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RUPTURAS NA REPRESENTAÇÃO DO PAPEL DA MULHER EM ‘WITHOUT A

NAME’, DE YVONNE VERA.


Elizabeth Souto Maior¹

Nosso trabalho visa investigar, sob a ótica do feminismo africano, a representação da


maternidade no romance Without a Name, da escritora zimbabuense Yvonne Vera.
Para tanto, nos apoiaremos no debate promovido pelas autoras Obioma Nnaemeka e
Oyerónké Oyewùmí em relação às diferentes demandas e prioridades do feminismo
africano em relação ao ocidental. A partir da compreensão do lugar ocupado pela
maternidade na cultura africana, poderemos entender como Vera propõe uma ruptura
de papeis, ao delinear Mazvita, uma protagonista que resiste ferozmente ao
patriarcado.

1-Introdução:

O presente trabalho objetiva apresentar, ainda de forma sintética, algumas


reflexões iniciadas com o nosso projeto de doutoramento intitulado “O Pós-colonial e o
confinamento do corpo feminino nas obras “Without a Name” e Butterfly Burning” de
Yvonne Vera”. A partir de uma matriz teórica que engloba os estudos culturais, o pós-
colonialismo e, dentro deste, o feminismo africano, pretendemos focar nossa análise na
representação do corpo feminino nas obras em questão, especialmente no que tange o
caráter fraturado do sujeito feminino e sua condição de silenciado. Para tanto,
revisitaremos a historiografia do Zimbabue a fim de melhor compreender os
mecanismos presentes nos principais sistemas de opressão operantes neste que é um dos
países colonizados pela coroa britânica na África. (1896-1980) Em um segundo
momento, tentaremos perceber como certas ideologias de gênero, especialmente a da
mulher como mãe da nação, acompanham a percepção corrente do ocidente sobre a
África. Aqui, será de grande valia as contribuições teóricas das africanas Oyeronke
______________________

¹Professora Assistente do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas da Universidade


Federal da Paraíba e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da mesma
instituição, sob a orientação da Profª Drª Liane Schneider.

1
Oyewumi e Obioma Nnaemeka, que argumentam, dentre outras coisas, que a
marginalização do sujeito feminino no continente africano é uma invenção do ocidente.
Sem investir, por razões obvias de tempo e espaço exíguos nesta comunicação, no
debate acirrado proposto pelas referidas autoras, passaremos por uma breve descrição
das demandas do feminismo africano na seção seguinte. Em sequência, faremos uma
exposição da vida e obra da escritora a fim de seguirmos com a análise propriamente
dita.

2- O feminismo africano e suas demandas

Para a crítica feminista ocidental em sua vertente mais radical, o patriarcado


exerce sua força pela supervalorização da função procriadora e maternal da mulher.
Essa seria uma estratégia de dominação amparada no essencialismo homem-razão-
mente versus mulher-emoção-corpo. Já a crítica feminista africana reconhece que o
feminismo deve ir além das demandas por acesso à independência financeira e
benefícios sociais, centrando suas ações no desenvolvimento da pessoa humana em toda
a sua integridade, reconstruindo a dignidade perdida da mulher em vários locais do
mundo. Talvez aí estivesse uma grande distinção, se não a maior delas, entre os
feminismos ocidental e africano. Esse último não se contenta com os binarismos e se
rebela contra as definições do que seria ser mulher em um contexto tão diverso como o
africano. O grande ranço da crítica feminista negra e africana é não ser reconhecida
pelas suas próprias irmãs ocidentais, que se amparam na matriz da diferença,
defendendo seus ideais de luta contra as formas de dominação e opressão como se estas
fossem universais e, pior ainda, como se toda mulher não-ocidental pedisse para ser
resgatada. A premissa ‘Sisterhood is Global’ não poderia ser sustentada, pois falar em
irmandade no feminismo implicaria uma homogeneização de mulheres, de opressões e
de necessidades. No entanto, percebe-se que, na realidade, a natureza e o contexto da
opressão das mulheres localizadas no oriente são completamente distintos daquelas do
ocidente.

Um outro problema apontado por Oyeronke Oyewumi é que, paradoxicalmente,


mesmo os grupos feministas organizados pela academia para estudar a África, a mulher

2
africana e seus problemas, não parece estar em consonância com as demandas das
mulheres das zonas rurais. Nos estudos africanos, ela afirma, “ a criação, constituição e
produção de conhecimento tem permanecido privilégio do Ocidente” (OYEWUMI,
1997, p. x). De fato, Olabise Aina, (qtd in NNAEMEKA, 1998, p. 82) ainda sobre tal
conflito de perspectivas, admite que as experiências de vida das mulheres africanas da
elite acadêmica está em dissonância com àquelas das mulheres chamadas ‘grassroots
women’, muito mais preocupadas com condições básicas de subsistência do que com
causas sociopolíticas. .A maior parte das mulheres do continente vivem nas zonas
rurais, e não lhes sobram muitas alternativas além de casar e procriar (NWAPA, qtd in
NNAEMEKA, p. 95). Ogundipe-Leslie (qtd in NNAEMEKA, p. 80) observa que há
uma enorme dificuldade em unir os interesses das mulheres africanas, principalmente
pela enorme diversidade do continente em termos políticos, culturais e econômicos. A
autora defende que, devido ao fato de uma grande maioria viver dentro de sistemas de
poligamia, religião islâmica e tradições étnicas muito arraigadas, é um enorme desafio
para os movimentos militantes conscientizar as mulheres africanas de seus dilemas.
Adiciona ainda que há necessidade de um ativismo capaz de aliar teoria e prática.
Segundo a autora, as mulheres africanas tendem a ignorar a opressão emocional e
biológica a que tem que submeter, e insistem no direito à democracia, ao trabalho e a
terem seus filhos reconhecidos e amparados financeiramente pelos pais, que ainda
detém todo o poder de custódia dos filhos em caso de separação. Os programas
implementados pelos órgãos de fomento e desenvolvimento destinados às mulheres
africanas não se centram em uma política capaz de auxiliá-las a atingir um certo grau de
autonomia econômica, nem na valorização dos potenciais de cada uma. Muitos das
agências internacionais são geridas por homens, sem articulação com as verdadeiras
necessidades das mulheres locais, o que gera poucas mudanças na ordem patriarcal
existente.

Após essa breve contextualização do estado de coisas e do feminismo no


continente africano, quero propor um recorte para o presente trabalho- analisar a
representação da maternidade na obra Without a Name, da escritora zimbabuense
Yvonne Vera. Concordamos com Stevens quando afirma que “ a maternidade é um
locus de poder e opressão, autorrealização e sacrifício, reverência e desvalorização,
aspectos complexos que precisam ser trabalhados a partir da ótica da mulher.” ( p. 91 )
Atribuímos igual importância a ouvir as mulheres afetadas diretamente pela opressão

3
africana, daí nossa decisão de nos apoiar na crítica literária também localizada fora do
ocidente. Compartilhamos do ponto de vista de Oyewumi quando declara que ‘as
diferenças e hierarquias... estão sacralizadas nos corpos; e os corpos sacralizam
diferenças e hierarquias. ”( p. 7)

A nossa próxima seção objetiva fazer uma breve descrição da vida e obra da
escritora, sua temática e alguns dados essenciais para a compreensão de sua ouvre.

2-Yvonne Vera: em busca de uma voz

Nascida em Bulawayo, Zimbabue, Yvonne Vera foi aclamada com inúmeros


prêmios pela riqueza e engajamento de sua obra em causas que dizem respeito às
mulheres e a opressão feminina¹ do seu continente. A fortuna crítica sobre a autora
considera fundamental seu comprometimento em desnudar o impacto negativo da
ideologia patriarcal em solo africano, como se travasse uma batalha contra a
desigualdade de gênero e submissão da mulher nesta sociedade. (LUNGA, p. 32) Vera é
descrita como uma escritora cujas estórias afirmam a mulher africana ‘com uma
coragem incessante e sabedoria, a fim de desafiar e desnudar os piores silêncios e tabus
da sociedade’ (Vera, 1996: blurb, qtd in LUNGA, p. 31). Dentre tais tabus, os temas
abordados pela escritora em cada um de seus cinco romances e em sua coletânea de
contos, estão o incesto, o aborto e o infanticídio, além do feminicídio. As mulheres de
Vera são positivas e complexas(DAVIES e MAESJELINIK, 1990, p. 482, citado em
LUNGA, p. 32) e se apropriam de sua feminilidade de uma forma menos subserviente,
contribuindo para uma reavaliação do que seriam os papeis esperados da mulher em um
continente que supervaloriza a maternidade e não reconhece as tentativas de
independência nem o desejo de melhoria de status econômico desta. As protagonistas
dos romances de Vera são brutalizadas e traídas pelos homens, e respondem à altura as
injustiças a que são forçadas a se submeter.

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¹ Yvonne Vera venceu o Zimbabwe Publisher’s Literary Award quatro vezes. Em 1993, por seu
primeiro romance, Nehanda, e a cada dois anos a partir daí- em 1995 por Without a Name,
1997 por Under the Tongue e 1999, por Butterfly Burning, este último aclamado como um dos
cem melhores romances do século vinte na África. A autora foi nomeada em 2011 para o
Prêmio Nobel de Literatura.

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No universo das várias personagens complexas encontradas na obra desta autora está
Mazvita, a heroína do romance Without a Name, publicado em 1994. Como outras,
Mazvita tipifica as mulheres marginalizadas que constituem as inúmeras vítimas sem
voz presas no labirinto histórico da tradição, do colonialismo e do neo-colonialismo.
(Ogbazi, p. 32) Bull Christiansen realça como sendo um dos principais objetivos de
Yvonne Vera o de “representar as mulheres oprimidas de forma a dar-lhes agência, que
é o que lhes falta em outras representações, e [a autora] fala sobre questões encobertas
pelos discursos de uma cultura patriarcal” (citado em Ogbazi, p. 33)

Já Ifeyinwa Ogbazi sustenta que, da mesma forma que os africanos decidiram


contar sua própria história, a fim de reavaliar as representações iniciadas pela história
convencional, autorizada pelos mestres imperiais, a força propulsora de muitas artistas
africanas advém da necessidade de dar voz às mulheres possibilitando-as articular as
suas próprias experiências de vida em um país devastado pela guerra e destituição que
dela advém (Ogbazi, p. 20). Mister será esclarecer que, durante os anos de guerra civil,
o Zimbabue tornou-se um país em que a extrema violência, tanto a de gênero mais
especificamente a sexual, impetrada pelos agentes de segurança e pela população civil
masculina, tornou-se lugar comum. (idem, p. 11) Pode-se dizer que um fator agravante
no continente tem sido a atitude de indiferença do governo que, ao lado do judiciário, do
exército e da polícia, tem desmerecido a gravidade dos casos de violência contra a
mulher, não adotando o devido controle ou a sanção adequada sobre os perpetradores.
Em um ambiente de guerra e constantes lutas armadas, a população civil que sofre com
as consequências, já que nas ocasiões de conflito, há mortes, prisões e tortura de muitos
homens. É sabido que “as pessoas que sofrem violência podem elas próprias revidar as
suas frustrações em outros que acham mais vulneráveis que elas”². Assim, o homem
africano reage ao medo muitas vezes revidando em suas companheiras na mesma
moeda.

Consequentemente, outras formas de violência passam despercebidas, mas são


imputadas sobre os segmentos mais indefesos da sociedade. Tais formas de violência e
violação de direitos humanos advindas das lutas anticoloniais são sancionadas pelo
contexto cultural, e aprisionam crianças e mulheres no medo e no silencio. Tais
indivíduos tornam-se receptáculos da violência e frustração masculinas, e no caso de
Mazvita, decidem reagir de forma radical à toda sorte de opressão sofrida.

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3- Without a Name: a maternidade como fardo

A estória de Mazvita é, acima de tudo, sobre como uma jovem moça da zona rural,
sem educação formal, pobre, negra, marginalizada e colonizada tenta fugir aos padrões
impostos pela sociedade onde está inserida. (LUNGA, p. 79). Desde o início, percebe-se
que a personagem tem, dentro de si, um forte desejo de crescer (VERA, 1994, pp.
55,58) e sua maior ambição é “influenciar e modificar as forças que definem sua própria
realidade” (VERA, 1994, p. 34). No entanto, as forças patriarcais existentes
contrapõem-se à sua vontade de desenvolvimento individual e a personagem enfrenta
um verdadeiro martírio ao longo da narrativa, que alterna passado e presente em
analepses e prolepses a cada capítulo. As páginas iniciais de Without a Name
descrevem, na realidade, as últimas experiências da personagem, que retorna para seu
vilarejo natal a fim de enterrar o filho morto. Não há razões, inicialmente, que levem o
leitor a suspeitar de que o bebê não está mais vivo. Vera emprega uma estratégia
narrativa que é retomada em outros de seus romances- a de alternar passado e presente-
capítulos pares narram o que está ocorrendo enquanto os ímpares narram o que
aconteceu, ou seja, as memórias vividas pela protagonista.

Em um dia de calor escaldante, Mazvita embarca dentro de um ônibus,


carregando um bebê nas costas, em o que seria uma simples jornada de retorno para
casa. “Mazvita não sabia se estava indo para Mubaira ou Kadoma. Ambos os destinos
pareciam necessários e certos. (...) Ela não entendia de chegadas, só de saídas.
Entendia de saídas porque as tinha confundido por recomeços. Saídas não eram
recomeços, eram resoluções, talvez fossem atos de coragem”( p. 50). O trecho aponta
para um foreshadowing- há indícios na narrativa de que a personagem traça um
caminho que nunca trilhara antes, em uma tentativa de recomeço. Por outro lado, a
menção de “resoluções” e “atos de coragem” pode ser interpretada como sua decisão de
dar cabo da vida do filho, embora não haja clareza suficiente na narrativa em relação ao
que seria tal ato de bravura.

A opacidade é, sem dúvida, uma característica marcante na obra de Vera. O dado

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² “people who suffer violence may themselves take their frustrations out on others whom they
perceive as more vulnerable than themselves.” (OGBAZI, p. 12)
³ …it is women who bear the brunt of the hatred and violence. (idem, p. 18)

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mais relevante para a compreensão dos motivos da jornada de autoconhecimento da
protagonista, ou seja, o assassinato do bebê pelas mãos da própria personagem, é
mantido em sigilo pela voz narrativa. Aparentemente, para o leitor, ao embarcar no
ônibus com aquele fardo nas costas, Mazvita carrega uma criança, viva, visto que, no
referencial cultural africano, é nas costas que as mulheres carregam seus filhos, a fim de
possibilitá-las trabalhar na lavoura e executar os afazeres domésticos com mais
facilidade. Entretanto, a constante repetição das palavras ´pescoço’, e ‘caroço’ causa
estranheza ao leitor, já que há uma ênfase muito forte no corpo estranho e pesado que
acompanha Mazvita. “Ela nunca se livraria deste sofrimento em particular. O bebê era
dela própria, verdadeiramente seu próprio fardo ( ...) ela estava à beira de um
penhasco ( p. 51)

O leitor se choca ao ler sobre os devaneios mentais da personagem, que atribui ao


calor escaldante, até que, no capítulo trinta, é informado que o peso sentido por Mazvita
nada mais é do que o peso da culpa por ter estrangulado o filho, achando inclusive que
consegue ouvir seu choro e que é observada e criticada por todos os passageiros ao seu
redor, especialmente as outras mães, que a culpam por nunca tirar o bebê das costas
para confortá-lo e refrescá-lo. “Mazvita achou que ouvira uma respiração acariciar
suas costas, uma sensação que se espalhava como lágrimas molhadas, mornas e
suplicantes, então ela entrou em pânico pois não era vida, era morte.” ( p. 113)

O ponto nevrálgico do romance é, no entanto, a forma como Mazvita lida com o


trauma e consequentemente com a maternidade, prova contundente da memória advinda
do estupro que tenta a todo custo apagar. Historicamente, os eventos narrados no
romance se localizam em 1977, três anos antes do Zimbabue adquirir a tão sonhada
independência, no auge das lutas civis por emancipação, O fato da personagem ser
estuprada por um ‘freedom fighter’ aponta, segundo Lunga, em duas direções, levando-
nos a considerar tanto a perda dos direitos da mulher sobre seu corpo e sobre sua
sexualidade quanto o desrespeito ao importante papel desempenhado pelas mesmas
durante a guerra de liberação do país, papel muitas vezes apagado das histórias oficiais.
O narrador fala a esse respeito no seguinte excerto:
“Ela sentia o homem respirar ardentemente sobre ela, odiava a respiração;
odiava ainda mais o desejo dele na respiração; acima de tudo, odiava a terra que
pressionava embaixo de suas costas, ao passo em que o homem se movimentava
impacientemente sobre ela, dentro dela, por ela.” (idem, p. 30)

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Tal experiência faz de Mazvita uma pessoa violada em vários níveis- além da
violação do corpo, o estuprador submete a personagem a humilhações psicológicas
ainda maiores. (LUNGA, p. 89). Por exemplo, ele ordena Mazvita que lhe sirva água de
joelhos (p. 28), bem nos moldes da tradição cultural africana de submissão feminina,
prática abominada pela crítica feminista deste continente (NNAEMEKA, 1998, p. 46).
Para a personagem, pior do que ouvir o soldado chamá-la de irmã, é ter que lidar com as
visões recorrentes daquela manhã, quando teve seu vestido rasgado violentamente ao ser
submetida ao sexo não-consentido. O estupro deixará marcas indeléveis na personagem,
tanto físicas quanto emocionais. A heroína sente, por exemplo, sua pele descascar; por
outras vezes, se enoja com algo que permanece escorregadio entre suas coxas, do qual
ela tenta se desvencilhar a todo custo, mas em vão. Tenta lembrar das palavras por ele
proferidas, mas tudo o que consegue lembrar é a frase que ele a tinha possuído.
“Handzvadzi... ele disse. Você é minha irmã... sussurrou. (...) Ela ansiava por escapar
os gemidos insistentes do seu triunfo.” (VERA, 1994, p. 35)

É marcante como Mazvita muda completamente após a experiência traumática do


estupro. Passa de um estado de felicidade e cumplicidade com a natureza e o ambiente
circundante para angústia e desolação, como se a sua feminilidade fosse submetida a um
silêncio completo, a uma secura em seu corpo (frigidez, perda da menstruação) que ela
própria, na sua inocência, não compreende (idem, p. 29). “O silencio a limpava. (...) Ela
se abrigava no silêncio. O silêncio era uma quietude dentro do seu corpo, uma surdez
diante do sussurrar que escapava dos lábios do estranho.” (p. 34). Seu mecanismo de
defesa é não verbalizar detalhe algum sobre a violência sofrida, como estratégia de
sobrevivência: “Mazvita pegou o silêncio da terra e colocou-o dentro do seu corpo.”
(VERA, 1994, p. 37) Lunga fala do declínio da personagem em todos os aspectos após
o estupro (LUNGA, pp. 92-3), declínio este que a levará ao ato impensado e
desesperado de infanticídio. DIOP (citado por ADEBAYO, p. 54) sustenta que depois
do estupro, Mazvita reage abstraindo a experiência completamente de sua mente.
Quando o bebê nasce, ela é forçada a confrontar o fato do estupro, e a consequência de
ter um bebê que não planejara, uma testemunha viva do estupro e de sua incapacidade
de se defender, um testimônio vivo de que ela havia sido roubada de seu passado. “O
desejo dela era fechar os olhos do bebê finalmente e verdadeiramente, Mazvita
procurava sua liberdade em movimentos lentos e frágeis, corretamente executados”.
(VERA, 1994, p. 107)

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Em retrospecto, percebe-se que todas as fugas da personagem são em vão; após o
estupro, Mazvita sai da zona rural para Kadoma, uma fazenda de tabaco, onde
reencontra o namorado Nyenyedzi. Este a quer junto de si, presa à terra, que ele
considera sinônimo de “vida e morte”. Ela retruca: “O que você diz é verdade, mas esta
verdade se aplica igualmente a todos nós?” (VERA, 1994, p. 40) A protagonista
objetiva banir os limites ao seu progresso e por isso, decide fugir ainda mais longe para
a capital, Harare, situada na zona urbana. “Sentia-se livre como uma semente, e (...)
poderia crescer em qualquer lugar”. Acreditando ter potencial para recomeçar, “a
esperança de Mazvita se misturou ao desejo de descobrir algo novo em seu mundo”
(idem, p. 41) e como não “tinha medo de despedidas”, ela parte para a cidade, que
acredita ser um lugar de recomeços; no entanto, a cidade também trai a personagem. A
princípio, Mazvita é confundida pela visão de um desconhecido, Joel, que não a
promete nada, apenas um passeio de bicicleta. “Ela não tinha que conhecer ninguém.
Conhecer era um impedimento. (...) Reconhecer você mesma. Esse era o perigo. Era
melhor permanecer anônima. Algumas coisas você simplesmente não consegue
entender.” (idem, p. 53) E é no silêncio que a vida de Mazvita na cidade se torna
possível e faz a relação desta com Joel se desenvolver. “Se ela estava grávida, então era
melhor manter a novidade para si própria (...) pesava sobre ela, esse nascimento sub-
reptício. Mazvita rejeitava o bebê porque ele a impedia em seu desejo de ser livre ”. (p.
73) Até que, sentindo a rejeição do bebê por parte do novo companheiro, resolve
cometer um ato impensado, por já não mais conseguir lidar com tamanho silêncio e
tanto segredo. A angústia da personagem e profunda tristeza são acentuadas, quando
perambulando pelas ruas de Harare com o bebê já morto em seus braços, é reconhecida
como mãe por uma vendedora de aventais. Dentro do referencial cultural africano, é
sobre o avental que a mãe repousa o filho, antes de amarrá-lo em seu corpo para
protegê-lo e mantê-lo seguro. Ao ser vista com o bebê, a vendedora toma Mazvita por
uma mãe à procura de um lugar para manter seu bebê vivo e feliz e a oferece um
avental. No dialeto Shona, ‘Amai’ é uma palavra que pode ser referir à mãe e mulher ao
mesmo tempo:

“Mazvita não conseguia mais lembrar da mulher que lhe vendera o avental. Amai.
Ela lembrava disso. Amai. Ela era, realmente, uma mãe. Era pesado ser uma mãe. Ser
mãe tornava uma pessoa reconhecível nas ruas, mesmo quando tal pessoa não mais
reconhecia a si própria. Amai. Era doloroso.(...) Amai. Se referia a qualquer mulher

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que passasse, que carregasse um filho nas costas, que fosse uma mãe em potencial. Mas
aquele Amai nunca havia se referido a ela, pelo menos, não especificamente” (VERA,
1994, p. 48)

O estranhamento da palavra ‘mãe’, forma de tratamento usado para qualquer


mulher naquele contexto africano específico, aos ouvidos de Mazvita soa mais que
artificial, inadequado, por assim dizer. A cacofonia da palavra que reverbera aos seus
ouvidos de forma negativa pode ser interpretado como a recusa da personagem a aceitar
a maternidade naturalizada em sua sociedade, e que no caso dela especificamente, não
foi uma escolha, mas uma imposição. Trazer um bebê morto, ao invés de vivo, atado às
suas costas é um gesto de ruptura com a simbiose alcançada pela fusão do corpo da mãe
ao corpo do filho. O avental os amarra juntos, em um só corpo, mas ela nega ser
enquadrada nessa unidade alcançada com a experiência da maternidade. Assim, alguns
capítulos mais tarde, poderemos perceber que o peso do bebê como se simbolicamente
representasse o peso de uma cruz e a jornada de ônibus como sendo o calvário de
Mazvita, a oportunidade que tem de expiar os seus pecados e talvez voltar a ser
merecedora de fincar os pés em terreno sagrado mais uma vez, terreno este onde
pretende enterrar o filho morto.

Nnaemeka ( 1997, p. 11) revela que, no pensamento feminista africano, abortos e


infanticídios são atos voluntários de resistência contra maridos ou amantes abusivos
justamente porque a maternidade é considerada central na cultura africana, ao mesmo
tempo em que pode ser vista como um construto patriarcal que reforça a opressão. No
caso da personagem em questão, a maternidade não se alinha à liberdade que quer
alcançar. “Ela se viu sem âncora, se deslocando para frente, sempre se deslocando para
frente, com o peso do bebê em suas costas. Ela nunca iria se livrar deste sofrimento em
particular. O bebê era seu próprio, verdadeiramente seu próprio fardo” (VERA, 1994,
p. 51). Confusa, atordoada, sente-se frustrada por saber que o bebê interfere nos seus
sonhos de ser livre ( idem, p. 64). Daí, a sua decisão de estrangulá-lo com a gravata do
amante Joel, após ouvir do mesmo que jamais aceitaria uma criança ilegítima. Françoise
Lionnet afirma que “(....) enquanto o assassinato é geralmente considerado um crime
de um indivíduo contra a sociedade” , no romance Without a Name, “o assassinato está
presente como um sintoma do crime de uma sociedade contra o indivíduo”, neste caso,
uma mulher ( citado em NNAEMEKA, p. 209). Seu corpo está entremeado dentro do
corpo social, altamente sofrido por um passado traumático.É por lutar para retomar

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controle do próprio corpo e continuar sobrevivendo que a personagem recorre ao
infanticídio, ato desesperado, de empoderamento e resistência.

4-Mazvita: infanticídio, empoderamento e agência femininos

Na dicotomia homem/ mulher, colonizador/ colonizado, a mulher é duramente


oprimida, pelos estrangeiros e por seus iguais. No romance Without a Name,
percebemos o engajamento de Yvonne Vera com a representação de uma mulher
africana não como vítima silenciosa, mas silenciada. A subversão de Mazvita ocorre em
dois níveis- o primeiro, quando nega a aceitar seu papel de procriadora e mãe da nação.
O segundo, em sua reação às práticas tradicionais da maternidade, que incluem a
abnegação. Claramente, a personagem não se dispõe a abdicar de seus planos de
melhoria pessoal, ainda mais tendo sido o bebê fruto da violência contra o seu corpo.
Habitando um espaço ambíguo, entre dois mundos, o rural e o urbano, a personagem se
apropria de um espaço que é só seu, ou seja, seu corpo, e se nega a ceder a qualquer tipo
de força patriarcal, representada por três figuras masculinas- o soldado que a estupra, o
namorado Nyenyedzi, e finalmente o amante Joel.

Portanto, Yvonne Vera procura mover o subalterno para uma posição de


autoridade no texto, produzindo um contradiscurso, na medida em que foge da
representação de personagens femininas completamente absorvidas na função
procriadora, razão primeira de existir da mulher africana. A escritora, como bem aponta
Lunga (p. 93) está comprometida na luta pela mudança social, e delineia Mazvita como
uma mulher capaz de tomar as rédeas do próprio destino, contrário ao sistema patriarcal
vigente. Esta transgride os limites impostos pelos discursos nacionalistas, se recusando
a limitação de papeis a ela atribuídos. Mesmo que drasticamente, a personagem quebra
os padrões da performatividade do gênero feminino, uma vez que tem em mente uma
perspectiva de liberdade que está muito além da maternidade. Como a própria autora
admitiu, em entrevista a Eva Hunter, “Eu me interesso pelos zimbabuenses lendo meu
trabalho e talvez mudando seu entendimento sobre alguns de seus tabus... Esta é uma
forma de mediar, entre pessoas que estão incapacitadas de falar, como as mulheres, e
aquelas que deveriam estar escutando.”(Yvonne Vera, entrevista, p. 82)

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5-Referências

COUSINS, Helen and DODGSON-KATIYO, Pauline. Emerging Perspectives on


Yvonne Vera. New Jersey: Africa World Press, 2012.

HUNTER, Eva. “Shaping the truth of the struggle”. Entrevista com Yvonne Vera.
Current Writing, vol. 10.1, 1998, pp. 75-86.

LIONNET, Françoise. “Geographies of pain”. In NNAEMEKA, Obioma. The Politics


of (M)Othering. London: Routledge, 1997, pp. 205-227.

LUNGA, Mahajana John. An exploration of African feminism: a postcolonial


reading of Yvonne Vera’s texts. LAP Lambert Academic Publishing, 2010.

MADSEN, Deborah L. Post-Colonial Literatures: expanding the canon. Chadlington:


Pluto Press, 1999. pp. 97-100.

NNAEMEKA, Obioma. The Politics of (M)Othering. London: Routledge, 1997, pp.


205-227.

OYEWUMI, Oyeronke. African Women & Feminism: reflecting on the politics of


sisterhood. New Jersey: Africa World Press, 2003.

____________________ African Gender Studies: a reader. New York: Palgrave


Macmillan, 2005.

OGBAZI, Ifeyinwa. History and the voiceless: Yvonne Vera and postcolonial
Zimbabwe. Saarbrücken: LAP Lambert, 2012.

VERA, Yvonne. Without a Name and Under the Tongue. New York: Farrrar, Straus
and Giroux, 1994.

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