Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
2)
Na reflexão filosófica sobre a estrutura subjetiva do agir ético a realidade que se tem
em vista é o sujeito ético no seu agir concreto, i.e. nas suas decisões. Trata-se de
identificar a estrutura ontológica da praxis (ação humana livre e responsável), i.e. as suas
condições de inteligibilidade.1
Sendo o ser humano racional, o bem que conduz à sua plena realização é o bem
segundo a razão, i.e. aquilo que a razão (reta, fiel a si mesma) conhece como bem. O agir
humano (consciente e livre) é um agir ético (moralmente bom ou mal) em função de sua
conformidade ou disconformidade com o bem segundo a razão. Com efeito, o que confere
à praxis a sua especificidade é ser um tipo de conduta “acompanhado de razão” (cf. Ética
a Nicômaco). O agir ético (praxis) caracteriza-se pela presença de uma forma de razão na
qual se exprimem as normas e os fins do próprio agir. Em outras palavras: A
conformidade do agir com o ethos
# Não é obra do instinto ou de uma adaptação imposta ao próprio agir ético
por fatores estranhos (de ordem física, social ou cultural)
# Mas reside numa forma de razão imanente ao próprio agir.
Esta forma de razão é a razão prática (RP), i.e. a razão enquanto ordenada à ação
(praxis) e não somente ao conhecimento. A noção de RP é fundamental na Ética
filosófica, que como ciência do ethos é ciência da RP. A RP é o primeiro invariante
ontológico na estrutura do agir ético, a idéia diretriz da Ética filosófica. A Ética pode ser
entendida como um discurso sobre a RP.
# Caráter reflexivo: Seu objeto é a própria praxis, i.e. o sujeito enquanto orientado
intencionalmente para a ação a ser realizada. O agir humano é auto-consciente
(transparente). Trata-se de uma reflexividade imediata, enquanto dispensa a mediação
de um objeto exterior ao ato, própria do conhecimento teórico e poiético.
# Caráter normativo: Não se trata apenas do conhecimento do que já é (fato), mas
de um dever-ser (valor) imanente à praxis. O bem é apreendido, não só como fim da
ação, mas também como sua norma.
# Caráter judicativo: Passa da apreensão do fim do agir e da avaliação de suas
condições ao juízo prático que prescreve a realização ou não da ação.
# Caráter auto-explicativo (racional): O agir humano contém suas próprias razões,
i.e. as razões de agir de um ou outro modo são intrínsecas à própria praxis (lógica
imanente da praxis)
# Caráter autodeterminativo (livre): O agente determina os fins do próprio agir
(teleologia imanente da praxis)
A reflexão sobre o agir ético terá, pois, como fio condutor a noção de razão prática
(RP) e revelará que seu exercício implica um processo dialético com três momentos:
universalidade, particularidade e singularidade.
b) Universalidade de fato da RP
b) Observações:
# A solução proposta:
+ Baseia-se no paradigma aristotélico,
+ Ultrapassando-o, porém, enquanto o dinamismo intencional do “Eu sou”
orientará a resposta (sistematicamente articulada) à questão inicial (como devemos
viver?) para a transcendência do Bem, postulando assim necessariamente a abertura
do sistema.
# A ação humana (praxis) é estudada:
+ Não (sob diversos aspectos: filosófico, sociológico, psicológico, etc.)
prescindindo da consideração formal de sua natureza ética (i.e. o dever-ser)
+ Mas como praxis ética essencialmente normativa, i.e. como prescrição do
dever-ser da ação.
# A universalidade de jure da RP manifesta-se como resultado do processo histórico-
cultural de constituição da Ética como ciência, i.e. da racionalização do saber ético e de
sua expressão segundo os códigos da razão demonstrativa.
# Esta passagem do saber ético para a ciência (episteme) do ethos foi possibilitada
pela descoberta do paradigma ideonômico (Platão), i.e. pela fundamentação do
conhecimento racional no mundo das Idéias, dotando-o da universalidade trans-empírica
que compete ao inteligível como tal. Ao participar desta forma de universalidade de direito,
a RP pode tornar-se uma instância explicativa e judicativa do ethos, acima da
particularidade de cada ethos histórico, próprio dessa ou daquela tradição cultural.
3.3. Conseqüências
# A gênese dialética do exercício da RP, como ato racional e livre, encontra-se (como
foi visto) no nível da universalidade abstrata, enquanto:
+ Intuição dos princípios universais normativos do agir
+ Inclinação da vontade para o Bem universal
+ Atuação do hábito inato (sindérese) que orienta estes princípios para a ação
# Entre os princípios universais e a ação singular introduz-se o momento mediador da
particularidade, no qual a razão e a vontade se confrontam com um bem particular. Trata-
se da passagem:
+ do desejo do bem (moral) em geral (quero fazer o bem) (momento da
universalidade)
+ à adesão a um bem particular através da decisão concreta (quero este bem)
(momento da singularidade)
# Este momento mediador corresponde à definição do caminho ou dos meios para
atingir o fim do agente (fazer o bem aqui e agora), i.e. do posicionamento do sujeito diante
das várias possibilidades que se oferecem ao seu agir. Ele implica:
+ Por um lado, a integração no processo de efetivação do ato racional e livre
das condições extrínsecas e intrínsecas que o tornam possível (situação
psicológica, sociológica, cultural do agente)
+ Por outro, o exercício da razão como deliberação e da vontade como
liberdade de escolha. Enquanto desdobramento efetivo da RP segundo sua
estrutura teleológica (i.e. sinergia da razão e liberdade em vista da consecução de
um bem como fim do agente), este momento da particularidade
(deliberação/escolha) consiste na definição do caminho ou dos meios para atingir
o fim do agente.
# Trata-se, portanto, de um estágio intermédio:
+ Não só no nível lógico, como termo médio do movimento conceptual
(silogismo prático) de passagem do universal ao singular (Quero fazer o bem –
Ora isto é bom [moralmente] – Logo, quero fazer isso)
+ Mas também objetivamente, como ponderação e escolha dos bens
(determinadas ações) que são meios para alcançar o bem final (ser bom e
virtuoso)
a) Ética antiga
2
Cf. “Introdução à Ética” 12-15.
9
b) Ética cristã: Restabelece de certa maneira a perspectiva platônica, com um sentido diverso.
S. Agostinho: Nova fundamentação (teológica, mas com alcance filosófico) dos princípios
numa instância transcendente:
# Não a Idéia do Bem, como idéia separada,
# Mas a lex aeterna na mente divina.
Ética medieval (S. Tomás de Aquino: síntese entre a concepção aristotélica e a tradição
cristã):
# A idéia analógica de lei (eterna, natural, humana ou positiva) permite repensar o
problema do exercício da RP, i.e. a passagem da universalidade dos princípios à
particularidade da situação na sua complexidade (com o entrecruzamento de natureza e graça)
# Tópicos fundamentais expostos na Summa Theologiae (Ia-IIae): Liberdade moral,
Paixões, Lei, Hábitos e Virtudes
c) Ética moderna
Descartes:
# Começo de uma evolução doutrinal que conduzirá à dissolução da idéia antiga da RP
através do projeto de uma Moral que submete o agir moral a uma razão de tipo dedutivo,
segundo o modelo da razão matemática.
# O tratado sobre as paixões (Les passions de l’âme) inaugura uma nova concepção da
relação entre a razão e a vida psíquica, em que a técnica do governo das paixões se
substituirá ao regime prudencial proposto por Aristóteles.
Empirismo ético de Thomas Hobbes: Verdadeiro fundador da Ética moderna, enquanto leva
ao abandono da noção de RP, ao inverter radicalmente a relação entre:
# a razão, que perde sua prerrogativa de norma prática e sua orientação teleológica
# e as “paixões”, que recebem a primazia na conduta das ações
10
Racionalismo de Christian Wolff: Retoma a idéia de uma Philosophia practica, cujo objeto
são as formas e o exercício da RP, mas segundo o modelo cartesiano de razão.
Hegel: Retoma a tradição clássica, dentro, porém, das exigências do Sistema, no qual a RP
é assumida no movimento especulativo do Espírito objetivo (exposição profunda da dialética da
vontade livre nos três momentos de universalidade, particularidade, singularidade).
3. Discussão da problemática
a) Significado e valor:
# Esta compreensão corresponde aos procedimentos epistemológicos
(metodologia) das ciências humanas, que limitam o seu alcance aos aspectos de seus
objetos que podem ser captados por formas seletivas de experiência (nível
fenomenológico-descritivo) e explicados segundo a seqüência de uma sucessão dos
fenômenos ordenada empiricamente.
# As ciências humanas (Psicanálise, Psicologia Social, Sociologia, etc.) dão
importantes contribuições para a compreensão do exercício concreto da RP, no seu
entrelaçamento com as condições biopsíquicas e socioculturais.
11
meios ou bens particulares. O livre arbítrio tem seu campo de atuação entre o bem, enquanto objeto necessário
da vontade, e a ação singular como uso dos bens imperfeitos (e fruição do bem perfeito).
16
humano a norma da razão reta. A noção de sabedoria prática distingue mas não
separa os dois aspectos da realidade moral:
+ Aspecto formal da especificação da ação: Consciência do justo meio
como dever
+ Aspecto eficiente do exercício efetivo da ação: Princípio de decisão
d) Observações finais:
17
2. Níveis de compreensão da CM
b) Vicissitudes da experiência da CM
Reflexão imanente ao próprio ato e identificada com ele. Esta reflexão corresponde
ao caráter reflexivo do espírito humano, que tem consciência implícita de seus atos, em
particular, dos atos de conhecimento, i.e. dos juízos. Ao mesmo tempo que conhece
expressamente alguma coisa (objeto ou conteúdo do ato de conhecer: esta mesa é
retangular), a mente humana, por sua própria natureza espiritual e autotransparente,
volta-se sobre si mesma (re-flexão), conhecendo implicitamente o seu próprio ato de
conhecer (o juízo mencionado equivale a: eu sei que esta mesa é retangular). Esta
reflexão natural e espontânea não corresponde a um novo ato do espírito, mas constitui
uma dimensão essencial do próprio ato de conhecer. Entretanto, esta reflexão se
diferencia segundo a espécie do ato na sua relação com o seu objeto.
+ No conhecimento teórico a reflexão se realiza sobre o ato segundo a sua
relação de conformidade ou não com o objeto real, i.e. quanto à sua verdade.
+ No conhecimento prático a reflexão se realiza sobre o ato segundo a sua
relação de conformidade ou não com o bem proposto e prescrito no juízo
prudencial, i.e. quanto à bondade (moral) do ato de decisão.
Reflexão subseqüente ao ato e, portanto, distinta deste como um novo ato. Esta
reflexão explícita pode ser feita sobre qualquer ato mental, para identificá-lo ou examiná-
lo. Trata-se de dar-se conta expressamente dos próprios pensamentos e sentimentos, das
relações entre eles, etc. Isto só é possível porque tais atos mentais já eram implicitamente
conhecidos. Esta reflexão subseqüente é uma explicitação que torna os atos mentais
objeto expresso de conhecimento.
Positivamente:
# A CM consiste juízo imanente ao próprio ato de decisão e implícito nele, que, em
virtude da estrutura teleológica de tal ato, manifesta a sua conformidade ou
21
c) Conseqüências:
5
Daí se segue que a CM, enquanto ato último da RP, não é um hábito, como a entenderam, antes de Tomás de
Aquino, muitos pensadores da Idade Média, ao identificá-la com a sindérese.
22
4. Conclusão