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Abusos no trato com crianças são frequentemente apoiados por ideias religiosas interpretadas de forma literal e fora de contexto. Essas ideias são discutidas no presente documento.
Abusos no trato com crianças são frequentemente apoiados por ideias religiosas interpretadas de forma literal e fora de contexto. Essas ideias são discutidas no presente documento.
Abusos no trato com crianças são frequentemente apoiados por ideias religiosas interpretadas de forma literal e fora de contexto. Essas ideias são discutidas no presente documento.
Ao tratar da formação da Imagem de Deus no ética da Igreja e do Estado, mas praticadas em
psiquismo das pessoas, vimos que diversos autores segredo, numa semiconsciência, no limite da sustentam ser decisiva nesse processo a influência vontade, do esquecimento e da falta de jeito.3 É dos pais. Não é fora de propósito pensar que tal interessante registrar a observação de Ariés de que influência não se dá apenas por parte dos pais – A vida da criança era então considerada com mesmo que esta seja preponderante – mas de todos a mesma ambigüidade com que hoje se os adultos com que, de uma ou de outra forma, a considera a do feto, com a diferença de que o criança entra em relação. Refiro-me àqueles com infanticídio era abafado no silêncio, enquanto quem ela tem contato direto, como parentes, o aborto é reivindicado em voz alta – mas professores e sacerdotes mas, também, àqueles esta é toda a diferença entre uma civilização vultos considerados importantes, reais ou fictícios, do segredo e uma civilização da exibição. 4 sobre quem ela recebe informações: reis, heróis, Pouco adiante, Ariès comenta as transformações santos, etc. Uma vez que grande número desses ocorridas no século XVII, que compreendiam a personagens exibe faces cruéis, é bastante provável oficialização do trabalho das parteiras – cuja missão que contribuam para que a Imagem de Deus também incluía defender as crianças dos próprios pais – e a tenha aspectos de crueldade. De qualquer forma, é conscientização destes por parte dos reformadores, óbvio que a contribuição de maior peso virá levando as pessoas a se tornarem mais sensíveis à daqueles com quem a criança convive mais de perto; morte e passarem a ser mais vigilantes, desejando e nestes, em quase todas as épocas e lugares, os conservar sus filhos a qualquer preço. Ou seja, diz pequenos têm encontrado uma fonte de abusos e Ariès, ocorreu um processo de sentido oposto ao que maus-tratos. ora assistimos com a disseminação da pratica do O respeito pela personalidade da criança, é aborto e a luta por sua legalização: É exatamente o fenômeno recente na história da humanidade; ela inverso da evolução em direção à liberdade do quase sempre foi considerada um adulto imperfeito aborto, que se desenrola sob a nossa vista. No ou, mesmo, alguém a quem não se deve muita século XVII, de um infanticídio secretamente consideração porque ainda nem começou admitido passou-se a um respeito cada vez mais propriamente a viver.1 Por isso, ao escrever o exigente pela vida da criança.5 prefácio à edição francesa de 1973 (a primeira Apesar de tudo, a situação da criança na Europa edição é de 1960) de seu livro História Social da antiga e medieval ainda era, provavelmente, menos Criança e da Família, Philippe Ariès, afirma que, sujeita à crueldade do que em outras partes do se tivesse de reescrever o livro, chamaria a atenção mundo. É o que indica, entre outros, Arnaldo para um fenômeno muito importante e que começa a Rascovsky, psicanalista argentino, no intróito ao seu ser mais conhecido: a persistência até o fim do livro O Assassinato dos Filhos (Filicídio)6, quando século XVII do infanticídio tolerado. 2 assevera que maus-tratos cruéis, incluindo violentos Ariès explica que o infanticídio não era, como em espancamentos, abandono e, mesmo, assassinato Roma, uma prática aceita, mas um crime vitimaram crianças, às mãos de seus próprios pais, severamente punido. No entanto, há fortes indícios em todas as épocas e culturas, afirmação que, ele de que era cometido secretamente sob o disfarce de enfatiza, diz respeito à totalidade da espécie acidentes, como, por exemplo, a morte por humana.7 sufocação durante o sono, na cama dos pais. O autor cita a observação de outro conhecido historiador, J. L. Flandrin, sobre a diminuição de mortes infantis a 3 Ibid., p. 17. partir do século XVIII, cuja explicação não poderia 4 Ibid., p. 18. residir em fatores médicos ou higiênicos mas, tão 5 Loc. cit. 6 somente no fato de que as pessoas teriam parado de RASCOVSKY, A. (1973). O Assassinato dos Filhos deixar ou ajudar a morrer as crianças não desejadas. (Filicídio). Tradução de Maria Zélia Barbosa Pinto. Rio Essa prática não era confessada mas também não se de Janeiro: Documentário. 7 Ibid., p, 8. Na opinião de Rascovsky, a violência dos pais a considerava uma vergonha, pertencia à categoria contra filhos pequenos se deve a múltiplos fatores, que das coisas moralmente neutras: condenadas pela não são excepcionais mas inerentes à própria condição humana e entre os quais se inclui, de acordo com a linha 1 Até hoje – pergunta Philippe Ariès – não falamos em psicanalítica, desejos intensos e inconscientes de destruir começar a vida no sentido de sair da infância? ARIÈS. P. os filhos – gerados por sentimentos de inveja, rivalidade, (1981). História Social da Criança e da Família. ódio, fome, etc. - que convivem com tendências Tradução de Dora Flaksman. 2ª. edição. Rio de Janeiro: carinhosas e protetoras. Herdados dos tempos primitivos Guanabara Koogan, p. 57. e, normalmente, sob controle, os sentimentos hostis 2 Ibid., p. 17. podem se exacerbar em condições de pressão em que os 2 Esses maus-tratos generalizados e, freqüentemente de suas orações, ressaltando que o sofrimento brutais, não podem deixar de contribuir para a que diverte os adultos pode ser uma agonia disseminação nas sociedades e nas sucessivas para a criança.9 gerações, bem como para a introjeção nos Para uma criança que está sofrendo e vê seus indivíduos, de uma Imagem de Deus com próprios pais fazerem disso motivo de chacota, características semelhantes à dos pais cruéis. É embora, evidentemente, ela não tenha condições de evidente, por outro lado, que essa contribuição se faz estabelecer diagnósticos, sentirá esse de modo muito mais intenso quando a vítima, ao comportamento como expressão de sadismo, ou seja, chegar à idade adulta, desenvolve dotes intelectuais sentirá na própria pele que, para muitas pessoas, o e retóricos, para não dizer espirituais, que lhe sofrimento alheio pode ser fonte de diversão. Pode permitem exercer influência decisiva como poucas ser esse um fator importante para que em idade vezes se viu igual na história da humanidade. É o adulta, venha atribuir tal característica ao próprio que sucedeu com Sto. Agostinho, o homem que – Deus. com a possível exceção de São Paulo – fez mais do Por sua vez, Ferrari, ainda de acordo com Capps, que qualquer outro mortal para dar forma e definir dedica bastante mais espaço à interpretação do a fé cristã.8 Pois esse homem extraordinário sofreu impacto que os espancamentos podem ter causado em sua infância, como relata em suas Confissões, sobre a personalidade de Agostinho. Ele faz notar maus-tratos bastante cruéis por parte de professores que, em seus anos adultos, Agostinho costumava e dos pais, abusos que, certamente, influíram na censurar-se exageradamente, apresentava uma formação da sua personalidade e, em conseqüência, sensação generalizada de tristeza e desamparo e a em sua Imagem de Deus e em sua teologia. Ou seja, tendência de desconfiar dos demais. Para Ferrari, a forma e a definição da teologia cristã, como todos esses traços podem ser atribuídos aos chegou até nós, está marcada por espancamentos e espancamentos sofridos na infância. Esse autor humilhações sofridos pela criança que se tornou observa também – e isso é importante – que o pai de mais tarde um dos principais artífices dessa teologia. Agostinho, Patrício, era um homem dado a ataques A relação entre os maus-tratos na infância e a de raiva que o levavam a agredir com violência seus teologia agostiniana é exposta de forma convincente servos e que poupavam a esposa Mônica tão em um brilhante texto do psicólogo e teólogo norte- somente pelo tato que esta demonstrava ao lidar com americano Donald Capps. Analisando as Confissões o marido. Não se sabe se Agostinho foi alvo dessa e comentários sobre elas tecidos por teólogos e raiva, contudo, registra Ferrari, Certamente, o psicólogos em estudos relativamente recentes, Capps menino Agostinho foi ao menos o espectador põe em relevo passagens em que Agostinho relata o petrificado dos acessos de raiva de seu pai, mesmo quanto sofreu, criança pequena, por causa dos que não fosse ele o sujeito de suas surras espancamentos a que era submetido por parte de iracundas.10 seus professores, lento que era para aprender. E à dor Todo esse contato com a ira e a crueldade dos pais, física e à angústia pela continuidade do castigo, através de um processo psicológico bastante comum, somava-se o sofrimento psicológico ao constatar vai resultar, como não poderia deixar de ser, em que, longe de defendê-lo, os adultos, incluindo seus sentimentos de culpa,11 os quais se refletem em sua pais, riam-se de seus tormentos. 9 Segundo Capps, embora a maioria dos autores que DODDS, apud Capps, Ibid. p. 133. 10 comentaram as Confissões tenha feito vistas grossas FERRARI, apud Capps, Ibid, p. 134. 11 aos espancamentos ali relatados, como se fossem de Esse processo é explicado sob o ângulo da Psicanálise pouca significação, dois deles, o conhecido por Harry Guntrip em seu livro Como Descobrir e Curar as Neuroses (um dos textos de divulgação de psicologia estudioso da cultura helênica, E. R. Dodds e Leo de base psicanalítica mais acessíveis e bem informados, Ferrari, especialista em estudos agostinianos, infelizmente há muito esgotado). Diz esse autor que, com chamaram a atenção para as possíveis conseqüências o objetivo de preservar uma imagem ideal dos pais como dos maus-tratos e as cicatrizes permanentes que alguém com quem pode contar em situações difíceis, a devem ter deixado em seu psiquismo. Escreve criança opta por considerar a si mesma como má, Dodds: justificando, portanto, os pais e a rejeição ou os maus- Ele (Agostinho) nos conta que orava a Deus tratos deles recebidos. Para corroborar sua tese, Guntrip com uma intensidade desproporcional à sua cita W. R. D. FAIRBAIRN: A criança prefere ser ela idade para não ser mais espancado na escola; própria má do que ter objetos maus...uma das causas (de) e ele corretamente critica seus pais por rirem se tornar má é tornar bons seus objetos. Ao fazê-lo, Ela é recompensada por aquele sentido de segurança que um indivíduos regridem a padrões antigos de comportamento. círculo de bons objetos tão caracteristicamente confere. (Op, cit., p. 29, Nota 11). (...) É melhor ser pecador num mundo governado por 8 CAPPS, D. (2004). Augustine: The Vicious Cycle of Deus do que viver num mundo governado pelo Demônio. Child Abuse in ELENS, J. H., The Destructive Power of ( A citação é do artigo de FAIRBAIRN, The Repression Religion. Westport, Connecticut: Praeger, Vol II. pp. 127- and Return of Bad Objects, British Journal of Medical 149. Psychology, vol. XIX, 3 e 4, 1943.) Apud GUNTRIP, H. 3 visão de e seu relacionamento com Deus, como incondicionalmente; prego freqüentemente sobre isso, explica Ferrari: cruéis e aterrorizantes como eram mas não é o que eu sinto.” Pelo seu conceito de Deus, este os espancamentos que o jovem Agostinho sofria na o ama e acolhe; pela sua imagem de Deus, jamais se sente escola, em seus anos maduros, através da luz de sua aprovado, e é esta sensação que realmente lhe domina a vida interior. É bem verdade que, mesmo no domínio dos fé, ele foi capaz de ver essas surras como obra do conceitos, a teologia cristã conservadora sustenta idéias próprio Deus.12 contraditórias entre si: Deus é amor mas também é justiça Mas, graças ao mecanismo psicológico já citado, a (entendida como ira vingativa); é compassivo e perdoador experiência dolorosa recebe roupagens de fé e é mas exige que sangue seja derramado como condição para explicada como estratégia divina para chamar para perdoar e castiga com torturas eternas os que não são junto de si as almas errantes. Os sofrimentos de que alcançados por esse perdão. padecem os seres humanos, passam então a ser Em termos jungianos, acompanhando Ellens merecidos, conseqüência do pecado original e de [ELLENS, J. H., (2004). Religious Metaphors Can Kill, seus pecados pessoais, bem como instrumentos de in ELLENS, J. H. (Edit.),. The Destructive Power of Deus para purificar a alma e levá-la à salvação. A Religion. Westpoint, CT: Praeger, Vol. 1, passim.] esse respeito, notando as muitas referências que podemos nos referir a essa imagem como um arquétipo que, presente no inconsciente coletivo da cultura ocidental Agostinho faz nas Confissões sobre os castigos de (e não apenas nesta), produz em nós a tendência a sentir Deus, Ferrari sugere que: o irado mestre-escola da Deus como um ser muito poderoso, inflexível e infância de Agostinho torna-se, portanto, no Deus ameaçador, que desperta em nós, como também acontece castigador que purifica sua alma através das muitas freqüentemente com relação aos pais humanos, punições da vida.13 sentimentos ambivalentes, entre os quais predomina o Conclui Ferrari que há suficientes indícios de que o medo. terror traumatizante de suas primeiras surras Há pouca dúvida de que a imagem de Deus enquanto ainda era um escolar de bem pouca idade, presente em um indivíduo reflete a qualidade da relação contribuíram para o desenvolvimento de um que essa pessoa teve com seus pais, isto é, os sentimentos permanente sentimento de culpa e para que se que seus pais despertam nos filhos tendem a ser transferidos para a imagem de Deus. [Veja-se, p. ex. formasse um temperamento com tendências à auto- RIZZUTO, A.-M. (1979). The Birth of the Living God. recriminação e ao sofrimento. Isso teria levado Chicago: University of Chicago Press.; GOOD, J. A., Agostinho, na opinião de Ferrari, a dar ênfase (1999).Shame, Images of God and the Cycle of excessiva ao severo Yavé do Antigo Testamento, em Violence. Lanham, MD: University Press of America; detrimento do Deus amoroso e misericordioso do DAYRINGER, R. & OLER, D. (Eds.) (2004). The Image Novo. of God and the Psychology of Religion. Binghamton, Como conseqüência colateral, além do efeito NY: Haworth Press. principal de contaminar sua teologia, os HOFFMAN, L., JONES, T. T., WILLIAMS, F. & espancamentos sofridos por Agostinho, ou melhor, o DILLARD, K. S. ( 2004). The God Image, the God modo como ele mais tarde os interpretou, Concept, and Attachment. Paper presented at the contribuíram segundo Capps para legitimar os maus- Christian Association for Psychological Studies International Conference, St. Petersburg, FL. tratos infantis, infelizmente ainda tão comuns em http://www.godimage.com/Papers, accessed in nossos dias.14 Febr./2006; ROWATT, W. C. & KIRKPATRICK, L. A., Two Dimensions of Attachment to God and their Relation to Affect. Journal for the Scientific Study of A imagem de Deus Religion 41:4 (2002) 637-651; SPILKA, B., HOOD, JR., R. W. & GORSUCH, R. L., (1985). The Psychology of A “imagem de Deus” , como já vimos, é Religion: An Empirical Approach. Englewood Cliffs, constituída por um complexo de crenças das quais, em New Jersey: Prentice-Hall; KIRKPATRICK, L. A., geral, temos pouca ou nenhuma consciência. Não deve (1997). An Attachment-Theory Approach to the ser confundida com o “conceito de Deus”, que pode ser Psychology of Religion in SPILKA, B. & McINTOSH, descrito como um conjunto consciente de idéias que D. N., The Psychology of Religion: Theoretical temos a respeito dele. Naquela sobressai o aspecto Approaches. Boulder, Colorado: Westview. ] afetivo; nesta o intelectual. É ao fato de coexistirem na Existem formas de educar que conduzem quase mente humana que se devem confissões com as que ouvi que inevitavelmente a que se desenvolva medo dos pais e, de um pastor: “Eu creio na graça e que Deus me ama conseqüentemente, também medo de Deus, medo do qual a pessoa pode não estar consciente mas que é identificável (1971). Como Descobrir e Curar as Neuroses. Tradução através de suas atitudes e comportamentos. São formas de Luiz Carlos Lucchetti Gondim. Petrópolis: Vozes, pp. nas quais se desenvolve na criança o medo da punição 77-78. Quanto a mim, prefiro outra interpretação para o para que ela obedeça sem questionar. fenômeno. Muito resumidamente: a criança, ao culpar-se, É bastante difundido no meio evangélico um envia aos pais uma mensagem: “Já sofri bastante, agora método de educação que se descreve como “método de parem de me punir, rejeitar, etc.” Deus” e que, utilizando numerosas citações do Antigo 12 FERRARI, apud CAPPS, op. cit. p. 135. Testamento e linguagem piedosa, alegando levar a sério as 13 Id.,loc.cit. ordens de Deus, recomenda o uso sistemático da vara – ou 14 CAPPS, op, cit., p.145. 4 outro instrumento do gênero como uma colher de pau – “locus” da conexão com o divino, passa a ser dominada para punir toda e qualquer desobediência, por menor ou por essa imagem amedrontadora, geradora de um temor mais justificada que seja. Todo o método se baseia em que barra a possibilidade de ouvir a voz do Espírito. uma psicologia behaviorista em tudo igual a que se usa no Seria simplificar demais as coisas imaginar que adestramento de animais; ou se usava porque uma de apenas a educação em família e somente o castigo físico minhas filhas, especializada nessa área, afirma que, hoje têm como resultado o medo de desobedecer a autoridades em dia, nem com animais se empregam esses processos externas, já que são vários os fatores que podem levar ao punitivos. Para se ter idéia de como funciona esse método, conformismo despersonalizador, destacando-se, dentre basta mencionar o que escrevem Al e Pat Fabrizio em um eles, a pressão de grupo. De qualquer forma, as livreto intitulado Under Loving Command, publicado experiências em família são sempre elementos originalmente em 1969 sob o título Children – Fun or predisponentes para uma maior ou menor resistência ao Frenzy, até hoje editado e muito lido. Eles contam que, conformismo. certo dia, durante o culto doméstico, um dos filhos Cabe observar que podem ser distinguidos dois pequenos recusou-se entre lágrimas, a fazer alguma coisa tipos de obediência: é possível, evidentemente, obedecer a que o pai lhe ordenara. Mais tarde, quando a criança já ordens externas e demonstrar adesão às normas de um estava dormindo grupo sem que interiormente se aceitem tais normas; já o Sentados, um ao lado do outro, conversamos e tipo de obediência que aqui nos interessa é a “aceitação chegamos à convicção de nós é que não estávamos íntima”, ou seja, na qual a atitude interior do indivíduo é obedecendo e devíamos começar a obedecer de concordância com crenças e comportamentos do imediatamente, por amor a nosso filho. E assim, o grupo. [KIESLER,C. A. & KIESLER, S. B., Conformity. pai foi ao quarto dele e o acordou. Sentou-o no (1969). Menlo Park, CA: Addison-Wesley.] colo e contou que nós não sentíamos paz a Há outro ponto que merece destaque: quando os respeito do que acontecera. Confessamos ao nosso métodos de disciplinar se baseiam em produzir medo do filho que não tínhamos obedecido ao Senhor, o castigo, ou seja, no uso da força violenta por parte dos qual desejava que levássemos nosso filho a nos educadores, o mundo passa a ser percebido pela criança, e obedecer. O pai disse que teria de usar a vara da depois pelo adulto, em função de relações de poder ; ao correção. E o fez. Depois, tomou-o em seus aproximar-se de outra pessoa, o que importa a quem braços, confortou-o, levou-o a fazer o que ele passou por uma educação autoritária é saber se esse outro tinha pedido antes, depois colocou-o de volta na pode contribuir para sua própria sensação de poder, se cama. [FABRIZIO, A & P. (1972). Crianças – deve submeter-se ao controle dela ou, ao contrário, se Prazer ou Irritação? São Paulo: Sepal, p.14.] pode controlá-la. A fraqueza, e a conseqüente Os autores descrevem como a criança se tornou inferioridade em situações de competição, é vista como dócil em conseqüência de que o Senhor lhes “deu a graça” uma fraqueza fatal à qual estamos expostos. [Minhas de usar a vara sempre que não eram obedecidos . considerações sobre esse tema—educação autoritária e Resultado: aprendeu a “viver acima de suas emoções” (p. deformação da consciência moral—baseio-me 15). Ou seja, o medo do castigo passou a sobrepujar todas substancialmente no que diz Peter Fletcher em seu notável as outras emoções, mesmo as espontâneas e legítimas que, livro Emotional Problems. (London: Pan Books, 1972.)] eventualmente, contrariassem a vontade dos pais. È O que domina sua atenção em qualquer ambiente humano provável que em tais condições, a criança não apenas é descobrir quem manda em quem. Como não poderia deixe de expressar o que sente, como também deixa de deixar de ser, em suas concepções teológicas, o atributo entrar em contato com seus sentimentos; ela passa a que melhor caracteriza Deus é o poder; todas as outras querer o que as autoridades querem, a gostar do que lhe qualidades divinas tais como a justiça e o amor exigem que goste; seus sentimentos mais autênticos lhe subordinam-se ao poder absoluto e são por este, de tal causam ansiedade e são logo reprimidos. Eis aí um forma contaminadas que podem tornar-se irreconhecíveis. exemplo da “pinoquização ao contrário”, isto é, de como Esse tipo de mentalidade, aliás, é o terreno em que um menino saudável é transformado em boneco de pau, vicejam todas as ideologias totalitárias. usando a feliz expressão do teólogo e educador brasileiro Rubem Alves para descrever um triste fenômeno. E tal resultado é apregoado como um sucesso do método e como uma prova da sabedoria dos pais, fruto de sua obediência à Palavra de Deus. [Na educação de crianças, nem sempre é possível evitar algum tipo de punição. Algumas formas de castigo, no entanto, têm efeito apenas transitório, ou seja, não criam condicionamentos. Assim, à medida que for amadurecendo, a criança poderá optar por continuar ou não a obedecer a determinada imposição paterna. Essa possibilidade de opção fica descartada quando são criados condicionamentos baseados no medo.] Uma conseqüência inevitável dessa foram de educar, como já apontei acima, é a introjeção da imagem de um Deus sem compaixão, pronto a castigar, que não tolera nada que possa parecer desobediência à sua Palavra. A consciência, que poderia e deveria ser o