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século XIX e início do século passado, ou na autonomia das mulheres, associada a uma concepçao

busca de saúde e prazer infinitos de conhecimento e reapropriação do próprio corpo.


contemporâneos. Esses contrapontos da SCAVONE, Lucila. “Anticonceptión, aborto y tecnologías
conceptivas: entre la salud, la ética y los derechos”. In:
‘natureza’ dos corpos, como mostra a autora, são
SCAVONE, Lucila (Org.). Género y salud reproductiva en
historicizados, mesmo que as temporalidades
América Larina. Cartago: Libro Universitario Regional,
sejam efêmeras por não ter uma datação precisa 1999. p. 25-31.
ou presa no calendário de determinada cultura. 2
FOUCAULT, Michel. A arquelogia do saber. 3. ed. Rio de
Desconstruir as formas discursivas, como faz Janeiro: Forense-Universitária, 1987.
Denise Sant’Anna, é evitar o perigo de transformar
o corpo em lugar dos universais.
1
Lucila Scavone traz essa discussão do primeiro
momento do movimento feminista, baseado na noção ANA MARIA MARQUES
de diferença e criando uma idéia de liberdade e
Universidade do Vale do Itajaí

A construção da ‘natureza feminina’ no


discurso médico
Uma ciência da diferença: sexo claras diferenças de caráter biológico e
e gênero na medicina da predeterminado entre os sexos. Essas diferenças
não seriam apenas físicas, mas eram também
mulher. psicológicas e morais. No discurso médico do
século XIX, o sexo era entendido como um
ROHDEN, Fabíola. elemento natural e biológico, responsável pelo
‘destino’ social de homens como provedores e
Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2001, de mulheres como esposas e mães. Apesar dessa
223 p. crença de que o sexo determinaria o destino,
Rodhen chama a atenção para o que entende
ser um paradoxo presente nos textos médicos: a
diferença sexual era vista como natural e, ao
Produto de uma tese de doutorado em mesmo tempo, como sendo ‘instável’ e ‘perigosa’.
Antropologia Social, o livro de Fabíola Rohden Conseqüentemente, seria necessário monitorar o
analisa a temática da diferença sexual nos processo de diferenciação sexual de homens e
escritos médicos do século XIX e início do século mulheres, em particular no início da puberdade,
XX, a partir das representações, das imagens que fase na qual “as influências do meio poderiam
estão na base da criação da medicina da prejudicar ou impedir que se chegasse ao
mulher. Inicialmente, diz a autora, a investigação resultado esperado, de amadurecimento sexual
visava a produzir uma história sobre a sexualidade e reprodutivo de homens e mulheres” (p. 204).
e a reprodução. O exame da documentação, Valendo-se da bibliografia existente sobre
entretanto, revelou que, “em boa parte do século o assunto, transita por várias problematizações
XIX especialmente, a medicina da sexualidade sobre a questão da diferença biológica e
e reprodução era a medicina sobre a mulher, discussões teóricas elaboradas por autores/as
expressa sobretudo na criação de uma como Thomas Laqueur, Londa Schiebinger, Michel
especialidade, a ginecologia, que se definia Foucault, Ornella Moscucci, Cynthia E. Russet, Jill
como ‘a ciência da mulher’” (p.31). L. Matus, entre outros. No diálogo estabelecido
Rohden persegue os caminhos tortuosos da com Laqueur, recupera a discussão sobre os dois
construção de uma determinada concepção de modelos de interpretação do corpo feminino em
diferença sexual entre homens e mulheres, relação ao masculino. O primeiro, herdado dos
demonstrando o empenho de médicos e gregos, que admitia apenas uma estrutura básica
cientistas europeus da época em estabelecer do corpo humano, a do macho, teria prevalecido

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até o Renascimento. Essa concepção de one- o século anterior, nas reflexões de Diderot,
sex model teria sido substituída pela idéia de dois D’Alembert, Roussel, Cabanis. No século XIX,
sexos, ou da diferença biológica, por volta do médicos e cientistas alimentaram esse debate
final do século XVIII e começo do XIX. Laqueur baseados nas descobertas ‘científicas’ da nova
informa que essa mudança não foi decorrente biologia, fornecendo cada vez mais elementos
de avanços científicos, mas das necessidades para provar e reafirmar o estatuto biológico e
ideológicas colocadas pela nova ordem social previamente dado aos sexos. Acreditavam que
e pelas modificações nas relações de gênero. a sexualidade feminina estava intimamente
Rodhen incorpora à sua análise as discussões ligada à função reprodutiva.
sobre a leitura e releitura do corpo no período, A segunda metade do século XIX presencia
mostrando que as correntes médicas um conjunto de mudanças socioeconômicas,
predominantes na Europa sobre a reinterpretação políticas e culturais, além de um intenso
biológica do corpo feminino serviram como fontes desenvolvimento tecnológico. No plano científico,
de inspiração das teorias médicas que as mudanças proliferam, verificando-se a
circulavam no Brasil nos séculos XIX e XX. construção do método anatomoclínico, a
Discorda, todavia, da leitura sobre a diferença transformação dos hospitais, a classificação das
sexual como sendo estática e dada a priori doenças, as descobertas de uma série de
(p.203). Afirma que “o autor não foi instrumentos, procedimentos e medicamentos,
suficientemente sensível a certos aspectos como os Raios X, o estetoscópio, as vacinas e o
fundamentais que revelam não apenas a clorofórmio. Laennec inova, introduzindo a
‘convivência’ de dois modelos, mas a natureza auscultação no diagnóstico e “inventa o
instável e perigosa da concepção de diferença estetoscópio por pudor, por não ousar colocar
entre os sexos elaborada pelos médicos do século sua orelha no peito de uma jovem moça” (p. 21).
XIX” (p. 20). A palavra ‘infecção’ começa a ser usada para
Já em Foucault, Rodhen inspira-se na explicar inúmeras doenças e a ‘assepsia’ alarga
concepção “da sexualidade como uma o campo da cirurgia. O debate em torno do
construção cultural e um processo complexo e darwinismo e da hereditariedade “propiciará o
instável, em que está em jogo uma multiplicidade nascimento de uma corrente de pensamento
de elementos discursivos” (p. 205-206) Sua tese marcada pelo fatalismo genético e que
aproxima-se do trabalho de Jill Matus, no que diz culminará no eugenismo” (p. 23).
respeito a sexo e reprodução na medicina. Matus Para além dessas transformações, também
concebe a diferença sexual como ‘instável’ e se verificam no período mudanças no mercado
‘precária’, logo, sujeita às influências sociais, de trabalho, no estilo de vida, bem como a
como por exemplo a educação feminina ou o propagação de um ideário feminista. A
exercício de uma atividade profissional. Essa necessidade de sobrevivência levou as mulheres
hipótese também aparece nas teses médicas pobres a buscar as fábricas ou os trabalhos de
elaboradas na Faculdade de Medicina do Rio baixa remuneração. Aquelas pertencentes às
de Janeiro, no século XIX e início do XX, nas quais classes média ou alta forçavam a participação
se baseia a pesquisa de Fabíola Rodhen. A na vida pública (p. 25). Todas essas modificações
medicina da mulher, no Brasil, propõe o estudo e despertaram o questionamento a respeito do
tratamento das doenças, “mas como uma lugar a ser ocupado pelas mulheres na
ciência da feminilidade, da diferença sexual e sociedade, do papel dos gêneros, das diferenças
das desordens sociais relacionadas com as entre os sexos, além do estabelecimento de
ameaças à delimitação dessa diferença” (p. 95). regras morais para o controle do comportamento
social. Qualquer tentativa de rompimento do elo
A concepção de ‘diferença mulher–reprodução representava uma ameaça,
biológica’ intensifica-se no século não apenas ao organismo feminino, como
XIX também à sociedade. As mulheres que lutavam
A relação entre a condição biológica e os por direitos ou que pretendessem ingressar em
papéis sociais atribuídos aos gêneros masculino uma profissão “masculina”, como a medicina, por
e feminino, a visão do corpo masculino como exemplo, eram vistas como uma ameaça à
superior em relação ao feminino e a maternidade ordem burguesa, sendo retratadas pelo discurso
como função essencial do sexo feminino não médico como “espécies híbridas”,
eram idéias novas; já se faziam presentes desde “degeneradas”, “vampiras” ou mesmo

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“assassinas”. Esses ‘desvios’ deveriam ser A medicina da mulher não encontra
submetidos a uma nova forma de normatização, correspondente para o sexo masculino. O homem
apoiada na perspectiva biológica de uma clara será alvo de preocupações em função da sífilis
distinção entre os sexos. e de outras doenças venéreas, que eram então
associadas à degeneração. No caso do gênero
O surgimento da ‘ciência da feminino, sua natureza era concebida como
mulher
mulher’’ ou da ginecologia potencialmente patológica, propensa a
A partir do século XIX, a medicina propõe perturbações e desordens: a ginecologia,
uma releitura do corpo feminino, momento em escreve Rodhen, é a especialidade que se
que se dá o surgimento da chamada ‘ciência constitui sobre essa lógica. Ademais, o surgimento
da mulher’, descrita como uma especialidade da ginecologia deve ser entendido dentro do
médica cuja origem se encontra no “terreno do contexto do século XIX, assolado pelos graves
interesse pela diferença” (p. 35). Segundo problemas ligados à miséria, às doenças mentais,
Rodhen, toda a produção sobre o corpo, aos ‘vícios’, que também represen-tariam fortes
sexualidade e reprodução na mulher partia das ameaças ao futuro da humanidade, daí serem
diferenças fundamentais entre homens e merecedores da atenção médica.
mulheres, e, nesse sentido, a medicina e, mais Muitas das teorias elaboradas pelos
precisamente, as especialidades voltadas à médicos desse período se basearam na idéia de
mulher e à reprodução convertem-se em uma fragilidade da natureza humana, a exemplo da
verdadeira ‘ciência da diferença’, na qual se teoria da hereditariedade, que desembocou em
podia antever um projeto de medicalização do uma visão de impossibilidade de igualdade social
corpo feminino. Os médicos teriam explicado a e política e nos movimentos eugênicos. “Com
inferioridade física, psicológica e intelectual da base nessa concepção elabora-se um esquema
mulher em relação ao homem como uma no qual o homem branco, civilizado, europeu
realidade inscrita no próprio corpo, lócus onde representaria a maturidade evolutiva em
natureza e destino se confundiam. Fenômenos contraste com a mulher, o negro, o primitivo, o
como puberdade, gravidez e menopausa não europeu” (p. 27). Além disso, a natureza era
afetariam a mulher de uma maneira sem entendida pelos cientistas da época como
equivalentes para o homem. “É com base nessa eminentemente hierárquica. No que tange à
visão biológica que se estabelecem os papéis divisão da sociedade em classes, esta deveria
sociais” (p. 38). As características anatômicas das ser valorizada para o bem do progresso social.
mulheres as destinariam à maternidade e não
ao exercício de funções públicas. A recusa da
A concepção de ‘diferença
maternidade, vista como a verdadeira essência biológica’ nas teses médicas
da mulher, ou da vida doméstica, era um indício produzidas no Rio de Janeiro
de for te ameaça aos padrões e valores Na parte final do livro, para interpretar a
estabelecidos para o sexo feminino. E, nesse questão da diferença sexual no Brasil, a autora
sentido, os médicos construíram papéis de analisa um conjunto de teses produzidas na
gênero, apoiando-se na diferença sexual, tendo Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, nas
firmes propósitos de extrapolar o simples cuidado últimas décadas do século XIX e início do século
das doenças femininas, abarcando assim vários XX. A produção médica mostra que “a medicina
aspectos da vida social e das relações de expressa uma preocupação singular com a
gênero. Obviamente, não havia uma única delimitação do papel social da mulher, baseada
perspectiva dentro da medicina. Até os anos de na valorização da maternidade” (p. 95). Nesse
1870, as mulheres que praticassem crimes como sentido, a sexualidade feminina constituiu-se em
o aborto ou infanticídio, ou fossem acometidas um dos focos principais da atenção médica no
de males como a loucura, “eram consideradas período estudado.
mais como vítimas da falta de tutela do que Um outro aspecto que mereceu atenção
responsáveis pelos seus atos”. No último quartel especial dos médicos ginecologistas foi a relação
do século XIX, pode-se verificar uma inflexão no entre órgãos genitais, sexualidade feminina e
discurso médico, que passa a “enfatizar a doença mental e seus respectivos tratamentos. A
periculosidade natural do sexo feminino”, em ênfase incidia, principalmente, sobre temas como
consonância com o modelo da degeneração em puberdade, menstruação, loucura, onanismo,
voga (p. 70). ninfomania, neurastenia, prostituição, desejo,

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menopausa, histeria, casamento, amor, entre da mulher à maternidade e ao lar e sobre uma
outros. As conseqüências dessa identificação dos ênfase nos perigos representados pelas tentativas
órgãos genitais com a sexualidade feminina e de rompimento dessa equação” (p. 149).
doenças mentais podem ser vistas nos
argumentos médicos sobre a puberdade, fase Um caso concreto: Abel PParente
arente
que marcaria o nascimento da diferença, para No capítulo que trata de um caso concreto
ficarmos em um único exemplo, entre os vários de esterilização de mulheres para fins
arrolados no estudo. Sendo o período da contraceptivos, envolvendo o médico italiano
puberdade muito propício ao aparecimento de Abel Parente, radicado no Brasil, onde residiu por
doenças, como a clorose, a histeria, a loucura, a 35 anos, Rodhen traz à tona as concepções sobre
ninfomania, essa fase precisaria de cuidados a diferença sexual como aparecem nas falas dos
muito especiais. Desse modo, exigia-se a profissionais que reagiram publicamente à
moderação de certas atividades caracterizadas questão. O método de esterilização do doutor
por dispêndio de energia intelectual. Sem muitos Abel Parente despertou uma ruidosa controvérsia
rodeios, mostrava-se que o “colégio, pelo convívio no meio médico brasileiro, em 1893, ano em que
que oferece e pela exigência intelectual, deve publicou na imprensa do Rio de Janeiro anúncios
ser preterido em prol da instrução fornecida pela para divulgar o seu novo invento. A polêmica
própria mãe da menina” (p.28). A leitura de surgida envolveu médicos, juristas, a Sociedade
romances e novelas e espetáculos que de Higiene do Brasil e a Academia Nacional de
prestigiassem as paixões também deveriam ser Medicina. O setor dividiu-se entre prós e contras.
evitados. Esse enfoque se repete em outras teses No debate travado sobre os procedimentos do
analisadas pela autora. esterilizador, a autora recorta, com muita
No discurso médico ‘oficial’, as perturbações precisão, os argumentos que refletem “a íntima
femininas consideradas prejudi-ciais ao bem ligação entre os pressupostos morais e as
público poderiam ser tratadas com a reclusão concepções científicas acionadas” (p.156). Dessa
da mulher em asilos apropriados, sob os cuidados maneira, estabelece uma ligação entre as
médicos. Uma das principais doenças que concepções sobre a diferença discutidas no livro
afetavam as mulheres, de acordo com os e como estas se materializaram nas polêmicas
médicos brasileiros, era a histeria. A cura para em torno de um caso concreto.
esse mal seria o casamento. Para concluir, gostaria de assinalar que o
Nas últimas décadas do século XIX, teria livro de Fabíola Rodhen nos mostra como as
ocorrido uma valorização da mulher no que mulheres foram percebidas pelos médicos do
tange à reprodução, que se “torna-se século XIX e início do XX – ora ‘normais’, ora
especialmente importante, como uma reserva ‘prostitutas’ –, apontando como se deu a criação
moral da sociedade, na medida em que está dos infindáveis estereótipos em torno do gênero
mais próxima da religião, do amor, da feminino. É fundamental apreendermos os
abnegação e da dedicação aos outros” (p. 123). caminhos de construção masculina das
Algumas teses mostraram que o ‘sistema identidades das mulheres: frágeis, loucas,
nervoso’ feminino representou a base para a perigosas, degeneradas, prostitutas ou fatais.
formulação da natureza feminina, e os papéis Essas crenças atribuíram legitimidade à pratica
sociais vinculavam-se sempre às teorias e ao discurso médico do século XIX. Em uma
biológicas vigentes à época. Em tese datada de linguagem clara, Fabíola Rodhen demonstra que,
1840, Firmino Junior diz que “as mulheres são mais no Brasil, como em outros contextos sociais
sensíveis, mais impressionáveis, extremosas, em europeus, no século XIX e início do século XX, as
tudo, dadas as coisas de pouca ou nenhuma teorias médicas fundamen-taram as
consideração, mais eloqüentes, mais sujeitas a interpretações relativas à diferença sexual, não
serem vencidas, graciosas em todos os seus atos; como uma diferença imutável e estática, mas
finalmente, é no sistema nervoso que reside toda ‘instável’ e ameaçadora.
a vida da mulher” (p. 109).
Rodhen afirma que, na maior parte das
teses analisadas, a “linha geral da argumentação ELISABETH JULISKA RAGO
é traçada sobre uma quase redução das funções Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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