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A BÍBLIA AINDA FALA

Desde a invenção da imprensa por Gutemberg em 1434, a Bíblia tem se


popularizado cada vez mais, chegando aos recantos mais escondidos da terra.
Mas apesar da sua popularidade, não são poucos os que se sentem
desorientados neste emaranhado de livros, personagens e acontecimentos
diferentes. Uma das primeiras coisas que o leitor da Bíblia precisa ter
consciência é o imenso abismo cultural existente entre o ele, que está no século
XXI, e os redatores do texto bíblico, que viveram, no mínimo, há cerca de 2000
anos. Se o próprio Pedro reconheceu que as cartas de Paulo contêm alguns
pontos difíceis de entender (2 Pe 3,16), imagine eu e você!

De um lado temos diversos livros, escritos originalmente em idiomas


desconhecidos (hebraico, grego e aramaico), em gêneros literários diversos
(narrativas, parábolas, poesia, epístolas, etc.) e em contextos sócio-culturais
completamente diferentes dos de hoje (relações familiares, valores, vestuário,
costumes, etc.). Do outro lado está o leitor, ansioso por encontrar no Livro
Sagrado respostas para questões que o inquietam no seu dia-a-dia. Mas esse
leitor, geralmente pouco preocupado com todos esses detalhes, acaba
sucumbindo diante das primeiras dificuldades encontradas ao se debruçar sobre
o texto.

Um passo importante que o leitor da Bíblia precisa dar para compreender


melhor a Escritura Sagrada é se informar a respeito da origem do material
utilizado como fonte para as traduções das Bíblias modernas. Dessa reflexão
podem surgir as seguintes perguntas: Há manuscritos originais escritos de
próprio punho por Isaías, Oséias, Paulo ou João? Se não, de que material
dispomos, onde se encontram e quando foram escritos? Todos os manuscritos
de um mesmo livro são iguais ou apresentam divergências? Se há divergências,
qual deles se aproxima mais dos originais? Por último: quem definiu quais
livros são inspirados e que critério utilizou?

Sim, tais perguntas são um tanto quanto espinhosas. Em certos períodos da


história do cristianismo tais indagações teriam como revide uma resposta mais
ou menos assim: “o inferno foi feito para pessoas curiosas como você!”. Bastante
ameaçador, não acha? Mas nesta e nas demais colunas que serão publicadas
aqui, procurarei abordar a complexa e instigante história da Bíblia com a maior
clareza e honestidade possíveis. Na próxima lição veremos como e quando os
primeiros manuscritos bíblicos foram produzidos e como chegaram até nós. Até
lá!

O ANTIGO TESTAMENTO

Na lição de hoje falarei a respeito dos textos usados como base para as traduções
do Antigo Testamento. Inicialmente é preciso dizer que não temos textos
originais escritos, por exemplo, pelo profeta Isaías, pelos diversos autores dos
Salmos ou pelo autor do livro de Reis. Infelizmente tais escritos não foram
preservados. O que temos são cópias, escritas em hebraico, em grego e outros
idiomas, como o latim. Está desapontado? Calma, não há razões para isso!
É importante compreender que naquele tempo os textos eram escritos à mão,
em materiais como o papiro, o couro, a cerâmica ou em metal. O papiro, feito do
caule de uma planta, é frágil, com durabilidade curta. Os textos preservados em
couro podem durar bastante, como os Manuscritos do Mar Morto, uma série de
escritos encontrados nas imediações do Mar Morto a partir de 1947. mais antigo
de que dispomos – escrito em prata - vem dos anos 700 a 600 antes de Cristo,
período em que são situados os governos dos reis Ezequias e Josias.

O objeto, um amuleto usado no pescoço, foi usado por um judeu que acreditava
no poder mágico e protetor do texto sagrado (é mais ou menos como o que
muita gente faz hoje com o Salmo 91). Conhecido como amuleto de Ketef
Hinnon, o artefato tem esse nome porque foi encontrado em uma câmara
funerária no vale de Hinnon, em Jerusalém. Ele contém as bênçãos sacerdotais
de Nm 6,24-26:

“Deus te abençoe e te guarde,


O Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti, e tenha misericórdia de ti;
O Senhor levante sobre ti o seu rosto, e te dê a paz”.

Sem dúvida uma descoberta surpreendente, você não acha? Em segundo lugar
no quesito antiguidade, aparece o papiro de Nash, encontrado em 1902 no Egito
e datado para a metade do século II a.C. Ele contém os dez mandamentos = Ex
20,2-17 /Dt 5,6-21 e um texto muito estimado pelos judeus, presente em Dt 6,4-
5. Você pode consultar o manuscrito online acessando o site da Biblioteca
Digital da Universidade de Cambridge (o link será inserido no final do texto).

Fora os manuscritos de Ketef Hinon e o papiro de Nash, os registros mais


antigos de textos do Antigo Testamento em hebraico foram encontrados entre
os anos de 1947 e 1956 em algumas grutas na região de Qumran, às margens do
Mar Morto, em Israel. Datados em geral de 100 a.C. - 100 d.C. esses
documentos – escritos em pergaminho, papiro ou cobre - ficaram conhecidos
como Manuscritos do Mar Morto (MMM). De todos os livros que compõem a o
Antigo testamento, apenas Neemias e Ester não foram encontrados em Qumran.

A descoberta, considerada um dos mais importantes achados arqueológicos do


século XX, ganhou as manchetes dos jornais de todo o mundo, uma vez que
eram cerca de mil anos mais antigos que os manuscritos usados até hoje como
base para nossas traduções (como o Códice Leningrado, datado para o século X
d.C.). Contrariando a expectativa de alguns céticos, as diferenças entre os textos
dos manuscritos do Mar Morto e os manuscritos medievais eram
insignificantes. Um detalhe que revela o extremo cuidado que os judeus tinham
na transmissão do texto sagrado.

Bem, por hoje é só. Na semana que vem falarei sobre os manuscritos do Novo
Testamento.

Links:
Um vídeo, em inglês, mostrando o amuleto de Ketef Hinnon e a gruta na qual foi
encontrado: https://cudl.lib.cam.ac.uk/view/MS-OR-00233/1

Papiro de Nash: https://cudl.lib.cam.ac.uk/view/MS-OR-00233/1

O Rolo de Isaías encontrado nas grutas do Mar Morto:


http://dss.collections.imj.org.il/isaiah#1:7

O Códice Leningrado, manuscrito medieval que contém o texto do Antigo


Testamento completo e é usado ainda hoje como base para as traduções do
nosso Antigo Testamento:
https://archive.org/stream/Leningrad_Codex/Leningrad#page/n8/mode/2up

O NOVO TESTAMENTO

Os primeiros textos sagrados produzidos pelos seguidores de Jesus foram


as cartas de Paulo, escritas a partir da década de 50. Embora estejam
posicionados na Bíblia antes das cartas de Paulo, os Evangelhos só começaram a
ser escritos 10 ou 15 anos após 1 Tessalonicenses, por exemplo. Paulo
certamente não leu os Evangelhos. As pregações do apóstolo foram feitas a
partir dos textos do Antigo Testamento (Paulo era fariseu), da experiência
impactante que teve no caminho para Damasco (At 9,3; Gl 1,12) e do
testemunho que recebeu dos discípulos mais próximos de Jesus (1Co 15,3-8).

Quando Paulo usa a expressão “toda a Escritura” (1Tm 3,16,) está se referindo
ao Antigo Testamento (como em 5,18, citando Dt 25,4). O termo “Escritura”,
usado por ele, não se refere a todo o Novo Testamento por uma razão muito
simples: o Apocalipse, por exemplo, foi escrito pelo menos trinta anos após sua
morte. Além do mais, a definição dos livros que compõem o nosso atual Novo
Testamento só ocorreu no século IV. Talvez você esteja se perguntando a
respeito dos textos originais produzidos discípulos de Jesus. Bem, assim como
no caso do Antigo testamento, não temos documentos originais. Mas dispomos
de cópias bem antigas.

O mais antigo registro dos Evangelhos é um papiro (conhecido tecnicamente


como Papiro P 52) contendo um fragmento do Evangelho de João, datado para
125 d.C. Além dos diversos fragmentos de papiro, os livros do Novo Testamento
também são citados em escritos produzidos pelos chamados Pais da Igreja,
líderes cristãos que viveram após a morte dos apóstolos. Dentre eles se
destacam Justino Mártir, Irineu, Clemente de Alexandria, Orígenes, etc. Mas há
ainda outros registros importantes.

Além dos fragmentos de papiro e citações antigas feitas pelos primeiros cristãos,
os mais antigos códices (folhas de couro encadernadas como um livro) do Novo
Testamento são o Códice Sinaítico (contém o Novo Testamento inteiro) e
o Códice Vaticano (faltam algumas cartas paulinas e o Apocalipse), ambos
do século IV d.C. e descobertos somente no século XIX. Antes dessa grande
descoberta, os textos do Novo Testamento das nossas Bíblias vinham de outros
manuscritos, menos confiáveis.
Simplificando bastante, é possível dizer que há dois grandes grupos de
manuscritos do Novo Testamento: o primeiro, datado para o fim da era
medieval (1200-1300 d.C.), foi usado, por exemplo, por Lutero, e é ainda hoje
utilizado como base para as traduções de Bíblias como a Almeida Corrigida e
Fiel (ACF) e a King James. O segundo, descoberto no século XIX e datado para o
século IV d.C., é usado em versões como a NVI, a Almeida Revista e Atualizada e
a Bíblia de Jerusalém. Isso explica pequenas diferenças entre as Bíblias que
usam como fonte para suas traduções os manuscritos medievais e as que
utilizam os manuscritos mais antigos.

Uma das mais frequentes críticas às traduções que usam como fonte os
manuscritos mais antigos, como NVI ou a Almeida Revista e Atualizada (ARA),
é a colocação entre colchetes de dois versos que aparecem em 1 Jo 5,7-8 (o
colchete indica que estão sob suspeita). O texto é colocado entre colchetes
porque não aparece nos manuscritos mais antigos. Tal atitude provocou muita
inquietação no meio cristão, pois foi levantada a hipótese de que a verdadeira
intenção dos responsáveis por essas versões é negar a doutrina da
trindade. Será?

O mais provável mesmo é que esse texto tenha sido acrescentado mais tarde ao
texto original. Mas você não precisa se preocupar: de modo geral os teólogos
preferem usar outros textos para defender a doutrina da trindade (veja p. ex. Mt
28,19; Jo 1,14; 1Co 8,6; Fp 2,7-10; 1Jo 5,20). Fundamentar uma doutrina
usando apenas versos entre colchetes é algo perigoso, pois não é possível saber
com certeza se faziam parte do texto original.

Agora que você sabe a razão da presença dos colchetes em algumas versões, faça
uma experiência: acesse uma Bíblia online clicando no link abaixo e compare 1
Jo 5,7-8; Mt 17,21; Mt 18,11; Mt 23,14; Mc 7,16 nas versões “João Ferreira de
Almeida Revista e Atualizada” (ARA) e “João Ferreira de Almeida Corrigida e
Revisada, Fiel” (ACF). Repare que os colchetes aparecem na ARA, mas não na
ACF.

http://www.bibliaonline.net/bol/

O PROBLEMA DAS TRADUÇÕES

Caso você venha acompanhando as lições desde o início, então já sabe que não
dispomos de registros do texto bíblico escritos de próprio punho por Isaías,
Ezequiel, Mateus ou Tiago, por exemplo. O que temos são cópias. É preciso
compreender que os textos eram escritos à mão, num processo lento e
complexo. Eles não tinham impressora a laser, copiadora ou scanner. Também
não tinham à sua disposição cadeiras confortáveis com espuma injetada, ar
condicionado e luminária com lâmpada de led. Vez por outra cometiam um erro
aqui e ali. Mas tenha calma, não há razões para pânico.

Ao compararem cópias diferentes de um mesmo texto, os especialistas notaram


alguns desses pequenos deslizes dos copistas: letras trocadas, palavras ausentes,
acréscimos feitos com o propósito de explicar melhor um texto obscuro, etc. A
notícia boa é que esses erros vêm sendo catalogados há séculos por outros
copistas mais atentos. Essas informações preciosas, somadas ao trabalho
incessante de biblistas modernos, permitem que tenhamos traduções cada vez
melhores. Algumas pessoas, alheias a todos esses detalhes, acabam achando que
estão “mudando a Bíblia”. Mas é justamente o contrário! A ideia é produzir
textos cada vez mais próximos dos originais.

Bem, além do problema das cópias, há outra questão envolvendo o texto bíblico
que tem sido motivo de muita confusão: as traduções. Nem sempre os
tradutores concordam em relação ao sentido de uma palavra, gerando versões
do texto bíblico muito diferentes entre si. Neste caso as diferenças entre versões
são explicadas pelas opiniões diferentes do tradutor em relação às palavras e
não pelas diferenças entre os manuscritos utilizados como fonte para as
traduções. Este tipo de problema não atinge apenas as Bíblias. Textos
produzidos por filósofos alemães, por exemplo, também ganham versões
diferentes quando traduzidos para o português.

Para complicar ainda mais, os tradutores também divergem entre si a respeito


do método de tradução: formal ou equivalência dinâmica? Aqueles que optam
pela “tradução formal” produzem uma tradução bem literal. Veja como ficou Mt
11,28 na tradução formal: “Vinde a mim, todos os que estai cansados e
oprimidos, e eu vos aliviarei” (versão João Ferreira de Almeida). Os adeptos da
tradução pelo método da equivalência dinâmica preferem mudar a estrutura
original do texto para facilitar seu entendimento. O mesmo verso de Mateus, na
Nova Tradução na Linguagem de Hoje ficou assim: “Venham a mim, todos vocês
que estão cansados de carregar as suas pesadas cargas, e eu lhes darei
descanso”.

Há vantagens e desvantagens em cada um dos métodos de tradução. Traduções


muito literais podem tornar o texto praticamente incompreensível para pessoas
mais simples, com pouco estudo. Por outro lado, traduções muito informais,
podem acabar distorcendo o sentido original do texto. O ideal é um equilíbrio
entre os dois métodos. Darei mais um exemplo. Eclesiastes 1,2, traduzido
literalmente ficaria mais um menos assim: “névoa das névoas, diz qohelet,
névoa das névoas, tudo é névoa”. Estranho, não?

É preciso compreender que quando o escritor sagrado diz que “tudo é névoa”,
quer com isso indicar que, aos seus olhos, a riqueza, a fama e até mesmo os
elementos da natureza “se vão” com o tempo. Quando uma pessoa revela muita
preocupação com a aparência ou com seu status social, dizemos que ela é
“vaidosa”, ou seja, que se preocupa demais com as coisas fúteis, vazias, ilusórias,
que se vão com facilidade. Em nosso uso diário a palavra portuguesa “vaidade”,
do latim “vanitas” (=vazio), perdeu seu sentido original e assim acaba não
expressando bem o sentido que o texto bíblico quer dar (vou tratar sobre isso
mais adiante).

Agora repare que optei por não traduzir a palavra hebraica “qohélet” (A Bíblia
de Jerusalém também não traduz). Ocorre que ninguém sabe ao certo o
significado dessa palavra, que aparece uma única vez em toda a Bíblia!
“Qohélet” deriva da palavra hebraica qahal (assembleia) o que talvez sugira que
Qohélet seja uma pessoa que discursava numa assembleia. Algo como um
“palestrante”, “sábio” ou “mestre” que discursa para um público interessado em
ouvi-lo (Lutero traduziu o termo por “pregador”). Compare a tradução do termo
em algumas versões bíblicas clicando no link no final do texto.

Acho que já deu para perceber que traduções excessivamente literais não
ajudam muito, não é mesmo? Em certa medida todo o tradutor interpreta a
palavra com a qual se depara. Mas como eu já disse, é preciso equilíbrio e
cuidado para não exagerar. Vejamos mais um exemplo.

Embora eu reconheça que a Nova Versão Internacional (NVI) deva ser alvo de
muitos elogios, sua tradução de 1Co 6,9, contém um erro imperdoável. Na
relação de pecados condenados no texto, o termo grego “arsenokoitai” foi
traduzido por “homossexual ativo”! Embora não faltem textos no livro sagrado
condenando a relação sexual entre homens (como Rm 1,27), esta palavra grega
utilizada por Paulo aparece uma única vez na Bíblia e não ocorre em textos
gregos seculares antigos. É bem provável que se refira a algum tipo de pecado
sexual, mas é impossível saber ao certo de que se trata.

Mas não quero aqui demonizar as versões com linguagem popular. Em minha
opinião a Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH) conseguiu se
aproximar bastante do sentido da palavra “névoa” em Ecl 1,2. Sua tradução
ficou assim: “É ilusão, é ilusão, diz o Sábio. Tudo é ilusão”. Como em nossos dias
a palavra “vaidade” está associada à preocupação com a aparência, o tradutor
buscou um termo que tivesse um sentido mais abrangente (particularmente
prefiro as palavras “transitório” ou “passageiro”). Isso explica seu conselho em
11,9-10: “jovem... sê feliz nos dias da tua mocidade... pois juventude e cabelos
negros são névoa” (na sua versão provavelmente aparece a palavra “vaidade”).
Dizendo de maneira bem clara: “aproveita a tua mocidade, porque os cabelos
negros (ou seja, o vigor da juventude) são passageiros”.

Bem, o texto desta lição ficou mais longo do que eu desejava, então vou parando
por aqui.

http://www.bibliaonline.net/acessar.cgi?pagina=avancada

QUEM DIVIDIU A BÍBLIA EM CAPÍTULOS E VERSÍCULOS?

Consultar as Escrituras, no tempo de Jesus, não era uma tarefa tão fácil como é
hoje em dia. Os textos eram escritos em rolos compridos e difíceis de manipular.
Quando você lê, em Lc 4,17, que Jesus “abriu” o livro de Isaías numa sinagoga
de Nazaré, na verdade deveria ler “desenrolou” (a palavra grega do texto indica
exatamente isso). Mas não precisamos pegar no pé dos tradutores, que
geralmente tentam descomplicar o texto para os leitores não familiarizados
como o mundo de Jesus. Além disso ainda não havia, como atualmente, divisões
em capítulos e versículos.

As Bíblias que usamos hoje em dia aparecem divididas em capítulos (divisões


maiores) e versículos (divisões menores), um recurso que facilita a localização
daquele verso que você tanto gosta. Os primeiros a dividirem as Escrituras
Sagradas em porções menores para facilitar sua leitura foram os judeus. As
divisões tinham intenção litúrgica (uso na reunião religiosa). Os textos eram
divididos para facilitar sua leitura nas reuniões em ocasiões especiais, de acordo
com um plano pré-estipulado:

 A Toráh (o nosso Pentateuco) foi dividida em 54 seções chamadas


parashot (divisões);

 Os profetas também foram divididos em 54 trechos denominados


haftarot (despedidas);

Os cristãos da igreja primitiva também pensaram num método de divisão que


facilitasse a leitura da Bíblia. E assim o Novo Testamento acabou sendo
fracionado para facilitar a localização de determinados trechos da Escritura.
Isso pode ser visto em alguns manuscritos do século V (Mateus tinha 68
capítulos, Marcos 48, Lucas 83 e João 18).

Mas a divisão da Bíblia em partes menores tal como conhecemos hoje só surgiu
em 1220, quando Estephen Langton, futuro arcebispo de Canterbury (na
Inglaterra), criou a divisão em capítulos. A primeira Bíblia dividida desse modo
(uma versão escrita em latim) foi realizada em paris e ficou conhecida como a
Bíblia parisiense. Em 1525 foi publicada uma Bíblia rabínica seguindo a divisão
feita por Langton.

O crédito da divisão da Bíblia em versículos é dado ao dominicano italiano


Santos Pagnino, que publicou em Lião (Itália), em 1528, a primeira Bíblia
organizada desse modo. Robert Stephanus, um editor protestante, fez mudanças
no seu trabalho. Em relação ao Antigo Testamento fez pequenos retoques. No
que diz respeito ao Novo Testamento, reelaborou todo o trabalho de Pagnino.
Stephanus publicou o primeiro o Novo Testamento em 1551, depois a Bíblia
completa, em 1555. Seu modo de dividir o texto bíblico foi mais tarde adotado
em todo o mundo.

É importante compreender que nem sempre essas divisões ajudam na leitura.


Na verdade, elas até podem confundir. Um exemplo bem conhecido de divisão
incorreta aparece no relato da criação, no livro de Gênesis. O capítulo 1 deste
livro deveria terminar no capítulo 2, verso 4, parte A. Eu explico.

No início de Gênesis temos dois relatos da criação. O primeiro deles se preocupa


com a criação do mundo como um todo, que ocorre em sete períodos, sendo o
último reservado ao descanso divino (Gn 1,1-31). Mas repare que o sétimo dia da
criação foi erroneamente inserido nos quatro primeiros versos do capítulo 2. O
capítulo 1 deveria terminar em 2,4a: “Essa é a história do céu e da terra, quando
foram criados”. Enfim, este verso encerra o primeiro relato, que começa no dia
um e termina no dia sete.

O segundo relato destaca a criação do homem e da mulher (2,1-25). Ele deveria


começar em 2,4b: “No tempo em que o Senhor Deus fez a terra e o céu não havia
ainda nenhum arbusto... e nenhuma erva”. Na sequência o texto nos informa
que “não havia homem para semear o solo” (2,5), um detalhe que explica a
ausência de vegetação na primeira parte do verso 5. A falta de um responsável
pelo cultivo é solucionada quando Deus cria o primeiro homem a partir da
modelagem do primeiro homem, feito de argila, que ganha vida após o sopro
divino. Percebendo que a solidão do homem (ish, em hebraico) não era boa,
Deus cria também a mulher (ishá, em hebraico), para que lhe sirva de
companheira (2,18). Lendo o texto dessa maneira, tudo fica bem explicadinho.

Bem, a ideia desta lição é chamar a atenção para a necessidade de uma leitura
mais atenciosa do texto sagrado. Embora tenham sua utilidade, não confie tanto
nas divisões em capítulos e versículos. Também tenha cautela com títulos dos
capítulos, que também foram acrescentados com a finalidade de facilitar a
compreensão do texto.

Por hoje é só. Na semana que vem tem mais. Até lá.
UMA BREVE HISTÓRIA DA INTERPRETAÇÃO BÍBLICA

O método de interpretação usado pelos primeiros seguidores de Jesus foi a


alegoria. Esse jeito de interpretar as Escrituras Sagradas foi praticamente uma
unanimidade entre os cristãos (e judeus) até que Lutero fez duras críticas ao
método. Mas o que é uma alegoria e por que o reformador a rejeitou? Calma, eu
vou explicar.

Após Cristo ter deixado fisicamente os apóstolos, a “Bíblia” dos judeus (nosso
Antigo Testamento) foi acolhida como texto sagrado pelos cristãos. Com isso, os
primeiros pensadores cristãos sentiram a necessidade de adequar o Antigo
Testamento à nova fé. Parte dessa tarefa foi feita pelos evangelistas
(particularmente Mateus) e pelos apóstolos nas suas epístolas (principalmente
Paulo). Os evangelistas e os apóstolos, sempre que viam necessidade, citavam
“as Escrituras”, ou seja, o Antigo Testamento, para mostrar para os judeus que
Jesus era mesmo o messias esperado. Até aí tudo bem.

Mas após a morte dos apóstolos, os pregadores cristãos sentiram uma


necessidade cada vez maior de apresentar as doutrinas cristãs aos gentios e aos
judeus que se recusaram a aceitar Jesus como o messias. Assim, acabaram
forçando uma barra e passaram a ver referências a Cristo em qualquer que fosse
o texto do Antigo Testamento. Um exemplo é a interpretação dada por Clemente
de Alexandria (150-215 d.C.) ao cordão vermelho colocado por Raabe numa
janela (Js 2,18). Por mais estranho que possa parecer, ele viu nesse ato uma
profecia da redenção pela morte de Cristo.

Orígenes, outro cristão que gostava do método alegórico, dizia que as muralhas
de Jericó não eram exatamente muros feitos de pedra, mas representavam “o
culto aos ídolos”. Josué, ao rodear as muralhas estaria fazendo uma espécie de
alusão aos apóstolos, que derrubaram os “muros da idolatria” e o “engano dos
filósofos” com suas “trombetas”, isto é o Evangelho. Mas alguns cristãos dos
primeiros séculos, como Diodoro de Tarso (falecido em 390 d.C.), não
concordavam com as interpretações alegóricas. E seus “Comentários aos
Salmos”, declarou que a alegoria era um recurso criado por pessoas
despreparadas, que sentindo-se impotentes diante do texto acabavam forçando
o leitor a entender uma coisa em lugar de outra.

Mas a prática da alegoria não foi uma invenção cristã. Ela foi herdada dos
rabinos e de mestres judeus como Fílon de Alexandria (10 a.C. – 50 d.C,),
influenciados pela cultura grega. As passagens o livro de Eclesiastes que exaltam
o “comer”, o “beber”, o “alegrar-se” e o “desfrutar a vida com a mulher amada”
como dom divino (2,24; 3,12-13.22; 5,18-20; 8,15; 9,7-10; 11,7-10) foram
tratadas como alegóricas, dado o mal-estar que causavam aos seus
leitores. Alguns sábios judeus explicaram as passagens incômodas do
Eclesiastes da seguinte forma: “todas as referências a comer e beber neste livro
representam a Torá e as boas obras” (Qoh.Rab. 2:24; cf. o Targum [Tg. Eccl
2:24]).

Martinho Lutero, reformador do século XVI que iniciou o movimento que deu
origem às igrejas protestantes, estava mais preocupado com o sentido histórico
do texto. Assim, dizia que embora possa parecer algo brilhante, a alegoria é
“obra de tolos”. O reformador alemão também gostava de enfatizar que a Bíblia
interpreta a si mesma. Com essa declaração pretendeu combater a tradição
católica que dizia que o sentido da Escritura só poderia ser encontrado com o
auxílio do Papa.

Calvino, como Lutero, enfatizava a necessidade de uma interpretação literal do


texto bíblico. Assim, dizia que “o verdadeiro significado da Escritura é o
significado óbvio e natural... É uma ousadia que beira o sacrilégio usar as
Escrituras em função do nosso capricho e jogar com elas como se fossem uma
bola de tênis tal como muitos antes faziam”. E olha que muita gente continua
fazendo isso ainda hoje...

Mas acho importante destacar o seguinte: quando os reformadores falam em


“interpretação literal” não querem com isso dizer que o texto sempre deve ser
lido ao pé da letra. Olha que teve gente amputando seus membros a partir de
uma leitura equivocada de Mt 5,29-30!

O método de interpretação utilizado pelos reformadores ficou conhecido como


histórico-gramatical, um tipo de abordagem do texto muito preocupado com a
busca a intenção do autor do texto bíblico através da análise da situação
histórica original e da linguagem original.

Bem, por hoje é só. Na semana que vem tem mais.

HISTÓRIAS DA BÍBLIA, PARTE VII

Desfazendo mitos

É muito comum encontrar pregadores ou até mesmo livros, dizendo há três


palavras gregas para expressar amor. Seriam elas: file, ágape e eros. O sentido
de fileo seria “amor entre irmãos” ou “afeto”; ágape seria usado para indicar o
“amor divino, incondicional”; e eros o “amor carnal”. Será?

De fato as três palavras existem. Elas aparecem em textos gregos escritos por
filósofos da Antiguidade, como Platão, por exemplo. Na Bíblia constam apenas
“fileo” e “ágape”. Ocorre que essas duas palavras não têm, na Bíblia, sentidos tão
diferentes assim.

Ora, se “ágape” foi realmente empregado pelos escritores do Novo Testamento


para expressar o amor mais elevado, incondicional, como muitos insistem, como
explicar seu uso neste lamento de Paulo: “Pois Demas me abandonou por
AMOR (ágape) ao mundo presente” (2Tm 4,10). Não é preciso ser um
especialista para perceber que “ágape”, neste contexto, significa algo como
“apego” ou “desejo”.

E se os escritores sagrados, de fato, fazem distinção entre “ágape” (amor


incondicional, divino) e “fileo” (amor fraternal, de amigo), como explicar o uso
de “fileo” em Jo 16,27: “pois o próprio Pai vos AMA (fileo). Repare que neste
caso “fileo” foi usado para expressar o amor divino. Uma análise cuidadosa
revelam que fileo e ágape são usados na Bíblia como sinônimos e significam
simplesmente “amor”, seja entre amigos, entre Deus e a humanidade ou
qualquer outra relação de afeto.

É verdade que há preferência pelo “ágape” para expressar a relação entre o


divino e o humano no Novo Testamento, mas na prática, “ágape” e “fileo” são
intercambiáveis, como no diálogo entre Pedro e Jesus em Jo 21,15-17.

Depois de comerem, Jesus disse a Simão Pedro: “Simão, filho de


João, tu me AMAS (ágape) mais do que estes?” Ele lhe respondeu:
“Sim, Senhor, tu sabes que te AMO (fileo)”. Jesus lhe disse:
“Apascenta os meus cordeiros”.

Uma segunda vez lhe disse: “Simão, filho de João, tu me AMAS


(ágape)?” – “Sim, Senhor”, disse ele, “tu sabes que te AMO (fileo)”.
Disse-lhe Jesus: “Apascentas as minhas ovelhas”.

Pela terceira vez disse-lhe: “Simão, filho de João, tu me AMAS


(fileo)?” Entristeceu-se Pedro porque pela TERCEIRA VEZ lhe
perguntara “Tu me AMAS (fileo)?” e lhe disse: “Senhor, tu sabes
tudo; tu sabes que te AMO (fileo)”. Jesus lhe disse: “Apascenta as
minhas ovelhas.

Eu gostaria de deixar uma nota final sobre o termo “eros”, que como eu já disse
não ocorre na Bíblia. Em nosso idioma o termo aparece como prefixo de
palavras usadas para indicar o amor carnal: erótico, erotismo, erotização, etc.
Veja que Inácio de Antioquia, bispo cristão do final primeiro século, empregou
“eros” com esse sentido negativo : “O meu amor (eros) foi crucificado e não
há em mim fogo de paixão. [...] Não me atraem o alimento de corrupção e os
prazeres desta vida” (Carta aos Romanos, 7,2).

HISTÓRIAS DA BÍBLIA, PARTE VIII


Por que as traduções são tão diferentes?

Algumas pessoas, ao iniciarem a leitura do Antigo Testamento, sentem certa


estranheza diante de algumas passagens, principalmente quando utilizam uma
versão com tradução mais literal. Igualmente estranho é perceber o quanto as
traduções são diferentes entre si. O fenômeno ocorre por diversas razões. No
caso do Antigo Testamento, escrito em hebraico, muitas dessas dificuldades
ocorrem devido à ausência de palavras para expressar noções abstratas. Quer
alguns exemplos? Então vamos lá.

Quando os hebreus queriam expressar felicidade ou saciedade, por exemplo,


podiam fazer isso dizendo: “minha alma está saciada de gordura”. Em nosso
tempo atual, marcado pela preocupação com a o colesterol alto e com o excesso
de peso, o texto soa bem estranho. Mas naquele tempo a gordura era vista como
sinal de suficiência ou plenitude:

“Eu me saciarei como de óleo e gordura, e com alegria nos lábios minha boca te
louvará”. (Sl 63,5; cf. Sl 36,8).

Versões com linguagem mais popular, como a NTLH (Nova Tradução na


Linguagem de Hoje), optaram por traduzir este texto assim: “As tuas bênçãos
são como alimentos gostosos”. Embora o texto original não queira destacar o
sabor, mas a saciedade que tais alimentos podiam proporcionar, não precisamos
condenar os tradutores da NTLH. Eles até que se saíram bem. Vamos a mais um
exemplo.

Atualmente, quando percebemos que nossa vida está em perigo, dizemos que
ela “está por um triz” (ou “por um fio”). Entre os hebreus, quando alguém se
sentia em perigo, era comum dizer algo como “minha vida está nas minhas
mãos”, afinal “ter nas mãos” algo tão precioso como a vida, indica o grau de
fragilidade do indivíduo. Veja:

“Minha vida está sempre em minhas mãos, mas não esqueço a tua lei”. (Sl
119,109) Cf. Jz 12,3; 1Sm 19,5; Jó 13, 14; Est 14,4.

Algumas versões, como a NVI e a NTLH, optaram por traduzir assim: “minha
alma está sempre em perigo”. Embora não tenha sido fiel às palavras do texto
original, o sentido foi preservado. A mesma expressão aparece em Jó 13,14,
acompanhada de outra metáfora dotada de mesmo sentido:

“Tomo a minha carne entre os meus dentes, coloco a minha vida em minha
mão”. (Jó 13,14).

“Expor a própria vida” ou “estar decidido a morrer” era equivalente a “tomar a


própria carne entre os dentes”, ou seja, morder-se. A NTLH, sempre preocupada
em tornar o texto sagrado mais acessível às pessoas com menos instrução,
substituiu a (estranha) expressão original “tomar a carne entre os dentes”, por
“estou pronto para arriscar a vida”. Assim fica bem mais fácil de entender, você
não acha? Bem, vamos ao último exemplo.
Não é incomum ouvir alguém dizendo que sua família é seu “alicerce”. O
alicerce, como sabemos, é a base no qual estão assentadas as construções.
Assim, podemos dizer que no alicerce está o suporte, a força que nos sustenta.
“Poder e força”, entre os hebreus, era um conceito que podia ser expresso pelo
vocábulo “chifre”, pois é neste que parecia residir a força de muitos animais:

“(Deus é) meu escudo e o chifre de minha salvação” (= a força que me salva) (Sl
18, 2).

Caso você leia o texto completo, verá que nele aparecem, ao lado de chifre,
outros símbolos de força, como “rocha”, “fortaleza”, “torre, etc. Ainda hoje
usamos tais metáforas. Mas “chifre” é um termo tão estranho aos nossos olhos
para indicar algo capaz de nos dar um suporte inabalável, que a maioria dos
tradutores simplesmente o substituíram por “força”.

Essas são apenas algumas das dificuldades encontradas pelos tradutores. A


tarefa de traduzir a Bíblia é algo bem mais difícil do que parece. As críticas são
muitas. De um lado estão os que enfatizam a necessidade de uma tradução mais
literal (são fiéis ao texto original, mas geralmente difíceis de entender). Outros
entendem que expressões hebraicas que não fazem sentido para nós hoje (p. ex.
“lançar a sandália”) devem ser contextualizadas. O problema com essas versões
é que algumas vezes, na tentativa de tornar o texto mais claro, o tradutor acaba
deturbando seu sentido original.

Há uma terceira opção? Sim. Algumas versões, como a Bíblia TEB, a Bíblia do
Peregrino e a Bíblia de Jerusalém, embora tenham optado por uma tradução
bem literal, inserem no rodapé uma série de notas explicativas esclarecendo
para o leitor detalhes a respeito das particularidades do texto original. E assim
matam dois coelhos com uma cajadada só. Uma curiosidade: essas Bíblias são
as mais baratas e menos populares. Vai entender!

Ah, você pode acessar e comparar diversas versões da Bíblia acessando este site:
http://www.bibliaonline.net/acessar.cgi?pagina=avancada

SOBRE AS TRADUÇÕES

AS PIRIGUETES DE SIÃO

Em Isaías 3,16 o profeta descreve as “filhas de Sião” – símbolo da riqueza e


arrogância da corte – como “altivas”, “de pescoço erguido” e “olhares
maliciosos”, que “saltitantes”(?) em seu caminho, fazem “tilintar”(?) seus pés.
Tal arrogância exige um oráculo de punição, que vem no verso seguinte (v.17). O
texto é de difícil tradução:

A. Adonay UNIRÁ o topo da CABEÇA das filhas de Sião,


B. Javé DESNUDARÁ suas “POTAH” (literalmente: “dobradiças”!?).

Muitas das palavras hebraicas que compõem este texto (marcadas com a
interrogação) aparecem uma única vez em todo o Antigo Testamento (são
chamadas de hápax legomenon). Isso torna o trabalho do tradutor uma tarefa
quase impossível.

No verso B, o termo hebraico “potah”, geralmente traduzido por “vergonha” ou


“nudez”, só reaparece em 1Rs 7,50, aparentemente se referindo às dobradiças da
porta. Se os tradutores estiverem certos, é a primeira vez que “dobradiça” (o
termo é “pot”) aparece como metáfora para as “partes íntimas”.

Em casos como este uma das soluções possíveis é consultar uma tradução do
texto hebraico para outro idioma, como o grego, realizada nos II século a.C. por
judeus que (em tese) ainda conheciam o significado dessas palavras. Mas nós
temos um texto grego, com datação suficientemente antiga? Sim, temos duas
versões preservadas em grego datadas para o IV século: o Códice Sinaítico e o
Códice Vaticano.

Para que você tenha ideia do quão complexa é a tarefa de traduzir o Antigo
Testamento, saiba que das 8000 palavras hebraicas que compõem o texto - de
Gênesis a Malaquias -, 2000 aparecem uma única vez. Como saber o significado
desses termos?

Dou um exemplo. Em Is 3,16 as “filhas de Sião” são descritas “caminhando e


‘tafof’”. Mas o que é “tafof”? Sabemos que é um verbo e que é uma provável
derivação do substantivo “taf”, que significa “criança”.

Assim, por dedução, os tradutores geralmente traduzem o verbo como sendo


uma alusão ao modo como as crianças andam. Veja:

...desfilando com PASSOS CURTOS (NVI)


...caminhando a PASSOS SALTITANTES (Bíblia TEB)

Em alguns casos, o contexto pode nos ajudar a entender o sentido exato do


verbo, mas neste exemplo, tanto “passos curtos” como “passos saltitantes” se
encaixam no contexto. Aliás, caso tenhamos em mente a imagem de uma
criança andando, a expressão "passos ligeiros" também se apresentaria como
uma opção viável.

UMA FALA, QUATRO INTERPRETAÇÕES

Entre os judeus medievais desenvolveu-se uma crença que vê em cada passagem


da Bíblia Hebraica (Antigo Testamento) quatro sentidos: 1. Sentido literal
(peshat), 2. Sentido alusivo (remez), 3. Sentido interrogativo (drash) e 4.
Sentido secreto (sod). O método, chamado de PARDES no século XIII, em boa
parte voltado para uma leitura criativa, não foi único.

João Cassiano (360-435), monge cristão da Cítia (atual Romênia), seguiu por
um caminho bastante semelhante: 1. Sentido literal (histórico), 2. Sentido
alegórico (alusivo), 3. Sentido tropológico (moral) e 4. Sentido anagógico
(celestial). Lutero, no século XVI, rejeitou o método, tratado por ele como
“produto da ignorância” e “bobagem” (WA 2,509,14s).
No Alcorão, de acordo com um comentário místico atribuído ao Imam Ja'far al-
Sadiq (702-765 d.C.), também se escondem quatro sentidos: 1. Expressão literal
(ibāra); 2. Alusão (ishāra); 3. Sutilezas (laā'if) e 4. Realidade mais profunda
(ḥaqā'iq). A expressão literal seria para as pessoas comuns, a alusão para a elite,
as sutilezas para os amigos de Deus, e a realidade mais profunda para os
profetas.

Para saber mais:

1. O método (PARDES) judaico: WYLEN, Stephen M. The seventy faces of torah,


2001, p. 89. HAUSER, Alan J.; WATSON, Duane F. A History of Biblical
Interpretation, 2003, Vol. 2: p.171
2. O método cristão de Cassiano: SCHOLZ, Vilson. Princípios de interpretação
bíblica, 2006, p. 85.
3. O método islâmico: Da Spiritual Gems: The Mystical Qur’an Commentary
ascribed to Ja’far al-Sadiq as contained in Sulami’s Haqa’iq al-Tafsir, Fons
Vitae, 2011.

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