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TOCANDO COM
CONCENTRAÇÃO E EMOÇÃO
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Marcia Kazue Kodama

TOCANDO COM CONCENTRAÇÃO E EMOÇÃO

São Bernardo do Campo


2000
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Copyright by: Marcia Kazue Kodama


Apresentação: Marília Pini
Revisão de texto: Márcia Santos Oliveira e Rosalete Massarioli Raz
Ilustração da capa: Cleide Foguel
Impressão e acabamento: Planform Gráfica e Editora

K 76t
Kodama, Marcia Kazue, 1962-
Tocando com concentração e emoção/ Marcia Kazue
Kodama – São Bernardo do Campo, SP: M. Kazue Kodama, 2000.

104p.; 21cm.

ISBN: 85-901234-1-3

Inclui bibliografia.

1. Música – Interpretação (Fraseado, dinâmica, etc.) 2.


Atenção. 3. Música – Aspectos psicológicos. I. Título

CDD-781.15
_______________________________________________________
2000

Todos os direitos reservados


Marcia Kazue Kodama Higuchi
End.: R.Piracicaba 45, Rudge Ramos , São Bernardo do Campo-SP
CEP 09628-020. fone: (0xx11) 457-8480
E-mail: higuchikodama@uol.com.br
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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha irmã Ercilia Massumi Kodama, ao meu pai


Masanori Kodama e à minha amiga Lúcia Maria Csernik Monteiro
pela ajuda e apoio.
Agradeço aos professores Regina Normanha Martins, Marisa Lacorte
e a aquele que foi um grande professor e amigo Homero de Magalhães
pelos muitos dos ensinamentos que possibilitaram a realização deste
trabalho.
Agradeço aos professores Carmem Aparecida Oliveira, Marisa Trench
de Oliveira Fonterrada e à psicanalista Vilma Leite Augusto pelo apoio
e sugestões.
Agradeço aos professores Gisela Nogueira e José Ivo da Silva, Martha
Herr e Eneida Maria Pupo Rodrigues pelas sugestões, revisões, e pelas
colaborações.
Agradeço à Márcia Santos Oliveira e Rosalete Massarioli Raz pela
revisão de texto.
Agradecimentos especiais: ao meu marido Jorge Mitsuo Higuchi por
toda a ajuda sem a qual não seria possível a publicação deste livro; ao
senhor Giovanni Aronne pelo patrocínio; à professora Marília Pini
pelo apoio, colaboração, revisões, e pela apresentação deste trabalho; e
ao Dr. Mauro Muszkat pela orientação bibliográfica e explicações que
possibilitaram a inclusão de dados de neurofisiologia, neurologia e
neuropsicologia neste livro e pela revisão do mesmo.

Este livro é dedicado ao meu marido Jorge Mitsuo Higuchi e às


minhas amigas Marília Pini e Gisela Nogueira.
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A REALIZAÇÃO DESTE PROJETO SÓ FOI


POSSÍVEL DEVIDO AO PATROCÍNIO DE:

ARONNE PIANOS LTDA.

Reformas - Marcenaria - Lustração - Regulagem - Afinações


E AVALIAÇÕES - COMPRA E VENDA

Giovanni Aronne
AFINADOR TÉCNICO

RUA FLAMENGO, 7 TELEFONE: 295-1181


CEP 03405-000 - TATUAPÉ FAX: 6193-8157
SÃO PAULO - SP www.aronepianos.com.br

E AO APOIO CULTURAL DE:


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ÍNDICE PÁGINA

APRESENTAÇÃO 10
PREFÁCIO 12
INTRODUÇÃO 14
01- CONCENTRAÇÃO 16
02- ESTUDO DE MÚSICA E A CONCENTRAÇÃO 23
03- MEMORIZAÇÃO 30
04- ESTUDO E PRAZER 35
05- TÉCNICA VERSUS MUSICALIDADE 38
06- EMOÇÃO E APRENDIZADO 48
07- PACIÊNCIA 52
08- FATORES QUE INFLUENCIAM A CONCENTRAÇÃO 57
09- O ESTUDO E A PERFORMANCE 64
10-SUGESTÕES PARA O ESTUDO 67
11- O ESTUDO DE LEITURA 78
12- O ESTUDO RÍTMICO 82
13- O ESTUDO DE PERCEPÇÃO 86
14- ANÁLISE 88
15- O ESTUDO DE TÉCNICA 91
16- O ESTUDO DE INTERPRETAÇÃO 93
17- ESQUEMA DE ESTUDO 97
18- CONCLUSÃO 100
BIBLIOGRAFIA 101
10

APRESENTAÇÃO

O estudo da música constitui-se numa das mais ricas, amplas e


profundas experiências do ser humano. O domínio da voz ou de um
instrumento musical exige um grande controle de capacidade física
conectado a um profundo embasamento intelectual e a um alto grau de
equilíbrio emocional. Obviamente, estudar música não é uma tarefa
das mais fáceis, pois requer, além de um mínimo de propensão ou
talento, muita paciência, persistência e determinação. Contudo, o
conceito largamente difundido de que o aprendizado da música é só
para os dotados, pois os “pobres normais” não teriam condições de
superar os obstáculos, é sem dúvida, inadmissível. Um estudo bem
conduzido do ponto de vista metodológico pode propiciar um
aprendizado satisfatório e ao mesmo tempo prazeroso, condição
fundamental para a formação do músico.

Neste livro, a professora Marcia aborda aspectos, a um só


tempo profundos e simples, relacionados com o aprendizado musical.
Profundos, porque embasados em princípios e conceitos emitidos por
mestres e especialistas de inegável competência e simples porque
trazem para o nível da reflexão e da observação, procedimentos
elementares, porém fundamentais, fartamente usados no estudo de
instrumentos musicais, procedimentos esses que, quando realizados
sem a devida consciência e correto acompanhamento, podem levar o
aluno a situações de alheamento, fadiga e desinteresse pelo
aprendizado. As práticas propostas pela autora têm por objetivo sanar
esses aspectos negativos bastante comuns no aprendizado musical,
através de observações claras e exercícios simples, perfeitamente
11

exeqüíveis, que buscam antes de tudo, mudar a postura do aluno em


relação ao estudo e levá-lo assim a uma relação mais plena e
gratificante com o instrumento musical.

Marília Pini

Violista, Professora de Viola e Evolução da Música


Diretora Pedagógica dos Cursos de Música da FAAM -
Faculdade de Artes Alcântara Machado
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PREFÁCIO

O objetivo inicial desta publicação era fazer uma revisão do


meu trabalho anterior, entitulado “Técnica de Concentração no Estudo
de Piano,“ mas um estudo a respeito da neurofisiologia fez mudar o
rumo deste projeto. Não por questionar o trabalho anteriormente
realizado - que aliás foi bem recebido pelos meus colegas - mas pela
importância da inclusão deste assunto.

A utilização de esclarecimento neurofisiológico sobre a


concentração se deve a vários fatores:

1) Muito do que foi escrito neste livro são conselhos bem


conhecidos pelos estudantes, mas estes nem sempre dão o devido valor
aos mesmos, por não entenderem as razões pelas quais são
importantes. Alguns alunos têm classificado esses conselhos como
maçantes e inúteis, sem ao menos os testarem. Esses esclarecimentos
científicos servem para convencê-los de que tais meios não são mitos
ou folclore, e sim são essenciais para um bom rendimento do
aprendizado musical.

2) A melhor compreensão do nosso sistema nervoso pode trazer


muitas vantagens, como: ajudar a encontrar uma forma mais eficiente
de utilizar a capacidade da nossa mente; respeitar melhor os nossos
limites; facilitar a distinção entre o que é mito e o que é real; conseguir
perceber muitos detalhes antes ignorados ou despercebidos a respeito
do nosso corpo; encontrar explicações e meios mais produtivos para
obter um melhor desenvolvimento da percepção, concentração e
memorização e, principalmente, buscar uma explicação científica
sobre a musicalidade e a importância do sentimento.
13

A neurociência ainda está muito longe de conseguir desvendar


todos os mistérios do cérebro humano e muito do que foi escrito
baseia-se em suposições. Mas o que foi descoberto pode ser de grande
utilidade não apenas para os estudantes e professores de música, mas
para todas as pessoas.

Mesmo com a utilização de explicações neurofisiológicas e


neuropsicológicas, procurei escrever de uma forma sintética, somente
tópicos que sejam de interesse dos professores e alunos de música em
geral. Utilizando uma linguagem simples, evitei ao máximo o uso de
termos técnicos, para que o leitor pudesse entender as explicações de
uma forma mais clara.

Pelo fato de no meu trabalho anterior não ter entrado em muitos


detalhes pianísticos, e quase todas as questões abordadas serem
consideradas importantes também para os outros instrumentistas,
muitas pessoas sugeriram que eu estendesse também a outros
instrumentos pois, para poder fazer isso, seria necessário apenas
algumas adaptações. Como o meu conhecimento sobre a prática de
outros instrumentos não é suficientemente amplo para fazer essas
adaptações de uma forma segura, pedi auxílio a professores
respeitados de cada área e os professores Gisela Nogueira (cordas
dedilhadas), Marília Pini (cordas com arco) e José Ivo da Silva
(sopros), gentilmente se dispuseram a colaborar neste aspecto.
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INTRODUÇÃO

A música tem um poder imenso. Tem a capacidade de causar


várias reações nos estados mental, físico e emocional do ser humano.
A música pode, desde relaxar, até exaltar e excitar; transmitir
sentimentos agradáveis e desagradáveis; trazer recordações; causar
alegria, euforia como também tensão e medo. As emoções provocadas
por essa arte são reais e podem ser extremamente puras e profundas.

Mas não é qualquer combinação de sons que produz toda essa


magia. Para conseguir transmitir um determinado sentimento ou idéia,
o músico necessita de uma combinação de sons apropriados, tocados
de uma forma adequada, e isso envolve muito conhecimento, técnica e
sensibilidade, além da capacidade de conciliar o raciocínio, a
habilidade e o sentimento.

A quantidade de conhecimento e de habilidade técnica


necessária não é nada pequena. Os instrumentistas precisam saber as
notas e suas localizações no instrumento, os ritmos, os dedilhados, e as
articulações, sem contar com a coordenação motora entre as mãos, o
pensamento rápido, a leitura da partitura, a audição do resultado
sonoro, além de inúmeros outros fatores.

A concentração no estudo de música é fundamental para se


conseguir apurar todos os aspectos técnicos e mentais necessários
para uma plena execução musical, pois dela resultará os dados
recolhidos a respeito da peça estudada, sua retenção na memória e o
seu entendimento nos aspectos teórico, analítico, interpretativo e
estilístico.

Apenas uma minoria dos estudantes tem a facilidade de se


concentrar nos estudos e essa é a que apresenta o melhor rendimento;
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mas, uma vez que a pessoa não tenha essa facilidade, ela poderá
desenvolvê-la. Esse processo de desenvolvimento requer dedicação ,
disciplina, paciência e conhecimento.

Vários fatores influenciam a qualidade e a intensidade da


concentração, como: a idade, a capacidade de concentração, as
experiências anteriores, o seu grau de educação e cultura, as condições
físicas, psicológicas, emocionais e ambientais.

Para poder melhorar a concentração é necessário ter um objetivo


ou uma motivação, além de paciência, persistência e disciplina. Mas é
possível ter tudo isso sem precisar abrir mão da emoção,
espontaneidade, identidade e prazer de tocar.

Desenvolver a concentração não é complicado. Pelo contrário: o


processo consiste em simplificar o complexo, respeitar os nossos
limites e dar valor aos pequenos pontos que costumamos desprezar,
mas que na verdade, é onde podemos encontrar as respostas de nossos
maiores problemas e dúvidas.

Por esse motivo, é preciso conhecer o processo básico do nosso


sistema nervoso, pois através desse conhecimento, poderemos saber
quais os fatores que nos favorecem e quais nos atrapalham, dando
assim condições de atingir a nossa meta.
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1
CONCENTRAÇÃO

Sempre gostei do velho e sábio ditado que diz: “ninguém


nasce sabendo”, mas hoje eu sei que ele está incompleto. Na
verdade está faltando a esse provérbio, um verbo no final da
frase, como por exemplo: “Ninguém nasce sabendo falar” ou
“ninguém nasce sabendo escrever” ou “ninguém nasce sabendo
tocar piano”, etc... Se o provérbio se restringir a essas três
palavras, ele se tornará incorreto pois, na realidade já nascemos
sabendo e muito. Na verdade, apenas uma parte da capacidade
dos seres humanos é passível de um aprendizado. Ninguém
ensina um recém-nascido a chorar, respirar ou mamar. Quando
nascemos, o nosso organismo já conhece todas as funções vitais
básicas necessárias para a nossa sobrevivência e nenhuma dessas
funções é aprendida. A capacidade mental de um recém-nascido
é muito restrita, assim como o seu controle motor. Por esta
razão, a natureza tratou de automatizar todas estas funções vitais
e ainda as tornou subconscientes. E, portanto, este é o motivo
pelo qual o nosso corpo já nasce sabendo, pois caso contrário
não seria possível a nossa sobrevivência.

O sistema nervoso é que comanda todas as atividades


físicas, orgânicas e mentais dos seres humanos, tanto aquelas
que não aprendemos, como aquelas que “ninguém nasce
sabendo”. Ele é dividido em 2 partes:

1) o sistema nervoso periférico- é uma rede neural que


abrange praticamente todas as partes do corpo e através desses
nervos são transmitidos e/ou recebidos vários impulsos que são
recebidos e/ou transmitidos pelo sistema nervoso central.
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2) o sistema nervoso central - tem três níveis principais de


organização e cada nível desempenha funções específicas:

a) a medula espinhal que controla basicamente a maioria dos


mecanismos reflexos do organismo.

b) as regiões basais do encéfalo, localizadas abaixo do cérebro,


que controlam a maioria das funções automáticas complexas, como o
equilíbrio, a fome, movimentos grosseiros do corpo, a marcha, a
respiração etc. O sistema límbico, que é responsável pelos sentimentos
como o medo, raiva, ansiedade, se encontra nessas regiões.

c) o córtex cerebral, também conhecido como cérebro, (a massa


cinzenta que cobre o encéfalo) “sede de nossos processos mais
complexos como do pensamento e é ele que controla nossas
atividades motoras mais finas e delicadas.”1

A maior parte das atividades e movimentos comandados pelo


sistema nervoso central, principalmente os comandados pela medula
espinhal e regiões basais - que são os responsáveis pelos processos
vitais básicos como o batimento cardíaco, o controle da temperatura
corporal, da alimentação e da água - como já vimos, é automática e
involuntária. Geralmente, nós sequer reparamos nesses processos que
são realizados subconscientemente. Outras funções como a respiração,
o piscar de olhos, a retirada imediata da parte do corpo do campo de
ação quando sentimos uma dor, assim como os sentimentos de medo e
raiva, podem ser sentidos, e algumas delas podem, de certa maneira,
ser controladas até um determinado limite, mas esses processos
também são automáticos e involuntários
_______________________________________________________
1-António Damásio. O Erro de Descartes
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Por exemplo, ao tocar num ferro muito quente, a nossa mão é


retirada automaticamente do contato desse objeto, que pode causar
queimadura, e esse reflexo é instantâneo, acontecendo antes mesmo de
qualquer pensamento. É evidente que sentimos que a mão foi retirada
do local e que o ferro estava quente, mas a retirada da mão não foi
comandada, foi automática. Da mesma forma, não temos a capacidade
de parar o batimento do coração apenas pela vontade; conseguimos até
segurar a respiração, mas apenas por um tempo; e também não
podemos deixar de sentir medo ou ansiedade simplesmente por não
querer mais senti-los. Em resumo, o controle que temos do nosso
corpo é bastante limitado.

Para os pensamentos e ações intencionais são necessárias as


funções do córtex cerebral (cérebro),- que é responsável pelas
atividades as quais “ninguém nasce sabendo” como o pensamento, a
fala, a audição, o raciocínio, os movimentos finos e precisos, entre
outros - mas nem todas as ações comandadas pelo cérebro são
causadas por deliberação. Na realidade, a consciência que temos das
atividades exercidas pelo nosso sistema nervoso é muito restrita. Essa
consciência se limita a uma noção geral do estado do nosso corpo, das
nossas atividades e o que acontece ao nosso redor, e a focalização da
nossa atenção em apenas uma atividade.

Por exemplo: quando um pianista lê uma partitura, ele é capaz


de tocar prestando atenção nas notas, no tempo, no dedilhado, no
fraseado e na articulação, mas ele não é capaz de ler as duas ou mais
pautas simultaneamente; por isso, o recurso utilizado pelos pianistas é
a mudança do foco da atenção, ou seja, lendo ora uma pauta ora outra,
alternando de uma forma muito rápida.

Essa capacidade de mudar o foco da atenção utilizada na leitura


das pautas, pode ser a mesma que desencadeia a desconcentração. A
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área responsável pelo direcionamento da atenção (o tronco cerebral,


principalmente o tálamo) se localiza no sistema límbico, nas regiões
basais e portanto, a sua atividade é automática e involuntária, apesar
de poder ser controlada até um certo ponto, como acontece quando o
pianista escolhe que parte e que pauta ele quer ler. O fato do
mecanismo da direção ter um dispositivo automático, muitas vezes não
nos permite dirigir a nossa atenção de acordo com a nossa vontade. É
por esse motivo que muitas vezes, quando tentamos nos concentrar,
(centralizar as nossas atenções numa determinada atividade durante um
certo tempo sem ficar mudando constantemente) não conseguimos.

Obs: O mecanismo da noção geral do estado do nosso corpo e


do que está ao seu redor (conhecido como vigília ou tônus da atenção),
assim como o processo de direcionamento da atenção para apenas um
foco (direção da atenção),- que nos proporciona um maior controle e
detalhamento das atividades as quais foram dirigidas - provavelmente
são coordenados por um sistema neural complexo envolvendo tanto o
córtex cerebral como o sistema límbico.2

2-Mesulam 1983/ Muszkat 1992


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ESTUDO DE MÚSICA E A CONCENTRAÇÃO

Quase todos os dias transito pela avenida onde moro há mais de 30


anos. Um dia uma pessoa me perguntou onde ficava a escolinha de futebol e
eu nem sabia que havia uma nessa avenida. Só consegui reparar nessa
escolinha de futebol, que se localiza a 200 m de minha residência, depois que
minha atenção foi despertada para ela. Este exemplo ilustra a relação entre a
atenção e as informações retidas na mente.

Dos milhões de estímulos que atingem os órgãos sensoriais,


pouquíssimos têm direito a um lugar na memória do homem.3 Um
indivíduo é capaz de reter simultaneamente, após uma única
exposição, seis ou sete informações (apenas aquelas percebidas pelo
tônus ou direção da atenção). Ao atingir o cérebro, essas informações
são comparadas às informações existentes na mente e então são
analisadas. Um mecanismo, provavelmente muito complexo, escolhe
quais as informações que ficarão retidas definitivamente na memória.
As outras permanecerão por um curto prazo e serão apagadas, uma
após outra.

O critério de seleção através do qual as informações são


armazenadas pela memória a longo prazo é o seguinte:

a) retenção pelo foco As informações que são retidas


_______________________________________________________
3-Barbizet & Duizabo
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pelo foco e mantidas ativas na mente por um determinado tempo (para


poder ser possível uma melhor comparação e uma análise detalhada
das informações de acordo com os dados já armazenados na mente).

b) repetição As informações são transmitidas dentro do sistema


nervoso através de sinais que são passados de um neurônio a outro
(sinapses). Cada pensamento é obtido através de ligações específicas
entre determinados neurônios, formando vias ou circuitos. Se a mesma
informação ocorrer repetidamente, essas ligações ficam
permanentemente facilitadas. Desta forma, os impulsos seguintes
passam por esses circuitos com maior facilidade, até chegar a um
ponto em que qualquer impulso que tenha alguma relação com essa
informação, possa ativar essas vias e as pessoas consigam lembrar
assim dos dados fixados pela repetição;

c) o grau de emoção proporcionado pela informação A


região responsável pelo armazenamento da memória é conhecida
como hipocampo, localizada no sistema límbico. Quando uma
informação provoca dor, prazer ou um sentimento intenso, o
hipocampo é fortemente estimulado, mas se a informação for algo
habitualmente conhecida pela mente, o hipocampo não será
estimulado.

Portanto, não adianta passar 500 vezes pelo mesmo lugar. Se


não prestarmos atenção, não perceberemos o que há ao redor, da
mesma forma que se não prestarmos atenção, poderemos tocar 500
vezes a mesma música e, mesmo sendo capazes de tocá-la
automaticamente, continuaremos a não saber sequer as notas que
tocamos.

Tocar um instrumento musical não é nada fácil. Para se ter uma


idéia, tocar piano é uma das atividades humanas que utiliza mais
neurônios simultaneamente; ou seja, quando tocamos piano,
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precisamos saber as notas, os ritmos, os dedilhados, a localização das


notas no instrumento, as articulações, sem contar a necessidade da
coordenação motora entre as mãos e os pés, do reflexo, do pensamento
rápido, leitura da partitura, audição do resultado sonoro, além de
vários outros aspectos.

O grande problema de alguns estudantes de música se encontra


justamente neste ponto. Eles tentam trabalhar vários aspectos musicais
simultaneamente, dificultando em demasia a sua realização.

No capítulo anterior mencionei a capacidade do pianista de


conseguir tocar prestando atenção nas notas, no tempo, no dedilhado,
no fraseado e na articulação, mas isso só é possível quando todos os
aspectos já estiverem dominados e automatizados, pois a atenção
poderá se concentrar exclusivamente em apenas um deles.

Ilustrarei esse problema com um exemplo bastante comum:

Muitas vezes o professor pede ao aluno para tocar um trecho de


uma música com as notas, o tempo e o dedilhado certo, mas o aluno
não tem o domínio das notas, do tempo e nem do dedilhado. Como o
cérebro consegue pensar em só um aspecto de cada vez, a missão que
o professor lhe pede se torna impraticável e o aluno acaba se
frustrando perante a dificuldade em cumprir a tarefa.

Por outro lado, o professor não entende por que o aluno não
consegue tocar algo tão fácil e muitas vezes qualifica-o como
distraído, preguiçoso, sem capacidade ou sem talento.

Analisemos a diferença da visão entre esse professor e esse


aluno, neste caso.
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O cérebro é dividido em dois lados (hemisférios) e cada lado


está dividido em áreas que são responsáveis por funções específicas.
Os lobos frontais, as áreas que ficam na parte anterior do cérebro, são
responsáveis pela tomada de decisões e pelos movimentos complexos
e precisos; atrás dos lobos frontais se encontram os lobos parietais que
são responsáveis, e a sensação do tato, da pressão, do calor, do frio, e
das angulações das articulações; no lado posterior do cérebro se
encontram os lobos occipitais, os responsáveis pela visão; e nas
laterais se encontram os lobos temporais que são responsáveis pela
audição. Obs. Essa divisão foi feita a grosso modo, de uma forma
muito geral. Cada uma destas áreas são subdivididas em inúmeras
partes e cada uma delas tem uma função específica.

Os sinais sensoriais, antes de atingirem o cérebro, passam pelo


tálamo (regiões basais) e é ele que direciona os sinais para as regiões
adequadas do córtex cerebral e também é o responsável pelo
direcionamento da atenção.

Assim sendo, o professor consegue tocar obedecendo todas as


indicações de uma forma fácil e rápida, pois durante anos repetiu as
informações a respeito de leitura de notas, das figuras musicais, dos
dedilhados e todas essas ligações (circuitos) neurais referentes a essas
informações ficaram facilitadas. Deste modo, o seu cérebro
desenvolveu um repertório de padrões de atividades motoras. Com a
simples visualização da partitura, a sua mente é capaz de ativar
automaticamente os movimentos de dedos adequados para tocarem as
notas e o ritmo de acordo com o que está escrito, numa seqüência
ordenada.

Para o aluno, esta é uma tarefa impraticável, pois o


reconhecimento das notas, tanto na partitura como no instrumento, o
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reconhecimento e a realização dos ritmos, e os movimentos precisos dos


dedos, são atividades controladas por diferentes áreas cerebrais. Todas
precisam ser aprendidas e são do tipo consciente, ou seja, necessitam
da focalização da atenção para serem realizadas. A única maneira de
poder realizar todas essas atividades simultaneamente, seria
desenvolvendo um repertório de padrões como o descrito acima, pois
sem essa automatização a tarefa só seria possível com o
direcionamento simultâneo da atenção em diversas áreas do córtex
cerebral, sendo que o tálamo permite apenas um. Em outras palavras,
o professor está exigindo do aluno algo que está além da capacidade
do ser humano. Se esse professor trabalhasse com o aluno apenas um
aspecto por vez, certamente o resultado seria bem melhor.
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3
MEMORIZAÇÃO

A memorização é um aspecto muito importante para o estudante


de música. Mesmo para aqueles que não têm necessidade de tocar as
peças de cor, é deles exigido um grau elevado de memorização
automatizada porque, como vimos no capítulo anterior, a mente não é
capaz de captar tantas informações novas de uma forma tão rápida
como a execução musical exige.

O mecanismo da memória não foi totalmente desvendado, mas


é suposto que funcione da seguinte maneira: ao chegar no encéfalo a
informação estimula determinados neurônios que, por sua vez,
estimulam outros neurônios e assim sucessivamente, até que
finalmente o estímulo provocado pela informação volte aos neurônios
iniciais fazendo uma via circular (conhecido como circuito
reverberativo). Dessa forma, o estímulo provocado pela informação
fica circulando por esse circuito por algum tempo (de alguns segundos
a minutos). Assim, mesmo após ter cessado a sessão original e
enquanto essas reverberações persistirem, a pessoa conserva o
pensamento na mente.

A maior parte das informações, logo depois de passarem por


esse processo, é esquecida. Como vimos no capítulo anterior, para que
uma informação possa ser lembrada no futuro, geralmente ela precisa
ser repetida várias vezes para que o seu circuito seja facilitado. Na
maioria das vezes a passagem de um sinal apenas uma vez, não
causará a facilitação necessária para que a informação seja armazenada
na memória cerebral.
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EXEMPLO DE
CIRCUITO REVERBERATIVO

INFORMAÇÃO NEURÔNIO NEURÔNIO NEURÔNIO


SINAL A B C SAÍDA

Um sinal chega ao neurônio A, que por sua vez estimula os neurônios


B e C enviando-lhes sinais. Entretanto, as ramificações levam esse
impulso de volta ao neurônio A e os reestimulam. Assim, o sinal
percorre mais uma vez esse trajeto. Enquanto os sinais continuarem
circulando por essa via, a informação que causou esse circuito se
manterá na mente do indivíduo. “Esse processo continua circulando
por essa cadeia neural até que um ou mais de um neurônio deixe de
responder. A causa mais comum para essa falha é a fadiga neural e,
até que ocorra, o neurônio de saída continua a ser estimulado cada
vez que o sinal percorre o circuito, o que dá um sinal de saída
contínuo” (Guyton 1988). Outra causa que pode interromper a
reverberação é a inibição.

Quanto mais tempo o pensamento se mantiver na mente, mais intensa


e duradoura será a sua memorização.
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Mas alguns fatos que resultam em grandes emoções, mesmo


ocorrendo apenas uma vez, são capazes de ser lembrados por anos.
Uma das explicações possíveis, é que uma grande emoção faz com
que a reverberação das vias estimuladas por esses fatos se repita
inúmeras vezes (em algumas ocasiões milhares ou até milhões de
vezes) a mais do que acontece quando o fato não proporciona
nenhuma emoção. A quantidade das reverberações estaria
proporcionalmente relacionada à intensidade da emoção. É,
provavelmente, por esse motivo que, quanto maior for a emoção, mais
intensa e duradoura é a sua memorização.

A manutenção do pensamento (a percepção e a análise dos fatos


pela mente) no mínimo por vários segundos, possibilita a formação de
“imagens” ou “engramas” desses pensamentos. Apesar de termos uma
ilusão de que os conhecimentos sejam guardados da forma que os
percebemos, eles são decodificados formando várias imagens que são
armazenadas em diversas regiões do sistema nervoso. Ou seja, ao
assistirmos uma ópera, as imagens das cenas serão armazenadas numa
região do lobo occipital, enquanto a imagem sonora (a música) será
guardada numa região do lobo temporal.4

Existem vários tipos de memórias e as mais utilizadas pelos


músicos são a memória auditiva, visual, digital e analítica.

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4 Essa teoria se apoia em danos que determinados tipos de lesões cerebrais
causam nas pessoas. O neurologista Oliver Sacks em seu livro “Um
Antropólogo em Marte” conta o drama de um pintor que, após uma pancada
na cabeça, conseqüente de um acidente automobilístico, perdeu a
capacidade de enxergar as cores, via tudo em preto e branco. O mais
estranho foi que apesar de ele sempre ter enxergado normalmente a vida
toda, - e por ser um pintor a cor tinha uma importância primordial - após o
acidente, além de perder a capacidade de enxergar as cores, ele perdeu
também a lembrança.
33

A memória visual não é uma memória muito usada por


estudantes. Ela possibilita a pessoa visualizar a partitura e para
conseguir isto é preciso ter memória visual bastante favorecida. Ela
pode ser desenvolvida, mas geralmente as pessoas que se utilizam
desse recurso já têm essa aptidão inata.

A memória auditiva é a mais importante para o músico. Nela é


decorado o resultado sonoro da música.

A memória digital é a memorização e a automatização das


seqüências de movimentos mecânicos das mãos. Ela é obtida através
de repetições de mesmos movimentos.

A memória analítica é aquela onde a memorização se dá através


de análises das peças.

Após cada imagem (engrama) ser armazenada em regiões


distintas, elas também são associadas e armazenadas em diversas áreas
de associação existentes no encéfalo. Na execução musical, geralmente
é utilizada uma associação de duas formas de memória ou mais.
Quanto maior for o número de formas, maior será a qualidade da
memorização, pois uma memória apoia-se em outra, e caso haja a
falha de uma, a outra poderá socorrê-la.

A associação mais importante para os músicos é aquela entre as


memórias auditiva e digital, pois através delas obteremos a
automatização
_______________________________________________________
delas. As lembranças visuais e até mesmo os seus sonhos que sempre foram
coloridos, agora se tornaram também preto e branco. Há também casos de
cegueira provocadas por lesões cerebrais, nos quais as pessoas sequer
percebem que estão cegas, pois todas as imagens visuais guardadas no
cérebro são perdidas. Estas pessoas não sabem que não enxergam, pois
sequer lembram o que é enxergar.
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Ao estudar conscientemente, é possível conseguir associar os


sons resultantes com os movimentos necessários para a produção desse
determinado som. Assim feito, ao tocar a música, basta o músico
pensar no som que ele quer obter, que as mãos automaticamente
tentarão produzir os movimentos que proporcionem o som planejado.

Porém, só a associação desses dois tipos de memória não é


suficiente para proporcionar uma memorização segura. Sendo ela uma
memorização através da automatização de seqüências de movimentos,
qualquer empecilho, ou interrupção de uma seqüência, poderá
comprometer em muito a execução da música.

A memória analítica é muito importante, pois através da análise


é possível conhecer a estrutura das músicas e essa estrutura
proporcionará o entendimento, a clareza de cada trecho e da música
em geral.

Por esse motivo, se a memória analítica for associada às


memórias auditiva e digital, esta dará uma estrutura firme sobre o
entendimento geral e parcial do contexto musical, podendo servir
como um guia estrutural para a performance e também como um apoio
fundamental para quando a associação das memórias auditiva e digital
falharem.
35

4
ESTUDO E PRAZER

Muitas vezes sentamos para estudar e não conseguimos nos


concentrar. Por mais que tentemos prestar atenção, o pensamento vai
de um lado ao outro e apenas ocasionalmente a atenção fica voltada ao
nosso estudo.

Muitos fatores nos dificultam a atenção, como o barulho, uma


preocupação, o estudo chato e maçante, e até mesmo uma alegria.

Todos nós sabemos que é muito mais difícil nos concentrarmos


nas músicas das quais não gostamos. Aliás, muitas vezes, o estudo
dessas peças é evitado ao máximo; enquanto que as músicas que
gostamos, geralmente estudamos mais concentrados, durante muito
mais tempo e, às vezes, as estudamos mesmo contrariando as
recomendações do professor em não tocá-las.

Quem já não ouviu aquela velha expressão popular “É só


elogiar...” Por que muitas vezes não conseguimos repetir um feito
depois de um elogio? Existem duas possibilidades: a primeira seria
que, ao ser elogiada, a pessoa se emociona e o seu pensamento se volta
à sua alegria e não mais para a atividade na qual estava concentrada.
Por outro lado, com o elogio, o indivíduo pode sentir uma obrigação
de repetir o feito, e essa pressão pode resultar em ansiedade e
preocupação.

As funções automáticas e involuntárias do tálamo (responsável


pelo direcionamento da atenção) - assim como das outras regiões
basais do encéfalo - têm como objetivo a garantia da nossa
sobrevivência. Essa sobrevivência coincide com o trabalho de reduzir
36

os estados desagradáveis do corpo e atingir um funcionamento


equilibrado do organismo, tentando evitar a dor e procurar o prazer.
Desta forma, ao sentir um prazer, uma dor ou uma sensação
desagradável, a atenção se dirige automaticamente a esses sinais, mas
isso não significa que não tenhamos nenhum controle da atenção.
Apesar das atividades talâmicas serem involuntárias, o tálamo está
diretamente ligado a todas as regiões do córtex cerebral, inclusive ao
lobo frontal (a região responsável pelas decisões conscientes) e,
portanto, nós temos um certo controle da atenção. Mas quando o corpo
apresenta um sinal de dor, desconforto ou uma emoção, esses
sentimentos passam do segundo para o primeiro plano. Por esse
motivo é difícil manter a concentração quando a música não agrada
pois, não existindo o prazer em tocá-la, qualquer outro fator que gere
um prazer ou uma tensão, facilmente dispersará a atenção.

No caso do elogio o que acontece é o seguinte:

1) se a pessoa sente alegria ao ser elogiada, o pensamento


automaticamente se dirige a essa alegria - por esta lhe proporcionar um
prazer - e não mais à atividade a qual estava concentrada;

2) quando o elogio se torna uma pressão e portanto uma tensão,


ocorre uma alteração no corpo (esse processo será explicado mais
adiante), e conseqüentemente a mente se preocupará em tratar essa
alteração desagradável ao invés de se preocupar com a atividade que
está sendo exercida.

Conclusão: Se a consciência está condicionada a focalizar


estímulos que geram prazer, a solução para poder estudar sem se
distrair facilmente consiste em estudar de uma forma prazerosa. Mas
como seria essa forma prazerosa de estudar? Seria tocar a música sem
nenhum tipo de sacrifício, “curtindo” a música “sem esquentar a
cabeça?”
37

Existem muitas maneiras de estudar sentindo prazer; e tocar


“sem esquentar a cabeça” é uma delas. Mas se tocarmos apenas
“curtindo” a música sem trabalhá-la, com o tempo isso perderá a
graça, pois não haverá uma evolução, só a mesmice; por isso, tocar
”curtindo numa boa”, é bom e necessário, pois desenvolve a
espontaneidade musical. Mas se só isso for feito, o tocar se tornará
cansativo, enjoativo e sem graça.

Todos nós sabemos que para tocar bem é preciso praticar,


repetir, se esforçar para prestar atenção, fazer exercícios. A princípio,
essa maneira de estudar parece não gerar prazer além de parecer
cansativa, mas isto não é a realidade.

Da mesma forma que a não evolução torna algo atraente em


algo cansativo, a evolução torna uma atividade cansativa em uma
atividade atraente, ou seja, estudar repetindo trechos, fazendo
exercícios, analisando, tocando devagar, prestando atenção, entre
outras formas consideradas chatas que em si não geram prazer, podem
gerar grandes prazeres quando essas atividades proporcionarem um
progresso, um novo conhecimento, um feito, um aprimoramento, uma
nova aptidão e principalmente a conquista de um objetivo. Essa forma
de estudo tem a aparência de ser maçante, mas é muito menos
cansativa do que aparenta. O mais importante é que ela nos traz um
outro tipo de prazer, pois o sistema nervoso do ser humano não tem
apenas o sistema límbico, muito pelo contrário, a maior parte dos
neurônios se localiza no córtex cerebral, ou seja, no cérebro pensante.
Não podemos esquecer que não temos apenas o prazer sentimental,
mas temos a capacidade de sentir também o prazer intelectual. As
descobertas, o entendimento, a aprendizagem e o raciocínio também
geram um grande prazer, e essa forma de estudo pode proporcionar o
prazer intelectual.
38

5
TÉCNICA VERSUS MUSICALIDADE

Qual é mais importante, a técnica ou a musicalidade? Quantas e


quantas vezes já presenciei intermináveis discussões a respeito da
hierarquia entre esses dois aspectos musicais. As pessoas que têm
maior facilidade técnica defendem-na como fundamental e as pessoas
que têm tendências musicais mais acentuadas afirmam que a
musicalidade é a essência da música. Afinal quem tem a razão?

Antes de abordar o assunto gostaria de definir alguns pontos


sobre técnica e musicalidade.

A técnica é a capacidade e a habilidade mental e motora


juntamente com os conhecimentos e reconhecimentos teóricos,
analíticos e estruturais necessários para a execução de uma obra
musical. Todas essas atividades estão sob a responsabilidade do córtex
cerebral, são conscientes e precisam ser aprendidas.

A musicalidade é a capacidade do músico, de transmitir


sentimentos e/ ou idéias através da interpretação musical de uma forma
harmônica e agradável.

O processo da transmissão de sentimentos ocorre da seguinte


maneira: o sistema nervoso, ao receber alguma informação ou estímulo
que provoque uma emoção, ativa automaticamente uma cadeia de
reações, preparando o corpo para uma resposta específica a cada
situação. Assim, ao sentir raiva, “o sangue flui para as mãos,
tornando mais fácil sacar da arma ou golpear o inimigo; os
batimentos cardíacos aceleram-se e uma onda de hormônios, a
39

adrenalina, entre outros gera uma pulsação, energia suficiente para


uma atuação vigorosa.”5 Desta forma, quando o músico está com
raiva, a alteração do seu corpo faz com que o seu toque seja mais
rígido, o ritmo mais marcado e o fraseado mais agressivo. “Ao sentir
amor o conjunto das reações provoca um estado geral de calma e
satisfação, facilitando a cooperatividade” 5, assim o toque do músico
será mais terno, o ritmo menos marcado e o fraseado será mais
expressivo.

Essas reações procedentes da emoção, influenciam toda a


atividade do ser humano como na postura do corpo, na cor da pele, na
feição do rosto, nos gestos, na entonação da voz e na forma de
expressão. E como as reações têm um certo padrão, é possível não
apenas perceber, mas também sentir o estado emocional das pessoas.

A musicalidade segue o mesmo princípio: a emoção do


instrumentista é percebida e sentida através da qualidade do toque; na
intensidade, na entoação, na altura e no timbre de cada nota; no
fraseado; conjunto de todos esses fatores. Mas essa expressividade não
pode ser obtida apenas por uma técnica ou por um conjunto de normas
interpretativas, pois o músico consegue controlar conscientemente
apenas um aspecto musical, sendo que os outros são controlados pelo
repertório de padrões de atividades motoras. Assim, as alterações que
a emoção proporciona, influenciam direta e automaticamente nas
mínimas nuanças de cada toque. É por esta razão que um músico não
consegue tocar uma obra duas vezes de maneira idêntica. A
interpretação está intimamente ligada ao seu estado de espírito.

O ouvinte pode conseguir identificar ou até mesmo sentir a


mesma emoção do intérprete pelo seguinte processo: ao atingir o
_______________________________________________________
5 -Daniel Goleman Inteligência Emocional
40

cérebro a música é analisada e comparada às imagens armazenadas em


sua mente. Se esses sons forem relacionados com alguns sentimentos,
poderão trazer de volta não só as lembranças, mas também os
sentimentos envolvidos. Isto não significa que apenas as músicas já
conhecidas possam causar uma emoção ao ouvinte. A música, ao
chegar no encéfalo, é decodificada e assim a altura, a entoação, o ritmo
e o timbre são guardados, cada um em seu lugar. Portanto qualquer
tipo de som, seja ele uma voz, um timbre, um fraseado, uma harmonia,
uma seqüência de notas, ou um ritmo que se associe com uma imagem
guardada na mente do ouvinte, pode trazer o pensamento e/ou o
sentimento contido nessa lembrança, de volta. Desta forma é possível
que, por exemplo, uma melodia desconhecida tocada de uma forma
apaixonada, passe uma forte emoção de uma paixão.

Voltando à questão da hierarquia entre a técnica e a


musicalidade, o meu ponto de vista é o seguinte:

A técnica sem a musicalidade pode possibilitar apenas o prazer


intelectual. Sem dúvida é um prazer real e às vezes até muito forte,
mas para sentir esse prazer intelectual a pessoa precisa ter uma
formação, um treinamento e conhecimentos suficientes para tal. Para
poder analisar, perceber e entender a estrutura e a riqueza formal de
uma música ou de uma interpretação, é preciso uma preparação,
muitas vezes intensa. O prazer intelectual é menos forte e profundo,
sem contar que não consegue envolver completamente a nossa mente e
o nosso “coração”, como acontece com o prazer emocional. A música
tocada sem expressão deixa uma sensação de vazio e a sua execução se
torna impessoal e fria.

Por outro lado, o indivíduo que consegue se envolver


intensamente com a música, mas não sabe tocar uma nota sequer, não
terá meios de expressar a sua musicalidade através do instrumento. A
possibilidade de se expressar está proporcionalmente relacionada com
41

a técnica. Ou seja, quanto mais técnica tiver, mais recursos de se


expressar terá.

Na realidade, os dois requisitos são importantes e


interdependentes. Para ser um bom músico é necessário ter ambos.
Mas a grande questão não está em saber qual é o mais importante e
sim em conseguir conciliá-los.

A dificuldade em conciliá-los deve-se à divisão do cérebro em


dois hemisférios e cada aspecto ser controlado por lados distintos. A
técnica é controlada pelo lado esquerdo, que é o responsável pelo
raciocínio, fala, escrita, cálculo, lógica, análise, ritmo e também pela
percepção de detalhes. A musicalidade é controlada pelo hemisfério
direito, que é responsável pela percepção da melodia, timbre,
harmonia, ruídos, os aspectos espaciais, as formas geométricas, a
criatividade, o comportamento emocional e também pela percepção
global. Gostaria de citar alguns exemplos neurológicos, pois uma
forma muito clara de entender as diferenças das funções de cada
hemisfério e cada parte do cérebro, é conhecer quais os problemas que
a lesão de uma determinada área cerebral causa numa pessoa.

O lobo frontal esquerdo é responsável pela tomada de decisão


de acordo com o comportamento racional, enquanto o lobo frontal
direito é responsável pela tomada de decisão de acordo com o
comportamento emocional. Em seu livro O Erro de Descartes, o Dr.
Antonio Damásio conta a história de Elliot, um advogado que
era bem sucedido profissional, social e pessoalmente, mas depois da
remoção de um tumor benigno do cérebro - que lesou uma pequena
parte do lobo frontal esquerdo (razão) e uma grande parte do lobo
frontal direito (emoção) - perdeu não só o emprego, como não
conseguiu se manter em nenhum outro, separou-se da mulher e perdeu
suas economias em investimentos claramente desastrosos. O
impressionante era que, apesar de todos esses fracassos, ele parecia
42

O ENCÉFALO
(VISTO DE CIMA)

HEMISFÉRIO HEMISFÉRIO
ESQUERDO DIREITO
DO CÉREBRO DO CÉREBRO

RACIOCÍNIO COMPORTAMENTO
EMOCIONAL

TÉCNICA MUSICALIDADE
LÓGICA CRIATIVIDADE
RITMO MELODIA
FALA RUÍDOS
ESCRITA FORMAS GEOMÉTRICAS
ANÁLISE HARMONIA
CÁLCULO INTUIÇÃO

PERCEPÇÃO DE PERCEPÇÃO
DETALHES GLOBAL
43

indiferente a tudo que lhe acontecia, sem o menor tom de tristeza ou


pesar; nem mesmo o seu distúrbio lhe causava sofrimento. Apesar de
manter intacta todas as suas faculdades mentais, não era capaz de
tomar decisões nem mesmo para marcar um horário para uma próxima
consulta médica. Encontrava argumentos favoráveis e desfavoráveis
aos horários sugeridos, mas ele não conseguia selecionar qual era mais
vantajoso. Para ele tudo era indiferente, pois perdera a sua capacidade
de sentir. Este caso demonstra a importância dos sentimentos nas
tomadas de decisões. O sentimento é o guia para poder avaliar o que é
vantajoso ou o que é desfavorável. Sem o sentimento, o cérebro do ser
humano se torna como um computador, capaz de executar todos os
processos para solucionar um problema, mas incapaz de atribuir
valores a diferentes possibilidades. Em outras palavras, sem o
sentimento tudo na vida perde o seu valor.

Um outro caso citado pelo Dr. Damásio também retrata a


mudança de personalidade de uma pessoa com uma lesão no lobo
frontal, mas ao contrário do caso de Elliot, a lesão de Cage era maior
do lado esquerdo. Ao contrário de Elliot, que preservou a sua
educação e diplomacia, Cage que, antes do acidente que lesou seu
cérebro, era um homem com ”hábitos moderados”, ”considerável
energia de caráter” e tinha uma mente equilibrada, se tornou
caprichoso, irreverente, usava expressões tão obscenas que não era
recomendável que senhoras permanecessem muito tempo na sua
presença. Com o acidente, Cage não perdera apenas grande parte do
seu lobo frontal esquerdo, mas também perdeu a educação e boas
maneiras, assim como uma grande parte do controle do
comportamento racional.

Em seu livro O Homem que Confundiu a sua Mulher com o


Chapéu, o Dr. Oliver Sacks conta uma história de um professor de
música com lesões no hemisfério direito. Ele conseguia enxergar os
objetos com precisão e detalhes, mas não via nada como um todo. Ao
44

receber uma flor ele a descreveu como: -”cerca de l5 cm de


comprimento. Uma forma vermelha convulta com um complemento
verde linear...talvez seja uma inflorescência ou uma flor”. Ele só foi
descobrir que era uma rosa ao cheirá-la. O estranho era ele saber que
algo de errado lhe acontecia, mas não conseguia determinar o que era.
Ele não conseguia perceber que tinha dificuldade de identificar objetos
e pessoas pela visão, que era capaz de analisar o que via, mas
enxergava apenas os detalhes de tudo, porém nada por inteiro. Foi por
causa dessa lesão cerebral do hemisfério direito, que ele confundiu a
sua mulher com um chapéu.

Existe uma explicação neurológica para musicalidade. O


hemisfério direito é responsável pela entoação, altura do som, timbre e
emoção, enquanto o lado esquerdo é responsável pela fala e pela
razão. As pessoas que têm uma lesão no lobo temporal direito
(responsável pelo reconhecimento da entoação, timbre e expressão dos
sons) entendem as palavras, conseguem analisar o que lhes foi dito,
mas não conseguem distinguir se um obrigado foi dito em um tom
sincero ou irônico. Por outro lado, as pessoas que têm uma lesão no
lobo temporal esquerdo (responsável pelo entendimento da linguagem)
conseguem ouvir o som, a entoação e a expressão do que lhes é dito,
mas não são capazes de distinguir as palavras como tais. Elas escutam
os sons das palavras, mas é como se estivessem ouvindo um idioma
estrangeiro. Por não conseguirem analisar os sons, as palavras ficam
sem sentido. Apesar dessa dificuldade, o Dr. Oliver Sacks afirma que
os afásicos (as pessoas que têm lesão no lobo temporal esquerdo) têm
a capacidade de entender quase tudo que lhes é dito. Por terem
dificuldade em entender a fala, eles ficam muito mais sensíveis a
pequenas nuanças da entonação dos sons e assim eles têm maior
capacidade de detectar falsidade, malícias ou intenções duvidosas
através da entonação e expressividade dos sons. Por isso é muito
difícil enganar um afásico pois, mais do que palavras, a expressão e a
entonação são mais precisas para perceber as idéias ou sentimentos das
45

pessoas. É possível mentir com as palavras, mas não é possível mentir


com a entoação, a expressão, a intensidade ou com o timbre da voz, da
mesma forma que não é possível mentir com expressividade resultante
de uma interpretação.

Geralmente as pessoas têm tendência a desenvolver mais um


dos aspectos em prejuízo do outro. Se o estudante for muito musical,
provavelmente sua tendência é ouvir a música mais com o lado direito,
que dá vazão aos sentimentos. Ouve a música de uma forma geral, mas
tem dificuldade em analisar, trabalhar, perceber detalhes e ter a visão
estrutural. Ele escuta quase da mesma forma que os leigos em música
que escutam com o hemisfério direito do cérebro.

Por exemplo: é comum encontrar um aluno que é musical, mas


por falta de um domínio técnico toca a música do jeito dele, sem
respeitar o fraseado, o ritmo, a articulação e, às vezes nem mesmo as
notas. Isto acontece porque como ele não tem domínio desses
aspectos musicais, precisa prestar atenção para tocar direito e prestar
atenção significa deixar de direcionar a mente da emoção para
direcioná-la ao raciocínio. Se esse novo direcionamento não trouxer
prazer, isso gerará uma tensão e a sua mente interpretará essa situação
da seguinte maneira: o raciocínio (ou seja, a técnica) agride o
sentimento e a emoção; é por esse motivo que muitos alunos repudiam
o estudo técnico.

Por outro lado, um aluno técnico o qual a música não o envolve


emocionalmente de uma forma intensa, consegue se concentrar mais
facilmente, pois a sua razão não precisa ficar brigando com a sua
emoção e sentimento, portanto eles não oferecem muita resistência;
mas mesmo ao conseguir obedecer todas as recomendações do
professor, o resultado final desse processo termina em uma música
racional, impessoal e sem emoção.
46

A grande dificuldade em conseguir conciliar a musicalidade e a


técnica, está no fato de que o hemisfério direito do cérebro, por estar
mais ligado ao sistema límbico, é responsável pelo comportamento
emocional, mas é o hemisfério esquerdo que controla o
comportamento racional. Se um dos lados for muito mais forte, acaba
enfraquecendo o outro. Portanto, é necessário tentar equilibrá-los, pois
se de um lado a emoção e o sentimento podem atrapalhar a
concentração, por outro lado eles são a essência da felicidade do ser
humano. A razão pode reprimir, controlar e dominar as emoções e os
sentimentos, mas o ser humano só sente o prazer real quando ele
realiza seus desejos. Além disso, esses desejos também têm força
muito intensa e se conseguirmos canalizar essa força, teremos um
grande interesse e motivação para o estudo. São impulsos
fundamentais para conseguirmos forças a fim de enfrentar as
dificuldades da aprendizagem musical, assim como as da vida.

O aluno com tendência musical muito forte, precisa trabalhar


muito o seu lado técnico para que este possa lhe proporcionar meios
de mostrar as suas emoções, e para trabalhar a técnica é preciso muitas
vezes controlar a emoção, mas isto não significa oprimi-la.

Os alunos técnicos, não musicais, geralmente são pessoas que


têm musicalidade, mas ela está reprimida. Ao contrário das pessoas
leigas em música, eles começam a analisar, a entender e a estudar,
começam a ver a música não apenas como uma arte, mas também
como uma ciência. Eles não só percebem a música como sons que
agradam ou desagradam, mas também como um conjunto de notas
com uma organização rítmica, estrutural, estética e estilística passíveis
de reconhecimentos e análises. Começam a ouvir a música não apenas
do lado direito como os leigos em música, mas também com o
hemisfério esquerdo do cérebro.
47

A repressão da musicalidade pode ser causada por vários


motivos, mas geralmente é reprimida pela concentração da mente nos
aspectos musicais racionais (prestar atenção nas notas, ritmo,
articulação e etc...), não dando lugar aos sentimentos e nem às
emoções. Para poder desenvolver a musicalidade eles precisam deixar
de se concentrar apenas nos aspectos do hemisfério esquerdo, para
começar a dar atenção também ao prazer de tocar e ouvir as músicas.
Para isso é necessário automatizar as atividades conscientes,
desenvolver o repertório de padrões motores e deixar a mente livre
para o prazer de tocar, de ouvir e principalmente de sentir a música.
48

6
EMOÇÃO E APRENDIZADO

Era uma aula de percepção e o assunto a ser trabalhado era


modulação. Após as explicações necessárias, a professora pediu-nos
para ouvir uma gravação, cujo objetivo era identificar onde ocorriam
as modulações. Começou a audição e a música era o “Réquiem” de
Mozart. Logo nos primeiros acordes, a música me envolveu de uma
forma tão forte e profunda, a emoção era tamanha que perdi
totalmente a noção de onde estava e do que eu deveria fazer. Sem a
menor dúvida, eu estava totalmente envolvida pela música, mas
naquele momento não havia meio de usar o meu lado racional e
analítico, pois a emoção seqüestrara todo o meu cérebro.

Quando uma grande emoção toma conta de toda a nossa mente


e nos faz perder o controle da razão, como no exemplo acima, estamos
diante de um fenômeno conhecido como seqüestro emocional.
Segundo o Dr. Daniel Goleman o seqüestro emocional ocorre da
seguinte maneira: o encéfalo, ao captar um estímulo que provoca uma
forte emoção, ativa um feixe em forma de amêndoa que se encontra
dentro do sistema límbico chamado amígdala. Temos duas amígdalas,
uma em cada lado, que funcionam como um depósito da memória
emocional. São elas que analisam se gostamos ou desgostamos do
sinal que percebemos, se é alguma coisa que odiamos, tememos ou
amamos. Ao analisar um estímulo que provoque uma grande emoção,
as amígdalas acionam algo parecido com um alarme e mandam uma
mensagem de emergência para todas as partes do cérebro, disparando
uma secreção de hormônios orgânicos para uma reação em cadeia.
Assim, ao sentir um grande prazer, o coração pode bater mais
depressa, a pele pode corar e os músculos do rosto moldam uma
49

expressão de felicidade. Na situação de emergência, a amígdala que


está conectada a muitas partes do encéfalo, assume e dirige grande
parte do resto do cérebro - inclusive a mente racional. É por isso que
“perdemos a cabeça”.

Por causa deste seqüestro emocional, muitas vezes os


sentimentos são marginalizados, rejeitados e mal-vindos. Mas as
emoções são essenciais na interpretação, pois é através dos critérios de
apreciação que decidimos como interpretar uma música. Aliás, existe
um grande problema na questão de interpretação, principalmente na
música erudita. Não é raro o aluno sentir a música de uma forma que
lhe proporcione um grande prazer, ser obrigado a tocar de uma outra
maneira que não é de seu agrado, que não vai de acordo com a sua
vontade e sim, pelas indicações da partitura e/ou pela visão do
professor.

É nesse ponto que surge um dilema entre tocar de uma forma


que para ele é prazerosa, mas é considerada incorreta, ou tocar de uma
forma não agradável, mas considerada correta. Se tocar de acordo com
a sua vontade poderá causar problemas de avaliação (tanto nos exames
como em concursos), se tocar da forma “correta” estará anulando o seu
sentimento e a sua emoção.

Na realidade, a qualidade de cada toque, fraseado, proporção da


dinâmica e a flexibilidade rítmica, deveriam ser decididos de acordo
com o grau de prazer e/ou beleza que é proporcionado ao executante.
Se o músico não usar esse critério emocional, que está relacionado
com a visão geral e utilizar apenas o critério racional que trabalha os
detalhes, a música acaba saindo sem coerência, desproporcional,
desequilibrada, mesmo sendo obedecidas todas as indicações da
partitura. Se um estudante fizer um crescendo apenas porque está
escrito, ele acaba soando estranho, sem proporção, sem expressão e
principalmente sem sentido. É necessário compreender que as
50

indicações que foram escritas têm um propósito, têm uma razão de ser,
e não foram feitas aleatoriamente. Portanto, é fundamental o estudante
tentar entender as razões de cada indicação colocada pelo compositor,
e não apenas obedecer. É importantíssimo tocar a música de acordo
com as recomendações do compositor, principalmente porque muitos
estudantes que repudiam tocar obedecendo as normas, não o repudiam
por não gostarem da interpretação indicada, e sim por não
conseguirem obedecê-las

Ao conseguir tocar sentindo e entendendo as indicações, o aluno


terá uma nova visão da obra, mas se mesmo assim ele preferir a sua
própria interpretação, não haverá nenhum problema pois, sendo ele
capaz de tocar seguindo as regras estabelecidas, quando for necessário,
ele terá capacidade de tocar de acordo com as normas e quando ele
quiser, ele estará apto a dar a interpretação e visão pessoal da música.

Obs.: Na realidade, o ideal nesses casos seria o estudante


aprender a aceitar a visão do compositor, mas quando isso não
acontece e gera um grande conflito interpretativo, o melhor seria o
aluno abandonar a peça.

Outra importância da emoção no aprendizado consiste na


relação entre o sentimento e a aquisição do conhecimento (cognição).
Segundo o Dr. António Damásio, quando a pessoa está com
sentimentos negativos como tristeza ou melancolia, a criação de
imagens se torna lenta, sua diversidade é pequena, e o raciocínio
ineficaz, mas quando o sentimento é positivo como a alegria, ou
euforia, a criação de imagens é rápida, a sua diversidade é ampla e o
raciocínio pode ser rápido, embora não necessariamente eficiente.

Conclusão: O sentimento é importante, dele depende como


decidimos o rumo da vida, da música; é a semente do prazer, da
empatia; ele tem influência no estado do nosso corpo e mente, na
51

capacidade de aprender e perceber. Sem o sentimento nada é


importante, nada tem valor, nada tem sentido, tudo é indiferente.

7
52

PACIÊNCIA

Existem muitos estudantes que confundem quantidade com


qualidade na hora de avaliar a execução musical.

Em outra palavras, há pessoas que acham que tocar bem


significa tocar rápido e músicas difíceis. Então, na pressa de conseguir
tocar bem eles querem tocar músicas difíceis e tentam estudar desde o
início num andamento maior do que a sua capacidade.

Para poder entender melhor o processo poderemos comparar,


por exemplo, o aprendizado de piano com o aprendizado da língua
inglesa.

Estudar uma música difícil, só tocando rápido, é tão


improdutivo quanto pegar um texto em inglês que apresenta várias
palavras e estruturas gramaticais desconhecidas pelo estudante e ficar
só lendo rápido. O resultado desse estudo será o não entendimento do
texto, uma pronúncia enrolada, a não compreensão da estrutura
gramatical, a não memorização do vocabulário, apenas uma angústia
provocada pela impotência perante a dificuldade do texto.

Estudar uma música difícil, só tocando rápido, resulta em


toques imprecisos, na não memorização das células, motivos, frases e
temas musicais, no não entendimento da estrutura musical e na mesma
angústia.

Os estudantes de música precisam entender que, assim como no


inglês, as palavras, a gramática e a pronúncia podem ser as mesmas,
tanto num texto infantil como num texto científico, no piano, as notas
53

e as figuras musicais também são as mesmas desde o livro de


iniciação até as sonatas de Liszt e Prokofiev. Da mesma forma que o
verbo “to be” é conjugado no livro básico de inglês, como nos grandes
livros da literatura inglesa, o “dó ré mi”, as mínimas e semínimas,
aparecem desde o livro “Escola preparatória de piano” de F. Beyer,
até os concertos de Bach e Beethoven, só mudando na sua amplitude,
quantidade e variedade. Por isso, tocar bem não é conseguir tocar um
estudo de Chopin no seu andamento e sim ter o domínio de todos os
aspectos musicais e pianísticos

É por esse motivo que é possível saber a qualidade de um


pianista ao ouvi-lo tocar uma peça como “De Terras e Pessoas
Estranhas”, a primeira peça de Cenas Infantis de R. Schumann, que,
apesar de apresentar poucas notas e ter um andamento mais lento,
requer do pianista um alto índice de domínio técnico e interpretativo.

Todos os processos de aperfeiçoamento, tanto técnico como


interpretativo, precisam de tempo, trabalho e dedicação para o seu
desenvolvimento e amadurecimento. Se eles não forem dominados, as
dificuldades causadas pela falta de domínio aparecerão em todas as
peças tocadas. Portanto, a forma mais produtiva de aprender é
trabalhar bem a base e para isso é mais adequado estudar em cima de
peças que apresentam poucas dificuldades para o estudante pois, como
vimos anteriormente, a base é a mesma em todas as músicas e
trabalhar em peças que apresentam muitas dificuldades se torna muito
desgastante e pouco produtivo. Mas isto não significa que o estudante
deva limitar seus estudos em tarefas fáceis de serem cumpridas.
Quando o estudo é muito fácil, o aluno acaba se aborrecendo e se
entediando, pois este tipo de estudo, apesar de não apresentar
dificuldade, exigirá pouco do estudante e não apresentará desafios
assim, com o tempo, ele se tornará monótono e pouco produtivo.
54

Um dos grandes obstáculos para conseguir paciência suficiente


para o estudo de qualidade, é a ansiedade, ou em outras palavras, a
pressa de conseguir ser um exímio instrumentista num curto espaço de
tempo. A obsessão de conseguir um domínio técnico a curto prazo faz
muitos alunos optarem por estudo utilizando apenas a mente
emocional. Por ela ser automática e proporcionar a visão geral, é muito
mais rápida que a mente racional. O resultado desse processo é sem
dúvida um estudo rápido, mas também insensato, impreciso e pouco
produtivo,como o exemplo citado acima.

Outro grande problema que a ansiedade traz, é que ela fixa a


atenção da pessoa na preocupação, ou na vontade de atingir o objetivo
e acaba ignorando tudo mais que acontece ao seu redor, perdendo
inclusive a paciência e a capacidade de se concentrar no estudo. Sem
dúvida, é muito importante a pessoa ter vontade de aprender, estudar e
ter domínio sobre o seu instrumento musical, pois a vontade é a mola
propulsora para o aprendizado. Mas quando essa vontade se torna
excessiva ela “sabota qualquer tentativa de êxito”6.

A mente racional não tem o comando total sobre a mente


emocional, mas é o hemisfério esquerdo (razão) o responsável pela
orientação e pelo controle das emoções. É ela que tem a
responsabilidade de encontrar os meios para conseguir atingir o desejo
sentido pela emoção. Portanto, o modo para tentar controlar essa
ansiedade é tomar consciência dos prejuízos que ela está causando. É
fundamental perceber e compreender que é essa ansiedade, essa
vontade que o está impedindo de atingir o objetivo, e que só
controlando-a é possível desenvolver as aptidões necessárias
_______________________________________________________
6-Daniel Goleman Inteligência Emocional
para conseguir o sucesso almejado. É através desse pensamento e
dessa consciência que, aos poucos, a razão vai conseguindo dominar
esse excesso de vontade e conseguir paciência suficiente para trabalhar
55

todos os detalhes técnicos e interpretativos necessários para uma boa


interpretação musical.

Outro fator fundamental para conseguir paciência é respeitar o


seu limite. Existe uma grande diferença entre o idealismo e o realismo,
por isso se você se encontrar numa situação em que alguma pessoa
(principalmente você mesmo) cobre algo que você não seja capaz de
realizar, não insista, pois não adianta nada você procurar o ideal se isso
não for realizável.

É muito comum os professores, os colegas e principalmente os


próprios alunos cobrarem uma habilidade ou aptidão que eles não têm.
A cobrança do “você estuda tantos anos e não consegue fazer isso?” é
uma pressão que geralmente é mais prejudicial do que benéfica.

Ela pode ser benéfica se o aluno tiver plena capacidade de


realizar essas tarefas, mas não as realiza por pura preguiça ou falta de
vontade e, sobretudo se ele for orgulhoso, pois se a sua capacidade for
questionada ele se esforçará em provar sua habilidade.

Infelizmente, na maioria das vezes em que o aluno não


apresenta o rendimento desejado, é por causa de suas dificuldades, e
nesses casos ao receber a pressão de que ele deveria ser capaz de fazer
isso e não consegue, pode gerar um complexo de inferioridade, um
desinteresse por não se achar capacitado, ou até uma cobrança
inoportuna. Essa cobrança irá pressioná-lo e gerará angústia ou
desespero, perturbando a sua tranqüilidade e paciência que são
essenciais à concentração. Além disso, foi constatado que a
preocupação deteriora a capacidade de execução de uma tarefa, ou
seja, quando estamos preocupados, a nossa mente fica tão ocupada
com a preocupação que perde a capacidade de realizar funções e
atividades que somos capazes de fazer quando estamos relaxados. 7
Este é um dos motivos pelo qual é muito mais difícil tocar em público,
56

pois quando o músico sente a responsabilidade de tocar bem, esta


responsabilidade gera uma pressão, que gera uma tensão e se essa
tensão for excessiva, a mente priorizará a sua atenção na preocupação
e não na execução musical, sem contar que a tensão fará o sistema
límbico acionar alterações no organismo, entre elas nas vísceras, e o
excesso de impulsos nos órgãos viscerais causa a diminuição do
controle de movimentos das mãos, podendo inclusive causar
tremores.

Por isso, não importa o quanto os outros tocam, nem que o


Mozart aos 8 anos compunha sinfonias. O importante é ver
humildemente quais as suas condições reais, as suas dificuldades e
capacidades, mesmo que estas sejam muito aquém do ideal. Não
adianta tentar fazer coisas que não estão ao seu alcance, isto resultará
em frustrações, aborrecimentos e perda de tempo.

Procure respeitar o seu limite e fazer o seu melhor dentro dele;


se conseguir fazer o seu melhor, com certeza se surpreenderá com o
resultado final.

_______________________________________________________
7-Metzger 1990/ Goleman 1995
57

8
FATORES QUE INFLUENCIAM A CONCENTRAÇÃO

As condições físicas, psicológicas, emocionais e ambientais, são


fatores que influenciam muito a qualidade e a intensidade da
concentração e por esse motivo, através de pequenos cuidados, como
os descritos abaixo, poderão melhorar sensivelmente as condições da
concentração.

Um fator que favorece a dispersão é o cansaço mental. Depois


de um determinado período de concentração, o cérebro necessitará
diminuir o ritmo de suas atividades (descansar) para poder recompor
suas energias.

Da mesma forma que ao correr muito, as pernas se cansam e o


cansaço fará com que a pessoa não consiga apresentar a mesma
capacidade de correr, o cérebro, ao se concentrar bastante, se cansa
também e esse cansaço fará com que a pessoa não consiga apresentar a
mesma capacidade de se concentrar.

Existe uma polêmica entre os autores em relação à duração da


capacidade de concentração. Eles falam desde 20 segundos até 1 h e
30 min, evidentemente partindo de conceitos diferentes, mas todos
concordam que depois desse período a mente pára de se concentrar,
necessitando de descanso para poder retornar a essa atividade.

De qualquer maneira, cada pessoa tem o seu próprio ritmo e


limite, por isso quando sentir que a mente está muito cansada, é
aconselhável descansar. Insistir no estudo com a mente exausta faz
com que a sua capacidade de aprender se reduza tanto na qualidade
como na quantidade, e o rendimento desse tempo de estudo se torne
bem abaixo da sua capacidade. Portanto é muito mais produtivo
58

estudar 1 hora com a mente descansada do que estudar 3h com a


mente exausta.

Obs.: A redução da capacidade de aprendizado quando a mente


está cansada está provavelmente relacionada com a redução da
quantidade de reverberação do circuito (processo que foi explicado no
capítulo 3), numa fadiga mental.

É, sem dúvida, muito melhor estudar em um ambiente calmo e


silencioso, num lugar confortável, de temperatura agradável e com boa
luminosidade, pois quanto menos incômodos você sentir, menores
serão as tensões que a mente captará.

Infelizmente, nem sempre é possível encontrar uma condição


ambiental ideal para a concentração. Na realidade brasileira, é comum
um estudante ter, por exemplo, uma aula de violão com um trompete
tocando na sala ao lado, sem que haja em nenhuma das salas, qualquer
tipo de tratamento acústico.

Não é uma condição ideal para uma aula, mas infelizmente é


uma condição real; portanto, se não houver nenhuma maneira de
solucionar ou mudar essa situação, o jeito é tentar fazer o máximo
possível apesar da precariedade de condições. O primeiro passo é
tentar não se incomodar tanto com o som do trompete e nem com a
situação. Admito que não é uma missão muito fácil, mas quanto mais a
pessoa se irritar com o som do vizinho, mais a atenção se voltará a
esse som e à sua irritação, e menos chance de se concentrar na aula,
terá. Aceitar a realidade entendendo que o seu colega, apesar de tocar
um instrumento com um som mais potente, tem todo o direito de
praticar o seu trompete e que se irritar com a situação não lhe trará
nenhum benefício naquele momento, apenas prejuízo à sua
concentração, proporcionará uma chance de conseguir se concentrar na
aula. Outra atitude que pode auxiliar nessa missão quase impossível é
59

tentar ouvir e reparar nos detalhes da sonoridade do violão. Desta


forma, o violonista estará ativando mais o lado esquerdo do cérebro
que elabora a audição analítica e detalhista e, simultaneamente,
relegando a segundo plano o lado direito do cérebro que responde pela
captação dos ruídos e da audição geral do ambiente.

Além da dificuldade de encontrar um ambiente de estudo ideal


para a concentração, existe também a dificuldade de encontrar uma
condição mental ideal para a concentração. Como já vimos, nós não
temos o controle total de nossas atenções. Qualquer emoção mais
forte, tanto positiva como negativa, tende a sabotar o controle de
direcionamento da nossa atenção.

Os quatros sentimentos mais comuns que costumam atrapalhar a


concentração em nossos estudos são a preocupação, a raiva, a alegria e
a tristeza.

A preocupação, como já vimos, atrapalha o nosso


desenvolvimento mental. É evidente que a preocupação tem a sua
função, pois ela prepara a mente para uma ameaça previsível e busca
uma solução de um problema. Mas ela é prejudicial quando se torna
obsessiva, sem necessidade e “começa a intrometer-se na tentativa de
dirigir a atenção para outras atividades”. 8

Ao sentir raiva, o cérebro tem duas reações: a primeira, que tem


a duração de apenas alguns minutos, libera uma substância chamada
catecolaminas, que gera um rápido surto de energia que prepara o
corpo para uma linha de ação vigorosa como “lutar-ou-fugir”. A
segunda reação prepara o cérebro emocional para um estado de
prontidão, fazendo com que qualquer estímulo reaja de uma forma
particularmente rápida. Esta prontidão pode durar horas, e
_______________________________________________________
8-Daniel Goleman Inteligência Emocional
60

dependendo da raiva, até dias. É por isso que quando uma pessoa está
irritada por alguma razão, “perde a cabeça” com muito mais
facilidade.8

Na alegria, o coração bate mais depressa, a energia liberada pelo


cérebro exalta tanto o corpo como a mente e sentimos uma imensa
sensação de prazer. A tristeza tira o nosso interesse por diversões e
prazeres, prende a atenção na perda ou na dor e tira nossa vontade de
iniciar novas atividades.

Para tentar desviar a atenção dessas emoções para direcioná-las


ao estudo, são sugeridos os seguintes procedimentos:

Na preocupação, seria analisar o que está preocupando. Ver se é


uma preocupação necessária, útil e se o problema é solucionável. Se
todas essas respostas forem afirmativas, existem duas possibilidades.
Caso o problema possa ser resolvido antes do estudo, é melhor
resolvê-lo e depois estudar. Caso o problema não possa ser resolvido
antes do estudo, escreva as preocupações num papel e pense da
seguinte maneira:

-no momento eu não posso resolver este problema e me


preocupar com ele não me ajudará em nada, ao contrário, só me
atrapalhará, não permitindo a minha concentração no estudo. Este
horário é somente para os meus estudos, mas depois de estudar,
prometo pensar no problema com o cuidado devido.

No caso da raiva, o melhor é tentar analisar a razão que originou


esse sentimento e tentar ver os pontos positivos dos acontecimentos,
como por exemplo: saiu mais cedo de casa para não se atrasar, mas o
trânsito estava infernal, por isso chegou atrasado e ainda por cima
_______________________________________________________
8-Daniel Goleman Inteligência Emocional
61

levou bronca do professor por ter chegado tarde à aula. Bem, não
adianta ficar com raiva pois a raiva não fará melhorar o trânsito.
Pense: levei bronca do professor porque eu realmente cheguei
atrasado, mas pelo menos cheguei são e salvo. Depois de analisar,
tente se distrair com outros pensamentos, não fixando a sua mente no
fato que gerou a raiva.

Agora, quando o sentimento é alegria, então o interessante não


seria cortá-lo, o ideal seria apenas diminuir a sua intensidade até o
ponto em que ela não interfira na capacidade de concentrar-se em seu
estudo. Para acalmar tanto a preocupação, a raiva, como a alegria, é
muito útil fazer exercícios de relaxamento, pois os três sentimentos
provocam um aumento de estímulo físico e também mental. Relaxar a
musculatura, respirar fundo e dirigir suas atenções a outros
pensamentos, faz com que o ritmo das atividades físico-cerebrais
diminuam, facilitando a mente racional retomar o seu controle.

Então relaxe. Feche os olhos, respire fundo, bem devagar e


conte regressivamente de 10 a 0, tentando visualizar os números.
Imagine-se estudando, concentrando-se no que será estudado e de que
forma. Conte até 5 e abra os olhos.

É muito importante visualizar cada número e não simplesmente


contá-lo sem falar. Para quem nunca tentou visualizar um número com
os olhos fechados, é muito difícil conseguir vê-lo, e é justamente essa
dificuldade que fará o aluno relaxar a mente do pensamento anterior
para dirigi-lo a uma nova atividade.

Este é apenas um exemplo de relaxamento, e evidentemente


você não precisa fazer especificamente este, mas é importante fazer
um relaxamento para diminuir a agitação do corpo e do cérebro, a fim
de acalmar-se e poder concentrar-se nos estudos.
62

No caso da tristeza, o relaxamento não apresenta muito


resultado, porque ela causa um estado de baixa estimulação e o
relaxamento reforça essa situação. Quando eu me encontro nesse
estado costumo pensar da seguinte maneira: “estou triste e nesse estado
em que me encontro não estaria bem em nenhum lugar do mundo e
nada posso fazer para alterar esse sentimento. Se eu estudar, pelo
menos eu estarei utilizando esse momento de dor para uma atividade
que proporcionará o meu desenvolvimento, amadurecimento e
aprimoramento, e isso com certeza fará com que no futuro me sinta
bem melhor.”

Quando estou triste, não costumo mergulhar logo estudo,


preferindo tocar uma música que reflita o meu sentimento. A tristeza
faz com que a música saia muito mais expressiva e bonita e aos
poucos, ao invés do meu pensamento se concentrar na minha dor, ele
começa a se transferir para a beleza do som. E assim, pouco a pouco, a
minha atenção se volta à música.

Todas essas sugestões são eficazes apenas para situações em que


os sentimentos, embora fortes, sejam controláveis e reconhecíveis.
Quando o sentimento for excessivamente intenso, fora de qualquer
controle, nenhuma destas sugestões terá resultado. Nestas condições é
melhor deixar o estudo por um tempo até conseguir solucionar o
problema emocional, pois nesse estado, o estudo não terá rendimento
e, dependendo do problema, o estudante poderá inclusive pegar
aversão ao instrumento.

Quando sinto que o meu aluno está sem condições emocionais


para assistir à aula, ao invés de obrigá-lo a tocar, costumo parar e
conversar com ele, pensar numa solução para o seu problema, de
preferência usando senso de humor. Quando uma pessoa ri, ela altera o
seu estado de espírito e o riso ajuda a abrir a sua mente e faz pensar
com mais clareza, podendo assim, perceber coisas que antes não
63

conseguia perceber. Desta forma, geralmente, consigo resgatar a mente


racional do aluno, permitindo assim o prosseguimento da aula.
64

9
O ESTUDO E A PERFORMANCE

Tocando com concentração e emoção! Existe um estado mental


no qual uma pessoa consegue concentrar-se totalmente na sua
atividade e toda a sua emoção é dirigida e canalizada a serviço desta
tarefa. Este estado designado como “fluxo”9 é um estado onde a
atenção está tão concentrada no que a pessoa está fazendo, que ela
perde a noção do espaço e tempo; perde toda a autoconsciência
esquecendo de suas preocupações da vida diária e nem percebe o que
acontece ao seu redor.

“As pessoas em fluxo exibem um controle absoluto sobre o que


estão fazendo, as reações perfeitamente sincronizadas com as
cambiantes exigências da tarefa. E, embora atuem no ponto mais alto
quando em fluxo, não se preocupam com seu desempenho, com a
questão de sucesso ou fracasso - o que as motiva é o puro prazer do
ato em si.” 10

Daniel Goleman em seu livro “Inteligência Emocional”, cita


duas maneiras de entrar em fluxo. Uma delas é manter, de uma forma
deliberada, uma grande atenção no que está sendo feito. A pessoa ao
tentar entrar no fluxo desta forma pode sentir uma certa dificuldade
pois poderá precisar de um considerável esforço para acalmar-se e
concentrar-se , exigindo uma certa disciplina, “mas assim que a
concentração começa a fixar-se, assume uma força própria que ao
mesmo tempo proporciona alívio da turbulência emocional e torna
fácil a tarefa.”
_______________________________________________________
9-Mihaly Csikszentmihalyi/ Daniel Goleman
10- Daniel Goleman Inteligência Emocional
65

A outra forma seria executar uma tarefa em que a pessoa seja


hábil e a executa num nível que pouco exige de sua capacidade.

Quando nos concentramos intensamente numa tarefa, sentimos


um grande prazer, alegria e um estado de pura felicidade. Essa emoção
é diferente da emoção que acarreta o seqüestro emocional. No fluxo,
as emoções são contidas, dirigidas, energizadas e alinhadas com a
atividade que está sendo realizada, seria o auge da canalização das
emoções em função do desempenho e aprendizado, pois essas
emoções são induzidas pela intensa concentração. Acredito que numa
interpretação musical, o prazer sentido pelo artista em fluxo, não se
restrinja ao prazer do ato de tocar em si. A música tem um grande
poder de transmitir emoções e pelo fato do músico estar
completamente concentrado na sua interpretação, com certeza ele
captará a emoção nela contida. Numa performance musical, a
emoção sentida no fluxo seria um produto da própria música que
estaria sendo executada e não pelo sentimento pessoal do intérprete.
Por exemplo, suponhamos que um intérprete esteja sentindo uma
grande paixão, essa paixão interferirá diretamente na forma dele tocar,
e assim transmitirá a sua emoção. Este intérprete ao entrar no fluxo, se
concentrará totalmente na música, deixando de dar atenção ao seu
sentimento, mas a expressividade e a beleza da sua interpretação
resultante da sua paixão, o emocionará. Seria por este motivo que um
músico, mesmo sentindo e transmitindo uma grande tristeza ou dor, ao
entrar em fluxo, consegue sentir um grande prazer, através da beleza e
expressividade da música por ele executada.

A concentração no fluxo não é forçada, e sim relaxada; as


tarefas são realizadas com a utilização mínima da energia mental.
Muitos estudantes acreditam que para conseguir se concentrar na hora
da performance seria necessário um grande esforço mental. Na
verdade, uma concentração forçada, contaminada por preocupações,
66

pensar demais no que está acontecendo ou mesmo pensar em “como


estou tocando maravilhosamente”, pode interromper o fluxo. Não se
esqueça que a preocupação excessiva gera ansiedade e a ansiedade
corrompe qualquer tentativa de êxito.

Portanto, para um músico conseguir entrar no fluxo em uma


performance, é necessário que todos os aspectos musicais estejam
automatizados, pois quando uma atividade está bem praticada e está
automatizada, o esforço cerebral exigido para sua execução é bem
menor do que as que estão sendo aprendidas ou as que apresentam
ainda um alto grau de dificuldade.

Resumindo, o ideal seria ter um processo mental de estudo


diferente do processo mental na hora da performance.

O processo mental do estudo seria a aquisição de todas as


informações de uma forma mais consciente possível, inclusive a
estética, a interpretação e a visão musical pessoal, e também, sem
dúvida, o desenvolvimento de todos os aspectos instrumentais até a
sua automatização.

O processo mental da performance seria portanto entrar no


estado de “fluxo”, uma vez que todos os aspectos musicais estariam
facilitados.
67

10

SUGESTÕES PARA O ESTUDO

A partir deste capítulo abordarei algumas sugestões e formas de


estudo que têm como objetivo desenvolver cada aspecto técnico-
interpretativo do estudo musical de uma forma consciente até a
automatização (capacidade de executar sem a necessidade de prestar
atenção).

Três exercícios muito bons que costumo utilizar para despertar a


atenção dos alunos, são os seguintes:

1) Peço para o aluno ler 3 ou 4 vezes uma linha ou parte de uma


linha melódica ou harmônica que tenha de 4 a 10 notas e pergunto ao
aluno, tapando a partitura, qual foi a seqüência das notas.

Se o aluno estiver atento, ele será capaz de responder, caso


contrário, não conseguirá, e perceberá que não está atento às notas. Ao
ser desafiado a memorizar a seqüência, ele tocará automaticamente
prestando muito mais atenção e conseguirá vencer um desafio, o qual
irá gerar um grande prazer.

2) Quando o aluno já estudou errado e já automatizou o erro, ou


quando ele tem uma dificuldade muito grande em determinada(s)
nota(s), ritmo ou trecho, peço a ele que repita apenas aquele compasso
num andamento bastante cômodo e digo o seguinte:

- você pode errar tudo neste compasso, menos essa(s) nota(s),


ritmo ou trecho. Este(s) você não pode errar de jeito nenhum.
68

Ao focalizar o local exato do problema, os alunos conseguem


solucionar as dificuldades sem grandes traumas. Geralmente os alunos
conseguem acertar logo na primeira tentativa. Se não conseguirem
acertar até a terceira vez, ou diminuo o trecho a ser tocado, ou diminuo
ainda mais o andamento. Depois de consertado o compasso, é só pedir
para repetir várias vezes (até sanar o problema), sempre chamando a
atenção para o local onde estava o erro.

3) Quando sinto que o aluno está errando por estar distraído,


aponto o trecho onde ele cometeu o erro e peço a ele para tocar apenas
4 vezes essa parte, mas com um detalhe: terá que ser 4 vezes
consecutivas sem cometer nenhum erro, ou seja, tocou três vezes sem
errar, mas errou na quarta tentativa, a contagem volta a 0.

Se o aluno tiver dificuldade em tocar sem errar, eu peço a ele


que diminua o trecho ou o andamento até que consiga fazê-lo sem
maiores dificuldades.

Solfejar cantando- É uma forma muito produtiva de desenvolver


a percepção, a leitura e a concentração. A concentração é
desenvolvida, pois para se ter condições de tocar, falando o nome das
notas e entoando o som, exigirá do estudante a centralização de suas
atenções.

A leitura é desenvolvida, pois estudando dessa forma, a


associação entre as notas escritas, os seus nomes e as teclas ou cordas
tocadas fica muito mais intensificada, consistente e consciente, do que
ao serem simplesmente tocadas.

Também é essa uma das maneiras mais eficaz de se desenvolver


a percepção musical, pois para entoar o som é preciso prestar atenção
69

na sua altura e ao cantar falando o nome das notas, aos poucos os sons
serão gravados e associados aos seus nomes.

Sem dúvida nenhuma, no caso de instrumentos de sopro é


impossível tocar cantando, mas segundo o professor José Ivo da Silva
(clarinetista e professor de clarinete da Fundação das Artes de São
Caetano), é muito bom para os alunos iniciantes pensarem nos nomes
das notas enquanto tocam para poderem reforçar as associações entre o
som, as notas escritas e as notas tocadas. Esse processo, conforme o
estudante vai dominando o seu instrumento, se tornará automático.
Outro problema que os alunos de instrumento de sopro enfrentam está
no fato de muitos dos instrumentos serem transpositores. Portanto,
esses estudantes necessitam desenvolver o ouvido relativo. Um
exercício recomendado pelo professor Ivo é: antes de tocar as músicas,
solfejar (no som real) as peças que serão estudadas.

Repetição- É algo imprescindível no estudo de música. É a


única maneira de adquirir a automatização de qualquer aspecto
técnico-musical. Mas ao mesmo tempo que a repetição é
indispensável, ela necessita de alguns cuidados para não criar certos
inconvenientes.

1) O excesso de repetição gera saciedade, por isso, ficar


repetindo inúmeras vezes só por repetir, sem um propósito específico,
não é muito benéfico. Como por exemplo, repetir em seguida 50 vezes
um mesmo trecho que não ofereça muita dificuldade é prejudicial pois,
após ser tocado algumas vezes, esse trecho já estará automatizado, e as
repetições, depois de seu domínio, não trarão novos benefícios, apenas
aborrecimentos e por conseqüência, se tornará uma atividade inútil e
cansativa.
70

2) A repetição deverá ser feita da forma mais precisa possível,


pois ao repetir com erro, ao invés de estar melhorando, estará fixando
o erro; e quanto mais repetir, mais difícil ficará para consertá-lo.

Ao tomar cuidado em não errar, automaticamente se prestará


mais atenção e o não errar o trecho resultará em um som mais
agradável então, atraindo mais a concentração.

3) O ideal seria realizar as repetições trabalhando, não só o lado


técnico, mas também o lado interpretativo, pois quanto melhor for o
resultado sonoro, mais agradável será a realização das repetições.
Outro motivo importante é a retenção do som na memória. Ao repetir
os trechos de uma forma só técnica, o ouvido se acostumará com o
som duro, bruto, e frio, sem contar que poderá adquirir muitos vícios
interpretativos.

Trabalhar apenas um aspecto musical de cada vez.- Pensar em


vários aspectos musicais simultaneamente é tão difícil como tentar
fazer duas ou mais contas matemáticas distintas ao mesmo tempo. Por
isso, a não ser que você já tenha um grande domínio, trabalhe apenas
um aspecto de cada vez, ou seja, se num determinado trecho da música
você encontrar dificuldade de ritmo, notas, dedilhado e técnica,
trabalhe, por exemplo, primeiro as notas. Leia as notas de mais ou
menos um compasso (dependendo do seu grau de dificuldade) de uma
linha melódica ou harmônica, até que a seqüência das notas não
ofereça nenhum problema, faça uma análise melódica ou harmônica
do trecho para entender a sua estrutura e facilitar a sua memorização,
então analise qual é o dedilhado mais apropriado para a mão e toque a
seqüência das notas com esse dedilhado. Depois que a mão aprender a
tocar as notas com o dedilhado, analise o ritmo desse trecho e toque
com o ritmo escrito na partitura num andamento que possibilite tocar
tudo comodamente. Feito isso, analise quais os problemas técnicos que
71

são apresentados e aplique os exercícios de técnica que achar


adequados para sanar essas dificuldades.

Estudar por partes- Geralmente, quando necessitamos decorar


um texto relativamente longo, nós decoramos parte por parte; se
tentarmos decorar lendo o texto inteiro, ao terminar de ler, já não
recordaremos de como era o seu início, mas ao lermos apenas uma
frase é plenamente possível lembrar da frase completa.

Na música acontece o mesmo processo. Ao lermos a peça


completa, é muito difícil lembrarmos quais as notas que foram
tocadas, pois além da nossa memória ter uma capacidade limitada, a
necessidade de ler muitas notas faz com que a consciência dirija toda a
sua atenção a essa atividade, dificultando a observação e a
memorização, mas ao estudarmos apenas a primeira frase, seremos
capazes de lembrar de muito mais detalhes. A leitura de poucas notas,
possibilita à consciência observá-las melhor e a mantê-las mais tempo
na mente, permitindo assim, a memorização.

Por exemplo: Nós captamos muito mais informações de uma


peça se a lermos repetindo 20 vezes, compasso por compasso, do que
ao lermos 20 vezes a mesma peça do começo ao fim. Portanto,
recomendo trabalhar um trecho curto, mais ou menos 1 compasso,
mais a primeira nota do compasso seguinte (para trabalhar a passagem
de um compasso ao outro).

Estudar devagar - Para conseguir correr é preciso saber andar.


Essa lei da natureza que é tão simples, parece ser desconhecida por
muitos alunos de música que insistem em estudar apenas num
andamento alucinante, sem ter condições de tocar tão rápido. Eles não
têm paciência e nem querem tocar devagar e parece que só conseguem
tocar “no tranco”, ou seja fazer a mão tocar através dos seus
72

movimentos (da mesma forma que um veículo é ligado através do


tranco).

Isto acontece, principalmente, quando o aluno estuda


desenvolvendo apenas a memória digital e auditiva, não tendo
consciência do que está tocando, só automatizando os movimentos das
mãos. O não tocar devagar vem do não conseguir tocar devagar.
Quando se toca num andamento muito lento, a memória digital falha e
sem a memória digital é preciso ter consciência das notas para poder
tocar e, para ter essa consciência, é preciso estudar devagar.

Como já vimos, é preciso recolher muitos dados de uma forma


consciente para se tocar bem. É muito importante entender que a
consciência só consegue pensar em uma atividade de cada vez. A
consciência precisa de tempo para conseguir observar, analisar,
aprender e associar os dados recolhidos para poder memorizar.

Mas segundo a Professora Marília Pini (violista e professora de


violino e viola da Faculdade de Música da Faculdade de Artes
Alcântara Machado) os estudantes de instrumentos de cordas com
arcos enfrentam um pequeno problema na hora de estudar devagar,
devido às arcadas. Dependendo da música, a diminuição do
andamento pode tornar impossível se tocar uma determinada frase
com a arcada adequada. As sugestões da professora Marília seriam as
seguintes:

1) Tentar encontrar uma pulsação que possa conciliar


andamento cômodo para o estudo com a arcada adequada.

2) Se a peça apresentar uma longa seqüência de notas com uma


dificuldade muito grande na mão esquerda e que essa seqüência deva
ser tocada numa única arcada (ligadura), o estudo em andamento mais
lento pode tornar-se inviável, pois a quantidade de notas extrapolaria
73

os limites do arco. Nesse caso, a solução seria ignorar a ligadura e


estudar a passagem com um movimento de arco para cada nota em
tempo lento, até que a seqüência estivesse sob o domínio do estudante.
Só então se poderia acelerar o andamento gradativamente, até chegar
no tempo correto onde a seqüência poderia ser executada numa única
arcada. Outra solução para o estudo em andamento mais lento seria
dividir a arcada em várias partes ( por exemplo: uma seqüência de 12
notas ligadas seria estudada com ligaduras de 4 em 4 notas) e, após o
domínio do trecho, aplicar a arcada original.

O professor Ivo ressalta que estudar devagar é também


importante para os instrumentos de sopro. Além das vantagens
citadas acima, o estudar devagar proporciona ao aluno trabalhar a
respiração e isto significa: trabalhar a qualidade sonora e a afinação;
trabalhar o apoio do diafragma e conseqüentemente a coluna de ar; e
aumentar a resistência. Se o estudante não conseguir fazer o fraseado
adequado em virtude do andamento lento do estudo, então o fraseado
pode ser modificado provisoriamente. Após ter trabalhado e dominado
técnica e musicalmente os pontos necessários, aumentar aos poucos o
andamento até que ele seja suficiente para a retomada da respiração e
do fraseado adequado.

Portanto, procure estudar devagar, num andamento bem cômodo,


apressando aos poucos, sempre respeitando o seu limite.

Obs. Os processos que explicam a importância das repetições,


trabalhar um aspecto de cada vez, estudar em partes e estudar
devagar, foram explicados nos capítulos anteriores, principalmente
nos capítulos 2 e 3.
74

Análise- A análise proporciona ao aluno um entendimento e


uma visão muito mais clara, detalhada e intensa das músicas,
permitindo também a associação entre as estruturas de todas as
músicas estudadas.

Ao trabalhar uma música analisando-a, o aluno não estará


estudando apenas esta música, mas também a estruturação musical, e
ao dominar esta estruturação, terá condições de facilitar a leitura, a
análise, a interpretação, a compreensão e a memorização de todas as
músicas em geral.

Esse domínio e essa facilidade proporcionada pela compreensão


estrutural podem poupá-lo de muitas tarefas desgastantes, e o resultado
rápido do seu trabalho motivará o aluno a estudar mais e mais.

Estudar mãos separadas - Muitos alunos que estudam


instrumento de teclado já ouviram conselhos para estudarem as peças
com mãos separadas, mas na maior parte das vezes, eles se limitam em
tocar de 1 a 4 vezes cada mão e achar que sua missão foi cumprida.
Estudar mãos separadas não implica apenas em ter uma vaga idéia de
quais são as dificuldades encontradas em cada mão, mas quanto
melhor for trabalhada cada uma delas e em partes, maior será a sua
visão e o conhecimento da peça.

Na verdade, uma mão encobre as dificuldades e as falhas da


outra, pois ao tocar as duas mãos simultaneamente, haverá muito mais
sons e movimentos e a mente não terá condições de perceber muitos
dos problemas existentes em cada mão. Ao estudar apenas uma delas,
a atenção não precisa ser dividida e nem as dificuldades ou as falhas
serão encobertas, e ao detectar as dificuldades e falhas, abrirá uma
possibilidade de solucioná-las. Além disso, estudando bem cada mão,
possibilitará também ter uma visão bem mais detalhada de tudo que
75

acontece no trecho estudado, pois tendo condições de prestar atenção


em menos dados (menos notas), aumentarão as condições de observar,
analisar e memorizar melhor tudo que acontece estrutural e
musicalmente em cada mão.

Existe também um outro fator que explica a importância de


estudar mãos separadas. A teoria da inibição recíproca afirma que
quando um lado do cérebro é estimulado, acontece uma inibição do
lado oposto. Por exemplo, um estudante destro ao tocar as duas mãos
simultaneamente, os movimentos da sua mão direita (que é dominante)
inibem os movimentos da mão esquerda. Se um estudante tocar apenas
com as mãos juntas, o lado dominante (a mão direita) sempre inibirá o
lado mais fraco e assim a mão esquerda estará sempre enfraquecida.
Ao tocar as mãos separadamente não haverá inibição recíproca e cada
uma poderá desenvolver melhor sua autonomia e controle. Quanto
mais cada mão tiver sua independência, menor será o efeito da
inibição.

Segundo a professora Gisela Nogueira (violonista, professora de


violão do Instituto de Artes da UNESP), não é recomendado o estudo
das mãos separadas em instrumentos de cordas dedilhadas por um
motivo óbvio. Como tocar as notas nesses instrumentos depende dos
movimentos simultâneos das duas mãos, mas seus movimentos são
muito distintos, ela recomenda estudar evidentemente com as duas
mãos, mas prestando atenção nos movimentos de apenas uma delas e
depois do seu domínio, passar a prestar atenção nos movimentos
apenas da outra. Assim, facilitará ao aluno perceber se a unha da mão
direita não está prendendo na corda e se não está com ruído; ou se os
dedos da mão esquerda estão bem apoiados nos trastes.

Nos instrumentos de cordas com arco é sugerido o mesmo


princípio que o das cordas dedilhadas, mas a professora Marília alerta
para a dificuldade dos movimentos da mão direita. Ela cita que
76

existem algumas músicas que apresentam trechos onde a dificuldade


de tocar a corda com a arcada correta num andamento rápido é muito
acentuada. Nestes casos ela recomenda o estudo apenas da mão direita
sem a utilização da mão esquerda, até o seu domínio.

No caso dos instrumentos de sopro, esse tipo de estudo é sem


dúvida inviável.

Tomar cuidado com a afinação - O estudo com o instrumento


afinado é importante para a concentração por dois motivos. O
primeiro, por ele proporcionar um som mais agradável facilitando a
direção da atenção na música, e o segundo, por evitar que a
desafinação desvie a atenção da música.

Os estudantes de instrumentos de cordas não temperadas,


que também são responsáveis pela afinação, devem evitar estudar com
a afinação comprometida, dando uma atenção especial a isso. A
grande razão da necessidade de estudar com a afinação correta é que
ela propicia a associação entre memória auditiva e digital. Ao estudar
devagar, prestando atenção na afinação, aos poucos a altura do som se
associará à localização da nota no braço do instrumento, permitindo ao
instrumentista guiar sua afinação através do som. Se o aluno estudar
desafinado, essa associação não ocorrerá e seu ouvido poderia ficar
viciado, tornando-se assim muito mais difícil se obter uma afinação
correta.

Pelos mesmos motivos citados anteriormente, é importante que


os estudantes de instrumentos de sopro estudem com a afinação
correta. Para isso, o professor Ivo recomenda estudar devagar
trabalhando e desenvolvendo a firmeza da embocadura e o apoio do
diafragma, que são fundamentais para obter a afinação correta nesses
instrumentos.
77

Dicas - Tenha uma agenda em mãos e antes de começar a


estudar, anote todos os compromissos que não possam ser esquecidos.
Assim, a sua mente estará livre dessa preocupação. Se for possível,
tenha um despertador para não se preocupar com o horário.
78

11
O ESTUDO DE LEITURA

Geralmente a primeira etapa do aprendizado, principalmente da


música erudita, é a leitura musical. Não é uma tarefa fácil, é como
aprender um novo idioma, mas com certeza ela é fundamental ao
estudo. As sugestões apresentadas abaixo têm como objetivo ajudar
os estudantes a encontrarem um meio mais fácil de conseguir dominar
a leitura de partituras.

O estudo das notas

1) Ver as claves e a tonalidade.

2) Tocar e solfejar um pequeno trecho de uma linha melódica ou


seqüência harmônica.

3) Observar e analisar a estrutura dessa linha, e tentar memorizá-la.

4) Tocar cantando e solfejando o trecho de memória várias vezes até


conseguir fazê-lo sem nenhuma dificuldade e sem nenhum erro.

5) Tocar até que ele se automatize.

O dedilhado ou a digitação é um aspecto muito importante para


a leitura.

No caso dos instrumentos de teclado sugiro a seguinte forma


de estudar:
79

1- Tocar o trecho com mãos separadas, bem devagar, analisando o


dedilhado aconselhado pelo editor. Se houver alguma dificuldade
tente modificar o dedilhado, pesquisando a forma mais confortável
de tocar.

2- Depois de decidir o melhor dedilhado, toque o trecho várias vezes e


se tiver uma passagem muito difícil de dedo, toque o trecho até
essa nota e pare. Repita esse procedimento até o dedo ir
automaticamente para a nota.

No caso dos instrumentos de cordas dedilhadas, a professora


Gisela Nogueira recomenda escolher a digitação prevendo o
andamento correto da obra.

No caso dos Instrumentos de cordas com arco, a professora


Marília Pini recomenda analisar muito bem o dedilhado, pesquisando a
forma mais confortável e conveniente para uma realização satisfatória
do ponto de vista musical.

A forma de estudo descrita abaixo, é uma sugestão para


desenvolver a leitura à primeira vista.

O estudo de leitura

1- Ver as claves, a tonalidade e a fórmula do compasso.


2- Escolher um trecho relativamente curto, mais ou menos de 1 a 3
pautas e tentar ver tudo que for possível (notas, ritmo, dedilhado,
dinâmica, articulação e fraseado).
3- Tocar devagar, de preferência com o metrônomo, (no caso do
instrumento de teclado, ler primeiro a pauta inferior, e logo a linha
80

superior, evidentemente tocando-as simultaneamente) respeitando o


máximo possível todas as indicações escritas na partitura. Tentar
não errar, não parar (se errar seguir em frente sem parar). Se estiver
muito difícil, diminuir o andamento e/ou reduzir o trecho.
4- Repetir o trecho até conseguir tocar sem nenhum problema, então
aumente gradativamente o andamento até atingir a velocidade
desejada.

Tanto nos instrumentos de teclado como nos instrumentos de


cordas dedilhadas, é muito interessante trabalhar a leitura sem olhar
no instrumento. Ter a noção exata da localização de cada nota sem
olhar no teclado ou no braço do instrumento é sem dúvida uma grande
vantagem em vários aspectos, especialmente na leitura.

Se o estudante tem essa noção de localização é possível ler a


partitura sem tirar os olhos dela, não perdendo tempo olhando para o
instrumento e principalmente, não correndo o risco de se perder na
continuidade da leitura dentro da partitura.

Uma forma de desenvolver essa noção é a seguinte:

Faça o estudo de leitura da mesma forma descrita acima (no


caso dos instrumentos de teclados apenas com uma das mãos) primeiro
olhando no instrumento para conferir se as notas tocadas estão
corretas, e depois que o som resultante for memorizado, tocar sem
olhar no instrumento.

Toda vez que houver um grande salto e uma nota ficar difícil de
ser localizada e tocada corretamente, não tente adivinhar; pare e toque
olhando para o teclado ou para o braço do instrumento, mas prestando
atenção na distância entre uma nota e outra. Sinta a distância e depois
tente tocar sem olhar no instrumento. Se continuar errando, volte e
81

toque olhando novamente até você conseguir tocar sem olhar e sem
errar.

Este processo pode parecer trabalhoso, mas com certeza valerá


a pena ser feito, pois além de ajudar na leitura, ele ajuda também na
técnica. Se o músico tiver o conhecimento da localização das notas no
instrumento, sem a necessidade de olhar, na hora de executar a música
ele não precisará perder tempo procurando as notas, a mão terá
condições de se dirigir automaticamente e portanto, mais rapidamente
ao local onde as notas serão tocadas.
82

12
O ESTUDO RÍTMICO

Neste capítulo gostaria de sugerir algumas formas de estudo


para ajudar a solucionar os problemas mais freqüentes a respeito de
ritmo que encontrei entre os estudantes de música. A primeira sugestão
é uma forma de estudar que pode ajudar o aluno a resolver uma
dificuldade rítmica encontrada numa peça musical.

O estudo rítmico

1- Ver a fórmula do compasso.


2- Pegar um pequeno trecho de uma linha melódica ou harmônica e
solfejar ritmicamente (de preferência com um metrônomo) com a
maior precisão possível.
3- Tocar o ritmo com as respectivas notas até que a melodia ou a
harmonia possam ser cantadas, cante até decorar.
4- Toque repetindo várias vezes até que os dedos sejam capazes de
reproduzir o trecho sem precisar prestar atenção nas notas.

Obs. A melhor forma de automatizar o ritmo é através da


memória auditiva, por isso é importante solfejar e cantar. Se for um
aluno iniciante ou com dificuldade rítmica é recomendável contar os
tempos e bater a pulsação, pois muitas vezes o problema rítmico é
conseqüência de uma dificuldade de coordenação motora.

Um problema rítmico muito comum entre os estudantes é a


dificuldade em manter a pulsação ao longo de toda uma peça.
Geralmente eles costumam alterar o tempo de acordo com a
83

dificuldade encontrada ( mais rápido nos trechos fáceis e mais lento


nos trechos difíceis).

Essa dificuldade pode ter vários motivos, mas o principal é o


fato da pulsação ser um conceito de lógica e não ser adquirida
intuitivamente. Para desenvolver a pulsação é necessário um trabalho
racional, físico e sensorial. Mas, muitas vezes, os estudantes não fazem
um estudo específico para desenvolvê-la, trabalhando-a apenas
instintivamente. A ausência de um estudo direcionado resulta na falta
de domínio da pulsação, ou seja, o aluno não consegue sentir a
pulsação de uma maneira firme, guiando-se através de uma pulsação
insegura, inconstante e irregular.

Outro aspecto que dificulta a constância e a regularidade da


pulsação tem uma origem distinta. Segundo Dr. Mauro Muszkat
(compositor e professor de neurologia na Universidade Federal de São
Paulo) a emoção influi diretamente no ritmo. O processo explicado
pela inibição recíproca diz que quando um hemisfério do cérebro é
estimulado, ele inibe o hemisfério oposto; portanto se o ritmo é
comandado pelo lado esquerdo e a emoção pelo lado direito, ao sentir
uma emoção, o hemisfério direito inibe o esquerdo e a velocidade do
ritmo tende a cair. É por este motivo que é tão difícil manter uma
pulsação metronômica numa performance.

Mas a questão que estava abordando acima não se refere a essas


nuanças rítmicas originadas pela inibição ou emoção e sim com a
incapacidade do aluno de sentir a pulsação. Um exemplo: numa parte
da música onde aparecem apenas figuras como semínimas e colcheias,
o aluno toca num andamento (suponhamos a semínima igual a l20) e
sem nenhuma indicação, preparação ou razão, na entrada de um trecho
intrincado com várias semicolcheias, o seu andamento cai
abruptamente a 90.
84

Geralmente, os estudantes que apresentam estes problemas


tendem a ter problemas em ditados rítmicos; em tocar acompanhado
ou em grupo; e a repudiar o estudo com o metrônomo. Tudo isso vem
a confirmar que o problema realmente está na sua dificuldade de sentir
e manter uma pulsação.

O primeiro passo para corrigir esse problema é sem dúvida


começar a sentir a pulsação. Dois exercícios que podem ajudar muito a
solucionar esse problema são os seguintes:

1) Pegue o metrônomo em um andamento lento em torno de 60


a semínima. Feche os olhos e ouça as batidas prestando muita atenção.
Depois que conseguir se familiarizar com o intervalo de tempo entre
uma batida e outra, comece a bater palmas junto com as batidas do
metrônomo. Mas é muito importante que as batidas sejam bem
precisas, sem adiantar ou atrasar nem um pouco. O estudante deve
sentir o tempo e não tentar chutar, adivinhar, ou acompanhar o
metrônomo e sim bater a pulsação com consciência, segurança e
precisão.

- Depois que conseguir sentir e bater as semínimas com


precisão, bata as mínimas, colcheias, semicolcheias e assim
sucessivamente.

Obs. O metrônomo é apenas um instrumento de apoio,


evidentemente ninguém irá tocar um concerto com um metrônomo
mas, sem dúvida nenhuma, ele pode ser de grande utilidade para
conquistarmos a disciplina rítmica.

Muitos estudantes repudiam esse aparelho alegando que ele


tolhe a liberdade, mas só é possível ter liberdade de alterar o tempo
de uma forma consciente e coerente quando se consegue ter um
85

controle sobre ele. Na minha opinião, não conseguir tocar


metronomicamente não é uma questão de opção e sim de alienação.

2) Com uma bola de tênis, pede-se para o aluno jogar a bola


para cima e pegar alternadamente com a mão direita e esquerda,
mantendo um ritmo mais ou menos regular.

- Depois, jogar a bola para cima, pegando sempre com a mesma


mão, primeiro com a direita e depois com a esquerda. A bola pode ser
jogada também entre o aluno e o professor, alternando as mãos.
Depois voltar à música.

Obs. Esse exercício foi indicado pela professora Martha Herr


(cantora e professora de canto do Instituto de Artes da UNESP). E
segundo ela, após esse exercício, a pulsação estará garantida.
86

13
O ESTUDO DE PERCEPÇÃO E HARMONIA

Eu sentia uma inveja (é lógico no bom sentido) dos meus


colegas que tocavam música popular. Eu não conseguia entender por
que eles conseguiam reconhecer tão bem os acordes apenas pela
audição, ao passo que, apesar das minhas notas de harmonia serem
geralmente melhores do que as deles, eu só conseguia reconhecer os
acordes quando escritos. A percepção auditiva dos colegas que
tocavam música popular era visivelmente melhor do que a dos colegas
que tocavam música erudita (apenas com algumas exceções) e eu
sempre quis saber a razão.

Só depois de muitos anos fui descobrir que o desenvolvimento


da percepção dos meus colegas de música popular se dava pela
maneira que eles trabalhavam a harmonia. Ao invés de trabalharem
tentando seguir regras, eles trabalhavam ouvindo o som resultante,
pensando nos acordes através dos sons, e cada acorde que escreviam
era testado, algo que não ocorria na minha forma de estudar a
harmonia.

Na verdade, a percepção musical não é apenas percepção mas


também uma associação do som com a estrutura musical, pois não
basta perceber, é preciso identificar o que é ouvido ou tocado. É por
esse motivo que os meus colegas que estudavam a harmonia
associando com o som resultante, conseguiam identificar os acordes,
enquanto eu que não estudava harmonia tocando, sentindo e ouvindo o
som resultante, associando apenas com as notas escritas, não tinha
meios de identificá-los pela audição.
87

O mesmo erro que cometi no estudo da percepção harmônica,


cometi na percepção melódica. Tocava as músicas, mas raramente
solfejava cantando, não ocorrendo portanto, a associação entre as notas
e a altura do som. Quando estudava para as provas ao invés de cantar
solfejando repetidamente uma melodia até decorar e associar cada som
com o respectivo nome da nota, cantava muito pouco e quando o fazia,
cantava uma música atrás da outra, não dando condições sequer de
memorizar as notas. Pedia para os colegas fazerem ditados melódicos,
ou usava gravador ou teclado, mas como não tinha essa associação,
não tinha meios de identificar um intervalo ou uma nota. Ficava
tentando encontrar um meio de adivinhar as notas ou de desenvolver o
meu “chutômetro”.

Ninguém duvida da necessidade do ditado no desenvolvimento


da percepção musical, mas antes de fazer um ditado é preciso saber
como soa o “do-mi” para poder identificar um “do-mi”. Assim sendo,
é necessário cantar solfejando, e muito, e de preferência afinado.
88

14
ANÁLISE

Durante uma aula de Estruturação, na qual estávamos vendo a


harmonia funcional, o professor comentou que era muito importante
analisar todas as músicas que tocássemos. Naquela época, estava
estudando a suite inglesa número dois de J. S. Bach em lá m. Como
uma boa descendente de japoneses, ou como uma verdadeira Caxias,
segui a orientação e fiz uma análise de harmonia funcional na obra
inteira. Foi muito trabalhoso, mas fiz da melhor forma que pude. Após
terminada essa maratona, fui mostrar ao professor, que corrigiu o
trabalho e disse que a análise estava correta. Evidentemente fiquei
contente, mas uma dúvida ficou na minha cabeça. E agora, o que eu
faço com isso? Para que essa análise vai me servir, e no que ela irá me
ajudar?

A grande maioria dos estudantes de música do Brasil não gosta


de teoria musical, pois geralmente não lhes é dado o conhecimento da
sua utilidade no aprendizado do instrumento. Um exemplo típico é as
escalas. Os alunos são muitas vezes obrigados a aprender todas as
escalas maiores e menores, mas mal sabem o que são escalas, por que
elas são importantes e muito menos como e o quanto elas facilitam o
estudo, por isso não dão a devida importância à prática destas.

A meu ver, falta no aprendizado de teoria a prática do que é


ensinado. Muitos alunos acham que aprender teoria, harmonia,
contraponto e análise se resume em decorar conceitos e aplicar regras
sem que eles saibam como e para que usá-las. Como no caso da
minha análise da suite inglesa, eu peguei a partitura e comecei a
analisá-la do começo ao fim. Mas enquanto analisava, estava
89

concentrada apenas em qualificar as notas e não fazia a mínima idéia


de como soava cada “acorde”, portanto eu não associava o nome e a
classificação dos “acordes” com o som. Depois de terminada a minha
análise’ fui tocar, mas já tinha esquecido completamente que notas
formavam tal “acorde” e muito menos a relação tonal entre elas.
Quando tocava, estava tão preocupada com as notas, o ritmo, o
dedilhado, fraseado, etc... que mais uma vez não fazia a associação
entre o que estava tocando e a análise harmônica. Assim no meu
cérebro, não existia uma ligação entre o que tocava com a análise
harmônica, portanto o meu estudo de piano era algo separado do meu
estudo de análise. Gostava das aulas de análise, harmonia e
contraponto, mas não as via como aliadas no meu aprendizado
musical, era quase como “um jogo de quebra-cabeça onde tínhamos
que decifrar ou encontrar as peças chave que encaixassem nas regras
do jogo”. Até o dia em que eu aprendi a conciliá-los. Ao invés de
primeiro tocar e depois analisar ou vice-versa, comecei a analisar
trecho por trecho enquanto eu estava estudando e tocando. Ao estudar
analisando e tocando cada trecho, fui percebendo a estrutura da música
e a análise me facilitou tanto na memorização e compreensão, como na
interpretação.

Na verdade, aprender a teoria e análise no estudo de música é


tão importante quanto aprender a gramática no estudo de um idioma.
Da mesma forma que a gramática proporciona a compreensão da
estrutura do idioma, a teoria musical proporciona a compreensão da
estrutura das músicas em geral.

O que acontece é o seguinte: todos os idiomas têm uma


estrutura que é a sua base. Através dessa base que é padrão, são
formuladas as frases. Portanto, ao compreender a estrutura e as regras
gramaticais, fica muito mais fácil formular, entender e aprender esse
idioma. O mesmo acontece ao conhecer a teoria musical, pois as
90

músicas em geral têm uma estrutura que é a sua base. Através dessa
base são formuladas as melodias, as harmonias e os contrapontos.

Ao compreender as estruturas e as regras melódicas, harmônicas


e contrapontísticas fica muito mais fácil entender, memorizar e
inclusive, compor músicas. Mas para isso, é necessário conseguir
conciliar a teoria com o aprendizado do instrumento musical. O meu
problema era que, ao invés de analisar e reconhecer cada item de
acordo com a estrutura, eu simplesmente classificava um item após o
outro, não dando chance ao cérebro de reter as informações. Sem reter
as informações, o cérebro não tinha como analisar os dados e
conseqüentemente não havia meios de reconhecer e nem de
compreender a estrutura.

A compreensão é muito importante para a concentração; por


exemplo, é muito mais difícil prestar atenção em uma palestra muito
interessante, feita em uma língua que não é bem compreendida pelo
ouvinte, do que prestar atenção em uma palestra que não é tão
interessante, mas é feita numa língua plenamente compreendida pela
pessoa.

Outro benefício que a análise proporciona, além da


compreensão, é que para analisar, é exigida muita observação e
raciocínio para poder associar idéias e relacionar os dados novos com
conhecimentos anteriores. Estas atividades mentais intensificam tanto
qualitativamente quanto quantitativamente, o grau de concentração e
memorização.
91

15
O ESTUDO DE TÉCNICA

Da mesma forma que existem pessoas que acreditam que tocar


bem é tocar rápido, existem pessoas que pensam que técnica
instrumental é sinônimo de tocar depressa. É indiscutível que a
velocidade está relacionada diretamente com a técnica, mas a técnica
não é exclusivamente a velocidade. Além da velocidade, ela está
ligada à qualidade, à clareza e ao controle do som, e isto significa que
para conseguir atingir uma boa técnica, o aluno precisa desenvolver
não apenas o controle mental e físico, mas também ter conhecimentos
de fatores e processos que possibilitem a realização das habilidades
específicas.

Portanto, técnica não é sinônimo de força, como muitos


costumam confundir. Mais do que força, ela está ligada ao controle de
combinação entre tensão e relaxamento de diversas partes do corpo,
principalmente das mãos. A postura, a qualidade dos movimentos e a
velocidade das mãos e dos dedos também precisam ser coordenadas.

No piano, muitos alunos tendem a achar que para tocar rápido é


preciso força, conseqüentemente, ao tentar tocar uma passagem com
velocidade, eles tendem a tencionar toda a mão. Mas na verdade, a
tensão endurece as mãos, dificultando seus movimentos e o resultado
deste comportamento geralmente se resume num som duro e sujo; num
ritmo impreciso, sem atingir a velocidade desejada; e em casos mais
graves, numa bela tendinite.

Estudei técnica pianística com muitos professores e escolas


diferentes; apesar de haver divergências a respeito de como deve ser a
92

postura e movimentos das mãos, e da forma de ataque e articulação


dos dedos, todos são unânimes em relação à necessidade de um devido
relaxamento das mãos. Resumindo, o estudo de técnica não é exercício
de musculação e sim conhecer a forma para conseguir uma
determinada qualidade sonora, além de desenvolver um controle
mental e motor para executar os movimentos necessários para este fim.

Uma sugestão para o estudo da técnica

1- Tocar o trecho com mãos separadas, devagar, analisando a postura


da mão e dos dedos, o relaxamento, o peso da mão, o toque e a
qualidade sonora.
2- Analisar quais as dificuldades e suas causas.
3- Fazer exercícios técnicos que achar mais adequados, da melhor
maneira possível, sentindo as dificuldades que você está tendo e
tentando pensar em uma forma que possa solucionar esse
problema.
4- Insistir na execução até que esse trecho possa ser tocado
confortavelmente.

Obs. Muitos problemas técnicos não podem ser solucionados


rapidamente. Muitas vezes é preciso trabalhar e exercitar muito a mão
durante um longo tempo, até que ela possa responder, de acordo com a
técnica exigida pela música. Quando isso acontecer, não é
aconselhável ficar só repetindo o trecho que oferece esse tipo de
problema. Neste caso, é melhor trabalhar um pouco todos os dias, até
atingir o objetivo.
93

16
O ESTUDO DE INTERPRETAÇÃO

Apesar de já ter ouvido vários músicos e professores, a quem


tenho muito respeito, dizerem que o intérprete tem que ser o mais
neutro possível, que ele é apenas um intermediário entre a idéia do
compositor para o ouvinte, tenho que discordar desta afirmação. A
minha discordância não se baseia apenas na minha preferência pessoal,
mas também na sua impossibilidade e nas conseqüências que esse
pensamento pode trazer.

Como vimos desde o primeiro capítulo, temos muito pouco


controle do nosso próprio corpo e mente. As condições ambientais,
mentais e sentimentais influem diretamente na nossa interpretação
musical, tornando assim impossível duas interpretações idênticas de
uma obra; portanto não há meios de neutralizar um intérprete. Outro
ponto importante é que pelo mesmo motivo que é impossível
neutralizar um intérprete, para ser fiel à idéia do compositor e tocar
com uma coerência musical, o intérprete teria que ter exatamente as
mesmas condições ambientais, emocionais, técnicas, físicas e mentais
do compositor, e estes por sua vez eram e/ou são sempre cambiantes.
Sem contar que nem sempre é possível saber como ele vê/via ou
sente/sentia a sua música.

Acredito que uma das riquezas da música é ser uma arte de


momento. A única maneira de repetir a mesma interpretação é através
de uma gravação, pois nenhuma música poderá ser produzida
exatamente da mesma forma; cada interpretação é única.

Mas o maior motivo pelo qual não concordo com a afirmação,


está nas conseqüências que essa tentativa de se anular, para ser fiel às
94

idéias ou visão do compositor, levam. Essa tentativa de anulação


acarreta a utilização de apenas o lado esquerdo do cérebro, inibindo o
lado direito e já conhecemos o resultado desse processo. (Capítulo 5)

Com esses argumentos, defendo a importância da visão e do


toque pessoal de cada músico, evidentemente dentro de certas
condições e limitações. Não sou contra tentar resgatar a idéia original
do compositor, muito pelo contrário, acho isso muito importante.
Gostaria muito de saber, e principalmente de ouvir, a idéia original de
um concerto de Mozart, ou de uma sonata de Beethoven, mas
infelizmente essa possibilidade está eternamente perdida. Eu defendo a
importância do respeito ao estilo e à idéia do compositor, mas sou
contra a anulação da visão e preferência do intérprete. Particularmente,
prefiro ouvir um músico tocando com a sua visão pessoal e de uma
forma coerente, a ouvir músicos que estão apenas tentando resgatar as
idéias que algumas pessoas acreditam ser as do compositor, anulando
toda sua emoção e musicalidade.

Uma sugestão para o estudo da interpretação

1- Ver a fórmula de compasso e a tonalidade


2- Tocar a peça integralmente de 1 a 4 vezes para se ter uma noção
geral da obra.
3- Estudar compasso por compasso; após dominar cada compasso,
este deve ser tocado junto com os compassos anteriores, pois cada
um deles é uma parte integrante de um todo dentro do contexto
musical.

Existem 2 tipos de memória relacionadas à interpretação. A


primeira é a memória conhecida como semântica, que guarda
conceitos, estrutura e pensamento de uma forma ordenada e abstrata. A
95

segunda é a memória autobiográfica ou experimental, onde cada


pensamento vem acompanhado de um contexto e afeto pessoais
correspondentes. Por esta razão, recomendo que a interpretação não
deva ser trabalhada apenas quando a peça estiver tecnicamente
resolvida. Ao trabalhar pensando apenas racionalmente, você estará
desenvolvendo apenas a memória semântica e, ao atingir esse estágio,
o seu ouvido terá se acostumado com a música de uma forma bruta e
fria e poderá ter adquirido muitos vícios interpretativos e também uma
certa saturação da peça, dificultando assim uma interpretação
espontânea.

A interpretação deve ser estudada no momento que for possível


tocar um determinado trecho com as notas, ritmo e dedilhado certos.
Criando um vínculo afetivo desde o início do estudo da peça, toda vez
que ela for tocada, virá acompanhada de um contexto emocional, o
que facilitará a interpretação da música.

Tente sentir o fraseado, a dinâmica, a articulação, não toque


apenas obedecendo as regras interpretativas, tente ver e sentir o que há
de mais profundo além das anotações apresentadas nas partituras.

Escolha a sonoridade e o fraseado que você acreditar ser o ideal


para a sua interpretação.

Toque várias vezes até você absorver a idéia musical.

Costumo pedir aos alunos que têm dificuldade em se expressar,


para tocarem a música e dizer que tipo de sentimento essas
combinações de sons lhes trazem - se eles fazem sentir uma tristeza,
uma alegria ou uma ternura. Depois peço que criem uma estória
relacionada com a música. Ao associarem cada trecho da peça com
uma emoção, eles criam uma memória autobiográfica, e todas as vezes
96

que tocarem ou lembrarem da peça, haverá um contexto sentimental


envolvido com a música.

A emoção que o intérprete pode transmitir não é apenas a


emoção pessoal, mas também a emoção originada pela própria música.
Cada harmonia, cada seqüência de notas, cada ritmo e cada
combinação de sons ou melodias, pode ser associado a uma emoção, e
assim à própria música, independente do seu sentimento pessoal, pode
provocar uma reação no músico e todo esse sentimento ser passado
aos ouvintes.
97

17
ESQUEMA DE ESTUDO

Antes de concluir este trabalho, gostaria de apresentar um


esquema no qual os alunos pudessem se apoiar nos seus estudos. Este
esquema é baseado em todos os dados neuropsicológicos mostrados
neste trabalho e o resultado prático desta forma de estudo é bastante
positivo ou seja: ele facilita a concentração; consegue desenvolver uma
associação muito intensa entre vários tipos de memórias ( auditiva,
digital, analítica e até mesmo a visual); proporciona uma visão
detalhada de cada parte da música; favorece o trabalho expressivo e
estético musical assim como a técnica instrumental.

O grande segredo dessa forma de estudo é trabalhar em cada


compasso todos os aspectos técnicos e musicais até a sua memorização
e automatização, para só depois estudar o compasso seguinte.
Estudando dessa maneira, cada compasso será trabalhado durante um
determinado período de tempo sem que o foco da atenção se disperse
para as outras informações. Tudo isso favorece a formação de
‘imagens ou engramas” (ver capítulo 3) fortalecendo assim a
associação entre os vários tipos de memórias.

Esquema de estudo

1) Ler diversas vezes a peça integralmente para ter uma noção


geral da música.

2) Pegar um compasso, mais a primeira nota do compasso


seguinte e estudar até memorizar:

a) as notas (se possível cantar solfejando)


98

b) a afinação (para instrumentos de cordas e sopro)


c) o ritmo
d) a análise melódica e/ou harmônica (facilita a
memorização)
e) os dedilhados
f) os problemas técnicos instrumentais
g) a articulação, a dinâmica, o fraseado e a sonoridade
(sentindo a beleza e a razão de tocar cada nota de uma
determinada maneira).

Obs.: Para os estudantes de instrumentos de teclado é


importante que se estude uma mão de cada vez.

3) Tocar o compasso num andamento lento o suficiente para ter


condições de ter consciência de cada nota e cada movimento.

4) Com a ajuda do metrônomo aumentar gradativamente o


andamento até que o compasso possa ser tocado fluente e
automaticamente.

5) Estudar o compasso seguinte da mesma forma que o anterior

Obs.: Para os estudantes de instrumentos de teclado: trabalhar


da mesma maneira a outra mão para só depois estudar tocando com as
duas mãos, sempre começando devagar e aumentando gradativamente
o andamento, tudo isso antes de estudar o compasso seguinte.

6) Junte o compasso com o(s) anterior(es) para ter a visão


contínua da obra.

7) Se a obra for longa, estude em partes antes de estudá-la


integralmente. É muito importante estudar em partes e devagar para
99

depois acelerar o andamento mesmo que as dificuldades já tenham


sido superadas. O estudo em um andamento lento desenvolve o lado
técnico intelectual, evitando a utilização da intuição e da memória
digital. O estudo em andamento rápido desenvolve o reflexo, a
intuição, a velocidade de pensamento e a memória digital.
100

18
CONCLUSÃO

Sem dúvida nenhuma, tocar bem é uma das atividades mais


difícil que o ser humano pode exercer, pois requer o desenvolvimento
da sensibilidade, controle, raciocínio, reflexo, percepção,
coordenação-motora, agilidade, pensamento rápido, entre outros. Mas
o segredo para conseguir melhor rendimento do estudo não está em se
matar de estudar; muito pelo contrário, é muito importante respeitar o
próprio limite e facilitar ao máximo o seu trabalho.

É necessário ter paciência, dedicação e força de vontade; saber


controlar e respeitar seus sentimentos, mas também desenvolver o seu
intelecto. Todo esse trabalho vale a pena ser feito, não só para
desenvolver essas habilidades objetivando o aprendizado, como
também podermos nos beneficiar em várias outras atividades
rotineiras, conseguindo assim melhorar e facilitar todos os aspectos
emocionais e mentais da vida.
101

BIBLIOGRAFIA

BARBIZET, J & DUIZABO, I. Manual de Neuropsicologia. Porto


Alegre. Masson, l985.

BONOW, Iva Naisberg. Elementos da Psicologia. São Paulo,


Edições Melhoramentos, l969.

BRASIL, Maria Auxiliadora de Souza. Psicologia. Belo Horizonte,


Livraria Lê Ltda., l973.

CORREIA, Cléo Monteiro França. Lateralização das Funções


Musicais na Epilepsia Parcial. São Paulo, 1997. Tese de
Mestrado em neurociências. Escola Paulista de Medicina.

D’ ABREU, Gerald. Playing the Piano with Confidence. London,


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104

Qual a importância da concentração no


aprendizado musical? Por que é difícil se
concentrar nos estudos? De que forma ocorre a
transmissão da emoção do intérprete ao
ouvinte? Como conciliar a técnica e a
musicalidade?

O conhecimento básico a respeito do


funcionamento do cérebro humano pode
fornecer algumas respostas a essas questões, e
estas poderão ajudar muitos estudantes de
música a superarem várias dificuldades em seu
aprendizado. Neste livro, Marcia Kodama
procura além de fornecer algumas respostas a
estas questões, sugerir propostas práticas de
estudo que visam desenvolver tanto a
concentração, como a expressividade dos
estudantes de música.

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