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Revista Prolíngua – ISSN 1983-9979 P á g i n a | 96

Volume 11 - Número 1 - jan/jun de 2016

MODIFICAÇÃO DE PENSAMENTOS E CRENÇAS DISFUNCIONAIS E TEORIAS


PRAGMÁTICAS DA COMUNICAÇÃO

LOS CAMBIOS EN EL NIVEL COGNITIVO Y LAS TEORÍAS PRAGMÁTICAS DE


LA COMUNICACIÓN

Andréia da Silva Bez 55


Fábio José Rauen 56

RESUMO: Este artigo ilustra processos cognitivos de modificação de pensamentos e crenças disfuncionais a
partir da teoria de conciliação de metas de Rauen (2013, 2014) e da teoria da relevância de Sperber e Wilson
(1986, 1995). Conforme a terapia cognitiva, a interpretação das experiências do paciente altera-se à medida que
ele aprende a avaliar seus pensamentos disfuncionais de forma mais realista. Para uma melhora duradoura no
humor e no comportamento, estes aspectos devem ser trabalhados em um nível mais profundo de cognição: as
crenças básicas que o paciente tem sobre si mesmo, seu mundo e as outras pessoas. Conforme a teoria da
relevância, a relevância de um estímulo é maior quando, em igualdade de condições, maiores são os efeitos
cognitivos e menores são os esforços para processá-lo. Um estímulo é relevante quando fortalece suposições
existentes, contradiz/enfraquece suposições existentes, ou gera implicações contextuais em combinação com
suposições existentes. Desta forma, uma intervenção terapêutica é relevante quando o terapeuta promove efeitos
contextuais que alteram os pensamentos automáticos do paciente e, por decorrência, alteram suas crenças
disfuncionais. Conforme a teoria de conciliação de metas, por fim, assume-se que alguns tipos de pensamentos
automáticos são hipóteses abdutivas antefactuais categóricas do paciente, que estão relacionadas com as crenças
disfuncionais que compõem o seu esquema cognitivo. Deste modo, argumenta-se neste estudo que o processo
terapêutico visa a enfraquecer a conexão causal desses pensamentos automáticos em direção a níveis mais
flexíveis, sejam eles bicondicionais, condicionais, habilitadores ou mesmo tautológicos.

PALAVRAS-CHAVE: Terapia cognitiva. Teoria da relevância. Teoria de conciliação de metas.

ABSTRACT: We discuss in this article cognitive processes of thoughts and dysfunctional beliefs modification
based on goal conciliation theory (RAUEN, 2013, 2014) and relevance theory (SPERBER; WILSON, 1986,
1995). According to cognitive therapy, the interpretation of experiences is modified when patients learn to
evaluate their dysfunctional thoughts more realistically. In order to have a lasting improvement in mood and
behavior, these aspects must be worked on a deeper level of cognition, including basic beliefs that patients have
about themselves, their world, and other people. According to relevance theory, the relevance of a stimulus is
higher when, ceteris paribus, cognitive effects are bigger and processing efforts are smaller. A stimulus is
relevant when it strengthens existing assumptions, contradicts/weakens existing assumptions, or generates
contextual implications in combination with existing assumptions. Thus, therapeutic intervention is relevant
when the therapist promotes contextual effects that alter patients’ automatic thoughts, and change their
dysfunctional beliefs. According to goal conciliation theory, we assume that some types of automatic thoughts
are categorical ante-factual abductive hypotheses, which are related to dysfunctional beliefs of patients’
cognitive schema. So, we argue that the therapeutic process aims to weaken the causal connection of these
automatic thoughts toward more flexible levels – biconditional, conditional, enabling, or even tautological.

KEYWORDS: Cognitive Therapy. Relevance Theory. Goal Conciliation Theory.

1 Introdução
A aproximação com outras áreas do conhecimento, como áreas da psicologia
evolutiva, da psicologia cognitiva e das neurociências, é uma característica marcante no
desenvolvimento da terapia cognitiva. Entre diferentes perspectivas de abordar mudanças

55
Doutoranda no Programa Ciências da Linguagem Unisul, Psicóloga do Instituto Federal Catarinense Campus
Sombrio, e-mail: andreiabez@yahoo.com.br
56
Doutor em Letras/Linguística, Coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem da
Unisul, e-mail: fabio.rauen@unisul
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cognitivas, é possível construir uma interface entre terapia cognitiva 57 e teorias de


comunicação de viés pragmático-cognitivo. Mais especificamente, estamos interessados em
descrever e explicar interações comunicativas entre terapeuta e paciente para a modificação
de pensamentos e crenças disfuncionais a partir da teoria da relevância de Sperber e Wilson
(1986, 1995) e da teoria de conciliação de metas de Rauen (2013, 2014).
A terapia cognitiva defende a hipótese de que pensamentos disfuncionais 58
influenciam o humor e o comportamento do paciente, sendo esta relação comum a todos os
transtornos psicológicos. Além disto, afirma-se que, à medida que o paciente aprende a
identificar e a avaliar o seu pensamento disfuncional de forma mais realista, a interpretação
posterior de suas experiências muda, levando a uma melhora em seu estado emocional e a um
comportamento funcional. Para uma melhora duradoura no humor e no comportamento, estes
aspectos devem ser trabalhados em um nível mais profundo de cognição, onde estão as
crenças básicas que o paciente elaborou.
De acordo com Beck J. S. (2013), o desenvolvimento das crenças está relacionado às
ideias que os indivíduos elaboram nos primeiros estágios de desenvolvimento sobre si
mesmos, sobre as outras pessoas e sobre o seu mundo. É uma tentativa de entender o
ambiente e organizar as experiências de forma coerente, a fim de funcionar adaptativamente.
As diferentes interações com o mundo e com os outros, assim como a influência da
predisposição genética, conduzem o indivíduo a estes entendimentos particulares.
A terapia cognitiva tem como base um modelo do processamento cognitivo e é
fundamentada em princípios gerais que regem a estrutura do tratamento, nos quais a relação
terapêutica exerce muita importância. Destaque-se aqui que, dependente destes aspectos, o
viés pelo qual todo o processo terapêutico se desenrola é a comunicação.
Nas palavras de Beck, A. T. e Alford (2000, p. 47),

ao conduzir um tratamento clínico geral de um transtorno psicológico, o


psicoterapeuta conta primeiramente com a comunicação verbal para facilitar a
correção de um transtorno. Este é o caso se o psicoterapeuta adota uma abordagem
comportamental, uma abordagem psicodinâmica, ou qualquer outra abordagem
psicoterapêutica estabelecida. Portanto, um aspecto comum entre as várias
psicoterapias é que a terapia envolve comunicação, ou a troca de informação, entre
terapeuta e paciente.

Nesta relação, são disparados processos que impulsionam o paciente a modificar o seu
modo de interpretar os fatos e, com isto, obter uma melhora no seu estado global.
Diversos manuais de terapia cognitiva foram sistematizados para demonstrar e
explicar este processo passo a passo em diferentes problemas e transtornos. Em geral, os
manuais indicam que este processo se dá inicialmente pela contestação dos pensamentos
automáticos disfuncionais, seguidos pela modificação das crenças disfuncionais (BECK, A.
T.; FREEMAN, 1993; BECK, A. T. et al., 1997; DATTILIO; FREEMAN; 1998;
FRIEDBERG; MCCLURE, 2004; STALLARD, 2004; GREENBERGER; PADESKY, 2008;
SAFREN et al., 2008a, 2008b; WRIGHT et al., 2008; KUYKEN et al., 2010; WRIGHT et al.,
2012; BECK, J. S., 1997; 2013).

57
Inicialmente, este modelo psicoterapêutico foi denominado e disseminado por Aaron Beck como terapia
cognitiva. Segundo Serra (2013, p. 1), “a denominação terapia cognitivo-comportamental se popularizou a partir
dos anos 1980 e envolve o mesmo princípio básico e o mesmo modelo de psicopatologia da terapia cognitiva,
apenas reconhecendo a possibilidade de atuação direta sobre comportamentos, com o objetivo de provocar
mudanças nas cognições a eles associadas.
58
O pensamento disfuncional caracteriza-se por uma avaliação automática e, em geral, inconsciente. Ele é
disfuncional por que é uma interpretação equivocada que está diretamente relacionada com alterações de humor
e comportamento.
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Além disto, em comum, estes autores enfatizam a necessidade contínua de elevar o


nível descritivo destes processos na terapia, tanto para a formação de novos terapeutas, quanto
para a atualização destes profissionais. Neste aspecto, eles sugerem a necessidade de
aprimorar a descrição e a explicação dos processos comunicacionais envolvidos nestas
tarefas. Dadas as características da terapia cognitiva, a importância da comunicação no
processo e a necessidade de pesquisas que ampliem o nível descritivo tanto da relação
terapêutica em si, como do processo de modificação de pensamentos e crenças disfuncionais,
é razoável supor que estudos que analisem esta relação por uma perspectiva pragmático-
comunicativa podem contribuir para esta demanda.
Este texto pretende esboçar uma contribuição neste esforço ao sugerir uma interface
com a teoria da relevância e a teoria de conciliação de metas na segunda seção; e ilustrar o
modelo, mesmo que muito brevemente, na terceira seção.

2 A interface construída

Uma primeira possibilidade de construir uma interface com a comunicação e


aprofundar a compreensão dos processos cognitivos do terapeuta e do paciente por um viés
pragmático pode ser feita com a teoria da relevância de Sperber e Wilson (1986, 1995).
Relevância pode ser definida como uma propriedade das entradas de dados (inputs) para os
processos cognitivos. Conforme Sperber e Wilson (2005a, p. 223):

[...] intuitivamente, relevância é uma propriedade potencial não somente de


enunciados e outros fenômenos observáveis, mas de pensamentos, memórias e
conclusões de inferências. Nos termos da Teoria da Relevância, qualquer estímulo
externo ou representação interna que fornece um input para processos cognitivos
pode ser relevante para um indivíduo em algum momento.

O que torna uma entrada relevante é o fato de valer a pena processá-la. Em igualdade
de condições, quanto maiores forem os efeitos cognitivos obtidos de uma entrada de dados,
maior será a sua relevância. Inversamente, quanto menor for o esforço de processamento
requerido para processar esta entrada, maior será sua relevância. Para serem relevantes, neste
sentido, os efeitos cognitivos do processamento de um estímulo devem gerar fortalecimentos
de suposições existentes, contradições/enfraquecimentos de suposições existentes, ou mesmo
implicações contextuais resultantes da combinação deste estímulo com suposições existentes.
A teoria da relevância assume que o processo comunicacional é guiado pelos
princípios cognitivo e comunicativo de relevância. O princípio cognitivo estabelece que a
cognição humana é direcionada para a maximização da relevância, e o princípio comunicativo
estabelece que todo enunciado comunica a presunção de sua própria relevância ótima. Em
uma interação comunicativa, o objetivo do ouvinte, ao processar reativamente os estímulos do
falante, é o de encontrar dedutivamente uma interpretação que satisfaça estas expectativas.
Segundo o mecanismo de compreensão guiado pela noção teórica de relevância proposto pela
teoria, o ouvinte segue uma rota de menor esforço cognitivo na interpretação de um
enunciado, interpretando as entradas de dados em ordem de acessibilidade e cessando o
processo quando sua expectativa de relevância é satisfeita.
Exemplo de interface da terapia cognitiva com a teoria da relevância é a tese de 2002
de Ricardo Wainer, intitulada Os processos inferenciais nos diálogos psicoterapêuticos:
correlações entre a semântica do dito e a pragmática do comunicado 59. Wainer investigou

59
A rigor, esta tese é acessível indiretamente por dois artigos (WAINER et al., 2005a; 2005b). Wainer et al.
(2005a) trabalham com a teoria das implicaturas de Grice (1975, 1978, 1981), com o modelo ampliado da teoria
das implicaturas de Costa (1984) e com a teoria da relevância de Sperber e Wilson (1986, 1995, 2001). A teoria
das implicaturas de Grice trabalha com a suposição de que existe uma lacuna no processo interpretativo do
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como, com universos de esquemas mentais distintos 60, paciente e terapeuta conseguem se
comunicar de maneira eficaz. O estudo justificou-se pela tentativa de compreensão dos
processos inferenciais utilizados pela dupla na relação terapêutica, o que acabou por mostrar a
necessidade de teorias pragmáticas para a abordagem da comunicação psicoterapêutica. Uma
das conclusões a que Wainer chega neste estudo é que

[...] o número significativo de implicaturas conversacionais em relação ao número


de enunciados, solidificam a importância de se utilizar os modelos linguísticos
pragmáticos na compreensão da comunicação psicoterápica. Se tantas implicaturas
são geradas, sua interpretação, ou seja, a interpretação do implícito da comunicação,
é essencial para se compreender as intenções comunicativas dos sujeitos dos
diálogos psicoterapêuticos. (WAINER et al., 2005a, p. 37).

Uma segunda aproximação teórica viável é a teoria de conciliação de metas de Rauen


(2013, 2014). Conforme esta teoria, é possível fundamentar a análise das interações
comunicacionais entre terapeuta e paciente em termos de auto e heteroconciliação de metas.
Isto se deve ao fato de que o processo terapêutico está pautado em uma relação na qual
terapeuta e paciente, valorizando e respeitando os conhecimentos de cada um, coordenam
metas e submetas em comum, que devem ser discutidas, monitoradas e avaliadas.
A teoria de conciliação de metas de Rauen (2013, 2014) pretende fornecer um viés
proativo para a teoria da relevância. Em 2013, Rauen propôs um modelo em quatro estágios
para descrever e explicar como os indivíduos modelam metas proativamente. Sua abordagem
parte, de um lado, da projeção de uma meta [1] e, de outro, da formulação [2], execução [3] e
checagem [4] de pelo menos uma hipótese abdutiva antefactual de solução.
No estágio de checagem, o autor apresenta os conceitos de conciliação de metas e de
confirmação de hipóteses. O conceito de conciliação de metas, que caracteriza o nome da
teoria, antecipa que pode haver na comparação entre a meta projetada e sua consecução, em
casos de ação intencional, uma conciliação ativa, quando a consecução da meta corrobora sua
projeção, e uma inconciliação ativa, quando a consecução da meta não corrobora sua
projeção; e, em casos de inação, uma conciliação passiva, quando a consecução da meta
corrobora sua projeção, apesar da inação, e uma inconciliação passiva, quando a consecução
não corrobora a meta projetada.
O conceito de confirmação de hipóteses antecipa que há uma gradação de força entre a
ação antecedente o e estado consequente em hipóteses abdutivas antefactuais, partindo
daquelas consideradas categóricas, passando por bicondicionais, condicionais e habilitadoras,
até tautológicas. Em hipóteses abdutivas antefactuais categóricas, a conexão entre a ação
antecedente é suficiente, necessária e certa. Em hipóteses bicondicionais, a conexão é
suficiente e necessária, mas não certa. Em hipóteses condicionais, o antecedente é suficiente,
mas não necessário para o consequente. Em hipóteses habilitadoras, o antecedente é
necessário, mas não suficiente para o consequente. Em hipóteses tautológicas, por fim, a
conexão não é suficiente, necessária ou certa. Rauen defende o argumento forte de que,
ausentes pistas contextuais em contrário, hipóteses abdutivas emergem como categóricas por
default de modo semelhante aos pensamentos automáticos previstos pela terapia cognitiva,
justificando a interface.

enunciado que é preenchida pelo processo inferencial e não apenas por decodificação, conforme o modelo de
código preconizava. O modelo ampliado de Costa (1984) se apresenta como uma reformulação da teoria clássica
das implicaturas. Neste modelo, a relevância passa a ser a propriedade pragmática por excelência. No mesmo
período, é lançada a obra Relevance: communication and cognition de Sperber e Wilson (1986) que, diante dos
pressupostos de Grice, direcionam sua teoria de abordagem pragmática cognitiva para a compreensão dos
enunciados. Para estes autores, a relevância constitui-se como uma relação de equilíbrio entre efeitos cognitivos
e esforço de processamento no processo de interpretação.
60
Fazem parte do esquema cognitivo de um indivíduo os pensamentos, crenças intermediárias e crenças centrais.
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Em 2014, o autor passou a distinguir processos de autoconciliação, nos quais o próprio


indivíduo monitora a consecução de suas metas, de processos de heteroconciliação, quando se
faz necessário conciliar colaborativamente metas em comum, justificando uma conexão direta
com a noção de empirismo colaborativo previsto pela terapia cognitiva.
Três pesquisas recentes, Luciano (2014), Cardoso (2015) e Vieira (2015), reforçam a
pertinência da teoria de conciliação de metas. Em comum, estes trabalhos exploram a
arquitetura descritiva e explicativa da teoria para discutir aspectos abdutivos/dedutivos em
processos cognitivos envolvidos nas interações comunicativas correspondentes aos seus
objetos de estudo.
A dissertação de Luciano (2014) utiliza a teoria de conciliação de metas como
alternativa de descrição e explicação de um exemplo apresentado por Wilson (2004) na lição
3 de seu curso Pragmatic Theory, no qual a autora ilustra, corretamente, a noção de efeitos
cognitivos e custos de processamento. No exemplo, uma pessoa propõe-se a ir a uma
conferência de ônibus. Quando a pessoa chega ao ponto e vê o ônibus se aproximando, ela
conclui que irá à conferência num primeiro caso; e, num segundo caso, ela conclui que não irá
à conferência quando chega ao ponto e o vê partindo. Todavia, como argumenta Luciano,
falta conexão com a realidade ao exemplo, uma vez que as pessoas em geral não desistem de
suas metas ao detectar um primeiro revés. Luciano (2014, p. 65) adota a seguinte perspectiva
para o exemplo:

Se participar da conferência é uma meta, então pegar o ônibus é apenas uma maneira
de alcançá-la. Assim sendo, se algo impedir o embarque ou se algo impedir que a
meta seja alcançada mesmo com a consecução do embarque, o indivíduo tende a
buscar alternativas para solucionar esses impasses.

No que tange às metas, defenderemos que elas são condutoras da relação entre efeitos
cognitivos positivos e esforço de processamento. São as metas que fazem com que o
indivíduo se disponha a despender, a priori, um maior esforço de processamento. Do mesmo
modo, proporemos que as metas guiam o processo de seleção de premissas.
Cardoso (2015), por sua vez, partiu de suas inquietações enquanto professora e
pesquisadora frente à relação entre o processo comunicativo e a aprendizagem de matemática
em sala de aula. Para tanto, construiu em sua tese uma interface entre a teoria da relevância, a
teoria de conciliação de metas e a perspectiva semiótica de Duval para o ensino e a
aprendizagem de matemática. Para Cardoso (2015, p. 21) “a presunção de uma resposta
correta para as questões de matemática em sala de aula é um exemplo trivial de ascendência
da meta sobre as premissas”. Cardoso (2015, p. 159) argumenta que

a noção de conciliação de metas superordena a noção de relevância cognitiva que,


por sua vez, super ordena a identificação de unidades significativas, os tratamentos e
as conversões de diferentes registros de representação semiótica na resolução de
qualquer demanda em Matemática.

Vieira (2015), por fim, discutiu conflitos entre usuários e desenvolvedores em sua
tese, gerados por soluções informatizadas que não atendiam às expectativas dos usuários. Para
isto, a autora destacou processos cognitivos que antecedem as etapas dedutivas descritas na
teoria da relevância. No caso utilizado para ilustrar um conflito, argumentou que usuários e
desenvolvedores são movidos por metas, e o conflito emerge justamente por uma
representação equivocada da meta final do usuário pelo desenvolvedor. Para a autora, “os
resultados sugerem que a ausência de esclarecimentos na fase de levantamento e análise de
requisitos gera uma representação equivocada da meta final do usuário pelo desenvolvedor”
(2015, p. 160).
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Estes três estudos corroboram o potencial de descrição e explicação da teoria da


conciliação de metas e, possibilitam sustentar a construção desta interface com a terapia
cognitiva e as teorias pragmáticas da comunicação. No espaço de interseção destas três áreas
buscamos a descrição e explicação dos processos de avaliação e modificação colaborativa de
pensamentos e crenças, por meio das interações comunicativas entre terapeuta e paciente em
sessões terapêuticas.

3 Ilustrando a modelação

Para ilustrar a interface que estamos propondo, estabelecemos como corpus os


registros verbais da relação psicoterapêutica, extraído do livro Terapia Cognitiva: teoria e
prática 61, de Judith S. Beck (2013) 62. Em específico, elegemos como recorte um extrato de
um diálogo da interação entre terapeuta e paciente.
A primeira etapa da análise consistiu de uma análise descritiva e explanatória de
processos ostensivo-inferenciais da interação entre terapeuta e paciente, com base na teoria da
relevância, feita a partir de quatro versões. Na versão (a), apresentam-se os elementos
linguísticos dos enunciados; na versão (b), descreve-se a forma lógica de acordo com o
modelo convencionado por Rauen (2008); na versão (c), apresenta-se o preenchimento das
entradas lógicas, de forma a compor a explicatura; na versão (d), acrescenta-se uma
explicatura expandida da descrição, englobando atos de fala. Desta forma, as lacunas nos
enunciados vão sendo preenchidas à medida que as versões forem realizadas.
A segunda etapa da análise seguiu a modelação proativa de metas de Rauen (2013,
2014) desenvolvida em quatro estágios. No estágio [1], apresenta-se a emergência de uma
meta; no estágio [2], a formulação de pelo menos uma hipótese abdutiva (categórica,
bicondicional, condicional, habilitadora ou tautológica) de solução; no estágio [3], a execução
da ação; no estágio [4], a conciliação dos resultados desta ação com a meta inicial. Nesta
quarta etapa foram observados processos de autoconciliação, quando o próprio indivíduo
(terapeuta ou paciente) monitora a consecução de suas metas, dos processos de
heteroconciliação, quando terapeuta e paciente conciliam colaborativamente metas em
comum, sendo imprescindíveis os processos comunicacionais.
Conforme descrição feita por Beck, J. S., (2013) sobre a estrutura de uma sessão
padrão, o início é marcado pelo estabelecimento da aliança terapêutica, a checagem do humor,
o breve relato das experiências e sintomas do paciente durante a semana que passou, a
listagem dos problemas que o paciente mais deseja ajuda para resolver, a verificação dos
exercícios de casa ou plano de ação. O transcorrer da sessão segue com a discussão de um
problema específico colocado em pauta pelo paciente, conceituando cognitivamente as
dificuldades e planejando colaborativamente uma estratégia. Feito isto, volta-se para a lista
elencada de problemas e repete-se o processo. Os pontos importantes da sessão são revisados
ao final, momento este em que o terapeuta também deve assegurar-se de que o paciente

61
A primeira edição do livro em português foi lançada em 1997. A segunda edição revisada deste livro foi
lançada em 2013. A seleção deste manual se deve por ser considerado um clássico na literatura científica do
campo da terapia cognitiva, destinado à formação e a atualização de estudantes, professores e terapeutas, e
também por trazer um caso no qual a própria autora atuou como terapeuta.
62
Judith S. Beck é uma psicóloga americana reconhecida internacionalmente por sua atuação na Terapia
Cognitiva comportamental. Seu pai, Aaron T. Beck, é considerado o fundador da terapia cognitiva, com quem
ela teve oportunidade de trabalhar e se desenvolver como terapeuta. Atualmente, Judith Beck é presidente
do Beck Institute for Cognitive Therapy and Research. Judith Beck atua como professora adjunta de psicologia
na Universidade da Pensilvânia e como consultora em diversas pesquisas do NIMH (National Institute of Mental
Health) (BECK INSTITUTE, 2015).
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compreendeu as estratégias definidas e, provavelmente, terá condições de desenvolver o


exercício de casa prescrito. Diante disto, solicita-se o feedeback do paciente sobre a sessão 63.
Como pontuado nesta descrição geral de uma sessão, a interação paciente/terapeuta é
complexa. Entre outras razões, isto se deve ao fato de que terapeuta e paciente têm metas
especificas próprias à sua posição e, somente ao interagirem, constroem um espaço de
intersecção. É neste espaço que se dá à negociação dos propósitos do processo terapêutico,
sendo que terapeuta e paciente devem traçar, proativamente, metas para a terapia e para o
próprio paciente, pautadas no empirismo colaborativo.
Destaca-se, porém, que esta interação comunicativa não é uma conversa natural, mas
uma interação guiada pelos princípios teóricos da terapia. As inferências ocorrem tanto como
algo intrínseco do processo comunicacional entre estes atores, quanto como um aspecto
essencial da busca dos sentidos dos pensamentos e crenças disfuncionais e,
consequentemente, da compreensão do esquema cognitivo do indivíduo (WAINER et al.,
2005b). Além disto, e fundamentalmente, processos inferenciais complexos estão envolvidos
na proposição de metas que são essenciais no processo terapêutico.
Para vislumbrarmos esta possibilidade de interfaces entre estas áreas, tome-se o caso
descrito no livro de Judith Beck, no qual o terapeuta discute um planejamento de atividades
com a paciente Sally. Segue-se um enunciado da paciente:

Paciente: Eu gostaria de passar mais tempo com as outras pessoas, mas parece que
não tenho nenhuma energia. (BECK, J. S., 2013, p. 103)

A análise dos enunciados é a que segue:

(1a) Forma linguística: Eu gostaria de passar mais tempo com as outras pessoas, mas
parece que não tenho nenhuma energia.
(1b) Forma lógica: (gostar x, y (passar, x) ∧ (parecer x ¬(ter x, y, γfinalidade).
(1c) explicatura: Eu [PACIENTE] gostaria de passar mais tempo com outras pessoas,
mas parece que ∅ [EU/PACIENTE] não tenho nenhuma energia ∅ [PARA A PACIENTE
PASSAR MAIS TEMPO COM OUTRAS PESSOAS].
(1d) Explicatura expandida: A PACIENTE AFIRMA/DESEJA QUE A PACIENTE GOSTARIA
DE PASSAR MAIS TEMPO COM AS OUTRAS PESSOAS E A PACIENTE AFIRMA QUE A
PACIENTE GOSTARIA DE PASSAR MAIS TEMPO COM AS OUTRAS PESSOAS, MAS PARECE
QUE A PACIENTE NÃO TEM NENHUMA ENERGIA PARA O PACIENTE PASSAR MAIS TEMPO
COM OUTRAS PESSOAS.

A explicatura expandida dos enunciados nos permite descrever o ato de fala de Sally,
ou seja, que Sally afirma que ela gostaria de passar mais tempo com as outras pessoas, mas
parece que a ela não tem nenhuma energia para fazer isto. Para o terapeuta, este enunciado
fornece uma ideia do que deve ser avaliado na terapia, pois tomá-lo como verdadeiro ou
categórico faz Sally resistir a mudanças.
Com base no aparato descritivo e explicativo da teoria da conciliação de metas, tendo
conhecido a dinâmica de uma sessão e os objetivos terapêuticos, é possível supor que o
próximo passo do terapeuta diante deste enunciado de Sally, é a meta de avaliar este
pensamento. Seguindo os estágios da teoria de conciliação de metas, a descrição poderia ser a
que segue. No primeiro estágio, a terapeuta formula a meta de propor testar este pensamento
disfuncional. No segundo estágio, a terapeuta abduz a melhor hipótese antefactual para atingir
esta meta com o menor custo de processamento possível. No terceiro estágio, a terapeuta
compartilha este plano com Sally a fim de heteroconciliá-lo, na expectativa de que a paciente

63
Conforme destaca Beck, J. S., (2013, p. 31) a ênfase no tratamento também depende do(s) transtorno(s)
específico(s) do paciente. “[...] A estrutura das sessões terapêuticas é bem parecida para os vários transtornos,
mas as intervenções podem variar consideravelmente de paciente para paciente”.
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assuma e execute o plano 64. No quarto e último estágio, ocorre a avaliação dos resultados
alcançados.
Assumindo, por exemplo, que a terapeuta pretende testar o pensamento automático de
Sally, ela pode sugerir à paciente que ela obtenha evidências contrárias de sua incapacidade
de se relacionar com pessoas. Para atingir esta submeta, ela também pode sugerir que Sally
jante com amigos. Admitindo que Sally execute a ação antecedente e jante com amigos, a
paciente acaba por obter evidências contrárias ao seu pensamento disfuncional, desafiando a
conexão tácita que este pensamento automático representa (enfraquecendo-o, portanto). Esta
trajetória pode ser vista na modelação a seguir:

[1] Q Testar pensamento automático, Sally


[2] P Q Obter evidências, Sally Testar pensamento automático, Sally
[3] O P Jantar com amigos, Sally Obter evidências, Sally
[4] O Sally janta com amigos
[5] P’ Sally obtém evidências
[6] Q’ Sally testa pensamento automático

Uma vez que Sally testa seu pensamento automático, ambos, paciente e terapeuta,
heteroconciliam a meta em comum na devolução dos resultados por meio de trocas
comunicacionais. Decorre do output do quarto estágio a autoconciliação de metas e a
confirmação de hipóteses. Além disto, no que se refere aos efeitos cognitivos, observa-se que
na conciliação ativa, Sally atinge a meta Q e tem uma evidência de confirmação da hipótese
Ha funcional alternativa, que vai sendo progressivamente fortalecida e estocada como um
esquema de crenças na sua memória enciclopédica.
No exemplo, a utilização de técnicas cognitivas e comportamentais é uma forma de
ampliar o ambiente cognitivo pela construção de hipóteses abdutivas, tanto ao trazer uma
suposição nova, como ao reapresentar uma mesma suposição combinando com novas
evidências. Isto permite questionar os pensamentos automáticos disfuncionais bem como as
crenças que os fundamentam. As técnicas serão relevantes, se formuladas em um ambiente
cognitivo mútuo e, consequentemente, apresentarem algum efeito contextual, levando à
alteração destes pensamentos e, por decorrência, à alteração das crenças.
Na versão exitosa do caso ilustrado neste estudo, o sucesso em obter evidências de que
Sally tem energia permitiu à paciente testar seu pensamento automático. Isto sugere que a
paciente partiria de uma hipótese factual categórica disfuncional de que não tem energia para
passar tempo com as pessoas e chegaria a versões mais flexíveis desta hipótese, na proporção
em que, inversamente, os repetidos sucessos reforçariam a modificação destes tipos de
pensamentos, consequentemente, chegando a crenças mais adequadas.
Posto isto, considerar a pertinência dos conceitos de auto e heteroconciliação de metas
pode esclarecer aspectos importantes desta relação terapêutica, especialmente porque ela deve
ser estabelecida por empirismo colaborativo, ou seja, por um processo pelo qual paciente e
terapeuta, cada qual com seus conhecimentos, compartilham todas as tomadas de decisão,
para juntos resolver problemas e atingir os propósitos traçados. Além disto, a interface
possibilita uma descrição e explicação mais objetiva dos raciocínios desenvolvidos pelo
terapeuta e paciente e, assim, elaborar melhores avaliações para os casos. E, por fim, a
interface sugere outra perspectiva descritiva e explicativa de como ocorre o processo
cognitivo de modificação de crenças disfuncionais.

64
No início da intervenção psicoterapêutica, o terapeuta é mais ativo na proposição de intervenções e no
direcionamento de todo o processo, mas isto muda à medida que o paciente começa a compreender e a
desenvolver habilidades necessárias para a resolução de seus problemas, de forma que é ele quem passa a propor
os encaminhamentos e a definição de objetivos.
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Submetido em 20/02/16
Aceito em 15/04/16
Revista Prolíngua – ISSN 1983-9979 P á g i n a | 96
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MODIFICAÇÃO DE PENSAMENTOS E CRENÇAS DISFUNCIONAIS E TEORIAS


PRAGMÁTICAS DA COMUNICAÇÃO

LOS CAMBIOS EN EL NIVEL COGNITIVO Y LAS TEORÍAS PRAGMÁTICAS DE


LA COMUNICACIÓN

Andréia da Silva Bez 55


Fábio José Rauen 56

RESUMO: Este artigo ilustra processos cognitivos de modificação de pensamentos e crenças disfuncionais a
partir da teoria de conciliação de metas de Rauen (2013, 2014) e da teoria da relevância de Sperber e Wilson
(1986, 1995). Conforme a terapia cognitiva, a interpretação das experiências do paciente altera-se à medida que
ele aprende a avaliar seus pensamentos disfuncionais de forma mais realista. Para uma melhora duradoura no
humor e no comportamento, estes aspectos devem ser trabalhados em um nível mais profundo de cognição: as
crenças básicas que o paciente tem sobre si mesmo, seu mundo e as outras pessoas. Conforme a teoria da
relevância, a relevância de um estímulo é maior quando, em igualdade de condições, maiores são os efeitos
cognitivos e menores são os esforços para processá-lo. Um estímulo é relevante quando fortalece suposições
existentes, contradiz/enfraquece suposições existentes, ou gera implicações contextuais em combinação com
suposições existentes. Desta forma, uma intervenção terapêutica é relevante quando o terapeuta promove efeitos
contextuais que alteram os pensamentos automáticos do paciente e, por decorrência, alteram suas crenças
disfuncionais. Conforme a teoria de conciliação de metas, por fim, assume-se que alguns tipos de pensamentos
automáticos são hipóteses abdutivas antefactuais categóricas do paciente, que estão relacionadas com as crenças
disfuncionais que compõem o seu esquema cognitivo. Deste modo, argumenta-se neste estudo que o processo
terapêutico visa a enfraquecer a conexão causal desses pensamentos automáticos em direção a níveis mais
flexíveis, sejam eles bicondicionais, condicionais, habilitadores ou mesmo tautológicos.

PALAVRAS-CHAVE: Terapia cognitiva. Teoria da relevância. Teoria de conciliação de metas.

ABSTRACT: We discuss in this article cognitive processes of thoughts and dysfunctional beliefs modification
based on goal conciliation theory (RAUEN, 2013, 2014) and relevance theory (SPERBER; WILSON, 1986,
1995). According to cognitive therapy, the interpretation of experiences is modified when patients learn to
evaluate their dysfunctional thoughts more realistically. In order to have a lasting improvement in mood and
behavior, these aspects must be worked on a deeper level of cognition, including basic beliefs that patients have
about themselves, their world, and other people. According to relevance theory, the relevance of a stimulus is
higher when, ceteris paribus, cognitive effects are bigger and processing efforts are smaller. A stimulus is
relevant when it strengthens existing assumptions, contradicts/weakens existing assumptions, or generates
contextual implications in combination with existing assumptions. Thus, therapeutic intervention is relevant
when the therapist promotes contextual effects that alter patients’ automatic thoughts, and change their
dysfunctional beliefs. According to goal conciliation theory, we assume that some types of automatic thoughts
are categorical ante-factual abductive hypotheses, which are related to dysfunctional beliefs of patients’
cognitive schema. So, we argue that the therapeutic process aims to weaken the causal connection of these
automatic thoughts toward more flexible levels – biconditional, conditional, enabling, or even tautological.

KEYWORDS: Cognitive Therapy. Relevance Theory. Goal Conciliation Theory.

1 Introdução
A aproximação com outras áreas do conhecimento, como áreas da psicologia
evolutiva, da psicologia cognitiva e das neurociências, é uma característica marcante no
desenvolvimento da terapia cognitiva. Entre diferentes perspectivas de abordar mudanças

55
Doutoranda no Programa Ciências da Linguagem Unisul, Psicóloga do Instituto Federal Catarinense Campus
Sombrio, e-mail: andreiabez@yahoo.com.br
56
Doutor em Letras/Linguística, Coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem da
Unisul, e-mail: fabio.rauen@unisul
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cognitivas, é possível construir uma interface entre terapia cognitiva 57 e teorias de


comunicação de viés pragmático-cognitivo. Mais especificamente, estamos interessados em
descrever e explicar interações comunicativas entre terapeuta e paciente para a modificação
de pensamentos e crenças disfuncionais a partir da teoria da relevância de Sperber e Wilson
(1986, 1995) e da teoria de conciliação de metas de Rauen (2013, 2014).
A terapia cognitiva defende a hipótese de que pensamentos disfuncionais 58
influenciam o humor e o comportamento do paciente, sendo esta relação comum a todos os
transtornos psicológicos. Além disto, afirma-se que, à medida que o paciente aprende a
identificar e a avaliar o seu pensamento disfuncional de forma mais realista, a interpretação
posterior de suas experiências muda, levando a uma melhora em seu estado emocional e a um
comportamento funcional. Para uma melhora duradoura no humor e no comportamento, estes
aspectos devem ser trabalhados em um nível mais profundo de cognição, onde estão as
crenças básicas que o paciente elaborou.
De acordo com Beck J. S. (2013), o desenvolvimento das crenças está relacionado às
ideias que os indivíduos elaboram nos primeiros estágios de desenvolvimento sobre si
mesmos, sobre as outras pessoas e sobre o seu mundo. É uma tentativa de entender o
ambiente e organizar as experiências de forma coerente, a fim de funcionar adaptativamente.
As diferentes interações com o mundo e com os outros, assim como a influência da
predisposição genética, conduzem o indivíduo a estes entendimentos particulares.
A terapia cognitiva tem como base um modelo do processamento cognitivo e é
fundamentada em princípios gerais que regem a estrutura do tratamento, nos quais a relação
terapêutica exerce muita importância. Destaque-se aqui que, dependente destes aspectos, o
viés pelo qual todo o processo terapêutico se desenrola é a comunicação.
Nas palavras de Beck, A. T. e Alford (2000, p. 47),

ao conduzir um tratamento clínico geral de um transtorno psicológico, o


psicoterapeuta conta primeiramente com a comunicação verbal para facilitar a
correção de um transtorno. Este é o caso se o psicoterapeuta adota uma abordagem
comportamental, uma abordagem psicodinâmica, ou qualquer outra abordagem
psicoterapêutica estabelecida. Portanto, um aspecto comum entre as várias
psicoterapias é que a terapia envolve comunicação, ou a troca de informação, entre
terapeuta e paciente.

Nesta relação, são disparados processos que impulsionam o paciente a modificar o seu
modo de interpretar os fatos e, com isto, obter uma melhora no seu estado global.
Diversos manuais de terapia cognitiva foram sistematizados para demonstrar e
explicar este processo passo a passo em diferentes problemas e transtornos. Em geral, os
manuais indicam que este processo se dá inicialmente pela contestação dos pensamentos
automáticos disfuncionais, seguidos pela modificação das crenças disfuncionais (BECK, A.
T.; FREEMAN, 1993; BECK, A. T. et al., 1997; DATTILIO; FREEMAN; 1998;
FRIEDBERG; MCCLURE, 2004; STALLARD, 2004; GREENBERGER; PADESKY, 2008;
SAFREN et al., 2008a, 2008b; WRIGHT et al., 2008; KUYKEN et al., 2010; WRIGHT et al.,
2012; BECK, J. S., 1997; 2013).

57
Inicialmente, este modelo psicoterapêutico foi denominado e disseminado por Aaron Beck como terapia
cognitiva. Segundo Serra (2013, p. 1), “a denominação terapia cognitivo-comportamental se popularizou a partir
dos anos 1980 e envolve o mesmo princípio básico e o mesmo modelo de psicopatologia da terapia cognitiva,
apenas reconhecendo a possibilidade de atuação direta sobre comportamentos, com o objetivo de provocar
mudanças nas cognições a eles associadas.
58
O pensamento disfuncional caracteriza-se por uma avaliação automática e, em geral, inconsciente. Ele é
disfuncional por que é uma interpretação equivocada que está diretamente relacionada com alterações de humor
e comportamento.
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Além disto, em comum, estes autores enfatizam a necessidade contínua de elevar o


nível descritivo destes processos na terapia, tanto para a formação de novos terapeutas, quanto
para a atualização destes profissionais. Neste aspecto, eles sugerem a necessidade de
aprimorar a descrição e a explicação dos processos comunicacionais envolvidos nestas
tarefas. Dadas as características da terapia cognitiva, a importância da comunicação no
processo e a necessidade de pesquisas que ampliem o nível descritivo tanto da relação
terapêutica em si, como do processo de modificação de pensamentos e crenças disfuncionais,
é razoável supor que estudos que analisem esta relação por uma perspectiva pragmático-
comunicativa podem contribuir para esta demanda.
Este texto pretende esboçar uma contribuição neste esforço ao sugerir uma interface
com a teoria da relevância e a teoria de conciliação de metas na segunda seção; e ilustrar o
modelo, mesmo que muito brevemente, na terceira seção.

2 A interface construída

Uma primeira possibilidade de construir uma interface com a comunicação e


aprofundar a compreensão dos processos cognitivos do terapeuta e do paciente por um viés
pragmático pode ser feita com a teoria da relevância de Sperber e Wilson (1986, 1995).
Relevância pode ser definida como uma propriedade das entradas de dados (inputs) para os
processos cognitivos. Conforme Sperber e Wilson (2005a, p. 223):

[...] intuitivamente, relevância é uma propriedade potencial não somente de


enunciados e outros fenômenos observáveis, mas de pensamentos, memórias e
conclusões de inferências. Nos termos da Teoria da Relevância, qualquer estímulo
externo ou representação interna que fornece um input para processos cognitivos
pode ser relevante para um indivíduo em algum momento.

O que torna uma entrada relevante é o fato de valer a pena processá-la. Em igualdade
de condições, quanto maiores forem os efeitos cognitivos obtidos de uma entrada de dados,
maior será a sua relevância. Inversamente, quanto menor for o esforço de processamento
requerido para processar esta entrada, maior será sua relevância. Para serem relevantes, neste
sentido, os efeitos cognitivos do processamento de um estímulo devem gerar fortalecimentos
de suposições existentes, contradições/enfraquecimentos de suposições existentes, ou mesmo
implicações contextuais resultantes da combinação deste estímulo com suposições existentes.
A teoria da relevância assume que o processo comunicacional é guiado pelos
princípios cognitivo e comunicativo de relevância. O princípio cognitivo estabelece que a
cognição humana é direcionada para a maximização da relevância, e o princípio comunicativo
estabelece que todo enunciado comunica a presunção de sua própria relevância ótima. Em
uma interação comunicativa, o objetivo do ouvinte, ao processar reativamente os estímulos do
falante, é o de encontrar dedutivamente uma interpretação que satisfaça estas expectativas.
Segundo o mecanismo de compreensão guiado pela noção teórica de relevância proposto pela
teoria, o ouvinte segue uma rota de menor esforço cognitivo na interpretação de um
enunciado, interpretando as entradas de dados em ordem de acessibilidade e cessando o
processo quando sua expectativa de relevância é satisfeita.
Exemplo de interface da terapia cognitiva com a teoria da relevância é a tese de 2002
de Ricardo Wainer, intitulada Os processos inferenciais nos diálogos psicoterapêuticos:
correlações entre a semântica do dito e a pragmática do comunicado 59. Wainer investigou

59
A rigor, esta tese é acessível indiretamente por dois artigos (WAINER et al., 2005a; 2005b). Wainer et al.
(2005a) trabalham com a teoria das implicaturas de Grice (1975, 1978, 1981), com o modelo ampliado da teoria
das implicaturas de Costa (1984) e com a teoria da relevância de Sperber e Wilson (1986, 1995, 2001). A teoria
das implicaturas de Grice trabalha com a suposição de que existe uma lacuna no processo interpretativo do
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como, com universos de esquemas mentais distintos 60, paciente e terapeuta conseguem se
comunicar de maneira eficaz. O estudo justificou-se pela tentativa de compreensão dos
processos inferenciais utilizados pela dupla na relação terapêutica, o que acabou por mostrar a
necessidade de teorias pragmáticas para a abordagem da comunicação psicoterapêutica. Uma
das conclusões a que Wainer chega neste estudo é que

[...] o número significativo de implicaturas conversacionais em relação ao número


de enunciados, solidificam a importância de se utilizar os modelos linguísticos
pragmáticos na compreensão da comunicação psicoterápica. Se tantas implicaturas
são geradas, sua interpretação, ou seja, a interpretação do implícito da comunicação,
é essencial para se compreender as intenções comunicativas dos sujeitos dos
diálogos psicoterapêuticos. (WAINER et al., 2005a, p. 37).

Uma segunda aproximação teórica viável é a teoria de conciliação de metas de Rauen


(2013, 2014). Conforme esta teoria, é possível fundamentar a análise das interações
comunicacionais entre terapeuta e paciente em termos de auto e heteroconciliação de metas.
Isto se deve ao fato de que o processo terapêutico está pautado em uma relação na qual
terapeuta e paciente, valorizando e respeitando os conhecimentos de cada um, coordenam
metas e submetas em comum, que devem ser discutidas, monitoradas e avaliadas.
A teoria de conciliação de metas de Rauen (2013, 2014) pretende fornecer um viés
proativo para a teoria da relevância. Em 2013, Rauen propôs um modelo em quatro estágios
para descrever e explicar como os indivíduos modelam metas proativamente. Sua abordagem
parte, de um lado, da projeção de uma meta [1] e, de outro, da formulação [2], execução [3] e
checagem [4] de pelo menos uma hipótese abdutiva antefactual de solução.
No estágio de checagem, o autor apresenta os conceitos de conciliação de metas e de
confirmação de hipóteses. O conceito de conciliação de metas, que caracteriza o nome da
teoria, antecipa que pode haver na comparação entre a meta projetada e sua consecução, em
casos de ação intencional, uma conciliação ativa, quando a consecução da meta corrobora sua
projeção, e uma inconciliação ativa, quando a consecução da meta não corrobora sua
projeção; e, em casos de inação, uma conciliação passiva, quando a consecução da meta
corrobora sua projeção, apesar da inação, e uma inconciliação passiva, quando a consecução
não corrobora a meta projetada.
O conceito de confirmação de hipóteses antecipa que há uma gradação de força entre a
ação antecedente o e estado consequente em hipóteses abdutivas antefactuais, partindo
daquelas consideradas categóricas, passando por bicondicionais, condicionais e habilitadoras,
até tautológicas. Em hipóteses abdutivas antefactuais categóricas, a conexão entre a ação
antecedente é suficiente, necessária e certa. Em hipóteses bicondicionais, a conexão é
suficiente e necessária, mas não certa. Em hipóteses condicionais, o antecedente é suficiente,
mas não necessário para o consequente. Em hipóteses habilitadoras, o antecedente é
necessário, mas não suficiente para o consequente. Em hipóteses tautológicas, por fim, a
conexão não é suficiente, necessária ou certa. Rauen defende o argumento forte de que,
ausentes pistas contextuais em contrário, hipóteses abdutivas emergem como categóricas por
default de modo semelhante aos pensamentos automáticos previstos pela terapia cognitiva,
justificando a interface.

enunciado que é preenchida pelo processo inferencial e não apenas por decodificação, conforme o modelo de
código preconizava. O modelo ampliado de Costa (1984) se apresenta como uma reformulação da teoria clássica
das implicaturas. Neste modelo, a relevância passa a ser a propriedade pragmática por excelência. No mesmo
período, é lançada a obra Relevance: communication and cognition de Sperber e Wilson (1986) que, diante dos
pressupostos de Grice, direcionam sua teoria de abordagem pragmática cognitiva para a compreensão dos
enunciados. Para estes autores, a relevância constitui-se como uma relação de equilíbrio entre efeitos cognitivos
e esforço de processamento no processo de interpretação.
60
Fazem parte do esquema cognitivo de um indivíduo os pensamentos, crenças intermediárias e crenças centrais.
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Em 2014, o autor passou a distinguir processos de autoconciliação, nos quais o próprio


indivíduo monitora a consecução de suas metas, de processos de heteroconciliação, quando se
faz necessário conciliar colaborativamente metas em comum, justificando uma conexão direta
com a noção de empirismo colaborativo previsto pela terapia cognitiva.
Três pesquisas recentes, Luciano (2014), Cardoso (2015) e Vieira (2015), reforçam a
pertinência da teoria de conciliação de metas. Em comum, estes trabalhos exploram a
arquitetura descritiva e explicativa da teoria para discutir aspectos abdutivos/dedutivos em
processos cognitivos envolvidos nas interações comunicativas correspondentes aos seus
objetos de estudo.
A dissertação de Luciano (2014) utiliza a teoria de conciliação de metas como
alternativa de descrição e explicação de um exemplo apresentado por Wilson (2004) na lição
3 de seu curso Pragmatic Theory, no qual a autora ilustra, corretamente, a noção de efeitos
cognitivos e custos de processamento. No exemplo, uma pessoa propõe-se a ir a uma
conferência de ônibus. Quando a pessoa chega ao ponto e vê o ônibus se aproximando, ela
conclui que irá à conferência num primeiro caso; e, num segundo caso, ela conclui que não irá
à conferência quando chega ao ponto e o vê partindo. Todavia, como argumenta Luciano,
falta conexão com a realidade ao exemplo, uma vez que as pessoas em geral não desistem de
suas metas ao detectar um primeiro revés. Luciano (2014, p. 65) adota a seguinte perspectiva
para o exemplo:

Se participar da conferência é uma meta, então pegar o ônibus é apenas uma maneira
de alcançá-la. Assim sendo, se algo impedir o embarque ou se algo impedir que a
meta seja alcançada mesmo com a consecução do embarque, o indivíduo tende a
buscar alternativas para solucionar esses impasses.

No que tange às metas, defenderemos que elas são condutoras da relação entre efeitos
cognitivos positivos e esforço de processamento. São as metas que fazem com que o
indivíduo se disponha a despender, a priori, um maior esforço de processamento. Do mesmo
modo, proporemos que as metas guiam o processo de seleção de premissas.
Cardoso (2015), por sua vez, partiu de suas inquietações enquanto professora e
pesquisadora frente à relação entre o processo comunicativo e a aprendizagem de matemática
em sala de aula. Para tanto, construiu em sua tese uma interface entre a teoria da relevância, a
teoria de conciliação de metas e a perspectiva semiótica de Duval para o ensino e a
aprendizagem de matemática. Para Cardoso (2015, p. 21) “a presunção de uma resposta
correta para as questões de matemática em sala de aula é um exemplo trivial de ascendência
da meta sobre as premissas”. Cardoso (2015, p. 159) argumenta que

a noção de conciliação de metas superordena a noção de relevância cognitiva que,


por sua vez, super ordena a identificação de unidades significativas, os tratamentos e
as conversões de diferentes registros de representação semiótica na resolução de
qualquer demanda em Matemática.

Vieira (2015), por fim, discutiu conflitos entre usuários e desenvolvedores em sua
tese, gerados por soluções informatizadas que não atendiam às expectativas dos usuários. Para
isto, a autora destacou processos cognitivos que antecedem as etapas dedutivas descritas na
teoria da relevância. No caso utilizado para ilustrar um conflito, argumentou que usuários e
desenvolvedores são movidos por metas, e o conflito emerge justamente por uma
representação equivocada da meta final do usuário pelo desenvolvedor. Para a autora, “os
resultados sugerem que a ausência de esclarecimentos na fase de levantamento e análise de
requisitos gera uma representação equivocada da meta final do usuário pelo desenvolvedor”
(2015, p. 160).
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Estes três estudos corroboram o potencial de descrição e explicação da teoria da


conciliação de metas e, possibilitam sustentar a construção desta interface com a terapia
cognitiva e as teorias pragmáticas da comunicação. No espaço de interseção destas três áreas
buscamos a descrição e explicação dos processos de avaliação e modificação colaborativa de
pensamentos e crenças, por meio das interações comunicativas entre terapeuta e paciente em
sessões terapêuticas.

3 Ilustrando a modelação

Para ilustrar a interface que estamos propondo, estabelecemos como corpus os


registros verbais da relação psicoterapêutica, extraído do livro Terapia Cognitiva: teoria e
prática 61, de Judith S. Beck (2013) 62. Em específico, elegemos como recorte um extrato de
um diálogo da interação entre terapeuta e paciente.
A primeira etapa da análise consistiu de uma análise descritiva e explanatória de
processos ostensivo-inferenciais da interação entre terapeuta e paciente, com base na teoria da
relevância, feita a partir de quatro versões. Na versão (a), apresentam-se os elementos
linguísticos dos enunciados; na versão (b), descreve-se a forma lógica de acordo com o
modelo convencionado por Rauen (2008); na versão (c), apresenta-se o preenchimento das
entradas lógicas, de forma a compor a explicatura; na versão (d), acrescenta-se uma
explicatura expandida da descrição, englobando atos de fala. Desta forma, as lacunas nos
enunciados vão sendo preenchidas à medida que as versões forem realizadas.
A segunda etapa da análise seguiu a modelação proativa de metas de Rauen (2013,
2014) desenvolvida em quatro estágios. No estágio [1], apresenta-se a emergência de uma
meta; no estágio [2], a formulação de pelo menos uma hipótese abdutiva (categórica,
bicondicional, condicional, habilitadora ou tautológica) de solução; no estágio [3], a execução
da ação; no estágio [4], a conciliação dos resultados desta ação com a meta inicial. Nesta
quarta etapa foram observados processos de autoconciliação, quando o próprio indivíduo
(terapeuta ou paciente) monitora a consecução de suas metas, dos processos de
heteroconciliação, quando terapeuta e paciente conciliam colaborativamente metas em
comum, sendo imprescindíveis os processos comunicacionais.
Conforme descrição feita por Beck, J. S., (2013) sobre a estrutura de uma sessão
padrão, o início é marcado pelo estabelecimento da aliança terapêutica, a checagem do humor,
o breve relato das experiências e sintomas do paciente durante a semana que passou, a
listagem dos problemas que o paciente mais deseja ajuda para resolver, a verificação dos
exercícios de casa ou plano de ação. O transcorrer da sessão segue com a discussão de um
problema específico colocado em pauta pelo paciente, conceituando cognitivamente as
dificuldades e planejando colaborativamente uma estratégia. Feito isto, volta-se para a lista
elencada de problemas e repete-se o processo. Os pontos importantes da sessão são revisados
ao final, momento este em que o terapeuta também deve assegurar-se de que o paciente

61
A primeira edição do livro em português foi lançada em 1997. A segunda edição revisada deste livro foi
lançada em 2013. A seleção deste manual se deve por ser considerado um clássico na literatura científica do
campo da terapia cognitiva, destinado à formação e a atualização de estudantes, professores e terapeutas, e
também por trazer um caso no qual a própria autora atuou como terapeuta.
62
Judith S. Beck é uma psicóloga americana reconhecida internacionalmente por sua atuação na Terapia
Cognitiva comportamental. Seu pai, Aaron T. Beck, é considerado o fundador da terapia cognitiva, com quem
ela teve oportunidade de trabalhar e se desenvolver como terapeuta. Atualmente, Judith Beck é presidente
do Beck Institute for Cognitive Therapy and Research. Judith Beck atua como professora adjunta de psicologia
na Universidade da Pensilvânia e como consultora em diversas pesquisas do NIMH (National Institute of Mental
Health) (BECK INSTITUTE, 2015).
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compreendeu as estratégias definidas e, provavelmente, terá condições de desenvolver o


exercício de casa prescrito. Diante disto, solicita-se o feedeback do paciente sobre a sessão 63.
Como pontuado nesta descrição geral de uma sessão, a interação paciente/terapeuta é
complexa. Entre outras razões, isto se deve ao fato de que terapeuta e paciente têm metas
especificas próprias à sua posição e, somente ao interagirem, constroem um espaço de
intersecção. É neste espaço que se dá à negociação dos propósitos do processo terapêutico,
sendo que terapeuta e paciente devem traçar, proativamente, metas para a terapia e para o
próprio paciente, pautadas no empirismo colaborativo.
Destaca-se, porém, que esta interação comunicativa não é uma conversa natural, mas
uma interação guiada pelos princípios teóricos da terapia. As inferências ocorrem tanto como
algo intrínseco do processo comunicacional entre estes atores, quanto como um aspecto
essencial da busca dos sentidos dos pensamentos e crenças disfuncionais e,
consequentemente, da compreensão do esquema cognitivo do indivíduo (WAINER et al.,
2005b). Além disto, e fundamentalmente, processos inferenciais complexos estão envolvidos
na proposição de metas que são essenciais no processo terapêutico.
Para vislumbrarmos esta possibilidade de interfaces entre estas áreas, tome-se o caso
descrito no livro de Judith Beck, no qual o terapeuta discute um planejamento de atividades
com a paciente Sally. Segue-se um enunciado da paciente:

Paciente: Eu gostaria de passar mais tempo com as outras pessoas, mas parece que
não tenho nenhuma energia. (BECK, J. S., 2013, p. 103)

A análise dos enunciados é a que segue:

(1a) Forma linguística: Eu gostaria de passar mais tempo com as outras pessoas, mas
parece que não tenho nenhuma energia.
(1b) Forma lógica: (gostar x, y (passar, x) ∧ (parecer x ¬(ter x, y, γfinalidade).
(1c) explicatura: Eu [PACIENTE] gostaria de passar mais tempo com outras pessoas,
mas parece que ∅ [EU/PACIENTE] não tenho nenhuma energia ∅ [PARA A PACIENTE
PASSAR MAIS TEMPO COM OUTRAS PESSOAS].
(1d) Explicatura expandida: A PACIENTE AFIRMA/DESEJA QUE A PACIENTE GOSTARIA
DE PASSAR MAIS TEMPO COM AS OUTRAS PESSOAS E A PACIENTE AFIRMA QUE A
PACIENTE GOSTARIA DE PASSAR MAIS TEMPO COM AS OUTRAS PESSOAS, MAS PARECE
QUE A PACIENTE NÃO TEM NENHUMA ENERGIA PARA O PACIENTE PASSAR MAIS TEMPO
COM OUTRAS PESSOAS.

A explicatura expandida dos enunciados nos permite descrever o ato de fala de Sally,
ou seja, que Sally afirma que ela gostaria de passar mais tempo com as outras pessoas, mas
parece que a ela não tem nenhuma energia para fazer isto. Para o terapeuta, este enunciado
fornece uma ideia do que deve ser avaliado na terapia, pois tomá-lo como verdadeiro ou
categórico faz Sally resistir a mudanças.
Com base no aparato descritivo e explicativo da teoria da conciliação de metas, tendo
conhecido a dinâmica de uma sessão e os objetivos terapêuticos, é possível supor que o
próximo passo do terapeuta diante deste enunciado de Sally, é a meta de avaliar este
pensamento. Seguindo os estágios da teoria de conciliação de metas, a descrição poderia ser a
que segue. No primeiro estágio, a terapeuta formula a meta de propor testar este pensamento
disfuncional. No segundo estágio, a terapeuta abduz a melhor hipótese antefactual para atingir
esta meta com o menor custo de processamento possível. No terceiro estágio, a terapeuta
compartilha este plano com Sally a fim de heteroconciliá-lo, na expectativa de que a paciente

63
Conforme destaca Beck, J. S., (2013, p. 31) a ênfase no tratamento também depende do(s) transtorno(s)
específico(s) do paciente. “[...] A estrutura das sessões terapêuticas é bem parecida para os vários transtornos,
mas as intervenções podem variar consideravelmente de paciente para paciente”.
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assuma e execute o plano 64. No quarto e último estágio, ocorre a avaliação dos resultados
alcançados.
Assumindo, por exemplo, que a terapeuta pretende testar o pensamento automático de
Sally, ela pode sugerir à paciente que ela obtenha evidências contrárias de sua incapacidade
de se relacionar com pessoas. Para atingir esta submeta, ela também pode sugerir que Sally
jante com amigos. Admitindo que Sally execute a ação antecedente e jante com amigos, a
paciente acaba por obter evidências contrárias ao seu pensamento disfuncional, desafiando a
conexão tácita que este pensamento automático representa (enfraquecendo-o, portanto). Esta
trajetória pode ser vista na modelação a seguir:

[1] Q Testar pensamento automático, Sally


[2] P Q Obter evidências, Sally Testar pensamento automático, Sally
[3] O P Jantar com amigos, Sally Obter evidências, Sally
[4] O Sally janta com amigos
[5] P’ Sally obtém evidências
[6] Q’ Sally testa pensamento automático

Uma vez que Sally testa seu pensamento automático, ambos, paciente e terapeuta,
heteroconciliam a meta em comum na devolução dos resultados por meio de trocas
comunicacionais. Decorre do output do quarto estágio a autoconciliação de metas e a
confirmação de hipóteses. Além disto, no que se refere aos efeitos cognitivos, observa-se que
na conciliação ativa, Sally atinge a meta Q e tem uma evidência de confirmação da hipótese
Ha funcional alternativa, que vai sendo progressivamente fortalecida e estocada como um
esquema de crenças na sua memória enciclopédica.
No exemplo, a utilização de técnicas cognitivas e comportamentais é uma forma de
ampliar o ambiente cognitivo pela construção de hipóteses abdutivas, tanto ao trazer uma
suposição nova, como ao reapresentar uma mesma suposição combinando com novas
evidências. Isto permite questionar os pensamentos automáticos disfuncionais bem como as
crenças que os fundamentam. As técnicas serão relevantes, se formuladas em um ambiente
cognitivo mútuo e, consequentemente, apresentarem algum efeito contextual, levando à
alteração destes pensamentos e, por decorrência, à alteração das crenças.
Na versão exitosa do caso ilustrado neste estudo, o sucesso em obter evidências de que
Sally tem energia permitiu à paciente testar seu pensamento automático. Isto sugere que a
paciente partiria de uma hipótese factual categórica disfuncional de que não tem energia para
passar tempo com as pessoas e chegaria a versões mais flexíveis desta hipótese, na proporção
em que, inversamente, os repetidos sucessos reforçariam a modificação destes tipos de
pensamentos, consequentemente, chegando a crenças mais adequadas.
Posto isto, considerar a pertinência dos conceitos de auto e heteroconciliação de metas
pode esclarecer aspectos importantes desta relação terapêutica, especialmente porque ela deve
ser estabelecida por empirismo colaborativo, ou seja, por um processo pelo qual paciente e
terapeuta, cada qual com seus conhecimentos, compartilham todas as tomadas de decisão,
para juntos resolver problemas e atingir os propósitos traçados. Além disto, a interface
possibilita uma descrição e explicação mais objetiva dos raciocínios desenvolvidos pelo
terapeuta e paciente e, assim, elaborar melhores avaliações para os casos. E, por fim, a
interface sugere outra perspectiva descritiva e explicativa de como ocorre o processo
cognitivo de modificação de crenças disfuncionais.

64
No início da intervenção psicoterapêutica, o terapeuta é mais ativo na proposição de intervenções e no
direcionamento de todo o processo, mas isto muda à medida que o paciente começa a compreender e a
desenvolver habilidades necessárias para a resolução de seus problemas, de forma que é ele quem passa a propor
os encaminhamentos e a definição de objetivos.
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um guia ilustrado. Porto Alegre: Artmed, 2008.

Submetido em 20/02/16
Aceito em 15/04/16
Revista Prolíngua – ISSN 1983-9979 P á g i n a | 96
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MODIFICAÇÃO DE PENSAMENTOS E CRENÇAS DISFUNCIONAIS E TEORIAS


PRAGMÁTICAS DA COMUNICAÇÃO

LOS CAMBIOS EN EL NIVEL COGNITIVO Y LAS TEORÍAS PRAGMÁTICAS DE


LA COMUNICACIÓN

Andréia da Silva Bez 55


Fábio José Rauen 56

RESUMO: Este artigo ilustra processos cognitivos de modificação de pensamentos e crenças disfuncionais a
partir da teoria de conciliação de metas de Rauen (2013, 2014) e da teoria da relevância de Sperber e Wilson
(1986, 1995). Conforme a terapia cognitiva, a interpretação das experiências do paciente altera-se à medida que
ele aprende a avaliar seus pensamentos disfuncionais de forma mais realista. Para uma melhora duradoura no
humor e no comportamento, estes aspectos devem ser trabalhados em um nível mais profundo de cognição: as
crenças básicas que o paciente tem sobre si mesmo, seu mundo e as outras pessoas. Conforme a teoria da
relevância, a relevância de um estímulo é maior quando, em igualdade de condições, maiores são os efeitos
cognitivos e menores são os esforços para processá-lo. Um estímulo é relevante quando fortalece suposições
existentes, contradiz/enfraquece suposições existentes, ou gera implicações contextuais em combinação com
suposições existentes. Desta forma, uma intervenção terapêutica é relevante quando o terapeuta promove efeitos
contextuais que alteram os pensamentos automáticos do paciente e, por decorrência, alteram suas crenças
disfuncionais. Conforme a teoria de conciliação de metas, por fim, assume-se que alguns tipos de pensamentos
automáticos são hipóteses abdutivas antefactuais categóricas do paciente, que estão relacionadas com as crenças
disfuncionais que compõem o seu esquema cognitivo. Deste modo, argumenta-se neste estudo que o processo
terapêutico visa a enfraquecer a conexão causal desses pensamentos automáticos em direção a níveis mais
flexíveis, sejam eles bicondicionais, condicionais, habilitadores ou mesmo tautológicos.

PALAVRAS-CHAVE: Terapia cognitiva. Teoria da relevância. Teoria de conciliação de metas.

ABSTRACT: We discuss in this article cognitive processes of thoughts and dysfunctional beliefs modification
based on goal conciliation theory (RAUEN, 2013, 2014) and relevance theory (SPERBER; WILSON, 1986,
1995). According to cognitive therapy, the interpretation of experiences is modified when patients learn to
evaluate their dysfunctional thoughts more realistically. In order to have a lasting improvement in mood and
behavior, these aspects must be worked on a deeper level of cognition, including basic beliefs that patients have
about themselves, their world, and other people. According to relevance theory, the relevance of a stimulus is
higher when, ceteris paribus, cognitive effects are bigger and processing efforts are smaller. A stimulus is
relevant when it strengthens existing assumptions, contradicts/weakens existing assumptions, or generates
contextual implications in combination with existing assumptions. Thus, therapeutic intervention is relevant
when the therapist promotes contextual effects that alter patients’ automatic thoughts, and change their
dysfunctional beliefs. According to goal conciliation theory, we assume that some types of automatic thoughts
are categorical ante-factual abductive hypotheses, which are related to dysfunctional beliefs of patients’
cognitive schema. So, we argue that the therapeutic process aims to weaken the causal connection of these
automatic thoughts toward more flexible levels – biconditional, conditional, enabling, or even tautological.

KEYWORDS: Cognitive Therapy. Relevance Theory. Goal Conciliation Theory.

1 Introdução
A aproximação com outras áreas do conhecimento, como áreas da psicologia
evolutiva, da psicologia cognitiva e das neurociências, é uma característica marcante no
desenvolvimento da terapia cognitiva. Entre diferentes perspectivas de abordar mudanças

55
Doutoranda no Programa Ciências da Linguagem Unisul, Psicóloga do Instituto Federal Catarinense Campus
Sombrio, e-mail: andreiabez@yahoo.com.br
56
Doutor em Letras/Linguística, Coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem da
Unisul, e-mail: fabio.rauen@unisul
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cognitivas, é possível construir uma interface entre terapia cognitiva 57 e teorias de


comunicação de viés pragmático-cognitivo. Mais especificamente, estamos interessados em
descrever e explicar interações comunicativas entre terapeuta e paciente para a modificação
de pensamentos e crenças disfuncionais a partir da teoria da relevância de Sperber e Wilson
(1986, 1995) e da teoria de conciliação de metas de Rauen (2013, 2014).
A terapia cognitiva defende a hipótese de que pensamentos disfuncionais 58
influenciam o humor e o comportamento do paciente, sendo esta relação comum a todos os
transtornos psicológicos. Além disto, afirma-se que, à medida que o paciente aprende a
identificar e a avaliar o seu pensamento disfuncional de forma mais realista, a interpretação
posterior de suas experiências muda, levando a uma melhora em seu estado emocional e a um
comportamento funcional. Para uma melhora duradoura no humor e no comportamento, estes
aspectos devem ser trabalhados em um nível mais profundo de cognição, onde estão as
crenças básicas que o paciente elaborou.
De acordo com Beck J. S. (2013), o desenvolvimento das crenças está relacionado às
ideias que os indivíduos elaboram nos primeiros estágios de desenvolvimento sobre si
mesmos, sobre as outras pessoas e sobre o seu mundo. É uma tentativa de entender o
ambiente e organizar as experiências de forma coerente, a fim de funcionar adaptativamente.
As diferentes interações com o mundo e com os outros, assim como a influência da
predisposição genética, conduzem o indivíduo a estes entendimentos particulares.
A terapia cognitiva tem como base um modelo do processamento cognitivo e é
fundamentada em princípios gerais que regem a estrutura do tratamento, nos quais a relação
terapêutica exerce muita importância. Destaque-se aqui que, dependente destes aspectos, o
viés pelo qual todo o processo terapêutico se desenrola é a comunicação.
Nas palavras de Beck, A. T. e Alford (2000, p. 47),

ao conduzir um tratamento clínico geral de um transtorno psicológico, o


psicoterapeuta conta primeiramente com a comunicação verbal para facilitar a
correção de um transtorno. Este é o caso se o psicoterapeuta adota uma abordagem
comportamental, uma abordagem psicodinâmica, ou qualquer outra abordagem
psicoterapêutica estabelecida. Portanto, um aspecto comum entre as várias
psicoterapias é que a terapia envolve comunicação, ou a troca de informação, entre
terapeuta e paciente.

Nesta relação, são disparados processos que impulsionam o paciente a modificar o seu
modo de interpretar os fatos e, com isto, obter uma melhora no seu estado global.
Diversos manuais de terapia cognitiva foram sistematizados para demonstrar e
explicar este processo passo a passo em diferentes problemas e transtornos. Em geral, os
manuais indicam que este processo se dá inicialmente pela contestação dos pensamentos
automáticos disfuncionais, seguidos pela modificação das crenças disfuncionais (BECK, A.
T.; FREEMAN, 1993; BECK, A. T. et al., 1997; DATTILIO; FREEMAN; 1998;
FRIEDBERG; MCCLURE, 2004; STALLARD, 2004; GREENBERGER; PADESKY, 2008;
SAFREN et al., 2008a, 2008b; WRIGHT et al., 2008; KUYKEN et al., 2010; WRIGHT et al.,
2012; BECK, J. S., 1997; 2013).

57
Inicialmente, este modelo psicoterapêutico foi denominado e disseminado por Aaron Beck como terapia
cognitiva. Segundo Serra (2013, p. 1), “a denominação terapia cognitivo-comportamental se popularizou a partir
dos anos 1980 e envolve o mesmo princípio básico e o mesmo modelo de psicopatologia da terapia cognitiva,
apenas reconhecendo a possibilidade de atuação direta sobre comportamentos, com o objetivo de provocar
mudanças nas cognições a eles associadas.
58
O pensamento disfuncional caracteriza-se por uma avaliação automática e, em geral, inconsciente. Ele é
disfuncional por que é uma interpretação equivocada que está diretamente relacionada com alterações de humor
e comportamento.
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Além disto, em comum, estes autores enfatizam a necessidade contínua de elevar o


nível descritivo destes processos na terapia, tanto para a formação de novos terapeutas, quanto
para a atualização destes profissionais. Neste aspecto, eles sugerem a necessidade de
aprimorar a descrição e a explicação dos processos comunicacionais envolvidos nestas
tarefas. Dadas as características da terapia cognitiva, a importância da comunicação no
processo e a necessidade de pesquisas que ampliem o nível descritivo tanto da relação
terapêutica em si, como do processo de modificação de pensamentos e crenças disfuncionais,
é razoável supor que estudos que analisem esta relação por uma perspectiva pragmático-
comunicativa podem contribuir para esta demanda.
Este texto pretende esboçar uma contribuição neste esforço ao sugerir uma interface
com a teoria da relevância e a teoria de conciliação de metas na segunda seção; e ilustrar o
modelo, mesmo que muito brevemente, na terceira seção.

2 A interface construída

Uma primeira possibilidade de construir uma interface com a comunicação e


aprofundar a compreensão dos processos cognitivos do terapeuta e do paciente por um viés
pragmático pode ser feita com a teoria da relevância de Sperber e Wilson (1986, 1995).
Relevância pode ser definida como uma propriedade das entradas de dados (inputs) para os
processos cognitivos. Conforme Sperber e Wilson (2005a, p. 223):

[...] intuitivamente, relevância é uma propriedade potencial não somente de


enunciados e outros fenômenos observáveis, mas de pensamentos, memórias e
conclusões de inferências. Nos termos da Teoria da Relevância, qualquer estímulo
externo ou representação interna que fornece um input para processos cognitivos
pode ser relevante para um indivíduo em algum momento.

O que torna uma entrada relevante é o fato de valer a pena processá-la. Em igualdade
de condições, quanto maiores forem os efeitos cognitivos obtidos de uma entrada de dados,
maior será a sua relevância. Inversamente, quanto menor for o esforço de processamento
requerido para processar esta entrada, maior será sua relevância. Para serem relevantes, neste
sentido, os efeitos cognitivos do processamento de um estímulo devem gerar fortalecimentos
de suposições existentes, contradições/enfraquecimentos de suposições existentes, ou mesmo
implicações contextuais resultantes da combinação deste estímulo com suposições existentes.
A teoria da relevância assume que o processo comunicacional é guiado pelos
princípios cognitivo e comunicativo de relevância. O princípio cognitivo estabelece que a
cognição humana é direcionada para a maximização da relevância, e o princípio comunicativo
estabelece que todo enunciado comunica a presunção de sua própria relevância ótima. Em
uma interação comunicativa, o objetivo do ouvinte, ao processar reativamente os estímulos do
falante, é o de encontrar dedutivamente uma interpretação que satisfaça estas expectativas.
Segundo o mecanismo de compreensão guiado pela noção teórica de relevância proposto pela
teoria, o ouvinte segue uma rota de menor esforço cognitivo na interpretação de um
enunciado, interpretando as entradas de dados em ordem de acessibilidade e cessando o
processo quando sua expectativa de relevância é satisfeita.
Exemplo de interface da terapia cognitiva com a teoria da relevância é a tese de 2002
de Ricardo Wainer, intitulada Os processos inferenciais nos diálogos psicoterapêuticos:
correlações entre a semântica do dito e a pragmática do comunicado 59. Wainer investigou

59
A rigor, esta tese é acessível indiretamente por dois artigos (WAINER et al., 2005a; 2005b). Wainer et al.
(2005a) trabalham com a teoria das implicaturas de Grice (1975, 1978, 1981), com o modelo ampliado da teoria
das implicaturas de Costa (1984) e com a teoria da relevância de Sperber e Wilson (1986, 1995, 2001). A teoria
das implicaturas de Grice trabalha com a suposição de que existe uma lacuna no processo interpretativo do
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como, com universos de esquemas mentais distintos 60, paciente e terapeuta conseguem se
comunicar de maneira eficaz. O estudo justificou-se pela tentativa de compreensão dos
processos inferenciais utilizados pela dupla na relação terapêutica, o que acabou por mostrar a
necessidade de teorias pragmáticas para a abordagem da comunicação psicoterapêutica. Uma
das conclusões a que Wainer chega neste estudo é que

[...] o número significativo de implicaturas conversacionais em relação ao número


de enunciados, solidificam a importância de se utilizar os modelos linguísticos
pragmáticos na compreensão da comunicação psicoterápica. Se tantas implicaturas
são geradas, sua interpretação, ou seja, a interpretação do implícito da comunicação,
é essencial para se compreender as intenções comunicativas dos sujeitos dos
diálogos psicoterapêuticos. (WAINER et al., 2005a, p. 37).

Uma segunda aproximação teórica viável é a teoria de conciliação de metas de Rauen


(2013, 2014). Conforme esta teoria, é possível fundamentar a análise das interações
comunicacionais entre terapeuta e paciente em termos de auto e heteroconciliação de metas.
Isto se deve ao fato de que o processo terapêutico está pautado em uma relação na qual
terapeuta e paciente, valorizando e respeitando os conhecimentos de cada um, coordenam
metas e submetas em comum, que devem ser discutidas, monitoradas e avaliadas.
A teoria de conciliação de metas de Rauen (2013, 2014) pretende fornecer um viés
proativo para a teoria da relevância. Em 2013, Rauen propôs um modelo em quatro estágios
para descrever e explicar como os indivíduos modelam metas proativamente. Sua abordagem
parte, de um lado, da projeção de uma meta [1] e, de outro, da formulação [2], execução [3] e
checagem [4] de pelo menos uma hipótese abdutiva antefactual de solução.
No estágio de checagem, o autor apresenta os conceitos de conciliação de metas e de
confirmação de hipóteses. O conceito de conciliação de metas, que caracteriza o nome da
teoria, antecipa que pode haver na comparação entre a meta projetada e sua consecução, em
casos de ação intencional, uma conciliação ativa, quando a consecução da meta corrobora sua
projeção, e uma inconciliação ativa, quando a consecução da meta não corrobora sua
projeção; e, em casos de inação, uma conciliação passiva, quando a consecução da meta
corrobora sua projeção, apesar da inação, e uma inconciliação passiva, quando a consecução
não corrobora a meta projetada.
O conceito de confirmação de hipóteses antecipa que há uma gradação de força entre a
ação antecedente o e estado consequente em hipóteses abdutivas antefactuais, partindo
daquelas consideradas categóricas, passando por bicondicionais, condicionais e habilitadoras,
até tautológicas. Em hipóteses abdutivas antefactuais categóricas, a conexão entre a ação
antecedente é suficiente, necessária e certa. Em hipóteses bicondicionais, a conexão é
suficiente e necessária, mas não certa. Em hipóteses condicionais, o antecedente é suficiente,
mas não necessário para o consequente. Em hipóteses habilitadoras, o antecedente é
necessário, mas não suficiente para o consequente. Em hipóteses tautológicas, por fim, a
conexão não é suficiente, necessária ou certa. Rauen defende o argumento forte de que,
ausentes pistas contextuais em contrário, hipóteses abdutivas emergem como categóricas por
default de modo semelhante aos pensamentos automáticos previstos pela terapia cognitiva,
justificando a interface.

enunciado que é preenchida pelo processo inferencial e não apenas por decodificação, conforme o modelo de
código preconizava. O modelo ampliado de Costa (1984) se apresenta como uma reformulação da teoria clássica
das implicaturas. Neste modelo, a relevância passa a ser a propriedade pragmática por excelência. No mesmo
período, é lançada a obra Relevance: communication and cognition de Sperber e Wilson (1986) que, diante dos
pressupostos de Grice, direcionam sua teoria de abordagem pragmática cognitiva para a compreensão dos
enunciados. Para estes autores, a relevância constitui-se como uma relação de equilíbrio entre efeitos cognitivos
e esforço de processamento no processo de interpretação.
60
Fazem parte do esquema cognitivo de um indivíduo os pensamentos, crenças intermediárias e crenças centrais.
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Em 2014, o autor passou a distinguir processos de autoconciliação, nos quais o próprio


indivíduo monitora a consecução de suas metas, de processos de heteroconciliação, quando se
faz necessário conciliar colaborativamente metas em comum, justificando uma conexão direta
com a noção de empirismo colaborativo previsto pela terapia cognitiva.
Três pesquisas recentes, Luciano (2014), Cardoso (2015) e Vieira (2015), reforçam a
pertinência da teoria de conciliação de metas. Em comum, estes trabalhos exploram a
arquitetura descritiva e explicativa da teoria para discutir aspectos abdutivos/dedutivos em
processos cognitivos envolvidos nas interações comunicativas correspondentes aos seus
objetos de estudo.
A dissertação de Luciano (2014) utiliza a teoria de conciliação de metas como
alternativa de descrição e explicação de um exemplo apresentado por Wilson (2004) na lição
3 de seu curso Pragmatic Theory, no qual a autora ilustra, corretamente, a noção de efeitos
cognitivos e custos de processamento. No exemplo, uma pessoa propõe-se a ir a uma
conferência de ônibus. Quando a pessoa chega ao ponto e vê o ônibus se aproximando, ela
conclui que irá à conferência num primeiro caso; e, num segundo caso, ela conclui que não irá
à conferência quando chega ao ponto e o vê partindo. Todavia, como argumenta Luciano,
falta conexão com a realidade ao exemplo, uma vez que as pessoas em geral não desistem de
suas metas ao detectar um primeiro revés. Luciano (2014, p. 65) adota a seguinte perspectiva
para o exemplo:

Se participar da conferência é uma meta, então pegar o ônibus é apenas uma maneira
de alcançá-la. Assim sendo, se algo impedir o embarque ou se algo impedir que a
meta seja alcançada mesmo com a consecução do embarque, o indivíduo tende a
buscar alternativas para solucionar esses impasses.

No que tange às metas, defenderemos que elas são condutoras da relação entre efeitos
cognitivos positivos e esforço de processamento. São as metas que fazem com que o
indivíduo se disponha a despender, a priori, um maior esforço de processamento. Do mesmo
modo, proporemos que as metas guiam o processo de seleção de premissas.
Cardoso (2015), por sua vez, partiu de suas inquietações enquanto professora e
pesquisadora frente à relação entre o processo comunicativo e a aprendizagem de matemática
em sala de aula. Para tanto, construiu em sua tese uma interface entre a teoria da relevância, a
teoria de conciliação de metas e a perspectiva semiótica de Duval para o ensino e a
aprendizagem de matemática. Para Cardoso (2015, p. 21) “a presunção de uma resposta
correta para as questões de matemática em sala de aula é um exemplo trivial de ascendência
da meta sobre as premissas”. Cardoso (2015, p. 159) argumenta que

a noção de conciliação de metas superordena a noção de relevância cognitiva que,


por sua vez, super ordena a identificação de unidades significativas, os tratamentos e
as conversões de diferentes registros de representação semiótica na resolução de
qualquer demanda em Matemática.

Vieira (2015), por fim, discutiu conflitos entre usuários e desenvolvedores em sua
tese, gerados por soluções informatizadas que não atendiam às expectativas dos usuários. Para
isto, a autora destacou processos cognitivos que antecedem as etapas dedutivas descritas na
teoria da relevância. No caso utilizado para ilustrar um conflito, argumentou que usuários e
desenvolvedores são movidos por metas, e o conflito emerge justamente por uma
representação equivocada da meta final do usuário pelo desenvolvedor. Para a autora, “os
resultados sugerem que a ausência de esclarecimentos na fase de levantamento e análise de
requisitos gera uma representação equivocada da meta final do usuário pelo desenvolvedor”
(2015, p. 160).
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Estes três estudos corroboram o potencial de descrição e explicação da teoria da


conciliação de metas e, possibilitam sustentar a construção desta interface com a terapia
cognitiva e as teorias pragmáticas da comunicação. No espaço de interseção destas três áreas
buscamos a descrição e explicação dos processos de avaliação e modificação colaborativa de
pensamentos e crenças, por meio das interações comunicativas entre terapeuta e paciente em
sessões terapêuticas.

3 Ilustrando a modelação

Para ilustrar a interface que estamos propondo, estabelecemos como corpus os


registros verbais da relação psicoterapêutica, extraído do livro Terapia Cognitiva: teoria e
prática 61, de Judith S. Beck (2013) 62. Em específico, elegemos como recorte um extrato de
um diálogo da interação entre terapeuta e paciente.
A primeira etapa da análise consistiu de uma análise descritiva e explanatória de
processos ostensivo-inferenciais da interação entre terapeuta e paciente, com base na teoria da
relevância, feita a partir de quatro versões. Na versão (a), apresentam-se os elementos
linguísticos dos enunciados; na versão (b), descreve-se a forma lógica de acordo com o
modelo convencionado por Rauen (2008); na versão (c), apresenta-se o preenchimento das
entradas lógicas, de forma a compor a explicatura; na versão (d), acrescenta-se uma
explicatura expandida da descrição, englobando atos de fala. Desta forma, as lacunas nos
enunciados vão sendo preenchidas à medida que as versões forem realizadas.
A segunda etapa da análise seguiu a modelação proativa de metas de Rauen (2013,
2014) desenvolvida em quatro estágios. No estágio [1], apresenta-se a emergência de uma
meta; no estágio [2], a formulação de pelo menos uma hipótese abdutiva (categórica,
bicondicional, condicional, habilitadora ou tautológica) de solução; no estágio [3], a execução
da ação; no estágio [4], a conciliação dos resultados desta ação com a meta inicial. Nesta
quarta etapa foram observados processos de autoconciliação, quando o próprio indivíduo
(terapeuta ou paciente) monitora a consecução de suas metas, dos processos de
heteroconciliação, quando terapeuta e paciente conciliam colaborativamente metas em
comum, sendo imprescindíveis os processos comunicacionais.
Conforme descrição feita por Beck, J. S., (2013) sobre a estrutura de uma sessão
padrão, o início é marcado pelo estabelecimento da aliança terapêutica, a checagem do humor,
o breve relato das experiências e sintomas do paciente durante a semana que passou, a
listagem dos problemas que o paciente mais deseja ajuda para resolver, a verificação dos
exercícios de casa ou plano de ação. O transcorrer da sessão segue com a discussão de um
problema específico colocado em pauta pelo paciente, conceituando cognitivamente as
dificuldades e planejando colaborativamente uma estratégia. Feito isto, volta-se para a lista
elencada de problemas e repete-se o processo. Os pontos importantes da sessão são revisados
ao final, momento este em que o terapeuta também deve assegurar-se de que o paciente

61
A primeira edição do livro em português foi lançada em 1997. A segunda edição revisada deste livro foi
lançada em 2013. A seleção deste manual se deve por ser considerado um clássico na literatura científica do
campo da terapia cognitiva, destinado à formação e a atualização de estudantes, professores e terapeutas, e
também por trazer um caso no qual a própria autora atuou como terapeuta.
62
Judith S. Beck é uma psicóloga americana reconhecida internacionalmente por sua atuação na Terapia
Cognitiva comportamental. Seu pai, Aaron T. Beck, é considerado o fundador da terapia cognitiva, com quem
ela teve oportunidade de trabalhar e se desenvolver como terapeuta. Atualmente, Judith Beck é presidente
do Beck Institute for Cognitive Therapy and Research. Judith Beck atua como professora adjunta de psicologia
na Universidade da Pensilvânia e como consultora em diversas pesquisas do NIMH (National Institute of Mental
Health) (BECK INSTITUTE, 2015).
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compreendeu as estratégias definidas e, provavelmente, terá condições de desenvolver o


exercício de casa prescrito. Diante disto, solicita-se o feedeback do paciente sobre a sessão 63.
Como pontuado nesta descrição geral de uma sessão, a interação paciente/terapeuta é
complexa. Entre outras razões, isto se deve ao fato de que terapeuta e paciente têm metas
especificas próprias à sua posição e, somente ao interagirem, constroem um espaço de
intersecção. É neste espaço que se dá à negociação dos propósitos do processo terapêutico,
sendo que terapeuta e paciente devem traçar, proativamente, metas para a terapia e para o
próprio paciente, pautadas no empirismo colaborativo.
Destaca-se, porém, que esta interação comunicativa não é uma conversa natural, mas
uma interação guiada pelos princípios teóricos da terapia. As inferências ocorrem tanto como
algo intrínseco do processo comunicacional entre estes atores, quanto como um aspecto
essencial da busca dos sentidos dos pensamentos e crenças disfuncionais e,
consequentemente, da compreensão do esquema cognitivo do indivíduo (WAINER et al.,
2005b). Além disto, e fundamentalmente, processos inferenciais complexos estão envolvidos
na proposição de metas que são essenciais no processo terapêutico.
Para vislumbrarmos esta possibilidade de interfaces entre estas áreas, tome-se o caso
descrito no livro de Judith Beck, no qual o terapeuta discute um planejamento de atividades
com a paciente Sally. Segue-se um enunciado da paciente:

Paciente: Eu gostaria de passar mais tempo com as outras pessoas, mas parece que
não tenho nenhuma energia. (BECK, J. S., 2013, p. 103)

A análise dos enunciados é a que segue:

(1a) Forma linguística: Eu gostaria de passar mais tempo com as outras pessoas, mas
parece que não tenho nenhuma energia.
(1b) Forma lógica: (gostar x, y (passar, x) ∧ (parecer x ¬(ter x, y, γfinalidade).
(1c) explicatura: Eu [PACIENTE] gostaria de passar mais tempo com outras pessoas,
mas parece que ∅ [EU/PACIENTE] não tenho nenhuma energia ∅ [PARA A PACIENTE
PASSAR MAIS TEMPO COM OUTRAS PESSOAS].
(1d) Explicatura expandida: A PACIENTE AFIRMA/DESEJA QUE A PACIENTE GOSTARIA
DE PASSAR MAIS TEMPO COM AS OUTRAS PESSOAS E A PACIENTE AFIRMA QUE A
PACIENTE GOSTARIA DE PASSAR MAIS TEMPO COM AS OUTRAS PESSOAS, MAS PARECE
QUE A PACIENTE NÃO TEM NENHUMA ENERGIA PARA O PACIENTE PASSAR MAIS TEMPO
COM OUTRAS PESSOAS.

A explicatura expandida dos enunciados nos permite descrever o ato de fala de Sally,
ou seja, que Sally afirma que ela gostaria de passar mais tempo com as outras pessoas, mas
parece que a ela não tem nenhuma energia para fazer isto. Para o terapeuta, este enunciado
fornece uma ideia do que deve ser avaliado na terapia, pois tomá-lo como verdadeiro ou
categórico faz Sally resistir a mudanças.
Com base no aparato descritivo e explicativo da teoria da conciliação de metas, tendo
conhecido a dinâmica de uma sessão e os objetivos terapêuticos, é possível supor que o
próximo passo do terapeuta diante deste enunciado de Sally, é a meta de avaliar este
pensamento. Seguindo os estágios da teoria de conciliação de metas, a descrição poderia ser a
que segue. No primeiro estágio, a terapeuta formula a meta de propor testar este pensamento
disfuncional. No segundo estágio, a terapeuta abduz a melhor hipótese antefactual para atingir
esta meta com o menor custo de processamento possível. No terceiro estágio, a terapeuta
compartilha este plano com Sally a fim de heteroconciliá-lo, na expectativa de que a paciente

63
Conforme destaca Beck, J. S., (2013, p. 31) a ênfase no tratamento também depende do(s) transtorno(s)
específico(s) do paciente. “[...] A estrutura das sessões terapêuticas é bem parecida para os vários transtornos,
mas as intervenções podem variar consideravelmente de paciente para paciente”.
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assuma e execute o plano 64. No quarto e último estágio, ocorre a avaliação dos resultados
alcançados.
Assumindo, por exemplo, que a terapeuta pretende testar o pensamento automático de
Sally, ela pode sugerir à paciente que ela obtenha evidências contrárias de sua incapacidade
de se relacionar com pessoas. Para atingir esta submeta, ela também pode sugerir que Sally
jante com amigos. Admitindo que Sally execute a ação antecedente e jante com amigos, a
paciente acaba por obter evidências contrárias ao seu pensamento disfuncional, desafiando a
conexão tácita que este pensamento automático representa (enfraquecendo-o, portanto). Esta
trajetória pode ser vista na modelação a seguir:

[1] Q Testar pensamento automático, Sally


[2] P Q Obter evidências, Sally Testar pensamento automático, Sally
[3] O P Jantar com amigos, Sally Obter evidências, Sally
[4] O Sally janta com amigos
[5] P’ Sally obtém evidências
[6] Q’ Sally testa pensamento automático

Uma vez que Sally testa seu pensamento automático, ambos, paciente e terapeuta,
heteroconciliam a meta em comum na devolução dos resultados por meio de trocas
comunicacionais. Decorre do output do quarto estágio a autoconciliação de metas e a
confirmação de hipóteses. Além disto, no que se refere aos efeitos cognitivos, observa-se que
na conciliação ativa, Sally atinge a meta Q e tem uma evidência de confirmação da hipótese
Ha funcional alternativa, que vai sendo progressivamente fortalecida e estocada como um
esquema de crenças na sua memória enciclopédica.
No exemplo, a utilização de técnicas cognitivas e comportamentais é uma forma de
ampliar o ambiente cognitivo pela construção de hipóteses abdutivas, tanto ao trazer uma
suposição nova, como ao reapresentar uma mesma suposição combinando com novas
evidências. Isto permite questionar os pensamentos automáticos disfuncionais bem como as
crenças que os fundamentam. As técnicas serão relevantes, se formuladas em um ambiente
cognitivo mútuo e, consequentemente, apresentarem algum efeito contextual, levando à
alteração destes pensamentos e, por decorrência, à alteração das crenças.
Na versão exitosa do caso ilustrado neste estudo, o sucesso em obter evidências de que
Sally tem energia permitiu à paciente testar seu pensamento automático. Isto sugere que a
paciente partiria de uma hipótese factual categórica disfuncional de que não tem energia para
passar tempo com as pessoas e chegaria a versões mais flexíveis desta hipótese, na proporção
em que, inversamente, os repetidos sucessos reforçariam a modificação destes tipos de
pensamentos, consequentemente, chegando a crenças mais adequadas.
Posto isto, considerar a pertinência dos conceitos de auto e heteroconciliação de metas
pode esclarecer aspectos importantes desta relação terapêutica, especialmente porque ela deve
ser estabelecida por empirismo colaborativo, ou seja, por um processo pelo qual paciente e
terapeuta, cada qual com seus conhecimentos, compartilham todas as tomadas de decisão,
para juntos resolver problemas e atingir os propósitos traçados. Além disto, a interface
possibilita uma descrição e explicação mais objetiva dos raciocínios desenvolvidos pelo
terapeuta e paciente e, assim, elaborar melhores avaliações para os casos. E, por fim, a
interface sugere outra perspectiva descritiva e explicativa de como ocorre o processo
cognitivo de modificação de crenças disfuncionais.

64
No início da intervenção psicoterapêutica, o terapeuta é mais ativo na proposição de intervenções e no
direcionamento de todo o processo, mas isto muda à medida que o paciente começa a compreender e a
desenvolver habilidades necessárias para a resolução de seus problemas, de forma que é ele quem passa a propor
os encaminhamentos e a definição de objetivos.
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Submetido em 20/02/16
Aceito em 15/04/16
Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
2017•13(1)•pp.12-19 Comunicações breves |Short communications
Raquel Ávila Kepler Alves 1
Fernanda de Oliveira Paveltchuk 2
Alterando Crenças Centrais: Um Relato de
Marcele Regine de Carvalho 3 Caso de Homofobia Internalizada
Eliane Mary de Oliveira Falcone 4
Changing One’s Core Belief: A Case Report of
Internalized Homophobia
Resumo
Gays, lésbicas e bissexuais (GLB) estão propensos a sofrer estresse relacionado à
estigmatização, o que os torna grupo com grande chance de desenvolver transtornos
como depressão e ansiedade. Este relato de caso objetiva apresentar o trabalho clínico
desenvolvido com um paciente do sexo masculino, 33 anos, solteiro, sorologia positiva,
estudante universitário e residente na cidade do Rio de Janeiro, que buscou atendimento
psicológico para assumir sua homossexualidade. Para avaliação e intervenção foram
utilizados os instrumentos: entrevista clínica; Inventário Beck de Depressão (BDI);
Inventário Beck de Ansiedade (BAI). Foram realizadas até o momento 25 sessões de
abordagem cognitivo-comportamental e o procedimento incluiu avaliação inicial,
intervenção e feedback. Foram utilizadas estratégias e técnicas como registro
de pensamentos disfuncionais, reestruturação cognitiva, previsão e resolução de
problemas, dramatização e ampliação da rede de apoio familiar e social. Os resultados
indicam diminuição significativa das queixas, aumento da autoestima, diminuição das
estratégias de hipervigilância e evitação, enfraquecimento das crenças disfuncionais e
fortalecimento de novas crenças funcionais, adoção de um estilo de vida mais saudável
e revelação da sexualidade em diferentes contextos sociais. Verificou-se que a TCC
apresentou impacto positivo no processo de aceitação da homossexualidade.
Palavras-chave: Terapia cognitivo-comportamental; aceitação da sexualidade; homofobia
1
Graduação - (Psicóloga) - Rio de Janeiro - RJ internalizada.
- Brasil.
2

3
Graduação - (Estudante de Psicologia).
Pós-Doutorado - (Professora Adjunta do Insti-
Abstract
tuto de Psicologia (IP) da Universidade Federal Gay, lesbian, and bisexual (LGB) populations are more likely to suffer from a specific
do Rio de Janeiro (UFRJ).
4
Pós-Doutorado - (Professora associada do
kind of stress related to stigmatization. Therefore, LGB people are at increased risk of
Instituto de Psicologia e docente do Programa developing depression and anxiety disorders. This paper intends to illustrate the clin-
de Pós-Graduação em Psicologia Social da Uni- ical approach with a 33 year-old single gay man, HIV+, college student, living in Rio
versidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
de Janeiro. The client looked for therapy in an attempt to reveal his homosexuality to
Correspondência: others. For evaluation and intervention purposes, the following instruments were uti-
Raquel Ávila Kepler Alves.
Instituição: Instituto de Psiquiatria da
lized: initial interview; Beck Depression Inventory (BDI); Beck Anxiety Inventory (BAI).
Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB\ There were offered 25 weekly sessions, including initial evaluation, intervention and
UFRJ) feedback sessions, as well as strategies like record of dysfunctional thoughts, cognitive
Rua Serra do Inajá, Nº. 162. Jd. Bandeirantes
Londrina, Paraná/PR. restructuring, problem solving, role playing and increasing of familiar and social sup-
CEP: 86.065-550. port. Results showed the client presented significative decrease of self-hatred (as well
E-mail: raquelkepler@gmail.com
as more self-worth) and less use of hypervigilance and avoidance strategies. Besides,
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema dysfunctional beliefs were weakened as new, more functional beliefs were developed.
de Gestão de Publicações) da RBTC em 03 de The client also adopted a healthier life style and revealed his sexuality to different social
fevereiro de 2016. cod. 412.
Artigo aceito em 03 de Março de 2018. contexts. In conclusion, CBT claims positive impact on the client’s process of self accep-
tance towards his sexuality.
DOI: 10.5935/1808-5687.20170004 Keywords: Cognitive behavioral therapy; sexuality acceptance; Internalized Homophobia.

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INTRODUÇÃO de Minorias (EM; Meyer, 2003) é uma forma de compreender


as condições individuais e do meio vividas por pessoas LGB,
Minorias sexuais sofrem estresse relacionado à estig- tais como atos de violência sofridos, ocultação da sexualida-
matização, o que os torna um grupo com maiores chances de de, construção de identidade LGB, homofobia internalizada,
desenvolver transtornos psiquiátricos (Cochran & Mays, 2000; dentre outros.
Cochran, Sullivan, & Mays, 2003; Gilman et al., 2001). Além O modelo do EM permite investigar a forma como estas
disso, exposições frequentes a experiências preconceituosas condições estão associadas a saúde mental de gays, lésbicas
também pode acarretar o desenvolvimento de quadros clíni- e bissexuais. Para tanto, supõe três tipos de estressores: expe-
cos, tais como: transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), riências de violência verbal ou física cunhadas por preconceito
depressão, abuso de substâncias e transtornos de ansiedade em relação à orientação sexual de uma pessoa; ideias aversi-
(Martell, Safren, & Prince, 2004). vas de um indivíduo LGB acerca de sua própria sexualidade;
Lésbicas, gays e bissexuais (LGB), no período da e ocultação da identidade sexual (Meyer, 2003). A homofobia
adolescência e na fase adulta, apresentam altos níveis de internalizada é considerada um dos estressores da teoria do
abuso de substâncias, suicídio, problemas familiares e esco- EM (Meyer, 2003), e pode ser definida como a internalização
lares (Abelson, Lambevski, Crawford, Bartos, & Kippax, 2006; do estigma atrelado à homossexualidade (Frost & Meyer,
Corliss, Rosario, Wypij, Fisher, & Austin, 2008; Cox, Van den 2009). Portanto, a homofobia internalizada está associada a
Berghe, Dewaele & Vincke, 2008; Marshal, Friedman, Stall, & um autoconceito negativo decorrente da condição de minoria
Thompson, 2009; Silverschanz, Cortina, Konik, & Magley, 2008; sexual e intrinsecamente relacionado a ela crenças do tipo: “sou
Swim, Johnston, & Pearson, 2009; Szymanski, 2009). Tal quadro anormal por ser gay” ou “tenho um defeito por não ser hétero”
se mantém desfavorável para a população de homens gays (Pachankis et al., 2015). Além disso, o modelo admite fatores
e bissexuais, uma vez que apresentam maiores chances de moduladores na ocorrência de prejuízos na saúde mental do
serem diagnosticados com depressão e transtorno de pânico indivíduo, a partir do estresse vivenciado. Os fatores podem
quando comparados com homens heterossexuais (Cochran ser de nível individual (relacionados ao próprio indivíduo, como
et al., 2003). Assim, o estresse relacionado à homofobia é fatores de personalidade, coping e autoaceitação), nível grupal
considerado pela literatura, uma das causas das problemáticas (dependentes de interação com o ambiente e os pares, como o
clínicas mais prevalentes em indivíduos LGB (Dunn, Gonzalez, apoio social), ou serem de ambos os níveis (como a resiliência)
Costa, Nardi & Iantaffi, 2014; Safren et al., 2001). (Meyer, 2003). Altos níveis de resiliência estão relacionados à
Estressores afetam o equilíbrio e podem estimular elevados níveis de autoaceitação e baixos níveis de homofobia
condições promotoras de mudanças. Um estressor implica em internalizada, o que indica menor índice de EM e maior conforto
mudanças de adaptação para com a nova realidade. O estresse com a identidade sexual (Stuber, Meyer & Link, 2008).
pode ser proveniente do meio. Eventos e condições sociais, tais A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) oferece es-
como atos violentos decorrentes de preconceito e índices baixos tratégias para o tratamento de pacientes pertencentes a grupos
de apoio social, podem desencadear consequências negati- estigmatizados e para diversos quadros clínicos decorrentes
vas na saúde do indivíduo (Meyer, 2003). Assim,o impacto de do estresse de minorias cronificado (Balsam, Martell, & Safren,
estressores sociais, como estigma e discriminação, provocam 2006). A TCC pressupõe que são as interpretações sobre os
forte estigmatização, pois produzem mudanças que exigem fatos, mais do que os fatos em si, que fazem as pessoas se
adaptação por parte de indivíduos pertencentes a minorias sentirem ou se comportarem de determinada maneira (Beck,
sociais (Allison, 1998; Barnett, Biener, & Baruch, 1987; Clark, 1997; Pereira & Rangé, 2011). As cognições podem ter três
Anderson, Clark, & Williams, 1999; Meyer, 1995; Mirowsky & níveis: pensamentos automáticos (interpretações imediatas
Ross, 1989; Pearlin, 1999b). Entende-se por estigma ideias e superficiais ligadas às situações); crenças intermediárias
prontas e enraizadas sobre algo, de cunho negativo, associadas (regras, atitudes e suposições do sujeito); e crenças centrais
a rotulações, estereótipos, separação, perda de status social e (entendimentos enraizados desenvolvidos pelas pessoas ao
discriminação (Link & Phelan, 2001). Já a estigmatização pode longo da vida, sobre si mesmas, os outros e o mundo) (Beck,
funcionar como modulador do desenvolvimento de crenças 1997; Wright, Basco, & Thase, 2008). O modelo cognitivo afirma
disfuncionais pois, além das situações de discriminação serem que a modificação das cognições traz a modificação de emo-
decorrentes dela, a pessoa LGB tende a antecipar as possíveis ções e comportamentos (Beck, 1997; Pereira & Rangé, 2011).
reações de preconceito por parte da sociedade. Por sua vez, a Portanto, identificar e modificar crenças disfuncionais significa
antecipação desencadeia a reação de estresse, contribuindo possibilitar também a modificação de reações comportamentais
para a vulnerabilidade do indivíduo, independente se a previsão e emocionais decorrentes da ativação de tais crenças (Pereira
de violência ocorreu de fato ou não (Stuber, Meyer, & Link, & Rangé, 2011). A partir da identificação e da reestruturação
2008). Pessoas que fazem parte de grupos estigmatizados de crenças disfuncionais, é possível modificar emoções e com-
têm contato com estressores específicos, além do contato portamentos; neste sentido, o tratamento de um quadro clínico
com os estressores cotidianos. Assim, o conceito de Estresse decorrente de EM pode ser iniciado a partir do monitoramento

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de pensamentos a fim de identificar as crenças disfuncionais medo de sofrer discriminação semelhante, evitava sair de casa
que podem estar relacionadas à homofobia internalizada (Pa- para não correr o risco de ser rejeitado. Devido a isso, possuía
chankis, Hatzenbuehler, Rendina, Safren, & Parsons, 2015). poucas amizades e desenvolveu alto padrão de desconfiança
O tratamento, então, começaria por esse ponto: se o paciente das intenções das pessoas em geral. Aos 13 anos sofreu abu-
afirma “sou defeituoso porque sou gay”, por exemplo, entende- so sexual de um conhecido da vizinhança. Anos mais tarde
-se que ele tem um alto grau de homofobia internalizada e descobriu que era portador do HIV, tendo contraído o vírus no
que, obviamente, sua saúde mental está mais comprometida episódio do abuso, já que não havia tido outra relação sexual
do que a de alguém que não alimenta as mesmas crenças a desde então, não tinha histórico de realização de transfusão
respeito de si mesmo. de sangue ou compartilhamento de siringas.
O objetivo do presente estudo é ilustrar o tratamento, Contou que cresceu em um ambiente familiar agradável,
sob a perspectiva da TCC, de um paciente gay com forte fraude de família evangélica, cuja estrutura familiar era comporta de
homofobia internalizada e em privação de apoio familiar, no pai, mãe e duas irmãs. Os pais possuíam crenças acerca do
contexto do EM. comportamento e interesses das pessoas, onde a crianção
dos meninos deveria ser diferente da das meninas. Os pais
Descrição do caso clínico demonstravam pouco afeto, sendo o pai uma pessoa distante,
Paciente do sexo masculino, 33 anos, solteiro, de origem passando pouco tempo em casa. Contou que os pais não davam
familiar evangélica, homossexual não assumido para a comuni- apoio para qualquer resolução de problemas, não conversavam
dade, estudante universitário e residente no Rio de Janeiro-RJ, (especialmente a mãe), e que o suporte que recebia nos estu-
procurou atendimento em agosto de 2014 com queixas que dos era de uma mentora da escola. Ainda segundo o paciente,
incluíam: tristeza, choro frequente, ansiedade, dificuldade de os pais comentavam que por ele ser homem não precisava de
regulação emocional, pensamento acelerado, distanciamento amparo. Também era repreendido na sua forma de falar pela
social e carência. Relatou sofrimento em decorrência de trau- mãe e pelos parentes. Relatou que desde a infância ouvia co-
ma por abuso sexual sofrido aos 13 anos, onde adquiriu HIV. mentários discriminatórios dos parentes em geral a pessoas
Além disso, estava há cerca de 4 meses sem recorrer ao uso homossexuais, o que aumentava o seu medo de ser rejeitado.
de entorpecentes, pois informara que eventualmente fazia uso Após falar para a sua família nuclear que era gay, percebeu
de cocaína para alívio emocional, embora compreendesse os mudança de postura por parte da mãe em relação a ele. Ela teria
efeitos prejudiciais. A procura pela terapia foi motivada pelo passado a ficar mais tempo fora de casa e não fazia nenhuma
desejo de assumir sua homossexualidade e, em segundo tarefa doméstica para o filho, o que não acontecia com as outras
plano, trabalhar com os conflitos familiares decorrentes dela. irmãs. Além disso, tornaram-se constantes os conflitos verbais
O atendimento foi iniciado em março de 2015. onde ela afirmava que “ele era uma vergonha”, “indigno de receber
Em relação aos dados relevantes de desenvolvimento, as bênçãos de Deus”, “que as pessoas comentavam sobre o seu
se definiu como uma criança ansiosa e reservada. Demonstrou comportamento”, dentre outros. Na esperança de sanar essa situa-
interesse por atividades que envolviam o universo artístico, ção, passou a se relacionar com mulheres, adotando uma conduta
como observação e construção de formas geométricas e heterossexual, além de fazer coisas que agradavam os padrões
corporais, pintura e desenho, distanciando-se de atividades ideais da sua família. Logo percebeu que a mãe e uma das irmãs
comumente relacionadas às preferências masculinas como voltaram a tratá-lo melhor. Porém, não conseguiu sustentar essa
futebol e brincadeiras de lutas. Aos sete anos de idade possuía situação e voltou atrás, afirmando a sua homossexualidade. Em
muitas questões sobre a sexualidade. Contou que nesta fase resposta, sua família tornou a rejeitá-lo e os conflitos recomeçaram.
já se sentia atraído fisicamente pelos meninos, conhecia o Por outro lado, o pai buscou se aproximar e ser presente na vida
conceito de homossexualidade e se questionava se algum se do filho durante os três meses seguintes, até que veio a falecer
interessaria por meninas. Tais pensamentos e a atração por por conta de uma cirrose hepática contraída após anos de uso de
pessoas do mesmo sexo lhe geravam ansiedade, acarretando bebida alcoólica. Após a receptividade negativa e vários episódios
em constante estado de alerta, pois se percebia diferente dos conflituosos, o paciente passou a se distanciar dos familiares em
outros meninos, tanto pelos gostos pessoais quanto pelas geral por temer ser rejeitado, como também se intensificou a estra-
questões sexuais. Para amenizar as chances de ser visto como tégia de hipervigilância para qualquer contexto social, limitando o
diferente, mesmo sem gostar, eventualmente jogava bola ou desenvolvimento de relacionamentos amorosos, aprofundamento
participava de brincadeiras com os meninos do bairro. de amizades e ampliação de novos laços sociais.
Sofreu bullying por um grupo de colegas no início da
adolescência devido as suas preferências pessoais de passa-
Instrumentos
tempo. Na tentativa de evitar o bullying, mudava a rota do ca- Para avaliação e intervenção foram utilizados os se-
minho sempre que percebia a aproximação do grupo, as vezes guintes instrumentos: Entrevista semidirigida; Inventário Beck
sem sucesso. Além disso, presenciava forte disciminação da de Depressão (Beck Depression Inventory - BDI); Inventário
comunidade em geral a um amigo com traços afeminados. Com Beck de Ansiedade (Beck Anxiety Inventory - BAI).

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Procedimento RESULTADOS E DISCUSSÃO


O paciente procurou atendimento espontaneamente. As queixas iniciais do paciente durante o processo de
Paciente e terapeuta estabeleceram como principais metas avaliação foram tristeza, choro frequente, ansiedade, ´dificulda-
iniciais: saber lidar com a sexualidade e aprender a regular de de regulação emocional, pensamento acelerado, isolamento
as emoções. Até o momento, foram realizadas 25 sessões social e carência. Em virtude desses sintomas, o diagnóstico
psicoterápicas, com duração de 50 minutos semanais e o pa- de Depressão Maior, Transtorno de Ansiedade Generalizada e
ciente continua em acompanhamento. O procedimento incluiu Transtorno Bipolar foram considerados. Contudo, com a reali-
avaliação inicial, intervenção e feedback. Foram utilizadas estra- zação de entrevistas semiestruturadas para avaliar os critérios
tégias e técnicas como registro de pensamentos disfuncionais, diagnósticos de cada transtorno, o paciente não preencheu
reestruturação cognitiva, previsão e resolução de problemas e critério para nenhum deles. Além disso, o escore (1) obtido no
dramatização. O detalhamento das sessões terapêuticas está Inventário Beck de Depressão (BDI) não revelou prejuízos sig-
disposto na Tabela 1. nificativos para o paciente. O escore (16) obtido no Inventário

Tabela 1. Estrutura das sessões terapêuticas


Sessão Procedimento
1à4 Entrevista inicial; BAI; BDI; coleta de informações do histórico de vida;
verificação dos estados de humor; entrega e discussão da lista de dis-
torções cognitivas; estabelecimento de metas para a terapia: (1) assumir
sua sexualidade ao mesmo tempo que tenta manter o vínculo familiar e
(2) aprender a regular as emoções através de reestruturação cognitiva,
sem recorrer ao uso de ansiolíticos e entorpecentes.
5à6 Explicação do empirismo colaborativo; psicoeducação (ciclo de fun-
cionamento da ansiedade); Registro de Pensamento Disfuncional parcial
(RDPD); biblioterapia.
7 à 12 Revisão das tarefas de casa envolvendo: registro dos momentos em que
se percebe fazendo previsões do futuro e questionamentos acerca de si
(do tipo: “isso é normal?”), a fim de identificar e reestruturar distorções;
pensar e anotar outras possibilidades de se comunicar com a mãe com o
objetivo de mudança de padrão de comportamento; realização de ativi-
dades de lazer com parentes não homofóbicos com o intuito de estreitar
laços afetivos e aumentar o apoio social.

Reestruturação cognitiva e questionamento socrático para identifi-


cação de crenças desadaptativas; Registro de Pensamento Disfuncional
(RDPD); previsão e resolução de problemas: (1) delineamento de possi-
bilidades de se manter próximo à família sem negar sua sexualidade ou
se sentir inferior, (2) delineamento de formas de ser assertivo com a mãe
sem gerar atrito, (3) previsão de possíveis situações homofóbicas que
poderiam surgir e como o paciente poderia lidar com elas sem se sentir
inferior ou diferente; ampliação de rede de apoio familiar: identificação
e aproximação de parentes não homofóbicos; dramatização: utilizada
para demonstrar como o paciente apresentava comportamento am-
bíguo para terceiros em se tratando da sexualidade.
13 à 15 Reestruturação cognitiva e resolução de problemas; construção em
conjunto do diagrama de conceituação cognitiva: o objetivo foi de o
paciente compreender claramente o seu funcionamento cognitivo e as
origens do mesmo; feedback da terapia; lista de ganhos.
16 à 18 Coleta de informações a respeito da história de vida e das crenças en-
contradas no Ddagrama de conceitualização cognitiva.
18 à 25 Revisão das tarefas de casa envolvendo: Registro de pensamentos dis-
funcionais; realização de atividades com amigos a fim de promover am-
pliação e fortalecimento de círculo social; registro de evidências acerca
do pensamento de que o namorado não é confiável visando o mapea-
mento de dados de realidade relacionados ao pensamento ansiogênico.
Reestruturação cognitiva e resolução de problemas; discussão do
diagrama de conceitualização cognitiva: o objetivo foi entender quanto
o paciente ainda acreditava nas crenças apontadas e reestruturá-las caso
necessário; planejamento de interações sociais pontuais; investigação
e delineamento de novas questões, como insegurança frente ao novo
relacionamento amoroso.

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Beck de Ansiedade (BAI) apontou ansiedade moderada, que desadaptativas que contribuíram para a manutenção da crença
ficou evidente com as distorções cognitivas apresentadas pelo nuclear, resultando na perpetuação dos problemas.
paciente como, catastrofização, erro oracular e leitura mental. Em síntese, o paciente cresceu observando o precon-
Entretanto, a ansiedade apresentada era pontual e se referia ao ceito a homossexuais dentro da família e na comunidade em
temor de ser rejeitado ou discriminado pela comunidade em geral. que vivia, sendo que em certos momentos ele próprio sofria
A partir dos dados obtidos ao longo das sessões e dos bullying de colegas da vizinhança, mesmo sem assumir sua
registros de pensamentos realizados pelo paciente, foi possível orientação sexual. Diante da percepção de si como sendo
identificar seus pensamentos automáticos, as suposições condi- uma pessoa diferente, tendia a evitar situações e pessoas que
cionais e as estratégias utilizadas para lidar com os problemas. pudessem ser potenciais fontes de discriminação, bem como
A Figura 1 apresenta o diagrama de conceituação cognitiva, fazer comentários ou emitir opiniões próprias sobre assuntos
utilizado na terapia para identificar os diferentes níveis de com essa temática ou que pudessem levantar suspeitas. Além
crenças, bem como as emoções relacionadas e as estratégias disso, passou a prestar atenção no seu próprio comportamento

Figura 1. Diagrama de Conceituação Cognitiva.

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afim de evitar que outras pessoas percebessem que era ho- virtude das várias situações discriminatórias que o paciente
mossexual e não sofrer rejeição. sofreu por parte da família, tornou-se possível fortalecer a
As estratégias de evitação e hipervigilância se tornaram crença de que ele não precisava do apoio familiar para viver,
o principal mecanismo para que ele conseguisse se precaver uma vez que o mesmo estava conseguindo superar cada um
e se resguardar de situações potencialmente ameaçadoras. dos problemas surgidos, resultando no fortalecimento do senso
Entretanto, tais formas de lidar com a situação geravam preo- de independência e investimento na área financeira. Em contra-
cupações constantes sobre o que dizer, como se comportar, o partida, a partir do momento que começou a adotar estratégias
que os outros pensavam dele e como iriam agir se soubessem de distanciamento da família para melhorar a sua qualidade
da sua orientação sexual. Consequentemente, a preocupação de vida (resolução de problemas), a mãe e uma das irmãs
constante gerava níveis de ansiedade elevados que faziam com (rejeitadoras) passaram a se interessar positivamente pela
que catastrofizasse situações do cotidiano, e previsse o futuro vida do paciente, buscando aumentar o contato por telefone,
de modo negativo e distorcido. Em paralelo a isso, a hipervigi- mensagens e visitas, coisas que não aconteciam. Além disso,
lância em relação aos outros contribuía para a manutenção da a outra irmã se tornou uma importante fonte de apoio, fazendo
leitura mental e constante estado de alerta sobre aspectos do com que ele se sentisse acolhido e compreendido. O aumento
seu comportamento. Logo, apresentava dificuldade em confiar do interesse por parte da mãe ajudou a diminuir o sentimento
nas pessoas, reduzindo assim o seu círculo social, sua rede de que ele era rejeitado por ela e a fortalecer o pensamento
de apoio e aumentando as sensações de solidão e carência. de que a mãe poderia ter uma limitação em compreender a
Além disso, a leitura mental reforçava a crença de defectivi- orientação sexual do filho, em detrimento da ideia de que ele
dade, contribuindo para a manutenção do comportamento. era defeituoso.
Outra estratégia compensatória que também contribuía para Por fim, o paciente passou a adotar um estilo de vida
o fortalecimento da crença de defectividade era a busca por mais saudável, realizando atividade física frequentemente e
aceitação da sua sexualidade por pessoas preconceituosas se alimentando de forma balanceada com a orientação de
em detrimento das pessoas que o apoiavam. Nesse sentido, o nutricionista. Com a adoção dessas medidas, relatou estar
paciente buscava constante aproximação da mãe e de uma das se sentindo mais motivado, animado e relaxado. Como ganho
irmãs (homofóbicas), enquanto que a outra irmã (apoiadora) adicional, se sentiu fortalecido para passar por procedimentos
tinha pouca importância. médicos e reparos físicos decorrentes do abuso sexual, após
Por volta da sessão 15 foi constatada melhora signifi- 15 anos da violência.
cativa nos níveis cognitivo e comportamental. Em relação à Este trabalho buscou ilustrar o tratamento de um pacien-
cognição, foi iniciada a formulação de crenças adaptativas. te gay com forte frau de homofobia internalizada, no contexto
O paciente passou a questionar a crença de que “ser gay é do EM. De acordo com o modelo, indivíduos LGB tendem a
um problema”, “sou defeituoso”, e começou a fortalecer a nova apresentar piora na qualidade da saúde mental em decorrência
crença de que “a orientação homossexual não torna a pes- de estressores como: experiências de violência verbal ou física
soa defeituosa ou problemática”. Consequentemente, sentiu cunhadas por preconceito em relação à orientação sexual de
melhorar sua autoestima, ficando mais encorajado a assumir uma pessoa, ideias aversivas de um indivíduo LGB acerca de
sua sexualidade para amigos e parentes. Além disso, relatou sua própria sexualidade e ocultação da identidade sexual. No
no início da terapia que preferia fazer amizades com pessoas caso apresentado, o paciente desenvolveu crenças negativas
de orientação heterossexual, pois temia ser comparado a indi- acerca de si e da sua sexualidade após exposição a uma série
víduos gays extravagantes. A partir deste momento, passou a de situações envolvendo violencia verbal e física direcionadas
se sentir mais a vontade em fazer amizades independente da a indivíduos de orientação homossexua, e posterioemente a
orientação sexual do sujeito. O aumento da autoestima também ele próprio. O processo de ocultação da sua identidade sexual
influenciou na forma como enxergava os seus direitos como teve início ainda na infância, devido ao temor da possibilidade
cidadão, uma vez que começou a pesquisar sobre seus direitos de rejeição, culminando em forte grau de homofobia interna-
e deveres como portador de doença crônica. lizada. As consequências adquiridas estão de acordo com o
Outro ganho observado foi ter começado a se sentir mais que o modelo da EM propõe, onde o paciente apresentou grau
seguro no manejo das suas emoções, o que corresponde a uma moderado de ansiedade (nesse caso relacionado apenas ao
das metas iniciais da terapia. Como resultado, não precisou contexto de exposição da sua sexualidade), uso de entorpe-
recorrer ao uso de entorpecentes para se sentir bem emocio- centes, dificuldade no desenvolvimento de relações amorosas e
nalmente, mesmo nos momentos em que estava deprimido. na regulação emocional. O tratamento foi desenvolvido a partir
O paciente considerava importante ter o apoio familiar do monitoramento de pensamentos e crenças disfuncionais
em sua vida, principalmente o da mãe. Contudo, devido à difi- relacionados à homofobia internalizada.
culdade por parte dos seus familiares em aceitar sua orientação A partir do presente caso, foi possível exemplificar o
sexual, essa rede de suporte não existia. Consequentemente, modo como a TCC pode contribuir para o rompimento de pa-
acreditava que não seria capaz de sobreviver sozinho. Em drões cognitivos disfuncionais em um homem gay com altos

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níveis de homofobia internalizada. Para tanto, a compreensão Allison, K. W. (1998.) Stress and oppressed social category membership. In
das condições e especificidades vivenciadas por pessoas J.K. Swim, & C. Stangor (editors). Prejudice: The target’s perspective
(pp. 145-170). San Diego, CA: Academic Press.
LGB pode contribuir para o entendimento dos mecanismos de
construção de crenças centrais disfuncionais e do autoconceito Balsam, K. F., Martell, C. R., & Safren, S. A. (2006). Lesbian, gay, and
negativo relatado pelo paciente ao buscar terapia. Experiên- bisexual affirmative cognitive-behavioral therapy. In P. A. Hays &
G. Y. Iwamasa (Editors.). Culturally responsive cognitive-behavioral
cias de vida impactam os filtros interpretativos pelos quais as therapy: Assessment, practice, and supervision (pp. 223-243). Wa-
pessoas percebem a elas mesmas e ao mundo (Beck, 1997). shington, DC: American Psychological Association Press.
Ao fazer parte de uma minoria, experiências associadas aos
Barnett, R. C., Biener, L., Baruch, G. K. (1987). Gender and stress. New
mecanismos do preconceito podem funcionar sistematicamente York: Free Press.
como estressores: estas experiências podem, também, estar
Borges, K. (2012). Terapia afirmativa: uma introdução à Psicologia e
associadas às crenças centrais de pessoas LGB (Pachankis et à Psicoterapia Dirigida a Gays, Lésbicas e Bissexuais. São Paulo:
al., 2015). Assim, a TCC pode funcionar como uma ferramenta Edições GLS.
importante na construção de um novo autoconceito e na quebra
Beck, J. (1997). Terapia Cognitiva: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed.
dos padrões cognitivos prejudiciais, oferecendo estratégias de
coping e fortalecendo uma postura empoderada por parte do Clark R., Anderson N. B., Clark V. R., & Williams D. R. (1999). Racism as a
stressor for African Americans: A biopsychosocial model. American
paciente ao permitir o desenvolvimento de novas crenças e a Psychologist 54 (10), 805–816.
dissolução gradual da homofobia internalizada.
Cochran, S. D., & Mays, V. M. (2000). Relation between psychiatric syndro-
mes and behaviorally defined sexual orientation in a sample of the
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Cochran, S. D., Sullivan, J. G., & Mays, V. M. (2003). Prevalence of mental
De modo satisfatório, o paciente alcançou a meta de
disorders, psychological distress, and mental health services use
regulação emocional, onde desenvolveu novas estratégias mais among lesbian, gay, and bisexual adults in the United States. Journal
eficazes para o manejo das emoções, e segue no processo de of consulting and clinical psychology, 71(1), 53-61.
assumir a sua orientação sexual à sociedade. Conselho Federal de Psicologia. (1999). Resolução 01/99. Recuperado
Além disso, ganhos adicionais foram adquiridos, como de http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/1999/03/resolu-
a busca pelos diretos sociais, a melhoria da qualidade de vida cao1999_1.pdf
por meio de atividades esportivas, o que contribuiu para o maior Corliss, H. L., Rosario, M., Wypij, D., Fisher, L. B., & Austin, S. (2008). Sexual
engajamento do paciente no processo terapêutico. Neste sentido, orientation disparities in longitudinal alcohol use patterns among
os resultados obtidos estão de acordo com a literatura (Balsam, adolescents: Findings from the Growing Up Today Study. Archives of
Martell, & Safren, 2006; Martell, Safren, & Prince, 2004), pois Pediatrics & Adolescent Medicine, 162 (11), 1071–1078.
indicam que os altos níveis de resiliência estão relacionados à Cox, N., Vanden Berghe, W., Dewaele, A., & Vincke, J. (2009). General and
elevados níveis de autoaceitação e baixos níveis de homofobia minority stress in an LGB population in Flanders. Journal of LGBT
Health Research, 4 (4), 181–194.
internalizada. Ao aceitar sua homossexualidade e diminuir a ho-
mofobia internalizada, o paciente reduziu sintomas depressivos, de Graaf, R., Sandfort, T. G. M., & ten Have, M. (2006). Suicidality and
confirmando a relação entre mudanças de crenças nucleares sexual orientation: Differences between men and women in a general
population-based sample from the Netherlands. Archives of Sexual
e redução do quadro de depressão. Além disso, desenvolveu Behavior, 35 (3), 253–262.
assertividade para revelar sua identidade sexual a seus pares.
Dunn, T. L., Gonzalez, C. A., Costa, A. B., Nardi, H. C., & Iantaffi, A. (2014).
O presente estudo abordou, a partir da TCC, a proble-
Does the Minority Stress Model Generalize to a Non-US Sample?
mática do EM sob a população LGB, utilizando como base o An Examination of Minority Stress and Resilience on Depressive
desenvolvimento de crenças nucleares e de desfechos nega- Symptomatology Among Sexual Minority Men in Two Urban Areas
tivos em relação à saúde mental do grupo, com o objetivo de of Brazil. Psychology of Sexual Orientation and Gender Diversity,
1(2), 117-131.
proporcionar tratamentos de maior qualidade e excelência aos
pacientes que façam parte de grupos minoritários. Neste sen- Friedman, M. S., Marshal, M. P., Stall, R., Cheong, J., & Wright, E. R. (2008).
tido, novas pesquisas relacionando o estresse social e a TCC Gay-related development, early abuse and adult health outcomes
among gay males. AIDS and Behavior, 12 (6), 891–902.
devem ser realizadas para que este campo de estudo possa
se desenvolver de forma a potencializar os efeitos da terapia, Frost, D. M., & Meyer, I. H. (2009). Internalized homophobia and rela-
tionship quality among lesbians, gay men, and bisexuals. Journal
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19
ESTUDO DE CASO PSICOTERAPIA COGNITIVO-
COMPORTAMENTAL
Publicado em 15 de March de 2009 por Carolina Veras

DESCRIÇÃO DO CASO

Joaozinho (nome fictício), paciente de 11 anos, irá completar 12 no próximo mês,em abril, classe média alta,
iniciou a terapia cognitivo comportamental em outubro / 2007.

Seus pais vieram na primeira consulta para conversar sobre o filho. Relataram que Joaozinho é uma criança
dócil, responsável,educada e carinhosa.

Joãozinho tem um bom desempenho escolar, é jogador de futebol do Flamengo (fictício) (federado), tem
muitos amigos, apresenta uma boa relação com sua família, amigos e professores. Nos momentos
vagos, Joaozinho procura sempre ir a praia com seus pais, jogar videogame e futebol com os amigos. Não
apresenta traços de agressividade. Joaozinho completou todas as suas etapas de desenvolvimento dentro
dos limites normais de idade. Os pais também relataram que Joaozinho parece ter mais intimidade e
liberdade com sua mãe do que com o pai, se sentindo mais à vontade para falar sobre suas notas escolares,
o desempenho no futebol e até mesmo para pedir para comprar alguma coisa, coisa que com o
pai, Joaozinho não faz. Sempre foi muito comparado com a figura do seu pai pelas pessoas, inclusive pelo
próprio pai, que relata o tempo todo que o filho se parece muito com ele em todos os aspectos.
O pai também trabalha no Flamengo e é muito bem sucedido profissionalmente. A mãe disse que há algum
tempo vem observando que Joaozinho tem demonstrado uma certa ansiedade quando seu pai assiste seus
treinos no futebol, com receio de não ter um bom desempenho e decepcionar o pai. Além disso,
quando Joaozinho tira uma nota 6.0, por exemplo, chora, dizendo que deveria ter tirado uma nota mais alta e
fica com medo de contar para o pai, mesmo sabendo que seu pai vai apóia -lo e ficar satisfeito com a nota
6,0. O pai nunca exerceu nenhum tipo de cobrança ou exigência em relação ao filho.

Os pais queixaram-se que Joaozinho apresenta ansiedade em determinadas situações, como evitar comprar
um remédio na farmácia, entrar numa loja para comprar roupa, pedir de volta dinheiro que emprestou aos
colegas da escola, dentre outras situações parecidas. O pai vem tentando modificar o comportamento
de Joaozinho nessas situações e comentou sobre o fato do filho falar muito "baixinho" com as pessoas e
olhando sempre para baixo.

Os pais decidiram procurar o tratamento com o objetivo de melhorar a ansiedade social e promover uma
relação mais intima e aberta com o pai.

A relação familiar permite o acesso a informações bastante significativas possibilitando o terapeuta ter mais
informações sobre a criança, colocando o seu comportamento dentro de um contexto. A conceituação do
caso permite que o terapeuta possa observar os pensamentos automáticos, pressupostos subjacentes,
esquemas e distorções cognitivas.

CONCEITUAÇÃO COGNITIVA

VARIÁVEIS COGNITIVAS
Os pensamentos automáticos de Joaozinho incluem crenças como: "Eu preciso da aprovação do meu
pai","tenho sempre que tirar notas muito altas nas provas","Não posso ter um mal desempenho no jogo de
futebol", "as pessoas estão sempre reparando no tom da minha voz e me avaliando negativamente", "se eu
entrar numa loja pra comprar uma roupa, o vendedor vai achar que falo muito baixo", "preciso sempre fazer
tudo perfeito", "não posso falhar nunca", "tenho sempre que agradar meus amigos".
ANTECEDENTES COMPORTAMENTAIS E SUAS CONSEQUENCIAS

Desde pequeno, a família de Joaozinho sempre o comparou muito com o seu pai, tanto nos aspectos
relativos a personalidade, quanto na aparência física. Inclusive o pai freqüentemente fala que seu filho é ele
em "miniatura".O pai, desde criança sempre foi muito bom em matemática, alem de ser craque em futebol e
de alguma forma, Joaozinho se sentiu pressionado a ter um desempenho tão bom quanto o de seu pai,
tornando-se uma criança extremamente perfeccionista e exigente consigo mesmo. Suas distorções
cognitivas características incluem pensamentos de tudo ou nada, ou seja, dicotômico que podeser
observado quando Joaozinho fica extremamente insatisfeito quando tira 6,0 na prova, a catastrofização ,
prevendo que o pior irá acontecer,que a funcionária da farmácia não vai entender o que ele está
pedindo,devido ao seu tom de voz baixo, filtro negativo, no qual Joaozinho foca apenas nos aspectos
negativos da situação como "meu desempenho foi péssimo","quando meu pai está presente, eu jogo futebol
muito mal", leitura mental, quando Joaozinho prevê o que os outros estão pensando,"a vendedora da loja
está percebendo que estou com vergonha","meu pai deve estar achando que sou burro" .
HIPOTESE DIAGNÓSTICA: Ansiedade Social

CARACTERISTICAS DO QUADRO APRESENTADO: É importante ressaltar que as queixas relativas


a Joaozinho apresentada pelos pais sobre ansiedade social são relativamente comuns a faixa etária de uma
criança de 11 anos,pois são situações novas que estão sendo inseridas na vida da criança. Portanto é
normal sentir um certo nível de desconforto e ansiedade nessas ocasiões. Por outro lado, o fato
de Joaozinho ficar auto focado no seu desempenho e demonstrar preocupação em relação ao seu tom de
voz, achando que fala muito baixo e a dificuldade em manter contato visual, permite observar que existe a
presença de pensamentos disfuncionais.
Joaozinho apresenta medo de ser avaliado e não obter aprovação do seu comportamento social, o que o
leva a evitar determinadas situações sociais .
SINTOMAS

Critérios DSMIV
·Medo acentuado e persistente de uma ou mais situações sociais ou de desempenho, onde o individuo é
exposto a pessoas estranhas. O individuo tende a agir de um modo (ou mostrar sintomas de ansiedade) que
lhe seja humilhante e embaraçoso. EX: Joaozinho, ao comprar algo fica ruborizado, com vergonha e fala
muito baixo, evitando contato visual.
·As situações sociais ou de desempenho temidas são evitadas ou suportadas com extrema ansiedade ou
sofrimento. EX: Joaozinho não conta notas que ele considera baixas para seu pai; joga futebol mal na frente
de seu pai...

·A esquiva, antecipação ansiosa ou sofrimento na situação social ou de desempenho temida interferem


significativamente na rotina de,funcionamento ocupacional(escolar), atividades sociais ou relacionamentos
dos indivíduos. EX: Por ficar ansioso, Joaozinho evita conversar com seu pai sobre alguns assuntos, o que
dificulta a relação de ambos.

·Em indivíduos com menos de 18 anos ,a duração é de no mínimo 6 meses.EX: Os sintomas de Joaozinho já
dura 1 ano.

·O temor ou esquiva não se deve aos efeitos de uma substancia ou de uma condição medica geral nem é
explicado por outro transtorno mental.

ENTENDIMENTO DO CASO
Através de uma avaliação funcional dos comportamentos, pensamentos e sentimentos é possível ter acesso
ao entendimento do caso mais detalhadamente.
Observa-se que Joaozinho possui elevados padrões relativos a sua avaliação de desempenho social, além
de apresentar características extremamente perfeccionistas e auto cobrança exagerada, como por exemplo
exigir a perfeição do seu desempenho nos jogos de futebol,não admitindo falhas sob hipótese algumae
apenas ficar satisfeito se tirar notas acima de 8,0.

Joaozinho também apresenta uma avaliação negativa de seu desempenho social, ao achar que todas as
pessoas irão perceber que ele está nervoso, falando muito baixo e olhando para baixo.

Em função das características observadas em Joaozinho, pode-se observar padrões comportamentais de


evitação e reasseguramento. O reasseguramentopode ser identificado nos momentos que Joaozinho está na
aula de inglês e passa a ficar auto focado nas suas sensações corporais e no seu desempenho perante a
turma e a professora ,tentando controlar "sinais" que demonstrem sua ansiedade,como seu tom de voz e o
contato visual .Joaozinho também fica extremamente auto focado em suas sensações corporais ao andar de
elevador com outras pessoas, comprar um remédio na farmácia, comprar o lanche na cantina do colégio,
jogar futebol na frente do pai, dentre outras situações.
O padrão de pensamentos disfuncionais, como: "Estão percebendo que estou nervoso", "meu pai está vendo
que eu estou errando passes"; contribui para o excesso de atenção auto focada nas suas próprias
sensações (tom de voz,contato visual, coordenação motora.)

HIPÓTESES DE CRENÇAS CENTRAIS


"Eu sou incompetente"

"Precisoagradar"

CRENÇAS INTERMEDIÁRIAS
"Se eu jogar mal, meu pai vai achar que eu sou burro"
"Se eu mostrar essa nota pro meu pai ele vai achar que eu nao sou bom o suficiente"
"Se eu entrar na loja pra comprar alguma coisa, o vendedor vai achar que eu falo muito baixo"

PENSAMENTOS AUTOMÁTICOS
"Tenho sempre que tirar notas altas nas provas"
"Não posso jogar mal no futebol qundo meu pai estiver aqui"
"Não posso falhar nunca"

"Preciso fazer sempre tudo perfeito"


"As pessoas estão percebendo que eu estou nervoso"
" Preciso agradar meu pai"
COMPORTAMENTOS
Evitação de situações em que há avaliação do pai, Reasseguramento quando joga futebol na frente do pai
ou quando vai comprar algo.
PLANO DE INTERVENÇÃO

No caso de Joaozinho, hipotetizado como Ansiedade Social, foram utilizadas as seguintes técnicas durante o
tratamento l:

PSICOEDUCAÇÃO – Técnica que oferece a divulgação de informações sobre o transtorno em questão no


intuito de promover a educação sobre o mesmo.
ORIENTAÇÃO AOS PAIS – Indispensável em tratamentos com crianças e adolescentes. Os pais participam
ativamente do processo terapêutico, inclusive mudando seus próprios comportamentos e cognições para
uma melhor resposta na criança.
TREINAMENTO EM RELAXAMENTO COM BIOFEEDBACK – Tecnologia que permite o controle da
ansiedade através da respiração.
REESTRUTURAÇÃO COGNITIVA ATRAVES DO QUESTIONAMENTO SOCRATICO – Confrontação de
pensamentos possivelmente disfuncionais com o intuito de melhor adapta-los.
TREINAMENTO EM HABILIDADES SOCIAIS – Inúmeras técnicas para promover uma melhora em sua
interação interpessoal, possibilitando contato mais adaptativo e postura mais assertiva.
ROLE PLAY- Dramatização que permite ao paciente vivenciar situações ansiogênicas em consultório,
permitindo-lhe observar-se no lugar da outra pessoa, tendo assim uma visão mais crítica de suas
expressões, identificando pensamentos automáticos distorcidos e reestruturando-os em seguida.
EXPOSIÇÃO GRADUAL AO VIVO –Detalhada abaixo.
EXPOSIÇÃO GRADUAL AO VIVO
Antes da exposição gradual ao vivo, a terapeuta realizou técnicas como role play, que permitiu simular as
situações ansiogênicas de Joaozinho, identificando seus pensamentos disfuncionais e fazendo a
reestruturação cognitiva.
Junto com a ajuda do cliente, foi construída uma escala hierárquica do nível 1 ao 10, começando pelas
situações menos ansiogênicas até as situações consideradasmais difíceis para ele.
A escala ficou dividida da seguinte forma:
1) Perguntar as horas para uma pessoa na rua

2) Entrar no elevador sozinho com pessoas estranhas


3) Falar" bom dia"para o porteiro do seu prédio
4) Pedir uma orientação para um estranho na rua
5) Pedir para seu pai comprar um brinquedo que tenha gostado.

6) Entrar numa farmácia e comprar remédio para dor de cabeça


7) Pedir de voltaumdinheiro que emprestou a um colega na escola
8) Entrar numa loja e experimentar uma camisa e perguntar o valor.
9) Pedir desconto na compra de um refrigerante na cantina do colégio(foi adaptado a uma lanchonete perto
do consultório).O refrigerante custava 2,20 e Joaozinho só tinha 2 reais.
10) Entrar numa loja para comprar uma chuteira, experimentar, depois perguntar se a loja poderia parcelar o
valor em 10 vezes.
Os itens da escala foram sendo realizados repetitivamente e de forma gradual, iniciando-se sempre pelo item
menos ansiogenico.
Após varias sessões terapêuticas de exposição ao vivo,Joaozinho está bem mais auto confiante e seguro em
suas atitudes.
Inclusive sua mãe está bastante satisfeita, pois esta percebendo que o filho está mais comunicativo e
independente. Quando vão ao shopping,a mãe relatou estar notando que o próprio filho estátomando
ainiciativa entrar nas lojas e se comunicar .com o vendedor.
Terapia cognitivo-comportamental no transtorno de ansiedade: estudo de caso

PSICOLOGIA

TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL NO TRANSTORNO DE


ANSIEDADE: ESTUDO DE CASO

Autora: Anne Grazielle Andrade Santos - Graduada em Psicologia (Universidade


Tiradentes - UNIT); Pós-graduanda em Saúde Pública com Ênfase em Saúde da Família
(Faculdade Internacional de Curitiba - Facinter).

RESUMO
A Terapia Cognitivo-Comportamental é uma terapia estruturada, orientada para o presente,
diretiva e tem como pressuposto teórico básico que os problemas e transtornos do sujeito se
devem a distorções do pensamento na sua maneira de perceber a si, o mundo e ao futuro. Para corrigi-los a terapia
trabalha para modificá-los, melhorando com isso o humor e os comportamentos disfuncionais. O presente artigo tem
por objetivo apresentar um estudo de caso de uma mulher com transtorno de ansiedade tendo como abordagem a
Terapia Cognitivo-Comportamental. Após vinte e seis sessões, pode-se perceber uma melhora significativa no seu
quadro ansioso e nos seus relacionamentos interpessoais.

Terapia Cognitivo-Comportamental
A terapia cognitiva (TC) foi desenvolvida por Aaron T. Beck, na década de 60, como uma psicoterapia breve,
estruturada, orientada para o presente e direcionada a resolver problemas atuais por meio da modificação de
pensamentos e comportamentos disfuncionais (BECK, 1964 apud BECK, 1997).

O princípio fundamental da TC, conforme Knapp e Beck (2008) é que a maneira como os indivíduos percebem e
processam a realidade influenciará a maneira como eles se sentem e se comportam. Desta forma, tem como objetivo
reestruturar e corrigir pensamentos distorcidos e colaborativamente desenvolver soluções pragmáticas para produzir
mudança e melhorar transtornos emocionais.

A conceituação cognitiva é a etapa inicial de um tratamento e é refinada ao longo da terapia, na qual devem ser
evidenciados o diagnóstico, os problemas atuais e como estes se desenvolveram e são mantidos, os pensamentos e as
crenças disfuncionais (modelo cognitivo) e as reações associadas a eles. Isso permite ao terapeuta planejar uma terapia
eficiente para o paciente (BECK, 1997).

O modelo cognitivo, segundo Falcone (2001) identifica três níveis de pensamentos: os pensamentos automáticos, as
crenças intermediárias e as crenças centrais. Os pensamentos automáticos são espontâneos e fluem em nossa mente a
partir dos acontecimentos cotidianos. Em geral, não são acessíveis a nível consciente, mas podem ser identificados
após um treinamento adequado. Podem ocorrer sob a forma de sentença, como por exemplo, “Vou me dar mal nessa
prova”, ou de imagem; exemplo, ter uma visão mental de estar gaguejando em uma palestra.Quanto às crenças
intermediárias, estas correspondem ao segundo nível de pensamento, ocorrendo sob a forma de atitudes, regras e
suposições, frequentemente não-articuladas. As suposições são caracterizadas por um estilo de pensamento no qual
haverá colocações do tipo “Se... então”, enquanto que as regras costumam incluir declarações relacionadas a “dever”,
conforme ilustração da frase... “Eu tenho que me mostrar tranqüilo e seguro ao conversar com as pessoas”. Esse tipo de
crença reflete uma idéia mais profunda, sendo mais resistente à mudança do que os pensamentos automáticos.
Constituindo uma forma que o indivíduo encontra para reduzir o sofrimento provocado pela crença central (BECK,
1997).

Por sua vez, as crenças centrais constituem o nível mais profundo da estrutura cognitiva e são compostas por idéias
absolutistas, rígidas e globais que um indivíduo tem acerca de si mesmo, sobre os outros e sobre o mundo. Essas
crenças desenvolvem-se na infância e, a partir de circunstâncias muito traumáticas ou de experiências freqüentes,
tornam-se cristalizadas na vida adulta, mesmo diante de experiências que as refutem (Op. cit).

Vale ressaltar, que as crenças centrais, as intermediárias e os pensamentos automáticos estão interligados no
funcionamento cognitivo de uma pessoa com transtorno psicológico e que sua compreensão é fundamental para que o
terapeuta possa conhecer o paciente, como este desenvolveu seus problemas e a forma mais eficaz de tratamento.

Terapia Cognitivo-Comportamental no Transtorno de Ansiedade


A ansiedade é uma emoção normal e muito importante para a sobrevivência, tanto do indivíduo quanto da espécie. Este
sentimento faz parte da experiência humana, e funciona como um sinal de alerta que faz o sujeito ficar atento e o
prepara para lutar ou fugir em uma situação de perigo. Entretanto quando a ansiedade ocorre de forma desproporcional,
isto é, sem que a nossa integridade física ou psíquica esteja em perigo, acarreta prejuízos na vida do indivíduo
(PEREIRA, 2005).

Elementos comuns nas definições do conceito “ansiedade” apontam para um estado que envolve excitação biológica ou
manifestações autonômicas e musculares (taquicardia, respostas galvânicas da pele, hiperventilação, sensações de
afogamento ou sufocamento, sudorese, dores e tremores), redução na eficiência comportamental (decréscimo em
habilidades sociais, dificuldade de concentração), respostas de esquiva e/ou fuga (o que sugere expectativa ou um
controle por eventos futuros) e relatos verbais de estados internos desagradáveis (angústia, apreensão, medo,
insegurança, mal-estar indefinido, etc.) (GENTIL, 1998; KANFER E PHILLIPS,1970 apud ZAMIGNANI; BANACO,
2005).

O padrão comportamental característico dos transtornos de ansiedade, conforme Zamignani e Banaco (2005) é a
esquiva fóbica: na presença de um evento ameaçador ou incômodo, o indivíduo emite uma resposta que elimina,
ameniza ou adia esse evento.Apesar de aparecer em diferentes contextos e às vezes de modo bastante específico, como
nos transtornos ansiosos, Pizol (S/D) comenta que ela pode estar quando a pessoa encara a falta de controle e a
possibilidade de não aceitação pelo outro. As pressões cotidianas tendem a aumentar a ansiedade, as preocupações com
o trabalho, a família, o relacionamento com as outras pessoas, preocupações financeiras e tantas outras acabam
somando-se.

A psicoterapia é uma das ferramentas que temos para tratar da ansiedade quando ela começa a prejudicar o sujeito, seja
pela sua intensidade, seja pelo tempo delegado a ela, seja pelo sofrimento gerado.

A psicopatologia, segundo Hawton (et. al. 1997) é resultante de significados mal adaptativos que o sujeito constrói em
relação a si, ao contexto ambiental (experiência) e ao futuro (objetivos), que juntos formam a tríade cognitiva. Na
ansiedade, a visão de si é vista como inadequada (devido a recursos deficientes), o contexto é considerado perigoso e o
futuro parece incerto.

A pessoa ansiosa cria imagens fortes o suficiente para induzir sintomas fisiológicos de ansiedade. Esses sintomas
propiciam a inibição ou a interferência de suas estratégias de enfrentamento, levando o sujeito a subestimar seus
recursos pessoais para lidar com as situações consideradas perigosas. Na distorção dos acontecimentos inofensivos, o
sujeito ansioso exagera o potencial de dano e tem pensamentos ou imagens recorrentes de prejuízo físico ou
psicológico (HAWTON, et. al. 1997).

A terapia cognitivo-comportamental vem mostrando resultados positivos no tratamento da ansiedade, e tem por
objetivo “reduzir a ansiedade ao ensinar o paciente a identificar, avaliar, controlar e modificar seus pensamentos
negativos relacionados à noção de perigos e comportamentos associados. Um grande número de técnicas cognitivas e
comportamentais é utilizado para esse fim” (HAWTON, et. al. 1997, p. 91 e 94).

Conforme Schinohara e Nardi (2001) o primeiro passo após a formulação do problema é explicar para o cliente sobre o
modelo clínico e sobre o seu caso, ajudando-o a entender o que se espera dele e o porquê de determinadas solicitações
do terapeuta. Registros de pensamentos automáticos (PA) relacionados aos temas de perigo físico, social e psicológico
são fundamentais para ajudar no processo de identificação e avaliação das distorções mais freqüentes, como a abstração
seletiva, perfeccionismo, catastrofização, dentre outras.

A técnica da descatastrofização é utilizada pelo terapeuta para que o cliente pense no pior resultado que poderia
acontecer na situação de perigo e/ou preocupação e desenvolver alternativas. “Nesse período o cliente procura
distinguir sobre quais preocupações tem algum tipo de controle, discriminar aquelas que podem ser resolvidas, ou as
que não pode e traçar planos realistas e desenvolver afirmações mais adequadas sobre elas” (SCHINOHARA E
NARDI, 2001, p. 225).

Posteriormente, conforme as autoras acima, também serão trabalhados os padrões cognitivos mais profundos que
produzem os pensamentos distorcidos de perigo e ansiedade. Mudar as suposições provocará o enfraquecimento das
suas crenças de vulnerabilidade.

Portanto, à medida que o cliente aprende a questionar a validade de seus pensamentos, identificar seus significados,
analisar suas vantagens e desvantagens, procurar evidências são as estratégias, segundo Schinohara e Nardi (2001) para
uma reestruturação cognitiva que possibilite uma melhora significativa dos sintomas ansiosos.

ESTUDO DE CASO
Identificação e história atual
J.P.S., sexo feminino, 23 anos, solteira, desempregada, morava com uma irmã de vinte e seis anos e dois sobrinhos
(oito e nove anos) e era a mais nova de nove irmãos. Seu pai abandonou a família quando tinha apenas quatro anos e
não mais o viu, pois o mesmo se mudou para São Paulo; faleceu há nove anos. Esse fato culminou com a atribuição de
tarefas e o desenvolvimento de responsabilidades para ela e os irmãos na tentativa de suprir as necessidades da mãe que
não tinha emprego fixo, apenas trabalhava como diarista.

Queixas iniciais
Foi encaminhada pelo clínico geral para um psiquiatra após ter sofrido uma “crise de fadiga” (sic) e por problemas
quanto ao sono. Estas crises provocavam tonturas, cansaço, enxaqueca e taquicardia. Ele prescreveu dois
medicamentos: sertralin antes de dormir e clonazepan para quando se sentisse nervosa e agitada. Já o psiquiatra a
encaminhou para atendimento psicológico.

A queixa inicial de J. se referia a problemas no trabalho, descritos por ela como perseguições por parte da
coordenadora da instituição que trabalhava. Atualmente, está sem emprego fixo, trabalhando algumas vezes em eventos
nos finais de semana. Ao longo das sessões, pode-se perceber que a queixa acima apenas maximizou as demandas da
cliente; estas eram a ansiedade, a insônia e os conflitos com a família, principalmente em casa; e as metas estabelecidas
para terapia foram reduzi-las.Análise funcional dos comportamentos-problema
Como J. estabeleceu como prioridade, dentre as metas propostas para a terapia, a diminuição dos conflitos com a
família, este será o foco da análise, bem como a ansiedade ligada a esses conflitos.

A saída do pai de casa se configurou como a origem de seu senso de responsabilidade exagerado (cuidar da casa, dos
sobrinhos, defender os irmãos e ajudá-los em tudo) e a identificação com o papel de pai nas interações com sua família,
evidenciadas em sua fala: “Não a via mais apenas como mãe, mas como um parceiro... A gente não estava no lugar de
filho, estava no lugar de pai tentando suprir as necessidades de minha mãe”.

Os comportamentos citados acima, que antes produziam reforçadores positivos que para ela eram mais significativos
do que as punições fornecidas pela mãe, passaram a produzir punições positivas devido aos conflitos que tem com a
irmã, com quem mora, por causa da presença do namorado desta, que ameaçava seu “status” de pai, claramente
evidenciados em sua fala: “Antes éramos nós duas que mandávamos na casa, e agora lá com ele... a gente até brincava
de que eu era o pai e ia trabalhar, ela (irmã) era a mãe e ficava em casa com os meninos (sobrinhos) cuidando deles”.

Devido a esses antecedentes históricos J. desenvolveu um senso de responsabilidade exagerado e por isso sempre fez
tudo para agradar a todos da família, culminando em um padrão comportamental de submissão diante dos desejos e
pedidos dos irmãos e da mãe, em negligência de suas próprias necessidades. Todo seu discurso era permeado por
assumir responsabilidades que não eram/são suas: cuidou de um filho de sua irmã quando tinha apenas dez anos,
morava numa casa que não era sua, cuidava de dois sobrinhos, etc.
No início da terapia, dizia que estava mais voltada para as suas necessidades e desejos (“aprendendo a dizer sim para
mim”), não deixando de satisfazê-los para atender aos pedidos dos irmãos. Porém, não conseguia fazer isso
assertivamente e seus irmãos puniam (brigas) tais comportamentos, por estarem acostumados a serem sempre
reforçados positivamente por ela.
Além do que foi citado, seus comportamentos de se recusar em fazer algo para dedicar-se a si eliciam punição positiva
(sentimentos de culpa) expressos em uma de suas falas: “Quando eu não consigo fazer o que me pedem eu não me
sinto muito bem, talvez por essa rotina, que desde de pequenininha quando alguém me pedia alguma coisa eu sempre
fazia”.
O senso exagerado de responsabilidade e a identificação com o papel de pai, descritos por ela como um “instinto de
defesa”, não era apenas restrito ao ambiente familiar, J. os generalizou para outros ambientes. Isso fica claro quando
relata uma situação na qual presenciou um rapaz desconhecido sendo agredido, segundo ela injustamente, por um
policial e resolveu interferir. Acabou sendo agredida e presa, pois além de ter abordado um policial, o desacatou.
Apesar de ter seu comportamento punido gravemente afirmou não ter se arrependido do modo como agiu, relatando
inclusive satisfação: “[...] por mais que tenha sentido dor, mas a dor não foi maior do que minha satisfação”. Esse
sentimento pode ser considerado como um ganho secundário que reforça positivamente sua identificação com a figura
paterna de protetor.
Percebe-se claramente que os comportamentos de J. de responsabilidade exagerada e de defesa apesar de serem
punidos se mantêm devido à sua história de reforçamento, a qual estabeleceu a função reforçadora condicionada de agir
de forma a defender (“instinto de defesa”) os outros. Vários eventos contribuíram para isso, como a ausência do pai e a
necessidade de ajudar a mãe para suprir a falta do mesmo. Sendo assim, seu valor como pessoa parece ser discriminado
por ela como dependente de sua capacidade de defender os demais.

Além dos comportamentos-alvos analisados acima, J. apresentava outro comportamento que merece atenção: a
ansiedade gerada pela antecipação de uma avaliação negativa por parte das outras pessoas, principalmente da família.
A origem de seu comportamento ansioso remete a sua história de condicionamento. Sua mãe era restritiva, ou seja,
tudo que J. fazia ou pensava de maneira diferente dos irmãos era punido positivamente com críticas por ela: “ela disse
que meu irmão fez assim, assim e assim, e ela acha que está certo, se eu disser que não penso assim, só por isso eu já
estou errada”.

Devido a esse histórico de condicionamento por punição pela mãe quando agia de modo diferente do que esperava, J.
desenvolveu comportamentos de esquiva fóbica que diminuíam não só sua ansiedade, como também a probabilidade de
contar seus problemas para sua família, na tentativa de evitar críticas e brigas (reforço negativo) com a mesma.
A análise acima teve como objetivo descrever os comportamentos mais relevantes apresentados por J., bem como suas
variáveis controladoras.
Conceituação cognitiva
De acordo com BECK (1997) a tríade cognitiva, consiste em três padrões cognitivos maiores que induzem o sujeito
com problemas/transtornos a ver negativamente a si mesmo, ao mundo e ao futuro. O primeiro componente da tríade
cognitiva gira em torno de uma visão negativa que a cliente tinha de si mesmo. Júlia se via como incapaz (“Onde eu
estou eu não consigo”) diante dos conflitos que tinha com a família.
O segundo componente da tríade consiste na tendência da pessoa a interpretar o mundo de forma negativa. J. percebia o
mundo como perigoso e injusto (“A gente vê tanta injustiça... nunca nada é resolvido”) e altamente crítico (“Quando
você tem um comportamento fora do comum para a sociedade você é julgado e criticado”; “Você ter nascido já é
motivo para ser julgado”).

Por fim, o terceiro componente da tríade cognitiva consiste em uma visão negativa do futuro. A cliente sempre
antecipava (catastrofização) o que as pessoas pensariam a seu respeito (“porque eu não consigo pensar só como eu vou
falar, eu sempre penso na reação das pessoas”) e sempre de forma negativa (“Vão dizer que estava errada, que sou
louca”).

Dados relevantes da infância


O pai foi embora quando tinha quatro anos (nunca mais o viu)
Mãe restritiva (seguir o modelo dos irmãos)
Desde os quatro anos assumiu responsabilidade que não lhe competiam
Crença central/Esquemas

Crença de incapacidade.
Esquema de autosacrifício e superresponsabilidade.

Crenças condicionais
“Se eu errar, serei julgada”. “Eu sei que aqui eu não consigo”. “Eu que cuidava, que
fazia tudo... Mais uma vez assumindo uma responsabilidade que não era minha”.
“Eu não quero ir pelo caminho deles, eu quero um caminho certo, mas a partir de
mim”.
Estratégias compensatórias

Evitação fóbica: evita ir à casa da mãe; evita contar seus problemas para a família

Situação 1 Situação 2 Situação 3 Situação 4


Viu uma pessoa ser Esperando na
Ir dormir espancada por um Rever a família recepção para a
policial em uma sessão
festa.
PA PA PA PA
Meu Deus, a noite é Como você iria
curta para amanhã Amenizar a dor que Como a minha reagir?
ter que ir ele iria sentir. família vai me Como eu reagiria
novamente para o julgar. diante da sua
trabalho. análise?
Emoção Emoção Emoção Emoção

Angústia/ Revolta/ Indignação Ansiedade Ansiedade


ansiedade
Comportamento Comportamento Comportamento Comportamento
Não conseguir Questionou o Não contou para Contou o que
dormir policial família ocorreu
A ansiedade de J. foi precipitada pelos problemas que teve no antigo emprego, descritos por ela como perseguições por
parte da coordenadora. Como exposto no diagrama às situações ativadoras de suas crenças desadaptativas, de um modo
geral, referiam-se a ocasiões nas quais antecipava avaliações negativas por parte da família e outras pessoas
significativas para ela.

As origens de seus pensamentos disfuncionais remetem-se a infância, na qual assumiu responsabilidades que não eram
suas, para suprir as carências que o pai deixou ao sair de casa. Diante disso, J. acabou se identificando com papel deste
e desenvolveu um esquema de autosacrifício e superresponsabilidade, que segundo os Esquemas Iniciais
Desadaptativos (EIDs) proposto por Young (1987 apud CORDIOLI, 2008) se configura na busca de gratificação e
satisfação das vontades alheias em detrimento das próprias.

Seu histórico de punição por parte da família e suas tentativas de reverter isso, já discutido na análise funcional,
favoreceu o desenvolvimento de sua crença de incapacidade (“Onde eu estou eu não consigo”), acreditando que perto
da família não conseguiria se estabilizar e encontrar seu “próprio caminho”.

Suas crenças condicionais giravam em torno de aceitação, competência, responsabilidade e controle: “Se eu errar serei
julgada”; “Eu sei que aqui eu não consigo”; “Eu que cuidava, fazia de tudo... Mais uma vez assumindo
responsabilidade que não são minhas”; “Eu não quero ir pelo caminho deles, eu quero um caminho certo, mas a partir
de mim”, respectivamente.

Conforme a conceituação de J. pode-se perceber que quando enfrenta situações nas quais precisa contar algum
problema seu para a família ou outras pessoas significativas, sua crença de incapacidade é ativada, consequentemente
seus pensamentos automáticos de que seria julgada também são, tornando-a ansiosa. Ela aprendeu então a evitar
(esquiva-fóbica) contar seus problemas para se esquivar das contingências aversivas (críticas e discussões) que
antecipava. Esse padrão ansioso ocorre repetidamente em situações familiares e outras situações sociais, levando-a a ter
dificuldades em contar seus problemas e pedir ajuda.

Intervenções realizadas
Foram realizadas vinte e seis sessões. Nestas foram possíveis proporcionar a cliente a descrição de seus
comportamentos-problema por meio de perguntas e utilização do Diário de Pensamentos Automáticos (PAN): “Quando
começou a ter ansiedade? A que você atribui o início da ansiedade? O que passava pela sua cabeça momentos antes de
se sentir ansiosa?”.

Utilizou-se a reestruturação cognitiva para ensinar a J. a detectar e controlar seus pensamentos irracionais e negativos
nas situações em que se sentia ansiosa e examinar as evidências favoráveis e contrárias a esses pensamentos e com isso
possibilitar a correção das distorções da realidade.Utilizou-se role-play para ensinar estratégias e habilidades
interpessoais para aprimorar o repertório comportamental de J., além da técnica de exposição ao vivo para colocar em
prática o que foi aprendido durante os ensaios comportamentais, diminuindo com isso seus comportamentos ansiosos
por meio da habituação durante a exposição sistemática aos estímulos aversivos para ela.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os transtornos de ansiedade vêm se configurando como um dos principais problemas da atualidade, devido aos
constantes avanços tecnológicos, pressões de ordem social, econômica, dentre outros fatores.

Com base na evolução do tratamento de J., ao ensiná-la a identificar, avaliar e modificar seus pensamentos negativos,
bem como a utilização de técnicas cognitivas e comportamentais, pode-se perceber melhoras significativas no seu
quadro ansioso e nas suas relações interpessoais, principalmente com sua família.

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é atualmente uma das abordagens que mais cresce na psicologia,
configurando-se, apesar de sua origem recente, numa das mais procuradas do mundo. Nas duas últimas décadas um
número significativo de trabalhos foi realizado com o objetivo de identificar as crenças norteadoras dos mais diversos
tipos de transtorno, incluindo a ansiedade.

REFERÊNCIAS
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psiquiatria. Porto alegre: Artmed. 2001.
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Paulo: Martins Fontes.
KNAPP, Paulo; BECK, Aaron T. Fundamentos, modelos conceituais, aplicações e pesquisa da terapia cognitiva. Rev.
Brasileira de Psiquiatria. 2008; 30(Supl II):S54-64. http://www.scielo.br/pdf/rbp/v30s2/a02v30s2.pdf. Acessado em: 09
de maio de 2010.
PEREIRA, André Luiz dos Santos. Construção de um protocolo de tratamento para o transtorno de ansiedade
generalizada. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da
UFRJ, 2005. Disponível em: http://teses.ufrj.br/IP_m/AndreLuizDosSantosPereira.pdf. Acessado em: 09 de maio de
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SCHINOHARA, Helene; NARDI, Antônio Egídio. Transtorno de ansiedade generalizada. In: RANGÉ, Bernard (Org.).
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1517-5545.
Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
2016•12(1)•pp.50-56 Comunicações breves
Mariana Fortunata Donadon 1
Sabrina Kerr Bullamah Correia 2
Habilidades sociais e depressão: um relato
Cássia Cristina da Silva Almeida de caso
Nunes 3
Êdela Aparecida Nicoletti 4
Mariana Fortunata Donadon 5
Social skills and depression: a case report

Resumo
Com base na literatura, verifica-se que indivíduos depressivos têm poucos recursos
ou habilidades sociais para lidar satisfatoriamente com situações estressoras e/ou de
vulnerabilidade, o que pode contribuir para o início e/ou manutenção dos sintomas
depressivos. Dessa forma, objetiva-se descrever intervenções do treinamento de
habilidades sociais (THS) aplicado em uma paciente com sintomas de depressão
moderada em atendimento individual na abordagem cognitivo-comportamental
(TCC). O presente relato de caso descreve o atendimento de uma paciente de 26
anos, submetida a 42 sessões de psicoterapia na modalidade individual. Na avaliação
diagnóstica foram utilizados os critérios do DSM-5 e os inventários de Beck. O plano
de tratamento envolveu técnicas cognitivo-comportamentais, como psicoeducação,
reestruturação cognitiva e treino de habilidades sociais. Como resultados, observaram-
1
Mestrado em Ciências Médicas FMRP USP - se diminuição do humor depressivo e melhora no repertório de habilidades sociais. Tais
(Doutoranda FMRP USP) - Ribeirão Preto - SP fatores em conjunto colaboraram para um melhor funcionamento biopsicossocial da
- Brasil.
2
Mestre pela Faculdade de Filosofia, paciente e para o aumento da sua autoconfiança, apontando-se o impacto positivo do
Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP, THS no tratamento de pacientes com depressão na TCC.
USP) - Coordenadora do Centro de Terapias
Cognitivas de Ribeirão Preto - CTC VEDA RP. Palavras-chave: Terapia cognitiva; Habilidade social; Depressão.
3
Mestre em Educação pelo Centro
Universitário Moura Lacerda - Coordenadora
do Centro de Terapias Cognitivas de Ribeirão
Preto - CTC VEDA RP.
4
Especialista em Terapia cognitiva pelo
Abstract
Centro de Terapias Cognitivas - CTC VEDA SP; Based on the literature, depressed individuals have few resources or social skills to
Coordenadora geral do Centro de Terapias
Cognitivas de São Paulo - CTC VEDA.
successfully deal with stressful and/or vulnerability situations, which can contribute
5
Mestre pela Faculdade de Medicina de to trigger or maintain depressive symptoms. Thus, the aim here is to describe social
Ribeirão Preto - FMRP- USP; Especialista em skills training (SST) interventions applied to a female patient in individual care, using
Terapia cognitiva pelo Centro de Terapias
Cognitivas de Ribeirão Preto - CTC VEDA RP; cognitive behavioral approach (CBT), with symptoms of mild depression. This case
atualmente doutoranda pela Faculdade de report describes the care of a 26 year-old patient that underwent 42 sessions of
Medicina de Ribeirão Preto - FMRP- USP.
psychotherapy in individual mode. In the diagnostic assessment, we used the DSM-5
Correspondência: and the Beck inventories. The treatment plan involved cognitive behavioral techniques,
Centro de Terapia Cognitiva de Ribeirão Preto, such as psychoeducation, cognitive restructuring, and social skills training. As a result,
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo. it was observed a decrease in depressive mood and improvement in the repertoire of
Avenida dos Bandeirantes 3900. CEP 14048- social skills. These factors combined contributed to a better biopsychosocial functioning
900.
of the patient and an increase in self-esteem, pointing to the positive impact of SSI in
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema the treatment with CBT of patients with depression.
de Gestão de Publicações) da RBTC em 08 de
abril de 2016. cod. 422.
Keywords: Cognitive therapy; Social skills; Depression.
Artigo aceito em 26 de novembro de 2016.

DOI: 10.5935/1808-5687.20160008

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INTRODUÇÃO Em adição, compreendem-se as habilidades sociais


como componentes essenciais para a boa qualidade dos
A depressão envolve um estado afetivo de tristeza relacionamentos entre os indivíduos, podendo caracterizar-se
e pode ser caracterizada de diferentes formas. Como uma como classes de comportamentos socialmente competentes ou
síndrome, apresenta alteração no humor, perda e/ou redução não a depender do contexto social e/ou da situação específica
de interesse por atividades prazerosas, perda ou ganho de em que ocorreram (Caballo, 2003). Existem diversas classes
peso, insônia ou hipersonia, agitação ou retardo psicomotor, de habilidades sociais, a saber: a) habilidades assertivas
fadiga ou perda de energia, sentimentos de culpa ou desvalia, (expressar opinião, discordar, lidar com críticas, expressar
capacidade de concentração reduzida e até mesmo ideias desagrado, lidar com a raiva); b) empáticas (colocar-se no
de morte e/ou suicídio. Pode ser descrita também em termos lugar do outro); c) trabalho (capacidade de cooperação,
de sintomas, podendo ser decorrente de outros transtornos liderança, falar em público); d) educativas (envolvidas no campo
mentais (coocorrentes), bem como de situações estressoras educacional ou em contexto de pais e filhos); e) comunicação
e/ou adversas da vida. Por fim, é compreendida como uma (fazer e receber pedidos, dar feedback, manter ou encerrar
doença mental, sendo classificada como depressão maior, conversação); f) civilidade (dizer por favor, obrigado, com
distimia, entre outros (American Psychiatric Association [APA], licença); g) automonitoramento (leitura do ambiente e de
2013; Del Porto, 1999). adequação a ele) (A. Del Prette & Z. A. P. Del Prette, 2001, 2008).
Segundo Beck e Haigh (2014), o modelo cognitivo Sendo assim, os programas de treinamento de
genérico explica a organização dos distúrbios por meio de habilidades sociais visam incorporar tais classes de habilidades
modos, sendo que, no modo depressivo, a negatividade sociais ao repertório do paciente. Entre as diferentes técnicas
assume papel crucial, explicando a depressão. Isso significa que podem ser utilizadas para esse objetivo ressaltam-se:
que indivíduos deprimidos, seletivamente, atentam-se mais psicoeducação, modelação, experimentos comportamentais,
para informações e/ou pistas negativas, ignorando, muitas role-play, e questionamento de pensamentos e crenças
vezes, as informações positivas, tornando-se mais sensíveis disfuncionais (A. Del Prette & Z. A. P. Del Prette, 2001; Da Motta
a memórias e feedbacks negativos, o que contribuiria, por Vieira Figueredo, 2005).
sua vez, para moldar a percepção negativa de si mesmo, do Com base na literatura apresentada, verifica-se que
mundo e do futuro ao longo do tempo. Tais vieses ou distorções indivíduos depressivos não têm recursos ou habilidades para
no processamento da informação contribuem para a formação lidar satisfatoriamente com situações estressoras e/ou de
de crenças e esquemas depressogênicos que amplificam e/ vulnerabilidade, o que contribui para o início e/ou a manutenção
ou agravam ainda mais o quadro (Beck & Bredemeier, 2016; dos sintomas depressivos, e que o treinamento de habilidades
Bennett-Levy et al., 2004; Scher, Segal, & Ingram, 2006). sociais pode ser uma intervenção importante nesses casos
Em relação à etiologia da depressão, a literatura aponta (Campos, Del Prette, & Del Prette, 2014). Dessa forma, o
que ela se trata de um fenômeno complexo e multideterminado, presente estudo tem por objetivo descrever a aplicação de
podendo precipitar-se a partir de componentes genéticos um protocolo de treinamento de habilidades sociais em uma
(Charlesworth & Willis, 2009), ambientais (Husain, 2014), paciente com depressão moderada.
psicológicos (Segrin & Flora, 2000), pela vivência de situações
estressoras (Dougher & Hackbert, 2003) ou pelo conjunto de DESENVOLVIMENTO
tais fatores.
Em adição, outros autores apontam que pode haver
uma associação entre a existência de déficits no repertório de
Relato do Caso
habilidades sociais e o desenvolvimento da depressão (Segrin A paciente foi assegurada do sigilo profissional e assinou
& Flora, 2000; Scher et al., 2006; Prado, 2012). Tais estudos o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) em duas
mostram que indivíduos depressivos têm recursos ineficazes vias.
para lidar satisfatoriamente com situações estressoras e/ou Ana Clara (nome fictício), de etnia caucasiana, solteira,
de vulnerabilidade, o que pode contribuir para o início e/ou 26 anos de idade, sem filhos, morava sozinha havia 10 anos
manutenção dos sintomas de humor depressivos. e residia longe da família de origem. Formara-se jornalista
Dessa forma, programas de treinamento de habilidades havia três anos, porém não exercia sua profissão. Cursava
sociais terapêuticos têm como alvo o ensino ou a aquisição de duas especializações em sua área, sendo muito estudiosa e
habilidades sociais. Outro objetivo seria o aprimoramento de dedicada.
habilidades que o indivíduo já tem mas que não consegue utilizar Procurou terapia queixando-se de sintomas de tristeza,
nas situações sociais devido à influência de pensamentos, desânimo, choro e falta de vontade para finalizar os cursos
crenças ou até mesmo da sintomatologia depressiva (A. Del de pós-graduação. Os motivos principais de sua tristeza,
Prette & Z. A. P. Del Prette, 1999; 2008; Prado, 2004). segundo a paciente, relacionavam-se ao envolvimento em uma

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relação amorosa com um homem casado e às dificuldades em Nas situações envolvendo a finalização do trabalho de
conseguir um trabalho no seu ramo de formação. conclusão de curso da pós-graduação, pensava: “não vou dar
Ana Clara não se submeteu a nenhum tratamento conta”, “não vai dar tempo”, o que a deixava triste ou ansiosa
psiquiátrico e/ou psicológico anteriormente ao início das e gerava o consequente comportamento de procrastinação,
sessões e não fazia uso de medicações. adiando o término do trabalho.
Em relação à área familiar, relatava boa relação com Quando em situações com familiares e amigos,
a família (pais, mãe, irmão e cunhada), apesar de residir em frequentemente pensava que era abandonada por eles, o que
uma cidade diferente da dos pais. Suas atividades de lazer a deixava triste. Nessas situações, seus comportamentos eram
e sociais ficavam restritas quando se sentia deprimida, além de romper as relações, evitar contato com as pessoas e ser
de não praticar atividade física nesses períodos. Quando se passiva ou agressiva com elas.
sentia melhor, frequentava a academia. Tinha poucos amigos O abandono por par te dos parceiros desde a
na cidade, contribuindo para que desenvolvesse suas atividades adolescência, a dificuldade em estabelecer um relacionamento
de lazer e sociais, quando aconteciam, sozinha. afetivo duradouro, viver longe dos pais e da família, ter poucos
Na esfera profissional, apresentava bom rendimento amigos e nunca ter trabalhado em sua área de formação
acadêmico, porém procrastinava a elaboração da monografia contribuíram para a formação de crenças de desvalor, desamor
de conclusão de curso, tendo abandonado, temporariamente, e desamparo, como “não tenho valor”, “não sou amada” e “sou
os estudos para concurso público. Além disso, não trabalhava negligenciada” e os seguintes pressupostos e regras: “se me
devido à dificuldade em encontrar um emprego de que gostasse. mantenho em uma relação, então terei valor”; “se eu for brava
Apresentava boa saúde física e mental, fazia exames regulares, com as pessoas, então elas não me negligenciam”; “se eu
não tinha doenças crônicas importantes ou histórico de uso ou cobrar as pessoas, então não ficarei sozinha’’; “é terrível ficar
abuso de substâncias. sozinha ou solteira”; “é preciso cobrar atenção das pessoas
Na área afetiva, relatou ter sido abandonada por seus para ser amada”. Ana Clara desenvolveu as estratégias
parceiros nas relações amorosas desde a adolescência, não compensatórias de dependência, passividade e agressividade
tendo a oportunidade de assumir um relacionamento. Seus para lidar com suas crenças disfuncionais.
relacionamentos anteriores não foram duradouros. Tanto nessa Algumas situações eram gatilhos que ativavam
área como na social, relatava não saber fazer ou negar pedidos, suas crenças, como brigas constantes do relacionamento
além apresentar grande dificuldade em fazer cobranças, pois, extraconjugal; dificuldades nos estudos; brigas com os
em alguns momentos, era passiva e, em outros, agressiva com familiares e amigos; passar por dificuldades financeiras; ter
as pessoas. notícias de parceiro por meio das redes sociais; encontrar
Foi diagnosticada com transtorno depressivo maior leve o parceiro em bares, restaurantes ou no shopping. Duas
de episódio recorrente (F33.1), segundo o Manual diagnóstico situações modificaram o curso de seu estado ao longo da
e estatístico de transtornos mentais (DSM-5) (APA, 2013). terapia, agravando-o (descoberta da esposa do parceiro
Apresentou, pelo período de três meses: a) diminuição do com quem mantinha o caso extraconjugal do relacionamento
interesse e prazer nas atividades na maior parte do dia; b) amoroso deles) e melhorando-o (término do relacionamento
hipersonia quase todos os dias; c) retardo psicomotor quase extraconjugal).
todos os dias; d) fadiga e perda de energia quase todos os
dias; e) sentimentos de inutilidade e/ou culpa; f) capacidade
diminuída para se concentrar.
Plano de tratamento
A seguinte lista de dificuldades foi relatada pela paciente:
a) Não ter interesse e prazer nas atividades diárias; b) Não
Formulação de caso impor limites nos relacionamentos amorosos e de amizades;
O envolvimento em uma relação amorosa extraconjugal c) Não saber se relacionar de forma saudável sem se tornar
e a apresentação de sintomas depressivos foram as principais dependente; d) Não saber administrar o estresse e a raiva; e)
queixas que levaram a paciente a buscar terapia. Não sentir-se valorizada e amada nas relações afetivas; f) Não
Uma situação problemática típica envolvia a temática enfrentar o término do relacionamento; g) Desorganização com
do relacionamento amoroso, quando apresentava os seguintes os estudos; h) Ter autoimagem negativa.
pensamentos automáticos disfuncionais: “ele nunca foi sincero Os objetivos do tratamento para a fase inicial foram:
comigo”; “fui usada”; “fui enganada, boba e ingênua”; “não a) Melhorar o humor e a disposição da paciente; b) Treinar
conseguirei me desapegar e encontrar outra pessoa como habilidades assertivas direcionadas ao relacionamento
parceiro”. Tais pensamentos geravam angústia, tristeza e raiva, amoroso, às amizades e à família; c) Reduzir a dependência nos
levando-a a apresentar uma série de comportamentos não relacionamentos; d) Aumentar as habilidades de comunicação
funcionais, como ficar dependente da relação e ser passiva ou nas relações sociais e amorosas; e) Manejar o estresse e a
agressiva com o parceiro quando em acessos de fúria. raiva; f) Resolver problemas (identificar ramo de estudo que a

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paciente gostaria de trabalhar); g) Melhorar a falta de motivação sofria por ceder e/ou ser agressiva. Percebeu as consequências
com a profissão; h) Melhorar a motivação e organização dos seus comportamentos passivo e agressivo, que eram o
com os estudos. Na fase intermediária/final nortearam-se afastamento das pessoas e a forma de tratamento do seu
para: i) Melhorar a autoimagem negativa; j) Questionar as parceiro amoroso, o que acaba por agravar sua depressão.
crenças disfuncionais; l) Conseguir terminar o relacionamento A melhora no repertório de habilidades sociais pode
extraconjugal; m) Prevenir recaídas e manter ganhos da terapia. ser observada por meio da avaliação pré e pós com o IHS.
Antes do THS, a paciente apresentou os seguintes escores:
Metodologia a) Enfrentamento e autoafirmação de risco (F1) = 35; b)
Autoafirmação na expressão de sentimentos (F2) = 35; c)
Instrumentos Conversação e desenvoltura social (F3) = 85; d) Autoexposição
Como instrumentos de mensuração do humor foram a situações novas (F4) = 15; e) Autocontrole da agressividade
utilizados: o Inventário de Ansiedade de Beck (BAI), o Inventário (F5) = 15 e um escore total final de 50.
de Depressão de Beck (BDI) e a Escala de Desesperança de Após o THS, foram observados os seguintes escores:
Beck (BHS), propostos por Beck et al. (1997) e validados para a) Enfrentamento e autoafirmação de risco (F1) = 35; b)
o português por Cunha (2001). Autoafirmação na expressão de sentimentos (F2) = 40; c)
Para a avaliação do repertório de habilidades sociais pré Conversação e desenvoltura social (F3) = 97; d) Auto exposição
e pós-treinamento de habilidades sociais (THS) foi utilizado o a situações novas (F4) = 50; e) Autocontrole da agressividade
Inventário de Habilidades Sociais (IHS), desenvolvido por Z. A. (F5) = 60 e um escore total final de 60.
P. Del Prette e A. Del Prette (2001). A pontuação pré e pós-teste citada ilustra um aumento
Foram estruturadas 10 sessões de THS, sendo as na pontuação de todos os itens do IHS, com exceção do item
temáticas retiradas e adaptadas do Manual de treinamento de enfrentamento e autoafirmação de risco. A paciente passou a
habilidades sociais, de Caballo (2003), da seguinte forma: a) cobrar, de forma assertiva, as pessoas, incluindo o parceiro, as
Sessão 1: Psicoeducação sobre que é habilidade social; b) Sessão amigas, os familiares, percebendo que às vezes era atendida e
2: Diferenciação dos três estilos de comportamentos (passividade, outras vezes não. Também começou a questionar mais o parceiro,
agressividade e assertividade); c) Sessão 3: Conhecendo os a falar o que pensava, a exigir seus direitos ante as relações
próprios direitos e pensamentos bloqueadores por meio de vídeos; sociais, conseguindo obter respostas mais diretas das pessoas,
d) Sessão 4: Habilidades empáticas por meio de discussão e o que pode ter contribuído para a autoafirmação de sentimentos
vídeos; e) Sessão 5: Habilidades de automonitoramento (como e uma maior desenvoltura nas relações sociais em geral.
perceber a hora certa de expressar-se ou não); f) Sessão 6: Além disso, passou a observar que havia momentos
Habilidades comunicativas - como manter conversações, fazer adequados e inadequados de conversar sobre assuntos
pedidos, dar feedback; g) Sessão 7: Como negar pedidos; h) importantes, passando a apresentar uma melhor leitura do
Sessão 8: Como expressar desagrado; i) Sessão 9: Como enfrentar ambiente. Passou a colocar-se no lugar das pessoas, evitando
críticas; j) Sessão 10: Como expressar opiniões pessoais. conflitos e comunicando sua preocupação nas relações sociais.
Durante as 10 sessões de treinamento de habilidades, Tais habilidades colaboraram para que conseguisse falar o que
foram utilizadas diferentes técnicas, como: questionamento pensava de maneira assertiva, contendo a agressividade e/ou
de pensamentos automáticos e crenças disfuncionais, análise evitando ser excessivamente passiva nas relações. Outro ganho
de vantagens e desvantagens de executar ou não certos refere-se à diminuição do tom agressivo (ironia, tom de voz,
comportamentos, busca de evidências, custo e benefício, reclamações constantes) que utilizava em muitos momentos
resolução de problemas, treino de exposição, role-play com suas amigas, resultando na reconciliação com uma amiga
invertido, tarefas de casa com auto-observação e registro. As com a qual anteriormente havia brigado.
técnicas foram inseridas a cada sessão de maneira isolada e/ Observou-se também a melhora no humor verificada por
ou combinada, conforme a necessidade. meio dos inventários Beck (BDI, BAI, BHS). Os escores obtidos
mostraram-se cada vez mais baixos quando comparados
RESULTADOS àqueles apresentados no início do tratamento, mesmo diante de
situações perturbadoras e/ou diante da demora para a resolução
Foram realizadas 42 sessões de psicoterapia semanais do impasse que vivenciava com seu parceiro amoroso. No
com monitoramento do humor a cada sessão por meio da meio do processo psicoterápico, os escores progressivamente
aplicação dos inventários Beck (BDI, BAI, BHS). Ao longo da diminuíram até zerar, indicando a estabilização do humor. A
terapia, estabeleceu-se uma boa relação terapêutica, sendo o partir do momento em que os escores das escalas zeraram,
tratamento facilitado pela disposição da paciente em mudar. estas não foram mais aplicadas em toda sessão, voltando-se
A partir desse treinamento, muitos progressos foram a aplicá-las somente nas avaliações periódicas, as quais foram
alcançados. A paciente passou a perceber sua passividade realizadas a cada 6 sessões e mantiveram-se zeradas. A Figura
ou agressividade nas relações sociais e amorosas e o quanto 1, a seguir, mostra o gráfico do humor da paciente.

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baseada em evidências, foi possível mostrar objetivamente


a melhora no estado de humor (Cardoso, 2011; Camargo &
Andretta, 2013; Powell et al., 2008).
Além da estabilização do humor, a paciente passou a
apresentar respostas mais habilidosas e menos agressivas
ou passivas nas relações sociais, culminando, por exemplo,
no término da relação extraconjugal e na reconciliação com
uma amiga. Tais dados confirmam dados da literatura que
apontam que indivíduos com sintomas depressivos podem
Figura 1. Ilustra os resultados dos inventários de depressão de Beck (BDI),
inventário de Ansiedade de Beck (BAI) e inventário de desesperança de Beck ter déficits no repertório de habilidades (Dattilio, Kazantzis,
(BHS). Shinkfield, & Carr, 2011; Ross, Shochet, & Bellair, 2010; Snyder,
Balderrama-Durbin, & Fissette, 2012), além de pensamentos e
É interessante pontuar que a paciente recusou o crenças disfuncionais (Prado 2012; Scher et al., 2006; Monzani
encaminhamento para avaliação psiquiátrica proposto pela da Rocha, de Matos Silvares, & Del Prette, 2012; Campos et
psicóloga devido à resistência em ser medicada, optando por al., 2014) que contribuem para a piora do humor depressivo.
obter progressos apenas com a terapia de forma isolada. A E também que tais déficits em habilidades sociais podem
terapeuta apenas concordou com essa decisão por verificar que constituir um fator de vulnerabilidade para piora dos sintomas
a paciente não se encontrava em risco e respondeu à terapia. de depressão (Fernandes, Falcone, & Sardinha, 2012).
Além do treino de habilidades sociais, o questionamento Ana Clara apresentava déficits de habilidades sociais
de crenças disfuncionais também colaborou para a flexibilização que impactaram suas relações afetivas, conforme observou
cognitiva e consequente melhora do humor. A paciente passou a o estudo de Prado (2004) de que dificuldades nas relações
apresentar crenças mais flexíveis e funcionais, como: “se cobro sociais ou amorosas ocorrem quando um dos parceiros
as pessoas, posso conseguir ou não o que quero, mas pelo assume comportamentos disfuncionais agressivos ou passivos.
menos tentei”; “melhor ficar sozinha do que mal acompanhada”; O autor aponta que a agressividade pode ser vista tanto na
“estou solteira por que me envolvi com pessoas erradas”; “as forma física quanto na verbal (uso da voz e da ironia para se
pessoas que gostam de nós nos dão atenção sem precisarmos conseguir o que deseja), já a passividade acontece geralmente
cobrá-las”. quando um dos parceiros assume uma postura submissa,
Após o questionamento de crenças, a paciente não conseguindo expressar suas vontades, necessidades
apresentou um padrão de crenças mais funcionais e menos ou opiniões. No caso apresentado, a paciente oscilava entre
rígidas, contribuindo progressivamente para mudanças em seu esses dois comportamentos disfuncionais (agressividade e
repertório comportamental, incluindo não procrastinar o término passividade) e beneficiou-se com o treino de assertividade
da relação e a independência ante o parceiro. Tais modificações aplicado em sua terapia. Ainda nessa linha, Sanders, Halford
colaboraram para o aumento da percepção da paciente dos e Behrens (1999) verificaram associações importantes entre
seus próprios recursos e da sua autoconfiança, culminando a presença de déficits de comunicação e brigas nas relações
no término da relação extraconjugal que lhe causava bastantes sociais e amorosas, apontando que déficits não somente em
prejuízos. componentes verbais, mas também em não verbais (contato
Com a melhora do humor e a reestruturação cognitiva, visual, expressões faciais de emoção, posturas corporais,
a paciente inseriu atividades prazerosas e novos desafios em contato físico), influenciam na qualidade dessas relações, o
sua rotina (frequentava a academia, saía para teatro, cinema e que corrobora a importância do treino de habilidades sociais
com as amigas, ministrava palestras em sua área de formação), que considera tais aspectos.
aumentando, consequentemente, sua sensação de prazer e O histórico de vida da paciente contribuiu para a
satisfação. construção e ativação de uma série de crenças disfuncionais
a respeito de não ser amada, ser rejeitada e não ter valor.
DISCUSSÃO Tal maneira de pensar contribuiu para o desenvolvimento de
algumas estratégias, como a dependência das relações/amigos,
Com base nos resultados apresentados e mediante
a procrastinação (tanto em romper relações desfavoráveis como
análise das intervenções, a paciente obteve ganhos terapêuticos
nos aspectos acadêmicos e profissionais) e comportamentos
importantes. Tais dados corroboram a literatura prévia,
passivos e agressivos. Nesse sentido, a flexibilização cognitiva
apontando que intervenções da abordagem da TCC e a
também auxiliou na mudança comportamental da paciente,
associação destas com o THS são efetivas para a melhora do
bem como em uma mudança no quadro de humor depressivo,
quadro depressivo (Campos, Del Prette, & Del Prette, 2014).
em concordância com o estudo de Camargo e Andretta (2013).
Um importante indicador do sucesso terapêutico
O fato de a paciente ter recorrido à terapia individual de
relacionou-se à melhora do humor depressivo. Tais dados
forma isolada, recusando-se a seguir um tratamento psiquiátrico
puderam ser observados na terapia cognitiva, pois, sendo

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conjuntamente, pode ser uma das possíveis explicações para Bennett-levy J., Butler, G., Fennell, M., Hackmann, A., Mueller, M.,
a terapia ter se estendido em mais de 40 sessões. Apesar de & Westbrook, D. (Eds.). (2004). The Oxford guide to behavioural
experiments in cognitive therapy. Oxford: Oxford University
vários autores descreverem que não há diferenças nos resultados
Press.
de tratamentos combinados (farmacoterapia e psicoterapia)
e apenas psicoterapia (Segal, Vincent, & Levitt, 2002), outros Beck, A. T. et al. (1997). Terapia cognitiva da depressão (S. Costa,
Trad). Porto Alegre: Artmed.
consideram que o tratamento combinado tem melhores
resultados (Khan, Faucett, Lichtenberg, Kirsch, & Brown, 2012). Beck, A. T., & Haigh, E. A (2014). Advances in cognitive theory and
therapy: The generic cognitive model. Annual Review of Clinical
Por fim, um grande aliado da terapia foi o fato de a
Psychology, 10, 1-24.
paciente estar motivada a melhorar e ter apresentado um
forte desejo de desvincular-se da relação extraconjugal. Além Beck, A. T., & Bredemeier, K. (2016). A unified model of depression:
Integrating clinical, cognitive, biological, and evolutionary
disso, a qualidade da aliança terapêutica contribuiu para uma perspectives. Clinical Psychological Science. Advance online
boa adesão da paciente ao tratamento, culminando nos bons publication.
resultados da terapia.
Caballo, V. (2003). Manual de avaliação e treinamento das habilidades
Uma observação importante diz respeito à utilização de sociais. São Paulo: Livraria Santos.
intervenções em habilidades sociais, as quais, mesmo sendo o
Camargo, J., & Andretta, I. (2013). Terapia Cognitivo-Comportamental
foco principal do presente estudo de caso, não foram utilizadas para depressão: um caso clínico. Contextos Clínicos, 6, 25-32.
como ferramentas isoladas no tratamento clínico. Outras
Charlesworth, D., & Willis, J. H. (2009). The genetics of inbreeding
intervenções, como a reestruturação cognitiva e a resolução
depression. Nature Reviews Genetics, 10(11), 783-796.
de problemas, também foram importantes e contribuíram
para a melhora do humor e as modificações cognitiva e Campos, J. R., Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (2014).
Depressão na adolescência: Habilidades sociais e variáveis
comportamental. sociodemográficas como fatores de risco/proteção. Estudos e
Como limite do estudo, aponta-se o delineamento Pesquisas em Psicologia, 14(2), 408-428.
de estudo de caso, que impossibilita a generalização dos
Cardoso, L. R. D. (2011). Psicoterapias comportamentais no
resultados. Por fim, intervenções sobre a prevenção de tratamento da depressão. Psicologia Argumento, 29(67), 479-
recaídas no transtorno depressivo deveriam ter sido mais 489.
sistematicamente aplicadas ao longo da terapia devido às Cunha, J. A. (2001). Manual da versão em português das Escalas
múltiplas recaídas da paciente e não apenas nas sessões finais. Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Dattilio, F. M., Kazantzis, N., Shinkfield, G., & Carr, A. G. (2011). A
CONCLUSÃO survey of homework use, experience of barriers to homework,
and attitudes about the barriers to homework among couples
O processo de intervenção terapêutica do treinamento and family therapists. Journal of Marital and Family Therapy,
das habilidades sociais constituiu-se como um importante aliado 37(2), 121-136.
em seu processo de aprimoramento ou aquisição de habilidades Del Porto, J. A. (1999). Conceito e diagnóstico. Revista Brasileira de
sociais. Contribuiu para a melhora do humor e a redução dos Psiquiatria, 21, 06-11.
sintomas da depressão, resultando no término do envolvimento Dougher, M. J., & Hackbert, J. A. (2003). Uma explicação analítico-
extraconjugal que era disfuncional para a paciente e no aumento comportamental da depressão e o relato de um caso utilizando
do repertório de habilidades assertivas. procedimentos baseados na aceitação. Revista Brasileira de
Terapia Comportamental e Cognitiva, 5(2), 167-184.
Vale ressaltar que o treino de habilidades sociais,
embora muito efetivo no presente estudo de caso, não foi Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (1999). Psicologia das habilidades
utilizado como ferramenta única de intervenção, visto que a sociais. Petrópolis: Vozes.
reestruturação cognitiva e a resolução de problemas foram Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2001). Inventário de habilidades
importantes ferramentas auxiliares no processo de melhora sociais: Manual de aplicação, apuração e interpretação. São
Paulo: Casa do Psicólogo.
do humor da paciente.
Estudos futuros sobre essa temática são necessários, Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2008). Psicologia das relações
interpessoais: Vivências para o trabalho em grupo. Petrópolis:
principalmente no que tange à utilização de delineamentos
Vozes.
longitudinais, a fim de avaliar uma possível relação causal entre
a presença de déficits em habilidades sociais e a depressão. Da Motta Vieira Figueredo, P. (2005). A influência do lócus de controle
conjugal, das habilidades sociais conjugais e da comunicação
conjugal na satisfação com o casamento. Ciências & Cognição,
REFERÊNCIAS 6, 123-132.

American Psychiatric Association (APA). (2013). Diagnostic and statistical Fernandes, C. S., Falcone, E. M. D. O., & Sardinha, A. (2012).
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