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RESUMO:
O presente trabalho surgiu da inquietação entre o ato de ensinar a análise literária em seus
princípios básicos e a necessidade da teoria da literatura em sustentar-se por sobre fortes
postulados técnicos e teóricos. Deste hiato metodológico, irrompem quebras de ambos os
lados, onde o que hermeticamente se consolida na forte teoria, por outro lado deve estar claro
na composição do percurso de análise ao iniciante. Os objetivos primordiais convergem na
possibilidade de apresentar um painel de conceitos amplamente difundidos e aplicados na
análise literária, tomando como espaço de discussão a semiótica poética e a estética. Ler este
artigo é procurar substâncias de discussão sobre a estética, recepção, criação e processos de
significação que engendram a estrutura do texto literário, bem como mostrar caminhos e
posturas para o analista da arte verbal.
PALAVRAS-CHAVE:
1. Introdução
O presente artigo tem uma proposta um tanto quanto didática: tentar nortear a ação de
analisar obras literárias, sem parecer um “manual” de regras, o que a literatura abomina, nem
tampouco complicar a leitura para acadêmicos iniciantes nesta prática maravilhosa de leitura e
resgate do valor artístico de um poema. Logo de início dois problemas conceituais e
epistemológicos surgem: como selecionar idéias de literatura lírica e metodologias de análise
dentro de um infinito rol de teorias e correntes, muitas vezes tendenciosas e parciais? E como
torná-las práticas e efetivas no campo de atuação do objeto literário?
O leitor assíduo de literatura e o prático analista sabem o quanto “método” e
“definição de literatura” andam juntos. Quase que indissociáveis, pode-se afirmar. Podemos
pressupor que analisar é antes de tudo “comprovar” o valor e o sentido do discurso original da
arte literária. Atesta-se o valor em cada análise; contribui para sua perpetuação semântica em
cada nova leitura. Em suma, analisar é a prática mais relevante de toda a atividade literária,
depois da autoria, pois o poema só pode ser considerado acabado depois de lido. Nas
próximas páginas, dialogaremos com os dois filões primordiais da estética artística literária,
1
Publicado na Revista Literarius, nº 02, ANO II – ISSN 1679 – 1126.
2
Professor de Literatura e Teoria Literária da UNESC – Cacoal, Graduado em Letras pela Universidade Federal
de Rondônia – UNIR, especialista em Língua Portuguesa UNIR / SOREC e Mestre em Teoria Literária UNESP;
também coordena o grupo de pesquisa TEOLITERIAS. www.teoliterias.blogspot.com
trançando os fios que armam uma concepção legítima sobre arte verbal, bem como elucidando
alguns pontos que podem ser de grande valia aos iniciantes.
Mais do que o afã da leitura e das “pseudo viagens” existentes dentro das análises
literárias, existem elementos que transmigram as potencialidades de um texto, no ato de seu
processo de desmaterialização e re-alocação em novos suportes.
Uma boa análise, então, não está ligada tão somente a metadiscursos provenientes de
uma bela dose de imaginação e ousadia, embora esta esteja análoga ao aprofundamento do
texto. É o que ocorre quando o iniciante parafraseia o texto, decodificando um código
implícito e codificando em um código explícito.
Toda linguagem artística ou todo discurso confeccionado a partir da re-elaboração do
real, estão ligados ao metadiscurso, que não é senão oriundo das intertextualidades
provocadas pela sistemática explicação do fato, seja teórico ou seja real. São discursos por
sobre discursos, cascatas de textos sobre outros textos, que vão criando referências e criando
análises. Escrever sobre algum ente artístico é fazê-lo pulsar por sobre sua égide ente
significativo e representativo. O metadiscurso entendido aqui pela ótica de Barthes (1974),
não é somente aquele que re-explica semioticamente o código fonte, mas que explica a si
próprio, como é de princípio da função poética3. Em outras palavras, no ato da criação de um
metadiscurso sobre o objeto literário, a função poética, voltar sobre sua mensagem, também é
o ato próprio de voltar por sobre sua própria configuração, surgindo a possibilidade, sempre,
da função metalingüística, o que já era previsto por Jakobson em seu ensaio A Dominante de
(1954). Não só se evidencia os possíveis conteúdos do poema, como também os possíveis
recursos que foram utilizados para se obter tais conteúdos. Além de ter a obrigatoriedade de
falar sobre si próprio, o bom poema emite ao interpretante um código anexo, uma faixa de
discurso implícito que dialoga com a concepção de arte. O processo ocorre como se o poema,
além de significar variadas porções de leituras, (polissemia devido à função poética), toma
partido da necessidade de se situar como arte, emanando implicitamente códigos que
possibilitam sua leitura como tal: em outras palavras é como se o poema falasse, “olhe,
perceba que antes de tudo, eu sou um objeto de arte, e para tal, tenho uma configuração
predestinada”. É o caso, muitas vezes, de discutir se João Gostoso (Manuel Bandeira) é arte
3
JAKOBSON, Roman. Lingüística e Comunicação. Trad. I. Blikstein. São Paulo: Ed. Cultrix,1995.
verbal ou não. Intrinsecamente, seus recursos são construídos para que fujam à concepção de
lirismo maculada pelos manuais de retórica; mas o que acontece é uma inversão dos papéis,
onde o eu lírico surge narrado, como uma personagem de tiras jornalísticas, que poderia
deflagrar uma obra de pouco valor literário. Neste caso, os pesos da metalinguagem e dos já
referidos códigos anexos de artisticidade, são valiosos, visto que pela ótica interior, o poema é
individual e referencial, não podendo estar alocado no seleto rol de obras artísticas. Estas
exigem uma determinação essencial de arte na atemporalidade e universalidade.
Mas a atuação dos códigos anexos, indica que a leitura é metafórica, justificando: João
Gostoso é uma obra de arte; portanto é universal; se for universal, João “representa” a todos
que convivem com os mesmos valores que ele. Veja a importância do contexto no texto. Esta
supremacia do fator contextual sobre o textual, deu vazão às possibilidades de leitura que a
obra tem em não ser mais uma notícia de jornal, pelo simples fato de que o autor não queria
que ela fosse notícia e sim arte. Sendo arte, o comportamento analítico é diferente.
Em linhas gerais, para o analista de qualquer obra de arte, seja clássica (o que garante
em termos sua classificação artística, forjada pela história cultural) ou arte experimental (tem
como princípio estimular a desautomatização) é de suma importância reportar a leitura aos
códigos artísticos primários, que sempre estão amarrados ao princípio da criação e serão
deduzidos extrinsecamente. Todo poema é arte verbal, portanto compartilha valores
semióticos gerais com todo o mural de criação artística da humanidade.
Este dado torna-se salutar para procurar na arte sua porção vital, seja na pintura,
escultura ou qualquer linguagem artística. Uma decodificação fluente dos sistemas simbólicos
artísticos, que muitas vezes estão escondidos dentro do discurso, é essencial para construir
análises que valorizem a linguagem em todos os seus âmbitos. Digamos que todo analista de
literatura é sobretudo um analista da arte, o que exige dele o conhecimento dos valores
primordiais para a compreensão da mesma. Os dados semióticos sobre um referido objeto
artístico são captados dos princípios imutáveis, que agindo como categorias, não se dissolvem
no espaço/tempo. Como categorias, acho por bem a exemplificação de algumas:
A arte é sempre universal. A projeção de um sistema simbólico pessoal e particular
distorce as possibilidades de análise, pois só poderão dar vazão quando o analista está munido
de correspondências contextuais fortes de pessoalidade autoral e subjetividades que
necessitam de descortinamento.
A arte é sempre atemporal. Um outro código anexo da arte é a perspectiva de que a
mesma tem de encontrar ambiente favorável de significação em qualquer relação temporal.
Isto porque sua estrutura primária, ou a mais profunda como desejam, está alocada em
relações e não em formas. Uma relação é sempre possível de acontecer, não morre e não se
dissolve no tempo. Esta relação será ainda maior quando estiver possuída de conflito.
Mudando-se os termos, a estrutura relacional e conflituosa permanece sempre a mesma. A arte
verbal é uma miscelânea de conflitos, oriundos de vazões do subconsciente artístico para um
consciente coletivo, que é a linguagem. Greimas (1994) tem estudado profundamente o peso
das relações conflituosas determinando algumas naturezas passionais, o que tem possibilitado
estudos pertinentes sobre a estrutura poética e nas relações universais de um proto-sujeito
para sujeito-signo e assim, para um sujeito-interpretante.
A arte é sempre original e inovadora. A literatura rompe o discurso rotineiro e
cotidiano, recriando formas originais, que analogicamente propiciam romper o tempo e o
espaço que usamos como referência. Esta inovação constitui um estranhamento, conceito caro
ao formalismo e ainda atual para o estudo da literariedade. (EAGLETON, 1983)
3. Iniciando a Análise
O início da análise tende a ser o momento mais complexo, pois permite variáveis
ainda não reconhecidas e caminhos textuais brevemente assistidos por uma parca leitura
primária ou secundária. Podemos afirmar que Interpretar é escolher, ou seja, trilhar um
caminho de textualidades que estarão unidas ao discurso projetado em nossos pressupostos
técnicos, subjetivos e conceituais. Iniciamos a análise tendo que saber qual sistema
interpretativo começar a trilhar.
Um discurso sempre está disposto a significar algo. Ele pode ser encarado como um
texto- signo em sua unidade; e em sua estrutura inerente, formal e conceitual, um sistema-
signo. Isto quer dizer que como elemento global, ele representa algo a alguém, possibilitando
que neste afã de ser reconhecido, decodificado e utilizado, produz no interpretante um novo
signo, que deve ser construído em modo inicial, pois a literatura não converge uma opinião
uníssona, ela apenas sugere, tal como em uma semiose ad infinutum. As teorias semióticas,
embasadas na escola de Peirce (1983), comprovam estas visões, onde a validade do signo está
gerida por sua possibilidade de interpretação e representação.
Se considerarmos o texto literário um texto signo, este objeto discursivo possui um
interlocutor natural a quem se refere, e não obstante a teoria da comunicação, o que veicula e
como veicula. Estamos entrando no caráter da intencionalidade textual, o primeiro momento
importante da análise, onde poderemos diagnosticar os motivos do texto. Um texto sempre
fala algo a alguém. Um texto literário possui uma intencionalidade temática: eixos de
conteúdos que veicula e que podem ser trilhados pela análise. Separar estas intencionalidades
narrativas é o primeiro passo.
Até o presente momento é possível perceber que antes de iniciar camadas de análise, é
preciso diagnosticar os interesses do texto como ícone representativo de uma dada realidade
assistida e subjetivada pelo intelecto criador do eu-autoral. Em outras palavras, perceber na
intencionalidade do texto, o que ele quer veicular, discutir, sugerir ao interpretante. Podemos
afunilar a questão criando grandes áreas de interesse, que serão desdobradas em novas áreas e
assim em um processo contínuo.
Um poema ou texto narrativo poderá estar situado em campos temáticos, que darão
origem às análises. Podemos compreender um texto, como modo exemplificativo, tentando
enviar mensagens a uma área definida e a um público definido. Assinalamos nossa decifração
destes campos através da reflexão que o texto promove. Ele pode estar voltado a algum tema
específico. A natureza do texto literário está ligada à forma, em como ele se predispõem a ser
condutor de mensagens, e de como ele pode possibilita escolhas a quem o ler. Exemplos de
grandes campos temáticos:
Este breve resumo de campos interpretativos ajudam a tornar a análise mais sólida,
pois abre exatamente o campo que deve ser galgado passo a passo. Nunca se inicia uma
análise sem antes estipular o caminho interpretativo que irá se seguir, pois seria andar em
círculos, parafrasear a obra, simplesmente descrevê-la.
4. Os princípios da Análise
5. O Ritual
Esta modalidade de aproximação subjetiva e latente de uma interpretação a partir de
signos que não tem em si a resposta, mas sim a potência de uma resposta, permite aditivar no
poema um caráter místico, no momento que a construção de um amplo sentido, de uma
convalidação de valor e mérito da obra, advém da impregnação e atribuição de acreditar na
linguagem como se ela fosse a construção imaginária do ser; acreditar nela como resposta e
como síncrese (TATIT, 1994) das emoções humanas; em outras palavras, acreditar nela como
se ela fosse a única maneira de comunicação direta de emoções e aproximação das
passionalidades e reflexões deflagradas em seu circuito de atuação. O crítico, em primeiro
lugar, mistifica a linguagem literária, já sabendo de seu valor e de sua interação com
componentes humanos que não estão literalmente ligados com a efetividade: como amor,
ódio, sentimentos, fé, liberdade e o próprio conceito de arte. Por não estarem ligados
empiricamente ao real deflagram-se nas modulares visões dela própria.
6. Modulação
O prego em sentido status quo, ou em sentido de dicionário, contém semas que podem
conectar-se com dor. Esta relação é dada através da combinação de semas (pequenas unidades
de sentido) que surgem tanto das relações paradigmáticas quanto sintagmáticas, conceitos
terminológicos retirados da teoria Greimasiana de sentido, em conjunto com os postulados
tricotômicos de Peirce (1983):
“prego” “dor”
Sema: //pontiagudo// Sema: //machucar//
Sema: //perfurar// Sema: //perfurar//
Classema: //perfurar//
Note que existe uma conjunção no eixo do sintagma //perfurar//
Esta relação chama-se classema (o sema de classe)
Do ponto de vista actancial (a relação de ação preconizada pelo “prego”) analisamos que:
“Prego” ELIDE “dor”
Existe uma relação disjuntiva no processo: elidir possui carga semântica de “diminuir”,
“cortar”; Como o prego pode “diminuir” a dor? Ele próprio possui semas que “adicionam”
dor
Lexema: “prego” Sema contextual: (constituído através das
relações do enunciado)
- //o prego diminui a dor//
Existe a necessidade de uma coesão semiótica: qual o outro signo que poderia nos dar mais
informações sobre esta questão?
“prego” “Fé”
Semas: “Crença”; “Religião”
Para obtermos um painel completo das intencionalidades discursivas, precisaríamos
relacionar as informações do primeiro verso com o segundo; Para isto, nos já abandonamos
o plano discursivo a passamos para o campo semiótico, do meta-texto construído pelo texto
principal. (uma espécie de segunda camada discursiva construída somente pelos sentidos)
//o prego como agente de minimizar a dor// //a religião//
//o prego da cruz de Cristo// //cristianismo//
Vejam que o grau e modulação permitiu que aquele “prego” aparentemente deslocado da
coesão concreta, nos fala ao nível dos sentidos; dialoga com a “dor” e a “fé” no campo do
meta-texto; a cruz, a imagem de Jesus Cristo crucificado, o legi-signo do Cristianismo (o
símbolo legitimado pela cultura) tem o prego como marca “indicial” (uma parte do
processo) Jesus; Cruz; Prego
Prego Ações: (actanciais)
//diminui a dor com Cristo//
//contorna a fé, como uma espécie de
representação máxima da redenção pela dor,
pelo sofrimento//
Primeiro Nível: a percepção do prego como causador da dor; sua imagem pontiaguda
e forte na carne (quali-signo); sua manifestação concreta enquanto objeto e discurso (sentido
denotativo);
Segundo Nível: o “estranhamento” causado pela presença do “elidir” como contraste
ao “adicionar” dor; o prego diminui a dor: o lexema já não é mais o mesmo; ele já se
apresenta de uma forma polissêmica: que prego é este que diminui a dor? Mesmo que a
questão esteja ainda simplista, o contexto discursivo provocou um grau de modulação nítido,
abrindo mais possibilidades sêmicas ao prego.
Terceiro Nível: O prego necessita de respostas para se sustentar em seu campo de
representação; a necessidade de uma coesão semiótica movimenta nossas atenções a procurar
mais informações; logo a encontramos no lexema “fé”; que por emulação semiótica acaba
linkando a um novo discurso: o discurso cristão. Neste, o prego atua como índice, fazendo
parte do processo de crucificação de Cristo, e conseqüentemente redenção. A entrada do
discurso cristão como meta-discurso, vem a fortalecer a tese semiótica de que não existe
campo de representação isolado. Todo texto literário é senão um grande hiper-texto, que
necessita de fazer “links” com novos textos para se estruturar e representar aquilo que foi
preconizado pela intencionalidade. Não poderemos deixar de citar que:
A obra literária e seus constituintes fazem parte de um todo muito maior, onde ela é
apenas mediadora e incitadora; entendê-la como núcleo de novas interrogações é
conseqüentemente motivo para reescrevê-la novamente. Esta é a operação do meta-discurso.
Não há signo sem outro signo. Não há texto sem outro texto.
Quarto nível: O prego está para o texto, assim como o está para o meta-texto
“crucificação” como elemento norteador do maravilhoso; através do sofrimento do elemento
simbólico, a que ele tem embasamento, bem como da representação do crucificar / ressuscitar
e de toda a tônica cristã, ele adquire de modo endêmico uma carga semântica tal, que figura
como espetáculo da misericórdia (diálogo com a ideologia cristã); um espetáculo do
sofrimento e do amor para a salvação de todos; sob a égide da imagem cristã, já consolidada e
simbólica (legi-signo), com toda a sua força cultural e moral, toda a amplitude emotiva que a
imagem releva, podemos afirmar que o lexema “prego” passou por um processo de
modulação tão atroz, que de modo ventríloquo, trouxe a tona uma imensidão de novos
discursos e uma força poética extrema.
Estaríamos nos limitando se encerrássemos aqui a explanação sobre o ato “modular”
do texto poético. Adicione-se a isto a qualidade da elocução; ora, o fato do lexema “prego”
estar condicionado a um contexto poético, exalando sentidos através de seu grau de
modulação, tendo como categoria a exploração do maravilho e do sublime, é perceptível o
quanto ele adquire de expressão “bela”. Esta condição de aglutinar sobre si informações
semióticas de beleza, contribui para a constatação artística do dado texto.
7. O processo de significação
Considerações Finais
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARTHES, Roland. Crítica e Verdade. 3ª. ed. São Paulo: Perspectiva, 1974.
EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 1983.
MOISÉS, Massaud. A análise literária. 14ª. ed. São Paulo: Cultrix, 2003.
________, A. J. (org). Por uma teoria do discurso poético. In: Ensaios de Semiótica Poética.