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A tentativa de uma compreensão da realidade social pode ser mediada por diferentes
constelações, processo que contribui para o entendimento das partes constituintes dessa
realidade social. Nesse sentido, autores como Mark Poster, Hebert Marcuse, Hannah Arendt,
Paulo Freire, Erving Goffman e Michel Foucault, possibilitam uma melhor compreensão do
complexo processo pelo qual as mediações político-institucionais permeiam a formação da
subjetividade, fenômeno que se dá em diferentes instâncias, como a família, a escola e as
instituições totais. A disciplina de Psicologia Social II possibilitou um olhar no movimento das
instâncias mediadoras que proporcionam a formação de subjetividade e a problematização do
conteúdo dessas mediações. O problema que concerne todos esses âmbitos relaciona-se com a
questão da autoridade. Após esse movimento, os grupos investigaram problemas específicos
que trouxessem a discussão sobre a qualidade das mediações e dos funcionamentos das
instituições analisadas. Entre os temas, nosso grupo procurou problematizar o papel do saber
psicológico como legitimador e produtor de mediações deformadoras, usando como exemplo a
análise da instituição total APAC.
Mark Poster (1978/1979) afirma que a família não resigna apenas como mediadora entre
a sociedade e indivíduo, sendo responsável, também, pela formação da estrutura psíquica. É
nessa instituição que o indivíduo faz seu primeiro contanto de afeto e emoções. Nesse
ambiente, os sexos definem suas diferenças em relação ao poder, sendo esta uma questão que
se faz presente no modo com que as sociedades se estruturam. Isso nos permite perceber como
a realidade social permeia a instituição família. Poster (1978/1979) argumenta que essa questão
do embate entre diferentes idades e sexo é negligenciada por estudiosos sociais, mas, em sua
concepção, além da relação com o poder, esse embate estrutura uma hierarquia que determina
a sujeição das crianças à autoridade adulta. Para o autor, os adultos deveriam constituir um
padrão de autoridade e amor, no intuito de fornecer um contexto emocional que ultrapasse
estratégias de limitações e punições das condutas infantis. Deve-se ressaltar a relação
ambivalente para com a autoridade, tal como Freud coloca a ambivalência entre amor e o ódio
(Poster, 1978/1979).
que é mais humano por uma lógica pautada na técnica e em elementos não humanos, transforma
a autoridade em uma mera força coercitiva. Para Arendt (1954/2014), a escola tem a função de
preparar a criança para o mundo, apresentando-o à criança e fazendo com que ela passe a
respeita-lo, ao mesmo tempo que desperte o sentimento de muda-lo.
No âmbito das instituições totais, Michel Foucault (1975/2014) faz uma análise sobre o
poder disciplinar e a constituição de um modelo carcerário de dominação. O autor afirma que
a prisão tem como objetivo o controle, a segmentação e a modelagem do indivíduo, sendo o
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fracasso da instituição inerente ao seu objetivo. A prisão desempenharia uma elaborada função
política, no qual ocorre a fabricação de uma delinquência que atenda às necessidades de uma
classe que ocupa o domínio político. Esse papel político da prisão fez com que os sistemas
carcerários ganhassem mecanismos mais complexos, acumulassem um saber advindo das
observações constantes e transmitissem a forma disciplinar de dominação a diversas outras
instituições. O saber adquirido no regime carcerário é usado como poder para legitimar a
ideologia dominante e readaptar os indivíduos a esse sistema. Foucault (1975/2014) descreve
como o intercâmbio entre áreas diversas do conhecimento e a instituição carcerária permitiu
uma economia e distribuição de poder na qual a violência disciplinar seria respaldada pelo
conhecimento produzido na vigilância panóptica.
indivíduo deve assumir sua responsabilidade, e, enquanto sua vontade interior não se manifestar
de maneira forte o suficiente, a instituição nada poderá fazer na recuperação do prisioneiro.
Podemos observar, aqui, como a ideologia hegemônica explorada por Bock (2003)
continua na fundamentação terapêutica da APAC. O indivíduo é concebido como responsável
do próprio desenvolvimento, enquanto as determinações históricas, as mediações
constituidoras, são colocadas de lado, até mesmo como obstáculos do destino do indivíduo. O
movimento realizado permite revelar como a ideologia da lógica capitalista estabelece um
indivíduo alienado de sua constituição social, o que possibilita a exclusão da importância das
instituições como mediadoras. O papel do psicólogo, também, como aponta Bock (2003), perde
seu caráter de atuação como mediador e de problematização das mediações deformadoras,
passando a atuar como forma de poder que legitima e produz essas deformações. O prisioneiro
da APAC é tratado como o barão de Munchhausen descrito por Bock (2003), uma vez que a
instituição é impossibilitada de ação até que ele consiga adquirir a vontade necessária para se
erguer puxando o próprio cabelo. Vargas (2011) revela, também, o rigoroso regime disciplinar
com a qual a APAC trabalha. Os recuperandos possuem uma rotina de horários, normas,
atividades e compromissos extremamente rígida, sendo discrepante das rotinas nos sistemas
carcerários comuns. Dentre as obrigações, grande parte delas se referem a atividades religiosas,
como orações e jornadas de libertação com Cristo (Vargas, 2011). A rigidez disciplinar e o
controle do tempo do prisioneiro são apontados por Foucault como mecanismos disciplinares
aperfeiçoados com a produção de saber advinda da observação nas instituições panópticas e
exportados para todo o arquipélago carcerário (Foucault, 1975/2014). Vargas também ressalta
o funcionamento do mérito e do sistema progressivo da pena na escala de recuperação da
APAC. Tal sistema progressivo introduz os recuperandos em uma lógica de castigos e méritos,
premiando os indivíduos que se encontram mais adaptados à subjetividade desviante constituída
pela instituição (Vargas, 2011). Foucault denúncia os mesmos mecanismos de controle na
formação do sistema carcerário disciplinar, no qual, quanto mais o prisioneiro der indícios de
que internalizou a submissão a autoridade, de que está se adaptando à lógica desejada e que seu
corpo está se tornando dócil, mais ele será recompensado no sistema de progressão da pena
(Foucault, 1975/2014).
inversão que ocorre nesse processo, no qual somos deformados pelo único meio que dispomos
para nos constituir.
Referências Bibliográficas
Arendt, H. (1961/2014). Entre o passado e o futuro (7a ed.). São Paulo: Perspectiva.
Foucault, M. (1975/2014). Vigiar e punir: o nascimento da prisão (42a ed.). Rio de Janeiro:
Vozes.
Freire, P. (1970/1987). Pedagogia do oprimido (17a ed.). Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Goffman, E. (1961/2015). Manicômios, prisões e conventos (9a ed.). São Paulo: Perspectiva.
Horkheimer, M., & Adorno, T. W. (1956/1973). Temas básicos da sociologia. São Paulo: USP
Marcuse, H. (1969/1981). Ideias sobre uma teoria crítica da sociedade (2a ed.). Rio de Janeiro:
Zahar.
Vargas, L. J. O. (2011). É possível humanizar a vida atrás das grades? Uma etnografia do
método de gestão carcerária APAC. 2011. 252 f., il. Tese (Doutorado em Antropologia
Social)-Universidade de Brasília, Brasília.
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Anexo
Foucault, M. (1975/2014). Vigiar e punir: o nascimento da prisão (42a ed.). Rio de Janeiro:
Vozes.
Vargas, L. J. O. (2011). É possível humanizar a vida atrás das grades? Uma etnografia do
método de gestão carcerária APAC. 2011. 252 f., il. Tese (Doutorado em Antropologia
Social)-Universidade de Brasília, Brasília.