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Nonada: Letras em Revista

E-ISSN: 2176-9893
nonada@uniritter.edu.br
Laureate International Universities
Brasil

Dolz, Joaquim; Pasquier, Auguste; Bronckart, Jean-Paul


L’ACQUISITION DES DISCOURS: EMERGENCE D’UNE COMPÉTENCE OU
APPRENTISSAGE DE CAPACITÉS LANGAGIÈRES DIVERSES?
Nonada: Letras em Revista, vol. 1, núm. 28, mayo, 2017, pp. 156-173
Laureate International Universities
Porto Alegre, Brasil

Disponible en: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=512454262011

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A AQUISIÇÃO DO DISCURSO:
EMERGÊNCIA DE UMA COMPETÊNCIA OU
APRENDIZAGEM DE DIFERENTES CAPACIDADES DE
LINGUAGEM?1

L’ACQUISITION DES DISCOURS: EMERGENCE D’UNE


COMPÉTENCE OU APPRENTISSAGE DE CAPACITÉS
LANGAGIÈRES DIVERSES?

Joaquim Dolz
Auguste Pasquier
Jean-Paul Bronckart

RESUMO: A noção mais frequentemente utilizada para descrever e conceituar os processos envolvidos na
aquisição-aprendizagem dos discursos é a de “competência”. Após retomar as opções epistemológicas que
subjazem ao surgimento dessa noção, mostramos que sua extensão ao discurso não apenas veicula uma
concepção unária e global do desenvolvimento, em contradição com a maioria dos dados disponíveis neste
domínio, mas também serve para caracterizar fenômenos de níveis muito diferentes, para os quais uma
diversificação dos conceitos de desenvolvimento parece se impor. Na segunda parte, tentamos definir as
diferentes ordens de capacidades exigidas de um aluno para produzir um discurso adaptado a uma dada
situação de interação. Em seguida, nos interrogamos sobre as etapas de aprendizagem de cada uma dessas
capacidades e sobre as interações existentes entre elas. Por fim, propomos alguns elementos para um ensino
(ou uma didática) articulado/a às condições efetivas da aprendizagem dos discursos em situação escolar.

RÉSUMÉ: La notion la plus fréquemment utilisée pour décrire et conceptualiser les processus en jeu dans
l’acquisition-apprentissage des discours est celle de “compétence”. Après avoir ré-évoqué les options
épistémologiques qui ont sous-tendu l’apparition de cette notion, nous montrons que son extension au
discours, soit véhicule une conception unaire et globale du développement en contradiction avec la plupart des
données disponibles en ce domaine, soit sert à caractériser des phénomènes de niveaux très differents, pour
lesquels une diversification des concepts développementaux nous parâit s’imposer. Dans une seconde partie,
nous tentons de definir les différents ordres de capacités requises d’un apprenant pour produire un discours
adapté à une situation d’interaction donnée. Nous nous interrogeons ensuite sur les étapes d’apprentissage de
chacune de ces capacités et sur les interactions qui existent entre elles. Nous proposons enfin quelques éléments
pour un enseignement (ou une didactique) articulé aux conditions effectives de l’apprentissage des discours en
situation scolaire.

1
Nota do Tradutor: Este texto foi originalmente publicado na revista Études de Linguistique Appliquée, n.
92. 1993. pp. 23-37, com o título L’acquisition des discours: emergence d’une compétence ou apprentissage de
capacités langagières diverses?. Agradeço à gentileza dos autores por permitirem a publicação desta
tradução e, em especial, à revisão e às importantes sugestões de Joaquim Dolz. É válido destacar que
este texto foi produzido há mais de 20 anos e deve ser lido neste contexto. Todavia, sua pertinência
permanece bastante atual para aqueles que, em alguma medida, dialogam com a perspectiva do
Interacionismo Sociodiscursivo. Tradução de Cassiano Ricardo Haag (Centro Universitário Ritter
dos Reis – UniRitter/Capes-PNPD).
Dolz, J.; Pasquier, A.; Bronckart, J.P. A aquisição do discurso: emergência de uma 157
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Como descrever e conceituar os processos envolvidos na aquisição-


aprendizagem dos discursos? É a esta questão geral que se articulam os
elementos de reflexão e de discussão que se seguirão.
Ao longo das últimas décadas, a noção de “competência” foi a mais
frequentemente utilizada para descrever as aptidões dos alunos a respeito do
discurso. Após retomar os postulados epistemológicos que subjazem à
introdução dessa noção na obra de Chomsky, tentaremos mostrar que a
extensão de seu uso para o domínio do discurso não apenas testemunha uma
concepção unária e global da aquisição em contradição com a maioria dos
dados empíricos recolhidos nesse domínio, mas também serve para
caracterizar fenômenos de níveis muito diferentes, que não dependem da
competência propriamente dita, e para os quais uma diversificação dos
conceitos de desenvolvimento parece se impor.
Na segunda parte, por outro lado, inspirando-nos na caminhada que
desenvolvemos pela psicologia da ação e dos discursos, tentamos
primeiramente definir as diferentes ordens de capacidades exigidas de um
aluno para produzir um discurso adaptado a uma dada situação de interação.
Na sequência, com base nos resultados de pesquisas sobre o desenvolvimento,
interrogamo-nos acerca das etapas de aprendizagem de cada uma dessas
capacidades, bem como das interações existentes entre elas. Ao final,
propomos alguns elementos para um ensino (ou uma didática) articulado/a às
condições efetivas de aprendizagem dos discursos em situação escolar.

Uma “competência” discursiva?

Das origens da noção de competência

Foi no contexto da atribuição de um estatuto psicológico às


gramáticas gerativas em elaboração que Chomsky introduziu as noções de
competência e de performance. Como se sabe, o objetivo principal desse autor
era (e continua sendo) construir um sistema de regras formais suscetíveis de
gerar uma infinidade de frases gramaticais (e nada além de frases gramaticais)
no quadro de uma língua natural dada. Em Aspects (1965), Chomsky afirma que
essa máquina formal deve, ainda, “representar” a criatividade operada em todo
funcionamento de linguagem, isto é, a capacidade que tem todo ser humano de
produzir e compreender uma infinidade de frases, apesar do número limitado
de elementos linguísticos (fonemas, morfemas, lexemas) à sua disposição.
Nessa ótica, a noção de competência não designa senão a gramática interna
que sustenta o conjunto de manifestações de linguagem concretas (ou
performances) de todo indivíduo. Se se leva em consideração os postulados
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inatistas, mentalistas e universalistas da epistemologia chomskiana, essa


noção-chave pode ser caracterizada da seguinte maneira:
a) A competência é de natureza biológica; inscrita no potencial genético
do sujeito, ela escapa a todo determinismo histórico ou social.
b) A competência é um conhecimento formal (puramente sintático),
independente dos conhecimentos de ordem pragmática e, portanto,
imunes a quaisquer efeitos do contexto.
c) A competência não é objeto de nenhuma aprendizagem; ela “emerge”
gradualmente pela maturação do sistema nervoso.
d) A competência aplica-se apenas às frases e a priori não tem nenhuma
pertinência para o que diz respeito às aptidões relativas aos textos e
aos discursos.

Uma competência textual: as abordagens cognitivistas

Quando, ao longo das duas últimas décadas, a pertinência da


consideração do texto como unidade linguística foi reconhecida, uma corrente
de psicologia cognitivista começou a esforçar-se para generalizar a noção de
“competência” para as aptidões de que dispunham os sujeitos nesse domínio.
Os primeiros trabalhos recaíam sobre a narração (ver principalmente
Kintsch e van Dijk, 1975; Mandler e Johnson, 1977; Rumelhard, 1975) e
trouxeram a hipótese da existência de estruturas mentais comuns (ou
“esquemas”), favorecendo a compreensão e a memorização desse tipo de texto.
Modelo dos conhecimentos implícitos do sujeito, o esquema narrativo designa
tanto a estrutura lógica da organização do conteúdo (noção de
“macroestrutura semântica”), quanto a estrutura sequencial das proposições
do texto (noção de “superestrutura”). Na perspectiva desses autores, o texto
narrativo é estudado sob a ótica de uma atividade geral de resolução de
problemas, na qual a finalidade perseguida pelo enunciador serve como
orientação à estrutura hierárquica das informações; não é, portanto, concebida
como uma estrutura discursiva particular adaptada a uma situação de
interação determinada, mas como um relatório linguageiro de eventos,
subordinado, na verdade, apenas à lógica do universo referencial.
Na sequência desses trabalhos, a psicolinguística cognitivista propôs
a noção de esquema textual prototípico para modelizar os procedimentos de
tratamento de todo tipo de texto (descritivo, argumentativo, explicativo, etc.).
O não domínio desse esquema (uma vez adquirido, disponível na memória de
longo termo) explicaria a desigualdade das competências entre sujeitos
inexperientes e experts. Em produção, o modelo de Hayes e Flower (1980)
integra igualmente a noção de esquema textual prototípico a título de
mecanismo de monitoramento dos processos de planificação, de textualização
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e de revisão. Segundo observa Schneuwly (1991, p. 45), “na verdade, os


cognitivistas postulam um funcionamento único da linguagem no qual o
gênero discursivo intervém apenas como uma variável entre outras sem afetá-
lo fundamentalmente”. Nos modelos de aquisição que eles propõem, existe
apenas uma única competência textual (conjunto de saberes formais relativos
à organização dos textos), e as aptidões para adaptar esses textos às diversas
situações de comunicação se originariam somente da performance.
Como pode se constatar, projetando a noção chomskiana de
competência sobre o universo textual, os cognitivistas transpuseram a ela,
juntamente, os postulados biologizantes de unicidade e de generalidade. Ora,
se alguns dados experimentais relativos à memorização dos textos parecem
compatíveis com essa opção, não é o que acontece a respeito dos dados
relativos à produção. As pesquisas sobre desenvolvimento realizadas por Dolz
(1990), Dolz, Rosat e Schneuwly (1988) e de Weck (1991) fazem surgir
mudanças importantes especialmente no domínio de diferentes gêneros
discursivos (conto, notícia, explicação, carta), mudanças que dizem respeito,
por um lado, às capacidades de planificação, por outro, às capacidades de
utilização apropriada de subconjuntos de unidades linguísticas como os
tempos verbais, as anáforas ou os organizadores textuais. Esses trabalhos, na
verdade, mostram que, uma vez que é posto o problema do desenvolvimento
de entidades linguísticas adaptadas a situações específicas (entidades que
qualificaremos, daqui para a frente, de “discurso”), o postulado de unicidade
veiculado pela noção de competência deve ser recusado.

Outros usos da noção de competência

Aderindo-se ou não a ela, a concepção cognitivista da competência


testemunha uma indiscutível coerência epistemológica. Mas o “sucesso” dessa
noção engendrou outros empregos, que parecem introduzir mais confusão do
que clareza.
Maingueneau (1984, pp. 47-48), por exemplo, transpõe essa noção
para o plano dos modelos disponíveis no ambiente social e afirma que “o
desvio por um modelo de competência, pelo que pode ser dito, permite […] dar
conta com mais qualidade do que foi efetivamente dito”. Defendendo a
hipótese da primazia do interdiscurso sobre o discurso, o autor considera que
este último se estrutura, na totalidade, coerente e recebe sua identidade de
uma presença implícita ou polêmica de outros discursos. Em sua ótica, não é
necessário buscar as regras de formação dos discursos na consciência
individual, mas no próprio discurso, cujas regras se impõem a todo indivíduo.
Assim, a competência discursiva estaria subordinada a uma competência
interdiscursiva (“domínio tácito de regras que permitem produzir e
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interpretar enunciados dependentes de sua própria formação discursiva, e,


correlativamente, identificar como incompatíveis com ela enunciados das
formações discursivas antagônicas” op. cit., p. 13). Por um curioso paradoxo, no
entanto, para dar conta desse interdiscurso, Maingueneau postula a existência
de um sistema simples de restrições semânticas (um filtro semântico)
suscetível de se investir nos mais diversos universos textuais. “A formação
discursiva não seria um conglomerado mais ou menos consistente de
elementos diversos que se aglutinam pouco a pouco, mas principalmente a
exploração sistemática das possibilidades de um nó semântico” (op. cit., p. 62).
Beacco (1988, pp. 37-38) igualmente retém a noção de competência discursiva
para designar

o conhecimento implícito, mas que pode ser explicitado em termos


linguísticos, das convenções de funcionamento de alguns
discursos. Em uma dada área cultural, alguns locutores são capazes
de (re)produzir ou (re)conhecer textos de acordo com matrizes
discursivas ou com a representação que eles têm destas. A matriz
de tais protótipos de textos pode referir-se tanto a suas
características macroestruturais […], quanto, em outro nível, a suas
características linguísticas (propriedades dos marcadores
linguísticos em relação a um discurso considerado).

Enquanto as proposições que acabam de ser evocadas assinalam-se


pela generalização ao texto ou ao discurso da concepção unária original de
competência, numerosos autores utilizaram esse mesmo termo para designar
as diversas aptidões de que devem dispor os humanos em matéria de produção
e de compreensão de linguagem: competência poética, literária, social,
pragmática, receptiva, produtiva, etc. (para um levantamento, ver Hymes,
1991, pp. 126-127). O próprio Hymes propôs a expressão competência de
comunicação como conceito genérico (e, de novo, aparentemente unário),
integrando e sintetizando essas diferentes “competências” particulares.
Esses exemplos mostram que a noção de competência remete tanto a
uma capacidade genética, quanto a uma construção sócio-histórica
misteriosamente interiorizada, e que ela caracteriza tanto a emergência
natural quanto as aprendizagens sociais. Outros exemplos (ver
principalmente Dabène, 1987) mostrariam que ela se aplica, além disso, aos
estados de conhecimentos sucessivos do aluno, ou até mesmo aos objetivos do
ensino.
Transposta para todo tipo de problema do desenvolvimento e
adaptando-se aos mais diversos quadros epistemológicos, a noção de
competência não nos parece ter grande sentido. Nós a abandonaremos, então,
em sua disciplina original (a Biologia) ou aos psicólogos que consideram que
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seu objeto é exclusivamente de ordem biológica, e proporemos substituí-la por


um conjunto de noções articuladas a uma psicologia da linguagem
radicalmente oposta à epistemologia chomskiana. É essa concepção e as
noções dela decorrentes que apresentaremos na segunda parte deste artigo.

A aprendizagem das capacidades de linguagem

Elementos de um quadro teórico

Nossos trabalhos inscrevem-se na corrente das ciências humanas que


toma como objeto central as atividades, ou seja, as estruturas de condutas –
materiais e/ou simbólicas – orientadas pelas finalidades de um grupo e cuja
significação mesma procede de uma confrontação com os “sistemas de
coordenadas formais” (ou “mundos” racionais) sócio-historicamente
elaborados por esse mesmo grupo (ver principalmente Habermas, 1987). Ainda
que o estudo das atividades provenha principalmente da Sociologia, como
psicólogos, tomamos por objeto as ações humanas, isto é, essas mesmas
estruturas de condutas, imputáveis a um agente singular (ou “sujeito
psicológico”) e a suas representações. As questões que endereçamos a esse
objeto trataram primeiramente das modalidades e das condições de
participação do agente singular nas diferentes atividades (problemática da
“razão prática”: intenções, finalidades e razões de agir); elas concernem, em
seguida, às formas de conhecimentos mobilizadas e construídas no quadro
dessas mesmas atividades (problemática da cognição ou da “razão pura”).
Nessa perspectiva, e em conformidade com as abordagens de Habermas (1987)
e de Ricoeur (1986), consideramos que a função primeira da linguagem é
constituir o meio através do qual os membros de um grupo humano se
entendem (ou negociam) sobre o que são os contextos de ação (nesse sentido,
a linguagem é a condição mesma da constituição dos “mundos” e da
racionalidade). Consideramos, na sequência, que toda conduta verbal se
inscreve em uma estrutura de ação de linguagem (ou discurso), da qual uma
das ações maiores é “refigurar” as ações não linguageiras e, por isso mesmo,
permitir ao agente desenvolver sua compreensão dos determinismos da razão
prática. Consideramos, por fim, que a atribuição de um valor declarativo (ou
de um estatuto de “signo”) às unidades linguísticas procede necessariamente
de uma abstração-generalização secundária, que opera sobre os valores de uso
(ou ilocutórios) resultantes de seu emprego em estruturas discursivas variadas
(para uma apresentação detalhada dessa posição, ver Bronckart, 1992).
De forma mais concreta, uma ação de linguagem é uma estrutura de
condutas que consiste em produzir, compreender, interpretar e/ou memorizar
um conjunto organizado de enunciados orais ou escritos (ou texto, no sentido
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geral que daremos a esse termo). A noção de ação de linguagem designa, assim,
a unidade comportamental (ou unidade psicológica) “correspondente” à
unidade linguística que constitui o texto. Levando em conta diferenças entre
as formas oral ou escrita, entre produção, compreensão ou memorização,
podem-se distinguir diversas modalidades instrumentais de realização da
ação de linguagem, as quais, todavia, na prática, frequentemente estão
emaranhadas. No que segue, vamos nos limitar à análise teórica apenas das
modalidades de produção de linguagem, e essa análise implicará a distinção de
três níveis hierárquicos.
O primeiro nível é o da própria ação de produção de linguagem, que
se define por seu contexto e por seu conteúdo referencial, sem prejudicar
características linguísticas efetivas do texto ao qual ela conduzirá. O contexto
é produzido pelas representações elaboradas pelo agente a respeito de seu
ambiente físico e social. No plano físico, o agente da ação é um organismo
humano (emissor), eventualmente na co-presença de outros humanos
(receptores), ambos situados nas coordenadas de espaço e tempo. No plano
social, emissor e receptor estão implicados em uma forma de interação
humana, da qual depreendem não apenas seus estatutos (respectivamente, de
enunciador e de enunciatário), mas também as relações de finalidade ou de
visada emaranhadas entre si. O conteúdo referencial é constituído pelas
representações do mundo (os conhecimentos) que o agente vai mobilizar em
sua produção de linguagem. A seguir, um exemplo de produção oral: no dia 12 de
dezembro de 1993, no prédio de uma escola de Yverdon (espaço-tempo de produção) e
no quadro de suas atividades profissionais (forma de interação “Escola”), X
(emissor), assumindo seu papel de professor (enunciador), dirige-se oralmente a Y
(receptor), que possui o estatuto de aluno (enunciatário), para convencê-lo de inscrever-
se em uma aula de reforço (finalidade). Como se sabe, entretanto, em tal situação,
textos de estilos muito diferentes poderão ser produzidos. Essas diferenças
ocorrem pelo fato de que o agente da ação deve efetuar escolhas entre as
múltiplas soluções que a língua natural que ele utiliza lhe oferece: por um
lado, escolha de um tipo de discurso; por outro, escolha de modalidades de
organização linguística.
Os parâmetros gerais da ação de linguagem que são evocados
constituem uma base de orientação a partir da qual o agente selecionará um
dos “modelos de discurso” disponíveis em seu ambiente linguageiro (ou no
“interdiscurso”). Retornando a nosso exemplo, o professor pode se engajar em
uma conversação de caráter maiêutico; pode também produzir um discurso
expondo as vantagens das aulas de reforço; pode ainda construir uma
narrativa evocando os benefícios que ele mesmo teve com esse tipo de aulas
em sua adolescência. Nesse segundo nível, o agente adota, então, o tipo de
discurso que lhe parece mais eficaz na situação de interação. Os diferentes
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tipos de discurso (conversação, discurso teórico, narrativa, narração, etc.) são


formas sócio-históricas de estruturação dos enunciados que se caracterizam,
ao mesmo tempo, por um modo específico de planificação do conteúdo
referencial (planos narrativos, teóricos, conversacionais, etc.) e pela
mobilização de paradigmas de unidades linguísticas mais ou menos
específicas (presença ou não de unidades dêiticas, adoção de um dos
subsistemas dos tempos verbais, de um subconjunto de organizadores, etc.).
Mesmo que dependa de um tipo determinado, o texto que será
efetivamente produzido comportará características irredutivelmente
singulares. Essa singularidade se dá pelo fato de que o agente deverá ainda
escolher entre diferentes procedimentos de textualização (em particular de
conexão, de coesão e de modalização) que conferirão um valor determinado às
unidades linguísticas utilizadas: por exemplo, se uma narração é produzida,
algumas formas verbais servirão para codificar as ações no primeiro plano, e
outras, para situá-las em segundo plano; alguns organizadores explicitarão a
origem cronológica dos eventos, outros marcarão as ligações (ou relés)
temporais. Como temos mostrado (ver principalmente Bronckart et al., 1985),
as escolhas efetuadas nesse terceiro nível podem ser descritas como o
resultado de operações psicolinguísticas complexas, isto é, operações que
combinam um tratamento psicológico dos parâmetros da ação de linguagem
(processos implicados na representação do contexto social, do contexto físico
e do referente) e uma tradução linguística do produto desse tratamento no
quadro das oposições lexicais e morfossintáticas da língua natural utilizada,
bem como no quadro das oposições do modelo discursivo adotado.

O desenvolvimento das capacidades de linguagem

Realizando-se em uma situação dita natural (por exemplo, no âmbito


familiar) ou em uma situação formal (sobretudo, no âmbito escolar), o
desenvolvimento das capacidades de linguagem participa sempre
parcialmente de um mecanismo de reprodução. Os modelos de discurso já
estão “disponíveis” no ambiente linguageiro, e os adultos empreendem ações e
percursos explícitos para que os mais jovens se apropriem deles. Para
conceituar os processos de aquisição/aprendizagem, de um lado, é necessário
distinguir o problema das expectativas da sociedade em relação ao discurso
(quais são os repertórios de saber-fazer e de saberes discursivos que as
diversas instituições sociais exigem dos alunos?), bem como o dos objetivos
preferidos nesse domínio pelas instituições formais de aprendizagem. De
outro lado, é preciso ainda distinguir o problema da caracterização (da
avaliação) das aptidões do aluno a cada momento de seu desenvolvimento.
Nos limites deste artigo, não nos centraremos no primeiro problema, mas
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notaremos que não nos parece poder ser abordado em termos de


“competência” ou de “capacidade”. Tais termos deveriam estar reservados à
descrição das aptidões dos alunos e, para designar a que esses últimos são
diretamente confrontados, conviria ater-se às noções de modelos discursivos,
de finalidades (ou expectativas) e de objetivos pedagógicos. Os modelos
discursivos são certamente, eles mesmos, o produto histórico da
operacionalização das capacidades de linguagem dos membros do grupo, mas
essa questão se inscreve na problemática do estatuto das atividades e não nas
condições sincrônicas da aquisição/aprendizagem. Ao contrário, abordaremos
explicitamente o segundo problema; primeiramente, atendo-nos às ações de
produção de linguagem, propomos distinguir três ordens de “capacidades de
linguagem”, ou aptidões requeridas para a realização de um texto em uma
situação de interação determinada: capacidades de ação, isto é, aptidões para
adaptar a produção de linguagem às características do contexto e do referente;
capacidades discursivas, ou aptidões para mobilizar os modelos discursivos
pertinentes a uma ação determinada; por fim, capacidades linguístico-
discursivas ou capacidades de domínio das múltiplas operações
psicolinguísticas exigidas para a produção de um discurso singular. Em
seguida, nos interrogaremos sobre as interações existentes entre as diferentes
modalidades instrumentais de realização das ações de linguagem, em
particular, as relações entre o oral e o escrito e entre a produção e a
compreensão.

As capacidades de ação

Como demonstraram diversos psicólogos (para uma síntese


observável, ver Bruner, 1990), desde os primeiros meses de sua existência, por
meio da interação com o ambiente humano, a criança constrói um conjunto de
capacidades comunicativas (atenção conjunta, pedido, ordem, intenção, etc.)
que se pode redefinir como a construção das significações ligadas às ações
humanas. Assim, as produções sonoras implicadas nesses processos
interativos têm apenas um valor ilocutório. Quando surge a linguagem
propriamente dita, formas locutórias (ou signos) são integradas ao processo, e
a criança desenvolve rapidamente capacidades de ação verbal ou de linguagem.
Essas capacidades são, no entanto, a princípio, fortemente autocentradas, ou
seja, ligadas às significações que a criança atribui a suas próprias ações. À
custa de uma longa aprendizagem, ela desenvolve capacidades de produzir
ações de linguagem adaptadas às diversas exigências de seu meio social. Como
os professores sabem, e conforme algumas de nossas pesquisas experimentais
confirmaram (ver Bronckart e Bourdin, 1993; Dolz, 1990; de Weck, 1991), entre
10 e 14 anos, muitos alunos experimentam uma grande dificuldade para
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produzir um texto adaptado a uma ordem que define completamente o tipo de


ação de linguagem a ser efetuada.

As capacidades discursivas

Como, para uma ação de linguagem determinada, os alunos


selecionam um tipo de discurso? Em outras palavras, como eles constroem os
critérios que lhes permitem efetuar uma escolha entre os modelos de discurso
disponíveis no ambiente linguageiro?
As pesquisas experimentais mencionadas anteriormente (ver também
Schneuwly, 1988; Schneuwly e Dolz, 1989; Schneuwly, Dolz e Rosat, 1989)
evidenciam um desenvolvimento muito desigual de escolhas discursivas, assim
como uma diferenciação e uma diversificação crescente dos discursos
produzidos em função do nível de escolarização dos alunos. Essas mudanças
geralmente têm sido descritas em termos de progressão contínua de tipos de
discurso “simples” para tipos de discurso “complexos”: nessa ótica, o discurso
interativo oral (conversação) serviria de base para o desenvolvimento da
narração que, uma vez dominada, serviria de base para o desenvolvimento da
argumentação. Segundo Fayol (1987, pp. 232-233), por exemplo,

Nota-se uma passagem gradual e lenta do discurso para a narrativa.


Aos 6-7 anos, as crianças procedem como se elas se situassem em
um quadro conversacional. Os fatos que elas relatam remetem,
cada um, a um “turno de fala” no qual aparecem os traços de uma
forte ancoragem enunciativa (predominância do Eu, do passado
[passé composé], dos indicadores espaço-temporais “próximos”).
Diferentemente, os sujeitos de 10-11 anos recorrem
sistematicamente às marcas linguísticas próprias da narrativa:
apagamento mais ou menos acentuado dos traços da ancoragem
enunciativa, exploração sistemática das oposições de formas
verbais, emprego dos conectores específicos, etc. No período
intermediário – pelos 8-9 anos – as produções participam, ao
mesmo tempo, do discurso e da narrativa.

Esse tipo de hipótese interpretativa foi contestado especialmente por


Schneuwly (1988), de Weck (1991) e Dolz (1990), para quem cada tipo de
discurso exige uma aprendizagem específica. Esses autores formularam uma
nova hipótese, segundo a qual a aprendizagem se realizaria mediante um
trabalho sobre uma amostra reduzida de textos dependentes de um tipo de
discurso determinado, que permitiria, em seguida, a generalização ao conjunto
virtual dos textos do mesmo tipo. Confrontado muito precocemente às
diversas práticas discursivas operadas em seu ambiente discursivo, o aluno
seria capaz de intervir nesse espaço, retomar os discursos dos outros, interagir
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com eles e anunciar esboços de variações; ao longo desse processo interativo,


ele se tornaria apto para identificar segmentos de texto dependentes de um
tipo determinado e se apropriaria das propriedades específicas principais
desse tipo.
Decorrente da interpretação de resultados experimentais, essa
hipótese da especificidade das aprendizagens, entretanto, revelou-se pouco
apta para dar conta dos processos observados no quadro de pesquisas
aplicadas (sobretudo, no âmbito da experimentação de sequências didáticas).
Consequentemente, ela tem sido objeto de uma reformulação que destaca as
interações permanentes entre diferentes ordens de capacidades (ver infra,
2.3.2).

As capacidades linguístico-discursivas

No quadro do modelo ao qual nos referimos, podem-se distinguir


cinco conjuntos de operações implicadas em toda produção de linguagem:
operações de planificação, de estruturação temporal, de coesão, de conexão e
de modalização. O desenvolvimento das operações de planificação foi
estudado, sobretudo, no âmbito da narrativa; para esse tipo de discurso, Fayol
(op. cit., pp. 232-233) principalmente evidenciou a seguinte evolução:

Nas crianças mais jovens, observa-se claramente a aposta em uma


sequência de eventos independentes em que cada um tem o
estatuto de um “anúncio de novidade”. Ao contrário, os mais velhos
centram-se majoritariamente em um fato, e apenas um, que eles
dilatam para relatá-lo em elementos organizados na forma de um
episódio, este sim parecido com o “esquema” canônico observado
por diversos pesquisadores.

De nossa parte (ver Dolz, 1990; Bronckart e Bourdin, 1993), analisamos


o desenvolvimento das operações de estruturação temporal e de coesão verbal
em diversos tipos de discurso. No que concerne à utilização dos tempos
verbais na narração, esses trabalhos mostram que os alunos constroem
estratégias primeiramente ligadas a alguns aspectos da planificação (à
“dinâmica dos personagens”), depois, orientadas para o estabelecimento de
oposições globais (distinção entre o primeiro e o último plano) e, por fim,
eventualmente preferências pelo estabelecimento de contrastes locais
(contrastes de aspecto ou de temporalidade relativa). Outros trabalhos de
nossa equipe (ver anteriormente citados) evidenciaram progressões análogas
no que diz respeito às operações de conexão e às operações de coesão nominal.
Dolz, J.; Pasquier, A.; Bronckart, J.P. A aquisição do discurso: emergência de uma 167
competência ou aprendizagem de diferentes capacidades de linguagem?. Nonada:
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As interações entre modalidades instrumentais

Se a especificidade das modalidades instrumentais evocadas


anteriormente (oral-escrita, produção-compreensão) é indiscutível, a
observação das práticas de linguagem mostra que essas modalidades, em geral,
estão a elas funcionalmente associadas. Nesse sentido, põe-se a seguinte
questão: em que medida as capacidades relativas a uma modalidade
instrumental devem ser consideradas como pré-requisito para a aquisição de
capacidades relativas a outras modalidades?
No que diz respeito à distinção produção-compreensão, os dados
elaborados pela psicolinguística do desenvolvimento não fornecem uma
resposta clara. Os trabalhos centrados nas fases iniciais da aquisição das
regras sintáticas de base (ordem das palavras, marcação das funções
gramaticais) regularmente sublinharam o deslocamento existente entre
capacidades de compreensão e de produção e produziram a hipótese conforme
a qual as primeiras constituíam um pré-requisito para o desenvolvimento das
segundas. Mas pesquisas posteriores centradas em outras unidades
morfológicas evidenciaram uma ordem de aquisição mais complexa. Como
principalmente Bronckart (1976) demonstrou, muito precocemente as
crianças estão aptas a produzir diversos tempos verbais, mas a função
atribuída a essas unidades não corresponde à que elas têm na linguagem do
adulto (subgeneralização dos valores aspectuais em detrimento dos valores
temporais). E as fases ulteriores do desenvolvimento consistem em uma
aprendizagem dos valores “adultos” dessas unidades, aprendizagem que
parece se realizar simultaneamente sobre os planos da compreensão e da
produção.
No que tange à segunda distinção, geralmente é admitido que, após a
aprendizagem da leitura, certo grau de domínio oral constitui as bases sobre
as quais se efetua a aquisição da escrita. Se se pode admitir que o domínio dos
discursos orais interativos constitui um pré-requisito para a aquisição dos
aspectos dialógicos dos discursos escritos, numerosas pesquisas recentes (ver
principalmente Rosat, 1991) mostram, entretanto, de um lado, que o domínio
dos discursos monológicos, escritos ou orais, exige um distanciamento em
relação às características dialógicas orais (e essa autonomização é
frequentemente difícil!), de outro, que o acesso à língua escrita exerce um
efeito rebote sobre as características das produções orais.
Portanto, as concepções lineares do desenvolvimento da linguagem
(compreensão depois produção; oralidade depois escrita) merecem ser
seriamente matizadas, e, de maneira mais geral, é necessário admitir que nosso
conhecimento sobre as interações complexas existentes entre as modalidades
instrumentais principais permanece ainda amplamente insuficiente.
Dolz, J.; Pasquier, A.; Bronckart, J.P. A aquisição do discurso: emergência de uma 168
competência ou aprendizagem de diferentes capacidades de linguagem?. Nonada:
Letras em Revista, n. 28, vol. 1. Maio de 2017. pp. 156-173.

O ensino das capacidades de linguagem

As capacidades de linguagem são objeto de uma aprendizagem social

Em conformidade com o conjunto dos elementos anteriormente


levantados, afirmaremos que o desenvolvimento das capacidades de linguagem
depende mais de uma aprendizagem social do que de um processo de
aquisição “natural” e que é a esse mecanismo de aprendizagem que deve se
articular o ensino dos discursos.
As concepções centradas na aquisição postulam a existência de
competências que não apenas procedem diretamente da emergência de
estruturas biologicamente inscritas (conforme Chomsky), mas também
decorrem secundariamente da aplicação recursiva de grandes mecanismos
funcionais inatos (segundo a posição piagetiana da construção progressiva de
estágios de desenvolvimento pela aplicação dos mecanismos de assimilação,
acomodação e regulação). Nessas abordagens, os parâmetros do meio social
exercem somente um efeito negligenciável sobre o desenvolvimento: o meio
“em si” é certamente necessário, mas as variações dos parâmetros desse mesmo
meio não exercem nenhum efeito diferencial sobre a aquisição. Aplicada à
problemática pedagógica, esse tipo de postura deveria logicamente implicar
uma concepção do professor como “jardineiro” (que rega suas “plantas” e lhes
fornece o adubo necessário), posição que mais ninguém defende em razão de
sua ineficácia! Ela se traduz mais geralmente pelas tentativas de fundar o
ensino sobre o conhecimento do “estágio” de desenvolvimento de cada um dos
alunos. Além dos slogans incansavelmente reproduzidos (levar em conta o
“estado de linguagem” de cada aluno), essa caminhada se revela ilusória, na
prática, tanto porque são numerosas e variadas as capacidades implicadas no
domínio dos discursos, quanto, sobretudo, porque essas mesmas capacidades
implicadas não podem ser avaliadas de maneira estática e in abstracto. Avaliar
as capacidades de um aluno é identificar não um “estágio” de desenvolvimento,
mas os processos dinâmicos nos quais é capaz de se engajar (veja-se a noção
vigotskiana de “zona de desenvolvimento proximal”); consequentemente, é
identificar as ações de linguagem que está apto a realizar em resposta a uma
instrução dada, e em uma situação didática específica.
A adesão a uma concepção centrada na aprendizagem funda-se,
portanto, sob dois conjuntos de considerações. De um lado, os objetos a serem
dominados (os discursos) são construções sócio-históricas, frequentemente
recentes, e que apenas conservam suas propriedades gerais à medida que o
grupo social dá lugar, de geração em geração, a caminhadas explícitas de
formação. De outro lado, e de forma mais geral, numerosos trabalhos recentes
(ver especialmente Perret-Clermont, 1988) mostram que a apropriação dos
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Letras em Revista, n. 28, vol. 1. Maio de 2017. pp. 156-173.

saberes e do saber-fazer (de linguagem ou não) efetua-se sempre no quadro


das interações, diretas ou indiretas, com outros membros do grupo social.
Uma concepção do ensino adaptada a essa realidade fundamental do
desenvolvimento deve, primeiramente, definir explicitamente as
características dos modelos de discurso cujo domínio é socialmente exigido,
pesquisar as situações que favorecem a mobilização (ou motivação) do aluno
(as razões e as finalidades suscetíveis de fazê-lo agir de uma determinada
maneira) e, por fim, pensar as modalidades de influência social às quais é
desejável que o aluno seja confrontado.

As capacidades de linguagem estão em interação permanente

Como sugerem nossas pesquisas, as diferentes capacidades de


linguagem se constroem em interação, sem que se possa falar de dominância
ou de precedência de uma capacidade em relação à outra.
Em primeiro lugar, as ações de produção de linguagem requerem
representações do contexto e do referente, a partir dos quais os discursos são
escolhidos e estruturados. Essas representações são ativadas no quadro de
uma negociação dos parâmetros do contexto social. Ora, esse contexto inclui
igualmente o conjunto dos modelos discursivos disponíveis e de sua finalidade
social e, portanto, a decisão de adotar um tipo de ação de produção de
linguagem adaptado ao ambiente social é sempre parcialmente solidário com a
decisão de adotar o tipo de discurso considerado como pertinente. A escolha
de um tipo de discurso é, então, orientada, ao mesmo tempo, pelos parâmetros
sincrônicos da ação de linguagem e pelas determinações sócio-históricas
cristalizadas no interdiscurso.
No que se refere às capacidades linguístico-discursivas, se notará que
algumas delas (operações de planificação e de estruturação temporal) são
fortemente dependentes do tipo de discurso escolhido, enquanto outras
(operações de coesão e, sobretudo, de modalização) são, ao mesmo tempo,
dependentes da escolha discursiva e dos parâmetros sociais da ação engajada
(valores tomados pelo enunciador, pelo destinatário e pela finalidade). Além
disso, se sublinhará a forte interação interna entre os diferentes conjuntos de
operações de linguagem. De um lado, as mesmas unidades linguísticas podem
traduzir operações de nível diferente (ou combinação de operações; veja-se o
exemplo dos tempos verbais). De outro, observam-se diversas formas de
“compensação” entre as operações: uma planificação fraca (ou seja, que não se
inscreve em nenhum esquema convencional) pode ser compensada por um
emprego sistemático de unidades de conexão (e vice-versa); uma marcação
sistemática das oposições internas (coesão verbal) pode suprir a ausência
aparente de estruturação temporal geral, etc.
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competência ou aprendizagem de diferentes capacidades de linguagem?. Nonada:
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Enfim, como temos notado, as diferentes modalidades instrumentais


estão geralmente emaranhadas no quadro da realização de ações de linguagem
complexas. Para um mesmo aluno, as capacidades de produção oral variam
conforme se trate de conversar, de narrar ou de argumentar, adaptando-se a
uma situação de interação precisa, e o mesmo vale para as capacidades de
produção escrita e para as capacidades de compreensão.

Sequências didáticas: uma forma de ensinar capacidades de linguagem

Desde alguns anos, elaboramos e testamos sequências didáticas, que


se caracterizam por um vai-e-vem constante entre as atividades pedagógicas
centradas nas diferentes capacidades de linguagem implicadas no domínio de
um dado tipo de discurso. Em um primeiro momento, o professor propõe e
discute com seus alunos um projeto de produção textual relacionado a uma
ação de linguagem. Ele contextualiza e explicita as características da situação
de interação. Os alunos produzem, então, um primeiro texto que permite ao
professor identificar algumas dificuldades relativas às capacidades discursivas
e linguístico-discursivas. O exame dos textos produzidos permite ao professor
escolher as dimensões para trabalhar em aula, bem como os tipos de atividades
pedagógicas que podem ser realizadas. Permite igualmente negociar com os
alunos um contrato didático que explicita os objetivos a alcançar. Em um
segundo momento, os alunos realizam uma série de oficinas que abordam
atividades diversas: debates orais, análise e observação de textos, exercícios de
produção simplificada, desempenho de papéis, exercícios de vocabulário,
exercícios sobre as unidades linguísticas e sobre as expressões características
do tipo discursivo envolvido. Em grande parte dessas oficinas, o trabalho
sobre as dimensões linguísticas implica uma reflexão sobre as características
da situação de interação às quais essas dimensões se articulam. Finalmente,
graças ao que apreenderam ao longo dessas oficinas, os alunos revisam e
reescrevem a produção inicial ou escrevem um texto diferente. Essa atividade
permite ao aluno, pela comparação entre os dois textos, tomar consciência do
progresso realizado.
Tais como as concebemos, essas sequências de ensino têm por
finalidade suscitar uma progressão nas aprendizagens dos alunos, que se
caracteriza pelas quatro etapas seguintes:
1. Desenvolvimento de novas capacidades de ação. Os alunos são
confrontados a novas situações de interações; eles são levados a
refletir sobre as características dessas situações e sobre as influências
que elas podem exercer sobre a produção textual; em seguida, eles têm
de produzir textos adaptados a essas novas situações. Nessas
produções textuais, os alunos mobilizam capacidades discursivas e
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linguístico-discursivas construídas por situações de interação já


conhecidas e que se revelam, assim, mais ou menos pertinentes. É
engajada uma reflexão sobre os diferentes tipos de discurso cuja
produção é pertinente para uma situação de interação determinada.
2. Desenvolvimento de capacidades discursivas específicas. Nessa
etapa, o ensino é centrado em um tipo de discurso específico. Um
corpus de textos relevante a esse tipo é proposto e analisado (para o
tipo narrativo, por exemplo, apresentação de extratos de diferentes
gêneros, como o conto, o romance, a novela, etc.). Então, diversas
atividades são empreendidas para conduzir o aluno a um domínio de
algumas capacidades linguístico-discursivas próprias a esse tipo
(domínio dos valores temporais, dos mecanismos anafóricos, etc.), e,
portanto, para favorecer a interiorização das características desse
“modelo discursivo”.
3. Generalização de capacidades linguístico-discursivas.
Simultaneamente, no quadro das atividades de análise (de um novo
corpus de textos variado) e de produção (em resposta a demandas
diversas), o foco é posto nos aspectos comuns aos diferentes tipos de
discurso (que se referem, por exemplo, à planificação, à conexão ou à
modalização). Aqui é visada uma abstração/generalização das
capacidades linguístico-discursivas anteriormente construídas a
respeito de um dado tipo.
4. Integração das diferentes ordens de capacidade. Retornando à
problemática das situações de interação, e confrontando os alunos a
um terceiro corpus, centra-se a caminhada sobre a heterogeneidade
constitutiva da maioria dos textos (em um texto dado, combinação de
segmentos dependentes do narrativo, do discurso interativo
[diálogos] ou do discurso teórico [comentários avaliativos]). O
objetivo é, de um lado, mostrar que os gêneros de textos disponíveis
no interdiscurso combinam tipos diferentes, de outro, conduzir o
aluno à integração desses diferentes tipos no quadro de uma mesma
unidade textual, adaptada a uma situação de interação determinada.

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