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[Ética II – 2003.

2)

Cap. I: ESTRUTURA SUBJETIVA DO AGIR ÉTICO

Introdução: A Razão Prática como fio condutor da reflexão ética

Na reflexão filosófica sobre a estrutura subjetiva do agir ético a realidade que se tem
em vista é o sujeito ético no seu agir concreto, i.e. nas suas decisões. Trata-se de
identificar a estrutura ontológica da praxis (ação humana livre e responsável), i.e. as suas
condições de inteligibilidade.1

1. Noção de Razão Prática

Sendo o ser humano racional, o bem que conduz à sua plena realização é o bem
segundo a razão, i.e. aquilo que a razão (reta, fiel a si mesma) conhece como bem. O agir
humano (consciente e livre) é um agir ético (moralmente bom ou mal) em função de sua
conformidade ou disconformidade com o bem segundo a razão. Com efeito, o que confere
à praxis a sua especificidade é ser um tipo de conduta “acompanhado de razão” (cf. Ética
a Nicômaco). O agir ético (praxis) caracteriza-se pela presença de uma forma de razão na
qual se exprimem as normas e os fins do próprio agir. Em outras palavras: A
conformidade do agir com o ethos
# Não é obra do instinto ou de uma adaptação imposta ao próprio agir ético
por fatores estranhos (de ordem física, social ou cultural)
# Mas reside numa forma de razão imanente ao próprio agir.

Esta forma de razão é a razão prática (RP), i.e. a razão enquanto ordenada à ação
(praxis) e não somente ao conhecimento. A noção de RP é fundamental na Ética
filosófica, que como ciência do ethos é ciência da RP. A RP é o primeiro invariante
ontológico na estrutura do agir ético, a idéia diretriz da Ética filosófica. A Ética pode ser
entendida como um discurso sobre a RP.

O agir humano enquanto ético é uma atuação da RP (RP). A RP é um prolongamento


da razão teórica (simples conhecimento das coisas), i.e. a mesma razão humana,
enquanto orienta o conhecimento do bem (verdadeiro) para a ação, ou seja, enquanto
dirige a ação para o bem conhecido. Seu objeto é a ação (praxis) enquanto orientada para
a realização do bem na vida do indivíduo e da comunidade.

A RP envolve na unidade de seu ato tanto a inteligência (enquanto conhece o bem)


como a vontade (enquanto adere ao bem). Trata-se das duas faces da auto-expressão do
ser humano, impelido pelo dinamismo do “Eu sou” (auto-afirmação primordial), que se
orienta pela plenitude transcendente do ser/existir como verdade e bem (pólos
intencionais da RP em sua universalidade subjetiva).

Embora distintas analiticamente, por seus objetos formais, inteligência e vontade


operam sinteticamente na unidade do ato total do espírito.
# A inteligência atua na linha da especificação do ato, apresentando o bem à
vontade como objeto e fim do ato (causalidade formal e final)
# A vontade atua na linha da execução do ato, movendo a inteligência no
processo de deliberação em vista do fim (causalidade eficiente)

Verifica-se assim uma inter-relação dialética (sinergia, quiasmo do espírito) entre o


espírito teórico (inteligência/verdade) e prático (vontade/bem): O ato do sujeito em seu
uso da RP é:
1
Esta exposição segue basicamente o capítulo correspondente do livro de Henrique Vaz: Escritos de Filosofia
V, Introdução à Ética Filosófica II, Ed. Loyola, São Paulo, 2000, 25-65.
2

# Verdadeiro na medida de seu consentimento ao Bem


# Bom na medida de sua conformidade com a Verdade

2. Relação da RP com as outras formas de razão

A expressão RP foi consagrada por Aristóteles, que distingue os saberes téorico,


prático e poiético (cf. Introdução geral). A praxis distingue-se da theoria e da poiesis pela
natureza do conhecimento que a acompanha. Trata-se do conhecimento prático, i.e. do
conhecimento de um dever-ser imanente à praxis.
# Por um lado, a RP distingue-se tanto da razão teórica (como um uso distinto da
mesma razão) como da vontade (inclinação para o bem conhecido pela razão)
# Por outro lado, o agir ético, como atuação da RP:
+ Distingue-se da razão poiética, enquanto não se mede pela perfeição do
objeto produzido (como na poiesis), mas é avaliado segundo a maior ou menor
perfeição que dele resulta para o sujeito que age (caráter imanente).
+ Coincide, porém, com a razão poiética, enquanto os critérios desta
avaliação:
¤ Não dependem da apreciação subjetiva do agente.
¤ Mas são dados pela realidade objetiva do ethos ao qual o agente
está historicamente ligado (como também a fabricação e avaliação do
produto da poiesis se faz segundo normas técnicas cientificamente e
socialmente estabelecidas).

No indivíduo e na história dos grupos humanos a RP:


# É tão originária quanto a razão poiética. Com efeito, fazer e agir são as primeiras
atividades humanas conduzidas pela razão.
# Antecede a razão teórica, que procede das duas outras modalidades de razão
num estágio ulterior da evolução, embora na tradição ocidental tenha acabado por
obter a primazia.

3. Características do conhecimento prático (próprio da RP)

# Caráter reflexivo: Seu objeto é a própria praxis, i.e. o sujeito enquanto orientado
intencionalmente para a ação a ser realizada. O agir humano é auto-consciente
(transparente). Trata-se de uma reflexividade imediata, enquanto dispensa a mediação
de um objeto exterior ao ato, própria do conhecimento teórico e poiético.
# Caráter normativo: Não se trata apenas do conhecimento do que já é (fato), mas
de um dever-ser (valor) imanente à praxis. O bem é apreendido, não só como fim da
ação, mas também como sua norma.
# Caráter judicativo: Passa da apreensão do fim do agir e da avaliação de suas
condições ao juízo prático que prescreve a realização ou não da ação.
# Caráter auto-explicativo (racional): O agir humano contém suas próprias razões,
i.e. as razões de agir de um ou outro modo são intrínsecas à própria praxis (lógica
imanente da praxis)
# Caráter autodeterminativo (livre): O agente determina os fins do próprio agir
(teleologia imanente da praxis)

A reflexão sobre o agir ético terá, pois, como fio condutor a noção de razão prática
(RP) e revelará que seu exercício implica um processo dialético com três momentos:
universalidade, particularidade e singularidade.

I. Universalidade subjetiva da Razão Prática


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1. Significado da universalidade subjetiva da RP:

Afirmar a universalidade subjetiva da RP significa afirmar que o agir ético, como


atuação concreta do sujeito humano através da RP, realiza-se no horizonte do bem como
tal, i.e. visa o bem como seu fim. O bem, assim entendido, como horizonte do agir ético
tem um caráter universal, enquanto transcende qualquer bem particular e empírico.
# Trata-se de uma universalidade de direito (não meramente de fato), i.e. da
universalidade que compete ao trans-empírico como tal (idéia de bem)
# Trata-se de uma universalidade normativa, i.e. o bem se impõe ao agir como um
dever-ser, não, porém, com necessidade física, mas com a necessidade racional, que
respeita a liberdade.
# Trata-se de uma universalidade abstrata e meramente formal, i.e. própria do bem
em geral, sem nenhum conteúdo específico.

2. Fundamentação da universalidade subjetiva da RP

2.1. Pré-compreensão (espontânea) da universalidade da RP:

a) Experiência da RP: A RP como primeira expressão conceptual do agir ético manifesta-


se inicialmente na experiência da normatividade inerente ao ethos. Esta pré-
compreensão corresponde às várias modalidades do saber ético espontâneo
transmitido ao indivíduo no processo educativo, i.e. de sua integração no ethos de sua
comunidade. Trata-se de um componente essencial do “Lebenswelt” (mundo da vida )
do indivíduo, i.e. do seu primeiro componente especificamente humano.

b) Universalidade de fato da RP

# A universalidade da RP é um predicado empiricamente verificável do agente


ético enquanto tal, na medida em que seus atos e hábitos são regulados pelas
normas e valores vigentes na sua sociedade e cultura. Trata-se da universalidade do
saber ético espontâneo.
# Há, portanto, uma correspondência de fato entre a universalidade do ethos e a
universalidade da RP. Esta correspondência manifesta-se na circularidade dialética
entre ethos (costume), praxis (ação) e hexis (hábito), na qual a praxis faz a mediação
entre o costume normativo e o hábito pessoal.

2.2. Compreensão explicativa (científica)

a) Características: Obedece ao paradigma epistemológico próprio das modernas ciências


humanas (etnologia, antropologia cultural, etc.), sendo portanto algo recente na
história das interpretações do fenômeno ético. Trata-se da análise dos costumes e
normas de comportamento vigentes nas diversas culturas, estudados como meros
fatos empíricos.

b) Problemática: Negação da universalidade de direito da RP


# Para os autores que se inspiram nos pressupostos positivistas (espaço
epistemológico da razão moderna), esta compreensão explicativa é apresentada como
sucessora da compreensão filosófica, i.e. como única compreensão sistemática
racional do ethos.
# Entretanto, a universalidade formal da RP, requerida pela Ética enquanto ciência,
não coincide com a universalidade meramente factual do saber ético e não pode ser
fundamentada no plano da compreensão explicativa, exigindo uma justificação de tipo
filosófico.
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3. Compreensão filosófica da universalidade da RP: Oferece a fundamentação inteligível


última da existência ética

3.1. Problema da universalidade da RP (momento aporético)

a) Aporética histórica: O tema da RP (sua natureza, modalidades de seu exercício, seu


âmbito e alcance objetivo) é fundamental na reflexão ética do Ocidente. Da maneira
de concebê-la dependem as linhas diretrizes do discurso ético. Trata-se, em primeiro
lugar, do problema da fundamentação da sua universalidade. Historicamente
apresentam-se três soluções:
# Solução empirista (Ética do útil): Universalidade de facto da RP, i.e. fundamentada a
posteriori, p. ex. no instinto universal de autoconservação inerente ao ser vivo, resultante
de uma necessidade físico-biológica e, portanto, de caráter meramente fenomenal.
# Solução kantiana (Ética do dever): Universalidade de jure, i.e. fundamentada a priori
numa necessidade inteligível, presente nas condições transcendentais do uso prático da
razão pura.
# Solução aristotélica (Ëtica do bem): Via média, como síntese entre dois elementos,
que participam igualmente de uma necessidade inteligível:
+ A objetividade transempírica do Bem, conhecido a posteriori
+ A subjetividade dos primeiros princípios inatos da razão na ordem prática,
presentes a priori

b) Aporética crítica: Caráter problemático da universalidade da RP em função da


multiplicidade dos saberes éticos. Trata-se do problema filosófico inicial da RP. As
soluções básicas deste problema (excluindo o empirismo ético) são:
# Platão/Aristóteles: A RP é formalmente universal:
+ Modelo platônico: Ou como razão teórica voltada para o conhecimento do
bem transcendente
+ Modelo aristotélico: Ou como razão teórico-prática finalizada pela destinação
necessária do agente ético à realização da própria excelência (eudaimonia) [Obs.:
sob este ponto de vista a Ética epicurista do prazer e a Ética estóica da virtude,
podem ser consideradas como variantes deste modelo]
# Kant: A universalidade formal da RP reside na sua estrutura a priori como
legisladora da ordem moral

3.2. Solução do problema: Como assegurar a universalidade (formal) da RP?

a) Demonstração da universalidade subjetiva da RP (de direito, normativa e formal)

# A universalidade própria da RP, enquanto tal, funda-se no caráter racional e livre


do agir como ato humano, enquanto expressão do dinamismo do espírito humano nas
suas duas dimensões constitutivas (saber e querer), cujos princípios são a inteligência
e a vontade
# O polo intencional da tendência e movimento do espírito é o ser, como
absolutamente universal (transcendente), que se apresenta como verdade para a
inteligência e como bem para a vontade. Portanto, a RP, como sinergia da inteligência
e vontade, é aberta para a universalidade do bem (verdadeiro).
# Entretanto, sendo o sujeito humano finito, a relação do seu ato com o Bem
(infinito), enquanto objeto do ato, é uma relação de identidade na diferença:
+ identidade intencional (tendencial), enquanto o bem como tal é
apenas a forma do ato (o ato deve ser bom)
+ diferença real, enquanto o conteúdo do ato é sempre um bem
particular (não a plenitude do bem)
# Por conseguinte, a autodeterminação do agir opera-se pela mediação do
conteúdo (particular) que torna possível a passagem da universalidade abstrata da
forma à universalidade concreta da ação singular.
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b) Observações:

# A solução proposta:
+ Baseia-se no paradigma aristotélico,
+ Ultrapassando-o, porém, enquanto o dinamismo intencional do “Eu sou”
orientará a resposta (sistematicamente articulada) à questão inicial (como devemos
viver?) para a transcendência do Bem, postulando assim necessariamente a abertura
do sistema.
# A ação humana (praxis) é estudada:
+ Não (sob diversos aspectos: filosófico, sociológico, psicológico, etc.)
prescindindo da consideração formal de sua natureza ética (i.e. o dever-ser)
+ Mas como praxis ética essencialmente normativa, i.e. como prescrição do
dever-ser da ação.
# A universalidade de jure da RP manifesta-se como resultado do processo histórico-
cultural de constituição da Ética como ciência, i.e. da racionalização do saber ético e de
sua expressão segundo os códigos da razão demonstrativa.
# Esta passagem do saber ético para a ciência (episteme) do ethos foi possibilitada
pela descoberta do paradigma ideonômico (Platão), i.e. pela fundamentação do
conhecimento racional no mundo das Idéias, dotando-o da universalidade trans-empírica
que compete ao inteligível como tal. Ao participar desta forma de universalidade de direito,
a RP pode tornar-se uma instância explicativa e judicativa do ethos, acima da
particularidade de cada ethos histórico, próprio dessa ou daquela tradição cultural.

3.3. Conseqüências

a) Participando da estrutura universal da razão, a praxis ou agir ético do indivíduo, eleva-


o da condição de indivíduo empírico particular à condição de indivíduo ético universal,
i.e. capaz de demonstrar a retidão racional de seu agir por sua conformidade com as
categorias universais da razão prática.

b) Nessa equação entre o universal da razão e o universal da praxis reside a condição


de possibilidade de uma teoria da praxis (universal da razão) como teoria prática
(universal da praxis). De fato, na expressão “teoria da praxis” trata-se aqui:
# Não de um genitivo objetivo (uma teoria que assumisse a praxis no seu âmbito
para submetê-la às suas exigências de rigor). Uma tal teoria seria inviável (segundo
Aristóteles), já que a praxis é necessariamente relativizada pelo “bem humano”, i. e.
que pode ser realizado e possuído pelo homem.
# Mas de um genitivo subjetivo (uma praxis dotada estruturalmente de uma teoria,
i.e. de um conhecimento intelectual específico). Esta teoria prática não está presente
na praxis em razão de si mesma [tendo como fim simplesmente a verdade], mas em
razão do próprio exercício do agir [tendo como fim o bem do agente]. Isto não implica
que a teoria prática renuncie ao procedimento metódico e à exatidão conceptual da
ciência, mas apenas que o método e o gênero de exatidão sejam adaptados a seu
objeto específico.

c) Superação da objeção de Hume e seus seguidores a respeito da falácia que estaria


implicada nos juízos morais
# Objeção: Os juízos de valor (especialmente moral) não têm fundamento racional,
já que implicam uma falácia lógica, i.e. a passagem ilegítima do fato observado
empiricamente ao valor. A razão meramente informa sobre a natureza e as
conseqüências de nossas ações (p. ex. de um aborto). Mas deste conhecimento dos
fatos não se segue que tal ação seja boa ou má (moralmente). Este valor moral da
ação nem é observadao empiricamente, nem pode ser deduzido logicamente dos
puros fatos.
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# Resposta: Sendo o conhecimento prático o conhecimento de um dever-ser


imanente à praxis, não é necessário estabelecer uma conseqüência lógica entre ser e
dever-ser. A objeção baseia-se numa gnoseologia empirista, que só reconhece fatos
empíricos. O conhecimento do dever-ser baseia-se na experiência da natureza da
própria RP, que é essencialmente normativa. O fim da praxis é a auto-realização do
sujeito pela consecução do bem que lhe é conveniente. Por isso, a RP é por sua
própria natureza norma de um agir segundo o “melhor”, que, por hipótese, é o agir
segundo o ethos.

4. Forma da universalidade subjetiva da RP (como interação da inteligência e vontade)

4.1. Nível abstrato

a) Na linha do conhecimento: A RP exprime-se nos primeiros princípios universais (juízos


de natureza teleológico-normativa) que devem reger a praxis como tal. Estes
princípios:
# No seu aspecto subjetivo são juízos:
+ Ou inatos à RP (absolutamente universais). P. ex.: O bem deve ser feito e
o mal deve ser evitado.
+ Ou adquiridos a partir da experiência à luz dos princípios inatos
(relativamente universais). P. ex.: É bom dizer a verdade.
# No seu aspecto objetivo (conteúdo) são juízos de natureza teleológico-
normativa, enquanto formulam a razão e a prescrição do agir segundo a norma
universal do bem, i.e.:
+ O enunciado do bem como fim do agir
+ A obrigação para o sujeito, enquanto sujeito ético, do agir segundo o bem
(universalidade normativa como dever-ser do agir).

b) Na linha da vontade: A RP exprime-se na livre adesão ao bem conhecido pelos


princípios (Quero [fazer] o bem). Esta inclinação espontânea da vontade para o bem
alimenta o dinamismo intencional do ser humano em busca da sua auto-realização.
No nível da universalidade trata-se de uma orientação puramente formal e abstrata
para o bem, que deve ser atualizada e concretizada pela autodeterminação do sujeito,
enquanto a assume livremente.

4.2. Nivel concreto (Sindérese): A universalidade da RP em sua estrutura formal é uma


universalidade de princípios (caráter abstrato). Sua efetivação concreta se dá na
passagem dos princípios à ação.

# Sindérese é o nome dado na tradição escolástica a um hábito inato da RP que


orienta a passagem efetiva dos princípios à ação, enquanto assegura:
+ o conhecimento intuitivo dos princípios (inteligência)
+ e a adesão espontânea ao bem (vontade).
# A sindérese tem um componente de natureza afetiva (chamado “senso moral”
por analogia com o senso estético), que alimenta a conaturalidade (sintonia) do agir
com a verdade e o bem. Sob o influxo do sentido ético a passagem da universalidade
dos princípios à singularidade da ação
+ Não se opera puramente por via lógica
+ Mas é movida normalmente pela conaturalidade afetiva da inteligência e
da liberdade com a verdade e o bem.

II. Particularidade da Razão Prática (RP)

1. Significado do momento de particularidade do agir ético:


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1.1. Identificação do momento mediador da particularidade no exercício da RP

# A gênese dialética do exercício da RP, como ato racional e livre, encontra-se (como
foi visto) no nível da universalidade abstrata, enquanto:
+ Intuição dos princípios universais normativos do agir
+ Inclinação da vontade para o Bem universal
+ Atuação do hábito inato (sindérese) que orienta estes princípios para a ação
# Entre os princípios universais e a ação singular introduz-se o momento mediador da
particularidade, no qual a razão e a vontade se confrontam com um bem particular. Trata-
se da passagem:
+ do desejo do bem (moral) em geral (quero fazer o bem) (momento da
universalidade)
+ à adesão a um bem particular através da decisão concreta (quero este bem)
(momento da singularidade)
# Este momento mediador corresponde à definição do caminho ou dos meios para
atingir o fim do agente (fazer o bem aqui e agora), i.e. do posicionamento do sujeito diante
das várias possibilidades que se oferecem ao seu agir. Ele implica:
+ Por um lado, a integração no processo de efetivação do ato racional e livre
das condições extrínsecas e intrínsecas que o tornam possível (situação
psicológica, sociológica, cultural do agente)
+ Por outro, o exercício da razão como deliberação e da vontade como
liberdade de escolha. Enquanto desdobramento efetivo da RP segundo sua
estrutura teleológica (i.e. sinergia da razão e liberdade em vista da consecução de
um bem como fim do agente), este momento da particularidade
(deliberação/escolha) consiste na definição do caminho ou dos meios para atingir
o fim do agente.
# Trata-se, portanto, de um estágio intermédio:
+ Não só no nível lógico, como termo médio do movimento conceptual
(silogismo prático) de passagem do universal ao singular (Quero fazer o bem –
Ora isto é bom [moralmente] – Logo, quero fazer isso)
+ Mas também objetivamente, como ponderação e escolha dos bens
(determinadas ações) que são meios para alcançar o bem final (ser bom e
virtuoso)

1.2. Confronto com a situação: Nesse momento mediador a razão e a vontade se


confrontam com a situação concreta do sujeito que deve agir. Isso ocorre através
da passagem da inclinação universal ao bem (estrutura formal da vontade) aos
bens particulares segundo as condições de sua apreensão e consecução.

a) Trata-se de uma relação de natureza dialética entre as causas e as condições do ato.


É necessário distinguir portanto:
# A causa do ato humano (racional e livre) enquanto ético, i.e. a razão prática (RP),
no seu exercício como razão (deliberação) e como vontade (escolha/decisão). Em
outras palavras: A linha causal é traçada pela inteligência (causa formal e final) e pela
vontade (causa eficiente), que se particularizam como conhecimento dos bens
particulares e como livre-arbítrio (capacidade de escolher entre os bens particulares).
O ato inteligente e livre assume as condições no dinamismo de sua autocausalidade.
# Os condicionamentos que afetam o ato humano na sua realidade concreta
(situação).
+ Com efeito, a inteligência e vontade não atuam isoladamente, mas estão
inseridas no conjunto da personalidade humana e sofrem a influência de fatores de
ordem bio-psicológica (afetividade, hábitos, temperamento, pulsões do
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inconsciente, etc.) e sócio-cultural (valores culturais, práticas sociais, lugar social


em função da idade, gênero, classe social, etc.).2
+ Estes fatores condicionantes do ato humano negam a universalidade
abstrata do Bem conhecido, circunscrevendo-o concretamente à particularidade da
situação na qual o ato deverá ser exercido.

b) Entre os fatores que influenciam o agir humano enquanto moral destacam-se as


paixões (dimensão afetiva): Trata-se das reações espontâneas do psiquismo humano
sob a forma de inclinações e sentimentos diante do que é apreendido pelos sentidos
como bem ou como mal (agradável/desagradável).
# Distinguem-se tradicionalmente dois gêneros de paixões:
+ Reações diante de um objeto simplesmente atraente ou repugnante
(apetite concupiscível): Trata-se do amor / ódio sensíveis (gostar / não-
gostar), que se exprimem:
¤ diante do bem/mal ausente, como desejo / fuga
¤ diante do bem/mal presente, como alegria (satisfação, deleite) /
tristeza (insatisfação, dor).
+ Reações diante de um objeto difícil de ser obtido (bem) ou evitado (mal)
(apetite irascível): Trata-se:
¤ diante de um bem ausente: da esperança/desespero
¤ diante do mal presente: da coragem/medo
# O ser humano busca espontaneamente o conforto e o prazer, foge do esforço e
do sofrimento. Estes sentimentos e inclinações são involuntários. Não depende de
nossa escolha estar triste ou alegre, sentir medo, gostar de uma coisa ou pessoa. As
paixões (afetividade), enquanto movimentos involuntários do psiquismo, são por si
mesmas moralmente neutras.

2. Problemática do momento de particularidade do agir ético

2.1. Problemática teórica

a) Trata-se da conciliação entre os dois níveis elementos pertencentes ao agir ético:


# Por um lado, a universalidade da RP, onde se realiza formalmente a
racionalidade da praxis (a razão é universal), ou seja, a universalidade racional do
bem (moral) em geral que se apresenta à razão como fim e norma da ação (Devo e
quero fazer o bem) [Autonomia do sujeito enquanto racional e livre].
# Por outro lado, a particularidade da situação concreta do agente, na qual
intervêm fatores contingentes e para-racionais: condicionamentos bio-psíquicos e
socio-culturais [Heteronomia das paixões e de outros fatores, que independem da
vontade humana]

b) Esta conciliação pode ser considerada em dois níveis:


# Problemática teórica: Como entender a relação entre a razão e seus
condicionamentos no exercício do agir ético?
# Problemática existencial: Supondo que o agir ético é a atuação da RP
(solução da problemática teórica), como agir de acordo com a razão reta na situação
particular, i.e. diante dos condicionamentos resultantes de fatores de natureza bio-
psíquica e socio-cultural?

2.2. Visão histórica da problemática

a) Ética antiga

2
Cf. “Introdução à Ética” 12-15.
9

 Platão: Deixa sem solução o problema da atuação da razão na particularidade da situação.


# Por um lado, a Ética se apresenta como tentativa de demonstrar a necessidade e a
legitimidade do agir segundo o ethos por sua conformidade com a razão. De fato, o ideal de um
agir inteiramente penetrado pela razão (próprio da busca socrática da virtude-ciência) orientou
todo o itinerário platônico (programa pedagógico da República, vida filosófica modelar na
República, Fedro, Teeteto, etc.)
# Por outro lado, o agir conforme a razão esbarra na presença na psyché humana de uma
vertente irracional, expressa em tendências contrárias (desejo e agressividade)

 Éticas pós-platônicas: Esta presença do irracional tornou-se a problemática prioritária: Como


integrar no itinerário que conduz à eudaimonia, como fim último da vida humana, essas forças
poderosas que agem dentro de nós independentemente da razão?
# Solução de Aristóteles: Via média entre os extremos do hedonismo e do rigorismo,
baseada no domínio “político” da razão sobre as paixões (pathe), obtido no curso da educação
ética.
# Éticas helenísticas: Dissolução do equilíbrio aristotélico
+ Hedonismo da ética epicurista
+ Rigorismo da ética estóica das virtudes (neutralização das paixões)
# Conseqüência:
+ Abandono da transcendência do Sumo Bem (Platão)
¤ seja pela relativização dos bens como puramente humanos (Aristóteles)
¤ seja pela imanentização do sumo Bem na esfera do sensível (epicurismo /
estoicismo)
+ Daí alteração profunda da estrutura lógica do exercício da RP, como passagem do
universal da idéia do Bem ao singular da ação: O universal perde a necessidade absoluta
do inteligível puro e a natureza de norma transcendente da ação para assumir:
¤ Ou a necessidade relativa, i.e. na maior parte das vezes (ut in pluribus), própria
das opiniões comuns (endoxa) (Aristóteles)
¤ Ou a necessidade empírica do instinto do prazer (epicurismo) ou da primazia da
virtude (estoicismo).

b) Ética cristã: Restabelece de certa maneira a perspectiva platônica, com um sentido diverso.

 S. Agostinho: Nova fundamentação (teológica, mas com alcance filosófico) dos princípios
numa instância transcendente:
# Não a Idéia do Bem, como idéia separada,
# Mas a lex aeterna na mente divina.

 Ética medieval (S. Tomás de Aquino: síntese entre a concepção aristotélica e a tradição
cristã):
# A idéia analógica de lei (eterna, natural, humana ou positiva) permite repensar o
problema do exercício da RP, i.e. a passagem da universalidade dos princípios à
particularidade da situação na sua complexidade (com o entrecruzamento de natureza e graça)
# Tópicos fundamentais expostos na Summa Theologiae (Ia-IIae): Liberdade moral,
Paixões, Lei, Hábitos e Virtudes

c) Ética moderna

 Descartes:
# Começo de uma evolução doutrinal que conduzirá à dissolução da idéia antiga da RP
através do projeto de uma Moral que submete o agir moral a uma razão de tipo dedutivo,
segundo o modelo da razão matemática.
# O tratado sobre as paixões (Les passions de l’âme) inaugura uma nova concepção da
relação entre a razão e a vida psíquica, em que a técnica do governo das paixões se
substituirá ao regime prudencial proposto por Aristóteles.

 Empirismo ético de Thomas Hobbes: Verdadeiro fundador da Ética moderna, enquanto leva
ao abandono da noção de RP, ao inverter radicalmente a relação entre:
# a razão, que perde sua prerrogativa de norma prática e sua orientação teleológica
# e as “paixões”, que recebem a primazia na conduta das ações
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 Racionalismo de Christian Wolff: Retoma a idéia de uma Philosophia practica, cujo objeto
são as formas e o exercício da RP, mas segundo o modelo cartesiano de razão.

 Kant: Na “Crítica da Razão Prática” rompe a passagem lógica da universalidade dos


princípios da RP à particularidade das condições do agir ao estabelecer a separação entre:
# a Moral a priori, fundada na vontade autolegisladora
# e a Ética pragmática, domínio da prudência e conduzida por regras empíricas

 Hegel: Retoma a tradição clássica, dentro, porém, das exigências do Sistema, no qual a RP
é assumida no movimento especulativo do Espírito objetivo (exposição profunda da dialética da
vontade livre nos três momentos de universalidade, particularidade, singularidade).

 Ética contemporânea: Vários representantes das correntes fenomenológica, hermenêutica,


analítica, sem falar das Éticas de inspiração cristã, voltam a tratar da RP, em face das aporias do
empirismo e formalismo.

3. Discussão da problemática

3.3. Pré-compreensão do exercício da RP

a) Tradicionalmente: É no “mundo da vida”, através do saber ético pré-científico, no qual


se fazem presentes as normas e valores do ethos vivido, que tem lugar a pré-
compreensão do nexo lógico-histórico que, no exercício da vida ética, une o ethos à
praxis. De fato, este saber ético apresenta:
# Não só princípios e normas universais do agir ético (p. ex. a “regra de ouro”) e,
em geral, as opiniões comuns ratificadas pelos senso moral tradicional
# Mas também o exercício da RP, i.e. a aplicação dos princípios às situações
concretas por meio de atitudes e modos de vida (expressos na linguagem e ações de
indivíduos exemplares, sábios)

b) Situação atual: Enfraquecimento e quase desaparecimento do tipo de conhecimento


ético que se exerce na praxis como experiência espontânea da sua racionalidade,
ratificada pela tradição ética (pré-compreensão da RP em seu exercício).
# A “colonização” do “mundo da vida” pela tecnociência, fenômeno próprio da
cultura ocidental, atinge hoje a tradição ética das várias culturas, desarticulando nos
indivíduos o processo pedagógico de sua integração nos valores e normas do ethos.
O espaço interior onde se formava a experiência da relação normativa entre os
valores do ethos e as condições e objetivos da ação foi invadido por mensagens
destinadas a excitar o desejo (hedonismo) e exaltar a utilidade (utilitarismo), como
valores supremos, neutralizando a experiência ética fundamental que tem lugar no
exercício da RP.
# A perda da eficácia persuasiva do conhecimento ético tradicional é uma das
causas da anomia ética hoje reinante.

c.1. Compreensão explicativa do exercício da RP

a) Significado e valor:
# Esta compreensão corresponde aos procedimentos epistemológicos
(metodologia) das ciências humanas, que limitam o seu alcance aos aspectos de seus
objetos que podem ser captados por formas seletivas de experiência (nível
fenomenológico-descritivo) e explicados segundo a seqüência de uma sucessão dos
fenômenos ordenada empiricamente.
# As ciências humanas (Psicanálise, Psicologia Social, Sociologia, etc.) dão
importantes contribuições para a compreensão do exercício concreto da RP, no seu
entrelaçamento com as condições biopsíquicas e socioculturais.
11

b) Reducionismo: É um fato cultural ligado à modernidade


# Trata-se da tendência a interpretar a praxis e a sua natureza ética, privilegiando
um único ângulo (fatores psíquicos, socioculturais, neurofisiológicos, etc.) e
desconhecendo, assim, a lógica interna da RP em seu exercício (uma das formas
contemporâneas de submissão da RP à razão teórica como tecnociência).
# Estas tentativas de explicar, em última análise, a ação humana e a sua natureza
ética a partir de determinada ciência humana têm um caráter filosófico, mesmo
quando não se apresentam como tais, enquanto ultrapassam os limites metodológicos
da ciência em questão. De fato, várias correntes do pensamento ético-filosófico hoje
em voga refletem esta tendência reducionista.

3.3. Compreensão filosófica da particularidade subjetiva da RP

(1) Problemática teórica

a) Explicitação da problemática teórica: Podem-se considerar fundamentalmente três


respostas (com suas variantes) à questão da relação entre a razão e os seus
condicionamentos (especialmente as paixões) no agir ético:

# Solução racionalista: O agir ético é um agir segundo a razão e a vontade livre,


independendo do influxo das paixões e de outros condicionamentos. Corresponde de
certo modo à teoria da “virtude=ciência” de Sócrates: Ser virtuoso é saber em que
consiste o bem (a justiça p. ex. consiste em saber o que é devido a cada um). Em
outras palavras: Ninguém age mal voluntariamente, mas apenas enquanto não
conhece o bem verdadeiro.
# Solução empirista, positivista, reducionista: O agir ético é apenas aparentemente
um agir segundo a razão (livre e de acordo com motivos racionais). Na verdade,
porém, as decisões humanas são determinadas, em última análise, por
condicionamentos de ordem bio-psíquica e socio-cultural. A causa de nossas decisões
não é a vontade livre orientada pela razão, mas fatores de ordem infra-racional. P. ex.:
+ Hobbes: As normas “morais” (o que é obrigatório) não se fundam na
natureza da razão humana, mas resultam de um pacto social que
estabelece as condições da convivência social, através da imposição de
limites à atuação dos impulsos naturais (egoístas).
+ Marx: As normas morais são uma supra-estrutura (ideológica)
condicionada pela estrutura econômica da sociedade.
+ Nietzsche: Os valores da moral ocidental (judaico-cristã) são o
produto do ressentimento contra a vida. Trata-se da arma dos fracos, que
não sendo capazes de impor a sua vontade de poder, impõem a todos
normas contrárias às forças vitais.
+ Freud: A moralidade como expressão do “Super-ego” (bem como a
religião e a cultura em geral) corresponde à internalização inconsciente dos
limites que a sociedade impõe à satisfação das pulsões naturais.
# Solução integrativa: O bem moral é realmente o bem segundo a razão que se
oferece à decisão livre da vontade. Entretanto, no seu exercício a razão prática é
condicionada por múltiplos fatores que influenciam as suas escolhas, podendo chegar
até a suprimir a liberdade interior do agir (que assim deixa de ser ético). A virtude
consiste, não em desconhecer ou suprimir as paixões, mas em integrá-las no
dinamismo da vontade orientada para o bem segundo a razão.

b) Discussão da problemática teórica3

 Justificação da solução integrativa: No ato humano total o voluntário e o involuntário


estão ligados indissoluvelmente. Não há ato humano concreto que seja pura e
3
Cf. A. Léonard: Le fondement de la morale. Essai d’une éthique philosophique, Cerf, Paris, 1991, 136-145.
12

simplesmente livre. Mas a liberdade pode afirmar-se efetivamente a partir dos


condicionamento na qual ela se enraíza. Com efeito:
# Por um lado, o voluntário humano é sempre a acolhida de um dado involuntário,
que não elimina a liberdade, mas constitui seu suporte indispensável. Um ser humano
sem emoções, privado da energia das paixões, em si mesmas involuntárias, na
lucidez fria das puras razões, torna-se incapaz de realizar grandes ações voluntárias.
P. ex.: O amor, como doação mútua entre duas pessoas, é algo profundamente
humano, que, entretanto, implica necessariamente o impulso instintivo que surge das
profundezas do eros ligado à sexualidade.
# Por outro lado, o involuntário humano não adquire sua plena significação senão
em referência a uma vontade que o orienta. P. ex. o medo (diante de um exame) surge
em nós involuntariamente. Entretanto, normalmente dependerá da pessoa, i.e. de sua
atitude voluntária, se este medo se torna paralisante ou estimulante. Do mesmo modo,
a inclinação afetiva para outro não depende originalmente de uma escolha, mas a
vontade livre poderá sublimar a força do instinto em amor e dom de si ao outro.

 Rejeição da solução racionalista:


# Esta solução reconhece validamente que o âmbito da moralidade é constituído
propriamente pela razão e liberdade.
# Seu erro consiste em isolar o polo da razão e da vontade livre como se fossem
auto-suficientes, considerando a opacidade do involuntário como um obstáculo
provisório que pode ser dissipado na luz da consciência. Esquece, portanto, que a
vontade humana se enraíza nos determinismos involuntários, incorrendo num
angelismo, ao entender o agir humano como resultado de uma total transparência e
lucidez da consciência e independência da vontade.

 Rejeição da solução empirista (reducionista):


# As explicações científicas da experiência moral acima expostas sublinham
aspectos reais do exercício da liberdade humana e da formação dos juízos de valor.
Uma compreensão equilibrada do fenômeno moral, que leve em conta o conjunto da
realidade humana, não pode ignorar tais contribuições.
# A questão que levantam estas correntes de pensamento refere-se à adequação
dos instrumentos conceptuais de tais ciências à formulação e resolução do problema
fundamental do exercício da RP nas opções éticas do indivíduo. P. ex. Tem a Biologia
recursos próprios para analisar a dimensão ética dos problemas suscitados por seu
desenvolvimento (concepção da vida humana in vitro, clonagem humana,
intervenções no genoma humano) ou a solução de tais problemas requer uma análise
filosófica dos mesmos?
# As respostas reducionistas a esta questão podem ser refutadas de vários pontos
de vista:
+ O agir ético é um ato humano total (pessoal), enquanto empenha o núcleo
mais profundo do ser humano, i.e. sua capacidade intransferível de pensar e
decidir. A compreensão científica pode identificar as circunstâncias de tal ato,
descrever os fatores extrínsecos e intrínsecos que influem em sua gênese e
exercício. Entretanto, por seus próprios limites metodológicos, não alcança
penetrar a sua natureza específica (Que é pensar? Que é decidir?) e a lógica
interna de seu desenrolar-se.
+ A redução do voluntário ao involuntário corresponde a uma concepção
naturalista do ser humano, segundo a qual ele é determinado essencialmente
pelas necessidades de ordem biológica, psicológica e social.
¤ Nesta ótica, a liberdade do ato humano é apenas aparente, sendo
explicada a partir de “baixo”, i.e. como uma super-estrutura, produzida pelo
substrato involuntário do psiquismo, em conexão com as pressões sociais.
¤ A falha básica desta explicação consiste em esquecer que os polos
voluntário e involuntário são indissociáveis na unidade do ser humano de
modo que o involuntário não pode ser compreendido isoladamente, como
13

um puro automatismo, do qual o voluntário seria apenas um epifenômeno.


Ela pode explicar a gênese empírica da obrigação moral ou sua
transmissão ao indivíduo, mas é incapaz de fundá-la enquanto moral, i.e.
não fornece uma justificação racional de seu caráter específico de
obrigação absoluta.
+ Estas soluções confundem o valor moral com meros fatos. Os fatos, embora
possam condicionar o agir humano, não fundam o valor moral. P. ex.: É o caso dos
condicionamento sociais (Todo mundo faz assim! Estatísticas, etc.). Mas um ideal
moral racionalmente estabelecido (justiça; direito à vida do nascituro, etc.) não
deixa de ser válido por ser contrariado pela prática efetiva da sociedade
(prevalência da injustiça, aborto, etc.).
+ Não explicam como uma pessoa:
¤ pode renunciar a seu prazer (saúde, bem estar psicológico, própria
vida) por respeito a um valor superior;
¤ pode contestar a ordem ou desordem social (os valores vigentes) por
motivos superiores; etc.
+ Implicam em contradição enquanto pretendem desmascarar a ilusão da
consciência moral.
¤ Com efeito, quando uma consciência suspeita que está sendo
enganada [p. ex. que os motivos de sua ação não são os que parecem ser,
mas impulsos inconscientes], ela prova por isso mesmo que não está
inteiramente enganada. Em outras palavras: A consciência só pode
descobrir o seu engano se ela (ou uma parte dela) não está enganada.
¤ Analogamente, quando a crítica marxista denuncia o caráter
ideológico da moral como super-estrutura destinada a legitimar um sistema
econômico-social, ela pressupõe que seu ponto de vista não está
condicionado ideologicamente, i.e. é racionalmente consistente.
+ Não distinguem entre a origem das normas éticas (aspecto genético) e o seu
sentido, i.e. seu valor de verdade. P. ex.: Reconhecer (com Freud) que nossos
valores morais implicam uma sublimação das energias libidinais do inconsciente
não equivale a admitir que o sentido de tais valores se reduz ao nível instintivo.
Uma coisa é a origem instintiva das energias que sustentam o esforço moral, outra
coisa é a significação que lhes é atribuída no nível da consciência. Ceder a uma
interpretação redutiva da sublimação equivaleria a pensar que na motivação do
sujeito o sentido correspondente ao ponto de vista genético é sempre e a priori
mais verdadeiro que o sentido manifesto assumido pela consciência. Portanto, se
o mecanismo do “Super-ego” explica a gênese empírica da consciência moral do
indivíduo, ele não é capaz de fundamentar a precepção do bem moral como valor
e obrigação.

(2) Problemática prática (existencial)

a) Explicitação da problemática prática: A passagem dos princípios universais da RP à


ação singular, mediante a particularidade da situação, depara-se existencialmente
com uma dupla dificuldade:
# Dificuldade de caráter cognitivo (por ignorância, incapacidade de reflexão, etc.)
quanto ao conhecimento verdadeiro da situação sob o aspecto ético. P. ex.: Uma
guerra pode ser justa sob determinadas condições? (questão de jure); As condições
que justificariam uma guerra justa se verificam neste caso? (questão de facto).
# Dificuldade de caráter afetivo: Trata-se das tendências egoístas, i.e. das paixões
enquanto desordenadas (busca do próprio bem individual independentemente do bem
racional [moral] ou em contradição com ele) que influenciam a razão e a impedem
mais ou menos de julgar retamente sobre o que é bom ou mal em concreto.

b) Pressuposto: Análise do momento da particularidade sob o aspecto de sua infra-


estrutura psicológica
14

# Como se viu, a atuação da RP no nível da particularidade é comandada:


+ pela apreensão pela inteligência do bem em geral, como fim
+ pelo desejo deste bem/fim pela vontade, enquanto tal.
# Este momento intermediário entre a apreensão e desejo do fim e a sua realização
pela escolha dos meios que a ele conduzem implica dois componentes de ordem
psicológica:
+ A deliberação do intelecto, ou seja, o julgamento e ponderação do valor dos
meios em vista do fim. Trata-se da busca racional dos meios mais aptos para
realizar o fim. Ela implica:
¤ um juízo de valor, sobre os meios (enquanto bens úteis), i.e. sobre
sua aptidão a alcançar o fim;
¤ um juízo de fato, sobre a possibilidade de realização imediata dos
meios.
+ A decisão ou escolha da vontade enquanto livre arbítrio de um meio
determinado para a realização do fim. Esta decisão inclui no desejo do fim o meio
adequado e, portanto, deseja o meio enquanto imediatamente realizável. Portanto
ela:
¤ Não se distingue propriamente da deliberação movida pelo desejo
racional do bem/fim;
¤ Mas consiste no ponto de junção entre tal desejo racional do bem/fim e o
julgamento sobre os meios de alcançá-lo (analogamente à conclusão do
silogismo demonstrativo).
¤ Trata-se, portanto, do juízo que conclui a deliberação:
= Não enquanto mero enunciado
= Mas enquanto motor da ação sob o impulso do desejo
+ Em outras palavras: A conclusão da deliberação e a escolha/decisão são
duas dimensões (intelectual e volitiva) do mesmo ato, i.e. do juízo prático (judicium
electionis), ou seja, de uma vontade deliberada. É a RP que decide sob o impulso
do desejo, de modo que a decisão pode ser considerada:
¤ seja como desejo do fim, esclarecido e tornado eficaz pela deliberação
sobre o meio de atingir este fim (desejo do fim através do meio)
¤ seja como ato do intelecto, que julga e ordena, sob o impulso do desejo
de assumir os meios para alcançar o fim desejado (desejo do meio para o fim)
# Entretanto, o desejo, como princípio da ação moral (causa eficiente) pode referir-se
a um bem segundo a razão (real) ou contrário a ela (aparente). No primeiro caso, trata-se
do desejo racional, no segundo do desejo irracional (paixões).
+ A ação é moralmente má quando é determinada pelo desejo irracional, i.e.
quando as paixões concupiscíveis (epithymia) ou irrascíveis (thymós) prevalecem
sobre o desejo racional.
+ A ação é moralmente boa quando o desejo racional prevalece sobre as
paixões (continente) ou as integra na sua adesão ao bem verdadeiro (virtuoso).
# Em ambos os casos, a decisão é livre, porque o meio escolhido não se impõe
racionalmente como o melhor em si mesmo. É melhor para mim, porque eu o prefiro em
função de meus fins, i.e. de valores aos quais quero dar prioridade (prazer, interesses).
Trata-se, como se viu, de um juízo, não puramente teórico, mas prático. O agente dá a si
mesmo as razões de sua decisão.4
4
Este desenvolvimento é inspirado nas análises de Aristóteles, mas com uma correção fundamental. Com
efeito, ele atribui a deliberação (julgamento do valor dos meios) a uma faculdade de desejo (to orektikón),
enquanto penetrada pela razão, não respeitando a distinção entre razão e desejo. Esta dificuldade resulta do
fato de que lhe falta uma noção clara de vontade. Conhece apenas uma faculdade de desejo, de caráter
passivo, movida pelo objeto, sede tanto do desejo racional como do irracional. A noção de vontade como
inclinação intrinsecamente racional ao bem, distinta da inclinação sensível aos bens particulares e, portanto,
como potência racional e ativa, capaz de autodeterminar-se por si mesma, só foi desenvolvida posteriormente
(Plotino, S. Agostinho, S. Tomás). A partir daí se estabelece a distinção entre a vontade, enquanto tal, voltada
necessariamente para o bem em geral como seu fim, e o livre arbítrio como sua forma de expressão diante dos
15

c) Solução do problema prático da integração entre a razão (causa) e as paixões (e


outros condicionamentos) no agir ético: A solução deste problema, bem presente na
Ética clássica (cf. problemática histórica), envolve as duas dimensões do exercício da
RP (conhecimento e vontade)

 Nível do conhecimento: Papel da phrónesis (sabedoria prática, discernimento ou


“prudência”).
# No nível da particularidade, i.e. da situação da RP em face dos bens que se
apresentam como meios para a consecução do fim, a razão se define como prático-
prática, i.e. como forma específica do agir ético, que informa o juízo último (judicium
electionis) imanente à ação singular.
# Este agir, enquanto virtuoso, é orientado por uma virtude dianoética (intelectual), a
phrónesis Trata-se de um hábito cognoscitivo adquirido pelo sujeito, que se situa na
ordem da causa formal, enquanto aperfeiçoa a conformidade da razão com o bem-
verdade. Esta virtude capacita a RP a proceder retamente na fase da deliberação, i.e.
na escolha dos meios para a realização do fim que o sujeito tem em vista, ou seja, para
uma decisão moralmente boa.
+ A “sabedoria prática” desempenha uma função mediadora essencial entre a
universalidade dos princípios e a singularidade da ação.
¤ Enquanto prática, i.e. apta a dirigir a ação, ela supõe conhecimento da
situação particular, i.e. dos meios
¤ Enquanto normativa, ela implica o conhecimento universal do Bem,
como fim último da vida humana
+ Ela é, portanto, a forma da RP no momento da particularidade, i.e. orienta, sob
o aspecto ético, o momento intermediário do processo psicológico da decisão na
sua dimensão intelectual. A ação da “sabedoria prática” dá-se em três etapas:
¤ Ela ajuda a refletir bem sobre os meios para alcançar o fim (ponderação)
¤ Ela ajuda a julgar retamente sobre o meio mais apto para alcançar o fim
(moral): é obrigatório ou proibido ou permitido tomar tal decisão
¤ Ela prescreve como agir em tal situação, i.e. ordena a adoção do meio
proposto (juízo prudencial)
# É próprio da “sabedoria prática” indicar o meio termo razoável entre os extremos
(discernimento), no qual consiste a virtude, regulando segundo a razão os impulsos
das paixões na situação concreta do agente (comer-beber/abster-se; falar/calar;
trabalhar/descansar; etc.).
+ Ela estimula p. ex. o tímido e o preguiçoso e modera o ambicioso e o
atrevido. Prescreve as ações que derivam, em determinada circunstância, dos
deveres de justiça, solidariedade, amizade, etc., controlando a tendência ao
minimalismo ou ao exagero.
+ Portanto, o meio termo da virtude não significa uma média ou mediania,
mas o “meio” (ato humano) mais adequado em vista do fim. Este “meio” varia
segundo o campo em questão. P. ex.:
¤ No campo da justiça, onde o fim é dar a cada um o que lhe é devido,
o meio é fixado objetivamente pela razão, independentemente das
disposições do sujeito.
¤ Ao contrário, no caso da temperança ou da coragem, o meio entre
insensibilidade e descontrole ou entre pusilanimidade e atrevimento
depende de tais disposições.
# Fica claro assim o papel chave da “sabedoria prática” (prudência) na
determinação do agir moral. Ela elabora o critério concreto de todas as nossas ações
e paixões. Trata-se, portanto, da forma geral de toda ação virtuosa, que aplica ao agir

meios ou bens particulares. O livre arbítrio tem seu campo de atuação entre o bem, enquanto objeto necessário
da vontade, e a ação singular como uso dos bens imperfeitos (e fruição do bem perfeito).
16

humano a norma da razão reta. A noção de sabedoria prática distingue mas não
separa os dois aspectos da realidade moral:
+ Aspecto formal da especificação da ação: Consciência do justo meio
como dever
+ Aspecto eficiente do exercício efetivo da ação: Princípio de decisão

 Nível da vontade: Papel das virtudes morais


# O juízo prudencial (Faça isso! Use tal meio!) é o último ato da razão antes da
decisão livre da vontade. Entretanto, a vontade pode recusar-se a obedecer à
prescrição da razão, preferindo seguir o impulso desordenado da paixão, i.e. escolher
um bem (útil, agradável) contrário à razão reta.
# A integração das paixões no dinamismo da razão reta é proporcionada pelas
virtudes éticas ou morais. Trata-se de hábitos operativos da RP, na ordem da causa
eficiente, que aperfeiçoam o movimento da vontade para o bem-fim. Estes hábitos
adquiridos referem-se à vontade na sua relação com as inclinações sensíveis
(paixões).
# Na pessoa virtuosa as paixões tendem a conformar-se espontaneamente com a
razão reta. À medida que adquire tais virtudes, a pessoa gosta de ser sóbrio, casto,
responsável, justo, solidário, generoso, etc. Age de acordo com o juízo prudencial, não
por mero dever, contrariando a sua tendência natural, mas espontaneamente, por
amor, com gosto. A virtude constitui assim uma “segunda natureza”, fruto do
desenvolvimento do ser humano na linha de seu fim natural como racional e livre.
# A relação entre a razão e as paixões pode ser explicitada através das seguintes
situações existenciais (cf. Aristóteles)
+ Virtuoso (temperante): É aquele no qual as paixões estão habitualmente
integradas no dinamismo da vontade para o bem (moral). Ele quer fazer o bem e
suas paixões não oferecem resistência à formação do juízo prático segundo a
prudência, nem à decisão de acordo com tal juízo. À medida que se integram no
movimento da vontade para o bem, elas dão maior vigor e perfeição ao agir moral.
+ Continente: Quer fazer o bem (moral) e, embora sinta a resistência das
paixões, acaba por seguir a razão na sua decisão. Há nele um conflito entre a
máxima do dever e a do prazer. Mas a vontade vence, aderindo à lei moral. Ele age
moralmente bem, mas ainda não adquiriu a perfeição ou excelência que é própria
da virtude. É mais perfeito fazer o bem com prazer (virtude) do que contra a
inclinação sensível.
+ Incontinente: Quer fazer o bem (moral), mas acaba sendo dominado pelas
paixões, agindo incoerentemente, embora voluntariamente, contra a razão. Sua
ação é moralmente má, por fraqueza, não por malícia. Se a paixão for tão forte que
suprima o caráter voluntário do ato, este ato deixará de ser moral e culpável, pelo
menos, diretamente; podendo, porém, ser culpável indiretamente, se o sujeito tiver
tido condições de dominar a paixão antes que se tornasse incontrolável.
Normalmente, porém, a paixão não suprime o uso da razão. P. ex.: Alguém sente
um grande desejo de vingar-se de uma ofensa, mas é ainda livre para resistir ou
não a este impulso passional, perdoando o ofensor. Outro exemplo: Alguém receia
contrair uma doença tratando um enfermo, mas pode superar o seu medo, se
quiser.
+ Vicioso (intemperante): É aquele no qual dominam as paixões. Ele não quer
fazer o bem (moral), mas buscar em tudo o que lhe agrada e corresponde a seus
interesses individuais, sem levar em conta qualquer norma moral. Sua razão já não
oferece resistência às suas inclinações egoístas.

d) Observações finais:
17

 A solução apresentada, de inspiração aristotélica, implica a refutação da teoria


socrática da ciência-virtude. Aristóteles concorda com Sócrates na afirmação de que a
ação boa/virtuosa implica o assentimento do agente. Eles discordam, porém, quanto à
ação má/viciosa:
# Posição socrática: Ninguém é mau de propósito (por querer), porque só faz o
mal por ignorância (ou coagido pela paixão)
# Posição aristotélica: Ninguém é mau sem querer, porque é na própria pessoa
que se encontra, em última análise, a raiz da paixão ou da ignorância que a levam a
fazer o mal. De fato:
+ Se a pessoa foi forçada (pressão interna ou externa) a praticar a ação (sem
querer) ou não sabia que a ação era objetivamente má, sua ação não é culpável,
i.e. não foi má subjetivamente.
+ Se a pessoa sabia (ou deveria saber) que a ação era má e a cometeu
deliberadamente, deixando-se determinar por uma paixão e não pela razão; neste
caso, sua ação é moralmente má porque agiu livremente contra a reta razão.

 A dialética do momento da particularidade subjetiva do agir ético pode ser expresso


sinteticamente através do “Silogismo prático” (cf. Aristóteles).
# Significado do “silogismo prático”: Em analogia com o procedimento silogístico da
razão teórica, ele exprime a estrutura inteligível da RP, i.e. sua lógica imanente, como
passagem da forma universal do ato a seu conteúdo concreto ou objeto da ação.
+ Sua originalidade consiste em que a conclusão do “silogismo”:
¤ não é simplesmente uma proposição cognoscitiva
¤ mas o imperativo de uma decisão em ordem ao agir.
+ Nesta conclusão manifesta-se a circularidade entre inteligência e vontade:
¤ a inteligência julga a retidão da vontade
¤ a vontade impera o assentimento da inteligência.
# Exemplo:
Silogismo prático Psicologia Moral
Universalidade O mal deve ser evitado Adesão ao bem Sindérese
Ora, roubar é mal (Ciência)
Logo, roubar deve ser evitado Adesão ao bem
Particularidade Ora, tal ação é um roubo Deliberação Prudência
Logo, tal ação deve ser evitada Juízo prudencial
Singularidade (Logo,) quero evitá-la (ou não) Decisão Judicium electionis
Esta decisão é louvável (ou condenável) Consciência moral

III. Singularidade da Razão Prática

1. Significado do momento da singularidade no agir ético

1.1. Visão de conjunto do exercício da RP (recapitulação)

a) Duplo aspecto do movimento dialético da RP


# Distinção entre:
+ Causalidade formal (lógica) exercida pela inteligência, enquanto apreende o bem
como forma do ato moral
+ Causalidade eficiente, exercida pela vontade, da passagem:
¤ da potência ativa que ordena o sujeito ao bem universal
¤ ao ato de adesão a esse mesmo bem como bem-para-o-sujeito
# Entrelaçamento da inteligência e vontade num processo de causação recíproca:
+ A inteligência informa a vontade
18

+ A vontade move a inteligência


# Esta sinergia constitui propriamente a RP, enquanto o agente, como racional e livre,
se autodetermina a agir dando-se a si mesmo as razões de seu ato (causa sui).

b) Momentos do exercício da RP como passagem (na sinergia de inteligência e vontade):


# Da universalidade abstrata:
+ dos princípios (inteligência)
+ da inclinação ao Bem (vontade)
# Pela mediação:
+ (na linha das causas) da phronesis (inteligência) e do livre-arbítrio (vontade)
+ (na linha das condições) da situação particular do agente
# À ação singular e concreta, como um ato indissoluvelmente racional e livre, o ato
moral (ato humano por excelência).

1.2. A consciência moral (CM) como expressão da singularidade da RP

# Trata-se da conclusão do processo de atuação da RP como ato singular da decisão


(indissoluvelmente racional e livre) que resulta:
+ dos princípios universais (inteligência) e do desejo do bem (vontade) em
geral (universalidade abstrata)
+ aplicados à situação particular do agente (momento da mediação e
particularidade)
# O momento da singularidade exprime-se no fenômeno da consciência moral (CM)
como reflexão da RP sobre seu próprio ato sob a forma de um juízo (judicium
conscientiae) acerca da conformidade do ato de decisão (judicium electionis) com a
prescrição da RP a respeito do bem (meio mais adequado), moralmente obrigatório ou
lícito, na situação particular do agente (juízo prudencial).
# Portanto, a CM, como termo do movimento da RP, suprassume na singularidade de
seu ato:
+ a universalidade dos princípios e da inclinação ao bem, como normas de seu
julgamento
+ e a aplicação dessas normas à particularidade das condições que tornam
possível o mesmo ato
# Por outro lado, a CM, como ato por excelência da RP, constitui a primeira expressão
do “Eu sou” como sujeito ético, antecedendo, portanto, a aparição de fatores de ordem
psíquica e sociocultural, que:
+ irão condicionar o seu exercício
+ sem afetar, porém, a sua natureza

2. Níveis de compreensão da CM

2.1. Pré-compreensão da experiência da CM

a) Universalidade da experiência da CM: A experiência da CM na variedade de suas


formas, conforme as diversas tradições culturais, constitui uma invariante
fenomenológica, manifestada por certos traços comuns, que compõem o estágio de
sua pré-compreensão.

 Traços presentes invariavelmente na pré-compreensão da CM e que permitem sua


identificação e descrição (eidos elementar):
# Interioridade radical: A CM se apresenta como inscrita no mais fundo de nosso
ser. Daí as metáforas: “santuário”, “abismo” da consciência.
# Instância suprema de julgamento de nosso agir, acima de todas as camadas do
espírito (afetivas, volitivas, racionais), que não se submete de modo algum aos
interesses e paixões do sujeito (juiz incorruptível).
19

# Através destes traços a CM apresenta-se como um caminho privilegiado para o


conhecimento de Deus (via explorada por autores tão diversos como p. ex. J.J.
Rousseau e J.H. Newman)

 Modalidades da experiência da CM nas tradições que formaram o ethos da


civilização ocidental:
# Tradição bíblico-cristã: Caráter afetivo-voluntarístico da pré-compreensão da CM
como “coração” (leb, kardia)
# Tradição greco-romana: Aspecto intelectualístico (judicativo) da pré-
compreensão da CM, expresso no “conhece-te a ti mesmo” e no termo “consciência”
(synesis, syneidesis, conscientia)

b) Vicissitudes da experiência da CM

 Sacralização da CM: Entre as formas culturais que reveste historicamente a


experiência da CM, destaca-se a interpretação religiosa do juízo da consciência como
juízo de Deus. Esta compreensão do fenômeno ocorre tanto em formas rudimentares nas
culturas primitivas como em formas altamente elaboradas nas religiões universalistas
(como p. ex. o cristianismo).

 Secularização da CM: A crise da representação religiosa da CM, própria da


modernidade, é contemporânea da crise da interpretação filosófico-teológica do mesmo
fenômeno, herdada do pensamento medieval. Ela se manifesta no homem moderno:
# seja pela falta de nitidez da pré-compreensão da CM como experiência
fundamental da vida ética
# seja pela influência das leituras reducionistas desta experiência, baseadas na
utilização ideológica das ciências humanas

2.2. Compreensão explicativa da CM

a) Aspecto negativo: Tendências de des-construção da experiência da CM, prevalentes


na cultura contemporânea

 Leituras reducionistas da experiência da CM


# Nietzsche: Embora reconheça a importância do fenômeno da consciência como
chave de interpretação do processo civilizatório, submete a CM (identificada com a
“má consciência”) a uma crítica radical.
# Freud: À luz da teoria psicanalítica sobre a estrutura do psiquismo, situa a CM
entre as pulsões do inconsciente e a censura do super-ego sob a forma de sentimento
de culpa, não reconhecendo nenhuma faculdade natural de distinção entre o bem e o
mal.
# Outras interpretações redutivas: Hedonismo, Utilitarismo, Sociologismo,
Psicologismo

 Conseqüências: Situação paradoxal (hipocrisia do jargão ético)


# Apelos freqüentes à CM na linguagem comum
# Abandono da noção de CM nas classes intelectuais
# Portanto: Quanto mais se fala em CM, tanto menos nela se crê

b) Aspecto positivo: Contribuição importante das ciências humanas para o conhecimento:


# dos condicionamentos do agir ético
# dos fenômenos com que esses condicionamentos se manifestam

2.3. Compreensão filosófica da CM

a) Pressuposto: Espécies de reflexão da mente sobre seus atos


20

A experiência identifica a CM com um julgamento espontâneo de aprovação ou


reprovação da decisão tomada, i.e. sobre o valor moral de tal decisão. Este julgamento
implica uma reflexão do agente sobre seu próprio ato de decisão. Para entender em que
consiste propriamente a CM é preciso distinguir dois tipos de reflexão da mente sobre
seus atos:

 Reflexão imanente ao próprio ato e identificada com ele. Esta reflexão corresponde
ao caráter reflexivo do espírito humano, que tem consciência implícita de seus atos, em
particular, dos atos de conhecimento, i.e. dos juízos. Ao mesmo tempo que conhece
expressamente alguma coisa (objeto ou conteúdo do ato de conhecer: esta mesa é
retangular), a mente humana, por sua própria natureza espiritual e autotransparente,
volta-se sobre si mesma (re-flexão), conhecendo implicitamente o seu próprio ato de
conhecer (o juízo mencionado equivale a: eu sei que esta mesa é retangular). Esta
reflexão natural e espontânea não corresponde a um novo ato do espírito, mas constitui
uma dimensão essencial do próprio ato de conhecer. Entretanto, esta reflexão se
diferencia segundo a espécie do ato na sua relação com o seu objeto.
+ No conhecimento teórico a reflexão se realiza sobre o ato segundo a sua
relação de conformidade ou não com o objeto real, i.e. quanto à sua verdade.
+ No conhecimento prático a reflexão se realiza sobre o ato segundo a sua
relação de conformidade ou não com o bem proposto e prescrito no juízo
prudencial, i.e. quanto à bondade (moral) do ato de decisão.

 Reflexão subseqüente ao ato e, portanto, distinta deste como um novo ato. Esta
reflexão explícita pode ser feita sobre qualquer ato mental, para identificá-lo ou examiná-
lo. Trata-se de dar-se conta expressamente dos próprios pensamentos e sentimentos, das
relações entre eles, etc. Isto só é possível porque tais atos mentais já eram implicitamente
conhecidos. Esta reflexão subseqüente é uma explicitação que torna os atos mentais
objeto expresso de conhecimento.

b) Noção de CM: Estas distinções permitem compreender em que consiste propriamente


a CM

 Negativamente: A CM não corresponde à reflexão subseqüente ao ato de decisão.


# A reflexão subseqüente constitui a experiência espontânea da CM. Como novo
ato ela focaliza explicitamente:
+ Não só o julgamento da consciência, enquanto reflexão implícita do próprio
ato de decisão sobre si mesmo na sua conformidade com o juízo prudencial
(moralidade)
+ Mas sobretudo certos fenômenos afetivos que acompanham o julgamento da
consciência e são influenciados por múltiplos fatores de ordem psíquica, social e
cultural. Estes fenômenos correspondem a repercussões de ordem afetiva
provocadas no sujeito pelo ato moral, enquanto atinge o núcleo mais profundo de
seu ser e valor. Eles manifestam:
¤ sob a forma de remorso, sentimento de culpa, angústia, temor, má-
consciência, a reprovação do ato moralmente mau pelo juízo da CM
¤ sob a forma de satisfação, sentimento do dever cumprido, paz interior,
boa-consciência, a aprovação interior do ato moralmente bom
# Entretanto, a CM não consiste nestes fenômenos que acompanham e
manifestam o julgamento da consciência, mas não se identificam com ele, embora
sejam o objeto principal da reflexão subseqüente, que constitui a experiência da CM e
fundamenta a sua pré-compreensão espontânea

 Positivamente:
# A CM consiste juízo imanente ao próprio ato de decisão e implícito nele, que, em
virtude da estrutura teleológica de tal ato, manifesta a sua conformidade ou
21

disconformidade com o bem (moral), prescrito no julgamento prudencial. Trata-se do


momento terminal do movimento da RP, que ratifica o seu ato como absolutamente
singular e pessoal, i.e. como ato do sujeito na sua inalienável identidade.5
# Em outras palavras: A CM não é senão o julgamento de aprovação ou
reprovação (judicium conscientiae) do ato de decisão (judicium electionis) à luz do
juízo prudencial da RP. Este julgamento, como foi, dito se identifica com a reflexão
imanente ao próprio ato de decisão na sua relação com o bem (moral). Portanto:
+ Há identidade real e distinção apenas conceptual entre o ato de decisão e o
juízo reflexivo sobre ele, que constitui a CM. Trata-se de diversos aspectos da
mesma realidade.
+ Ao contrário, há distinção real:
¤ seja entre o juízo da consciência e o juízo prudencial: A decisão do
sujeito pode estar ou não de acordo com o que prescreve a RP no juízo
prudencial
¤ seja entre o juízo da consciência e os fenômenos afetivos que o
acompanham

c) Conseqüências:

 Esclarecimento da raiz das críticas reducionistas do fenômeno da CM: Elas se


baseiam normalmente na identificação (confusão) da CM com os fenômenos que a
acompanham e manifestam (experiência comum).
# As características de tais fenômenos são efetivamente explicáveis por fatores
de ordem psíquica e socio-cultural;
# Ao contrário do próprio juízo da consciência, que embora, condicionado por tais
fatores, é determinado pela RP, i.e. pela relação da decisão livre com o bem segundo
a razão.

 Confirmação da unidade entre o intelecto especulativo (razão teórica) e o intelecto


prático (RP):
# Trata-se de usos distintos de uma mesma faculdade, enquanto especificada
pelos respectivos objetos. A RP constitui um prolongamento da razão teórica (simples
conhecer), enquanto se trata de um conhecer para agir. A sinergia entre razão
(conhecimento do bem) e vontade (intenção, prossecução do bem) no movimento
dialético da RP: verifica-se também no termo do processo, enquanto o juízo da
consciência é, indissoluvelmente, um juízo:
+ Guiado pela razão
+ Ordenado pela vontade
# Portanto, nesta concepção da CM é superada a oposição entre:
+ Intelectualismo (primado da razão teórica)
+ Voluntarismo (primado da razão prática), proposto por Kant, enquanto a
desvincula da razão teórica.

 Manifestação do caráter dinâmico do exercício da RP nos seus vários momentos:


Trata-se de um é processo de suprassunção (negação/conservação) que vai do universal
ao singular. De fato, a sindérese (primeiro momento do ato da RP):
# Não é um hábito estático, pelo qual o sujeito limita-se a aplicar os princípios
universais da RP à ação singular e às suas circunstâncias
# Mas, enquanto sinergia de conhecimento e inclinação para o bem universal é
ordenada dinamicamente à realização da RP no aqui e agora da ação (ato terminal da
CM):
+ seja na linha causal do ato pela deliberação e decisão
+ seja na linha de suas condições

5
Daí se segue que a CM, enquanto ato último da RP, não é um hábito, como a entenderam, antes de Tomás de
Aquino, muitos pensadores da Idade Média, ao identificá-la com a sindérese.
22

# Portanto, a CM é o momento terminal que ratifica o ato da RP como


absolutamente singular, i.e. ato do sujeito em sua inalienável identidade.

 Melhor compreensão das funções da CM


# Função judicativa: censura; advertência; esclarecimento
# Função indicativa
+ Consciência retrospectiva (avaliação do passado: exame de consciência)
+ Consciência prospectiva ( prevenção do futuro)
+ Consciência assertiva (afirmação da autonomia da consciência)

3. A CM como expressão da obrigação moral

a) Compreensão da obrigação moral a partir da CM

 A CM, enquanto consciência do dever-ser, exprime a obrigação moral, i.e. o nexo


de necessidade entre a RP e o Bem. Neste sentido, a obrigação moral pode ser
concebida como a “necessidade da própria liberdade”. Esta necessidade é:
# Subjetiva (como ato da liberdade): Enquanto reside na própria RP,
independentemente de qualquer coação exterior
# Objetiva (como forma do ato): Enquanto procede da natureza vinculante
(normativa) do Bem como fim do movimento da RP
 Neste sentido, na CM como ato:
# A RP se autodetermina em seu consentimento ao Bem (linha da causa
eficiente);
# Mas esta autodeterminação que tem como forma o Bem ou fim (causalidade
formal);
# Donde resulta a obrigação moral como síntese entre o ato e seu fim, o Bem.
 Portanto, podem-se estabelecer as seguintes equações:
# a Razão Teórica está para a Razão Prática
# assim como o Ser está para o Bem
# assim como a Evidência (necessidade lógica, que procede inteiramente do
objeto) está para a Obrigação moral (necessidade moral, que consiste na
autonecessitação do sujeito na sua relação com o bem objetivo)
 Trata-se, pois, de uma concepção do fundamento da obrigação moral:
# Não autônoma (kantiana): A obrigação funda-se na necessidade inerente à
“boa vontade” de agir sempre por dever, i.e. na autolegislação da liberdade que se
obriga a si mesma a agir por dever.
# Mas heterônoma (origem platônica): A obrigação funda-se no caráter
normativo do Bem objetivo, conhecido pela inteligência, que se impõe ao sujeito
livre.

b) Compreensão da norma última de moralidade à luz dos Estados da CM


 Pressuposto: Estados da CM (como ato)
# Ponto de vista subjetivo: Consciência certa; provável; duvidosa
# Ponto de vista objetivo:
+ Consciência verdadeira: Informada pela realidade objetiva do bem
apreendida pela razão, i.e. de acordo com a razão reta (recta ratio)
+ Consciência errônea: Afastamento da norma da reta razão (julga falsamente
que determinada ação é boa ou é má; é obrigatória ou não). O erro pode resultar
de:
¤ Fatores de ordem intrínseca: Na passagem do conhecimento do bem
universal ao bem particular
¤ Fatores de ordem extrínseca: Influência dos condicionamentos que
configuram a situação do agente
23

 Norma última da moralidade:


# Subjetiva: Consciência certa
# Objetiva: Consciência verdadeira
# Conseqüências:
+ Sendo a CM certa a norma subjetiva última da moralidade, ela obriga
sempre, i.e. deve ser seguida, mesmo que se trate de uma consciência errônea.
Portanto, qualquer ato contra a consciência é imoral.
+ A ação praticada de acordo com a consciência errônea é subjetivamente boa
(inculpável), mas objetivamente má (contrária à natureza e à reta razão), e,
portanto, como tal, não contribui, para o bem (perfeição) do sujeito e da
comunidade humana.
+ O erro do julgamento da consciência pode resultar de uma falta voluntária do
sujeito (negligência em informar-se, etc.). Neste caso, embora deva obedecer ao
ditame da sua consciência (certa, mas errônea), ele é de algum modo
responsável/culpado (voluntarium in causa) da ação objetivamente má que
pratica.

4. Conclusão

4.1. Recapitulação: O exercício da RP, conforme foi analisado, implica os seguintes


momentos:
(1) Abertura do sujeito ao horizonte universal do Bem
(2) Seu movimento para o bem na particularidade da situação
(3) Autodeterminação pela qual ele se constitui em sua radical singularidade
como sujeito racional e livre na adesão ao bem (real ou aparente), vivida
reflexamente na consciência moral

4.2. Nesta estrutura subjetiva do agir ético distinguem-se dois aspectos:

a) Aspecto da limitação eidética: O ato moral


# Embora se realize no horizonte universal do bem, a partir da mais profunda
interioridade do sujeito à qual retorna na reflexão da CM,
# É limitado pela particularidade:
+ do bem objetivo ao qual se refere (conteúdo do ato)
+ da situação pela qual está condicionado
+ da história do sujeito, da qual é um episódio entre o seu passado e futuro

b) Aspecto da ilimitação tética:


# Ao ser posto pelo sujeito, o ato moral transcende a limitação do seu eidos (em seus
componentes subjetivos) enquanto aberto:
+ à inter-relação comunicativa com os outros sujeitos
+ dentro do horizonte universal do bem
# Em outras palavras: A afirmação do “Eu sou” na ordem moral (juízo da consciência)
impele o discurso ético além dos limites da subjetividade singular.
# Esta transcendência da auto-afirmação sobre os limites eidéticos do ato revela o
caráter filosoficamente infundado e éticamente estéril do subjetivismo moral
contemporâneo.

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