. 25.
§ 2o O acesso à informação classificada como sigilosa cria a obrigação para
aquele que a obteve de resguardar o sigilo.
Na Secretaria da Receita Federal do Brasil, como órgão detentor dos dados, o
dispositivo do art. 198, § 2º do CTN encontra-se atualmente regulamentado pela Portaria RFB
nº 551, de 30/04/13, que estabelece os procedimentos formais para preservar o sigilo das
informações ao longo do seu fornecimento. Citam-se ainda a Lei nº 12.527, de 18/11/11, e os
Decretos nº 7.724, de 16/05/12, e nº 7.845, de 14/11/12, como fontes de consulta mais
detalhadas sobre definição, expedição, tramitação e guarda de documentos sigilosos. A
propósito, informe-se que este último Decreto contém, dentre diversos outros regramentos,
dispositivos não regulamentados pelo Decreto nº 7.724, de 16/05/12, como é o caso dos
dispositivos aqui mencionados, acerca de expedição (destacadamente seus arts. 26 e 28),
tramitação e guarda de documentos sigilosos.
Decreto nº 7.845, de 14/11/12 - Art. 26. A expedição e a tramitação de
documentos classificados deverão observar os seguintes procedimentos:
I - serão acondicionados em envelopes duplos;
II - no envelope externo não constará indicação do grau de sigilo ou do teor do
documento;
III - no envelope interno constarão o destinatário e o grau de sigilo do
documento, de modo a serem identificados logo que removido o envelope
externo;
IV - o envelope interno será fechado, lacrado e expedido mediante recibo, que
indicará remetente, destinatário e número ou outro indicativo que identifique o
documento; e
V - será inscrita a palavra “PESSOAL” no envelope que contiver documento de
interesse exclusivo do destinatário.
Art. 28. A expedição de documento com informação classificada em grau de
925
inerentes aos servidores que atuam na área fiscal. Não há que se ter do sistema correcional
uma visão apartada da própria Secretaria da Receita Federal do Brasil, como se fosse estranha
ao órgão que integra.
Tanto é correta a interpretação acima - de que não há que cogitar de sigilo fiscal para a
atividade correcional interna - que, segundo os incisos III a V do parágrafo único do art. 22, o
art. 29, o inciso V do art. 330 e o inciso VI do art. 332, todos do Regimento Interno da RFB,
aprovado pela Portaria MF n° 430, de 9 de outubro de 2017, a Coger, os Escor e os seus
titulares são competentes, em síntese, para verificar aspectos disciplinares em feitos fiscais;
solicitar ou realizar diligência fiscal; requisitar informações, processos, documentos e
declarações de renda; e propor ação fiscal ou sua revisão. Na esteira, para que seja possível o
regular desempenho de tais competências, a coerência do ordenamento impõe que se extraia a
permissão regimental para que a Coger e os Escor acessem quaisquer sistemas informatizados
da Secretaria da Receita Federal do Brasil bem como utilizem os dados disponibilizados para
a atividade correcional.
Portaria MF nº 430, de 2017 - Regimento Interno da RFB - Art. 22. À
Corregedoria (Coger) compete gerenciar as atividades relativas ao
desenvolvimento da integridade funcional dos servidores da RFB e à
responsabilização de entidades privadas, nos termos da lei.
Parágrafo único. No exercício de suas competências, caberá à Coger:
III - verificar, no interesse de suas atividades, dados, informações e registros
contidos nos sistemas da RFB e em quaisquer documentos constantes dos seus
arquivos;
IV - solicitar ou executar diligências, requisitar informações, processos e
documentos necessários ao exame de matéria na área de sua competência;
V - verificar os aspectos disciplinares dos feitos fiscais e de outros
procedimentos administrativos; e
Art. 29. Ao Escritório de Corregedoria (Escor) em cada região fiscal compete
gerir e executar, no âmbito de sua jurisdição, as atividades previstas para a
Coger.
Art. 330. Ao Corregedor incumbe:
V - determinar diligências, requisitar informações, processos e quaisquer
documentos necessários às atividades de sua competência e determinar a
realização de ação fiscal ou propor sua revisão, sempre que o exame de
denúncias, representações, processos disciplinares e de responsabilização de
pessoa jurídica, nos termos da lei, ou outros expedientes relativos às suas
atividades assim o recomendar;
Art. 332. Aos Chefes dos Escors incumbe, no âmbito de sua competência:
VI - determinar diligências, requisitar informações, processos e quaisquer
documentos necessários às atividades de sua competência, e propor a
realização de ação fiscal ou propor sua revisão, sempre que o exame de
denúncias, representações, processos disciplinares e de responsabilização de
pessoas jurídicas, nos termos da lei, ou de outros expedientes relativos às suas
atividades assim o recomendar.
Destaque-se que o Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal do Brasil
dispôs ao sistema correcional a competência para investigação ou apuração de qualquer fato
ensejador da instância disciplinar, independentemente de já se ter ou não instaurado o rito
contraditório (sindicância disciplinar ou PAD). Desta forma, atesta-se que as competências
regimentalmente dispostas (em que se incluem acessar diretamente ou solicitar aos titulares
das unidades fiscais dados ou documentos) aplicam-se em qualquer fase (seja em investigação
sigilosa, seja em apuração contraditória), sob pena de prejuízo de seu exercício.
Acrescente-se ainda que, nos termos das normatizações infralegal e interna,
consubstanciadas no art. 17 da Portaria MF nº 492, de 23/09/13, que traça regras gerais para a
atuação correcional no âmbito do Ministério da Fazenda, e nos art. 24 e 25 da Portaria RFB nº
6.483, de 29 de dezembro de 2017, que dispõe sobre a apuração de irregularidades funcionais
927
necessário despender esforços para trazer ao tema a chamada teoria dos poderes implícitos.
Não obstante, não é demais apresentar esta fonte jurisprudencial e doutrinária. Embora
se saiba que precipuamente é voltada ao Direito Constitucional (desenvolvida que foi pelo
constitucionalismo norte-americano, mas já adotada no Direito pátrio pelo Supremo Tribunal
Federal), a teoria dos poderes implícitos, mutatis mutandis, se aplica à discussão em tela para
elucidar definitivamente a questão. Esta formulação, em síntese, elabora que, quando a
Constituição confere determinado poder a um órgão, simultânea e implicitamente aí se
incluem, a favor do órgão em si e das autoridades que o integram, amplos poderes, com todos
os meios ordinários e apropriados, necessários para a execução daquela competência. O
enunciado se sintetiza com a máxima de que, desde que guardada a adequação entre os meios
e o fim, onde se pretende o fim, restam autorizados os meios de atingi-lo. Neste rumo,
didática é a manifestação jurisprudencial.
STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.797, Voto: “(...) Impende
considerar, no ponto, em ordem a legitimar esse entendimento, a formulação
que se fez em torno dos poderes implícitos, cuja doutrina, construída pela
Suprema Corte dos Estados Unidos da América, no célebre caso McCulloch v.
Maryland (1819), enfatiza que a outorga de competência expressa a
determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo
órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram
atribuídos. Cabe assinalar, ante a sua extrema pertinência, o autorizado
magistério de Marcelo Caetano (Direito Constitucional, vol. II/12-13, item nº 9,
1978, Forense), cuja observação, no tema, referindo-se aos processos de
hermenêutica constitucional e não aos processos de elaboração legislativa -
assinala que, ´Em relação aos poderes dos órgãos ou das pessoas físicas ou
jurídicas, admite-se, por exemplo, a interpretação extensiva, sobretudo pela
determinação dos poderes que estejam implícitos noutros expressamente
atribuídos´. (...) Não constitui demasia relembrar, neste ponto, Senhora
Presidente, a lição definitiva de Rui Barbosa (Comentários à Constituição
Federal Brasileira, vol. I/203-225, coligidos e ordenados por Homero Pires,
1932, Saraiva), cuja precisa abordagem da teoria dos poderes implícitos (...)
assinala: ´Nos Estados Unidos, é, desde Marshall, que essa verdade se afirma,
não só para o nosso regime, mas para todos os regimes. Essa verdade fundada
pelo bom senso é a de que - em se querendo os fins, se hão de querer,
necessariamente, os meios; a de que se conferimos a uma autoridade uma
função, implicitamente lhe conferimos os meios eficazes para exercer essas
funções. (...). Quer dizer (princípio indiscutível) que, uma vez conferida uma
atribuição, nela se consideram envolvidos todos os meios necessários para a
sua execução regular. Este, o princípio; esta, a regra. Trata-se, portanto, de
uma verdade que se estriba ao mesmo tempo em dois fundamentos inabaláveis,
fundamento da razão geral, do senso universal, da verdade evidente em toda a
parte - o princípio de que a concessão dos fins importa a concessão dos meios.’
(...).”
Ora, dispor a Secretaria da Receita Federal do Brasil de um sistema correcional para,
sob ótica de interesse público, cuidar da moralidade de seus agentes fiscais e, em sequência,
atrofiar-lhe os meios de ação e de persecução (sobretudo, exemplificadamente, naquilo que
nos dias atuais mais atinge a percepção e a indignação social, que são os indícios de
enriquecimento ilícito de um servidor), submetendo-lhe a requisitos legais voltados a órgãos
externos ou à espontânea disponibilização por parte do servidor, seria o mesmo que afrontar,
caso já não houvesse tão explícitas normas regimentais autorizadoras de acesso e uso da sua
própria base de dados, a bem montada teoria dos poderes implícitos.
Ainda neste tema de competência, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional já
manifestou entendimento, por meio do Parecer PGFN/CDI nº 1.850/2004, com a qualidade
aqui já mencionada desta fonte. O órgão máximo de assessoramento jurídico no âmbito do
Ministério da Fazenda considera que não há que se arguir a garantia de sigilo fiscal contra
929
esta espontânea disponibilização (a que ninguém se obriga) e nem mesmo havendo o pré-
requisito necessário de o órgão externo a solicitar ao investigado, cuidou o ordenamento de
viabilizar a necessária persecução disciplinar no órgão solicitante e, ao mesmo tempo,
preservar a intimidade do servidor do acesso imotivado e, por fim, garantir legalidade ao ato
da autoridade fiscal de repassar os dados solicitados à autoridade externa. Tão somente destas
duas possibilidades é de que cuidam o art. 198, § 1º, II do CTN (ao impor como condições ao
repasse, por parte da autoridade fiscal, que os dados sigilosos sejam solicitados por autoridade
administrativa, sob motivos de interesse público, para apurar possível irregularidade por parte
de quem tem os dados solicitados, em um procedimento administrativo instaurado no órgão
de origem).
Mas, de acordo com as fontes legais, regulamentares, regimentais e jurisprudenciais
mencionadas acima, à vista das peculiaridades da Secretaria da Receita Federal do Brasil, pelo
próprio múnus público do órgão e dos agentes que o integram (seja na atividade-fim fiscal,
seja na atividade-meio correcional, visto que, conforme já exposto, a competência desta
absorve parte da competência daquela), resta dispensável solicitar ao servidor a
disponibilização de seu sigilo fiscal, visto que este é acessível desde sempre na matéria
correcional. E ainda mais dispensável seria, nos termos do art. 198, § 1º, II do CTN, o agente
do Fisco que integra a estrutura correcional solicitar ao próprio Fisco - do qual ele
indissociadamente e por própria natureza faz parte - o repasse dos dados protegidos por sigilo
fiscal de quem quer que seja.
Soaria até estranho que a estrutura correcional da Secretaria da Receita Federal do
Brasil tivesse de solicitar ao próprio investigado ou acusado a permissão para, sob interesse
público, acessar dados que este órgão, por múnus público, detém sob sua própria guarda e que
se revelam essenciais para os trabalhos (sobretudo em casos de investigação que, por própria
natureza, deveria seguir sob sigilo). Igualmente estranho soaria uma autoridade fiscal
integrante do sistema correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil solicitar a outra
autoridade fiscal o repasse de dados aos quais ela própria desde sempre possui acesso por
força de seu cargo e por previsão regimental.
Não há, portanto, que se cogitar de descumprimento dos condicionantes elencados no
art. 198, § 1º, II do CTN, quando a estrutura correcional da Secretaria da Receita Federal do
Brasil utiliza, em seu múnus (seja pelo agente correcional, quando acessa diretamente os
dados, seja pelo titular da unidade fiscal, quando aquele lhe solicita o repasse), os dados
fiscais de quem quer que seja, uma vez que, neste caso específico, inexiste a figura de uma
autoridade administrativa externa ao órgão solicitando os dados fiscais ao agente do Fisco.
E, nesta mesma hipótese específica, menos ainda há que se cogitar de afronta ao caput
do art. 198 do CTN, uma vez que, obviamente, não há divulgação destas informações, mas tão
somente seu uso interno dentro do próprio Fisco. Reafirma-se, na concessão quase
pleonástica: a estrutura correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil insere-se na
Secretaria da Receita Federal do Brasil. Não se divulga no órgão aquilo que já se encontra no
próprio órgão.
Ademais, além de se afirmar que não se cogita de afronta aos mandamentos do art.
198 do CTN por parte da estrutura correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil no
exercício de seu múnus, ratifica-se ainda que a inteligência salutarmente garantista daquela
norma resta suprida na atuação deste sistema.
Em outras palavras, apenas por mera tese - uma vez que não se afasta aqui da
convicção de que a linha interpretativa a se iniciar a análise, quando a discussão sobre acesso
a dados protegidos por sigilo fiscal se dá internamente no próprio Fisco, não é de submissão
ou não aos parâmetros voltados ao meio externo estabelecidos no art. 198 do CTN -, mesmo
se se quisesse avaliar a conformação da atuação correcional da Secretaria da Receita Federal
do Brasil àqueles ditames legais, não se encontrariam afrontas aos princípios garantistas em
favor da defesa. Quando o integrante da estrutura correcional acessa dados sigilosos de quem
932
quer que seja no interesse do serviço, o faz, até onde aplicável, exatamente sob moldes que o
art. 198 do CTN emprega para proteger a intimidade e a privacidade do sujeito passivo. A
uma porque a regra interna na Coger e nos Escor é de haver um processo administrativo lato
sensu já protocolizado; a duas porque quem acessa os dados é uma própria autoridade fiscal,
com todos os poderes e competências inerentes a seu cargo e dispostos regimentalmente.
Ou seja, além de se defender que, regimentalmente, o agente do próprio Fisco não
necessita atender aos condicionantes impostos pelo art. 198 do CTN, ainda que se queira
submeter a ação correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil a tais parâmetros, se
verifica total adequação e respeito à natureza garantista da norma - a menos, claro, do
formalismo excrescente que seria uma autoridade fiscal solicitar à outra de igual natureza e
competência os dados aos quais desde sempre ela própria já possui acesso.
A renúncia espontânea, por parte do próprio investigado, a seus sigilos fiscal e
bancário obviamente não se opera obrigatoriamente como pré-requisito nas investigações
promovidas na Secretaria da Receita Federal do Brasil. Para o tema de que aqui se trata
(especificamente sigilo fiscal), o pedido de renúncia volta-se aos órgãos estranhos à Secretaria
da Receita Federal do Brasil, que não possuem os dados fiscais, com teleologia claramente de
economia de esforços: antes de provocar o órgão detentor dos dados, que se solicite a
espontaneidade do próprio.
Mas não é demais reiterar que a CGU positivou, no art. 27 de sua Instrução Normativa
CGU n° 14, de 14 de novembro de 2018, que a apresentação de informações fiscais, do
próprio servidor ou de pessoas com ele relacionadas, espontânea ou a pedido, configura
renúncia do sigilo fiscal para fim de emprego daqueles dados no procedimento.
Instrução Normativa CGU n° 14, de 2018 - Art. 27. A apresentação de
informações e documentos fiscais ou bancários pelo sindicado ou pelas demais
pessoas que possam guardar relação com o fato sob apuração,
independentemente de solicitação da comissão, implicará renúncia dos sigilos
fiscal e bancário das informações apresentadas para fins da apuração
disciplinar.
Menos ainda se cogita de afronta ao art. 1º da Portaria Interministerial MPOG/CGU nº
298, de 05/09/07, quando o sistema correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil
acessa diretamente ou solicita ao titular de unidade fiscal os dados fiscais do servidor.
Conforme se exporá em 4.7.4.4.4, esta norma regulou um dever funcional que recai sobre os
agentes públicos (de, por determinação das Leis nº 8.429, de 02/06/92, e 8.730, de 10/11/93,
ou anualmente entregar cópia de sua declaração de Imposto sobre a Renda ou desde sempre
autorizar a seu órgão de lotação acessar estas declarações apresentadas ao Fisco). Ou seja, a
Portaria Interministerial tão somente disciplinou as duas formas de cumprimento do dever
legal por parte dos agentes públicos, em nada se confundindo com limitação do poder de
ofício da Administração. Do contrário, significaria crer que uma simples Portaria limitaria o
poder-dever conferido em Lei para a Administração atuar com oficialidade na busca da
verdade material que esclareça as supostas irregularidades de que tenha conhecimento.
É de se lembrar que o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral
da União (CGU) figura como órgão central de um sistema federal de corregedorias, com
competência para normatizar e padronizar procedimentos de uma miríade de órgãos federais,
das mais diversas áreas de atuação (atividades estas exercidas pela Corregedoria-Geral da
União da CGU - CGU/CRG, conforme o art. 14, I do Decreto nº 8.910, de 22/11/16). Como
tal, e de outra forma não poderia ser, seus regramentos se voltam para as situações gerais, não
contemplando peculiaridades. Assim, a CGU, ao estabelecer, em conjunto com o então
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG, que também figurava e ainda
figura em denominação atual como órgão central para as questões de pessoal na
Administração Pública federal, procedimentos para investigações por meio da Portaria
Interministerial MPOG/CGU nº 298, de 05/09/07, o fez tendo em vista a realidade da imensa
933
maioria dos órgãos federais, qual seja, de não terem em suas bases internas de dados as
informações fiscais de seus respectivos quadros de servidores. Daí, aquelas a norma
generalista determina que o servidor autorize a seu órgão de lotação acesso às suas
declarações anuais de Imposto sobre a Renda, sem ter contemplado - e nem poderia mesmo
fazê-lo - a peculiaridade da desnecessidade deste rito quando o órgão já possui tais dados,
como é o caso da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Sem prejuízo de eventualmente o sistema correcional da Secretaria da Receita Federal
do Brasil obter do servidor a espontânea entrega de seus dados fiscais, destaque-se que o fato
de este sistema desde sempre já dispor de dados sobre os quais a Portaria Interministerial
MPOG/CGU nº 298, de 05/09/07, disciplina aos demais órgãos uma primeira forma de
obtenção e, justo por isto, não necessitar de tal rito, em nada configura afronta à norma
daquele dois órgãos centrais. A convicção plena de que determinados dispositivos normativos
restam dispensáveis porque os fins a que eles se propunham já se encontram desde sempre
concretizados - e daí não se utilizarem os ritos normatizados - em nada se confunde com
descumprir as normas. Não se trata de a Secretaria da Receita Federal do Brasil obter um
determinado objetivo disciplinado em normas (no caso, o acesso a dados fiscais de quem quer
que seja sob investigação ou apuração) de forma diferente daquelas normatizadas. A
Secretaria da Receita Federal do Brasil - subentenda-se, seu sistema correcional - não
engendra uma forma ilegal para obter os dados; simplesmente, ela já os tem.
Da mesma forma como se aduziu em 4.4.13.2, também aqui é válido o destaque de
que a pesquisa e o emprego de dados ou de documentos fiscais diretamente pelo agente da
instância correcional não configuram quebra de sigilo e tão somente faz operar, para ele, a
transmissão do dever legal de preservar o sigilo, à luz do art. 198, § 2º do CTN, sob pena de
responsabilizações penal e administrativa em caso de divulgação irregular. O mesmo se aplica
se o agente da instância correcional recebe os dados ou documentos fiscais transferidos pelo
titular de unidade fiscal, não se operando, nem para um e nem para outro, quebra de dever
funcional de guardar sigilo.
Idêntico entendimento se extrai também do art. 25, § 2º da Lei nº 12.527, de 18/11/11,
que regulamenta a garantia fundamental estabelecida no art. 5º, XXXIII da CF, atinente ao
direito de petição.
Lei nº 12.527, de 18/11/11 - Art. 25.
§ 2o O acesso à informação classificada como sigilosa cria a obrigação para
aquele que a obteve de resguardar o sigilo.
Para se concluir o tema referente a sigilo fiscal, é de se destacar ainda não só a licitude
como também a pertinência de a autoridade ou o servidor ou a comissão composta por
servidores do sistema correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil, também de
forma justificada por motivos fáticos ou jurídicos que afastam a mera curiosidade invasiva,
arbitrária e desvirtuada do interesse público, à vista da gravidade do fato em investigação ou
apuração, acessar diretamente ou requisitar ao titular de unidade fiscal dados sigilosos de
terceiros que mantenham alguma relação de proximidade com o servidor investigado ou
acusado, tais como, por exemplo, seu cônjuge ou companheiro (independentemente de
autorização desta pessoa, do estado civil, da natureza ou do regime por meio do qual se opera
a união das duas pessoas ou da forma como apresenta sua declaração de ajuste anual, se em
conjunto ou em separado) e de seus parentes (independentemente se há ou não vinculação de
dependência econômica formal ou informal desta pessoa em relação ao servidor e de sua
condição econômico-financeira), sejam estes terceiros servidores ou não.
Por um lado, é certo que nada autorizaria ou justificaria o acesso a dados protegidos de
terceiro sem nenhuma relação de proximidade com o servidor investigado. Mas, por outro
lado, também é certo que, exemplificadamente, diante das possibilidades de configuração de
ilícito associado a enriquecimento ilícito (que se dissocia de um ato funcional propriamente
dito, conforme se discorrerá em 4.7.4.4.3) e do emprego das chamadas interpostas pessoas
934
ainda que se dispusesse de robustos indícios de transferência de bens. Além de não poder se
confundir obrigações mínimas impostas aos agentes públicos com o espectro muito maior das
diligências oficiais movidas pela Administração em atendimento ao interesse público, também
é de se asseverar que as investigações ou apurações que indubitavelmente competem à
Administração no que se refere a terceiras pessoas visam a tão somente desmascarar as
tentativas do agente público em diluir seu patrimônio irregularmente amealhado por meio de
transferências patrimoniais em favor de parentes próximos e não a avaliar o grau de riqueza
ou de dependência econômica destas pessoas em si.
O fato de os §§ 1º e 2º do art. 13 da Lei nº 8.429, de 02/06/92, e os arts. 2º e 3º do
Decreto nº 5.483, de 30/06/05, estabelecerem aos agentes públicos a obrigação de anualmente
informarem sua própria evolução patrimonial, bem como a de seu cônjuge, companheiro e
filhos e ainda a de pessoas que vivam como seus dependentes econômicos em nada se
confunde com delimitação dos poderes investigativo e apuratório da Administração. Na
ponderação salutar do equilíbrio de forças do sistema jurídico, figurando, de um lado, como
pesos, os princípios da indisponibilidade do interesse público, da oficialidade e da busca da
verdade material e, de outro lado, como contrapesos, os alicerces do Estado Democrático de
Direito asseguradores de garantias fundamentais, é certo que compete à Administração, nos
devidos ritos legais, esgotar as investigações e apurações acerca de supostas irregularidades
de seus agentes. Isto se desdobra em, de um lado, o sistema correcional da Secretaria da
Receita Federal do Brasil, em razão do acesso que as atribuições legais dos cargos de seus
integrantes lhe confere, poder utilizar todo o conjunto de informações fiscais disponíveis na
base de dados fiscais em poder do órgão; e, de outro lado, os demais órgãos públicos federais,
que não possuem o automático acesso a esta ampla base de dados, uma vez motivadamente
necessitando de informações protegidas por sigilo fiscal de terceiros além do próprio agente e
que não faz parte da sua base própria de dados, demandar a autorização ao Poder Judiciário.
O certo é que se as duas relações de proximidade elencadas nos mencionados
dispositivos normativos não figuram como intransponível delimitação às investigações ou
apurações em curso sequer nos órgãos estranhos ao Fisco (já que estes, necessitando de dados
fiscais além de seu próprio servidor e além de dados fiscais de seu cônjuge, companheiro ou
filhos ou ainda de terceiros economicamente dependentes que porventura o agente público
tenha fornecido em atendimento à Lei e ao Decreto, podem demandar a autorização judicial
para acesso), muito menos teriam tal condão no sistema correcional que, institucionalmente,
já dispõe de toda a base de dados fiscais do conjunto de contribuintes.
Conclui-se que, nos casos de investigação ou de apuração de enriquecimento ilícito,
em que se pode cogitar, em tese, de diluição do patrimônio irregularmente obtido pelo agente
público em favor de pessoas próximas, o estado formal de dependência econômica ou não
desta pessoa em relação ao servidor em nada atua como autorizador ou delimitador do alcance
dos trabalhos. Se assim não fosse, poderia um servidor amealhar o mais vultoso patrimônio de
que se cogite de forma ilícita e transferi-lo para um parente próximo de salutar condição
econômico-financeira e restaria então este agente público hipotético imune a investigações ou
apurações. Por óbvio, não se sustentaria a alegação da dependência econômica da terceira
pessoa em relação ao servidor como pré-requisito à inclusão na investigação ou na apuração.
E, se aqui se defendem o acesso a dados fiscais de terceiros e o seu emprego
(compreendendo-se tais terceiros como outras pessoas que não só de fato existem mas que
também efetiva e concretamente mantêm relação de proximidade com o servidor e que,
portanto, são possuidoras de seus próprios dados fiscais), mais convicção ainda se apresenta
ao se assegurar a licitude e a pertinência de acesso a dados fiscais destas interpostas pessoas
quando elas não mantêm nenhuma correlação pessoal com o investigado ou quando sequer
existem de fato. Neste caso, a rigor, não se acessam e não se utilizam dados de uma outra
pessoa, estranha ao servidor, mas sim, na verdade, trata-se de dados do próprio investigado.
Sendo absolutamente relevante para a atividade correcional, em que pese o seu poder
936
coercitivo e punitivo se limitar a servidores, é lícito que agentes do Fisco acessem diretamente
ou requisitem ao titular de unidade fiscal dados ou documentos fiscais de terceira pessoa que
possa ter indireto envolvimento com o fato e os analisem para formação de convencimento,
utilizando-os, se for o caso, seja em fase inquisitorial, seja em fase contraditória, uma vez que,
conforme já aduzido anteriormente, aqui não se cogita de se aplicarem os condicionantes do
art. 198, § 1º, II do CTN, mas sim as competências regimentais já reproduzidas - ainda se
podendo buscar apoio na teoria dos poderes implícitos, cabendo, sim, na salutar ponderação
com que a ciência jurídica equilibra pesos e contrapesos, responsabilizações ao agente que
acessasse dados fiscais de terceiro por mera curiosidade ou interesse pessoal.
Prosseguindo, se são trazidos aos autos dados fiscais de terceiros (indicadores de sua
situação econômica ou financeira ou de operações realizadas), protegidos por sigilo, pode-se
ter configurada situação de conflito de direitos, ambos de índole privada e particular. De um
lado, há o direito constitucional à privacidade, a favor deste terceiro, de não ter seus dados
disponibilizados para o acusado e para seu procurador. Por outro lado, associado ao
inafastável poder-dever de a Administração apurar sob ótica prevalecente do interesse
público, há o direito também constitucionalmente previsto de o acusado, ainda que em
instância administrativa, ter assegurados ampla defesa e contraditório, por todos os meios e
recursos lícitos. Na ponderação de bens tutelados em antagonismo, se o conhecimento de tais
dados, indispensável ao múnus apuratório, se demonstra relevante para o exercício de defesa,
configurando o legítimo interesse jurídico do acusado, é de se valorizar a máxima da instância
punitiva, considerando de maior indisponibilidade o amplo direito de defesa e permitindo ao
acusado o acesso aos dados sigilosos de terceiros, mitigando-se, excepcionalmente neste caso,
o direito à privacidade do outro. Por óbvio, o acesso aos dados de terceiros tem sua
justificativa restringida ao exercício do direito de defesa, sendo então transferido não só ao
agente público mas também ao acusado e a seu procurador o dever de manter sigilo acerca
dos dados a que tiveram acesso em função do processo disciplinar, podendo ser
responsabilizados, nas vias competentes, por usos indevidos ou por sua divulgação sem justa
causa.
“A entrega da informação fiscal para aquele que demonstre legítimo interesse
jurídico encontra fundamento no art. 5º, incisos XXXIII e XXXIV, da
Constituição Federal, como ressaltado, e, importa sublinhar, na ausência de
direitos absolutos. Com efeito, a eventual tensão entre a manutenção da
informação fiscal em sigilo e o seu conhecimento estrito para exercício de
direito consagrado na ordem jurídica, resolve-se pela entrega ou fornecimento
da informação para aquele fim específico, sendo punidos, na forma própria, os
abusos acaso cometidos.”, Aldemario Araujo Castro, “Considerações Acerca
dos Sigilos Bancário e Fiscal, do Direito Fundamental de Inviolabilidade da
Privacidade e do Princípio Fundamental da Supremacia do Interesse Público
sobre o Privado”, disponível em http://www.aldemario.adv.br/sigilo.pdf, acesso
em 07/12/10
Mencione-se que, quando aqui se aduziu a necessidade de haver motivos fáticos ou
jurídicos que justifiquem o excepcional afastamento da garantia constitucional para que o
sistema correcional acesse dados protegidos por sigilo fiscal do próprio servidor ou de
terceiros, quis se registrar que, para tal, deve a Administração estar diante de uma apuração de
ilícito em princípio grave e relevante e que dependa daquele tipo de dados. A necessária
existência de motivo para este ato de acesso, como requisito de sua validade, não significa,
necessariamente, a lavratura formal de qualquer ato de decisão definitiva ou sequer
interlocutória, já que não se confunde com exigência de exposição do motivo, a que se
denomina motivação (conforme já aduzido em 3.3.1.4.1 e em 3.3.2.2). Com aquela assertiva
apenas se quer alertar o aplicador do Direito de que não se tolera que a Administração cogite
de acessar e de autuar em um processo administrativo disciplinar ou em um procedimento
investigativo dados protegidos por sigilo fiscal para apurações que não guardem nenhuma
relação com tais informações sigilosas e que possam prescindir deste remédio excepcional.
937
Em termos mais concretos, ratifica-se que, se por um lado, legal e principiologicamente, pode
sim o sistema correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil acessar e usar dados
fiscais de acusados e de terceiros relacionados quando o fato sob apuração depende de tais
elementos de prova, como é o caso de suposto enriquecimento ilícito, por outro lado, todavia,
não cabe tal permissão para apurações de fatos de menor relevância e sem relação com
aqueles dados, tais como a apuração de simples falta de urbanidade ou de pontualidade,
apenas para citar exemplos bastante ilustrativos.
Os motivos fáticos ou jurídicos, como requisitos de validade do ato administrativo de
o agente da estrutura correcional acessar tais dados de determinado servidor sob investigação
ou sob apuração, restam intrinsecamente associados, objetiva e materialmente - e não
ritualística ou formalmente -, à peculiaridade de a natureza e a gravidade do caso requererem
a excepcionalidade de se afastar uma garantia constitucional, eliminando, por um lado, a
possibilidade de a Administração fazê-lo por mera devassa na privacidade e na intimidade
alheia, mas, por outro lado, em nada se confundindo com necessidade de uma autoridade e
muito menos de a comissão lavrar uma formal decisão fundamentada.
A decisão de se acessar e de se empregar no procedimento investigativo ou no
processo administrativo disciplinar os dados protegidos por sigilo fiscal advém da convicção
do agente competente para, vinculadamente, impulsionar os trabalhos investigativos ou
apuratórios, bastando para isto o sólido amparo na base legal, normativa e principiológica,
independendo de qualquer ato formal meramente procedimental. O motivo que se exige e que
não se confunde com necessidade de sua explicitação, refletindo a impulsão ex officio sob
império do ordenamento de regência, para se afastar a indevida intromissão na órbita de
direitos íntimos e privados da pessoa, é a leitura, pelo menos a priori, ao tempo processual em
que ainda opera o in dubio pro societate (seja na investigação reservada, seja no processo
contraditório), de que o caso sob análise do agente correcional passa inexoravelmente pela
necessidade de acesso aos dados reveladores da riqueza do servidor e de seus parentes
próximos e pela consequente gravidade material do fato.
Neste rumo, como de outra forma não poderia ser, não há necessidade de qualquer ato
formal meramente procedimental, instrumental ou interlocutório e muito menos de decisão
fundamentada que contenha expressamente os motivos para que servidores do sistema
correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil acessem e empreguem os dados de
sigilo fiscal de acusado ou de terceiros nos trabalhos investigativos ou contraditórios. Sequer
a leitura de toda a normatização infralegal, da base principiológica informadora e muito
menos da base legal contida no art. 198 do CTN permite que se cogite da exigência de tal ato
antecedente ao acesso aos dados fiscais de quem quer que seja e ao seu uso em instância
correcional.
O que motiva e, em consequência, legitimiza o acesso a tais dados e o seu uso em
procedimento investigativo ou em processo administrativo disciplinar é a gravidade do fato
sob apuração mediante interesse público, gravidade esta que faz o caso concreto sob análise se
amoldar às construções hipotéticas do ordenamento previamente concessor e autorizador de
tais competências dos agentes investigadores ou apuradores.
Mencione-se ainda que, de outro lado, pode a instância correcional ter acesso a dados
protegidos por sigilo fiscal do acusado ou de terceiros por estes já estarem encartados nos
autos desde a fase de admissibilidade (por exemplo, oriundos de processo administrativo
fiscal), e a comissão não vislumbrar necessidade de sua permanência nos autos, por entender
que não serão utilizados como prova e que são irrelevantes para o fato sob apuração, podendo,
então, neste caso, deliberar por seu formal desentranhamento. Mas relembre-se que,
especificamente nos processos digitais, formalizados no Sistema Processo Eletrônico (e-
Processo) e que possuem suporte documental em meio digital, depois de serem juntados em
definitivo, os documentos permanecem disponíveis e acessíveis a partir da funcionalidade de
pesquisa a documentos, mesmo após sua exclusão.
938
4.4.12.4 - Envio de Informações, por Parte da Comissão, para Outras Unidades e para
Órgãos Externos
Pode ocorrer de, no curso do apuratório disciplinar, a comissão ser provocada ou estar
legalmente obrigada a enviar dados e documentos decorrentes de seus trabalhos para outras
unidades da Secretaria da Receita Federal do Brasil ou ainda para órgãos ou autoridades
externas. Visando a uma sistematização da forma desta disponibilização de informações (o
que não se confunde em interferir na autonomia do colegiado), a normatização infralegal,
consubstanciada no art. 20 da Portaria MF nº 492, de 23/09/13, e reproduzida de forma ainda
mais específica e praticamente similar no art. 19 da Portaria RFB n° 6.483, de 29 de
dezembro de 2017, alerta, de forma geral, para as obrigações de reserva da matéria
correcional (conforme o art. 150 da Lei nº 8.112, de 11/12/90) e, de forma específica, para o
dever de sigilo funcional sobre dados de natureza fiscal, econômica e patrimonial (conforme o
art. 198 do CTN) e elenca alguns critérios.
Portaria MF nº 492, de 2013 - Art. 20. O envio de informações e documentos a
órgãos externos referentes a atividades desenvolvidas no âmbito da
Corregedoria-Geral do Ministério da Fazenda e da Corregedoria da Secretaria
da Receita Federal do Brasil observará o sigilo necessário à elucidação do fato
ou exigido pelo interesse da Administração, nos termos do art. 150 da Lei nº
8.112, de 1990, ocorrendo nas seguintes hipóteses:
I - houver requisição de autoridade judiciária, no interesse da justiça;
II - houver requisição do Ministério Público da União, nos termos da
legislação pertinente;
III - forem verificados indícios de prática de crime cuja iniciativa da ação
penal seja do Ministério Público;
IV - decorrente de solicitação de outras autoridades administrativas,
legalmente fundamentada;
V - houver necessidade da prática de atos instrutórios que dependam de
autorização judicial;
VI - para a promoção ou para a defesa dos interesses da União, na forma da lei
e dos demais regulamentos da Advocacia-Geral da União; e
VII - em processo administrativo instaurado para apurar improbidade
administrativa, de acordo com o art. 15 da Lei nº 8.429, de 1992.
§ 1º Nas situações descritas nos incisos I a VI, o envio se dará
obrigatoriamente pela autoridade instauradora do feito disciplinar.
§ 2º Quando, na hipótese prevista no inciso V, houver urgência e relevância, a
comissão poderá solicitar autorização à autoridadeinstauradora,inclusive por
meio eletrônico, para envio de informações e documentos diretamente a órgão
externo.
§ 3º Na hipótese prevista no inciso VII:
I - o presidente da comissão enviará as informações ou documentos
diretamente ao órgão externo, com comunicação imediata à autoridade
instauradora; e
II - a comissão deverá realizar a comunicação no início do processo ou no
decorrer dos trabalhos, caso os indícios da prática de ato de improbidade
somente surjam durante a apuração.
§ 4º O fornecimento de informações de natureza fiscal, econômica ou
patrimonial observará o sigilo fiscal de que trata o art. 198 da Lei nº 5.172, de
25 de outubro de 1966.
Portaria RFB n° 6.483, de 2017 - Art. 19. O envio de informações e
documentos, referentes a atividades desenvolvidas no âmbito da Corregedoria-
Geral e de seus Escritórios, observará o sigilo necessário à elucidação do fato
ou exigido pelo interesse da Administração, nos termos do art. 150 da Lei nº
8.112, de 1990, ocorrendo nas seguintes hipóteses:
939
pedido é feito com medida inaudita altera parte em procedimento cautelar, em que é
dispensada a manifestação da defesa. Por isto, antes de formalizar as solicitações à AGU, é
importante fazer contato com este Grupo para melhor instrumentalizar as medidas.
O pedido de afastamento de sigilo bancário, apresentado à AGU, deve relatar todas as
iniciativas, providências, tentativas e reiterações anteriores, acima já descritas, protagonizadas
pela comissão, com o fim de obter a renúncia espontânea ao sigilo por parte do servidor. Deve
também incluir uma planilha montada com os documentos até então disponíveis e que
demonstre a insuficiência de recursos para fazer frente às aplicações e dispêndios, originando
variação patrimonial desproporcional em determinados anos do período apurado, e deve
informar ainda eventuais montantes de movimentação financeira e/ou de despesas no cartão
de crédito incompatíveis ou atípicas. O pedido deve ainda enfatizar que, à vista da
documentação disponível, inegavelmente o servidor apresenta indícios de enriquecimento
ilícito, revelando-se portanto imprescindível o acesso a dados bancários, e deve ainda listar
quais são estes dados, a que período se referem, e, se for o caso, explicitar que todos os dados
solicitados já se encontram encartados em ação fiscal. Por fim, diante da imensa quantidade
de dados que se presume receber, deve-se solicitar que o provimento judicial determine às
instituições financeiras que os dados sejam fornecidos em meio eletrônico, em extratos ou
faturas de formatações previamente padronizadas pelo Banco Central.
Destaque-se que esta provocação para que a Advocacia-Geral da União atue no curso
da instrução probatória (como no caso, postulando em juízo favor da quebra de sigilo
bancário) não impede sua posterior atuação na fase de julgamento (por meio de Parecer da
Procuradoria-Geral da Fazenda, por exemplo, como é o caso dos julgamentos de competência
do Ministro de Estado da Fazenda).
Mandado de Segurança nº 14.504: “Ementa: 4. Admite-se a atuação da
Advocacia-Geral da União no processo disciplinar como auxiliar da comissão
processante junto ao Poder Judiciário na obtenção de provas produzidas na
ação penal intentada sob os mesmos fatos investigados na esfera
administrativa.”
Voto: “(...) Destacou o autor da ação ser indevida a interferência da
Advocacia-Geral da União na fase de instrução, pois esse mesmo órgão, ao
término do procedimento, participa do julgamento do feito. Sem razão,
contudo, o impetrante. (...) Na espécie, o servidor investigado, auditor da
receita federal, era vinculado ao Ministério da Fazenda, sendo o ministro desta
Pasta o juiz natural do processo administrativo disciplinar e não o Advogado-
Geral da União. Ainda, a função da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional,
na esfera administrativa, é de assessoramento e orientação dos dirigentes do
Poder Executivo Federal, para dar segurança jurídica aos atos administrativos
que serão por eles praticados. Assim, o parecer apresentado no processo
administrativo disciplinar tem cunho meramente informativo. Não há se falar,
portanto, que a Advocacia-Geral da União teria participação no julgamento do
feito. De outro vértice, observa-se ter sido a Advocacia-Geral da União
acionada tão somente para solicitar documentos colacionadas nos autos da
ação penal em trâmite na Justiça Federal contra o investigado, cujos fatos se
relacionavam com o inquérito administrativo. Outra não poderia ter sido a
atitude da comissão processante, uma vez que ela, ou seus membros, não
possuem poder postulatório, pressuposto processual para estar em juízo,
qualidade esta intrínseca à Advocacia-Geral da União, nos termo do artigo 131
da Constituição Federal.”
Aqui, diferentemente do que se fez necessário ao se defender o afastamento do sigilo
fiscal com o fim de apurar ilícito disciplinar, em 4.4.12.2, a própria Lei Complementar nº 105,
de 10/01/01, já fornece a imediata e expressa previsão de afastamento do sigilo bancário à
vista de infração disciplinar. Não obstante, convém reforçar que a hipótese de afastamento de
uma garantia fundamental da pessoa deve estar condicionada à apuração de fato grave e que
os dados de operações financeiras solicitados sejam efetivamente essenciais para a apuração
945
em tela, guardando direta relação com o servidor acusado (ou com seu cônjuge ou com seus
demais dependentes) e com o fato objeto da apuração. Faz-se necessário que o pedido de
afastamento do sigilo demonstre que se apura grave conduta funcional e que os dados de
operações financeiras guardam pertinência com a infração.
A jurisprudência é no sentido de que o procedimento do afastamento do sigilo
bancário, com que se visa à coleta da prova consubstanciada em meros extratos estáticos de
operações pretéritas, ainda que dependente de autorização judicial, é meramente investigativo
e não se amolda aos conceitos mais estritos de ação ou processo judicial. Por este motivo, a
tramitação do pedido de afastamento do sigilo bancário não requer que se ofereça
contraditório ao titular das operações financeiras, sendo que esta garantia constitucional tem
sua observância postergada para o curso do processo administrativo ou da ação judicial, se for
o caso, após a juntada dos extratos solicitados.
STF, Agravo Regimental em Inquérito, Processo nº 897: “Ementa: I - A quebra
do sigilo bancário não afronta ao artigo 5º, X e XII da Constituição Federal. II
- O princípio do contraditório não prevalece na fase inquisitória.”
STJ, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 15.146: “Ementa: (...) 2.
A quebra do sigilo bancário encerra um procedimento administrativo
investigatório de natureza inquisitiva, diverso da natureza do processo, o que
afasta a alegação de violação dos princípios do devido processo legal, do
contraditório e da ampla defesa. 3. O sigilo bancário não é um direito absoluto,
deparando-se ele com uma série de exceções previstas em lei ou impostas pela
necessidade de defesa ou salvaguarda de interesses sociais mais relevantes.”
STJ, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 15.771: “Ementa: (...) 4.
A ausência de notificação sobre a quebra do sigilo bancário não ofende o
princípio do contraditório, eis que o mesmo não prevalece na fase inquisitorial.
5. Considera-se devidamente fundamentada a decisão que determina a quebra
do sigilo bancário do impetrante, quando sobre este pesa suspeita de prática de
atos ímprobos, os quais não poderão ser esclarecidos senão mediante o
deferimento da medida extrema. 6. O direito à privacidade é
constitucionalmente garantido. Todavia, não é absoluto, devendo ceder em face
do interesse público. 7. Se de um lado é certo que todos têm direito ao sigilo
bancário como garantia à privacidade individual, de outro, não é menos certo
que havendo indícios de improbidade administrativa impõe-se a quebra dos
dados bancários do administrador público. Isso porque a proteção
constitucional não deve servir para acobertar prática de atos delituosos.”
Na esteira e na mesma linha defendida em 4.4.12.2 quando se abordou o afastamento
do sigilo fiscal, é de se destacar que não cabe aqui leitura restritiva do art. 3º, § 1º da Lei
Complementar nº 105, de 10/01/01, ao mencionar que “comissão de inquérito administrativo”
solicitará os dados de operações financeiras, como se fosse condição para se cogitar de tal
fornecimento haver PAD em sentido estrito já instaurado. Ao contrário, a expressão deve ser
compreendida no sentido amplo com que é empregada na Administração e até mesmo na
legislação, abarcando tanto os processos em sentido estrito que, em rito contraditório,
encerram uma lide (de que são espécies o PAD e a sindicância disciplinar previstos no art.
143 da Lei nº 8.112, de 11/12/90), como também meros procedimentos administrativos de
índole investigativa ou inquisitorial (como sindicâncias outras ou investigações, inclusive
aquelas de fim patrimonial, conforme se aborda em 2.1.4 e em 4.7.4.4.4), bastando terem sido
formal e regularmente instaurados (com os requisitos de competência, motivação, forma, etc).
Tanto é verdadeira esta interpretação extensiva do art. 3º, § 1º da Lei Complementar nº
105, de 10/01/01, que a Controladoria-Geral da União (CGU) aduz, em sua Instrução
Normativa CGU n° 14, de 14 de novembro de 2018, no art. 27, a possibilidade de quebra do
sigilo bancário em sindicância patrimonial, quando é sabido que este rito é inquisitorial e
investigativo, antecedente à instauração da lide entre Administração e servidor, nele não se
cogitando de obrigação de oferta de ampla defesa e contraditório. Também interessante
946
destacar que este comando normativo expressa que a apresentação de informações bancárias,
do próprio servidor ou de pessoas com ele relacionadas, espontânea ou a pedido, configura
renúncia do sigilo bancário para fim de emprego daqueles dados no procedimento.
Instrução Normativa CGU n° 14, de 2018 - Art. 27. A apresentação de
informações e documentos fiscais ou bancários pelo sindicado ou pelas demais
pessoas que possam guardar relação com o fato sob apuração,
independentemente de solicitação da comissão, implicará renúncia dos sigilos
fiscal e bancário das informações apresentadas para fins da apuração
disciplinar.
A propósito, no atual estágio de elaboração do sistema correcional da Secretaria da
Receita Federal do Brasil, sobretudo no que diz respeito ao amadurecimento do emprego
exaustivo da fase de admissibilidade, é de se reconhecer que a questão do afastamento do
sigilo bancário é cada vez mais frequente ainda na fase investigativa, destacadamente em
procedimentos de investigação patrimonial e de sindicância patrimonial. Não obstante, pode
ocorrer de a comissão, já no curso do PAD, se deparar com a necessidade de ver afastada tal
cláusula protetora de intimidade.
Novamente de forma análoga ao que se aduziu em 4.4.12.2, quando o próprio servidor
ou a instituição oficial ou privada prestar as informações de operações financeiras,
devidamente autorizada, o caput do art. 3º da Lei Complementar nº 105, de 10/01/01,
estabelece que a obrigação de preservar o sigilo é transferida para o agente recebedor dos
dados. Neste intercâmbio de informações, com vista à investigação de ilícitos disciplinares ou
penais, transferem-se não só os dados bancários solicitados, mas também a responsabilidade
de não divulgá-los, já que o agente solicitante dará acesso restrito aos dados recebidos e não
poderá lhes dar fins estranhos aos que motivaram a autorização judicial. Assim, quando a
instituição financeira ou órgão público, nos termos permitidos em lei e judicialmente
autorizados, repassa a outro agente público os dados protegidos por sigilo bancário,
propiciando-lhe não só o acesso mas também o uso dos dados, não há que se falar que ele
incorreu no ilícito de violar o dever de guardar sigilo, visto que a presunção é de que esta
garantia do particular (de não ter seus dados tornados públicos ou divulgados, se assim ele
próprio já não o fez espontaneamente) permanecerá preservada, nos termos exigidos pelo art.
11 da Lei Complementar nº 105, de 10/01/01.
Lei Complementar nº 105, de 10/01/01 - Art. 11. O servidor público que utilizar
ou viabilizar a utilização de qualquer informação obtida em decorrência da
quebra de sigilo de que trata esta Lei Complementar responde pessoal e
diretamente pelos danos decorrentes, sem prejuízo da responsabilidade objetiva
da entidade pública, quando comprovado que o servidor agiu de acordo com
orientação oficial.
Destaque-se que, por força do art. 1°, § 3°, III da Lei Complementar n° 105, de
10/01/01, não constitui afastamento do sigilo bancário, por parte das instituições financeiras,
o fornecimento periódico à Secretaria da Receita Federal do Brasil do dado agregado de
movimentação financeira, para fim de apuração da Contribuição Provisória sobre
Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira
(CPMF), instituída pela Lei n° 9.311, de 24/10/96, e que vigorou até 31/12/07.
Da mesma forma, consecutivamente na cronologia do ordenamento, também não
constitui afastamento do sigilo bancário, por parte das instituições financeiras, o fornecimento
semestral à Secretaria da Receita Federal do Brasil do dado agregado de movimentação
financeira, por meio da Declaração de Informações sobre Movimentação Financeira (Dimof),
a partir de 01/01/08, em substituição à CPMF, nos termos disciplinados pelas Instruções
Normativas RFB nº 802, de 27/12/07, e nº 811, de 28/01/08.
Lei Complementar n° 105, de 10/01/01 - Art. 1° As instituições financeiras
conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.
§ 3° Não constitui violação do dever de sigilo:
947
O fato de o dado protegido por sigilo bancário do próprio servidor ou de outros ter
sido autorizadamente inserido em processo fiscal não tem o condão de lhe retirar a qualidade
de ser um dado que reflete a intimidade e a privacidade da pessoa em tal monta que o
ordenamento previu seu uso em instância disciplinar tão somente à vista permissão pelo
próprio ou de autorização judicial. Em outras palavras, o acesso à operação financeira pela
instância fiscal não lhe retira a qualidade de dado merecedor da cláusula de sigilo bancário. E
a Lei foi clara ao ponderar direitos em conflito: sob determinadas condições, ela permitiu o
afastamento do sigilo bancário sem manifestação judicial à vista do interesse público da
instância fiscal; todavia, por expressa vontade do legislador, o mesmo não ocorreu ao se
ponderar a intimidade e a privacidade da pessoa com a instância disciplinar. Portanto, a
cautela recomenda que, mesmo que a instância fiscal disponha dos dados de sigilo bancário e
se estes dados são diretamente relevantes para a formação de convicção, nos termos já
expostos acima, deve-se primeiramente solicitar autorização de uso ao próprio e, em caso de
negação, provocar a Advocacia-Geral da União, a fim de que esta solicite judicialmente o
repasse dos dados para uso correcional, em qualquer fase (seja em fase de admissibilidade,
seja em sindicância investigativa, seja em sindicância disciplinar ou em PAD).
Não cabe a interpretação de que, uma vez que o Fisco tenha acesso, mediante RMF,
nos termos previstos no art. 6º da Lei Complementar nº 105, de 10/01/01, a dados de
operações financeiras que a priori seriam protegidos por sigilo no art. 1º da mesma norma,
tais informações, a partir daí, passariam a ter, no âmbito da Secretaria da Receita Federal do
Brasil, a proteção de cláusula de sigilo fiscal e não mais bancário e, portanto, seriam
internamente disponibilizáveis para uso no sistema correcional. A análise sistemática e
principiológica do ordenamento indica que tal interpretação significaria um descumprimento
do expresso dispositivo do art. 3º, § 1º da Lei Complementar nº 105, de 10/01/01
Segundo este dispositivo infralegal, nem mesmo quando o afastamento original do
sigilo decorre de autorização judicial está o órgão recebedor destes dados autorizado a
repassá-los sem submeter à nova análise do Poder Judiciário. Sendo assim, à vista da
interpretação sistemática que se impõe do ordenamento, menos ainda se poderia cogitar de o
agente fiscal ter tácita autorização para repassar para emprego diverso - ou seja, para fim
correcional - os dados cujo acesso direto em via administrativa (sem manifestação judicial) a
Lei franqueou exclusivamente para fim fiscal, sem autorização judicial.
Não há que se estender o mandamento constitucional em favor da preservação da
intimidade e privacidade que a Lei Complementar nº 105, de 10/01/01, em seu art. 3º, § 1º,
concretizou por meio da exigência de autorização judicial para que sejam usados, como
elementos formadores de convicção, dados bancários de quem quer que seja em instância
disciplinar, quando estes dados existem mas não se cogita de efetivamente usá-los. Em outras
palavras, a interpretação sistemática do ordenamento em tela não aponta pela necessidade de
se buscar autorização judicial apenas para se manter nos autos dados de operações financeiras
porventura já acostados ao processo, em virtude de terem sido objeto da atuação funcional do
servidor, sobretudo envolvendo pessoas outras, e que não importarão diretamente na formação
de convicção acerca do cometimento ou não de ilícitos disciplinares pelo agente.
Também vem a reforço deste entendimento a indicação que se extrai do mandamento
do art. 4º da Portaria RFB nº 2.047, de 26/11/14, que, em lista exaustiva, indica apenas
autoridades fiscais como competentes para emissão de RMF. Sequer internamente na
Secretaria da Receita Federal do Brasil a Administração cogita de autoridade correcional
acessar diretamente, à margem de autorização judicial, dados de operações financeiras
obtíveis nos moldes do art. 6º da Lei Complementar nº 105, de 10/01/01.
Todavia, à vista da cautela com que diversas vezes aqui foram mencionados de forma
destacada o simples acesso e o efetivo uso de dados, não é de se confundir a tutela que a Lei
Complementar nº 105, de 10/01/01, estabelece sobre o uso de dados de operações financeiras
em instância disciplinar com o mero acesso a estes dados. Nada obsta que a instância
952
correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil tenha acesso a dados protegidos por
sigilo bancário, porventura já disponíveis dentro do órgão, e, com base no conhecimento de
tais dados, avalie sua relevância na persecução disciplinar e, daí, solicite judicialmente
autorização para seu emprego. Também, de outro lado, pode a instância correcional ter acesso
a dados protegidos por sigilo bancário do acusado ou de terceiros por estes já estarem
encartados nos autos desde a fase de admissibilidade (por exemplo, oriundos de processo
administrativo fiscal), e a comissão não vislumbrar necessidade de sua permanência nos
autos, por entender que não serão utilizados como prova e que são irrelevantes para o fato sob
apuração, podendo, então, neste caso, deliberar por seu formal desentranhamento. Mas
relembre-se que, especificamente nos processos digitais, formalizados no Sistema Processo
Eletrônico (e-Processo) e que possuem suporte documental em meio digital, depois de serem
juntados em definitivo, os documentos permanecem disponíveis e acessíveis a partir da
funcionalidade de pesquisa a documentos, mesmo após sua exclusão.
O repasse de dados protegidos por sigilo bancário a que a autoridade correcional teve
acesso mediante autorização judicial somente poderá ocorrer se também foi judicialmente
autorizado. Nesta hipótese, seguem-se, analogamente, as cautelas expostas linhas acima para
fornecimento de dados protegidos por sigilo fiscal (dispostas no art. 13 da Portaria RFB nº
551, de 30/04/13; e no art. 26 do Decreto nº 7.845, de 14/11/12, cuja menção se justificou em
4.4.12.2). Neste rumo, deve-se destacar que nenhum servidor ou autoridade da Coger ou de
Escor pode repassar elementos que contenham dados protegidos por sigilo bancário, a que
tenha tido acesso de forma regular, como permite a Lei Complementar nº 105, de 10/01/01,
para qualquer outro órgão ou autoridade solicitante e sequer sob requisição da CGU, ainda
que esta busque se amparar na condição de órgão central do Sistema de Correição do Poder
Executivo Federal, sem que haja específica autorização judicial para tal repasse.
Parecer PGFN nº 2.349/2011: “57. Nesse ínterim, obtidos os dados das
instituições bancárias pela CI através de autorização judicial, essas
informações não servirão para outros fins que não sejam aqueles que
motivaram o pedido. Nessa hipótese, o melhor a fazer é observar os termos da
decisão judicial respectiva. Muito embora se possa argumentar que a
finalidade do acesso pela CGU aos autos (e aos dados bancários) possa ser
congênere, se a decisão judicial for silente (muito provável) ou restritiva, é
recomendado que o servidor da RFB, ao entregar os autos disciplinares às
autoridades da CGU, confira maior proteção aos dados bancários evitando o
acesso a eles.
63. (...) Nesse contexto, a solução mais segura é a que exige autorização
judicial. De qualquer maneira, entende-se que, salvo melhor juízo, a LC nº 105,
de 2001, não legitimaria a CGU à vista de dados bancários no bojo de PAD´s.”
Segurança nº 20.066.
“A prova também pode ser emprestada, isto é, colhida em outro processo, onde
foi produzida e assim trazida para o procedimento disciplinar, por ser aplicável
ao caso em apuração.” Francisco Xavier da Silva Guimarães, “Regime
Disciplinar do Servidor Público Civil da União”, pg. 148, Editora Forense, 2ª
edição, 2006
“A comissão pode obter provas emprestadas de outros processos.” Léo da
Silva Alves, “A Prova no Processo Disciplinar”, pg. 161, Editora Lumen Juris,
1ª edição, 2003
O conceito de prova emprestada, refletindo não só o princípio da economia processual
mas também os primados da isonomia e da segurança jurídica, em princípio, nomeia duas
situações. A primeira situação refere-se à possibilidade de se aproveitar que determinada
prova, cuja feitura se requer em dois (ou até mais) processos simultaneamente em curso,
possa ser efetivamente realizada em apenas um e levada como cópia para o outro, poupando-
se de ter de realizá-la duas vezes. A segunda situação refere-se à possibilidade de se
aproveitar o fato de que uma determinada prova, que interessa em um processo em curso e
que se sabe já realizada em outro processo (esteja também ainda em curso ou já encerrado),
seja trazida para aquele primeiro processo, poupando de se ter de refazê-la.
Em princípio, em sua mais pacificada aplicação, o instituto da prova emprestada
requer que, em ambos os processos (naquele de origem, em que foi realizada a prova e
naquele de destino, para o qual se quer levá-la), figure a mesma pessoa como interessado. Isto
porque, na presunção da boa condução do processo de origem, a prova teve sua coleta sob o
manto do contraditório; ou seja, foi franqueado ao interessado o direito de, se quisesse,
contraditá-la no momento de sua feitura. Assim sendo, tendo sido devidamente ofertado o
contraditório ao mesmo interessado, esta prova emprestada é integralmente válida no processo
de destino, trazendo para ele todo o seu valor como elemento formador de convicção e
mantendo a força e o condão intrínsecos à sua natureza. Com isto, quer se dizer que o valor
apriorístico de cada tipo de prova se translada também, não tendo seu valor probante reduzido
à mera cópia documental juntada. Tem-se que, por exemplo, provas emprestadas decorrentes
de uma oitiva de testemunha compromissada, de um laudo de perito, etc, mantêm seus
respectivos valores probantes que lhes são inerentes, dentro da consagrada livre valoração da
prova. Estas provas emprestadas trazem para o processo de destino o mesmo valor que
possuem no processo em que efetivamente foram realizadas, qual seja, de serem a
materialização (na busca da verdade material), em elemento juridicamente válido, de atos
concretos realizados naqueles autos (uma oitiva, uma perícia, etc).
Ainda assim, sendo o mesmo interessado e tendo sido perfeita a coleta da prova no
processo de origem, por se tratar de outro processo, talvez envolvendo diferentes acusações e
pondo em risco diferentes graus de direito ou com peculiaridades no bem tutelado, é
recomendável que se formalize também no processo de destino a garantia do contraditório,
notificando o interessado da juntada da cópia e expressando seu direito de contestá-la.
Uma vez que se recomenda ofertar expressamente o contraditório na juntada da cópia
da prova no processo de destino, pode-se então aduzir que, na verdade, o fato de não se ter
franqueado o contraditório no momento da produção da prova no processo de origem não
inviabiliza o emprego do instituto da prova emprestada, pois tal lacuna pode ser, pelo menos
em parte, suprida com a contestação sobre o que foi juntado no processo de destino. Assim,
seja quando a prova deveria ter tido sua feitura ofertada ao contraditório e não o foi
irregularmente, seja quando a prova - por sua natureza - não comportava mesmo contraditório
em sua feitura (por exemplo, um depoimento em inquérito policial), não resta absolutamente
inviabilizado seu uso como prova emprestada em outro processo.
Por óbvio, nesta hipótese, seu valor probante pode ser minorado, à luz da livre
valoração da prova. Em princípio, aqui, diferentemente da primeira hipótese, não se afirma
955
que esta prova emprestada traga e mantenha consigo, para o processo de destino, toda a força
de seu valor probante e todo o status apriorístico que sua natureza lhe confere na escala de
valoração. Em outras palavras, agora nesta hipótese em que a prova emprestada vem para o
processo de destino enfraquecida pela lacuna da oferta do contraditório, se possa cogitar de
ela se reduzir à mera juntada de cópia documental.
TRF da 3ª Região, Apelação Criminal nº 2.300: “Ementa: As provas realizadas
na fase inquisitorial, incluída a confissão extrajudicial, só são aptas a embasar
um decreto condenatório quando confirmadas em juízo, de forma a restarem
em harmonia com os demais elementos probatórios coletados aos autos,
observando-se, assim o devido processo legal em sua totalidade, dado que no
inquérito policial o contraditório não se faz presente.”
Sendo assim, nada impede que se prossiga no exercício interpretativo, estendendo
ainda mais a possibilidade de emprego do instituto da prova emprestada, sob o custo, óbvio,
de se lhe reduzir seu valor probante. Não obstante se reconheça, como expressado acima, que
o instituto requeira para sua melhor aplicação que o interessado seja o mesmo nos dois
processos envolvidos, impedimento não há para que se cogite de algum caso específico em
que, para o deslinde de um determinado processo, se demonstre necessária uma prova
produzida em outro processo, de diferente interessado. Tanto é verdadeira a aceitabilidade,
com reservas, desta prova que ela pode decorrer de pedido do próprio interessado no processo
a que se destina sua juntada, hipótese em que o aspecto formal não justificaria, por si só, a
liminar denegação. Tal entendimento pode encontrar maior amparo em provas sobre
condições ou situações externas à conduta do interessado do processo de destino ou que, de
quaisquer formas, não digam respeito especificamente à sua pessoa. Tomadas as devidas
cautelas (de preservação de intimidade, por exemplo, protegidas no art. 5º, X da CF) e atento
ao menor valor probante, pode-se aplicar analogamente a tese acima esposada, da
possibilidade de se trazer a prova que não teve a oferta de contraditório em sua feitura, sendo
a lacuna parcialmente sanada com a garantia do contraditório ao interessado no processo de
destino com a notificação da juntada (nas formas e meios permitidos em 4.3.11.3 e em 4.4.3),
expressando seu direito de contestar o que consta da cópia documental. Este entendimento
elástico da plausibilidade do emprego do instituto na processualística disciplinar foi
efetivamente ratificado pela CGU, no Enunciado acima reproduzido, ao permitir o
compartilhamento mesmo que um processo se refira a uma pessoa física e o outro a uma
pessoa jurídica.
“No processo administrativo, que se orienta no sentido da verdade material,
não há razão para dificultar o uso da prova emprestada, desde que, de
qualquer maneira, se abra possibilidade ao interessado de questioná-la (...).”
Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, “Processo Administrativo”, pg. 135,
Malheiros Editores, 1ª edição, 2001
Nesta última hipótese, ainda com mais ênfase, se aplica o que se aduziu linhas acima,
acerca de esta prova, no processo de destino, não trazer consigo o valor probante que possa ter
tido no processo de origem, aqui se reduzindo à juntada de cópia documental, com menor
status apriorístico na escala de valoração. Por fim, neste caso de prova emprestada oriunda de
processo com diferente interessado, de nada importa, para fim de valoração no processo de
destino, perquirir se a feitura na origem teve ou não a perfeita oferta do contraditório, já que
eventual contestação não aproveitaria outra pessoa.
Neste tema da prova emprestada, acrescente-se ainda que eventual provocação para
que a Advocacia-Geral da União atue no curso da instrução probatória (por exemplo,
postulando em juízo para obtenção de provas de ação penal) não impede sua posterior atuação
na fase de julgamento (por meio de Parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda, por exemplo,
como é o caso dos julgamentos de competência do Ministro de Estado da Fazenda).
Mandado de Segurança nº 14.504: “Ementa: 4. Admite-se a atuação da
Advocacia-Geral da União no processo disciplinar como auxiliar da comissão
956
Diz-se que estas últimas provas, obtidas com afronta a formalidades de lei processual,
padecem de ilegitimidade e, portanto, são ilegítimas. Sobre elas, como regra, a própria lei
processual violada prevê a sanção cabível, que repercute em sua introdução ou não no
processo (tal sanção pode variar desde a declaração de nulidade absoluta e insanável até de
nulidade relativa e sanável). Em outras palavras, a prova ilegítima ainda pode ser admitida,
introduzida e até mesmo receber valoração associada à sua ilegitimidade.
Citam-se, como exemplos: realização de ato instrucional sem a prévia notificação ao
interessado, coleta de testemunho de pessoa impedida, prova pericial sobre fato que dispensa
conhecimento específico, prova sobre fato já comprovado nos autos ou qualquer outro defeito
sobre forma processual.
Já as provas obtidas com violação de direito material (constitucional, penal, civil,
comercial, etc) padecem de ilicitude e, portanto, são ilícitas. Neste caso, diferentemente da
ilegitimidade (em que a prova pode ser produzida e admitida no processo, após ser submetida
a uma sanção legal - declaração de nulidade, por exemplo - que influenciará em sua
valoração), a prova ilícita sequer é admitida no processo. Menos ainda se cogita então de ser
introduzida e posteriormente valorada. A CF não impõe à prova ilícita uma superveniente
sanção processual; mais que isto, a declara inadmissível. Mais que anulável e mais até que
nula, a prova é juridicamente tida como inexistente.
Mesmo que já faça parte dos autos, a prova ilícita, mais do que ser tida como
inexistente na condição de elemento formador de convicção e embasador da decisão, deve ser
excluída dos autos, mediante termo de desentranhamento, não se procedendo à renumeração
de folhas. Estas provas desentranhadas devem ficar arquivadas no Escor, até a decisão
definitiva do processo, quando então podem ser destruídas. Na linha do comando do art. 157
do CPP, qualquer prova maculada pela ilicitude, ainda que tenha sido autuada, deve ser
desentranhada dos autos (bastante diferente do comando do art. 573 do mesmo CPP, que
determina que os atos processuais nulos serão sanados ou, caso contrário, serão renovados ou
retificados, o que importa inferir a sua permanência nos autos, conforme melhor se exporá em
4.12).
Especificamente nos processos digitais, formalizados no Sistema Processo Eletrônico
(e-Processo) e que possuem suporte documental em meio digital, também não há que se falar
em renumeração de folhas, pois os documentos, depois de juntados em definitivo, recebem
numeração permanente e, mesmo após sua exclusão, permanecem disponíveis e acessíveis a
partir da funcionalidade de pesquisa a documentos.
Citam-se, como exemplos: confissão sob coação; provas obtidas, à margem de
autorização judicial, com violação de domicílio (como busca e apreensão, por exemplo), com
violação da intimidade (em que se inserem os sigilos bancário e telefônico) ou com violação
da vida privada, da honra e da imagem; em suma, provas que afrontam garantias e direitos
fundamentais da pessoa.
CF - Art. 5º
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou
para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas,
de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem
judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal;
CPP - Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as
provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas
958
envenenada (ou fruits of the poisonous tree). Por tal construção simbólica, os frutos, ainda
que quando tomados por si mesmos estejam sãos, por derivarem de uma árvore envenenada,
também restarão contaminados. Transpondo para os termos jurídicos, as provas a que se
chegou em determinado processo em decorrência exclusiva de uma prova ilícita, ainda que
não tenham tido suas coletas em si marcadas por qualquer ilicitude, tendo sido produzidas
sem se afrontar garantias constitucionais, também seriam consideradas ilícitas por derivação
e, consequentemente, inadmissíveis no processo.
Conforme já aduzido, no ordenamento pátrio, prevalece a regra geral da
inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito. Todavia, mesmo reconhecendo a
indefinição do tema, não pacificado, polêmico e controverso em função de seu subjetivismo e
da dificuldade de se traçarem contornos nítidos, expõe-se aqui o entendimento de que aquela
regra geral comporta mitigações de duas espécies, pelo menos.
Primeiramente, cabe a discussão de que, quando é possível demonstrar que as
apurações em curso no processo, logo adiante, inevitavelmente conduziriam à prova
inquinada de ilicitude derivada, mesmo que não houvesse a prova ilícita que abreviou a sua
obtenção, aquela primeira prova pode ser tida como lícita e admissível no processo. Este
mesmo entendimento pode ainda ser aplicado até mesmo quando se comprova apenas que
seria possível chegar à prova licitamente produzida por outro meio independente da prova
ilícita. Por este entendimento, de certa forma contemplado na lei processual penal, em função
de ter (ou de pelo menos poder ter) uma fonte independente da prova ilícita, a prova derivada
pode ser considerada livre da contaminação. Ou seja, em termos práticos, a teoria dos frutos
da árvore envenenada, acarretando ilicitude por derivação, pode não se aplicar em um caso
concreto se a responsabilização a que se chegou no processo se sustenta em outras provas
lícitas e independentes da prova ilícita autuada (ou seja, se a responsabilização ocorreria
mesmo se não houvesse a prova ilícita).
CPP - Art. 157.
§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando
não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as
derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das
primeiras. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 09/06/08)
§ 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites
típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz
de conduzir ao fato objeto da prova. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de
09/06/08)
STF, ´Habeas Corpus´ nº 74.152: “Ementa: 1. Havendo-se apoiado a sentença
condenatória, confirmada pelo acórdão impugnado, em provas licitamente
obtidas, ou seja, não contaminadas pela prova ilícita, consistente na
interceptação de comunicação telefônica, não é caso de se anular a
condenação.
Voto: 7. A interceptação telefônica foi requerida para facilitar o trabalho da
equipe de investigadores, que estava no encalço do paciente e seus comparsas
há algum tempo e já estava ciente de que aconteceria a transação ilícita
noticiada nos autos.
8. Pelo visto, se for afastada da sequência de atos que compõem o ‘iter
criminis’ a denúncia anônima recebida pela polícia, certamente não haveria
como se chegar à prova da empreitada criminosa, mas se, ao contrário, a
interceptação telefônica for esquecida, com certeza a prisão em flagrante se
concretizaria, pois a equipe de investigação já vigiava o paciente e seus
acólitos em razão das informações anteriormente recebidas e que indicavam os
mesmos como traficantes.”
Idem: STF, Mandados de Segurança nº 74.530 e 74.599
STF, Habeas Corpus nº 75.892: “Ementa: Descabe concluir pela nulidade do
processo quando o decreto condenatório repousa em outras provas que
exsurgem independentes, ou seja, não vinculadas à que se aponta como ilícita”
960
4.4.15.1 - Nos Termos da Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996: com Autorização Judicial,
Realizada por Terceiros e sem Conhecimento dos Interlocutores
Conforme já introduzido em 4.4.6, o inciso XII do art. 5º da CF veda, de forma
absoluta, a interceptação de atos de correspondência ou de comunicação telegráfica ou de
dados entre duas ou mais pessoas, não se cogitando de competência nem mesmo de
autoridade judicial para autorizar sua quebra. Daí, são ilícitas as provas obtidas com a
interceptação de troca de qualquer forma de correspondência, a interceptação de troca de
telegramas e a interceptação de troca de dados - aqui sempre se cogitando de tais
interceptações se darem no momento em que o elemento se transporta, se desloca, viaja, entre
o remetente e o destinatário (ou seja, no sentido etimológico do termo “interceptar”, que é
“captar durante a passagem”).
CF - Art. 5º
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas,
de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem
judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal;
Assim, é necessário diferenciar que a garantia prevista no art. 5º, XII da CF assegura
como invioláveis apenas aqueles atos em si de correspondência e de comunicação, não
atingindo a utilização do resultado concreto decorrente dos atos, tais como as cartas, os
telegramas e os dados em si. Esta afirmação não significa que aqueles elementos (cartas,
telegramas e dados) sejam francamente violáveis; o que se diz é que a sua proteção
constitucional não se alberga no mencionado inciso XII do art. 5º da CF, mas sim no inciso X,
por se inserirem no conceito de intimidade e privacidade.
Todavia, especificamente, a comunicação telefônica, ou seja, o ato em que duas
pessoas conversam no telefone, no momento da conversa, pode ser validamente interceptada,
desde que limitada a emprego na investigação criminal ou na instrução processual penal e se
feita nos termos da lei. A explicação plausível para o diferente tratamento que a CF, por meio
do seu art. 5º, XII, dispensou a este meio de comunicação em relação às correspondências,
telegramas e dados reside em que não se justificaria quebrar estas formas, uma vez que se
pode ter acesso ao resultado concreto que elas produzem, enquanto a conversa telefônica não
deixa resultado, vestígio ou registro, desaparecendo imediatamente.
STF, Recurso Extraordinário nº 219.780, Voto: “Passa-se, aqui, que o inciso
XII não está tornando inviolável o dado da correspondência, da comunicação,
do telegrama. Ele está proibindo a interceptação da comunicação dos dados,
não dos resultados. Essa é a razão pela qual a única interceptação que se
permite é a telefônica, pois é a única a não deixar vestígios, ao passo que nas
comunicações por correspondência telegráfica e de dados é proibida a
interceptação porque os dados remanescem; eles não são rigorosamente
sigilosos, dependem da interpretação infraconstitucional para poderem ser
abertos. O que é vedado de forma absoluta é a interceptação da comunicação
da correspondência, do telegrama. Por que a Constituição permitiu a
962
tipificação do art. 153 do CP, se houver justa causa para a divulgação. Compreende-se por
justa causa o uso do teor da conversa apenas em defesa de direito ou de interesse, próprio ou
de terceiro (não para acusação). Não havendo justa causa, incorre no art. 153 do CP o
interlocutor que divulga a conversa confidencial com possibilidade de causar dano a alguém.
CP - Art. 151. (...)
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º Na mesma pena incorre:
Violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica
II - quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente
comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação
telefônica entre outras pessoas;
§ 2º As penas aumentam-se de metade, se há dano para outrem.
Divulgação de segredo
Art. 153. Divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular
ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja
divulgação possa produzir dano a outrem:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Obviamente, pela própria denominação do instituto da interceptação telefônica (que
requer o uso de telefone), também não é atingida pelo art. 5°, XII da CF e pela Lei n° 9.296,
de 24/07/96, a outra situação que também recebe o nome de gravação clandestina - quando
um dos interlocutores grava uma conversa entre presentes, mantida em determinado ambiente,
sem telefone. Não há tipificação para o fato de o interlocutor gravar a conversa de que
participa e afasta-se a ilicitude da divulgação se houver justa causa, ainda que o teor da
conversa seja confidencial.
Na mesma linha da primeira situação acima, também não se enquadra no art. 5°, XII
da CF e na Lei n° 9.296, de 24/07/96, a captação de uma conversa telefônica, quando operada
por terceira pessoa, a pedido ou com aquiescência de um dos interlocutores. Mas aqui,
diferentemente da primeira situação acima, pode haver ilicitude já no ato de gravar. Todavia,
pode se defender que, havendo justa causa, afastam-se as ilicitudes tanto do ato de terceiro
gravar conversa telefônica alheia quanto do ato de divulgar, ainda que o teor seja
confidencial.
Por fim, na última hipótese, chamada de gravação ambiental, na mesma linha da
segunda situação acima, também não se cogita de aplicação do art. 5°, XII da CF e da Lei n°
9.296, de 24/07/96, quando a captação da conversa entre presentes no próprio ambiente, sem
telefone, é feita por terceira pessoa não interlocutor, independentemente se há interlocutores
cientes ou não da gravação. Analogamente, as ilicitudes dos atos de gravar e de divulgar
conteúdos confidenciais podem ser afastadas se houver justa causa.
STF, ‘Habeas Corpus’ n° 74.678: “Ementa: Afastada a ilicitude de tal conduta
- a de, por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda
que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime -, é ela, por
via de consequência, lícita e, também consequentemente, essa gravação não
pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o art. 5º, LVI, da Constituição
com fundamento em que houve violação da intimidade.
Relatório: O interesse público deve prevalecer sobre a manutenção do sigilo da
conversação telefônica envolvendo prática delitiva. (...) A Carta Magna não
criou sigilo para beneficiar e privilegiar infratores e perturbadores da ordem
na esfera dos direitos individuais e comuns. (...)
A propósito, ensina Vicente Grecco Filho em recente monografia sobre a Lei
9.296/96:
‘Ainda no capítulo das observações preliminares, é importante fazer uma
distinção que nem sempre se apresenta, quer em julgamentos, quer em textos
doutrinários, qual seja a diferença entre a gravação feita por um dos
interlocutores da conversação telefônica, ou com autorização deste, e a
interceptação. Esta, em sentido estrito, é a realizada por alguém sem
968
e-mail corporativo ter seu uso restrito a fins do trabalho, o que confere à
Administração o acesso a ele ou o seu monitoramento, sem que seja necessária
autorização judicial.
Diferentemente do que foi exposto em linhas anteriores, no caso do e -mail de
uso particular do servidor, fornecido por provedor comercial de acesso à
internet, a intimidade de suas informações está assegurada
constitucionalmente, sendo seus dados invioláveis pela Administração.
Ocorre que, havendo necessidade de utilização de informações provenientes do
e-mail privado do servidor, para fins apuratórios, a disponibilização desses
dados depende da autorização judicial, conforme previsão da Lei nº 9.296/96,
que no parágrafo único do art. 1º, estende o compartilhamento do sigilo à
interceptação do fluxo das comunicações em sistemas de informática (a
exemplo do e-mail pessoal) e telemática (como modem e fac-símile). Daí ser
aceito o mesmo procedimento discriminado para as comunicações telefônicas
para o compartilhamento do sigilo desses fluxos de dados.”, Ministério da
Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União, “Manual de
Processo Administrativo Disciplinar”, pgs. 241 e 242, 2013, disponível em
http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/ Arquivos/ManualPAD.pdf,
acesso em 07/08/13
Na incessante evolução tecnológica, sobretudo no campo das comunicações, não fica à
margem do Direito a apreciação da licitude probatória do emprego de serviços ou aplicativos
de comunicação instantânea por texto ou por voz, tais como WhatsApp, Facebook Messenger,
Skype, dentre outros, próprios para envio e recebimento de mensagens digitais.
A jurisprudência superior, originalmente voltada à instância penal, já se posicionou
pela licitude da prova obtida a partir de mensagens encontradas em aplicativos da espécie,
tornadas conhecidas da autoridade policial com a apreensão judicialmente autorizada do
aparelho de telefonia celular do interlocutor. Tratando-se obviamente de medida invasiva da
intimidade, o juízo somente a concederá diante de situações de forte repulsividade social que
justifiquem tamanha mitigação de direitos e garantias fundamentais individuais de molde
constitucional. Uma vez justificada a excepcional ação, o entendimento é de que se assemelha
ao tratamento judicial dispensado para o afastamento do sigilo das comunicações por
intermédio de correios eletrônicos particulares privados comerciais, acima abordado. As
informações obtidas através de acesso a tais mensagens armazenadas no aparelho de telefonia
celular desamparado de autorização judicial são ilícitas como prova. Já com a devida
autorização judicial, é valida a apreensão do aparelho, o acesso a seu conteúdo e o uso como
prova daquelas informações até então ali armazenadas.
STJ, Recurso em Habeas Corpus nº 90.726: “Ementa: 3. A quebra do sigilo do
correio eletrônico somente pode ser decretada, elidindo a proteção ao direito,
diante dos requisitos próprios de cautelaridade que a justifiquem idoneamente,
desaguando em um quadro de imprescindibilidade da providência. (HC
315.220/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma,
julgado em 15/9/2015, DJe 9/10/2015). 4. Com o avanço tecnológico, o
aparelho celular deixou de ser apenas um instrumento de comunicação
interpessoal. Hoje, é possível ter acesso a suas diversas funções, entre elas, a
verificação de mensagens escritas ou audíveis, de correspondência eletrônica, e
de outros aplicativos que possibilitam a comunicação por meio de troca de
dados de forma similar à telefonia convencional. 5. Por se encontrar em
situação similar às conversas mantidas por e-mail, a cujo acesso é exigida
prévia ordem judicial, a obtenção de conversas mantidas pelo programa
whatsapp, sem a devida autorização judicial, revela-se ilegal, o que não
ocorreu na espécie. 6. No caso em exame, é lícita a apreensão do celular, pois
efetuada no bojo de prisão em flagrante, bem como o acesso aos dados neles
contidos, dada a existência de autorização judicial para perícia do seu
conteúdo, de modo que não há falar em ilicitude das provas que suportam o
decreto condenatório.”
976
que a informação necessária ao elucidamento fático requeira um meio sigiloso para a feitura
ou a coleta da prova. Isto pode ocorrer, por exemplo, em situações em que se presuma que o
prévio conhecimento de que há algum tipo de monitoramento ambiental leva o agente (ou
qualquer pessoa que transite pelo recinto) a desistir de realizar ou de repetir o ato que se busca
comprovar ou o leva a fazê-lo de maneira artificial ou dissimulada, sem as necessárias
espontaneidade e naturalidade. Em tais situações, há amparo no art. 45 da Lei nº 9.784, de
29/01/99, para que se adotem as necessárias medidas acautelatórias, procedendo-se à feitura
ou à coleta da prova desejada sem prévia notificação a quem quer que seja, inclusive ao
acusado, e tampouco sem se submeter à autorização judicial.
Lei nº 9.784, de 29/01/97 - Art. 45. Em caso de risco iminente, a Administração
Pública poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a
prévia manifestação do interessado.
“A previsão da medida regrada no citado art. 45, da Lei n. 9.784/99,
guardadas as peculiaridades devidas, encontra similar na providência
‘inaudita altera pars’, prevista no art. 797 do Código de Processo Civil.
De fato, surgem situações no processo administrativo disciplinar que reclamam
providências céleres e acautelatórias, com vista a garantir a eficiência do
trabalho investigatório, que busca a verdade real ou material, a par de
ressalvar os direitos do servidor.” Sebastião José Lessa, “Do Processo
Administrativo Disciplinar e da Sindicância”, pg. 223, Editora Brasília
Jurídica, 4ª edição, 2006
“É permitido que a providência administrativa acauteladora seja tomada sem a
prévia manifestação do interessado. O Código de Processo Civil (art. 797)
também admite que o juiz adote medidas cautelares sem a audiência das partes,
mas ressalva expressamente que tal sucederá ‘só em casos excepcionais’. A
ressalva se nos afigura inteiramente aplicável no processo administrativo (...).
(...) as providências preventivas tanto podem ser adotadas antes de ser
instaurado o processo, como durante o seu curso. Naquele caso, tratar-se-á de
providências cautelares prévias, enquanto neste o agente adotará providências
cautelares incidentais.
Bem diversificadas podem ser as providências preventivas por parte da
Administração. Dependendo da situação fática, pode ser determinada a
retenção de bens ou documentos, interdição de local, (...).” José dos Santos
Carvalho Filho, “Processo Administrativo Federal”, pgs. 210 e 211, Editora
Lumen Juris, 2ª edição, 2005
Seja em momento antecedente à instauração (em fase de admissibilidade), seja já no
curso do inquérito administrativo, é regular que a Administração prepare a obtenção de
provas, preservando o sigilo que a operação pode requerer na espécie, restando incabível a
declaração de nulidade com base em alegação de flagrante preparado e de que se afrontaria a
Súmula nº 145 do Supremo Tribunal Federal, visto esta somente ser aplicável à instância
penal.
STF, Mandado de Segurança nº 22.373: “Ementa: O Plenário desta Corte,
quando do julgamento do MS 23.442, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 17.02.2002,
entendeu que a alegação de flagrante preparado é própria da ação penal e que
não tem pertinência na instância administrativa.”
(Nota: A menção correta é Mandado de Segurança nº 23.242 e não nº 23.442)
Idem: STF, Mandados de Segurança nº 23.242 e 23.401
Neste rumo, aplicando-se em concreto a modelação acima exposta, não há que se
cogitar de inconstitucionalidade ou de ilegalidade decorrente de prova obtida por meio de
filmagem de sinais de vídeo e/ou de gravação de sinais de áudio nas instalações e
dependências de trabalho e menos ainda em logradouros ou quaisquer espécies de ambientes
públicos em geral. Diante da obviedade de que não se afronta a garantia constitucional de
preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem quando se coletam
980
filmagem ou gravação em qualquer espécie de local ou espaço público com afluxo coletivo de
pessoas e de acesso e trânsito permitidos a qualquer um, cuida-se aqui de se concentrar na
hipótese de filmagem ou gravação em recintos do órgão.
STJ, Mandado de Segurança nº 19.329: “Ementa: 3. Não é possível considerar
que tenha sido irregular a filmagem da operação que culminou com a prisão
em flagrante da impetrante, uma vez que foi realizada em via pública, não
sendo razoável, portanto, ser acatado o argumento de violação da intimidade.”
Já neste foco mais específico, é lícito à Administração instalar equipamentos para
captar sinais de vídeo e/ou de áudio nos ambientes da repartição, sejam aqueles de ostensivo
acesso para o público em geral, sejam aqueles outros, mais reservados, de acesso e trânsito
permitidos apenas a servidores. Entenda-se aqui de forma extensiva a ideia de “repartição”,
abarcando tanto os recintos internos, como salas, escritórios, postos de atendimento e pontos
em geral de trabalho na unidade, quanto os recintos externos, como entradas, saguões, halls,
escadarias, elevadores, depósitos, garagens, etc.
Sendo todas estas instalações ou dependências circunscritas à noção de repartição,
onde se presume a manutenção de comportamentos exclusivamente atinentes ao interesse do
trabalho e às atribuições legais do cargo e às competências legais e regimentais do órgão, não
há que se cogitar, com a filmagem ou com a gravação, de qualquer violação às garantias
constitucionais preservadoras da intimidade, da vida privada, da imagem e da honra, ainda
que não haja aviso prévio da instalação dos instrumentos de captação.
Com exceção dos recintos reservados como banheiros, vestiários e refeitórios, não há
ato funcional lícito que possa expor, de forma indesejada, aqueles valores constitucionalmente
protegidos. A presumida e desejada regularidade dos atos funcionais não contempla a hipótese
de qualquer conduta que, ao mesmo tempo em que atende e segue todos os princípios e
disciplinamentos da Administração, exponha parcela de reserva pessoal que a Constituição
Federal protege. Ademais, conforme já aduzido em 3.3.1.9 e em 4.4.14.2, não há garantias
fundamentais estampadas no texto constitucional com o fim de proteger infrator ou de ocultar
ilicitude, restando situações limítrofes em que o princípio da convivência das liberdades
aponta a mitigação da proteção individual em prol do bem maior social.
TRF da 2ª Região: Apelação Criminal nº 2000.51.01.5008445: “Ementa: 2. A
gravação da própria conversa, efetuada pela vítima dos fatos, em tese,
criminosos, é prova lícita, que pode servir de elemento probatório para a
notitia criminis e para a persecução criminal. Precedentes do STF.”
Relatório: “O Ministério Público Federal denunciou (...) e (...) como incursos
nas penas do artigo 317, caput, do Código Penal, na forma dos artigos 29 e 69
do mesmo estatuto, pelo fato de, em março de 1999, o primeiro denunciado ter
solicitado, para si e para o segundo denunciado, vantagem indevida consistente
no pagamento da quantia de R$ 6.536,16 (seis mil, quinhentos e trinta e seis
reais e dezesseis centavos), em troca da “regularização” do débito de R$
13.000,00 (treze mil reais) de (...) junto à Autarquia. (...)
Consta também da denúncia que, meses depois, ao tomar conhecimento de uma
reportagem sobre fraudes praticadas contra o INSS, produzida pela Rede
Globo de Televisão, (...) procurou a emissora que se dispôs a registrar o fato
por ela narrado. De fato, no dia 25 de janeiro de 2000, acompanhada da
repórter (...), que se fez passar por sua irmã, adentraram no Posto de
Benefícios onde foi recebida por (...). Este, após breve conversa, informou que
seu débito somava R$ 17.000,00, solicitando-lhe vantagem indevida no valor de
R$ 8.500,00 para “regularizar” a situação e, ainda segundo a denúncia, a
negociação transcorreu com o auxílio e a presença de (...). O episódio foi
filmado e exibido no Jornal Nacional. (...)
O Ministério Público Federal (...) Aduziu, ainda, que é válida a prova da
imagem obtida por meio de câmera oculta em repartição pública (...).”
Voto: “Em primeiro lugar registre-se que a jurisprudência, tanto no âmbito do
Pretório Excelso, quanto do Superior Tribunal de Justiça são no sentido de que
981
não é prova ilícita, a gravação efetuada pela vítima dos fatos, em tese,
criminosos, principalmente se tratando de servidores no exercício de funções
no âmbito da Administração Pública, que tem no princípio da publicidade um
dos seus pilares. (...)
Mas a fita onde está a gravação de conversa própria não é ilícita, e ainda por
cima é dotada de credibilidade quanto ao delito, porquanto confrontando os
valores citados por (...) com os valores manuscritos, nota-se que eles
correspondem, o que dá total credibilidade à gravação (...)”
No caso em que a Administração instala câmera ou qualquer outro tipo de
equipamento para filmar imagens e/ou para captar áudio em recinto da própria repartição, não
há que se cogitar de expectativa de privacidade, tanto de servidor quanto de particular, que
pudesse vir a ser violada. Ademais, também se pode interpretar que o órgão possui
patrimônios material (processos, documentos, bens de consumo, equipamentos, mobiliário e
demais bens permanentes) e imaterial (preservação da moralidade administrativa em seu
próprio âmbito) a proteger e, nesta condição, o ente do Estado passa a figurar como vítima ao
ter esses bens jurídicos afrontados por quem quer que frequente seus recintos ou que
meramente por eles transite - e destacadamente por seus próprios servidores, cuja conduta
funcional deve ser marcada pela regra geral da publicidade dos atos. Daí, ao amparo da
pacificada jurisprudência, sustenta-se que a filmagem ou a gravação, ainda que sem aviso
prévio, de atos que afrontem círculo de bens e de direitos desta vítima que a realiza, mesmo -
ou sobretudo - sendo esta vítima o Estado, é prova válida, à margem de autorização judicial.
STJ, Recurso em Habeas Corpus nº 14.672: “Ementa: 1. A uníssona
jurisprudência desta Corte, em perfeita consonância com a do Pretório
Excelso, firmou o entendimento de que a gravação efetuada pela vítima dos
fatos, em tese, criminosos, é prova lícita, que pode servir de elemento
probatório para a notitia criminis e para a persecução criminal. 2. Ademais,
trata-se de gravação de funcionários públicos no exercício de sua função
pública, e não de conversa particular ou sigilosa, o que afasta a incidência do
art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, que garante a intimidade da vida
privada. 3. Recurso desprovido”.
E internamente o tema restou pacificado com a edição da Portaria RFB nº 6.483, de 29
de novembro de 2017, cujo art. 23 concedeu poder ao Corregedor e ao Chefe de Escor para
acessarem imagens e informações gravadas em sistemas de monitoramento ou de vigilância e
de controle de acesso de pessoas e de veículos, independentemente de tais sistemas serem
próprios da RFB ou serem de terceiros, tais como concessionários ou empresas contratadas.
Tais imagens são comumente objeto de gravação em depósitos de materiais ou de mercadorias
apreendidas, em portões de acesso, em pátios de veículos, em unidades de atendimento a
público e em áreas alfandegadas em geral, em lista meramente exemplificativa e não
exaustiva. Uma vez acessadas pelas autoridades acima, estas imagens ou informação,
materializadas em mídias, podem ser autuadas como provas válidas nos procedimentos
investigativos e nos processos disciplinares.
Portaria RFB nº 6.483, de 2017 - Art. 23. O Corregedor e os Chefes de Escor
poderão acessar imagens e informações captadas ou registradas pelos sistemas
de monitoramento e vigilância eletrônica e de controle de acesso de pessoas e
de veículos, próprios ou disponibilizados à RFB.
propor arquivamento do feito, para que funcione, em tese, como a última oportunidade de o
acusado tentar demonstrar sua inocência e não ser indiciado.
Daí, ao atingir este ponto, em que, em princípio, não se vislumbra realizar nenhum
outro ato instrucional, a fim de garantir que o acusado seja o último a se manifestar na
instrução, a comissão deve intimá-lo para ser interrogado. Tendo em vista que a instrução
processual esteve aberta desde a notificação inicial da condição de acusado, termo em que se
deu ciência do direito imediato e contínuo de peticionar pela produção de provas, não há
necessidade - e nem se recomenda mesmo estimular, neste momento processual avançado, a
apresentação de estratégias protelatórias por parte da defesa - de a comissão primeiramente
questionar o acusado se deseja produzir mais provas antes de seu interrogatório.
Aqui, convém ponderar o mandamento do art. 159 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, que
diz que, após a inquirição das testemunhas, a comissão promoverá o interrogatório do
acusado. A precipitada interpretação deste dispositivo poderia levar ao equívoco de se
considerar que o delimitador temporal do interrogatório seria apenas os testemunhos, podendo
o acusado ser ouvido antes da eventual realização de provas materiais ou de provas de outra
natureza. Obviamente, a melhor leitura advém de interpretação teleológico-sistemática, à luz
do princípio constitucional da ampla defesa, que permite ao acusado ser o último a se
manifestar antes da indiciação (se esta vier a ocorrer), após o conhecimento de todos os fatos
que lhe imputem responsabilidade por irregularidades. Daí, o interrogatório é de ser tomado
após a realização de todo o tipo de prova, e não necessariamente após as inquirições de
testemunhas.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 159. Concluída a inquirição das testemunhas, a
comissão promoverá o interrogatório do acusado, observados os
procedimentos previstos nos arts. 157 e 158.
(Nota: Art. 157. As testemunhas serão intimadas a depor mediante mandado
expedido pelo presidente da comissão, devendo a segunda via, com o ciente do
interessado, ser anexada aos autos.
Parágrafo único. Se a testemunha for servidor público, a expedição do
mandado será imediatamente comunicada ao chefe da repartição onde serve,
com a indicação do dia e hora marcados para inquirição.
Art. 158. O depoimento será prestado oralmente e reduzido a termo, não sendo
lícito à testemunha trazê-lo por escrito.)
Todavia, sem se confundir com regra, não há impedimento de se fazer um ou até mais
interrogatórios prévios do acusado no início ou no curso da instrução. Esta estratégia de se
coletar interrogatório prévio pode se justificar, por exemplo, dentre outras, nas seguintes
situações: em processos em que a primeira impressão é de arquivamento e a comissão tem a
percepção de que esclarecimentos prévios do servidor já apontarão o rumo a tomar para a
rápida conclusão da apuração; ou em processos em que as provas inicialmente autuadas e que
apontam contrariamente ao servidor consubstanciam-se em documentos por ele assinados ou
em acessos a sistemas por ele realizados, de forma que a prova oral, questionando a
veracidade de suas assinaturas ou de seus acessos, já pode fazer com que se evite perícia
grafotécnica ou apuração especial (caso ele os confirme) ou, ao contrário, com que se os
realize desde logo (caso ele os negue); ou em casos em que se apura eventual enriquecimento
ilícito, em que pode se mostrar relevante trazer o acusado de início para que apresente suas
justificativas e possíveis origens de recursos.
Estes interrogatórios prévios não carreiam nulidade para o processo, uma vez que não
se afasta a realização do interrogatório ao final, tentando-se concluir a busca da convicção,
conforme determina o art. 159 da Lei nº 8.112, de 11/12/90. Caso se intime o acusado para
interrogatórios no início ou no curso da instrução, convém que a comissão registre na
intimação a condição de preliminar destes atos, consignando que suas realizações em nada
prejudicarão a tomada do interrogatório ao final da instrução, conforme a vontade da Lei.
Parecer AGU nº GQ-37, vinculante: “Ementa: (...) É insuscetível de eivar o
983
pela mesma Lei nº 10.792, de 01/12/03, ao estabelecer que “Após proceder ao interrogatório,
o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as
perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante”, permite concluir que, em
instância de processo penal, é possível, nos casos em que há mais de um acusado, a presença e
a efetiva postulação por parte dos demais defensores - e até mesmo a eventual presença dos
corréus - nos interrogatórios uns dos outros. E este entendimento tem se sobressaído na
jurisprudência quando as Cortes superiores são instadas a se manifestar acerca do tema
especificamente na processualística penal, sobretudo em atenção às possibilidades de tentativa
de imputação de responsabilidade a outro corréu ou de delação.
STJ, Habeas Corpus nº 198.668: “Ementa: 3. Para o ato do interrogatório nas
ações penais com pluralidade de réus, o Código de Processo Penal prevê
apenas que estes devem ser interrogados separadamente, o que não significa,
por si só, que a inquirição complementar seja feita apenas pelo próprio
defensor e pelo órgão acusatório, sob pena de ofensa ao contraditório e à
paridade de armas que deve ser resguardada no processo penal. 4. Não há no
Código de Processo Penal nenhum comando proibitivo à participação do
defensor do corréu no ato do interrogatório, estabelecendo o seu artigo 188,
com a redação dada pela Lei n. 10.792/03, que ‘Após proceder ao
interrogatório, o juiz indagará as partes se restou algum fato para ser
esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente
e relevante’, razão pela qual não é dado ao intérprete restringir esse direito,
que tem assento em princípios constitucionais.”
De um lado, é certo que a possível extensão, para a processualística disciplinar, do
dispositivo do art. 188 do CPP, que concede ao defensor da parte (seja ele um advogado
constituído, seja ele um defensor nomeado) o direito de postular não só no interrogatório do
seu próprio acusado mas também no interrogatório do corréu, significaria um atendimento
amplo, abrangente e extensivo das garantias de ampla defesa e de contraditório a favor dos
coacusados em processo administrativo disciplinar, além até do que expressamente estabelece
o Estatuto, o que jamais suscitaria críticas à comissão processante e à Administração.
Mas, por outro lado, na questão em tela, deve-se temperar o ímpeto de fazer refletir no
processo administrativo disciplinar a integralidade de dispositivos do CPP. Primeiramente
porque há relevantes diferenças entre as instâncias processuais, tanto de contexto quanto de
agentes. No processo administrativo disciplinar, conduzido por uma comissão composta por
servidores estáveis, não há a figura do magistrado, com todos os poderes em que se investe o
membro do Poder Judiciário, inegavelmente mais capazes de conduzir a presidência da prova
oral, de zelar por interesses eventualmente distintos de partes conflitantes, de manter a ordem
no recinto e de inibir ou de coibir comportamentos inadequados ou exagerados dos presentes
ao ato instrucional, seja quando estes tentam constranger ou intimidar, seja quando se
mancomunam para aliciar ou combinar estratégias.
Ademais, enquanto no processo disciplinar sequer é obrigatória a constituição de
procurador e muito menos que este seja um advogado (conforme sedimentado pela Súmula
Vinculante nº 5, do Supremo Tribunal Federal), no processo penal, a presença do defensor
técnico - constituído ou nomeado - é obrigatória e somente este agente da defesa possui a
capacidade postulatória (diferentemente do processo administrativo disciplinar, em instância
processual penal, o acusado não possui capacidade postulatória). Daí porque, no processo
penal, além das maiores cautelas em vista da relevância ímpar do bem jurídico tutelado (a
liberdade do acusado), a presença e a atuação do defensor no interrogatório do corréu
mereceram maior atenção e interesse por parte do legislador. Decerto, quando o art. 188, em
conjunto com o art. 185, ambos do CPP, menciona indagação “das partes”, refere-se aos
advogados (ou Defensores Públicos), obrigatoriamente presentes ao ato pelo lado das defesas,
e ao membro do Ministério Público, no polo da acusação.
Assim, sem jamais perder de vista que o § 1º do art. 159 da Lei nº 8.112, de 11/12/90,
991
determina que os acusados devam ser interrogados um a cada vez e não em conjunto em ato
único, de imediato, a análise acerca da possibilidade de extensão do comando do art. 188 do
CPP para o processo administrativo disciplinar deve se iniciar com a percepção da
necessidade de se flexibilizar, para uma compreensão mais abrangente, em razão da
capacidade de postulação em instância disciplinar tanto do próprio acusado quanto de seu
facultativo procurador e de este ser ou não advogado.
Não obstante tais possibilidades, a priori, ratifica-se que não há previsão na Lei nº
8.112, de 11/12/90, para que os demais acusados e seus eventuais procuradores (advogados ou
não) sejam notificados de ofício pela comissão, sem provocação das defesas, do interrogatório
do coacusado e muito menos para que participem e apresentem perguntas naquele ato. Como
forma de, sem proceder à notificação dos demais coacusados (com o que se poderia
interpretar como chamamento ao ato), a comissão ao mesmo tempo não se expor à crítica de
não ter expressado nos autos as datas de todos os interrogatórios, pode o colegiado indicar na
ata de deliberação as datas de toda a rodada de provas orais a serem coletadas dos acusados e
fornecer cópia integral dos autos juntamente com as intimações para os interrogatórios,
suprindo, então notícia ao conjunto de acusados acerca das datas de todos os interrogatórios.
Todavia, reiterando que tanto a instância disciplinar quanto a instância penal ambas
são ramos do Direito público punitivo e, como tal, guardam afinidades em seus princípios
reitores e nas fontes informadoras, reconhece-se que não é incomum a jurisprudência evoluir
em seus entendimentos para o processo administrativo disciplinar e neles também vir a
sedimentar teses e institutos aplicáveis ao processo penal.
Assim, diante do tema sob análise, pode-se aceitar que, caso os outros acusados e/ou
seus procuradores manifestem antecipadamente intenção de participar do interrogatório de um
coacusado ou compareçam no momento da realização do ato, deve a comissão, na lacuna da
Lei, questionar ao interrogado se este considera prejudicial à sua defesa a participação (termo
que aqui agrega não só a simples presença física no ato mas também a possibilidade de
reinquirir o interrogado ao final) daqueles demais interessados. Refinando a questão, pode a
comissão desdobrar o questionamento acerca da participação unicamente de acusados,
unicamente de procuradores ou de ambos, já que pode haver objeção apenas à participação
dos primeiros e não dos últimos.
De um lado, caso o servidor a ser interrogado manifeste se opor à participação dos
demais acusados e de seus procuradores ou apenas dos coacusados ou ainda apenas dos seus
procuradores, deve a comissão acatar, homenageando e privilegiando a proteção dos direitos
de defesa deste que prestará a prova oral, e comunicar o indeferimento aos demais postulantes
cuja participação o interrogado não consentiu. De se destacar que, nesta hipótese de denegar a
participação, a comissão não incorre em ilegalidade e tampouco inquina o feito com nulidade
por cerceamento de direito de defesa, pois o faz com respaldo na literalidade da Lei nº 8.112,
de 11/12/90, e sob amparo das específicas manifestações jurisprudenciais.
Por outro lado, caso o servidor a ser interrogado manifeste não se opor à participação
dos outros acusados e de seus procuradores, ou apenas dos acusados ou apenas dos
procuradores, pode a comissão deferir a presença e a efetiva participação daqueles cuja
presença o interrogado consentiu. Nesta hipótese do deferimento à participação, de acordo
com a procedimentalização reinante em processo administrativo disciplinar, por força do § 1º
do art. 156 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, as perguntas dos demais acusados e/ou de seus
procuradores devem ser formuladas ao presidente, para que este, à vista do objetivo de
elucidar o fato e da sua prerrogativa de indeferir as intervenções protelatórias, impertinentes
ou sem relação com o objeto da apuração, decida se as repassa ao interrogado.
“Quanto à possibilidade ou não do procurador de um acusado assistir ao
interrogatório de outro servidor, cabe à comissão decidir, de acordo com o
caso concreto e suas peculiaridades, se deve apenas fornecer cópia do termo ao
término de todos os interrogatórios, ou se permite a presença do procurador no
992
Acusado Advogado
garantia constitucional, foi revogado o dispositivo do CPP que indicava que o silêncio do
acusado poderia constituir elemento para a formação de convicção da autoridade julgadora.
Ou seja, o direito de não responder perguntas que possam lhe incriminar, além de não
poder ser considerado pela comissão como confissão, atualmente também já não mais pode
ser interpretado em prejuízo da defesa.
CF - Art. 5º
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer
calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
CPP - Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro
teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o
interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder
perguntas que lhe forem formuladas. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de
01/12/03)
Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser
interpretado em prejuízo da defesa. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de
01/12/03)
Assim se manifestou o Supremo Tribunal Federal, na ementa do Habeas Corpus nº
68.929.
“(...) Qualquer indivíduo que figure como objeto de procedimentos
investigatórios policiais ou que ostente, em juízo penal, a condição jurídica de
imputado, tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente
asseguradas, o direito de permanecer calado. ´Nemo tenetur se detegere´.
Ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal. O
direito de permanecer em silêncio insere-se no alcance concreto da cláusula
constitucional do devido processo legal. E nesse direito ao silêncio inclui-se até
mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o acusado negar, ainda
que falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária, a prática da
infração penal”.
Idem: STF, ´Habeas Corpus´ nº 68.742 e 71.421
Por outro lado, a declaração de nulidade em decorrência da ausência de tal aviso no
início do interrogatório somente se justifica quando se verifica efetivo prejuízo à defesa no
caso concreto.
STJ, Mandado de Segurança nº 8.496: “Ementa: 8. Quanto à infringência,
pelas Comissões Processantes, do direito constitucional do acusado de
permanecer calado, tendo em vista que aquela o advertiu que o silêncio poderia
constituir elemento de convicção da autoridade julgadora, infere-se que tal agir
não induziu o acusado a se auto-acusar ou a confessar, pelo que há de
prevalecer o princípio ‘pas de nullité sans grief’, segundo o qual não se declara
a nulidade sem a efetiva demonstração do prejuízo.”
prerrogativa que se faculta ao interessado, conforme arts. 156 e 159, § 2º da Lei nº 8.112, de
11/12/90; de que pode ser exercitado pessoalmente ou por meio de procurador; e de que a
omissão da parte devidamente notificada não impede a realização do ato), ainda mais clara é a
leitura, porque expressa na Lei, de que o procurador poderá acompanhar o interrogatório, sem
caráter impositivo ou condicional.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 159.
§ 2º O procurador do acusado poderá assistir ao interrogatório, bem como à
inquirição das testemunhas, sendo-lhe vedado interferir nas perguntas e
respostas, facultando-se-lhe, porém, reinquiri-las, por intermédio do presidente
da comissão.
Desde que regularmente intimado o acusado a prestar o interrogatório, a ausência do
seu procurador não pode valer como impeditivo para a realização do ato. A tese em contrário,
além de forçar o entendimento enviesado de que o contraditório seria impositivo, necessitaria
de que o legislador tivesse registrado no art. 159, § 2º da Lei nº 8.112, de 11/12/90, que “o
procurador deverá assistir ao interrogatório”, ao invés de “poderá”.
Daí, sendo o assessoramento uma faculdade garantida ao acusado, deve por ele ser
providenciado, se assim quiser. Não cabe à comissão exigir a presença de procurador para o
interrogatório, tampouco se cogita de designar defensor ad hoc ou solicitar designação de
defensor dativo para acompanhar o acusado e nem deixar de realizar o ato sem o patrono. E,
neste rumo, já se manifestaram a Advocacia-Geral da União e a jurisprudência:
Parecer AGU nº GQ-99, não vinculante: “15. O regramento do inquérito
administrativo é silente quanto ao comprometimento do princípio da ampla
defesa, advindo, daí, vício processual insanável, na hipótese em que o acusado
seja ‘interrogado (fls. 125/126) sem se fazer acompanhar de advogado por ele
constituído ou dativo designado pela Presidente da Comissão Processante’.
‘De lege lata’, esse é cuidado de que deve cercar-se o servidor, a seu talante,
sem que constitua qualquer dever da c.i., por isso que não dimanante de lei,
como se faria necessário, dado o princípio da legalidade que deve presidir a
atuação do colegiado, ‘ex vi’ do art. 37 da Carta.”
STJ, Mandado de Segurança nº 15.837: “Ementa: 6. Não gera a nulidade do
ato o fato de o impetrante, intimado com antecedência, não se fazer
acompanhar por advogado no momento do seu interrogatório, conforme
assentado pela Súmula Vinculante n. 5 do Supremo Tribunal Federal, até
porque desde o início apresentou-se como defensor de si, pois é advogado
devidamente habilitado, tendo, inclusive, subscrito sua defesa escrita (fls. 274-
328e) e o presente writ.
O tema foi abordado na Nota Técnica Coger nº 2005/6.
Nota Técnica Coger nº 2005/6: “Ementa: (...) Também não cabe a designação
de defensor dativo caso o acusado seja interrogado sem a presença de seu
procurador. (...)”
Nem mesmo a consideração da atual redação do art. 185 do CPP, dada pela Lei nº
10.792, de 01/12/03, ampara a tese da obrigatoriedade da presença do procurador do acusado
no interrogatório coletado no processo administrativo disciplinar. O mandamento legal citado
assim estabelece:
CPP - Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no
curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu
defensor, constituído ou nomeado. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de
01/12/03)
É sabido que, com as devidas cautelas, pode-se, em caso de omissão na Lei nº 8.112,
de 11/12/90, e também na Lei nº 9.784, de 29/01/99, integrar lacuna do rito disciplinar,
trazendo institutos do CPP. Mas igualmente é cediço que tal forma de integração somente é
997
aceita quando a norma mais específica não abordou a matéria. E, conforme esclarecido linhas
acima, a Lei nº 8.112, de 11/12/90, no § 2º do art. 159, tratou do assunto, ao prever a
possibilidade de acompanhamento do procurador. A Lei específica não se quedou omissa.
Desta forma, não se tem autorização na Hermenêutica para fazer prevalecer a leitura do art.
185 do CPP, ainda que mais recente, em detrimento do dispositivo mais específico.
Tampouco cabe eleger interpretação que se extrairia do comando do inciso XXI do art.
7º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), em
razão do qual se condicionaria a validade do interrogatório à presença do advogado, visto
aquele dispositivo legal conferir direitos do profissional e não estabelecer deveres ou
obrigações vinculantes.
Lei nº 8.906, de 1994 - Art. 7º São direitos do advogado:
XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob
pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e,
subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele
decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso
da respectiva apuração: (Incluído pela Lei nº 13.245, de 12 de janeiro de 2016)
a) apresentar razões e quesitos; (Incluída pela Lei nº 13.245, de 2016)
Pode inclusive se fazer necessário que o presidente solicite ao acusado que manifeste
se reconhece ou não objetos, documentos ou pessoas relacionados com o fato a se apurar.
Sobretudo no caso de pessoas, se operacionalmente for possível, recomenda-se que este
reconhecimento seja feito em um outro ato específico, antes do interrogatório (que é um ato
reservado e com o qual se encerra a instrução probatória) e não no seu curso, sendo
materializado nos autos por meio de termo próprio - termo de reconhecimento.
CPP - Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de
pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:
I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a
pessoa que deva ser reconhecida;
II - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao
lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem
tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;
III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o
reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a
verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade
providenciará para que esta não veja aquela;
IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela
autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas
testemunhas presenciais.
Parágrafo único. O disposto no inciso III deste artigo não terá aplicação na
fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.
Art. 227. No reconhecimento de objeto, proceder-se-á com as cautelas
estabelecidas no artigo anterior, no que for aplicável.
Art. 228. Se várias forem as pessoas chamadas a efetuar o reconhecimento de
pessoa ou de objeto, cada uma fará a prova em separado, evitando-se qualquer
comunicação entre elas.
“Não se refere (...) a lei ao reconhecimento de pessoa ou coisa. O
reconhecimento visa a apontar o autor ou o objeto utilizado na infração em
inquérito. É prudente que ocorra o reconhecimento quando existe dúvida sobre
a identidade do acusado, ou de locais ou de objetos diretamente envolvidos com
a irregularidade em apuração.
A Comissão tem o direito e, mais ainda, o dever de promover a requisição de
coisas que sejam indispensáveis ao esclarecimento da questão. Ou mesmo de
requisitar a presença de pessoa - servidor para que haja o seu devido
reconhecimento com o mesmo objetivo.” Antônio Carlos Palhares Moreira
Reis, “Processo Disciplinar”, pg. 135, Editora Consulex, 2ª edição, 1999
As perguntas previamente elaboradas em conjunto pela comissão (aqueles
questionamentos mais genéricos seguidos de questionamentos mais específicos) devem ser
apresentadas pelo presidente com precisão e habilidade. Relembre-se o já aduzido em 4.4.1.2,
no sentido de que esta postura presidencialista não é levada a rigor na espontânea participação
dos dois vogais, podendo estes membros apresentar quesitos complementares a qualquer
momento e diretamente ao acusado. A comissão empregará, ao longo de toda a oitiva, tom
neutro, não lhe sendo lícito usar de meios que revelem coação, intimidação ou invectiva. Em
certos casos, em razão da dinâmica e dos rumos imprevisíveis que possa tomar o ato de prova
oral, pode o presidente ou qualquer vogal (sobretudo o membro que não é presidente e que
também não é secretário) inserir perguntas que ratifiquem ou retifiquem informações já
constantes dos autos ou já prestadas pelo acusado, a fim de avaliar sua coerência e
credibilidade, sobretudo em situações em que se detecta o emprego de respostas evasivas ou
vagas e contradições ou inverdades. Pode ainda a comissão lançar mão da estratégia de
instigar o acusado com pergunta que sugere ou afirma a existência de indícios de
cometimento de conduta irregular, à vista de provas já obtidas ou até mesmo passíveis de
serem obtidas.
Em 4.4.4.5, foram abordados diversos aspectos verbais e não verbais extraíveis da
999
prova oral. Embora aquela apresentação tenha se referido à oitiva de testemunha, com as
devidas adequações de, ali, onde se lê “depoente”, passe-se a ler “acusado”, remete-se à
integral leitura daquele tópico, por serem também pertinentes ao interrogatório todas aquelas
recomendações.
Cabe também ao presidente reduzir a termo as respostas, cingindo-se o mais fielmente
possível às expressões e frases empregadas pelo acusado. O presidente deve encontrar a
medida exata entre, por um lado, não interromper demasiadamente o interrogado, interferindo
na sua concatenação lógica de ideias e raciocínio, e por outro lado, não deixar o acusado falar
ininterruptamente por longo tempo, pois ao final terá dificuldade para se lembrar de tudo.
Convém então combinar previamente com o acusado que, em caso de resposta mais longa,
serão feitas pausas espaçadas para reduzir a termo. Pode-se, inclusive, ao final de uma
resposta mais longa, solicitar ao secretário que leia o texto digitado em voz alta, a fim de o
acusado ratificar ou corrigir. Mais que isto, para assegurar a necessária garantia do ato e até
mesmo para tentar inibir exageradas contestações ou solicitações de retificação quando da
leitura final do termo, recomenda-se que a comissão adote a praxe, previamente informada, de
ler em voz alta cada pergunta e resposta consignadas.
Caso o acusado adote a postura de não responder, convém que a comissão formule
pergunta por pergunta (inclusive entremeando com algumas perguntas simples e não
incisivas) e registre o silêncio a cada resposta, a fim de deixar consignado tudo o que se
queria questionar, não sendo conveniente fazê-lo de forma genérica, para todas as perguntas
de uma só vez.
Incumbe ao presidente zelar pela manutenção da ordem, de forma a não permitir que o
procurador interfira nas perguntas da comissão e nas respostas do interrogado. Aqui, de um
lado, a ação de interferir deve ser compreendida como interceder, interromper, obstruir, evitar
ou tentar substituir a espontaneidade do interrogado; mas, de outro lado, não se confunde com
válidas contribuições pontuais, de pequenos acréscimos ou ajustes nas respostas manifestadas
pelo interrogado. Ademais, a vedação à interferência, por parte do procurador, no ato da
formulação das respostas pelo acusado em nada prejudica o exercício de direito de
reinterrogar ao final do ato, conforme adiante se abordará, visto aqui estar se falando de dois
momentos distintos. Caso o procurador queira interferir indevidamente no ato, deve o
presidente impedir, registrando o incidente no termo; na reiteração, pode o presidente advertir
com a possibilidade de determinar que o procurador se retire do recinto, também com o
devido registro no termo. Obviamente que esta prerrogativa deve ser evitada, tentando-se ao
máximo contornar a situação e conduzir de forma serena o ato, sem precisar chegar a tal
providência extremada. Mas, se for necessário, após solicitar a retirada do procurador, caso
não se retire espontaneamente, a comissão deve solicitar à segurança ou vigilância que o retire
do recinto.
“Ato personalíssimo por excelência que é, inadmite o interrogatório a
interferência de qualquer pessoa, inclusive do advogado constituído pelo
interrogando.” José Armando da Costa, “Teoria e Prática do Processo
Administrativo Disciplinar”, pg. 227, Editora Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005
Como mera recomendação, convém reproduzir no termo de interrogatório as
perguntas, bem como numerá-las, para facilitar o entendimento das respostas e a posterior
remissão no relatório, não havendo, porém, impedimento de, nos moldes do processo judicial,
se transcrever apenas as respostas, com ou sem numeração.
Após o presidente fazer as perguntas previamente elaboradas pela comissão, passa-se a
palavra aos vogais para que, se quiserem, formulem novas perguntas - sem prejuízo de, no
curso do interrogatório, os vogais inserirem perguntas a qualquer momento. Embora, a rigor,
se pudesse se cogitar de os vogais fazerem as perguntas primeiramente ao presidente a fim
que este as repassasse ao acusado, na prática, não convém seguir tamanho formalismo, pois
além de desnecessário e improdutivo, ainda interrompe a dinâmica do ato e prejudica a
1000
espontaneidade da resposta, por permitir, quando for o caso, que o acusado tenha tempo maior
para formular o que responder.
Ao final das perguntas da comissão, deve o presidente passar a palavra ao acusado,
para que este acrescente o que quiser acerca do fato apurado. Aliás, não se despreza esse
momento, pois, em um clima já menos tenso e com maior propensão ao relaxamento e à
espontaneidade, pode o depoente acrescentar novos fatos ou novas versões.
Embora o § 2º do art. 159 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, não confira ao procurador o
direito de formular questões a seu próprio constituinte após as perguntas da comissão (se a
literalidade normativa tivesse estendido ao procurador o direito de reinquirir não só as
testemunhas mas também seu cliente, teria facultado-lhe “reinquiri-los” e não “reinquiri-
las”), se admite - e até se recomenda - que o colegiado, desde que atente para as
peculiaridades de cada processo concretamente e à forma de atuar de cada defesa, em extremo
respeito ao princípio da ampla defesa, acate eventual solicitação do procurador para, mediante
apreciação do presidente (a quem cabe, à vista do objetivo de elucidar o fato e com base no
art. 156, § 1º, da Lei nº 8.112, de 11/12/90, a prerrogativa de denegar perguntas irrelevantes,
repetitivas, impertinentes - mas, como já aduzido em 4.4.1.5, deve usar este poder com muita
cautela e ainda mais diante de perguntas feitas pelos integrantes da comissão, que deve
sempre transparecer uniformidade e coerência). Assevera-se que esta postura da comissão, de
permitir perguntas formuladas pelo procurador, ainda que não expressamente positivada,
sendo favorável à defesa, não inquina de qualquer vício o ato de interrogatório.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 159.
§ 2º O procurador do acusado poderá assistir ao interrogatório, bem como à
inquirição das testemunhas, sendo-lhe vedado interferir nas perguntas e
respostas, facultando-se-lhe, porém, reinquiri-las, por intermédio do presidente
da comissão.
STJ, Mandado de Segurança nº 8.259: “Ementa: (...) 9. A lei faculta ao
procurador do acusado a reinquirição tão somente das testemunhas (artigo 159
da Lei 8.112/90).”
STJ, Mandado de Segurança nº 8.496: “Ementa: (...) 2. Não há previsão
normativa alguma que confira a prerrogativa ao advogado de presenciar o
depoimento de outros acusados, no mesmo processo administrativo disciplinar,
assim como de formular questões ao seu próprio constituinte.”
“Acerca da possibilidade do procurador formular perguntas ao seu cliente
interrogado, após as perguntas do presidente e dos vogais, entende-se que a
redação do § 2º do art. 159 da Lei nº 8.112/90 não contemplou tal
possibilidade, haja vista que em sua redação facultou “reinquiri-las”,
referindo-se, portanto, somente às testemunhas.”, Ministério da Transparência,
Fiscalização e Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo
Administrativo Disciplinar”, pgs. 218 e 219, 2013, disponível em
http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ ManualPAD.pdf,
acesso em 07/08/13
“O impedimento ao defensor de formular perguntas ao interrogado consta,
ainda, no art. 159, § 2º, do Estatuto Federal - Lei nº 8.112/90. É verdade que a
redação é confusa, mas uma leitura atenta mostra que o legislador, seguindo a
regra do processo penal, permite ao defensor o acompanhamento das
audiências, podendo reinquirir somente as testemunhas (e declarantes). Não
participa, portanto, com perguntas ao interrogado.
(...) o procurador pode reinquiri-las; ou seja, reinquirir a elas, as testemunhas,
não ao acusado” Léo da Silva Alves, “A Prova no Processo Disciplinar”, pgs.
82 e 104, Editora Lumen Juris, 1ª edição, 2003
“O procurador do acusado não lhe faz perguntas. O que a comissão deve fazer
é no final do interrogatório perguntar ao acusado se tem mais alguma coisa
que queira esclarecer ou acrescentar.” Adriane de Almeida Lins e Debora
1001
juntados aos autos após o último interrogatório, não ensejam a realização de novo
interrogatório.
O tema foi abordado na Nota Técnica Coger nº 2005/12.
Nota Técnica Coger nº 2005/12: “Ementa: (...) Deve-se realizar novo
interrogatório caso haja juntada de novas provas, após o até então último
interrogatório, que sejam desfavoráveis ao acusado/indiciado. Ressalte-se que
meros expedientes administrativos não se confundem com provas.”
Daí, à vista desta recomendação em gênero, se tem como mais frequente repercussão
específica a tomada de oitiva de testemunha após o interrogatório do acusado. Não há
impedimento para tal situação e somente se faz necessário novo interrogatório se a
testemunha tiver trazido aos autos fato novo contrário à defesa.
Assim já se manifestou a Advocacia-Geral da União, nos Pareceres AGU nº GQ-37 e
nº GQ-177, vinculantes, respectivamente:
“Ementa: (...) É insuscetível de eivar o processo disciplinar de nulidade o
interrogatório do acusado sucedido do depoimento de testemunhas, vez que,
somente por esse fato, não se configurou o cerceamento de defesa.”
“Ementa: (...) Não nulifica o processo disciplinar a providência consistente em
colher-se o depoimento do acusado previamente ao de testemunha.”
Da mesma forma foi a ementa do Superior Tribunal de Justiça para o Mandado de
Segurança nº 7.736:
“A oitiva do acusado antes das testemunhas, por si só, não vicia o processo
disciplinar, bastando para atender à exigência do art. 159 da Lei 8.112/90, que
o servidor seja ouvido também ao final da fase instrutória.”
Idem: STJ, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 9.144
fim de este propor ao Corregedor o ordenamento de despesa para deslocar todo o colegiado
até a localidade do acusado.
Em analogia ao que se aduziu em 4.4.4.6, caso também não seja possível, por questão
financeira, deslocar toda a comissão, três possibilidades se apresentam, em caráter extensivo
para o processo disciplinar, na seguinte ordem: deslocar o acusado, como colaborador
eventual, até a sede da comissão; adotar a videoconferência, conforme permitido pelo
ordenamento infralegal; ou, por fim, adaptar o remédio do processo judicial chamado carta
precatória, também aceito em ordenamento legal e infralegal.
CPC - Art. 236.
§ 3º Admite-se a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou
outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real.
“Havendo inviabilidade orçamentária, o acusado ex-servidor, tal como o
particular testemunha, poderá ser ouvido como colaborador eventual, com base
no art. 4º, da Lei nº 8.162/91 e no Decreto nº 5.992/2006. Contudo, se essa
também não se mostrar uma opção viável, a comissão poderá interrogá-lo por
teleconferência ou por carta precatória.”, Ministério da Transparência,
Fiscalização e Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo
Administrativo Disciplinar”, pg. 230, 2013, disponível em
http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ ManualPAD.pdf,
acesso em 07/08/13
Antes, a rigor, é de se destacar que, no sentido estrito da Lei nº 8.112, de 11/12/90, não
há expressa previsão para tais remédios. O Estatuto, em seus dispositivos que regem o
processo disciplinar, é silente quanto ao emprego da figura do colaborador eventual, com a
qual se justificaria o pagamento de transporte e diárias a um inativo ou ex-servidor para ser
interrogado; também não sofreu modernização face ao atual estágio tecnológico que
contempla a figura da videoconferência como solução jurídica aceitável; e muito menos
menciona a tomada de interrogatório de acusado por carta precatória em outra localidade.
Dito isto, de início, é de se destacar que a ordem acima elencada em decrescente
prioridade não advém de nenhum diploma normativo, mas sim tão somente da percepção de
que, diante do problema concreto a ser superado, a melhor solução é aquela que ainda
consegue contemplar a dinâmica e todos os fatores humanos preservados na prova oral
presencial, como é o caso da adoção do colaborador eventual. Esta riqueza probatória sofre
uma pequena mitigação com a videoconferência, que pode ser aqui considerada a segunda
opção na escala de preferência; e, por fim, tem relevante perda no uso da carta precatória, por
isto aqui tida como a última e residual opção de integração da lacuna instrucional no rito
administrativo disciplinar.
Assim, primeiramente, recomenda-se, diante das inviabilidades de o inativo ou ex-
servidor arcar com suas despesas e também de se deslocar toda a comissão, em atendimento
às garantias de direito ao contraditório e à ampla defesa, que se tente deslocar aquele acusado,
buscando-se junto à Administração o pagamento de seu transporte e de suas diárias para que
venha prestar interrogatório, enquadrando-o na figura de colaborador eventual, prevista na Lei
nº 8.162, de 08/01/91, e no Decreto nº 5.992, de 19/12/06, incumbindo ao Chefe de Escor,
como autoridade instauradora, mediante provocação do presidente da comissão (por previsão
regimental, no art. 232 combinado com o inciso VIII do art. 330, ambos do Regimento
Interno da RFB, aprovado pela Portaria MF nº 430, de 9 de outubro de 2017, e em extensão
ao art. 14 da Portaria RFB nº 6.483, de 29 de dezembro de 2017, que dispõe sobre a apuração
de irregularidades funcionais no âmbito da RFB - na linha do art. 9º da Portaria Coger-MF nº
42, de 21/11/13, que dispõe sobre a apuração de irregularidades funcionais no âmbito do MF),
propor ao Corregedor, como ordenador de despesas, nos termos do § 1º do art. 80 do Decreto-
Lei nº 200, de 25/02/67, e a este decidir as questões atinentes a deslocamentos, diárias e
passagens do colaborador eventual que se afigura como de interesse correcional).
1006
exercício) ou que seja inativo ou ex-servidor residente na mesma localidade onde transcorrem
os trabalhos ou, se residente em outra localidade mas se há viabilidade de se arcar com as
despesas de deslocamento, usando a instrumentalização à distância da videoconferência e
abrindo mão da maior qualidade inerente ao ato presencial. Não se tem dúvida de que o ato
presencial, com toda sua dinâmica que lhe é inerente, pode ser considerado como o ideal;
porém, como nem sempre é realizável, há amparo normativo para se lançar mão,
subsidiariamente da prova via videoconferência. Aqui, quando se cogita do emprego da
ferramenta da videoconferência, se o faz sempre na presunção do bom senso e da
razoabilidade dos agentes e da motivação e da regularidade de seus atos e condutas. A
conjunção destas premissas faz crer que, ao se cogitar de emprego de videoconferência, se
atenta para a solução de qualquer dificuldade operacional que obriga a abrir mão do padrão de
solução presencial. E, no caso de prova oral do próprio acusado, esta premissa atinge mesmo
os contornos de extrema excepcionalidade.
Não se nega que, a rigor, deve a comissão atentar para os fatos de que, a priori, a
videoconferência é um recurso bastante válido para suprir oitivas de testemunhas quando o
depoente se encontra em localidade diferente daquela em que se encontram a comissão e a
defesa e que o interrogatório deve ser precipuamente cogitado como prova presencial entre
colegiado e acusado. Diante do fato de haver expressa previsão para a Administração arcar
com custos de transporte e de diárias para o acusado (nem que seja na condição de
colaborador eventual, no caso de inativo ou ex-servidor), a comissão deve concentrar seus
esforços para que o interrogatório seja presencial, reservando esta permissão extensiva de
fazê-lo sob videoconferência apenas para hipóteses extremamente residuais e à vista tão
somente de peculiaridades de determinado caso concreto.
Enfim, é aceitável que o interrogatório do acusado seja realizado por meio de
videoconferência, e não só para inativo ou ex-servidor, mas até mesmo para servidor ativo,
lotados ou residentes em outra localidade. Mas também é certo que o emprego de tal prova se
reveste de forte caráter excepcional e residual, destacadamente quando se trata de servidor
ativo, para quem há expressa previsão legal de se ordenar despesa para deslocamento quando
residente em outra localidade.
Em reforço a esta ponderação no emprego da videoconferência para coleta de
interrogatório, embora se saiba desprovida do poder vinculante da citada Instrução Normativa
CGU sobre esta unidade seccional de correição, menciona-se, como mera referência, a
Portaria AGU nº 490, de 24/10/11, por meio da qual a Advocacia-Geral da União
regulamentou o emprego da videoconferência especificamente no âmbito interno de sua
própria atividade correcional (portanto, não vinculante para a Coger e os Escor). A menção
aqui se faz relevante porque esta Portaria AGU prevê especificamente a possibilidade de
emprego da videoconferência (no seu âmbito específico, condiciona à anuência da defesa),
mas indica que o padrão do interrogatório é de ser presencial.
Portaria AGU nº 490, de 24/10/11 - Art. 3º O interrogatório do acusado será
realizado pessoalmente.
Parágrafo único. É facultado à defesa solicitar que o interrogatório, por
conveniência do acusado, ocorra por audiência à distância, nos termos desta
Portaria, cabendo à comissão decidir acerca do deferimento.
Mas o acima exposto em nada se confunde com qualquer ilegalidade em,
excepcionalmente, se coletar interrogatório por meio de videoconferência, seja o acusado
inativo ou ex-servidor, seja até mesmo servidor ativo. Menos ainda se cogita de o
interrogatório por videoconferência, seja o acusado servidor ativo ou inativo ou ex-servidor,
ter sua validade condicionada à expressa anuência do interrogado. A propósito, relembre-se
que mesmo a instância processual penal, a despeito dos relevantes bens jurídicos que possa
afetar e da cautela que caracteriza seu regramento, prevê, expressamente, as possibilidades de
realização de interrogatório por videoconferência, por decisão motivada do juiz, tanto de
ofício quanto a pedido da parte.
1010
rede. Em vista do necessário sigilo da instância correcional, que requer alto grau de
confiabilidade e de inviolabilidade, deve-se acautelar para impedir riscos de captação
indevida do ato, recomendando-se que se configurem os equipamentos das duas salas (aqui se
cogitando da situação padrão e mais comum, de o ato envolver apenas dois recintos distintos)
para que a conexão entre eles seja feita, preferencialmente, de forma direta, sem que os sinais
de áudio e vídeo passem por servidores locais ou regionais.
Instrução Normativa CGU/CRG nº 12, de 01/11/11 - Art. 6º A Comissão
Disciplinar solicitará ao responsável pela unidade envolvida a designação de
servidor para o exercício da função de secretário ad hoc.
§ 1º O secretário ad hoc desempenhará atividades de apoio aos trabalhos da
Comissão Disciplinar, tais como identificação dos participantes do ato,
encaminhamento e recebimento de documentos, extração de cópias, colheita de
assinaturas, dentre outras determinadas pelo Presidente da Comissão
Disciplinar.
§ 2º Cabe, ainda, ao secretário ad hoc acompanhar os testes de equipamento e
conexões antes da realização do ato, devendo comunicar imediatamente à
Comissão Disciplinar acerca de eventual circunstância que impossibilite seu
uso.
Tendo-se acatado a legalidade de se promover o interrogatório do acusado por
videoconferência, harmonizando-se com as máximas garantias a favor da defesa, pode-se
ainda desdobrar em hipóteses em que a comissão, o acusado e/ou o seu procurador estejam
em localidades distintas (comissão e acusado em uma localidade e procurador em outra;
comissão e procurador em uma localidade e acusado em outra; ou ainda comissão em uma
localidade, procurador em outra e acusado em uma terceira). Diante de provocação da defesa
para que o interrogatório por videoconferência se desdobre em tais possibilidades, pode-se
cogitar de a comissão deferir. É necessário apenas que o colegiado atente para o fato de que,
em tais configurações, os esforços acima se projetam também para esta terceira sala, em
termos de infraestrutura e necessidade de contar com mais um secretário ad hoc, de forma a se
tê-la como residual, apenas para casos em que se demonstre indispensável para assegurar a
plenitude do exercício de defesa.
Sobre as possibilidades acima aventadas, pode-se agregar uma excepcionalidade ainda
maior, de se ter de desdobrar esforços em termos de infraestrutura, quando a própria comissão
se encontra separada, com algum de seus membros em localidade distinta dos outros dois.
Após a confirmação daqueles pré-requisitos operacionais, deve a comissão notificar o
acusado das localidades, data e horário de realização do ato, com no mínimo três dias úteis de
antecedência, fazendo constar de tal ato de comunicação a base legal (a Instrução Normativa
CGU/CRG nº 12, de 01/11/11, com a redação dada pela Instrução Normativa CGU/CRG nº 5,
de 19/07/13, no que diz respeito ao prazo) para a realização do ato via videoconferência da
forma deliberada, destacando ainda no ato de comunicação o direito de o procurador
comparecer a uma ou a outra localidade, de acordo com sua preferência.
Instrução Normativa CGU/CRG nº 12, de 01/11/11 - Art. 4º O Presidente da
Comissão Disciplinar intimará a pessoa a ser ouvida da data, horário e local
em que será realizada a audiência ou reunião por meio de videoconferência,
com antecedência mínima de 3 (três) dias úteis. (Redação dada pela Instrução
Normativa CGU/CRG nº 5, de 19/07/13)
§ 1º Em qualquer caso, a defesa será notificada, nos termos do caput, para
acompanhar a realização do ato.
§ 2º Ao deliberar pelo horário da realização da audiência por meio de
videoconferência, a Comissão Disciplinar atentará para eventual diferença de
fuso horário entre as localidades envolvidas.
O ato em si deve transcorrer o máximo possível de forma similar a um interrogatório
com todos os agentes presentes no mesmo recinto. A comissão deve manter o mesmo layout
de sua sala, no que diz respeito a seu posicionamento e ao posicionamento do procurador,
1012
após as perguntas e os ajustes, deve a comissão descrever, de forma ao mesmo tempo fiel e
sintética, toda a real dinâmica envolvendo a feitura do ato por videoconferência.
Instrução Normativa CGU/CRG nº 12, de 01/11/11 - Art. 7º O depoimento
prestado pelas partes será reduzido a termo, mediante lavratura do termo de
depoimento, a ser realizado por membro da Comissão Disciplinar ou pelo
secretário participante.
Parágrafo único. O termo de depoimento será assinado, nas diversas
localidades, pelos participantes do ato e posteriormente juntado aos autos do
processo.
Esta instrumentalização final em princípio parece ser redundante, mas, de fato, faz-se
necessário que o secretário ad hoc situado na sala remota, após ter coletado rubricas e
assinaturas de todos os presentes neste recinto, remeta para a comissão a via do termo tanto
por meio do correio eletrônico institucional, para imediata juntada aos autos, quanto por meio
de malote, para juntada posterior. A remessa, por malote, da via original em que os presentes
na sala remota apuseram suas rubricas e assinaturas se justifica porque convém que se autuem
as vias do termo que contêm rubricas e assinaturas de próprio punho dos participantes em
cada localidade (tantas vias originais quantos forem os distintos recintos). E a remessa, pelo
correio eletrônico institucional, da via digitalizada também se justifica para se ter de imediato,
já desde o momento do encerramento do ato, em um documento único, uma via com rubricas
e assinaturas de todos os participantes e para suprir o risco de eventual extravio da via original
a ser remetida por malote.
Na hipótese de se ter o ato envolvendo mais de duas localidade (por exemplo,
comissão em uma localidade, acusado em outra e procurador em uma terceira), a finalização
do ato é similar à descrita acima, mas com algumas peculiaridades. Após o ajuste do texto, o
secretário da comissão deve imprimir o termo, coletar rubricas e assinaturas dos presentes em
sua sala, digitalizar esta via e remetê-la pelo correio eletrônico institucional para o secretário
ad hoc situado na sala remota. Este secretário ad hoc da segunda localidade deve imprimir o
termo digitalizado com rubricas e assinaturas dos presentes na sala da comissão, coletar
rubricas e assinaturas dos presentes em sua sala, digitalizar esta via e remetê-la pelo correio
eletrônico institucional para o secretário ad hoc situado na terceira localidade. Este secretário
ad hoc da terceira localidade deve imprimir o termo digitalizado com rubricas e assinaturas
dos presentes na sala da comissão e na segunda localidade, coletar rubricas e assinaturas dos
presentes em sua sala, digitalizar esta via e remetê-la pelo correio eletrônico institucional para
o secretário da comissão. O colegiado deve imprimir esta via digitalizada, com rubricas e
assinaturas de todos os participantes, e autuá-la no processo, juntamente com a via original
com rubricas e assinaturas dos presentes na sua sala, encerrando-se as providências daquele
momento da coleta da prova oral. E, posteriormente, os secretários ad hoc que acompanharam
o ato recintos remotos devem remeter para a comissão, por meio de malote, as vias
digitalizadas do termo por eles recebidas ao final do interrogatório com rubricas e assinaturas
da comissão dos presentes nas salas respectivamente anteriores, na qual coletou rubricas e
assinaturas dos presentes na sua própria sala, a fim de que, em conjunto com as duas vias que
já instruem os autos desde a data da realização da videoconferência, todas também sejam
autuadas.
Em suma, devem ser autuadas, logo após o término do ato, a via com rubricas e
assinaturas originais de quem esteve na sala da comissão e a via digitalizada com rubricas e
assinaturas de todos os presentes em cada localidade; e, por fim, posteriormente, deve(m) ser
remetida(s) de volta para a comissão, para também ser(em) autuada(s), a(s) via(s)
eletronicamente recebida(s) pelo(s) secretário(s) ad hoc com rubricas e assinaturas de quem
esteve presente na(s) localidade(s) anterior(s) e na(s) qual(is) se coletaram rubricas e
assinaturas originais de quem esteve presente na(s) respectiva(s) sala(s).
No caso específico de processo digital formalizado no Sistema Processo Eletrônico (e-
Processo), pode-se obter uma simplificação nos procedimentos finais, aqui já descritos
1014
Destaque-se que a aposentadoria por invalidez não está alcançada pela vedação
prevista no art. 172 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, acerca de exoneração a pedido e
aposentadoria para quem responde a processo administrativo disciplinar.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 172. O servidor que responder a processo
disciplinar somente poderá ser exonerado a pedido, ou aposentado
voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento da
penalidade, acaso aplicada.
Ao final do incidente, tendo sido o processo incidental apensado aos autos e tendo a
comissão procedido à análise do laudo, notifica-se o acusado.
Não se perca de vista que as menções anteriores a curador se justificam porque, em
casos da natureza do que aqui se trata, tanto já pode estar em curso processo judicial para
interdição judicial para os atos da vida civil por motivos externos ao processo disciplinar (ou
já ter havido a decisão judicial interditando o servidor) como aquela medida pode vir a ser
provocada pela comissão.
No primeiro caso, detectando-se que transcorre processo judicial de interdição, deve a
autoridade instauradora informar ao juízo a existência do processo disciplinar; e já havendo
decisão de interdição, basta aquela autoridade solicitar ao juízo a concessão de cópia do
processo judicial, a fim de ser juntada nos autos administrativos, para que, na sequência, a
comissão, movida por sua prerrogativa de livremente valorar as provas autuadas, interprete o
alcance e as repercussões cabíveis da decisão judicial no feito disciplinar. Para tanto, a priori,
a comissão possui soberania para apreciar o conjunto probatório, dispensando que se
condicione a oficiar o juízo para que este manifeste como a prova judicial deve ser valorada
na instância disciplinar; não obstante, até pode haver provocação ao juízo na excepcional
hipótese de restar alguma dúvida ou insegurança acerca da capacidade ou não do acusado para
acompanhar a persecução disciplinar.
Quanto ao segundo caso, de interdição provocada pela comissão, se o servidor obtém a
declaração de insanidade mental pela junta médica oficial, em decorrência de doença mental
posterior ao cometimento da irregularidade, nada impede, caso se mostre conveniente, que se
provoque também a sua interdição judicial, mediante o órgão do Ministério Público Estadual,
via autoridade instauradora, segundo se prevê nos arts. 747, IV e 748 do CPC, junto ao juízo
civil (embora se reconheça que tal providência não interfere na questão da possibilidade de
retomada do processamento, uma vez que o curador porventura designado não poderá
acompanhar o processo em nome do acusado). Ou seja, aqui se cogita da seguinte cronologia:
tendo o servidor logrado obter da junta médica laudo o declarando incapacitado para
acompanhar o processo disciplinar, se assim o é, caba, na seqüência, a comissão provocar a
interdição civil. Ressalve-se que, a menos que a sentença expressamente conceda efeito
retroativo à interdição, o fato de o servidor ser declarado judicialmente interditado não
necessariamente tem o condão de isentá-lo de possível responsabilização administrativa, caso
ainda venha a se curar da doença mental a fim de poder se defender no processo, e muito
menos de isentá-lo de eventual responsabilização civil.
STJ, Recurso Especial nº 550.615: “Ementa: 2. A interdição resulta sempre de
uma decisão judicial que verifica a ocorrência, em relação a certa pessoa, de
alguma das causas desta incapacidade. A sentença que decreta a interdição,
via de regra, exceto quando há pronunciamento judicial expresso em sentido
contrário, tem efeito ‘ex nunc’ (...).”
Já na cronologia oposta, ou seja, tendo o servidor sido interditado civilmente ao
mesmo tempo em que figura como acusado em processo disciplinar, não necessariamente
aquela decisão judicial tem o condão de estender ao agente a consideração de incapaz ao
tempo do fato ou para acompanhar o feito. Pode-se dizer, com amparo jurisprudencial, que
eventual interdição civil não necessariamente repercute em insanidade mental no âmbito
disciplinar, pois é viável que razões outras, diferentes de ausência de capacidade de
1024
disciplinar, necessário se faz perceber que alguns importantes reflexos deste ato devem ser
apreciados sob enfoques distintos, associados aos já mencionados dois momentos possíveis
sobre os quais pode se voltar a prova pericial, quais sejam, se a perícia médica visa a avaliar a
imputabilidade do acusado à época dos fatos ou se visa a avaliar também - ou somente - suas
condições de acompanhar o processo.
A primeira aplicação desta percepção, já mencionada acima, reside em que somente se
justifica suspender a realização dos atos de instrução probatória, a exemplo do que ocorre no
processo penal, no caso de o incidente de sanidade mental ser instaurado para avaliar a
capacidade de o acusado acompanhar o processo disciplinar, devendo-se prosseguir com o rito
quando visa a avaliar sua imputabilidade. No curso do incidente instaurado para avaliar a
capacidade do servidor acompanhar o feito, o andamento do processo administrativo
disciplinar propriamente dito fica suspenso, salvo quanto a atos que podem ser prejudicados
pelo adiamento ou cuja realização independe do exame (atos referentes a outro acusado, por
exemplo). Mas a extensão do período em que a instrução processual deve ficar suspensa varia
em razão da origem da instauração do incidente de sanidade mental. Se a realização da perícia
decorreu de pedido da própria defesa, a instrução deve ficar suspensa somente até o momento
em que a Administração disponibiliza a junta médica ao servidor, podendo ser retomada se
este injustificadamente não se sujeita à prova pericial; mas se a realização da perícia médica
decorreu de provocação ex officio da própria comissão, a instrução processual deve restar
suspensa até que a prova se concretize, nem que para isto a autoridade instauradora tenha de
lançar mão da já comentada possibilidade de provocar a Advocacia-Geral da União ou o
Ministério Público Federal para que solicitem ao Poder Judiciário a determinação para que o
faltoso se submeta àquela prova pericial
Em razão desta possibilidade de se ter de suspender o andamento do processo, este
exame pericial somente deve ter sua realização deliberada pela comissão se efetivamente
houver elementos que justifiquem se cogitar de dúvida acerca do perfeito estado de saúde
mental do servidor (como, por exemplo, alegações ou atestados particulares por ele mesmo
carreados aos autos). Como uma prova pericial lato sensu, sua realização se condiciona à sua
imprescindibilidade na formação da convicção, sobretudo se se reporta à capacidade de o
servidor acompanhar o feito.
Também se aplica aquela percepção ao se questionar a necessidade de que o servidor
já periciado venha novamente a se submeter ao incidente de sanidade mental. Se o objetivo
desta segunda perícia for avaliar a imputabilidade do acusado à época dos fatos, não há
necessidade de submissão a novo exame, já que aquela realidade pretérita não se alterará no
futuro; mas se o objetivo for avaliar sua capacidade de acompanhar o processo, a realização
de novo exame condiciona-se à existência de fatos novos acerca de sua alegada insanidade,
tais como novos exames, novas ocorrências ou novos tratamentos médicos.
Orientação Coger nº 6
A alegação de necessidade de submissão à nova perícia médica somente se
aplica diante de fatos novos para reavaliar a capacidade do servidor
acompanhar o processo disciplinar.
Mas pondere-se que, na hipótese de, após ter sido submetido à perícia em que a junta
médica tenha atestado a capacidade de o servidor acompanhar o processo, este venha, no
curso do inquérito administrativo, a apresentar apenas atestados particulares cogitando de
alteração ou de piora em seu quadro médico, a submissão a nova perícia pode ser postergada.
Diante desta situação em que a comissão dispõe de um laudo oficial e apenas de atestados
particulares posteriores que, em tese, contradizem aquela peça da junta médica, o colegiado
pode, antes de provocar que o servidor se submeta a nova perícia médica, tão somente remeter
estes documentos privados de seara médica aos peritos, a fim que estes, em seu múnus
próprio, avaliem se os novos elementos alteram a convicção externada no laudo oficial ou se
este pode ser mantido. Em outras palavras, diante apenas de tal divergência alegada pela
1028
Isto porque, por um lado, provavelmente, não se sustentará no julgamento um trabalho ágil
porém insatisfatoriamente instruído, com a consequência de um ônus ainda maior ao se
determinar seu refazimento ou sua complementação. Mas, por outro lado, deve a comissão,
simultaneamente, também atentar tanto para a qualidade de sua apuração quanto para a
celeridade, visando à eficiência, ao buscar conciliar segurança jurídica do trabalho com prazo
hábil.
Neste sentido, ainda que não tenha conseguido realizar todos os atos de prova de que
se poderia cogitar ou nem mesmo aqueles que a princípio considerava relevantes, pode ser
necessário a comissão deliberar o fim da instrução probatória. Tendo em mãos um conjunto
de provas já suficiente para formar convicção, à vista, por exemplo, da demora em obter uma
determinada prova complementar requerida ou da inviabilidade prática de se abarcar todo o
universo fático, pode ocorrer de a comissão ter de enfrentar a questão de bem motivar a
decisão de abrir mão de tais provas e de dar prosseguimento ao rito, sem com isto impor
prejuízo à qualidade de seu trabalho e à robustez de seu convencimento. Há situações em que
é mais razoável a comissão dispensar o preciosismo de esgotar ou exaurir a apuração,
concluindo ser suficiente para a formação da sua convicção um universo fático mais restrito,
porém bem comprovado, ao invés de buscar um universo fático mais extenso e frágil.
Como regra geral, concentrar esforços em configurar, por meio de provas
incontestáveis, uma quantidade discreta de atos é mais produtivo do que despender esforços
para tentar configurar extensiva ou exaustiva quantidade de atos, incluindo na apuração
elementos de frágil ou discutível convicção. É sempre extremamente improdutivo, além de
acarretar variadas formas de desgaste, quando a comissão abre demasiadamente o foco
apuratório, tentando abarcar seja um longo período pretérito seja um ilimitado contorno
fático. Ademais, a comissão não deve perder de vista que a apuração é sobre os fatos
constantes dos autos - aceitando-se a extensão para fatos que porventura tenham surgido no
decorrer do apuratório e que guardam relação de conexão com o objetivo inicial do processo -
e não sobre a vida como um todo do acusado. Ou seja, se após o esgotamento da instrução
probatória, já se tem um conjunto de provas suficientes para formar a convicção ou os fatos
inicialmente representados ou narrados ou os fatos a eles conexos não se comprovaram, deve
a comissão encerrar a apuração, em lugar de gastar esforços em apurar fatos sem nenhuma
conexão com o motivo original da instauração, devassando imotivadamente a vida do acusado
até encontrar algo criticável.
Ato contínuo à deliberação com que se declara encerrada a instrução probatória, a
comissão deve expressar a convicção obtida com a leitura das provas coletadas, na indiciação,
se for o caso de cogitar de responsabilização, ou diretamente no relatório, no caso de se
propor arquivamento. Para isto, a comissão avalia todo o conjunto probatório por ela mesma
coletado. Deve-se atentar para o fato de que nenhuma prova deve ser avaliada isoladamente.
Melhor dizendo, ao contrário, ao final da instrução, cada prova deve ser analisada no cotejo
das demais, avaliando-se sua conformação ou não com o todo probatório. Neste momento, a
comissão tem a seu dispor a análise crítica e a livre apreciação das provas que ela própria
trouxe aos autos, conforme o caput do art. 155 do CPP, sem se confundir com
discricionariedade e arbítrio, conforme já aduzido em 3.3.3.1. Desta forma, tem-se que não há
uma escala fixa de valoração da prova. O valor que se atribuirá a cada prova dependerá da sua
conformação ou não com o restante das provas. Por exemplo, não obstante se possa esperar,
em princípio, de uma oitiva de testemunha (tomada sob compromisso de verdade) maior valor
que de uma declaração descompromissada, pode ser que, na análise de um caso concreto, a
declaração descompromissada se revele mais coerente com as demais provas que uma oitiva
compromissada, conforme já se aduziu em 4.4.5. O mesmo já se alertou sobre uma possível
confissão, em 4.4.16.5.
CPP - Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação,
1030
assim se manteve até o final da busca de provas (a rigor, trata-se de hipótese pouco
comum na processualística disciplinar); ou
• tendo notificado algum servidor para acompanhar como acusado o processo, ao final da
busca de provas, restou comprovada a inocência do acusado; ou restou comprovado que
o acusado cometeu a irregularidade, mas o fez sob excludente de ilicitude (estado de
necessidade, legítima defesa, cumprimento de dever legal e exercício regular de direito,
conforme se verá em 4.6.2.2); ou não se obtiveram provas cabais nem da inocência e
nem do cometimento da irregularidade por parte do acusado (na insuficiência de prova,
prevalecem as máximas da presunção de inocência e do in dubio pro reo):
a comissão delibera em ata o final da instrução e, sem indiciação e sem defesa escrita,
apresenta o relatório à autoridade instauradora, com propostas de absolvição antecipada e de
arquivamento do processo.
STJ, Recurso Especial nº 1.090.425: “Ementa: (...) 2. A sentença penal
absolutória que reconhece a ocorrência de causa excludente de ilicitude
(estado de necessidade) faz coisa julgada no âmbito administrativo, sendo
incabível a manutenção de pena de demissão baseada exclusivamente em fato
que se reconheceu, em decisão transitada em julgado, como lícito. (...)”
“No final dos trabalhos apuratórios, chegando a comissão, de modo unânime
ou por maioria, ao convencimento de que o fato atribuído ao acusado foi
cometido em circunstâncias licitizantes (legítima defesa, estado de necessidade,
estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito), deverá, em
vez de indiciá-lo, suscitar o julgamento antecipado do processo.” José
Armando da Costa, “Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar”,
pg. 180, Editora Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005
“d) existência reconhecida de excludente de criminalidade (art. 23 do Código
Penal): se a sentença reconheceu que o ato foi praticado em estado de
necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou exercício
regular de direito, embora existente o fato, e com autoria determinada, a
conduta foi juridicizada e tal sentença faz coisa julgada no cível (art. 65, CPP).
Portanto, na esfera administrativa o efeito é o mesmo, a conduta perde o
caráter de ilicitude.” Edmir Netto de Araújo, “O Ilícito Administrativo e seu
Processo”, pg. 257, Editora Revista dos Tribunais, 1994, 1ª edição
Por outro lado, se as provas apontarem para a imputação do acusado, a comissão deve
indiciá-lo, como ato final da instrução, citando-o para apresentar defesa escrita, com posterior
apresentação do relatório à autoridade instauradora.
Havendo divergência de mérito ou de convicção dentro da comissão acerca da decisão
de indiciar ou não o servidor, remete-se ao que já se aduziu em 4.3.10.5.
Destaque-se que, quando se cogita de imputação contrária ao servidor, tanto pode se
cogitar de o servidor ter sido efetivamente o executor do fato em si quanto pode se cogitar de
ter sido responsável por sua ocorrência, de ter propiciado com sua conduta que o fato
ocorresse ou que terceiro o praticasse, concorrendo para a ocorrência.
contra-argumentação. Por exemplo, pode a comissão ter coletado determinada prova relevante
contrária ao acusado, a defesa tê-la contestado, apresentando uma contraprova, à qual, no
entanto, a comissão não tenha atribuído o valor de afastar aquele primeiro elemento
acusatório. Já que a menção à prova acusatória traz associada de forma inexorável também a
menção à contraprova de defesa, é necessário que a comissão, ao incluir o tal elemento
acusador na indiciação, também mencione a contraprova e os motivos de sua desconsideração
(pois, do contrário, constando a análise apenas do relatório, que se volta à autoridade
instauradora, a defesa não terá como contraditar o entendimento do colegiado).
Quanto a provas ou alegações de defesa antecipadas até o interrogatório e acatadas
pela comissão, pode ou não ser relevante mencioná-las na indiciação, de acordo com a
percepção de que tais temas ainda podem ou não ser relevantes na defesa escrita. Se as provas
ou alegações acatadas excluíram da indiciação parcela fática que guarda alguma relação com
os fatos que sobraram na indiciação, é interessante que a comissão manifeste expressamente o
acatamento daquelas teses, porque este entendimento do colegiado pode ser explorado pela
defesa contra o que ainda lhe restou imputado. De outro lado, se as provas ou alegações
acatadas excluíram da indiciação parcela fática sem qualquer relação com os fatos que
sobraram na indiciação, pode a comissão silenciar-se, deixando apenas tácito o acatamento, se
daí não vislumbra nenhum prejuízo à defesa acerca do que ainda lhe restou imputado.
Não obstante, o ideal é que a comissão cuide de esgotar todos os questionamentos
acerca da convicção antes do interrogatório do acusado, o que, consequentemente, também
antecederá a indiciação, de forma que, neste termo, pode a comissão apenas fazer remissão
aos elementos dos autos em que a ponderação de uma prova acusatória e de uma contraprova
da defesa já tenha sido realizada e dos quais o acusado já tenha tido prévia ciência (como, a
título de exemplo, uma ata de deliberação em que o colegiado já tenha exposto as razões de
não considerar a tal contraprova).
Sendo em síntese uma descrição fática da comissão voltada exclusivamente ao
servidor acusado (diferentemente do relatório, que é dirigido à autoridade instauradora), a
indiciação deve ter redação simples, compreensível por qualquer pessoa de senso mediano,
mesmo leiga em matéria jurídica (pois o próprio servidor pode se defender, não sendo
obrigatória defesa técnica), evitando-se latinismos, expressões jurídicas rebuscadas, citações
doutrinárias e jurisprudenciais.
E reitere-se que os conteúdos obrigatórios acima expostos não devem fazer confundir
o texto direto, sintético e enxuto da indiciação com o texto detalhado do relatório. O que
acima se expôs em termos de mencionar as provas relevantes na convicção em nada se
confunde com enumerar, descrever e muito menos reproduzir todos os atos de instrução na
indiciação, antecipando o grau de pormenorização cabível apenas no relatório.
Somente ao final da instrução admite-se a indicação precisa da materialidade e da
autoria (ou concorrência), daí porque se critica a precipitação de fazê-las na portaria de
instauração e de descrever irregularidades na notificação inicial para acompanhar processo,
conforme já se abordou em 4.2.2.1.1 e em 4.3.4.1.
Neste rumo, extrai-se da leitura sistemática da Lei nº 8.112, de 11/12/90, ao amparo de
manifestações da Advocacia-Geral da União (seus Pareceres AGU nº GQ-12, GQ-35, GQ-55
e GQ-121) e da jurisprudência, que existe uma coerente linha evolutiva a se seguir em caso de
responsabilização. Primeiramente, a portaria instauradora apenas se reporta ao nº do processo,
sem indicar fato irregular, enquadramento e autor. Em seguida, a notificação inicial para
acompanhar o processo como acusado é o primeiro momento em que se identifica o possível
autor ou responsável nos autos, ainda sem descrever a irregularidade e enquadrá-la. Somente
após a instrução contraditória, com toda a riqueza de verdade que lhe é inerente, eis então que
a comissão, na indiciação, pela primeira vez ao longo do processo, tem autorização legal para
formalizar acusação do fato apurado. Ademais, neste momento, a rigor, a comissão deve
apresentar o enquadramento na Lei nº 8.112, de 11/12/90, ao qual melhor se ajusta a conduta
1035
relatório, e sendo óbvio que a indiciação faz parte do processo, não tendo sido destacada
como uma subfase do inquérito força o entendimento de que o legislador considera a
indiciação como elemento de instrução. Ou seja, como tal, sendo elemento de instrução, pode
ser tido como necessário pela autoridade julgadora para que, ao final, esta possa se sentir
satisfatoriamente segura para emitir seu julgamento. Portanto, mais uma vez se reitera a
aplicação do princípio do in dubio pro societate ainda neste momento processual, forçando a
defesa a se manifestar, a fim de instruir os autos da forma mais completa, já que,
posteriormente, pode ser que a autoridade julgadora sinta a necessidade de ter a formal
acusação e a consequente manifestação da defesa como elementos indispensáveis à formação
de sua convicção e, neste caso, na hipótese de não ter havido indicação, a autoridade
julgadora se verá na obrigação de determinar a reabertura da instrução para que o colegiado
indicie, colete defesa e adite seu relatório com estas novas peças, conforme se abordará em
4.10.1.3. Destaque-se, inclusive, o desacerto de a comissão se arvorar a adentrar na análise
prescricional - que é afeta apenas à punibilidade e, portanto, da competência da autoridade
julgadora - e, por entender que a aplicação de determinada pena estaria prescrita, deixar, por
tal motivo de proceder à indiciação, pois não se pode antever qual será a convicção do
julgador.
“Assim, no intuito de se resguardar o interesse público, eventual incerteza a
respeito da conduta praticada deve ser esclarecida na defesa escrita, com a
posterior consolidação do entendimento da Comissão no Relatório Final. É
que, agindo de outro modo, a Comissão acabará levando a mesma dúvida para
a autoridade
julgadora, que, discordando da absolvição, terá que reabrir o processo para
nova instrução. Melhor, nestes casos, que se permita ao acusado apresentar a
defesa escrita, que poderá dirimir a dúvida e demonstrar claramente sua
inocência.
Um erro bastante comum nesta fase ocorre também quando a Comissão deixa
de indiciar o acusado porque considera que a conduta praticada enseja a
aplicação de uma penalidade que já se encontra prescrita. Se a conclusão da
Comissão se basear na opinião de que a infração cometida pelo indiciado está
sujeita às penas de advertência ou suspensão, a Comissão deve atentar para o
fato de que a autoridade julgadora pode discordar do relatório final, e entender
que a penalidade cabível seria a demissão. Ocorre que, tendo a Comissão
deixado de indiciar o acusado, a autoridade julgadora terá que reabrir o
processo caso discorde da Comissão, porque esta deixou de praticar ato
essencial à defesa, que é a indiciação dos acusados.”, Ministério da
Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União, “Manual de
Processo Administrativo Disciplinar”, pgs. 259 e 260, 2013, disponível em
http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.pdf,
acesso em 07/08/13
A propósito, convém aqui reforçar o que já foi aduzido desde a fase pré-processual de
admissibilidade e também ao longo de todo o trabalho apuratório sob encargo da comissão: a
instância disciplinar deve sempre permear sua atuação pela absoluta atenção a princípios
caros e informadores do Direito público punitivo, como os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade. E tal acepção se sedimenta, destacadamente, no momento em que a
comissão se depara com o conjunto probatório por ela mesma coletado e se vê diante da
dificuldade de enquadrar - ou não - a conduta em algum dispositivo imputador de
responsabilidade da Lei nº 8.112, de 11/12/90. Sendo preceitos soberanos até mesmo sobre a
normatização legal ou infralegal positivada, conforme já aduzido em 3.3, a comissão jamais
deve afastar sua forma de conduzir os trabalhos e, ao final, de manifestar uma convicção
(ainda que preliminar) da noção de razoabilidade e de proporcionalidade. Ainda que,
conforme explicitado acima, a indiciação não seja o momento processual adequado para
aprofundados temas jurídicos a ponto de se justificar menção a princípios, deve a comissão
atingir tal ponto do rito sob estrita observância daqueles preceitos, a despeito da fria
1039
enquadramento prepondera, sendo os demais descartados). Para tal fim, aplicam-se, como
regras de abstração, os critérios da alternatividade, da especialidade, da subsidiariedade e da
consunção. E, na mesma linha, segue a doutrina administrativista.
“Há, assim, óbice à persecução de punição do agente público quando, havendo
conflito aparente de normas, proceda-se a capitulações distintas, que ofereça
risco de dupla punição para o mesmo fato. Quando, na essência, tratar-se de
conflito aparente de normas, que, apesar de possível capitulação em mais de
um dispositivo da tábua disciplinar, somente uma deve prevalecer, em razão da
necessidade cogente de aplicação dos critérios da especialidade, da
subsidiariedade, da consução ou da alternatividade.”, Sandro Lucio Dezan,
“Direito Administrativo Disciplinar - Direito Material”, Vol. I, pgs. 260 e 261,
Editora Juruá, 1ª edição, 2013
“Dentro do direito disciplinar também se pode falar em conflito aparente de
normas tipificadoras de ilícitos à medida que, do mesmo modo, somente deve
haver uma capitulação para um determinado fato. Não há que se falar em
conduta disciplinar que esteja, pelos seus contornos descritivos, subsumida a
mais de um tipo sancionador de direito estatutário, posto que, por um único
resultado jurídico (e aqui no sentido de ofensa a bens jurídicos tutelados pelo
regime disciplinar), deve-se responder somente uma única vez: princípio do ‘ne
bis in idem’. Não obstante, em muitos casos a conduta do agente infrator
parece se encaixar em mais de um tipo disciplinar, declinando a existência de
um conflito de normas, porém esse conflito é meramente aparente e se
soluciona, a exemplo do direito penal, pelo emprego dos critérios da
especialidade, subsidiariedade, consunção e alternatividade”. Sandro Lucio
Dezan, “Direito Administrativo Disciplinar - Direito Material”, Vol. II, pg.
148, Editora Juruá, 1ª edição, 2013
O critério da alternatividade é empregado para se obter a resposta se uma conduta,
para a qual se cogita de dois enquadramentos, realmente poderia ser praticada da forma como
ambas descrevem. Se estes enquadramentos, por suas próprias naturezas, descrevem hipóteses
excludentes entre si, ou seja, se a conduta é tal que, a se empregar um dos enquadramentos,
obrigatoriamente não poderia ter sido cometida da forma como define o outro, tem-se a
solução de que não se trata de concurso de infrações mas sim conflito aparente de normas.
Em instância disciplinar, um exemplo de aplicação deste critério é a impossibilidade
de uma única conduta ter enquadramentos múltiplos em valer-se do cargo para lograr proveito
pessoal ou de outrem, cuja natureza é dolosa (conforme se abordará em 4.7.3.9), e em
proceder de forma desidiosa, cuja natureza é culposa (conforme se abordará em 4.7.3.15),
previstos, respectivamente, no art. 117, IX e XV da Lei nº 8.112, de 11/12/90, visto que, em
um mesmo ato, o servidor não pode ser apenas descuidado e ao mesmo tempo
intencionalmente desonesto.
O critério da especialidade resolve o conflito aparente de normas que guardam entre si
uma relação de gênero e espécie, apontando que deve prevalecer apenas a mais específica
(especial), em detrimento da geral. Tanto podem os dispositivos em aparente conflito se
encontrar na mesma lei quanto também podem estar em leis diferentes. A solução pela lei
especial não se associa ao momento de entrada em vigor e à gravidade da sanção prevista,
pois a lei especial pode ser anterior ou posterior e prever pena mais ou menos grave que a lei
geral.
Este tipo de conflito aparente de normas pode ocorrer em atos de servidores
integrantes de carreiras federais detentoras de estatuto próprio mas também vinculadas à Lei
nº 8.112, de 11/12/90. Assim, por exemplo, é aplicado aos membros do Serviço Exterior
Brasileiro, que têm como estatuto próprio a Lei nº 10.440, de 29/12/06, que prevê o dever
específico de atender pronta e solicitamente ao público em geral e em especial quando do
desempenho de funções de natureza consular e de assistência a brasileiros no exterior que,
devido a seu caráter especial, deve prevalecer sobre o dever geral imposto no art. 116, V, “a”
1043
anômala incida, pelo menos aparentemente, sob dois ou mais tipos.” José
Armando da Costa, “Incidência Aparente de Infrações Disciplinares”, pg. 88,
Editora Fórum, 1ª edição, 2004
E ainda mais extreme de dúvida que quando o fato engloba mais de um ilícito, sendo
um independente do outro, a indiciação deve destacar cada um deles, com enquadramento
múltiplo. Por exemplo, se, além de agir com inobservância do dever de tratar com urbanidade
as pessoas, o servidor em seguida afronta também a proibição de ausentar-se do serviço
durante o expediente, sem prévia autorização do chefe imediato, tem-se que, embora um
ilícito tenha precedido o outro, pode-se cometer o segundo independentemente do primeiro,
de forma que a indiciação terá conjuntamente o art. 116, XI e o art. 117, I, ambos da Lei nº
8.112, de 11/12/90.
Na instância disciplinar, independentemente de o múltiplo enquadramento advir de
concurso formal ou material de infrações, diante do caráter discreto das penas estatutárias
(apenas se listam a advertência, a suspensão de um a noventa dias e as penas expulsivas),
diferentemente da instância penal, não se cogita de se cumularem penas para um servidor em
um mesmo processo. Em outras palavras, em caso de mais de uma infração que cominem
penas distintas, aplica-se somente a mais grave; e, caso cominem a mesma pena, aplica-se
somente uma delas. Os efeitos negativos para o indiciado, no caso de múltiplo enquadramento
em um determinado processo, são: no caso de isoladamente cada enquadramento ter pena
básica de advertência, o concurso de infrações pode levar ao agravamento para suspensão
(conforme se aduzirá em 4.10.2.4.3); no caso de o enquadramento mais gravoso ter pena
básica de suspensão, o concurso de infrações pode levar a um agravamento na quantidade de
dias a suspender o servidor; e, quaisquer que sejam as penas de cada enquadramento, o
concurso de infrações permite a possibilidade de manutenção de um dos enquadramentos
caso, no relatório ou no julgamento, se decida pela inadequação do outro (o que pode ser
bastante relevante em caso de penas expulsivas).
Parecer AGU nº GQ-140, não vinculante: “Ementa: (...) O ato punitivo é
fundamentado num só dispositivo legal nos casos de infração singular e de as
plurais possuírem as mesmas características. Impõe-se a fundamentação
múltipla na hipótese em que os fatos ilícitos apresentem diferenciação em suas
conotações intrínsecas.”
Enfim, embora se tenha como regra a priori que uma única conduta gera um único
enquadramento, podem incidir infrações cumulativamente ao ato único - e também a mais de
um ato - desde que se observem os critérios que afastam o conflito aparente de normas, quais
sejam, de que não cabem enquadramentos cumulativos quando se aplicam os seguintes
critérios, advindos da instância penal:
• critério da alternatividade: não se cumulam enquadramentos contraditórios e
excludentes de natureza culposa e dolosa;
• critério da especialidade: não se cumulam enquadramentos que guardem relação de
espécie e gênero, prevalecendo o especial;
• critério da subsidiariedade: não se cumulam enquadramentos que guardem relação de
continente e conteúdo, prevalecendo o principal;
• critério da consunção: não se cumulam enquadramentos que guardem relação de meio e
fim, prevalecendo o final (absorvente).
Por óbvio, em todo este tema, também atua como princípio básico a impedir o
múltiplo enquadramento e a dupla apenação a inequívoca vedação de se sancionar um ato já
punido, sob pena de caracterizar o inaceitável bis in idem. Não obstante, destaque-se que tal
afirmação em nada afasta a possibilidade de a Administração anular, total ou parcialmente,
um processo disciplinar, em que se inclui o ato de julgamento, e determinar seu refazimento,
conforme se aduzirá em 4.12.
1046
4.6.1 - Introdução
Em que pese a consagrada independência das instâncias, vislumbra-se conveniente,
neste ponto do processo administrativo disciplinar, abordar, de forma bastante resumida e
introdutória, apenas alguns conceitos penais referentes à conduta do agente, por serem
relevantes para a indiciação. Alerta-se para que o principiante na matéria não se confunda: a
apresentação destes conceitos básicos da esfera penal visa a tão somente melhor
instrumentalizar o aplicador do Direito Administrativo Disciplinar no momento crucial de
decidir pela indiciação ou não nos arts. 116, 117 ou 132 da Lei nº 8.112, de 11/12/90; não há
indiciação com base em artigo do CP ou de qualquer outra lei especial definidora de crime,
pois esta matéria compete exclusivamente ao juízo criminal e não à autoridade administrativa.
Elege-se este ponto do texto pois, à vista da metodologia inicialmente descrita, de
inserir as fontes de Direito exatamente na fase do processo administrativo disciplinar em que
elas efetivamente são levadas em conta, é no momento de decidir pela indiciação que a
comissão deve ter em mente conceitos básicos de Direito Penal. Destaque-se que aqui se
busca mera introdução a estes conceitos, tão somente para auxiliar o entendimento dos
enquadramentos administrativos, não sendo intenção esgotar a discussão, devendo-se remeter
aos autores da doutrina penal para maior aprofundamento.
Preservadas as peculiaridades de cada esfera, na deliberação de indiciar ou não, a
comissão deve levar em consideração os conceitos de dolo, culpa, excludentes de
antijuridicidade e imputabilidade, a seguir resumidos.
Em síntese, o Direito Penal é a instância de Direito interessada na proteção de bens
jurídicos tutelados, relevantes para a sociedade, que o legislador, como representante,
protegeu, impondo a quem os agride, dentre outras, a mais severa das penas que o nosso
ordenamento permite (penas sobre o mais sagrado dos direitos, a liberdade).
confundem com a tentativa, visto que, naqueles conceitos, a não consumação do crime ou a
não produção do seu resultado decorre da vontade do agente e delimitam a responsabilização
apenas pelos atos porventura já praticados; e, nesta, a apenação equivale a um terço a até dois
terços da pena do crime consumado.
Nesta senda, importante ponderar que Lei n° 8.112, de 11/12/90, diferentemente da lei
penal, não define e muito menos sanciona o ilícito administrativo tentado. A mera tentativa de
prática ilícita que, uma vez consumada, teria albergue em algum enquadramento legal, não se
confunde com o correspondente ilícito consumado e não causa a responsabilização com
aplicação da pena que seria caso cabível tivesse havido a consumação enquadrável. Por óbvio,
a declaração acima não impede que os fatos até então cometidos (mas ainda não
caracterizadores e configuradores da consumação do ilícito) encontrem guarida em algum
outro enquadramento (em geral, de menor gravidade). A mero título figurativo, a intencional
conduta que viria a configurar ilícito de abandono de cargo, se, por motivo alheio à vontade
do servidor não perfaz completar mais de 31 dias consecutivos de ausência, não tem o condão
de configurar aquela infração demissiva (ainda que de fato esta fosse a vontade a mover o
autor), mas até pode vir a enquadrada no descumprimento do dever de assiduidade, mas não
há que se falar em imputação de “tentativa de abandono de cargo”.
CP - Art. 14 - Diz-se o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11 de julho
de 1984)
Crime consumado (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição
legal; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
Tentativa (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias
alheias à vontade do agente. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
Pena de tentativa (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a
pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois
terços.(Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
Desistência voluntária e arrependimento eficaz (Redação dada pela Lei nº
7.209, de 1984)
Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou
impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já
praticados.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)
“Quanto ao ilícito disciplinar, não é possível a punição pela tentativa, uma vez
que há disposição legal nesse sentido e também não há disposição legal
específica acerca da dosagem de pena disciplinar nesse caso. Desta forma, por
se apresentar como norma restritiva de direito, a punição pela tentativa de
ilícito disciplinar somente poderá ser levada a efeito se existir previsão legal
para isso, não se podendo falar em utilização da aplicação subsidiária da
norma de direito penal para tal mister, uma vez que se estampam como ramos
distintos do direito sancionador. Com efeito, a tentativa de prática de infração
disciplinar é fato atípico, salvo se houver possibilidade de capitulação em outro
tipo disciplinar residual ou previsão de ilícito de atentado, a exemplo do Inciso
LXIII, da Lei 4.878/65, onde se prevê a sanção do servidor com a realização de
conduta tentada.”, Sandro Lucio Dezan, “Direito Administrativo Disciplinar -
Direito Material”, Vol. III, pgs. 430, Editora Juruá, 1ª edição, 2013.
Ou seja, o fato concreto deve se enquadrar no tipo hipoteticamente construído no texto legal.
O tipo, por sua vez, em sintética análise, compõe-se minimamente de dois elementos:
• elemento objetivo, que é a descrição literal e formal da conduta reprovável na lei;
• elemento subjetivo, que é o ânimo interno - a priori genérico - do agente ao cometer
aquela conduta objetivamente descrita como reprovável.
A ressalva acima de que o tipo embute dois elementos se justifica porque há tipos que
embutem em sua literalidade, além daqueles elementos, termos ou expressões que exigem, do
aplicador, algum juízo de valor, inclusive sobre conceitos do mundo real extrajurídico
(elementos normativos do tipo) ou interpretação de conceitos extraídos de fontes legais ou
jurídicas (elementos jurídicos do tipo) ou que exigem uma determinada intenção específico do
agente em atingir determinado fim com sua conduta (elementos subjetivos do tipo).
elementos caracterizadores da responsabilização. Por tal motivo, ao longo de todo este texto,
se adota o desdobramento clássico dos ânimos subjetivos causadores de responsabilização,
entre dolo e culpa, descartando-se a construção empregadora do “erro grosseiro”. Ademais,
ainda que a técnica redacional quanto ao ânimo subjetivo estivesse correta, o texto restringe
ações verbais e condutas a decidir e opinar, o que, nem de longe, abarca toda espécie de ação
ou de omissão humana estatutariamente infracional.
forma de evitar o perigo ou se o agente tem como dever legal enfrentar o perigo.
CP - Estado de necessidade
Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar
de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo
evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era
razoável exigir.
§ 1º Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de
enfrentar o perigo.
Na legítima defesa, tem-se um fato típico praticado, sem excesso, para afastar ameaça
humana, atual ou iminente, e injusta, a direito. É inaplicável em favor do agente se a ameaça é
justa, pretérita, futura, remota ou evitável ou se a reação é desproporcional à agressão.
CP - Legítima defesa
Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios
necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de
outrem.
No cumprimento de dever legal, seria contradição no ordenamento uma norma exigir
determinada conduta e outra norma considerá-la crime. Somente é aplicável a favor do agente
se sua conduta típica decorrer de mandamento de lei, não se aproveitando para conduta
tomada em virtude de ordem cultural, religiosa ou moral.
No exercício regular de direito tem-se um direito exercido sem excesso, abuso de
poder ou constrangimento ilegal.
alguma forma resistível ou superável. Na segunda hipótese, o agente pratica conduta típica em
obediência à ordem não manifestamente ilegal recebida de superior hierárquico. Desta forma,
cumprindo a ordem, em função de sua subordinação hierárquica (pelo dever do art. 116, IV da
Lei n° 8.112, de 11/12/90) e sem sabê-la ilegal, o agente tem afastada sua culpabilidade, que
recai apenas sobre o mandante. Mas se a ordem é sabidamente ilícita, por não recair sobre o
agente o dever funcional de cumpri-la, ele não tem amparo na excludente da culpabilidade.
CP - Coação irresistível e obediência hierárquica
Art. 22. Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a
ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor
da coação ou da ordem.
Diferentemente de quando se exclui a tipicidade ou a antijuridicidade, a exclusão da
culpabilidade por qualquer dos motivos acima não afasta a configuração da conduta
criminosa. Neste caso, persevera-se afirmando que o crime houve; apenas o agente não
sofrerá a penalização.
No que mais interessa ao processo administrativo disciplinar, o acusado que tem a
sanidade mental questionada por meio de perícia médica oficial pode ser declarado
inimputável, caso reste dúvida acerca do entendimento da ilicitude da conduta, conforme já
aduzido em 4.4.17.
Por fim, conforme o art. 21 do CP, menciona-se o erro de proibição, que ocorre
quando o agente comete uma conduta que a princípio é típica e antijurídica mas o faz com
equívoco acerca da antijuridicidade ou sobre a ilicitude da conduta. Ausente total ou
parcialmente a consciência da ilicitude da conduta, este tipo de erro não afasta a tipicidade
dolosa mas sim a culpabilidade decorrente da antijuridicidade, já que o agente comete um fato
típico e que até é antijurídico mas o faz sem sabê-lo, presumindo-se amparado em alguma
excludente de ilicitude. Embora o desconhecimento da lei penal não seja uma válida arguição
a favor da defesa, se o agente comete o fato típico supondo, por erro inevitável (ou
invencível) a que tenha sido levado pelas circunstâncias, que a conduta não é contrária à lei
por estar amparada em excludente de ilicitude, afasta-se a culpabilidade. Mas se o erro é
evitável (ou vencível), a apenação é atenuada de um sexto a um terço.
CP - Erro sobre a ilicitude do fato
Art. 21. O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do
fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a
um terço.
Parágrafo único. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem
a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias,
ter ou atingir essa consciência.
“Sem adentrar nas inúmeras discussões que existem no Direito Penal acerca da
disciplina das consequências do erro de tipo e do erro de proibição, o que
importa na seara administrativa é que tendo o servidor praticado conduta que
aparentemente se adeque a uma infração disciplinar (típica, antijurídica e
culpável), verificado que o acusado assim agiu porque incorreu em erro
relevante, seja porque não tinha consciência, no caso concreto, da existência
de um elemento caracterizador da conduta típica (erro de tipo), ou porque
acreditava agir de forma lícita (erro de proibição), cumpre investigar se este
erro era evitável, isto é, se um servidor diligente não teria incorrido no mesmo
erro.
Se o erro era evitável, cabe a responsabilização se existir uma modalidade
culposa da conduta praticada. Se, por outro lado, mesmo o servidor diligente
teria incorrido no mesmo erro, exclui-se a possibilidade de responsabilização,
seja por ausência de dolo ou culpa (erro de tipo), seja por exclusão da
culpabilidade (erro de proibição).”, Ministério da Transparência, Fiscalização
e Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo Administrativo
Disciplinar”, pg. 268, 2013, disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/
GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.pdf, acesso em 07/08/13
Releva aqui sintetizar importantes definições acerca do tema em apreço. Enquanto erro
é tido como uma falsa noção de um fato ou de norma; a ignorância, mencionada no caput do
art. 21 do CP, é a total ausência de conhecimento sobre um fato ou sobre uma norma; e a
dúvida se caracteriza pela existência de mais de uma compreensão acerca de um fato ou
acerca de uma norma.
brandas), emprega não só termos que encontram definições jurídicas em outros diplomas
legais, sobretudo civis, extensivamente denomináveis de elementos normativos jurídicos do
enquadramento (por exemplo, cônjuge, companheiro, parentes até o segundo grau civil,
gerência e administração de sociedade privada, nos incisos VIII, X e XI do art. 117 daquela
Lei, cujas definições se encontram na lei civil; e legítima defesa, no inciso VII do art. 132 da
mesma Lei, cuja definição se encontra na lei penal), mas também emprega até termos que não
foram legal ou sequer formalmente definidos e que, por este motivo, extensivamente
denomináveis de elementos normativos subjetivos (ou valorativos ou extrajurídicos) do
enquadramento, requerem avaliação subjetiva em um trabalho de valoração ou de juízo de
valor a cargo do aplicador (por exemplo, zelo, lealdade, presteza, moralidade, urbanidade,
apreço, desapreço e dignidade, nos incisos I, II, V, IX e XI do art. 116 e nos incisos V e IX do
art. 117 da citada Lei).
Vale aqui trazer a conceituação extraída da doutrina penal, que, de um lado, denomina
de norma completa ou perfeita aquela norma que define o delito de forma precisa e
determinada, com todas as características de sua estrutura normativa, e dispensa qualquer
complemento para sua correta compreensão e, em contraponto a isto, denomina de norma
incompleta ou imperfeita aquela norma que possui elementos que requerem um complemento
normativo ou valorativo para sua integral compreensão, introduzindo os conceitos de norma
“em branco” e de norma “aberta”. Neste rumo, no primeiro grupo de enquadramentos acima,
têm-se exemplos de normas “em branco” (uma norma é denominada “em branco” quando sua
correta compreensão requer complementação normativa, ou seja, obtida em outra regra
jurídica, podendo ser homogênea se o complemento normativo se encontra em norma de
mesma instância legislativa - o complemento de uma lei se encontra em uma outra lei, por
exemplo -, ou heterogênea, se o complemento normativo se encontra em norma de maior ou
menor status legislativo - o complemento de uma lei se encontra em um decreto, por
exemplo). E, no segundo grupo de enquadramentos acima, têm-se exemplos de normas
“abertas” (na sequência da conceituação penal acima, uma norma é denominada “aberta”
quando sua integral compreensão requer complementação valorativa, ou seja, baseada em
jurisprudência ou doutrina ou até mesmo em vida concreta). Ainda nesta linha, se acrescente,
a titulo de informação, que, muito próximo do conceito de normas abertas, por também não
terem o alcance e a extensão do seu conteúdo precisamente positivados, têm-se os conceitos
jurídicos indeterminados, cuja perfeita compreensão de seus contornos depende da
conjugação de diversos fatores dinamicamente incidentes a cada caso concreto, tais como a
época, o local, e sobretudo as percepções pessoais e de cognição do aplicador da norma.
Sobretudo no que diz respeito a estes elementos normativos do enquadramento, não
por acaso e sem que se confunda com arbítrio, insegurança jurídica ou ausência de previsão
legal, para que de fato se pudesse abarcar em um único diploma legal todas as ações tidas
como infracionais - desde as de menor gravidade até as de maior grau de repulsa -, teve o
legislador de lançar mão de enquadramentos caracterizados pelo emprego de expressões
abrangentes. E esta elasticidade é maior nas imputações para penas mais brandas (advertência
e suspensão) do que nas imputações de penas capitais (demissão, destituição de cargo em
comissão e cassação de aposentadoria e de disponibilidade).
“Como se vê, a garantia da tipicidade não pode ser interpretada em
dissonância com o princípio da segurança jurídica, tendo em conta, sempre, a
dinâmica interna do Direito Administrativo Sancionador, que é diferente do
Direito Penal, mas guarda raízes comuns com a normativa que preside o
Direito Público Punitivo. Essas peculiaridades do terreno administrativo
admitem uma tipicidade proibitiva mais ampla, genérica, tendo por referência
o comando legislativo, mas também exigem coberturas normativas que induzam
à previsibilidade dos comportamentos proibidos.
Resulta clara a possibilidade de uso de normas em branco, cujos preceitos
primários são incompletos, carentes de uma integração normativa, em matéria
de Direito Administrativo Sancionador, até porque tal técnica não constitui
1057
penal, a regra geral é de o elemento subjetivo se satisfazer com a vontade genérica de o agente
cometer a conduta infracional objetivamente descrita na literalidade do enquadramento sem
ter uma finalidade específica em sua ação, movendo-se então este autor pelo ânimo que a
doutrina classifica de dolo genérico Excepcionalmente, a Lei nº 8.112, de 11/12/90,
estabeleceu enquadramentos em que a sua própria literalidade impõe a configuração de
elementos subjetivos específicos, de o agente ter uma intenção específica ao cometer
determinada conduta infracional (por exemplo, de coagir ou aliciar subordinados com o fim
específico de se filiarem a entidades classistas ou políticas ou valer do cargo com o fim
específico de lograr proveito pessoal ou de outrem, nos incisos VII e IX do art. 117 da citada
Lei). Enquanto a regra geral é se ter a possível responsabilização disciplinar associada tão
somente à vontade de o agente praticar a ação verbal do enquadramento (o chamado dolo
genérico), em especial, há possibilidade de repercussão disciplinar mais restrita que requer a
vontade de realizar a conduta para atingir um fim específico (o chamado dolo específico). Em
outras palavras, a menos de alguns poucos enquadramentos isolados, a regra geral para os
enquadramentos administrativos de índole dolosa é de que basta comprovar que o servidor
deixou de cumprir uma obrigação ou que violou uma proibição com consciência e intenção de
incorrer no ilícito, não sendo necessário esclarecer com que motivação o fez, o que buscava
alcançar com a conduta.
“O dolo, para efeitos de ser reconhecido no Direito Administrativo
Sancionador, é genérico, o mais amplo possível, raramente específico. Até
mesmo no Direito Penal se rejeita, hoje, como regra geral, o dolo específico.
Mais ainda se rejeita tal hipótese no Direito Administrativo Sancionador. O
dolo merece uma ampla conexão com os tipos sancionadores, que, por seu
turno, são compostos por conceitos jurídicos indeterminados, cláusulas gerais,
fatores que resultam incompatíveis com a tese do ‘dolo específico’.” Fábio
Medina Osório, “Direito Administrativo Sancionador”, pg. 447, Editora
Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2005
“A Administração deve provar o dolo do agente, quando exigido (...), não
sendo necessário demonstrar o motivo que o levou a praticar a infração. (...)
dispensa (...) a averiguação do fim almejado pelo agente, o chamado ‘dolo
específico’.” Regis Fernandes de Oliveira, “Infrações e Sanções
Administrativas”, pg. 27, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2005
Além da desnecessidade da comprovação do dolo específico, mesmo com todo
conservadorismo e atenção aos princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo
com que o aplicador do Direito deve atuar na matéria pública punitiva, cabe ainda uma
segunda ressalva acerca da configuração do dolo no processo, quando necessário para o
enquadramento. Se, por um lado, conforme se aduzirá em 4.7.1.1, como regra geral no regime
disciplinar, para se cogitar de enquadramento expulsivo, se faz necessário comprovar o dolo
na conduta do agente, por outro lado, não é de se exigir a integral transposição, para o
contexto jurídico das provas materializadas no processo, da verdade concreta que somente o
mundo real explicita. Em outras palavras, que em nada se confundem com arbitrariedade e
muito menos com leviandade e precipitação ao promover a indiciação do servidor e o
enquadramento da conduta sobretudo em enquadramento expulsivo, embora teórica e
conceitualmente se busque a verdade material processual que explique de forma absoluta os
fatos do mundo real, é de se reconhecer que, frequentemente, a formação da convicção de
existência ou não de dolo passa por algum grau de construção intelectual por parte do
aplicador do Direito, sendo-lhe permitido uma pequena e residual parcela de interpretação e
inferência - ou, nos termos já expostos em 4.4.1.1, de presunção e dedução, ao amparo da
percepção do mundo real, percepção esta que se inunda do conhecimento das praxes, das
condutas habitualmente perpetradas e das soluções adotadas pelo mesmo agente e por outros
agentes nos demais casos semelhantes à fatispécie sob análise..
“Como já noticiado, os ilícitos supracitados [art. 132, I a XII e art. 117, IX a
XVI da Lei nº 8.112, de 11/12/90] pressupõem, em regra, a responsabilidade
1060
subjetiva dolosa, quer dizer, o agente transgressor deve ter agido com intenção
ou, ao menos, ter assumido os riscos do resultado, excepcionando-se o ilícito
previsto no inciso XV do art. 117 da Lei n° 8.112/90 (“proceder de forma
desidiosa”), que pressupõe responsabilidade subjetiva culposa.”, Ministério da
Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União, “Manual de
Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 363, 2013, disponível em
http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/ GuiaPAD/Arquivos/Manual PAD.pdf,
acesso em 07/08/13
“b) Vastíssimo é o campo de aplicação das presunções de homem. Basta, para
se ter uma idéia da extensão da sua aplicabilidade, considerar que, em
princípio, são elas admissíveis nos mesmos casos em que o é a prova
testemunhal. Por meio delas se provam fatos das mais variadas espécies, não
só como prova subsidiária ou complementar mas também como prova principal
e única.
Mas, onde se manifesta, em toda a sua plenitude, a importância das presunções
simples, é quando se cura de provar estados do espírito - a ciência ou
ignorância de certo fato, a boa-fé, a má-fé etc. - e, especialmente, de provar as
intenções, nem sempre claras e não raramente suspeitas, ocultas nos negócios
jurídicos. Tratando-se de intenções suspeitas, ou melhor, nos casos de dolo,
fraude, simulação e atos de má-fé em geral, as presunções assumem papel de
prova privilegiada, ou, sem que nisso vá qualquer exagero, de prova específica.
Salientando a significação das presunções nesse terreno, dispunha o Código de
Processo Civil de 1939, art. 252: ‘O dolo, a fraude, a simulação e, em geral, os
atos de má-fé poderão ser provados por indícios e circunstâncias’.”, Moacyr
Amaral Santos, “Primeiras Linhas de Direito Processual Civil”, vol. 2, pg. 513,
Editora Saraiva, 24ª dição, 2008
À vista das provas regularmente coletadas, é lícito - e até se pode dizer que é mesmo
inerente à crítica e à analítica condição humana de qualquer aplicador do Direito - que
pequenas e minoritárias lacunas na formação integral da convicção acerca da existência ou
não do dolo seja integrada por percepções, inteligências, experiências, culturas e até mesmo
mero bom senso por parte do integrante da comissão ou da autoridade julgadora. Por vezes,
diante da cabal comprovação de que determinado fato antijurídico ocorreu, torna-se
necessário ao agente condutor dos trabalhos laborar com suas próprias visões, compreensões e
entendimentos acerca da inteligência pessoal e da experiência e da capacitação funcionais do
acusado em contrapartida à complexidade e a outros condicionantes concretos ou normativos
para a conduta infracional sob análise (como, por exemplo, admitir que determinada conduta
poderia ser efetivada culposamente mesmo por um servidor experiente ou, ao contrário,
inadmitir que determinada conduta poderia ser realizada por um servidor experiente com
ânimo subjetivo diferente do doloso). A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional também já
se manifestou reconhecendo tal possibilidade.
Parecer PGFN/CJU/CED nº 978/2009: “127. Diante de tais observações,
contendo fatos indiciários logicamente concatenados que apontam para a
caracterização de gravíssima infração funcional, não há como afastar a
intencionalidade da conduta do servidor (...) consistente em valimento do cargo
para lograr interesse pessoal ou de outrem em detrimento da dignidade da
função pública.
Atenta às nuances que caracterizam os fatos dessa natureza, dispõe a
Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção (no âmbito do Direito
interno, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006), em seu
art. 28: ‘O conhecimento, a intenção ou o propósito que se requerem como
elementos de um delito qualificado de acordo com a presente Convenção
poderão inferir-se de circunstâncias fáticas objetivas.’
128. Assente-se, ainda, que, somando-se aos fatos circunstanciais robustamente
demonstrados pelas provas carreadas aos autos e ante o panorama constatado,
temos a impossibilidade de se cogitar a ausência de dolo do indiciado (...) em
praticar os atos irregulares por se tratar de servidor experiente e qualificado
1061
enquadrável como ilícito em determinado inciso do art. 116 ou do inciso I a VIII ou XIX do
art. 117 e receber uma pena de advertência, sem nenhum prejuízo de um segundo servidor
poder cometer outro ato, de natureza completamente distinta, mas também enquadrável como
ilícito em outro inciso diferente do primeiro e receber a mesma pena de advertência. Por outro
lado, pode um terceiro servidor cometer o mesmo ato ilícito enquadrável no mesmo
enquadramento do primeiro e receber pena de suspensão de trinta ou até de noventa dias. Isto
porque, no regime disciplinar, a diferença da gravidade e da ofensividade não é primeiramente
medida pelo enquadramento, já que este não é típico e nem casuístico, mas é medida pelas
condicionantes da conduta, que indicarão a aplicação dosimétrica de uma pena ou de outra.
“Embora não sendo casuística, como ficou acentuado, a lei trata dos ilícitos e
das penas, descrevendo aqueles de forma sumária, até com referência aos mais
notórios (...). Não é casuística, mas é previsional, nos capítulos dos deveres e
das proibições. (...)
O Direito Administrativo Disciplinar não é casuístico, porém, mesmo não o
sendo, ele não pode deixar de consagrar determinados ilícitos cuja tipicidade
emerge com uma flagrância notória e necessária.
Enquanto o Direito Penal substantivo consagra o princípio consubstanciado no
velho brocado de que nullum crime nula poena sine lege, o Direito
Administrativo Disciplinar nele não vê similitude para capitulação dos ilícitos,
pois isto importaria no verdadeiro reconhecimento desta corporificação, ou
melhor, desta disjunção só cabível no Direito Penal.
Como a relação entre servidor e o Estado dimana do vínculo jurídico
estatutário, neste elemento residem alguns ilícitos, já enumerados, sem
embargo da preservação fortemente acentuada da moral administrativa e, em
última análise, do interesse público, que deve ser mantido através da mais
rigorosa observação da conduta do servidor.” Egberto Maia Luz, “Direito
Administrativo Disciplinar”, pgs. 72 e 82, Edipro, 4ª edição, 2002
Assim, mais especificamente naquele grupo de enquadramentos puníveis com penas
de advertência ou de suspensão de um até noventa dias e, consequentemente, de maior grau de
discricionariedade a favor da autoridade julgadora, não há, pela vontade da Lei, nenhuma
diferença conceitual de gravidade e de ofensividade entre eles. O que faz variar, dentro deste
grupo de enquadramentos, desde advertência até suspensão de noventa dias não é a
literalidade do enquadramento (visto que ele não é típico), mas sim a existência ou não,
ponderada, dos parâmetros de dosimetria elencados no art. 128 da Lei (a natureza e a
gravidade da infração, o dano dela decorrente, os atenuantes e os agravantes da conduta e os
antecedentes funcionais do infrator). E, de certa forma, o mesmo se aplica também para
aquele grupo de enquadramentos puníveis com penas expulsivas, apenas com a ressalva das
repercussões associadas a vedação de retorno do ex-servidor ao serviço público e medidas
extra-administrativas (como indisponibilidade de bens e ressarcimento ao erário),
estabelecidas nos arts. 136 e 137 da Lei nº 8.112, de 11/12/90.
4.6.3.1 - Voluntariedade
Conforme já dito em linhas acima, na instância administrativa, em que pese o dolo e à
culpa não integrarem expressamente os enquadramentos, não estando neles definidos nos
moldes da lei penal, deles não se pode prescindir para se cogitar de enquadramento na Lei nº
8.112, de 11/12/90, e, por conseguinte, de responsabilização administrativa. Ainda que a lei
estatutária, por sua própria natureza abrangente interna corporis, necessite abarcar em seu
regime disciplinar diversas condutas de pequena gravidade e de menor poder ofensivo, nem
mesmo para tais condutas se afasta da regra básica de que a responsabilidade administrativa
requer a comprovação de ato cometido no exercício do cargo, ou pelo menos a ele associado,
com dolo ou, no mínimo, com culpa (em suas formas de imprudência, imperícia ou
negligência).
1065
ignorância, por ser a total ausência de noção ou de percepção dos fatos ou das normas,
diferindo ainda de ambos o terceiro conceito, da dúvida, na qual o agente tem mais de uma
noção ou percepção do mundo real ou do ambiente jurídico.
O princípio da razoabilidade (implicitamente extraído do aspecto substancial do
princípio constitucional do devido processo legal e expresso no art. 2º da Lei nº 9.784, de
29/01/99) impõe que o aplicador analise de forma qualificada o caso concreto, em todas as
suas peculiaridades e condicionantes reais, antes de enquadrá-lo nas hipóteses generalistas dos
textos legais. Na matéria de que aqui se cuida, tal entendimento se manifesta na acepção de
que seria desarrazoado pressupor infalível o servidor ou dele exigir condutas heróicas ou
impossíveis e desconsiderar a predisposição ao erro.
Isto porque, mesmo no ambiente laboral e ainda que se presumam de excelência os
quadros humanos, formados por especialistas capacitados e bem informados, pode haver
erros, não se podendo desprezar a razoabilidade de tal aceitação, dentro de parâmetros
técnicos reconhecidamente aplicáveis à tarefa sob apreciação.
Diversas podem ser as fontes de falhas humanas: queda de atenção ou percepção,
opinião precipitada, preconcebida ou apressada sobre o assunto, distúrbios sensoriais,
cansaço, perda de concentração em atividades repetitivas, etc. Aqueles agentes públicos
investidos da função correcional, além de reconhecerem a falibilidade humana, devem ter em
mente a noção de que, em regra, se impõe ao servidor o exercício diuturno e continuado de
um conjunto de atribuições legais, de natureza por vezes complexa, em geral enfrentando a
dificuldade da tarefa de aplicar o Direito. Em outras palavras, a atividade administrativa, não
raro, exige daquele ser, falível por natureza: a correta identificação fática do caso concreto
que se opõe à sua frente; o conhecimento e a interpretação das normas que regem a matéria; a
precisa averiguação se aquele caso concreto se enquadra nas hipóteses previstas em norma
pelo legislador; e a tomada da decisão julgada por ele como correta para o caso concreto.
Nesta construção encadeada, o mero e simples exercício de suas atribuições legais (o que
exclui da análise aquele que nunca erra por nada fazer) naturalmente expõe a equívocos o
servidor atuante e que tem iniciativa, seja em função da leitura equivocada do fato concreto,
seja por imperícia na interpretação da norma, seja até mesmo por defeitos na redação da
norma.
“(...) Não é porque se trate [a Administração] de um ambiente profissional,
onde haja deveres de informação, mais acentuados, que se desprezará o espaço
aos erros razoáveis, dentro dos parâmetros técnicos reconhecidamente
aplicáveis ao setor especializado. Afinal, os profissionais também erram, e de
modo escusável, mesmo os maiores especialistas.” Fábio Medina Osório,
“Direito Administrativo Sancionador”, pg. 460, Editora Revista dos Tribunais,
2ª edição, 2005
Não se perde de vista que a instância administrativa disciplinar e mais especificamente
a eventual punição estatutária têm seu fundamento de validade para corrigir conduta irregular
e para inibir novas irregularidades. Desta forma, em caso de erro decorrente da mera
falibilidade humana, a penalidade administrativa não cumprirá seu efetivo papel e não se
sustentará, não se justificando sua aplicação, pois aquela falha escusável, ainda que
indevidamente punida uma vez, possivelmente ocorrerá de novo, por ser intrínseca à natureza
do homem.
Em atenção a tais aspectos de ordem prática, é possível, então, elencar os pressupostos
essenciais para que, à vista das condicionantes e peculiaridades de cada caso especificamente
(não se visa aqui, em tema tão conceitual e de delimitação controversa, a traçar regras gerais,
de aplicação indistinta a qualquer situação), se possa considerar a presença do chamado erro
escusável, com o condão de exculpar o servidor.
O tema foi abordado na Nota Técnica Coger nº 2006/1, em que se definiu o erro
escusável como a conduta equivocada por parte do servidor (isto é, em desconformidade com
1067
as normas legais e regulamentares) cuja apenação se evidencie ser irrazoável diante das
circunstâncias defrontadas no caso concreto.
Nota Técnica Coger nº 2006/1: “Ementa: Descabe a aplicação de penalidade
disciplinar a servidor público que tenha cometido equívoco, no desempenho de
suas atribuições, caracterizado como “erro escusável”, bem como a
instauração de processo disciplinar voltado à apuração do fato. Considera-se
escusável a conduta funcional consubstanciadora de equívoco caracterizado
pela ausência de dolo, eventualidade do erro e ofensa ínfima aos bens jurídicos
tutelados.”
Esta definição é plausível de ser evocada quando, à luz da falibilidade humana,
associada ao conjunto de atribuições legais e responsabilidades que recaem sobre o servidor
para o exercício diuturno de complexas tarefas, se tem configurado o inadequado
cumprimento de suas atribuições, cumulativamente:
• em atitudes culposas (em que há nexo causal entre conduta voluntária e resultado
involuntário; por óbvio, as condutas intencionais e conscientes não se coadunam com o
conceito do erro escusável) ou em que não se pode afastar a culpabilidade do agente (o
que seria possível na ausência de um dos seus três pressupostos: imputabilidade,
potencial consciência da ilicitude ou exigibilidade de conduta diversa);
• caracterizadas como equívocos eventuais (de pouca representatividade dentro do
universo de atividades desempenhadas pelo servidor), não caracterizadores de ilícitos de
natureza continuada ou de natureza habitual, e em situações que não despertam
nenhuma atenção especial (sem que fossem exigíveis, para o caso em concreto, cautelas
maiores que as normais e medianas, pois, em um caso assim, não será escusável o erro);
e
• de ínfimo poder ofensivo (as ofensas às normas de regência ou aos bens jurídicos
tutelados devem ser mitigadas por condicionantes atenuadoras, que não demonstram
atos de insubordinação, quebra de hierarquia, deslealdade ou outras máculas de conduta
ou de caráter).
Embora não se trate como um requisito necessário para a configuração do erro
escusável, pode se ter ainda, para determinado caso específico, a ausência de prejuízo ou a
configuração de prejuízo irrelevante ou contornável como mais um elemento a reforçar o
emprego do conceito. Advirta-se que isto não elide a possibilidade de aplicação do erro
escusável em casos em que há prejuízo relevante, uma vez que a presente construção
doutrinária requer apenas aqueles três requisitos cumulativos.
Por outro lado, ressalte-se que se o servidor tiver posterior percepção do erro e não
adotar qualquer providência para repará-lo, invalida o pressuposto de ausência de dolo.
A tese aqui exposta não contradiz o que se antecipou em 4.6. Ao contrário, a leitura
atenta destes dois tópicos permite compreender que, na instância disciplinar, em função da
forte vinculação da atividade administrativa, faz-se necessário mais do que invocar o princípio
da insignificância (no sentido de ofensa mínima, excludente da tipicidade) para se cogitar de
considerar uma conduta classificável como erro escusável (excludente da culpabilidade).
Enquanto a doutrina penal pode se satisfazer apenas com aquele princípio para defender a
imediata atipicidade da conduta e a consequente exclusão da ilicitude, a instância disciplinar
requer, para considerar como um erro escusável e, consequentemente, afastar a culpabilidade
pelo ato inegavelmente irregular, além da ofensa ínfima, que a conduta seja culposa e
eventual.
Na instância penal, em que o pressuposto já se inicia na conduta dolosa, à vista das
gravíssimas repercussões punitivas ao infrator, pode o juiz julgar pela exclusão da tipicidade
material, por insignificância, até mesmo em uma ação consciente e intencional. O mesmo não
se aplica na instância administrativa para se aplicar o conceito de erro escusável, visto que os
1068
ofensivo, como valimento de cargo, improbidade administrativa, corrupção, etc, para as quais
o art. 132 prevê demissão. Para abarcar, num único diploma legal, todo o universo de
condutas que, em diferentes graus, afrontam a normalidade interna da Administração, teve o
legislador de não só trazer à tona o conceito de enquadramento (em que diversas condutas de
ordem prática cabem em cada hipótese legal, em contrapartida à tipicidade penal), mas
também incluir no regime disciplinar condutas de pequena monta, em que, para algumas
delas, a fronteira com atitudes releváveis é bastante tênue. Destaque-se que isto não quer dizer
que os bens tutelados na instância administrativa sejam menos significativos que os da
instância penal (apenas para citar um exemplo, não se poderia considerar um ato de
improbidade administrativa menos nefasto que um peculato culposo).
Feita esta indispensável introdução, é preciso avaliar a forma com que se deve aplicar
este ferramental que o ordenamento dispôs à Administração, como instrumento reparador da
ordem interna afetada e como elemento inibidor de novas condutas irregulares. Em outras
palavras, deve-se entender como se aplicam aquelas inúmeras e abrangentes hipóteses legais
(os enquadramentos dos arts. 116, 117 e 132 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, abarcando um
grande leque de gravidade) aos casos concretos do dia a dia da Administração. Mais
especificamente para o tema em tela, aqui se busca esclarecer, para o aplicador da Lei, a
diferenciação, que se faz necessária, entre condutas de menor gravidade mas ainda assim
merecedoras da sanção disciplinar e condutas de ínfima afronta para as quais se pode defender
o afastamento da repercussão disciplinar, por se cogitar de não se ter configurado o aspecto
material da ilicitude, conforme se abordará adiante.
Para isto, antes, deve-se ter em mente (preservado o entendimento de que o espectro
de atuação é menor) a proximidade que esta matéria guarda com a instância penal. A índole
correcional impõe, desde o nascedouro de qualquer discussão a este respeito, a conduta
cautelosa de intervenção mínima, como que se emprestasse à instância administrativa
disciplinar uma postura excepcional e residual, a ser provocada tão somente quando os demais
remédios e instrumentos gerenciais não punitivos não surtem efeito restabelecedor da ordem
ou inibidor da desordem. Afinal, não se pode conceber a vulgarização do uso do mais amargo
dos remédios jurídicos que o ordenamento disponibiliza à Administração para a manutenção
da necessária ordem interna. Acrescente-se ser por demais cediço todo o ônus inerente à ação
disciplinar, independentemente de seu resultado final e mesmo quando proporcionalmente
manejada; e este ônus se enfatiza - tanto em aspectos materiais (custo financeiro, prejuízo da
produtividade na matéria-fim, etc), quanto em aspectos imateriais (fragilização da segurança
jurídica interna, prejuízos à honra do corpo funcional, etc) - quando a atuação se dá de forma
desarrazoada, precipitada e infrutífera.
Na esteira, reiterando o já aduzido em 3.3, não se pode deixar à margem da análise
princípios caros à instância administrativa, tais como da eficiência, da razoabilidade e da
proporcionalidade. É sabido que os princípios não são meras diretivas morais ou declarações
de intenção; ao contrário, informam, interpretam e, sobretudo, integram o Direito, mesmo
aqueles não normatizados. Embora possam advir de origens sociais e éticas, os princípios
jurídicos são elementos componentes do Direito e até podem, inclusive, alcançar o patamar de
fontes quando são consagrados na normatização ou na jurisprudência (o que, todavia, jamais
lhes retira a essência de serem princípios). Eles fornecem ao aplicador uma visão sistêmica do
ordenamento, interpretando seu sentido ou integrando suas lacunas.
A correta aplicação dos princípios requer a percepção de que independentemente de
advirem do texto constitucional, de lei, da construção doutrinária ou mesmo do Direito
natural, formam um conjunto de ferramentas que refletem a excelência do salutar jogo de
pesos e contrapesos em que deve se apoiar o Direito. Os princípios são mandamentos que
dinamicamente se intercomunicam, seja por vezes para se reforçarem mutuamente, seja por
vezes para que um atue como delimitador de outro. Nenhum princípio pode ser compreendido
de forma isolada e muito menos empregado de forma estanque e dissociada, em detrimento de
toda a base principiológica da instância de Direito em questão, como se prevalecesse de forma
1070
absoluta sobre os demais, não comportando freios em seu emprego. Devido ao alto grau de
abstração que os caracteriza, é possível que haja colisões entre os princípios aplicáveis a uma
mesma situação fática, ou seja, que dois ou mais princípios, passíveis de subsidiar
determinada decisão, conduzam o caso a soluções diametralmente opostas.
Ao contrário, o aplicador do Direito deve ter inequívoca percepção de que princípios
formam um conjunto dinâmico de forças que se amoldam e se delimitam. Os princípios
mutuamente se tocam, se tangenciam e se delimitam por meio de fronteiras dinâmicas e
flexíveis, que, por vezes, levam à extensão de um princípio em detrimento da compressão de
outro ou vice e versa. A desapaixonada apropriação da rica ferramenta jurídica que são os
princípios demonstra que nada impede que, por um lado, o aplicador entenda que dois ou mais
princípios que se tangenciam, em um determinado caso concreto, atuem dinamicamente em
mesmo sentido, se reforçando e se realimentando mutuamente; e que, por outro lado, não
incorre em nenhuma contradição este mesmo aplicador que, diante de outro conjunto fático,
julgue que aqueles mesmos princípios outrora tidos como consentâneos reforçadores de
determinada tese agora se repelem, devendo, neste caso, optar pelo princípio de maior
relevância para as peculiaridades do caso concreto.
Sendo assim, deve o aplicador do Direito, diante tão somente do caso concreto,
ponderar os enunciados principiológicos de modo a eleger, em detrimento de outros, aqueles
que proporcionem a decisão que mais coaduna com a finalidade e o interesse públicos, com
eficácia, justiça e aplicabilidade, preservando, porém, a validade e a vigência de todos os
princípios suscitados.
Pode-se, por exemplo, em determinada situação, tomar como inadmissível a afronta a
uma norma, elegendo os princípios da legalidade, da moralidade administrativa, da verdade
material, da oficialidade e da indisponibilidade do interesse público como vinculantes da
instauração do rito disciplinar. Sem prejuízo de, em outra situação, à vista dos princípios da
eficiência, da razoabilidade e da proporcionalidade, poder se ter o amparo necessário para não
instaurar a instância disciplinar, a despeito de aqueles cinco primeiros princípios a priori
apontarem o contrário. E, nesse segundo caso, não se está cogitando de mera manifestação de
vontade doutrinária, visto que o princípio da eficiência tem repouso constitucional (art. 37 da
CF) e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade estão formalmente positivados no
caput do art. 2º da Lei nº 9.784, de 29/01/99.
Ou seja, percebe-se que, quando a situação concreta parece aceitar mais de uma
solução (quando se conseguem argumentos a favor tanto da instauração ou da indiciação ou
da apenação quanto do arquivamento), atento a esta abordagem, lançando mão dos princípios,
o aplicador do Direito identifica qual opção melhor se amolda ao interesse público.
Na busca deste objetivo, tem-se a princípio que a atuação da Administração deve
atender à lei; mas, resgatando que o princípio da legalidade requer uma compreensão mais
complexa em sua aplicação, sem dúvida, ao mesmo tempo, tem de se cuidar de fazê-lo sem se
afastar do bom Direito, conforme aduzido em 3.3.2. O agente público investido da função
correcional (seja autoridade instauradora, comissão ou julgador), como aplicador do Direito,
não pode se abster do bom senso, do senso de justiça e de equilíbrio, da noção concreta dos
fatos e das vinculadas repercussões, por força da visão conglobante dos princípios da
eficiência, da razoabilidade e da proporcionalidade.
“Numa visão mais coerente e eqüânime do constitucionalismo atual, (...) a
garantia individual do princípio da legalidade não restará satisfeita apenas
com a circunstância de que as restrições impostas ao cidadão estejam previstas
em lei, mas sim que elas sejam proporcionais (...) o princípio constitucional da
legalidade deve-se associar ao princípio virtual e inorgânico da
proporcionalidade, cuja existência, ainda que não decorra de disposição
expressa, encontra-se implícita na concepção material do Direito
Constitucional moderno.”José Armando da Costa, “Direito Administrativo
1071
Parecer PGFN/CDI nº 687/2006: “22. Vê-se, pois, que até no âmbito penal,
que empresta tutela aos bens jurídicos mais caros e relevantes de uma dada
sociedade, foi necessário obtemperar um juízo meramente formal de
transgressão, ponderando sobretudo acerca da existência de lesividade e
danosidade da conduta em relação ao objeto jurídico penalmente protegido.
23. Essa racional distinção não merece rechaço do direito administrativo
disciplinar, mormente se se considerar que a tipicidade do ilícito disciplinar
não guarda os estritos contornos verificáveis no Direito Penal. (...)”
Retornando à análise da situação em tela em instância administrativa disciplinar, por
óbvio que a verificação da adequação material da conduta formalmente ilícita ao dispositivo
estatutário exige profundas e complexas valorações. Tal apreciação requer análise
individualizada de cada caso em concreto, à vista de diversos fatores, tais como
peculiaridades e condicionantes, não só do fato como do autor.
“(...) A tipificação do ato ilícito, na esfera do Direito Administrativo
Sancionatório, passa por um dúplice estágio: formal e material. (...)
A tipificação formal é apenas um primeiro passo no enquadramento da conduta
do agente, fruto, via de regra, de uma leitura preliminar do texto legal, na
perspectiva de incidência da norma. Necessário, ainda, verificar a adequação
material de sua conduta à norma proibitiva, o que pressupõe valorações mais
profundas, exame de particularidades comportamentais, circunstâncias
concretas, causas e motivações específicas e relevantes do agir humano, fatores
sociais complexos e influentes no resultado, enfim, um conjunto interminável de
circunstâncias. Logo, a tipicidade formal é uma espécie de estágio preliminar
no raciocínio jurídico da decisão, não o estágio definitivo.
O efetivo impacto da conduta formalmente típica no bem jurídico tutelado pela
norma repressiva é pressuposto da adequação típica material. Trata-se de um
processo que exige complexas valorações, notadamente do julgador, mas
também da autoridade administrativa. (...). Descreve-se a conduta proibida
com suporte em um juízo abstrato, valorativo de pautas comportamentais
básicas, levando em conta padrões de conduta abstratos. Sem embargo, a
ocorrência efetiva da conduta no mundo real torna imperioso o exame das
particularidades do caso concreto, daí emergindo a possibilidade de uma real
conduta que não ofenda, de fato, o bem juridicamente protegido.” Fábio
Medina Osório, “Direito Administrativo Sancionador, pgs. 246 e 247, Editora
Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2005
Decerto, por um lado, a título de exemplo, não se autoriza o afastamento da concepção
material à vista tão somente de pequena monta, já que há enquadramentos em que,
claramente, a tutela que se quer é de ordem moral e não patrimonial. Em condutas dolosas de
grave afronta (por exemplo, condutas que, além da instância disciplinar, também podem
provocar a instância penal, em razão de crimes contra Administração Pública), não há que se
cogitar de ausência de ilicitude material.
STJ, Habeas Corpus nº 109.639: “Ementa - (...) Princípio da insignificância.
Este Sodalício assentou o entendimento de ser inaplicável tal princípio aos
delitos praticados contra a administração pública, haja vista, nesses casos,
além da proteção patrimonial, o resguardo da moral administrativa. In casu,
não obstante o valor irrisório da coisa, é impossível a aplicação do princípio
da insignificância, uma vez que o delito fora praticado contra a Administração
Militar.”
Mas, por outro lado, a presente teoria pode elucidar pelo não sancionamento
disciplinar em condutas, por exemplo, embora formalmente ilícitas, mas que na prática são
toleradas pela praxe administrativa, conforme se aduziu em 4.3.10.3.1. E, sobretudo, com as
devidas cautelas, pode ser aplicada em condutas que, embora cometidas com intenção (o que,
por si só, já impede o apoio na construção doutrinária a que chamou linhas acima de erro
escusável, pelo fato de a conduta não ser meramente culposa), não atinjam o patamar de
1074
até mesmo dolosa a conduta, não caracterizável como mero erro escusável, pode não se
justificar a instauração, se for o caso de reduzida afronta aos deveres e proibições
estabelecidas exaustivamente na Lei nº 8.112, de 11/12/90.
É de se mencionar o Despacho do Consultor-Geral da União Substituto nº 129/2005,
também aprovado pelo Advogado-Geral da União, por meio do qual foi aprovada a Nota
AGU nº WM 6/2005, esposando o seguinte entendimento acerca de não aplicação de
penalidade em razão de infrações disciplinares consideradas de potencial ofensivo
insignificante.
Despacho do Consultor-Geral da União Substituto nº 129/2005: “Observo,
inicialmente, que a reafirmação do entendimento contido em diversas
manifestações desta Advocacia-Geral da União, no sentido da obrigatoriedade
da aplicação da pena de expulsão quando configurada infração disciplinar
prevista no art. 132 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, vale como
regra geral.
Ocorre, entretanto, que, na linha do despacho do Consultor-Geral da União, na
apreciação da Nota nº AGU/WM-24/2003, de 16 de junho de 2003, relativa ao
processo nº (...), já aprovado por Vossa Excelência, não se exclui a
possibilidade de, ‘quando for o caso, em face de infrações menores, de
potencial insignificante, afasta-se a aplicação da penalidade em razão de
atipia, como a concebem os tribunais no campo penal’. Em resumo, faltando
objetiva relevância jurídico-administrativa, a conduta, mesmo irregular, pode
ser considerada insuficiente para aplicar-se a penalidade.”
A título de mero exemplo, com todo o risco inerente de fazê-lo distanciado de um caso
concreto, pode-se ter um fato de pequeno insulto verbal proferido por servidor que, em
princípio, poderia encontrar enquadramento na Lei nº 8.112, de 11/12/90, em seu art. 116, XI
(quebra do dever de tratar com urbanidade as pessoas). Sendo ato intencional, de imediato, se
afasta a possibilidade de se aplicar o chamado erro escusável. Não obstante, à vista de
exemplificativas condicionantes de ter havido retratação do agressor e desconsideração da
ofensa por parte do agredido e de não ter ocorrido outras repercussões para o ato, em tese, se
poderia cogitar de a conduta formalmente ilícita não obter adequação material, por ausência
de afronta ao bem jurídico internamente tutelado, obtendo-se amparo nos princípios da
razoabilidade, proporcionalidade e eficiência para excluir o enquadramento e afastar a
instância disciplinar.
Por fim, ainda acerca do tema em comento, não obstante todas as ponderações de
economia de intervenção acima expostas, nada impede que a conduta sob exame possa
configurar transgressão à norma ou a princípio ético, conforme já se abordou em 2.2.2.2.1.
Pode-se até inferir uma razoável plausibilidade que determinado contexto fático, de um lado,
tenha incidido formalmente em afronta à norma estatutária mas não o tenha feito ao condão de
configurar a materialidade delitiva suscitadora da relevante reprimenda disciplinar possa, de
outro lado, ser suficiente para provocar a instância ética, vez que esta pode, em sintética
análise, ser compreendida como um minus em comparação à instância disciplinar. Desta
forma, deparando-se o sistema correcional com uma conduta que enseje a atribuição benéfica
da ausência de ilicitude material, é de se ponderar se não é o caso de se encaminhar à
competente Comissão de Ética da Secretaria da Receita Federal do Brasil (CE-RFB).
dezembro de 1990
lealdade (art. 116, II), como pode configurar cometimento de atividade incompatível (art. 117,
XVIII), quanto pode ser ato de improbidade (art. 132, IV). Ao destruir um bem público, pode-
se estar diante tanto de falta de zelo (art. 116, VII) quanto de dilapidação do patrimônio (art.
132, X). A lista de exemplos acima não é exaustiva e menciona artigos da Lei nº 8.112, de
11/12/90.
A diferenciação, em síntese, entre tais condutas extremadas reside basicamente na
configuração do elemento subjetivo do infrator: se agiu com culpa (com negligência,
imperícia ou imprudência) ou se agiu com dolo (com intenção e consciência do resultado ou
assumindo o risco do resultado). Conforme melhor já se aduziu em 4.5.3, a solução destes
conflitos aparentes de normas passa por critérios de alternatividade, especialidade,
subsidiariedade e consunção. E, também em apertadas palavras, sintetiza-se que, a menos da
desídia (inciso XV do art. 117 da Lei nº 8.112, de 11/12/90), o regime administrativo
disciplinar exige a existência de elementos indicadores do dolo para a aplicação das penas
expulsivas, enquanto, em regra, as atitudes culposas ensejam penas brandas.
“Pode-se afirmar, em síntese, que infrações de natureza culposa são, em regra,
enquadradas nos ilícitos disciplinares previstos nos arts. 116 ou 117, incisosI a
VIII, XVII a XIX, da Lei n.° 8.112/90; enquanto infrações de natureza dolosa
são enquadradas nos ilícitos previstos nos arts. 117, IX a XVI, ou 132 da Lei n.°
8.112/90. Excepciona-se da regra citada o ilícito administrativo “proceder de
forma desidiosa”, previsto no inciso XV do art. 117 da Lei n.° 8.112/90, que
pressupõe, nos termos já expostos em capítulo precedente, responsabilidade na
modalidade culposa.”, Ministério da Transparência, Fiscalização e
Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo Administrativo
Disciplinar”, pg. 352, 2013, disponível em http://
www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.pdf, acesso em
07/08/13
Quanto à necessária configuração de elementos indicadores do dolo para determinados
enquadramentos gravosos, remete-se a 4.6.3, onde se aduziu a desnecessidade de se
identificar o dolo específico, ou seja, o motivo que levou o servidor a realizar tal conduta
conscientemente infracional, bem como também se cogitou da possibilidade de a completa
convicção acerca da existência do dolo na conduta advir, em pequena parcela minimamente
integradora, de conhecimentos, experiências, conjecturas ou inferências do próprio aplicador
do Direito, vez que jamais se terá concretizado processualmente a ideal cabal comprovação,
na íntegra, do ânimo subjetivo que moveu o agente da conduta infracional.
Parecer PGFN/CJU/CED nº 978/2009: “127. Diante de tais observações,
contendo fatos indiciários logicamente concatenados que apontam para a
caracterização de gravíssima infração funcional, não há como afastar a
intencionalidade da conduta do servidor (...) consistente em valimento do cargo
para lograr interesse pessoal ou de outrem em detrimento da dignidade da
função pública.
Atenta às nuances que caracterizam os fatos dessa natureza, dispõe a
Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção (no âmbito do Direito
interno, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006), em seu
art. 28: ‘O conhecimento, a intenção ou o propósito que se requerem como
elementos de um delito qualificado de acordo com a presente Convenção
poderão inferir-se de circunstâncias fáticas objetivas.’
128. Assente-se, ainda, que, somando-se aos fatos circunstanciais robustamente
demonstrados pelas provas carreadas aos autos e ante o panorama constatado,
temos a impossibilidade de se cogitar a ausência de dolo do indiciado (...) em
praticar os atos irregulares por se tratar de servidor experiente e qualificado
para a função que exercia, conhecedor das normas regentes do procedimento
usualmente adotado na Receita Federal. (...). E, dessarte, irreal a mera
possibilidade de ocorrência de mero erro, o que vem reforçar a caracterização
infração prevista no art. 117, inciso IX, e no art. 132, inciso IV, ambos da Lei
1078
nº 8.112, de 1990.”
STJ, Recurso Especial nº 1.245.765: “Ementa: 13. Pontue-se, antes de
finalizar, que a prova do móvel do agente pode se tornar impossível se se
impuser que o dolo seja demonstrado de forma inafastável, extreme de dúvidas.
Pelas limitações de tempo e de procedimento mesmo, inerentes ao Direito
Processual, não é factível exigir do Ministério Público e da Magistratura uma
demonstração cabal, definitiva, mais-que-contundente de dolo, porque isto
seria impor ao Processo Civil algo que ele não pode alcançar: a verdade real.”
Uma vez que a configuração do elemento subjetivo importa relevantemente na
configuração do ilícito e, mediante a vinculação prevista na Lei nº 8.112, de 11/12/90, na
penalidade cabível, tem-se que a comissão deve ter sob atenção a grande responsabilidade do
ato de enquadrar na Lei o fato irregular comprovado com a instrução probatória. E, para isto,
deve dedicar especial atenção à configuração do ânimo subjetivo com que o servidor cometeu
a conduta comprovada. Daí, para citar os enquadramentos gravosos mais comuns, não cabe à
comissão enquadrar no art. 117, IX (valimento de cargo) e/ou no art. 132, IV (improbidade
administrativa), ambos da Lei nº 8.112, de 11/12/90, e consequentemente, propor aplicação de
pena expulsiva, se não coletou nos autos elementos minimamente indicadores da conduta
dolosa do servidor.
É necessário atentar que o Estatuto tem (sobretudo para as infrações que importem em
penas de advertência e de suspensão) enquadramentos atípicos de forma que, na situação
hipotética prevista pelo legislador em um determinado inciso dos seus arts. 116, 117 ou 132,
cabem inúmeras condutas práticas da vida concreta. Daí, enquadrar o fato apurado em algum
destes incisos abrangentes (o que, em visão precipitada, parece ser fácil) revela-se tarefa
difícil e de grande responsabilidade, devido às diferentes repercussões.
A comissão precisa levar em conta todas as condicionantes daquela conduta e do
agente, à luz da razoabilidade, da proporcionalidade, do bom senso, da equidade, do
equilíbrio, do senso de justiça e da impessoalidade, para enquadrar no inciso mais adequado e
justo. Até é verdade, como se verá em 4.10.4.1, que, diante de uma conclusão dissociada das
provas dos autos, pode a autoridade julgadora corrigir o enquadramento proposto pela
comissão. Mas há situações em que a proposta da comissão pode não ser a mais adequada mas
não chega a ser flagrantemente contrária à prova dos autos, de forma que fica mais difícil a
motivação para a autoridade julgadora alterar e aplicar o enquadramento ótimo.
A Advocacia-Geral da União também já abordou esta questão do escalonamento da
gravidade da infração:
Parecer AGU nº GM-17, não vinculante: “13. A avaliação da gravidade de
transgressões percebe-se e difere até no âmbito da legislação. Tanto que há
preceituações na Lei nº 8.429, de 1992, que, em sua literalidade, consideram
como improbidade administrativa a falta de lealdade às instituições, podendo
decorrer a penalidade expulsiva com as consequências drásticas supra
referenciadas, ao passo que a Lei nº 8.112, de 1990, impõe esse dever de o
servidor ser leal, todavia prevê o castigo de advertência, desde que o ilícito
´não justifique imposição de penalidade mais grave´ (arts. 116, II, e 129).
14. Na mesma forma de graduar a penalidade em razão da gravidade do ilícito,
exemplificativamente, a Lei nº 8.112 veda que o servidor oponha ´resistência
injustificada ao andamento de documento e processo ou execução de serviço´
(art. 117, IV) e viabiliza a apenação com advertência (arts. 117, IV, e 130),
conduta que importa omissão em praticar ato de ofício que a Lei nº 8.429
considera ato de improbidade administrativa, no sentido literal de sua
concepção.”
E, na mesma linha acima aduzida, o tema foi abordado na Nota Técnica Coger nº
2005/7.
1079
administrativo, se o faz sob ótica do servidor subordinado ou vinculado e não sob ótica de
particular porventura interessado por ter sido quem provocou a Administração. No presente,
importa avaliar se, para o servidor a quem se dirige o cumprimento ou acatamento do ato
administrativo, este se revela como norma, ordem ou comando de qualquer outra natureza,
não importando como o ato se manifesta para eventual particular que tenha peticionado a
Administração a se manifestar por decisão, interpretação, enunciado ou comunicação.
Em outras palavras, ao lado das normas administrativas, há, dentre as diversas formas
de a Administração unilateralmente emitir sua vontade, algumas outras espécies de atos cuja
menção aqui interessa, em razão de, apesar de suas distintas naturezas apriorísticas, em
determinados casos concretos, poderem suscitar dúvida se consubstanciam um comando
normativo. E, em tais casos de dúvida, destaca-se a possibilidade de não restar claro se
determinados atos administrativos, a despeito de suas possíveis teóricas classificações (como
ordinatórios, decisórios, enunciativos, interpretativos ou de comunicação), na essência de seus
comandos ou dispositivos, manifestam norma ou ordem dirigida a seu corpo funcional no
âmbito da Administração. A elucidação de tal fronteira, que por vezes se demonstra tênue e
imprecisa, pode se fazer relevante para determinado ato administrativo em especial, com vista
a esclarecer se sua inobservância ou se seu descumprimento, por servidor vinculado ou
subordinado, configura a infração enquadrada no presente inciso III ou no inciso IV, ambos
do art. 116 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, uma vez que, conforme se abordará em 4.7.2.4, em
contraposição à inflexível aplicação do princípio da legalidade em termos de submissão
funcional às normas, é possível uma ponderação por parte do(s) servidor(es) destinatário(s)
em caso de ordem emitida por autoridade superior. E esta necessária identificação, a grosso
modo, passa pela identificação da natureza geral ou individual do comando encartado no ato
específico.
Assim, já sob a restrita ótica da possível repercussão disciplinar, pertinente esclarecer
que atos administrativos gerais, de comando abstrato e impessoal e expedidos sem
destinatário específico dentro do corpo funcional vinculado ou subordinado, como regra, têm
natureza normativa, pois regulam indistintamente todos os que se encontram sob as mesmas
condições alcançadas por seus preceitos. Avançando-se na conceituação, além dos atos
inicialmente mencionados como inquestionavelmente normativos (decretos, regulamentos,
regimentos, instruções normativas, pareceres normativos, portarias normativas, orientações
normativas, normas de execução e editais), a eles também podem se somar determinadas
resoluções, deliberações, notas e notas técnicas, desde que de alcance geral.
Já os atos administrativos individuais, reguladores de situações jurídicas concretas e
dirigidos a destinatário(s) específico(s) dentro do corpo funcional vinculado ou subordinado,
ainda que aprioristicamente possam se classificar como decisórios ou de comunicação,
quando impõem encargos ao(s) servidor(es), como regra, podem assumir a natureza de ordem
(citam-se algumas específicas instruções, circulares, cartas, avisos e até mesmo determinados
ofícios, podendo todas estas espécies de atos dirigirem-se a um único destinatário
individualizado ou serem circularizados para vários destinatários identificados, além de
algumas ordens de serviço, decisões, despachos decisórios, súmulas, acórdãos, atos
declaratórios executivos, soluções de consulta ou de divergência vinculantes de órgãos ou
unidades legal ou regimentalmente competentes para emitirem manifestações de cumprimento
obrigatório). Acrescente-se que atos declaratórios interpretativos, notas executivas,
orientações consultivas, exposições de motivos, pareceres, informações e atos interpretativos
em geral, embora por si sós tenham natureza meramente opinativa e enunciativa, sem
estabelecer norma ou ordem sobre as situações abstratas ou específicas de que tratam,
assumem alguma destas duas naturezas quando se fazem acompanhar de aprovação da
autoridade.
Enfim, é de se verificar que os diferentes exemplos de espécies de atos administrativos
acima mencionados, dentro do presente foco de interesse de possível repercussão disciplinar
em decorrência de sua inobservância ou de seu descumprimento por servidor, embora tenham
1083
sido considerados alguns a princípio como normativos e outros a princípio como ordens,
podem, de acordo com a natureza do seu comando (geral ou específico) ter exemplares
concretamente considerados no grupo oposto. Nada impede que uma resolução, uma
deliberação ou uma portaria, por exemplo, se volte, como ordem, a apenas um servidor
destinatário ou a servidores destinatários coletivamente definidos ou que uma instrução, uma
circular, um aviso, uma ordem de serviço ou um despacho ou um ato declaratório voltem-se
abstratamente a servidores destinatários em geral, na forma de norma. Desta forma, diante de
notícia de desatendimento, por parte de servidor, de determinado comando encartado em ato
administrativo cuja natureza se encerra na fronteira imprecisa entre norma ou ordem, cabe ao
aplicador do Direito uma cautelosa análise, visto que há diferença relevante na possibilidade
de repercussão disciplinar ou não.
Auxilia ainda nesta importante diferenciação entre atos gerais e individuais - já que
aos primeiros não se contemplará espaço de discricionariedade por parte dos destinatários
para inobservá-los, enquanto há possibilidade para descumprimento de ordens ilegais -
destacar que os atos normativos possuem precedência hierárquica sobre os atos individuais
(não podendo estes contrariar aqueles). Ademais, os atos normativos são revogáveis a
qualquer tempo pela própria Administração e não podem ser impugnados por meio de
recursos administrativos, ao contrário dos atos individuais, que somente permitem revogação
ex oficio sob condicionantes mais severas e podem ser impugnados diretamente pelo
destinatário por razões de legalidade, tanto em via administrativa quanto judicial.
Feita esta introdução sobre a espécie de atos administrativos, detalha-se que, sem
prejuízo do equilíbrio harmônico principiológico, o princípio da legalidade, ao lado do
princípio da moralidade administrativa, é considerado um princípio informador dos demais
princípios constitucionais reitores da Administração Pública. E isto lhe atribui aplicação quase
totalitária na atividade pública, de forma que a vinculação ao ordenamento esteja, em
determinado grau, diluída e subentendida em todos os mandamentos estatutários. De fato, a
leitura atenta dos arts. 116, 117 e 132 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, leva a perceber que a
legalidade paira, manifesta-se e, por fim, repercute na grande maioria das infrações
disciplinares neles elencadas (enquanto as máximas da impessoalidade, da publicidade e da
eficiência têm suas repercussões mais pontuais e restritas). Em outras palavras, sendo este um
dos dois principais princípios norteadores da atividade pública, a grande maioria dos
enquadramentos disciplinares tem em sua base o descumprimento do dever de observar
normas legais e regulamentares, de forma que o dispositivo especificamente insculpido no art.
116, III valha quase que como regra geral e difusa dos deveres estatutários.
Sendo a atividade pública vinculada de forma que o agente público somente pode
fazer aquilo que o ordenamento expressamente lhe permite e uma vez que nenhuma norma
autoriza o cometimento de irregularidade, todo ato ilícito, em regra, passa, em sua base, por
uma inobservância de norma. Todavia, esta infração disciplinar pode ser absorvida por
irregularidades mais graves. Daí, o enquadramento neste inciso somente se justifica se o ato
não configura irregularidade mais grave.
Além da questão da gravidade, a diferenciação entre o enquadramento de uma conduta
no inciso III do art. 116 ou nos demais incisos deste artigo ou nos arts. 117 e 132, todos da
Lei n° 8.112, de 11/12/90, também pode advir da análise se o ato infracional comporta ou não
enquadramento mais específico, a prevalecer sobre aquele mais geral e difuso, de forma que
se pode cogitar de lhe atribuir valor quase residual. E, neste aspecto, além da busca do
esclarecimento do ânimo subjetivo com que o ato foi cometido (se com culpa ou se com
dolo), também pode ainda se fazer necessário identificar a ocorrência ou não dos parâmetros
elencados no art. 128 da Lei n° 8.112, de 11/12/90, para diferenciar se o ato, por exemplo,
justifica ser enquadrado em afronta do dever de observar normas legais ou regulamentares
(art. 116, III da citada Lei) ou se merece enquadramento na proibição de valer-se do cargo
para lograr proveito pessoal ou de outrem (art. 117, IX da mesma Lei).
1084
inobservância. Todos os atos legais (em sentido extensivo do termo) são publicados (seja em
DOU, seja apenas internamente). Tampouco costuma prosperar a alegação de falta de
treinamento ou capacitação. É dever do servidor, inerente à sua função, manter
comprometimento e qualidade nos trabalhos, de forma que a ele próprio incumbe manter-se
atualizado com as mudanças e inovações legais e diligenciar para se familiarizar com o
ordenamento que rege sua matéria de trabalho.
Decreto-Lei nº 4.657, de 04/09/42 - Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei,
alegando que não a conhece.
Formulação Dasp nº 73. Erro de direito
Aplica-se ao Direito Administrativo o princípio de que “ninguém se escusa de
cumprir a lei alegando que não a conhece”
Parecer Dasp. Abandono de cargo - Ignorância da lei
A ignorância da lei não é cláusula excludente da punibilidade.
se, no prosseguimento da conduta, o servidor deu ou não alguma destinação ao dado acessado.
Pune-se a mera conduta - que, aqui, sempre se subentende dolosa - de acessar imotivadamente
o dado protegido, independentemente do resultado desta conduta.
Na esteira, a comprovada falta do devido cuidado na guarda, proteção e utilização de
senha ou seu empréstimo a outro servidor, ainda que habilitado, para acesso a sistemas
informatizados, pode configurar a infração de não observar o dever funcional de exercer com
zelo as atribuições legais do cargo, já descrita linhas acima.
Na normatização interna, a previsão legal para a caracterização do acesso imotivado
encontra-se, atualmente, na Portaria SRF nº 450, de 28/04/04, que revogou a Portaria SRF nº
782, de 20/06/97, e também na Portaria RFB nº 2.344, de 24/03/11, que embora igualmente
trate do tema, não revogou nem expressa e sequer tacitamente a primeira norma,
compreendendo-se que ambas vigoram simultaneamente. Ambas permitem leitura a contrario
sensu de que acesso imotivado é todo aquele acesso a dados constantes de sistemas
informatizados realizado à margem do interesse e da necessidade do serviço.
Portaria SRF nº 450, de 28/04/04 - Art. 7º O acesso aos ativos de informação e
ao ambiente informatizado da SRF deve ser sempre motivado por necessidade
de serviço, devendo ser controlado e restrito às pessoas autorizadas.
Art. 23. O descumprimento das disposições constantes nesta Portaria e demais
normas sobre segurança da informação caracteriza infração funcional, a ser
apurada em processo administrativo disciplinar, sem prejuízo das
responsabilidades penal e civil.
Portaria RFB nº 2.344, de 24/03/11 - Art. 4º As informações protegidas por
sigilo fiscal, contidas em sistemas informatizados, somente poderão ser
acessadas no interesse da realização do serviço.
Merece menção o fato de que a vigente Portaria RFB nº 450, de 28/04/04, ao cogitar
de responsabilidade, o fez, em seu art. 23, de forma muito mais sintética do que constava da
Portaria SRF nº 782, de 20/06/97, por ela revogada. Não obstante a revogação desta Portaria,
permanecem válidos alguns conceitos de ordem prática nela encartados, como por exemplo a
didática diferenciação de condutas que se segue: o mero acesso sem motivação aceitável ao
banco de dados, pode configurar inobservância de norma (no presente art. 116, III do
Estatuto); já a revelação, para outro servidor da Secretaria da Receita Federal do Brasil, dos
dados acessados, pode configurar inobservância de norma e quebra do dever de guardar sigilo
sobre assunto interno (art. 116, VIII do Estatuto, linhas a seguir); já a revelação, para
estranhos à Secretaria da Receita Federal do Brasil, dos dados acessados, pode configurar a
grave irregularidade de revelação de segredo obtido em razão do cargo (art. 132, IX do
Estatuto, que será visto em 4.7.4.9).
Similar encadeamento, desde o acesso, passando pela utilização, até a revelação de
dados protegidos por sigilo bancário, pode ser visto nos arts. 8º a 12 do Decreto nº 3.724, de
10/01/01, já reproduzidos em 4.4.12.5.
Isto posto, destaque-se a possibilidade de não só acessos imotivados mas também
desleixo na guarda de senha e seu empréstimo caracterizarem, na íntegra de seu íter e do
ânimo subjetivo de seu agente, condutas mais graves que aquelas apontadas na norma (a
priori, a Portaria RFB nº 2.344, de 24/03/11, aponta os enquadramentos no art. 116, I e III da
Lei nº 8.112, de 11/12/90), tais como no art. 117, IX ou no art. 132, IV ou IX, ambos da
mesma Lei, a título de exemplos. Em tais casos, evidentemente, deverá a comissão comprovar
e materializar nos autos os elementos formadores de convicção da gravidade e do forte grau
de repulsa da conduta do servidor a ponto de merecer enquadramento expulsivo. O que quer
se ressalvar aqui é que não necessariamente condutas de desleixo na guarda da senha ou seu
empréstimo e de acesso imotivados obrigam os enquadramentos brandos indicados na
Portaria RFB nº 2.344, de 24/03/11.
Portaria RFB nº 2.344, de 24/03/11 - Art. 5º Configura infração do servidor
1087
Plácido e Silva, “Dicionário Jurídico”, pg. 458, vol. II, Editora Forense, 7ª
edição, 1982
Comete ato de indisciplina quem não cumpre disposição de caráter geral,
imposta a todos os servidores. Se, no entanto, há recusa no sentido de satisfazer
ou executar essa ou aquela tarefa determinada por superior hierárquico,
configura-se insubordinação (...). Assim, a indisciplina tem caráter genérico e a
insubordinação caráter específico, resultantes da vontade do servidor, em
contrariar ordem”, Francisco Xavier da Silva Guimarães, “Regime Disciplinar
do Servidor Público Civil da União”, pgs. 11 e 12, Editora Forense, 2ª edição,
2006
“Quando, porém, deixa o agente público, pacífica e sorrateiramente, de
cumprir as determinações legais do chefe, terá cometido tão somente o delito
disciplinar de natureza leve previsto no art. 116, inciso IV, da Lei nº 8.112/90,
sujeitando-se, por via de conseqüência, à pena de advertência, nos termos do
art. 129 dessa mesma lei.
Já o desacato, direto ou difuso, à ordem hierárquica concreta ou proveniente
de norma ou regulamento (ordem normativa) - chegando a vulnerar e
prejudicar de modo intenso a desenvoltura das atividades funcionais da
repartição - constitui insubordinação grave em serviço, nos termos do art. 132,
IV, da Lei nº 8.112/90, punível com a pena capital de demissão.”, José
Armando da Costa, “Direito Administrativo Disciplinar”, pg. 525, Editora
Brasília Jurídica, 1ª edição, 2004
(Nota: Subentende-se que o autor quis se referir ao inciso VI e não ao IV do
art. 132.)
No contraponto às condutas eivadas de forte teor de afronta e de desrespeito
manifestados de maneira explícita e dolosa e que acarretam a quebra da relação laboral-
estatutária entre a Administração e o infrator, conforme se aduzirá em 4.7.4.6, aqui se
enquadram condutas de inobservância do dever de obediência a ordens ou a tarefas cometidas
nas três espécies culposas ou até mesmo dolosas, mas limitadas, neste segundo, caso a
hipóteses que não se enriquecem pelas condicionantes de gravidade acima exemplificadas e
que carreiam para o enquadramento demissivo.
No enquadramento sob análise, não há na conduta do infrator um patamar de
gravidade tamanho que torne insustentável a sua continuidade dos quadros públicos. É certo
que o princípio da hierarquia, consubstanciado no apriorístico dever de obediência do
subordinado, não tolera insubmissão frente a ordens ou tarefas determinadas por superior
hierárquico e emanadas sob amparo legal, tanto no aspecto formal de a quem incumbe
obedecer (se de fato o destinatário é subordinado hierarquicamente ao emanador) e a quem
compete ordenar (se de fato o emanador é superior hierárquico do destinatário) quanto no
aspecto material do conteúdo legal da ordem ou da tarefa em si
Todavia, em razão de sua conduta estar vinculada à legalidade, não deve o servidor
obedecer a ordem manifestamente ilegal ou sobre fato estranho ao serviço. Se a ordem é
flagrantemente ilegal, ou seja, de ilegalidade facilmente perceptível, além da
responsabilização de quem a ordenou, o seu acatamento por parte do subordinado também
configura irregularidade. Por outro lado, se a ordem é ilegal mas somente o mandante o sabe,
não havendo condições de o subordinado saber da ilicitude, apenas aquele comete a
irregularidade. Da mesma forma, se o cumprimento da ordem se dá por coação irresistível,
somente o mandante incorre em responsabilização.
CP - Coação irresistível e obediência hierárquica
Art. 22. Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência à
ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor
da coação ou da ordem.
Formulação Dasp nº 68. Co-autoria
São co-autores da infração disciplinar o funcionário que a pratica em
1090
por suposta infração disciplinar, pois se o legislador entendeu que até a inadequada
provocação por supostos atos de maior gravidade (crime ou improbidade - os quais, aliás, em
ato funcional, obrigatoriamente também configuram ilícito disciplinar) não deve merecer
repercussão disciplinar ao representante, menos ainda se deve cogitar de tal hipótese em
virtude de comunicação de suposta infração estatutária.
Lei nº 8.112, de 1990 - Art. 126-A. Nenhum servidor poderá ser
responsabilizado civil, penal ou administrativamente por dar ciência à
autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, a outra
autoridade competente para apuração de informação concernente à prática de
crimes ou improbidade de que tenha conhecimento, ainda que em decorrência
do exercício de cargo, emprego ou função pública. (Incluído pela Lei nº 12.527,
de 18/11/11)
Em razão das definições já apresentadas em 2.5.3.4, este ilícito tem natureza
permanente, pois, embora a ilicitude já se consuma desde o primeiro momento em que o
servidor tem ciência da suposta irregularidade e se omite no dever de representar, a conduta
antijurídica de afronta se prolonga no tempo até que o infrator resolva cumprir o dever legal.
prejuízo ou ao dano, causados com dolo ao bem público (que poderiam, em princípio, ser
enquadrados no art. 117, XVI, utilizar pessoal ou recursos da repartição em serviços ou
atividades particulares ou no art. 132, X, lesão aos cofres públicos e dilapidação do
patrimônio nacional, ambos da Lei nº 8.112, de 11/12/90, que sujeitam o agente à pena de
demissão).
quando a apresenta, mas não convence a chefia), não afasta a também eventual repercussão
disciplinar, pois são reflexos independentes de uma mesma conduta. O segundo ponto que se
destaca é que não é dado à chefia o poder de alterar a jornada semanal de seu subordinado,
dispensando-o do cumprimento de sua carga horária e tampouco cabe ao servidor a
discricionariedade de optar pela ausência para posteriormente, a seu critério, compensar.
Infralegalmente, o Decreto nº 1.590, de 10/08/95, regulamentou, no art. 7º, que atrasos
ou saídas antecipadas, se decorrentes de interesse de serviço, poderão ser abonados pela
chefia imediata, dispensada a compensação de horário e, obviamente, sem repercussão
pecuniária e disciplinar. Este Decreto também determinou, no § 2º do art. 5º, a
obrigatoriedade de se registrar de uma a três horas diárias como intervalo para refeição. A
norma em questão, no § 4º do art. 5º previu ainda a possibilidade de controle semanal de
ponto no caso de atividades externas (como é o caso de fiscalização, por exemplo) cujas
condições materiais impeçam registro diário, tendo sido tal controle posteriormente
dispensado pelo Decreto nº 1.867, de 17/04/96, dispondo em seu art. 3º, apenas que estes
servidores terão o seu desempenho avaliado pelas chefias imediatas.
Decreto nº 1.867, de 17/04/06 - Art. 3º Ficam dispensados do controle de ponto
os servidores referidos no § 4º do art. 6º do Decreto nº 1.590, de 1995, que
terão o seu desempenho avaliado pelas chefias imediatas.
Dentro da possibilidade prevista no art. 19 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, o art. 3º do
Decreto nº 1.590, de 10/08/95, estabeleceu ainda a exceção de jornadas semanal de trinta
horas e diária de seis horas, sem intervalo de almoço, para casos de serviços que devam
funcionar de forma ininterrupta por mais de doze horas, com turnos ou escalas, em razão de
atendimento a público ou trabalho noturno. Os comandos legais e normativos até aqui
apresentados foram consolidados pelo órgão central do Sistema de Pessoal Civil da
Administração Federal, a Secretaria de Gestão de Pessoas do Ministério do Planejamento,
Desenvolvimento e Gestão (MPDG/SGP), nos arts. 10 a 22 da Instrução Normativa
MPDG/Segep nº 2, de 2 de setembro de 2018, vinculante em toda Administração Pública
federal, mas de desnecessária reprodução.
Decreto nº 1.590, de 10/08/95 - Art. 1º A jornada de trabalho dos servidores da
Administração Pública Federal direta, das autarquias e das fundações públicas
federais, será de oito horas diárias e:
I - carga horária de quarenta horas semanais, exceto nos casos previstos em lei
específica, para os ocupantes de cargos de provimento efetivo;
II - regime de dedicação integral, quando se tratar de servidores ocupantes de
cargos em comissão ou função de direção, chefia e assessoramento superiores,
cargos de direção, função gratificada e gratificação de representação.
Art. 3º Quando os serviços exigirem atividades contínuas de regime de turnos
ou escalas, em período igual ou superior a doze horas ininterruptas, em função
de atendimento ao público ou trabalho no período noturno, é facultado ao
dirigente máximo do órgão ou da entidade autorizar os servidores a cumprir
jornada de trabalho de seis horas diárias e carga horária de trinta horas
semanais, devendo-se, neste caso, dispensar o intervalo para refeições.
(Redação dada pelo Decreto nº 4.836, de 09/09/03)
§ 1º Entende-se por período noturno aquele que ultrapassar às vinte e uma
horas. (Redação dada pelo Decreto nº 4.836, de 09/09/03)
Art. 5º
§ 2º O intervalo para refeição não poderá ser inferior a uma hora nem superior
a três horas.
Art.6º
§ 4º Os servidores, cujas atividades sejam executadas fora da sede do órgão ou
entidade em que tenha exercício e em condições materiais que impeçam o
registro diário de ponto, preencherão boletim semanal em que se comprove a
respectiva assiduidade e efetiva prestação de serviço.
Art. 7º Eventuais atrasos ou saídas antecipadas decorrentes de interesse de
1105
jornada de trabalho, preferencialmente, será cumprida entre 9 horas e 18 horas. Além disto, a
Portaria RFB nº 1.863, de 30/10/14, ressalvou as peculiaridades das atividades
desempenhadas em ambiente externo, conforme o § 4º do art. 5º do Decreto nº 1.590, de
10/08/95, e o Decreto nº 1.867, de 17/04/06; das atividades desempenhadas sob molde de
teletrabalho, conforme as Portarias RFB nº 497, de 20/07/12, e n° 2.383, de 13/07/17; das
atividades de atendimento nos termos da Portaria RFB nº 457, de 28/03/16; e das atividades
desempenhadas em regime de plantão, escala ou turnos alternados de revezamento, para as
quais o § 3o do art. 3º da Lei nº 11.890, de 24/12/08, estabelece jornada mensal máxima de
192 horas de trabalho.
Portaria RFB nº 1.863, de 30/10/14 - Art. 2º O horário de funcionamento nas
unidades da RFB compreende o período das 8 horas às 21 horas, nos dias
úteis, de segunda-feira a sexta-feira, salvo disposto em normativo específico.
Parágrafo único. O horário de que trata o caput poderá ser antecipado em uma
hora, no caso de unidade com demanda justificável de atendimento ao público,
desde que haja infraestrutura compatível.
Art. 3º A jornada de trabalho do servidor em exercício na RFB será de 8 horas
diárias e 40 horas semanais, salvo o disposto nesta Portaria ou ato normativo
específico.
Parágrafo único. A jornada de trabalho a que se refere o caput será
preferencialmente cumprida das 9 horas às 12h30min e das 13h30min às 18
horas.
Art. 4º
§ 2º Em caso de necessidade individual de servidor, devidamente justificada, a
chefia imediata poderá, excepcionalmente, compatibilizar o horário de
trabalho à especificidade da atividade desenvolvida, respeitada a carga
horária e observado o disposto nesta Portaria.
§ 4º O intervalo para refeição do servidor não poderá ser inferior a uma hora
nem superior a três horas, e cada período de trabalho não poderá ser inferior a
duas horas, nem superior a seis horas.
Art. 6º O disposto no art. 3º não se aplica aos casos em que ocorre tratamento
normativo específico, para servidor:
III - quando suas atividades forem executadas fora da sede da unidade da
Secretaria da Receita Federal do Brasil em que tenham exercício, em
conformidade com o § 4º do art. 6º do Decreto nº 1.590, de 1995 e art. 3º do
Decreto nº 1.867, de 1996;
IV - cujas atividades sejam executadas em experiência-piloto de Teletrabalho,
em conformidade com a Portaria RFB nº 947, de 20 de abril de 2012;
V - em exercício em unidades de atendimento da RFB a que se refere a Portaria
RFB nº 10.926, de 29 de agosto de 2007, alterada pela Portaria RFB nº 472, de
12 de abril de 2013; e
VI - cujo serviço seja desenvolvido em regime de plantão, escala ou turnos
alternados de revezamento, nos termos do § 2º do art. 3º da Lei nº 11.890, de 24
de dezembro de 2008.
Sobre esta última particularidade acerca da jornada máxima mensal de 192 horas,
acrescente-se a tardia regulação determinada pelo § 2o do art. 3º da Lei nº 11.890, de
24/12/08, que veio a ser operada pela Portaria Interministerial MF/MT/MPDG nº 75, de
22/02/17, e, internamente, pela Portaria RFB nº 6.451, de 27/12/17.
Lei nº 11.890, de 24/12/08 - Art. 3º
§ 2º O plantão e a escala ou o regime de turnos alternados por revezamento
serão regulados em ato conjunto dos Ministros de Estado do Planejamento,
Orçamento e Gestão, da Fazenda e do Trabalho e Emprego, observada a
legislação vigente.
§ 3º Nos casos aos quais se aplique o regime de trabalho por plantões, escala
ou regime de turnos alternados por revezamento, é de, no máximo, 192 (cento e
noventa e duas) horas mensais a jornada de trabalho dos integrantes dos
cargos referidos no caput deste artigo.
1107
sua senha realizando determinado acesso a sistema informatizado). Na esteira, destaca-se daí
a importância de o servidor cuidar de entregar, nos respectivos prazos legais, as justificativas
para as ausências previstas em lei, sobretudo submeter-se à perícia médica ou entregar
tempestivamente atestados médicos particulares, conforme aduzido em 4.4.9.1.
Acrescente-se que, a partir da vigência da já mencionada Instrução Normativa
MPDG/Segep nº 2, de 2018, implantou-se, na Administração Pública federal, o obrigatório
controle eletrônico de frequência, com registros no início da jornada diária, na saída e no
retorno de horário de refeições e ao fim do expediente, estando fora de tal alcance, nos termos
do caput e do § 1º do seu art. 7º e do § 2º do seu art. 8º, os servidores participantes de
programa de gestão na modalidade teletrabalho, nos termos da Portaria RFB nº 2.383, de 13
de julho de 2017, e da Portaria Coger nº 68, de 7 de outubro de 2016.
Instrução Normativa MPDG/Segep nº 2, de 2018 - Art. 7º É obrigatório o
controle eletrônico de frequência do servidor público em exercício na
Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional.
§ 1º O registro de frequência é pessoal e intransferível, devendo ser realizado
no início da jornada diária, na saída e no retorno do intervalo para as
refeições, e ao término da jornada diária.
Art. 8º
§ 2º Ficam também dispensados do controle eletrônico de frequência os
servidores participantes do programa de gestão, de que trata o § 6º do Decreto
nº 1.590, de 10 de agosto de 1995.
Retomando a leitura atenta do enquadramento legal em tela, cuja ação é o verbo
“ser”, permite interpretar sua aplicação, a priori, para condutas com certo aspecto de
habitualidade, não parecendo razoável aplicá-lo para um ato isolado e eventual de
inassiduidade ou de impontualidade.
Assim, compreende-se que as faltas de um dia inteiro (falta ao dever de assiduidade) e
as chegadas em atraso ou saídas antecipadas (falta ao dever de pontualidade) podem ser
enquadradas, em tese, no presente art. 116, X da Lei nº 8.112, de 11/12/90, contemplando um
caráter habitual da conduta de pequena afronta, nos termos já dispostos em 2.5.3.4. Não
obstante, atente-se para que as chegadas em atraso ou saídas antecipadas também podem ser
enquadradas no art. 117, I da mesma Lei (ausentar-se do serviço durante o expediente, sem
prévia autorização do chefe imediato, conforme se definirá em 4.7.3.1), em que o parâmetro
em análise é a autorização, contemplando um efeito mais pontual, de um único ato ter sido
desrespeitoso à hierarquia e à continuidade dos trabalhos.
Mas, em todos estes casos, de enquadramento no art. 116, X e no art. 117, I da Lei nº
8.112, de 11/12/90, muito fronteiriços com aspectos de gerência administrativa de pessoal
(que, em primeiro momento, nem sempre se confundem com repercussão disciplinar), não se
deve afastar de aspectos de razoabilidade e bom senso, para não vulgarizar o instrumento do
processo administrativo disciplinar. Se, por um lado, é difícil definir uma quantificação para
estes enquadramentos, por outro, é certo que, muito teoricamente, em tese, poderia se cogitar
de responsabilização até por ato único, dependendo do grau de prejuízo trazido, do
desrespeito à hierarquia, etc.
O enquadramento no art. 116, X da Lei nº 8.112, de 11/12/90, em nada se confunde
com abandono de cargo e inassiduidade habitual, puníveis com pena capital e que, por este
motivo, têm requisitos mais específicos de configuração, conforme arts. 138 e 139 do
Estatuto, em 4.7.4.2 e 4.7.4.3.
Por fim, em face da inexistência de lei específica que regulamente o exercício do
direito de greve por parte de servidor, previsto no art. 37, VII da CF, em princípio, não cabe
instauração de procedimentos disciplinares por este motivo, por exemplo, para punir o
servidor como faltoso ao serviço. É de se lembrar que, em face da inércia legislativa, que não
pode limitar o exercício de um direito subjetivo, tem o Poder Judiciário reconhecido o
1111
necessário que haja no autos outras provas que superem a folha de ponto ideologicamente
falsa. Obviamente, se restar como única prova a folha de ponto integralmente preenchida pelo
servidor e assinada pela chefia, a responsabilização não se sustentará.
A leitura atenta deste enquadramento, cuja ação é o verbo “ausentar”, permite
interpretar como possível sua aplicação para um ato isolado e eventual de ausência não
autorizada, não sendo necessário se ter conduta de habitualidade, nos termos já dispostos em
2.5.3.4.
Assim, compreende-se que as faltas de um dia inteiro e as chegadas em atraso ou
saídas antecipadas podem ser enquadradas, em tese, no art. 116, X da Lei nº 8.112, de
11/12/90 (ser assíduo e pontual ao serviço, conforme se definiu em 4.7.2.10), quando se tem
um caráter habitual da conduta de pequena afronta, nos termos já dispostos em 2.5.3.4. Não
obstante, as chegadas em atraso ou saídas antecipadas também podem ser enquadrados no
presente art. 117, I da mesma Lei, em que o parâmetro em análise é a autorização,
contemplando um efeito mais pontual, de um único ato ter sido desrespeitoso à hierarquia e à
continuidade dos trabalhos.
Mas, em todos estes casos, de enquadramento no art. 116, X e no art. 117, I da Lei nº
8.112, de 11/12/90, muito fronteiriços com aspectos de gerência administrativa de pessoal
(que, em primeiro momento, nem sempre se confundem com repercussão disciplinar), não se
deve afastar de aspectos de razoabilidade e bom senso, para não vulgarizar o instrumento do
processo administrativo disciplinar. Se, por um lado, é difícil definir uma quantificação para
estes enquadramentos, por outro, é certo que, muito teoricamente, em tese, poderia se cogitar
de responsabilização até por ato único, dependendo do grau de prejuízo trazido, do
desrespeito à hierarquia, etc.
“A proibição de ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia
autorização do chefe imediato prescreve que o servidor, uma vez tendo
ingressado no ambiente de exercício de suas funções e para o seu desempenho,
estará impedido de se retirar da repartição, para tratar de interesses
particulares, ou mesmo para o trato de situações de interesse do serviço
público, sem a necessária autorização do chefe imediato. Todavia, muito
comum se interpretar equivocadamente esse dispositivo como um dever de o
chefe imediato impedir a retirada da repartição do servidor público a ele
subordinado. No entanto, não deve haver o cerceamento do direito de ir e vir,
mas tão somente a submissão da conduta sem autorização às sanções
disciplinares. Se acaso o agente público manifestar a vontade de se retirar das
dependências da repartição, não poderá ser impedido pelo chefe ou pelos
demais servidores, ficando, porém passível de responsabilização estatutária
por esse ato ... Todavia, impõe-se ao servidor público o dever de solicitar
autorização para se ausentar de expediente. Essa anuência do chefe imediato
pode ser escrita ou meramente verbal.”, Sandro Lucio Dezan, “Direito
Administrativo Disciplinar - Direito Material”, Vol. II, pgs. 228 e 229, Editora
Juruá, 1ª edição, 2013.
4.7.3.6 - Inciso VI - cometer a pessoa estranha à repartição, fora dos casos previstos em
lei, o desempenho de atribuição que seja de sua responsabilidade ou de seu subordinado
Inciso de aplicação imediata, visto que o cargo, exclusivamente ocupado pelo servidor,
é intransferível, assim como também é intransferível o exercício de suas atribuições legais.
Não se permite que servidor atribua, delegue ou transfira, para terceiros, sua responsabilidade
ou a de seu subordinado.
Óbvio que não incorre nesta irregularidade o servidor que, em situações de desacato
ou embaraço a suas atribuições, socorre-se de auxílio de terceiros.
O inciso alcança a transferência ou a delegação, a estranho, de atribuição legal que
regularmente seria do servidor ou de seu subordinado; não se enquadra neste inciso a conduta
de o servidor incumbir o particular de tarefa ilícita ou criminosa.
Formulação Dasp nº 149. Infração disciplinar
A infração prevista no art. 195, XI, do Estatuto dos Funcionários pressupõe a
atribuição ao estranho, de encargo legítimo do funcionário público.
(Nota: O inciso XI do art. 195 do antigo Estatuto proibia ao servidor cometer a
pessoa estranha à repartição, fora dos casos previstos em lei, o desempenho de
encargo que lhe competia ou a seus subordinados.)
1121
4.7.3.8 - Inciso VIII - manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança,
cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil
Este enquadramento específico da Lei nº 8.112, de 11/12/90, restringe sua proibição à
manutenção de servidor preenchendo cargo em comissão ou exercendo função de confiança
1122
sob direta subordinação de seu cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau.
Conforme já exposto em 3.2.4.2.1, os cargos em comissão são de livre nomeação (como, por
exemplo, para os integrantes do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS) e as
funções em confiança, também chamadas de funções de direção, chefia e assessoramento, são
de livre designação (como, por exemplo, para os ocupantes de funções gratificadas - FG).
Esclareça-se que a afirmação, no parágrafo acima, de que a proibição estatutária recai
sobre a manutenção da nomeação ou sobre a manutenção da designação de “servidor”, deve
ser compreendida já após a ocupação do cargo em comissão ou da função de confiança, o que
não se confunde com afirmar que o agente nomeado para cargo em comissão ou designado
para função de confiança necessariamente já fosse servidor. À vista do exposto em 3.2.4.2.1,
relembre-se que, enquanto as funções de confiança, por definição constitucional (art. 37, V da
CF), obrigatoriamente são ocupadas apenas por servidores detentores de cargo efetivo, os
cargos em comissão podem ser ocupados tanto por servidores detentores de cargo efetivo
quanto por pessoas sem nenhum outro vínculo com a Administração, mas que também
passam a ser consideradas servidores de provimento em comissão, na acepção dos arts. 3º e 9º
da Lei nº 8.112, de 11/12/90.
Portanto, a vedação estatutária específica recai sobre a manutenção da nomeação de
qualquer pessoa, já servidor efetivo ou não, para ocupar cargo em comissão (e, no caso de
pessoa que não possuía vínculo estatutário, passa a tê-lo) ou sobre a manutenção da
designação de servidor efetivo para ocupar função de confiança, em ambos casos sob direta
subordinação de seu cônjuge, companheiro ou parente até segundo grau.
No silêncio da Lei, interpreta-se que a vedação se estende a parentes até segundo grau,
tanto em linha reta quanto colateral, nos termos dos arts. 1.591 a 1.595 do CC. Acrescente-se,
ainda da lei civil, que o parentesco resultante da adoção limita-se ao adotante e ao adotado, de
forma que os parentes até segundo grau de ambos não estão alcançados pelo impedimento em
tela.
Em 4.2.6 foram apresentadas as definições de graus de parentesco e a forma de contá-
los, a cuja leitura se remete.
Esclarecido o alcance do grau de parentesco que, somado a cônjuge e companheiro,
define a expressão que aqui se emprega como “familiares”, de imediato, atente-se que a
proibição legal em tela atinge apenas a relação familiar com a chefia imediata. Não é
alcançada por esta vedação estatutária a existência de relação familiar entre servidores
separados por mais de um grau de hierarquia funcional, ou seja, se entre eles houver pelo
menos um chefe intermediário.
Além disto, há de se ratificar mais uma limitação à aplicação do presente
enquadramento da Lei nº 8.112, de 11/12/90. A apreciação se faz necessária porque a redação
deste inciso pode deixar dúvida se a palavra “cargo” teria o sentido amplo (tanto de
provimento efetivo quanto de provimento em comissão) ou se, em leitura conjunta com a
palavra “função”, limita-se aqui ao provimento em confiança. Em outras palavras, é
necessário afastar a dúvida de que o complemento nominal “de confiança”, constante da
literalidade do enquadramento, não se aplica apenas à função, mas sim se aplica tanto ao
cargo quanto à função. Na linha com que já se iniciou a análise do presente enquadramento,
opta-se pela segunda hipótese, asseverando-se que o enquadramento em tela preocupa-se
apenas com a hipótese de ambos agentes deterem cargos em comissão ou funções de
confiança, não estando atingido o provimento apenas em cargo efetivo de cônjuge,
companheiro ou parente de até segundo grau.
Importante destacar que, no texto legal, a ação verbal proibida é de a autoridade
superior “manter” o seu familiar com provimento em comissão ou de confiança sob sua direta
subordinação. Ou seja, não é necessário para perfazer o enquadramento que a autoridade sob
crítica tenha nomeado ou designado o seu familiar. Para incorrer na ilicitude, basta que
1123
enquadramento estatutário em tela (o inciso VIII do art. 117 da Lei nº 8.112, de 11/12/90),
cujo descumprimento redunda em responsabilização disciplinar, a mencionada Súmula
Vinculante não deve fazer parte de indiciação de servidor estatutário.
Assim, o tema da vedação ao nepotismo sofreu regulamentação infralegal por meio do
Decreto nº 7.203, de 04/06/10, visando a ajustar o seu regramento, em âmbito restrito da
Administração federal, como não poderia ser diferente em ato de lavra presidencial. A
regulamentação se fez necessária pois, conforme já exposto acima, por um lado, o
disciplinamento no presente inciso VIII do art. 117 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, é bastante
restrito, sequer alcançando a prática em si de nomear ou designar familiares, e, no outro
extremo, o nepotismo recebe crítica de inconstitucional ao mesmo tempo de forma bastante
extensa e incompleta na Súmula Vinculante nº 13, do Supremo Tribunal Federal.
Primeiramente, percebe-se que o Decreto seguiu a extensão já adotada pelo Supremo
Tribunal Federal, incluindo no conceito de “familiar” não só o cônjuge ou o companheiro mas
também os parentes até o terceiro grau, enquanto a Lei o faz apenas até o segundo grau.
Também se destaca a definição - não muito precisa e afinada com a doutrina administrativista
- de que, na sua acepção, para o foco de aplicação mais comum (abstraindo-se aqui da
Presidência da República e de seus órgãos próprios), o termo “órgão” engloba cada um dos
Ministérios do Poder Executivo federal, incluindo as entidades de Administração indireta da
respectiva Pasta (as autarquias e fundações vinculadas). Com isto, o Decreto refinou o
espectro de alcance, não tão genérico e conceitual como os princípios constitucionais da
impessoalidade e da moralidade administrativa, nem tão restrito como o do enquadramento do
inciso VIII do art. 117 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, e tampouco nem tão abrangente como da
Súmula Vinculante nº 13, do Supremo Tribunal Federal. Como regra geral, o espectro da
vedação do Decreto se restringe ao âmbito de cada Ministério.
Decreto nº 7.203, de 04/06/10 - Art. 2º Para os fins deste Decreto considera-se:
I - órgão:
a) a Presidência da República, compreendendo a Vice-Presidência, a Casa
Civil, o Gabinete Pessoal e a Assessoria Especial;
b) os órgãos da Presidência da República comandados por Ministro de Estado
ou autoridade equiparada; e
c) os Ministérios;
II - entidade: autarquia, fundação, empresa pública e sociedade de economia
mista; e
III - familiar: o cônjuge, o companheiro ou o parente em linha reta ou
colateral, por consanguinidade ou afinidade, até o terceiro grau.
Parágrafo único. Para fins das vedações previstas neste Decreto, serão
consideradas como incluídas no âmbito de cada órgão as autarquias e
fundações a ele vinculadas.
Superadas as comparações meramente conceituais, no cerne de sua vedação, se
verifica que o texto do Decreto 7.203, de 04/06/10, em seu art. 3º, avançou na proibição em
relação à Lei nº 8.112, de 11/12/90. Primeiramente, para comentar a inovação normativa, faz-
se necessário destacar o foco da ação proibida. Enquanto o inciso VIII do art. 117 da Lei nº
8.112, de 11/12/90, proíbe a manutenção de familiar em provimento em comissão ou de
confiança sob direta subordinação da autoridade contra a qual se dirige o comando estatutário,
o Decreto veda o ato de provimento em si, voltando-se, portanto, à autoridade superior com
competência para promover o provimento.
Ademais, prosseguindo na comparação com o texto legal, desdobrando-se a
literalidade do art. 3º do Decreto nº 7.203, de 04/06/10, diferencia-se que o comando estende
a vedação para nomeação ou designação de qualquer pessoa, para preencher cargo em
comissão ou exercer função de confiança (e também para a contratação até mesmo para
atender necessidade temporária excepcional de interesse público ou para estagiar, nestes dois
últimos casos sem regular processo seletivo), que seja familiar do respectivo Ministro de
1126
04/06/10.
de o agente ter a intenção determinada, ao utilizar-se das atribuições legais de seu cargo, de
fazê-lo para lograr alguma forma de proveito, para ele próprio ou para outrem (exigindo-se
que autor se mova pelo ânimo que a doutrina classifica de dolo específico). Conforme se
mencionou em 4.6.2.1, tratando-se de infração eivada de dolo específico, não se coaduna com
a lógica cogitar de sua configuração mediante conduta demarcada por dolo indireto. Se nesta
hipótese indireta de ânimo subjetivo tem-se a conduta do agente delimitada pela indiferença
em relação ao resultado delituoso dela decorrente, seria irrazoável cogitar de que uma
infração cujo enquadramento requer do servidor a intenção de alcançar determinado fim
específico pudesse se configurar em ação em que ele se demonstra indiferente a este mesmo
fim que o próprio deseja. Se o emprego indevido das atribuições legais do cargo for movido
por ânimo subjetivo genérico, não é de se cogitar deste enquadramento regido pelo dolo
específico.
Orientação Coger nº 51
O ilícito disciplinar de valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de
outrem requer a comprovação nos autos, ao menos indiciária, de que o agente
moveu-se por dolo específico, não se coadunando com condutas marcadas por
dolo genérico ou por dolo indireto eventual ou alternativo.
Além do emprego indevido das atribuições legais específicas do cargo que ocupa, o
presente enquadramento pode abarcar tanto aqueles atos simples, corriqueiros e cotidianos (o
que não impede que sejam dolosos e graves) ao alcance de qualquer servidor e que, por serem
inerentes de forma indistinta a todo o quadro funcional do órgão, sequer se enumeram nas
atribuições legais dos cargos, quanto também alcança atos especificamente produzidos por um
servidor em desvio de função (quando um servidor comete ato das atribuições legais de outro
cargo diferente do seu, seja de maior ou de menor grau de complexidade ou de
responsabilidade, e também independentemente de este desvio decorrer de mero arbítrio seu
para perpetrar o ilícito ou de ser do conhecimento de sua chefia), conforme já se abordou em
3.1, ao se defender a aplicação do art. 148, da Lei nº 8.112, de 11/12/90, e, em consequência,
do processo administrativo disciplinar para atos cometidos sob esta espécie de desvio.
A precedência da administração fazendária e da administração aduaneira restringe-se
aos momentos em que o servidor está efetivamente exercendo seu cargo, não havendo amparo
legal para o emprego deturpado da prerrogativa, em benefício pessoal daquela pessoa, apenas
pelo fato de ser servidor do Fisco.
CF - Art. 37.
XVIII - a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de
suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores
administrativos, na forma da lei;
Regulamento Aduaneiro - Art. 17. Nas áreas de portos, aeroportos, pontos de
fronteira e recintos alfandegados, bem assim em outras áreas nas quais se
autorize carga e descarga de mercadorias, ou embarque e desembarque de
passageiros, procedentes do exterior ou a ele destinados, a administração
aduaneira tem precedência sobre as demais que ali exerçam suas atribuições.
Dentre os ilícitos causadores de pena expulsiva, este é um dos mais comumente
configurados. A sua aplicabilidade deve ser creditada ao fato de que, na redação deste inciso,
andou bem o legislador ao prover um caráter alternativo, ao invés de cumulativo. Destaque-se
a conjunção “ou”: basta que se comprove o benefício ilegítimo auferido ou que se tentou
auferir, por uma das partes (o próprio servidor ou outrem, que, em regra, é um particular, mas
sem impedimento de ser outro servidor).
Tanto pode o servidor agir de forma a propiciar, com o exercício indigno de seu cargo,
direto benefício próprio, como pode usar de seu cargo para propiciar benefício a outrem, em
que se poderia presumir (a contrapartida não é pré-requisito para a configuração) o benefício
pessoal indireto. Neste segundo caso, para a configuração deste ilícito, basta que se comprove
a concessão dolosa de proveito ao particular, por parte do servidor, sendo desnecessário
1132
art. 11 da Lei nº 8.429, de 02/06/92), sendo a pena expulsiva capitulada no art. 132, IV da Lei
nº 8.112, de 11/12/90.
tenha sido alterada já após a inovação da lei civil (inclusive com o acréscimo de um parágrafo
único ao mencionado artigo), o legislador manteve a atecnia de sua redação original,
sobretudo na imprecisa sequência de seus elementos, conforme adiante se abordará.
Antes disto, para a devida compreensão do art. 117, X da Lei nº 8.112, de 11/12/90,
também se faz necessário dividi-lo em duas partes e assim buscar a sua exposição: a primeira,
que trata da proibição ao servidor de atuar em sociedade como gerente ou administrador; e,
posteriormente, a segunda, que trata da proibição do servidor individualmente exercer o
comércio. Para ambas as partes, em virtude da literalidade estatutária empregar conceitos da
lei civil, se fará necessário adentrar em dispositivos desta esfera normativa.
que se obrigam a contribuir com bens ou serviços e a partilhar, entre si, dos resultados e
lucros. Da definição legal, se infere que a participação em sociedades envolve uma atividade
que não é exercida em nome do próprio agente individualmente falando, mas sim da pessoa
jurídica como um todo, da qual ele é apenas um dos sócios, e que busca o lucro e o ganho
econômico.
CC - Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente
se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício da atividade
econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
Relembre-se que, em contraposição ao conceito concreto de pessoa física, associado
ao indivíduo natural, o conceito abstrato e fictício de pessoa jurídica do art. 40 do CC traz
consigo a ideia de entidade ou coletividade, constituída de pessoas e de bens, na forma
legalmente prevista e à qual a lei concede personalidade própria, distinta da dos indivíduos
que a compõem, que se traduz em ter uma existência jurídica independente de seus
integrantes, no sentido de poder exercer direitos e contrair obrigações, destinada à consecução
de fins comuns. Ademais, em função dos interesses e objetivos que visa a atingir ou atender, o
conceito de pessoa jurídica desdobra-se em pessoas jurídicas de direito público (subdividas
ainda em função, da nacionalidade, em internas, tais como União, Estados, Distrito Federal,
Territórios, Municípios, autarquias e fundações públicas de direito público; ou externas, tais
como as estrangeiras), e no foco de presente interesse, de direito privado, conforme define o
art. 44 do CC.
CC - Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e
de direito privado.
Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:
I - a União;
II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;
III - os Municípios;
IV - as autarquias, inclusive as associações públicas; (Redação dada pela Lei
nº 11.107, de 06/04/05)
V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.
Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito
público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que
couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código.
Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente
responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a
terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se
houver, por parte destes, culpa ou dolo.
E, por expressa diferenciação estabelecida no mencionado art. 44 do CC, cabe deixar
claro que a aplicação do dispositivo punitivo em branco encartado no art. 117, X da Lei nº
8.112, de 11/12/90, não atinge as espécies de pessoas jurídicas de direito privado constituídas
como associações, fundações, organizações religiosas, partidos políticos e empresas
individuais.
CC - Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I - as associações;
II - as sociedades;
III - as fundações;
IV - as organizações religiosas;
V - os partidos políticos;
VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada. (Incluído pela Lei nº
12.441, de 11/07/11)
Neste rumo, destacadamente, vale reiterar - por ser fonte comum de incerteza e dúvida
- que, a contrario sensu da definição de sociedade, a Lei nº 8.112, de 11/12/90, não veda ao
servidor participar de associações e de fundações (obviamente sem prejuízo do cumprimento
da jornada de trabalho e dos demais deveres funcionais), uma vez que, respectivamente, a lei
1136
civil define as primeiras como união de pessoas que se organizam para objetivos não
econômicos e delimita os objetivos das segundas a fins religiosos, morais, culturais ou
assistenciais - ou seja, em ambas as espécies, embora também pessoas jurídicas de direito
privado, diferentemente da sociedade, não se tem o fim econômico de buscar a partilha de
lucros.
CC - Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se
organizam para fins não econômicos.
Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública
ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se
destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la.
Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos,
morais, culturais ou de assistência.
Na mesma esteira de ausência de materialidade, convém também desde já expor outra
situação fora do alcance da vedação estatutária em comento, qual seja, a atuação de servidor
como síndico de condomínio de imóveis residenciais ou mesmo comerciais. De imediato, se
verifica da mera literalidade do art. 981 do CC que o instituto jurídico do condomínio de
imóveis (condomínio edilício, conforme chama a lei civil) não se inclui na definição de
sociedade privada, formada para a prática de atividade econômica com busca de resultado
(ainda que o condomínio seja de imóveis comerciais, a administração em si do condomínio
não é atividade organizada com fim lucrativo). Além disto, ultrapassando a definição de
sociedade privada extraída do Direito de Empresa, ao tratar da administração deste tipo de
condomínio, versando sobre propriedade no campo do Direito das Coisas, o CC, em seu art.
1.348, estabelece as competências do síndico. Da lista de nove incisos, verifica-se que, em
geral, a simples atuação de um servidor como administrador do condomínio e os necessários
atos de gestão (tais como assinaturas de contratos, aquisições de insumos e materiais,
contratações e dispensas de empregados, etc), além de não comporem a literalidade do
enquadramento, não afrontam os bens jurídicos que o inciso X do art. 117 da Lei nº 8.112, de
11/12/90, visa a proteger - independentemente de auferir remuneração ou não e/ou de ser
dispensado ou não do pagamento da contribuição condominial.
No entanto, é de se ressalvar a competência que a lei civil confere ao síndico no inciso
II do art. 1.348 do CC, qual seja de representar o condomínio em juízo ou
administrativamente, para a defesa dos interesses comuns. Deve apenas o servidor se
resguardar de atuar em nome do condomínio junto a órgãos e entidades públicos, pois há aí o
risco potencial de incorrer em outras proibições estatutárias, quais sejam, de praticar atividade
materialmente incompatível com as atribuições de seu cargo ou de atuar como procurador ou
intermediário junto a repartições públicas, nos termos vedados nos incisos XVIII e XI do art.
117 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, ou até mesmo, em abrangência mais elástica e mais gravosa,
no inciso IV do art. 5º da Lei nº 12.813, de 16/05/13, que proíbe que o servidor atue em nome
de interesses privados em órgãos ou entidades de qualquer Poder de todos os entes federados,
com claro destaque para a atuação como representante do condomínio diante de órgãos
fazendários, previdenciários ou de securidade social (RFB, PGFN, INSS), para tratar de
questões tributárias e previdenciárias.
CC - Art. 1.348. Compete ao síndico:
II - representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou
fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns;
Neste sentido, cabe ao conjunto de condôminos ou ao próprio servidor que figure
como síndico do condomínio de imóveis se valer das possibilidades respectivamente
facultadas pelos §§ 1º ou 2º do mesmo art. 1.348 do CC, que permitem à assembleia investir
em outra pessoa o poder de representar o condomínio ou ao síndico de transferir total ou
parcialmente tal poder a outrem. Tomada esta cautela no que tange ao poder de representar e
desde que também se atente para não prejudicar o cumprimento da jornada de trabalho ou de
demais deveres funcionais, o exercício da atividade de síndico condominial por servidor não
1137
enseja enquadramento nem neste inciso X em tela, nem no inciso XI e tampouco no inciso
XVIII, todos do art. 117 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, e, antecipe-se, também não configura
nenhuma das hipóteses materiais de conflito de interesses (nem mesmo de incompatibilidade),
listadas no art. 5º da Lei nº 12.813, 16/05/13, e que serão detalhadas em 4.7.3.18.6.
CC - Art. 1.348.
§ 1º Poderá a assembléia investir outra pessoa, em lugar do síndico, em
poderes de representação.
§ 2º O síndico pode transferir a outrem, total ou parcialmente, os poderes de
representação ou as funções administrativas, mediante aprovação da
assembléia, salvo disposição em contrário da convenção.
Relembre-se, conforme já destacado, que o atual CC, ao ter uniformizado institutos do
Direito privado, não só implantou um único regramento para a atividade empresária
individual como também fê-lo repercutir na eliminação da antiga diferenciação entre
sociedade civil e sociedade comercial (ou mercantil). Com isto, a lei civil sintetizou que,
atualmente, a relevante distinção entre as sociedades não mais reside na identificação se a
busca de seus lucros se dava ou não por meio do que, de forma complexa, se definia como
atos de comércio, mas sim na objetiva diferenciação da natureza de suas atividades (ou seja,
nos seus objetos sociais), discernindo se a sociedade é de natureza empresária ou não,
conforme adiante se exporá.
Prosseguindo na compreensão da primeira parte do dispositivo legal, ainda de acordo
com a lei civil, a sociedade (que não se confunde com o conceito abstrato de empresa, já
exposto como o exercício organizado da atividade produtiva), se for constituída nos termos
legais, pode adquirir as qualidades de pessoa jurídica e de ser capaz de direitos e de
obrigações e, dependendo da forma de constituição, os sócios podem gozar da distinção de
seu patrimônio pessoal dos compromissos da sociedade. Assim, a sociedade é dita
personificada quando se estabelece formalmente e adquire personalidade jurídica, com a
inscrição em registro e arquivamento de seus atos constitutivos.
CC - Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito
privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida,
quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo,
averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das
pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o
prazo da publicação de sua inscrição no registro.
Art. 46. O registro declarará:
I - a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando
houver;
II - o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos
diretores;
III - o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e
extrajudicialmente;
IV - se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que
modo;
V - se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações
sociais;
VI - as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio,
nesse caso.
Dentre as sociedades personificadas (que possuem seus atos registrados), em função
do objeto de sua atividade, em extensão ao conceito apresentado em seu próprio art. 966 (para
a atuação individual), o CC define duas grandes espécies de sociedades.
• Primeiramente, o CC define como sociedades empresárias as sociedades personificadas
que têm por objeto o exercício de atividade própria de empresário, ou seja, aquelas
sociedades personificadas que congregam o exercício profissional (habitual ou
1138
de 15/12/76, a chamada Lei das Sociedades Anônimas) e comandita por ações (arts. 1.090 a
1.092 do CC), com capital dividido em ações. Releva, então, que há dois enfoques com que se
pode mencionar a sociedade simples: lato sensu (art. 982 do CC), como diferencial da
natureza empresária, ou stricto sensu (arts. 997 a 1.038 do CC), como uma das seis formas
constitutivas possíveis, sendo certo que uma sociedade de objeto intelectual (simples, em
sentido lato) pode se constituir na forma simples (em sentido estrito) ou nas quatro demais
formas (exceto de sociedade anônima), enquanto uma sociedade de natureza empresária pode
se organizar nas cinco formas constitutivas que não a forma simples em sentido estrito. Dentre
outras peculiaridades, estas seis diferentes constituições refletem distintas formas de
responsabilização dos sócios, em seus patrimônios pessoais, em caso de dívidas da sociedade,
merecendo destaque, para fim estatutário, as sociedades em que há sócios com
responsabilidade limitada ao seu respectivo aporte de capital (seja em quotas, seja em ações)
que integralizem, como é o caso da limitada, das comanditas e da anônima, daí advindo a
vantagem de os sócios de uma sociedade simples optarem por tipos constitutivos que limitem
suas responsabilidades, uma vez que, na forma constitutiva simples, estas podem ser
ilimitadas.
CC - Art. 983. A sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tipos
regulados nos arts. 1.039 a 1.092; a sociedade simples pode constituir-se de
conformidade com um desses tipos, e, não o fazendo, subordina-se às normas
que lhe são próprias.
Parágrafo único. Ressalvam-se as disposições concernentes à sociedade em
conta de participação e à cooperativa, bem como as constantes de leis especiais
que, para o exercício de certas atividades, imponham a constituição da
sociedade segundo determinado tipo.
Complementarmente, o CC define como sociedade não personificada aquela que,
embora constituída de fato, não tem inscritos em registro seus atos constitutivos e,
consequentemente, rege-se por contrato ou acordo, escrito ou mesmo apenas verbal, que tem
validade somente entre seus sócios, não tendo força para terceiros. Estas sociedades não
possuem personalidade jurídica e não são capazes de direitos e de obrigações e suas dívidas
podem atingir ilimitadamente o patrimônio dos sócios. Dentre as sociedades não
personificadas, a lei civil:
• define, em regra, como sociedades em comum (arts. 986 a 990 do CC, também
conhecidas como sociedades de fato ou sociedades irregulares) as sociedades que,
apesar de não possuírem registro, exploram qualquer atividade econômica;
• e denomina especificamente de sociedades em conta de participação (arts. 991 a 996 do
CC, também conhecidas como sociedades ocultas ou em confiança) aquelas em que
apenas um sócio (chamado de ostensivo ou aparente) atua na atividade-fim, agindo
individualmente, participando os demais (chamados de participantes ou ocultos ou de
investimento) apenas do aporte de recursos e do resultado.
CC - Subtítulo I: Da Sociedade Não Personificada - Capítulo I: Da Sociedade
em Comum - Art. 986. Enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á
a sociedade, exceto por ações em organização, pelo disposto neste Capítulo,
observadas, subsidiariamente e no que com ele forem compatíveis, as normas
da sociedade simples.
Art. 991. Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do
objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome
individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os
demais dos resultados correspondentes.
Portanto, indistintamente das peculiaridades das definições da lei civil, todos os tipos
de sociedades acima listados, personificados ou não, e empresária ou não, estão alcançados
pelo mandamento da primeira parte do art. 117, X da Lei nº 8.112, de 11/12/90 (com exceção
das sociedades simples de cooperativas, conforme adiante se aduzirá, à luz do inciso I do
1140
da função pública do servidor que a administra ou que a gerencia, quis o legislador proteger a
coisa pública de forma preventiva, inibindo o mero risco de desvios de dedicação e,
sobretudo, de lealdade do agente em favor de interesses pessoais. Desta forma, o Estatuto não
tolera e pune de forma grave a mera atuação de fato de servidor em posição de mando e de
definição de rumos empresariais de uma sociedade, ainda que sequer se efetive qualquer tipo
de vantagem concreta a favor da sociedade em decorrência do cargo público.
Sem confundir com atribuir relevância de critério necessário ou suficiente para a
configuração do presente ilícito, tem-se como um bom exemplo de possível contaminação das
atividades privada e pública o fato de a sociedade administrada ou gerenciada pelo servidor
manter relacionamento com a Administração, passível de ser verificado mediante
levantamento junto ao Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal
(Siafi), de pagamentos realizados à sociedade.
Todavia, encerrando a análise literal da primeira parte do art. 117, X da Lei nº 8.112,
de 11/12/90, verifica-se que não há impedimento ao servidor para participação em sociedades
(inclusive de fins comerciais) em que a lei civil e/ou o contrato social ou o estatuto social
confere(m) ao sócio poderes, direitos e responsabilidades limitados, como é o caso, por
exemplo, da qualidade de sócios “acionista, cotista ou comanditário”, pois, nestes casos, os
rumos do negócio não dependem diretamente de decisões a cargo deste sócio servidor (por
óbvio, em função do emprego de tais termos, aqui somente se cogita de sociedades
personificadas empresariais ou personificadas simples que tenham adotado alguma forma
constitutiva empresarial).
Da lei civil, define-se o acionista como aquele sócio que possui parcelas de uma
sociedade cujo capital social é dividido em ações (por exemplo, nas sociedades empresárias
anônima e comandita por ações), enquanto o cotista é aquele sócio que possui parcelas de
capital (quotas) em sociedades assim constituídas (por exemplo, nas sociedades empresárias
em nome coletivo e limitada e, em geral, nas sociedades simples); e o comanditário é uma
espécie de sócio cotista (especificamente da sociedade empresária em comandita simples).
Dentre todas as espécies societárias mencionadas, por mera necessidade de
esgotamento conceitual, no início deste tópico e mesmo no parágrafo acima, algumas perdem
importância no aprofundamento do tema por estarem em desuso na prática, merecendo
detalhamento, em razão de sua maior aplicabilidade concreta, as formas constitutivas
limitada, anônima e simples.
Antes, mencione-se a classificação doutrinária entre sociedades de pessoas ou de
capitais, em função da maior ou menor relevância que assuma no negócio o que se denomina
affectio societatis, conceito compreendido como a vontade de união e de cooperação, a
aceitação de cláusulas comuns e a participação e a colaboração ativas dos sócios no objeto a
ser realizado, com o fim comum do lucro. Por óbvio, qualquer forma de sociedade entre
pessoas conjuga necessários e indispensáveis elementos pessoais e de capital, em maior ou
menor grau, dependendo das peculiaridades do negócio. A sociedade se classifica como de
pessoas quando há predominância dos elementos pessoais e quando a vinculação entre os
sócios baseia-se na relação mútua e recíproca de confiança (a intuitu persona), de forma que,
por exemplo, uma alteração no quadro societário depende de aprovação dos demais sócios, a
ser registrada no contrato social, podendo a saída de um sócio acarretar até a dissolução ou a
inviabilidade da sociedade. Por outro lado, a sociedade é classificada como de capital se o
caráter pessoal é secundário e se em sua constituição prevalece o impessoalismo do capital, de
forma que um sócio entre ou saia independentemente de prévio conhecimento ou de
consentimento dos demais, apenas adquirindo ou alienando sua forma de participação, e sem
alterar o ato constitutivo da sociedade.
“As sociedades podem ser classificadas segundo vários critérios, tais como:
(...) A estrutura econômica: sociedades ‘de pessoas’, constituídas em função da
qualidade pessoal dos sócios (...), que são: as sociedades em nome coletivo,
1142
não exerce nenhum controle e não a administra. Em caso de dívida da sociedade, os sócios, de
forma geral, têm responsabilidade limitada à integralização das ações respectivamente
subscritas; todavia, os sócios controladores, que usam o poder para controlar os rumos da
sociedade, e os administradores (que podem ser externos aos acionistas, contratados para tal)
respondem de forma diferenciada por danos causados.
Por fim, as sociedades simples, cujo capital social é dividido em quotas, aqui
conjugando tanto os sentidos lato e estrito do conceito, são aquelas que, ao mesmo tempo em
que o CC atribuiu a qualidade de poder significar um padrão comum e uma normatização
subsidiária para os demais tipos constituintes, também figuram, residualmente, como aquelas
que exploram atividades econômicas específicas de certa forma à margem da organização dos
fatores de produção que caracteriza a empresa (atividade econômica e produtiva que
concentradamente se manifesta nas sociedades limitada e anônima, esta última, sobretudo,
para investimentos de grande porte), podendo se dizer amoldadas para investimentos de
pequeno porte. Mesmo que, conforme autorizado na lei civil, uma sociedade simples (lato
sensu) adote o formato de um dos tipos de sociedades empresárias (com exceção da forma
societária anônima, por ser vedado), não deixará de ser simples por tal motivo, visto que o que
discerne tal questão é o objeto da sociedade (neste caso, permanece o arquivamento de seus
atos constitutivos no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, embora obedecendo às normas do
Registro Público de Empresas Mercantis). Uma das vantagens de assim se proceder é que,
enquanto na forma constitutiva simples os sócios podem ter seu patrimônio alcançado em
caso de dívida da sociedade, adotando-se outra forma constitutiva, eles auferem a limitação de
sua responsabilidade.
As sociedades simples desenvolvem atividades econômicas estritamente ligadas à
conjugação de intelectualidades dos sócios e, desta forma, indubitavelmente, são sociedades
de pessoas. Estas sociedades, de acordo com seus contratos sociais, podem ter como
administrador um sócio ou alguém estranho ao quadro social, contratado para tal fim. Ainda a
se mencionar que a sociedade personificada que tenha por objeto a atividade rural, se não
dispuser de organização estruturada da produção, será simples; se dispuser,
independentemente de seu porte, poderá optar em se manter como sociedade simples ou em se
registrar como sociedade empresária (conforme se verá mais detidamente em 4.7.3.10.3).
Conforme já afirmado acima, é claro que a Lei nº 8.112, de 11/12/90, por meio do
dispositivo em comento, não tem a intenção de proibir o direito de propriedade ao servidor. O
servidor pode buscar outras formas lícitas e compatíveis de auferir rendas ou rendimentos, tais
como investindo suas disponibilidades financeiras no mercado de capitais ou em
empreendimentos privados, podendo até figurar como sócio majoritário de uma sociedade
(inclusive de fim comercial), sem em princípio afrontar a norma; à vista especificamente deste
enquadramento, o que ele não pode, em termos de participação societária, é, pessoalmente,
praticar os atos de administração ou de gerência, pois, repisa-se, além de coibir os desvios de
comprometimento e de dedicação, a Lei quer evitar - antes mesmo da efetiva concretização e
já desde o mero risco potencial - que o servidor lance mão de seu cargo para, com a força de
suas prerrogativas, beneficiar ou carrear benefício para aquelas atividades privadas.
Em razão, então, do necessário acerto com que deve ser lido este dispositivo apenador
com demissão, é que, não obstante ter se apresentado a literalidade da primeira parte do art.
117, X da Lei nº 8.112, de 11/12/90, afirma-se que o aplicador de qualquer norma, mais do
que se debruçar sobre seus detalhes literais, deve encará-la de forma global para tentar extrair
a sua inteligência sistemática. Neste rumo, deve se esclarecer que, independentemente de
nuances literais, passíveis de interpretação, o que este dispositivo legal quer tutelar, em
essência, além da questão de controle da prestação integral da jornada de trabalho e de
dedicação ao cargo, é sobretudo evitar conflito de interesses público e privado, ou seja, coibir
a possibilidade de a sociedade obter qualquer beneficiamento, vantagem ou diferenciação pelo
fato de que seu administrador ou gerente é um servidor, dotado de prerrogativas. Em outras
palavras, a principal inteligência da norma é evitar que, por ser servidor, o administrador ou
1144
aqui também se exige, além da efetividade da conduta fática, algum grau de habitualidade ao
longo do tempo, não se configurando a prática vedada com apenas algum(ns) ato(s)
isolado(s), nos termos já dispostos em 2.5.3.4.
Parecer PGFN/CJU/CED nº 1.237/2009: “148. É interessante notar que os
verbos típicos que compõem a proibição administrativo-disciplinar,
“participar” e “exercer”, no âmbito penal estão normalmente identificados
àquilo que a doutrina e a jurisprudência qualificam como crime habitual, o
qual é caracterizado por abalizada doutrina com os seguintes contornos: (...)
152. No caso da proibição administrativo-disciplinar em análise - embora a
imprevisível realidade social possa eventualmente demonstrar o contrário -
pode-se dizer que, ao menos em regra, um ato único ou mesmo os atos
dispersos e esporádicos de gestão, distribuídos ao longo de cinco anos,
dificilmente atingiriam de maneira especialmente grave a regularidade do
serviço e a indisponibilidade do serviço publico, legitimando a aplicação da
ultima ratio no âmbito administrativo.”
Orientação Coger nº 28
O enquadramento no art. 117, X, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990,
requer a reiteração da conduta, não se consumando com atos pontuais ou
eventuais, que, se tomados isoladamente, não atingem o patamar de ilicitude,
conforme a doutrina define ilícito de natureza jurídica habitual.
“Por outro lado, caso o servidor público conste em contrato social de ente
privado, como sócio-gerente (administrador), mas na prática ele não exerce
essa função de direção - não assinando cheques ou praticando atos de gestão -
não haverá subsunção da conduta do servidor no respectivo ato disciplinar, em
respeito ao princípio da primazia da realidade.”, Mauro Roberto Gomes de
Mattos, “Lei nº 8.112/90, Interpretada e Comentada, Regime Jurídico dos
Servidores Públicos da União”, pg. 699, Editora América, 4ª edição, 2008
Este entendimento acerca da necessária habitualidade para se configurar a gerência ou
a administração societárias foi referendado pela manifestação do Ministério da Transparência,
Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU), por meio da Comissão de Coordenação
de Correição da CGU (CGU/CCC), estampada no Enunciado CGU/CCC nº 9, de 30 de
outubro de 2015, sobre o tema.
Enunciado CGU/CCC nº 9, de 2015: “Ilícito sócio-gerência - Atuação fática e
reiterada. Para restar configurada a infração disciplinar capitulada no inciso
X do art. 117 da Lei nº 8.112/90, é preciso que o servidor, necessariamente,
tenha atuado de fato e de forma reiterada como gerente ou administrador de
sociedade privada”.
Na mesma linha, é de se destacar que o exercício, por parte do servidor, de seus
direitos como sócio (desde que nas condições permitidas pelo art. 117, X da Lei nº 8.112, de
11/12/90, de acionistas, quotistas ou comanditários), tais como o voto em deliberações sociais
e a fiscalização dos negócios, bem como eventuais providências tomadas na sociedade, não se
confundem com incursão nas vedações estatutárias de administração ou de gerência.
“Destaque-se, ainda, que os servidores públicos somente ficam fora do
proibitivo disciplinar insculpido nesse inciso X do art. 116 da Lei 8.112/90
quando, na condição de acionistas, quotistas e comanditários, não se
comprometam com as atividades de administração e gerência de suas
respectivas empresas.
Esclareça-se que emergenciais, esporádicas e isoladas providências, tomadas
em favor da empresa pelo servidor acionista, não caracterizam o defeso
gerenciamento previsto na infração disciplinar em lide. O que pode muito bem
ocorrer em pequenas firmas, onde o servidor quotista, detendo a expressiva
maioria do capital social, se veja, de repente, de inopino e de forma
inesperada, abandonado pelo seu sócio-gerente.
Agregue-se, porém, que essas excepcionais providências somente se justificam
1146
VII - as demais hipóteses indicadas no art. 117, parágrafo único, I e II, da Lei
nº. 8.112, de 1990.
Ainda que aqui se analise restritivamente a parte inicial do dispositivo encartado no
art. 117, X da Lei nº 8.112, de 11/12/90, à vista da necessária percepção sistemática que o
aplicador deve ter do Estatuto, merece menção uma situação que, conceitualmente, pode
tangenciar o enquadramento em tela, mas que, na prática, poderá ser enquadrada no art. 117,
XVIII ou no art. 132, IV, ambos da mesma Lei, como atividade incompatível com o cargo ou
como improbidade administrativa, conforme se satisfaçam os critérios que serão
respectivamente expostos em 4.7.3.18.7 e em 4.7.4.4.5. Trata-se de quando o servidor
participa, como sócio acionista, cotista ou comanditário, sem ocupar formalmente posição de
mando (sem ser administrador ou gerente), de sociedade cuja atividade é conflitante com as
atribuições legais do cargo ocupado.
Figurativamente, pode-se mencionar, como exemplos apriorísticos de situações
sensíveis para servidor ocupante de qualquer cargo em exercício na Secretaria da Receita
Federal do Brasil (sejam de cargos da carreira específica, sejam de cargos meramente
administrativos), as hipóteses de atuar em sociedades cujos objetos sociais sejam a advocacia
de qualquer ramo de Direito, a contabilidade, o comércio exterior e a praticagem (aqui, em
lista exemplificativa, não exaustiva).
O clareamento da questão em tela passa pela análise sistemática do ordenamento (com
este termo compreendido em seu sentido mais abrangente, incluindo a rica base
principiológica ao lado das normas positivadas), indo além da estrita legalidade. É de se
compreender que o ordenamento não poderia comportar a lacuna de, por um lado, prever a
demissão de servidor que comprovadamente administre ou gerencie uma sociedade em uma
atividade qualquer e distante de seu múnus público e, por outro lado, não prever vedação e
sanção para o servidor que participa de sociedade cujo objeto social seja frontalmente
incompatível com suas atribuições públicas (e, mais destacadamente, quando se verifica que o
administrador ou gerente da sociedade ou seu sócio majoritário é alguém de próxima relação
com o servidor).
Ora, em tal situação hipotética específica, novamente é de se clamar pelo
entendimento de que aqui não se trata apenas de proteção e sanção legais à afronta
concretizada sobre um bem jurídico relevantemente tutelado (qual seja, a incolumidade do
interesse público e a sua não contaminação por interesses particulares), mas também de
proteção já desde o simples risco potencial de tal afronta. Neste ponto, o ordenamento (ao
amparo cristalino dos comandos do art. 3º da Lei nº 11.890, de 24/12/08, e do art. 3º da Lei nº
12.813, de 16/05/13), em sua visão mais abrangente, não sanciona tão somente a efetiva
atuação do servidor, na condição de sócio de sociedade, em atos que se demonstrem
concretamente conflitantes com seu cargo, mas sanciona, além e antes daquela atuação, já o
mero risco a que se expõe o interesse público somente de se ter um agente público inserido no
quadro societário, mesmo não possuindo parcela majoritária (e mesmo sem figurar
formalmente em posição de mando, na forma da administração ou da gerência), de uma
sociedade cuja busca do lucro - e, em consequência, sua distribuição entre sócios - advém de
atividade privada desde sempre incompatível com o cargo ocupado. Não se trata de apenas
punir gravemente a efetiva afronta cometida pelo servidor; antes disto, se trata de vedar, desde
a mediana punição, o mero posicionamento do servidor que o possibilite de cometê-la, de
potencialmente vir a pôr em conflito o inafastável interesse público com o seu interesse
particular.
Portanto, por um lado, em princípio, a participação como sócio acionista, cotista ou
comanditário em sociedade privada é facultada ao servidor, sofrendo apenas a respectiva
administração ou gerência (qualquer que seja a área de atuação da sociedade) o
enquadramento demissível na leitura direta e literal do art. 117, X da Lei nº 8.112, de
11/12/90. Por outro lado, conforme se aduzirá em 4.7.3.18.7, a participação do servidor como
1150
sócio especificamente de sociedade cujo objeto social seja incompatível com o cargo tem
enquadramento, no mínimo, no art. 117, XVIII da mesma Lei (punido com suspensão) em
decorrência direta, pura e tão somente, da mera participação em si, ainda que nela não se
comprove nenhum ato de má-fé com o fim de angariar benefício nesta atividade privada. Ou
ainda, na hipótese mais extremada, conforme se aduzirá em 4.7.4.4.5, tendo se comprovado
qualquer atuação dolosa, por parte do servidor, de repasse ou de disponibilização de técnicas
de elisão fiscal ou de evasão fiscal (entendidas como, respectivamente, condutas lícitas ou
ilícitas com o fim de evitar, retardar ou modificar a ocorrência de fato gerador de obrigação
tributária ou os efeitos dela decorrentes) ou ainda de informações sigilosas ou estratégicas que
beneficiem aquela sociedade privada em detrimento do interesse público ou que propiciem à
sociedade burlar as tutelas e os controles exercidos pela Administração, a participação
societária ultrapassa a mera incompatibilidade e atinge o grau de repulsa de ato de
improbidade administrativa, merecendo enquadramento demissível, por leitura sistemática, no
art. 132, IV da Lei nº 8.112, de 11/12/90, podendo ser combinado com a leitura extraída do
art. 9º, VIII ou do art. 11, III ou caput, da Lei nº 8.429, de 02/06/92, conforme a peculiaridade
de cada caso.
Ora, se uma determinada atividade, quando desempenhada individualmente pelo
servidor, acarretaria enquadramento no art. 117, XVIII ou no art. 132, IV, ambos da Lei nº
8.112, de 11/12/90 (cabendo em um ou no outro enquadramento em função do grau de
gravidade da incompatibilidade com o múnus público), é de se defender que a mesma
atividade, realizada pelo servidor, como sócio de uma sociedade cujo objeto social seja
aquelas mesmas atividades incompatíveis, desde que atendidas certas condicionantes, também
reflita disciplinarmente de igual forma.
Acrescente-se ainda, sob amparo do que já se aduziu em 3.2.5, que as duas
repercussões disciplinares de que aqui se cogita não seriam afastadas na hipótese de o
servidor se encontrar em licença para tratar de interesses particulares, visto que, não se
tratando de enquadramento no art. 117, X da Lei nº 8.112, de 11/12/90, não caberia a
aplicação do inciso II do parágrafo único do citado artigo.
Obviamente, a afirmação acima, da possível repercussão disciplinar para o fato de o
servidor figurar como sócio de sociedade cujo objeto seja incompatível com a atribuição
pública, merece ressalva. Não se cuida de cogitar de reflexo disciplinar em decorrência de
participação societária que tão somente represente um investimento ou uma aplicação
financeira por parte do servidor, em que não se verifique nenhuma intenção ou sequer
possibilidade de este efetivamente atuar e influir na persecução dos objetivos da sociedade,
seja à vista de seu percentual de participação no capital social, seja à vista de sua
representatividade pessoal dentre os demais sócios.
Assim, não se insere no alcance ora aventado da matéria disciplinar a situação comum
em que um servidor figure como um simples acionista de uma grande sociedade anônima de
capital aberto pelo mero fato de ter adquirido ações (destacadamente ações preferenciais, pelo
mero interesse de retorno financeiro no mercado de capitais, ou ainda que sejam ações
ordinárias, em quantidade que não o eleve a acionista majoritário ou controlador), em oferta
pública em mercado aberto. Aproveitando-se a conceituação doutrinária acima exposta sobre
as sociedades, tendo uma sociedade anônima forte traço de sociedade de capital, que os sócios
passam a compor ou deixam de integrar em absoluta impessoalidade, sem nenhum laço de
affectio societatis, e figurando o servidor como um mero acionista minoritário, sem que haja
significância em tal participação tanto em termos pessoais em relação ao quadro de sócios
quanto em termos de percentual no capital social, não há que se cogitar de afronta ao bem
jurídico tutelado nem pelo art. 117, XVIII, nem pelo art. 132, IV e muito menos pelo art. 117,
X (já que aqui não se trata de administração ou de gerência), todos da Lei nº 8.112, de
11/12/90.
Aqui se cuida de situação de contornos específicos em que o status do servidor dentro
1151
harmonização da terminologia ao novo contexto da lei civil, embora tenha sido o dispositivo
alterado já após a vigência do atual CC, o que faz exigir certo esforço de interpretação para
melhor compreendê-lo.
Antes de se adentrar na interpretação em si da segunda parte do art. 117, X da Lei nº
8.112, de 11/12/90, e respeitando a terminologia que menciona o exercício do comércio,
apesar da sabida mudança de foco operada na lei civil, deve-se destacar que seu objetivo é
específico para aquela atividade-fim quando exercida pessoalmente pelo servidor. Aqui, ao
contrário da primeira parte do dispositivo (que veda formas de participações societárias),
trata-se do servidor atuando de forma individual, fora de uma sociedade. Para esta segunda
parte do dispositivo, apesar da inadequada sequência de ideias expostas, não faz sentido se
cogitar de exceções à vedação por ser sócio acionista, cotista ou comanditário, pois, não se
tratando de sociedade, o agente não age em nome de uma pessoa jurídica que com ele não se
confunde e da qual ele seja mero integrante e sem posições de mando, mas sim age em seu
próprio nome, de forma que ele tem sempre o comando da atividade (diferentemente daqueles
sócios, para os quais a Lei previu exceção aplicável apenas para a primeira parte do
dispositivo), e sobre ele recai a responsabilidade pessoal do exercício da atividade-fim em
comento.
Dito isto, partindo da construção optada pelo legislador em primeiramente abordar
formas de vedação à participação societária e depois apresentar vedação irrestrita para atuação
individual, o texto legal teria sido mais claro se sua sequência primeiramente estabelecesse a
vedação à administração e à gerência de sociedades, excetuando as condições de sócio
acionista, cotista ou comanditário, para ao final estabelecer a vedação ao exercício do
comércio. Da forma como foi redigido, desde sua redação original até sua versão atual já
alterada, parece que as exceções daquelas três qualidades de sócio se aplicam, no mínimo,
também ou, em pior leitura, exclusivamente a quem exerce o comércio, quando, a rigor, elas
se aplicam exclusivamente ao integrante de sociedade (de objeto social comercial ou não).
A propósito, acerca de objeto de sociedade, ainda antes de se aprofundar na
literalidade da segunda parte do art. 117, X da Lei nº 8.112, de 11/12/90, convém esclarecer
que, na primeira parte do dispositivo, mais geral e abrangente, tem-se que o sócio não atua por
si próprio, individualmente, mas sim em nome da sociedade que ele integra. Daí porque, por
expressa vontade da Lei, na sociedade, o agente público pode participar como sócio acionista,
cotista ou comanditário, não podendo apenas atuar como administrador ou gerente, seja o
objeto social de finalidade comercial ou não. E mesmo no caso específico de o objeto social
ser mercantil, a vedação que recai sobre o servidor em sociedade ainda é a da primeira parte
do dispositivo legal, de atuar como administrador ou gerente, de forma que se ele apenas
pratica efetivamente a atividade-fim da venda, interpreta-se que ele não atua por si, mas sim
pela sociedade e em nome dela, não havendo restrição legal. Ainda nesta hipótese, o exercício
do comércio, por si só, praticado como integrante da sociedade e para ela, não é um ato
atribuível ao agente individualmente, mas sim à pessoa jurídica, não havendo que se falar de
repercussão disciplinar por se enquadrar no dispositivo em comento.
Feita esta introdução, partindo-se para a interpretação da segunda parte do art. 117, X
da Lei nº 8.112, de 11/12/90, depara-se com a expressão “exercer o comércio”, o que leva à
necessidade de se buscar o que seja atualmente a definição de exercício do comércio. E, para
isto, novamente, da mesma forma como feito para a primeira parte acima, para o correto
entendimento da segunda parte do dispositivo, necessário se faz expor a atual conceituação na
lei civil.
Com a já mencionada adoção da chamada teoria da empresa no ordenamento pátrio, a
definição legal de exercício do comércio que atualmente se extrai do CC transcende as
definições de “comerciante” e de “ato de comércio” originalmente constantes da parte
revogada do Código Comercial. Isto porque a incidência do Direito Comercial foi deslocada
do comerciante e dos atos de comércio estritos para a pessoa do empresário e para a empresa,
1153
em que se agregaram tanto as atividades que já eram tidas estritamente como comerciais
como aquelas que eram tidas como civis.
Antes de prosseguir nesta descrição da inovação legislativa, embora já apresentados ao
se analisar a primeira parte do dispositivo legal, convém abrir um parêntese para relembrar
que se compreende o empresário individual (ou simplesmente empresário, conforme define o
art. 966 do CC) como aquele agente que, sob sua iniciativa e risco, de forma organizada (com
o manejo articulado de todos os fatores de produção), com fins profissionais (habituais,
reiterados ou permanentes) e econômicos (de busca do lucro), para produção ou circulação de
bens ou de serviços (atuando no mercado); por sua vez, compreende-se por empresa o
exercício desta atividade profissional econômica organizada. Assim, em outras palavras, o
empresário é o titular da atividade da empresa, organizando-a, ao empregar seu capital na
aquisição de bens, insumos, tecnologia e mão de obra para pôr em prática a atividade
econômica (de busca do lucro), e dirigindo-a, ao controlar a execução da atividade-fim por
seus empregados.
E informe-se que a lei civil, além de prever a atuação empresarial (atividade
empresarial) na forma do empresário individual, também contempla a possibilidade de a
pessoa física adquirir personalidade jurídica de direito privado, constituindo-se na forma de
empresa individual de responsabilidade limitada (Eireli), que é mais uma espécie de pessoa
jurídica de direito privado e que não se confunde com o conceito de sociedade, não obstante
seja contemplada, no que couber, com os regramentos das sociedades limitadas. Por meio
deste ente jurídico personalizado, registrado no Registro Público das Empresas Mercantis, o
indivíduo titular da empresa pode exercer, por si só, a atividade empresária, com a
peculiaridade de ter sua responsabilidade limitada ao seu aporte de capital, preservando seu
patrimônio pessoal protegido e não atingido por dívidas da pessoa jurídica (garantia
protecionista que a lei civil não concede ao empresário individual).
CC - Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada. (Incluído pela Lei nº
12.441, de 11/07/11)
Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída
por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente
integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo
vigente no País. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 11/07/11)
§ 1º O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão
“EIRELI” após a firma ou a denominação social da empresa individual de
responsabilidade limitada. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 11/07/11)
§ 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade
limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade.
(Incluído pela Lei nº 12.441, de 11/07/11)
§ 3º A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar
da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio,
independentemente das razões que motivaram tal concentração. (Incluído pela
Lei nº 12.441, de 11/07/11)
§ 6º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que
couber, as regras previstas para as sociedades limitadas. (Incluído pela Lei nº
12.441, de 11/07/11)
Retornando ao relato da alteração normativa, aquele deslocamento dos focos subjetivo
e objetivo do Direito Comercial não se confunde com afirmar a inexistência desta instância
jurídica nos dias atuais. A matéria sobrevive, apenas encartada em único diploma
sistematizador, que é o atual CC, em título hoje nomeado Direito de Empresa. Tanto é
verdade, que este ramo jurídico passou a abarcar, então, além daquelas atividades
eminentemente comerciais (compra e venda de bens e mercadorias, intermediação de vendas
ou mediação especulativa entre a oferta e a procura de mercadorias, produçã