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é comandada pelo absurdo: é absurdo como os homens
estão sempre desejando ou esperando o amanhã quando,
na verdade, deveriam rejeita-lo. Nenhum homem vivo jamais
experimentou a morte; por isso, a maioria de nós vive como
se ela nunca fosse chegar.
Entretanto, para o autor, não se pode, como é comum, pensar no absurdo e logo
dali fugir com pressa; pelo contrário, é preciso esforçar-se para saber lidar com o
absurdo, pensar no absurdo e encarar o absurdo. Nas palavras do autor, aprender a
viver no deserto, cravar as unhas no abismo do nada.
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Mas Camus recusa o suicídio individual, que cancelaria a condição humana
absurda, que brota de sua relação com as coisas, o suicídio político, que cria utopias
que visam banir o absurdo da história (é o caso de viver em função de um sentido
metafísico de todas as coisas, tirando o peso da vida de suas próprias costas), e o
suicídio filosófico, filosofias que elidem do problema do absurdo. São todas formas
de se esquivar do absurdo. É o caso de Kierkegaard; Kierkegaard, em Temor e
Tremor, constata o absurdo da existência humana e vê a fé como saída:
Para Camus, uma das poucas posturas filosóficas coerentes é a revolta: ser um
homem revoltado é questionar o mundo a cada segundo, ter certeza de nosso destino
esmagador e não o aceitar. A revolta dá valor e grandeza a vida, pois ela reafirma a
inteligência contra a realidade. A não crença em Deus e na vida após a morte confere
a nós liberdade, liberdade de ação. O homem absurdo, alheio a própria vida, livre da
esperança, percorre o mundo, nada faz pelo eterno, satisfaz-se com o que tem, com
os próprios limites. As coisas não possuem sentido profundo, é preciso ter gosto pelo
presente. Como diz Nietzsche: “o que importa não é a vida eterna, e sim a eterna
vivacidade”. O homem é seu próprio fim.
Parece que, no apego de um homem à sua vida, há alguma coisa mais forte que
todas as misérias do mundo; afinal, primeiro vivemos, e depois pensamos. O
próprio Camus lembra como, quando atingido precocemente pela tuberculose foi
acometido por um desejo imenso de viver. Sísifo é o personagem da mitologia grega
que tem como castigo dos deuses a tarefa de levar uma imensa pedra até o topo de
uma montanha; lá, a pedra rola montanha abaixo e, diariamente, o trabalho recomeça.
Sísifo simboliza a inutilidade da ação humana: seu trabalho é sempre frustrado, pois
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todos os homens e todo o trabalho feito, sempre passarão. No entanto, Sísifo sempre
recomeça: por mais absurdo que sejam as tarefas humanas, ele mantém sua
consciência, continua seu trabalho. A luta para fazer a pedra chegar ao cume basta
para encher o coração de um homem. É sua consciência, claro, que torna sua situação
trágica. Sísifo tem consciência da sua vida, Sísifo tem consciência de sua revolta e,
desprezando sua tragédia, supera seu destino. Diz Camus, “é preciso imaginar Sísifo
feliz”.
Vale lembrar que Camus abre seu livro com a frase de Píndaro:
“Oh, minha alma não aspira à vida imortal, mas esgota o campo do possível”