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A presente obra tem por objetivo discutir a aplicação de meios Cícero Dantas Bisneto
não pecuniários de reparação do não patrimonial no direito brasi-
leiro. A partir da constatação da predominância, no campo práti-
co, de um modelo exclusivamente monetário de compensação de
danos extrapatrimoniais, em face de um alargamento do campo
Academia Academia
Cícero Dantas Bisneto
Academia
Florianópolis
2019
Cícero Dantas Bisneto
Copyright© 2019 by Cícero Dantas Bisneto
Editor Responsável: Aline Gostinski
Capa e Diagramação: Carla Botto de Barros
14/03/2019 18/03/2019
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Todos os direitos desta edição reservados à Tirant Empório do Direito Editoral Ltda.
no caso a prisão arbitrária do postulante, à época estudante de bio- Não se põe em dúvida, tomando emprestada a expressão utili-
logia, deveria ser indenizada na forma do pagamento de uma bolsa zada por André Tunc, que a função indiscutível da responsabilidade
acadêmica e os demais custos necessários para que ele retomasse e civil é a indenizatória em seu sentido estrito, dela não se podendo
concluísse seus estudos. apartar mercê de uma secular tradição iniciada ainda no Direito
O mesmo se diga do conhecido caso Caracazo vs. Venezuela, romano e que consagrou a condenação em dinheiro como seu ins-
quando se determinou ainda, sob o primado da reparação integral, trumental base. Basta recordar suas razões fundamentais: o respeito
medidas ex faciendo como a obrigação de apurar notícias de desapa- à individualidade e a limitação do Estado para incidir sobre a vida
recimento, implementar a capacitação das forças armadas e a, hoje, dos cidadãos em seus negócios particulares. Um compromisso, em
já bem aceita publicação da sentença da Corte em jornais do país. essência, libertário que pode ser resumido no clássico: nemo potest
Igualmente podem ser lembradas condenações na criação de cursos praecise cogi ad factum. Responda o patrimônio do agressor por seus
escolares (Gutiérrez Soler vs. Colômbia) e o fornecimento de certos atos delituosos, não sua liberdade.
serviços públicos de modo gratuito (Barrios Altos vs. Peru). Nada obstante, não conheciam os romanos com propriedade
Tais medidas de reabilitação já haviam sido cogitadas nos es- o fenômeno da personificação jurídica e, muito menos, que ela,
tudos do professor Theo van Boven relativamente às reparações a sobretudo as públicas, seriam a causa da quase totalidade dos casos
serem consideradas nos episódios de graves violações internacionais envolvendo violações imateriais aos indivíduos. Nesse contexto,
aos Direitos Humanos e que dão parte do substrato da Resolução efetivamente, não se pode considerar que a indenização pecuniária
60/147 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 16 de novembro seja o único dos mecanismos postos à disposição da responsabi-
de 2005. Para além dos mecanismos tradicionais de indenização em lidade civil para permitir, repete-se, uma adequada reparação ao
dinheiro (compensation), a norma da ONU alude ainda à restituição dano moral.
(restitution), concernente a toda forma de devolução da vítima ao O mesmo Tunc antes referido dirá que, apesar de primária,
status quo ante, e a mencionada reabilitação (reabilitation), destina- “é preciso reconhecer as graves fraquezas da responsabilidade civil
da a verter para o lesado toda uma série de prestações estatais para em sua função indenizatória”. Tudo isso advoga a necessidade de
lhe devolver o elã da existência que fora violado. que, realmente, nossa dogmática comece a pensar a possibilidade
Nesse contexto, a perspectiva do autor é a de que o dano de implementar indenizações in natura. A proposta, já inicialmente,
extrapatrimonial não se submeteria propriamente ao princípio aporta a vantagem sistêmica de se permitir uma compensação ampla
da reparação integral, suposto que ele, em sua inteireza, somente e que venha a guardar correspondência com o que resultou agredido,
alcançaria aquelas lesões de natureza material; a partir de tal pre- a saber, o patrimônio ideal das pessoas. Assim, para casos de viola-
missa, advoga a possibilidade de que o dano extrapatrimonial seja ções graves, além da indenização em dinheiro, outras modalidades
aquilatado a partir do que denomina reparação adequada, onde condenatórias poderão se somar de modo a permitir uma reparação
seria ofertado “à vítima uma miríade de soluções, não apenas pecu- de fato compatível com a perda sofrida.
niárias”. A afirmação revela-se, em nosso sentir, mais que adequada Além disso, a reparação não pecuniária possuiria o mérito de,
em sua conclusão. se não evitar, pelo menos diminuir o excesso de monetização tão
criticado na doutrina e desapreciado pelos tribunais. Jocosamente
16 FORMAS NÃO MONETÁRIAS DE REPARAÇÃO DO DANO MORAL PREFÁCIO — BRUNO LEONARDO CÂMARA CARRÁ 17
denominado de “paradoxo agrida-me por favor”, é inegável sua e os incontáveis dramas humanos que de modo diuturno cobram
vinculação com a visão estritamente pecuniária da indenização do da Justiça soluções compatíveis com os tempos em que vivemos,
dano moral. Na medida, entretanto, em que se vem a sugerir meios Cícero - e no ponto faz jus a seu ilustre homônimo - nos provoca
alternativos para a recomposição da lesão extrapatrimonial, é possí- a descortinarmos eventuais preconcepções na procura de uma res-
vel que haja um natural desestímulo na procura ao Poder Judiciário ponsabilidade civil plena.
para apreciar demandas que, pela sua simplicidade, possam ter como Uma leitura necessária para quem deseja, de algum modo, re-
resultado prático condenação que não seja em dinheiro. fletir sobre o futuro do dano extrapatrimonial.
Por fim, é preciso esclarecer que, se bem tenha sido imple-
mentada nas últimas décadas dentro de um contexto relacionado à
preservação de direitos humanos, a temática é inerente à cidadela Bruno Leonardo Câmara Carrá
do Direito Civil. O problema, claramente, já existia na Alemanha
antes mesmo de seu atual Código Civil, o conhecido Bürgerliches
Gesetzbuch - BGB. Atrelado à tradição romanística e não ao padrão
dado pelo Código Civil dos franceses de 1804, o BGB diz em seu §
249 (1) que a recomposição ao estado anterior e não a indenização
genérica em dinheiro (Schadensersatz in Geld) seria o princípio reitor
da responsabilidade civil.
A reparação in natura com a restituição do status quo como
meta, todavia, passou a ser vista como eflúvios de um romantismo
jurídico que não caberia mais no Século XX. Exemplo disso foram,
na Argentina, as acerbas críticas feitas por Alfredo Orgaz à reforma
da Lei 17.711/68 que passou a preconizar, do mesmo modo que o
BGB, a restituição sobre a indenização: “en suma, después de la re-
forma del art. 1083, lo que aparece en la ley como principio general,
es solamente la excepción en la vida real; y lo que aquella presenta
como excepción, es, al contrario, la regla general”.
É fundamentalmente contra tal perspectiva que se busca, ao
fim e ao cabo, objetar. Através de um coerente e muito bem articu-
lado discurso argumentativo, o autor demonstra com uma invulgar
precisão técnica, que logo anima seu leitor, de como é possível obter
reparações in natura no âmbito da responsabilidade civil sem que
isso possa ser considerado um preciosismo sem utilidade. Longe de
sugerir um diletantismo estéril, sem vinculação com demandas reais
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
CAPÍTULO 2
CONFIGURAÇÃO DO DANO EXTRAPATRIMONIAL
INDIVIDUAL INDENIZÁVEL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
2.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA REPARABILIDADE DO
DANO EXTRAPATRIMONIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
2.1.1. Danos morais nos povos da Antiguidade oriental . . . . . . . . . . 30
2.1.2. Danos morais no Direito Romano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
2.1.3. Danos morais no Direito francês . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
2.1.4. Danos morais no Direito alemão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
2.1.5. Danos morais no Direito italiano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
2.1.6. Danos morais no Direito português . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
2.1.7. Danos morais no Direito brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
2.2. CARACTERIZAÇÃO DO DANO
EXTRAPATRIMONIAL INDIVIDUAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
2.2.1. Concepções negativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
2.2.2. Concepções positivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
2.2.2.1. Dano moral como dor e sofrimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
2.2.2.2. Dano moral como lesão à dignidade humana . . . . . . . . . . . . . . . . 83
2.2.2.3. Dano moral como lesão a direitos da personalidade . . . . . . . . . . . 89
2.2.3. Expansão dos danos ressarcíveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
CAPÍTULO 3
REPARAÇÃO ADEQUADA DOS DANOS
EXTRAPATRIMONIAIS INDIVIDUAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
3.1. FUNÇÕES DA REPONSABILIDADE CIVIL . . . . . . . . . . . . . . 109
3.1.1. Inaplicabilidade da indenização punitiva no sistema jurídico
brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
3.1.1.1. A pena privada na tradição romano-germânica . . . . . . . . . . . . . . 113
3.1.1.2. A pena privada na tradição anglo-americana . . . . . . . . . . . . . . . . 120
3.1.1.3. Incompatibilidade da indenização punitiva com o sistema
20 FORMAS NÃO MONETÁRIAS DE REPARAÇÃO DO DANO MORAL