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FAMÍLIAS E CONTEMPORANEIDADE

José Outeiral*

RESUMO

O autor reali za um recorrido sobre as questões familiares, nos aspectos culturais


e psíquicos, considerando as transformações q ue atingem as famílias contemporâneas.

Palavras-chave: Família. Transformações fami liares. Fam ílias contemporâneas.

V i v e m o s h o je n a é p o c a d o s o b je t o s p a r c i a i s , t i jo l o s e s t i l h a ç a d o s e m fr a g m e n t o s
e r e s íd u o s .
Deleuze

Uma breve contextualização inicial

Os textos onde Sigmund Freud aborda as


questões relacionadas à cultura, especialmente
aqueles escritos após a década de 20, nos revelam
uma preocupação crescente com os grupos, com
a família e com a cultura. Ao definir em A l é m d o
p r i n c í p i o d o p r a z e r , por exemplo, a função da
mãe como e s c u d o p r o t e t o r ele nos dá um dos
inúmeros exemplos encontrados em sua obra da
importância daquilo que Donald Winnicott con-
ceituará como a m b i e n t e fa c i l i t a d o r , a família e
a sociedade.
É evidente que a psicanálise, centrada
especialmente no complexo de Édipo e pelos
acontecimentos pré-edípicos, é perpassada pelos
acontecimentos emocionais, resultado da intera-
ção entre a realidade e a fantasia, ocorrida no
âmbito do grupo familiar. Por outro lado, é opor-
tuno não esquecer, como está escrito em um pé de
*
Membro Titular e Didata da SPP e página do Caso Dora, que Freud nunca abriu mão
Membro Convidado da SBPRJ. integralmente do trauma da sedução; o conceito

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de fantasia, que se seguiu à teoria do escreveu que “não existe esta coisa de
trauma da sedução, não é incompatível um bebê sem uma mãe”; eu acrescento,
com acontecimentos reais. A percepção não sendo nada original, que não existe
da realidade, como sabemos, é, então, mãe sem pai e que mesmo a ausência
influenciada pelos avatares do desenvol- deste é, paradoxalmente, uma presença
vimento e dos processos maturacionais marcante. S igo a linha de pensamento de
— a n e u r o s e i n fa n t i l , por exemplo —, Donald Winnicott, que ao escrever que
ocasionando contatos tanto com o b je t o s não existe bebê sem mãe está também
s u b je t iv a m e n t e c o n c e b i d o s como com registrando que não existe mãe, nem bebê,
o b je t o s o b je t iv a m e n t e p e r c e b id o s e sem pai, sem família. Até agora é prová-
propiciando um espaço de transicionali- vel que o leitor não tenha encontrado
dade. Espaço este onde acontecem os nenhuma novidade na leitura deste breve
objetos e fenômenos transicionais, tercei- ensaio: peço um pouco mais de paciência.
ro espaço, espaço paradoxal, que não O que quero trazer é que S igmund Freud
pertence nem ao bebê nem à mãe e, ao deu, sim, importância não só ao mundo
mesmo tempo, pertence a ambos. Espaço interno e à fantasia, mas reconheceu
que propicia o ingresso no Real. Espaço também a existência da mãe e do pai
de repouso, de amorfia, do gesto espontâ- reais. Com a s é r i e c o m p l e m e n t a r (1 91 6)
neo, da criatividade e da criação da cultu- ele nos permite mais uma articulação do
ra (Outeiral, 2003). que escrevo. Na conhecida b o u t a d e de
Sigmund Freud era um homem eru- Donald Winnicott (o mais freudiano dos
dito, conhecedor da cultura, que viveu psicanalistas nascidos na Inglaterra, pro-
dentro de um contexto familiar específi- voco), quando ele lembrou aos membros
co: uma família judia pequeno-burguesa, da Sociedade Britânica de Psicanálise
na Viena do fi n d u s i è c l e XIX e nas que, a despeito das discussões que esta-
primeiras décadas do século XX. Seu vam sendo travadas, em torno das contro-
olhar, como não poderia ser diferente, vérsias Klein-Anna Freud, Londres esta-
tem este viés. Seus biógrafos escreveram va sendo bombardeada naquele momento
detalhadamente sobre este tema e é des- pelos nazistas, ele registrou a importância
necessário que eu me estenda além desta do Real, reafirmando, assim, como sem-
breve observação. pre o fez, sua filiação freudiana. A família
É no conceito de d e s a m p a r o , que é Real: sua percepção, entretanto, nem
considero de extrema significação na obra sempre o é.
de Freud, tanto do ponto de vista teórico Pelo que escrevo quero gizar o
como clínico, que encontramos outra óbvio: o ser humano depende em seu
amarração que inevitavelmente nos leva d e s a m p a r o , físico e psíquico, aspectos
à importância da família em seu pensa- que ele irá progressivamente integrando
mento. Donald Winnicott, freudianamente, através da p e r s o n a l i z a ç ã o , de um a m b i -

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Fa m ília s e c o n te m po ra n e ida de

e n t e fa c i l i t a d o r (m ã e s u fi c i e n t e m e n t e que em um determinado momento, que


b o a ou m ã e d e v o t a d a c o m u m ) que se poderá ocupar algumas gerações, ocorre
revele s u fi c i e n t e m e n t e b o m . Vou pou- uma “ruptura”, surgindo momentos de
par o leitor de uma “revisão da literatura” instabilidade, incertezas e mudanças brus-
e falar de minha experiência clínica. Creio cas, e após uma nova etapa se estabele-
que agora posso seguir adiante, após ter ce. Foi assim, por exemplo, ao final do
trazido estas considerações. Medievo, em torno dos séculos XV e
XVI, quando a Modernidade começou a
A clínica do cotidiano se estruturar.
Uma metáfora que costumo utili-
A clínica do cotidiano nos permite zar para dar maior nitidez ao que escrevo
constatar que, efetivamente, uma série de (valendo sempre lembrar, com W. Goe-
paradigmas e valores de nossa sociedade, the, que “.. .a nitidez é uma conveniente
circunstâncias que se mantiveram relati- distribuição de luz e sombra. .. ”, ou seja,
vamente estáveis no decurso de várias que não pretendo “explicar tudo”, deixan-
gerações que nos antecederam, estão do ao leitor parte do trabalho) é o movi-
sendo contestados, modificados e, mes- mento das placas tectônicas. Estas pla-
mo, substituídos por outros muito diferen- cas, que formam a superfície terrestre,
tes. Esta observação pode ser descrita durante longos espaços de tempo, apa-
como o “advento” da c o n d i ç ã o p ó s - rentemente (pois, na verdade, estão em
m o d e r n a (ou “. .. a lógica cultural do capi- constante movimento e gerando quanti-
talismo tardio”, como define F. Jamelson), dades fantásticas de energia), parecem
ou seja, a etapa intermediária entre o estar em repouso, até que o acúmulo de
“esgotamento” da Modernidade e o perí- energia produz movimentos perceptíveis
odo que a irá suceder e que não sabemos, que denominamos terremotos e novas
exatamente, como será. Prefiro, entre- aparentes acomodações surgem então.
tanto, usar as expressões a lt a m o d e r n i - Não esqueçamos que nosso continente
d a d e ou c u l t u r a c o n t e m p o r â n e a . Peço era unido à África e era denominado
ao leitor que considere que as condições de Pangéia. Estas novas acomodações da-
nosso país dificultam a utilização da expres- rão lugar a novos terremotos e assim
são c o n d i ç ã o p ó s - m o d e r n a , pois a Mo- sucessivamente em um movimento contí-
dernidade nem bem se instalou entre nós. nuo. Com o desenvolvimento da socieda-
Na sociedade humana, desde os de humana acontece algo parecido: a
seus primórdios, sempre foi assim: duran- Idade Média, como comentei antes, foi
te certo espaço de tempo, às vezes, abran- “estável” durante alguns séculos, ocorreu
gendo alguns séculos, uma série de ele- então um “terremoto” que perdurou algu-
mentos sociais, econômicos e culturais mas gerações, e se estabeleceu, então, a
permanece aparentemente estável até Idade Moderna.

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É possível, pensam alguns autores, ideário da Revolução Francesa de 1 779


que estejamos vivendo um “terremoto” — liberdade, igualdade e fraternidade —
— a c o n d i ç ã o p ó s - m o d e r n a , período de propiciou o surgimento da Revolução In-
transição entre a Modernidade e o que a dustrial, a noção de Estado nacional, o
irá suceder.. . Logo surge a pergunta so- respeito pelas leis constitucionais e pelo
bre quais fatores provocam estas “mu- cidadão, uma ênfase sobre a razão e no
danças”. Voltemos, por breves instantes conhecimento científico, o estabelecimen-
e com uma lente de maior aumento, até à to da “família burguesa”, configurando
Idade Média, caracterizada, especialmen- uma visão de mundo considerada como o
te, pela estrutura feudal e por uma visão Iluminismo, período das luzes, em oposi-
de mundo teológica. O desenvolvimento ção à chamada idade das trevas, a Idade
do comércio trazido pelas grandes nave- Média.
gações, o avanço do conhecimento cien- Neste período um novo conceito
tífico sobre a interpretação teológica do de família a fa m í l i a b u r g u e s a , surge,
mundo, a razão contra o misticismo, o como descreve Philippe Ariès. A própria
desenvolvimento das cidades e do comér- arquitetura doméstica se modifica, apare-
cio (surgem os “burgos”, as cidades, muitas cendo a idéia de p r i v a c i d a d e e, por
vezes cidades-Estados, e os burgueses, exemplo, os quartos de dormir, o que não
uma nova classe social) provocam ruptu- existia, praticamente, até então; todos
ras e mudanças. A invenção da imprensa costumavam dormir em uma mesma peça,
(a descoberta de J. Gutemberg [1 397- adultos, crianças e visitantes ocasionais,
1 468]) colocou o conhecimento obtido próximos ao local das refeições, espaço
por meio de livros e da Bíblia — a primeira aquecido. A privacidade está ligada à
Bíblia impressa surgiu em 1 454 — ao crescente noção de i n d iv íd u o ; cada pes-
alcance de muitos. O que antes era restri- soa buscando, agora, uma individualida-
to ao trabalho dos monges copistas e que de, ser “diferente”, único: um s u je i t o .
permanecia na posse da Igreja originou O crescimento das cidades criou
transformações que o livro de Humberto também os sobrenomes, os nomes-de-
Eco, O n o m e d a r o s a , relata de forma família, pois, se nas pequenas aldeias
magnífica. São inúmeras as novas condi- todos se conheciam e a genealogia era
ções e na esteira deste processo surge a sabida pela comunidade, na cidade era
Reforma Protestante; enfim, um sem- necessário n o m e a r a família para dar
número de fatores sociais, econômicos e identidade: o pescador passou a se cha-
culturais se modificaram. Houve um es- mar Johan Fischerman. .. ou o emigrante
vaziamento do Medievo nos séculos XV, português, vindo ao Brasil no século XVIII,
XVI e XVII e o nascimento e o desenvol- para lutar nas guerras cisplatinas, chama-
vimento da Modernidade. A Modernida- do Manuel e habitante da pequena Vila
de que é representada, por exemplo, pelo dos Outeiros, região de outeiros — mor-

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ros — ao norte de Portugal e na região da ano de minha prática, que representa


Galícia, passou a ser chamado de Manuel mais de três décadas de atividades como
Outeiral. .. O “a l ” acrescido pela influên- médico, psiquiatra e psicanalista com cri-
cia moura de quase novecentos anos de anças, adolescentes e suas famílias. Não
domínio na Ibéria. Uma consideração tenho o intento de estar construindo um
interessante é que, quando o camponês p a p e r ou ser um s c h o l a r , mas sim o de
começou a migrar para a cidade e neces- estar buscando interlocutores para discu-
sitou de um outro nome, a expressão tir as experiências e buscar a síntese de
inglesa arcaica para tanto era “u m e i k e um conjunto de idéias que possa ser capaz
n a m e ” (“um outro nome”), palavras que de realizar hoje.
consignavam uma identidade. Quinhen- Trago, agora, ao leitor algumas
tos anos depois esta expressão deu ori- considerações sobre as transformações
gem a uma outra, “n i c k n a m e ”, apelido, sofridas pelas famílias, depois de muitas
que nos remete ao falso, ao fa k e do gerações com uma aparente estabilidade.
ciberespaço pós- moderno, algo que pro- O leitor deve considerar que neste
move a descentralização e a descontex- recorrido histórico que faço, perpassado
tualização do sujeito e de sua identidade. pela busca de compreender as estruturas
Como sempre as palavras são revela- familiares, busco, agora, falar das famíli-
doras. as contemporâneas.
Esta passagem não se realizou sem Nos últimos cem anos a humanida-
“traumas”, mas sim através de “turbulên- de acumulou uma quantidade tal de novos
cias”, às vezes fraturas bruscas e outras conhecimentos como, talvez, nunca tenha
numa suave d é c o u p a g e , que envolveu, acontecido antes. Foi possível filmar o
muitas vezes, a vio lênc ia: Nico lau primeiro vôo de um aparelho mais pesado
Copérnico e Galileu Galilei são exemplos que o ar, com Santos Dumont e o 1 4 - B i s ,
destes tempos de mudança. As novas em Bagatelle, e antes de completar um
idéias colocavam em risco os paradigmas século filmar o homem pisando na Lua.
e valores da época e muitos foram puni- As possibilidades de comunicação torna-
dos, na verdade, na busca do Poder em ram-se fantásticas e a cibernética nos
banir as novas idéias laicas e o espírito deu novas dimensões nos relacionamen-
científico que elas representavam. O con- tos e na busca de informações. Os teóri-
ceito de W. Bion sobre m u d a n ç a c a t a s - cos que estudam a pós- modernidade nos
t r ó fi c a nos auxilia a compreender, desde falam do apagamento da noção de s u je i -
o social ao individual, o significado destas t o , substituído pela p e s s o a - c o i s a , um
transformações. g a d g e t . Noção de s u je i t o , s u je i t o p s í -
Embora utilize, obviamente, refe- q u i c o , tão cara à Modernidade. Estes
renciais teóricos, quero dirigir minhas idéias autores comentam sobre o final da histó-
e minha escrita pela clínica e pelo cotidi- ria. Referem sobre a fragmentação, da

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cultura da banalização e do descartável. sos graus de parentesco (avós, tios, pri-


Agora temos um hipercorpo, constituído mos, etc. ), habitando espaços próximos e,
por próteses eletrônicas, que nos ligam, muitas vezes, participantes de uma mes-
nos mantêm o n - l i n e , em um mundo glo- ma atividade produtiva, oferecia à crian-
balizado. Globalização que globaliza tam- ça e ao adolescente uma rede familiar de
bém o desejo. A cultura da banalização e proteção, no caso de dificuldades por
do descartável é evidente. O tempo fa s t parte dos pais, assim como um maior
nos apresenta uma geração d e l i v e r y . número de modelos para identificação
Enfim, não pretendo sobrecarregar o lei- (mais uniformes, coerentes e estáveis e
tor com o já conhecido, mas colocar os pertencentes a uma mesma cultura). Este
fatos que nos auxiliarão a pensar melhor grupo familiar é próprio das zonas rurais
as condições do s u je i t o contemporâneo e e dos pequenos vilarejos do interior. Com
das estruturas familiares que constituem a rápida migração para os grandes cen-
o seu a m b i e n t e fa c i l i t a d o r , como escre- tros urbanos passamos a encontrar a
veu Donald Winnicott. fa m í l i a n u c l e a r , constituída por um casal
Vejamos, então. (ou somente pela mãe, em pelo menos um
Na década de 70 (século XX) as terço das famílias segundo o IBGE) e um
questões familiares nos conduziam a re- ou dois filhos, longe do grupo familiar de
fletir sobre a passagem da fa m í l i a p a t r i - origem, anônimos, desenraizados de suas
a r c a l para a fa m í l i a n u c l e a r . Devemos culturas. Esta multidão, paradoxalmente,
considerar nestas mudanças múltiplos dá ao indivíduo desamparo e isolamento.
fatores, dos quais quero referir dois. Pri- Nas famílias mais pobres é geralmente a
meiro o crescimento rápido e desordenado avó que se faz cargo das crianças, estan-
dos centros urbanos à custa de um intenso do os pais, ainda adolescentes, na vida das
fluxo migratório vindo das zonas rurais, na ruas. É exatamente nesta década que
década de 1 940-50. O Censo Demográfico crianças e adolescentes passam a cha-
do IBGE, nesta ocasião, revelava que mar de “tios” os adultos em geral e os
aproximadamente 30% da população vi- professores em particular. Estes novos
via nas grandes cidades, enquanto 70% “tios” penso que representam uma tenta-
da população habitava pequenas cidades tiva de reconstituição de laços de paren-
e o campo, situação que se inverte na tesco, revelando uma esperança que per-
passagem para o século XXI, quando mite sustentar, pelos menos por algum
80% da população está nos grandes cen- tempo, o d e s a m p a r o . Crianças, adoles-
tros urbanos e apenas 20% nas zonas centes e seus pais em busca de uma
rurais e pequenas cidades. Em segundo família “perdida”.
lugar o ingresso da mulher no mercado de Na década de 80 as questões dizi-
trabalho. A fa m í l i a p a t r i a r c a l , constitu- am respeito às novas configurações fami-
ída por grupos familiares reunindo diver- liares: famílias reconstituídas, com filhos

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de casamentos anteriores e do novo casa- causa de morte entre catorze e vinte e


mento, tendo este fato social o reconheci- cinco anos, em nosso país, é homicídio, a
mento com a lei do divórcio. Certamente segunda causa acidentes e a terceira
em uma sala de aula, nas décadas anteri- causa suicídio, e só depois temos as doen-
ores, poucas crianças tinham os pais se- ças orgânicas. Este período de d e s a m p a -
parados, enquanto hoje este é um fato r o e de b a n a l i z a ç ã o da violência em
comum. As questões relacionadas às nossa sociedade revela uma encruzilhada
perdas de v ín c u l o s passam a se tornar entre civilização e barbárie que atinge de
muito importantes. O conceito de t e n - cheio as estruturas familiares. Muitos
d ê n c i a a n t i - s o c i a l , de Donald Winnicott, problemas de desenvolvimento e de sofri-
resultado da d e p r i v a ç ã o (perda de um mento emocional passam por estas condi-
cuidado que foi experimentado) adquire ções: as p a t o l o g i a s d o v a z i o , as e s t r u t u -
muita atualidade. A “delinqüência” (do r a s n a r c í s i c a s , os b o r d e r l i n e s , o s e n t i -
latim de- linqueare, perda de vínculo), ten- m e n t o d e n ã o - s e r e de i n v i s i b i l i d a d e , as
dência anti-social que não encontrou aten- adições a substâncias psicoativas e as
dimento, ocupa vários espaços sociais. adições a pessoas, entre outras condi-
Nos últimos anos surge, então, uma ções, permitem pensarmos em “patologi-
série de diferentes configurações famili- as da contemporaneidade”.
ares. Cada criança, em uma sala de aula, As identificações muitas vezes
traz uma experiência cultural familiar pró- patológicas (nem todas as identificações,
pria. O desenvolvimento tecnológico como sabemos, são estruturantes) atin-
aporta muitas possibilidades para a con- gem crianças e adolescentes. Estes últi-
cepção de um bebê, abrindo, por exemplo, mos, buscando seu processo identificató-
a porta para as questões derivadas das rio, como é natural, na sociedade, mais do
famílias homoparentais. A mulher obtém, que na própria família, encontram repre-
por desejo e/ou necessidade, uma defini- sentantes sociais que não oferecem valo-
tiva inserção no mercado de trabalho e o res éticos e morais adequados. As
tempo de convivência com os filhos se d e s i d e n t i fi c a ç õ e s de i d e n t i fi c a ç õ e s
torna menor do que nas gerações anteri- p a t o l ó g i c a s , parte do processo adoles-
ores. Berçários, creches e escolas infan- cente, não se dão adequadamente. Há um
tis se tornam necessárias para pais que predomínio, então, de um e g o i d e a l sobre
“terceirizam”, cada vez mais, os cuidados o i d e a l d e e g o . O primeiro, mais ligado ao
parentais. A função paterna é cada vez narcisismo, ao pensamento concreto e
mais inexistente nos grandes centros ur- com uma capacidade de simbolização
banos. incipiente e não reconhecendo adequada-
Os Indicadores Sociais do último mente o “outro”, predomina sobre o se-
censo do Instituto Brasileiro de Geografia gundo, em geral, menos narcísico, reco-
e Estatística nos revelam que a primeira nhecendo e respeitando o “outro” e com

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predomínio do pensamento abstrato e da Quero agora, dando continuidade


capacidade de simbolizar. Em outras situ- às idéias sobre as famílias contemporâne-
ações encontramos um i d e a l d e e g o as, de nossos centros urbanos, escrever
punitivo, sádico e destrutivo, como sói sobre algumas outras questões relaciona-
acontecer em muitas situações emocio- das às crianças e aos adolescentes. A
nais adversas. É possível se dizer, parodi- Organização Mundial de Saúde reconhe-
ando Freud, que onde “existe e g o i d e a l ce a adolescência como o período com-
deveria existir i d e a l d e e g o ”. O d e s a m - preendido entre dez e vinte anos e o
p a r o nas etapas iniciais do desenvolvi- Estatuto da Criança e do Adolescente
mento e dos processos de maturação, a como o período compreendido entre doze
falência da função paterna e as identifica- e dezoito anos. Pois nas famílias contem-
ções patológicas respondem, dentre ou- porâneas é possível reconhecer que a
tros fatores, por estas condições. Há adolescência se inicia, muitas vezes, an-
dificuldades no estabelecimento de limi- tes dos dez anos e se prolonga muito além
tes, entendidos aqui como h o l d i n g ou dos vinte anos, em outras tantas.
fu n ç ã o c o n t i n e n t e . H o l d i n g , não es- Não sou um “filósofo de poltrona”,
queçamos, é espaço e limite, elemento como escreve Donald Winnicott. Ele nos
feminino puro, “ser”, e também, necessa- adverte, em O b r i n c a r e a r e a l i d a d e ,
riamente, elemento masculino puro, “fa- contra esta postura que evitando o empi-
zer”. Sem estes elementos a capacidade rismo se lança na teorização distanciada
de pensar está prejudicada e teremos a da clínica. Vou escrever sobre o que
descarga de impulsos diretamente na ação, experiencio, desde que atendi, em 1 971 ,
sem intermediação do pensamento: co- meus primeiros três pacientes adolescen-
municação pela ação, agir para sentir-se tes, sob a supervisão de Luiz Carlos Osório,
vivo. Em lugar do “p e n s o , l o g o e x i s t o ” Eduardo Kalina e Luis Prego-Silva. Como
de Descartes temos o “a jo , l o g o e x i s t o ” nosso tema é família, é por aí que convido
ou “m a t o , l o g o e x i s t o ”. Estes aconteci- o leitor a uma interlocução.
mentos atingem os jovens de diferentes Na década de 70, generalizando, a
classes sociais. criança se tornava púbere (fenômeno
O leitor, talvez, pensará que estou biológico) e, então, adolescia (aconteci-
muito trágico, a despeito dos dados de mentos psicossociais). Na década de 80 a
morte de jovens pelo IBGE. Mas sabe o puberdade e adolescência eram observa-
leitor de que morrem meninos entre cinco das concomitantemente. Nos últimos anos
e quinze anos na cidade de São Paulo? observo uma conduta adolescente (inte-
Homicídio é a causa da morte deles. Não resse pela sexualidade genital, contesta-
esqueçam que a história do homem avan- ção das normas e combinações da família
ça numa circular ascendente onde se e da escola, preocupação exagerada pelo
alternam civilização e barbárie. corpo, etc. ) em indivíduos ainda não pú-

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beres, antes dos dez anos, com sete ou O período de latência, por exem-
oito anos. Penso, inclusive, e não vejo plo, sofre com estas novas condições. É
originalidade nisto, que o conceito de in- sobre ele que a adolescência lança sua
fância, como período de desenvolvimento “turbulência”, antes que exista uma men-
com direitos e necessidades específicas, te capaz de lidar com as questões desta
estabelecido pelo Iluminismo, sofre a hi- etapa. Abortada ou invadida a latência
pótese de profundas transformações. deixa de cumprir suas tarefas, tão essen-
Alguns autores referem sobre a d e s i n - ciais ao desenvolvimento.
v e n ç ã o d a i n fâ n c i a , inclusive, sobre a Necessitamos então falar em fa-
d e s i n v e n ç ã o d o b r i n c a r . Temas a se- mílias e sustentar, freqüentemente, um
rem desenvolvidos em um outro momen- não-saber sobre elas.
to. Há algumas décadas se transitava da
infância ao mundo adulto através de al- Arremate
guns rituais de iniciação e em um curto
espaço de tempo. Com o desenvolver da Minha intenção é convidar o leitor
adolescência, a partir da metade do sécu- a realizar algumas reflexões sobre as
lo passado, com esta invadindo a infância diferentes configurações e possibilidades
e o mundo adulto, temos a adolescência que envolvem as questões familiares. Não
não só como período de desenvolvimento, busco a linearidade ou a estrutura acadê-
mas, também, como um estilo de vida nas mica. Escrevo como se estivesse falan-
sociedades urbanas contemporâneas. É a do. Espero que o leitor, durante a leitura,
“adultescência”, contração de adulto e construa seu próprio texto; que traga suas
adolescente, palavra que consta no Dici- idéias e expresse suas discordâncias. O
o nário O xford. Te mos també m os que escrevi deverá ficar numa curva do
k i d a d u lt s , adultos que abandonam sua caminho.
posição e passam a agir de uma forma
infantil. Assim, poderemos considerar a REFERÊNCIAS
hipótese, fazendo uma brincadeira, de
que os adultos correm o risco de se Ariès, P. (1 981 ). A h i s t ó r i a s o c i a l d a
transformarem em uma espécie em ex- c r i a n ç a e d a fa m í l i a . Rio de Janei-
tinção, assim como o tamanduá-bandeira ro: LTC.
e o boto-rosa.. . Observo, por exemplo, e
não é raro, nas escolas, o “desapareci- Freud, S. (1 976). Conferências introdutó-
mento” dos adultos A falência das fun- rias sobre psicanálise: Conferência
ções de adulto origina, é óbvio, severos XXII: Algumas idéias sobre desen-
problemas ao desenvolvimento das crian- volvimento e regressão. Etiologia. In
ças e dos adolescentes e profundas trans- S. Freud, E d i ç ã o s t a n d a r d b r a s i -
formações nos papéis familiares. le ir a da s o b r a s ps ic o ló g ic a s c o m -

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publicado em 1 945. )

72 Jornal de Psicanálise, São Paulo, 40(72): 63-73, jun. 2007.


Fa m ília s e c o n te m po ra n e ida de

SUMMA R Y

F a m il ie s a n d c o n te m p o ra ry tim e s

Th e a u th o r p re s e n ts a n i n ve s ti g a ti o n o n fa m il y i s s u e s , a p p ro a c h i n g i ts c u l tu ra l
a n d p s yc h i a tri c a s p e c ts , ta kin g in to c o n s i d e ra ti o n th e c h a n g e s th a t e ffe c t c o n te m p o ra ry
fa m i li e s .

K e y w o rds : F a m i ly. C h a n g e s wi th i n fa m i ly e n vi ro n m e n t. C o n te m p o ra ry fa m i li e s .

R ES UM EN

F a m i lia s y c o n te m p o ra n e da d

E l a u to r re a li z a u n re c o rri d o a c e rc a d e la s c u e s ti o n e s fa m i li a re s , s u s a s p e c to s
c u l tu ra le s y p s íq u i c o s , c o n s i d e ra n d o la s tra n s fo rm a c i o n e s q u e a ti n g e n la s fa m ili a s
c o n te m p o rá n e a s .

P a la b ra s - c la v e : F a m i li a . T ra n s fo rm a c i o n e s e n la fa m i li a . F a m ili a s c o n te m p o râ n e a s .

José Outeiral
R. 24 de outubro, 838/302
90510-000 Porto Alegre, RS
E-mail: joseouteiral@hotmail.com
Home Page: www.joseouteiral.com

Recebido em: 31 /05/07


Aceito em: 14/06/07

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 40(72): 63-73, jun. 2007. 73

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