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– antologia literária –

Érica de Oliveira & João Paulo Hergesel


(organizadores)

– antologia literária –

1.ª edição

Editora Jogo de Palavras


• Alumínio, SP •
2019
Copyright © Editora Jogo de Palavras, 2019

Revisão:
Érica de Oliveira

Editoração:
João Paulo Hergesel

Ilustração de capa:
CC0 License

E78 Esse jeito doce com que tu me acaricias: antologia literária. /


Vários autores ; organizado por Érica de Oliveira e João Paulo
Hergesel. – Alumínio, SP : Jogo de Palavras, 2019.
370 p. ; 14 x 21 cm

ISBN: 978-65-80097-13-5

1. Literatura brasileira. 2. Ficção. 3. Contos. 4. Poemas. 5.


Namorados. I. Oliveira, Érica de. II. Hergesel, João Paulo. III.
Título.

CDD 869.8992
CDU 821.134.3(81)

Índice para catálogo sistemático:


1. Literatura brasileira 869.8992
2. Literatura brasileira 821.134.3(81)

Impresso no Brasil

Todos os direitos desta edição reservados à:

Editora Jogo de Palavras


Alumínio, SP • 2019
www.jogodepalavras.com
Sumário

Mãos foragidas
Abner Rosa Oliveira ...................................................................... 21
Céu de África
Alberto Arecchi .............................................................................. 23
Eu te amo
Aldirene Máximo ........................................................................... 25
-
Alecrides Jahne ............................................................................... 26
Nimbos
Ale Marques .................................................................................. 27
Nós 2
Alice Castro ................................................................................... 29
O doce e o salgado
Ana Carolina Nogueira Machado .................................................. 31
Um lugar à mesa
Ana Letícia Brunelli de Moraes...................................................... 35
Carta para meu futuro amor
Ana Roberta Gomes de Souza........................................................ 38
À beira amar
Anderson Mahin ............................................................................ 39
Passeio noturno
André Fidalgo Martins .................................................................. 40
Eu fiz nosso amor caber em 4 haikais
André Foltran ................................................................................ 44
Petrarquiano da saudade
Antonieta Torres Romano .............................................................. 45
Felicidade...
Antonio Carlos Santos ................................................................... 46
Namorados
António Miguel Pedro .................................................................... 47
Cena pós-créditos
Arthur Ciol Calixto Cid ................................................................ 48
As enamoradas
Arthur Furtado Tomain................................................................. 54
Ex-namorado
Beatrice Medrado ............................................................................ 55
Diálogo amoroso
Bruna Longobucco .......................................................................... 56
Daires
Bruno Vulcão Batista..................................................................... 57
Soneto do poder
Caio César Souza Mariano Fraga.................................................. 58
Para não ser lido
Caio Pedra ..................................................................................... 59
Aquele amor estranho
Carlos Viana ................................................................................. 61
Enamorados
Carolina Mattos ............................................................................. 66
Crime Perfeito
Carolina Sofia Rosa da Costa......................................................... 67
Chances existem para serem perdidas e encontradas
Caroline Maria Cesário Pinheiro .................................................... 68
Meu corpo
Carolini Assmann .......................................................................... 72
Marte e Urano (dois planetas, dois destinos)
Cathy Martins ................................................................................ 76
-
Cathy S. ......................................................................................... 77
A boca ímproba
Cesar Luis Theis ............................................................................ 78
Obrigada
Cláudia Sant’Anna ........................................................................ 83
A Fran tinha um fã
Cláudio D’Amorim ........................................................................ 84
Namorados
Cláudio Bertini ............................................................................... 91
Pelas ondas do amor
Cleidirene Rosa Machado................................................................ 92
Tudo quanto hoje eu sou
Daniela Genaro .............................................................................. 93
Sarcasmo enamorado
Darlan Veit ................................................................................... 94
Namorados
David Ayuch Amar Neto ............................................................100
-
Dayvisson Matheus da Silva Santos.............................................. 101
Pronomes encarrilhados
Deivide de Sousa Oliveira ............................................................. 103
A invenção que mudou a humanidade
Deiwson Amaral .......................................................................... 104
Eternamente juntos
Denise Diamantino Fernandes ...................................................... 105
Tentei
Denivaldo Piaia ............................................................................ 106
amar é prefixo de amargo
Dia Nobre.................................................................................... 107
Casal
Diogo Rossi Ambiel Facini........................................................... 108
Poesias do amor
Douglas J. P. Almeida ................................................................. 111
Vento
Driely Meira................................................................................. 112
Flor de cacto
Edih Longo .................................................................................. 118
A saia da Bia
Edilson Sostino Mocumbe ............................................................. 125
Carta para meu amor distante
Edson Amaro de Souza ............................................................... 126
Domingo primaveril
Edvan Cajuhy .............................................................................. 127
Sede de amor
Elisabeth Cristina Alves Marques ................................................129
Um aniversário especial
Evalderiany Honorata ..................................................................130
Ruídos na comunicação
Evandro Valentim de Melo ..........................................................134
-
Esther Raminelli ..........................................................................138
Depois daquele sorriso tudo mudou
Fabiane Rodrigues da Silva ..........................................................140
Espera
Fábio Pardal ................................................................................147
Amei além
Fabrine Dummer ..........................................................................148
Habitar seu coração
Fabrizzio Nascioli........................................................................149
Devaneios de amor
Fernando Rodrigues Vannini........................................................150
Concurso do amor
Flaviana Costa .............................................................................151
Após o fim
Chico Martins ..............................................................................153
O acaso
Frederico Brito ..............................................................................156
Palavras
Gabriela Padilha Da Silva ...........................................................158
Estar com você
Gabriela Railo de Marcos ............................................................. 159
Você me faz viver
Germano Luz............................................................................... 161
O ex
Giordano Benites Tronco............................................................... 162
Contato com o espelho
Giórgia Neiva............................................................................... 165
A Fênix e o frágil
Giovana Perlin ............................................................................. 170
Pedras
Guilherme Hurtado ...................................................................... 171
Amantes
Guilherme de Macêdo Feitosa ....................................................... 173
A moça dos cabelos vermelhos
Gustavo de Lima Masoni ............................................................. 174
Não saber
Hélio Carlos da Silva Júnior......................................................... 178
Teoria!
Irene Curcelli ................................................................................ 179
Cabelos dourados
Isadora Rinnert............................................................................. 180
Escada
Jackeline Machado Vieira ............................................................ 186
Ela
Jackson Pedro Leal ....................................................................... 187
O amor maior
Jéssica Borges ................................................................................192
O maior amor dos planetas
Jhonatan Mata .............................................................................193
Companheira de aventura
João Eduardo C. W. Cruz ...........................................................194
A Flor e o Espinho – um amor impossível
João Libero ...................................................................................196
O eu lírico apaixonado
João Lucas Correa Reis ................................................................198
Namorarte
João Paulo de Azevedo Lima ........................................................199
Alcântara 33.0
João Paulo Hergesel ......................................................................200
A minha namorada
João Pedro Oliveira .......................................................................206
O tempo dos rebuçados
Joaquim Bispo ..............................................................................207
Ao meu amor
José Leite da Silva ........................................................................211
O pequeno príncipe
José Renato Ferraz da Silveira ......................................................212
Enamorados
Jozimeire Moreira de Souza ..........................................................213
-
Julia Mantelli Copatti ..................................................................215
Luz
Juliana Karol de Oliveira Falcão................................................... 219
Logo
Juliana Peres dos Santos ............................................................... 220
-
Karol Póss .................................................................................... 221
O melhor namorado
Kayla Maria Sousa da Silva ......................................................... 225
O poeta e as cadeiras
Leo Ottesen .................................................................................. 226
Tudo o que começa tem um fim
Leo Rosa ...................................................................................... 229
Não te, te
Leonardo Araujo Cardeal da Costa.............................................. 230
Josefina
Leverton José Veríssimo Vieira .................................................... 231
Namoramar
Lucas da Silva Silvestre ................................................................ 235
Só eu danço assim
Lucas Voltolini ............................................................................ 236
Eis um dia amados
Lydia Marina Escobar Wingist.................................................... 237
Amor
Mara Rubia de Jesus Teixeira ...................................................... 238
Namorados
Marcelo Fouquet Rosembrock ....................................................... 239
Em branco
Marcia da Costa Barroso Pereira ..................................................240
Amo-te
Maria Luiza dos Santos Alves .....................................................241
Palavras para ti
Mariana Souza ............................................................................242
Lançamento
Martim Butcher ............................................................................243
Dia dos Namorados
Marya Tutui ................................................................................248
Você, que foi meu primeiro amor
Mateus Brito de Souza Sales ........................................................249
Enamorados
Mateus Pedrozo Oliveira...............................................................251
Namorar
Mauro Morais ..............................................................................252
Inverno
Mayã Polo ....................................................................................253
Um sonho de amor
Meire Lara ...................................................................................254
Luxúria
Mikael Mansur-Martinelli ...........................................................255
Namorados
Milena Silva de Melo ....................................................................256
O namorado
Nanci Otoni .................................................................................257
-
Natália Huber da Silva ............................................................... 258
A outra
Natasha Nascimento .................................................................... 259
-
Nathalia Martins ......................................................................... 262
Quando acontece o amor
Nide Serejo ................................................................................... 263
Letras
Noemi Freitas Araújo Mota ........................................................ 264
Dia dos Namorados
Patrícia Ferreira dos Santos .......................................................... 265
Sobre lençóis
Patrik Bruno Furquim dos Santos................................................ 266
Amor ingênuo, amor ingente
Paulo Eduardo de Barros Veiga ................................................... 267
A história da donzela e o jegue encantado
Paulo Luís Ferreira ...................................................................... 269
Robô apaixonado
Pedro Galuchi ............................................................................... 276
Namorados
Rachel Soares................................................................................ 277
Otto
Rafael Beserra Figueiredo.............................................................. 279
Sopro
Rafaela Ghacham Desiderato........................................................ 283
Uma prece ao tempo
Rangel Paiva ................................................................................284
Breve história de marujo
Rapha Weyne ...............................................................................285
Meu amor, minha razão
Reginaldo de Sousa Venâncio .......................................................288
Masculum
Renata Ribeiro Dias .....................................................................290
Amo-te
Ricardo Mendonça Cardoso ..........................................................291
Na vida
Ricardo Silva ................................................................................292
Amor proibido
Roberto Perius ..............................................................................293
Amor
Robinson Silva Alves ....................................................................294
Acasos felizes
Rodrigo Cristalino Bezerra da Silva ..............................................295
Te amo! Assinado: seu eterno namorado!
Rodrigo Mendes ............................................................................296
Gabriela
Ronaldo Dória Júnior ...................................................................298
Pra te ofertar
Ronilson de Souza Lopes ..............................................................302
Namorando
Roque Aloisio Weschenfelder.........................................................303
O primeiro abraço
Rosana Arruda de Souza ............................................................. 304
Namorar
Roselena de Fátima Nunes Fagundes ............................................ 306
Faça um pedido!
Rúbi Renck Pires ......................................................................... 307
A distância (que nos aparta)
Samir Calaça ............................................................................... 311
Cinco segundos
Sandra Denicievicz ....................................................................... 312
Enfim, namorados
Sigridi Borges ................................................................................ 315
A luz do seu amor
Silvia Ferrante .............................................................................. 316
Bem-me-quer
Stefany Pinto Rogério .................................................................... 318
Cara metade
Suellen Jhoyna de Oliveira Rodrigues ............................................ 320
Gabriella
Taiane Oliveira Lima................................................................... 321
Sweet Love
Tatiane Monteiro .......................................................................... 322
Redescobrindo-me
Tauã Lima Verdan Rangel .......................................................... 323
Ah, amor!
Thaís Costa de Almeida ............................................................... 328
Aquele lugar
Thaís Evangelista .........................................................................330
Lençol
Thiago Roque Pereira Lima..........................................................331
O Epílogo dos desolados
Thiago William Rodrigues ............................................................333
Somos namorados
Tiago Arauto................................................................................334
Blueberry
Tiago Valente...............................................................................335
Pilotarei teu avião de volta pra mim
Valium Hippy .............................................................................349
Alcantilosa
Victor Rolim Janiszewski .............................................................354
-
Victoria Callado Torres ................................................................355
Quero viver de amor
Vitor Miranda .............................................................................356
Desenlace
Wagner Pires da Silva ..................................................................359
Almas gêmeas
Wellington Kalil ...........................................................................361
O transporte e o amor
Wilson Duarte..............................................................................362

Contato dos autores ..................................................................365


Mãos foragidas
Abner Rosa Oliveira

Nasci com as mãos soltas e aflitas,


Presas ao laço do desespero,
Corta-se o cordão umbilical,
Fim do primeiro laço carnal,

Caminhamos lado a lado,


Com idas e vindas,
Perdas e ganhas contínuas,

Mas por que são tão árduas as despedidas?

Mãos que se juntam,


Se tornam mãos foragidas,
(A sua e a minha)

Busco uni-las,
Busco balançá-las ao vento,
Defino liberdade,
O frescor do vazio,
No sopro da brisa,

(No sopro da brisa em mãos aflitas)

O encontro de nossas mãos,


Junção de nossos corpos,
Foram como um marco histórico,

Nas olimpíadas afetivas,


150 milhas percorridas,
Passamos horas e dias,
Dividindo histórias,
Reescrevendo linhas,
Como premiação,
Somos mãos foragidas,

Sem abrigar nosso peito,


Sem transar em nosso leito,
Sem amassos e beijos,

Tô num podium onde vencer,


Dá a mesma sensação de quando perco,

Mãos foragidas,
Que anseiam estar unidas,
E por que seguimos desse jeito?

Mãos que quando unidas,


Formavam um ninho,
Que abriga carícias,
Que abriga duas vidas,
E por que seguimos desse jeito?

Mãos foragidas,
Enroscadas quando unidas,
Ou envolvidas por uma mística,
Abrigavam mais do que ossos e carne,
E uma pele que definha,
Abrigavam duas vidas.
Céu de África
Alberto Arecchi

Sempre que olho para o céu,


Bayuma, penso naquela noite,
no quintal de sua casa,
no topo da colina.
Fizemos amor, como se
estivéssemos em outro mundo,
na frente de todos e de ninguém,
sob um céu de cristal,
protegidos apenas por telas de palha
e pelo sono da família.
A lua cheia dos trópicos
inundou a noite estrelada,
em uma cidade devastada
por confrontos fratricidas.
As explosões inundavam a cidade,
como fogos de artifício duma festa.
Seu peso no meu corpo, um desejo de paixão,
deusa negra de um amor
vivido no meio de uma noite.
Sinto falta da sua presença, sinto falta dos dias
da minha vida passada na África.
A mesma lua, as mesmas estrelas
me observam esta noite, do meu céu
e sugerem que elas estão
olhando para você também,
do mesmo céu.
Uma esperança secreta me diz que ali
além do trópico, você ainda me espera
atrás de uma persiana de sândalo,
no aroma intenso do incenso.
Você vai me cumprimentar
como se eu tivesse acabado
de ir ao mercado,
poucos minutos antes.
Como um membro da família,
cujo ritmo você conhece,
o cheiro, a forma dos ombros quando vai
e o som do passo em seu retorno.
Eu te amo
Aldirene Máximo

Eu te amo
Assim como o Vento beija a Aurora
Eu te amo
Assim como a brisa que soa lá fora.

Eu te amo
Com muita certeza.
Logo,
Nascerá nossa princesa.

Eu te amo
Pois com você, abandonei a solidão
E a cada dia,
Você me prova que nada é ficção.

Hoje sou mais feliz


Quero a garantia de Deus
Somente por seu amor sou capaz de lutar
Eu te amo e com você quero me casar...
-
Alecrides Jahne

AMOR
É
BOM

MAIS
Nimbos
Ale Marques

O dia estava nublado. Nuvens pretas estavam se formando


no horizonte. Aquela seria uma tempestade devastadora. Fechou a
casa e se sentou num sofá esperando sua mulher chegar. Violet.
Como a flor. Uma mulher linda de cabelos negros, grandes olhos
azuis que ao olhá-los se via a imensidão do oceano pronto para te
afogar. Ele gostava de compará-la ao mar. Porque era exatamente
isso que ela era em sua vida. Águas limpas, agitadas, prontas para
preencher tudo a sua frente. Ela preencheu. E muito.
Ele encontrou seu mar azul, sem querer, numa tarde de
dezembro. Encontros de velhos amigos do colégio. Lá estava ela,
acompanhando um dos seus ex-amigos, apenas parada com seu
vestido esvoaçante vermelho. Ele ficou petrificado com sua beleza.
Tinha que conhecê-la. A chamou pra sair depois de uma semana.
Se deram bem logo de cara. Duas almas se conectando no mundo.
Tudo foi tão rápido... tão vívido. Estava morando com ela há 5
meses. Finalmente a felicidade bateu na sua porta. Achava que
nunca iria encontrar o amor, não depois do acidente trágico que
sofreu.
Dois carros. 4 pessoas. Vidros quebrados por todo o chão
da rodovia. A cor vermelha se misturando com o amarelado do
whisky. Duas mortes.
Foram meses de terapia. Meses de perguntas intermináveis
se estava bem e apto pra trabalhar novamente na editora. Que
conseguiria superar. Como se fosse algo que passaria num piscar
de olhos, esquecer os rostos pálidos... Não.
Sua vida sempre foi miserável e triste. Estava feliz, nada
estragaria isso. Ele tinha a garota dos sonhos e ela não era
inventada por uma alucinação da bebida. Sóbrio e feliz. Quem
diria que Timothy Turner era um novo homem? Um bom homem
e trabalhador. A vida é engraçada.
O vento batia forte em suas janelas. Folhas voavam por
toda a parte de sua varanda. Estava começando. Violet vai pegar
todo esse temporal, pensou ele. Ele precisava encontrá-la.
Saiu correndo em direção à garagem. Enfiou a chave na
ignição e partiu rua adentro. Ela tinha que esperar por ele. A
chuva batia forte em seu capô e a visão estava embaçada no vidro.
Maldita tempestade. Não conhecia muito bem as ruas, mas sabia
onde ela trabalhava meio período. Aumentou a velocidade. Carros
passavam rapidamente por ele, parecia que todos estavam
fugindo. A sensação de pegar no volante depois de tantos meses
era estranha e prazerosa. Ele não deveria estar fazendo aquilo, mas
era por Violet. O celular vibrava loucamente no banco do
passageiro. Ele atendeu. — Violet? Espera aí que eu tô indo te
buscar. Tá caindo o mundo. — Um carro passou desviando do
dele no último segundo. — Porra! Violet? Tá aí? — Eu tô, Tim.
Não vem até aqui. A água tá tomando conta... é tarde demais. —
Violet sussurrou baixinho. — Volte. Apenas volte. — Não, eu já tô
quase chegando. Me espera. Que água? Eu sei que tá chovendo,
mas é só isso. Tudo vai ficar bem quando voltarmos pra casa.
Um som estava o chamando. O tempo tinha parado. Uma
mulher chorava baixinho. O choro preenchia seus ouvidos. A
chuva parecia castigar a terra. Ela descia sem piedade.
— Tim? Me desculpa... eu... eu deveria estar no seu lugar.
Não é justo. Eu deveria... não aguento mais. Por favor, por favor.
Tu disse que eu era seu mar, mas agora quem tá afundando sou
eu. Eu não consigo encontrar a superfície. Não. Se você se for, eu
ficarei aqui. À deriva. Eu preciso de sol...
O dia amanheceu chovendo.
Nós 2
Alice Castro

Eu vou me casar, você sabia?


Não hoje, nem amanhã, mas qualquer dia!
Porque a vida que eu levo com o meu noivo companheiro,
com o meu amante parceiro
é a mais bacana e feliz
que jamais sonhei, mas eu sempre quis!

Para você ver


que os últimos quase 20 anos que passei ao seu lado
me parecem tão pouco e passaram tão rápido
que eu nem vi que dia foi
que passamos de 1 a sermos 2
e ele virou meu namorado.

E de repente, eu o ouvi dizer


"eu amo você"...
Isso até hoje me emociona. Que homem é assim?
O seu nome é Tião. Ele me chama de "Flor"
porque me diz todo dia que eu sou o seu amor...

Por isso eu vou me casar


Se o Tião aceitar.

Porque a vida de nós 2 é perfeita.


E se não é o tempo todo,
foi e pode ser de novo.
Pois feliz é quem sabe
que toda felicidade
se constrói aos poucos.

Mas a história linda que construímos,


que não é da conta de ninguém,
é toda ela só nossa, minha e dele
e de nossa filha também.
Pois quem sabe do nosso amor somos só nós. E Deus.
Amém!
O doce e o salgado
Ana Carolina Nogueira Machado

Lembrava que sempre gostou mais do sabor salgado do


que do doce. Na infância durante as festinhas de aniversário de
seus amiguinhos da escola não pertencia à turminha que pegava
brigadeiros e beijinhos da mesa antes dos parabéns. O bolo, quase
sempre de um personagem infantil, era cercado por pratinhos de
plástico ou papelão que tinham o mesmo tema do bolo. Esses
pratinhos estavam cheios de docinhos e salgadinhos. Quase todas
as crianças que não sabiam esperar pegavam um ou dois docinhos
e jogavam a forminha no chão sem que os adultos notassem. Ela
não era assim. Se fosse para pegar preferia as coxinhas ou
pasteizinhos.
Nos pratinhos o número de salgadinhos era menor ao
número de doces, então a chance de alguém notar que ela havia
pegado eram maiores, devido a isso tinha também todo o fator de
na sua mente de criança está vivendo uma aventura.
O tempo passou e seu amor pelo sabor salgado somente
cresceu cada vez mais. Achava incrível como um pouquinho de sal
podia alterar o sabor das coisas. Tinha preferência por preparar
pratos salgados do que doces, pois tinha o paladar mais apurado
para esse sabor. O único prato doce que gostava de preparar era
uma torta de queijo e goiabada que chamavam de Romeu e Julieta.
Devido a sua habilidade na cozinha e por realmente gostar de
testar sabores ela resolveu se aventurar na faculdade de
gastronomia.
Não era apenas nos alimentos que ela apreciava o sabor
salgado. Amava o salgado acolhedor das águas do mar. Aquelas
águas agitas que sempre pareciam convidar para um abraço
salgado e molhado. Sempre que podia ia até a praia e atendia esse
convite, nas vezes em que não entrava na água ficava apenas
observando as ondas que a acalmavam naquele cenário de
calmaria.
Era certo que o salgado também podia doer, como da vez
em que estava com um machucado no braço e no momento do
mergulho a água do mar fez doer um pouco, mas de alguma forma
a água salgada também ajudava a sarar mais rápido. Achava que
esse era também o princípio de como funcionavam as lágrimas.
As lágrimas salgadas eram uma forma que a dor
encontrava de sair do corpo para que a alma conseguisse se
recuperar, por isso sempre se sentia melhor depois que chorava,
tinha sido assim quando seu cachorrinho fugiu. Elas ajudavam a
sarar mais rápido.
Além disso, nem sempre as lágrimas eram de tristeza,
podiam ser de emoção e alegria. Como as lágrimas que derramou
no dia do seu casamento.
Conheceu seu noivo na primeira semana de faculdade. Foi
no corredor que levava até a sala de aula que o caminho deles se
cruzou. Foi um momento que pareceu clichê de filme romântico.
Doce demais na opinião dela. No encontro inesperado os livros
dela caíram no chão e ele se ofereceu para ajudá-la. Os olhares
deles se cruzaram por um momento. O doce sorriso dele
contrastando com o salgado da desconfiança dela.
Ela devido há uns fatos ocorridos em seu passado tinha
dificuldades em confiar nas pessoas, mas depois daquele dia, como
era esperado devido a faculdade ser pequena, eles se encontraram
novamente muitas vezes. E nos semestres mais para frente ficaram
na mesma turma durante algumas matérias optativas. O salgado
da desconfiança dela com o tempo foi dando espaço para o sabor
neutro da curiosidade. E o doce do amor que ele sentiu desde a
primeira vez que a viu foi ficando cada vez ainda mais doce, igual
calda de caramelo.
― Se colocar mais biscoito maisena na massa acho que
pode ser que fique mais firme. Os biscoitos que eles têm aqui são
menores e por isso precisa de mais quantidade. – Disse ele
segurando o pacote de biscoito.
Ocorreu durante uma aula prática quando eles já tinham
mais intimidade. Ela preparava a torta que tanto gostava, mas a
massa daquela vez estava meio sem firmeza. Seguiu a dica dele e a
massa ficou muito boa.
Seguiu a dica principalmente porque sabia que ele era
especialista em doces. Com o tempo e algumas conversas
descobriu que ele sempre preferiu esse sabor. O doce das poesias,
das canções de amor e dos sonhos que guardava somente para ele
mesmo, mas que com o tempo começaram a virar os sonhos dela
também. O salgado do realismo dela estava começando a ficar um
pouco doce com a imaginação dele.
Ela precisou preparar a torta mais algumas vezes para que
percebesse que eles formavam o único doce que ela tanto gostava
de fazer. Ela era como o salgado do queijo e ele como o doce da
goiabada. Quando juntos formavam uma coisa única e especial.
Formaram um lindo casal.
Amavam fazer caminhadas de mãos dadas na praia, pois
foi naquele cenário que encontraram a união dos seus amores. Ele
amava o pôr do sol que podia ser admirado na praia, pois achava
que ele era uma ótima inspiração. Além de amar cozinhar ele era
poeta e aspirante a cantor.
Ela também gostava daquele local, pois se sentia contente
de estar perto do mar e perto dele.
― Tudo se torna doce quando é falado em versos. Coisas
comuns se tornam especiais. - Falou ele em um dia comum
durante as suas caminhadas ao entardecer.
― Como assim? - Perguntou ela sem entender direito
onde ele queria chegar. Era realista demais e tinha dificuldade de
ver as coisas pelos olhos da imaginação.
― Vou lhe mostrar, ou melhor, recitar. - Por um momento
ele pareceu tímido – Escrevi um poema para você, tem um tempo
já, mas não tive coragem de lhe mostrar.
― Quanto tempo faz que escreveu?
― Escrevi no dia que lhe conheci. Mais tarde daquele dia
vim até aqui e escrevi o poema. - Disse com a sua doçura de
sonhador que o fez acreditar que um dia ela lhe amaria também.
Desde o primeiro momento acreditou que o amor deles seria real.
Ela admirava isso nele.
― Recite para mim. Vamos logo. – Disse ela ansiosa para
ouvir. Apertou mais forte a mão dele para lhe dá confiança.
Ele olhou no fundo dos olhos dela e disse:
― Ele é meio curto: “Uma parte do pôr do sol fugiu para
os seus cabelos. O laranja tão belo queria na beleza sua se fazer
quase eterno”.
Ela sorriu e sentiu uma única lágrima de emoção escorrer
pelo seu rosto. Notou que nenhum dos dois perdeu a sua
essencial. Eles apenas se permitiram se unir para formar uma coisa
nova. O queijo não deixa de ser queijo quando se une com a
goiabada que assim como ele se mantém a mesma.
Quando faltava pouco para terminarem a faculdade
resolveram se casar. O local escolhido foi a praia, porque era o
local que ambos tanto amavam. O horário escolhido foi o
entardecer devido ao pôr do sol que tanto gostavam e que havia
sido eternizado nos versos do poema.
Quando chegou o grande momento do casamento, ela
chorou quando se viu frente a frente com o seu amor no altar.
Aquelas lágrimas salgadas tinham o doce sabor da felicidade.
Um lugar à mesa
Ana Letícia Brunelli de Moraes

Ela era secretária em um consultório dentário. Passara sua


juventude tentando concluir o curso de administração e encontrar
um emprego que lhe remunerasse o suficiente para, pelo menos,
ter uma vida um pouco mais interessante do que tivera até então.
Vinda de família simples e com muitos irmãos, nunca recebera
atenção dos pais ou de quem quer que fosse. Sempre fora apenas
mais uma boca para sustentar, e mais uma a sair de casa cedo para
procurar um lugar ao sol e liberar outro à mesa. E assim chegara a
maturidade: formada, empregada, sozinha. Não tinha habilidade
em conversar com as pessoas e fazer amigos, mas sofria com a
falta de relacionamentos que vinha acumulando ao longo da vida.
Ouvira outro dia dois pacientes conversando enquanto
aguardavam atendimento. Falavam sobre um aplicativo através do
qual era possível conhecer pessoas e até encontrar alguém para
namorar. Bastava instalá-lo no celular, se cadastrar, criar um perfil
com uma breve descrição sua e definir critérios de busca de
acordo com seus interesses. O programa faria a checagem desses
com os perfis disponíveis e lhe indicaria o provável companheiro
dos seus sonhos. Ao chegar em casa naquela noite, fez todo o
procedimento indicado e ficou aguardando a mensagem que
acabaria de uma vez por todas com a sua solidão. Mas como seu
celular permanecia silencioso e imóvel como uma pedra de
mármore, resolveu tomar um banho. As horas transcorreram com
o aparelho da mesma forma, e por mais que tentasse convencer a
si mesma de que não estava ligando muito para aquilo, ela não
conseguia deixar de checar a chegada de algum aviso minuto a
minuto. Quando finalmente conseguiu esquecer sua expectativa e
pegar no sono, o celular apitou. Eram três horas da madrugada e
seu pretendente ideal fora localizado.
Ela não havia sido muito exigente. Pedira apenas que fosse
homem, nem novo e nem velho, nem alto e nem baixo. Não fizera
nenhuma exigência com relação à aparência. A única coisa que ela
queria era que o homem tivesse um emprego, pois fora muito
difícil conquistar sua independência financeira e o modesto
conforto de que hoje gozava, para agora ter que dividi-lo com um
sujeito à toa. Porém, antes mesmo de checar do que se tratava o
aviso sonoro emitido pelo aparelho, um turbilhão de
preocupações começou a lhe assaltar. Pensou que poderia não ter
nada a ver com o novo aplicativo. Poderia ser apenas mais uma
daquelas mensagens prontas de consolo e esperança, ou aquelas
anedotas que lhe tomavam mais de quinze minutos para ler e não
achar graça nenhuma, e que eram enviadas ao grupo do
WhatsApp formado por funcionários e pacientes do consultório
dentário. O único grupo do qual fazia parte. E se fosse a resposta
que tanto aguardava, o que deveria fazer? O diálogo na sala de
espera não havia explicado o procedimento seguinte! Seria
convidada para um encontro? Um jantar? O que vestiria? Sobre o
que falariam? Quem iria pagar a conta? Ocorreu-lhe que poderia
não simpatizar com a pessoa, ou mesmo se tratar de um psicopata
disposto a lhe causar atrocidades. Pior do que isso: e se fosse ela
quem tivesse que tomar a iniciativa e propor algo? Com as mãos
trêmulas, os olhos lacrimejando e já arrependida de ter feito
aquilo, ela checou o celular. Era a mensagem do aplicativo de
encontros. Alguém a convidava para jantar na próxima noite, em
um restaurante no centro da cidade.
No dia seguinte, lá estava ela no local e horário
combinado. As últimas horas haviam sido péssimas! Não
conseguira mais dormir depois que leu a mensagem, e também
não se concentrara no trabalho o dia todo. Repassara cada detalhe
do que poderia acontecer e o que ela faria em cada situação.
Tentara pensar em todas as possibilidades possíveis, baseada nos
inúmeros livros, filmes, séries e novelas que formavam seu cabedal
de conhecimento amoroso. Vacilante e um tanto sem graça foi
caminhando entre as mesas até que encontrou um rapaz sentado
sozinho. Sua aparência coincidia com a descrição que ele havia lhe
passado. Um tipo bem comum. Ele vestia jeans e camisa polo
branca, conforme combinado. Ela se aproximou, sentindo seu
rosto queimar que nem bife na chapa. Perguntou, entre uma
engasgada e outra da voz, se era ele. Sem emitir uma palavra, ele
confirmou com a cabeça, se levantou e puxou a cadeira para que
ela se sentasse. Ambos se sentaram e ficaram se olhando, em
silêncio. Ela estava a ponto de explodir de vergonha, raiva e
arrependimento. Por que ele não dizia nada? Não puxava assunto?
Ela era péssima nisso! Não sabia o que dizer e nem por onde
começar. Suas mãos suavam, começou a tremer e não conseguiu
conter uma lágrima que escorria. Ela se questionava porque havia
colocado a si própria naquela situação, reconhecendo que jamais
saberia como agir. Ficou imaginando o que se passava na cabeça
dele. Deveria estar achando-a boba, sem jeito, desinteressante,
patética. Viu mais uma vez a si mesma, sentada à mesa da casa de
seus pais, em meio aos seus irmãos, cercada de tanta gente, mas
sozinha, invisível, desnecessária. Um nó comprimiu sua garganta,
e sem conseguir mais se deter ali, ela se levantou. Não conseguiu
olhar o rosto do rapaz, que deveria estar se divertindo com aquela
cena. Ela se virava para ir embora quando sentiu uma mão segurar
a sua. Era ele.
Resgatando o pouco de coragem que lhe restava ela o
encarou e viu que ele estendia a ela um pedaço de papel com algo
escrito. Naquele pequeno texto ele se desculpava por não ter dito
antes, mas ele era mudo e não quis correr o risco de perder a
oportunidade daquele encontro caso revelasse sua condição antes.
Isso às vezes acontecia. Porém, ele podia ouvi-la perfeitamente.
Ela continuou se achando uma boba, dessa vez por
perceber como a realidade era tão diferente de suas fantasias. Ele a
fez sentar novamente, ofereceu um guardanapo para secar suas
lágrimas e começou a escrever em outro papel, que entregou a ela.
Dessa vez ele dizia que a achara muito bonita, mesmo quando
chorava. Lamentava não poder se comunicar com ela de outra
forma, por enquanto, mas que adoraria ouvir mais sobre ela. Ele
contou de si como pode, através de bilhetes, gestos, olhares e fotos
no celular. E ela foi se sentindo tão à vontade com ele, que logo
passou a falar como jamais falara antes na vida. Alguém a ouvia.
Alguém lhe dava atenção. Ela era alguém à mesa.
Carta para meu futuro amor
Ana Roberta Gomes de Souza

O beijo vai encaixar


Nossos olhos irão brilhar
E você irá perceber
Que eu sou o seu bem querer.

O mundo vai relutar em dizer que não


Mas seremos fortes em dizer que sim
Pois não há no mundo alguém tão fortão
Que fale por mim.

Eu vou pra ti sorrir


E um mundo vai se abrir
Porque o eu quero está bem aí
Guardado só pra esse ser aqui.

Tudo vai ficar mais lindo


Porque você transmite paz
Meu coração vai ficar sorrindo
Devido o tão bem que você me faz.
À beira amar
Anderson Mahin

Aguardo lua após lua,


o dia em que o mar dos seus cachos irá invadir
a praia do meu peito
trazendo consigo uma maré de olhos calmos
e pulsações revoltas
capazes de fazer os nossos lábios alcançarem o preAMAR
Passeio noturno
André Fidalgo Martins

O ar já estava denso de insultos e vergonhas


desenterradas, quando o relógio do meu pai começou a berrar. É
um daqueles relógios de pêndulo, feitos com um ébano mais velho
que a cidade que piso. Herdei-o depois da sua morte, nenhum dos
meus irmãos o quis.
É meia noite.
Através das vidraças do nosso apartamento desce um
oceano sob a cidade neon. A chuva é grossa e de outono. Ela
espanca os altos prédios num aplauso contínuo. Mas esse barulho
não é o suficiente para abafar a nossa discussão. Acredito que os
vizinhos já arrancam os cabelos neste ponto. É a terceira vez esta
semana.
Deve ter começado por causa de uma panela por lavar. Ou
foi o fato de ele se ter esquecido de passar na padaria no caminho
para casa? Já não me lembro. Já não importa. Agora é ele que grita
comigo. Vejo espuma borbulhante a saltar dos seus lábios com
cada palavra que cospe. Olhos flamejantes de ódio encaram-me...
não. Destroem-me. O seu indicador apontado para mim, como se
à procura de sangue. A sua elegância e traços delicados que me
atraíram seis anos atrás, agora desapareceram. Ele é um ser
miserável. Um cão raivoso. Eu odeio-o.
Ouço pouco, mas o que ouço são comparações. Ele
dizendo o quão parecida sou com a minha mãe. Como tropeço
onde ela tropeçou. Como erro como ela errou. Talvez tem razão.
Não quero explorar o assunto. Viro-me de costas e, sem
anunciar a minha decisão súbita, saio do apartamento. No
caminho não me esqueço de agarrar as chaves do carro.
Ele chama-me primeiro, eu ignoro e continuo. Quando já
pressionei no botão do elevador e o espero de perna tremida, ele
larga a bomba. Aquilo que eu internamente jurei nunca dizer
acerca dele, apesar de muitas vezes o querer.
“Ela teria vergonha de ti!” - ele solta, antes de se
arrepender logo.
Sei que ele não estava a falar da minha mãe.
Eu olho para as portas metálicas do elevador, vidrada e
abatida. Não consigo acreditar que aquela combinação específica
de palavras saiu da sua boca. Deslizo pelo metal, alvenaria das
paredes e paro nele. Will olha-me, de dentro do apartamento,
entre a porta aberta. Mas por pouco. Silêncio segue, quando ele
desce seu foco até ao chão. Quando ele percebe que tudo acabou.
Por causa daquela frase, tudo acabou.
As portas do elevador abrem-se e eu ainda o encaro. Ele
não tem coragem sequer de retribuir o olhar.
Espero. Talvez que ele se vire e peça desculpas. Eu não as
aceitaria, mas ele poderia tentar.
Entro no elevador e desço até ao estacionamento. Não
desabo. Ainda não. Estou demasiado traumatizada e queimada
pela adrenalina para sentir a dor nos meus joelhos.
O meu KIA pisca depois de o destrancar. Sento-me no
couro confortável do banco de condutor e passo as mãos no
volante. Não me atrevo a olhar para o lado, para o banco de
passageiro. Ela deve estar lá, como uma predadora. Um relance e
desarma-me. Giro a chave, ligo o carro, solto o freio de mão e piso
no pedal. O arranque brusco empurra-me para trás, mas eu
recomponho-me logo em seguida. Contorno alguns carros
estacionados, todos agradáveis de se olhar, e saio do
estacionamento.
Atiro-me à cidade como uma bala. A chuva fluorescente
banha o meu carro, o asfalto debaixo dele e os arranha céus que
não dormem. Sigo pela avenida, só desacelero quando vejo um
semáforo amarelo indeciso. Por minutos, que mais se aproximam
de uma hora, navego pela paisagem de cimento, deixando-me ser
esmagada pelos seus gritos, movimento, luz e imensidão. Deixo
entrar tudo o que pode sufocar as palavras que saíram da boca de
Will. Tudo o que pode silencia-la, a minha Clara.
Finalmente chego aos limites da metrópole, mas não paro.
Quando os gritos festivos da cidade se tornam distantes, socorro
aos cavalos do motor do meu KIA. Piso com muita força no
acelerador, talvez até demais.
Uma da manhã e encontro-me sozinha na estrada que se
estica até ao infinito escuro e ambíguo. Já não há estruturas
colossais de neon para distrair o meu olhar imprudente. Ele tenta
constantemente espreitar para o lado, mas eu consigo contê-lo. Só
não sei por quanto tempo. A chuva multicolorida é agora preta e
viscosa como petróleo. Obstrui-me o pouco de visão que tenho.
Castigo o para-brisa ao engatilhar a velocidade máxima.
Agora ouço a voz dela, bem ao meu lado. Aperto o volante
até as minhas mãos ficarem brancas.
A Clara aparece, como um anjo caído. Está coberta de
sangue, grita com todo seu vigor. O médico coloca-a nos meus
braços e eu acolho-a como qualquer mãe faria. Em meros
segundos vejo toda a minha essência ser transferida para aquele
ser. Eu agora vivo por ela e mais ninguém.
Cerro os dentes, furiosa. Cento e vinte quilômetros à hora
não é o suficiente. Esmago o acelerador, mas o veículo demora
para acompanhar a minha sede.
A Clara já tem quatro. O seu vocabulário quase formado.
Os traços físicos que iriam acompanha-la pelo resto da vida
começam a surgir. Eu e ela desenhamos jardins e versões 2D de
nós mesmas no seu quarto. Uma divisão cor de rosa, carregada de
histórias para dormir e brinquedos. O riso dela é infectante. Ele
salva a minha vida.
Cento e sessenta quilômetros à hora. Sinto o sangue a
tentar passar para os meus dedos agora pálidos. Mas eu não deixo.
Não irei largar o volante. Se o fizer desabarei. Será o meu fim.
Olho para o acelerômetro que se inclina lentamente para a direita.
Mas a Clara é mais rápida.
O médico entrega-me o papel que marcaria o final da
minha vida. A primeira sessão de quimioterapia acontece dois dias
depois. A minha princesa. A minha Clara, despida de cabelo. Nem
forças para comer tem.
Cento e noventa quilômetros. Estou sozinha na estrada
reta e uniforme. A Clara está muito perto. As minhas unhas
começam a enterrar-se na carne. Mas não estou a apertar o
volante com força suficiente.
A Clara está deitada na cama hospitalar. A sua mão estica-
se até mim, ela segura num papel em branco. Passamos o resto da
tarde a desenhar. Os traços dos jardins e das figuras 2D são
trêmulos e fracos. Falta-lhes opacidade.
“Mãe salva-me”. Ela não diz, nunca disse, mas esse é o
alarme que me arranca da cama nas noites mais pesadas.
Eu aperto a sua mão, envolvo a sua bochecha branca na
minha e abraço-a. O último abraço.
Paro o carro bruscamente e fraturo o nariz quando choco
contra o volante. O sangue pinga das narinas, mas eu não sinto.
Choro. Choro tanto que já não consigo ver. E olho para o banco de
passageiro, olho para a foto dela que ainda tenho na carteira, olho
para mancha que ela deixou no banco de trás quando rebentou
uma caneta vermelha permanente. Com dois dedos envelhecidos
abro a ferida e deixo entrar o que deveria ter entrado há quatro
anos.
Devo ter esperado ali por mais uma hora.
Sem água no corpo, revivo todos os momentos com ela.
Cada um deles. E reconheço que neles estava Will. A chorar no
parto. A virar panquecas enquanto desenhávamos. A assinar a
papelada nas primeiras sessões de quimo. A oferecer-me um
ombro no funeral. O pai da minha filha. O pai da Clara.
Viro o carro e conduzo de volta à cidade reluzente. Sem
pressa.
Pequenas lâmpadas coloridas emergem do grande oceano
negro e rapidamente me envolvem. A Clara não falou durante o
caminho de volta e não parece ser agora que se irá proferir.
São quatro da manhã quando chego ao andar do nosso
apartamento. A porta continua aberta.
Entro e nem procuro por Will. Já sei que está na nossa
cama. Ele geme discretamente no seu travesseiro encharcado.
Deito-me ao seu lado e deslizo a minha mão pelo seu braço. Os
nossos dedos entrelaçam-se e ele para de gemer.
Ficamos ali os dois. Daqui a pouco o sol deve aparecer.
Eu espero.
Eu fiz nosso amor caber em 4 haikais
André Foltran

(Passado)
Anota meu número
para o caso
da gente se ligar

(Presente)
Eu curti até
aquelas tuas fotos ridículas
em Angra

(Futuro)
A gente pelo menos
ainda se abraça
nas fotografias

(Pretérito mais-que-perfeito)
Se tudo der errado
a gente se encontra
no link abaixo:
Petrarquiano da saudade
Antonieta Torres Romano

Por tanto tempo que passei e passo


Pensando sobre o que poderia ser
Se vida fosse menos que o sofrer
Da falta de quem Vida tira o abraço

Do ônibus, do asfalto, do mormaço


Da cafeína que supre o prazer
Do vazio do peito ao perecer
Ao desgaste vagaroso do laço

Mas é certo que se de amor vive


o homem suportará a sua dor
Se dizem que o poeta é ourives

Se como o brilho do ouro é o amor


O sofrimento que hei de ter e tive
Há de passar além do bojador.
Felicidade...
Antonio Carlos Santos

Vem com tua voz macia


E acalenta o meu coração.
Me enche com tua poesia,
Dá-me da tua emoção.

Me faz sonhar qualquer coisa


Que possa me fazer feliz.
Melhor ainda, invades meu sonho
E brincas comigo
De inventar felicidade...

Sim, felicidade é realidade,


Que se pode experimentar
No encontro com quem amamos.
E é por isso que te busco tanto...
Tanto...
Namorados
António Miguel Pedro

Caminhei num mundo


Sem amor e sem brilho
Chorei uma década de amor
E carinho

Estive só, caminhado sempre


Com essa dor e uma tristeza no coração
Mas você apareceu

Meu mundo
Conheceu teu brilho
Vindo do teu amor

Ainda que o sol parasse


De brilhar
E os pássaros parassem
De cantar

Saiba que és
Meu namorado

Teu amor reflete


Em mim o azular
Do oceano
Num verão escaldante

És, somos, seremos


Namorados
Eu + Você = Amor para sempre
Cena pós-créditos
Arthur Ciol Calixto Cid

O filme tinha acabado. Nós víamos os créditos rolarem na


tela multicolorida em meio a uma música dançante dos anos
setenta, esperando as cinco cenas pós-créditos que todo mundo
no facebook estava elogiando.
A primeira apareceu tão rápido depois do filme que nem
sei se poderia ser contada como “pós-crédito”, mas né? Isso era
bem pequeno comparado ao resto que diziam online... A
propósito, o filme que a gente estava – ou o correto seria “está”? –
vendo é Guardiões da Galáxia Vol. 2. E, por “a gente” eu quero
dizer Amanda, Clara, Henrique, Bernardo e eu.
A ideia tinha sido do Henrique. Ele adorava essas coisas de
super-herói e não parava de falar sobre esse filme quando saíram
os trailers.... No fim, acabamos juntando um grupo e fomos
tentando combinar o melhor possível. Tudo bem que metade do
rolê simplesmente não conseguiu vir pelos mais diversos motivos,
mas, ainda sim, ele conseguiu convencer pela insistência Amanda,
Clara e Bernardo, todos da sala dele, e eu, que era do noturno.
Nós cinco fazíamos a mesma faculdade – do que não
importa. Eu e Henrique já nos conhecíamos há um tempo porque
tínhamos amigos em comum e bem, não sei dizer como
aconteceu, mas aconteceu.
Sim, exatamente isso. Essa coisa clichê que é gostar do
cara claramente hétero que cruelmente acaba se tornando um dos
seus melhores amigos sem você nem perceber. No começo de tudo
aquilo, a situação parecia muito daqueles núcleos B de série –
porque núcleos com casais gays sempre são B na maioria das
séries... – com todo aquele platonismo que todo mundo já
conhece.
Se ficasse só por isso talvez a coisa nem tivesse ficado tão
difícil, mas né? Às vezes o destino gosta de brincar com gente....
Tudo começou de verdade, digamos assim, depois que ele
terminou com a namorada.
Sim, ele tinha uma namorada! Mais clichê que isso
impossível, hein?
Mas, então, continuando... Ele tinha uma namorada e eles
terminaram. Até aí tudo normal, porque todo mundo termina e
tudo mais. O problema é que o menino me resolveu ficar com um
amigo – reparem no “o” – nosso durante uma festa. Nem sei dizer
o que isso me provocou na hora. Foi como se tudo que eu já
cultivasse por ele, sem ter muita consciência, confesso, pudesse de
fato se transformar em realidade.
Eu tenho que dizer: me afobei. Ainda na mesma festa falei
bem na cara dele que podíamos tentar ficar numa festa aí no
futuro, mas também... Do jeito animado que eu tinha ficado, foi
mais forte que eu...
Opa! A segunda cena pós-créditos apareceu!
Coloquei rapidamente meus óculos 3-D – é extremamente
difícil achar uma sessão que não seja 3-D nesses dias – e tentei
prestar atenção na cena.
Só que o Henrique estava bem ao meu lado. Já foi difícil
ficar o filme inteiro me contendo pra não esbarrar na mão dele
sem querer – ou querendo mesmo. Só não digo que foi um
martírio porque o filme tinha realmente umas piadas bem
engraçadas...
A cena acabou pouco depois de começar, fazendo-nos tirar
os óculos.
Confesso que eu estava morrendo de medo de ficar um
silêncio constrangedor e eu não conseguir mais disfarçar ao lado
do Henrique, mas, pela graça dos deuses, Clara perguntou quem
eram os personagens novos que tinham aparecido e nosso grupo
se encheu de conversa de novo.
Eu fingia que prestava atenção, acenando com a cabeça
nos momentos certos e tentando não ficar olhando só para o
Henrique, enquanto que minha cabeça voltava para tudo que já
tinha acontecido naqueles últimos meses. Valeu mesmo a pena
sair da fantasia pra viver tudo isso?
Enfim, aconteceu que a “festa aí” demorou muito para
acontecer... Eu acabei tentando me aproximar mais dele e
conversar mais também, tanto pessoalmente quanto por
mensagem, e isso só aumentava minhas expectativas que ele
também não tinha esquecido o que eu disse na festa e que iríamos
ficar juntos de verdade...
Demorou, mas finalmente a festa chegou e acabamos
realmente ficando juntos. Foi mágico, não vou mentir. Minhas
amigas – nenhuma era muito amiga dele – ficaram comemorando
no fundo quando finalmente aconteceu, tenho até uma foto que
elas tiraram pra provar o quão doidas elas ficaram naquele
momento...
Só que o Henrique, bem, o Henrique era libriano demais
para ficar na dele. Não que ele tenha ido atrás da Bruna, mas,
pelas nossas conversas, dava para perceber que ele estava se
apaixonando por ela. Na verdade, parando para pensar, ele até
estava começando a ficar caidinho até mesmo antes de ficarmos
juntos de fato... Engraçado como a gente torce as coisas que
lembra pra sempre ser a vítima dos outros né?
Nem vou perder muito tempo contando o que aconteceu
depois. Saímos juntos e ele cortou o nosso protótipo de relação
amorosa. Por causa dela, óbvio. Não teria porque ele não fazer
isso.
Sendo sincero, tudo poderia ter acabado ali. Ele ficando
feliz com ela e eu superando tudo que não aconteceu – porque
mais faltou acontecer do que aconteceu de fato. O problema é que
eles terminaram duas semanas depois de ficarem juntos.
E vem a terceira cena pós-créditos, me acordando dos
meus devaneios para mais uma diquinha do que provavelmente
pode acontecer no Guardiões da Galáxia 3.
Eu não conseguia prestar atenção. Não tinha como. Ele me
apresentou esse mundo dos super-heróis e dos quadrinhos. Agora
toda vez que lia algo a respeito me lembrava dele e toda a tristeza
e solidão voltava para mim, como um verdadeiro murro no
estômago dado pelo próprio Capitão América. Ali, no cinema,
assistindo isso do lado dele, toda essa sensação parecia muito mais
forte. Por que raios eu acabei aceitando vir aqui?
Eu poderia fingir que não faço ideia, mas isso seria apenas
mentir para mim mesmo. Sei muito bem porque vim. Foi pelo
mesmo motivo que voltei a correr atrás dele pouco depois do
término com a Bruna.
Eu escutei ele se lamentando e como tudo tinha dado
errado, sentindo que aquilo era uma segunda chance pra mim
fazer tudo certo e não deixar ele escapar das minhas mãos outra
vez...
Esse é um pensamento meio egoísta? É sim. Nem tenho
como me defender disso...
— Murilo? – Aquela voz que eu conheço muito bem me
acorda dos meus devaneios – Pode tirar os óculos... Essa cena pós-
créditos já acabou...
Meu deus! Eu não sabia onde enfiar a cara! Como pude
ficar tão distraído que nem percebi que cena tinha acabado?! Não
fica sem-graça! Não fica vermelho!
Eu tirei os óculos enquanto pensava o mais rápido possível
em uma desculpa plausível...
— Desculpa gente, hoje estou meio avoado... – não
consegui.
Henrique me fitou com aquele olhar preocupado que eu vi
as várias vezes que desabafamos tudo um para o outro sobre tudo,
até nossa relação. Não era culpa dele, não tinha porque ele se
sentir mal por tudo isso... Pelo menos, eu não queria que ele se
sentisse assim...
Acabamos tentando combinar de sair várias vezes um
tempo depois do término. Conversávamos sobre tudo e sempre
nos perguntávamos o que achávamos um do outro. Sinceridade
total nesse aspecto, o que me deixava muito feliz e me fazia sentir
o garoto mais sortudo do mundo. Afinal, quando é que se arranjar
alguém não só pra ficar, mas também para filosofar sobre a vida?
E, ah, como fazíamos isso! Às vezes um assunto simples
como um programa de TV ou algum comentário sobre a faculdade
nos levava até os meandros mais profundos da crítica, da
existência e dos nossos sonhos. Era como se pudéssemos nos abrir
com segurança um pro outro, pois tínhamos certeza que nada nos
faria mal.
Talvez por eu não ter reparado o fim da cena pós-créditos
anterior, a quarta veio bem mais rápido. Tentei me focar
rapidamente no que estava acontecendo a minha volta, pra não
cometer o mesmo erro de antes.
A cena acabou sem grandes rodeios. Eu acabei fazendo
uma pergunta para ele sobre ela até como uma forma de me
redimir de nem ter prestado atenção na outra.
Estava tudo bem entre nós, apesar de nunca conseguirmos
ficar juntos – romanticamente falando – porque não conseguíamos
combinar de sair. Sempre tinha alguma coisa que ele ou eu
tínhamos de fazer e nosso rolê ficava para segundo plano.
Confesso que acho que isso foi parte do que ocasionou a volta dele
com a Bruna.
Não foi fácil. Quando ele me disse que eles estavam
conversando e que ela queria tentar algo de novo eu simplesmente
não consegui acreditar no que estava ouvindo. Era o destino me
fazendo de piada por eu ter achado que tinha uma chance.
Fiquei com tanta raiva! Porque ele voltaria pra ela se
estávamos bem quase juntos?! Tive a cara de pau de dizer que não
daria certo – não porque iria melar nossa chance de ser um casal,
mas também porque se não tinha dado certo uma vez, como
poderia dar de novo?
Sim, eu sei que estou sendo meio hipócrita por dizer isso
sendo que me caí aos pés dele pela segunda vez.
No fim de três meses, que até me distanciei dele pra ver se
superava de vez tudo que quase vivemos juntos e o repeteco de
decepção, de fato, descobri – como não conversa mais muito com
ele, não tinha como ele me contar diretamente... Até porque
ficaria bem esquisito – que eles tinham terminado de novo.
A quinta e última cena pós-créditos veio, e, na verdade, eu
só queria sair logo daquela sala e da tentação que era sentar tão
próximo a ele...
Eu acabei me aproximando novamente dele por causa
disso e, inconscientemente, fui dando investidas implícitas de que
algo entre nós ainda poderia acontecer... Ah, por quê?! O que mais
me deixa bravo é que mesmo depois de ficar três meses sem falar
com ele direito, não tinha conseguido superar... Foi só ele piscar
aqueles olhinhos que eu me derreti de novo.
Ele não aguentou, eu não aguentei. Acabamos
combinando de sair – que ironicamente ocorreu sem quaisquer
problemas – e conversamos tudo a respeito do que tínhamos sido
e do que poderíamos ser um para o outro.
Não iríamos ficar juntos. Esse foi o acordo. Se ficássemos
juntos, ele acharia outra menina pra se encostar e eu iria ficar
ainda pior do que eu já estava. Ele precisava aprender a ficar
solteiro e eu tinha de superá-lo, era isso que nós dois
precisávamos se quiséssemos continuar amigos. E queríamos...
Muito mesmo... Por mais que tivesse toda essa paixonite por ele,
não iria aguentar perde-lo também como amigo, ainda mais
ficando naquela situação estranha que tinha se posto entre nós
nos meses de namoro com a Bruna.
Não, aquilo, não podia acontecer.
— Murilo? – Ele disse, de novo, acordando-me de novo de
meus devaneios – Tem certeza de que está tudo bem?
Eu voltei à realidade para perceber que Bernardo, Clara e
Amanda já tinham saído da sala. Seria tão fácil. Tão romântico. Eu
me levantava e beijava-o tendo como pano de fundo a tela branca
do cinema...
— Tudo sim... – eu não podia... por mais que eu gostasse
dele e ele gostasse de mim – Eu tô meio avoado mesmo...
— Ah – ele respondeu – qualquer coisa pode me falar viu?
Eu tô aqui para o que der e vier.
É, eu não podia. Essa reação iria sumir se eu tentasse.
Todo aquele companheirismo que a situação nos deu iria
desaparecer depois de uns beijos e umas brigas. Uma hora eu iria
superar aquilo e tudo ia ficar bem... Com certeza...
Não pude me conter em sorrir pra ele ao levantar-me do
lugar para sairmos da sala do cinema.
As enamoradas
Arthur Furtado Tomain

Dum desprezar desapercebido


Até olhos se depararam com isso
As enormes carnes que carregaste

Enormes, pesadas de agitar a malha leve que te


vem vestindo
Malha que quando se ofereceu pra tirar não fiquei coibido
Quando melhorou o alvitre e me queria que a rasgue

E depois que servi de cadeira, de nós dois veio um grito


Um suar de olhos, um tremor de cheiros
Aproveitando o enorme branco de comunhão com a haste

Dum desprezar desapercebido


As carnes da baixinha com o jeans soerguido
Chinelinhos, e os pés lindos que usaste

Naquele apartamento perto em que fui bem-vindo


Pude conferir a silhueta-brônzea num sorriso
E não era mesmo arrebita! Sequestrei e pedi resgate

Dum despertar desapercebido


A mestiça, a loira, a ruiva vinha comigo
Das últimas já falei, falta da primeira o embarque

E era um navio dos mais lindos


Mix-fartas carnes trazia consigo
De desviar olhares dos não e dos cafajestes

Possuir-te cabelos, carnes, coxas: doces figos


Mantê-la no nível do prazer que aqui digo
Beijar a boca da cabocla até que o amor se desgaste!
Ex-namorado
Beatrice Medrado

você foi meu namorado


você foi meu confidente
você foi meu amigo
e eu te amei
mesmo que talvez
não tenha sido
da maneira certa
e eu ainda te amo
mesmo que não seja
como antes

e eu sei que você


ainda me ama
mesmo que já não
seja da mesma forma
Diálogo amoroso
Bruna Longobucco

Quando te vi
Fiquei sem voz
E na troca de olhar eu perguntei:
― O que foi isso?
Você me respondeu:
― Não sei.

Um e dois instantes depois


Tornamo-nos um parágrafo
Depois vieram os capítulos
Com eles vírgulas e exclamações
Mas o que nos eclipsava
Eram os espaços, as reticências e os nós

Ah, os nós,
Como distorcem a interpretação!
Eles: um por um eu desatei
Um de cada vez
Dentro de todas as interrogações que você me fez

E quando descobrimos as respostas


Meu coração saltou!
Quase parou
Pois se ontem
Em monólogo eu me perdi
Foi assim
Olhando nos teus olhos
Que em diálogo eu me achei.
Daires
Bruno Vulcão Batista

Doce menina
Singela e linda mulher
Pele macia, cheiro de jasmim
tu és flor, menina e mulher.

Jeito inocente
Parece carente
Mas vive o amor
Do Pai criador

Em maio nasceu
Na igreja cresceu
Por um amor, quase morreu
Porém, de outro...

Renasceu!
Soneto do poder
Caio César Souza Mariano Fraga

Como uma única e simples pessoa


Um grande poder pode possuir?
Como se me dissesse “vá e voa”
E penso: nada pode me atingir.

Pelo simples fato de me abraçar,


Quando um abraço é o que preciso.
Pelo simples fato de me beijar,
Quando um beijo, desejo, sem aviso...

Afinal, eu percebo que as purezas,


Na vida, permanecem com clareza!
Pois, diariamente me guiam...

Problemas, dúvidas, não me afetam,


Mas uma verdade absoluta eu sei:
És muito mais do que sempre sonhei.
Para não ser lido
Caio Pedra

Eu escolhi você pelo sorriso. Talvez isso não soe muito


romântico, mas é a verdade. Eu queria esse sorriso pra mim. Pra
ver, viver e admirar. Eu queria que fosse essa a primeira imagem
que meus olhos vissem todos os dias pela manhã. E, assim, sem
nunca sequer ter te visto, eu te escolhi. Elegi, em meio à multidão,
aquele que mais me encantou, como quem compara lombadas nas
estantes de uma imensa biblioteca.
As primeiras páginas foram perfeitas. Ou, talvez, eu não
tenha prestado muita atenção, já que o efeito da capa me
anestesiou por um tempo. O fato é que tenho boas lembranças. Da
narrativa lenta e emocionada, de umas ênfases mal distribuídas,
das frases longas... do choque que causavam alguns parágrafos
avulsos e aparentemente destoantes, mas que se complementavam
em perfeita coerência num contexto fantástico e envolvente.
A partir do segundo capítulo, as coisas mudaram bastante,
eu sei. Passado o amor à primeira vista, restou a música eletrônica,
o ar condicionado no talo e todas as nossas – muitas –
incompatibilidades. Mas eu virei essas páginas. Você ama baladas
e diz que seu lugar preferido no mundo é uma boate quente, cheia
de gente e de filas. Virei a página outra vez. Você bebe muito,
dirige sem carteira, sai de terça a domingo, tem quase mil amigos
absolutamente idênticos e a insistente mania de falar deles como
se eu os conhecesse (ou soubesse diferenciar). Só me faz pagar
língua. Mas eu viro essas páginas, não importa. Página virada.
Pronto! Nem o seu R me incomoda mais. Já acho um charme.
Pode me chamar de “meu amoR” (vai! chama!)...
O terceiro capítulo é tão decisivo quanto dizem ser o
terceiro encontro. Aqui, a distância do primeiro faz o peso do
segundo parecer imenso. O encanto parece menor. Os problemas
parecem maiores. É o momento pré-clímax em que a narrativa
questiona seu próprio enredo. O amor parece pouco. Na verdade,
nem parece amor, parece um rascunho frustrado. Dá vontade de
fechar e guardar. Amassar e jogar fora. É só o começo de uma
história que não existiu.
A partir dali as páginas estão em branco. Sem um ponto
sequer a ser ligado, nem a formiga de Quintana passou para trazer
vida. Nada. Não se sabe se são muitas ou poucas, se há gravuras, se
vai ser bom. As páginas estão ali, em branco, esperando a nossa
história, os nossos desejos, as nossas escolhas... os diversos
caminhos que podemos traçar até o final, que não pode ser outro
que não o feliz.
Eu vejo você assim, como um livro. Talvez porque eu
tenha algo de escritor e, para nós, o ser amado não pode ter outro
formato.
Parece até piada, eu sei, mas a primeira coisa que você me
disse foi que detesta ler.
Aquele amor estranho
Carlos Viana

“Uma moto estacionada à beira de uma rodovia, um jovem


estava em pé na —encosta da pista segurando em um cercado de
ferro”.

Marcos era um jovem de dezoito anos de idade, um metro


e sessenta e sete de altura, cabelos negros lisos, de pele clara,
olhos castanho-escuros. Recentemente trabalha em uma fábrica
de modelar couro.
Lívia, seu grande amor, uma loira de cabelos ondulados,
de um metro e sessenta e quatro de altura, boca carnuda e olhos
azuis.
Viver as fantasias do amor é algo que para Marcos se
tornou lei, apaixonou-se por Lívia e sonhava com o momento em
que enfim fossem ficar juntos, o problema maior é que ela não
sabia.
Tudo começou quando trabalhavam juntos em um
mercado, ela ficava nos caixas e ele empacotava e repunha as
prateleiras.
Encantou-se por ela e não foi à toa, sem querer Lívia lhe
deu falsas esperanças. Com seu jeito extrovertido e sua educação,
encantava a todos, principalmente a Marcos. Quando ela iniciou
por lá, ele já trabalhava no mercado, foram se conhecendo aos
poucos e quando deram por si já estavam realizando brincadeiras
entre si.
Para a sorte de Marcos, ela com a família se mudaram para
a mesma rua em que ele morava. Apesar de estarem mais
próximos, mal tinham tempo para conversarem, apesar de que
Marcos sempre dava um jeitinho de aproximar-se dela e quando
não o fazia, dava um jeito de olhá-la de longe.
Estava disposto a se declarar para ela, quando em um
domingo à tarde ela o chamou para darem uma volta e percebera
ele aquele dia que a amizade que os uniam era forte, tão forte que
o impedia de revelar seus verdadeiros sentimentos.
Chegou a dizer algumas vezes que gostava dela, porém
quando Lívia o perguntava sobre o assunto, simplesmente
desconversava. Ouvir aquela voz, olhar aquela boca, contemplar
aqueles olhos meigos, eram coisas que fazia diariamente, sabia de
suas alegrias e suas frustrações, a seu modo atrapalhado, dava-lhe
conselhos, conselhos tais que não se sabia se deveriam ser levados
em conta, pois era apenas mais um inexperiente no amor.
O tempo que lhe sobrava enquanto trabalhavam, ele ficava
puxando conversa, e outras horas arriscava segurá-la pela mão e
quando ela o olhava, soltava meio sem atitude. Marcos sabia que
aquele amor estava se tornando impossível, sabia que aquele amor
estava se tornando, aquele amor estranho...
Toda vez que ficava em seu caixa, fazia questão de ajuda-
lá ao máximo, a ajudava a conferir códigos de barra que estavam
rasurados, empacotava os produtos numa agilidade tremenda,
quando algum cliente reclamava de algum vazamento ou furo
percebido de última hora ele trocava o produto sem dar tempo de
haver reclamações. Fazia tudo com tanto carinho e em troca
recebia um obrigado, aquilo para ele era gratificante.
Gostar de alguém é uma arte fácil, gostar sem que o outro
saiba é uma tolice, a menos que este amor seja revelado. Amor
platônico, este era o termo que classificava os sentimentos de
Marcos, mas por que não o revelar? Quais seriam as reais
consequências? Marcos a admirava e a achava muito bonita para
ele, se contentava em ser apenas seu amigo.
Após uma ação de Marcos de tê-la ajudado após uma
bronca de seu chefe, ele a apoiou sem saber ao certo o motivo da
bronca e consequentemente também levou um sermão.
Lívia que o agradeceu, queria conversar mais a sós e
decidiram se encontrar na praça, a mesma que ficava perto do
mercado, lá ela o confidenciou que estava sentido algo a mais pelo
rapaz que era entregador e tragicamente o dono do
estabelecimento os viram se beijando. A cara de Marcos foi ao
chão, sentia que havia sido traído mesmo sem ter nenhum
compromisso.
Não sabia se a aconselhava a ir em frente ou se a fazia
desistir e revelava de uma vez seus verdadeiros sentimentos. Ouvi-
la falar daquele rapaz lhe dava raiva, mas ele só era o amigo que a
amava em segredo e em silêncio.
Com o passar do tempo o namoro de Lívia foi ficando mais
sério, nos finais de semana passavam o tempo todo juntos. Marcos
passou a olhá-la apenas de longe, era difícil de aceitar, mas sua
garota se entregava aos braços de outro.
Marcos sentia ódio de si mesmo, mas era mais forte que
ele, não conseguia esquecê-la um só momento, tinha esperança de
que aquele namoro acabasse, mas a cada vez que os via, pareciam
estar mais e mais apaixonados.
Marcos e Lívia haviam se tornado grandes amigos, ele
sempre prestativo, sempre pronto para ouvi-la, parecia que só se
preocupava com seu bem-estar. Ao contrário, Lívia não lhe
perguntava nada sobre sua vida, era fria aos sentimentos do
amigo.
Mais uma vez Marcos se via em uma situação
comprometedora em seu trabalho, após defender Lívia passou a
ser perseguido pelo seu patrão, estava insuportável trabalhar
naquele lugar, apenas o tolerava por Lívia. Se tem uma coisa que
enfurece patrões são empregados que vão contra eles em alguma
questão e Marcos assim havia feito, agora se tornara mais um da
lista negra.
Marcos havia sido chamado no escritório para esclarecer
algumas regras que havia descumprido e sem perceber se alterou
dizendo que não precisava do trabalho, mesmo assim o deixaram
no mesmo lugar, apenas disseram-lhe que não passava da
próxima.
― Você não devia ter agido assim, quero dizer... Marcos,
têm tantos meios de resolvermos nossos problemas e não gosto de
vê-lo assim com raiva - Dizia Lívia tentando consolá-lo, após ter
ouvido seu desabafo.
Na semana seguinte ele presenciou uma discussão entre
Lívia e o namorado, talvez seria o destino caminhando a seu favor.
Saiu sem dizer nada como se não houvesse visto, horas depois
quando conseguiu aproximar-se dela, percebera que seus olhos
brilhavam meio lacrimejados, segurou-a pela mão sem perguntar-
lhe nada.
― Eu preciso de alguém que me entenda, não que me
culpe - Dizia ela.
― Acalme-se! Eu estou aqui, sempre estarei aqui, sempre
estarei por perto.
Agora sua esperança havia voltado, desta vez iria confessar
todos seus sentimentos, precisava de um pouquinho de calma e
tempo para estarem juntos e a sós.
Para seu azar foi despedido dois dias depois. Com esforços,
conseguiu entrar em uma fábrica e para sua infelicidade não a via
como antes, apenas finais de semana. Chegou em sua casa e viu
sua mãe com o convite de casamento, não acreditava no que via,
seu coração disparou, ele que pensava que o namoro dos
pombinhos havia se acabado não se conformava com toda aquela
situação. Nada fazia sentido, por que este casamento repentino,
por que não namorar mais um pouco? Talvez ainda estivessem em
dúvida em relação a seu amor, ninguém a amava tanto quanto ele.
Um mês de antecedência.... Ainda tinha um mês pela
frente até a data marcada, mas não sabia o que fazer. Em
desespero chegou a criar várias hipóteses para tê-la em seus
braços, mas percebera que nada adiantava e nada fez.
Finalmente havia chegado o dia... O dia de sua destruição,
como era triste aquela angústia, aquele sentimento de fracasso, a
perda de seu amor, a perda de Lívia.
Amar em silêncio, amar em segredo, amar sem receber,
amor estranho que machuca por dentro, amor estranho
incontrolável, amor platônico, seja o que for, estava lhe
machucando por dentro. Não queria senti-lo, mas era impossível
controlá-lo. Sentia raiva, sentia ódio, sentia decepção por não o ter
revelado antes, mas a raiva maior que o consumia por dentro, era
sua falta de capacidade, seu silêncio idiota, aquele medo de
arriscar, aquele amor estranho...
Uma moto estacionada à beira de uma rodovia, um jovem
estava em pé na encosta da pista segurando em um cercado de
ferro, enquanto olhava a ribanceira. Marcos sabia que o único jeito
de se livrar daquela dor era não comparecendo àquela cerimônia,
ninguém daria sua falta mesmo, agora sim iria perder Lívia de vez,
em poucos minutos estaria tudo acabado, em poucos minutos não
iria se preocupar em vê-la novamente.
Um carro preto havia estacionado à porta da igreja,
desceram dois homens acompanhando a noiva, um outro voltou,
foi até o veículo destravou- o, abriu sua porta analisou o ambiente
e após saiu com o carro... Minutos depois retornou e o estacionou
à margem da calçada, desceu, travou seu alarme e seguiu igreja
adentro.
Uma noite fria com algumas poucas estrelas...
No mesmo instante, um jovem de jaqueta preta com luvas
na mão se aproxima do veículo estacionado e fica por observar
aquela igreja com seus braços cruzados e olhos fixos na noiva que
andava acompanhada em direção a seu noivo
“Não lhe disse que em todos os momentos eu sempre
estaria por perto meu amor?!” - Dizia Marcos em pensamentos.
Enamorados
Carolina Mattos

Eu queria contar pro vento,


Espalhar ao mundo inteiro,
O quanto gosto do teu ser.

Entre tantos, tu chegou manso


Entretanto, fez enlouquecer.
Até mesmo emudecer, logo eu
Que sou de transbordar palavras.

É tão forte a batida da melodia,


Dispensa a rima, vibra.
Em silêncio, grita.

Ouça o beat, é respiração acelerada

Em sintonia com timbre de coração


A clamar ao vento.

Sim, eu tenho coragem.


Mas um nó na garganta
Cala a minha boca em beijos.

Porém, você sabe!


Não preciso de brisa, tão pouco tempestade.
Nos meus olhos moram a verdade
Que apenas tu sabe decifrar.

Vem cá,
Mergulha a vontade.
Deixa o vento pra lá.
Crime Perfeito
Carolina Sofia Rosa da Costa

Sozinha na rua, andando à meia-noite, cabeça rumo ao


norte, coração perdido para as mãos da solidão. Foi quando fui
assaltada. Pegou-me desprevenida. Num pulo breve engoli em
seco. Não consegui segurá-lo, meu coração. Foi roubado.
Tão ágil a criatura que só vi seu olhar, profundo e
penetrante. Minhas palavras dispararam em sua direção, como se
minha vida dependesse disso. Agora roubou minha voz e meu
movimento. A resposta foi um sorriso torto. Olhar doía, mas
desviar o olhar era devastador.
Aos poucos o ladrão foi roubando cada parte de mim. Eu
retribuí, roubando- o para mim. Esse era nosso jogo. Conquista e
desejo. Nos tornamos acumuladores de amor. Não nos restava
nada além dessa aliança. Uma coisa era certa, possuíamos cada
pedacinho um do outro.
Já houve vezes que tentamos devolver o que roubamos.
Não durou. Roubamos de volta depois de um tempo, pois
sabíamos que eram vitais. O jogo ainda não acabara.
Descobrimos que o jogo era o amor. O desejo nos
consome. Hoje, acredito quando dizem que mãos entrelaçadas
dão a volta ao mundo de olhos fechados. Não me imagino sem ele.
Então, até selarmos a eternidade no papel, seremos como
qualquer outro casal na rua, podendo ser confundidos com dois
amantes comuns. Porém, esperamos o “para sempre” nos
intitulando como “namorados”.
Chances existem para serem perdidas e
encontradas
Caroline Maria Cesário Pinheiro

Sempre a via passando pelo corredor. Ela ia e voltava, às


vezes rápido e apressada, em outras, tranquila, aproveitando seu
tempo. Em todas Samuel a olhava, apertava os punhos, respirava
fundo e dava um passo em sua direção. Todo momento era o de se
confessar, até que desistia, de repente não era mais.
Ele sempre assistia aos olhares que ela diariamente
lançava, já os conhecia de cor. Ainda assim, o sentimento
desagradável se formando em seu interior, como se o sufocasse,
persistia quando a via olhar para ele, de qualquer ponto do espaço.
Samuel sabia bem que ela não o olharia assim.
Seus olhos não vagavam por aí o procurando, nem
brilhavam explodido em admiração e interesse, não sorria na
expectativa de ser notada e correspondida. Era ninguém, nunca
estava lá, nem existia. Como um espectador assistia o desenrolar
da história de outros, nunca participando, nunca fazendo parte.
— Com licença. — Olhou para quem o chamava e engoliu
em seco ao encontrá-la parada com papéis em mãos, um sorriso
sem jeito nos lábios. — O diretor quer a assinatura e carimbo de
todos os gerentes de equipe no projeto. Bem, — o estendeu o
bloco de folhas sem o olhar diretamente.
Ele segurou o contrato. Permaneceu a olhando nos olhos,
pensando novamente que era o momento de falar algo. Tinha um
“como está?”, “tudo bem?” na ponta da língua pronto para sair.
Lembrou de quando a viu na saída da estação, chovia e ela não
tinha um guarda-chuva. Samuel tinha. Queria oferecer que eles
dividissem, mas ficou tempo demais pensando na reação que ela
teria.
Outra pessoa veio. Perdeu a chance.
Pensou também na conversa que a viu tendo com ele, o
cara de quem gostava. Sorria, dava risadas e falava sem parar
animada. Radiante. Contagiante.
― Obrigado. — Foi tudo o que disse ao apertar o bloco de
papéis nas mãos. Ela nada mais falou, só acenou com a cabeça
silenciosamente e foi embora, encontrando no caminho com ele,
aquele para quem lançou um enorme sorriso.
Samuel respirou fundo. Perdeu a chance.
Apanhou-se a olhando, de novo. Feito um idiota encarava
a cena pensando em todas as coisas que queria dizer e não havia
tido a coragem. Questionava se deveria ir agora e desabafar tudo.
Perguntava-se em qual parte do caminho tudo havia ficado tão
bagunçado, coisas que nem dava atenção tomando sua mente,
sentimentos se tornando tão complexos e temíveis.
— Ei, Samuel! — Ele gritou e só então foi que percebeu
sua presença lá. Acenada sem parar com um enorme sorriso nos
lábios. Era bonito. — E aí, cara?
Ela tentava disfarçar o quanto havia ficado séria
repentinamente, o olhar voltando para o chão, quase incomodada.
Samuel sorriu de leve e acenou de volta. Certo, ele não sabia de
nada, não tinha culpa alguma. Quando os dois começaram a se
afastar, levantou-se e também se foi, sem dar um último olhar
sequer.
Ela não estava sozinha. Perdeu a chance.
Era uma noite fria quando ela saiu do trabalho e
encontrou-o a esperando do lado de fora da empresa. Já estava lá
há horas. Foi uma mistura de loucura, coragem, disposição e
exaustão ter decidido fazer isso naquele dia, e para sua sorte ainda
havia caído com as horas extras. Agora ou nunca parar fazer sua
confissão.
— Oi. Tudo bem? — Disse com as mãos dentro dos bolsos
da jaqueta. Sorriu, um pouco, não parecia certo sorrir.
Ela, parada na calçada, o encarava em silêncio, uma
expressão que, mesmo com tudo o que sabia Samuel não
conseguia ler. O lábio crispado o fazia questionar se aquilo havia
sido uma boa, se não era melhor ter deixado para lá, como estava.
As sobrancelhas arqueadas o apressavam a falar.
Respirou fundo. Não podia perder a chance.
— Eu vou chutar que essa sua cara está me perguntando o
que eu quero com você.
Os seus pés, assim como o corpo todo, faziam um esforço
tremendo para permanecerem no lugar e não mostrarem os claros
sinais de nervosismo. O rosto dela poderia ser traduzido em
curiosidade, ou aquilo era algum tipo de medo?
— Sinceramente? — Deu de ombros e continuou. — Não
sei nem como falar com você. Também não tenho ideia de como o
que vou dizer vai afetar o nosso relacionamento. O que nem
temos. — Sorriu amargamente e ela engoliu em seco, segurando
com mais força a alça da bolsa. — Eu gosto muito de você, sabia?
Claro que sabe. Você seria uma idiota se não percebesse isso com
todos os olhares que eu dou na sua direção. Já o estúpido seria eu,
se não visse a forma como você olha para ele. Não dá para se
ignorar. — Samuel suspirou e sorriu só com os lábios ao ver como
ela ainda parecia incerta ali na sua frente. — Não se preocupe, eu
não estou aqui para pedir uma chance. Foi só para, sei lá, tirar do
meu peito isso.
Os dois caíram em silêncio, não saíram do lugar, pois
sabiam muito bem que havia mais a ser dito. Existiam palavras
sufocadas demais no espaço dos dois metros entre eles. Samuel
olhava para cima, focava o céu, contava uma dúzia de estrelas e
constatava que não iria chover, depois olhava para a mulher que
não mirava nada além dos próprios pés.
— Você lembra que eu te pedi em namoro bem ali? —
Apontou para a fachada de uma padaria quando ela levantou a
cabeça de súbito. — Três anos atrás, com um bolinho de morango
em mãos.
Sorriu e dessa vez também conseguiu ver um, mesmo que
mínimo, no rosto dela.
— Eu não quero que a gente volte, nem te convencer de
que eu te amo e te perdoo por ter me deixado sem nem permitir
perguntar um porquê. Nem quero saber. — Samuel ainda sabia o
que passava em sua mente, tanto que conseguia a prever, nem
precisava falar. — Entenda, eu não tenho raiva porque você
assumiu o namoro com ele, enquanto por anos não quis que
ninguém na empresa soubesse sobre nós. Eu fui feliz demais com
você para me ressentir tanto assim.
À distância viu o namorado dela se aproximando
chegando para buscá-la. Sorriu discretamente e ajustou sua
postura como se estivesse despertando, estalando as costas depois
de longas horas de trabalho. Era a deixa, o sinal do encerramento,
o momento de ir para seu próprio caminho.
— Não precisa mais evitar olhar para mim, as nossas pazes
estão feitas. Eu vou continuar sendo feliz agora, seja também.
Acenou com a cabeça para ele enquanto começava a se
afastar, virando-se e sabendo que enquanto era abraçada os olhos
dela, finalmente, não tinham medo de mirar na sua direção. O
significado não lhe importava mais, retribuir também. Samuel
sorriu para si mesmo, estava satisfeito pelo que fez por si mesmo,
agora estava livre. Pensou em passar na padaria, quem sabe
comprar uma torta de chocolate.
Era dia de comemorar. Não perdeu a chance.
Meu corpo
Carolini Assmann

Relógio desperta, levanto, paro na frente do espelho, me


olho, sempre faço isso, eu não sou bonita, lágrimas escorrem pelo
meu rosto, eu não tenho um belo corpo, não é que eu não me
cuide é que não consigo ser igual às modelos ou as musas que os
homens desejam, sou sobre peso, já fiz muita dieta, mas não
adianta, sempre acabo voltando a esse corpo, às vezes me sinto
muito bem, às vezes me sinto mal, geralmente quando alguém
passa por mim na rua e me ofende, aí me sinto mal, não sou vista
já faz algum tempo. Lavo o rosto, troco de roupa e saio.
Vou para a faculdade, hoje começo mais um ano, mas não
faz muita diferença não tenho ninguém para matar a saudade, sou
invisível em todos os lugares que frequento, eu gosto, mas ao
mesmo tempo não gosto.
Entro na sala, sento no fundo assim fico escondida e não
chamo atenção, odeio ser o centro de tudo, odeio que me olhem,
se eu não fizer barulho melhor ainda. Rezo para ninguém sentar
perto, mas é impossível, a cada minuto que passa enche mais,
umas patricinhas sentaram ao lado me olharam com cara de nojo,
faz parte já estou acostumada.
De repente a sala para, todas as meninas olham para a
porta, um menino lindo entra, para, olha em volta, há
pouquíssimos lugares vagos, começo a rezar para ele não sentar na
mesa a minha frente, não sei lidar com garotos bonitos, apesar de
nunca falarem comigo, se algum dia falaram com certeza gaguejei
e passei vergonha.
Mas não adiantou, ele veio na minha direção e sentou, não
sei se me olhou, pois fiquei imóvel, sem respirar, olhando para
baixo, só dou uma espiadinha para os lados, as patricinhas estão
olhando e se derretendo.
Logo a aula começa, não faço muito barulho e mal respiro
para não notarem a minha presença, mas quase no fim da aula a
professora fala o que eu mais temo nas aulas.
― Façam duplas.
Como assim duplas no primeiro dia de aula? Eu odeio a
professora só por isso, nunca ninguém me escolhe, sempre espero
todos se escolherem e o outro que sobrar faz dupla comigo,
sempre foi assim.
A patricinha olha para o menino.
― Vamos fazer juntos? - sorrindo para o menino.
― Não, eu já tenho minha dupla.
Por dentro eu gritei, bem feito!
Em segundos ele se vira e me encara.
― Vamos fazer juntos?
Fiquei sem reação minhas bochechas coraram e claro que
acabei gaguejando.
― Sim.
Olhei para o lado, a patricinha queria me matar, mas pela
primeira vez eu me achei e sorri para ela que entendeu o recado e
se virou para frente braba.
Sinal toca.
Todos levantam rápido.
― Onde você mora? - Menino pergunta.
― Na frente da padaria na rua de trás.
― Hoje à noite vou lá!
― Quê? - Acabo gritando.
― Hoje vou lá, vamos fazer logo o trabalho.
― Ok.
― Qual o número?
― 236, apartamento 32.
― Perfeito.
Ele pega a mochila e sai, fico imóvel, meu Deus, ele vai ao
meu apartamento, e agora, será que vai mesmo, não posso me
empolgar, ele vai para fazer o trabalho, já estou colocando merda
na minha cabeça, depois fico chorando.
Levanto, saio da aula, passo no mercado já que ele vai
aparecer lá, preciso ter alguma coisa para oferecer a ele.
Chego ao apartamento, dou uma ajeitada, tiro uma
soneca, já que vamos estudar preciso estar descansada.
Depois da soneca, levanto, tomo banho, saio do chuveiro,
paro em frente do espelho, começo a me insultar como sempre
faço gorda, horrível, vai ficar para sempre sozinha, acabo
chorando, pego a toalha em enrolo, entro no quarto, coloco uma
blusa e uma calça de moletom, não preciso me arrumar, ele nunca
olharia com outros olhos para mim.
Campainha toca.
Seco as lágrimas que escorre pelo meu rosto.
Atendo a porta.
― Oi. - Ele sorri, que belo.
― Oi.
Ele entra.
― Por que você está chorando?
Será que estou tão inchada assim, apesar de que inchada é
o meu natural.
― Nada demais.
― Está triste?
― Um pouco.
Ele senta no sofá, tira o caderno da mochila.
Sento ao seu lado.
― Por quê?
― Não quero falar.
― Nem nos apresentamos, meu nome é Marcos.
― O meu é Maria.
Sorrio.
― Você tem um belo sorriso.
― Não fala isso.
― Mas você tem.
― Obrigada.
Ele pega na minha mão.
― Não fica triste, você é linda.
― Não fala isso.
Lágrimas escorrem pelo meu rosto, não consigo me
controlar.
Ele se aproxima mais e me abraça, me beija na bochecha.
― Você é linda.
― Não sou.
― Você é sim.
― Não sou.
Choro mais, ele me abraça mais forte.
Ele se afasta e me beija, retribuo.
Ele me afasta, me olha fixamente em meus olhos.
― Para de falar que sou bonita, que meu sorriso é lindo,
porque não é.
― Tá bom, você é feia.
Dou uma risada.
― Teu sorriso é lindo, sim.
Ele me beija novamente.
Ele me levanta, me leva para o meu quarto, entramos no
banheiro, ele me para de frente para o espelho.
― Você é linda, sim.
Ele me vira de frente para ele, tira minha blusa, me beija,
desce, fica de joelhos, beija minha barriga, nunca deixei ninguém
fazer isso, ele a toca, beija, me abraça.
Levanta, me vira de frente para o espelho, fico com
vergonha, levanto os braços para colocar a mão na frente, ele as
segura, me escara pelo espelho.
― Você é linda.
― Não me acho.
― Por quê?
― Você não está vendo?
― Eu estou vendo uma mulher maravilhosa na minha
frente.
Choro.
― Diga, eu sou linda.
― Eu sou linda.
― De novo.
― Eu sou linda.
― De novo.
― Eu sou linda. - Grito.
Ele me vira, me beija, voltamos para o quarto, dormimos
juntos, não fizemos o trabalho.
Após essa noite, começamos a namorar, não nos
desgrudamos mais, caminhávamos pelas ruas de mãos dadas,
nunca me senti tão poderosa, ele me deu a minha vida, a beleza
não é por fora e sim por dentro, ele me entendeu e me amou.
Marte e Urano (dois planetas, dois destinos)
Cathy Martins

As línguas conversaram
entre o toque dos nossos lábios
queria poder voltar no tempo
e não
lembrar de como fodemos

Naquela madrugada
fria
onde somente escutávamos
os gemidos
chamando pelo meu nome
e eu pelo seu

Unhas tocaram as costas com


Ferocidade
enquanto o prazer pulsava em
nossas veias

Memórias escondidas com um


sorriso no rosto
maquiando o arrependimento
do seu gozo me preenchendo
no momento da libertação

O destino cumpriu com o dever


não eu, somente você
meu coração estilhaçado
e você esperando outro nascer.
-
Cathy S.

Você me ensinou a amar o meio


porque segundo você
o começo é desconfortável.

O final desastroso e doloroso


mas o meio,
a solução perfeita.

É quando se tem a calma e a recordação do começo


e então você tem ideia de como vai ser o final.

- viva ao meio
A boca ímproba
Cesar Luis Theis

Era terça-feira, Eduardo estava na biblioteca da


universidade terminando outro enfadonho trabalho da aula de
História, havia passado o dia imerso na pesquisa e não percebeu a
garoa fina que caiu sobre a cidade às sete e se transformara em
chuvarada as nove, ele somente se deu conta da intempérie
climática noturna enquanto cruzava o saguão a caminho da saída.
Então, parou, resiliente ao tórrido aguaceiro... e quase
alheio de repente virou-se para o lado, percebeu uma garota
sentada, e logo presumiu, também esperava a chuva cessar, então
uma desmemoria das brincadeiras de criança confrontou-lhe, – o
que você faz quando chove? Eu deixo chover! – E conformado
decidiu sentar também por ali próximo a desconhecida.
Então, um rápido entreolhar pincelados com sorrisos
quase simultâneos, e Eduardo começou a reparar um pouco mais
na jovem, os cabelos curtos pintados de roxo, um chapéu redondo
engraçado, a face sem maquiagem, ria casualmente enquanto
resmungava sozinha qualquer coisa... a boca irrequieta mascava e
fazia bolas com o chiclete, que estouravam produzindo
estampidos que se espraiavam em ecos pelo saguão do prédio.
Foi então tomado por uma forasteira sensação de
estranhamento provocada pela quimera do silêncio e do espaço
vazio limitado por aço, concreto e vidro, que o atingiu
diretamente como uma flecha, tornando-se inconveniente
inquilina no coração... então enquanto antevia um mergulho em
reminiscências, uma voz reverberou reavendo-o para a realidade.
― Um dos quatro naipes do baralho... com cinco letras?
Então voltou-se na direção da jovem, e a viu segurando o
jornal, e compreendeu o propósito da interrogativa, e sem muito
hesitar respondeu, - ouros ou copas – e ela rabiscou rapidamente
as letras e o semblante enevoado descortinou-se com um
espontâneo sorriso reluzente como amanhecer de verão, –
consegui, consegui – ele considerou interrompe-la, já que na
verdade quem havia dado a resposta foi ele, mas, a singularidade
daquele momento de alegria esfuziante salpicado pelo som da
chuva não permitiria interrupção de nenhuma natureza.
Então, ela lançou a isca para uma conversa trivial.
― Oi, eu sou a Lavínia.
E ela calmamente se aproximou... ele então lançou outro
olhar e divisou as minúcias da figura jovial de pele clara, seus
olhos castanhos e finos lábios vermelhos, e respondeu enquanto
suspendia a mão na direção dela.
―Eu, sou o Eduardo, muito prazer.
E então conversaram tentando se conhecer... falaram de
música, poesia e cinema, confidenciavam pequenos segredos,
mesmo sendo desconhecidos... enquanto a chuva indiferente caia
lavando a cidade... a afinidade tornava a conversa intima, ele se
mantinha levemente distanciado, enquanto ela corajosa e
profunda falava com sinceridade... até revelou que desde criança
sempre acabava por chorar quando ria de forma exagerada.
Assim o primeiro ano de namoro passou caprichosamente
compassado num piscar de olhos, ela lépida absorta em suas
incongruências e aulas do curso de Psicologia... ele
circunvizinhando aventuras heroicas decodificas dos conteúdos
do curso de História... e estando juntos se completavam, havidos
por enfrentar os contratempos recorrentes do cotidiano.
E o jovem casal embevecido pelo frescor da brisa da vida
de namorados descobriu que um mais um precisava ser dois... que
toda vida necessita de uma testemunha, que é possível acreditar
em uma jura realizada no meio da rua e selada com alianças de
papel... e que morar junto é quase o mesmo que casar.
Mas, a enguiça é destas que sempre anda atrás da
felicidade alheia, e de vez em quando alguém é sorteado na loteria
dos infortúnios, quando a mãe de Lavínia sofreu um mal-estar,
fato que vez o jovem casal seguir as pressas para o hospital.
Porém, quando chegaram ao quarto ela já havia sido medicada, e
estava falante e corada.
O casal conversou com o médico do lado de fora do
quarto, que sugeriu alguns cuidados com a alimentação e repouso
até ela se restabelecer completamente. O destino versava a
quizumba... e saíram do hospital acompanhados com a nova
inquilina, dona Gioconda que passaria alguns dias no apartamento
do casal.
E assim antes que Eduardo parasse o carro no primeiro
sinal após sair do hospital, dona Gioconda já havia regurgitado
cinco reclamações, sobre como eles haviam demorado a chegar, o
cheiro do carro, a forma como Eduardo dirigia, a velocidade
excessiva e a poluição insuportável da cidade... e até em casa
foram tantas outras que ele acabou por se desligar da realidade
com a música, a fim de não se irritar respondia as queixas com
monossilábicos escolhidos aleatoriamente, por vez concordava, é...
em outra discordava, balançava a cabeça... e então fingia alguma
curiosidade ou supressa... aaahh?!? Depois repetia-os novamente
mantendo a conversa de boa educação.
Nos dias seguintes a circunstância não se alterou, porém,
dona Gioconda parecia preferir pronunciar as insinuações ferinas
a Eduardo quando Lavínia não estava por perto. Os constantes
escárnios e amolações que beiravam a zombaria proferidas pela
boca ímproba de dona Gioconda, eram veladas na ausência,
quando a filha estava na faculdade.
Porém, quando Lavínia estava em casa, no emergir de
alguma aparente incompatibilidade de opiniões, ela inventava um
discurso ou contraponto, que aparentemente mostrava-se
favorável a Eduardo, mas, antes que ele percebesse o embuste,
conduzia a uma discussão que sempre o colocava na condição de
opositor da razão.
Dona Gioconda sempre acabava por ter a última palavra
sobre os desacordos da casa... e quando pressentia qualquer
possível resultado desfavorável, dissimulava no semblante uma
dor acintosa aqui ou acolá... que acabava por exigir da boa
educação alheia a atenção de alguma palavra de consolo capaz de
servir de balsamo lenitivo.
O recente diagnosticado sobre o problema de saúde de
dona Gioconda, tornava a natureza da situação incontornável,
impedia qualquer contra alegação por parte de Eduardo, e fazia
com que a nova inquilina obtivesse uma justificativa, afinal doença
é destes imprevistos que sobre todos se abate, surge e coloca-se
entre a real condição que planejamos para a vida.
A relação entre Eduardo e dona Gioconda deteriorava,
enquanto Lavínia apenas habitava as cercanias que dissimulavam
a contenda doméstica... o jovem visando responder aos frequentes
escárnios da boca ímproba de dona Gioconda, em meio a
madrasta circunstância resolveu então afigura-la – bruxa velha –
pois sem dúvida existe abundante substância em dona Gioconda
para honrar a prerrogativa conferida, e ratificou para si o
pensamento... sem dúvida existe!
Mas, a despeito dos infortúnios da vida que nos assolam
cotidianamente para o desencadear de alguma indocilidade
sempre se carece de algum evento, acontecimento ou
circunstância extrema que desemboque na revelia, embora a gota
que faz o transbordar, seja as vezes apenas uma gota... e com
Eduardo não seria diferente, aconteceria exatamente na manhã do
seu aniversário.
Foi naquela manhã, em que seu nascimento coincidia no
calendário com uma quinta-feira, e assim lhe atribuía o sentido de
seu vigésimo terceiro aniversário, que acordou disposto, deixou a
cama pouco depois das dez horas auspicioso as boas surpresas que
a data poderia lhe proporcionar.
E realmente, o pressagio logo se confirmou, quando
chegou a sala e encontrou inúmeros amigos do casal reunidos para
uma íntima festa de aniversário, um almoço para confraternizar
com o significado singular daquela quinta-feira festiva de outubro.
E logo após as vozes se juntarem para cantar os parabéns
quando os presentes se posicionaram para entregar os presentes e
versar cumprimentos a Eduardo... que a cisma aconteceu, quando
lançou um olhar pressentiu o nascimento de estranhamento sobre
a figura de dona Gioconda que se aproximava, e quando firmou a
atenção, identificou o elemento causante do estranhamento.
O novo corte de cabelo de dona Gioconda acentuado pela
cor da pintura do cabelo a transformará na personificação
flagrante da exata figura presente em sua imaginação, da bruxa
velha, que imediatamente causou-lhe um incontrolável ataque de
risos, que emergiu das profundezas do subconsciente para
indomáveis desenfreadas gargalhadas, enquanto os convidados
atônitos procuravam compreender a circunstância que
literalmente levou o aniversariante a rir até chorar.
Após alguns minutos finalmente contido o evento risonho
e suprimido o constrangimento causado, as conversas banais
foram retomadas, e o almoço foi anunciado, conquanto o agravo
ridente não poderia ficar sem resposta, e quando Eduardo
aproximava-se da mesa trazendo da cozinha a travessa com
macarrão coberto molho de carne e recoberto com queijo ralado,
entre os passos do seu caminhar sentiu uma proposital maliciosa
interrupção, seguido de um desiquilíbrio causado pelo entrelaçar
das pernas... e para evitar o desfortúnio de lançar o macarrão
sobre os inocentes convidados pendeu repentinamente,
escorregando no pequeno tapete com desenho de patos, e quanto
caído sentiu sobre si o abrasamento da mistura de massa, molho e
queijo.
E em meio as gargalhadas dos convidados vislumbrou o
sorriso cínico da bruxa velha, aquela foi sem dúvida a derradeira
gota d´água, e considerou que o destino havia comensurado sua
vida a uma tragédia shakespeariana... então precisava assenhorar-
se de alguma solução equipotente capaz de silenciar a boca
ímproba da bruxa velha.
Então no final daquela tarde de quinta-feira de outubro
após outra briga com Lavínia... disposto a devolver-lhe a felicidade
de outrora, saiu decidido para a biblioteca, sentou-se em um canto
soturno e começou a pesquisar algum veneno irrastreável. Fim.
Obrigada
Cláudia Sant’Anna

Tenho tanto para agradecer


Que não daria para escrever.
Nem sei por onde começar,
Mas não custa nada tentar.
Nunca imaginei ter um amigo verdadeiro,
Alguém que não é apenas passageiro
E muito menos que ele viraria namorado,
Mas fico feliz por o ter se tornado.
Agradeço por me aceitar como sou
E se interessar em como estou.
Por saber ser sincero
E ser como eu espero.
Estou agora como sempre quis,
Me sinto muito feliz.
Ciúme é normal
E acredite quando digo que sou igual,
Talvez não mais que você,
Mas também sofro se quer saber.
Saiba que pode contar comigo
Sendo meu namorado ou amigo,
Pois não quero te perder jamais
E nunca vou te deixar em paz.
Não sei se isso é bom ou ruim,
Mas sei que é bom pra mim.
Só espero sinceridade.
Bastante amizade
E o que não pode faltar num relacionamento
Que realmente não falta no momento:

Muito amor,
Para o sempre que for.
A Fran tinha um fã
Cláudio D’Amorim

A vida diante dos nossos olhos não é inteiramente


percebida se não a encaramos com amor. Na verdade, é tudo de
que precisamos. A felicidade está próxima e mesmo sendo
amados, por vezes não a distinguimos. E quando amamos os
outros não veem. É com amor que planejamos o passo seguinte e
nunca prevemos o acaso, porque se o amor reconforta vivemos de
improviso.
Na década de 1980 aquela firma era um renomado
magazine. Localizava-se na ala direita de um grande edifício, no
centro da cidade. O prédio era sustentado por pilotis deixando
assim livre o pavimento térreo, tendo na ala esquerda uma
lanchonete revestida de pastilhas verdes e do outro a Loja
Bremmer. O estabelecimento tinha duas entradas pela galeria e
outra pela frente, no sentido de quem atravessasse a praça em
direção ao prédio. Tinha este pouco mais de 10 andares e seu
revestimento era de cor clara, porém cambiante já que se alterava
conforme a luz. Cintilava como uma catedral. Por dentro da loja se
chegava ao 2º andar onde a linha social era vendida. Era nesse
pavimento também que funcionava o Setor de Crediário. Era nesse
setor que ela trabalhava como caixa. Era em cima da registradora
que ela, às vezes, achava um bombom. Acreditava que era deixado
pelo seu Nogueira.
Temos aqui uma jovem que se fia na bondade humana,
sensata e criteriosa. Consciente dos seus deveres e responsável,
com invejável senso humanitário e espirito de ordem. Assim, era
capaz de grandes surtos de pensamentos e ações.
Francelza imaginava-se ‘doutora’, gostava de ajudar e
prontificava-se a cuidar de qualquer arranhão que um colega ou
um parente por acidente ganhasse. Quando repousava sua cabeça
no travesseiro procurava afastar as lembranças ruins do dia e para
isso voltava-se para seu desejo secreto: um dia poder administrar
um Abrigo, onde pessoas necessitadas encontrassem ajuda e paz.
Sentia que era capaz de suportar a falta de bens materiais, porém
seu coração clamava pela entrega do amor fraternal tão abundante
em si. Nunca teve irmãos e se apegava fácil aos animais e às
pessoas. Houve uma ocasião na adolescência que gostaria de ter
tido uma bicicleta, mas a vida não lhe dera essa oportunidade. Sua
amiga Margilda havia ganhado uma bicicleta maior, agora sem
rodinhas e diligentemente cedia para Francelza alguns momentos
no selim, tentando força-la a perder o medo, muito embora a
vontade de sair pedalando fosse um sonho de tal maneira
acalentado que qualquer dificuldade seria pequena. Olhe, Fran...
Sem as mãos! A colega se exibia. Viu? Você consegue... Margilda,
ao que se sabia, vinha de uma família italiana ligada ao circo. Ágil,
esperta e magrinha - adorava pular corda - trazia no sangue o viés
artístico. Provavelmente por isso revelava seu belo desempenho,
encorajando a colega, ao mesmo tempo em que abusava da
própria destreza.
Sobre um trecho da calçada havia areia espalhada, resto de
uma limpeza não muito bem-feita, executada por alguns ajudantes
da obra de um muro próximo. O resultado é que o pneu traseiro
derrapou sobre a areia e Margilda caiu. Outros colegas que
perceberam caíram na risada, foi um bullying instantâneo! Fran,
porém, não se deixou afetar por aquelas bocas mordazes e correu
até a amiga e ajudou-a a levantar-se, percebendo então que a
coitada levava a mão ao cotovelo direito onde uma escoriação já
apresentava gotículas de sangue. Outro menino encostou a
bicicleta e as duas garotas entraram na casa dos pais de Fran para
que esta cuidasse do braço da companheira. Sempre achou que
seria ‘doutora’. Com a perda da mãe deixou sua cidade e a amiga,
contudo carregou seus sonhos.
Alguém se aproxima: Fran... Fran, você tem algum
comprimido aí pra dor de cabeça? A pergunta a faz mirar o rosto de
quem falava. Do outro lado do vidro Seu Nogueira espera pela
resposta olhando em seus olhos. Na verdade foi ele que lhe
arrumou esse emprego, sendo irmão de seu pai, falecido, sentia
que devia fazer algo por ela, por isso sempre ajudava Francelza.
Oi, seu Nogueira tenho alguma coisa sim, me deixa ver...
Tô com essa dor me chateando há horas. - Sussurra.
Ansiando por ser prestativa dirige-se à mesa logo atrás e
começa a abrir gavetas, tirando envelopes, maços de papéis e
caixas menores até que encontra a ‘Lenços Elegant’.
Hum... Tenho AAS, serve pro senhor, tio? (reservadamente,
o chamava de tio).
Se estiver na validade, serve. Obrigado, Fran. Deus te
abençoe, minha sobrinha! Francelza sempre teve bom coração.
Moça discreta e atenciosa. De pouco falar. A vida poderia lhe
sorrir mais vezes se Fran a vislumbrasse com mais nitidez.
Fez um curso de primeiros socorros básicos na Cruz
Vermelha e gostava de leitura nessa área. Porém não conseguiu
prosseguir os estudos até que pudesse fazer Técnica de
Enfermagem e assim, saltando por empregos, chegou àquela
empresa. As coisas nunca vieram fáceis para Francelza. Já estava
entrando na ‘casa dos trinta’ e imaginava que se um casamento
chegasse certamente atrapalharia de vez qualquer tentativa de
voltar a estudar, ou não. Gostaria até de economizar para o
enxoval, mas sem noivo não via porque se preocupar com isso
(“Até que na loja tem uns ‘carinhas’ interessantes, mas ninguém me
dá bola!” - divagava).
Quando precisava se ausentar de seu posto chamava o
gerente de crédito ou seu substituto eventual, porém naquele
janeiro o eventual tornara-se o titular, pelas férias do chefe, e,
portanto, oficialmente, não tinha a quem recorrer na ausência do
próprio. Assim, pedia àquele que estivesse sem cliente para dar
uma ‘olhadinha’ no caixa. Dessa vez escalou o mais próximo para
isso: Vianna... Vianna! Dá uma chegadinha aqui rápida... Eu vou ao
toalete! O colega encerra a conversa com o Sales e atende Fran.
Vianna era o analista de crédito mais novo no setor, tinha
seus 35 anos e entrara para reforçar a equipe para as vendas do
Natal passado. Acabou efetivado porque era inteligente e solícito.
Além disso, solteiro, cuidava do pai inválido e na sua profissão real
batalhava quando podia: graduou-se em Artes Cênicas para
tornar-se ator profissional.
Fran ao voltar percebeu que havia algo diferente nas notas
que deixara arrumadas. Constatou que dois clientes haviam
pagado prestações e, sem titubear, fez o caixa e não encontrou
diferença no dinheiro. Foi olhar a gaveta onde a importância para
o depósito já havia sido separada e... Só encontrou a guia
preenchida.
Esperou o chefe voltar e comunicou de um jeito
constrangido, que ‘fulano’ ficara no caixa e o dinheiro da gaveta
havia sumido. Foi uma cena degradante. O gerente interroga o
funcionário que nega veementemente. A coisa começa a tomar
uma proporção enorme. Um cliente que escolhia camisas olha
para a direção do falatório, outro apoiado no balcão já ensaia sua
retirada, vendedores aproximam-se discretamente. Ouve-se falar
em polícia; justa causa; ânimos exaltados e o acusado toma uma
atitude: puxa seus bolsos pra fora da calça, de onde caem algumas
moedas, umas notas de valores ínfimos, seus documentos e
isqueiro. Pega sua bolsa de sob o balcão e abre, derramando
objetos pessoais e coisas banais que todo mundo sempre carrega.
Ao mesmo tempo fala: Aqui... tudo que eu tenho está aqui! Nada
das notas de valores altos desaparecidas.
Assim, envergonhado perante os outros, o funcionário
descontrolado não tem mais condições de trabalhar. Começa a
arrumar seus pertences e diz em voz alta que no dia seguinte irá
direto ao RH para demitir-se e delatar a injustiça sofrida. Porém
não consegue terminar devidamente as palavras, sua garganta
parecia obstruída. Num suspiro leva a mão direita ao peito e
começa a ter dificuldade para respirar... Alguém fala: Hei... Culpa
da Fran! Outro diz: ‘Cara’, é um infarto!
Fran mexe-se e, procurando apoiá-lo, pede que alguém
puxe uma cadeira para pô-lo sentado. Imediatamente procura
retirar sua gravata e abrir os botões de sua camisa, ao mesmo
tempo em que tenta acalmar o rapaz. Havia movimentos torácicos
e o mesmo estava consciente, portanto rapidamente concluiu que
não se tratava de parada cardiorrespiratória, ainda.
Alguém pergunta se pode trazer um copo d’água, ela não
responde, mas pergunta calmamente se Vianna toma algum
remédio para o coração. Ele acena com a cabeça que não, dando
sinais de enjoo. Outro colega se prontifica a ligar para uma
ambulância. Enquanto isso o gerente vai até o caixa porque já há
clientes querendo pagar prestação. Apressado, esbarra na lata de
lixo que esparrama seu conteúdo. Chamem o Sales! Grita ele
referindo-se ao servente.
Ao varrer a área do caixa Sales descobre o pacote de notas
que iria para o banco. Estava debaixo da mesa. Tenta acenar para
Fran e diz em voz alta: Tem um dinheiro jogado aqui no chão! O
gerente se encarrega de verificar o achado enquanto um vendedor
sugere que levem o Vianna a uma clínica no 3º andar. Alguém traz
uma cadeira de rodas e Vianna devagar se senta. Outra pessoa põe
em seu colo sua bolsa e o colega começa a empurra-lo ao mesmo
tempo em que pergunta: Alguém pode vir conosco? Fran se
adianta e diz: Eu vou com vocês!
Quando saem o gerente chama a equipe e diz que tudo
aquilo foi um desacerto, algo desagradável e com desfecho insólito
ao ter um colega infartado, não se isentando, contudo de ter
contribuído para o incidente. Nem deu a devida importância ao
fato de ter encontrado o dinheiro e que tudo foi sem dúvida, um
grosseiro engano. Diz também que fará o possível para ajudar
Vianna no departamento de Recursos Humanos, se quiser mesmo
sair. Enaltecerá o quanto ele foi leal e eficiente enquanto ali
trabalhou (a empresa, em crise, teria sua falência decretada em
1991, por sentença de um juiz da Terceira Vara Cível).
Na antessala Vianna segura a mão de Fran, sem
demonstrar ansiedade. Ele está tão próximo a ela que, não fosse a
peculiaridade da situação, se diria que eram namorados. Trocavam
olhares, lânguido da parte dele e culposo da parte dela, que mais
pareciam promessas. O Dr. Pedro é cliente da loja e se dispõe a
atender o rapaz imediatamente. Após exame inicial constata não
ser tão grave assim: Uma dor gerada no peito, ao ser realizado um
esforço, também pode ser uma característica do pré-infarto, mesmo
sendo atenuado ao se repousar um pouco. – diz o médico. Foi bom
terem vindo. – completa. Receita então algum remédio e dispensa
o enfermo com recomendações de ver um especialista em busca
de exames específicos.
Chegando ao hall dos elevadores algo acontece... Vianna
levanta-se da cadeira e aperta o botão ‘Descer’! Fran quase tem um
troço... Ohh! Que é isso?! Olhando pra ela, com um sorriso no
canto da boca e uma sobrancelha mais erguida que a outra,
Vianna salienta um ar de exultação que ninguém compreenderia.
Então diz, olhos nos olhos:
Surgiu uma oportunidade ótima para uma montagem da
peça “Hair”, em S. Paulo e aceitei, gostaria que você fosse comigo.
Ela, incrédula! Já levei meu pai pra casa da minha irmã, que topou
numa boa... Depois fecho a casa. Amanhã peço demissão, mas vou
apelar por um acordo.
A essa altura era Fran quem precisava de ar... Você estava
representando? E o dinheiro da gaveta? Vianna explica então que
armou tudo porque queria fazer uma grande mise en scène antes
de sair da firma. Fran, no entanto, argumenta que precisa voltar ao
trabalho e ao saírem do elevador no térreo encontram Sales com a
bolsa dela e um cartão do tio lhe desejando boa sorte. Fran
compreende então que o servente estava ‘pronto’ pra encontrar o
dinheiro sob a mesa. Vianna explica: Também já pedi sua mão ao
seu tio. Incontinente enfia a mão no bolso e retira uma caixinha de
camurça azul: Quer casar comigo?
O servente parte em direção à loja e leva a cadeira
enquanto assovia a Marcha Nupcial. Alguns transeuntes olham
sorrindo. Fran fica sem saber o que responder. E seu quarto
alugado? Como poderia desfazer de seus pertences de uma hora
pra outra? A gente passa lá agora pra você arrumar o principal - diz
Vianna. Ainda esboça o argumento de que o gerente espera sua
volta, mas é informada que ele ignora o verdadeiro assunto e dará
um jeito de seguir com o expediente até o fim.
Bem, sendo assim, não resta à Fran alternativa senão
admitir que fora envolvida de forma original e impactante num
pedido de casamento, mas que afinal estava dando certo.
No táxi Vianna lhe diz que conheceu uma atriz e que esta,
sabendo da ocupação atual dele, arriscou de perguntar acerca de
uma menina que trabalharia na Bremmer e que ela nunca mais
vira. A atriz se chama “Gilda Miglioli”.
Fran se espanta. Ooh! Margilda Sá Miglioli! Santo Deus,
quantos anos! Vianna diz ainda que é casada com um
Coordenador do Hospital das Clínicas e que prometeu ajuda-los
na escolha de um curso de enfermagem, se Fran quisesse enfim
seguir a carreira, depois da lua-de-mel, é claro! Margilda estava
doida pra revê-la. Só faltava agora responder o pedido.
Com um beijo delicado Francelza diz Sim!
Namorados
Cláudio Bertini

Não é um sonho, meu bem,


são os mistérios da madrugada:
o brilho do amor iluminando a lua cheia,
o breu do desamor escurecendo a face oculta,
nossos beijos na noite amanhecendo o sol.
Agora, meu bem, dorme...
Pelas ondas do amor
Cleidirene Rosa Machado

Eu sinto o cheiro do amor


Eu sinto o calor que vem dos céus
A brisa da manhã que toca meus cabelos
O vento dizendo que feche os meus olhos
Ele me pede um suspiro..., mas que seja baixinho
Ele quer que eu abrace o doce sossego
Ele quer que eu apenas o sinta,
O barulho das águas me pede para ir:
Ele me diz para não ter medo e eu vou
Mãos que buscam por todo meu corpo
O azul das ondas me indica o infinito!
Vida minha!
Pólen que nasce do mel de uma flor
Diz-me agora que o tempo parou!
Eu sinto você! Eu respiro você!
Tuas mãos, teu imenso amor...
São as águas do mar...
Um instante, somente um instante
Mas, com ele agora eu estou...
Tudo quanto hoje eu sou
Daniela Genaro

Onde tudo começou,


quando tudo terminou,
em qualquer canto do mundo
foi esquecido o amor.

A quem tudo procurou,


em ti tudo encontrou,
em algum lugar do agora,
é botão, abriu em flor.

Assim tudo o que eu fui,


tudo quanto hoje eu sou,
em abraços infinitos
será teu o meu amor.
Sarcasmo enamorado
Darlan Veit

Eu amo o meu trabalho porque pouco importa as


diabruras que apronte, as pessoas sempre me descrevem como um
anjo. Ou melhor, por mais debochado que eu seja, os humanos
nunca me chamam de sarcástico. No entanto, eu sou apenas o
narrador desta história que envolve quatro amantes.
Pedro, juiz de direito, 30 anos, porte mediano, branco de
pele e escuro de olhos e pelos. Paulo, 30 anos, olhos esverdeados
que gritam das profundezas dos traços indígenas, professor de
educação física para crianças e adolescentes e - segundo o amigo
de infância Pedro - o índio moderno também seria personal trainer
de mães carentes. Porém, essa coisa de se aproveitar da carência
feminina se constitui mais em um dito do Pedro do que em um
feito do Paulo. Boatos à parte, o professor fortão jamais usou os
músculos para punir as brincadeiras do parceiro de longa data. No
momento, quem mais ri das ironias deles são as amigas Sílvia e
Olívia. Sílvia, advogada, 28 anos, adora salto alto e se orgulha dos
títulos do passado de mulata do carnaval. Embora ela não sambe
mais, a silhueta dela mudou pouco e apenas salientou as curvas.
Olívia, mestra de Yoga, 29 anos, odeia salto alto porque se
considera muito alta - o que a melhor amiga concorda - e lamenta
os fios de cabelos loiros e finos - o que a melhor amiga reprova,
reprova o lamento e não os cabelos.
Ainda que os quatro evitassem a palavra namoro, Pedro
estava de rolo com a Sílvia e Paulo vivia um romance com a Olívia.
O quarteto se encontrara em uma boate e os dois amigos
abordaram as duas amigas com todos os clichês que o álcool
seduzira como politicamente corretos.
― Olá! Vocês costumam vir aqui? Estão acompanhadas?
Como se chamam? O que fazem?
Por mais que as palavras agradassem aos ouvidos, todos
sabemos que o clima de flerte salienta olhares mais do que o
diálogo. Passadas as trivialidades, as duplas formadas pela maior
afinidade trabalhista - juiz e advogada, professor e mestra -
resistiram ao tempo porque eu disparei umas flechadas cruzadas
só para sacaneá-los. Eu fiz com que a Olívia se arrepiasse toda vez
que trocava olhares com o Pedro e liguei o grupo com todo o
sarcasmo das ironias do vice-versa, cada um deles se apaixonando
pelo amante que não tinha. Sarcasticamente, eles ansiavam por
uma inversão de casais, mas lutavam com os dilemas de seus
pensamentos quando saíram para jantar.
Paulo chegou em companhia da Olívia e o Pedro trouxe a
Sílvia em seu carro. De acordo com os padrões humanos
estabelecidos por eles, isso fora normal, mas eu sabia que os
rebeldes teimavam contra o que eu queria estabelecer. O
restaurante contava com luz de velas e as sombras dos
candelabros pareciam espectros impacientes sobre a carta de
vinhos e o menu de comida italiana. A mesa tinha quatro lugares,
Paulo estava sentado ao lado da Olívia e aproveitou a curta espera
para escolher um Malbec que a dama bebericou e definiu como
“bem aveludado”. Sem demora, o garçom guiou os recém-
chegados, Pedro sentaria à frente do amigo caso eu não tivesse
soprado um vento gelado sobre os ombros nus da Sílvia. Ela
identificou uma corrente fria de ar e trocou de assento. Assim que
o juiz e a advogada sentaram, Pedro ficou com a candidata a
namorada do melhor amigo bem diante de seus olhos e ninguém
sentiu ciúmes porque eu disparei flechas suficientes para
incandescê-los com o desejo de trair.
Por mais que todos gostassem do que viam, o silêncio
incomodou, os enamorados coraram e o professor e a mestra
perguntaram ao mesmo tempo:
― Vocês estão namorando?
― NÃO! Disseram Pedro e Sílvia em conjunto e ambos
falaram alto o suficiente para se surpreenderem com os próprios
exageros de entonação. E vocês? Pedro e Sílvia questionaram
juntos, mas a advogada completou sozinha. Vocês estão
namorando?
― Nós!? Repetiram Paulo e Olívia se olhando e rindo.
Quem mais seria? Ele gesticulou para que ela falasse. Nós sequer
conversamos sobre romance sério. Confessou Olívia antes de tomar
longos goles da taça de vinho.
Pedro se apressou para servir mais bebida para a
companheira do melhor amigo.
― Às amizades coloridas. Bradou Paulo erguendo a taça
para o brinde e sorrindo para a dama cujos lábios jamais tocara.
― Você é tão divertido, Paulo. Afirmou Sílvia com a taça a
tilintar e os olhos a brilhar.
Pedro brindou com a Olívia primeiro e, enquanto brindava
com os outros, deixou a mão canhota deslizar no antebraço
esquerdo da mestra de Yoga. Ela sentiu um arrepio lhe subir pela
espinha e eu aproveitei para flechá-la na nuca duas vezes. A
excitação desceu em um arco reflexo que Olívia confundiu com
vontade de urinar.
― Eu preciso ir ao toalete...
― Eu vou com você, amiga. Ofereceu-se Sílvia invadida por
pulsões semelhantes.
Em seguida, o quarteto vítima do meu sarcasmo ficou
dividido em elas e eles, as damas no banheiro e os cavalheiros
sentados à mesa. Os amigos olhavam para os lados e hesitavam
diante do que dizer pela primeira vez depois de muitos anos de
amizade. As amigas conversavam, mas ambas falavam ao mesmo
tempo e nem mesmo eu - com meus poderes sobrenaturais -
conseguia entender as nuances do que diziam, fato é que uma
elogiava o companheiro da outra. Então, eu tive uma ideia. Sem
adotar forma corpórea visível, eu pairei sobre a mesa entre o Pedro
e o Paulo e me aproveitei de um momento em que ambos
evitavam a troca de olhares para falar baixinho:
― Elas nunca vão querer!
― O que foi que você disse? Eles se perguntaram como
quem acorda assustado.
― Eu não falei nada.
― Nem eu, mas tenho certeza que ouvi: “elas nunca vão
querer!”
― Que estranho... exclamou Pedro escrutinando o espaço
às suas costas... eu podia jurar que escutei a mesma coisa. O que
será que elas nunca iriam querer?
Enquanto os cavalheiros sofriam para codificar a minha
piada, eu flutuei até o banheiro e o espelho não conseguia refletir
a metafísica do meu corpo. Eu tive de falar mais alto e repetir a
frase para que as damas me escutassem:
― Eles nunca vão querer... eles nunca vão querer... eles
nunca vão querer.
Caramba! Soprar palavras sarcásticas nos pensamentos dos
humanos é mais divertido do que flechá-los com desejos de amor
e paixão.
― Eles nunca vão querer o que, Olívia?
― Não sei, eu que te pergunto, Sílvia, o que eles nunca vão
querer?
― Mas!?
Eu dava gargalhadas com o caos que semeava entre elas e
eles. Obviamente, todos conversavam sobre o que os parceiros
nunca iriam querer ao tempo que tentavam disfarçar o que eles
mesmos mais queriam.
― Ok, já que não chegamos a uma conclusão quanto ao
que elas nunca iriam querer... avaliou Pedro... me diga sobre os seus
planos com a Olívia.
― Planos!? Com a Olívia!? Exclamou Paulo com os dedos a
tamborilar sobre a mesa. Tudo que eu sei é que o nosso lance não
vai longe. Não rolou química, sabe?
― Oh, se sei! Eu sinto a mesma coisa com a Sílvia. Ela é
legal, mas toda vez que nos vemos, acabamos falando de trabalho...
― Exatamente o que ocorre com a gente. Interrompeu
Paulo.
As mulheres falaram mais e disseram as mesmas coisas
sobre os respectivos rolos sem futuro. Eu escutava e gargalhava.
Elas voltaram à mesa e, antes que sentassem, eu falei com voz de
anjo endiabrado.
― Por que vocês não trocam?
Todos arregalaram os olhos e ficaram vermelhos como se
tivessem peidado em sinfonia.
― Eu podia jurar que ouvi vozes... Disse Paulo e os outros
três concordaram. Algo sobre trocar de lugar, acho.
― Trocar de lugar!? Exclamaram Pedro, Sílvia e Olívia.
― Claro, o que mais seria? Questionou o juiz balançando a
cabeça e rindo de si mesmo.
Em um ímpeto atabalhoado, eles se levantaram e elas -
que não haviam sentado após voltarem do banheiro - também
inverteram as posições. Embora Pedro trocasse com Paulo e Sílvia
com Olívia, o resultado final foi o mesmo, os casais mantinham a
relação sem futuro ao lado e focavam na companhia que
desejavam à sua frente.
― Um brinde às mudanças! Propôs Sílvia encarando o
parceiro que não era dela.
Eles brindaram em um diferente sarcasmo de diferentes
lugares que debochava dos mesmos enamorados.
― Sobre o que vocês conversaram? Quis saber Olívia a
contemplar o Pedro.
― Futebol. Mentiu Pedro.
― Filmes. Paulo mentiu ao mesmo tempo que o amigo, riu
e devolveu a pergunta. Acho mais fácil descobrir sobre o que vocês
conversaram...
― Sobre o amor! As damas esconderam a verdade em
maior sintonia.
Então, o quarteto conversou sobre o amor com uma
racionalidade sem graça alguma. Eles concluíram que amar estaria
atrelado à vontade de estar juntos e, sem revelar desejos, Pedro e
Sílvia comunicaram o fim do caso deles enquanto Paulo e Olívia
faziam o mesmo. Eu tentei semear o caos outra vez, disparei
flechas para que os pares a decretar a separação se desejassem de
novo, mas a pernas deles se tocavam embaixo da mesa e os
arrepios deles tripudiavam das minhas setas. Eles comeram,
pagaram a conta e corrigiram a logística romântica na hora de ir
embora.
―Eu moro perto do seu apartamento, Sílvia. Eu posso
deixar você em casa. Ofereceu-se Paulo.
― E eu passo na tua rua, Olívia.
O meu sarcasmo tropeçara no livre arbítrio dos humanos e
os apaixonados rumaram nos mesmos carros, com as mulheres
invertendo as caronas. Eles abriram as portas para uma dama pela
primeira vez na vida e a coisa teve um final piegas e repugnante
para o meu gosto. O Pedro e o Paulo perguntaram ao mesmo
tempo para as novas companhias:
― Quer namorar comigo?
A Sílvia e a Olívia aceitaram dando-lhes um beijo e as
namoradas - sintonizadas apesar de distantes - me decepcionaram
com o que disseram aos respectivos namorados:
― A tua voz é mais sedutora do que uma flechada do
Cupido!
E esses quatro chatos entraram naquela fase que eu odeio,
se achavam lindos até com remelas nos olhos e eu tive de procurar
outras vítimas para o meu sarcasmo.
Ironicamente, a maldição do Cupido é que o errado dá
certo mais frequentemente do que não.
Namorados
David Ayuch Amar Neto

Meu coração bateu mais forte


Quando me aproximei de você
Era alguém que me daria um norte
Mas não entendia por que

Pesquisei essa sensação


E era o que eu esperava
De partilhar uma emoção
Com alguém que eu desejava

Esse sentimento era a essência


Da ansiedade de estar com alguém
Dividir novas experiências
Sem me importar com outrem

Na literatura descobri
termo espanhol transformado
“estar en amor” eu li
Se transformou em namorado

Hoje já sei o que dizer


O que é ser feliz e honrado
Poder conviver com prazer
Como eterno namorado
-
Dayvisson Matheus da Silva Santos

O calor era tão intenso que muitas vezes me sufocava em


meus próprios sentimentos. Era um fim de tarde no meio do lago,
um simples acampamento posto ao lado da cachoeira, com a única
utilidade de repousar nossos corpos. Estávamos dentro da
cachoeira, a descida da água colide com os mais ardentes dos
nossos beijos, seus braços cobrem meu corpo e minha mão desliza
pelas suas costas, beijo lentamente sua boca, oferecendo pequenas
mordidas e sussurros. Meus dedos foram ágeis e logo se colocaram
em suas costas retirando seu biquíni, seus lindos seios colidindo
com o meu corpo, os arrepios sentidos na pele. Você traçou um
caminho no meu corpo com sua mão até cantos inóspitos,
massageia lugares de pura sensibilidade e tensão, força a retirada
de mais algumas peças de roupas do meu corpo, quase despido.
Você retornou a me beijar como se aquele fosse o último
momento em nossas vidas, virei suas costas para mim e a apertei
desejando nunca mais soltá-la. Minha mão caminhou até entre
suas pernas sentindo aquela pele macia e exageradamente
excitante, alguns dedos se contorceram fazendo a gemer de prazer
no meu ouvido, retornei a beijá-la, enquanto você acariciava em
regiões baixas. Retiramos o resto de nossas roupas e ficamos
despidos dentro da água, com a chegada do anoitecer iluminando
nossos corpos ardentes. Formou-se um encaixe perfeito em nossos
corpos, suas pernas lançadas à minha cintura fechando um
círculo. Sua coluna se equilibrava sobre meu corpo e com ela
pendurada e seu corpo grudado ao meu, saímos da água, até nosso
humilde acampamento, assim colocando-a de barriga para cima e
olhos focados em mim, abrir suas pernas e a puxei mais para perto
e ouvir um pequeno gemido vindo de sua boca macia e suculenta.
Continuei naquela posição por um tempo, até você me pôr para
baixo com um golpe de perna e subir em cima de mim cavalgando.
Inclinei seu corpo até segurar seu cabelo e a abraçar, enquanto
você conduzia o ritmo de todo o prazer. Cansou de ficar parada e
desceu de cima de mim, começando a beijar minha boca e logo
após descer até o limite do meu corpo central e lá completar a
extremidade do meu prazer até o liberar todo. A puxei para perto,
colocando-a novamente para baixo, sendo minha vez de brincar
com suas partes baixas, entre idas e vindas de minha boca um
liquido quente e revigorantes deslizava sobre toda a minha
diversão e me fazer ouvir os sons mais sinceros de uma deusa
exuberante, enquanto curtimos nossos corpos além da calada da
noite.
Pronomes encarrilhados
Deivide de Sousa Oliveira

Quantas poesias
eu hei de fazer
para perceber
tua partida?

Quantas canetas
hei de gastar
para notar
que já me rejeitas?

Quantas bobagens
eu pensarei
ou criarei
de tua imagem?

Quantas estrofes
de escrever eu hei?
Temerei ou partirei
ao ver minha sorte?

Quais poemas
eu posso fazer brotar
para um dia quiçá
de ti amar me arrependa?

Quantos quantos
posso encaixar
para te fazer notar
que ainda te amo?
A invenção que mudou a humanidade
Deiwson Amaral

1
Há muito tempo, antes de quase tudo e depois de alguma
coisa, se fez o beijo a distância. Os anciões contam que começou
com uma jovem viajante, um espírito livre que queria desbravar o
mundo.

2
Quando partiu de viagem, seu amado lhe deu uma pedra
de açúcar e pediu:
― Por favor, coma quando sentir saudade, farei o mesmo.
E assim se fez toda a viagem. A jovem, assim como seu
amado, teve que procurar mais açúcar.

3
Quando voltou de viagem, o amor se fez. A data do seu
retorno ficou marcada: todo ano, no mesmo dia e mês os amantes
comiam uma pedrinha de açúcar.

4
Depois de alguns anos, a jovem decidiu perguntar:
― Por que ainda comemos açúcar nesta data, uma vez que
não estamos mais longe um do outro?
― Para isso, para que nunca deixemos de lembrar como é
doloroso o amor a distância e como é doce a lembrança do beijo
daqueles que amamos.
Eternamente juntos
Denise Diamantino Fernandes

Sei que as tuas dores.


São as minhas dores.
Porque o meu coração,
bate junto ao seu.

Sei que as tuas alegrias.


São as minhas alegrias.
Porque a minha alma,
vive junto à sua.

Levanto de manhã.
E já procuro a tua face.
Porque é o teu semblante,
que me acalma, e me leva a beber,
das águas cristalinas da existência.

Enquanto caminho.
Caminhas comigo.
E caminhar a teu lado,
é o meu grande prazer.

Então, somos um só ser.


Dividido em duas partes.
Que se completam e se fortalecem.
Amalgamadas em formato de coração.
Que pulsa, que vive, que renasce todos os dias.
A caminho do eterno amanhã.
Tentei
Denivaldo Piaia

Tentei calar a canção que existe nela,


apagar o sol que nela brilha,
pregar as asas de sua janela,
destruir as pontes de sua ilha.

Pensei turvar o branco do seu sorriso,


poupar o mundo de sua alegria,
transformar sua garoa em granizo,
e nunca mais lhe fazer poesia.

Queria... ah, como eu queria


esquecer seu nome, suas datas, seu jeito,
Apagar do calendário aquele dia
arrancar suas marcas do meu peito.

Mas como flecha lançada do arco


fui buscá-la em cada canto do cais,
e, no casco do último barco,
gravei seu nome para nunca mais.
amar é prefixo de amargo
Dia Nobre

amor tem a ver com humor e não tem hora para bater na
porta. o amor é descarado e bate assim, às três horas da manhã em
um bar qualquer da vida de frente para a estátua da liberdade. o
amor não bate, espanca. é um violentador de corações abertos e
desprevenidos. meu coração acostumado a viver à beira do
precipício recebeu aquele amor que apareceu do nada usando
gravata e batom vermelho mesmo ele vindo com tamanha
violência. esse amor engravatado cheirando a jargões judiciais
emitiu ordem de prisão e me convidou a entrar em seu carro
preto. e eu entrei. só não sabia que a estrada naquele ponto já era
uma montanha russa e meu coração embora tendo mais costuras
que uma boneca de pano, sem bravata, pagou o preço (à vista e
sem pestanejar). o resultado foi que a conta do cardiologista ainda
está pendurada. em algum lugar. quando se tem um coração
partido não há cola que encaixe os pedacinhos. e agora amor? meu
coração cansado de tanto remendo, nem sarou e você me vem
com uma rosa vermelha? e eu gosto da flor só que não dá «mas
sinto que eu devo alguma explicação, parece inaceitável minha
decisão». o negócio é que ainda estou juntando os caquinhos,
encaixando, colando, e isso pede paciência. não vou mais abrir a
porta (ainda não). meu bem, não chore por mim. porque meu
coração ainda não se recuperou do último atropelamento, da
gravata, do batom vermelho e da montanha russa e amar é prefixo
de amargo e de outros sobrenomes que eu não quero nem
lembrar. agora. agora preciso de leveza, nada que me sufoque,
nada que me constrinja o peito «pois fiquei atordoada de amor,
faltou o ar, faltou o ar». agora só tenho espaço para o amor-tesão
de quem também está cansado e só quer repousar num abraço de
vez em quando.
Casal
Diogo Rossi Ambiel Facini

― Meu bem, você gosta de mim?


― Claro que gosto. Que pergunta estranha.
― Eu sei... Mas quanto você gosta de mim?
Os dois namoradinhos conversavam. Lá por volta dos onze
doze anos, a mocinha interrogativa, o mocinho sem saber o que
dizer.
― Não entendi. Como assim?
― Ué, quanto você gosta de mim?
― Gosto muito! Assim tá bom?
― Não sei... A gente gosta muito de muitas coisas. Você
gosta muito de jogar futebol?
― Gosto sim, bastante.
― E de andar de skate?
― Também.
― E dos seus cachorros?
― Gosto bastante deles também.
― Então, você gosta de muitas coisas... – mostra um olhar
de repressão para o namorado.
― Aonde você quer chegar?
― Você não gosta tanto assim de mim.
― Mas eu não disse que gosto muito?
― Sim. Mas você gosta de tantas coisas... Não sei se tem
espaço pra mim.
― Ora essa! Claro que tem espaço! Eu não tô aqui, com
você?
― Pois é, pelo menos de corpo você tá aqui... Mas será que
o seu pensamento não tá em outro lugar?
― Não, eu tô de corpo e alma e mente nesse lugar.
― Então prova.
― Como vou provar isso?
― Não sei, não. Arranja um jeito!
― Vou dizer no que estou pensando nesse exato
momento: em você, só em você, e nada mais. Tá bom assim?
― Por enquanto. E agora?
― Agora o quê?
― No que tá pensando, ora?
― Em você.
― E agora?
― Em você.
― E agora?
― Em você.
― Mentiroso.
― Que coisa! Não posso pensar em você?
― Desse jeito, não. Você tem que pensar em outras coisas
também.
― Vou pensar em algo então.
― Tipo o quê?
― Não sei... Não me vem nada agora.
― Você não quer me dizer. É na Fernanda que você tá
pensando, né?
― Nem sei quem é Fernanda.
― Aquela garota que estava a fim de você.
― Ah... Fernanda. Ela só me pediu uma borracha
emprestada.
― Sei.
― E eu nem tinha pra emprestar.
― Sei.
― E não teve mais nada depois disso.
― Sei. Mas me diz uma coisa: você acha ela bonita?
― Nunca pensei nisso. Talvez. Sei lá.
― Talvez? Você acha, sim.
― Você é que tá dizendo.
― E ela é mais bonita que eu?
― Não, você é muito mais bonita que ela.
― Tá dizendo isso só pra me animar. Você nem gosta
muito de mim.
― Mas não disse que gosto?
― Prefere futebol e skate a mim.
―_Mas eu...
― E seu cachorro.
― ...não disse isso.
― Tá me chamando de mentirosa?
― Não, meu amor. Eu só tava dizendo...
― Qual é o tamanho do muito que você gosta de mim?
― Oxe, é muito!
― Muito, só?
O garoto olha para um ponto distante, como se buscando
inspiração dos céus.
― É muito, muito!
― Nem mais um pouco?
― É muito, muito, muito mesmo! É bastante?
― Talvez.
― Não tem maior.
― Metido.
― Eu queria dizer... Deixa pra lá. Mas e você? Gosta de
mim, não é?
― Gosto, sim.
― Quanto?
― Tá duvidando do meu amor?
― Não, de jeito nenhum...
― Para com pergunta boba!
― Mas...
― Querido, acho que vamos ter que terminar nossa
conversa por aqui. Já tá ficando escuro, e não posso ficar na rua
até tarde.
― Ufa! Ainda bem!
― Disse alguma coisa?
― Ainda bem... que vamos nos ver amanhã!
― É mesmo. Eu gosto tanto de conversar com você!
Poesias do amor
Douglas J. P. Almeida

O amor se confunde
Pois tudo se funde
Talvez te afunde
De paz te inunde
Respeito nos une
De abraços nos pune
Ou beijo sincero
De fato o que quero
Casar com esmero
Vento
Driely Meira

Fazia horas que estava esperando. Duas, talvez. Não


menos que uma, obviamente, já que seus pés estavam doendo de
tanto ficar em pé, e as mãos tremiam de segurar o guarda-chuva.
Olhava ao redor impacientemente, o estômago dando
cambalhotas e a mente pregando peças. Será que ela não viria?
Respirou fundo uma, duas vezes. A chuva engrossava cada
vez mais, e o buquê de flores que segurava na outra mão já havia
murchado, derrotado pelo vento e pelo frio. Devia ter pensado
melhor quando escolheu as rosas; nem mesmo sabia seu
significado, pois era mais interessado em espécimes que ninguém
conhecia. Lírio-do-vento teria sido uma boa ideia, combinava
direitinho com o que estava acontecendo: significava espera. E ele
estava esperando.
O rapaz fechou os olhos por alguns segundos e tentou
recuperar a paciência, ao mesmo tempo em que remexia os pés,
que já quase nem sentia. Abriu os olhos e olhou ao redor,
sentindo-se mais desanimado a cada piscada, mas ainda não
queria ir embora. Fez um malabarismo perigoso trocando o buquê
e o guarda-chuva de mãos, mas decidiu por deixar os dois na
mesma, usando a outra para pescar seu celular no bolso traseiro.
― Só pode ser brincadeira! – Resmungou ao deixar o
celular cair no chão encharcado. – Mais cinco minutos e chega. –
Prometeu a si mesmo, sem muita convicção, abaixando-se para
pegar o aparelho. Os cinco minutos certamente virariam dez, que
se tornariam quinze, que poderiam se tornar mais uma hora
esperando. Ele não desistiria de vê-la, nem que fosse uma última
vez. Torcia para que não fosse. Do contrário, talvez voltasse para
casa, talvez ficasse a noite toda andando pela cidade, molhado,
sozinho.
― Oi. – Uma voz rouca e feminina soou ao seu lado. Ele se
virou rapidamente, quase tropeçando nos próprios pés.
― Oi. – Murmurou, os ombros ainda mais baixos.
― Desculpa perguntar, mas o que você está fazendo aqui
sozinho, na chuva? – A garota perguntou, colocando uma mecha
de cabelo ruivo para trás da orelha, ao mesmo tempo em que
equilibrava cadernos enrolados em plástico e um guarda-chuva
cor-de-rosa.
― Estou esperando alguém. – Respondeu, estremecendo
quando uma rajada de vento os atingiu, fazendo ambos os guarda-
chuvas tremularem.
― Na chuva? Por que não ficou em alguma loja ou algo
assim? – Ela sorriu, mostrando um espaço entre os dentes da
frente. Que ele achou muito charmoso, por sinal.
― Porque foi aqui que nos conhecemos. – Respondeu,
percebendo quão idiota as palavras soaram. – Mas não foi uma
ideia muito boa, como você deve ter percebido.
― Parece que não. – Ela riu, mas logo ficou séria. – E a
pessoa, cadê?
O rapaz demorou para responder. Na verdade, era no que
ele havia pensado durante todo aquele tempo esperando: onde
estava Lily? Riu ao pensar na ironia do nome. Lily significava Lírio,
na tradução do inglês para o português. Novamente, trazer lírios
teria sido uma ótima ideia.
― Não sei. Nem mesmo sei se ela vem. – Suspirou,
começando a questionar se realmente deveria ter ido.
― Essa pessoa que você está esperando não deve ser
muito legal, considerando que te deixou congelando na chuva,
sozinho. – Ela se aproximou, o guarda-chuva encostando no seu. –
Mas quem sou eu para julgar? Aliás, sou a Helena.
― Prazer. Anêmone. – Respondeu, imaginando se deveria
apertar a mão da garota. Certamente não, nem tinha como.
― Anêmone? – ela perguntou, curiosa.
― Sim, pois é. Minha mãe era fissurada por nomes de
flores e mitologia grega.
― Uau, isso é muito legal. – Helena parece querer dizer
mais alguma coisa, mas fecha a boca em seguida e olha ao redor. –
Você vai esperar até quando? Quer ir para algum lugar?
Anêmone não responde. Ele nem mesmo sabe o que dizer.
Lily é quem havia marcado o encontro, dizendo que adoraria
conversar com ele ali, no lugar onde se conheceram. Após terem
dado um tempo no relacionamento (ideia dela, não dele), ela
finalmente estava pronta para falar sobre os próprios sentimentos
e, talvez, ouvir o que ele tinha a dizer. Anêmone, obviamente, não
pensou duas vezes e aceitou o convite. Nem mesmo pensou em
olhar a previsão do tempo ou em marcar em algum lugar coberto,
onde houvessem assentos e, talvez, um bom café.
Ele sempre fora um rapaz romântico, sonhava em viver
uma história de amor como a que seus pais viveram. Clementine, a
mãe, tinha passado por poucas e boas quando conheceu seu agora
marido, e Anêmone sonhava em viver algo parecido, de
preferência, algo ainda mais romântico. Mas Lily não era
romântica, nunca fora. O fato de ter escolhido aquele lugar em
especifico para vê-lo era estranho, já que ela nunca gostara de
grandes gestos ou palavras bonitas. Com certeza não gostaria das
flores que ele, por puro impulso, levara.
Anêmone olhou para a garota parada à sua frente, e depois
para as flores praticamente mortas em sua mão, que ele já nem
sentia mais, de tanto frio. Pensou então em Lily, em como se
conheceram, em como ela costumava rir de suas piadas mesmo
quando não havia graça nenhuma nelas. Recordou como fora
acordar ao seu lado, todos os dias, durante um verão em que
passaram na praia. Lembrou-se de como ela costumava pegar sua
mão rapidamente quando cruzavam um com o outro no trabalho.
De todos os sorrisos discretos (ou não) trocados em eventos
familiares e festas de amigos, de todas as vezes em que se beijaram
ardentemente antes de dormir, e de como seu coração batia
loucamente sempre que pensava nela.
― Ei. – Acordou dos devaneios quando Helena chamou
sua atenção, as sobrancelhas franzidas em confusão. – Você está
bem, Anêmone?
― Sim – limpou a garganta – estou bem.
― E então, quer ir para algum lugar ou vai esperar mais
um pouco?
― Acho que... – percebeu que a garota estava ansiosa,
talvez quisesse sair logo da chuva e do frio.
Estava prestes a aceitar o convite de Helena quando a
realidade do que estava acontecendo o atingiu: ela não viria. Lily
não viria. Lily, por quem ele havia se apaixonado loucamente
alguns meses atrás, com quem se imaginava casando, tendo filhos,
cachorros, gatos e tantos outros animais. A pessoa com quem ele
gostaria de conversar todos os dias ao chegar do trabalho, com
quem queria se aconchegar antes de dormir, e cujo ombro
adoraria usar para chorar quando necessário. Lily, amor eterno.
Lily, sua Lily.
― Talvez eu devesse simplesmente ir embora, - disse mais
para si mesmo do que para ela, mas Helena ouviu.
― Por quê? – Perguntou, franzindo as sobrancelhas.
― Acho que ela não vem. – Encolhe-se não de frio, mas de
dor. A solidão começa a tomar conta de seu corpo, e Anêmone
caminha até uma lata de lixo próxima, onde despeja o que sobrara
do buquê de rosas.
― Então você vai para casa? – Helena pergunta.
― Talvez. Talvez eu vá para casa. – Sussurrou, recebendo
como resposta um aceno de cabeça, seguido por um olhar de pena
e uma rápida despedida. Ele nem mesmo ouviu. Não quis ouvir.
Talvez tenha escutado seu coração se partindo, mas seria um
clichê. E também bem dramático. Mas isso ele já era, de qualquer
maneira.
Anêmone fecha os olhos e assim fica por alguns segundos,
sentindo as gotas geladas de chuva e ouvindo nada mais do que o
barulho do vento.
Sozinho, faz jus a seu nome e deixa-se cair no chão,
abandonado. Seus dedos afrouxam o aperto no guarda-chuva, que
logo é levado pelo vento. Ele levanta a cabeça o suficiente para ver
o objeto dançar no ar e ser arrastado para longe, junto com a flor
que segurava com tanto ardor. As lágrimas escorrem quentes por
seu rosto, e mesmo confuso com todos os sentimentos que
tentavam tomar conta de seu ser, Anêmone sorri. A dor parecia
merecida, assim como a solidão e a tristeza.
- Pelo vento nasceu Anêmona, e pelo vento se foi. –
Murmurou, fazendo jus ao título de poeta que ostentava. Respirou
fundo uma, duas, três vezes, criou forças e levantou-se do chão
molhado. A chuva foi parando aos poucos, mas o frio penetrava as
camadas de roupas que vestia e parecia trincar seus ossos.
Certamente pegaria um resfriado, mas ele não se importou.
Começou a caminhar de volta para casa, pisando em poças d’água
e cerrando os olhos na noite escura. Tempos depois, parou em
frente à fachada de sua residência, os dentes chacoalhando
loucamente dentro da boca, que tremia incontrolável, e os
membros tremendo de frio. Subiu as escadas tropeçando, girou a
chave na porta várias vezes, tentando acertar a fechadura, e
quando conseguiu, suspirou com o calor do interior do cômodo.
Trocou de roupa, tomou um banho quente merecido e fez
um café, deliciando-se com a bebida quente, que parecia aquecê-
lo por dentro. Colocou o pijama, meias e chinelo, e encaminhava-
se para a cama quando ouviu baterem à porta.
― Ué. – Murmurou consigo mesmo. - Quem seria?
Anêmone seguiu para a porta, abriu o trinco metálico e se
preparou para o ar frio da noite, que logo o acertou em cheio no
peito.
― Oi. – Anêmone deixou o braço cair ao lado do corpo,
não sabendo o que dizer, ou como reagir. Ali estava Lily,
encharcada da cabeça aos pés, segurando um guarda-chuva em
cada mão. Na direita, o dela própria; vermelho, com corações
brancos. Na esquerda, o dele, praticamente destruído pelas
aventuras vividas na noite. – Perdi o ônibus e decidi ir correndo,
mas você não estava lá. Encontrei seu guarda-chuva, ou ao menos
se parece com ele. Posso entrar?
Encarou-a, perplexo. Ela estava ali. Lily estava ali. Seria um
sinal? Ela o havia deixado sozinho, e ele praticamente desistira da
ideia de que poderiam ficar juntos de novo. Ou de que deveria ao
menos insistir em tê-la de volta. Já estava aceitando que Lily não
era mais a sua Lily, só que agora ela estava ali.
― Anêmone? – Perguntou, a voz doce penetrando seus
ouvidos. – Posso entrar?
Deveria deixa-la entrar? Pensou em recusar, mas foi
invadido por dezenas de memórias, lembranças de quando
estavam juntos. Houveram momentos ruins, claro, mas os bons...
Ah, os bons. Foi como ser atingido por uma chuva de açúcar e
arco-íris. Todos os sorrisos, os beijos, os toques, as noites, os cafés
juntos... Deveria jogar tudo no lixo, sem ao menos tentar mais
uma vez? Eles tinham suas diferenças, claro, que casal não tinha?
Mas o amor não merecia mais uma luta? Só mais uma?
― Entre. – Anêmone praticamente sussurrou.
Estremeceu quando ela passou por ele, o calor de seu
corpo frio parecendo aumentar a temperatura do cômodo em
vários graus. Levou-a até a mesa, onde se sentaram. Lily sorriu, e
ele sentiu um arrepio subir a coluna. As borboletas do estomago,
que já haviam dançado mais cedo, agora pareciam tomar conta de
todo o seu corpo: do estômago aos pulmões, que lutavam por ar,
até a corrente sanguínea, que bombeava alegria para todos os
lados. Anêmone olhou para a garota à sua frente e, sentindo os
olhos marejarem, sorriu.
― Lily.
Flor de cacto
Edih Longo

O dia já ia alto quando avistou o pequeno vilarejo. Estava


cansada, pois viajara sem ter parado as quatro últimas horas.
Antes de entrar no lugar, parou o carro para olhar, embevecida, o
véu de noiva de uma cachoeira cantora que se estendia à frente. O
peito aspirou com força o cheiro da mata.
Pensou com mágoa no motivo que a levou para tal lugar.
Aliás, pegou um mapa, fechou os olhos e parou o dedo. Quando os
abriu lá estava o nome: Vila Cheirosa. Apaixonou-se de imediato.
Removeria o mundo para 118encontrá-la. E, agora, lá na frente
tinha uma placa dando-lhe as boas vindas com este nome
romântico encimando-a.
Deitou-se na relva macia e ficou pensando no que faria nos
dias seguintes. Nada, ora. O que viera fazer? Encher-se de nada.
Encher-se apenas daquilo que não a lembrasse de nada. Tinha
trinta anos; era bonita; tinha um mês de férias; uma boa grana e,
no passado, apenas um idiota perdido entre papéis inúteis que não
soubera dar a ela o justo valor.
― Boas, posso ajudar a moça?
Os últimos raios solares deixavam-na apenas enxergar o
brilho de um olhar matreiro.
― Desculpa, mas a moça tá precisando de ajuda?
Levantou-se rápida como se estivesse sido pega em algum
flagrante delito e respondeu mais rápida ainda:
― Não, obrigada.
― Não se assuste moça, mas pensei que... Vendo o carro
parado e a senhora aí mais parada ainda, pensei que...
― Obrigada, já disse. Está tudo bem.
Entrou no carro e disparou em direção ao Vilarejo.
Precisava encontrar um lugar para ficar. Estivera tão excitada com
a viagem que nem pensara no assunto. O Vilarejo parecia um
quadro de uma paisagem antiga, daqueles que temos num canto
qualquer de uma casa de campo.
Casas coloridas; ruas com pedras irregulares; árvores numa
pequena praça; uma Igreja Católica; um pequeno coreto; um
pequeno cinema e, claro, uma “Casas Pernambucanas”, um “Banco
do Brasil” e uma “Agência dos Correios”. Um Correio inútil, como
ela se sentia. Aliás, um pombo correio com asas partidas. Não
mandaria cartões postais para ninguém. Viera ali para não ter
obrigação nenhuma com ninguém.
Deu uma volta na praça e nem sinal de um hotel. Um
logotipo familiar chamou-lhe a atenção. Suspirou feliz, pois não
precisaria se preocupar com o que comer. Em qualquer lugar do
mundo sempre tem...Ao se aproximar um pouco mais, não pode
deixar de dar uma sonora gargalhada: ao invés de uma famosa
cadeia de lanchonetes, o “M” significava Mané’s Lanches, mas o
desenho era escandalosamente copiado.
Pensou que seria genial se fosse o famoso palhaço, pois iria
cobrar uma multa igualmente escandalosa. Entrou e uma senhora
simpática, sorriu-lhe banguelamente amável indicando o outro
lado da praça onde; com a maior boa vontade do mundo e melhor
visão ainda, podia-se ler em manuscrito: Grande Pousada
Cheirosa.
― Acho que agora precisa de ajuda, moça.
― O senhor novamente?
─ O seu quarto já está limpo e o chuveiro é bem honesto,
pode acreditar.
― E pode acreditar que vou procurar outro lugar para
ficar.
― A não ser que a moça tenha uma barraca para acampar.
Essa é a única pousada que temos e está a sua disposição. Vamos,
deixe-me pegar as malas do carro.
Deu-se por vencida. Não tinha nenhuma barraca e a
pousada era bastante agradável, coisa que não acontecia com as
dores de suas pernas cansadas. A cama era macia, o quarto
semiescuro. Não deixou de admirar as flores silvestres colocadas
num vasinho. Sem dúvida, colhidas ainda há pouco pelo seu
anfitrião de olhos brilhantes. Ficou observando aquele homem
forte que trazia suas malas como se fossem duas folhas de papel.
― Onde estão os demais?
― Não temos os demais. Mas não se preocupe que a
comida é muito gostosa e já mandei providenciar o seu jantar.
Gosta de arrumadinho?
― Arrumadinho?!
― Nosso prato regional. Vai gostar. E depois do banho,
pode se refrescar com uma cerveja mais do que gelada. É só ir à
cozinha que estarei lá. Fique à vontade.
Sentou-se na beirada da cama e não pode deixar de sentir
um tremor. O que diriam seus amigos se a vissem naquele
pequeno Vilarejo, numa pousada onde era a única hóspede? E com
uns olhos brilhantes a perscrutando?
Pegou o pequeno mapa da bolsa e foi procurar o tal
homem na cozinha.
Ele estava sentado à mesa, tomando uma cerveja. O cheiro
no ar era agradável. A cozinha era bem limpa e arrumada para
duas pessoas, com um vaso com as mesmas flores do seu quarto.
― Acho que vou para essa cidade aqui. Pode me dizer
como faço para chegar lá?
― A chuva derrubou várias barreiras. Se quiser sair daqui,
só se voltar por onde veio. Vamos, tome.
A cidade mais próxima quando viera ficava, pelo menos,
há umas duas horas. Sentiu um tremor, mas agora era só cansaço.
Sentou-se e sorveu num só gole o copo gelado gentilmente
oferecido. Ficou com os olhos parados em lugar nenhum,
tentando arrumar um assunto.
― Essas flores são tão diferentes!
― São flores de cactos. Dão raramente e somente nesta
época. Está fugindo dele por quê?
― Como?!
― Uma moça bonita como você para ter-se metido numa
aventura dessas, com certeza está fugindo de algum homem mais
do que idiota. E olhe que os pneus da frente estão mais do que
careca, sabia? Correu um sério risco. Amanhã providenciarei
novos.
Finalmente, ela não se conteve e deu uma sonora
gargalhada.
― Tem razão: ele é mais do que um idiota. E eu sou muito
mais do que ele. Mais do que obrigada pelos pneus. Mas onde está
a cozinheira?
― Aqui em sua frente. Devia gargalhar mais, fica uma
obra de arte rindo. E não precisa ficar imitando os meus “mais dos
quês”, tá?
Quando viu, já estavam conversando como se fossem os
maiores amigos do mundo. Ele era um agrônomo que também
fugira de uma desilusão. Abandonou o burburinho de Salvador e
resolveu trabalhar no interior do Estado. Era contratado pelos
poucos sitiantes das redondezas.
A Vila Cheirosa só tinha aquela pousada que estava
malcuidada e por uns poucos reais a comprara, transformando-a
num lugar aconchegante. Os poucos hóspedes apareciam nas
épocas de vaquejadas, quando os peões passavam por ali para
levarem a boiada para ser negociada. Havia também a época de
rodeios, as festas dos santos. Fora isso, aquele era seu lar.
Ficou, de repente, como que hipnotizada por aquele
homem. Tinha uma beleza rude. Cabelos desalinhados, rosto
quadrado, dentes perfeitos. Tinha as mãos grandes e bem-feitas.
Os músculos bem definidos, não por frequentar academias e sim
pelo trabalho. Ele falava macio, com um sotaque gostoso e quando
ria, os olhos riam junto.
Ele abaixou o olhar quando percebeu que estava sendo
analisado e se levantou para pegar a décima latinha. Não pode
deixar de olhar para as nádegas: redondinhas como duas laranjas.
Quase gargalhou lembrando-se desse comentário que uma amiga
sempre fazia quando via uma bunda bem-feita de homem. Depois
dizem que os homens é que gostam de bunda!
― É a última, obrigada. A comida estava saborosa. Você
cozinha muito bem. Agora só quero tomar aquele bom banho e
dormir como nunca fiz em minha vida.
― Amanhã preciso visitar alguns lugares a trabalho. As
últimas chuvas foram bem-vindas, mas deixaram alguns estragos.
Se quiser vir junto.
― Acho que não vou conseguir acordar cedo. Não quero
atrapalhar, obrigada.
Mas acabou indo. Os cabelos soltos ao vento no jipe dele.
A paisagem local era estranha: umas árvores que começavam a
florir, uns poucos animais silvestres e várias plantações de cactos.
― Por que tantos?
― Para alimentar os animais quando a chuva não vier.
Eles contêm água e têm a força suficiente para alimentar qualquer
porte de animal.
Na volta, pararam na cachoeira. Ele sem qualquer
hesitação tirou a roupa e se jogou na água. Ela ficou parada,
sentando na grama, observando aquele corpo que se movimentava
como se fosse uma onda do mar. Parecia ter a força de um cacto
que alimentava qualquer porte de animal. Mais adiante se
encantou com um cacto solitário que tinha uma flor bonita no seu
ápice. Levantou-se e foi observar mais de perto. A flor parecia não
ter nascido, mas sim ter sido fecundada por aquele cacto másculo
e forte.
Olhou para o homem na lagoa e a comparação foi mais
que imediata. Ele, ao mesmo tempo em que era um produto bruto
da natureza, como o cacto, também sabia ser gentil e suave, como
as flores que colocara no vaso do quarto e na cozinha. De repente,
imaginou-se entre aqueles braços; sendo acariciada por aquelas
mãos fortes; sendo beijada por aqueles lábios carnudos, e... Nossa,
estava se comportando como uma vagabunda no cio.
Mas, não podia negar o calor que sentia diante dos
pensamentos de se sentir amada por aquele homem. Não! Viera
para esquecer os problemas, não para obter mais um. Aquela flor
do cacto podia-se dar porque pertencia à natureza e era ingênua
como um animal, mas ela pertencia às convenções. Ela tinha
consciência de seu papel social. Sabia optar e era dona de suas
vontades. Entrou no jipe, esperando-o. Ele gritou da cachoeira:
― Não devia perder tanto tempo em pensar. O que quer
que tenha acontecido dê um chute no que passou e se entregue ao
presente. Às vezes, perdemos tanta coisa boa na vida por excesso
de análises. E se estava pensando no que eu pensei ontem a noite
inteira, empatamos.
― O quê?!
― Nada não. Entre que não me aproximo nem um
milímetro de você.
― Não! Preciso dar uns telefonemas. Vamos?
― Tome a chave. Vou ficar um pouco mais para refrescar
o ardor de meus pensamentos noturnos. A gente se vê mais tarde.
Entrou na Pousada e foi direto para o chuveiro para
também refrescar; mas os seus pensamentos; como diria ele no
seu sotaque delicioso, mais que presentes. Enrolou-se num roupão
e desceu até a cozinha para pegar uma latinha de cerveja. Estava
geladíssima. Sentou-se à mesa e tentou rememorar os seus últimos
dias no trabalho, mas não conseguia se lembrar de nada.
Tentou se lembrar do porquê que se desgastara tanto com
o namorado, mas não conseguia nem se lembrar direito porque
tinha ficado tão ofendida. Para falar a verdade, nem conseguia
vislumbrar o rosto dele. Que droga, só conseguia visualizar
aquelas formas de homem nadando naquele lago. Só conseguia
enxergar aquela flor incrustada, sendo possuída por um cacto.
Adoraria ser apenas aquela flor. Adoraria ser apenas
fecundada por um cacto e ficar eternamente naquela paisagem
sendo útil para a alimentação de outro animal. Nem se voltou
quando sentiu a mão dele em seu pescoço. Vestiu-se de cores
múltiplas e tenras como aquela flor e, ternamente, deixou-se
possuir pelo seu cacto viril e bruto. E intimamente agradeceu
àquela flor de cacto por tê-la ensinado a se abandonar à força dos
instintos.
E o espaço se encheu de sons, seus ouvidos só tinham
sentidos para as palavras meigas que aquele cacto dizia; suas mãos
eram avassaladoras; seu sexo, masculinamente gentil. E, assim,
tomou-se de poesia e se transformou também numa simples flor
que permaneceria para sempre dentro daquele cacto selvagem.
Contam os nativos de Vila Cheirosa que os cactos em que
as flores sobrevivem muito tempo são raros e, aquele cacto com
sua flor incrustada no lago era, segundo a lenda local, um homem
e uma moça forasteira que ficaram imortalizados para sempre
naquela paisagem nordestina e árida, eternamente amantes. Claro
que achou muito terna a história; riu da ingenuidade do povo, mas
vestiu-se da carapuça, calou a voz do passado e nunca mais saiu de
lá.
A saia da Bia
Edilson Sostino Mocumbe

Desço sobre os grumos de alcatrão das ruas entrepostas


pelas encostas dos flats da av. 24 de Junho, sigo ininterrupto pelas
pegadas do sol que se vai pondo lustro no poente, acaricio o rosto
ensopado de suor com um lenço branco de seda, na mão esquerda
um relógio da marca Rolex último lançamento. Atrevidas moças
me lançam um “Oi” cravado nos seus mamilos erectos de inveja e
de prostituta intenção.
A rebeldia dos meus passos dita os incalculáveis
movimentos da minha pudibunda marcha, agora desço reboliço a
avenida Samuel Magaia, busco o fôlego das ruas em um domingo
de ramos, mães indo e vindo, homens, moças, jovens, crianças,
velhos e mendigos superlotando os passeios. –uff, lá eu, e agora,
sob o verde do jardim Tunduro. Arrasto um dos bancos imóveis do
jardim para a sombra mais modesta e aromática, descalço o ócio
enfadonho da alma com um livro pornográfico sobrevoando-me a
mente, relembro o meu reencontro com a Rita mamas-tesas do
poema à buzinadela do táxi do mestre Craveirinha. Sinto ser um
ex presidiário das noites invulgares de amor. Sinto ainda que a
solidão sexual afronta as minhas inseguras calças sobre este banco
de cimento do Tunduro. O silêncio das folhas, o romper das
gargalhadas do vento, o calar dos passos humanos, me faz quedar
em fragmentos nesta impaciente nostalgia.
As memórias, ajuntando-se em trechos, a Isabel, a Marta, a
Maria, a Sónia, alistam-se uma a uma, com os seus matrimoniais
serviços. A confusão sobrevoa a minha consciência deturpada,
suspiro o ar que se extrai hirto da pupila dos caules das árvores em
volta do jardim, a música das folhas secas pelo chão roça
docemente os tímpanos, parece uma gaita sonante sobre as mãos
dum instrutor de música clássica. Foi assim que vi amotinar-se
sobre mim, a pomposa saia da Beatriz, a vizinha de lá de casa, filha
da dona Lulu.
Carta para meu amor distante
Edson Amaro de Souza

Como Penélope amou Ulisses,


Aquele desejo que transpunha os mares
Em noites de gulosa saudade e solidão pontiaguda,
Amo-te com afeto que atravessa
A minguante Mata Atlântica e o deserto crescente
no sertão:
Meu amor pisa o território do semiárido
– Fronteira móvel da caatinga que esperneia para
[não ser Saara –
E vagueia pelas ruas e praças de João Pessoa
Como a Sulamita nos becos de Jerusalém
E pergunta aos repentistas e aos estudantes:
– Viram meu amado?
(Não repetirá o erro da Sulamita e passará longe
dos guardas:
Para quê perguntar pelo amor
A quem aluga seu braço à violência do Estado?)
Meu amor chove versos – às vezes com metro
Mas em dias de urgência corre livre.

Quando quando quando


Nosso umbigos e lábios,
Nossas barbas e hálitos,
Nossos dedos e línguas
Entrelaçados e livres?
Quando, meu amor, nossos rostos juntos
Sobre o mesmo livro de Mia Couto?

(22 de setembro de 2016)


Domingo primaveril
Edvan Cajuhy

Domingo de primavera
Sob o céu azul anil
Sol, calor, brisa primaveril.
Domingo de quimera.

Um encontro, um momento.
Quarto, cama, sentimento,
Amizade, amor e paixão
Fogo que aquece o coração.

Viajei por cada silhueta.


De teu belo corpo.
Toquei tuas delícias secretas
Desejos loucos.

Embriagamo-nos de amor
Bebemos na fonte do prazer
Fizemos tudo sem pudor
Pelo transcurso do entardecer.

Corpos se entrelaçavam
Com ânsia de paixão
Bocas e lábios se tocavam
Palpitando forte o coração.

Nossos corpos se fundiram


Como um só corpo.
Pelo calor, nossos desejos se uniram.
Num só desejo louco.

Como foi bom esse momento!


De amizade, amor e paixão
Desse nosso doce sentimento
Que aquece o coração.

Obrigado por sermos amigos amantes.


Por essa tarde de prazer, no ato de amar.
Que mesmo, nós dois distante.
Não deixemos a distância nos separar.
Sede de amor
Elisabeth Cristina Alves Marques

Tão perto de tudo cair,


Vi, de longe, você chegar.
E eu que sempre quis fugir...
Hoje, ao seu lado, só desejo ficar.

Por inúmeras vezes, tento te explicar:


Têm coisas que eu não consigo conter
Ou, simplesmente, entender.
Do que sinto, é difícil abdicar.

Meu amor por você


É feito maré do imenso mar,
Areia fina por entre os dedos,
Coração que não para de pulsar,
Abraço que afasta todos os medos.

De tempos em tempos,
Penso em como gostaria de esquecer tudo isto,
Mas não há outra forma, eu insisto:
Fere e dói só de imaginar
Na hipótese de não poder te amar.
Um aniversário especial
Evalderiany Honorata

Depois das festas de Ano Novo, marco em minha agenda a


próxima data comemorativa: meu aniversário. Está chegando
aquele momento do ano em mais tenho tempo para pensar em
mim. Talvez eu devesse ir tirar uma folga e passar o dia dormindo,
como no ano passado.
― O pessoal do escritório vai sair para uma festa essa
noite. Dessa vez você vem com gente, Artur?
Viro-me para trás, quem encontro é ninguém menos que
meu colega de escritório. Luis é o autor da pergunta. Como não
adivinhei antes? Ele é bastante extrovertido e conversa com todo
mundo do prédio. Não sei como ele descobriu a data do meu
nascimento há alguns anos. Felizmente não contou para ninguém.
― Acho que vou para a casa e dormir ⎯ recuso o convite,
bocejando.
Ele dá um breve sorriso, aquele sorriso que conquista todo
mundo que trabalha aqui. Eu estou aqui há cinco anos, mas meu
foco é exclusivamente no trabalho. Por isso não tenho muita
amizade com o pessoal do meu andar, na verdade não converso
mais do que o necessário. Luís é a exceção, não por minha
iniciativa. Deve ser a personalidade dele que o faz tão amigável
com qualquer pessoal.
Ao final do expediente, peguei meu carro e dirigi para a
casa. Estou com tanto sono que... Meu celular toca, o barulho
assusta. É o Luís. Deixo para atender depois, quando chegar em
casa. Com a cabeça doendo sinto que meus olhos estão se
fechando contra minha vontade. O toque do celular continua
tocando insistente, não consigo escutar o final dele. A luz forte de
um veículo na minha frente, seguido pelo barulho ensurdecedor
de buzinas foi mais alto. Na verdade, isso foi a última coisa que
escutei.
Sinto frio. Minha cabeça dói. Abro os olhos com
dificuldade, as pálpebras pesam como se eu estivesse com muito
sono. Há uma luz branca iluminando um quarto da mesma cor.
Percebo que estou deitado sobre uma cama estranha, ao meu lado
tem uma bolsa de soro conectada ao meu braço. Ao tentar
levantar sinto o peso do esforço.
Reconheço o aspecto do quarto onde estou. É um hospital!
O que aconteceu comigo? Diante minha agitação, os enfermeiros
aparecem de me examinam. Depois avisam que tenho visitante.
Quem está aqui? Minha família mora em outra cidade. Vejo Luís
entrar nesse quarto pálido. Ele não devia estar numa festa do
escritório?
⎯ Artur, você está bem? ⎯ Luís perguntou desesperado.
A reação dele me deixou surpreso.
⎯ Luís, não me lembro de nada... O que aconteceu?
Meu colega de trabalho parece mais sério se comparado ao
jeito tranquilo e divertido que ele tem no escritório. É estranho
saber que ele também tem um lado tão preocupado. Luís se
aproxima mais, está agitado. Parece procurar as palavras certas.
⎯ O hospital encontrou meu número no seu celular e me
ligou contando tudo. Parece que alguém embriagado entrou com
o carro em contramão, acertou o carro onde você estava. Ele
escapou com ferimentos leves e já foi liberado do hospital. Você
teve ferimentos na cabeça e por isso precisou ser internado.
Ao mesmo tempo em que ele explicava o que aconteceu
comigo, eu só conseguia pensar em como tudo isso aconteceu de
repente. Eu estava com meu dia todo organizado para descansar
amanhã no meu aniversário e então, por um acidente, fui
internado? Pelo menos não tive sequelas graves do acidente,
preciso apenas de dois dias de recuperação. Mesmo assim, não
consigo evitar a tristeza.
⎯ Desculpe por fazê-lo perder a festa. Não precisam se
preocupar comigo, de qualquer forma eu passaria o dia do meu
aniversário deitado ⎯ procuro tranquilizá-lo.
Ele observa desconfiado das palavras. Levanto o meu
polegar em sinal positivo. Acredito que deu certo, pois ele está
pensativo. Luís não precisa gastar o tempo de aproveitar a vida
com o pessoal do escritório aqui neste hospital. Ele ainda está
preocupado comigo. Contrariado, aceita minha decisão de se
despede.
Um novo dia amanheceu, acordei sem entusiasmo. Nesse
horário eu já deveria estar em casa dormindo. A luz fraca do sol
indica um dia nublado, bem como esse aniversário está sendo para
mim. Em algum momento da manhã acabei dormindo. Acordei
com uma voz me chamando. A porta do quarto de hospital é
aberta de surpresa.
⎯ Surpresa! Feliz aniversário, Artur!
⎯ Luís?
Ali está ele, sorridente como sempre. Eu não esperava por
essa visita, Luís conta que o escritório o dispensou para fazer a
visita e lhe incumbiu de trazer uma cesta de bolinhos recheados
em nome de todos os funcionários, para desejar melhoras. Se por
um lado a vinda dele me deixou um pouco feliz, ainda me sinto
mal por tê-lo feito vir ao hospital por dois dias seguidos.
Realmente não gosto de incomodar as pessoas. Muito menos o
Luís.
⎯ Mesmo que você diga que prefere passar esse dia
sozinho, eu não te deixarei hoje. É o seu momento curtindo mais
um ano. Quero estar junto com você, independente do lugar, é
isso o que mais importa ⎯ ele fala balançando a cabeça, como se
estivesse embaraçado. Fica ainda mais bonito assim.
Com lágrimas nos olhos, lanço a indagação:
⎯ Por que quer ficar perto de mim?
O homem dá um sorriso entristecido e me devolve um
olhar intenso que me deixa sem reação. Estou confundindo a
amizade dele com algo a mais? Devo ter batido a cabeça forte
mesmo para estar sentindo essa sensação estranha no coração ou
para pensar que Luís... Definitivamente, são os analgésicos que
ingeri pela manhã.
⎯ Acho que não tem como esconder mais que gosto de
você, Artur. Você não percebeu antes? Desde que entrou no
escritório descobri que você é um cara legal, perspicaz,
comprometido com seus objetivos e muito bonito. Estou
apaixonado por você há muito tempo, mas nunca revelei. Até que
ontem recebi uma ligação sobre seu acidente e meu mundo parou.
Sim, quero ficar do seu lado para sempre se for possível,
entretanto preciso saber se você sente o mesmo. Desculpe se este
pedido for repentino considerando o último acontecimento e o
hospital e seu aniversário e se você recusar vamos esquecer que
essa conversa aconteceu... Você quer namorar comigo?
Realmente não me recordo de ver Luís tão apreensivo
assim no passado. Suas palavras estão mais rápidas, ele está tenso.
Demoro algum tempo para processar todas as informações. Tenho
a impressão de que meu colega de trabalho acabou de se confessar
para mim! De alguma forma, me sinto feliz. Meu coração está
disparado e não sei o que responder. Talvez devesse começando a
dizer que também sinto algo por ele. Mesmo que dispensasse os
convites de festa e não tivesse amizade com outros colegas de
trabalho, a presença de Luís era a única que conseguia permear a
barreira que construí ao meu redor.
⎯ Por mais difícil que seja para mim entender relações e
sentimentos, sei que fiquei feliz como a muito tempo não me
sentia quando você entrou por aquela porta agora a pouco... Se
esse sentimento é gostar, então eu gosto de você também. E
aceito, sim eu quero namorar com você.
Abro meu coração tentando organizar em palavras meus
sentimentos complicados que nem eu entendo bem. Mas tenho
essa certeza: eu gosto dele. Luís abre um sorriso tão
resplandecente que brilha como o sol e em seguida me abraça
caloroso, mas se lembra que estou internado e me solta um pouco.
Nos olhamos por alguns segundos e quando vamos finalmente dar
nosso primeiro beijo, a enfermeira abre a porta interrompendo o
momento. Nós dois rimos, sem acreditar que estamos finalmente
namorando.
⎯ Feliz aniversário... ⎯ Luís parou de falar, coloca um
chapéu de aniversário em mim e abre uma caixa com bolo ⎯
Namorado.
⎯ Acabamos de criar uma tradição nova para passarmos
todos meus aniversários juntos a partir de hoje? ⎯ percebo feliz.
Ruídos na comunicação
Evandro Valentim de Melo

Dois casais de namorados, amigos de longa data, há


tempos não se viam. A celebração de um conhecido comum,
proporcionou o reencontro. Infinidade de assuntos para pôr em
dia, enquanto esperavam o churrasco, iguaria oferecida pelo
aniversariante aos convidados na data festiva.
Sentados frente a frente, os homens conversavam:
― Como andam as coisas lá no seu trabalho?
― O fantasma da privatização sempre dá o ar da graça.
Muitas dúvidas quanto ao futuro, mas o volume de trabalho não
para. Caso o Governo permita, espero me aposentar por lá. E você,
ainda no mesmo empregador?
― Sim. Nove anos completados mês passado. Nossa
situação é mais tranquila, pois não se pode privatizar o Judiciário.
Anda com a imagem desgastada, graças à constante presença na
mídia de certas autoridades que se vestem de toga, mas
continuaremos a existir.
Sentadas uma em frente à outra, as mulheres, também,
conversavam:
― Vida de professora continua difícil, não é amiga?
― E a valorização de nosso trabalho, cada dia menor. Não
bastassem as dificuldades de sempre, agora temos de lidar com
atentados. E pensar que esses comportamentos bizarros, até
pouco tempo, eram restritos ao país do Tio Sam.
― É verdade, ao sul da Linha do Equador, qualquer que
seja o Governo, só se ouve promessas, promessas... E nada de
sermos reconhecidos por nosso papel transformador.
Os amigos sentiram sede.
― Cerveja? Vou buscar.
― Não. Hoje eu dirijo. Tomarei suco. O de caju está muito
bom.
As amigas continuaram o bate-papo:
― Vir a festas com churrasco, para mim, é um tormento.
Estou de dieta, pra variar...
― Eu reduzi drasticamente o consumo de carne vermelha.
Mas não é fácil, sempre fui carnívora.
Eis que chega à mesa dos comensais, a tão aguardada
picanha, com aquela borda de gordura característica da peça. O
perfume sedutor dela emanado, imediatamente, conquistou a
vontade masculina. As mulheres, bem que tentaram não ceder.
― Faz tanto tempo que não como picanha... Depois que
essa gordurinha se aloja é uma tremenda dificuldade se livrar da
inquilina indesejável. Mas esse pecadinho meu nutricionista vai
ter de relevar...
― Eu também não vou deixar passar. Pausa na dieta.
Os amigos, despreocupados, se serviram à vontade. Um
deles perguntou ao outro:
― E a saúde, como está?
― Concluí meus exames periódicos mês passado. Todas as
investigações possíveis. Ao ver os resultados, o médico me
garantiu que posso comer gordura por mais alguns anos.
― Um brinde a isso.
Terminada a festa, os namorados Fabiana, a que reduzira
‘drasticamente o consumo de carne vermelha’ e Leonardo, o que
há pouco fizera o check up de saúde, percorriam o trajeto sem
quaisquer palavras trocadas. Harmonizando-se ao momento,
Simon e Garfunkel cantavam The Sound of Silence, antiga canção,
trilha sonora apropriada à atmosfera dentro do carro.
Leonardo, transbordante de “más intenções” se sentia
frustrado com o comportamento de Fabiana, que, para piorar,
ainda exibia expressão de poucos amigos. A convivência, contudo,
já o ensinara a aguardar calado, fingir-se de morto.
Ao menos, ela não o enxotou quando chegaram ao
destino, o apartamento dela. Demonstrando cavalheirismo,
Leonardo abriu a porta do carro para a namorada sair. Entraram
no elevador, chegaram ao andar de destino.
Fabiana abriu a porta de seu lar e não impediu que
Leonardo entrasse, mas permanecia em total mudez.
À noite, com Fabiana já vestida para dormir, Leonardo
resolveu quebrar o silêncio:
― O que aconteceu para você estar tão calada, Fabi?
― Não se faça de sonso, Leo.
― Sonso? O que eu fiz?
Mais silêncio.
Algum tempo depois, Leo tentou abraçá-la.
― Nem vem que não tem! Disse-lhe Fabiana, afastando-se.
― Poxa, Fabi, não estou entendendo!
― Lá no churrasco, você disse que eu era gorda! Me
apontou de rabo de olho ao seu amigo e falou “... o médico disse
que eu posso comer gordura por mais alguns anos...”. Pensa que
não notei a indireta? Bastou eu fugir um pouquinho da dieta e
você solta suas ironias! Saia de perto de mim. Vá se servir de
gordura em outro lugar. De preferência, no sofá.
Inconformado, mas primando pela convivência, Leonardo
pegou um travesseiro, um lençol e caminhou, como se para a
forca, rumo ao sofá da sala. Ainda bem que ele havia convencido
Fabiana de trocar o sofá antigo por um moderno, que se
transformava em cama. A noite até poderia ser boa, apesar de
tudo.
De longínqua dimensão, Morfeu liberava o encantamento
para que todos pudessem adentrar ao Reino dos Sonhos, do qual é
o monarca absoluto. Mansamente, o torpor dominou o lado
ocidental do planeta Terra. Entre os alcançados, Leonardo e
Fabiana. Paralisou-lhes as pernas, os braços, as pálpebras
pesaram...
Como de hábito, Leonardo se virou para abraçar Fabiana.
Gostava de dormir de conchinha. Contudo, deparou-se com o
vazio. Despertou.
Concomitantemente, Fabiana se moveu para trás, a fim de
se encostar em Leonardo. A cama parecia um latifúndio
improdutivo sem o “namorido”. Perdeu o sono.
Clandestinamente, como arrisca um mexicano desejoso de
entrar nos Estados Unidos sem ser notado, Leo atravessou a
fronteira entre a sala e o quarto de Fabiana. Arriscou tudo e
acomodou-se na mesma cama da namorada.
Pela resistência empreendida, pareceu mais que ela fez
vista grossa, desligou todos os alarmes e permitiu que Leonardo se
aproximasse. Encostaram-se.
Ele acariciou os longos cabelos da namorada, liberou
espaço para abrir caminho até a orelha dela. Sussurrou:
― Minha picanhazinha...
Fabiana estremeceu. Virou-se imediatamente para o
namorado e disse:
― Picanhazinha é a sua mãe!
Mordeu-o forte no pescoço. A noite foi incrível dali em
diante.
Lá do Reino dos Sonhos, Morfeu arregalava os olhos.
Comentou em voz alta com os botões de sua vestimenta
mitológica:
― Jamais entenderei os humanos. As mulheres, então...
-
Esther Raminelli

De longe, queria eu ter algo mais sério com alguém.


Sempre tive medo de estar presa ou de me sentir presa a alguém.
De uns anos pra cá, eu me encantei muitas vezes, confesso já
passaram por mim almas benditas, tão envolventes que eu as
vezes, queria as sentir à longo prazo. Cada alma me fazia florescer
de maneira única e especial.
Tudo era tão fascinante, desde as ilusões amorosas até a
ficha cair. Onde percebia que era apenas um momento e para que
houvesse algum aprendizado, por mais que eu não desejasse
sofrer, sofria. Me chicoteava com a culpa e praguejava se acaso o
outro porventura, viesse me esquecer.
Em diversas ocasiões, achei que eu havia evoluído para
alguma patologia e desejava num último suspiro, sumir, me isolar,
morrer!
Eu sempre achava que o problema estava em mim por ser
intensa demais.
Um certo dia, resolvi fazer uma conta, num aplicativo de
relacionamentos até que depois de tantos nãos, surgiu alguém que
me fez querer dar um sim. De longe ele era o mais bonito, mas
estranhamente me sentia verdadeiramente atraída por ele.
Conversamos por uns dias e de repente marcamos de nos
encontrarmos.
Eu, estava na casa de uma amiga. Lá na casa dela, sempre
rolava um encontro da galera da faculdade e eita povo porreta pra
beber.
Saindo dali, fui encontrar “meu vesguinho”. Acho que foi o
fato dele ser vesgo e usar óculos, que foram os motivos pelos quais
me senti tão atraída por ele, sei lá.
Ele parecia estar apaixonado por mim, embora eu tinha a
insegurança de manter um vínculo qualquer com alguém. Pois,
andava de muleta e me sentia vulnerável. Ele estava de moto e
sugeriu que fossemos comer algo. Eu tive medo de subir na moto
dele, mas ele com aquele olhar tão apaixonante e aquele sorriso
havia me convencido. Então fomos, o abracei por trás e me senti
tão familiarizada com aquele corpo, que em meio aos tropeços que
dei jurava que se aquele momento fosse um sonho pedia aos céus
em silêncio para que não me acordasse.
Olhando para aquele outro ser. Tão envolvente. Me
escondi atrás de minhas muralhas cinzentas de medo, mas logo
após ver aquele brilho único irradiar e quebrar meus tijolos falsos.
Decidi tentar deixá-lo entrar. Mas eu era muito
escorregadia, me atrapalhava toda ao tentar.
Depois da pizza, meu “Romeu”, me levou para casa
montada em sua garupa. Tive a leve sensação momentânea de que
aquilo poderia vir a ser algo. Que eu o deveria permitir. Mas, mais
uma vez, fui rachada como um vidro, ao descer da moto. Sou
surpreendida com um beijo.
“Agora estou ferrada!” aquele beijo, foi o motivo do meu
delírio. Depois daquela noite. Minha floresta negra, gélida e
nebulosa, deu lugar a um coração renovado. Ficamos outras vezes
e às vezes eu até dormia na casa dele.
Até que ele viu a minha loucura florescer e correu. Como
um menino com medo das consequências de suas malandragens
se escondeu de mim.
Bem em um dado momento o mesmo dissera-me: “Tem
gente que tem fascínio pelo trágico”. E ele tinha razão. Faltou
diálogo entre nós, eu tentava não deixar minha tristeza
transparecer. Fiz de tudo para afastá-lo, mas errei em ao mesmo
tempo tê-lo por perto. Queria que ele ao menos me lesse e
buscasse entender meus sinais que eram imperceptíveis. Queria
que ele me visse da mesma maneira na qual passei a enxergá-lo.
Mas infelizmente. Acabamos assim, cada um para um
lado, sem se atrever a dizer mais nada, sem diálogo, sem entender.
Eu me fazia de boba, corria atrás, elogiava-o e sempre dizia que
sentia falta dele e ele apenas dizia: Eu também. A minha
conclusão, talvez fosse premeditada demais. Só que eu enxergo de
longe, sinto no ar, sou desconfiada demais. Dificilmente são
pressentimentos errados.
Depois daquele sorriso tudo mudou
Fabiane Rodrigues da Silva

Lembro-me da primeira vez que o vi. Era nosso primeiro


dia de aula na faculdade de Direito. Após anos estudando,
finalmente havia conseguido uma vaga na universidade federal do
meu estado. Era um misto de alegria, ansiedade e esperança.
Minha única meta era focar nos estudos nos próximos cincos anos.
Não pensava em me apaixonar, pelo menos não agora.
Contudo, tudo mudou depois daquele sorriso que invadiu o meu
olhar e fez meu coração quase sair pela boca.
Ele vestia uma bermuda xadrez em vários tons de azul e uma
camiseta vermelha de alguma banda.
Eu vi ele sentado na primeira fileira, fiquei olhando ainda
sem ver o rosto, apenas suas roupas me pareciam visíveis e aquele
cabelo encaracolado, que me lembrava um anjo. De repente ele
olha para trás e com um sorriso me pergunta:
― Ei colega, pode me emprestar uma caneta? Esqueci -
disse ele - Tem alguma sobrando?
Ainda atônita com aquele semblante, fiquei sem respirar
por alguns segundos e o mundo parecia ter girado.
Quando voltei para o mundo real, ele já estava falando
novamente.
― Você está bem? - falou ele - Me parece meio branca,
quer uma água? Posso pegar para ti sem problemas.
― Não - disse me recuperando - Não precisa, obrigada.
Você quer uma caneta né? Claro que eu tenho, pode pegar.
― Valeu - respondeu ele - Me chamo Dante e o seu nome?
― Jane, prazer colega.
― Jane? Igual a Jane Austen a escritora inglesa?
― Essa mesma, minha mãe é muito fã dessa autora. Como
você conhece?
― Por acaso minha mãe também gosta muito dela, então
cresci vendo os livros em seu criado-mudo, mas nunca tinha
conhecido uma Jane de verdade.
― Bem, eu sou real, pelo menos há dezenove anos -
respondo rindo.
― Muito prazer então, Jane real. Seremos colegas pelos
próximos anos, prometo que amanhã eu trago uma caneta.
― Imagina, tenho várias - falei - Pode ficar com essa como
presente.
― Se for presente, então terei que retribuir - disse Dante.
― Capaz, é só uma caneta.
― Eu insisto, o que me diz um suco no intervalo?
― Já que é tão importante para você, tudo bem. Eu aceito
o suco.
― Combinado - falou Dante - E obrigado pela caneta Jane.
A aula passou se arrastando, por mais que eu tivesse
interessada nos primeiros conteúdos da aula, só pensava em
conhecer mais o dono daquele sorriso. O sorriso de Dante.
Estava arrumando a minha bolsa para o intervalo, quando Dante
me abordou:
― E aí Jane, pronta para o suco?
― Oi, sim podemos ir - respondi - Não sei muito bem
onde fica o bar, você sabe?
― Sei sim, só me seguir.
Segui seus passos, seus sorrisos e quando vi já estávamos sentados
na mesa do bar da faculdade.
O local estava lotado, mas Dante conseguiu uma mesa
assim que chegamos.
― Então Jane, que suco vai querer?
― Pode ser de laranja mesmo.
― Ótimo, vou pedir também.
― Obrigada.
― Sempre quis cursar Direito? - Perguntou ele.
― Na verdade fiquei em dúvida entre Jornalismo e Direito,
mas acabei optando pelas leis. Não foi fácil, dediquei muitos
meses de estudo e aqui estou eu cheia de sonhos. E você?
― Meu pai é advogado, me criei no meio de códigos,
jurisprudências, processos e até mesmo acompanhei ele em
algumas audiências quando era criança. - Disse Dante - Quando
cresci foi meio que automático escolher, nem pensei muito. Mas
eu gosto, do contrário meus pais teriam me apoiando em qualquer
outro curso também.
― Pretende seguir carreira no escritório com seu pai ou
quer prestar concurso público? Indaguei-o.
― Olha, curto a advocacia... mas, não descarto fazer
concursos. Acho que durante o curso vai abrir um leque de
oportunidades e novos desafios, tenho tempo para decidir e você,
Jane?
― Ah, pretendo sim me direcionar para os concursos. Só
não sei qual área, mas como você mesmo disse, acredito que
durante o curso vou descobrir o que mais gosto.
― Verdade temos muito tempo ainda. E seus irmãos, o
que fazem?
― Não tenho irmãos, sou filha única.
― Somo dois, também sou filho único. Adoraria ter
irmãos, quem sabe assim minha mãe não pegasse tanto assim no
meu pé.
― Ah, mas com certeza ela faz isso porque te quer bem.
Todas as mães são iguais, ainda mais as leitoras de Jane Austen.
― É mesmo, já leu os livros da tua xará?
― Alguns sim, mas minha mãe sabe o texto de cabeça e
adora usar em várias situações. Eu li, mas faz muito tempo.
Minhas últimas leituras envolviam biologia, matemática,
português...
― É, eu também, só os estudos. Mas confesso que agora
que conheço uma Jane, fiquei curioso pela leitura.
― Então se arrisque, leia e depois me conte. Se quiser
podemos fazer leitura coletiva também, eu leio alguns trechos e
você outros.
― Boa ideia vou adorar. Bem, é melhor voltarmos para a
aula.
― Nossa, como passou rápido. Vamos então para a
primeira aula de Introdução ao Direito.

***
Os dias, meses e anos seguintes foram assim: mágicos.
Dante e eu nos aproximamos cada vez mais. Além das leituras
coletivas que fazíamos nos primeiros dias que nos conhecemos,
passamos a estudar para a faculdade juntos. Aprendemos juntos,
ali tão jovens a conhecer o sentimento mais lindo e puro deste
mundo.
Dante tinha um coração gigante, maior que o mundo. Era
um cara preocupado com o próximo, trata as pessoas iguais e
principalmente era um cara justo. Isso era o que eu mais admirava
nele, a forma como ele encarava a as diferenças do mundo.
― Dante – eu chamei - Vamos estudar hoje de novo?
Ainda não entendi muito sobre essa matéria.
― Olá, minha Jane – respondeu ele – Pode ser mais tarde?
Estou com dor de cabeça.
― De novo, meu Dante? Você passou a semana toda
assim, a dor vem e passar. Não pode só ficar tomando remédio.
― Eu sei – falou ele – Mas vai passar, você sabe que não
gosto de ir ao médio. Se procurar, sempre achamos algo.
― Mas se tiver algo tem que se tratar, não é possível que
essas tuas dores não cessem – respondi.
― Não se preocupe, minha doce Jane, tenho saúde de
ferro – Vai estudando aí, que logo eu vou te ajudar, só preciso ficar
um pouco deitado.
― Tá bom, se recupere. Beijos
― Beijos, minha linda.
Os meses que sucederam foram um pouco mais tranquilas,
as dores de cabeça de Dante passaram um pouco e apareciam
poucas vezes. Tomava algum analgésico, dormia e no outro dia
estava bem.
Nosso casamento se aproximava, resolvemos selar nosso
amor antes de terminar a faculdade. Tínhamos pressa de estar
juntos. Seria um cerimônia simples, nossa família e alguns amigos.
Nossas mães estavam ansiosas e felizes com a nossa decisão, elas
diziam que éramos almas gêmeas.
Os dias subsequentes seriam assim, de festejos e
preparativos para nosso casamento. Nada poderia abalar a
atmosfera de comemoração; contudo, eu estava enganada. Já era
tarde da noite quando minha futura sogra me ligou:
― Jane querida, pode falar?
― Oi, claro – respondi um tanto surpresa – Aconteceu
algo?
― Sim, o Dante - respondeu ela titubeando.
― O que tem ele? Por favor, diga logo – implorei.
― Essas dores de cabeça, você sabe...deu uma dor muito
forte e tive que sair correndo com ele para o hospital.
― Meus Deus, meu Dante - respondi assustada – Qual
hospital? Quero ir para ficar com a senhora, preciso estar perto do
meu amor. Não vai ser nada, tenho certeza. Ele sempre tem essas
dores de cabeça, só deve ser um dia mais crítico.
― Estamos no Hospital Central – disse ela- Mas não sei
iluda minha nora, encontrei ele desmaiado encima da mesa, quase
que sem respiração. Não sei se esse tempo sem oxigênio danificou
alguma coisa.
― Estou indo para aí, vai ficar tudo bem – respondi –
Sempre fica!
Quando cheguei lá, o medido responsável estava falando
com a minha futura sogra e dando o primeiro parecer sobre a
saúde de Dante.
― Fizemos alguns exames e de acordo com as queixas dele
– disse o médico – Foi possível verificar que ele tem um tumor na
cabeça. Deve ser por isso que as dores de cabeça eram
persistentes.
― Minha nossa – respondi – Não tem como tirar esse
tumor?
― Tem sim – respondeu o médico- Só estamos precisando
da autorização de algum familiar, pois é um procedimento
delicado e queremos que todos estejam cientes.
― A cirurgia está autorizada – disse a mãe de Dante.
O procedimento durou cerca de doze horas. Já não sabia
mais o que pensar ou para que santo rezar, meu coração estava
angustiado e com um aperto muito grande. Logo agora que
estávamos prestes a nos casar e começar uma vida nova?
A primeira notícia positiva que teve foi que ele saiu com
vida da mesa de operação, mas precisava de todos os
equipamentos para respirar e se alimentar. Fiquei chocada ao vê-
lo com a cabeça toda enfaixada, o formato do rosto inchado...nem
parecia o Dante, o dono do sorriso da minha vida. Quando eu
poderia ver aquele sorriso de novo?
O médico disse que ele ficou um tempo sem oxigênio na
cabeça e isso certamente afetaria algumas coisas, como:
movimento da fala, andar ou simplesmente precisar de ajuda para
tudo.
Isso não podia estar acontecendo, o Dante tão cheio de
vida e de planos estava prestes a ficar encima de uma cama para o
resto da vida. E foi isso que aconteceu. Os médicos liberaram ele
para ser cuidado em casa e eu praticamente me mudei para a casa
de seus pais. Larguei tudo. Precisava ficar com ele.
Não foi fácil. Tinha dias que nem de mim ele lembrava.
Perguntava quem era a moça bonita para sua mãe. E isso partia o
meu coração, mas eu sabia que fazia parte do tumor que foi
apenas raspado, mas não totalmente retirado. Mesmo assim eu
queria fazer seus dias mais doces, ficava horas lendo livros para ele
ou contando sobre nossos anos de namoro. Eu sentia que muitas
vezes ele entendia porque caia uma lágrima em seu rosto e mesmo
quando ele não conseguia lembrar de mim totalmente, eu sei que
alguma parte dele ainda me pertencia e me amava.
Foi em um dia de chuva em plena primavera que o mundo
desabou. Acordei e fui vê-lo como de praxe. Não sei nem o que
descrever para dizer o que senti quando beijei sua testa e estava
gelada. Um misto de pavor, dor, saudade e descrença emanou meu
coração. Dante tinha morrido. Não, isso não podia estar
acontecendo. Fazia dois meses que ele tinha saído do hospital,
mas acreditava que com os cuidados em casa ele podia voltar a ser
o meu namorado como antes, aquele cara do sorriso mais lindo e
singelo. Só que não foi isso que aconteceu. Porque Dante, um cara
jovem precisava passar seus últimos dias de vida totalmente
encima de uma cama? E foi assim que ele se foi, deixando um
buraco enorme em minha vida.
Os primeiros dias foram solitários, eu não queria ver
ninguém. Precisava passar por esse luto sozinha. Implorava para
sonhar com ele, mas isso só aconteceu uns três meses depois. E
nesse sonho ele estava lindo, com uma roupa clara me dava as
mãos e invadia meu coração com o sorriso que só ele tinha. Ele me
disse que estava bem e que eu precisava seguir a minha vida, fazer
as coisas que eu gostava e realizar os meus e os sonhos dele. E que
ele estaria sempre presente, em cada sorriso de criança, em cada
raio de sol e em casa chuva das nuvens. Iria estar em casa ser com
vida e em cada arco-íris que brilhasse em meus olhos.
Então eu segui os seus conselhos e sozinha fui para o lugar
que passaríamos a lua de mel: destino Paris. Eu faria isso por nós
dois, por todos os lugares que pensamos estar juntos. Eu precisava
voltar a sorrir e sabia que cada céu colorido ele estava comigo,
nunca mais estaria sozinha. Teria um anjo me acompanhando e
iluminando o meu caminho.
Espera
Fábio Pardal

Onde está minha branquinha


Que não aparece?
Será que ela vem?
― Minha branquinha não vem, penso.
Mas sinto que virá.
Minha branquinha é linda
Como apenas minha branquinha o é.
Ela é minha branquinha
O meu bichinho de pé.

E o sorriso da Branquinha,
Que belo, que belo...
Ele se abre ao beijo
Ele se entrega ao prazer.
E como uma borboleta que sacode as asas
Alça voos em minha imaginação.
Amei além
Fabrine Dummer

Eu te amei além.
Além das mentiras e fantasia
Eu te amei.
Além do personagem em demasia
Eu te amei. Amei e me deixei ir
Ir além do limite
Ir ao ponto de não intervir.
Fomos fogo inflamado igual dinamite
De um amor eterno, foste do momento
E acabaste por tornar-te meu tormento.
Nosso amor nasceu doente
Amar por dois tornou-me delinquente
De mim mesma, de amor próprio
Das piores drogas, foste meu ópio.
Cegando meus olhos, apagando minha luz
Teu anti-amor ainda em mim reluz
Me tornei um reflexo escuro
E até hoje não sei o que procuro.
Eu te amei.
Amei intensa e ferozmente
E tu acabaste por devorar minha mente
Fui um candelabro pronto para despencar
Mas teu falso amor ficou apenas no ar
Despenquei. Eu te amei.
Te quis além do real
Da mágoa se tornando vital
A superfície se tornou perigosa
Foste a partida mais valiosa
Porque chegaste calmaria
E tornaste-te vendaval.
Eu te amei.
Mas no fundo, fostes a tantos outros igual.
Habitar seu coração
Fabrizzio Nascioli

Me habituei,
e assim,
entre trancos e amores vou vivendo,
vou cedendo a embriaguez da saliva tua,
vou sendo parte eu
parte você,
misturado,
afinal;
atrai os que dispostos estão,
ao jogo,
a sedução,
a sorrir noite e dia,
a apenas habitar no coração
do outro e mobiliando para ser seu.
Devaneios de amor
Fernando Rodrigues Vannini

A morte me segue... os devaneios da paixão e da emoção


prosperam em minha mente…
Quem sois tu ó bela rapariga a me flamejar de tal maneira
e fazer meu humilde coração derreter por ti? Serás tu a mais bela,
meu amor? Serei eu, pobre inocente a cair em tuas mãos doces e
me perder em teus caminhos? Sois jovem e formosa tens o tempo
ao seu favor, podes me recusar, porém meu coração a ti sempre
pertencerá.
Seus gestos delicados e palavras suaves confortam meu
espírito que em ti vê força, coragem, e os traços da mais bela
fortaleza de amor jamais sonhada por alguém. Negros traços de
seus cabelos contrastam com o âmbar de seus olhos e os tons
delicadamente avermelhados, aveludados de sua face.
Sois bela, divina alma, bela além do imaginável… bela ao
ponto de fazer a terra tremer quando caminhas, os pássaros a
circundarem quando andais e a natureza sorrir de alegria ao te ver
passar.
Sua majestosidade é infinda. Enquanto me pego a
deslumbrar-te em meus sonhos com seus carinhos, seu brilho, sua
bondade e beleza... logo de súbito acordo e me vejo ao seu lado
admirando-a linda morena; vivendo eternamente, apaixonado.
Concurso do amor
Flaviana Costa

Esse mês saiu o edital


A inscrição já pode fazer,
Para o concurso do amor
Um namorado quero ter,
Passarei os procedimentos
Para quem quiser se inscrever.

Tem que ser sexo masculino


Ao contrário não questionar,
Entre trinta e cinquenta anos
Idade ideal para se relacionar,
Têm que ter boa formação
Mas áreas que irei citar.

Graduado no carinho
Para saber respeitar,
Pós-graduado no cuidado
Para saber valorizar,
Mestrado na paciência
Para saber suportar.

Doutorado na sensibilidade
Para saber o valor do amor,
Alimentar todos os dias
Para não causar dor,
O coração foi restaurado
Mas sou delicada como flor.

Homens do FBI
Já é desclassificado,
Feio Baixinho e Ignorante
Não tente será eliminado,
Não suporto arrogância
De homem mal-educado.

Casados caiam fora


Não quero nem saber,
Nem com namoradas
Problemas não quero ter,
Por favor, não se inscrevam
Para não me aborrecer.

Depois da seleção
Um será aprovado,
Passará pela avaliação
Para ser classificado,
Depois da prova física
Receberá o resultado.

A remuneração do cargo
É de valor emocional,
Será amado e respeitado
De forma excepcional,
Se tornará meu companheiro
Será alguém muito especial...
Após o fim
Chico Martins

Primeiro, lembre-se
Sou um homem crescido
Que insiste num escrever
De bom senso desprovido

Em verdade, já há tempos
Abandonei este escrever
Mas algo em seu jeito
Fez mais um texto renascer

Em minha mente, sua lembrança


Em meus ouvidos, sua voz
Em todo meu corpo, a sensação
Do eterno momento que vivemos nós
Já não lembro, tudo que foi dito
Mas tenho certeza de que faltou tanto
Você não pôde ver a mim
E não pude ver além do seu encanto

Mas o que havia de ser visto?


O que eu poderia lhe mostrar?
Sou só, sozinho em amargura
Que talvez, até, por isso deveria me alegrar

E não é para mostrar meus defeitos


Que estas palavras vêm em minha mente
Eu lhe escrevo por que nada mais me resta
A esperar do meu presente

Eu escrevo porque preciso


Tirar de mim o peso dessa verdade
E assim seguir meu caminho
Viver mais leve a realidade
Preciso que saiba que pensei em você
Em cada manhã, quando a luz surgia
Durante toda uma estação
Um longo século, mais parecia

Meu vazio se preenchia


Pela certeza de sua existência
Mas a distância que havia
Tornava essa certeza, também uma penitência

Existe algo em seu sorriso


Que fazem os lamentos irem embora
Algo, que talvez você não saiba
Mas permanece em mim agora

E eu tentei estar ao seu lado


As suas lágrimas, enxugaria
Mas não fui eu, aquele homem
Para quem você as mostraria

E agora, essas palavras, nada simbolizam


Estas palavras não são de esperança
Não almejo, ou espero, alcançar algo
Já aceitei você como uma sublime lembrança

Apenas desejo, que você entenda


Que sinta nestas palavras, o que senti
E que desta forma, eu me liberte
Do peso do sentimento que vivi

E desejo que saiba, ainda mais


Que todo sentimento é mortal
E por mais intenso que tenha sido
Também este terá seu final
Saiba que é especial
Que sem intenção, me fez caminhar
Que me fez sorrir, sem saber
E que, por você, voltei a acreditar
O acaso
Frederico Brito

Quando a vida o levou para o norte,


deliberou sutilmente mudar sua sorte.
O moço da cidade não era sozinho;
o novo lugar desviaria seu caminho.

Assustou-se com os velhos sobrados;


da matriz, o toque dos sinos dobrados.
Ansiou por retornar, supôs passar mal;
aflição pueril naquela tarde dominical.

A velha cidade parecia adormecida.


Não havia por perto pessoa conhecida.
Caminhou vacilante até o pensionato,
pagou a estadia e recolheu-se ao quarto.

A manhã ensolarada que sobreveio


trouxe a esperança e afugentou o receio.
Tomou seu café e calçou suas botinas;
decidiu enfrentar sua nova rotina.

No caminho à praça, um filme passou;


presumia entender o sentido do amor.
Reservou-lhe a surpresa, o sublime destino;
arroubou, a paixão, o coração do menino.

Naquela paragem, tudo o fazia sorrir:


o cheiro, o calor, a canção, o balir.
Desvendou fascinado um novo horizonte;
apagou da memória o passado, o ontem.

Após alguns dias, o tiro certeiro;


o motivo inconteste de todo o roteiro.
Do encontro com ela, cuidou o acaso;
no peito um viva, um grito, um brado.

À primeira vista foi aquele amor;


caiu de joelhos ante a pequena flor.
Serrana, impoluta, airosa, singela;
tão doce, tão terna, tão casta, tão bela.

Confiou-lhe a sina o encabulado infante;


confessou seu afeto, enamorado amante.
Abriram a porta, selaram o beijo;
homem e mulher, amor e desejo.
Palavras
Gabriela Padilha Da Silva

Eu tenho tentado
Mesmo que através de palavras
Te dizer
Que um poema não é necessário
O que sinto por você
Vai além do meu vocabulário.
Estar com você
Gabriela Railo de Marcos

Segure em minha mão,


Olhe em meus olhos,
Sorria quando eu sorrir,
Me abrace sem pensar.

Me leva contigo
Viaja comigo
Pro nosso paraíso
Sem pensar,
Sem hesitar
Só vem comigo.

Quero seu ombro amigo,


Sua risada tímida,
Seu sermão,
Seu conselho,
Quero você.

Senta aqui do meu lado,


Me fala como foi seu dia,
Me conte dos seus medos,
Me mostre seus defeitos
Me mostre quem é você.

Canta comigo,
Ria comigo
Sorria comigo
Só esteja comigo.

Fique em silêncio,
Mas fique aqui.
Fale demais,
Mas fique aqui.
Na minha vida,
Agora e sempre,
Mesmo sem perceber,
O nosso sentimento prevalecerá
Rumo ao para sempre
Agora e sempre
Dentro de todos os infinitos
Onde estiver
Sempre vou querer estar com você.
Você me faz viver
Germano Luz

Você me faz viver, nascer


E todo dia querer te ver
Nas noites sós em que o frio vem
A tua ausência me faz perecer.
Mas quando acordo me sinto bem
E a sua imagem que logo vem
Me dá vontade de viver
Pra todo dia poder te ver
E quando o frio aparecer
Quero em teus braços me aquecer.
O ex
Giordano Benites Tronco

Encontraram-se por coincidência no ponto de ônibus.


― Geraldo?!
— Oi? Ah, tudo bem, Luís?
— Geraldão! Que bom te encontrar! Dá cá um abraço! Faz
tempo hein? A gente perdeu contato.
— Pois é.
— Nunca mais nos vimos.
— É, acontece...
— Nem você respondeu às minhas mensagens. Nem
retornou as minhas ligações.
— Ah...
— Cheguei a pensar que você estava me evitando.
— Claro que não, que bobagem.
— Ah, que bom. Sei lá, foi só uma impressão. Como está...
— A Mônica? Bem, está bem.
— E o resto do pessoal? Continuam todos juntos?
— Sim, continuamos.
— Adoro o pessoal.
— Pois é.
— Sou amarradão no pessoal. Morro de saudades deles.
Do Zé Carlos, da Marina, do João. O João ainda vai casar com
aquela menina maluca? A presbiteriana?
— Testemunha de Jeová. Eles acabaram faz anos.
— Haha, esse João. Ai, ai. Sinto saudades de você também.
Lembra de quando a gente se conheceu? Você estava com uma
camiseta do Dinosaur Jr. Lembra o que eu disse?
— Não.
— Que nenhuma pessoa que usa uma camiseta do
Dinosaur Jr. pode ser má pessoa. Eu disse isso. E, pode me chamar
de místico, mas naquele dia eu senti que ia nascer uma coisa
muito especial entre a gente. Você se lembra do convite que eu fiz
para a gente ouvir umas bolachas lá em casa?
— Umas o quê?
— Uns discos. Eu tenho um toca-discos te convidei para
ouvir Dinosaur Jr. lá em casa.
— Luís...
— Faz uns dois anos, um pouco antes da gente parar de se
ver. O convite ainda está de pé. A agulha tá nova.
— Luís, é melhor a gente parar por aqui.
— Como assim?
— Você sabe que não podemos...
— Não podemos o quê? Ouvir umas bolachas? Tomar
umas cervejas? E, se você estiver a fim, ficar conversando até o sol
nascer?
— Para, Luís. Acabou. Eu não posso mais ser essa pessoa
para você.
— Eu não estou entendendo.
— Entende, sim.
Luís não consegue ficar sério e fala com a voz embargada:
— Eu quero você de volta, Geraldo.
— Não dá.
— Eu quero você, o Zé Carlos, o João e a namorada crente
dele, as noites de filme na casa da Marina, com o Junqueira
preparando uma pizza pra galera...
— Luís, não dá.
— É claro que dá. Somos todos amigos.
Geraldo suspira.
— Olha só. Nunca fomos seus amigos. Nós sempre fomos
amigos da Mônica. Você era o namorado da Mônica. Agora que
vocês acabaram, a gente não pode mais se ver.
— Por que não?
— Porque é estranho!
— A Mônica nunca vai saber. Eu convido todos vocês para
a minha casa. Ela ainda viaja pra serra uma vez por mês, certo? A
gente escolhe bem as datas, ela não fica sabendo...
— Acabou, Luís. Não há mais nada entre nós. Nunca
houve.
Silêncio reflexivo. Então:
— O Feriado de Páscoa de 2014.
— O que tem?
— Diga que aquilo não significou nada para você.
— Eu não sei do que você está falando.
— Nós estávamos na casa da serra da Mônica. Era verão,
mas estava frio. O Junqueira fez o melhor fondue das nossas vidas,
então jogamos truco enrolados em edredons em cima daquele sofá
enorme, todos nós, até que todo mundo caiu no sono. Depois você
nos acordou para ver o sol nascer. E ligou o rádio. E estava
tocando uma música. Você lembra qual era a música?
— Não lembro.
— Não minta. Você lembra sim.
Silêncio. Então Geraldo responde:
— Somewhere Over the Rainbow.
— Exato. Era Somewhere Over the Rainbow, e o sol estava
nascendo, e estava frio, mas todos estavámos enrolados em
edredons, e o mundo estava quieto, a não ser por aquela música.
Naquele momento, a Terra girou um pouquinho mais devagar. Eu
senti isso e você também. Diz que isso não significou nada para
você. Me diz e eu vou embora.
Geraldo e Luís se encaram por um tempo. Então Geraldo,
com a voz firme:
— Não.
Luís ainda segura o olhar por alguns segundos, depois
baixa os olhos. Pelos próximos dez minutos os dois ficam quietos,
Geraldo esperando o ônibus, Luís cabisbaixo. Não se olham, não
se falam. Finalmente o ônibus de Geraldo chega, e Luís sobe junto.
— Poxa, Luís!
— Mas esse é o meu ônibus! Não posso fazer nada!
Geraldo aceita a contragosto. E, pelo resto da viagem, ele e
Luís ficam sentados lado a lado, em silêncio. De vez em quando o
Luís cantarolava:
— Somewhere, over the rainbow...
— Para, Luís.
Contato com o espelho
Giórgia Neiva

Fazia frio, muito frio. Dia atípico em Salvador, cidade em


que o Sol prevalece. Por isso, demorei tanto para achar um casaco
em meu armário antes de sair para ir ao supermercado. Encontrei
uma blusa branca com capuz pendurada no cabide, há anos
parada no mesmo lugar. O cheiro era de roupa guardada. Se
minha avó ainda fosse viva, iria dizer que estava com cheiro de
mofo, porém me vesti com ela porque me sentia também mofada,
guardada e esquecida. Olhei-me no espelho e senti-me horrorosa:
com minha palidez extrema e com esse casaco mofado, tornei-me
o retrato fiel de uma assombração que voltou do inferno.
Já não dá mais para pôr a responsabilidade disso nas
vestimentas. Pensei em escolher novas desculpas, mas li em algum
livreto de autoajuda que sobram 37 horas semanais depois de
descontadas todas as horas para afazeres “obrigatórios”: trabalhar,
comer, tomar banho, dormir, transar...
― 37 horas livres semanais para ir em busca dos meus
sonhos!!! – Falei em voz alta como manda o livreto a cada vez que
o desalento bater.
Se a cada vez que o desânimo bater tiver que falar essa
frase, vou acabar dizendo só isso no restante de minha vida. Sim, o
problema do abatimento não é a calça cada dia mais apertada,
nem a cor da camisa que não combina comigo. Minha vida
estacionou totalmente porque deixei e agora não sei por onde
começar a mudar essa paisagem e transformar essa realidade. Nem
mesmo sei se quero mudanças. Pode ser que minha vizinha
Priscilla tenha razão quando me disse que me acostumei tanto
com a insatisfação que passei a ter satisfação com o desprazer.
― Seu problema é seu signo, amiga! Temos que ir em
astrólogo para fazer seu mapa astral! – É o que Priscila sempre me
diz quando me vê desanimada. Houve um período de nossa
amizade que era confortável pôr a culpa em meu signo e até me
viciei em ler horóscopo. Isso não é bom.
Sou do signo de Touro e meu horóscopo me disse para
evitar alimentos gordurosos pois os planetas estão conspirando a
favor de problemas de circulação. Vou ignorar essa sugestão,
mesmo porque há dias que sugerem também para evitar as
relações afetivas. Que credibilidade há em um horóscopo que dia
sim, dia não, me sugere a solidão? Tenho evitado relacionamentos
e quem sabe os relacionamentos me evitam também. Decidi parar
de pensar sobre minha vida pacata e solitária, porque iria me
deixar com mais preguiça de sair de casa para comprar porcarias
no supermercado.
Assim, saí de casa a pé. Já que vou comprar uma pizza
congelada, que caminhe até ela. O vento estava tão gelado que me
questionei se estava mesmo na Bahia. As pessoas caminhavam nas
ruas de cabeça baixa com a esperança de esconder o nariz por
causa do frio. Por um momento, me senti levemente vitoriosa por
sair de casa a pé, afinal, o supermercado fica a vinte minutos de
minha casa e o tempo começou a me agradar. Então, parei de
resmungar.
Andei até o fim da Rua Conde Filho e, quando dobrei a
esquina para entrar na Rua da Paz, avistei em frente à drogaria um
rapaz de barba ruiva que me impactou imediatamente. Quando o
vento se fez mais presente, bagunçou o cabelo dele. Formou-se
uma linda moldura refletida pelo Sol da conjunção entre cabelos e
barba. Até abri um sorriso espontâneo e involuntário. Tentei
segurar o riso para não parecer uma completa retardada rindo
sozinha, mas não consegui e ele me notou, pois riu de minha
risada.
Tivemos uma conexão astral e considerei ter visto o
homem mais bonito que meus olhos captaram nos últimos três
anos. Lamentei ter que continuar andando e não ter nenhum
remédio para comprar na farmácia. Segui em frente e finalmente
cheguei no Supermercado Real, lugar que vou toda semana.
― Sorridente hoje, hein Marta? – Disse Rita, a faxineira.
Quis confirmar sua impressão sobre mim e sorri para ela.
Rita é generosa e bondosa. Com um trabalho desses eu já teria
surtado. Imagina acabar de passar o pano no chão e ver vários pés
de desconhecidos pisando onde mal terminou de ser limpo?
Caminhei até os alimentos frios para mais um dia de pizza
e desisti de me engordar. Pela primeira vez na vida, vou dar
ouvidos ao horóscopo de Touro. Não quero ter problemas
circulatórios. Penso, inclusive, que tenho circulado pouco na
cidade. Preciso circular mais!
― Melhor comprar frutas e algumas verduras para fazer
uma sopinha – afirmei para mim em voz alta porque passo tanto
tempo sozinha que me acostumei a ouvir minha própria voz como
se tivesse conversando comigo. Um rapaz ao lado, com um
carrinho de compras abarrotado de iogurtes infantis, balançou a
cabeça concordando comigo.
Não, não vou entrar na paranoia de que ele quis dizer que
estou gorda. Não foi essa a confirmação. Ele só quis dizer que
frutas e verduras são melhores do que qualquer outra coisa que
venda nesse supermercado Real. Aproveitei a oportunidade para
puxar assunto e pedir recomendações, pois é sempre uma chance
incrível de criar familiaridades.
― Sabe como escolher melão? – Perguntei com sorriso nos
lábios – Por incrível que pareça, eu nunca acerto na escolha dessa
fruta: ou quando corto está quase podre por dentro ou está verde.
― Pressione levemente o umbigo do melão. Se ceder um
pouco, significa que está no ponto – sua expressão era de
descrédito. Tenho certeza que considerou que estava apenas
puxando assunto para galanteios. Não vou derrubar ilusões, pois é
bom para o ego o flerte descompromissado.
De forma serelepe, caminhei pela área de hortifrúti para
levar para casa algumas suculências. Decidi não comprar muitas
frutas, uma vez que amanhã quero voltar pelo mesmo caminho
que fiz hoje e preciso de pretexto para isso. Ri por dentro, já que é
muito engraçado abacaxi ser um pretexto. Ou seria uma banana?
Chegando no caixa, Jefferson fez a mesma observação que
Rita e me soou combinado: - está sorridente hoje, hein dona
Marta?
― Já te falei para não me chamar de dona. Quer destruir
meu sorriso? – Respondi brincando.
― É o costume, a educação que tive em casa. Aprendi com
minha vó – ele alegou sem jeito.
― Entendo, mas dispenso a formalidade para não ficar
com o título de velha e de patroa. Convenhamos, não sou uma
coisa nem outra!!
― E a pizza de calabresa? Não tem hoje para levar?
― Nem vi se tem. Quero frutas! Obrigada, Jefferson, fique
com o troco – disse a ele um tanto perplexa de até o atendente do
caixa saber que me encho de pizza!
Com três sacolas nas mãos, peguei o mesmo caminho para
passar em frente à farmácia. Quem sabe a imagem da beleza ainda
estaria lá? As sacolas não estavam pesadas, mas eu pingava de suor
mesmo com tempo frio. É que a volta para casa são quatro
ladeiras. Não pude deixar de pensar na minha vida sedentária, de
quem abdicou da academia há anos por não suportar agir como
cobaia em laboratório, todavia me esforcei para mudar o
pensamento para não me entristecer com minha falta de iniciativa
e ânimo.
Passei em frente à farmácia e a moldura do Sol não estava
mais lá. Pensei mil coisas! Será que ele trabalha ou mora na
redondeza? Decidi também não pensar nisso.
― Não quero pensar em nada! NADA! – Em voz alta
novamente. Necessito realizar mudanças nesse costume, já que
estou cansada de conversar somente comigo e com Priscila.
Dobrei a esquina e entrei na rua em que moro. Uma
senhora que passeava com um cachorrinho me olhou espantada.
― Marta, é você? – Ela me perguntou e foi então que
reparei em Dona Ryca, a avó de Tadeu, meu ex-namorado.
― Oi, Dona Ryca, estou um pouco com pressa... Bom
revê-la.
Não permiti ouvi as perguntas de sempre e não quis
agradar o instinto mórbido de seres humanos que cuidam da vida
alheia. Senti-me vitoriosa de não me autoflagelar na companhia
estúpida de Dona Ryca. É libertador dizer alguns nãos.
Cheguei em casa e me senti uma tonta de não ter
comprado nenhuma massa: - será que todas essas plantas vão me
aguentar até amanhã? Vão ter que me aguentar, porque não vou
ceder à tentação da comida gordurosa, fácil e que me satisfaz.
Assim foram os sucessivos 53 dias: caminhar até o supermercado
para comprar miudezas de fácil manuseio e baixas calorias.
Contudo, não vi mais a moldura do Sol, às vezes penso se
realmente o vi ou foi miragem, ilusão, um aviso do céu.
Depois do banho, vesti-me de short, top e blusa para ir ao
Supermercado Real comprar as realidades atuais e notei o quanto
emagreci. Estava até mesmo disposta a exibir minhas pernas,
colocá-las para jogo. A minha vida mudou completamente, pois
todos os dias tenho caminhado e corrido, dando voltas nos
quarteirões ao redor de minha casa. Nada de ver a imagem da
ilusão, a moldura do Sol.
Desci de escada porque tenho evitado a facilidade do
elevador. Chegando no térreo, deparei-me com o zelador do
condomínio, o senhor Pereira. Velhinho simpático e querido por
todos que moramos nesse prédio.
― Oi, seu Pereira!!
― Oi, Marta! Quase não te reconheci. Você emagreceu um
bocado! – Ele me disse espantado.
― Estou tentando... – respondi.
― Quando é assim, é paixão – ele riu e continuou – é
namoro e não tente negar, porque sou um velho vivido.
― Não nego, seu Pereira! Sim, estou namorando.
Enamorada com o espelho...
A Fênix e o frágil
Giovana Perlin

Ecoa em mim seu sorriso,


Me chama, quase que implora.
Seus olhos tão verdes de chorar sua vida
Me deixam logo com vontade de cuidar, de amar.
De transparente, seu corpo todo se entrega
Seus olhos, suas marcas, sua dor.
Tudo seu é aberto para o mundo,
Até seus carinhos, meu amor, que queria apenas meus.
Sofro ao pensar que sofrerei ao te ver se dar,
Cuidando dos outros com a energia que te cuido,
Tocando os outros com a cura que te curo,
Distribuindo a transparência do teu olhar
[pelo qual atravessa minha luz.
Meu tão caro, tão querido, tão amado meu namorado!
Protege seu caminho, para que ele não te desvie do meu,
Meu sofrer será imenso,
O seu será o fim.
Sou a fênix.
Você, o frágil.
Pedras
Guilherme Hurtado

Tinha tudo para ser uma história de paixão, amor, brigas e


perdões. O plano era transformar aquelas carícias e olhares em
algo concreto, que pudesse ser tocado, assim como uma pedra.
Cumprimentaram-se. A partir dali as fantasias e os desejos
deixaram de ser abstratos. Agora tinham formas, ainda que
tortuosas. Melhor assim, era mais excitante e perigoso. As
conversas, então, passaram a ser diárias. Falavam de literatura,
política, música e viagens. Recitavam poemas e chegavam a
conclusões que somente eles seriam capazes. Já se conheciam
demais. Ele queria conhecer Cuba, ela os EUA. Eles eram iguais, se
completavam. Olhavam-se.
Certa vez, ousaram a ignorar o tempo. Ele tinha consigo,
desde sempre, que havia nascido no dia errado, no ano errado. Ela
também, apesar de nunca antes ter pensado assim. Juntos, então,
partiram para revoluções na Bahia, em São Paulo e Minas
Gerais. Lutaram contra bravas repressões e lideraram movimentos
pró alguma coisa. Machucaram-se e levantaram-se. Tinham muita
coragem.
Em outra oportunidade, assistiram a uma apresentação
musical histórica. Estavam no maior festival de todos os
tempos. Ela, sem roupa, aclamava por seus ídolos mortos. Ele
apenas a observava. Estava sobre efeito e não podia mais ficar ali.
Dias depois, decidiram por caminhar para frente. O que já passou
já não fazia sentido para ele. Para ela talvez, pois era uma
mulher desapegada às horas e nunca havia se arrependido. A
propósito, de tão desapegada, aceitou seguir.
Foram ao teatro, ao cinema e a uma exposição de arte
moderna do século XXII. A peça era uma adaptação de uma obra
já há muito conhecida. Não se divertiram tanto, afinal, tudo era
muito previsível. Já o filme mostrava a história de vida de um
valente guerrilheiro que entrou em depressão profunda ao ser
traído por sua mulher. Ele vibrou com o filme, ela nem tanto, pois
achou a atuação da atriz catastrófica. Nas cenas de traição, faltou a
ela alma, verdade, intensidade.
A exposição, por sua vez, mostrava pinturas dos mais
variados artistas. Entre cores, cenários, paisagens e expressões um
mesmo quadro chamou a atenção dos dois. No desenho, ele
enxergava uma serpente como figura central. Dessas que, com
um único ato, pode levar pessoas para o improvável, para um
destino sem volta. Ela, com sua visão pragmática das coisas, via ali
apenas um trem, fazendo jus ao nome do quadro:
"Locomotivas". Admiraram, cada um a seu modo, a obra por
alguns minutos. Foram os minutos mais intensos – e verdadeiros –
da vida deles.
Após esse último passeio, tomaram uma decisão. A pedra
concreta e tortuosa que dava forma à abstração dos fatos precisava
manter-se estática, imóvel, em seu tempo. E a pedra, então, nunca
foi tocada e os dois jovens nunca mais se viram.
Amantes
Guilherme de Macêdo Feitosa

Ora prólogo do eterno, ora epílogo do efêmero, mais um


quarto de motel testemunhava a comunhão de corpos corroídos
pela rotina de suas vidas. Permaneceram juntos por um dia ou
dois...
Se amaram enquanto puderam.
A moça dos cabelos vermelhos
Gustavo de Lima Masoni

Andando pela rua da minha cidade sem rumo ou direção


alguma, apenas dando um passeio, me deparo com uma linda
mulher do outro lado da rua, uma moça de baixa estatura, cabelos
curtos e avermelhados quase como uma chama no meio de uma
floresta de pedra, ela estava usando um vestido amarelo com
bolinhas vermelhas e sapatos escuros. Ela então atravessa a rua e
vem em minha direção fazendo com que meu coração acelere de
um jeito louco, ela se aproxima passando bem perto que pude
sentir seu cheiro perfumado, uma explosão de sentimentos surgiu
na minha cabeça e coração, e sem recuar fui dizendo:
— Oi...
A moça dos cabelos avermelhados para o seu andar e olha
em minha direção e responde com uma voz doce:
— Oi, você falou comigo?
Eu admirado pela moça não consegui falar mais nenhuma
palavra, apenas fiquei encarando-a com o rosto quase tão
vermelho quanto seus cabelos, meu coração palpitava tanto que
quase saia de dentro do meu peito. Nesse instante ela me olha e
me dá um sorriso meio lateral como se soubesse o que eu estava
sentindo e diz:
— Você quer ir tomar um café ou alguma coisa comigo?
Eu então olho pasmo e respondo com um sorriso
indisfarçável:
— Claro! Claro, aonde vamos? Meu nome é Júlio e o seu?
Ela dá uma risada e me responde calmamente:
— Meu nome é Clarice, muito prazer. Olha tem uma
cafeteria aqui perto, se quiser podemos ir para lá.
Eu na hora balanço minha cabeça positivamente, me sinto
um adolescente descobrindo o amor.
Andando para a cafeteria fomos conversando sobre nossas
vidas, nossos sonhos e coisas aleatórias. Descobri que ela gostava
de música clássica assim como eu, que ela gostava de doces assim
como eu, nossos gostos eram iguais e tudo o que ela dizia entrava
nos meus ouvidos como uma bela sinfonia, sua voz era doce e
suave, seu sorriso era tão brilhante quanto às estrelas e seus olhos
me acalmavam de um jeito inexplicável. Chegando à cafeteria,
sentamos numa mesinha de madeira e nos arrumamos, ela pede
um café puro e um bolinho de chocolate e eu peço apenas um
cappuccino. Clarice então me olha e diz:
— Sabe Júlio, estou com uma coisa na cabeça e eu sei que
vai parecer besteira, mas você parece ser bem legal, nós não nos
conhecemos direito, mas acho que gosto de você.
Nesse momento meu coração começa a bater muito forte,
minhas mãos começam a tremer e meu corpo a suar frio, fico
pálido e sem me mexer direito, minha cabeça não consegue
formular uma frase e só consigo dizer:
— Sério?
Então os pedidos chegam e ela toma um gole de seu café e
balança a cabeça dizendo que sim. Fiquei olhando para ela
tomando o café por alguns segundos que mais pareciam anos de
tão devagar que passavam. Clarice olhou para mim e perguntou:
— E você?
Eu olho para ela e respondo nervoso:
— Eu? Eu não sei. Espera, eu o que?
Clarice dá uma risada e pergunta novamente:
— Você gosta de mim também? Ou eu estou entendendo
errado?
Observo Clarice meio envergonhada após o término da
frase, então deixei a ansiedade de lado, estufei o peito e disse com
toda a convicção:
— Sim.
Clarice olha sem entender direito o que aquele “sim”
significava. Meu coração começa a bater mais forte e a ansiedade
ia voltando e minhas mãos mais suadas iam ficando de uma
maneira que quase não conseguia segurar a xícara de café, mas
estufei o peito de novo e com muita coragem disse sem recuar:
— Sim, eu estou gostando de você, gostando desde a hora
que a vi do outro lado da rua. Eu me sinto ótimo do seu lado, mas
tenho medo de falar alguma coisa e estragar tudo.
Clarice arregala seus lindos olhos castanhos claros, dá um
sorriso e me diz:
— Então o que fazemos agora?
Olho para ela sem saber direito o que falar, olho para fora
e falo:
— Podemos ir ao parque, passear um pouco e nos
conhecermos melhor.
Clarice termina seu café num gole, pega seu bolinho e diz:
— Acho uma ótima ideia.
Saímos da cafeteria e fomos ao parque que havia lá perto,
fomos andando e nos aprofundando mais ainda na nossa conversa,
falamos de nossos amores passados, nossas famílias e nossos
gostos diversos. Andamos cerca de trinta minutos para chegar no
parque, esses trinta minutos pareceram passar num piscar de
olhos. Entrando no parque compramos duas águas e procuramos
um lugar para sentarmos, após alguns instantes encontramos um
banquinho e ficamos lá por um tempo. Clarice olha para mim e
diz:
— Sabe Júlio, acho que a melhor coisa do meu dia foi te
conhecer.
Meus olhos chegam a brilhar após ela dizer isto,
respondendo logo em seguida:
— Eu queria que tivesse um jeito melhor de dizer o quanto
eu estou feliz em ter te conhecido.
Clarice dá um sorriso e aproxima seu rosto ao meu, meu
coração dispara e começo a ficar nervoso novamente, inclino meu
corpo para com o dela, nossos rostos se aproximam e nossos lábios
se tocam causando uma sensação indescritível no meu corpo,
nunca havia sentido algo parecido, foi a melhor sensação de toda a
minha vida. Um único beijo conseguiu me ligar a ela de uma
maneira incrível, após o beijo, olho para seu belo rosto e digo:
— Sei que é cedo para isso, mas você foi a melhor coisa
que já me aconteceu em toda a minha vida.
Levanto-me do banco e me ajoelho para ela, pego em sua
mão e digo sem nenhum medo:
— Clarice, você quer namorar comigo?
Clarice olha boba para mim e responde em alto e bom
som:
— Sim, eu aceito namorar com você.
Nesse momento me levanto e abraço Clarice de um jeito
como se não a visse a anos. Nos beijamos novamente e ficamos
juntos a tarde inteira.
Passados alguns anos Clarice e eu já estávamos noivos,
havíamos encontrado a felicidade um no outro, um amor que só
crescia com o tempo, com planos de construir uma família e
sempre ficarmos um do lado do outro. Sendo que nunca teríamos
medo de falar nada um para o outro, pois se tivéssemos medo de
nos falar inicialmente, não teríamos encontrado nossa felicidade.
Não saber
Hélio Carlos da Silva Júnior

Se eu te amo?
Isso eu não sei, mas
Quando você se vai
E [no final] eu fico,
Eu sinto apertar no peito
Uma saudade de dentro,
Uma saudade do fundo,
Algo estranho assim...
Se eu te amo?
Eu acho que não, apesar
De delirar aguardando suas notícias,
Mesmo sabendo que não têm a ver comigo.
São sempre fatos de longe,
São sempre coisas só suas,
Eu aqui me mordendo,
Ou algo estranho assim...
Se eu te amo?
Ora, eu não sei dizer, não!
E olha que eu sou sábio,
E olha que eu sou certo,
E olha que eu não erro...
Só com você,
Que me faz esmo, errante
Algo estranho assim...
Se eu tremo para responder se te amo?
Ai, ai, ai, isso eu não sei saber...
Embora eu saiba o que sei,
Embora eu saiba o que sinto,
Embora eu ache que saiba...
Mas a culpa é sua,
Que me veio desse jeito, incrível.
E me coloca no peito algo estranho assim.
Teoria!
Irene Curcelli

Quebrando todas as probabilidades, eles se conheceram


no naufrágio de um barco, em pleno dia dos namorados.
Finda as operações de resgate, lá estava ele sem nenhuma
razão, mas na proporção exata para que os seus olhares, mesmo
em sentidos oposto, se cruzassem.
O ponto de partida foi à surpresa da situação, ninguém
sabia a raiz do problema, mas de repente, os dois estavam
contidos num mesmo perímetro e expressavam sinais positivos de
uma atração sem igual.
Não demorou muito para eles dividirem o mesmo espaço,
e essa soma, logo gerou uma multiplicação, formando assim um
conjunto.
E, a partir daí, a vida, como um círculo, foi sendo levada
sem muita expressão, até que os altos e baixos o fizeram
desembocar num mar de contas, onde ambos à deriva, carregavam
seus dividendos em seus coletes salva-vidas.
E nessa reta, com seguimentos nada orientado, cuja
função composta, se tornou inversa, e os encontros agora eram
apenas perpendiculares, pois a sua intersecção era apenas a espera
do tempo de suas frações se tornarem inteiros e navegarem
independentes.
Em águas frias, o par atingiu seu ponto máximo, linhas
finas e frágeis do Gráfico se apagaram... não mais chegariam ao
infinito; Eles subtraíram-se... Navegam agora em sentidos opostos,
para seguirem impares pela vida!
Cabelos dourados
Isadora Rinnert

Eu me achava tão importante porque fazia medicina. Não


fui o primeiro da família a entrar em uma universidade renomada,
ou ter o emprego garantido ao sair da faculdade. Sempre estudei
nas melhores escolas, saí com as meninas mais populares, e
minhas notas eram as mais altas de todas as turmas. Eu era o
melhor.
Até conhecer a garota de cabelos dourados.
Não costumava falar sobre meus feitios. Eu simplesmente
dava aquele sorrisinho de lado como quem diz “é, fui eu”, de um
jeito irônico.
Estava na parada de ônibus, esperando a van que os alunos
mais bem de vida conseguem pagar, chegar; sentado. Meu terno
era como sempre, cinza claro, de risca, e minha maleta preta
pendia ao meu lado. De marca. Bonito. Chique. Estava no 6°
Semestre de Medicina, pronto para sair e me tornar o melhor
médico do melhor hospital.
Uma morena bonita sentou ao meu lado e deu um sorriso
cheio de dentes. Ah, sim. Melissa. Eu havia saído com ela algumas
vezes. Nada muito sério, era bem casual. Alguns dias eu a pegava
no banheiro; outros dignava-me a leva-la num bar. Apenas meneei
com a cabeça e voltei a olhar para a estrada. Às quartas-feiras
eram os dias mais cheios, pois a aula era árdua e muito teórica.
Não estava com tempo ou paciência para aturar seus papos
sobre como ela queria partir para clínica, e não cirurgia. Sua saia
hoje era branca, e combinava com o blazer fino que usava.
Certamente era feito sob medida. Ninguém naqueles prédios não
tinha dinheiro o suficiente para terem roupas sob medida.
Formava os melhores profissionais, independente da área.
O mundo era preto e branco. As pessoas sérias e focadas,
sem tempo para sermos felizes – pelo menos não enquanto não
nos formarmos.
Então, em cerca de dois segundos, eu ignorei todo o resto
do mundo. Embora o tempo estivesse nublado, os cabelos
dourados dela brilharam conforme ela passava pela minha frente,
uma bagunça de cores e movimentos, enquanto andava com outra
garota, para o outro lado do ponto de ônibus. A amiga dela estava
usando um terninho rosa, que destacava seus cabelos ruivos
cacheados. Mas a amiga dela não importava. Ela importava. As
duas riam alegremente, mas a ruiva ficava na frente, e eu queria
tanto vê-la sorrir. Queria tanto ver se seus olhos eram
amendoados e castanhos, ou claros. Queria tanto... conhece-la.
Não consegui ver seu rosto, não importava. O cheiro de
morangos que ela exalava me fez sentir criança novamente,
quando eu tinha tempo e alegria para ir fazer piqueniques no
parque.
“Ei, essa não é sua van?”, a ruiva perguntou.
“Não, a minha é a próxima. A sua está vindo! Não a
perca!”, a voz macia dela respondeu. Deus, eu queria ainda mais
desesperadamente conhece-la e ouvir sua voz de novo.
A garota ruiva agradeceu com um risinho espichado e a
abraçou. Correu para a van e entrou na mesma, enquanto ela
apenas acenava, ainda de costas para mim. A van avançou, e ela foi
virando até eu ter um vislumbre de seu rosto. Ela tinha bochechas
rosadas e lábios salientes. Fora a primeira coisa que notei, mesmo
de longe. Não consegui distinguir a cor de seus olhos, mas
imagino que deveriam ser fantásticos. Não teriam como não ser.
Ela deveria fazer algum curso diferente, por suas vestimentas...
Literatura, talvez.
Quando a van da ruiva finalmente sumiu pelo final da rua,
ela virou e saiu andando na direção oposta, me deixando confuso.
Ela não ia de van?
Por que estava me importando?
Pisquei rápido, com Melissa me chamando ao lado. Ela
sacudia meu ombro, e eu virei rapidamente, assustado que alguém
conseguisse ver meu encantamento por aquela bagunça de pessoa.
Eu não podia me levar por aquilo. Eu não bagunçava.
Eu seria um médico.
Sério.
Importante.
“Ei, você tá me escutando? A van chegou.”, ela disse.
Assenti, desnorteado. Segurei minha pasta com força e
segui para dentro do veículo. Assim que cheguei em casa, dentro
do condomínio em que morava, dei um beijo na bochecha de
minha mãe, que tentava encontrar algum vinho branco que
combinasse com o bacalhau que a empregada fizera para o jantar.
Disse que não me sentia disposto, estava cansado, e segui para o
quarto. Não consegui dormir por muito tempo depois que deitei a
cabeça no travesseiro, já de banho tomado e pijama colocado.
No outro dia, acordei esgotado. A noite mal dormida não
havia me ajudado para a aula teórica que teria em seguida. Olhei
para o relógio, e um segundo depois estava de pé, correndo de um
lado para o outro, pegando as roupas tão cuidadosamente
passadas e dobradas, a mochila, escovando os dentes ao mesmo
tempo que penteava os cabelos e descia as escadas em um passo
acelerado.
Eu nunca havia me atrasado, nunca. Eu não fazia isso. Era
o primeiro a chegar para conseguir pegar a mesa da frente, e o
último a sair para ter certeza de que absorvi todas as informações
necessárias.
Estava arrumando a camisa para dentro da calça quando
minha mãe apareceu no corredor.
“Atrasado?”, ela parecia preocupada. “Está doente?”
“Não... Apenas... Ahn... Não dormi muito bem. Vou pegar
o carro reserva, ok? Amo você!”
Tudo isso dito rapidamente, enquanto corria para fora de
casa, com um pedaço de torrada na boca.
Cheguei na faculdade em menos de 10 minutos, porém
levou muito tempo para estacionar. Como o dia era chuvoso, todo
mundo resolvera sair de carro, ao passo que o bicicletário estava
vazio.
Entretanto, assim que entrei na sala, depois de muito
correr pelos corredores da universidade, entrei silenciosamente na
sala em que o professor mais velho do mundo palestrava sobre o
fígado. As mesas da frente estavam todas ocupadas. Merda. Logo
depois de ver isso, uma movimentação colorida chamou minha
atenção. Cabelos dourados estava sentada na última carteira, à
direita, anotando tudo que o professor dizia. Independentemente
de suas roupas, ela era colorida. Hoje usava uma pantalona florida,
um pouco mais escura, roxa, com flores claras. Não lembrava o
nome delas, mas minha mãe as cultivava no jardim. Por cima,
usava uma camisa de mangas compridas justa, que mostrava suas
curvas, da cor rosa clara como uma das flores. O mesmo tênis rosa
permanecia em seus pés, e os cabelos estavam presos num rabo de
cavalo rígido no topo de sua cabeça. Tinham duas carteiras vazias:
uma ao seu lado, e uma ao lado de um cara com muito gel no
cabelo, que fedia a cigarro.
Sem pensar duas vezes, me dirigi ao lado dela. Sentei-me,
curioso com sua pessoa, e tentei dar um sorriso para ela. Acho que
pareceu muito falso, ou forçado, porque ela deu uma risadinha
sem som para mim.
Quase não consegui prestar atenção o suficiente nisso, em
seu sorriso lindo com dentes brancos e cheiro de morangos.
Porque estava focado nos olhos cor esmeralda que ela possuía. Ela
não precisava de maquiagem, também, porque mesmo sem, era
muito mais bonita do que qualquer garota que já havia visto.
Escrevi desajeitadamente num pedaço de papel e passei
para ela, o bilhete que dizia “perdi algo interessante?”. Não
conseguia acreditar que aquela bagunça de cores pertencesse a um
lugar preto e branco. Ela trazia vida para o local.
Com um sorriso, ela procurou uma das muitas canetas
coloridas que possuía, e respondeu com um azul bebê “Que nada,
tudo isso está no livro. Bom, o professor realmente falou para o
cara que fede a cigarro que ele não deveria fumar, e que deve saber
disso porque quer ser médico. Foi o ponto alto do dia até agora.”.
Dei um sorriso para a caligrafia cheia de floreios.
Combinava com ela.
Tentei prestar atenção na aula quando algo em especial
tomou sua atenção na matéria, mas não consegui. Ficava a
olhando de canto de olho, sentindo seu cheiro doce e tentando
desesperadamente descobrir se ela tinha algo escondido. Alguma
tatuagem. Algum piercings. Algum segredo.
Do mesmo jeito que eu a vi, a perdi de vista. Ela saiu mais
cedo, e eu sabia que apenas a veria se ficasse mais por aqui.
Depois, ao passar na biblioteca, a vi dando um abraço
apertado na bibliotecária, que a entregou uma pilha de livros. Ela
saiu de cabeça baixa, como se estivesse morrendo de vergonha, e
eu não entendi o porquê estudar era vergonhoso para ela.
Quando entrei no carro, a vi andando para casa com o
guarda-chuva preparado para não molhar nenhum dos livros, e
também vi sua amiga ruiva escondida, a olhando partir, com o
rosto triste. Mais um dia voltei para casa confuso.
E esperando ansiosamente o próximo dia.
Passei a sentar diariamente do lado dela.
Seu guarda roupa não era muito variado, coisa que só
percebi depois de meses ao lado dela, fazendo-a rir, mesmo sem
trocar mais do que 5 palavras por aula. Meu avô, quando ainda era
vivo, falava para eu fazer a garota especial rir. Ela se apaixonaria
por mim. Mas, cada vez que ela ria, quem se apaixonava era eu.
Eu a apelidara de “cabelos dourados”, porque nunca tive
coragem de perguntar seu nome. Ou o porquê de ela estar ali, tão
cheia de vida, enquanto os outros são tão robotizados. Aprendi
que ela amava frutas, comia-as em todas as oportunidades
possíveis. Pêssego era sua favorita. E não tinha nenhuma caneta
preta. Apenas coloridas.
Ela mentia para a amiga ruiva, da qual também nunca
descobri o nome. Falava que ia esperar a van dela, que chegava
tardiamente, mas ia andando para casa. Nunca a segui, não me
permiti desviar tanto assim. Mas fiquei obcecado. Nos dias que ela
faltava, ficava preocupado, apesar de saber que podia ser apenas
uma gripe. No último semestre, do qual fazíamos residência, ela
vivia cansada. Com olheiras e ombros baixos. Mas nunca deixou
de sorrir, nem em um momento sequer, quando eu chegava ao seu
lado.
Depois, descobri que era porque Íris não tinha dinheiro.
Trabalhava todos os dias, depois da aula, em um bar. E, nos finais
de semana, nos correios. Era como ela pagava a faculdade que eu
ganhava tão facilmente de meus pais. Ganhava os livros
emprestados da bibliotecária, porque na hora do almoço ajudava a
organizar e carimbar. Pensei na ingratidão que eu tinha por
ganhar tudo e ainda reclamar. Ela era uma guerreira. Ia ser uma
médica incrível. Tudo isso, descobri por terceiros. Ok, admito, eu
perguntei para a ruiva, que aparentemente já havia ouvido falar
sobre mim, porque apenas me encarou, e depois respondeu com
pesar na voz. Culpa.
De todos os dias que a vi, ela não sorriu em dois: os dias
que eu precisava de um corpo, e Melissa estava disponível para
dormir em minha casa, o que ocasionava dela ir junto comigo à
universidade. Apenas tentou dar um sorriso apertado, mas vi que
abaixara os olhos ao notar Melissa ao meu lado. Olhava de cima a
baixo, notando cada detalhe. Acho que tinha pena, porque não era
possível que alguém tão perfeito tenha inveja de um ser tão falho e
sem graça quanto Melissa. Quando finalmente me toquei que era
por causa das roupas que não tinha dinheiro para comprar, meu
coração apertou.
Na nossa formatura, eu ainda não sabia o nome dela. Não
me dei conta de prestar atenção nos nomes sendo chamados,
porque estava focada em vê-la tentar segurar o choro por
finalmente se formar em algo que tomou tanto esforço. Nem da
ruiva – quem, tardiamente, descobri fazer Direito no prédio ao
lado do nosso. Mas ela, como sempre, era a mais bonita. Todas as
outras garotas usaram vestidos brilhantes e rendados, enquanto
ela preferiu usar algo liso e fino, simples, prata. Acentuava suas
curvas de um jeito delicado e a deixava angelical.
Larguei o copo de Champagne caríssimo que minha mãe
havia comprado e parti em direção a ela. Ia perguntar seu nome. Ia
saber tudo sobre ela. Ia fazê-la se apaixonar por mim e ia dar todo
meu coração e alma a ela. Eu daria o que ela pedisse, se ela
continuasse me dando doses habituais de vida e amor. Ia comprar
todas as roupas que nunca pôde e mimá-la com abraços e beijos
que nunca vi receber.
Quando cheguei ao seu lado, sorri.
“Meu nome é...”
“River. Eu sei. Íris.”, ela respondeu, me dando um beijo na
bochecha. A minha cara de espanto a fez rir. Fiquei vermelho em
seguida. A dei um selinho de leve, e quem ficou vermelha foi ela.
Realmente, ela era colorida como um arco-íris, que
aparecia nos dias mais nublados.
Escada
Jackeline Machado Vieira

De novo
Aqui novamente
Sob a escada no canto de luz
Eu nunca te deixei.

Todos os dias, em que esteve


Esperando incansavelmente
Tudo bem, agora estou aqui
No ponto de luz daquela escada
Suba rápido.

Todas as memórias guardadas


Nos seus dias difíceis uma luz pairava sobre você
Em particular um ponto de luz brilhava
Não se esqueça daquele lugar.

Sob a luz refletida do céu


Separados pela vidraça
Suba com pressa para perto do céu
Com todo seu espírito livre
Jovem por viver.

No fim de mil degraus


De onde nunca me ausentei
Ainda continua brilhando aquela luz
Seja forte, continue a subida até aqui.
Ela
Jackson Pedro Leal

Se for pra falar dela, direi então que ela me encheu o saco
quase sempre que a procurei logo no início, e quando não enchia,
eu sentia uma falta horrível. Ela conseguia ser a pessoa mais chata
do mundo quando queria, e a mais doce, mesmo sem querer.
Sensível, irônica, ciumenta e irresistivelmente sexy e ousada.
Ogro, tonta, grossa, grande (e eu juro que tô falando da altura), rs.
Leal, amiga, fiel, companheira, honesta, verdadeira e sincera. Tem
o coração enorme, a alma linda e um caráter impecável. Se ela
comete erros? Quase sempre. E volta, reconhece e corrige. Ou
pelo menos tenta. Ela é uma mulher incrível. E quando ela tá
brava? Ah, é a coisa mais linda. Mas ela não fica brava muito
tempo. Eu falo com jeitinho, faço beicinho e ela desmonta (tenho
essa vantagem sobre ela). Protege, cuida, mima e coloca sempre
em primeiro lugar as pessoas que ela ama. Irritante, teimosa,
insegura e estonteantemente linda - e nem é só por fora. - Se ela é
perfeita? Claro que não! Ela tem imperfeições como um ser
humano normal, e são elas exatamente que a torna única. Seus
desfeitos são facilmente encobertos pelas suas inúmeras
qualidades. E sabe qual é a maior de todas as qualidades? É ser
minha! Ela é meu céu, minha menina, minha mulher. Meu anjo
sem asas, é o amor da minha vida. Ela transformou o meu mundo.
E se for pra falar de mim, direi apenas que, sou um homem de
sorte. Porque quem tem uma mulher como ela, tem tudo. Ela me
faz bem... Ela me faz feliz... Ela divide a vida comigo e isso é a
melhor coisa que existe. Espero sempre guardar-te na estante dos
meus melhores feitos. E, que ao final desse texto, ela sorria. Sem
medo de que eu esteja a enxergando. Só sorria com simples
objetivo de saber que os nossos momentos serão sempre nossos e
que seremos sempre uma lembrança-sorriso dentro dos nossos,
hoje juntos, corações num só. Era por isso que eu adorava ficar
com ela. Nós podíamos fazer coisas simples, como jogar estrelas-
do-mar de volta na água, comer um hambúrguer e conversar, mas,
mesmo naquela época, eu não tinha noção da minha sorte. Porque
ela era a primeira mulher que não tentava me impressionar o
tempo todo. Ela se aceitava, mas, além disso, me aceitava do jeito
que eu era. Então nada mais importava, nem a minha família nem
a dela, nem qualquer outra pessoa no mundo. Bastávamos nós
dois. - Ela se deteve. - Não sei se já cheguei a me sentir tão feliz
quanto hoje em dia, mas, pensando bem, era sempre assim
quando estávamos juntos. Eu não queria que acabasse nunca. Ela
se tornou especial rapidamente.
Não sai da minha mente. Percebi que era amor, quando
ela ia dormir e eu ficava relendo as nossas conversas com saudade
dela. Lembra todas as vezes em que ela falava ” ---- você me ama?
Minha maior vontade era dizer para ela isso e convencê-la disso,
mas não conseguia. E ao invés disso, eu sempre dizia: Eu gosto pra
caramba de você. E você tem se tornado meu anjo da guarda.
Minha estrela guia e meu amor à primeira vista.
“Eu te amo”... Sim, dessa forma, juntinho, sem espaço pra
amar mais ninguém, sem vírgulas e sem pontos finais. E é dessa
forma que eu me vejo ao seu lado, sem barreiras, sem distância me
impedindo de vê-la, de abraçá-la, de beijá-la, sem nada que me
impeça de tê-la por perto, sem brigas banais, que por muitas
vezes, faz com que nos afastemos mais um do outro. Sem qualquer
tipo de fim. Eu espero que seja assim com ela. Que seja longo
apenas os momentos felizes, e não importa quanto tempo durar,
se forem eternos ou não, eu sei que valerá a pena. Finalmente eu
tomei coragem para fazer o grande pedido a ela. Pedi ela em
namoro. Mas ainda existia um certo medo dentro de mim, sabe?
Talvez medo da resposta ou de como ela irá reagir diante desse
pedido. Passei o dia inteiro escrevendo um texto de pedido pra ela.
Talvez um texto com palavras lindas ou resumindo todo esse
sentimento por ela. Enfim. Já estava chegando à noite e eu tinha
que tomar logo essa atitude. Enviei o texto e saí. Ela me respondeu
e eu não queria ler naquele momento. Fui para casa e comecei à
ler o texto dela. No início eu estava com medo, pois parecia que
ela não iria aceitar, mas aí no meio de texto foi ficando cada vez
mais empolgante. Juro que tentei segurar às lágrimas, mas quando
percebi já estava chorando. Mas foi choro de felicidade. Por ler
bem no final que estava escrito: “ — Sim, eu aceito namorar com
você”. Foi aí que minha vida mudou completamente. Por tê-la do
meu lado, a pessoa que sempre esteve ao meu lado, sempre me
ajudando e me dando forças. E hoje nós somos mais que amigos.
Hoje posso dizê-la “Eu a amo pra caramba” ao invés de “Gosto de
você pra caramba. ” Não desisto dela, tampouco desisto de nós.
Não desisto da pessoa que ela se tornou. Nem desisto do que esse
sentimento me fez tornar. Nunca desisto dela antes do “eu” em
qualquer hipótese. Não desisto dessas tentativas sempre falhas.
Não desisto de passar noites em claro, tentando descobrir onde foi
que errei. Não desisto de acreditar que o erro foi meu. Mas não
desisto até dessa esperança que me mantém. Jamais desisto
daquele seu olhar que sempre enxergou o melhor para nós e
estimulou-se ante ao necessário. Desisto dos pés dela que
tentavam guiá-la para longe daqui, e que não foram capazes de
trazê-la novamente. Não desisto daquela sua boca, que sempre
gritou aos quatro cantos o quão nobre era o amor, e não se calou
quando ofereci o meu. Não desisto! E jamais desistirei dela, não de
nós. Eu não garanto bonança e nem calmaria. Eu a dei meu
ombro e o que mais for viável. Sorrisos, abraços, conselhos,
olhares e também lágrimas, decepções e tristezas. Dias
ensolarados, outrora, dias de tempestade e fúria. Talvez ao meu
lado ela se preencha ou talvez eu apenas compartilhe minha
solidão. Talvez eu a dê todo o amor que eu não sabia que em mim
cabia, quem sabe, talvez, eu não a dê nem “Bom dia! ”. As pessoas
não têm garantia, não são datadas. Talvez eu a dê tudo, talvez eu
não a dê nada. Somos assim mesmo, abismos profundos,
oscilações perigosas. Não me odeie por não caber em estatísticas
de risco ou em previsões milimetricamente calculadas. Não somos
matemática, somos carne. Nós nunca vamos parar com isso.
Nós temos aquela química, quando um está perto do
outro, ou bem próximo, até onde os olhos não podem ver, eles
pegam fogo. Era só um lembrar do outro, que pronto... algo subia
desde seus dedos dos pés, até a nuca. Nós não conseguimos
explicar o que era aquilo, mas estava na cara que um desejava o
outro. Quando nos víamos, os nossos problemas tornavam-se um
só, um cuidava do outro e era isso que fazia algo crescer dentro de
nós. Sorrisos eram distribuídos por todos os lados, e não havia
motivo ou explicação. Nós éramos discretos, não queríamos que
outros soubessem, talvez não agora. Acreditávamos que quanto
menos soubessem, mais poderíamos viver desse jeito aventurado,
cheio de mistérios. Nós não sabíamos o que éramos, não sabíamos
se seríamos, o que nós talvez queríamos, mas tínhamos medo de
sermos e querermos e toda essa magia acabar. Vivíamos assim,
nesse sentimento que não davam definição, não tínhamos
explicação, mas era algo grande, bem grande, que ficava ali,
ocupando quase toda parte dos nossos corações. Ela chegou tão
perto de me fazer acreditar que, o que eu sentia era o melhor
sentimento de todos que já havia sentido. Ela veio assim, sem
intenções e eu sem pretextos de que um dia eu a queria. Por isso
deixei ela entrar e ficar o tempo que quisesse, mas ela me
bagunçou, me inundou. Eu não me importei, contanto que fosse
sempre só eu e ela. Juntos, enfim. Feliz assim. E quando eu
realmente gostei da ideia de que ela poderia ficar, foi embora. A
gente faz tudo ao contrário, ela some e eu que a procuro. Somos
um caso perfeito, até quem não nos conhece sabe. Hoje, vencemos
a distância que antes virou nossa rotina. Até ontem, eu repassava
as noites e as palavras que trocávamos antes de dormir. Agora,
durmo com ela do meu lado, numa cama maior e confortável e
com seu cheiro irresistível. Com a sua perna sensual me
acordando no meio da noite para fazermos amor. Sabe, o mais
interessante não é quando a paixão aflora, porém quando se
estabelece um sentimento maior. Porque dele pode virar amor de
verdade, carinho e um pingo de respeito. Agora, o mais triste é
quando tudo isso vira nada, porque depois disso, nada mais pode
acontecer. O afeto que a gente tem do nada, vira sempre vazio e
indiferença. Ainda está na hora de ascender-se, dessa mania de
pensar nela sempre que algo dói e de deixar alguma mágoa
exposta, latejando sempre que falam sobre nós. Está na hora de
nos unirmos cada vez mais, de irmos juntando os pedaços de uma
vez que tentaram nos desvencilhar um do outro. É lindo e muito
mais porque a gente não consegue esconder. Os nossos reais
sentimentos de amor um pelo outro. Ela entrou na minha vida
meio assim, sem jeito, me conquistou com seu jeito meigo de ser e
com sua forma única de expressar seus sentimentos. Diz que me
ama, que me quer. Prefiro ver e sentir as palavras que são ditas no
dia-a-dia, o amor é uma delas. Ela em um único encontro fez tudo
o que poucas pessoas fizeram em toda minha vida. Deu o que eu
mais precisava em tão pouco tempo. O carinho dela e sua atenção,
era o que eu mais precisava, e ela ainda conseguiu dar mais do que
eu merecesse naquele instante. Só posso dizer que, amo estar com
ela. Se eu ainda não disse para ela o quanto adorei de ter lhe
conhecido, eis aqui a resposta; sim. Um sim como eu diria no
altar. Escrevo todos os dias para ela ler, crio, invento, e reescrevo,
mas não tem uma vírgula que você não esteja, e todos os pontos
são de continuação, para um novo começo de uma história a ser
escrita pelas mãos de um humilde aspirante a escritor como eu.
Pois, uma história como a nossa, merece ser escrita, não pra
mostrar pra alguém, mas sim ao mundo. Eu hoje, vejo estrelas na
escuridão de sem luar. Hoje, imagino nós dois novamente juntos.
Hoje, sou eu e você e mais ninguém. Eu queria escrever mais, eu
queria até mandar cartas num papel que tenha o meu perfume,
como nas histórias de Romeu e Julieta, como Querido John e
Savannah, só que ainda não sei se vai gostar dos meus clichês. São
vários, mas, são todos dela. Eu a adoro muito, sinto saudades, a
adoro, cuido, a quero todo instante... Ahhh, eu tenho um amor
extremo e imensurável por ela... Minha deusa! Minha Cleópatra!
O amor maior
Jéssica Borges

Primeiro foi um sonho


Depois uma descoberta
Após um escuro medonho
O sol se desperta

Seria mesmo o amor um sentimento,


Abstrato e impalpável?
Prefiro aquele de ‘doamento’
Que se revela em atitude admirável.

Assim como a luz transborda


Levando as trevas a extinção
O amor toma nossas almas
Sombrias, de forma inefável ao coração

Se é um bem que se preserva


Continua a crescer,
Seremos gigantes
Se é o amor que alimenta nosso ser
O maior amor dos planetas
Jhonatan Mata

Naqueles tempos só se falava da história do namoro dos


dois. Vizinhos, foram separados na mais tenra infância. Porém,
não houve adversidade nesta galáxia capaz de nublar o destino
deles. Semelhantes apenas no tamanho, eram a perfeita tradução
do ditado “os opostos se atraem”. Ela, como uma deusa, tórrida,
densa, e de humor ácido, logo conquistou o coração dele, mais
frio, porém cheio de vida, o que a deixava louca. Teceram juntos
trajetórias difusas e grandiosas. Mas como em quase todo romance
do universo, padeceram daquilo que os amantes morrem de medo
e que os especialistas definem como assincronia. Ele, rockn’roll,
dançava rápido. Ela, valsa, queria tempo para rodopiar. Vaporosa,
ela finalizava uma volta lenta e bela, ao passo que ele já havia
rodado umas 250 vezes no salão. Nesse frenesi, ele pensou ser o
centro do universo. Acabou se entregando a amores líquidos. Ela
descobriu e chorou muito, um oceano pra sermos mais precisos.
Secou. Distanciaram-se. As más línguas sondaram suas vidas e
descobriram que ela, mesmo árida, continuava linda, cintilante
(embora se recusasse a ser chamada de estrela!). Usava nomes
falsos, como Dalva e Vesper, para que ninguém mais a associasse à
chorona de outrora. Era forte e brilhava muito. Ele, de longe,
arrependido e nostálgico, gritava “Te amo! ”. Mas o vácuo engolia
o som. Ela, bela, se consumia em luz, em todas as tardes e
manhãs. Entraram para a história e os livros de Geografia. Ela
Vênus, ele Terra. O maior amor dos planetas.
Companheira de aventura
João Eduardo C. W. Cruz

Hoje estive me lembrando daquele grande cômodo com


cheiro de coisa guardada. Durante minha adolescência eu passei
muito tempo naquele lugar, a antiga biblioteca do colégio. No
começo eu ia lá para me esconder dos funcionários que rodavam
os corredores arrastando os alunos mais ariscos de volta para a
sala, no final do intervalo. Os trinta minutos antes eram gastos
jogando basquete, vôlei ou paquerando, mas assim que o maldito
sino tocava, eu corria para me esconder entre as estantes. Se a
bibliotecária me encontrasse, sempre estava fazendo alguma
pesquisa.
Com o tempo, passei a conhecer os colegas que preferiam
passar seu recreio na biblioteca. Acabei fazendo amizade com eles
e trocando os esportes físicos por xadrez, dama e até pôquer. Nos
sentávamos na mesma mesa da esquerda, pois a da direita era
ocupada sempre pela mesma garota, sentada sozinha com o nariz
enterrado em algum livro. Como um adolescente exemplar, eu era
muito superficial, por tanto não entendia como uma garota tão
bonita preferia passar seus dias sozinha numa biblioteca, ao invés
de rodeada de amiga e admiradores.
Depois de uma semana incomodado com isso, decidi ver
do que se tratava aquele livro que prendia tanto a atenção dela.
Assim que o sino tocou, ela colocou cuidadosamente o marcador
no livro, se levantou, o colocou na estante e foi embora. Assim que
a porta da biblioteca se fechou, eu caminhei até o livro e vi que ela
estava quase terminando. Foi neste dia eu descobri quem era J. R.
R. Tolkien e todo o universo imersivo que era a Terra Média.
Sentado no chão, devorei o livro naquele dia mesmo, perdendo as
aulas do resto da manhã, o almoço e até o treino da seleção de
Basquete da escola, no final da tarde. Quando terminei, procurei
incansavelmente, mas não encontrei o segundo livro da trilogia
em nenhuma das estantes.
Agoniado para saber a continuação da história, peguei um
ônibus e fui direto para o shopping, comprar os volumes dois e
três. Só precisei daquela noite e da seguinte para terminar “As
Duas Torres”. Então, na manhã do terceiro dia levei o livro para o
colégio e com a desculpa de ir no banheiro, saí da sala poucos
minutos antes do intervalo começar. Peguei o primeiro livro
coloquei em cima da mesa cativa dela, e ao lado dele, o segundo.
Dentro eu havia colocado um bilhetinho que explicava que aquele
ela podia levar para casa. Em seguida, fui me sentar na mesa ao
lado e comecei a arrumar as peças de xadrez no tabuleiro.
Ao chegar, a garota abriu o livro, viu o bilhete e em volta,
surpresa, seus olhos finalmente recaindo sobre mim. Tinha
decidido fingir que não tinha sido eu, mas como só estávamos os
dois ali, não resisti e dei um sorriso. Ela deu um sorriso de volta e
se sentou para ler. Alguns dias depois, ela foi quem chegou mais
cedo e colocou O Hobbit sobre a mesa da esquerda com um
bilhetinho explicando que era para mim. Em seguida, foi minha
vez de fazer o mesmo com o último livro da trilogia.
Desta forma, continuamos trocando livros, bilhetinhos e
sorrisos praticamente todos os dias. Quando os bilhetes foram
ficando cada vez mais elaborados ao ponto de poderem ser
chamados de cartas, eu finalmente tomei coragem. Munido de um
anel de compromisso, fui para a biblioteca mais cedo, rabisquei
um bilhete e coloquei junto com o anel dentro do livro que ela
estava lendo na época. O bilhete dizia:
“A vida é uma aventura. Aceitaria ir nessa jornada
comigo?”
Ao ler, ela se levantou, veio até mim e sem dizer nada, me
beijou. Naquele dia começamos a namorar e nunca mais paramos.
Já fazem quase quinze anos desde que aquele bilhete mudou
minha vida. Hoje é o dia que nossa jornada com aquele anel chega
ao fim. Não um final mórbido, mas porque hoje aquele velho anel
será trocado por um novo, de casamento. Hoje uma nova aventura
começa.
A Flor e o Espinho – um amor impossível
João Libero

Era um belo jardim. Realmente bonito. Tinha flores as


mais diversas, Margaridas, Cravos, Dálias, Lírios e outras mais.
Tinha o Girassol, alto, bonito e que passava seus dias a perseguir a
luz do sol, tão necessária para sua sobrevivência. Tinha a Sempre-
viva, que mesmo depois de colhida, sobrevive por muitos anos,
como se fosse imortal e que fecha suas pétalas quando está frio e
as abre no calor. Flor muito rara, mas este jardim as tinha. Tinha
Lírio-do-vale, Jasmim, Glicínia, Gardênia, flores cheirosas que
davam um perfume especial àquele jardim.
E a rainha do jardim: a Rosa Vermelha. Ah! Ela era linda!
Vermelha como o sangue, altiva e seu perfume era delicioso! Toda
roseira tem espinhos. Ela não era exceção. Mas, tinha um espinho
diferente! Ele era surpreendentemente belo para um espinho. Era
grande, saia do galho com um corpo mais forte e mais grosso do
que o comum, numa cor vermelha parecida com a cor da Rosa
Vermelha. Da metade para a ponta, era diferente de todos os
espinhos já vistos, ele ia do vermelho, para o coral, laranja e a
ponta era amarela, da cor do Girassol, lindo!
Os dias foram passando e uma manhã, uma leve brisa
balançou a roseira, e a Rosa Vermelha apareceu no campo de visão
do Espinho, linda, maravilhosa, brilhante pois estava molhada
pelo orvalho noturno. Ele se maravilhou com aquela visão, mas
oh! A Rosa Vermelha balançou e ele teve certeza que ela olhou
para ele. Ficou feliz e ao mesmo tempo triste por não poder tocá-
la, acaricia-la... O Espinho foi tomado então por um sentimento
novo, apaixonou-se pela Rosa Vermelha, mas sabia que era um
amor impossível.
A Rosa Vermelha, por sua vez, notou aquele Espinho
diferente, belo e colorido e se apaixonou por ele! Ficaram assim,
apaixonados e se vendo cada vez que a roseira balançava. Um dia,
uma tempestade açoitou aquele belo jardim. Balançou diversas
plantas. A roseira balançou muito, a ponto da Rosa Vermelha se
soltar do galho!
Ela caiu, e na queda caiu sobre o Espinho, que
desesperadamente tentou se balançar para que ela não o atingisse,
mesmo que seu coração pedisse o contato. Mas, o destino resolveu
a questão! A Rosa Vermelha caiu sobre o espinho e sangrou. O
vento continuou fustigando a roseira e a Rosa Vermelha
finalmente caiu e foi levada pela enxurrada!
O Espinho, desesperado, nada pode fazer. Depois que o
tempo acalmou e tudo voltou ao normal, o sol voltando a brilhar,
aquele Espinho, lindo, colorido, apaixonado, foi diminuindo,
perdendo suas cores, tornou-se um espinho simplesmente, seco,
marrom e sem vida!
O eu lírico apaixonado
João Lucas Correa Reis

Queria ela nos meus braços


Aqueles cabelos em meu colo
Minha mão segurando a sua
Assistindo a um filme ruim
Só para ficar ao teu lado...

Ela está dormindo em meus braços


E eu fazendo cafuné em seus cabelos
Eu sentado, ela deitada em meu colo
Trocando olhares
E aos poucos os rostos aproximam-se

Começo a fazer caricias em sua face


Depois toco em seus lábios
E começo a beijá-la
Um beijo bom e demorado.

Aquele beijo demorado e gostoso


Com a menina que eu mais gosto
Todo aquele jeito foi me encantando
Não queria que acabasse aquele momento.

Depois desse beijo o filme acabou


Despedimo-nos com um outro beijo
Esses beijos foram de apaixonados
Foi tão forte que nos apaixonamos
Namorarte
João Paulo de Azevedo Lima

Por buscar os sabores mais certos


nos jardins das flores errantes
Aromas desabrocham em meus versos
finos traços de teu semblante

Raros riscos de se correr


colorem em tu’alva moldura
Reinvenção de tua face, em meu ser,
maquiada por teu louco amante

Em distinto jeito de sentir


o que o instinto já faz com destreza
Diz não ao que o mundo faz rir,
e algo que é vão já vê com beleza

Se divinal é o que é natureza,


de grandeza que dá nas alturas,
Compus céu sob a tua candura
d’onde brotam os mais lindos luares

Dos suspensos jardins que florastes


ramam seivas de todas as artes
Por desígnios, meus, de amar-te,
trago partes em literatura.
Alcântara 33.0
João Paulo Hergesel

Aceitei sem medo o posto de engenheira robótica e a


realidade de habitar a Lua. Dos meus 27 anos na Terra, dois terços
foram me preparando para isso. Segui na contramão dos conselhos
de atuar como administradora de relações intergalácticas e me
lancei à incerteza de um dia ser lançada ao espaço, sem previsão
de retorno.
Passei por muitos países e continentes ao longo de 18 anos,
que representaram: um Ensino Fundamental na Espanha; um
Ensino Médio nos Estados Unidos; uma graduação intensa na
Suécia; e especializações intensivas na Rússia, na Dinamarca e na
Austrália. Mas decidi que a espaçonave que me levaria à nova casa
seria do Brasil, pátria que assina minha nacionalidade.
A primeira vez em que senti medo de fato foi quando o
cinto da Alcântara 33.0 assegurou que não havia mais volta. Pelas
câmeras de segurança do porto de decolagem, vi o olhar
preocupado de minha mãe, refletindo a certeza de que nunca mais
me veria. A segunda vez foi três anos depois, quando soube, com
as mãos sujas de desengripante, que ela havia falecido, vítima de
um mal súbito enquanto dormia. Ao passo que o oficial me
notificava, fiquei encarando o óleo nas minhas mãos. Eu estava
sozinha para reparar o primeiro foguete digital de Urano, e a
máquina estava quebrada em um nível que eu não conseguia
suportar. Por meses, desde então, fiquei me sentindo culpada por
ter trocado minha mãe por um sonho sobre o qual não havia
estabilidade de seus efeitos.
A terceira vez em que senti medo... A terceira vez foi
agora.

***

Há uma série de fatos que a população da Terra não sabe


sobre a própria Lua. O mais importante, acredito, é que temos a
maior estação espacial de todo o Sistema Solar e a terceira maior
da Via Láctea. Isso faz com que não só sejamos responsáveis pelo
controle do que entra na Terra e do que sai dela, mas também
pelas escalas de voos interplanetários e intergalácticos. Moony,
além de ser referência a outros astroportos, ainda conta com a
maior população de robôs.
Depois de mais de cem anos tendo o russo como idioma
principal, Moony vem passando por uma repaginada completa;
ninguém esperava que a Dinamarca ganharia a licitação da
Organização das Nações Unidas e se tornaria a administradora da
base pelas próximas duas décadas.
Já faz oito anos que convivo com comida de astroporto e
tendo os colegas de trabalho como o mais próximo da noção de
família. Mas não foi o tempo na empresa que me deu destaque e a
função de diretora; há outros engenheiros com mais anos de casa
e experiências múltiplas. Assumi o comando por ser a única
fluente em dinamarquês.
Comandar Moony em um momento de readaptação não
tem sido uma tarefa simpática, sobretudo quando os robôs de
atendimento sofrem algum tipo de pane devido à atualização dos
sistemas e carecem de intervenção humana. Por outro lado,
chegar aos 35 anos carregando no peito um crachá de diretora
geral de uma estação espacial lunar tem me rendido, dentre
elogios e respeito, biscoitos de polvilho grátis na cafeteria.

***

Erikka, da Polônia, comemorava o noivado com Johannes,


da Alemanha, após três anos e meio dividindo a sala de marketing
e 18 meses de namoro. Em Moony, é comum que colegas de
trabalho se descubram almas gêmeas, já que a esperança de
retorno a seus países de origem antes da aposentadoria é
praticamente nula.
Assistia à festa, que acontecia na copa-cozinha, com uma
taça de espumante sem álcool na mão. Lembrava-me das vezes em
que transei com Johannes e quando ele ainda não pensava em
relacionamentos sérios. Quando ele tentou oficializar uma união
estável, fui obrigada a esclarecer que, para mim, mais importavam
os orgasmos que as alianças.
Ouviu-se, então, o alerta de código vermelho: um robô
havia se desconectado de sua central de comando e passado a
agredir os passageiros na sala de embarque. Qualquer engenheiro
capaz de interpretar códigos binários seria capaz de reprogramá-
lo, mas preferi respeitar a alegria do momento e disse que eu
mesma iria resolver o caso.

***

Quando morei na Espanha e nos Estados Unidos, os robôs


que ajudavam na escola e nos ambientes que eu frequentava
dificilmente apresentavam algum problema. Foi somente na
faculdade que os robôs suecos eram propositalmente danificados
para que pudéssemos treinar seus reparos. Mesmo assim, nunca
fui afetada pela agressividade de uma inteligência artificial.
Ver o robô 45332b quebrando móveis e amedrontando os
seres vivos foi uma surpresa. Como não havia conexão com o
painel de controle, seria necessário reconfigurar no próprio
autômato. Em casos extremos, éramos autorizados a destruir as
máquinas, mas sempre zelei pelo reparo; portanto, fiquei
paralisada por um tempo pensando em como me aproximar.
O robô 45332b era à prova de água e de choques elétricos,
o que impedia a utilização de uma estratégia fácil para deixá-lo em
curto e sem oferecer perigos. Minha segunda opção era direcionar
outros robôs para detê-lo, mas a última cena que eu gostaria que
os clientes presenciassem era a de uma traumatizante batalha de
autômatos. Então, fui pelo caminho mais nebuloso: o diálogo.
Utilizei os alto-falantes de Moony para comunicar em
dinamarquês, novo idioma oficial da estação, e em russo, ao qual a
maioria já estava acostumada:
– Sou Maria D., diretora geral desta estação, e peço para
que tentem se acalmar, pois já estamos corrigindo as falhas.
A equipe de segurança, também robótica, veio me oferecer
apoio, mas fiz sinal de que tudo estava sob controle. O robô
45332b, no entanto, mantinha-se em surto. Foi quando gritei:
– Edward!
Parece tolo, mas sempre cri que dar nomes humanos a
robôs faz com que eles se sintam mais confortáveis.
– Edward! – repeti. – Sou a Maria D., sua ama. Responda
aos meus comandos.
Ele não demonstrou reação à minha voz.
– Edward, concentre-se! Repito. Concentre-se! Seja quem
foi feito para ser. Concentre-se!
Os olhares dos passageiros continuavam assustados e os
dos demais funcionários mostravam-se incrédulos, como quem
ridicularizasse minha atitude. Yuri, da Rússia, que respondia pelo
cargo de diretor antes de mim, chegou aos berros, confrontando
minha decisão e com uma arma para destruir Edward e inutilizar
as placas e chips do robô 45332b. Enquanto eu tentava impedi-lo,
notamos o silêncio: Edward havia se estabilizado.
– Bom garoto! – desabafei para mim mesma, antes de me
aproximar de Edward e redefinir sua programação.

***

– Doutora Maria D. – A robô 04627g, que apelidei


carinhosamente de Nika, chamava pelo monitor.
– Pois não, Nika.
– Há um passageiro que deseja vê-la.
Em oito anos de trabalho em Moony, nunca precisei lidar
diretamente com o público, pois os robôs sempre se encarregaram
disso. No entanto, devido ao ineditismo do convite, pedi para que
Nika o acompanhasse até minha sala. Em questão de cinco
minutos, o elevador se abriu, Nika deixou o homem no escritório e
voltou para a recepção.
– Simpática essa moça – ele disse.
– Ela já trabalha aqui há uns 150 anos – eu disse,
enfatizando que se tratava de um autômato, caso ele ainda não
tivesse reconhecido.
– Puxa, e ainda não se aposentou?
Ri do sarcasmo do rapaz e perguntei em que poderia
ajudar. Ele, primeiramente, sugeriu:
– Prefere falar em português?
– Como você sabe que...
Antes que eu concluísse a nova pergunta, ele fez um sinal
tocando o ombro direito. Lembrei-me da bandeira do Brasil
bordada em meu uniforme. Em oito anos de trabalho em Moony,
foi a primeira vez em que pude sustentar um diálogo em minha
língua materna.
– Você também é brasileiro? – questionei com o sotaque
maranhense que permaneceu arquivado por tanto tempo em
alguma esquina do meu cérebro.
– Não, infelizmente. Sou de Urano, mas conheço algumas
línguas da Terra. As diferentes culturas que seu planeta abriga são
fascinantes. Queria poder viver 150 anos para conhecer todas elas.
Desde que os terráqueos iniciaram o processo de
colonização do Sistema Solar, os planetas foram ganhando suas
particularidades e independência. Urano, mesmo tendo sido um
dos últimos planetas a receber tropas norte-americanas para
exploração e povoação, devido à sua distância, foi a civilização que
mais prosperou ao longo das décadas.
– Vim aqui para agradecer – ele mencionou.
– Agradecer? – eu estava confusa.
Então, ele se apresentou como Ruppie T., o piloto da
espaçonave digital que precisou de manutenção cinco anos atrás.
Disse que me viu liderando os reparos, mas nunca soube meu
nome, até o evento recente com o robô desgovernado.
– Fiquei realmente impressionado com o afeto que você
estabelece com as máquinas – ele declarou.
– Talvez eu seja uma – brinquei.
Eu sorri. Ele só riu.

***

Todas as vezes em que Ruppie T. pousava em Moony,


combinávamos de nos encontrar. Geralmente nos víamos em
minha sala, onde conversávamos como adolescentes apaixonados
e ele me via devorar biscoitos de polvilho como uma criança
encantada pelo sabor. Em uma dessas vezes, fiz o convite:
– Mais cinco minutos, finalizo meu turno e vou para meu
quarto. Pode me acompanhar, se quiser.
O uraniano quis. Mas, enquanto eu procurava um
preservativo qualquer no criado mudo, ele revelou:
– Não será necessário, Maria. Eu não transmito doenças.
– Sinto muito, Ruppie. Mas para mim é necessário.
– Repito: eu não transmito doenças. Não sou programado
para gerar ou expelir fluidos corporais.
Moony parou para mim. A estação sempre agitada e
barulhenta parecia ter se distanciado da realidade momentânea
que não escolhi viver. Ruppie T. era um robô, e eu estava perdida
entre o desejo incontrolável de transar com ele e a ideia de quão
errado seria abusar de uma máquina cuja função não era essa.

***

Na terceira vez em que senti medo, senti também coragem


de me render à covardia. No depósito de naves, localizei a
Alcântara 33.0, encobertada pela poeira da Lua. Adentrei o espaço
abandonado, porém nunca esquecido, e dei a partida com
permissão dos poucos litros de combustível que ainda restavam no
veículo. Em questão de segundos, havia me desprendido da crosta
de Moony e, minutos depois, encontrava-me flutuando pelo
espaço sideral.
Fechei os olhos e adormeci.
A minha namorada
João Pedro Oliveira

Mesmo que ainda não saibas, és a minha namorada


Mais ninguém sabe de nada, nesta vida, só eu sei
Só Deus sabe os dias que passei, tudo o que deixei para trás
Qual polícia, qual fora-da-lei, para saber quem tu serás

Fui tentando devagar, andar presente, ser discreto


Debaixo do mesmo teto, respirando o mesmo ar
Vigiei-te com o meu olhar como ninguém vigiou
Para contigo poder rir, chorar, sem saberes quem é
[que eu sou

Mas não posso ir além, sinto vergonha


E se a vida nunca vem, um homem sonha
E tanto eu sonhei na escuridão
Em ver-te o rosto e dar-te a mão
Fugir desta cidade enfadonha

Quando é que eu não sonho mais, saio de casa


E te mostro as coisas tais por mim sonhadas?
O campo, a montanha, o rio, o mar
Já sem vergonha, já sem sonhar
Só que essa vida parece ainda afastada

Mesmo que ainda não saibas, és a minha namorada


Mas andas tão distraída nesta vida que nem vês
Que alguém te segue sempre os pés, sorte só não pode ser
Só não sabes quem é que tu és, um dia eu conto e talvez
Já o fiques a saber
O tempo dos rebuçados
Joaquim Bispo

O primeiro encontro foi como uma caixa de rebuçados.


Era o tempo dos rebuçados e dos berlindes. Mas também de uma
das primeiras responsabilidades: a escola.
Nos dias de primavera, Orlando, de botas com sola de
borracha feitas no sapateiro, palmilhava bem cedo os três
quilómetros do caminho entre muros que separava a queijeira,
onde morava com a avó, da escola da aldeia, cruzando-se com
carros de bois, grupos de mulheres a caminho das hortas, um
rebanho a atravessar de um terreno para outro. Se estava frio,
apressava o passo a contornar uma ou outra poça de água, mala
com cadernos a tiracolo, uma mão a aquecer-se no bolso, a outra a
pegar no cabazinho da merenda. Daí a pouco, as letras, as contas,
as brincadeiras de recreio e o almoço debaixo de uma olaia, com
os outros dois miúdos que também vinham dos campos.
No regresso, o conforto do calor e da falta de pressa
convidavam-no a alongar-se em observações da natureza: o
lagarto verde esparramado ao sol que, não conseguindo intimidá-
lo abrindo a boca vermelha, se esgueirava para um buraco das
paredes; o rendilhado de alguns penedos; as poupas, os cucos, os
pintassilgos. E a estranheza do mundo do tic-tic-tic ritmado dos
canteiros, alguns bem jovens, em alguma das pedreiras adjacentes
ao caminho. Um mundo que não era de rebuçados.
Um dia encontrou vinte e cinco tostões no recinto da
romaria que o caminho atravessava. Rapidamente se esfumaram
em rebuçados embrulhados em estampas de jogadores de futebol.
De inverno, a ida para a escola era mais monótona e mais
simples. Era só atravessar o casario, desde a casa da avó, na aldeia.
No regresso, a brincadeira com a restante criançada nos quintais e
nos casarões familiares. Ao domingo, catequese à tarde e talvez
apanhar moedas pretas e rebuçados lançados de alguma janela ou
varanda no fim de um batizado. Os dias corriam sem
preocupações, com pouca relação uns com os outros. E, de
repente…
O primeiro encontro com ela foi como receber uma caixa
de rebuçados. A festa era de carnes, da matança do porco e
respetiva comezaina. A família alargada habitual estava reunida
em casa de um tio por este motivo. Segurar, matar, limpar e
desmanchar um porco exigia o concurso de vários homens. E o
trabalho de lavar as tripas, preparar os recheios e encher com eles
as farinheiras, as morcelas e as chouriças exigia o concurso de
várias mulheres. Para também prepararem o banquete para todos
aqueles adultos e respetiva miudagem.
Daquela vez, o tio convidou também uma família
colateral, que não costumava estar presente neste acontecimento
anual em casa de cada tio. E ela apareceu, linda e discreta. Devia
ter mais um ano do que Orlando e era muito diferente das outras
meninas que orbitavam o mundo dele. As outras eram como que
irmãs, na proximidade de parentesco e nas brincadeiras
estouvadas. Delfina — esse o seu nome —, não. Ela era outro
mundo. Um mundo de arranjo e delicadeza. Os cabelos — oh, os
cabelos —, caíam penteados, lisos, a terminar numa volta, sobre
os ombros. Os olhos seriam castanhos como os cabelos? Eram
suaves e sorriam. A compostura do vestido de golinha, apertado
por um cinto do mesmo tecido, também tocou Orlando. E a graça
e simpatia que irradiava deslumbraram-no durante toda a tarde.
Ninguém faz planos para se apaixonar, muito menos um
menino de oito ou nove anos. Sabe que os homens e as mulheres
se casam, mas não sabe muito bem por quê. E calcula que um dia
também casará. Talvez por gostar de alguém.
A única experiência que Orlando tivera nesse campo não
correra bem. A inconfidência de uma tia, à janela, quando passava
Acilda, uma morena de trança, denunciara o seu enlevo
encoberto: «Olha, vai ali a tua esposada!» A consequência fora a
humilhação de um «Querias-me?! Pff…» que a morena lhe lançou
quando o encontrou a caminho da escola e o deixou infeliz, a
suspeitar que casar, ainda que gostando, era mais difícil do que
parecia.
Orlando não falou a ninguém, sobretudo à desbocada tia,
da perturbação que a recente conhecida lhe provocara. Não sabia
dizer se era amor — aquilo de que os adultos falavam — o que
sentia. Não sabia dar-lhe um nome. Sentia, sim, uma alegria
íntima e serena, que não se manifestava por cabriolas, mas
também uma inquietação, um temor de não conseguir aprofundar
aquela afeição. Sentia ternura e um querer bem que não sentira,
talvez, por ninguém.
Nas suas orações antes de adormecer, passou a lembrar e
interceder por aquela criatura doce e bela por quem estremecia. O
máximo de harmonia com ela vislumbrava-o numa atualização da
estampa pendurada por cima da sua cama: ambos de mão dada na
travessia de uma ponte frágil sobre um rio caudaloso, mas
protegidos por um anjo-da-guarda.
Por aqueles dias, Orlando recebeu uns três ou quatro
rebuçados. Logo decidiu que um seria para ela, para lhe oferecer,
como prova de bem-querer. Por uma lamentável desatenção das
forças celestes, porém, Delfina adoeceu. Orlando, de rebuçado no
bolso, não encontrou a estremecida do seu coração nos dois dias
seguintes.
No terceiro dia, no regresso à escola depois de almoço, tão
alheado ia que automaticamente fez o que não queria:
desembrulhou o rebuçado e meteu-o na boca. Chegou a sentir-lhe
o doce. Espantado, desagradado consigo próprio, retirou-o da
boca, como blasfémia. O rebuçado era para ela, estava prometido
em intenção. Tinha de lho entregar, ainda que lhe apetecesse
continuar a saboreá-lo.
Resolveu entrar na venda do pai de Delfina e confiar-lhe o
rebuçado para ele lho entregar. Temia, no entanto, que algum
cliente percebesse o enamoramento no seu gesto e fizesse algum
comentário que o envergonhasse. Ganhou coragem e entrou, mas
a venda estava vazia. Mesmo o pai de Delfina devia estar lá para
dentro. Pensou chamá-lo, mas isso já ia além da sua coragem.
Deixou o rebuçado, embrulhado e um pouco agarrado ao
papel, em cima do balcão de mármore e saiu em direção à escola.
Não era isto que tinha idealizado, mas cumprira a promessa, tanto
quanto conseguira.
No regresso, entrou na venda, mais uma vez deserta. O
balcão estava limpo. Nem sinal do pequeno volume roliço do
rebuçado. Teria Delfina chegado a recebê-lo? Pouco provável,
concedeu. Com certeza que o pai o tinha deitado fora, sem
suspeitar da sua importância.
Quando voltou a vê-la, já tinha passado uma semana ou
duas e o enamoramento, por falta de alimento, murchara. Casar
devia ser muito mais difícil do que parecia.
Era o tempo dos rebuçados e dos berlindes. O que parecia
importante num dia esquecia-se alegremente no dia seguinte. O
futuro é que traria a compreensão da importância de cada coisa.
Talvez.
Ao meu amor
José Leite da Silva

Ao meu amor,
meus olhos que nos teus encontraram o sonho
dedicam a ti este poema
poema nu
despido no afeto dos teus braços
nascido flor sob as águas
sob úmidas noites de ausência
no silêncio aprisionado no teu corpo
sonho fragrante que o vento leva
sussurro de chuva escorrendo,
gota após gota, em barcarola
aos teus pés uma gota tomba
tomba o delicado aroma
de madeira recendente
tomba a chama azul do orvalho
aos teus pés, amor, tombam a luz e o vento
suaves
brandos
resplandecentes
como nuvens em noites consteladas
como o momento
que agora é só lembrança
meus olhos dedicam este poema, amor,
ao fogo dos teus olhos de criança
O pequeno príncipe
José Renato Ferraz da Silveira

Na adolescência navegamos contra a correnteza em um


caudaloso rio.
Ainda criança procurava a jovem amada Lua no horizonte
poente.
Notava próximo a Vênus. Planeta ou deusa do amor?
Quando criança observava cometas rasgando o céu
olímpico,
Tentava em pensamento apanhar um a um.
Imaginei sentar num cometa e navegar na imensidão, no
infinito do Universo.
Na fase adulta, deixei as coisas de criança. Deixei de olhar
para o céu.
Na terra, eu encontrei você. Entre rosas amarelas, brancas
e vermelhas.
A única rosa rara. Ela me perfumava, me iluminava. Bela e
formosa.
Regava com água fresca e servia à flor todos os dias.
A cada manhã. A cada amanhecer. Ao despertar, meu
coração palpitava.
Corria ao jardim para vê-la.
Ousei tocá-la. Mas me machuquei. Seus espinhos feriram
meus dedos.
Relembrei Saint-Exupéry: "As flores são fracas, ingênuas.
Defendem-se como podem.
Elas se julgam terríveis com os seus espinhos".
Parti para longe. Longe da flor maldita.
Mas, mesmo longe, meus pensamentos voavam em sua
direção.
Quando eu via outras rosas, dizia: "Sois belas, mas vazias".
E parafraseando Saint-Exupéry: A minha rosa é mais
importante que vós todas, pois foi a ela que eu reguei todos os
dias. Foi a única rosa que eu amei. É a minha rosa. A minha rosa
negra.
Enamorados
Jozimeire Moreira de Souza

Beija, beija, beija flor,


para arrancar da sua amada flor,
o beijo que tanto esperou.

Voa, voa....
Voa, voa borboleta.
Celebrando a vida e indo ao encontro
de sua parceira.

Coça, coça tatu bola.


A areia que te cobre,
em busca daquela que te enamora.

E a elefanta!
A elefanta caminhou...
caminhou todo deserto,
para levar água ao seu amor.

A joaninha carregou...
carregou uma folha inteira,
para o seu amor..

E a abelha teceu....
teceu mel....
até encontrar a parceira na fazenda do seu Manuel.

Olha lá o tatu bola!


Na areia da praia encontrou quem enamora,
outra tatu bola.

E vem vindo lá
o gato da Andressa,
que se encantou com a gata siamesa.
Vem voando ainda a borboleta.
Que está à espera da sua amada,
Ela ainda está em forma de lagarta.

E o cão do meu tio


O cão do meu tio, agora,
todo dia visita a cadela do circo.

E dona Tereza!
Já de idade, viúva,
anda arrastando asa para o
primo da Vanessa.

Olha lá, finalmente vem vindo a incrível borboleta,


encontrar o amor da amada, que antes era lagarta,
mas acaba de virar também borboleta.

E lá se vai o casal de borboletas...


celebrar o amor em toda sua forma de existência.
Com elas, vamos todos!
-
Julia Mantelli Copatti

Eu tinha acabado de acordar aos berros, quando ainda


não eram nem sete horas da manhã. Era os berros da minha sogra.
— ACORDEEM!!! — a mulher começou a bater com o
travesseiro em meu rosto e o no do meu namorado que estava
dormindo no colchonete debaixo.
― O que aconteceu mãe? — o Paulo falava as palavras
lentamente
— Acontece que hoje temos que organizar o Luau! Eu
ainda nem comprei os preparativos! Sara, você pode ir comigo? —
ela diz rapidamente sem que alguém pudesse a interromper —
Afinal, preciso comprar um presentinho... — ela olha
discretamente pra mim e pro Paulo.
— Ok, vou ir
O meu aniversário de namoro e o do Paulo era 11 de
junho, um dia antes do dia dos namorados. Eu não fazia a menor
ideia do que comprar a ele. Ele era muito especial para qualquer
presentinho fajuto. Nenhum presente se compara ao amor que eu
sinto por ele. Então eu aproveitei a oportunidade de ir no centro
para ver uma prancha de surf que ele pedia a meses.
Eu me lembro perfeitamente da primeira vez que nos
vimos. Ele estava com uma camiseta social florida, e eu, com uma
saia preta. Ele tinha trazido o violão dele na praia e estava
cantando sentado em uma pedra, e eu estava juntando conchas,
quando, sem querer, eu tropecei e cai em cima dele e de seu
violão. Eu me lembro que ele nem me conhecia direito, e já me
odiava por ter arrebentado as preciosas cordas daquele
instrumento. Mas daí, na semana seguinte, eu comprei novas
cordas de aço e o entreguei pessoalmente. Ali em diante
começamos a conversar, e depois de alguns meses ele finalmente
me pediu em namoro. Eu tinha 13 anos na época, e ele 14. Eu era
bem novinha, e tive a enorme chance de saborear este sentimento
tão maravilhoso chamado amor. Não que mude muita coisa hoje
em dia, já que eu tenho 16 e ele 17.
Então, sem mais delongas, fui até o centro com a minha
sogra comprar os preparativos para o Luau. O Luau era uma
tradição da família do Paulo. Todo ano eles organizavam uma
festa na praia para a vizinhança, e o Paulo sempre tocava com a
sua banda neste evento.
O nome da banda era: Cordas de aço. Sim, foi uma
homenagem. Não poderia me sentir mais grata por isso. E o Paulo
era o baterista da banda.
Quando percebi já havíamos entrado em uma loja, que
por sinal, era bem escura. Lá havia alguns artefatos misteriosos, e
umas lâmpadas de led colorida (como se fosse pisca-pisca de
natal) apenas iluminando o lugar.
Então, minha sogra me puxou pelo braço esquerdo para
um canto ainda mais escuro da loja
— Sara vamos sair rápido daqui. Este lugar está me
deixando com medo— vou te contar, viu? Minha sogrinha era
bem paranoica.
Mas mesmo assim, para não desobedecê-la, comprei
qualquer coisa. E sem dúvidas não seria aquilo que eu daria para o
Paulo. Um cubo mágico caindo aos pedaços? Ele merece mais do
que isso.
A Dona Mercedes (esse é o nome da minha sogrinha)
comprou alguns papéis crepom, e uns pisca-pisca (inclusive um
que estava iluminando a lojinha) e foi direto para o caixa pagar
tudo.
O moço que estava no caixa era um velho chinês com
cerca de 80/90 anos. Ele sim estava caindo aos pedaços. Retiro
tudo que eu disse ao cubo mágico. Ele usava um xale cinza
desbotado, e estava corcunda.
Pagamos tudo direitinho e saímos da loja.
— Tá bom. Eu vou ser bem direta. Eu não te trouxe aqui
para me “ajudar com os preparativos”. Na verdade, eu queria ter
uma conversa séria com você longe do meu filho —ela começou a
me dar arrepios. Nunca vi a Dona Mercedes com tanto ódio em
seu olhar— O Paulo ama muito você. Mas sinto que você não o
ama da mesma forma. Ontem eu percebi que ele havia chorado.
Meu filho nunca chorou por ninguém. Não sei o anda
acontecendo, mas o relacionamento de vocês dois está bem
instável— era verdade. Eu e o Paulo já não estávamos mais
concordando como antes. E o friozinho na barriga no começo de
uma paixão já não existia. Tudo estava meio morno— quero que
saiba que você é uma ótima garota, mas essa fase está
machucando muito os dois. Eu acho que o melhor pra vocês dois é
distância. Tu e o Paulo poderiam pensar melhor, e rever todas as
alternativas. Olha, nem na mesma cama vocês dormiram!
Aquilo foi um choque pra mim. Ela estava insinuando
que eu não amava o seu filho? Eu sei que estávamos brigando
direto, porém eu o amava com todas as minhas forças, por mais
que eu não demonstrasse. Eu sentia saudade quando ele estava
ausente. Sentia preocupação quando ele demorava para me
responder, achando que aconteceu algo com ele. Eu era
completamente apaixonada por aquele garoto.
Eu cheguei na casa do Paulo com a pior das piores caras
que alguém pode se aparecer. Eu havia pensado muito, e estava
exausta. Eu precisava de um tempo. Eu falaria pra ele no Luau.
Dei um beijinho na bochecha dos meus sogros, do meu
namorado, e fui para minha casa. Ele obviamente me estranhou,
disse a mim que eu estava pálida. Claro. Só de imaginar não ter
mais o meu Paulinho já me dava ânsia de vômito.
Ao chegar em casa desabei em lágrimas. Eu não
acreditava que minha sogra estava mandando eu me separar do
meu namorado. Eu o amava. Eu sempre soube que eu o amava.
Enfim chegou o dia do Luau. Tudo estava perfeito, a
decoração realmente tinha ficado bonita. Foi tudo organizado na
praia do Campeche Florianópolis. E o Paulo já estava arrumando
os instrumentos dentro do palco. Era aquela hora que eu decidi
que iria contar para ele que eu precisava de um tempo. Eu só
precisava refletir tudo que minha sogra falou, além de crer que o
nosso relacionamento estivesse de fato afetando a vida do Paulo e
inclusive a minha também.
Subi ao palco com receio, mas como poderia evitar?
Aquilo ia acontecer uma hora ou outra. Antes de ir direto e
começar a dar um “gelo” nele, fiquei-o observando ajustar os
microfones e as caixas de som. Ele estava muito lindo com uma
camiseta cor pêssego e uma bermuda com estampa floral. Os
cabelo louros molhados — pois acabara de surfar— humedeciam
sua blusa.
— Paulo!— chamei-o
— Oi amor!— ele me deu um beijo, me fazendo pensar
que talvez nunca mais sentiria aquele sabor de água do mar com
palheta de violão.
— Precisamos ter uma conversa— lancei um olhar de pena
e culpa— Eu sinto que o nosso amor já já é mais o mesmo desde a
vez em que nos conhecemos. Sinto que precisamos de um tempo.
Ele me encarou, primeiramente, e logo em seguida
começou a rir
— Que piada boa! Mas nunca mais brinque com isso.
— Não é uma piada— falo incrédula. Pensei que ele fosse
mais maduro. Mas já era de se esperar, eu conheço o Paulo a três
anos.
— Quê? Você vai terminar comigo?
— Não foi isso que eu qui...— ele me interrompe
— Está mais que óbvio! Eu notei que você ficava cada vez
mais distante, e semana passada, quando fui me despedir de você
percebi que se afastou. Mas se é assim que você quer, eu vou
respeitar. Mas fique sabendo que eu sempre te amarei, e se você
de fato deseja acabar com um romance tão lindo que podia durar
anos, a decisão é sua!
Passou-se dias, e ele nunca mais voltou. Hoje
compreendo que um relacionamento não se baseia no que as
pessoas em sua volta acham que é melhor para você. Você tem que
sentir isso. E eu perdi a pessoa que eu mais amava na minha vida,
por causa que minha sogra quis me dar uma opinião sobre meu
relacionamento. Namoros passam por altos e baixos. Um dia vai
estar maravilhoso, no outro vocês vão brigar. Pois, nós temos
diferenças entre si, e vai de cada um como lida com elas.
Luz
Juliana Karol de Oliveira Falcão

Tu és a luz a me iluminar.
Escreves teus lábios em minha boca,
Em rascunhos rápidos,
Pois nos vamos aperfeiçoá-los.

Minha namorada, dona de mim,


Eu te amo, amo sim.
Sou grato por teres tu
Me aceitado.

Nosso amor, com certeza,


É a parte mais bonita de mim.
Luz do sol, força gravitacional
Que move os meus desejos.

Luz farol, que guia...


Luz que aquece... Que ilumina...
Tu, menina, és a luz
Que faz florescer o meu jardim.
Logo
Juliana Peres dos Santos

Logo eu, que sempre gostei de espaço, vi-me desejando


que ocupasse tudo a meu redor. Queria que tu fosses o ar que eu
respiro e o sangue que por mim corre. Queria que preenchesses
toda minha existência e tudo que por ela transcorre.
Logo eu, que sempre prezei a companhia da solidão, vi-me
desejando substituí-la pela sua. Queria tua presença a todo
momento. Contigo queria dormir e acordar, e ter, nesse período,
ainda tempo para conosco sonhar.
Logo eu, que sempre me orgulhei de nada sentir, senti
você. E vi-me desejando que fosse minha calmaria e até minha
tempestade. Queria-te em todos os tons, vibrações e contraste.
E logo eu, que amo você, percebi que só existo em teus
braços. Logo, você é quem eu quero para ocupar o espaço do meu
abraço.
Venha logo, por favor.
-
Karol Póss

― Está tudo bem?


Não, não estava. O relógio já se aproximava da meia-noite,
mas eu ainda estava na rua, sentada na calçada do meu
prédio. Ele, que cresceu comigo, afastou o silêncio com sua voz,
cortando a brisa gelada que me envolvia naquele momento.
Sentou-se ao meu lado, no chão, e passou as mãos em volta de
meus ombros.
― Seu corpo está frio. Você não acha melhor entrarmos?
Pode pegar um resfriado se ficar por aqui, a gente pode conversar
lá dent... - o interrompi.
― Quero ficar aqui mais um pouco. Está frio, pode entrar.
Mais tarde eu vou.
E abaixei minha cabeça, novamente. Ouvi o relance de um
suspiro, mas ele não se levantou. Suas mãos começaram a se
mover sobre meus braços, como em uma tentativa de me aquecer.
Funcionava.
― Então ficarei aqui com você. É perigoso.
Eu não queria mesmo ficar sozinha, os pensamentos
negativos estavam me consumindo, mas graças a timidez eu não
consegui dizer uma palavra sequer em agradecimento. Repousei
minha cabeça em seu ombro e ele se remexeu um pouco,
aproximando seu corpo do meu e me envolvendo ainda mais em
seu abraço.
Já era tarde da noite, mas ele exalava um cheiro bom. Nada
artificial como um perfume ou sabonete qualquer, era algum
aroma que eu não saberia descrever, natural e aconchegante. Levei
uma de minhas mãos de encontro a sua, e brincando com seus
dedos soltei o primeiro sorriso sincero do meu dia. Até então, não
havia percebido que ele prestava atenção no que eu fazia, até uma
risadinha escapar por seus lábios.
― Prefiro assim, quando você sorri. Seu sorriso é mais
brilhante que a lua, minha velhinha.
Sou apenas um ano mais velha que ele – enquanto é um
sênior no ensino médio, acabo de começar a vida como caloura
em uma universidade local -, mas meu coração se enche de um
sentimento bonito toda vez que ele me chama assim, com a sua
graça para me tirar do sério. Nós crescemos juntos, o ouço desde
os seis anos de idade, mas por que não me acostumei ainda?
― Suas mãos estão começando a esfriar.
Sussurrei, baixinho. Mas ele ouviu.
― Está tudo bem, desde que você esteja quente.
Senti um aperto no fundo da garganta. Algo doloroso, que
ardia, e de repente a vontade de pôr para fora. Veio em forma de
lágrimas, e levantei minha cabeça antes que pudesse molhar os
ombros dele, mas ele não demorou a perceber meus choramingos.
Soltando o abraço pela primeira vez desde que se sentara ao meu
lado, se levantou somente para se agachar novamente, agora de
frente para mim. Seus joelhos encostaram em minha perna, e sua
mão direita passou para o meu rosto, com seu polegar
delicadamente empenhado a secar cada lágrima que escorria pelas
minhas bochechas. Senti-me culpada por fazer um menino tão
sorridente como este se preocupar com meus choros.
― Está tudo bem, eu só tive um dia difícil, as coisas não
estão indo muito bem e- dessa vez foi ele quem me interrompeu,
me dando um alívio por não ter que inventar mais desculpas para
esconder o verdadeiro motivo de minha infelicidade.
― Não precisa, sua boba. Não precisa inventar desculpas.
Era como se ele tivesse lido minha mente.
Continuou.
― Eu não sei ao certo o que está acontecendo, e irei
respeitar o seu momento, se não quiser se abrir agora, mas o que
sei é que eu quero te ver feliz, só isso. Seu sorriso é tão lindo, por
que escondê-lo embaixo de lágrimas? Eu quero te fazer feliz.
― O quê?
― Eu quero te fazer feliz. Se você me permitir, eu vou
fazer de tudo para recuperar o seu sorriso.
― Mas... isso é tão difícil.
― Não precisa ser. O momento pode ser difícil, mas coisas
boas ainda podem acontecer na sua vida. Você é tão linda, tão
jovem, tão inteligente, você não merece sofrer. Você merece ser
feliz, e você vai.
― Como?
Minha pergunta soou sarcástica, intencionalmente. Como
poderia ser feliz com tantas desgraças me perseguindo? O dia foi
péssimo. A semana, pior ainda. Este não é o meu mês, não é o meu
ano, que perspectiva a vida me dava de que algo haveria de
mudar? Não tinha como.
― Se você me deixar...
Com seus dedos, afastou uma mecha de franja que cobria
parte do meu rosto, prendendo-a atrás de minha orelha com
cuidado, e aproximou-se lentamente de mim. Eu sabia onde isso
daria, e foi como se tivesse encontrado a última peça de um
quebra-cabeça que vivia incompleto desde minha infância. Então
era isso o que tínhamos de tão especial? Um sentimento que ia
além da amizade duradoura de duas crianças que respeitosamente
frequentaram o mesmo lugar? Então era por isso que meu coração
palpitava toda vez que ele estava por perto? E eu que me dizia
madura, por ser só um ano mais velha mais velha... Foi ele quem
desvendou o mistério de nossas vidas.
Não apressei o momento. Permaneci imóvel seus lábios se
encontrarem com os meus, depois de longos segundos de uma
aproximação bem lenta, como se ele tivesse me dado tempo para
recuar – o que, de fato, não era uma opção para mim. Não com
meu coração me mandando seguir em frente. Nos beijamos. Nos
beijamos pela primeira vez depois de quinze anos de convívio. E
cada segundo de esperava valeu a pena. Ele é um cavaleiro,
sempre foi. Suas mãos escorregaram lentamente para minhas
costas, e repousaram em um ponto de segurança, sem brincadeiras
bobas como outros rapazes antes dele. Foi único. Foi... certo.
Tudo estava certo.
De repente, tudo estava bem.
Passei meus braços ao redor de seu pescoço, me
entregando ao momento, e ele gentilmente me deitou no chão,
tomando todo o cuidado do mundo enquanto posiciona suas
pernas ao meu redor. Paramos por alguns segundos para respirar,
levemente afobados, e ver seu rosto assim tão próximo ao meu,
com seu sorriso tão gentil e sincero, brilhante com o aparelho,
sendo totalmente direcionado para mim... Meu mundo parou.
Sorri de volta. O que mais poderia fazer?
Ele selou brevemente meus lábios e se levantou em um
movimento único, logo em seguida me dando sua mão como uma
ajuda apta que eu fizesse o mesmo. Cedi. Um pouco
envergonhada, desviei o olhar e sussurrei.
― E agora?
Meu coração foi a mil com sua resposta, não duvidando
por um segundo sequer de sua afirmação.
― Eu vou te fazer feliz.
O melhor namorado
Kayla Maria Sousa da Silva

Em teus braços adormeço


Nos seus lábios o doce mel
Sinto que estou a flutuar
Com os pés tocando o céu.

Sempre que sinto você


Chegando mais perto
Meu coração sussurra
Que és o cara certo.

Os seus olhos brilhantes


Me deixa fascinada
Que sorte tenho eu em
Ser sua namorada.

Tem o dom de me arrancar


O mais sincero sorriso
É na sua companhia que me
Sinto em pleno paraíso.

A sua voz em meu ouvido


Uma linda melodia
O seu corpo com o meu tem
Uma doce sintonia.

Jamais vou esquecer tudo


Que passei ao seu lado
Meu melhor amigo,
O melhor namorado.
O poeta e as cadeiras
Leo Ottesen

Houvesse a possibilidade de inventar-se, optaria pela


simplicidade. Alguém que olha as flores e enxerga flores, que
sonha apenas enquanto dorme, que entende o vento como uma
coisa que sopra – não que dança. Houvesse a possibilidade de
nascer outra vez, nasceria outro. Alguém que não combate
moinhos de vento, que não sente o espírito arrepiar-se ao mínimo
toque de mãos, que não se permite esperar demais das pessoas.
Ainda, se possível, noutro tempo e lugar, esperaria pacientemente
por quem o reconhecesse em sua distinção, porque parte de si
seria outro, mas parte seria de verdade.
Entre essas divagações, café e cigarros, por vezes, um
vinho. Sempre excessivamente. A busca diária pelo preenchimento
do que, sabendo ser de profundidade astronômica, exige vícios em
proporções cada vez maiores.
― Escrever sobre não saber o que escrever é tão clichê –
ela declarou, enfim. Ainda tinha a página em mãos e analisava-a
com a minúcia de uma crítica literária especializada em poetas
melancólicos e fracos. Ele concordou com uma breve assentida
que ela não notou – ainda lia o trabalho. Na memória, o poeta
enumerava as vezes que ela o ajudara, com comentários
construtivos ou sorrisos, a não desistir. Por vezes, um abraço
basta. Um puxão de orelha; uma visão diferente acerca do que foi
escrito; uma palavra que se encaixaria melhor e mais bonita. Na
memória, tudo isso fazia sentido ainda, ainda que apenas existisse
na memória.
Desistiu da insistente página branca e foi dormir. A bem
da verdade, tentar dormir. As visões vêm sorrateiras como a
ebriedade, ou a depressão. Pudesse optar, seria cego. Mentalmente
cego de amnésia. Sem fantasmas flutuantes nem flores que
morreram antes de desabrochar. Sem lembranças. Sem histórias.
― A gente devia sair! – Convidava o amigo. Um copo na
mão, o cigarro na outra, o olhar brilhante direcionado ao poeta,
que nada fizera senão dar de ombros e tomar mais um gole. –
Abriu um bar novo na cidade baixa. – Insistiu. Nada era mais
doloroso do que a imposição social de socializar, ir aos bares e
conhecer pessoas novas e diferentes, conversar com
desconhecidos, viver. Mas à insistência, seguiu-se a preguiça de
discutir. Saíram.
Por menor que fosse o tal bar, as pessoas – que eram
muitas – conseguiam andar entre as mesas com facilidade. A
primeira a ser vista fora a escolhida pelo poeta, e aceita pelo
amigo, que não podia discordar. Pediram duas cervejas e
acenderam dois cigarros, investigando o palco baixo que se
movimentava com guitarras, microfones, caixas e pessoas. À luz
fraca e por entre o ruído branco, sombras silhuetas riam e copos
tilintavam. O poeta nada dizia, o amigo concordava.
Então, de repente, o homem fraco levantou-se e declarou
“banheiro”. Naturalmente, o amigo não fez objeção, nem sequer
assentiu com a cabeça; apenas continuou olhando para a banda,
que começava, agora, a afinar os instrumentos e testar a
tecnologia. Entre duas mesas, ela vinha enquanto ele ia.
Esbarraram-se com uma sutileza quase ensaiada. – Ah, desculpa.
Eu tô meio bêbada. – Ela riu. O poeta sorriu um sorriso raro,
praticamente extinto. Como se soubesse dessa raridade, e
apreciasse seu valor, ela sorriu em resposta e falou.
A vontade de ir ao banheiro diminuía gradativamente.
Ambos em pé, no meio do corredor, teciam a conversa
brandamente, tal qual se testa a temperatura da água antes de
entrar debaixo do chuveiro. O amigo esquecido continuava a
conversar com a cerveja, ouvindo a banda de rock/blues/mpb,
sentado à mesa da entrada. Viu o casal cruzar por ele, em direção
à saída, e enviou um riso curto para o poeta, que, por sua vez,
retribuiu com outro sorriso e um aceno breve. Saíram.
Através da lembrança, diante do inevitável caos da vida, o
poeta questionava seu quarto em busca de um porquê e um como.
As coisas aconteciam já que deviam acontecer ou eram apenas
acasos sucessivos e erros cometidos? Haveria algo, no futuro, que
pudesse explicar – com riqueza de detalhes e argumentos – por
que tudo fora daquele jeito? Agora sob a luz acesa, sentado na
cama, ele era interrogado, também, pelo guarda-roupas, pela
mesa-da-televisão, e pelas cadeiras-vazias. Sentia-se réu de um
crime justo, de legítima defesa ou tentativa de sobrevivência. Mas
também se sabia culpado.
Houvesse a possibilidade de inventar-se, optaria pela
simplicidade. Um apartamento sem vozes, sem televisão. Uma
vida sem passado. E, principalmente, um quarto sem fantasmas
nem testemunhas, ou cadeiras. Houvesse a possibilidade de nascer
de novo, não nasceria.
Tudo o que começa tem um fim
Leo Rosa

pego a xícara e sento


numa ponta, ela me encara
acho que espera respostas
tudo começa num aceno
num sorriso num café
que tal cinema?
casa cama sexo

rotina

não há mais por que acenar


a companhia é frequente
o sorriso às vezes é quieto
o café, nem sempre quente e adoçado
e aonde a gente vai
talvez não tenha nem cinema nem TV

me passa o açúcar?
Não te, te
Leonardo Araujo Cardeal da Costa

Quando não te olho nos olhos, não te enxergo


Quando te olho nos olhos, eu me perco e tiro os olhos,
[fico cego
Nos olhamos
Seu olho é luz
Meu olho reluz
Nos encontramos

Quando não te encontro no encontro, não te enfrento,


[sigo em frente
Quando te encontro no encontro,
não te enfrento, sigo indiferente
Quando te encontro no encontro,
te enfrento, frente a frente, me desencontro,
paro, querente
Nos enfrentamos
Seu encontro é encantado
Meu encontro acalentado
Nos amamos

Quando não te amo amor, não te desejo, morro, apago,


não me atrevo,
Quando te amo amor, vivo, te desejo, me atrevo,
[te escrevo
Nos desejamos
Seu atrever é transar
Meu atrever versar
Nos poetizamos
Josefina
Leverton José Veríssimo Vieira

Com o maior respeito desse mundo, Josefina pisou na


sepultura do marido para plantar flores novas e arrancar as velhas.
Ela sempre gostou de zelar pelo esposo e sentia que zelando de
sua sepultura, fazia o mesmo por ele. Ia sempre ao cemitério pela
manhã, acendia uma vela e ficava falando com o falecido.
"Ah, que saudade que sinto, Maurício! Ontem o Ricardo
nos ligou e disse que não virá nesse Natal..." E informava ao
marido as novidades de sua monótona vida de viúva "E nem a
Rita, mas eles disseram que virão me ver assim que puderem. O
Ricardo mandou uma foto do Vitor e o menino já tem esse
tamanho!" E gesticulava como se o falecido realmente estivesse ali
"Trouxe a foto! Veja! Parece que foi ontem que nasceu!" E
mostrava à fotografia em azulejo, a foto do netinho.
Depois que terminavam os assuntos, Josefina se levantava
e andava mais um pouco pelo cemitério. Passava na sepultura dos
pais, com as fotos já desgastadas pelo tempo. "Ah, que saudade
que sinto, mamãe!" Lamentava a velha e acendia lá duas velas e de
vez em quando contava alguma coisa aos pais e relembrava de
quando moça "Sonhei esses dias que fui com o pai tirar leite da
vaca. Senti até o gosto daquele leite gorduroso quentinho!"
A velha seguia então, lá pelas oito e meia para a casa onde
morava desde que se casara, onde criou Ricardo e Rita e onde
agora morava sozinha.
Josefina gostava da casa em que morava, era pequena e
aconchegante. Se sentia sozinha, mas o que ela podia fazer? Seus
filhos já haviam saído do ninho e já tinham construído o ninho
deles. Ela era, agora, somente a mãe, a vó, a viúva.
Passava as manhãs ouvindo músicas de seu tempo de
moça que o filho gravara num aparelhozinho e a ensinara ligar na
televisão. Até bailava sozinha e nostalgicamente, repassava
momentos e diálogos há muito tempo embalados pelas músicas
tocadas. Mas havia uma em especial, a que tocava no baile no dia
que conheceu Maurício.
A música falava sobre o peão e sua amada que morava
distante. Quando essa música chegava, Josefina sorria e repassava,
pois era boa de memória, aquela noite gelada de maio.
"Sou Josefina" apresentava-se ao fantasma à sua frente
"Meu pai? Está ali. Dançar? Eu não sei dançar, não, moço!" E até
sentia as bochechas ruborizarem e se balançava, em um abraço
apertado em si mesma "Eu aceito, sim! Obrigada!" Agradecia ela
pelo copo cheio de arroz doce que ganhara dele há décadas atrás.
E ficava dançando com o Maurício, agarradinha a si mesma.
Josefina, então, sentia fome e voltava para sua casa velha, à
realidade. Ia para cozinha e cozinhava feijão e fazia frango. Comia
sozinha, sentada ali na mesa da cozinha, onde tantas vezes deu
bronca nos filhos. "Pare de implicar com sua irmã, Ricardo! Rita,
não derrube o suco! Vou contar para o pai de vocês dessas brigas!"
Quanto mais velha ficava, mais dada a memórias ficava
Josefina.
Se lembrava da época que namorava Maurício. Ele
era tão galante e gentil e lhe segurava a mão enquanto
caminhavam pelo centro da cidade. E lhe dizia coisas tão belas e a
fazia rir. E conforme envelheceram juntos, o marido jamais perdeu
aquele ar galante e jovial de seus tempos de aurora. Foram eternos
namorados para sempre.
E perdida em si e no passado, lavava a louça e lá
pelas duas da tarde, ligava a televisão para ver a novela.
Josefina não perdia um capítulo sequer. Era seu
passatempo preferido as novelas da tarde. Ficava lá, por horas e
via o telejornal depois das novelas e ficava chocada com tanta
coisa ruim que acontecia. "Ainda bem que Ricardo mora longe
dessas coisas! E Rita que está em São Paulo? Que Deus a proteja!
Preciso ligar pra ela para ver se está tudo bem!" dizia sempre.
Costumava ligar para a filha lá pelas cinco da tarde. Rita
atendia e falava com a mãe, mas Josefina sabia que a filha era
ocupada demais e era breve sempre. Já Ricardo ligava à noite, não
era todo dia e naquele dia certamente estava ocupado e por isso
não ligou para ela.
Falar com os filhos era o ponto alto do dia de Josefina, que
sempre chorava de saudade ao desligar. Mas não contava para os
filhos que estava com saudade, porque não queria incomodá-los
mais. Ela sentia muita falta deles, da casa cheia e feliz, com seu
esposo vendo futebol, Rita brincando com as bonecas e Ricardo
enfiado em algum livro no quarto. Era uma época tão boa que
daria tudo para viver lá para sempre.
Às vezes jantava, às vezes não. Gostava de comer mingau
de aveia à noite e lá pelas oito, o doutor dissera que era bom para
o colesterol.
E era naquele horário que a saudade apertava seu peito.
Sentava na varanda depois de regar suas plantinhas e olhava para
o céu “Que parte será que está Maurício?”. Pensava. “É tão grande
esse céu que qualquer estrela pode ser ele”. E falava novamente a
esmo, como se falasse com ele “Hoje não fiz muita coisa querido,
comi um mingau de aveia agora e me sinto uma bola de cheia.”
Em seguida tomava um banho e passava um creme que
ganhara de Rita quando ela viajou para o exterior. Tinha um
cheiro de cacau e dava até vontade de experimentar. Passava no
rosto enrugado, enquanto se olhava no espelho “Nossa, como
estou velha!” Pensava enquanto espalhava aquele creme bonito e
cheiroso.
Ia então para seu quarto e se deitava no lado direito, o
lado da porta, da sua cama velha de casal. O colchão fora trocado
por um que o doutor mandara para a sua coluna, mas a cama era a
mesma de quando casada: toda de madeira forte, coisa que não
faziam hoje em dia, pesada e com uma cabeceira arredondada. E
então se preparava para dormir.
Mas antes rezava o terço, pedindo que Deus guardasse
seus filhos e suas famílias e que lhes abençoasse muito. Pedia que
Ele cuidasse dela e lhe desse forças para ver seus netinhos
crescerem e que aquela dor no joelho sarasse. Por fim, pedia pela
alma do esposo e que ele descansasse na paz do Divino.
Tomou uma aspirina, porque a cabeça estava doendo
muito e fechou os olhos para dormir, mas o sono não lhe vinha.
Sentou na cama. Agora, a cabeça doía bastante e nem conseguiu
rezar. “Se Maurício estivesse aqui, certamente me abraçaria e me
embalaria até a dor sarar com seu carinho” pensou
melancolicamente. E por fim adormeceu.
Dormiu. Dormiu tranquila e sonhou com Maurício, mas
na outra manhã não levantou para acender a vela no túmulo do
marido e nem tocou músicas antigas, nem sequer fez almoço,
perdeu o capítulo da novela e não ligou para os filhos. Ficou ali
deitadinha, quietinha e só levantou quando Maurício a pegou pela
mão e dançaram uma última vez ao som da música do peão e da
amada e depois, Josefina só sorriu, para todo o sempre em um
eterno passeio no centro ao lado de seu eterno namorado.
Namoramar
Lucas da Silva Silvestre

Me levar

para as profundas,
profundas águas de teu mar
deste mar que nunca fui
nem pude dele contemplar,

Contemplar

este mar imprevisível


de consequência irreversível
e socorro inatingível,

Me lavar

nas águas mais salgadas


e tais feridas cicatrizadas
vê-las novamente inflamar...

Me lembrar

que deixado ao abandono


relutando noites de sono,
por conta deste mar,

Mar...

deste mar que nunca fui,


mas que está a me esperar
deste mar que nunca fui
mas que estou a contemplar...
Só eu danço assim
Lucas Voltolini

É essa dança
Assim, juntinho
Eu e tu
E aquele feijão
Dentro do
Forninho
Aquele bem velho
Que treme nas
Estribeiras
E entoa
Canção da ferrugem
Eu te tenho comigo
Te aperto, te beijo
Te coloco assim
No meu molejo
No meu te vejo
Pra ser minha,
Seja minha
Agora, menina.
Que coisa,
Não vai embora
Essa noite somos
Nós dois
Eu e você
Em movimento,
Em lampejo,
Em canto,
No encanto,
No embalo,
No balacobaco
Me ama, me ama
Só eu danço assim
Eis um dia amados
Lydia Marina Escobar Wingist

Eram jovens. Tornaram-se bons amigos. Ficaram íntimos


mesmo pela distância física. Apesar do ambiente virtual, havia
outra barreira. Ela queria vê-lo e ele não podia. Ela sentia falta dos
seus beijos e ele, disfarçadamente, concordava. Ela queria
conhecer o seu íntimo e a sua família. Ele não deixava. Ela tentava
entender o porquê. Ele mantinha mistério. Afastaram-se e quando
a saudade bateu à porta, retornaram. O calor dele já não era mais
intenso e sua frieza a incomodou. Ela pedia clareza e esperava a
verdade. Até que ela descobriu que seu coração pertencia a uma
moça que estava fora do país. Ele tinha uma namorada secreta. A
namorada retornou ao país e ela nunca mais pode vê-lo, pois seus
olhos e ouvidos não estavam mais disponíveis. Ela se tornou
invisível enquanto ele se tornou irresistível a namorada.
Amor
Mara Rubia de Jesus Teixeira

Nesse poema, retrato


o espelho de meu amado;
tão esperado e sonhado.

Que doçura seus olhos,


que beleza existia.

Nesses belos cabelos,


de tinta preta tecia;
a mais linda poesia da vida.

Mal sabia que cabelos brancos


me fascina.

Talvez nem desconfia.


Que para ti é essa poesia;
por mim será sempre MINHA VIDA!
Namorados
Marcelo Fouquet Rosembrock

Que sejamos eternidade


Esse nosso amor sincero,
Que tenhamos muitas risadas juntos,
muitos beijos, abraços e loucura
todo afeto do mundo,
Sejamos namorados
E, as palavras sejam traduções
espontâneas das nossas almas
Que tenhamos carinho,
e o caminho mais leve
com a cumplicidade dos nossos seres
Beijo na testa, na boca
muitas brincadeiras, loucuras boas
Que nós sejamos eternos,
com a alma e com o coração
e tenhamos paz e paixão
todos os dias da nossa caminhada
Queremos escrever, descrever, traduzir sobre nós
enquanto eu puder fazê-lo, sem dor
até o limiar pulsante dos nossos corações
Almejamos ser eternos
Em branco
Marcia da Costa Barroso Pereira

Falar sobre o que existe.


Sobre o encharcado do dia.
Da chuva da hora triste...

O silêncio que persiste.


Dessa casa esvaziada.
Da tua ausência tão triste...

O falar do aqui não estar.


De um tal verbo desencher.
Eu só tenho de me arrolhar...
não secar na eira sem você.
Amo-te
Maria Luiza dos Santos Alves

Quero viver sobre seu toque


Quero ser tocada novamente.
Ser amada e beijada
Com seu jeito solenemente.
Quero usufruir do amor
E dele retirar a poesia.
Quero viver e ter coragem
Para amar outro dia.
Desejo seus braços
Levemente me tocando.
Desejo seus lábios
Suavemente me beijando.
Desejo tocar seus cabelos pretos
Desejo visualizar a cena de seus olhos
Fixados em mim.
Queria que aquele momento
Nunca tivesse fim.
Quero-te em meu lar.
Quero-te em meu corpo.
Quero que você encontre a felicidade
Junto a mim, pouco a pouco.
Palavras para ti
Mariana Souza

Às vezes, encontro-me pensando como seria se você


estivesse aqui. Hoje está meio frio, uma chuvinha cadenciada e eu
aqui imersa nesses devaneios inevitáveis cujo motivo principal é
você. Ainda mais num dia como hoje: ansiedade, estresse, TCC,
estágio. Tantas preocupações. Eu só queria seu abraço, um colo e
chocolate. Eu imagino seu afeto e suas palavras chegando até o
meu coração aflito trazendo alento, aquecendo-me nessas horas
mais difíceis. Eu penso em você, meu futuro namorado e amigo.
Não de modo desesperado, não com o incômodo da ausência.
Desejo e sonho com você de maneira compreensiva como quem
chega antes no encontro marcado com as amigas, mas está certa
de que elas logo irão aparecer. Tudo tem seu tempo e a solitude
tem valor inestimável. Eu vivo a plena alegria. Mas, ainda assim,
fantasio como seria ter você. Imagino quais serão os seus gostos e
como será seu estilo de se vestir. E a sua voz? Sei que será bonita.
Seus olhos irão trazer aconchego certamente. Vejo você ao meu
lado cantando as nossas músicas favoritas, canções presentes nos
filmes que amamos. O meu olhar repousa sobre as cores e formas
que fazem você ser tão lindo, por dentro e por fora. Também sinto
o aroma das panquecas da minha lanchonete preferida onde
vamos comer e tomar milkshake sob a luz do luar. É a ocasião
perfeita para tirarmos fotos aproveitando a iluminação pitoresca
do espaço. Tal amor me traz uma calma surpreendente, estabelece
um ritmo mais lento dentro do meu coração. Então, meu ser
descansa em nosso doce remanso.
Eu retorno do devaneio. Em relance, observo o horário no
visor de meu celular, já são 00:08. Eu recordo: “preciso acordar
cedo amanhã”. Movimento meu corpo para trás, deito e pego o
lençol. Vou dormir torcendo para sonhar com você.
Lançamento
Martim Butcher

Há dias em que, sem que nada no céu nos indique,


aterrisam sobre nós belíssimas e inestimáveis lições de vida. A
última que pousou sobre mim foi acerca daquilo que mais
devemos valorizar durante nossa breve estadia no orbe terrestre: a
família.
Foi numa tarde de domingo. Abri o computador para ver
as notícias e, entre a alta dos juros e a derrota do São Paulo, me
fisgou a atenção uma chamada acanhada, restrita ao exíguo espaço
da aba de Ciências: “Ônibus espacial Discovery faz sua última
viagem. Especialistas opinam que a missão ‘marca o fim de uma
era’”. Era isso mesmo: a espaçonave vazaria a estratosfera mais
uma vez a fim de realizar sua última tarefa, modesta se comparada
aos grandes logros de antanho - coisa como um conserto de
satélite ou algo similar. Em seguida, sua imagem retirar-se-ia dos
céus para repousar com altivez no panteão das aeronaves,
convertida em lenda ao lado do arrojado 14-bis, do mal
compreendido Concorde e até mesmo - por que não? - do infeliz
Graf Zeppelin. O desligar de seus motores assinalava o desfecho de
uma etapa decisiva na exploração do cosmo.
Quanto à carcaça, iria mesmo parar em um museuzinho
qualquer da Nasa em algum recanto do Texas, futuro orgulho dos
redneck locais.
Não sei se o que me impactou foi esse último detalhe -
algo pragmático, por assim dizer - mas o caso é que, finda a
leitura, me larguei numa melancolia danada, cuja causa me
custava sondar. Laura, minha companheira (sim, nos últimos
tempos ela havia inventado não sei porque de chamarmos-nos de
“companheiros”), reparando na minha prostração, me interrogou;
não obteve resposta, fingiu regar as plantas, cutucou-me
novamente, e em vista do meu silêncio definitivo, decidiu com
sensatez não inquirir mais no assunto, resolvendo que tudo se
arranjaria propondo algumas cervejas no bar mais próximo.
Confesso que sua decisão me veio a calhar, pois nesse ínterim
aquilo que era disforme tomou pouco a pouco traços mais
consistentes, e compreendi no meu desalento um quê de vaga
nostalgia que remontava aos tempos em que a família - esposo,
esposa, prole numerosa e um cão raça collie - se apinhava com
frisson em frente ao televisor para ver transmitidas ao vivo as
façanhas de Neil Armstrong e companhia. Ah, que belos anos!
Que comovente coincidência entre o progresso científico e a
prosperidade do lar! Desde já saliento que tal época supera em
muito os limites de minha idade, mas talvez por isso mesmo a
saudade se revelasse mais pungente, e minha vida precariamente
conjugal, por comparação, se tornasse aos meus olhos uma
aventura menor, de uma irreverência algo pueril - o que só se
confirmava ao lembrar-me da humildade dos números de minha
conta bancária.
De modo que aceitei o convite. E lá fomos, eu com um
calção remendado e sandálias havaianas, ela ostentando um pouco
mais de dignidade, e nem bem havíamos caminhado duas
quadras, o conforto que o sol nos trazia foi aos poucos dissipando
a tristura. E eis que, alguns metros antes de chegar ao bar, recebo
distraidamente de uma moça de colete um folheto com uns
dizeres misteriosos: “Uma coisa inimaginável está para acontecer
em seu bairro”.
Jesus! Deveríamos fugir para o campo? Deveríamos
comprar armas? E não parava por aí: “Prepare-se em breve para o
lançamento”. Oh, então eu havia me enganado, a corrida espacial
não só não havia acabado como estava a pleno vapor, aqui, agora,
em pleno coração do Butantã!
Doce ilusão que os dizeres “Imobiliária Crefisa” trataram
de pulverizar sem delongas. Mas logo abaixo, em letras sedutoras,
um atrativo parecia querer compensar a desilusão e outorgar
algum sentido a nossa caminhada vespertina: “Conheça nosso
stand e ganhe um barril de Heineken de cortesia”. Logo vislumbrei
o barrilzinho verde resplandecente, a estrela vermelha salpicada
de microgotas recém condensadas. Puro lúpulo e cevada. O
zodíaco parecia confabular a nosso favor.
A imaginação alcoolista de Laura, embriagada por
antecipação, tratou logo de ver naquela chance a benção da
Fortuna, esbanjando argumentos pra lá de etílicos para convencer
a parte de mim que restava reticente:
― Vamos! Pensa bem, o negócio vai demorar o que, meia
hora, uma hora no máximo? Chegamos lá, enrolamos o corretor,
fingimos que queremos comprar um apartamento, e pronto. Um
barril desses sai no mínimo 50 paus, e isso se você for Cliente Mais
ou tiver o Cartão ClubDia%. Quanto você ganha por hora
revisando textos, 20 pilas?
Justo? Justo.
Não sei nem dizer quanto tempo se passou desde que
cruzamos o imponente pórtico onde resplandecia o logo do
Colinas de Ícaro - assim se chamava. O que era uma simples visita
na realidade supunha uma entrevista algo minuciosa, mas aqueles
minutos que prometiam ser tão longos e entediantes se
mostraram no fim bastante agradáveis. Quase não me incomodou
o ar-condicionado no talo. Quase não me constrangi com a
suspeita de que todo mundo ali sabia que não íamos comprar
apartamento nenhum. Quase não me custou adaptar-me ao
jargão borrifado de anglicismos que o corretor fazia desfilar entre
os números mirabolantes das parcelas e as inúmeras vantagens de
residir no mais novo empreendimento da Crefisa. Pois o fato é
que, para minha feliz surpresa, enquanto Laura se desdobrava
para inventar ao corretor um valor verossímil que estaríamos
dispostos a investir, me percebi achando aquela poltrona
particularmente confortável, e algo perplexo com o prático dia-a-
dia que aquela bela planta de apartamento me sugeria, me deixei
fabular com a madura responsabilidade que a hipotética compra
me inspirava. Ora, talvez já estivéssemos passando demais a
barreira dos 30 para andar vivendo apenas de amor, não é mesmo?
Talvez fosse mesmo o momento de assentar-nos em um ambiente
seguro, afinal o tempo em que nós dois seríamos três, e logo
quatro, quem sabe cinco, se aproximava, e que lugar melhor do
que um edifício com porteiro 24 horas e 112 câmeras de vigilância
para ver os pequenos crescerem? Oh, a visão daqueles cômodos
recheando-se de infantes e eletrodomésticos logo tornou-se tão
doce que mal me abalei quando minha esposa Laura - sim, minha
esposa! -, vendo aproximar-se o fim da entrevista, insinuou ao
corretor algo a respeito do barril de Heineken.
― O barril - disse o corretor após consulta no ponto
eletrônico - bem, vejamos… Acontece que tivemos muito
movimento hoje, vocês sabem, né? O lançamento está fazendo
muito sucesso, estamos cheios desde cedo, então infelizmente o
último acaba de ser entregue a outros clientes. Mas eu garanto a
vocês que se vierem na quarta para assinar o pré-contrato não vai
faltar barril!
Em outros tempos, a ideia do último barril distanciando-se
no gélido silêncio sideral só faria amplificar minha velha angústia
de saber que o universo encontra-se em expansão. Mas durante
aquela hora e meia tudo começou a parecer tão sólido e acessível
que qualquer preocupação desvaneceu-se como uma nebulosa
distante. Laura bem que quis me sugerir com um sutil olhar
indignado que havíamos sido engambelados, o que achei
francamente vulgar de sua parte, pois era uma indelicadeza
desconfiar de um sujeito que nos acabava de abrir as portas para
um brilhante futuro conjugal. Quanto ao dinheiro, bem, daríamos
um jeito, afinal eles colocavam a nossa disposição diversas formas
de financiamento, não é mesmo? E também não estávamos tão
mal assim, a Laura tinha acabado de conseguir um trabalho que
dava até aposentadoria e credencial no Sesc, vejam só. Com
alguma boa vontade, podíamos nos ver de fora como um belo
casal promissor, seguro e descolado, moderno e clássico ao mesmo
tempo, pronto para investir num apartamento e, sobretudo,
plenamente compatível com o conceito que a equipe do Colinas
de Ícaro tinha bolado com tanto carinho. E quem sabe aquele
último barril, ao ir-se em mãos alheias, não nos dava uma
oportunidade única de remendar definitivamente nossa vida
desregrada, regada a álcool e irresponsabilidades juvenis?
E foi então que ouvimos o estrondo.
Uma negligência da equipe, ao que indicavam as
evidências, fez que restasse um barrilzinho derradeiro, imprevisto,
destinado por algum motivo a um casal bem vestido que chegara
logo depois de nós. O funcionário tropeça, o barrilzinho decola,
não chega a alçar voo, e a combinação furibunda de gases
submetidos a alta pressão e o impacto no porcelanato causa um
desastre sem precedentes. Houston, we have a problem. Espuma
para todo lado, tripulação em polvorosa, clientela indignada,
destroços de contratos espalhados pelo ar. Mayday,
definitivamente, e água no meu chope familiar.
E por falar em chope, fomos embora sem barrilzinho, sem
pré-contrato, com a roupa toda molhada e, pra consagrar nosso
fracasso, demoramos tanto que saímos de lá já quase de noite, o
bar tinha fechado. Vez em quando, olhava pro céu pra afugentar a
ideia de que alguém tinha me passado pra trás. Mas o negócio era
rir, e rimos. Afinal, todo mundo sabe que a viagem à Lua é mesmo
uma farsa, não é?
Dia dos Namorados
Marya Tutui

Colhi as mais belas flores


Vesti meu melhor vestido
Com pétalas eu desenhei
Vários corações floridos

Comprei um belo cartão


E num envelope colorido
Com caneta perfumada
Botei seu nome querido

Pois hoje é dia de festa


Muito bem comemorado
Com cartões e chocolate
É o dia dos namorados

Dia de santo Antônio


E também são Valentin
Em vários lugares do mundo
A tradição é sempre assim

Muitas flores e chocolate


Cartões com frases de amor
Podem ser velhos ou jovens
Até quem nunca namorou
Você, que foi meu primeiro amor
Mateus Brito de Souza Sales

Você foi o meu primeiro amor. Eu te disso isso, não?


Na época eu ouvia bastante o E·MO·TION, da Carly Rae
Jepsen, e meus dias foram definidos por canções sobre amor que
reverberavam a pulsação do meu coração.
A gente foi ao cinema com amigos. Dias antes havíamos
conversado sobre nosso relacionamento. Lá, a pergunta foi
simples. “Estamos namorando?”. Ninguém concordou, ninguém
discordou, mas continuamos juntinhos, aos beijos e abraços.
Você me levou para sua casa. A gente transou e foi um dos
dias mais mágicos da minha vida — pelo menos naquela época.
Você foi meu primeiro. Você foi carinhoso.
Eu viajei. Meu quarto na casa de minha vó, no Pecém, é
cenário de muita crise romântica, e a que te envolvia foi a primeira
de todas. Nós discutimos o relacionamento; estávamos com
saudades.
Eu respirei fundo durante dias para conseguir me
concentrar no mundo exterior. Não conseguia fixar minha mente
em nada pois tudo o que ela pensava te envolvia.
E então chegou o momento que todos conhecemos. O fim.
As aulas voltaram, seus últimos meses. “Não acho que estamos
dando certo”, você disse. Aparentemente, as coisas não estavam
tão perfeitas quanto eu imaginava. Havia um problema do outro
lado da situação — o qual até hoje ainda não identifiquei.
“Desculpa, mas eu não consigo”. Aí, você levantou e saiu
andando pelo corredor. Eu quis chorar até sumir.
No lanche da tarde, minhas amigas conversavam enquanto
eu estava de cabeça baixa. Saí abruptamente e elas me seguiram.
Conseguiram me alcançar e me abraçar por trás assim que as
lágrimas começaram a descer. Conversamos nas escadas do
laboratório de informática.
No ano seguinte, você sumiu da minha vida.
Há uns meses atrás, eu te vi no ônibus. Você, lógico, não
me reconheceu — ou fingiu que não. Aquele efeito crossover
passou pela minha cabeça e não pude evitar pensar: “Esse menino
conhecia um outro Mateus; ele não merecia nenhuma das duas
versões”.
Naquele dia, uma amiga minha, que hoje está distante,
disse: “Tu é luz demais pra uma sala muito pequenininha”. Na
hora, eu ri, mas é a mais pura verdade.
Enamorados
Mateus Pedrozo Oliveira

Estava num dia desses


Olhando pela janela,
A janela das vezes,
Dos tempos que estive com ela

Eu não conhecia o amor


Não, jamais dessa forma
Sentira tal ardor
Mas vinha forte agora

Fisicamente, os desencontros
Você escolheu nascer longe
Mas no coração um único encontro

Foi uma noite incrível


Que roubei seus olhares
E todo meu amor ficou visível

Foi suficiente para começar


A história que mais gosto de contar
Do como comecei a te amar

Acredito que nossa história


Teve um começo inesquecível
Que refez minha memória

Começamos separados
Mas nos tornamos adjuntos
Eu e você, agora enamorados
Buscando o infinito, juntos.
Namorar
Mauro Morais

Namorar é parte do amar


Momento inicial
Onde se deve buscar profundidade
Lendo nos olhos
O desvendar de quem esteja encantado.

Namorar é misturar sabores


Faíscas do coração
Relacionando-se de
Forma sincera,
Confiante e segura.

Namorar é ter um lindo brilho nos olhos


A alma em festa
Doando-se e
Recebendo
O melhor que se possa imaginar.

Aos namorados se pode afirmar


Que estejam em busca da felicidade
E se a fidelidade for verdadeira
O amor entre os dois
Realmente poderá se tornar uma realidade.
Inverno
Mayã Polo

O tempo que você não me deu


Foi pelo medo de que fosse eu
Que aceitasse no teu peito um abrigo
Te desse casa na minha libido

O relógio comigo foi cruel


Passou os ponteiros ligeiro, ao léu
Todos os sonhos riscados no chão
Falou que me amava jurando estar são

O inverno vai ser rigoroso


Desses de matar raiz
O que pode ser bem perigoso
Se é teu desejo, estou por um triz
Um sonho de amor
Meire Lara

És meu sonho personificado:


Tu me ouves, conversas comigo
Entendes-me como ninguém
És meu meu melhor amigo.

És aquele que eu espero chegar.


Cuja presença alegra minha vida.
Por quem estou encantada, apaixonada...
Acredito que sou correspondida.

Sinto teu toque quando me tocas.


Tu me beijas... E é tão incrível!
Não há dúvida, somos almas gêmeas
Ligadas por um forte laço invisível.

Amo tua voz carregada de emoção,


Que dá vida à nossa imaginação,
Que faz meu coração acelerar,
Despertando-me o desejo de te amar.

Fecho os olhos... e me entrego


Para viver esse sonho, que é tão real,
Na fantasia do teu abraço,
Onde me encaixo, meu namorado virtual.
Luxúria
Mikael Mansur-Martinelli

Eu em você, baixinho
Minha língua no seu corpo
Teu corpo ungido de luxúria
As partes
Um lado
E o outro
Eu em você
Você em mim
Nos em um
Som
Gesto
Desejo
Pelo dia
E toda noite
Dois em um
Um e um
Cinco em um
Um contra um
Sem nenhum.
Namorados
Milena Silva de Melo

Cada lágrima que desce


O meu coração por te
Enlouquece.

Cada te amo que recebo


O meu amor por te eu
Agradeço.

Não importa se você


Está longe, só sei
Que eu te amo muito
Mais do que ontem.

Mais alegria, eu sinto


Em te ver
Mais o amor, eu tenho
Por ter você.
O namorado
Nanci Otoni

Vem, não vem, não sei...


Espero, rezo, telefono ou desespero?!
Não. Pra quê?

Se me amas, me liga,
Se não me amas, me intriga.
O que não quero é briga.

Coração vai pular


O peito vai sangrar
Oh! Meu Deus, por que te amo assim?

Menina, sossega
E vê se não te apegues
Tenho pena de ti

Pena de mim, teu debochado!


Que só queres me ver tresloucada
Vê se te afasta de mim...

Eu quero te dizer
Não vale a pena sofrer...
Já entrei neste barco
E me senti um palhaço
Não quero isso pra ti.

Amigo imaginário, vê se toma tento


E não te importes que aguento.
Meu pensamento já se foi...
Voltei à realidade e me lembrei:
Eu nem tenho namorado!
-
Natália Huber da Silva

Observando alguns meses e anos - mais de um, mas não


dois - se passarem às minhas vistas, noto que amo em excesso,
mesmo sabendo que não existe amor demasiado.
Agora, com os pés para o alto, me questiono: como, ao
mesmo tempo, o amor pode doer vazio e cantar cheio de flores?
Como, num exato instante, pode a saudade arrancar sua
felicidade trazendo um reencontro esperançoso de atitudes
piruetados de doçura?
Então, descobri a bipolaridade sem fases. Esse termo
mesmo.
Dois ou mais sentimentos, em mim, são vividos
simultaneamente.
E não quer dizer que haja desarmonia nesse usufruto, tal
que tristeza, ansiedade, paixão e desilusão nada mais são que as
belezas da felicidade, paciência, amor e da utopia.
Pensando melhor, a perfeição, nesse estágio de vivência,
não será alcançada por meio da santidade e equilíbrio.
Através dos momentos em que fui impulsiva e
desequilibrada, alcancei a sanidade necessária ao reconhecimento
da minha relação intrapessoal.
Em tudo o que me era dito para ficar bem longe - no
excesso e no erro -, foi aí, que encontrei o caminho para minha
canção e bailado evoluírem compassadamente.
Não considero tudo dito como verdade absoluta.
Contudo, apesar de muito ter contemplado e
experienciado intensivamente, encerro alegando que não há
arrependimento em assegurar que nunca foi
[demais].
A outra
Natasha Nascimento

Como que por um encanto, engajou-a num papo sem fim,


conexão que continuou pelas mensagens trocadas e que
prosseguiu já com um beijo roubado, logo no primeiro encontro.
Ele era o seu primeiro e único amor correspondido. Não
provara nenhuma outra droga antes.
Cada pedacinho dele a completava por inteiro. Aliás, a
mera pretensão do seu toque já lhe excitava. Se deliciava com o
som da sua voz. Com o seu jogo de sedução. Tudo!
Sentia-se viciada.
E foi assim que se descobriu apaixonada.
Seria a namorada ou a amante? (Em algum momento
passou a desconfiar que ele tinha outra pessoa.)
Viveu essa dúvida por semanas, meses. Conclusão?
Nenhuma.
Foi com ele que teve a sua melhor noite, o melhor "entre-
sonhos", e o melhor despertar que poderia imaginar ter tido com
alguém. Sentir segurar na sua mão, olhar para ele e tirar o melhor
proveito dos seus corpos juntos.
Era como se o coração tivesse razões que a própria razão
desconhecesse. Pra não dizer que já estava envolvida demais para
retroceder.
Parecia-lhe mais inteligente deixar esfriar todas essas
sensações. Afinal, não podia se deixar envolver ainda mais caso ele
tivesse outra pessoa.
Estava tudo indo muito bem, até que numa noite resolveu
checar as suas dúvidas. Era véspera de feriado e ele tinha uma
viagem marcada. Provavelmente viajaria com a outra, pensou.
Oportunidade perfeita para terminarem de vez esse engodo.
Não era a primeira vez que ela tentava se despedir. Tentou
uma, duas, três, infinitas vezes. Lembrava do toque da mão dele
em sua mão, do primeiro beijo, do arrepio, dos seus corpos caídos
no chão, e ele lhe dizendo que eram um casal engraçado. Difícil
não recuar.
Chegou a procurar algum artifício para ludibriar a sua
mente. Algum mecanismo que deixasse o seu corpo apenas seguir
com a satisfação de sua vontade própria. Experimentou rever
princípios. Experimentou se deixar triste. Experimentou deixar de
querer experimentá-lo de novo.
Mas queria mais. Não queria retroceder. Afinal já era uma
mulher madura e podia ser moderna.
No dia em que ele lhe contou dessa viagem, esboçou um
sorriso surrado, quase que forçado ao perceber a sua cara de
espanto. A sua decepção pairou no ar e lá ficou com os
pensamentos suspensos quase que lhe esvaziando. Mas ele fingiu
não perceber nada disso.
Não duvidava do amor que ele dizia sentir. Mas como lidar
com o sentimento de rejeição? De se sentir-se abandonada,
trocada? Justo no mês de aniversário de namoro.
Perdeu-se num abismo de sentimentos.
Eram os seus momentos de maior tristeza e desespero. Se
sentia burra. Teve vontade de xingar. Mas não fez isso.
Quem mandou ser amante? Ainda que amada, errante. Era
o eco da sua consciência a cada novo pulso violento dos seus
nervos.
Precisava de um sorriso, e descobriu-se enganada. De
novo. Sim, de novo. Queria apenas lhe dar mais um abraço. Mas a
reincidência já fazia parte da sua vida. Sem sorrisos. Solidão.
Na sua fantasia, o romance dele aconteceu em outro colo,
em outro espaço, longe do seu.
Culpa do seu amor que cresceu junto com as aberrações da
sua mente insana. Seria apenas um novo mal súbito de ciúmes?
Não parecia possível.
Ele retornou de viagem e lhe trouxe uma pashmina. Seu
presente de aniversário de namoro atrasado - disse, enquanto se
ajeitava na mesa do café do aeroporto.
O ato materializava as fantasias da sua mente viajante em
cada uma das noites que ele teria passado no deserto com a outra.
Do caminho de camelo até a gripe que não pode cuidar. Mas ficou
feliz com o presente.
Precisava curar a dor que latejava no seu coração, mas não
sabia como fazer isso. Não conseguia ignorar a existência do
prévio e implícito contrato de namoro, em que pelo menos uma
das partes - ela - esperava fidelidade. Namorar não implicava
nisso? Em eleger apenas um coração para amar e respeitar, em
renúncia a todos os outros?
A sua consciência reclamava a necessidade de perceber os
próprios sentimentos. Compreendia que, para se estar com
alguém, deixava-se de estar para o outro. Só que, as ações dele
delineavam as prioridades que elegia para o seu dia a dia e ela não
se sentia ali. A sua mente estava curto-circuitando.
Pensou na propositura de um relacionamento aberto. Pelo
menos assim, as pretensões das partes envolvidas seriam
legítimas. Um pouco moderno demais para a sua própria
aceitação, mas precisava reconciliar-se com as novas ideias do
mundo.
Foi assim que deixou junto com o seu presente de
aniversário, um contrato de namoro, com cláusulas escritas e
expressas neste sentido. Despediu-se colocando o presente na
mala de viagem do amante, e pediu para que ele abrisse, apenas
quando estivesse no avião.
Viu? Sobre a sua carta, não entendi bem onde quer chegar,
mas para ficar com você, aceito qualquer coisa, apesar de não me
sentir muito confortável com a perspectiva de você estar com
outro.
Assim ele deu o último gole de café e enrolou a pashimira
no seu pescoço, oferecendo-lhe mais um abraço conciliador,
apesar do abatimento dos dias e noites anteriores, enquanto a
imaginava com outra pessoa.
-
Nathalia Martins

Eu senti sua falta,


Não só hoje que decidi lhe escrever,
Senti sua falta a cada dia, a cada hora, a cada segundo,
A dor da sua ausência tem sido como ácido,
Seu sorriso, uma faca, que me machucava a cada vez
[que lhe via,
Sinto falta dos dias em que eu costumava lhe amar,
Aqueles que eu fingia que você também me amava,
Aqueles em que eu era feliz com ilusões,
Aqueles em que eu amava quem eu pensava que você era.
Sou eu feita de ilusões?
Sou eu feita de pretensões?
Porque eu sei que você foi feito pela minha mente
Apesar de eu ainda perguntar se aquele era realmente você
Ou quem meu cérebro lhe fez parecer
Eu me pergunto se vocês dois tem algo em comum
[além da aparência
Porque eu sei que só um de vocês realmente me ama
E não é o você verdadeiro
Não é quem eu queria que fosse
É você, aquele que eu fiz
Mas não aquele feito para mim.
Quando acontece o amor
Nide Serejo

Quando as almas se encontram antes mesmo do olhar


Nasce o amor
É um querer sem saber e até sem entender
O coração acelera, pula feito um cavalo desenfreado
Vai ao céu num segundo
Volta apaixonado
Flutua nas nuvens de algodão
Abre um arco-íris de sonhos
Ocorre um eclipse quando nossos olhos se encontram
E nossos lábios se tocam
E então,
Somos namorados.
Letras
Noemi Freitas Araújo Mota

Hoje tive um sonho e nele estava você


Em um mundo cheio de letras esvoaçantes,
Loucas para tornarem-se palavras e
Começarem a fazer sentido.

Sempre quis te dizer o que retumba em mim,


Mas quando pensava em fazê-lo as palavras
Se desmanchavam como algodão-doce em
Minha boca e eu as perdia.

Elas fragmentavam-se e voltavam a ser


Letras rodopiantes dentro de mim.
Perdidas, mudas e ao mesmo tempo
Barulhentas e cheias de altivez.

Elas queriam aparecer e mostrar seus significados


Múltiplos e carregados de sentimentos.
Elas queriam mostrar do que são capazes de fazer.
Mostrar que palavras tornam-se ações.

O sonho acabou antes que pudesse dizer qualquer


Coisa a você, e, como já disse, as palavras se
Dissolvem em minha boca e as perco.
Elas continuam em minha mente e
A cada dia estão intensas, sedentas
E ansiosas para serem ouvidas por você.
Porque quando isso acontecer outras nascerão.

Não consigo dizê-las e elas não desistem.


Meus olhos são seus instrumentos por ora e
Se você for atencioso perceberá que eles brilham
E estão carregados de amor, desejo e letras.
Dia dos Namorados
Patrícia Ferreira dos Santos

A estrela ilumina a noite


E o sol resplandece ao dia em constelação
Para homenagear o dia dos namorados.

Há troca de amores,
Há troca de olhares,
Há trocas de sentimentos,
Em curtição ao bem amado.
Sobre lençóis
Patrik Bruno Furquim dos Santos

Meu ponto fraco tem nome


E me provoca toda manhã
Ao se levantar nu da cama
Beijando-me na fronte antes do café

Preparado por suas mãos


Traz numa bandeja nossa refeição
Antes da labuta diária
Que nos separa por algumas horas

O indicador vai a frente


Deslizando serenamente
Sobre sua parte mais bela
Despertando as mariposas

Ajudo com o nó da gravata


Igualmente o retribui
Os olhos se encontram num instante
E a vida faz sentido
Amor ingênuo, amor ingente
Paulo Eduardo de Barros Veiga
A Pablo Neruda

Meu coração é todo seu,


como os frutos são das sementes.
Nele, tua beleza vive
e, para viver, é que se ama.

Meus grandes olhos fitam os teus


e fitam as misturas brilhantes
de luzes de sol no mar. Vive
livre o pássaro de minha alma.

O amor ecoa pelas vagas


águas e coa vagarosas
sua pureza e a leveza
de nossa vida: ida ao eterno
e terno coração de sonhos
cheio e de pranto e razão,
vazão, delírios, confusão.

Saída das espumas brancas,


Citereia de amor me valsa.
Beija-me e beija-me e beija-me
como se o infinito das somas
de tantos beijos não bastasse
a esta boca antes tão muda.

Tua existência o imenso mundo


ressignificou ao chegar
trazendo cor à minha vida.
E o sol, carruagem ardente,
queima minhas almas de ardor.
E as flores e os pássaros e a grama,
todos nasceram para ti.
Sob o noturno céu tão fundo,
no entanto, deito a imaginar,
sob a impávida lua pálida,
sozinho, cansado e demente,
todo o encanto que dás ao amor...
todo, alegria de uma flama
imaginada para ti.

Imagino sempre nós dois –


um amor criado na mente –
balanço, passeio, cartinhas.

No entanto, deito-me sozinho


imaginando todo o encanto
que dás à minha doce vida.

Todo encanto de minha vida


imaginada ao lado teu
- meu amor, meu amor – e nós
fugidos pelo vasto mundo...

imagino até adormecer


teu encanto, como quem morre...

enquanto um grande jato com mísseis


cruza o céu deserto sem nuvens.
A história da donzela e o jegue encantado
Paulo Luís Ferreira

Essa é a história de uma menina. Uma menina quase moça


que já pensava em namorar. Porque lá pelas bandas do agreste
nordestino é assim:
“Mandacaru quando fulora na seca é sinal de que a chuva
no sertão, e menina moça quando enjoa da boneca é sinal de que o
amor chegou ao coração. Então ela só quer, só pensa em namorar.
Não usa mais meia comprida, não quer mais usar sapato baixo, só
quer vestido bem cintado, não quer mais vestir timão”¹.
Quer logo entrar na moda. Só vestidinho de chita cheio de
florzinha e para o pescoço, trancelim e perfume de água de cheiro.
O pai desconfiado levou a menina ao doutor, o doutor
mexeu, cutucou, depois de examiná-la todinha chamou o pai de
lado e disse: não se apoquente, mas o caso é sério... Essa menina
precisa se casar, mas tem um jeito: arrume um jegue pra ela se
distrair, pra ela passear, que ela tira essa peitica de pensar em
namorar.
― Mas eu num posso... Sou um homem pobre, não tenho
como sustentar tal luxo.
— Pois então arrume outro jeito dessa menina se curar, se
não o único remédio é se casar.
O pai saiu todo macambúzio, ressabiado das ideias e,
puxando a menina, arrastando-a para os lados deu-lhe um repelão:
— Trate de arrumar um jegue pra você se distrair dessas
ideias malignas de casar, está me ouvindo Solange! E jegue é bicho
que não falta nesse lugar...
— Deixe está meu pai, não se avexe. Eu só tô precisando
desarná² essa coisa de namorar, pois não sei que coisa é essa que
vive a me incomodar. É tanto comichão que faz me arrepiar...
— Vá, vá pra casa... Eu não posso te acompanhar, preciso
trabalhar.
Então se foram o pai por um lado e a Solange por outro. A
caminho de casa ao passar pela beira do rio, entre as moitas de
mato, ouviu de repente um:
— Ei, psiu!...
Solange parou, olhou em volta e nada viu. Assustada
perguntou:
— Quem é?...
— Sou eu...
Mais assustada ainda, voltou a caminhar. Parou, escutou,
escutou... E de novo perguntou:
— Eu quem?...
— Eu, o jegue encantado!...
— Jegue encantado!... Que bicho é esse?... Eu já ouvi falar
de serpente e sapo encantado, mas jegue nunca vi.
— Pois é, comigo deu errado. A bruxa era míope me
confundiu com um sapo.
Então o jegue deu um pulo de detrás da moita, bem na
frente da menina, que tomou um susto danado. Mas o olhar do
jegue era tão triste, tão meigo, tão de pidão... E a menina tão boa,
tão alesada, se curvou para ouvi-lo. Então o jegue contou que era
na verdade um príncipe encantado, mas amaldiçoado. Fora
transformado em jegue por uma bruxa malvada e vingativa com
poderes mágicos, que fazia qualquer coisa virar qualquer coisa. E
só se transformaria de novo em príncipe se uma donzela boa e
bonita o beijasse. A menina acreditou e logo beijou o jegue, mas
em vez de príncipe o jegue virou sapo. – indignada, Solange
gritou:
— Você me enganou! Você não é príncipe coisa
nenhuma!...
— É que você não beijou de verdade, você deu só um
cheiro! Devia ser um... Sabe como que é né...
— Ah!... Vá se catar... Vá lamber sabão!... – e foi embora,
deixando o sapo pulando feito besta pela beira do rio.
Tempos depois andando pelo mesmo caminho, pela beira
do mesmo rio, Solange escuta outro:
— Psiu!... Olá, como vai a senhorita!... Como vai a formosa
donzela, que bons ventos a traz a beira desse belo rio?...
Solange temendo, e esquecida do caso do jegue, julgou ser
um dos salteadores da região, que viviam a assaltar a população do
sertão, mas logo descobriu ser a mesma voz do “psiu” do jegue,
então se aproximou bem devagarzinho tentando ouvi-lo de novo.
Que contou a mesma história: que era um príncipe transformado
em jegue por uma bruxa malvada e vingativa com poderes
mágicos, que fazia qualquer coisa virar qualquer coisa e que só se
transformaria de novo em príncipe se fosse beijado com um beijo
caprichado por uma donzela e etc. e tal. A Solange concordou,
mas com uma condição:
— Não me enrole com essa história de príncipe se quer me
conquistar cative-me. Assim como disse a raposa para o Pequeno
Príncipe: A gente só dar valor as coisas que se conquista. – disse
Solange, soberba, esbanjando sabedoria para provar que entendia
de príncipe. Pois acabara de ouvir, pela televisão, uma miss contar
a história de um príncipe pequeno. – e acrescentou: As pessoas
hoje em dia não querem mais perder tempo em conquistar as
pessoas. Querem fazer amigo da mesma forma como se estivesse
comprando uma mercadoria num supermercado. Mas amigo de
verdade não se compra, se conquista com afeto. É por isso que a
gente hoje em dia vivemos tão só. Por isso meu caro príncipe-
jegue se queres uma amiga de verdade me seduza!
— Que é preciso fazer? – perguntou o jegue principezinho.
— É preciso se aproximar com calma, suave. Primeiro
sentas um pouco afastado de mim, Então eu te olharei com um
olhar de afeto e tu não dirás nada. Depois você senta mais
pertinho, e eu continuo sem dizer nada... E assim vais se
achegando. Os corpos se falam por si, sabia?... No outro dia sentas
mais pertinho. E a cada dia te sentirás mais perto... Este é o meu
segredo... – e finalizou empolada – É muito simples, as pessoas só
se veem bem com o coração. O essencial não é visível pelos os
olhos.
— Está bem, vou fazer como me pedes! Mas me beija logo,
que já tô ficando aperreado.
— Tá, mais com outra condição, beijo de língua não!...
— Tá bom, vá lá!... Nos beiços. Vamos ver o que acontece.
Tac, stac! A Solange tacou-lhe o beijo nos beiços.
Vruuu!... Vupt!... – O jegue virou um calango de sete cores.
E sem dá satisfação, de tão indignado que ficou, saiu pulando por
entre as moitas de amoreiras, gritando:
— Bom dia sol! Bom dia flores! Bom dia todas às cores!...
Diabo de moça mais besta, sô! Vai morrer e não sabe o que é um
beijo de verdade
A nova aparição do jegue aconteceu três anos depois, A
Solange caminhava tranquilamente pela beira do mesmo rio,
pensando feliz da vida em seu primeiro emprego como pau-de-
virar-tripa de porco no mercado municipal da cidade quando
ouviu outro:
— Ei, Psiu!...
— Quem é?...
— Sou eu sua idiota!... Não reconhece minha voz não!
— O que é que você quer?... Não me venha de novo com
aquela conversa de miolo de pote!
— Beijo!... Beijo... Eu quero beijo... Enquanto eu não virar
príncipe de novo eu não sossego. – e contou a mesma história:
bruxa malvada, vingativa, com poderes mágicos, donzela. Que
fazia qualquer coisa virar qualquer coisa, e tal.
Solange comovida, mais uma vez beijou-o, dessa vez na
testa. Que o fez transformar-se num príncipe, mas um príncipe
tão feio, tão horrendo que mais parecia Quasímodo, o Corcunda
de Notre Dame. Solange protestou, pois esperava um príncipe
mais bonito. O príncipe fez pouco do seu desdém, dizendo:
— Ué, pra quem vive beijando jegue!
— Deixe de falação e me diga uma coisa que nunca tive a
curiosidade de perguntar... Tu tens nome de príncipe ou de
jegue?
— Meu nome é meio de príncipe e meio de jegue...
— Como assim?...
— Meu nome é Flor de Pêssego. Porque, segundo minha
mãe, a Rainha Magalona, quando eu nasci parecia a flor de um
pêssego. Mas quando a bruxa me transformou em jegue,
aproveitou o gancho, e me botou o nome do Cavalo Alado
Pégasso, da Mitologia Grego-Romana, que também tinha alguma
coisa de bruxo, pois é sabido que Pégasso deu um violento coice
numa montanha e onde bateu seus cascos nasceu uma fonte de
águas cristalinas. Em seguida transformou-se numa constelação
que vive lá no céu infinito, no espaço sideral.
— Que lindo!... Que coisa mais comovente, mas vê se da
próxima vez fica mais bonitinho. – e saiu correndo desembestada
pela pradaria de lajedos.
Anos depois, a história é a mesma, mas a Solange agora é
uma jovem mulher que passeia as margens do Rio Tietê, já em São
Paulo, e empregada como gondoleira do Supermercado Barateiro,
quando escuta outro “Psiu”, vindo de detrás da pilastra da ponte
da Freguesia do Ó. Dessa vez ficou entusiasmada, mas sem
demonstrar exaltação, apenas surpresa:
— Você de novo!
— Pois é não tenho achado coisa melhor. – e contou a
mesma história:
Jegue, bruxa com poderes mágicos, etc. e tal. Antes que ele
continuasse com a lenga-lenga, Solange foi logo dizendo:
— Mas precisa ser donzela?
Não. Não precisava. – disse o jegue com firmeza. – Os
tempos são outros... Sabe como é hoje vivemos tempos modernos.
Entretanto, o beijo não serviu pra nada. O jegue ficou
como estava não mudou em nada. Solange ficou amargurada. E
disse melancólica:
— Sabe Flor de Pêssego, queria muito te namorar de
verdade, mas você só trapaceia com essa mania de beijo.
— Ora, não fique assim, venha cá, sente-se aqui perto de
mim, depois mais pertinho do jeito que você me disse, lembra?...
Venha que eu vou te ensinar a namorar, mas você vai ter que me
beijar pra valer, sem pudor.
— Não, agora não, eu vou pensar. Da próxima vez que
você aparecer, quem sabe! – e se foi embora.
Anos depois, Solange, agora passeando num Shopping. De
trás de um carrinho de pipoca, escuta o mesmo ‘Psiu’, a mesma
história: bruxa vingativa, poderes mágicos, que fazia qualquer
coisa virar qualquer coisa, com a diferença que não precisava mais
ser donzela.
— Olhe aqui você está me cansando com essa história,
alguma coisa você aprontou. – disse Solange já abufelada³ da vida.
E deu um chute no jegue. E procurou esquecer aquele
relacionamento que a perseguia desde a adolescência, e que nada
de concreto se realizava. Ela que tanto esperava um príncipe na
vida, já estava dando por perdido todo aquele tempo de
embromação daquele jegue mentiroso.
Tempos depois, já com uma consciência feminista;
casamento já não tinha tanta importância. Enquanto tomava umas
cervejas na calçada de um boteco com umas amigas, indo ao
banheiro ouviu outro “Psiu” por trás do espelho. Era Flor de
Pêssego. Que conta a mesma lenga-lenga. A história da bruxa
vingativa, e acrescenta:
— Um beijo, só mais um beijo e você será a mulher mais
feliz do mundo. Serás a mulher de um príncipe!
— Ah, meu amigo, príncipe hoje em dia não vale muita
coisa mais não. Mas pensando melhor... Eu acho que dá pra
ganhar um dinheiro com você, nem sei por que não pensei nisso
antes... Olha só, um jegue que fala! Você faz ideia do quanto eu
posso ganhar com um jegue falante, te apresentando em
programas como “Se Vira nos Trinta”, em circo, em eventos
empresariais, festas para crianças, hem!...
— Não. Não faça isso pelo amor de Deus!... No Faustão
não! Mande-me para as profundezas do Inferno. Eu juro! Eu sou
um príncipe, acredite! Você só tem que perder esse pudor de roça
e me beijar na boca. Eu te imploro, pela última vez. Eu te namoro,
eu caso com você, faço qualquer coisa, mas para o Faustão não!
Mais uma vez comovida com aquela ladainha, aquela
súplica do jegue, Solange não pensou duas vezes, fechou os olhos
e tacou um beijo do tipo saca-rolha na bocarra do jegue. Chupou
tanto a manga que engoliu o caroço. Em seguida, o que se viu foi
uma explosão e uma luz brilhante, assim como um trovão e um
relâmpago rasgando os céus em dia de tempestade. Que num
estalo, numa fumaça mágica salta a sua frente aquele principezão
lindo, maravilhoso! Coberto de areia prateada e lantejoulas.
Solange de tanta emoção e extasiada caiu fulminada, parecia que
não ia acordar nunca mais.
O príncipe por sua vez, logo que se viu gente saiu em
disparada.
Hoje o que se sabe do príncipe é que virou cantor
sertanejo. Da Solange: é que vai a todos os Shows de artistas
country na esperança de encontrá-lo. Ver se ele não quer discutir a
relação. Mas como os artistas já conheciam a fama da dita maluca
deixam avisados à segurança de que era para barrar qualquer
branquinha contando uma história de que desencantou um jegue
que virou príncipe e faz qualquer coisa virar qualquer coisa, era
para chamar o pessoal do manicômio.
Entretanto aquela menina é uma destemida, mesmo
depois de todos os despropósitos por que passou, continua
obstinada. Vive pendurada no celular, telefonando para todos os
telefones da lista na tentativa de encontrar aquele príncipe/jegue
cabra safado, que a usou despudoradamente... Desgraçado.

---
Notas do autor:
1. Trecho da música, Xote das Meninas, de Zé Dantas e Luiz Gonzaga
2. No Nordeste, significa: aprender, praticar, treinar; exercitar.
3. No Nordeste, significa: irritada; fora de si.
Robô apaixonado
Pedro Galuchi

Quando a imagem de Diana surgiu na tela do monitor,


Clark desatinou por completo. Componentes em parafuso...
Nunca mais foi o mesmo. Em sua memória apenas a imagem dela.
Colocaram um “marca-passo” cerebral para dar-lhe sobrevida. Em
vão... Virtualmente apaixonado, Clark passava o tempo todo
ligado, projetando como conquistá-la. Diana era maravilhosa...
Bela... Inteligente... Parecia de outro mundo... Fazia de tudo...
Enviou-lhe flores... Artificiais.. Nas telas dos monitores, por onde
Diana passasse, surgiam “fogos de artifício” e coraçõezinhos com o
post: “Clark ama Diana”. Enfim, todos os seus programas
dedicados a ela. Desejava-a em sua rede... Sem uma piscadela de
emoção, Diana ignorava o afeto humanoide de Clark.
Descontrolado com a frieza mecânica da amada, pediu a
cumplicidade de drones e passou a segui-la. Ao ver Diana
abduzida pelo disco-voador de Gort, Clark ficou com os
algoritmos totalmente fora de órbita, repetindo: “Situação de
emergência! Situação de emergência! Situação de emergência!”...
“Acionar botão de pânico! Acionar botão de pânico! Acionar botão
de pânico!”. Depois, resetou-se, “entrou em loop”, reprogramou-se
e como tivesse asas, num upload ultra veloz, subiu às nuvens, à
procura da nave espacial...

---
Nota do autor:
Nunca mais soube deles... Quem sabe um download inesperado em
algum computador pelo mundo traga notícias de Clark... Por favor,
prestem atenção antes de deletarem as mensagens! E qualquer
novidade, enviem-me um e-mail, coloquem na rede social.
Sem deixarem rastros de onde estariam navegando, Clark soube que
eles teriam viajado para o passado. Tem sido visto por telescópios
vagando no céu, como um cometa, perdido no espaço... Quem sabe
na esperança de um “download” trazer-lhe Diana de volta...
Namorados
Rachel Soares

Um dia encontrei seus olhos,


entre vapores de lua
e travesseiros de plumas
e suores de plainas
em danças de mil quereres.
Seus olhos em meus olhos, nasci.

Amanheceres de beijos
em brilhos remanescentes
a transpassarem lençóis
em labaredas de esperas.
Em seus olhos de prontidão
virei versos, borboletas.

Um dia encontrei seus olhos,


pousados além dos meus,
por mares, pressentimentos,
a repousarem cansados,
viajantes em terras distantes
alagadas por eras sem fim.
Seus olhos já não eram meus.

Um dia encontrei perguntas


e respostas não programadas.
Éramos nós a plainar,
pássaros desintegrados,
em olhos extraviados.
Éramos voo sem pouso.

Um dia perdi seus olhos


por tortuosas esquinas,
por vertedouros de mundos,
por lágrimas cristalizadas,
em afogadas mentiras,
em trajetórias de ausências.
Esqueci seus olhos dos meus.

Um dia perdi as asas


em voos desconhecidos,
noturno em céu escuro,
sem coro de estrelas,
sem lua, sem rumo certo,
somente o horizonte gigante.
Sem olhos pra enxergar.

Desviei de rotas portais,


achei que ao ser imortal,
o teria pra sempre ao voltar
em travesseiros de amores
e carícias incandescentes.
Vasculhei mundos busquei
voltei pra encontrar o prumo.
Seus olhos perdidos dos meus.

Um dia, em areias de sol,


a cobrirem meus pés e alma,
a me sangrarem os olhos,
descobri que o imortal
um dia não volta mais.
Vira estrela no céu do olhar.

Um dia, fui além,


ao ver seu rosto de luas
em rugas bordadas de eras,
o seu riso trançado de esperas
no meu silêncio estendido,
namorados por entre vidas
na eternidade a soprar.
Otto
Rafael Beserra Figueiredo

Certa vez, em uma de minhas viagens ao norte, bem além


das montanhas de neve, nas ilhas onde se pode encontrar os
ventos que sussurram canções, encontrei uma pequena ilha, que
não possuía mais do que 20 metros de diâmetro. O curioso deste
lugar era o fato de que chovia em toda parte, exceto no centro, um
círculo de 2 metros de diâmetro no máximo.
Me sentei encolhido na beirada do círculo, para sentir os
respingos da chuva, nunca tinha passado por tal situação, cercado
pela densa chuva, porém seco, mesmo sem qualquer coisa sobre
minha cabeça. Sorri... pois a chuva me lembrava de minha casa, as
ilhas de pedra, com uma chuva incessante que tornara rigorosa a
vida de meus queridos pais.
Meus pensamentos são interrompidos por uma voz tão
bela quanto a safira-mar.
― Com licença... poderia curvar um pouco mais sua
cabeça?
Quando procuro a dona de tal voz, me deparo com uma pequena
flor amarela, tão linda quanto o pôr-do-sol do paraíso.
― O que faz aqui, pequena flor?
― Fui plantada pelo...
Um vento forte sopra sobre a ilha e acaba balançando a
pequena flor, que espera pela calmaria dos ventos para continuar.
― ... Meu mestre.
―E quem seria seu mestre?
―Um homem gentil, que prometeu me tirar daqui
quando fosse seguro.
― Seguro?
― Sim, ele disse que o mundo lá fora poderia me
machucar.
― E quando ele volta?
― Não sei... a verdade é que a muito tempo não o vejo.
― Entendo.
― Mas então... poderia?
Olhei para ela sem entender a pergunta.
― Gostaria de saber se poderia curvar um pouco mais sua
cabeça, é que esse é o único lugar desta ilha onde posso sentir um
pouco de sol, e gostaria de estar grande e bela para quando meu
mestre...
Mais uma vez o vento interrompeu, mas desta vez juntei
minhas mãos em volta da pequena flor, para amenizar o frio
vento.
― Obrigada! Quando meu mestre vem, me protege da
mesma maneira que o fez, tens que ver como ele é bondoso!
Curvei-me como ela pediu, e sorri mais uma vez. Estar do
lado daquela pequenina me fascinava.
― Mas então... como se chama forasteiro, e o que faz
aqui?
― Oh! Desculpe minha indelicadeza, me chamo Otto
Liozard, e sou um viajante, por isso vim para aqui.
― É um prazer, Otto Liozard, me chamo Elace, pelo
menos é o nome que meu mestre me deu.
― É um belo nome.
― Não é? Meu mestre é muito bondoso! Espero que tenha
o prazer de conhecê-lo!
― Eu também.
― Poderia me responder algo, Otto Liozard?
― Claro!
― O que seria um “viajante”?
― Como assim? Não sabe o que é um viajante?
― Não, é que meu mestre não fala muito sobre as pessoas
de fora dessa ilha.
― Entendo... bom, um viajante é alguém que vai a vários
lugares para viver e escrever sobre eles, nós temos a missão de
tentar ir a cada pedaço desse mundo e escrever como é. eu soube,
que a muito tempo atrás, antes das montanhas e os mares
dominarem o mundo, chamavam as pessoas que viviam como eu
de “historiadores”.
― Que incrível! Quão belo não deve ser viajar, ver o
mundo, conhecer as pessoas! Há tanta coisa! Meu mestre me
contou uma vez sobre um lugar onde as pessoas são plantadas
como sementes, para crescerem, como eu! Ele disse que se coloca
uma pedra com o nome da pessoa onde ela foi plantada, para não
se esquecer do local, ele também mencionou que sua esposa
estava em um desses lugares, plantada, esperando nascer, meu
mestre deve estar esperando isso acontecer, por isso ainda não
veio, ele é muito bondoso.
Me entristeci ao ouvir isso, a pequena Elace falava tão
alegremente de algo tão triste...
A esposa de seu mestre estava morta, e ela jamais faria
ideia da dor que é o significado disso, lembrei-me do cemitério
onde estão meus pais, as duas “pedras” com seus nomes.
A pequena flor não estava preparada para o mundo lá fora,
provavelmente nunca estará.
― Algum problema, Otto Liozard?
― Não... nada, pequena Elace.
― Então... poderia me contar mais sobre as suas viagens?
― Mas é claro!
E assim foi, contei a ela sobre Safir, um sapeca andorinha
azul, que sabia de cor o nome de mais de 300 flores com quem
teve casos. Contei sobre o mar de sete-cores e sobre a densidade
de cada parte colorida dele. Mencionei até mesmo Diana, a árvore
mais velha do mundo, cujos galhos mais altos tocam as estrelas.
A cada aventura contada, a pequena Elace se maravilhava
ainda mais com a ideia de um dia sair, viajar, começou até mesmo
a ambicionar a ideia de ser um desses “historiadores”.
E assim foi. Passei um bom tempo ao lado da pequena Elace,
sorrindo, ao ouvir as ideias dela de como poderia ser o mundo.
― Ah! Otto Liozard! Quão bom será, quando meu
bondoso mestre me tirar daqui e me levar para o mundo!
― Sim, pequena Elace... Será.
Menti, pois sabia que aquela pequena flor, a mais bela que
já havia visto, jamais sairia daquela ilha. Mas uma vez o vento frio
correu pela ilha, e mais uma vez protegi a pequena Elace entre
minhas mãos.
― Poderia me fazer um favor?
― Diga, pequena.
― Poderia passar a noite comigo? É que o vento me
assusta, e a noite é ainda mais forte.
― Claro, Elace! Ficarei com você essa noite!
― Ah! Que bom! Muito obrigada Otto Liozard!
A pequena flor se alegrou tanto, que suas pétalas
começaram a mudar de cor. Indo do amarelo ao mais puro
vermelho.
― De nada.
Passei a noite ao lado dela, na pequena ilha que nunca
para de chover. Às vezes, ao olhar para o mar que a cercava, a
ideia que eu tinha é que o tempo ali estava parado, e que nunca
iria passar, de repente ficar o resto da vida ali não parecia uma
ideia tão ruim.
― Boa noite, Elace...
― Boa noite, Otto Liozard!
Poucos minutos se passaram até que Elace adormeceu.
Enquanto olhava para aquela pequena flor tudo que conseguia
pensar era em deixar a ilha, há muito tempo, meu mestre disse
que quando queremos ficar em algum lugar, é justamente quando
devemos partir, um viajante não se pode dar o luxo de fixar em um
lugar.
Procurei alguma coisa que pudesse deixar para a pequena.
Procurei entre meus pertences alguma coisa, mas nada parecia
adequado a ela. Até que achei um pequeno copo de vidro, muito
antigo e malconservado, era perfeito! Não possuía fundo, logo ela
poderia receber a luz do sol normalmente, também possuía
pequenos buracos na lateral, o que permitiria a pequena Elace
receber o vento sem ter medo que o mesmo a arrancasse.
E assim me despedi dela, coloquei o copo em sua volta enquanto
ela dormia e fui, adentrei a chuva fria e disforme, certamente
voltarei a este lugar.
Sopro
Rafaela Ghacham Desiderato

Em tardes de chuva como essa,


Domingueira pede água
Pé d’água lá fora
Mas aqui dentro
Corpos quentes,
Copos quentes
E um amor febril

Roberto na vitrola
Poesia na máquina de escrever
Mágica saída da cartola

Tão retrô esse nosso amor


À moda antiga
Tão antigo a soprar velinhas
Contra a corrente,
Contra os descartes fúteis
Tão velho esse nosso amor a soprar
Velinhas do tempo que foi para com a gente
Pai, professor, amigo, mentor
Velho mau, médico e pastor
Assopremos a vitória, baby.
Uma prece ao tempo
Rangel Paiva

Vou fazer uma prece


que apresse o tempo
que remonte um templo
Pra gente se encontrar

E na oração irei falar de amor


Irei contar da dor
De longe ter que estar

Quero ser a cor que pigmenta a pele


odor que impregna o pelo
Quero ser flor
e que o vento me leve
Para encontrar o teu cabelo

Quero ser prosa


para encantar teu ouvido
e ser rosa
pra dar cor ao teu vestido
Quero ser teu
e nunca deixar de sê-lo.
Breve história de marujo
Rapha Weyne

― Vou terminar meu rum,


mas quero dormir.
O cansaço das vísceras
o empurrava
para uma região além.
Enquanto caminhava
vagarosamente
até o sono,
vasculhava escaninhos
de mentiras,
de decepções, farsas
da última briga,
último reatar.

Planava na água-ar
rame de relacionamento,
ruído branco que permeia
o interstício de duas almas
de alguns homens
o som de água salgada
nos mexilhões
que já eram casco.
O nome da estática,
convivência.

Habitava seu estômago


certa fraqueza;
certo vício e propensão
a vômitos e diarreias,
salgado expurgo
que o corpo lhe oferecia
e que não era suficiente.
Naquela noite longa
de névoa fina
ele navegava
a fragata
com a mesma serenidade
com que antes navegara
mares mais bravios.

O pavio do candeeiro
queimava no balaústre
longo e distante,
a incandescência
ecoava bonito
na maresia
que teimava
em fazer casa
naqueles olhos negros.
Sem admiração ou inveja,
posso hoje mesmo imaginar
cada bolsa sob os olhos
do velho timoneiro,
história epitelial
contada em rugas de rusgas
de passado mitológico
sem Penélope, Ítaca
e jamais Telêmaco.

O navegante tragava fundo no cachimbo,


imprimia a nave encharcada e encrustada
contra mais essa e aquela onda
ar contra água,
ideia contra emoção.
Estática.
A nau era o construto
de tudo que deviam ser.

― Mais um pouco velha donzela,


só mais um pouco.
Ainda vamos até ali adiante.

Respeitava e amava a bruma que,


naquela noite tranquila,
levaria sua nave a pique.
Enquanto o sono acomodava-se
sobre pés inchados
e roçava em micoses
como mexilhões
o timoneiro imaginava
a fragata naufragada,
pedacinhos de pau inertes
espalhados pelo amplo do mar,
flutuando sós
ainda que a nau
não mais o fizesse,
ainda que os cravos enferrujados
tivessem dado lugar à espuma
branca daquela boca.
Continuariam navegando ao léu,
como era de seu feitio.
Meu amor, minha razão
Reginaldo de Sousa Venâncio

Sou escravo de um amor


mas é a melhor sensação,
Um cárcere de puro sabor
moro em seu coração,
somos eternos namorados,
caminhamos lado a lado,
meu amor, minha razão.

Afoguei-me nessa maré


Sentimento mais puro amor
iluminado pela fé,
no meu peito se ampliou.
É a melhor sensação,
Mar de flores inspiração.
Um viver que vale a pena,
é sentimento surreal,
fascínio de uma paixão,
Deusa de olhar magistral,
meu amor, minha razão.

Seu sorriso é como o mar,


inspiração e calmaria.
Seu corpo vou navegar,
minha doce harmonia.
Desfrutar das belezas,
lindo sol que irradia.
É semente que fecunda,
no terreno da emoção,
é instigante e profunda.
Meu amor, minha razão.
És eterna namorada,
Sua voz é uma melodia,
em meu peito fez morada,
seu amor me contagia.
Seu perfume me entorpece,
minha vida enobrece.
É sonho mais que vivido,
caminhos de pura emoção,
Meu viver ganhou sentido
és como jardim florido,
Meu amor, minha razão.
Masculum
Renata Ribeiro Dias

É incrível
Me deslumbro ao ver-te
Deslizando no salão

Sensível
Seus dedos me chamam
Ao posicionar suas mãos

Valseia sim
Com tantas outras
Que não lhe completam

Me atino
No desvio dos olhares
Que procuram em vão

Uma noite
É pouco para nós dois
Másculo e divino pagão

Quero aqui
Dentro de mim apenas
Aquilo que elas não acordam

E juntos
Serenos depois da valsa
Enlacemos na aurora

O amor
Que juramos antes
Exclusivo ao que lhe completa
Amo-te
Ricardo Mendonça Cardoso

Amo-te mais do que a carne


Mais do que a alma
Mais do que a palavra
A imagem noturna de ti
Inebriando meus pensamentos
Neblina turva da face tua
As mãos me acariciando
Qual uma nebulosa difusa
Teus olhos como estrelas
Fortes luzes a cegar os meus
E a refletir neles minhas lágrimas
Pequenos silêncios
Que escorrem pelo meu rosto
Caindo no meio dessa folha
E se esparramando em versos
Amo-te, o resto é poesia...
Na vida
Ricardo Silva

Na vida...
Nos deparamos com pessoas incríveis
Com pessoas maravilhosas
Capazes de nos fazer feliz
De construir uma história
Que nos estende a mão
E apaga as cicatrizes

Com você não foi diferente


Você me ensinou a amar
Pegou na minha mão
E disse “o mundo vamos enfrentar”
Eu era um arvore sem frutos
Mas você veio e mudou tudo
Me fazendo renovar

Formamos um laço
Que jamais irei quebrar
Pois alguém como você
Sei que jamais vou encontrar
E o que quero te dizer
É que jamais vou te esquecer
E para sempre irei te amar
Amor proibido
Roberto Perius

A cada manhã
após desperto, sozinho,
olho contemplativo o sol que comigo se levanta,
quando, embebido na solitude contemporizo:
oh(!), mais um dia, um dia a mais, mais um dia...
Assim, toda manhã,
dia após dia...
E ao anoitecer dele me despeço
no aguardo da espreitante lua,
que ao longe, do oposto lado,
vagarosa cintila e espia.
Tudo ao comando do inflexível tempo,
por ondas gravitacionais compassado.
Ambos, a exemplo dum amor proibido,
desencontrados e distantes namorados,
separados e juntos a coexistirem
revezando-se “ad infinitum”,
solitários, na mesma cama.
Amor
Robinson Silva Alves

Quero amar
Todo dia
Pois amor é magia
Um sonho sonhado
A mais bela poesia

Declamar mil versos


Na tua rua
Fazer serenatas
A luz da lua

Provar de teus beijos


Os mais loucos desejos
Inebriar de paixão
Dedicar em verso e prosa
Toda minha emoção

Dedico a você
Amor de minha vida
Minha poesia
Meu coração.
Acasos felizes
Rodrigo Cristalino Bezerra da Silva

Então foi assim


Que olhando pra você,
Vi muito mais que se vê
Por trás desse seu olhar
Fui calmaria de mar
Navegando sobre mim.

E foi estopim,
Este fogo tão real
Talvez lhe fosse fatal
Seu olhar queimar de dor,
Por detrás daquele ardor
Libertou águas de fim.

Ouvi um clarim!
Tocando a sua chegada,
Eu não queria mais nada
só deitar e ouvir sua voz,
E a vida dentro de nós
dizer a palavra sim.
Te amo! Assinado: seu eterno namorado!
Rodrigo Mendes

Te amo, sem dúvida restar.


Rego – te com afeto esperando
Que cada vez mais
Floresça dentro de ti
O mesmo sentimento puro
Que nutro por você. Sim,
Amor esse que minha alma dignifica
Em meu interior estas a existir
Que tenhamos resistência, perseverança,
E do amor não abster,
Por mais que de espinhos
Tenhamos que se desfazer.
Te amo com devoção inquestionável.
Há prazer em ter convicção
De nossa inequívoca, ascendente paixão.
Vamos realizar nossas vontades,
Se amar sem empecilhos,
Se doar um ao outro com vontade.
Enriquecido, nunca esquecido
Venha ser nossa união.
Prevaleça ainda que nos enlouqueça,
Esse sentimento que nos devora,
Sem sermos fracionados,
Ao contrário,
O que faz é transbordar.
De âmago inteiro, repleto,
Saltando pelas beiradas,
Ali constando a nós ilimitar.
Prevaleça esse sentimento acalentador
Que aniquila toda angústia sentida
Neutralizando também a dor
O mesmo que tem preferência
Em evitar ver uma lágrima escorrer
Prazeroso de relevância capaz
De transformações,
Como propiciar a nós dois
Possível compartilhar de emoções,
A serem guardados na memória
Para muito mais do agora.
Te amo com verossímil ardor
Como de um adolescente inquieto
Em seu primeiro amor,
Sentindo a obrigação e desejo
De seu coração povoar.
Te amo, derivado de um amor,
Que tem como missão
Crescer, evoluir, enrijecer.
Almejo sempre ter a delicada incumbência,
Pelo tempo que se fizer minha existência,
Te amar.
Assinado: seu eterno namorado!
Gabriela
Ronaldo Dória Júnior

Ônibus 759, Avenida Brasil. Roberto acordou, assustado,


temendo ter dormido demais e passado do ponto. Olhou pela
janela e se certificou de que ainda faltava um pouco para chegar.
Sorte. Olhou o relógio: 13h37min. Chegaria cedo, a sessão
começava às 14h20min. Estava ansioso. Era seu primeiro encontro
com uma mulher que havia conhecido pela internet. Gabriela...
Pensava nela e sentia um frio na barriga, um suor gelado nas
mãos.
Haviam se conhecido há duas semanas. Roberto entrou
por acaso no chat, apenas para passar o tempo,
despretensiosamente, como sempre. Até que ela apareceu.
“Insuportável fala reservadamente com Bob Schumann:
Oi, boa noite, td bem? Vc é brasileiro?”
Roberto explicou que era brasileiro, apesar do nome
gringo. Ela quis saber o porquê da escolha, e então ele disse algo
por alto sobre o compositor. Falaram sobre música, sobre seus
respectivos gostos musicais. Esgotado esse assunto, conversaram
sobre as séries que curtiam. Ela era fã de The Walking Dead, que
Roberto também curtia muito, mas que, segundo ele, não chegava
aos pés da produção baseada nos livros de George R. Martin. A
conversa fluiu noite adentro. Filmes, séries, livros. Era já
madrugada, e ela se mostrava receptiva e disposta a conversar.
Para sua surpresa e satisfação, ela havia tomado a iniciativa de
mudar o rumo da conversa.
― Você é um bom garoto. É difícil achar alguém por aqui
que saiba manter uma conversa agradável. Estou disposta a lhe dar
um presente por isso. Você quer?
Claro que queria. Trocaram número do Whatsapp.
Ansioso, atualizou os contatos no aplicativo e reiniciou a conversa.
Ele enviou um “Oi. Cadê meu presente?”. Ela enviou uma foto nua,
que escondia seu rosto, mas mostrava seus seios grandes e de
mamilos marrons.
Tudo havia começado aí. Conversavam virtualmente todos
os dias. Gabriela sempre dava um jeito de manobrar a conversa, de
modo que, quando Roberto menos esperava, estavam falando
sobre sexo. Ela gostava do jeito tímido dele, e se excitava em
provocá-lo.
― Já viu um filme francês chamado Azul é a cor mais
quente? – disse ela, certa vez.
― Não, acho que não. Sobre o que é?
― Fala sobre a história de amor entre duas meninas. Tem
umas cenas de sexo tão realistas, você precisa ver. Mas, apesar
disso, é uma história triste, é bem dramático.
― Vou ver se faço o download pra assistir.
― Mas não assista na tevê da sala, você não vai querer que
sua mãe veja você assistindo.
― Então o negócio é sério mesmo...
― Sim! Já falei, as cenas de sexo são realistas demais, não
parecem encenação. Fico excitada só de lembrar. Sabe, sinto um
tesão louco quando vejo vídeos de sexo entre mulheres.
Não era a primeira vez que ela falava sobre esse gosto
específico. Roberto sentia-se extremamente excitado pensando no
desejo dela por mulheres.
― Mas isso acontece somente com vídeos? Ou sente
vontade realmente de transar com mulheres?
― Eu fiquei com algumas meninas ao longo desses trinta e
poucos anos, mas só namorei uma.
― Sério?
― Sim, por quê?
― Por nada, por nada... Acho que todo homem tem esse
fetiche, imaginar duas mulheres juntas... Mas você prefere
mulheres a homens? Ou o contrário?
― Meu tesão é majoritariamente hétero. Mesmo
namorando uma mulher, eu sentia necessidade de transar com
homens. Na verdade, foi justamente isso que minou o
relacionamento. Uma pena...
― Você gostava muito dela?
― Chama-se Verônica. Não houve nada sério com as
outras meninas, nada além de beijos. Mas com ela eu vivi muitas
sensações novas. O sexo entre mulheres é uma eterna preliminar,
e a preliminar, para as mulheres, é tão ou mais importante que o
sexo propriamente dito. A sensação dos nossos corpos se
esfregando um no outro era maravilhosa.
― Nossa, que coisa gostosa de ler, de imaginar...
E ele imaginava uma vez mais, ali, dentro do ônibus, a
poucos minutos do local onde haviam marcado o encontro, louco
para, finalmente, vê-la. Tudo havia sido meticulosamente
arranjado por ele. Escolhera um filme bobo, uma animação pouco
badalada, e a hora da sessão também fazia parte do plano. A sala,
provavelmente, estaria bem fazia, convidativa.
Lá estava ela, na entrada do shopping. Pequena, cabelos
cacheados. Cumprimentaram-se como haviam combinado, para
evitar desencontros e constrangimentos. Um beijo na boca.
Simples.
Caminharam sem pressa até a sala de cinema,
conversando timidamente. Sala vazia, como esperado. Seus
assentos eram os da última fileira, isolados. Sentaram-se, viram os
trailers. Luzes apagadas. Roberto sabia que devia fazer algo,
esperava-se isso dele. Bastavam já todas as iniciativas que ela tinha
tomado nessas duas semanas.
― Aceita uma bala? – ele disse, por fim.
Colocou-a em sua própria boca, entre os dentes, chegou
mais perto dela. Bala, línguas e lábios misturaram-se num beijo
quente e vermelho, como o batom que ela usava. A partir daí não
houve mais filme. Ele olhava a tela, sim, mas não a via. Sua mão
pousava atrevida na coxa dela, alisando, apertando. Entre um beijo
e outro, apertava seus seios. Ele daria tudo naquele momento para
vê-los libertos daquela roupa, senti-los. De repente, Gabriela
meteu a mão entre as pernas de Roberto e sentiu ali o volume, que
cresceu ainda mais com o toque dela. “Eu estou muito molhada”,
ela sussurrou. Roberto, então, inesperadamente, enfiou a mão
dentro do short dela e, com dedos hábeis, ultrapassou a calcinha e
sentiu sua maciez, sentiu a umidade que escorria dela. Ouviu o
gemido baixo, quase inaudível, proibido. Ela tirou a mão dele,
chamando-o de louco, doido varrido. Mas sorria.
Do filme em si eles pouco se lembrariam depois, mas
ambos concordavam que foi a sessão mais emocionante que já
viram.
Pra te ofertar
Ronilson de Souza Lopes

Eu tenho tanto amor p’ra dar


A ti, menina.
Tanto assim ninguém pode imaginar.
Tão lindo quanto o horizonte,
Tão imenso quanto o mar...
Na manhã de primavera
Com um beijo quero te despertar,
E segurar a tua mão aonde for,
Com um encanto deslumbrante
De um pássaro inebriante, beija-flor.
Menina, musa dos meus devaneios,
Diz: quero uma estrela e a terá.
Diz: quero o arco-íris e o arco-íris terá.
Teu amor não quero ter,
Se isso não te ofertar.
Irei buscar um cometa
Só pra te inebriar!
Peça tudo nessa vida,
Só não peça p’ra eu te deixar,
Pois o homem não é nada
Se não tem a quem amar...
Namorando
Roque Aloisio Weschenfelder

Namora a vida outra vida


Namora o dia a noite
Namora a estrela o céu
E namora o sol a lua

O doce sentir namorado


Perpassa os entendimentos
Supões os sempiternos perdões
É a prisão perpétua de dois corações

Em tantos namoros
O mundo sucumbe
Em muitos outros
A chuva molha as almas

Lágrimas em abraços
Juras de amor para sempre
Labaredas invadindo os corpos
E novas vidas à vista

Namorados enamorados
Luzes na vida social
E Deus abençoa o amor
Num casamento de seres

Então chega junho


E o dia dos namorados
Mas nada supera a saudade
De um namoro que partiu
Para sempre
Rumo à eternidade.
O primeiro abraço
Rosana Arruda de Souza

Bruno aproximou-se de seu corpo. No quarto, a escuridão


se misturava à luz tímida que vinha de fora. A longa cortina de
seda rosa se revolvia, às vezes, ao toque delicado da brisa escura e
que, vez ou outra, vinha acarinhar o corpo de Teresa, semicoberta
pelos lençóis. Bruno a admirava sempre. Quantos anos de amor
envolveram aquele casal?! Entre enlaces e desenlaces, muitas
conquistas dos dois, sobretudo, de Teresa. A linda e delicada
mulher acabara de conseguir o tão sonhado concurso numa
universidade federal e a vitória, como as que antecederam esta, foi
comemorada ao pé do telefone: “consegui, Bruno”; “parabéns pela
conquista, você merece”. Depois, chegou o momento de mais um
grande sonho na vida de Teresa: um filho.
No quarto, a penumbra acalentava o clima sereno do casal.
Pela primeira vez, de fato, iriam conviver, na mesma casa, todos os
dias. A distância não era mais impedimento. A notícia do filho a
caminho fizera Bruno querer deslocar-se de seu rumo cigano e
apegar-se a um canto. Apegou-se à Teresa. Jamais imaginou que se
embriagaria assim por alguém. Embriagou-se demais. A vida não é
só feita de sonhos e coisas bonitas.
“ – Mais um sonho realizado. Obrigada, Bruno”.
O trajeto à Teresa foi feito depois de muita espera. Era
preciso esperar a chuva passar.
Chegou a casa. Não teve trabalho nenhum para entrar,
apesar de não trazer consigo as chaves e Teresa estar dormindo,
não tendo acordado ao som de seu chamado.
Ouve-se um chorinho doce. Teresa acorda para
aconchegar o bebê. Bruno se atenta. Teresa vira-se para o amado,
olha-o profundamente. Mil lembranças boas surgem naquele
olhar.
Bruno ergue os braços para aconchegar a amada e o filho.
Passa suas mãos mais uma vez mais sobre os dois, mas elas,
novamente, transpassam o vazio daqueles corpos.
Bruno embriagou-se demais antes da viagem e, naquele
momento de tentativa vã de tocá-los, percebeu que era tarde
demais para ele.
Teresa novamente olha em sua direção. “– Parece que ela
pode me ver”. Ele se vira, e atrás de si, observa na parede um
quadrinho de coração com os dizeres dourados: “eu vou te amar
para sempre. Eternos namorados”. Foi o primeiro presente do
casal.
Agora, Bruno continua naquele abraço no vazio, que era o
primeiro de toda a sua eternidade.
Namorar
Roselena de Fátima Nunes Fagundes

Namorar é sempre querer ao lado,


ter a certeza da presença amada!
Namorar é sentir o coração mesclado
daquela doce paixão danada!

É sorrir ao olhar a pessoa que ama,


sentir toda emoção do carinho!
É pensar que a vida é uma dama,
que o amor torna lindo o caminho!

Namorar é contar sempre os instantes


para estar com o coração repleto
no aconchego da amada em latentes
desejos de um amor completo!
Faça um pedido!
Rúbi Renck Pires

Com os pés descalços sobre a areia, de uma praia com um


cais pouco habitado, descansando sua fadiga e aliviando a dor de
seus desamores com o leve toque no branco da areia, caminhava,
cabisbaixa, a doce Malvina. Pele morena, olhos claros, cabelo
cacheado, corpo libidinoso, lamuriava a tristeza de ter sido
deixada pelo seu agora ex-marido, Rodolfo. Fazendo um pequeno
esforço, tentava esconder as lágrimas que derramava, afugentar a
tristeza para que nenhum dos moços bonitos e levemente
embriagados, que a observavam, sentados em bares a poucos
passos de seu trajeto, percebesse e resolvesse indagar o motivo de
seu lamento. Não havia planejado retorno, pois estava descalça, e
não vestida adequadamente para correr na orla da praia, como
antes fazia quando era juntada com o Rodolfo. Estava ali, tentando
afogar as mágoas da forma que julgou como mais natural,
respirando ar fresco profundamente antes de retornar para
arrumar suas coisas e partir em busca de um emprego, de um
sonho que outrora tivera, ou de um novo amor, quem sabe. Por
ali foi seguindo, observando a disposição das árvores na orla, dos
navios e veleiros no cais, dos pescadores festejando a boa nova de
uma época de ouro em seus negócios, tentando desviar o
pensamento de suas lamúrias. Deu dois passos mais largos
quando, de repente, tropeçou em um objeto pesado e grande,
caindo de joelhos na areia. Primeiro, olhou para ver se havia se
machucado, havia apenas pequenos arranhões que ela logo limpou
com a água salgada do mar, pois sua inquietude não era esta. O
objeto no qual tropeçara era uma garrafa de vidro, verde, lacrada
por uma pequena rolha. Normal, destes resíduos que seguidos são
jogados pelos trabalhadores do mar, não fosse pelo que havia
dentro dele. Um pequeno papel, que de sobressalto, concluiu que
fosse um bilhete. Chegou até a considerar que não deveria abri-la,
afinal, não era sua, havia a encontrado no caminho. Olhou ao seu
redor, não havia ninguém que pudesse testemunhar o que ela
julgava como um crime. Decidiu ir a favor de sua curiosidade
sagaz, e abriu. Nela, havia um bilhete, escrito em letras garrafais,
contendo a seguinte mensagem:

“Ó IEMANJÁ, RAINHA DAS ÁGUAS. EU LHE PEÇO UMA


DOCE E CARINHOSA ESPOSA, ALGUÉM EM QUE EU POSSA
DEPOSITAR TODO O AMOR QUE SINTO”
Ass.: MARINHEIRO

A primeira reação que Malvina teve, ao ler a súplica do até


então “Marinheiro”, fora uma leve gargalhada de deboche.
Pensara, que ideia maluca, de alguém jogar uma garrafa com um
bilhete em um mar, esperando que Iemanjá trouxesse um amor
verdadeiro, em um estalar de dedos. Depois, pensando melhor, e
após reler por algumas vezes o bilhete, passou pela sua cabeça que
gostaria de encontrar um novo amor, ainda mais trazido pela
rainha das águas, em quem tinha uma crença muito grande.
Resolveu, em um súbito impulso, escrever um bilhete para quem
poderia ser seu futuro amado. Parou em um dos últimos bares,
pois já caminhava bem afastada de onde o movimento se
concentrava, e pediu calmamente, um papel e uma caneta.
Guardou o bilhete que havia encontrado entre os seios, para dar
mais esperança, e escreveu, posta sobre o balcão, com letra de
professora, o seguinte recado:

“Ó Iemanjá, tive uma cruel desilusão. Quero recomeçar,


me ajude a encontrar um bem-amado”
Ass: Malvina das Flores

Por mais que soubesse que, se tudo aquilo funcionasse


mesmo, seria julgada socialmente por ter terminado seu
casamento há tão pouco tempo, Malvina não se importou de
assinar seu verdadeiro nome, preferiu não manter mistério como o
marinheiro o fez. Pensou que nunca é tarde para recomeçar, fazer
a vida novamente, mesmo que as chances de encontrar um amor
lançando uma garrafa de vidro ao mar para ela, fossem nulas.
Após caminhar mais um pouco, agora já distante de todo o
cais, dos bares, da orla, da cidade, estando em um lugar que nem
ela mesmo havia descoberto ainda, tornou a ficar cabisbaixa.
Desta vez, mesmo que precisasse, não baixou a cabeça para fingir
lágrimas e escondê-las, pois o véu logo havia nublado e uma forte
chuva começou a cair, confundindo suas lágrimas em uma água
fria que escorria ferozmente. Correu mais alguns metros até
encontrar abrigo, em uma barraca distante de tudo, onde residia
um pescador forte, robusto e jovial. Apressou mais os passos e
gritou:
― Olá, o senhor pode me ajudar? Estou perdida, e chove
muito forte.
― Entre moça, tenho abrigo aqui - gritou o pescador.
Entrou na barraca, humilde, mas bem organizada com
capricho e requinte, agradeceu a hospedagem momentânea e logo
perguntou, curiosa:
― Você mora há muito tempo aqui?
― Eu não moro aqui, apenas passo os verões pescando
para os negócios. Tenho uma casa em um vilarejo próximo daqui.
Me chamo Vitor - respondeu o pescador.
― Ah me desculpe, eu fiquei tão atordoada que esqueci de
me apresentar. Eu me chamo Malvina, Malvina das Flores.
― Lindo nome. Mas o que uma moça tão bonita, parece
da cidade grande, faz pra esses lados?
― Ah, é uma longa história. Mas se estiver disposto a
ouvir, posso lhe resumir.
― Aceita um café? Está frio, pois vim ainda de manhã da
vila, e guardei um pouco para agora. Malvina havia simpatizado
com o pescador, não deveria negar uma gentileza como esta que
lhe fez, embora não gostasse muito de café frio.
― Ah eu aceito sim, muito obrigado. Então, como eu ia
lhe falando, meu marido pediu o divórcio hoje. Me obrigou a
assinar os papéis. Eu não entendo, nosso casamento parecia ir
muito bem, mas ele me trocou por uma rapariga loira da cidade.
Aí vim caminhar ao mar, sempre que acontece algo triste, gosto de
acalmar os ânimos sentindo o leve toque da água fria.
― É uma boa terapia. Sou suspeito para falar, afinal sou
um homem do mar há muito tempo. Sobre o casamento, eu sei
como é. Fui casado por cinco anos, há mais de um mês minha
mulher pediu o divórcio, se enrabichou com um sujeitinho mal-
encarado da cidade. Vestia roupa cara, deve ser isso. Até joguei
uma garrafa no mar, em uma pescaria, pedindo a Iemanjá uma
nova esposa, assinei até como marinheiro para impressionar, mas
a mãe das águas não me atendeu, não.
Malvina deu um pulo, assustada. Desde que pediu abrigo
na cabana, havia despertado um certo interesse no moço, sua
beleza a encantara de longe. Pensou para si que ele havia
encontrado a mulher que tanto pediu a Iemanjá, e ela o homem
que pediu. Não sabia que seria correspondida em tão pouco
tempo, mas aquilo haveria de ser um sinal. Decidiu não contar que
havia achado o bilhete, resolveu fazer melhor:
― Huum, bonito gesto. Quem sabe Iemanjá já não lhe
respondeu o pedido?
Os dois se aproximaram, sentaram sob a areia molhada, a
chuva já cessara. Ficaram ali, abraçados, sentindo o calor de seus
corpos, se unindo, fortificando os laços que ali nasceriam.
Inquieto, Vitor perguntou para a futura amada:
― Mas você é uma moça da cidade, aceitará viver no
vilarejo e vir pescar comigo, aqui no mar?
― Ah, com o tempo nosso amor vai ir crescendo, e
quando se ama, faz-se qualquer coisa pela pessoa amada. E além
do mais, Iemanjá atendeu nosso pedido, não podemos desapontá-
la. Se a mãe acredita em nosso amor, porque duvidaríamos?
― Tens razão. Deixa eu ir lhe buscar uma coisa.
Vitor ergueu-se em um pulo, entrou na barraca e buscou
um colar feito de conchas, que havia guardado caso algum dia
Iemanjá atendesse seu pedido. Entregou a Malvina, como símbolo
de uma união forte, abastecida com intenso amor.
Malvina pulou sobre o colo de Vitor, dando-lhe um beijo
ardente, que quase foi interrompido pelo estalar do vidro da
garrafa que Malvina atirara ao mar, que bateu nos pés da barraca.
O bilhete da jovem havia voltado, demasiado tarde, pois Iemanjá
já havia feito o que lhe foi pedido.
A distância (que nos aparta)
Samir Calaça

É noite! Mais uma vez estou dentro de um ônibus


Entre mim e a garota que amo
Apenas uma senhora nos aparta
Mas a distância parece ser de um quilômetro
Raras vezes na vida estive tão perto e
Tão longe de alguém.
Queria falar-lhe “Perdi o seu número”
Mas não há como, pois o que nos separa
Não é físico, mas afetiva e emocionalmente.

Lá fora há uma noite muito sombria


E o abafado no ambiente tira o ar
Mas o que me sufoca responde por teu nome
Porque a distância que nos afasta
Não é geográfica, e sim de outra natureza.
O pior é que ainda te amo
Eu só queria esquecer que alguma vez te amei.
Cinco segundos
Sandra Denicievicz

Henry acordou cedo naquele dia. Era sexta-feira, último


dia de trabalho da semana- Graças a Deus- pensou. Ele era
psicólogo recém-formado e atendia em uma clínica no centro da
cidade. Além de Henry, mais três psicólogos faziam parte da
equipe. A clínica era pequena, mas ele gostava do trabalho e
principalmente dos colegas, dois deles haviam se formado na
mesma turma. Depois de se espichar preguiçosamente ele foi até o
guarda-roupa. Quinze minutos depois desceu as escadas
sorridente, vestindo calça jeans, camisa e uma jaqueta quente.
Ainda era meio de outono, mas já havia indícios de um ar típico
do começo de inverno. Os cabelos estavam arrumados e
penteados como de costume, sem nenhum fio solto. Seus pares de
olhos verdes percorreram o restante da sala, mas não havia mais
ninguém ali e ainda não chegavam a ser oito horas. A mãe já devia
estar no escritório e o pai no tribunal. Não os via com muita
frequência, mesmo que morassem na mesma casa. Ambos estavam
sempre ocupados com algum caso importante ou cansados para
fazer qualquer coisa que incluísse algum tipo de interação.
De repente o celular toca interrompendo seus
pensamentos.
― Bom dia amor, tudo certo pra hoje à noite? Perguntou
uma voz aveludada do outro lado da linha.
O sorriso no rosto de Henry ganhou novo brilho e se
alargou ainda mais.
― Te pego as oito, está bem?
― Ficarei esperando.
Antes que ela desligasse, Henry foi mais rápido.
― Eu te amo.
― Também amo você
Henry namorava Verônica há dois anos, ambos haviam se
conhecido na faculdade e desde então estavam juntos, ela era
jornalista e trabalhava em uma revista no outro lado da cidade.
Eles tinham um bom relacionamento e a última discussão que
tiveram foi há cerca de três meses. Henry queria abrir sua própria
clínica em Nova York e Verônica não queria que ele se mudasse de
jeito nenhum, ela estava crescendo rápido na revista, e como havia
falta de pessoal, já tinha até uma coluna própria. Por ora, o
emprego na clínica com os amigos estava bom, mas ele precisava
crescer. Ter o próprio consultório era um sonho de juventude e ele
não abriria mão disso. A solução seria esperar um pouco até tocar
mais uma vez no assunto e convencer Verônica a ir junto com ele.
Marc, um dos colegas estava na porta do consultório vizinho a sala
de Henry.
― Olá Henry, gostaria de sair com a gente depois do
expediente?
― Hoje não Marc, vou ao casamento da irmã de Verônica,
deixamos pra próxima sexta.
― Tudo bem, mande um abraço pra sua namorada. Gostei
da crítica que ela escreveu sobre o novo filme do DiCaprio, ela
sempre acerta no que diz.
― Pode deixar, ela vai ficar contente em saber disso. Meu
próximo paciente está aguardando, até depois Marc.
O dia passou tranquilo no trabalho e Henry já estava em
casa tomando banho. Depois decidiu ir até a cozinha antes de
dirigir até o casamento. A cozinheira já havia ido embora mas
tinha deixado torta de frango, purê, e bolo de chocolate de
sobremesa. Ele esquentou o jantar e, por alguns minutos, o cheiro
delicioso invadiu o ambiente. Não havia nenhum sinal da mãe
nem do pai, o que era bem comum e ele nem se preocupou. De
repente, o celular vibrou no bolso da calça. Era Verônica.
― Oi amor, não precisa vir me buscar. Meus pais
passaram aqui mais cedo, minha irmã estava muito nervosa e
queria conversar comigo. Coisa de noiva.
― Tudo bem, sem problemas. Eu estava saindo agora
mesmo, daqui há uma hora estarei aí com você.
― Você é um anjo, eu te amo, não se perca no caminho.
Verônica desligou o telefone antes que Henry tivesse a
chance de responder.
Ele pegou as chaves do carro e foi até o veículo, antes de
dirigir ligou o som em uma estação de Rock. Os pais de Verônica
tinham uma fazenda em uma cidade vizinha, o casamento seria lá,
ele precisaria dirigir 50Km até chegar no local.
O transito estava bem movimentado, afinal era sexta-feira.
Henry havia dirigido por cerca de 10 minutos quando a música
parou de tocar. Ele resolveu ligar o Spotify e colocar o álbum da
sua banda preferida. Enquanto procurava, o celular deslizou entre
seus dedos e caiu no chão. Ele inclinou-se no banco e desviou o
olhar para alcançar o aparelho. Cinco segundos depois, Henry
voltou a olhar para a estrada e tudo que enxergou foi uma luz
branca, depois veio a pancada forte, vidros voaram em todas as
direções e, por último, tudo se tornou escuridão.
Enfim, namorados
Sigridi Borges

Apenas um olhar
e expressar uma frase
desejosa de ser dita
mas guardada no peito.

Mãos entrelaçadas
sentados no banco
de um jardim florido
juntos, meio sem jeito.

Pouco a pouco
os lábios se encostam
o coração dispara
e vem o beijo perfeito.
A luz do seu amor
Silvia Ferrante

Chego molhada
de muita chuva e solidão
nesse casarão enorme e vazio

A porta range ao ser aberta


tenho medo de entrar,
porém o frio e a chuva
empurram-me porta adentro

Olho o saguão de entrada


uma luz fraca pode ser o indício
de que há vida por aqui

Caminho, temerosa
encontro corredores imensos
com portas fechadas para mim
Silêncio...

Há pouca claridade
o peso da solidão é absurdo
Assusto-me!

Sigo congelada por esse labirinto


São quartos, salões,
resquícios de tempos bem mais ricos, mais vivos

Acabo me perdendo
o medo se apodera de mim,
Agora nem sei mais
se o meu tremor é só de frio
Ando, ando, ando...
Subo e desço escadas
que não me levam a nada
sigo, e vou

Quando penso em desistir


e voltar para a chuva,
um som e uma luz
vindos de algum lugar
chamam a minha atenção

Vago meio perdida nessa direção


outra porta, devagar a faço abrir
Você não se surpreende a me ver
aliás, é como se esperasse por mim

Lança-me seu mais belo sorriso,


seu mais terno olhar
e me recebe de braços abertos

Tudo se iluminou
e sua presença doce e quente
apoderou-se da minha alma triste

Aí então entendi
que não seria mais só
Bem-me-quer
Stefany Pinto Rogério

― Bem-me-quer, malmequer... – Parou e pensou um


pouco. – Não. Bem eu quero, mal eu quero...
E a garota continuou a despedaçar a pobre flor – uma
alegoria, talvez, dos próprios sentimentos. Quais eram afinal?
Ela sempre ouviu que gostar de alguém era sentir o
coração bater mais forte, a respiração rarefeita, as borboletas no
estômago. Sobre as duas primeiras, só se passava uma coisa por
sua cabeça: ataque cardíaco. E como diabos alguém sabe o que são
borboletas no estômago? Alguém já comeu borboletas? Elas
chegaram lá vivas?
Não, nada disso. Se pôs de pé de repente, andando de um
lado para o outro.
Ela também tinha ouvido, que isso que eles chamavam de
amor, na verdade era paixão. Que a paixão era gostar de alguém
enquanto não se conhece direito, através de um véu de
encantamento, que passa rápido como um cometa. O amor, lhe
disseram, era calmo, forte, sofredor.
Bom, ela estava sofrendo. Mas o sofrimento não era de
amor; o sofrimento era de não saber se o que sentia era isso
mesmo. Era uma tortura de gostar e achar que gostava pouco, e de
repente achar que gostava muito, muito mais do que pensava e
ficar com medo.
Ela não sabia. Nada do que sentia era como diziam, e ao
mesmo tempo às vezes era uma mistura dos dois. Andava, e cada
passo era um tique-taque do relógio em seu pulso, um
pensamento que lhe vinha. Gosto ou não gosto? Amo ou não amo?
Achava que não. Às vezes ficava brava, tão brava que nem
queria saber mais de nada. Às vezes discutia, e discutia por coisas
tão bobas. Às vezes só queria ficar só. O amor forte do qual ouvira
não parecia ser assim.
Mas achava que sim. De vez em quando, quando lhe fazia
rir mesmo contra sua vontade, quando lhe dizia uma coisa boa
num dia tenebroso, e quando passava por cima das discussões
bobas.
Que difícil era chegar a qualquer conclusão!
Ela queria ser justa. Queria lhe dizer o que precisava ouvir.
Tinha decidido que precisava se decidir.
E estava bem pensando numa terceira coisa que ouvira
sobre o amor; que ele não existia, simplesmente, quando a espera
acabou.
Lá, perto dos portões do parque, ela o viu. Ele a viu. Os
pensamentos desesperados de dois segundos atrás, deram lugar a
um súbito branco sobre o que fazer, seguido de uma enxurrada de
histórias que queria contar, sobre seu dia, sobre o filme de ontem
e o homem maluco em quem tinha esbarrado no caminho até ali.
Sobre tudo.
Ele sorriu e estendeu a mão para ela quando enfim se
aproximou.
― Lembrei de você quando vi. É aquele de que você
gostou. – E pôs na palma de sua mão o chiclete recheado com
calda azeda de morango. Só isso. E a mão dela formigou sob o
chiclete.
E era ao mesmo tempo paz e desassossego. Bem querer e
não querer. Sentir e não sentir.
E ela não precisava dizer nada. Não naquele momento.
Talvez nunca. Quem sabe? As coisas, às vezes, não precisam da
nossa definição. Elas estão lá, conosco e independente de nós.
Cara metade
Suellen Jhoyna de Oliveira Rodrigues

Meu terno namorado


Meu pãozinho de mel
Tão meigo e lindo és tu
Meu pedacinho de céu.

Posso eu, te assegurar


Que ainda,
Que brigamos,
Estarei aqui para te amar.

Enche-me de alegria
Só de ouvi-te falar
Como é bom estar contigo
Melhor ainda é te amar.

Confesso a ti que ansiei


Este dia chegar
De poder te abraçar
Sem ao menos te beijar.

Para mim, conto de fadas


É mergulhar no seu olhar
Andarmos de mãos dadas
É um sonho a realizar.
Gabriella
Taiane Oliveira Lima

Vai-se Gabriella!

Cabe. Juro
Tua prosa inteira
Na barra da minha saia
É dia de sol lá fora,
Tu faz chuva no teto do quarto,
Quando entro nele. Em tu.

Me sinto em casa.

As paredes coloridas, e mesmo assim,


É tudo meio deprimido.
Meio? Meio espaço foi o que tu me deu
Mas logo tu que nunca se deu consigo.
Dar algo é sorte.

Tu parou de fumar, por mim.


Logo tu que amava a sensação de que
O mundo estava queimando, e tu era o fogo.
Por isso, ou por outros, tu se foi.

Era lindo, seria perfeito, mas não coube...


Sweet Love
Tatiane Monteiro

Love, sweet love


Uma voz sussurra em meus ouvidos
No calor da paixão
Nossos corpos unidos
Em completa emoção
Só tenho tempo de suspirar
Ante ao clímax final
Ouço apenas o ritmo
De nossos corações
Sweet love
My sweet love
Seus beijos são o fogo
Que aquece meu coração
Não vá embora, please
No!
Sweet
You are my sweet love
Redescobrindo-me
Tauã Lima Verdan Rangel

Para muitos, a passagem da adolescência para a idade


adulta se dá com o término do ensino médio e a entrada no ensino
superior. Comigo não seria diferente. Mas quem sou eu? Eu me
chamo Paulo, tinha 18 anos e morava numa pequena cidade do
interior do Espírito Santo, chamada Mimoso do Sul. A cidade fica
localizada entre verdejantes colinas e é cortada por diversos
ribeirões e rios. As ruas sempre tão monótonas trazem uma
sensação quase pueril e ingênua de segurança. Como grande parte
das cidades do interior, é possível conhecer as pessoas por seus
nomes. Os laços de amizade são fortes, pois a convivência
acontece de maneira quase inconsciente, pautando-se nas relações
já existentes entre as famílias.
Apesar disso, a cidade apresenta algumas limitações e que
acabam forçando a saída para outros centros urbanos, com mais
oportunidades e possibilidades. Para a carreira que escolhi, a
advocacia, Mimoso do Sul se tornou pequena e limitada e tive que
buscar outro local para iniciar meus estudos. Cachoeiro de
Itapemirim, também localizado no interior do Espírito Santo,
apresenta um cenário diferente, com seus prédios, o centro
extremamente quente e o movimento frenético de pessoas e
carros, apresenta um cenário mais urbano e menos bucólico.
A mudança de uma cidade pequena para outra de maior
porte não traz apenas a alteração do endereço. Ao contrário, a
nova experiência impulsiona uma série de descobertas, de
ansiedades, de medos e de vontades. Lembro-me, perfeitamente, o
primeiro dia de aula. A faculdade fica localizada numa região
elevada e o trajeto é íngreme. O coração chegava a acelerar ao ver
os imponentes prédios da faculdade se descortinando no cimo do
morro. Faltava o ar. Eram tantas pessoas transitando de um lado
para o outro. Rostos diferentes. Expressões de curiosidade.
Expressões de ansiedade. Um mar sem fim de expressões.
Na correria, tentei me localizar no mapa das salas,
colocado em um dos corredores do prédio central e descobri que
teria aulas, durante o primeiro semestre da faculdade, no
denominado bloco V, o mais novo dos prédios da instituição. Ao
adentrar a sala, fui tomado ainda pelo cheiro de tinta fresca
contrastando com o vapor da água que subia dos corredores
recém-lavados. As salas eram um ambiente amplo, mas quente,
abafado, úmido. Quantas pessoas diferentes naquela! Cheguei a
me questionar se era o único da minha cidade? Sim, eu era o
único. O professor entrou pela porta com uma postura austera e
pediu que todos os alunos se apresentassem, contassem sobre suas
metas, os seus desejos, as suas ambições. Nossa! Quantos sonhos
diferentes! Quantos desejos diversos!
Confesso que essas apresentações protocolares me
dispersam um pouco. Alguns estavam tão entusiasmados; outros,
porém, cumpriam a atividade de forma protocolar, com um
discurso já ensaiado. De repente, olho para o lado esquerdo e
estava sentada Catarina, com um sotaque baiano característico.
Catarina se tornaria a minha melhor amiga durante todo o
percurso da faculdade, era uma amizade tão sincera e tão
desprendida de interesses que éramos capazes de conversar
apenas com trocas de olhares, sem qualquer palavra.
Entre tantos discursos, Lucas, um jovem da cidade
balneária de Itapemirim, começa a se apresentar. Até então, eu
estava enfadado. Aquelas apresentações tão retilíneas me
causavam sono. Lucas, porém, um pouco mais velho que eu,
aparentando ter cerca de 25 anos, começou a dizer que foi piloto
da força aérea e que estava na faculdade pensando em seguir a
área tributária. Lembro-me que cheguei a me questionar: “Com
pode uma pessoa já saber a área que quer seguir?”. Catarina,
ouvindo minha indagação, riu e me respondeu: “É verdade. Eu
ainda nem sei o que estou fazendo aqui!”. Entre uma troca de
risadas, continuei olhando fixamente para Lucas. Havia algo de
sutil nele que me chamara atenção.
Os dias corriam e eu continuava a ter fixo em minha
mente a figura de Lucas que, apesar de educado com os outros
colegas, não havia trocado sequer uma palavra comigo. O
sentimento que se formava era estranho. Para mim, pelo menos,
era algo novo. Não me recordo de ter a sensação tão viva de querer
conhecer uma pessoa como Lucas. E, por vezes, chegava a me
perguntar: “O quê esse cara tem de tão diferente assim? Qual o
motivo de me chamar tanta atenção?”. Apesar disso, eu era
incapaz de apresentar uma resposta. Melhor, eu não queria
responder a mim mesmo. Havia um medo escondido: confessar o
que realmente eu sentia por Lucas e o porquê de me chamar tanta
atenção. Por vezes, nossos olhares se cruzavam e ele me fitava e
respondia com um sorriso. Não conseguia decifrar se era por
cordialidade ou se ele se questionava da mesma forma que eu.
No meio do semestre, passada a primeira semana de
provas e todos um pouco abatidos pelos resultados que estariam
por vir, sentei no meu lugar cativo. Engraçado, os grupos de
afinidade estabelecem os seus territórios pela extensão de sala de
aula e ficam repetindo seus lugares. Estranhei, faltando cinco
minutos para as aulas começarem, Catarina ainda não havia
chegado. Na realidade, Catarina nunca se atrasava para as aulas.
Lucas cruzou a porta e direcionado sentou ao meu lado. Faltou-me
o ar. “Qual o motivo dele sentar ao meu lado?”, cheguei a me
questionar. Senti que tinha ficado vermelho e tentei manter o
olhar fixo no quadro. Mansamente, ele me sussurra perto do
ouvido: “Paulo, não vai dizer nem um ‘oi’ para mim?”.
Um pouco constrangido, olhei para ele e, com um sorriso,
respondi: “Lucas, como vai? Tudo bem com você?”. Ele, por sua
vez, disse-me que estava muito bem e que tinha decidido mudar
um pouco de ares, trocar de lugar. Como o professor já havia
chegado na sala de aula, tive uma desculpa para me corrigir na
carteira e fixar meu olhar no quadro. Tinha certeza que Lucas não
queria apenas mudar de ares, o quê buscava era muito mais. De
repente, com um toque no meu braço, ele aponta para um recado
escrito no papel: “Eu gosto dos seus olhares! Corresponda, pelo
menos, ao meu ‘oi’!”. Senti o meu rosto ficar ainda mais vermelho
e ficar sem ar. Com a voz um pouco embargada e um sorriso preso
nos lábios, respondi, mantendo o olhar contínuo no quadro e no
professor, “Oi!”.
Encaminhando para o final das primeiras aulas, Lucas me
diz: “Vamos lanchar juntos?”. Eu, um pouco embaraçado, digo:
“Vamos sim! Vou chamar meus colegas para irem conosco”. Ele,
contudo, retruca e me diz: “Não! Vamos eu e você apenas”. Um
pouco relutante, aceitei o convite e começamos a conversar, a
trocar ideias sobre as metas e os nossos desejos profissionais.
Cheguei até a brincar com ele sobre como poderia ter uma área já
decidida no primeiro dia de aula. Ele, por sua vez, rindo me disse
que era fácil, pois tinha foco. Continuou dizendo que, como tinha
foco e era determinado, o objetivo dele não era apenas aquela
área, mas também poder ver mais olhares meus para ele.
Um pouco constrangido, disse que não estava entendendo
aquela conversa e que não sabia do que ele falava. Lucas, porém,
sussurrou próximo ao meu ouvido: “Eu sei que você gosta de mim!
Os seus olhares não mentem! A sua respiração ofegante não
consegue disfarçar!”. Senti minhas pernas ficarem bambas com
aquela conversa. O cheiro dele se aproximando do meu nariz me
deixava ainda mais constrangido, o perfume tinha cheiro cítrico e
era característico com a barba por fazer. Mesmo assim, disse que
ele devia está me confundindo com alguém, pois não sentia nada
por ele. Eu estava tentando disfarçar o que era indisfarçável. O
sinal tocou e tínhamos que retornar a sala de aula. Voltamos e ele
permaneceu sentado ao meu lado. Não conseguia mais me
concentrar na aula.
Novamente, com um ligeiro toque no meu braço, Lucas
aponta para o papel e lá estava escrito: “Não precisa ter medo
Paulo, eu também gosto de você!”. Fugiu-me um ligeiro sorriso na
face e ele, de maneira discreta, roçou o seu braço no meu e
escreveu no papel: “Vou mudar para cá... os novos ares me atraem
mais”. De fato, com o decurso dos dias, Lucas passou a ser uma
presença frequente, sentando-se ao meu lado. Conversávamos
sobre os mais diversos assuntos. Ele me ligava e ficávamos até
tarde da noite falando sobre nossos sonhos e anseios. Vez por
outra, Lucas me dizia que o anseio dele era que eu acreditasse que
ele queria algo comigo, queria sentir o gosto da minha boca e o
calor da minha pele.
Porém, para mim, tudo aquilo era muito novo, muito
diferente dos sentimentos que eu tinha tido. Por vezes,
questionava-me: “O quê está acontecendo? O quê estou sentindo
por ele?”. À medida que os dias passavam, passei a sentir
necessidade da presença de Lucas e éramos companhias
inseparáveis. Mesmo nos dias de sábado, em que eu aproveitava
para estudar na biblioteca da faculdade, Lucas estava lá, viajando
mais de uma hora e meia. Ficávamos juntos durante toda a parte
da manhã e meados da tarde. Além disso, comumente, Lucas ia
para o apartamento em que morava no domingo para
conversarmos, estudarmos e, por fim, aproveitarmos um a
presença do outro.
Mesmo diante disso, até então não tínhamos tido nada
mais íntimo, nem mesmo um beijo. Lucas, certo dia, enquanto
estava no meu apartamento, entre livros e folhas de caderno,
segurou a minha mão e questionou-me o quê eu sentia por ele.
Um pouco sem graça, eu disse que não sabia. Ele, então, tocou
seus lábios no meu. Sim, de fato, os medos foram esmaecendo e
senti, naquele exato momento, que eu estava dando um adeus a
mim mesmo, ao meu passado, às minhas inseguranças. Lucas, ao
contrário, vinha como uma nova esperança, um lampejo em um
caminho tão tortuoso. De fato, o primeiro semestre da faculdade
foi responsável por me apresentar um mundo desconhecido, com
novos desejos, com novos anseios. Um novo eu dizia adeus a um
antigo eu.
Ah, amor!
Thaís Costa de Almeida

O Aconchego
abraço apertado
que esquenta a alma
em um doce afago
que chama de amor.

Emoção e segredo
se prendem ao peito,
anjo protetor.

Te vejo na estrada
te roubo um beijo
te chamo de amor.

Te dispo segredos
digo que hoje estou:
Guardada em teu peito
quando adormeço
e você traz um cobertor.

Acordo com pressa


você me olha com amor,
te digo baixinho não me deixa amor,
você sorri e me diz
que a hora de ir embora chegou.

Eu olho pro céu


aponto estrelas a nos fitar,
te digo amor estou aprendendo o que é amar.

Tu me perguntas o que penso ser amor,


sorrio e digo é onde estou.
Você ri das minhas frases,
dos meus devaneios,
do meu riso fácil,
dos meus embaraços.

E assim
Me embaraço
te tatuo nos meus laços
me desenho em tua face e te chamo de amor.
Aquele lugar
Thaís Evangelista

Ontem, o meu sonho poderia estar em qualquer lugar:


no seu sorriso ou no seu olhar.
Bastava você me chamar
para meus sonhos acalentar.

Hoje, o meu sonho é poder acordar


e te ver de novo naquele lugar.
Saber que nada aconteceu;
que a vida não te perdeu.

Agora, o meu sonho está na existência de um lugar


aonde a saudade não venha morar.
Onde você sempre exista
e o nosso amor resista!

Mas não importa o lugar...


O que vale é poder sonhar...
Pra vida mais leve ficar
e os fardos, eu poder carregar!
Lençol
Thiago Roque Pereira Lima

Pepê peperêrêrêpêêê...
Pepê peperêrêrêpêêê...
Pepê peperêrêrêpêêê...

Os corpos colados que dançavam ao som do arrasta pé


compassado naquela noite tropical paratiense.
As mãos que se entrelaçaram durante a dança, o coração
que acelerava dentro ao peito entre os passos bailantes e os pés e
pernas que se tocavam.
Tive a certeza que me desejava quando, numa das pausas
da dança, dominei sua nuca com minha mão direita cafunezando
com as pontas dos dedos seu couro cabeludo entre os fios
amarelados, e você se entregou ao meu toque fechando os olhos.
Estava escrito que seria assim?!
Nosso encontro no meio da rua e o convite que fiz, os
olhos que se apegaram instantaneamente talvez já em volúpia.
Primeiro despimos nossos pés já no baile para permitir a
fluidez da dança e agora estamos prestes a desnudarmos tudo para
exprimir completamente o desejo do corpo. Ainda estávamos
sobre o couro daquele sofá azul quando você sentou sobre mim e
pude sentir o calor de sua púbis em meu membro, começando a
acariciar sob sua roupa efusivo. Nossas bocas e línguas pareciam
continuar a sincronia da dança.
No quarto sobre meu colchão no chão fizemos então um
amor suado e rasgado debaixo do equador, sem a pressa da luxúria
e nos demos prazer pela madrugada.
Primeiro a despi por completo, e seu belo corpo bem
proporcionado pareciam as linhas das dunas dos belos lençóis
maranhenses. Seus seios pequenos e perfeitos apontados para
mim, e toda sua nudez tinha o feromônio da loucura e perdição.
Comecei me perdendo entre seu pescoço e orelha, sua
boca, seus mamilos ebulindo em minha boca, seu abdômen e
umbigo os caminhos do perigo em que me arrisquei sem pensar,
até me achar entre seus lábios e a sensitiva flor que os orna, seus
gemidos enquanto me sacio em seus fluidos, segurando seus-meus
seios sem pressa. Sua boca ali em mim, sua língua sem economias,
seu domínio sobre minha virilidade, meu delírio ao senti-la, e os
nossos sentidos que se afloram um pelo outro nessa possessão.
Começamos outro baile, com ela deitada de lado e seus
olhos fixos em mim ajoelhado atrás de seu quadril semi-elevado,
até que nos encaixamos devagar.
Insaciáveis, entre o barulho das molas do colchão e os
estalos do ar condicionado que estava a 20°C e os rugidos do
assoalho de madeira também numa frequência quase melódica
sob nós.
Sentou com seu quadril sobre mim, como no sofá, e
começou sua magia, me beijava enquanto seus seios pulavam, e no
teto os deuses bailavam em frenesi nos assistindo, eu arranhava
suas costas e puxava seus cabelos sentido seu tesão explodir.
Na janela a aurora começava a aparecer após horas de
contentamento de corpo e alma e aura, quando nos cobrimos sob
o mesmo lençol, nos abrigamos no silêncio, no encaixe das pernas
e na troca de olhares, até o dia amanhecer.
O Epílogo dos desolados
Thiago William Rodrigues
À Marry

Havia um imenso pasto seco:


Solo pobre e perfil enrugado.
Aguardando uma gota de vida,
Esperando um vento molhado.

A vida agreste, sem novidades,


O coração puro e empoeirado.
Carecia de belas nuvens cheias,
Que regassem o pomar abatido.

Não bastando a grande pobreza,


Veio o amor trazendo barreiras,
Moderando encontros e abraços.

Eis outra porção de desengano:


Negra, cachos e boca vermelha,
Muito fogo e nunca namorados.
Somos namorados
Tiago Arauto

Nossos nomes no banco da praça.


Num coração em esmero talhado.
De tudo rimos, achamos graça.
O mundo parece ter concordado.
A quantia de flores aumentou.
Na certeza que até a lua notou.
Não há casal mais apaixonado.

Mesmo de um planeta distante.


Se tiverem sentimentos apaixonados.
Bastará olharem de lá um instante.
Aqui estaremos eu sei, abraçados.
Perceberão também o nosso olhar.
E ninguém no universo irá duvidar.
Feitos de paixão, somos namorados.

E por isso tudo é cheio de cores.


O dia passou a ter mais motivos.
E a vida passou a ter mais sabores.
E aquela voz é canção aos ouvidos.
E o amor demonstrado é multiplicado.
O tempo que passamos juntos é sagrado.
Viver passou a ter todos os sentidos.
Blueberry
Tiago Valente

“Você pode amar muito alguém, mas você nunca pode


amar uma pessoa tanto quanto pode sentir falta dela.”.
John Green

3... 2... 1...


A sensação de alívio que se espalha por todas as casas é
palpável. Por poucos instantes, os problemas e aflições parecem se
esvair e a esperança de mais trezentos e sessenta e cinco dias
preenche os subconscientes daqueles que brindam, se abraçam e
iniciam as tradições.
Dinheiro! É o que eu sempre peço em toda festa de ano
novo. Meu ascendente em Capricórnio sempre fala mais alto nesse
momento.
Eu gosto de observar os fogos de artifício que se fazem e se
desfazem no céu, imaginando novas oportunidades para chegar
mais perto de meus sonhos.
― Por favor, por favor, por favor... - Repito mentalmente,
observando pela janela da sala centelhas douradas que despencam
da noite escura e somem antes de atingir o chão.
― Feliz ano novo! - Sou surpreendido pelos braços de
minha mãe, que me envolvem em um abraço apertado. - Te amo
muito, filho!
― Também te amo, mãe! - Retribuo o abraço.
― Seu pavê ficou uma delícia, hein? Vou tentar tirar seu
irmão do celular. - Ela olha, um pouco risonha, um pouco irritada,
para Douglas, meu irmão que continua deitado no sofá, batendo
compulsivamente na tela do celular, provavelmente em mais uma
rodada de seu jogo de lutas favorito. Eles terminam em uma
guerra de cócegas, protestos e risadas, enquanto meus tios se
beijam apaixonadamente.
Meus desejos são bem claros em minha mente, mas talvez
eu devesse pedir por algo a mais, aproveitando o momento de
total generosidade de sabe lá quais seres mágicos se encarregam
dos pedidos de ano novo. Desejos menos materiais, ou menos
ambiciosos....
Fecho os olhos e respiro fundo.

***

― Desculpa o atraso!!! - Faço minha melhor cara de


arrependido quando chego ao supermercado, tentando explicar
que a culpa foi do despertador do celular que simplesmente
decidiu não funcionar.
― Tá, tá, tá... - Valquíria não espera qualquer palavra
minha e coloca em volta de meu pescoço as alças da bandeja de
degustação. - Seja simpático e faça os clientes comprarem.
Assinto e corro para meu posto, a seção de lacticínios,
tomando cuidado para não derrubar os copos e as pequenas
colheres de plástico. Me coloco em frente à fileira de iogurtes
LactaGema, exatamente embaixo de uma lâmpada defeituosa, que
pisca rapidamente, me deixando um pouco atordoado, mas
acordado para o primeiro trabalho do ano.
Depois de quinze minutos de puro tédio, um casal se
aproxima, conversando animadamente sobre os móveis para a
casa nova. Ela queria uma geladeira vintage, pintada de vermelho
e mais compacta. Ele queria um modelo maior, mais moderno e
high-tech, como aquelas em que é possível pegar cubos de gelo
direto da porta.
Repasso mentalmente o discurso aprendido nos dias de
treinamento e respiro fundo para começar a falar.
Antes que eu diga alguma coisa, o casal percebe minha
presença e, simultaneamente, ambos se viram e voltam pelo
corredor que acabaram de percorrer. Suspiro frustrado.
Diante de degustações, as pessoas geralmente têm duas
reações diferentes e completamente opostas. A primeira é a
vergonha e a fuga da desagradável pressão de ter que comprar o
produto após experimentar. A segunda, que geralmente ocorre
com crianças ou pré-adolescentes, é a euforia pela oportunidade
de comer, qualquer que seja o produto, totalmente de graça. A
primeira me incomoda mais.
A luz piscante começa a me irritar e dou alguns passos
para o lado, ficando em frente à um refrigerador cuja porta
defeituosa deixa sair uma corrente constante de ar frio.
Dois adolescentes chegam ao corredor onde estou, mas
nem um pouco interessados nos iogurtes e leites das prateleiras. O
garoto, cuja regata parece pequena demais para comportar os
músculos exagerados e tatuados, fala compulsivamente com a
garota, magra e aparentemente entediada, sobre seu treino da
academia.
― Eu nem malho perna, é perda de tempo, ninguém vai
reparar nelas mesmo. - Ele gesticula com as mãos enquanto fala. -
Gosto mesmo é de treinar peito e bíceps.
― Hmmm - É tudo o que ela diz.
― Bom dia! Gostariam de experimentar o novo iogurte
francês da LactaGema? - Dessa vez não respiro tão fundo para não
os espantar. - Nossa nova fórmula contém muita vitamina B2, que
previne o câncer...
― Iiiih, isso aí é cheio de açúcar, vai acabar com a minha
dieta. - O garoto diz, presunçosamente, e eu observo confuso os
copinhos de 10 mililitros.
― Eu aceito. - A garota diz, colocando uma colherada de
iogurte na boca. - Hmmm, frutas vermelhas! - Ela sorri e limpa o
resto de iogurte dos lábios.
― E é ótimo contra o câncer cervical e acnes... Não que
você tenha problema com acnes! - Acrescento rapidamente, mas
ela não parece se importar.
― Você está entupindo seu sangue de açúcar. - Ele
protesta.
― Temos 6 novos sabores e...
― Foi só uma colherada, caramba! - Ela começa a se
exaltar.
― E também uma linha exclusiva de sabores refrescantes
de verão...
― Depois não reclama que está gorda!
― ... como 'Laranja Pôr-do-Sol'...
― EU NUNCA RECLAMEI QUE ESTAVA GORDA!
― ... e também 'Tangerina Tarde Na Praia'...
― Deve ser porque você não se enxerga mesmo!
― ... e o meu favorito...
― VOCÊ QUE NÃO ENXERGA QUE O NOSSO
NAMORO ACABOU FAZ TEMPO!
― ... que é 'Blueberry Mergulho Refrescante'.
― ENTÃO É ISSO? ACABOU MESMO, SOFIA?
― Todos estão disponíveis nos refrigeradores à frente.
― ACABOU!
― Bom apetite.
― ÓTIMO! - Enfezado, ele deixa o corredor a passos
pesados e rápidos.
Ela respira fundo duas vezes.
― Droga! - Suas costas se apoiam na porta quebrada,
barrando a saída de ar gelado por um tempo.
― Eu sinto muito. - Me atrevo a dizer após alguns
instantes.
― Tudo bem. Eu já não gostava dele há muito tempo. Não
ia conseguir ficar com alguém que só come tapioca de frango e
batata doce por muito tempo mesmo. Se importa se eu pegar mais
um? - Nego com a cabeça. - Caraca. Isso é muito bom!
― Esse é o 'Blueberry Mergulho Refrescante', meu
favorito. - Repito, já que suponho que ela não tenha escutado uma
palavra do que eu disse anteriormente. A boca de Sofia esboça um
sorriso maior a cada colherada.
― Eu estava precisando mesmo disso! Precisava muito de
algum doce que não fosse adoçado com stevia.
― Você não parece curtir muito essa onda fit...
― Nem um pouco. - Ela ri. - Eu achei que o meu
namorado... - ela pensa por um instante - meu "ex-namorado",
fosse gostar mais de mim se eu fosse uma dessas meninas "geração
Pugliese". Mas pelo visto, eu não levo o menor jeito. Além disso,
agora não importa mais, não é mesmo? - Suas mãos devolvem o
copinho à bandeja suspensa em meu pescoço. - Obrigada pelos
iogurtes.
― Pode pegar mais um, se quiser. - Estendo um 'Laranja
Pôr-Do-Sol' para Sofia, que aceita sem hesitar.
― Obrigada! Você é muito legal, sua namorada é muito
sortuda.
Seus passos para longe de onde estou me impedem de
dizer que minha namorada não é nem um pouco sortuda, porque
ela ao menos existe. Com pesar, vejo seu corpo se afastar
lentamente, enquanto sinto uma nova lufada de ar frio nas minhas
costas.

***

Um espirro me acorda, como tem acontecido durante toda


a noite. Amaldiçoo mentalmente a porta quebrada do refrigerador,
puxando de volta as cobertas que insistem em fugir de mim. "Por
favor, não!" - peço mentalmente, já que um dia não trabalhado
significa um dia sem receber, ou seja, um dia mais longe da minha
viagem e, além disso, um dia sem a possibilidade de ver Sofia
novamente. Pelos sonhos confusos e febris da noite mal dormida,
seu rosto preencheu minha mente por diversas vezes,
acompanhado sempre da imagem de sua caminhada enquanto se
afastava de mim, provavelmente em busca de um retorno com seu
namorado musculoso.
O dia passa chuvoso e cinzento. Apesar dos meus
protestos, os espirros constantes fazem minha mãe ser irredutível
e sou obrigado a ficar em casa.
Como manda minha tradição diária, abro o cofrinho em
formato de carro, que ganhei quando tinha seis anos. Conto as
notas e as moedas, acrescento o dinheiro recebido no dia anterior
e me jogo sobre a cama novamente.
Tento ler algo que me distraia, mas permaneço inquieto e
sonolento o dia todo. Os únicos momentos despertos foram
aqueles em que procurei, inutilmente, por uma tal Sofia pelas
redes sociais.

***
― Está melhor? - Valquíria me pergunta, assim que chego
ao supermercado. Acho que é a primeira vez que ela parece se
importar comigo.
― Um pouco. Meu nariz ainda está um pouco conge...
― Hoje chegou um sabor novo, 'Uva Fundo do Mar', é o
que tem corante roxo, obviamente. - Ela coloca o último pote de
iogurte na minha bandeja, e desisto de explicar sobre as minhas
secreções nasais.
Depois de fazer uma cara de nojo ao experimentar uma
colherada do novo sabor, um menino de aparentemente dez anos
corre em direção à sua mãe, animado.
― Quando crescer eu quero trabalhar que nem esse tio,
mãe! Eu vou poder tomar quanto iogurte eu quiser?
Mesmo sendo chamado de tio, não consigo deixar de
sentir uma pontada de orgulho.
― Claro que não, João! Isso é serviço de quem não estuda,
você não queria ser astronauta?
― Ah, é!
Eu deveria correr, talvez mostrar o meu último boletim
para a Sra. Futura-mãe-de-uma-astronauta e as notas dez em
matemática e geografia, mas um espirro me impede.
― Saúde. - Uma voz sincera surge ao meu lado.
Embaixo da luz que ainda pisca, com uma camiseta azul e
um humor bem melhor do que da primeira vez que nos vimos,
Sofia alterna o olhar entre mim e os iogurtes.
― Obrigado.
― Eu que preciso te agradecer, por você ter me ajudado
no outro dia.
― Não foi nada demais. - Dou de ombros, como se nem
me lembrasse exatamente do ocorrido. - E o seu namorado? -
Tento parecer natural. Talvez eu não mereça um Oscar pela
atuação.
― Ex! - Sofia me corrige. - Não nos falamos desde então,
mas não estou sentindo falta. Na verdade, estou muito bem! - Ela
abre um sorriso iluminado, capaz de intimidar até o brilho do sol.
- Posso pegar um? Acho que fiquei um pouco viciada.
― Claro. - Estendo um de blueberry para ela. Talvez os
remédios que tomei ontem ainda estejam agindo e um dos efeitos
colaterais parece me dar a coragem que nunca tive com garotas. –
Sabe, já que você gostou tanto, lançaram um sabor novo hoje, 'Uva
Fundo do Mar'. – Ela não demonstra muito interesse, já que ainda
está entretida pelas colheradas de iogurte. - Um menino acabou
de levar o último, mas posso tentar conseguir mais para você
depois do meu horário.
― É tão bom quanto esse aqui? - Ela diz, com um a colher
ainda dentro da boca.
― Só tem um jeito de você descobrir.

***

No vestiário do supermercado, passo mais um pouco de


gel no topete e respiro fundo, me certificando de pegar o pote de
iogurte (dessa vez a versão de 100 gramas, e não a amostra) antes
de seguir para a cafeteria, próxima à saída.
― E aí? - Ela acena, guardando na bolsa o livro que lia.
Sento-me na cadeira à sua frente.
― Estou ansiosa!
― A expectativa é o primeiro passo para a decepção. -
Digo, lhe entregando o iogurte e a colher de plástico. Ela ri. - E
desde quando você nutre essa compulsão por iogurtes?
― Desde que meu namorado terminou comigo e você me
entupiu com eles.
― Foi mesmo. - Assinto, sério. - Eu segurei o seu pescoço
na parede, apontando uma faca na sua garganta, e obrigando você
a engolir um por um.
― É uma boa descrição da cena. - Ela abre a tampa da
embalagem e se prepara para a primeira colherada. - Se eu odiar,
nunca vou te perdoar, você sabe, né?
― Acho que eu aceito esse risco. - Sorrio tímido, com o
canto da boca.
Sofia coloca a colher na boca, engole a sobremesa.
― Não é ruim...
― "Não é ruim"? - Dessa vez eu rio. - Esse é o comentário
mais aleatório que eu já ouvi na vida!
― Não foi aleatório, só não achei tão bom quando o
'Blueberry Mergulho Refrescante'. - Ela dá mais uma colherada. -
Eu o chamaria de 'Uva Pizza No Dia Seguinte'.
― 'Pizza No Dia Seguinte'?
― É! Sabe quando você esquenta aquele pedaço de pizza
que sobrou da noite passada no micro-ondas, e ele não está tão
gostoso quanto estava na hora que foi comprado e nem é grande o
suficiente para matar sua fome? É quase isso... Não é a melhor
experiência gastronômica da minha vida, mas também não é um
desastre.
― Foi uma boa analogia...
― Você trabalha com isso faz tempo? - Ela parece
realmente interessada.
― Como "moço do iogurte"? É a minha segunda semana,
mas eu pretendo subir na carreira.
― É mesmo?
― Se eu me esforçar, talvez vire o "moço do sorvete" até o
fim do mês.
― Fala sério - Embora não tivesse tão contente com o
sabor, Sofia raspa o resto do iogurte do fundo do pote. - Você tem
que ter um bom motivo para estar sacrificando as férias de verão.
― Eu tenho. Uma viagem para Irlanda.
― Irlanda?
― Eles têm uma das melhores escolas de gastronomia do
mundo.
― Então você cozinha?
― Minha mãe teve uma infecção alimentar bem grave, por
conta de um salmão cru em um restaurante de higiene duvidosa.
Ela não se sentia disposta para cozinhar, o que me obrigou a
arriscar minhas primeiras receitas. Depois do arroz queimado, da
carne solada e do bolo mal assado, acho que acabei pegando o
jeito. Além disso, a Irlanda foi onde meu avô nasceu e onde
conheceu minha avó, que é brasileira. Eles se apaixonaram
enquanto ela estava de férias por lá, e ele veio até aqui para que
eles pudessem ficar juntos.
― É uma história muito boa.
― Eles servem iogurte com bacon, ovos e cogumentos lá.
É meio que o café da manhã irlandês, você ia curtir!
― Uau. Você gosta mesmo do assunto...
― E você? - Pergunto, antes que ela possa fazer qualquer
outra pergunta sobre mim. - O que você faz da vida, além de
namorar fisiculturistas?
― Eu sou uma ghost writer.
Espero a risada e o aviso de que aquilo se tratava de uma
piada.
― Eu estou falando sério. - Ela me olha séria. Percebendo
minha incredulidade, ela volta a pegar o livro que havia guardado
na bolsa. Na capa vejo uma famosa blogueira de moda. Demoro
alguns segundos até entender a relação. – Eu escrevi cada palavra.
Talvez seja injusto que outra pessoa receba os créditos pelo meu
trabalho, mas pelo menos ajuda a pagar as contas de casa. Mas não
vai durar pra sempre, estou escrevendo meu próprio livro.
― Ok, deixa eu adivinhar... É sobre uma garota indefesa
que conhece um menino misterioso e esquisito. Eles se apaixonam
e no final ela descobre que ele é filho do Drácula?
― Uau. - A reação dela é um pouco indecifrável. - Você
errou bem feio.
― Jura?
― Na verdade é sobre uma epidemia suicida que se
espalha por São Paulo. - Ela diz, parecendo um pouco ofendida
pela minha sugestão anterior. - No final, os protagonistas
descobrem que o responsável pelos suicídios é o prefeito da
cidade, que fez um pacto com o diabo.
Utilizo os próximos segundos para absorver tudo.
― Uau.
Ela sorri, satisfeita pela minha reação.

***

O mês se passa tão rápido quanto a minha paciência para


continuar servindo iogurtes no supermercado. Tudo tem seu
limite. Quando anunciei minha demissão, Valquíria não
demonstrou qualquer emoção além da costumeira inércia nas
quais suas reações se enquadram. Embora a falta de trabalho e
dinheiro pelo resto do primeiro mês do ano tenham me
preocupado realmente, o tempo livre me aproximou de Sofia, e
descobrimos diversos interesses comuns e incomuns. Comecei a
ler livros de terror (Carrie, A Estranha, se tornou um dos meus
favoritos) e Sofia ampliou seus horizontes gastronômicos,
tornando-se a minha cobaia mais confiável nos testes de novas
receitas (o strogonoff de frango com chocolate talvez não tenha
sido uma ideia tão boa, mas ela curtiu os meus risotos). À todo
momento, sua presença mexe comigo da forma que mexeu no dia
em que nos conhecemos. Entretanto, a timidez me impede de
declarar tais recentes, mas sinceros, sentimentos, então prefiro
guardá-los para mim.
O toque do celular me acorda. Desperto esperançoso,
esperando receber a notícia de que eu recebi, misteriosamente,
um milhão de reais como presente de aniversário atrasado de um
parente distante, que eu ao menos sabia que existia.
Mas a única notificação anuncia uma mensagem nova de
Sofia.
"Me encontre às 3, no lugar de sempre. Precisamos
conversar!"
O lugar de sempre: o parque em frente ao supermercado,
onde temos nos encontrado quase todos os dias desde que nos
conhecemos.
― Aconteceu alguma coisa? - Pergunto, assim que chego.
Ela não me responde com palavras, mas me abraça forte por um
longo tempo. Sofia não é de abraços.
― Eu fui um pouco injusta com você. - Ela diz, um pouco
antes de nos afastarmos.
― Como assim?
― Eu estou indo embora.
Olho para ela, confuso. Ela me estende um papel tirado do
bolso. É uma passagem.
― Nova Iorque? - Pergunto, ainda sem entender.
― Escola de escrita criativa. Vou seguir meu sonho. - Ela
se senta em um balanço, sem balançar. Faço o mesmo após alguns
segundos. - Eu estava esperando a aprovação da minha inscrição,
por isso não te contei antes. Na verdade, só meus pais sabiam.
― Quando você vai?
― Mês que vem.
Eu abaixo a cabeça, tentando assimilar a informação.
― Eu sei que você gosta de mim. – Ela respira fundo. -
Você é péssimo disfarçando, por sinal, mas é por isso que eu estou
te contando.
Sinto meu rosto corar, mas não consigo dizer mais nada
por alguns instantes. Seu pé começa a deslizar pelo chão de terra,
sujando o material branco da ponta do tênis.
― Quando você volta?
― Daqui a um ano.
Tempo suficiente para encontrar alguém mais interessante
do que eu.
― Você é muito especial para mim. Eu queria que a gente
pudesse se envolver mais... Mas isso só tornaria a despedida ainda
mais difícil. - Sua voz soa sincera e trêmula.
Permaneço calado. Não exatamente triste, mas
decepcionado comigo mesmo, talvez por ter criado tantas
expectativas.
"A expectativa é o primeiro passo para a decepção", eu
mesmo tinha dito isso, mas acho que a lição devia ser minha.
Durante o mês de fevereiro, embora os encontros tenham
se mantido frequentes, a distância entre nós foi palpável. Eu fui o
único a acompanhá-la no aeroporto, além dos pais. Nos
despedimos com um abraço, já que me faltou coragem para me
atrever a beijá-la. Em casa, tranco a porta do quarto, sem ao
menos acender a luz, ignorando as batidas preocupadas de minha
mãe na porta.

***

Provo mais uma vez. Sem sal. Acrescento uma pitada e


mexo. Uma nova prova revela que coloquei sal demais.
― Vai demorar muito? - Meu irmão resmunga, enquanto
os olhos parecem hipnotizados no celular. - Eu não aguento mais!
― Se você ficar me atrapalhando vai demorar ainda mais. -
Ignorando o sabor final, desligo o fogo e coloco a panela sobre a
mesa.
― Finalmente! - Assim que coloca a colher na boca, ele
cospe a sopa de feijão no prato. - Eca. Eu prefiro quando a mamãe
faz!
― Mas ela não está aqui, está? - Irritado, coloco uma
lasanha congelada no forno. - Da próxima vez, você se vira.
― Eu achei que você quisesse ser cozinheiro...
― Não sei mais o que eu quero. - Pego meus fones de
ouvido e, ignorando o roncar do estômago faminto, sento-me na
escrivaninha do meu quarto e folheio distraidamente um livro de
gastronomia, enquanto Coldplay toca em um volume que penso
ser capaz de me ensurdecer após algumas horas.
Minhas mãos parecem ter perdido toda a habilidade para a
culinária. Meus dias têm se resumido a acumular tentativas
frustradas de novas receitas e técnicas, enquanto recuso convites
de amigos para festas e jantares.
Passo as páginas lentamente.
Cozimento Lento: Para cozinhar peças de carnes mais
duras e conseguir cor e sabor mais atraentes...
Fecho o livro frustrado, já que meu cérebro é incapaz de
assimilar qualquer palavra, enquanto Chris Martin insiste em
lembrar meus ouvidos de que ninguém me disse que seria fácil,
embora ninguém tenha dito que seria tão difícil.
O cofrinho em formato de carro assume o centro da mesa
e separo as notas e moedas por valor. A calculadora não hesita em
demonstrar numericamente que não estou nem perto de realizar
meu sonho. Na verdade, acredito que nunca estive tão longe, já
que não tive ânimo para entregar um currículo sequer.
O que está acontecendo comigo? - É só no que consigo
pensar.
Os sites das agências de viagem não se atrevem a abaixar o
valor das passagens, nem das hospedagens dos hotéis, assim como
a mensalidade do curso permanece muito maior do que todo o
dinheiro que consegui juntar.
Começo a considerar, pela primeira vez, desistir. Vale a
pena correr atrás de um sonho tão distante? Eu quero tanto assim
ser cozinheiro? Eu nunca coloquei meus pés em uma cozinha
profissional, como posso ter certeza de alguma coisa?
Começo a guardar o dinheiro de volta ao cofre, quando me
lembro do quanto tive que tirar das minhas economias para
comprar o livro da blogueira de moda. Talvez tenha sido puro
impulso, mas não me lembro de ter, alguma vez, lido um livro tão
rapidamente. Embora mascaradas pela história e pelas fotos de
outra pessoa, as palavras de Sofia parecem se dirigir diretamente a
mim. Sua voz narra o livro em minha mente, lembrando-me dos
momentos que passamos juntos, das conversas, dos livros e das
receitas.
Talvez essa seja minha única certeza: eu sinto falta dela.
Não adianta. Não consigo continuar negando para mim
mesmo que todos os obstáculos dos últimos dias não tenham um
motivo claro em minha mente.
E é quando uma ideia surge em minha mente.
Parece loucura, mas um estranho sentimento me diz que é
a coisa certa a se fazer.

***

Procuro minha mala na esteira rolante, antes de seguir a


fila de desembarque rumo ao saguão.
No celular, minha mãe demonstra toda sua preocupação
nas mais de cem mensagens enviadas durante o voo. Meu irmão
me envia uma lista com os videogames que ele espera de presente,
o que significa que ele quer que eu volte e talvez esse seja o jeito
dele dizer que me ama. Não foi a decisão mais fácil, mas talvez
tenha sido a mais correta. Ou a mais justa comigo mesmo.
Entre a multidão de sócios e parentes que esperam pelos
viajantes, uma garota me espera em um vestido floral.
O curso nova-iorquino de gastronomia que escolhi é tão
reconhecido quanto o irlandês, e as passagens até mais baratas.
Além disso, a casa da família nova-iorquina que me abrigará
durante os estudos fica a poucos metros da república onde Sofia
está.
Ela me dá um longo abraço como cumprimento, tentando
compensar os três meses de saudades.
Não me arrependo pela mudança repentina de planos.
Sinto-me como se meu avô estivesse orgulhoso de mim, já que
estou seguindo seus passos e correndo atrás das coisas que eu
amo.
― Senti sua falta. – É a primeira coisa que ela me diz.
Antes que possa dizer a segunda, junto meus lábios aos seus.
Dinheiro.
É sempre o que eu peço em toda festa de ano novo. Mas
esse ano, decidi pedi por algo a mais.
Pedi por um pouco de amor.
Acho que recebi mais do que eu esperava.
Pilotarei teu avião de volta pra mim
Valium Hippy

Não havia no mundo uma alma tão boa quanto a de


André, e Clara sabia disso – era o que mais doía, por sinal. Lá
estava ele, com os olhos orientais e vestindo uma blusa preta de
alguma banda de rock com jeans rasgados, os óculos embaçados
pelo calor do café que tomavam juntos e, quem sabe, pelo calor do
momento também.
Clara soluçou pela milésima vez naquela tarde. « Para com
isso », disse André– « São só seis meses », ele completou, e Clara
soluçou ainda mais. O tempo passava, nenhum dos dois tomava o
café que pairava na mesa. « Acho que vou indo pro portão. Não
aguento mais te ver chorar », disse André, e Clara segurou sua
mão com força. « Por favor, fica. Eu não sou nada sem você », ela
disse, enquanto as lágrimas rolavam por seu rosto e suas mãos
tremiam. « Se você não é nada sem mim, também não é nada
comigo » - ele respondeu, pausou por um momento, e completou
enquanto levantava da mesa da cafeteria : « Você só tá sendo
dramática. Isso é manipulação . Eu vou indo ».
O coração de Clara bateu tão forte que ela pensou que ele
ia sair por sua boca. Ela tentava se segurar em André, ainda
soluçando de tanto chorar, mas ele a afastou e a a segurou com
força. « Até logo, amor », ele disse, tascando-a um selinho e se
afastando rápido. Clara ficou fraca nos joelhos, quase caindo no
chão. E se fosse a última vez que o via ? E se ele morresse em
Nairobi, onde faria trabalho voluntário com animais por seis
meses ? Ou pior, e se ele arrumasse uma moça africana e se
apaixonasse ? Eram tantas possibilidades terríveis.
Portanto, só havia uma coisa a fazer : tomar muito Frontal.
Enquanto via o namorado correr para o portão de embarque rumo
ao Quênia, Clara tirou da bolsa sua cartelinha de calmantes e
apressou o passo para sair do aeroporto de Guarulhos.
Já no lado de fora, ela sentou em um dos lugares onde era
permito fumar, mas logo percebeu que estava sem cigarros na
carteira. « Com lincença, você podia me emprestar um cigarro ? »
Ela perguntou, a voz ainda chorosa, a um rapaz que estava
sentado perto.
O rapaz se virou e encarou Clara com um sorriso. Ela logo
se chocou com a semelhança deste rapaz com André. Os mesmos
olhos orientais, um corte de cabelo parecido, maxilar marcado…
Não era como um sósia exatamente, mas era parecido o suficiente
para lembrar. « Emprestar ? Você vai me devolver depois de
fumar ? » Ele perguntou, em tom de piada, e sua voz era grossa,
muito grossa, mas extremamente doce e portava um tom
simpático e até meio sedutor.
Constrangida, Clara apenas riu. « Tome », disse o rapaz,
entregando-a duas unidades de Marlboro, do vermelho. « Meu
nome é Pedro. Qual o seu ? », ele completou. Clara, ainda perplexa
com a similaridade de Pedro com André, pegou os cigarros e
acendeu com seu próprio isqueiro, tossindo umas três vezes antes
de dizer : « Clara. Me chamo Clara ». Pedro sorriu. E que sorriso
bonito ele tinha, ela pensou. « Você parece triste, Clara », ele
disse, e ela mostrou a cartela de Frontal. « Eu vou ficar bem. Isso
aqui me salva todos os dias ». Pedro ficou calado por menos de
meio minuto.
« Sabia que dá pra ficar muito chapado disso ? » Informou
Pedro. « Não quero ficar chapada. Quero ficar tranquila »,
respondeu Clara – « E o que é ficar chapado, senão muito
tranquilo ? « . Clara pausou por um momento e decidiu, de
repente, que queria ficar muito tranquila. « Eu quero ficar
chapada », ela anunciou.
Pedro e Clara apagaram os cigarros acesos e Pedro a guiou
até seu carro. « Pra onde cê vai me levar ? », ela perguntou – « Pra
o lugar mais legal dessa cidade. Quando terminarmos, você vai
esquecer por que estava triste », ele respondeu, e ela deu um
pequeno sorriso no rosto inchado pós choro.
Que coisa rápida, ela pensou. Em um segundo ela estava
desesperada, quase caindo no chão do aeroporto, e no outro
milésimo de segundo ela estava no carro de um rapaz que acabara
de conhecer e mal conversara com. Mas que opção ela tinha ? Ela
precisava esquecer André por algumas horas hoje.
Pedro acelerou o carro, saindo completamente do
Aeroporto de Guarulhos. Os dois ficaram calados por algum
tempo, Clara sentada no banco do passageiro, logo ao lado do
lindo motorista que parecia tanto com seu namorado, mas ao
mesmo tempo havia alguma coisa diferente em Pedro que o
diferenciava completamente de André.
« Então », disse Pedro, quebrando o silêncio – « Quer me
dizer por que tava tão triste ? »
« Eu ainda estou triste », disse Clara, que ainda não tomara
seu Frontal. « Não, você não tá não. Você está prestes a ficar muito
alegre. E é nisso que você tem de focar », respondeu o rapaz. Que
palavras bonitas, ela pensou. Olhou para ele por alguns segundos,
enquanto o carro se movia e em alta velocidade, já fora do trânsito
da porta de Guarulhos. Pedro era um bom rapaz, ela tinha certeza
– quer dizer, não tinha como saber, já que ela acabara de o
conhecer, mas algo dizia a ela que a alma de Pedro poderia ser tão
boa quanto a de André.
« Eu quero ficar chapada », ela disse, assim, do nada.
« Você vai ficar chapada », retrucou ele, acelerando ainda mais o
carro. « Mas você ainda não me contou por que estava triste ».
Então ela disse. Disse tudo e mais um pouco. Contou
como conheceu André, no aplicativo de paquera, há dois anos.
Como iam juntos para todo lugar. Como ela era obsecada por ele.
Como ele era lindo. E como ele a abandonara para passar meses
fora do país.
A esse ponto, a noite já caía nos arredores de São Paulo, e
Pedro já dirijia há mais de uma hora. Clara não fazia ideia de onde
estava, e só queria que o estranho ao seu lado lhe dissesse que
André era um canalha por larga-la assim.
« Veja bem » Disse Pedro – « Vocês não precisam viver
colados. Vocês são pessoas diferentes. Dois seres humanos, não
um só. Ele tem uma vida, com oportunidades, surpresas, viagens.
Assim como você. » Clara petrificou, perplexa com as palavras
compreensivas e doces de Pedro. Por um momento ela pensou até
que estava a ter uma epifania de que poderia haver vida sem
André. E essa epifania estava mais do que certa.
Pedro parou o carro e em um beco. Os dois saíram do
carro e Clara o perguntou que lugar era aquele. Pedro disse para
ela apenas o seguir, e assim ela o fez, até chegarem em um casebre
abandonado. « Esse é meu esconderijo. Venho aqui quando brigo
com meus pais, ou quando meus amigos não estão presentes, ou
quando minha ex me abandonou », ele contou. Clara sorriu
involuntariamente, pois sabia que tomara a decisão certa ao entrar
no carro de Pedro naquela tarde.
O céu escuro, as estrelas brilhando, os aviões voando baixo
naquela região, e dois jovens sentados no chão de um casebre no
meio do nada. « Você ainda quer ficar chapada ? « Perguntou
Pedro. « Não », disse Clara.
A esse ponto, ela já estava chapada. Chapada de encanto
pelas palavras, pela aparência, pela pessoa de Pedro. Logo
percebeu que o que o diferenciava tanto de André era o jeito como
os dois vibravam na mesma energia. O jeito como Pedro a tratava
com cuidado. O jeito como os dois estavam perdidos, apenas
procurando um estado ébrio para esquecer o que os incomodava.
« Eu posso te beijar ? » Perguntou Clara, ignorando
completamente os pensamentos que a diziam para não cometer
uma traição. Pedro ficou calado, mas logo aproximou o rosto ao de
Clara e calmamente a respondeu :
« Não. Você ainda tem um namorado – Ah ! E eu te
chamei pra ficar chapada » - Ele pausou, e então continuou :
« Sabe, Clara, as coisas na vida tem propósitos. São como aviões,
com destino. Se você tenta mudar o propósito das coisas, você
desvia o avião do destino final ».
Clara não entendeu nada do que ele disse. « Eu quero ficar
chapada », ela disse, tirando o Frontal da bolsa e tomando uma,
duas, três pílulas. « Que ódio », ela disse, com os olhos lacrimosos
e muita raiva por ter sido rejeitada.
« Agora sim », disse Pedro, enquanto tirava um cigarro de
maconha do bolso e o acendia. « Agora você está no avião que
resolveu tomar. Não é o mais saudável dos aviões que você poderia
escolher. Mas você nunca viu um avião mudar de destino, não
é ? » Ele terminou.
« Já vi sim. Existe pouso de emergência. », disse Clara.
« Ah », exclamou Pedro – « É verdade. E, pensando assim, existem
vôos de retorno também ».
Clara sorriu. « Eu sei que depois de hoje a gente
provavelmente não vai se ver mais », ela começou a dizer, mas
Pedro a interrompeu : « Quem disse ? Eu não posso te beijar, eu
não posso te comer, mas se você se perder no céu, eu posso pilotar
teu avião de volta. »
E então ela percebeu, olhando nos olhos vermelhos de
Pedro, que ele estava muito chapado, mas que ele também estava
completamente apaixonado por ela.
« Amor à primeira vista é exatamente como um avião. Ele
tem destino. Mas se não for o destino que você quer, você pode
facilmente não tomar este avião. Existem milhares de aeronaves
por aí », disse Pedro, tirando mais um trago do baseado.
O Frontal já fazia efeito no sistema nervoso de Clara. Ela
olhou pro céu, onde André estava rumo à África. É. Os amores da
vida são como aviões, por mais ridícula que a metafóra pareça.
Alguns aviões chegam ao destino. Outros, pousam de
emergência em um lugar diferente. E uma pequena parcela deles
simplesmente cai, ou explode. Naquele momento, por mais
encantador que Pedro fosse, ela percebeu que um desvio de rota
não é ideal, e que uma queda ou explosão acabaria com tudo.
Seguiu firme no avião que escolheu. Se se perdesse, ela
tinha um novo amigo para pilota-la de retorno. Mas não pediria
mais nenhum beijo ao amigo naquela noite. Levaria a vida um
avião por vez. Terminaria o primeiro vôo antes de embarcar no de
retorno.
Alcantilosa
Victor Rolim Janiszewski

Saudações raras para o coração afagar


Tu vens linda, lenta e exuberante
Crepúsculo melancólico me faz chorar
Sorriso doce mexe meu mar relutante

Aonde existe a beleza singular


Habita seus traços o olhar brilhante
Seu corpo enigma vou explorar
E acabar com a dor excruciante

Tu és fortaleza impenetrável
De Tróia sou o cavalo
Movido por amor imensurável

Alma e rainha arguciosa


Do seu reino sou vassalo
Me rendo a sua essência custosa
-
Victoria Callado Torres

Sintonia é fazer morada no teu pensamento


Encaixar teus medos nos meus
Energizar tua alma junto com a minha
É quando nossos corpos imploravam uma harmonia
[só nossa

Eu te escuto bonito, no silêncio do teu íntimo


No teu subconsciente mais apedrejado de incertezas
Quero teu corpo etéreo nu, despido de constâncias carnais
A gente se encontra em cada devaneio ímpeto

Nossos corpos celestes cintilam o quarto


Alimentamo-nos de olhares profundos e desejados
Minha energia atrai teus desejos mais secretos
Nossas vibrações pintam nossas melhores constelações

Somos duas almas entrelaçadas de destinos e conexões


É coisa lacônica
De vidas remotas
Quero viver de amor
Vitor Miranda

estava procurando emprego. minha namorada me obrigou.


me cadastrei na Catho. primeiro mês de graça. tudo que tem
primeiro mês de graça só funciona bem no primeiro mês. me
mandaram e-mail com uma vaga. ia deletar. minha namorada viu.

― o que você tá fazendo?


― nada.
― você ia apagar o e-mail.
― desculpe, baby.
― meu amor, você precisa fazer alguma coisa da vida.
― eu escrevo poesia.
― poesia não dá dinheiro. você quer viver do que? de
amor?
― quero.

ela ficou brava. aceitei o convite da Catho. no dia seguinte


acordei junto dela. fizemos amor no chuveiro. vida de trabalhador
tem seu lado bom. tomamos café juntos. passei requeijão na
torrada dela. ela passou manteiga na minha. ela quis comer a de
manteiga. comi a com requeijão. tomei um café preto. o dela era
com leite. ela escovou os dentes.

― vem cá. você não vai escovar os dentes?


― o pessoal do RH adora funcionários que tomam café.

ela ficou brava. escovei os dentes. saímos juntos. ela me


deu carona até o trem. ia acender um cigarro.

― você vai fumar cigarro?


― qual o problema? você sabe que eu fumo.
― o pessoal do RH não gosta de funcionários fumantes.
fiquei bravo. guardei o cigarro no maço, o maço no bolso e
o sorriso na boca. quando o dia começa com uma foda ele só pode
ir piorando.

― boa sorte, amor.


― obrigado, baby.

ganhei um beijinho. peguei o trem rumo à Berrini. o


bagulho estava lotado. acertei uma cotovelada numa tiazinha
chata que me empurrava com a sacola. xinguei um filha da puta
que ouvia sertanejo sem fone.

― é expressão cultural!
― enfia a expressão cultural no seu cu largo junto com seu
fone de ouvido, fila da puta!

desci. saí dali correndo. sentei num banco de praça e


fumei um cigarro. o pessoal do RH que se foda. fumei outro. pau
no cu de RH.
caminhei lentamente até o endereço. pessoas bonitas.
pessoas elegantes. edifício modernoso. a Berrini me deprime.
cheguei. entrei. fotografaram meu rosto e pediram meu RG. é
batida policial.
subi. elevador lotado de fracassados tentando vencer na
vida. todos pra entrevista. na sala de espera mais de vinte pessoas
se digladiando por três vagas de telemarketing. mães e pais de
família. jovens promissores. ex-profissionais do McDonald. poetas
obrigados a procurar emprego pela namorada. e lá vem a
profissional de RH adoradora de Freud.

― bom dia! antes de começar, queria agradecer a presença


de todos. e também queria informar algumas questões sobre as
vagas. a carga horária de trabalho é de 6 horas por dia de segunda
à sábado. salário de R$ 720,00 sem carteira assinada. vale refeição
de R$ 7,00, pois não é horário comercial...
e ela foi continuando com aquela merda e as pessoas
faziam cara de esperança e eu perdia a esperança no mundo. fiquei
imaginando como eram as vidas daquelas pessoas.

― enfim, é isso. é uma boa vaga. mas se alguém não tiver


interesse e não quiser continuar não tem problema.

todos sorriram e disseram, felizes e esperançosos, que


continuariam. me levantei.

― eu desisto.

todos espantados me olhavam como se eu fosse maluco.


inclusive a amante de Jung.

― por que o senhor desiste?


― não gosto de conversar no telefone.

caí fora. fumei um cigarro. entrei num boteco e junto ao


balcão pedi uma coxinha e uma cerveja. liguei pra namorada.

― oi, meu amor.


― ei, baby.
― me diga, me diga. como foi a entrevista?
― quero terminar nosso namoro.
― oi?
― é isso mesmo que você ouviu. quero viver de amor.
pode deixar minhas coisas na portaria.
Desenlace
Wagner Pires da Silva

― Então, você me ama?


― ...
― Por que não responde? Basta uma palavra...
― Basta uma palavra? Palavras não bastam! Não para
dizer o que eu sinto, não para exprimir o quanto eu quero estar ao
seu lado, esquecendo de mim para viver você!
Ela o olhou como se nunca antes o tivesse visto. Recordou
dos estímulos que ele sempre lhe dera. Lembrou-se das vezes em
que ele parou tudo para ajudá-la. Lembrou-se de como ele a fazia
rir, mesmo nos momentos mais difíceis. E soube então, que nesse
tempo todo havia alguém para ampará-la, uma pessoa que faria de
tudo para elevá-la se possível, até as estrelas. E reconheceu, que a
cada momento, a cada dificuldade da jornada, sempre pôde contar
com ele.
― Passei a vida toda procurando o amor – ela disse –
procurei alguém que me amasse pelo que eu sou, não por minha
beleza, ou meu corpo, e nem me dei conta que eu estava a procura
de alguém pela beleza. Busquei ser amada a vida toda. E no último
ano, eu fui amada. Só que procurava esse amor no lugar errado.
― O problema – ele a fitava nos olhos – é que você é
incapaz de me amar. Não sou bonito, não sou descolado... sou
motivo de chacota pras tuas amigas.
― Não é verdade. Você me conhece e...
― É porque te conheço que digo isto. Você é popular, é
bonita. Pode ter quem você quiser num piscar de olhos. O
problema é que a maior parte das pessoas não consegue ver o
quanto, ainda mais maravilhosa é você, por dentro! A verdadeira
você é muito, mas muito mais interessante que essa personagem
que você criou para ser aceita pelo seu círculo.
― E você? Vem me dizer que também não usa mascarás?
Escondeu esse amor de mim o tempo todo!
― Nunca escondi que te amo! Todos os indícios estavam
aparentes. Só você não viu.
― E agora? O que faremos?
― Seguir nossos caminhos. Mas agora, agora que
finalmente sabes que te amo, que sentido faz me enganar? Você
não vai gostar de mim por causa disso. Pode estar lisonjeada, até
encantada pelo fato de ter alguém tão dedicado a você. Mas daí a
me amar, sejamos realistas, é um abismo enorme para ser
ultrapassado.
― Eu o admiro! Sei o quanto você é uma pessoa especial, o
quanto...
― O quanto sou inteligente, o quanto eu sou engraçado
etc etc, chega. Não precisa disso. Sei que você gosta de mim, como
amigo e nada mais. Não tem problema. Meu amor sempre foi
desinteressado. Aprenda uma coisa: amar é se doar. E se estamos
doando, não esperamos nada em troca. Quando somos
correspondidos é bom, porque recebemos algo que
definitivamente não esperávamos, nem sequer merecíamos...
Ela não soube o que dizer. Silas levantou da mesa, juntou
os papéis e os colocou na bolsa. Os olhos dela estavam úmidos.
― Eu perdi você?
― Não, você não me perdeu. Eu sempre serei seu! Mas
você não será minha. E pode ser que, hoje não, nem amanhã, mas
um dia você acabe achando que eu sou um incômodo... Espero
que saber que eu te amo, possa de alguma forma te beneficiar.
Porque você saber, pra mim, não mudou nada. Adeus!
Ele se foi. Ela permaneceu sentada, olhando para as
próprias mãos postas sobre a mesa. E finalmente entendeu que ali,
naquele dia, o amor que ela sempre sonhou ter, ela teve, nunca
percebeu e agora o perdia para sempre.
Almas gêmeas
Wellington Kalil

Oh distante metade
alma gêmea de mim
tu e eu
repartidos/partidos/tidos/idos
e havidos
em partes dessemelhantes
compartimos nossas imagens e semelhanças
sob o alumbramento da lua
nas terras de adão e eva
nesta uivante noite de inverno
a solidão animal de ardentes/dentes/entes
que somente a alma diz
Por isso mesmo
hipermesmo/mesmo/esmo
amor de mim
degredada costela de minha costela
sob o signo do índigo blue luar
o espargir de nossa banida condição
desde o sopro da separação
Além disso
departido amor
tu bem sabes de mim
o quanto ainda sei de ti
enquanto a química ofegante
alegorizada na latejante conjunção
encarnada no carnaval/aval/val do firmamento
onde seremos inseparáveis como a bandeira e a arte da
porta-bandeira
script na carne
de onde o ritmo
O transporte e o amor
Wilson Duarte

Em um ônibus, lembro-me bem, embora há muito tempo,


foi a primeira vez que minha sorte fez-me vê-la.
Séria, rosto fechado, olhar distante, porém linda,
tal como o brilho próprio de uma grande estrela.

Tento iniciar uma conversa entre homem e mulher,


mas apenas monossilábicas eram suas respostas.
Insisto, novamente, em uma temática qualquer,
pois ouvi-la falar e sorrir eram minhas apostas.

Devagar e aos poucos seu semblante foi mudando


e eu, então já muito feliz, insistia em argumentar.
Mencionei a beleza de seu rosto com covinhas
e também a maneira bem delicada de seu olhar.

Após uma frase um pouco mais engraçada,


consegui, finalmente, seu belo sorriso ver.
Ela até acrescentou mais algumas palavras,
porém, já no próximo ponto, iria descer.

Por estarmos chegando ao final do dia, disse-lhe que,


no dia seguinte, no mesmo ponto eu estaria.
Ela nada comentou a esse respeito, despedindo-se
com um leve aceno de mão, mas seu rosto sorria.

Em casa, seus gestos em minha mente estavam


enquanto, devagar, preparava-me para dormir.
No dia seguinte, as horas demoravam para passar
e não via o momento para, ao ponto, me dirigir.

O longínquo fim de tarde finalmente chegou.


Fui ao ponto com meu coração palpitando
e, olhando incessantemente para todos os lados
vejo-a linda e resplandecente, chegando.
Sorrindo, dirigiu-se de maneira direta a mim
perguntando como meu dia eu havia passado.
De imediato abri o coração e respondi que nela,
durante todo o tempo, havia pensado.

Esse foi o começo de nossa história de amor,


em que estávamos um para o outro guardados.
E há muitos anos juntos estamos e vivendo
como se fôssemos, ainda hoje, dois namorados.
Contato dos autores
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Fabrizzio Nascioli (fabrizzionascioli@gmail.com)
Fernando Rodrigues Vannini (fevannini@gmail.com)
Flaviana Costa (flavianalourenco2017@gmail.com)
Chico Martins (frjamilton@gmail.com)
Frederico Brito (fredericombr@gmail.com)
Gabriela Padilha Da Silva (gabriela.padilha29@gmail.com)
Gabriela Railo de Marcos (gabsrailo@gmail.com)
Germano Luz (germanoluz109@gmail.com)
Giórgia Neiva (giorgianeiva@gmail.com)
Giovana Perlin (giovanaperlin@gmail.com)
Guilherme Hurtado (guidavilah@hotmail.com)
Guilherme de Macêdo Feitosa (guilhermemfeitosa4@gmail.com)
Gustavo de Lima Masoni (gustavomasoni@gmail.com)
Hélio Carlos da Silva Júnior (heliocsjuniorp@gmail.com)
Irene Curcelli (irene10curcell@yahoo.com.br)
Isadora Rinnert (isadorarinnert@outlook.com.br)
Jackeline Machado Vieira (jackeline_vieira@outlook.com)
Jackson Pedro Leal (caa.lealjackson@gmail.com)
Jéssica Borges (jesycarbv@gmail.com)
Jhonatan Mata (jhonatanmata@yahoo.com.br)
João Eduardo C. W. Cruz (jewcruz@hotmail.com)
João Libero Rosa Marques (joaolibero46@gmail.com)
João Lucas Correa Reis (joaosiec@gmail.com)
João Paulo de Azevedo Lima (jp09.2@hotmail.com)
João Paulo Hergesel (jp_hergesel@hotmail.com)
João Pedro Oliveira (john.olivetree@gmail.com)
Joaquim Bispo (episcopum@hotmail.com)
José Leite da Silva (jleitesilva@yahoo.com.br)
José Renato Ferraz da Silveira (jreferraz@hotmail.com)
Jozimeire Moreira de Souza (jozisouza34@gmail.com)
Julia Mantelli Copatti (roseamc@gmail.com)
Juliana Karol de Oliveira Falcão (julianakarol-16@hotmail.com)
Juliana Peres dos Santos (julianaperesarq@outlook.com)
Karol Póss (karolposs@hotmail.com)
Kayla Maria Sousa da Silva (kaylasilvasousa812@gmail.com)
Leo Ottesen (ottesen.leo@gmail.com)
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Leonardo Araujo Cardeal da Costa (leonardocardeal@gmail.com)
Leverton José Veríssimo Vieira (levertonjose@hotmail.com)
Lucas da Silva Silvestre (lucassilvestre43@hotmail.com)
Lucas Voltolini (lvoltolini@gmail.com)
Lydia Marina Escobar Wingist (lydiawingistw@gmail.com)
Mara Rubia de Jesus Teixeira (marateixeirago@hotmail.com)
Marcelo Fouquet Rosembrock (marcelofouquet@gmail.com)
Maria Luiza dos Santos Alves (malu1206santos@gmail.com)
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Patrícia Ferreira dos Santos (ferreirapatricia@hotmail.com.br)
Patrik Bruno Furquim dos Santos (chokitoscss@gmail.com)
Paulo Eduardo de Barros Veiga (pebveiga@gmail.com)
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Rúbi Renck Pires (rubirenckpires@gmail.com)
Samir Calaça (samircalaca@hotmail.com)
Sandra Denicievicz (sdenicievicz@gmail.com)
Sigridi Borges (quadradorosa2002@yahoo.com.br)
Silvia Ferrante (silviaferrante2@gmail.com)
Stefany Pinto Rogério (prstefany@gmail.com)
Suellen Jhoyna de O. Rodrigues (suellenjhoyna@gmail.com)
Taiane Oliveira Lima (tay12@hotmail.it)
Tatiane Monteiro (tatymc3@hotmail.com)
Tauã Lima Verdan Rangel (taua_verdan2@hotmail.com)
Thaís Costa de Almeida (thais11costa@hotmail.com)
Thaís Evangelista (thais.brito1978@gmail.com)
Thiago Roque Pereira Lima (llthiago@hotmail.com)
Thiago William Rodrigues (thiago.crf.rn@hotmail.com)
Tiago Arauto (superaothiago@yahoo.com.br)
Tiago Valente (tiago_mvalente@hotmail.com)
Valium Hippy (rogersouzab@hotmail.com)
Victor Rolim Janiszewski (victorvrj@live.com)
Vitor Miranda (vitor_coto@hotmail.com)
Wagner Pires da Silva (wagnerpiress@gmail.com)
Wellington Kalil (kalilwellington@gmail.com)
Wilson Duarte (widuf@bol.com.br)
Obra produzida com exclusividade para a
Editora Jogo de Palavras, em 12 de junho de 2019,
em comemoração ao Dia dos Namorados.

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