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José Outeiral*
RESUMO
V i v e m o s h o je n a é p o c a d o s o b je t o s p a r c i a i s , t i jo l o s e s t i l h a ç a d o s e m fr a g m e n t o s
e r e s íd u o s .
Deleuze
de fantasia, que se seguiu à teoria do escreveu que “não existe esta coisa de
trauma da sedução, não é incompatível um bebê sem uma mãe”; eu acrescento,
com acontecimentos reais. A percepção não sendo nada original, que não existe
da realidade, como sabemos, é, então, mãe sem pai e que mesmo a ausência
influenciada pelos avatares do desenvol- deste é, paradoxalmente, uma presença
vimento e dos processos maturacionais marcante. S igo a linha de pensamento de
— a n e u r o s e i n fa n t i l , por exemplo —, Donald Winnicott, que ao escrever que
ocasionando contatos tanto com o b je t o s não existe bebê sem mãe está também
s u b je t iv a m e n t e c o n c e b i d o s como com registrando que não existe mãe, nem bebê,
o b je t o s o b je t iv a m e n t e p e r c e b id o s e sem pai, sem família. Até agora é prová-
propiciando um espaço de transicionali- vel que o leitor não tenha encontrado
dade. Espaço este onde acontecem os nenhuma novidade na leitura deste breve
objetos e fenômenos transicionais, tercei- ensaio: peço um pouco mais de paciência.
ro espaço, espaço paradoxal, que não O que quero trazer é que S igmund Freud
pertence nem ao bebê nem à mãe e, ao deu, sim, importância não só ao mundo
mesmo tempo, pertence a ambos. Espaço interno e à fantasia, mas reconheceu
que propicia o ingresso no Real. Espaço também a existência da mãe e do pai
de repouso, de amorfia, do gesto espontâ- reais. Com a s é r i e c o m p l e m e n t a r (1 91 6)
neo, da criatividade e da criação da cultu- ele nos permite mais uma articulação do
ra (Outeiral, 2003). que escrevo. Na conhecida b o u t a d e de
Sigmund Freud era um homem eru- Donald Winnicott (o mais freudiano dos
dito, conhecedor da cultura, que viveu psicanalistas nascidos na Inglaterra, pro-
dentro de um contexto familiar específi- voco), quando ele lembrou aos membros
co: uma família judia pequeno-burguesa, da Sociedade Britânica de Psicanálise
na Viena do fi n d u s i è c l e XIX e nas que, a despeito das discussões que esta-
primeiras décadas do século XX. Seu vam sendo travadas, em torno das contro-
olhar, como não poderia ser diferente, vérsias Klein-Anna Freud, Londres esta-
tem este viés. Seus biógrafos escreveram va sendo bombardeada naquele momento
detalhadamente sobre este tema e é des- pelos nazistas, ele registrou a importância
necessário que eu me estenda além desta do Real, reafirmando, assim, como sem-
breve observação. pre o fez, sua filiação freudiana. A família
É no conceito de d e s a m p a r o , que é Real: sua percepção, entretanto, nem
considero de extrema significação na obra sempre o é.
de Freud, tanto do ponto de vista teórico Pelo que escrevo quero gizar o
como clínico, que encontramos outra óbvio: o ser humano depende em seu
amarração que inevitavelmente nos leva d e s a m p a r o , físico e psíquico, aspectos
à importância da família em seu pensa- que ele irá progressivamente integrando
mento. Donald Winnicott, freudianamente, através da p e r s o n a l i z a ç ã o , de um a m b i -
beres, antes dos dez anos, com sete ou O período de latência, por exem-
oito anos. Penso, inclusive, e não vejo plo, sofre com estas novas condições. É
originalidade nisto, que o conceito de in- sobre ele que a adolescência lança sua
fância, como período de desenvolvimento “turbulência”, antes que exista uma men-
com direitos e necessidades específicas, te capaz de lidar com as questões desta
estabelecido pelo Iluminismo, sofre a hi- etapa. Abortada ou invadida a latência
pótese de profundas transformações. deixa de cumprir suas tarefas, tão essen-
Alguns autores referem sobre a d e s i n - ciais ao desenvolvimento.
v e n ç ã o d a i n fâ n c i a , inclusive, sobre a Necessitamos então falar em fa-
d e s i n v e n ç ã o d o b r i n c a r . Temas a se- mílias e sustentar, freqüentemente, um
rem desenvolvidos em um outro momen- não-saber sobre elas.
to. Há algumas décadas se transitava da
infância ao mundo adulto através de al- Arremate
guns rituais de iniciação e em um curto
espaço de tempo. Com o desenvolver da Minha intenção é convidar o leitor
adolescência, a partir da metade do sécu- a realizar algumas reflexões sobre as
lo passado, com esta invadindo a infância diferentes configurações e possibilidades
e o mundo adulto, temos a adolescência que envolvem as questões familiares. Não
não só como período de desenvolvimento, busco a linearidade ou a estrutura acadê-
mas, também, como um estilo de vida nas mica. Escrevo como se estivesse falan-
sociedades urbanas contemporâneas. É a do. Espero que o leitor, durante a leitura,
“adultescência”, contração de adulto e construa seu próprio texto; que traga suas
adolescente, palavra que consta no Dici- idéias e expresse suas discordâncias. O
o nário O xford. Te mos també m os que escrevi deverá ficar numa curva do
k i d a d u lt s , adultos que abandonam sua caminho.
posição e passam a agir de uma forma
infantil. Assim, poderemos considerar a REFERÊNCIAS
hipótese, fazendo uma brincadeira, de
que os adultos correm o risco de se Ariès, P. (1 981 ). A h i s t ó r i a s o c i a l d a
transformarem em uma espécie em ex- c r i a n ç a e d a fa m í l i a . Rio de Janei-
tinção, assim como o tamanduá-bandeira ro: LTC.
e o boto-rosa.. . Observo, por exemplo, e
não é raro, nas escolas, o “desapareci- Freud, S. (1 976). Conferências introdutó-
mento” dos adultos A falência das fun- rias sobre psicanálise: Conferência
ções de adulto origina, é óbvio, severos XXII: Algumas idéias sobre desen-
problemas ao desenvolvimento das crian- volvimento e regressão. Etiologia. In
ças e dos adolescentes e profundas trans- S. Freud, E d i ç ã o s t a n d a r d b r a s i -
formações nos papéis familiares. le ir a da s o b r a s ps ic o ló g ic a s c o m -
p l e t a s d e S i g m u n d F r e u d (Vol. 1 6,
pp. 397-41 7). Rio de Janeiro: Imago.
(Trabalho original publicado em 191 6-
1 91 7. )
Jamelson, F. (1 997). A s s e m e n t e s d o
t e m p o . São Paulo: Ática.
SUMMA R Y
F a m il ie s a n d c o n te m p o ra ry tim e s
Th e a u th o r p re s e n ts a n i n ve s ti g a ti o n o n fa m il y i s s u e s , a p p ro a c h i n g i ts c u l tu ra l
a n d p s yc h i a tri c a s p e c ts , ta kin g in to c o n s i d e ra ti o n th e c h a n g e s th a t e ffe c t c o n te m p o ra ry
fa m i li e s .
K e y w o rds : F a m i ly. C h a n g e s wi th i n fa m i ly e n vi ro n m e n t. C o n te m p o ra ry fa m i li e s .
R ES UM EN
F a m i lia s y c o n te m p o ra n e da d
E l a u to r re a li z a u n re c o rri d o a c e rc a d e la s c u e s ti o n e s fa m i li a re s , s u s a s p e c to s
c u l tu ra le s y p s íq u i c o s , c o n s i d e ra n d o la s tra n s fo rm a c i o n e s q u e a ti n g e n la s fa m ili a s
c o n te m p o rá n e a s .
P a la b ra s - c la v e : F a m i li a . T ra n s fo rm a c i o n e s e n la fa m i li a . F a m ili a s c o n te m p o râ n e a s .
José Outeiral
R. 24 de outubro, 838/302
90510-000 Porto Alegre, RS
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