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∗
Tese final da pós-graduação em Políticas Sociais Locais, do Instituto Sócrates, frequentada em 2002.
**
Sociólogo na Câmara Municipal de Lisboa. E-mail: antonio.bastos63@sapo.pt.
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SUSTENTABILIDADE
INDIVIDUAÇÃO EXCLUSÃO
COMPLEXIDADE
AMBIENTE
TECNOLOGIA
PATRIMÓNIO
SABERES TRABALHO LOCAL
QUALIDADE VIDA
CAPITAL
PARTICIPAÇÃO
DEMOCRACIA
GOVERNÂNCIA
LEGISLAÇÃO PLANEAMENTO
LEGITIMIDADE GLOBALIZAÇÃO
PARTENARIADO EQUIDADE
ESTADO
Cidade e urbanização
um papel cada vez mais importante, por via de novas funções e novos protagonismos
(Ferreira, 2000).
Com início na década de 80, mas com maior incidência na década de 90,
emerge no contexto acima referido, um conjunto de preocupações que marca a cidade
à entrada do terceiro milénio. Referimo-nos concretamente às questões relacionadas
com o ambiente, património e qualidade de vida, referenciados por alguns autores
como direitos humanos de terceira geração ou direitos pós-materialistas (Santos,
1994).
As questões relacionadas com o ambiente terão sido das primeiras a
despertarem as consciências a uma escala global. A emergência desta preocupação,
sobretudo pelos efeitos e consequências que não conhecem fronteiras, contribuiu para
uma tomada de consciência dos perigos, mobilizando uma série de reacções que
viriam a concretizar-se nas últimas décadas.
Paralelamente surgiram, também, abordagens especificamente urbanas,
nomeadamente a União Europeia (UE) que promoveu um conjunto de iniciativas que
reflectem a relação entre o urbano e o ambiente, numa abordagem sistémica que
procura integrar equilibradamente as diversas dimensões e componentes da vida
urbana, de modo a possibilitar o desenvolvimento sustentável das cidades7.
Por outro lado, as questões relacionadas com o património (histórico, urbano e
natural e paisagístico) tomam também especial realce na oposição do local ao global,
pela valorização de elementos de reconstituição identitária de cariz localizado face à
homogeneidade cultural da globalização. Neste processo identitário local, as cidades
constituem verdadeiros cadinhos de fusão e mistura.
Por último, a qualidade de vida, tem a ver com níveis de exigência cada vez
maiores e uma maior consciência dos direitos, resultado de um maior acesso à
informação e de, no quadro da complexificação da sociedade, se multiplicarem os
questionamentos que promovem essa consciência.
Estas são características dos processos de urbanização contemporâneos que,
entendidos nas suas manifestações sociológicas, caracterizam-se por um duplo
processo que é ao mesmo tempo de complexificação da sociedade e de individuação.
A complexificação, já referida, relaciona-se com a cada vez maior diversidade de
interdependências devidas, em parte, ao aprofundamento da divisão social do
trabalho, à diferenciação dos espaços, à variedade de estratificações sociais, à
multiplicidade de culturas, etc. A individuação tem a ver com a adopção de estratégias
que visam maximizar o domínio do projecto de vida do indivíduo. Através deste
processo há uma degradação das possibilidades reivindicativas activas. Remy e Voyé
(1992) defendem precisamente haver uma diluição do social correlacionada com a
emergência da individuação, dado que a adopção de estratégias, por parte do
indivíduo, que visem maximizar o domínio do seu projecto de vida, contribui para a
diluição da consciência colectiva e, necessariamente, para uma dispersão da
consciência de classe. Daí que, como refere Seixas (2000-a), a falta de uma cultura de
envolvimento político associada a um território cada vez mais difuso, característico dos
processos de urbanização actuais, dificulte a constituição de representações sociais
minimamente abrangentes e tenham como resultado a tendência para uma motivação
dos cidadãos sobretudo em acções do tipo nimby8.
Cidadania e democracia
resposta e fundamentação por parte dos órgãos competentes, fazia com que este
instrumento fosse mais uma formalidade obrigatória do que uma fonte efectiva e
importante de informação a ter em conta. É claro que esta constatação nos levanta
uma série de dúvidas acerca do efeito que tal falta de ponderação terá implicado na
transparência das políticas urbanísticas e que custos não advirão desse facto para a
qualidade de vida das populações.
Em 1995, através da publicação da Lei 83/95 que regula o direito de participação
procedimental para a tutela de interesses difusos, no âmbito dos procedimentos
relacionados com os planos de ordenamento do território, bem como da decisão sobre
a localização de obras públicas e outros investimentos públicos com impacte relevante
no ambiente ou nas condições económicas e sociais das populações, ficou
assegurada e regulamentada uma “audiência prévia” a ter lugar na fase inicial do
procedimento principal, ou seja, o plano. Estamos em presença de uma inovação que
configura uma forma de participação preventiva em vez de reactiva (como sucedia
com a anterior legislação), permitindo a adição de contributos para a construção da
decisão numa fase em que é possível antever o conteúdo essencial da decisão e das
suas consequências.
Com a publicação da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e
do Urbanismo (LBOTU), a participação ficou consagrada como princípio geral da
política de ordenamento do território e urbanismo e como garantia dos cidadãos. Esta
garantia é operacionalizada através de um estádio de apreciação pública prévia à
aprovação dos instrumentos de gestão territorial e prevê ainda que, naqueles que são
vinculativos dos particulares, se possam adoptar “mecanismos reforçados de
participação dos cidadãos”, por via da concertação de interesses.
Em 1999, com a publicação do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão
Territorial (Decreto-Lei 380/99 de 22 de Setembro) as normas sobre a participação
distinguem, por um lado, os “interessados” e, por outro lado, os “representantes dos
interesses” presentes nos diversos organismos de acompanhamento e concertação de
interesses. Os primeiros têm reservada a participação directa, na qual intervêm
enquanto possuidores de interesses afectados pelo plano. Para os segundos a
participação é indirecta, intervindo em função de uma qualidade de representantes dos
interessados. Trata-se de uma inovação importante, esta incorporação de interesses
sociais, económicos, culturais, ambientais, em instância de colaboração, que
normalmente são restritas às entidades públicas e nas quais há processos de
participação mais intensos, nomeadamente através de negociação.
Este pacote legislativo que enquadra a intervenção dos interesses em planos de
ordenamento territorial traduz-se num claro reforço das garantias de participação,
sendo também significativo o facto de haver a consagração do dever de fundamentar
tecnicamente o conteúdo e opções dos instrumentos de gestão territorial ou da revisão
dos planos.
Entidade N % Σ%
Associação 19 14,8
Associação desportiva 2 1,6 18,8
Associação informal 3 2,3
Empresa 12 9,4
71,7
Indivíduo 79 61,7
Instituição 7 3,9 3,9
Outras 6 4,7 4,7
TOTAL 128 100,0 100,0
Interesse social N %
Ambiental/Defesa Património 6 4,7
Municipal 5 3,9
Cidadão 61 47,7
Ciência/Tecnologia 2 1,6
Moradores 7 5,5
Partido Político 1 0,8
Profissional 2 1,6
Promotores Imobiliários 2 1,6
Proprietário 32 25,0
Administração Central 3 2,3
Sindical 1 0,8
Solidariedade Social 2 1,6
Universidade 3 2,3
Outros 1 0,8
TOTAL 128 100,0
Participação N %
Desinteressada 38 29,7
Interessada 45 35,2
Informação 42 32,8
Outra 3 2,3
TOTAL 128 100,0
Assunto N % Σ%
Alteração classificação espaço 12 13,8 13,8
Alteração regras cálculo compensações urbanísticas 2 2,3 2,3
Ambiente, espaços verdes, qualidade vida, património 27 31,0 31,0
Comentários gerais à revisão 11 12,6 12,6
Manutenção de compromissos 2 2,3 2,3
Não inclusão de edifício no Inventário Municipal Património 2 2,3 2,3
Pretensão de construção 9 10,3
26,4
Pretensão de construção/Alteração classificação espaço 14 16,1
Outros 8 9,2 9,2
TOTAL 87 100,0 100,0
Com o perigo que advém das estratégias de captação de recursos, por parte dos
estados, no âmbito dos processos de globalização, poderem trazer um acréscimo de
exclusão às sociedades, em geral, e às cidades, em particular, simultaneamente com
as tendências do aumento da individuação e uma organização territorial difusa, há um
perigo muito sério da criação de desequilíbrios comprometedores do futuro.
No entanto, parece ser precisamente nos órgãos da administração pública
(central) que estão centrados os maiores desafios e o apelo para uma acção criativa.
A administração de espaços partilhados por diversos actores sociais com estratégias e
dependências próprias exige, não só a constituição de um conjunto normativo que
permita uma estruturação equilibrada desses espaços, mas também iniciativas
promotoras de acções comuns entre os diferentes actores, criando estruturas de
15
Bibliografia
16
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Notas
17
1
A actividade inovadora tem sobressaído, em áreas como Silicon Valley na Califórnia, Route 128 em Boston, Emilia-
Romagna no norte de Itália, o Rhur na Alemanha, etc. Nestes territórios podem encontrar-se algumas características
específicas que promovem a inovação, como recursos humanos (qualificações, competências, motivação), recursos
técnicos e financeiros (capacidade para produzir I&D, para usar e adaptar as tecnologias), infra-estruturas físicas
(equipamentos, redes de acessibilidades, instalações), redes de relações imateriais intra e inter-território, a existência
de uma base de conhecimentos (empresas de base tecnológica, instituições de I&D, factores organizacionais,
instituições de ensino superior), condições de mercado (condições de oferta e de procura).
2
O estado-providência é um sistema assente num contrato social entre o capital e o trabalho, regulado pelo Estado, no
sentido de proporcionar uma compatibilização entre os interesses do capital e a garantia de alguns direitos como o
trabalho, a luta contra a pobreza e a exclusão social, a protecção contra riscos individuais e sociais e a promoção da
igualdade de oportunidades. O objectivo do contrato social é produzir um equilíbrio da relação entre acumulação e
legitimação, elevados níveis de investimento em bens, equipamentos e consumos sociais, e uma estrutura
administrativa consciente da legitimidade dos direitos sociais dos cidadãos.
3
LEFEBVRE, Henri (1968), Le Droit à la Ville, Paris: Anthropos.
4
CASTELLS, Manuel (1972), La Question Urbaine, Paris: Maspero.
5
CHOMBART-DE-LAUWE, Paul-Henry (1982), La fin des villes: Mythe ou réalité?, Paris: Calmann-Lévy.
6
Muitas vezes estas zonas, referenciadas como tendo uma qualidade urbana singular, são os chamados condomínios
privados (murados) onde a vivência urbana generalizada está negada e só alguns (poucos) podem usufruir das
condições ali existentes. Trata-se verdadeiramente de uma negação de cidade. Por outro lado, há sinais de
gentrificação de outras zonas que são consideradas modelos de qualidade urbana como é o caso, em Lisboa, do Bairro
de Alvalade (vd. Rodrigues, 1999).
7
Estas iniciativas culminaram na publicação de um Livro Verde do Ambiente Urbano, aprovado em 1991 pelo Conselho
de Ministros do Ambiente da UE.
8
Nimby (Not in my backyard, ou seja, não no meu quintal): Sigla anglo-saxónica para definir movimentos mais ou
menos organizados de populações que reagem contra a instalação de determinados serviços ou equipamentos junto
das suas zonas de residência, em atitudes pouco solidárias com a restante população do país ou da região, apesar de
reconhecerem a sua importância. Com o devido distanciamento, e sem um conhecimento do conjunto de argumentos
que deram origem aos protestos, podemos entender os movimentos contra a co-incineração em Souselas e em Setúbal
como exemplos deste tipo de reacções.
9
A tendência recente vai no sentido de uma maior intervenção por parte da sociedade civil face aos problemas que
tardam em ser resolvidos ou que constituem preocupações. É o caso da apresentação de manifestos, abaixo
assinados, petições, etc. que têm proliferado face à ausência de respostas por parte dos governos e da administração
pública. São também visíveis sinais de intolerância perante atentados urbanísticos como por exemplo o caso das
Torres Dons do Tejo que, numa negociação directa entre promotores e administração da Parque Expo, fizeram
substituir a localização de um equipamento colectivo por um lote de duas torres sobranceiras ao rio Tejo.
10
É necessário explicar que o termo que aqui utilizamos de governança, que muitas vezes é erradamente utilizado
como sinónimo de governo, é entendido como um modo de produção e de regulação fundado na parceria entre o poder
público e os interesses privados, isto é, na constituição de uma relação de partenariado entre indivíduos e instituições,
públicas e privadas, no sentido da resolução comum de problemas.
11
Artigo 267º (Estrutura da Administração); #1. A Administração Pública será estruturada de modo a evitar a
burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão
efectiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de
representação democrática.
12
Artigo 65º (Habitação e Urbanismo); #5. É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos
de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território.
13
Estão incluídas neste conjunto as discussões públicas prévias à elaboração do Plano de Urbanização da Zona
Ribeirinha Oriental (PUZRO), Revisão do Plano Director Municipal, Revisão do Plano de Pormenor do Alto do Parque
18
Eduardo VII, Plano de Pormenor da Palma de Baixo, Plano de Pormenor dos Bairros da Liberdade e Serafina, Plano de
Pormenor do Alvito, Plano de Pormenor da Artilharia Um e Plano de Pormenor de Alcântara-Rio.
14
No endereço http://ulisses.cm-lisboa.pt.
15
Há no entanto casos de decisões políticas que originaram reacções por parte da sociedade e que inviabilizaram
essas mesmas pretensões. Retenhamos como exemplos a contestação de que foram alvo o Plano de Ordenamento da
Zona Ribeirinha (POZOR), de iniciativa da Administração do Porto de Lisboa, ou o Elevador do Castelo de S. Jorge,
iniciativa do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, João Soares.
16
Veja-se o caso, em Lisboa, do Conselho do Planeamento Estratégico que, sendo um órgão consultivo do Presidente
da Câmara onde tinham assento diversas entidades e personalidades da Cidade, nunca mais foi convocado porque o
anterior presidente (João Soares) não lhe reconhecia legitimidade (porque não tinha sido sufragado pela população,
imagine-se!).