O jeito Mumford de escrever artigos acadêmicos nas Humanidades
Stephen Mumford (@SDMumford)
Tradução (livre) de Prof. Flavio Williges (Departamento de Filosofia/UFSM)
1. Por que um método de escrita?
Eu não digo que sou um escritor acadêmico brilhante, mas
sou produtivo. Eu termino as coisas no prazo. Isso
acontece só porque descobri um método de escrita.
Ele pode não funcionar para todo mundo, mas pode
ser útil para aqueles que consideram a escrita
acadêmica estressante, difícil ou um processo de
trabalho intenso.
O método foi concebido para produzir resultados: minimizar
o tempo gasto com a escrita de um artigo e também
reduzir o coeficiente de material não utilizado, que vai
para o lixo.
Ele foi concebido para funcionar bem num segundo sentido:
assegurar que os artigos incluam todos os pontos,
argumentos e evidências que você quer incluir e que o
material esteja estruturado da melhor maneira possível.
Eu sou um filósofo, mas eu não vejo razão para não usar esse
método em qualquer área das humanidades; em qualquer
formação que dependa da escrita de ensaios. A escrita
acadêmica nas ciências pode ser um pouco diferente, de
modo que o método pode não se aplicar nesse domínio.
2.O que acontece se você não tem um método?
No começo da minha carreira, eu costumava simplesmente
começar escrevendo um tópico e vendo onde ele conduziria.
Eu frequentemente não tinha nenhuma idéia, quando
começava, de onde terminaria e quais seriam minhas
conclusões. Eu queria simplesmente explorar argumentos.
Eu considerava esse processo valioso. Eu descobria coisas
novas e terminava com uma conclusão que surpreendia a mim
mesmo. Eu me sentia original, autêntico, mas não realizado. A
escrita era um processo de descoberta.
Como um grande número de escritores acadêmicos, eu pensava
que só poderia pensar na frente da página, conforme escrevia.
Eu acreditava que somente quando tomado por tal
concentração, eu realmente entenderia as questões.
Contudo, os esboços produzidos foram quase sempre
inteiramente inúteis. O começo do artigo não combinava com
o final, o que, aliás, não era nada surpreendente, dado que o
final resultava das descobertas que ocorriam durante a escrita.
E ficava virtualmente impossível remendar os esboços que eu
tinha. A ordem dos parágrafos e todas suas frases de ligação
eram ditadas pela linha de raciocínio e tudo estava em
elaboração.
Assim, meu próximo passo era produzir outro esboço completo
desde o começo. E então eu estava novamente pensando na
página, seguindo o pensamento por onde ele me levasse, às
vezes sem nenhum resultado (chasing rabbits down holes). Eu
estava simplesmente repetindo o que agora concebo como um
processo desorientado.
Eu ainda tenho múltiplos esboços (escritos à mão) de alguns dos
meus primeiros artigos. Escrevi cinco vezes um desses artigos.
É um bocado de tempo para perder num processo de escrita
desagradável. E ainda acredito que existam pontos, na versão
definitiva, que não se sustentam.
Eu repito para os estudantes quando os advirto sobre a escrita de
ensaios que eles devem saber suas conclusões antes de
começar a escrever e, prefencialmente, devem colocar isso no
começo do ensaio, bem como no final. Fazendo isso, você
saberá para onde exatamente está indo e identificará a direção
certa desde o começo.
Considerando todo esse processo doloroso, percebi que precisava
de algo completo e radicalmente novo. O método- que meus
amigos apelidaram de método Mumford- evoluiu num ano ou
mais, de modo que eu o considero incrivelmente útil, quando
adotado e praticado. Eu o tenho usado desde então.
O método está baseado na separação do pensamento e da
concepção dos argumentos do processo de escrever. Eu
detalharei agora o método.
3. O resumo (abstract
Primeiro: o pensamento. Eu acho que ajuda tomar nota dos meus
pensamentos rapidamente e de um modo que eu não tenha
que me preocupar com estilo ou, pelo menos no começo, com
a estrutura.
Eu quero ser capaz de ver todos os pontos que tenho e então
pensar depois sobre como organizá-los. Eu uso uma fonte
pequena e me parece bem melhor dividir a página em duas
colunas, parecendo exatamente como o documento que você
está lendo agora.
Eu anoto os pontos tão brevemente quanto possível. Eu só quero
tê-los tal como foram estabelecidos de modo a permitir ver o
que acredito, o que se segue do que, o que se conecta com o
que, e assim por diante.
Uma vez que tenho algumas idéias anotadas, começo a ver como
elas podem formar uma estrutura, em virtude de suas
interconexões. Conforme o material se avoluma, vou
introduzindo subtítulos que tornam a estrutura clara.
4. O handout (resumo)
Meu resumo, eu acho, pode também ser usado como um resumo
muito útil. Ele contém todos os principais pontos de uma
palestra tal que o estudante ou os membros da audiência não
precisem tomar notas e podem se concentrar apenas em
entender o que está sendo dito. Isso os ajuda e me ajuda. Eu
recebo questões melhores no final.
Meu resumo é assim, também, o handout da minha palestra e eu
considero que ele funciona realmente bem. Eu posso ter
contato visual com a platéia, pois eles não estão rabiscando
coisas. E o argumento completo está aí para mim também. Eu
posso expor a partir do handout e não preciso de nenhuma
anotação adicional. Eu só distribuir um punhado de handouts
e ficar com um deles antes de distribuí-los.
É melhor usar os dois lados do handout, imprimindo frente e
verso numa folha de papel simples. Ocasionalmente, o
argumento é exposto em detalhes e é necessário usar mais
folhas, mas eu tento evitar isso.
Não esqueça de incluir o endereço eletrônico ou o nome (do
twitter) no handout, de modo que as pessoas possam fazer
contato depois, se uma nova objeção ou uma nova idéia lhes
ocorrer.
5. O retorno (feedback)
Aqui nós temos a essência do método Mumford. Ele depende do
tempo para reflexão e retorno, de modo que o handout pode
precisar de múltiplas versões.
Eu gosto de apresentar um artigo muitas vezes. Isso me força a
pensar e repensar as idéias, mas também significa que eu
tenho um novo conjunto de idéias para uma discussão
subseqüente.
Eu posso incorporar novos pontos numa nova versão do handout
para as próximas vezes em que for apresentar. Por exemplo,
quando argumento que causas não provocam
necessariamente seus efeitos, nós (foi um artigo em co-autoria
e co-apresentação- mais sobre isso depois) colhemos uma
série de objeções das diferentes platéias. Nós conseguimos
prosseguir, pensar nelas e encontrar boas respostas. Essas
respostas foram incorporadas nas versões subseqüentes do
handout.
6. A reelaboração
O handout pode crescer organicamente conforme seu
pensamento amadurece. Em um caso (meu artigo ‘Negative
Truth and Falsehood’), aprsentei o material em torno de 15-20
vezes em dois anos, em cinco continentes, mudando-o o
tempo todo. No final, eu estava bastante confiante que eu
tinha pensado bastante e respondido todas as principais
objeções (OK,eu devo ainda ter deixado de fora algo, mas as
coisas são assim nas Humanidades: não há tal coisa como um
artigo perfeito, mas há artigos perfeitamente dentro do prazo).
O handout contém toda a estrutura num pequeno espaço. A
estrutura é visível em uma ou duas olhadelas. E é então muito
fácil ajeitá-la, cortando e colando-as, experimentando uma
nova ordenação dos pensamentos, por exemplo. É muito fácil
mudar a estrutura.
Eu tenho muita sorte em receber convites para falar. Mas o
retorno pode vir de qualquer outra fonte. Se você é um
estudante de pós-graduação, por exemplo, você pode estar
envolvido em seminário de pós-graduação. Ou você pode
distribuir o handout e solicitar comentários.
Você provavelmente receberá comentários de um breve esqueleto
de seu artigo, que não exigirá muito tempo para ler, do que se
você apresentar a alguém um esboço completo de 30 páginas.
Um leitor pode ver rapidamente em que estágio você está
rapidamente e dizer se acredita que você tem uma tese viável.
7. A escrita
Somente quando estou confiante que o artigo está pronto, eu o
escrevo. E como todo o processo de pensar já foi feito, eu só
preciso fazer uma versão do artigo. Claro que eu tenho que
procurar erros de digitação, gramática e expressões
idiomáticas menores, mas o artigo ainda continua muito
parecido com a primeira versão. Eu nunca descarto um artigo
esboçado.
Quando escrevo, me concentro na apresentação e no estilo. Eu
não estou preocupado com os conflitos agonizantes de pensar
coisas difíceis e, ao mesmo tempo, tentar produzir uma
exposição delas. Aqueles dois processos são muito difíceis de
combinar. Como você pode produzir uma explicação clara e
simples de algo com que você mesmo está se debatendo?
As pessoas frequentemente comentam que minha escrita é clara
e que eu consigo fazer questões difíceis parecerem simples. É
por isso: eu fiz todas as revisões e acertos do material antes de
tentar apresentá-lo. Eu sei exatamente o que irei dizer antes
de começar a escrever.
Alguns comentam que não sabem o que eles querem dizer antes
de começar a escrever. Mas isso não pode ser verdadeiro. Não
existe tal coisa como começar a pensar que está escrevendo
sobre a teoria ética de Kant e terminar com um artigo sobre os
insights sociológicos da Coronation Street. Nós todos, em
algum grau, devemos planejar com antecedência o que
queremos dizer. O método Mumford é simplesmente fazer
este planejamento tão completo e robusto quanto possível e
fazer uma distinção mais clara entre os argumentos e sua
apresentação.
8. Livros
Eu apresentei o tema em termos da escrita de um artigo. É
desnecessário dizer que não há razões contrárias à escrita de
um livro ou tese de doutorado seguindo esse método.
Escrever um resumo para cada capítulo e mantê-lo
continuamente por um longo período de tempo,
constantemente revisando a estrutura dos capítulos
individuais, mas também o todo.
Eu gosto de escrever livros. Eu gosto do desafio de tratar
paralelamente com os detalhes e com uma visão ampla dos
problemas. O método permitirá ao autor ter um olho em cada
um desses pólos. Para seus dez capítulos, você pode ter dez
folhas de papel com os argumentos de todo o livro. Você pode
misturá-los e depois ver como se encaixam em cada capítulo.

9. Co-autoria

Uma descoberta recente é que esse método ajusta-se

excepcionalmente bem à co-autoria. O grande desafio de
escrever em co-autoria é concordar em algo que ambos ou
todos acreditam. Se você começa com um resumo, então você
pode discutir os argumentos amplamente e se certificar antes
que qualquer um comece a escrever.
Eu co-escrevi um livro inteiro e vários artigos dessa forma. Nós
gastamos muito tempo discutindo, produzindo resumos,
discutindo-os, revisando-os, e assim por diante. Quando
estávamos satisfeitos com o que estava pronto, o esboço
completo podia ser escrito. Não importava qual co-autor
produzia o esboço (nós partilhamos essas responsabilidades).
Não havia nenhuma surpresa desagradável para o outro autor
quando o esboço era recebido.

10. Se você gostar disso...

Se o método Mumford te pareceu interessante, vá em frente e

teste-o e depois me conte o que você achou. Eu tornei público
esse documento em Word propositadamente, pois você pode
baixá-lo, reescrevê-lo com seu próprio material, preservando,
porém, o formato. Eu ficarei muito grato se vir outros autores
usando meu modelo.
Se há alguma sugestão útil, eu posso reelaborar o documento
continuamente. Esse é o método Mumford!