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A dialética platônica
Platão considerou que Heráclito tinha razão no que se refere ao mundo material
ou físico, isto é, ao mundo dos seres corporais, pois a matéria está sujeita a mudanças
contínuas e a oposições internas. Esse mundo, que conhecemos por meio de nossas
sensações, percepções e opiniões, é chamado mundo sensível por Platão, e nele há o devir
permanente. No entanto, dizia Platão, o mundo sensível é uma aparência (é o mundo dos
prisioneiros do Mito da Caverna), é uma cópia ou sombra do mundo verdadeiro e real;
nesse sentido, Parmênides é quem tem razão. O mundo verdadeiro é o das essências
imutáveis, portanto, sem contradições nem oposições, sem transformação, onde nenhum
ser passa para o seu contraditório. Segundo Platão, esse mundo das essências ou das ideias
é o mundo inteligível. Como sair da caverna? Como passar do sensível ao inteligível? Por
meio de um método chamado dialética.
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Texto retirado e adaptado do livro: Iniciação à filosofia de Marilena Chauí.
Como a própria palavra indica, dialética é um diálogo, um discurso compartilhado
por dois interlocutores, ou uma conversa em que cada um possui opiniões opostas sobre
alguma coisa e deve discutir ou argumentar com o outro de modo a superar essa oposição
e chegar à unidade de uma ideia que é a mesma para ambos e para todos os que buscam
a verdade. Deve-se passar de imagens contraditórias a conceitos idênticos para todos os
pensantes. Em outras palavras, a dialética é um procedimento com o qual passamos das
opiniões contrárias à identidade da ideia, das oposições do devir à unidade da essência.
A dialética platônica é um procedimento intelectual e linguístico que parte de
alguma coisa que deve ser separada ou dividida em duas partes contrárias ou opostas, de
modo que se conheça sua contradição e se possa determinar qual dos contrários é
verdadeiro e qual é falso. A cada divisão surge um par de contrários, que devem ser
separados e novamente divididos, até que se chegue a um termo indivisível, isto é, não
formado por nenhuma oposição ou contradição: este será a ideia verdadeira ou a essência
da coisa investigada. Partindo de sensações, imagens, opiniões contraditórias sobre
alguma coisa, a dialética vai separando os opostos em pares, mostrando que um dos
termos é ilusório e o outro, verdadeiro, até chegar à essência da coisa. Superar os
contraditórios e chegar ao que é sempre idêntico a si mesmo é a tarefa da discussão
dialética, que revela o mundo sensível como heraclitiano (a luta dos contrários, a mudança
incessante) e o mundo inteligível como parmenidiano (a perene identidade de cada ideia
ou de cada essência).
Sócrates fez a filosofia voltar-se para nossa capacidade de conhecer e indagar as
causas das ilusões, dos erros, do falso e da mentira. Platão herdou de Sócrates o
procedimento filosófico de começar a abordar uma questão pela discussão e pelo debate
das opiniões contrárias sobre ela a fim de superá-las num saber verdadeiro. Além disso,
passaram a definir as formas de conhecer e as diferenças entre o conhecimento verdadeiro
e a ilusão, introduzindo na filosofia a ideia de que existem diferentes maneiras de
conhecer.
Platão distingue quatro formas ou graus de conhecimento, que vão do grau inferior
ao superior: crença, opinião, raciocínio e intuição intelectual. Os dois primeiros formam
o que ele chama conhecimento sensível; os dois últimos, o conhecimento inteligível. A
crença é nossa confiança no conhecimento sensorial: cremos que as coisas são tal como
as percebemos. A opinião é nossa aceitação do que nos ensinaram sobre as coisas ou o
que delas pensamos conforme nossas sensações e lembranças. Esses dois primeiros graus
nos oferecem apenas a aparência das coisas ou suas imagens e correspondem à situação
dos prisioneiros do Mito da Caverna. Por serem ilusórios, devem ser afastados por quem
busca o conhecimento verdadeiro; portanto, somente os dois últimos graus devem ser
considerados válidos. O raciocínio exercita nosso pensamento, purifica-o das sensações
e opiniões e o prepara para a intuição intelectual, que conhece a essência das coisas, o
que Platão denomina ideia. As ideias são a realidade verdadeira e conhecê-las é ter o
conhecimento verdadeiro. A ironia e a maiêutica socráticas são transformadas por Platão
no procedimento da dialética. A finalidade do percurso dialético é chegar à intuição
intelectual de uma essência ou ideia.
Platão considerou que Heráclito tinha razão no que se refere ao mundo material e
sensível, mundo das imagens e das opiniões. A matéria, diz Platão, é, por essência e por
natureza, algo imperfeito, que não consegue manter a identidade das coisas, mudando
sem cessar, passando de um estado a outro, contrário ou oposto. Assim, do mundo
material só nos chegam as aparências das coisas e sobre ele só podemos ter opiniões
contrárias e contraditórias. Por esse motivo, diz Platão, a filosofia deve abandonar esse
mundo sensível e ocupar-se com o mundo verdadeiro, invisível aos sentidos e visível
apenas ao puro pensamento. O verdadeiro é o Ser, uno, imutável, idêntico a si mesmo,