Sunteți pe pagina 1din 168

Cadernos de Ibero-América

INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS CTS

(Ciência, tecnologia e sociedade)

E. M. García Palacios, I. von Linsingen (Ed.), J. C. González Galbarte,


J. A . López Cerezo, J. L. Luján, L. T. V. Pereira (Ed.),
M. Martín Gordillo, C. Osorio, C. Valdés e W. A . Bazzo (Ed.)
ORGANIZAÇÃO DE ESTADOS IBERO-AMERICANOS
PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (OEI)

2003

4
SUMÁRIO

Prefácio ................................................................................................................07

Apresentação .....................................................................................................09

1. O que é a ciência? ............................................................................................13

1.1 Introd u ção ..................................................................................................13


1.2 Concep ção herd ad a d a ciência .............................................................14
1.3 A d inâm ica d a ciência ............................................................................21
1.4 Novos enfoques sobre a ciência: transciência e ciência reguladora .....25
1.5 Conclu são ...................................................................................................31
1.6 Bibliografia ................................................................................................31

2. O que a tecnologia? ........................................................................................35

2.1 Introd u ção ..................................................................................................35


2.2 Técnica e natu reza hu m ana ..................................................................36
2.3 O significad o d a tecnologia ..................................................................39
2.4 Dem arcações sobre a tecnologia ..........................................................43
2.5 Filosofia d a tecnologia ............................................................................49
2.6 Avaliação d e tecnologias .......................................................................63
2.7 Ap ontam entos sobre o m ovim ento lu d ita ........................................71
2.8 Conclu são ...................................................................................................76
2.9 Bibliografia ................................................................................................77

3. O que é sociedade? .........................................................................................81

3.1 Introd u ção ..................................................................................................81


3.2 Ap roxim ação ao conceito d e socied ad e ............................................82

5
3.3 Socied ad es e d esenvolvim ento tecnocientífico: tip ologias ..........91
3.4 A m u d ança social: algu m as interp retações ....................................103
3.5 A articu lação d em ocrática d o social com o cond ição p ara a
p articip ação ativa nas d ecisões tecnocientíficas ...........................110
3.6 Conclu são .................................................................................................116
3.7 Bibliografia ..............................................................................................117

4. O que é ciência, tecnologia e sociedade? ..............................................119

4.1 Introd u ção ................................................................................................119


4.2 A im agem trad icional d a ciência e d a tecnologia .........................120
4.3 Os estu d os CTS........................................................................................125
4.4 Ciência, tecnologia e reflexão ética ...................................................140
4.5 A ed u cação em CTS ..............................................................................144
4.6 Conclu são .................................................................................................150
4.7 Bibliografia ..............................................................................................151

Glossário ..........................................................................................................157

Bibliografia em português .........................................................................167

6
PREFÁCIO

Dentre os países iberoam ericanos, som ente Brasil e Portugal falam o id iom a
português. Se esta é um a d iferença que ajud a a assinalar um a id entid ad e, por
outro lad o ela também d ific ulta o livre trânsito d e informações e d e saberes
entre tod as estas nações. Alguns d os d emais países d este bloco são pród igos em
p u blicações em várias áreas, notad am ente naqu elas qu e evid enciam u m a certa
tentativa d e hu m anização d as técnicas. Perd em , com isso, Brasil e Portu gal,
além d e d iversas ou tras nações qu e conosco com u ngam a m esm a língu a. Isto
porqu e as necessárias trad u ções d ificu ltam , qu and o não obstacu lizam , a leitu ra
que pod erá abrir espaço para reflexões sobre temas que d e outra forma
ad orm ecem nos escaninhos d a história.
Os estu d os CTS, qu e já há m u itos anos vêm ganhand o form a nos EUA e em
alguns países europeus, pouco a pouco vêm, em vários lugares, d espertand o
interesse renovad o, especialmente no Brasil. Apesar d isso – ou talvez
justamente pelo grau d e novid ad e nele aind a presente –, pou ca bibliografia
específica – talvez efetivamente nenhuma – há no país neste novo campo d e
estudos.
A Organização d e Estad os Iberoam ericanos (OEI) tem sid o atuante nesta
área, na qual tem sistematicamente publica d o textos que esclarecem, d ifund em,
inovam , renovam e fazem avançar os estu d os CTS. A id éia d este texto su rge a
partir d a iniciativa d e m em bros d a própria OEI d e am pliar u m pou co a
extensão d os fru tos d esse trabalho, até agora d isponíveis em essência apena s
para versad os na língua espanhola. Com esta trad ução d os originais – Ciencia,
Tecnología y Sociedade: una aproximación conceptual –, levad a a cabo por três
professores d a UFSC – componentes do N EPET 1 , (http://w w w .nepet.u fsc.br ),
objetiva -se, portanto, levar também para o Brasil e para Portugal – e, é claro,
para os d emais interessad os que tenham o português como língua materna, ou
que a d ominem –, algumas id éias acerca d as relações entre ciência, tecnologia e
1
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Tecnológica (NEPET), Departamento de Engenharia
Mecânica, Centro Tecnológico, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Santa
Catarina, Brasil.

7
socied ad e, tão bem expostas no texto base. Ficam assim reu nid os, nu m ú nico
livro em portu gu ês, tem as básicos d e d iversas origens d isciplinares, d e conexão
com p lexa, e qu e bu scam estabelecer relações com as qu estões CTS.
Ju ntam ente com esta trad u ção – que são em algu m as p assagens m ais livre –
, este texto aind a traz algu m as contribu ições no qu e d iz resp eito à bibliografia,
procu rand o listar o qu e existe d e conteú d os – m esm o qu e não esp ecíficos na
área – que possam am pliar e aprofund ar os estud os CTS no id iom a por tu gu ês.
Alguns livros, artigos e sites inclu sive pod em já constar d a bibliografia original
em espanhol. Isto não será uma superposição porque o fato d e também estar em
português pod erá auxiliar o entend im ento d os assuntos pertinentes. Para que a
fonte d e consu lta seja a m ais am p la p ossível, m antivem os a bibliografia
exatamente como na ed ição original espanhola, optand o por colocar a d e língua
portuguesa – d e acord o com as norm as brasileiras d a ABN T – nu m ap ênd ice
próprio para consulta.
O glossário, qu e serve d e su p orte p ara o entend im ento d e algu m as
passagens d o texto por parte d e leitor, não foi acrescid o d e nenhum novo
termo, tend o sofrid o apenas sua ad aptação para o id ioma português.
Ao longo d o texto, é importante que se saliente, pela mud ança d e
significad o qu e algu m a expressão possa sofrer, resolvem os ad aptar algu ns
termos d e mod o que o entend imento ficasse compatível com o contexto d o
leitor. Em função d isso, algum as explicações e d ad os ad icionais foram
introd uzid os d e acord o com a realid ad e brasileira, já qu e os exem p los citad os
ao longo d o texto base quase sem pre se referiam a países d a Europa ou aos
EUA.
Com tod as estas ad aptações – qu e não alteram em nenhu m m om ento o teor
d o texto –, esperam os estar oferecend o u m m aterial im portante no id iom a
portug u ês para o entend im ento e a d issem inação d este cam po d e conhecim ento
– CTS –, que julgam os ser fund am ental para proporcionar um a m ud ança d e
postura na ed ucação para a cid ad ania.
As inevitáveis falhas e as opções conscientes por m od os d e trad u ção qu e
possam gerar algum d esconforto ou d iscord ância por parte d e especialistas em
algum assunto específico aqui tratad o d evem ser d ebitad as na conta d os
trad utores.
Desejam os a tod os u m a boa leitu ra, ao m esm o tem po em qu e incitam os às
reflexões acerca d e assunto tão premente no mund o atual, quanto o são as
relações entre ciência, tecnologia e socied ad e.

Irlan von Linsingen


Luiz Teixeira d o Vale Pereira
Walter Antonio Bazzo

8
APRESENTA ÇÃO

Pou cos conceitos evocam com tanta clareza as incertezas d a cond ição
humana nesta mu d ança d e milênio quanto os d e ciência, tecnologia e socied ad e.
A p rod u ção d e conhecim entos teve nas ú ltim as d écad as u m a aceleração d e tal
m agnitu d e qu e, para caracterizar a ciência, é m enos significativa su a longa
trajetória d e séculos que o lugar privilegiad o que ocupa no pr esente e as
incertezas qu e su scita ao se p ensar no fu tu ro. Por su a vez, a tecnologia tem sid o
sempre elemento d efinid or d o ser humano, inclusive muito mais que o próprio
conhecim ento científico, ao id entificar-se o surgimento d o técnico com a própria
origem d o hu m ano. N o entanto, nesta mud ança d e século, a prevalência d a
tecnologia na d efinição d as cond ições d a vid a hum ana parece ter alcançad o a
essência ilim itad a qu e Ortega y Gasset prognosticava em sua célebre Meditação
da técnica. Desta form a, o próprio conceito d e socied ad e só pod e ser
ad equad am ente d efinid o quand o se o contextualiza no m arco d as m ud anças
tecnocientíficas d o presente. Fen ôm enos com o globalização, nova econom ia,
socied ad e d e risco e a p róp ria relação d a h uman id ad e com o entorno natu ral só
se entend em qu and o forem p ostos em relação com as atu ais cond ições d o
processo tecnocientífico e com os m arcos d e pod eres, interesses e valores em
que se desenvolvem.
Por isso os estud os sobre ciência, tecnologia e socied ad e – habitu alm ente
id entificad os pela sigla CTS –, não são só relevantes d esd e os âmbitos
acad êm icos em qu e trad icionalm ente se têm d esenvolvid o as investigações
históricas ou filosóficas sobre a ciência e a tecnologia. Ao colocar o processo
tecnocientífico no contexto social e d efend er a necessid ad e d a participação
d emocrática na orientação d o seu d esenvolvimento, os estud os CTS ad quirem
u m a relevância pú blica d e prim eira m agnitu d e. H oje, as qu estões relativas a
ciência e a tecnologia e sua im portância na d efinição d as cond ições d a vid a
humana saem d o âmbito acad êmico para converter-se em centro d e atenção e
interesse d o conjunto d a socied ad e.
N otícias esp etacu lares relacionad as com as biotecnologias ou as tecnologias
d a com unicação suscitam o interesse públic o e abrem d ebates sociais que

9
u ltrap assam a com preensão trad icional acerca d as relações entre ciência,
tecnologia e socied ad e. Antes a ciência era consid erad a como o mod o d e
d esentranhar os aspectos essenciais d a realid ad e, d e d esvelar as leis qu e a
governam em cad a parcela d o mund o natural ou d o mund o social. Com o
conhecim ento d essas leis seria p ossível a transform ação d a realid ad e com o
concurso d os proced imentos d as tecnologias, que não seriam outra coisa senão
ciências aplicad as à prod u ção d e artefatos. N essa consid eração clássica, a
ciência e a tecnologia estariam afastad as d e interesses, opiniões ou valores
sociais, d eixand o seu s resu ltad os a serviço d a socied ad e para qu e esta d ecid isse
o qu e fazer com eles. Salvo interferências d istantes, a ciência e a tecnologia
promoveriam, portanto, o bem -estar social ao d esenvolver os instrumentos
cognoscitivos e práticos para propiciar uma vid a humana sempre melhor. N o
entanto, hoje sabem os que esta consid eração linear acerca d as relações entre
ciência, tecnologia e socied ad e é excessivam ente ingênu a. As fronteiras precisas
entre estes três conceitos se d issipam à med id a que elas são analisad as com
d etalhes e contextualizad as no presente.
Ciência, tecnologia e socied ad e configuram um a tríad e conceitual m ais
com p lexa d o que uma simples série sucessiva. Em primeiro lugar, o
rom p im ento entre conhecim entos científicos e artefatos tecnológicos não é
m u ito ad equ ad o, já qu e na p róp ria configu ração d aqu eles é necessário contar
com estes. O conhecim ento científico d a realidad e e sua transform ação
tecn ológica não são processos ind epend entes e sucessivos, já que se encontram
entrelaçad os em u m a tram a em qu e constantem ente se confu nd em teorias e
d ad os em píricos com proced im entos técnicos e artefatos. Entretanto, por ou tro
lado, o tecid o tecnocientífico não existe à m argem d o próprio contexto social em
qu e os conhecim entos e os artefatos resu ltam relevantes e adqu irem valor. A
tram a tecnocientífica se d esenvolve m istu rand o -se na tram a d e um a socied ad e
em que ciência e tecnologia d esempenham um papel d ecisivo em sua própria
configuração. Portanto, o entrelaçam ento entre ciência, tecnologia e socied ad e
obriga a analisar suas relações recíprocas com mais atenção d o que implicaria a
ingênua aplicação d a clássica relação linear entre elas.
Os capítulos d este livro pretend em elucid ar os conceitos que perm item
um a aproxim ação crítica e plural d as relações entre estes três conceitos. Optou-
se por fazer um tratamento sub stantivo d e cad a u m d eles, tentand o resp ond er
sucessivamente a perguntas form ulad as nos três prim eiros capítulos (O que é a
ciência?, O que é a tecnologia?, O que é socied ad e?). Apesar d e se ter optad o
por m anter u m a apresentação separad a e nu m a ord em clássica d e cad a u m
d estes três conceitos, ao longo d os cap ítu los corresp ond entes vão-se colocand o
suas relações recíp rocas. De algu m m od o, em cad a u m d os três p rim eiros
capítu los são realizad as análises separad as d os fios que vão tecend o as
entrelaçad as relações CTS, que serão abord ad as d iretam ente no quarto capítulo
(O que é ciência, tecnologia e socied ad e?). N ele se d esenham estas qu estões

10
relativas à interação entre estes três conceitos qu e foram send o su scitad os nos
anteriores, até o ponto em que se oferece um panorama geral sobre o
significad o e os temas próprios d as chamad a s perspectivas CTS.
N as páginas qu e se segu em pretend e-se abord ar um a visão geral sobre o
estado da questão em relação com os três conceitos que d ão o título a esta obra.
N o entanto, o tratamento d e cad a um d e tais conceitos não pretend e red uzir -se
a u m a introd u ção filosófica ou histórica d a ciência ou d a tecnologia ou aos
tópicos d a sociologia. O critério d e seleção d os temas tratad os em cad a um d os
três prim eiros capítu los é o d a su a relevância para u m a ad equ ad a com pr eensão
d as relações recíprocas entre estes três conceitos. São, portanto, três abord agens
sucessivas acerca d a ciência, d a tecnologia e d a socied ad e d esd e a perspectiva
d os próprios estud os CTS, ad otand o o enfoqu e crítico e interd isciplinar. Entre
os asp ectos m ais relevantes qu e ap arecem reinterad am ente nos qu atro cap ítu los
está a d imensão ed ucativa d as questões tecnocientíficas. A importância d e uma
alfabetização tecnocientífica com o cond ição necessária para tornar possível a
participação pú blica nestes tem as aparece em d iversos lu gares. De certo m od o,
a ed u cação para a cid ad ania seria o su porte im prescind ível para tornar possível
a d em ocratização d as d ecisões socialm ente relevantes em relação ao
d esenvolvim ento d a ciência e d a tecnologia.
Esta relevância d a d imensão ed ucativa está presente também na p róp ria
organização d e cad a capítulo, ond e se com binam o d esenvolvim ento d o texto
p rincip al com ou tros qu e am pliam as possibilid ad es d e estu d os, ao se
introd u zir u m a seleção d e leitu ras com p lem entares. Tam bém se inclu i ao final
d o livro u m breve glossário. Pretend e-se, assim , am pliar a u tilid ad e d este texto
para os d iver sos pú blicos qu e pod em ter interesse nestes tem as e, m ais
especificamente, para o professorad o que possa e queira participar nos
processos d e alfabetização tecnocientíficas visand o à cid ad ania, à capacitação
para uma participação d emocrática nas questões d e d esenvolvimento e d e
controle público d a ciência e tecnologia. Com esta finalid ad e, a Organização d os
Estad os Ibero-am ericanos p ara a ed u cação, a ciência e a cu ltu ra (OEI) tem
empreend id o a preparação d e d iversos mat eriais d e fund am entação teórica e
d esenvolvim ento d id ático p ara a ed u cação em CTS. Tais m at eriais form am
parte d e um curso virtual sobre CTS para cuja d ocumentação será também
utilizad a esta publicação.
Prom over a cooperação ibero-am ericana no âm bito d a ed u cação CTS é u m
p rop ósito p róp rio d a p rogram ação d e ativid ad es d a OEI, d entro d o qu al se
insere este livro. O d esejo d e contr ibu ir d e algu m m od o p ara tal p rop ósito é o
que tem animad o seus autores, d esejo que esperam compartilhar com os
leitores.

11
12
1 - O QUE É CIÊNC IA ?

1.1 Introdução

É d ifícil d imensionar a importância d a ciência no mund o atual, porque,


para muitas pessoas, a ciência é algo aind a d istante e u m tanto d ifu so. N u m
processo d e d istanciam ento reflexivo d e seu lugar na civilização hum ana um a
grand e parcela d a socied ad e só consegue, aind a, relacioná -la a
d esenvolvimentos científicos notáveis ou mesmo a nomes d e cientistas
desta cados.
A percepção pública d a ciência e d a tecnologia é, além d e tud o, um
pouco ambígua. A proliferação d e mensagens d o tipo otimista ou catastrofista
em torno d o papel d esses saberes, nas socied ad es contemporâneas, tem levad o
a que muitas pessoas não tenham uma id éia muito clara d o que é a ciência e
qual o seu papel na sociedade. A isto se soma um estilo de política p ú blica
sobre ciência incapaz d e motivar uma participação que contribua para o d ebate
aberto acerca d esses assu ntos e, em geral, para favorecer su a apropriação por
parte das comunidades.
Com o objetivo d e tentar minimizar um pouco tais d istorções, na
seqüência serão estabelecid as algu m as consid erações qu e pod em possibilitar
id entificar a ciência, em especial com relação àquilo que as contribuições d a
investigação filosófica, histórica e sociológica sobre a ciência ressaltam com o
significativo com relação a u m conju nto d e asp ectos vinculad os com o m étod o
científico, o processo d o d esenvolvim ento e m ud anças d a ciência, a articulação
entre a experimentação, observação e teoria.
Cabe assinalar qu e a escolha d os tem as aqu i abord ad os d e m od o algu m
p retend e d efinir a ciência ou oferecer u m a revisão exau stiva acerca d o m od o
como inúmeros pensad ores têm se referid o à ela. Prefere-se limitar as análises

13
àqueles aspectos que tornem possível um a com preensão social d o
conhecim ento científico contem p orâneo e, d e m aneira esp ecial, su a articu lação
com o plano ed ucativo através d a concepção CTS.

1.2 Concepção herdada da ciência

O vocábulo “ciência” d eriva d o latim “scientia”, substantivo


etimologicamente equ iva lente a “saber”, “conhecim ento”. N o entanto, existem
saberes que ninguém qualificaria com o científico, o que nos perm ite perguntar:
O qu e d iferencia a ciência d o resto d os saberes e em geral d a cu ltu ra? Qu ais são
suas características d istintivas? Por qu e se pod e d izer qu e a ciência, perante
tod o tipo d e saber que se prod uz, regula, com unica, se aprend e d e um a form a
tal que se d iferencia d os d emais saberes e formas d e conhecim ento?

De onde provém a ciência? Estas são questões que diferentes historiadores


e cientistas têm enfrentado. Na maioria dos casos, a Grécia é considerada o
berço da ciência pura e da demonstração. Mas muitos saberes científicos
parecem ter tido uma origem mais plural, tal como ocorre com a astronomia, a
medicina e a matemática. Em particular a matemática pode nos dar uma idéia
importante do caráter social e múltiplo da origem do conhecimento científico.
Segundo Ritter (1989), não há nenhuma necessidade interna na maneira como
se resolve um determinado problema de matemática. As técnicas de resolução
estão ligadas à cultura onde nascem, e culturas diferentes resolverão o mesmo
problema por caminhos diferentes, ainda que os resultados finais possam ser,
em geral, similares. Esta diversidade de origens coincide com a análise
histórica da construção de tábuas de cálculo matemático no Egito e na
Mesopotâmia.

De acord o com a concepção trad icional ou “concepção herd ad a” d a


ciência, esta é vista como um em p reend im ento au tônom o, objetivo, neu tro e
basead o na ap licação d e um cód igo d e raciona lid ad e d istante d e qu alqu er tipo
d e interferência externa. Segund o esta concepção, a ferramenta intelectual
resp onsável p or p rod u tos científicos, com o a genética d e p op u lações ou a teoria
cinética d os gases, é o chamad o “métod o científico”. Este con sistiria d e um
algoritm o ou p roced im ento regu lam entad o p ara avaliar a aceitabilid ad e d e
enunciad os gerais basead os no seu apoio em pírico e, ad icionalm ente, na sua
consistência com a teoria d a qual d evem form ar parte. Um a qualificação
particu lar d a equ ação “lógica + experiência” d everia proporcionar a estru tu ra
final d o m étod o científico, respald and o um a form a d e conhecim ento objetivo só

14
restringid o por algu m as virtud es cognitivas que lhe garantissem coerência,
continu id ad e e u m a particu lar cred ibilid ad e no m u nd o da exp eriência.
O d esenvolvim ento científico é concebid o d este m od o com o u m
processo regu lad o por u m rígid o cód igo d e racionalid ad e au tônom o, alheio a
cond icionantes externos (sociais, polític os, p sicológicos…). Em situações d e
incertezas, por exemplo, d iante d a alternativa de dois d esenvolvim entos
teóricos igu alm ente aceitáveis em u m d ad o m om ento (basead o na evid ência
em pírica), tal au tonom ia seria preservad a, apeland o-se para algu m critério
m etacientífico igu alm ente objetivo. Virtu d es cognitivas qu ase sem pre invocad as
em tais casos são as d a sim plicid ad e, d o pod er pred itivo, d a fertilid ad e teórica e
d o p od er exp licat ivo.
Dentro d a trad ição d o empirismo clássico, casos d e Francis Bacon e
John Stuart Mill, o métod o científico era entend id o basicamente como um
métod o ind utivo para o d escobrimento d e leis e fenômenos. Tratava -se,
portanto, d e um proced im ento ou algoritm o para a ind ução genética, quer
dizer, um conjunto de regras que ordenavam o processo de inferência ind u tiva
e legitimavam seus resultad os. O mét od o p erm itiria, assim , constru ir
enunciad os gerais e hipotéticos acerca d essa evid ência em pírica, a partir d e um
conjunto lim itad o d e evid ências em píricas constituíd as por enunciad os
particu lares d e observação.

Bacon é consid erad o a figura capital d o Renascimento na Inglaterra. Foi um


pensador que se opôs conscientemente ao aristotelismo, e não esteve a favor
d o platonismo ou d a teosofia, mas em nome d o progresso científico e técnico
a serviço d o homem. O valor e a justificação d o conhecimento, segundo
Bacon, consistem sobretudo de sua aplicação e utilidade prática; sua
verd ad eira função é estend er o d omínio d a raça humana, o reinad o d o
homem sobre a natureza. No Novum Organum, Bacon chama a atenção para os
efeitos práticos da invenção da imprensa, da pólvora e da bússola, que “têm
mudado o fazer das coisas e o estado do mundo; a primeira, na literatura, a
segunda, na guerra, e, a terceira, na navegação”. Bacon adivinhou de um
mod o notável o progresso técnico que se aproximava, um progresso que ele
confiava que havia de servir ao homem e à cultura humana (Copleston, 1971).

Um argu m ento qu e contrapõe esta noção d e ciência, qu e se apóia nu m


m étod o d e caráter ind utivo, vem sustentad o pela própria história d a ciência.
Em p rincíp io, a história m ostra qu e nu m erosas id éias científicas su rgem por
múltiplas causas, algumas d elas vincu lad as à inspiração, à sorte em contextos
internos d as teorias, aos cond icionam entos socioeconôm icos d e u m a socied ad e,
sem que seja seguid o, em todos os casos, um procedimento padrão ou
reg u lam entad o. Este p rim eiro rechaço ao em p irism o clássico constitu i a base d o
cham ad o “giro lógico” (um a expressão d e T. N ickles) que se prod uziu d urante
o sécu lo 20. Com tal giro, im pu lsionad o por au tores com o J. H erschel e W. S.
Jevons, o m étod o científico p assa a ser entend id o com o u m p roced im ento d e

15
justificação post hoc e não d e gênese ou d escobrimento. Tal proced imento d e
ju stificação consiste em aplicar o m étod o hipotét ico-d ed u tivo (H-D) p ara o
d esenvolvim ento d a ciência, ond e o apoio d a experiência às h ip óteses gerais
continua send o d e caráter ind utivo, porém se trata d e uma ind ução ex post ou
ind u ção confirm atória. Em ou tras palavras, o m étod o consistiria d e u m apoio
que as hipót eses recebem d e m aneira ind ireta a p artir d a constatação d a
exp eriência basead a nas implicações contrastantes qu e d erivam d ed u tivam ente
d essas hipót eses.
Com esse novo esqu em a d e m étod o científico, m ais d e acord o com a
história d a ciência, são originad os ao longo d o século 20 d iversos critérios d e
aceitabilid ad e d e id éias em ciência, apresentad os habitu alm ente com o critérios
de cientificidade. Estes critérios tratam em geral d e operacionalizar o m étod o H-
D, fazend o d este não só um instrumento d e d emarcação para a ciência, mas
tam bém u m a ferram enta para o trabalho histórico qu e le va à reconstru ção d a
razão científica. Entre tais critérios d estaca-se o d e verificabilid ad e d e
enu nciad os, d efend id o nos p rim eiros tem p os d o Em p irism o Lógico ou
Positivismo Lóg ico, e posteriorm ente o d a cham ad a exigência d a
confirmabilid ad e crescente (p. ex. Carnap). Ou tro critério é o conhecid o com o
falseabilid ad e d e hipóteses ou teorias, proposto por Karl Popper, assim com o a
extensão que d ele faz Imri Lakatos em sua metod ologia d e program as d e
investig ação.

Para Popper, uma hipótese ou teoria só é científica se ela for falseável. Deste
m od o, em p resta-se à falseabilidade o poder de avaliação crítica, substituindo
o interesse filosófico trad icional centrad o na confirmação pelo estatuto d a
corroboração, que não resulta d a confirmação d a acumulação d e instâncias
positivas d e uma hipótese, mas sim d o fato d e ela ter sobrevivid o com êxito a
numerosas e d iversas tentativas d e se provar a sua falseabilid ad e (López
Cerezo, Sanmartín e González, 1994).

Tod os esses intentos d e capturar em um métod o ou estratégia a


característica d a ciência com partilham , apesar d e su as d iferenças, u m certo
nú cleo com u m : id entificar a ciência com o u m a com binação p ecu liar d e
raciocínio d ed u tivo e inferência d ed u tiva (lógica + experiência) au xiliad as qu em
sabe p or virtu d es cognitivas com o a sim p licid ad e, o p od er exp licativo ou o
apoio teórico. É uma versão d o casamento entre a matemática e o empirismo, ao
qu e Bertrand Ru ssell atribu ía o nascim ento d a ciência m od erna no Prim eiro
Congresso Internacional p ara a Unid ad e d a Ciência, celebrad o em Paris em
1935.
Quanto ao prod uto d e aplicação d esse métod o, o corpo d e
conhecim ento científico, no Positivism o Lógico, era com um caracterizá -lo com o
u m conju nto d e teorias verd ad eiras ou aproxim ad am ente verd ad eiras, com o
por exem plo a m ecânica clássica d e partícu las, a teoria d a seleção natu ral, a

16
teoria cinética d os gases etc. Fala -se aqu i d e teorias d e conju ntos d e enu nciad os,
ond e os enunciad os propriam ente científicos pod em pertencer a um a
linguagem teórica ou a uma linguagem observacional, ou aind a con stitu ir
enu nciad os-p onte qu e, com term os p ertencentes a am bos vocabu lários,
conectem os d ois níveis lingü ísticos. De outra parte, a estrutura geral d as teorias
científicas era entend id a como um sistema axiomático, no qual existiria uma
conexão d ed utiva d esd e os enu nciad os m ais gerais até os m ais específicos. Mais
aind a, a ciência m esm a, com su a d iversid ad e d e d iscip linas, era contem p lad a
com o u m grand e sistem a axiom ático cujos conceitos e postulad os básicos eram
os d a física m atem ática. A cham ad a lógica d e pred icad os d e prim eira ord em
com id entid ad e se supunha pod er oferecer o instrumental requerid o para
formalizar tais sistemas, ou melhor, para fund amentá-los e proporcionar uma
com preensão rigorosa d os m esm os. Finalm ente, o d esenvolvim ento tem poral
dest e corpo d e conhecim ento era visto com o u m avanço linear e cu m u lativo,
com o p arad igm a d e p rogresso hu m ano. Frente a tal situ ação, a reação
antipositivista d os anos 60, com argum entos com o o d a infrad eterm inação ou o
caráter teórico d a observação, p rod u ziu o aband ono d este lugar comum sobre
as teorias d a filosofia d a ciência.

Leituras complementares

CARN AP, R. (1963): Autobiografía intelectual. Barcelona, Paid ós, 1992.


ECHEVERRÍA, J. (1999): Introducción a la metodología de la ciencia: la filosofía de la ciencia
en el siglo XX. Mad rid . Cáted ra.
GONZÁLEZ GARCÍA, M. I.; LÓPEZ CEREZO, J. A., y LUJÁN LÓPEZ, J. L. (1996):
Ciencia, tecnología y sociedad: una introducción al estudio social de la ciencia y la tecnología .
Mad rid , Tecnos.
HANSON, N. R. (1958): Patrones de descubrimiento. Madrid, Alianza, 1977.
LATOUR, B. (1987): Ciencia en acción. Barcelona, Labor, 1992.
NAGEL, E. (1961): La estructura de la ciencia . Barcelona, Paidós, 1981.
POPPER, K. (1935): La lógica de la investigación científica. Mad rid , Tecnos, 1962.
VILCH ES, A., y FURIÓ, C.: “Ciencia, Tecnología y Socied ad : implicaciones en la
ed u cación científica para el siglo XXI”, <http://www.campusoei.org/cts/ctseducacion.-
htm >.

1.2.1 A reação ao Positivismo Lógico

A reação antipositivista faz referência ao processo d e rechaço d entro d e


um d etermina d o âm bito acad êm ico d esta concep ção p ositivista ou herd ad a d a
ciência. Tal reação antip ositivista tem seus pilares em uma série d e críticas
realiza d as por alguns autores, entre os quais se encontram Thomas S. Kuhn,

17
Paul Feyerabend , N . R. H anson, S. Toulm in ou W. Quine. A reação
antipositivista veio m arcad a pela d enúncia filosófica d e um a série d e problem as
qu e tornavam realm ente com p licad o m anter os pressu postos raciona listas
trad icionais. Vam os analisar brevemente alguns d esses problemas.

• A carga teórica da observação. O que se vê d epend e tanto d as


im pressões sensíveis com o d o conhecim ento prévio, d as
expectativas, d os pré-juízos e d o estad o interno geral d o
observad or. Desse m od o, tod a a observação está carregad a
teoricam ente. A d iscu ssão trad icional a resp eito d este argu m ento
está centrad a nas conseqü ências qu e p od em ter seu reconhecim ento
sobre a qu estão d a com paração interteórica, tanto nos contextos d e
d inâmica d a ciência, ond e teorias d ad as são substituíd as por outras
incom p atíveis, com o em contextos d e escolha entre teorias rivais
in com patíveis. N o primeiro caso, o argumento d a carga teórica d a
observação am eaça o mod elo cu m u lativo na d inâm ica da ciência;
no segund o, am eaça o papel causal d a racionalid ad e na resolu ção
d as controvérsias científicas.
• A infradeterminação. O qu e o argu m ento d a infrad eterm inação
afirm a é qu e, d ad a qu alqu er teoria ou hip ótese p rop osta p ara
explicar um determinado fenôm eno, sem pre é possível prod uzir
um núm ero ind efinid o d e teorias ou hipóteses alternativas que
sejam em piricam ente equ ivalentes à prim eira, m as qu e proponham
explicações incom patíveis d o fenôm eno em qu estão. H á qu e
d estacar qu e o reconhecim ento d a carga teór ica d a observação pod e
reforçar o argum ento d a infrad eterm inação, pela relativid ad e d o
que contamos como “evid ência empírica relevante” d esd e o ponto
de vista das alternativas teóricas no contexto d e escolha.

Como veremos mais ad iante, a partir d e Kuhn a filosofia tom a


consciência d a im por tância d a d im ensão social e d o enraizam ento histórico d a
ciência, ao m esm o tem po qu e inau gu ra u m estilo interd isciplinar qu e tend e a
d issolver as fronteiras clássicas entre especialid ad es acad êm icas.
N o âmbito d os estud os sociais d a ciência, au tores com o B. Barnes, H .
Collins ou Bruno Latour têm utilizad o a sociologia d o conhecimento para
apresentar u m a visão geral d a ativid ad e científica com o m ais u m processo
social; um processo regulad o basicam ente por fatores d e naturez a não
ep istêm ica, os qu ais teriam relação com p ressões econôm icas, exp ectativas
profissionais ou interesses sociais específicos. O d ebate entre filósofos
“essencialistas”, aqu eles qu e ad vogam u m m étod o basead o em cond ições
internas do H-D para a ciência, e sociólogos “contextualistas”, com um a ênfase
nos fatores sociais ou instru m en tais, continu a aberto em nossos d ias tanto em
d iscussões teóricas gerais com o em recon stru ções d e episód ios particulares.

18
Dentro d a p róp ria filosofia tend e-se recentem ente a consolid ar u m
m aior interesse p elo contexto. Frente às trad icionais visões intelectu alistas d a
ciência como saber ou como métod o, no atual estud o filosófico d a ciência existe
u m crescente interesse pela análise d esta com o prática, com o coleção d e
d estrezas com um suporte instrumental e teórico.
Produz-se assim u m a m u d ança d e ênfase nos d etalhes d as p ráticas
científicas p articu lares, ressaltand o a heterogeneid ad e d as culturas científicas
em contraposição ao trad icional projeto red u cionista d o Positivism o Lógico.
Deste m od o, com o afirm a I. H acking (em su a contribu ição a Pickering, 1992),
u m a teoria científica m ad u ra d o tip o referid o anteriorm ente (a teoria cinética
d os gases), consistiria nu m aju ste m ú tu o d e d iversos tipos d e elem entos (d ad os,
equipe, teorias) até estabilizar-se em um “sistem a sim biótico” d e m útua
interd ep en d ência. Dad o que os aparatos e instrumentos d esempenham um
p ap el cru cial em tal estabilização, e d ad o tam bém o caráter d íspar e contingente
deste matériel (nos term os d e H acking, 1983), d ificilm ente p od e-se propor um
algoritm o que resum a isso que cham am os “fazer ciências”.
N . Shaffer (1996) propõe falar d e “heurística” científica m ais d o que d e
um critério unificad o d e ciência, entend end o por tal um conjunto heterogêneo
d e métod os subótimos para alcançar fins particulares sobre circunstâncias
d istantes d e serem id eais, incluind o entre estas as limitações impostas pelo
tem po ou pelo d inheiro, o conhecim ento teórico assim ilad o, as técnicas
experim entais, os instrum entos d isponíveis etc.

Leituras complementares

LATOUR, B.: “Dad m e un laboratório y levantaré el m und o”, <h ttp ://w w w .cam p u s-
oei.org/cts/latou r.htm >.
FULLER, S.: “La epistem ología socializad a”, <h ttp ://w w w .cam p u s-
oei.org/cts/fu ller.htm >.

H ACKIN G, I. (1992): “La autojustificación d e las ciencias d e laboratorio”, en


AMBROGI, A. (ed .) (1999): Filosofía de la ciencia: el giro naturalista. Palma d e
Mallorca, Universid ad d e las Islas Baleares.

POSSÍVEIS VISÕES DEFORMADAS ACERCA DA CIÊNCIA


(QUE INCIDEM SOBRE OS PROCESSOS DE ENSINO)

• Visão empirista e ateórica. Ressalta-se o p ap el d a observação e d a exp er im entação


“neu tras”, não contam inad as p or id éias, esqu ecend o o p ap el essencial das
hip óteses; no entanto, a ed u cação em geral é p u ram ente livresca, sem trabalho
exp erim ental. A ap rend izagem é u m a qu estão d e “d escobrim ento” ou se red u z à

19
p rática “d os p rocessos”, com om issão d os conteú d os.
• Visão rígida. Ap resen ta-se o “Métod o Científico” com o u m conju nto d e etap as qu e
se d eve segu ir m ecan icam en te. N o en sin o se ressalta o qu e se su p õe ser u m
tratam ento qu antitativo, u m controle rigoroso etc., esqu ecend o – ou inclu sive
rechaçand o – tu d o o qu e im p lica invenção, criativid ad e, d ú vid a… N o p ólo
op osto d esta visão rígid a e d ogm ática d a ciência com o d escobrid ora d a “verd ad e
contid a nos fatos”, se ap resenta u m relativism o extrem o, tanto m etod ológico
(“tu d o vale”, não existem estratégias esp ecíficas no trabalho científico), com o
con ceitu al (n ão h á u m a realid ad e objetiva qu e p erm ita contrastar a valid ad e d as
constru ções científicas: a ú nica base na qu al se ap óia o conhecim ento é o consenso
d a com u n id ad e d e p esqu isad ores n esse cam p o).
• Visão aproblemática e aistórica . Transm item -se conhecim entos já elaborad os, sem
m ostrar qu ais foram os p roblem as qu e geraram su a constru ção, qu al foi su a
evolu ção, as d ificu ld ad es etc., e m enos aind a as lim itações d o conhecim ento atu al
ou as p ersp ectivas fu t u ras.
• Visão exclusivamente analítica. Ressalta a n ecessária p arcialização d os estu d os, seu
car áter sim p lificativo, e esqu ece os esforços p osteriores d e u nificação e d e
constru ção d e corp os coerentes d e conhecim entos cad a vez m ais am p los, o
tratam ento d e p roblem as d e fronteira entre d istintos d om ínios qu e p od em chegar
a u nir-se, etc. Contra essa visão p arcializad a têm sid o elaborad as p rop ostas d e
ed u cação integrad a d as ciências, qu e tom am a u nid ad e d a m atéria com o p onto d e
p artid a, esqu ecend o qu e o estabelecim ento d e tal u nid ad e constitu i u m a
conqu ista r ecente e nad a fácil d a ciên cia.
• Visão acumulativa linear. Os conhecim entos ap arecem com o fru tos d e u m
conhecim ento linear, ignorand o as crises, as rem od elações p rofu nd as. Ignora-se,
em p articu lar, a d escontinu id ad e rad ical entre o tratam ento científico d os
p roblem as e o p en sam en to ordin ário.
• Visão individualista. Os conhecim entos científicos ap arecem com o obras d e gênios
isolad os, d esconhecend o-se o p ap el d o trabalho coletivo, d os intercâm bios entre
equ ip es… Esta visão ind ivid u alista se ap resenta associad a, algu m as vezes, a
concep ções elitistas.
• Visão “velada”, elitista. Ap resen ta-se o trabalho científico com o u m d om ínio
reservad o a m inorias esp ecialm ente d otad as, transm itind o exp ectativas negativas
p ara a m aioria d os alu nos, com claras d iscrim inações d e natu reza social e sex ual
(a ciência é ap resentad a com o u m a ativ id ad e em inentem ente “m ascu lina”).
Con tribu i-se p ara este elitism o escond end o a significação d os conhecim entos
ap ós o ap arato m atem ático. N ão são realizad os esforços p ara tornar a ciên cia
acessível (com eçan d o com tratam entos qu alitativos, significativos), nem p or
m ostr ar seu caráter d e constru ção hu m ana, no qu e não faltam confu sões nem
erros, com o os erros d os p róp r ios alu nos.
• Visão de “sentido comum” . Os conhecim entos são ap resentad os com o claros,
óbvios, “d e sen tid o com u m ” esqu ecend o-se qu e a constru ção científica p arte,
p recisam ente, d o qu estion am ento sistem ático d o óbvio.
• Visão descontextualizada, socialmente neutra . São esqu ecid as as com p lexas relações
CTS e são p rop orcionad as im agens d os cientistas com o se fossem seres “acim a d o
bem e d o m al”, enclau su rad os em torres d e m arfim e d istantes d as necessárias
tom ad as d e d ecisão. Com o reação p od e-se cair em u m a visão excessivam ente
sociológica d a ciência qu e d ilu i p or com p leto su a esp ecificid ad e (com base em
Vilches; Fu rió, h ttp ://w w w .cam p u s-oei.org/cts/ctsed u cacion.htm ).

20
1.3 A dinâmica da ciência

1.3.1 A estrutura das revoluções científicas

Um d os au tores qu e m ais influ enciou na su p eração d o Positivism o


Lógico foi Thom as S. Ku hn, em 1962, com a introd u ção d e conceitos
irred utivelm ente sociais para explicar como mud a a ciência, como é sua
d inâm ica e seu d esenvolvim ento. Ku hn argu m entou qu e a resposta à pergu nta
sobre o que é a ciência viria d e uma ajustada caracterização d os seus aspectos
d inâm icos, d e u m estu d o d iscip linar d a história d a ciência real. Seu s
argumentos const itu íram u m a au têntica revolu ção na form a d e abord ar o
problema.
Kuhn consid erou que a ciência tem períod os estáveis, ou m elhor, sem
alterações bru scas ou revolu ções, p eríod os estes em qu e os cientistas se
d ed icam a resolver rotineiram ente “qu ebra-cabeças” gu iad os p or u m
parad igm a teórico com partilhad o. Porém , neste períod o, tam bém vão-se
acu m u land o p roblem as d e conhecim ento qu e não são resolvid os, enigm as qu e
ficam estacionad os a espera d e tempos melhores. Estes períod os estáveis
pertencem a um tipo d e ciência que Kuhn d escreveu com o nome d e ciência
normal, em contraposição à ciência que se apresenta quand o sobrevém uma
revolu ção científica.
A ciência normal se caracteriza assim porque uma comunid ad e
científica reconhece u m parad igm a ou teoria, ou conju nto d e teorias, qu e
oferece solu ções aos p roblem as teóricos e exp erim entais qu e se investigam
neste m om ento. Du rante o períod o d a ciência normal as inovações são pouco
freqüentes, já que o trabalho científico se concentra na aplicação d o p arad igm a.
A acu m u lação d e p roblem as não resolvid os p od e originar, contu d o, u m m al-
estar que faz com que com ecem a ser percebid as aparecer anom alias d entro da
lógica d o p arad igm a, p od end o chegar a fazer com qu e este entre em crise e se
abra um períod o d e ciência extraord inária ond e tenha lugar um a revolução.
A ciência revolucionária se caracteriza pelo aparecim ento d e
parad igm as alternativos, pela d ispu ta entr e as com u nid ad es rivais e,
eventualmente, pelo possível rechaço d e partes significativas d a comunid ad e
científica em relação ao p arad igm a antes reconhecid o. Isto significa qu e há u m a
mu d ança na prod u ção d os problem as d isponíveis, nas m etáforas u sad as e nos
valores da com unid ad e, ind u zind o tam bém u m a m u d ança na im aginação
científica. Com a consolid ação d e um novo parad igma inicia -se uma mudança
na forma d e ver os problemas que antes estavam sem solução. É como se o novo
parad igma mud asse o mund o que havia sid o d escrito pela ciência, para ver

21
com novos olhos os problemas d o conhecimento aos quais se referia tal ciência.
Um a vez estabilizad o o parad igm a científico, a ciência tend e a converter -se
outra vez em ciência normal, para iniciar novamente o curso d e acum ulação d e
conhecim entos e d e problem as que encerra o d esenvolvim ento d o pensam ento
científico.

Um d os elementos que permite reconhecer o caráter d e mud ança d a


ciência é o livro d id ático. Este se caracteriza por ser um objeto
elaborad o d e acord o com regras variáveis no tempo e no espaço social.
N os m anuais científicos utilizad os hoje são relatad as as teorias aceitas e
ilustra d as suas aplicações (Kuhn, 1985).

A partir d e Kuhn passa a ser a comunid ad e científica, e não a realid ad e


em pírica, o que m arca os critérios para ju lgar e d ecid ir sobre a aceitabilid ad e
d as teorias. Conceitos com o “bu sca d a verd ad e” e “m étod o científico” p assam
então a ser substituíd os por conceitos com o “com unid ad e” e “trad ição”. A
ciência norm al, segund o este autor, é um a em presa colet iva de resolução de
enigm as, e as teorias científicas são representações convencionais d a realid ad e.
As teorias são convencionais porém não arbitrárias, posto que, em sua
constru ção, os cientistas põem em prática su as habilid ad es d e percepção e
inferência ad qu irid as nos p rocessos form ativos, qu e se convertem assim em u m
processo d e socialização a partir d o qu al os cientistas se com prom etem com su a
com u nid ad e e com o p arad igm a qu e im p era em cad a m om ento. Por ou tro lad o,
em p eríod os revolu cionários, a au sência d e elem entos d e juízo epistêm icos
comuns a teorias rivais torna necessário o recurso d a retórica, d o pod er, d a
negociação etc. p ara recru tar os aliad os necessários ao p róp rio p arad igm a
potencial.
Um a d as p rincip ais abord agens d e Ku hn foi a d e qu e a análise
racionalista d a ciência proposta pelo positivism o lógico é insuficiente, e que é
necessário apelar para a d im ensão social d a ciência para explicar a prod ução, a
m anu tenção e a m u d ança d as teorias científicas. Portanto, a p artir d e Ku hn
im p õe-se a necessid ad e d e um marco conceitual enriquecid o e interd isciplinar
para respond er às questões traçad as trad icionalm ente d e um m od o
ind epend ente pela filosofia, pela história e pela sociologia d a ciência. A obra d e
Ku hn d á lu gar a u m a tom ad a d e consciência sobre a d im ensão social e o
enraizamento hist órico d a ciência, ao m esm o tem po em que inaugura o estilo
interd isciplinar que tend e a d issipar as fronteiras clássicas entre as
especialid ad es acad êmicas, preparand o o terreno para os estud os sociais d a
ciência.
Leituras complementares

KUH N , T. S. (1962/1970): La estructura de las revoluciones científicas. México, FCE,


1985.

22
PÉREZ RAN SAN Z, A.R. (1999): Kuhn y el cambio científico. México, FCE.

1.3.2 Orientações construtivistas

O ponto d e partid a d o que se tem chamad o a “trad ição européia” nos


estud os CTS se situa na Universid ad e d e Ed im burgo (Grã-Bretanha) nos anos
setenta (ver o cap ítu lo “O qu e é CTS?”). É aqu i ond e au tores com o Barry
Barnes, David Bloor ou Steve Shapin formam um grupo d e pesquisa (Escola d e
Ed im burgo) para elaborar um a sociologia d o conhecim ento científico. Frente
aos enfoques trad icionais em filosofia e sociologia d a ciência, se tratava d e não
contem plar a ciência com o um tipo privilegiad o d e conhecim ento fora d o
alcance d as análises em píricas. Ao contrário, a ciência é ap resentad a com o u m
processo social, e u m a grand e varied ad e d e valores não epistêm icos (políticos,
econôm icos, id eológicos – em resumo, o “contexto social”) se acentua na
explicação d a origem , d a m ud ança e d a legitim ação d as teorias científicas.
A d eclaração p rogram ática d essa “sociologia d o conhecim ento
científico” teve lu gar m ed iante o cham ad o “Program a Forte”, enu nciad o por
David Bloor em 1976/1992. Esse program a pretend e estabelecer os princípios d e
u m a explicação satisfatória (isto é, sociológica) d a natu reza e d a m u d ança d o
conhecimento científico. N esse sentid o, não é um pr ogram a com p lem entar com
resp eito a enfoqu es filosóficos trad icionais (p or exem p lo o p ositivism o lógico
ou os enfoqu es p op p erianos), m as constitu i u m m arco exp licativo rival e
incompatível.

Os princípios do Programa Forte, de acordo com David Bloor (1976/1992), são


os seguintes:

1. Causalidade. Um a explicação satisfatória d e um episód io científico


tem de ser ca u sal, isto é, tem d e centrar -se nas cond ições efetivas qu e
prod uzem crença ou estad os d e conhecimento.
2. Imparcialidade. Tem d e ser im parcial com respeito à verd ad e e à
falseabilid ad e, à racionalid ad e e à irracionalid ad e, ao êxito ou ao
fracasso. Ambos os lad os d estas d ic otom ias requerem explicação.
3. Simetria. Tem de ser simétrica em seu estilo de explicação. Os
m esm os tipos d e causa têm d e explicar as crenças falsas e
verd ad eiras.
4. Reflexividade. Suas pautas explicativas d evem aplicar-se à sociologia .

Bloor apresenta originalm ente seu program a com o u m a ciência da


ciência, com o um estud o em pírico d a ciência. Afirm a ele que som ente d esd e a
ciência, e particu larm ente d esd e a sociologia, é possível explicar

23
ad equad amente as peculiarid ad es d o mund o científico. De fato, o êxito d o
Program a Forte significa u m a clara am eaça p ara a reflexão ep istem ológica
trad icional (veja, por exem plo, as irad as reações d e filósofos com o Bunge, 1983,
e, em g eral, as cham ad as “gu erras d a ciência”, em Fu ller, 1999).
Os esforços d os sociólogos d o conhecim ento científico foram
encam inhad os, então (d esd e a segund a m etad e d a d écad a d e 1970), para pôr em
prática o Program a Forte aplicand o-lhe a reconstrução sociológica d e
numerosos episód ios d a história d a ciên cia: o d esenvolvimento d a estatística, a
inteligência artificial, a controvérsia H obbes-Boyle, a investigação d os quarks, o
registro d as ond as gravitacionais, a origem d a mecânica quâ n tica etc.
O program a teórico em sociologia d o conhecim ento científico,
enunciad o por Bloor, foi posteriormente d esenvolvid o por um programa mais
concreto postulad o p or H arry Collins na Universid ad e d e Bath nos p rincíp ios
d os anos 1980: o EPOR (Empirical Programme of Relativism – Program a Em pírico
d o Relativism o), centrad o no estu d o em p írico d e con trovérsias científicas. A
controvérsia na ciência reflete a flexib ilid ad e interp retativa d a realid ad e e d os
p roblem as abord ad os p elos conhecim entos científicos, d esveland o a
im portância d os processos d e interação social na percepção e com preensão
desta realidade ou na solução d estes problem as. O EPOR constitu i a m elhor
interpretação d o enfoque no estud o d a ciência d enom inad o “construt ivism o
social”.

O EPOR tem lugar em três etapas.


Na primeira é mostrada a flexibilidade interpretativa dos resultados
experimentais, ou seja, científicos as descobertas científicas são susceptíveis a
mais de uma interpretação. Na segunda etapa, desvelam-se os mecanismos
sociais, retóricos, institucionais etc. que limitam a flexibilidade interpretativa e
favorecem o fechamento das controvérsias científicas ao promover o consenso
acerca do que é “a verdade” em cada caso particular. Por último, na terceira,
tais “mecanismos de fechamento” das controvérsias científicas se relacionam
como meios socioculturais políticos mais amplos.

N o entanto, a sociologia d o conhecimento científico d esenvolvid a em


Ed imburgo é só uma d as d ireções d e investigação d os estud os sociais. A partir
d os finais d os anos 70, algu ns investigad ores argu m entaram qu e o contexto
social não tem nenhuma força explica tiva e tam bém nenhu m p od er cau sal; e
que, contra as teses d as escola s d e Ed imburgo, não é necessário sair d a própria
ciência para explicar a construção social d e um fato científico estabelecid o.
Esses novos enfoqu es ad otam u m a p ersp ectiva m icrossocial e têm com o
objetivo estu d ar a prática científica nos próprios lu gares onde esta se realiza: os
laboratórios. O contexto social se red uz, então, ao d o laboratório.

24
Bruno Latour e Steve Woolgar, em sua obra A vida no laboratório
(1979/1986), defend em que o estud ioso d a ciência se converta em um
antropólogo, e, como tal, que entre no laboratório, com o faria em um a tribo
primitiva totalmente d istante d e sua realid ad e soc ial, para d escrever d o mod o
m ais p u ro p ossível a ativid ad e qu e os cientistas e tecnólogos d esenvolvem ali.
Em conseqüência, o imperat ivo d a investigação consiste em abrir a “caixa-
preta” d o conhecim ento e d escrever o que há lá d entro. As palavras d e Latour e
Woolgar constituem a melhor ilustração d esta tese:

Todas as manhãs os trabalhadores entram no laboratório levando seus almoços


em sacos de papel marrom. Os técnicos começam imediatamente a preparar
experimentos […]. O pessoal do laboratório vai entrando na zona de escritórios
[…]. Diz-se que todo o esforço investido no trabalho está guiado por um campo
invisível, ou, melhor ainda, por um quebra-cabeça cuja natureza está decidida
de antemão e que poderia ser resolvido hoje. Tanto os edifícios nos quais esta
gente trabalha quanto suas carreiras profissionais estão protegidas pelo
Instituto. Assim, por cortesia do Instituto Nacional de Saúde (National
Institute of Health), chegam periodicamente cheques com dinheiro dos
contribuintes para pagar faturas e salários. Conferências e congressos estão na
mente de todos. A cada dez minutos, aproximadamente, há uma chamada
telefônica para algum cientista de algum colega, um editor ou alguém da
administração. Há conversações, discussões e enfrentamentos: “Por que não
tentas deste modo?”. Nos quadros-negros existem diagramas rabiscados.
Grande quantidade de computadores vomitam massas de papel. Intermináveis
listas de dados se acumulam junto com cópias de artigos de colegas […]
(Latour e Woolgar, 1979/1986, p.16).

Ou tros enfoqu es d esenvolvid os d entro d a trad ição eu ropéia são, por


exemplo, os estud os d e reflexivid ad e e a teoria d a red e d e atores. Estas linhas
d e trabalho têm sid o orientad as pelo aprofund amento em um ou outro
princípio d o Program a Forte (o qu arto e o terceiro, nos respectivos casos
anteriores).

1.4 Novos enfoques sobre a ciência: transciência e ciência reguladora

Durante o século 20 se prod uziu um a im plicação crescente d a ciência na


form ulação d e políticas públicas. Esta nova função d o conhecim ento científico
tem cond uzid o ao aparec im ento d e ativid ad es científicas com características
particulares. Diversos são os termos que se têm utilizad o para nomear esta
atividad e: transciência, ciência regu ladora, ciência pós-norm al. Assim , por

25
exem plo, qu and o na atu alid ad e algu m a ad m inistração elabora u m a
determ inad a p olítica social, u tiliza o conhecim ento científico p rod u zid o p ela
sociologia e ec onom ia. Mais tard e a avaliação d e tal política se realiza
u tilizand o tam bém conhecim entos científicos. Pod e-se afirm ar d e form a geral
que praticamente não existe nenhuma área no âmbito d as políticas públicas em
que o conhecimento científico não seja relevante.
O conhecim ento científico não é somente um d os fatores que influem na
geração e resgate d e tecnologias, é tam bém u m d os recu rsos com qu e contam as
socied ad es contem porâneas para controlar os efeitos não d esejad os d o
d esenvolvim ento tecnológico e reorientá -lo. A ativid ad e científica
com pletam ente orientad a a fornecer conhecim entos para assessorar na
form u lação d e políticas é conhecid a com o ciência reguladora. Um a p arte d o
trabalho d este tipo d e ciência está relacionad a com a regulação d a tecnologia.
As análises d e impacto ambiental, a avaliação d e tecnologias, as análises d e
riscos etc. são exemplos d e ciência regu lad ora.
O estu d o acad êm ico d a ciência raram ente tem se ocu pad o d a análise d a
ciência regu la d ora. Este tip o d e ativid ad e científica ap resenta, no entanto,
p roblem as filosóficos m uito interessantes. A relevância d os com prom issos
m etod ológicos para o conteúd o d as afirm ações d e conhecimento e a interação
entre ativid ad es epistêm icas não-epistêmicas são dois exemplos.
Uma questão sumamente importante é a que tem a ver com a
respon sabilid ad e d os cientistas na hora d e resolver conflitos qu e su rgem a
partir d a interação entre ciência e socied ad e. Geralm ente, su p õe-se qu e aqu eles
temas d os quais o conhecimento científico se utiliza para a resolução d e
problem as políticos (constru ir ou não um transporte supersônico, realizar ou
não uma viagem à Lua) pod em d ivid ir-se claramente em d ois âmbitos: o
científico e o político. O primeiro trata d e d estacar quais são os fatos (por
exem plo se é física e tecnicam ente possível realizar a viagem até a Lua), o
político d eve assinalar que d ireção tem d e tom ar a socied ad e (com o pod e ser a
pertinência d e subvencionar ou não tal projeto lunar).
N o entanto, esta forma d e analisar o binômio ciência -sociedade é
excessivam ente sim ples e incapaz de recolher tod a a com p lexid ad e d as relações
entre a ciência e a socied ad e. Inclu sive naqu elas situ ações nas qu ais é possível
reconhecer respostas claram ente científicas a qu estões envolvid as em assu ntos
políticos, a possibilid ad e d e estabelecer uma d istinção brusca ent re o âmbito
científico e o âmbito político é realmente complicad a tanto quanto é muito
d ifícil separar os fins d os meios. O que se consid era que é um fim político ou
social term ina por ter num erosas repercussões nas análises d o que d everia estar
sob a ju risd ição d a ciência, e cad a u m a d essas repercu ssões têm d e ser avaliad as
em termos políticos e morais.

26
1.4.1 Transciência

Weinberg d efend e qu e m u itas d as qu estões qu e su rgem no cu rso d as


interações entre a ciência e a socied ad e (os efeitos nocivos secu nd á rios d a
tecnologia, ou as tentativas d e abord ar os problem as sociais m ed iante os
proced im entos d a ciência) d epend e d e respostas que pod em d izer respeito à
ciência, m as qu e, no entanto, a ciência não p od e resp ond er ain d a (Weinberg,
1972, p.1-2). Precisam ent e para pod er enfrentar este tipo d e qu estões aparece a
expressão questões transcientíficas. Estas são questões d e fato d esd e o ponto d e
vista d a epistem ologia e, portanto, pod em ser respond id as em princípio com a
linguagem d a ciência, aind a qu e os cientistas sejam incapazes d e d ar respostas
precisas às m esm as; isto é, transcend em à ciência (Weim berg, 1972, p.2). N a
m ed id a qu e as qu estões p olíticas e sociais p ossu em essa característica d e
transcientificid ad e, o papel d a ciência e d os cientistas no contexto da
transciência tem d e ser d iferente d o ad otad o na ciência acad êm ica trad icional,
ond e os cientistas são capazes d e d ar respostas isentas d e am bigü id ad e aos
p roblem as qu e abor dam.
Este tipo d e qu estão qu e estam os analisand o transcend e à ciência por
causa da im possibilidade de:

1. d eterm inar d iretam ente as probabilid ad es d e qu e aconteçam


eventos extremamente infreqüentes;
2. extrapolar o com portam ento d os protótipos ao com portam ento d os
sistemas em esca las reais sem uma perd a d e precisão;
3. respond er questões d e valor com o, por exem plo, d e que
problemas d everia se ocupar a ciência.

A respeito d a prim eira d as razões, Weinberg (1972), propõe o exem plo


d os reatores nu cleares. Segu nd o este au tor, é m u ito im p rovável qu e aconteça
um acid ente catastrófico em um reator nuclear. Têm sid o elaborad as d iferentes
estatísticas para calcular a probabilid ad e d e que suced a um acid ente em um
reator nu clear; para isto se d esenvolvem árvores de acidentes prováveis, ond e cad a
uma d as ramificações é ativad a pela falha d e alguns d os componentes. N o
entanto, esses cálculos são bastante suspeitos. Primeiro porque a prob abilid ad e
total que se obtém d e tais estimativas é excessivamente baixa (10-5 p or
reator/ano, ver Weinberg, 1972, p.5) e, segu nd o, porqu e não existem provas
d efinitivas d e qu e se tenham id entificad os tod os os possíveis m od os d e falha.
Quand o a probabilid ad e é muito ba ixa, não há possibilid ad es d e d eterm iná -la
d iretam ente (constru ind o, por exem plo, m il reat ores d e form a que estes operem
d u rante m ais d e 10 m il anos, e assim pod er tabular seus pr ocessos op eratórios).
Portanto, a possibilid ad e d e d eterm inar d e form a d ireta as probabilid a d es d e
qu e aconteçam eventos m u ito infreqü entes se convertem em u m a qu estão

27
trasnscientífica que, aind a que se possa colocar em term os estritam ente
científicos, é pouco prová vel que a ciência possa oferecer alguma resposta
d efinitiva.
A segund a razão se refere à impossibilid ad e d e extrapolar o
comportamento d os pr otótipos para o com portam ento d os sistem as em escala
real sem uma perd a d e precisão. Segu n do Weinberg, a engenharia é um cam po
qu e se d esenvolve tão rapid am ente qu e habit ualm ente requ er qu e sejam
tom ad as d ecisões basead as em d ad os incom pletos. Os engenheiros trabalham
su bm etid os à d u reza d e ap ertad as agend as e rígid os orçam entos, e p or isso não
se pod em perm itir ao lu xo d e exam inar cad a u m a d as qu estões ao nível qu e o
rigor científico exige. H á ocasiões em que um projeto tem d e esperar os
resultad os d e investig ações científicas futuras. N o entanto, o cientista precisa
tomar as d ecisões sobre uma base incom p leta d os d ad os d e qu e d isp õe. Isto é, a
incerteza é inerente à engenharia (Weinberg, 1972, p .6). Os engenheiros se
movem em contextos d e incertezas sempre que se vêem envo lvid os trabalhand o
com protótipos. Quand o se trabalha com protótipos sem pr e ap arece o risco d a
perd a d e precisão na hora d e extrapolar os d ad os a situ ações reais. Qu and o se
trata d e d ispositivos relativam ente pequenos, por exem plo o d esenvolvim ento
d e um avião, é possível construir protótipos em escala real, d e m od o que a
perda d e precisão pod e ser consid erad a quase nula. Porém , quand o se trabalha
com grand es d ispositivos ou grand es construções, como por exemplo uma
grand e represa, não se pod em elaborar protótipos em escala real, e isto se
trad u z nu m consid erável au m ento d a incerteza com respeito às repercu ssões d e
tais d isp ositivos ou construções.
As questões d e valor são relativas. Por exem plo: d e que tipo d e
problema deveria oc u par-se a ciência? Destas qu estões se ocu pa, segu nd o
Weinberg, a axiologia d a ciência, que d e m aneira geral abord a qu estões sobre as
p riorid ad es d a ciência. Tratam -se d e problem as qu e se d iscu tem sob a rótu lo
d os critérios d e escolha. Então, com o as qu estões d e valor não pod em ser
trabalhad as com o questões d e fato, elas transcend em claram ente à ciência. Isto
é, segu nd o Weinberg, existem três âm bitos nos qu ais as qu estões transcend em à
ciência. N o p rim eiro, a u tilização exclu siva d a ciência é inad equ ad a p orqu e as
respostas são muito custosas e exigem tempo d emasiad o. Em segund o, a
u tilização exclu siva d a ciência é inad equ ad a porqu e a m atéria qu e estu d a é
d em asiad am ente variável e não d ispõe d e tod os os d ad os. E, em terceiro, a
utilização exclusiva d a ciência é inad equad a porque ela trata d e questões que
implicam juízos éticos, políticos e estéticos.
N o âm bito d a ciência, somente os cientistas pod em participar na gestão
interna d a ciência. Agora, qu and o nos m ovem os em u m contexto em qu e a
ciência se m istu ra com as d ecisões políticas em torno d e qu estões qu e afetam
d iretamente a socied ad e, estas questões não po d em ser estabelecid as somente
por cientistas. O público, seja m ed iante a participação d ireta ou através d e

28
representantes, d eve envolver-se no d ebate p orqu e se trata d e qu estões qu e
afetam a tod os, e não som ente aos cientistas. Para referir-se a esta situa ção,
Weinberg introd uz a expressão d a “república d a transciência”. Segund o ele, tal
república tem elementos d a “república política”, por um lad o, e d a “república
d a ciência”, por ou tro, m otivo p elo qu al a estru tu ra d a “rep ú blica d a
transciência” tem d e refletir, em grand e m ed id a, a estrutura política d a
socied ad e em que opera (Weinberg, 1972, p.14).

1.4.2 Ciência reguladora

Outro d os autores que propõe que o mod elo trad icional d e


com preensão d a relação ciência -socied ad e é, eventualm ente, m uito sim plista e
incapaz d e apreend er essa com plexid ad e d esta relação, é Sheila Jasanoff (1995).
Em seu artigo Procedural Choices in Regulatory Science, Jasanoff su stenta qu e
quando tem -se que levar à prática programas d e saúd e, d e controle ambiental
etc., os especialistas d evem revisar e avaliar o estad o d o conhecim ento
científico, id entificar áreas d e consenso sobre qu al é o m elhor d os seu s
conhecim entos e solucionar os problem as d e evid ência incerta d e acord o com as
leis vigentes.
Assim, para d ar conta d essa nova situa ção, Jasanoff (1995), u tiliza a
expressão “ciência regulad ora”. Com ela trata d e d estacar o novo papel d a
ciência para d iferenciá -la d a ciência acad êm ica trad icional. A au tora d estaca
com veem ência as d iferenças entre a ciência regulad ora, que proporciona as
bases para a ação política e que leva a cabo suas ativid ad es com fortes pressões
pela falta d e acord o, a escassez d e conhecim ento e as pressões tem porais; e a
ciência acad êmica, que, sem implicações políticas, se move em um ambiente d e
consenso teórico e prático, imped ind o a participação d o público e d os gr u pos
d e interesse. N o entanto, sustenta Jasanoff (1995, pp. 282-3), esse am biente d e
con senso p róp rio d a ciência acad êm ica está d istante d a ciência regu lad ora qu e
se m ove m elhor no terreno d o d issenso, não som ente por problem as
epistemológicos e metod ológ icos, m as tam bém p ela falta d e acord o entre os
próprios especialistas, com a pressão e controvérsia social que isso gera.
A ciência regu lad ora se m ove em u m contexto ond e os fatos são
incertos, os paradigmas teóricos estão pouco d esenvolvid os, os métod os d e
estud os são bastante inconsistentes e m uito d iscutid os, e ond e os resultad os
estão subm etid os a consid eráveis incertezas. Dad o tal contexto, não surpreend e
que as análises dos dados por parte dos especialistas se vejam submetid as a
possíveis preju ízos su bjetivos (Jasanoff, 1995, p. 282). Estas características d a
ciência regulad ora ajud am a com preend er por que as controvérsias são tão
freqüentes e desenvolvid as com tanta tenacid ad e. N este sentid o, um aum ento

29
d a participação d e cientistas não governam entais e d e outros agentes sociais
nos processos regulad ores m elhorará não só a qualid ad e, m as tam bém a
objetivid ad e d os processos científicos, d e m od o que a ciência possa utilizar
proced im entos m ais sensíveis às incertezas e ind eterminações próprias d a
ciência regu lad ora (Ja sanoff, 1995, p. 280).

Características da Ciência acadêmica e da Ciência regulad ora


Ciência acad êm ica Ciência regu lad ora
“Verd ad es” originais e “Verd ad es” relevan tes p ara form u lação
Metas
significativas d e p olít icas
Universid ad es, organism os
Institu ições Agências governam entais, ind ú strias
p ú blicos d e in vestigação
Inform es e análises d e d ad os, qu e
Prod u tos Artigos científicos
geralm en te n ão se p u blicam
Incentivos Reconhecim ento p rofission al Conform id ad e com os requ isitos legais
Prazos regu lam en tad os, p ressões
Prazos tem p orais Flexibilid ad e
in stitu cionais
Aceitar a evid ên cia
Rechaçar a evid ência Aceitar a evid ên cia
Opções
Esp erar p or m ais ou m elh ores Rech açar a evid ên cia
d ados
Institu ições legislad oras
Instit u ições d e
Pares p rofission ais Tribu n ais
con trole
Meios d e com u nicação
Au d itorias
Revisão p or p ares, form al ou Revisão regu lad ora p rofission al
Proced im entos
infor m al Revisão ju d icial
Vigilância legislativa
Au sência d e frau d e e falsid ad e

Au sência d e frau d e e falsid ad e Conform id ad e com os p rotocolos


ap rovad os e com as d iretrizes d a
Conform id ad e com os m étod os
Pad rões agência institu cional
aceitos p elos p ares
Provas legais d e su ficiência (isto é,
Significad o estatístico
evid ência su b stancial, p rep ond erância
d a ev id ên cia)

30
1.5 Conclusão

N em sequer a d iversid ad e d a ciência na prática chega a d ar conta d e


tod os os usos d o vocábulo “ciência”. As d isciplinas experimentais, por
exem plo, constituem som ente um a parte d o conhecim ento qu e habitu alm ente é
qualificad o d e “científico”. A este respeito, o historiad or A. C. Crombie (1994)
d istingu e até cinco estilos d e raciocínios na ciência, in clu ind o a exp loração e
med ição experimental em d iferentes especialid ad es d a física, d a quím ica ou da
biologia. Outras form as d e fazer ciência, d e acord o com este autor, são a
elaboração d e mod elos hipotéticos própria d a cosmologia ou d as ciências
cognitivas, a classificação e a reconstru ção histórica d a filologia ou d a biologia
evolu tiva, a elaboração de postu lad os e provas em lógica ou matemática e, por
último, a análise estatística d e populações em economia ou partes d a genética.
Chegam os então a u m p onto qu e nos p erm ite conclu ir qu e, sem u m a
lingu agem comum, assumid o o fracasso d o projeto positivista d e um a ciência
unificad a (Galison e Stum p, 1996), parece d ifícil falar d a “ciência” com o um
gênero natural em virtud e d a posse d e algum métod o ou estrutura comum, ou,
em geral, d e algu m conju nto d e cond ições necessár ias e su ficientes (Rorty,
1998).
Sobra, no entanto, u m sólid o ar fam iliar para nos referir às ciências,
proporcionad o por coisas tais com o o uso d a m atem ática, os proced im entos
pad ronizad os por provas e contestação; a generalid ad e d e suas afirm ações e
conhecim entos; a instru m entação e as prática s exp erim entais; o êxito em
resolver p roblem as p articu lares através d a tecnologia, e su a cred ibilid ad e qu ase
universal. N o entanto, a este ar fam iliar tem os qu e agregar agora qu e tais coisas
d evem ser vistas, analisad as e interpretad as d entro d e contextos sociais e
históricos concretos.
Apesar d a d iversid ad e d e conteúd os, competências e estilos d e
raciocínio, e aind a reconhecend o a d iversid ad e d as ciências, su as heterogêneas
notas com u ns e o êxito na p rática, esse “ar fam iliar” p arece tornar p ossível
contin uar faland o d e uma atitud e e d e um saber científicos.

1.6 Bibliografia

AMBROGI, A. (ed .) (1999): Filosofía de la ciencia: el giro naturalista. Palma d e


Mallorca, Universid ad d e las Islas Baleares.
BUN GE, M. (1983): Controversias en Física. Mad rid , Tecno s.
CARN AP, R. (1963): Autobiografía intelectual . Barcelona, Paid ós, 1992.
COPLESTON , F. (1971): Historia de la filosofía. Barcelona, Ariel, 1981.
CROMBIE, A. C. (1994): Styles of scientífic thinking in the european tradition.

31
Lond res, Duckw orth.
ECH EVERRÍA, J. (1999): Introducción a la metodología de la ciencia: la filosofía de la
ciencia en el siglo XX. Mad rid , Cáted ra.
FERRATER, M. (1979): Diccionario de filosofía. Mad rid , Alianza Ed itorial, 1990.
FULLER, S. (1999): The governance of science: ideology and the future of the open
society. Buckingham , Open University Press.
_____: “La epistemología socializada”, <http ://w w w .cam p u s-oei.org/cts/fu ller.htm >.
FUN TOWICZ, S. O., y RAVETZ, J. R. (1990a): “Post -norm al science: a new
science for new tim es”, en Scientific Eu ropean, 169, pp. 20-22.
_____ (1990b): Uncertainty and quality in science for policy. Dordrecht, Reidel.
_____ (1992a): “Three types of risk assessment and the emergences of post-
normal science”, en KRIMSKY y GOLDIN G (ed s.): Social theories of risk.
Westport, Praeger.
_____ (1992b): “Problem as am bientales, ciencia post -norm al y com u nid ad es d e
evalu ad ores extend id as”, en GON ZÁLEZ GARCÍA, M. I.; LÓPEZ CEREZO, J.
A., y LUJÁN LÓPEZ, J. L. (ed s.) (1997): Ciencia, tecnología y sociedad: lecturas
seleccionadas. Barcelona, Ar iel.
GALISON , P., y STUMP, D. J. (ed s.) (1996): The disunity of science. Stanford ,
Stanford University Press.
GALISON , P. (1987): How Experiments end. Chicago, University of Chicago
Press.
_____ (1997): Image and logic. Chicago, Univer sity of Ch icago.
GON ZÁLEZ GARCÍA, M. I.; LÓPEZ CEREZO, J. A, y LUJÁN LÓPEZ, J. L.
(1996): Ciencia, tecnología y sociedad: una introducción al estudio social de la ciencia y
la tecnología. Madrid, Tecnos.
_____ (ed s.) (1997): Ciência, tecnología y sociedad: lecturas seleccionadas. Barcelona,
Ariel.
H ACKIN G, I. (1983): Representing and intervening. Cam brid ge, Cam brid ge
University Press.
H AN SON , N . R. (1958): “Patrones de descubrimiento”. Madrid, Alianza, 1977.
H ELLSTRÖM, T. (1996): “The science-policy dialog u e in transform ation: m od el-
uncertainty and environm ental policy”, en Science and Public Policy, 23, pp. 91-
97.
IRAN ZO, J. M., y BLAN CO, R. (1999): Sociología del conocimiento científico.
Mad rid , CIS.
JASAN OFF, S. (1995): “Procedural choices in regulatory science”, en Technology in
Society, 17, pp. 279-293.
KUH N , Th. (1967/1970): La estructura de las revoluciones científicas. México, FCE,
1985.

32
LATOUR, B. (1987): Ciencia en acción. Barcelona, Labor, 1992.
_____: “Dadme un laboratorio y levantaré el mundo”, <h ttp ://w w w .cam p u s-
oei.org/cts/latou r.htm >.
LÓPEZ CEREZO, J. A., y LUJÁN , J. L. (2000). Ciencia y política del riesgo. Mad rid ,
Alianza.
LÓPEZ CEREZO, J. A., SAN MARTÍN , J., y GON ZÁLEZ GARCÍA, M. I. (1994):
“Filosofía actual d e la ciencia. El estad o d e la cuestión”, in Diálogo Filosófico, 29,
pp. 164-208.
MARCUSE, H . (1954): El hombre unidimensional . Barcelona, Ariel, 1981.
MERTON, R. K. (1949): Teoría y estructura sociales. México, FCE, 1995.
N AGEL, E. (1961): La estructura de la ciencia. Barcelona, Paid ós, 1981.
N EURATH , O.; CARN AP, R., y MORRIS, C. (ed s.) (1938-1969): Foundations of
the unity of science. Toward an international encyclopedia of unified science, vol. 1.
Chicago, University of Chicago Press.
PÉREZ RAN SAN Z, A. R. (1999): Kuhn y el cambio científico. México, FCE.
PICKERIN G, A. (ed .) (1992): Science as practice and culture. Chicago, University
of Chicago Press.
POPPER, K. (1935): La lógica de la investigación científica. Mad rid , Tecnos, 1962.
RITTER, J. (1989): “Segund a bifurcación: una m at em ática o m uchas? A cad a uno
su verd ad : las matemáticas en Egipto y Mesopotamia”, en SERRES, M. (1991):
Historia de las ciencias. Mad rid , Ed iciones Cáted ra.
RORTY, R. (1988): “Is science a natural kind?”, en McMULLIN , E. (ed .):
Construction and constraint: the shaping of scientific rationality. N otre Dame,
University of N otre Dame Press.
ROSZAK, T. (1968): El nacimiento de una contracultura. Barcelona, Kairos, 1970.
SH AFFER, N . (1996): “Understanding bias in scientific practice”, en Philosophy of
Science, 63/3 (PSA 1996 Proceed ings), S89-S97.
SCH UMACH ER, E. F. (1973): Lo pequeño es hermoso. Mad rid , H erm ann Blu m e,
1978.
SKIN N ER, Q. (1999): “The advancement of Francis Bacon”, en The New York Review
of Books, XLVI/17, pp. 53-56.
SOLÍS, C. (1994): Razones e intereses: la historia d e la ciencia d espués d e Kuhn.
Barcelona, Paid ós.
SOLÍS, C. (com p .) (1998): Alta tensión, filosofía, sociología e historia de la ciencia:
ensayos en memoria de Thomas Kuhn. Barcelona, Paid ós.
VILCH ES, A., y FURIÓ, C: “Ciencia, tecnología y socied ad : im p licaciones en la
ed ucación científica para el siglo XXI” <h ttp ://w w w .cam p u s-
oei.org/cts/ctsed u cacion.htm >.

WEIN BERG, A. M. (1972): “Science and trans-science”, en Minerva, 10, pp. 209-

33
222. Citad o por la versión WEIN BERG, A. M. (1992): Nuclear reactions: science
and transcience. N ueva York, The American Institute of Physics.

34
2 - O QUE É A TECNOLOGIA?

2.1 Introdução

A onipresença d a técnica no mund o atual é incontestável. Para reforçar


isso veja o p rocesso qu e p ossibilitou a concretização d este texto, p erm itind o qu e
ele p ossa ser agora lid o, qu e im p lica u m encad eam ento d e d iversos atos
técnicos; d esd e a escrita d e um rascunho em um computad or até a ed ição e
m ontagem d o texto, existe um conjunto d e p roced im entos su cessivos qu e
pod em ser consid erad os, com m uita propried ad e, com o “técnicos”.
E mais. Também o que está em volta d o leitor neste momento está
seguramente repleto d e prod utos técnicos. É possível que este texto (um
artefato não-natural) esteja send o lid o apoiad o numa mesa (artificial), inserid a
em u m ed ifício (constru íd o tecnicam ente), situ ad o nu m bairro ou cid ad e (u m
entorno urbanizad o). Mesm o que num im provável caso d e que o leitor estivesse
em um parque natural, sem o menor vestígio aparent e d e prod utos técnicos ao
seu red or, aind a assim , m esm o qu e não nos apercebam os nu m prim eiro
momento, tal lugar certamente conservaria intactas suas características naturais
precisamente porque os seres humanos d ecid iram d eclará-lo com o u m a zona d e
exceção à habitu al transform ação técnica d o m eio. Em nossos tem p os, a
conservação d a natureza e sua preservação frente aos efeitos d o
d esenvolvim ento técnico requ erem u m a planificação especializad a e, com
freqüência, sob a tutela d os próprios meios técnicos (por exemplo, o apagar d e
um incênd io). Tal é a onipresença d a técnica na realid ad e que se pod e afirmar,
inclu sive, qu e a própria realid ad e, em certo sentid o, é u m a constru ção técnica.
Ter um certo nível d e com preensão acerca d o fenôm eno técnico parece
ser, hoje, um im perativo d a vid a m od erna. Mais aind a, o próprio trabalho
d ocente im plica um a relação especial com a técnica, que vai d esd e a

35
especificid ad e d e seus próprios d iscursos até a form ação integral que se alm eja
para crianças, jovens e, em geral, para a socied ad e.
A com preensão d esse fenôm eno tem sid o d enom inad a com freqü ência
com o alfabetização científico-tecnológica. Em tod o caso, bu sca-se exp lorar a
influ ência d as forças sociais, políticas e cu ltu rais na ciência e na tecnologia, e
examinar o impacto que as tecnologias e as id éias científicas p od em ocasionar à
vida das pessoas.
A alfabetização im p lica u m a reflexão exp lícita acerca d os valores
tecnológicos, a form a com o eles são gerad os e com o circulam nos d iferentes
contextos d a socied ad e, assim como nas d istintas práticas e saberes. Para isso
são necessárias análises interd isciplinares, m ais especialm ente o d ebate
organizad o, entend id o esse último como o d esenvolvimento d e processos d e
d iscu ssão qu e im p liqu em colocar em cena os d iferentes atores e p ressu p ostos
argum entativos que buscam legitim ar um a ou outra posição valorativa.
N a seqü ência é apresentad a u m a conceitu ação su cinta d a tecnologia,
com base em seus com ponentes epistem ológicos e sociais, e, por conseguinte,
sua articulação com a natureza hum ana, com a técnica e com a ciência.
Ad icionalm ente, a d istinção entre tecnologia, conhecim ento tecnológico,
m u d anças tecnológicas e avaliação d e tecnologias p erm itirá com p lem entar a
visão d e conjunto que se espera oferecer neste capítulo.

2.2 Técnica e natureza humana

Os antropólogos têm d iscutid o muito sobre os d eterminantes d o


processo d e hom inização, ou m elhor, sobre o tipo d e fatores que cond uziram a
que um grupo d e prim atas aband onasse a vid a nas árvores, há alguns m ilhões
d e anos. Aind a qu e os antropólogos não tenham chegad o a acord os d efinitivos
sobre a im portância e a ord em d esses fatores d eterm inantes, parece estar claro
qu e a sociabilid ad e, a cap acid ad e lingü ística e as habilid ad es técnicas foram
fund am entais no processo d e hom inização. A intensa in teração social d os
hom iníd eos foi, segu ram ente, u m a cond ição qu e favoreceu a m u d ança d e
habitat passand o nossos ancestrais d e uma vid a arborícola, própria d e seus
antepassad os primatas, para a prática d a caça cooperativa. Mas é a posição
vertical o prim eir o critério d e hominização que liga os homens com os seus
antepassad os. Outros d ois são corolários d o primeiro: o rosto achatad o, sem
caninos ofensivos, e ter as m ãos livres para a locom oção e, por conseguinte,
p ara o m anu seio d e u tensílios, o qu e veio a fa vorecer seu d esenvolvim ento
técnico. O cérebro tam bém d esem penha u m papel integrad or e d ecisivo em
tod o este processo.
A complexa organização social d erivad a d a nova situação d e caçad ores-

36
coletores teve qu e estar acom p anhad a necessariam ente p elo d esenvolvim ento
d e um a capacid ad e com unicativa incom paravelm ente superior a d e qualquer
outro m am ífero. Mas nem a com plexid ad e d a organização social, nem o
consegu inte d esenvolvim ento lingü ístico, teriam resu ltad o em u m a esp écie cu ja
ad aptação ao seu entorno estivesse limitad a pelas cond ições físicas d e sua
anatom ia. O fato d e u m m acaco arborícola se d eslocar para terrenos abertos e se
converter em um temível pred ad or não teria sid o possível se suas mãos não
tivessem em punhad o habilm ente ped ras para lançar em suas pr esas ou pau s e
ossos para matá-las. Assim , esses instru m entos ru d im entares, convertid os em
tochas, lanças e punhais, foram as prim eiras ferram entas técnicas que
su bstitu íram as garras d e ou tros p red ad ores m ais bem d otad os
anatomicamente.
Esse foi, d e acordo com a evolucionista, somente o princípio. Os
hominíd eos e seus d escend entes foram d esenvolvend o formas d e vid a nas
qu ais a incid ência d a seleção natu ral nas variações anatôm icas características d a
evolução d e tod os os seres vivos d eixou d e afetá-los porqu e as próteses técnicas
corresp ond entes a cad a situ ação term inaram p or su bstitu ir a evolu ção natu ral.
Essa nova evolu ção, neste caso, d e natu reza cu ltu ral, consistiria p recisam ente
na multiplicação e d iversificação d os instrumentos e atos técnicos para a
ad aptação a qualquer entorno.
O d om ínio d o fogo, o cozim ento d os alim entos, a d om esticação d os
anim ais, a agricultura, o tear, a cerâm ica, a constru ção d e m orad ias, a fu nd ição
d e m etais… são som ente alguns d os elem entos significativos d a longa cad eia d e
atos técnicos qu e têm caracterizad o a evolu ção cu ltu ral d os hu m anos. Por tu d o
isso, é amplamente aceito que o ser humano é antes d e tud o um homo faber, e
m ais (e talvez antes qu e), u m homo sapiens. Inclu sive cabe estabelecer qu e a
própria racionalid ad e humana seja, ela mesma, uma conseqüência d o
d esenvolvimento técnico.

O fenômeno técnico pod e ser analisad o, em suas origens, como prod uto
da evolução biológica. E a evolução humana pode ser interpretada, com base
numa tecnicid ad e orgânica, como fenômeno evolutivo, entendida como a
organização funcional que implica a coord enação entre órgãos relacionad os
que asseguram ao ser vivo informações vitais, órgãos e membros preênseis
que asseguram que ele conquiste seus alimentos e dispositivos de locomoção
que permitem a exploração do meio exterior. Neste contexto, será a evolução
d o campo anterior nos animais a característica mais importante d esd e o ponto
de vista das conseqüências para o desenvolvimento da tecnicidade. O campo
anterior compreend e d ois pólos: um facial e outro manual, os quais atuam em
estreita cooperação nas operações técnicas mais elaborad as nos d iferentes
grupos d e organismos. Por exemplo, os carnívoros, os insetívoros ou os
roed ores utilizam a ativid ad e manual para and ar na terra ou em árvores tanto
quanto para a ativid ad e preênsil. No homem, o campo anterior terá
importantes conseqüências para o posterior d esenvolvimento técnico-

37
econôm ico da organização social, pois a tecnicidade manual responde à
liberação técnica d os órgãos faciais, os quais ficam d isponíveis para a fala, tão
logo a evolução permita que os órgãos da fala e o olfato não precisem mais ser
utilizad os para a d etecção e captura d e alimentos. A uma maior liberação d a
mão correspond e um cérebro maior, pois liberação manual e red ução d os
limites d a abóbad a craniana são d ois termos d e uma mesma equação. Para
cad a espécie fica d eterminad o um ciclo entre seus meios técnicos, ou melhor,
seu corpo e seus meios d e organização, ou seja, seu cérebro. N esta interação
d inâmica surgiu a ferramenta, incorporada às estruturas biológicas do
hom em .

A técnica tem perm itid o a transform ação d o m eio ond e os hum anos
vêm d esenvolvend o sua vid a, uma vez que eles próprios têm provocad o a sua
transformação. Isto porque a vid a humana, d iferentemente d a d os d emais
anim ais, não está d eterm inad a e lim itad a pelas cond ições am bientais às qu ais
cad a esp écie tem se ad ap tad o. Parece ser p róp rio d a esp écie hu m ana a contínu a
ad aptação a qu alqu er cond ição am biental m ed iante a constru ção técnica d e
artefatos e prod utos que permit em que sua vid a seja possível em tod os os
lugares d o planeta, e inclusive fora d ele.
A técnica cria obras que têm a pretensão d e perd urar; inclusive a
técnica perm ite prolongar a vid a hum ana m uito além d os d esígnios d o acaso
natural ou d o d estino d ivino. A técnica tem p erm itid o m elhorar a vid a hu m ana,
aind a que também haja técnicas capazes d e piorá-la, porque, para o bem ou
para o m al, tem recriad o as cond ições d essa existência. Por últim o, o
conhecimento e a investigação não são possíveis sem o d omínio prévio d e certas
técnicas.
Em certo sentid o, a existência hum ana é um prod uto técnico tanto com o
os próprios artefatos qu e a fazem possível. N ão se pod e pensar, portanto, em
separar a técnica d a essência d o ser hum ano. Seguram ente a técnica é um a d as
p rod u ções mais características d o homem, mas também é certo que os seres
humanos são, ao que parece, o prod uto mais singular d a técnica.

Leituras complementares

LEROI-GOURH AN , A. (1965): El gesto y la palabra. Caracas, Universid ad Central


d e Venezuela, 1971.
EIROA, J. (1994): “La prehistoria. Paleotítico y N eolítico”, en Historia de la ciencia
y de la técnica. Mad rid , Ed iciones Akal.
SÉRIS, J. (1994): La technique. Paris, PUF.

38
2.3 O significado da tecnologia

A d efinição d a tecnologia se torna esp ecialm ente d ifícil por ser


ind issociável d a própria d efinição d o ser hu m ano. N o entanto, convém ter em
conta qual é a id éia m ais usual e característica d a m esm a. Segund o a d efinição
constante d o Dicionário Aurélio 2 , tecnologia seria o “conjunto d e
conhecimentos, espec ialm ente princípios científicos, qu e se aplicam a u m
d eterm inad o ram o d e ativid ad e”. Ou tros d icionários a d efinem com o o
“conju nto d os conhecim entos p róp rios d e u m trabalho m ecânico ou arte
ind ustrial”, ou também como “o conjunto d os instrumentos e d os
p roced imentos ind ustriais d e um d eterminad o setor ou prod uto” (Dicionário d a
Real Acad emia Espanhola, 21 ed .). Aind a que as d efinições d ifiram no caráter
d o conhecim ento ou d a prática que d eve caracterizar a tecnologia, quase tod as
elas parecem convergir para o entend im ento d e que o âm bito d efinid or d a
tecnologia se encontra na prod ução, especialmente na prod ução ind ustrial.
Essa imagem convencional, segund o a qual a tecnologia teria sempre
com o resultad o prod utos ind ustriais d e natureza m aterial, se m anifesta nos
artefatos tecnológicos consid erad os com o m áqu inas, em cu ja elaboração tenham
sid o segu id as regras fixas ligad as às leis d as ciências físico-qu ím icas.
Autom óveis, telefones e computad ores seriam exemplos, entre muitos outros,
d e artefatos tecnológicos qu e cu m p ririam as cond ições d as d efinições d a
tecnologia antes com entad as. Em tod os estes artefatos se encontrariam os
tópicos d a im agem convencional d a tecnologia. O tecnológico seria o relativo à
mod erna cond ição d e bens materiais que a socied ad e d emand a .
A tecnologia pod eria ser consid erad a com o o conjunto d e
p roced im entos qu e p erm item a ap licação d os conhecim entos p róp rios d as
ciências naturais na prod ução ind ustrial, ficand o a técnica lim itad a aos tem pos
anteriores ao uso d os conhecim entos científicos como base d o d esenvolvimento
tecnológico ind ustrial. Duas id éias básicas aparecem assim nesta consid eração
habitual d a tecnologia. Em prim eiro lugar, viria a sua d epend ência d e outros
conhecim entos, com o é o caso d a ciência. Em segund o lugar, a utilid ad e da
tecnologia expressaria um caráter material d e seus prod utos. N o entanto, esta
d efinição basead a na ciência e na utilid ad e pod eria ser ampliad a e
problem atizad a à luz d as reflexões que têm tratad o d e pensar o tem a d a
tecnologia.
Centrand o-nos agora na relação ciência -tecnologia, m u itos au tores têm
d em onstrad o qu e esta é o critério qu e d iferencia a técnica d a tecnologia (p or
exem plo ver Bunge, 1967, e Sanmartín, 1990). O termo “técnica” faria referência
a proced im entos, habilid ad es, artefatos, d esenvolvim entos sem ajud a d o

2
Dicionário Aurélio Eletrônico, Editora Nova Fronteira, V.2.0, julho de 1996.

39
conhecim ento científico. O term o “tecnologia” seria utilizad o, então, para
referir -se àqu eles sistem as d esenvolvid os levand o em conta esse conhecim ento
científico.
Os proced im entos trad icionais utilizad os para fazer iogurte, queijo,
vinho ou cerveja seriam técnicas, enquanto a m elhoria d estes proced im entos, a
partir d a obra d e Pasteur e d o d esenvolvim ento d a m icrobiologia ind ustrial,
seriam tecnologias. O m esm o pod er-se-ia d izer d a seleção artificial trad icional
(d esd e a revolu ção neolítica), e a m elhoria genética que consid era as leis d a
herança form u lad as por Mend el. A tecnologia d o DN A recom binad o seria u m
passo posterior basead o na biologia m olecular.

O tem a d a tecnologia em sua relação com a ciência tem sid o consid erad o
através d e d iferentes pontos d e vista, d os quais N iniluoto (1997) nos
oferece uma classificação:

• ciência seria red u tível à tecnologia;


• tecnologia seria red utível à ciência;
• ciência e tecnologia são a mesma coisa;
• ciência e tecnologia são ind epend entes;
• há uma interação entre ciência e tecnologia.

O ponto d e vista m ais am plam ente aceito sobre a relação ciência -


tecnologia é o qu e conceitu a a tecnologia com o ciência ap licad a, send o p ortanto
a tecnologia red utível à ciência. Este ponto d e vista é o subjacente ao m od elo
linear d o d esenvolvim ento que tem influenciad o políticas públicas d e ciência e
tecnologia até tem p os recentes. Tal conceito tem estad o p resente tam bém , aind a
qu e às vezes d e m od o im p lícito, na filosofia d a ciência. Afirm ar qu e a
tecnologia é ciência aplicad a é afirmar que:

• uma tecnologia é principalmente um conjunto de regras


tecnológicas;
• as regras tecnológicas são conseqü ências d ed u tíveis d as leis
científicas;
• d esenvolvim ento tecnológico d epend e d a investigação científica.

Trad icionalm ente, no âm bito acad êm ico era habitu al d efinir tecnologia
com o ciência aplicad a. Com base nessa perspectiva, a tecnologia era analisad a
com o conhecim ento prático qu e d erivava d iretam ente d a ciência (conhecim ento
teórico). Um a im p ortante trad ição acad êm ica resp ald a esta im agem da
tecnologia: o Positivism o Lógico. Para os positivistas, as teorias científicas eram

40
sobretu d o conju ntos d e enu nciad os qu e tratariam d e explicar o m u nd o natu ral
d e um mod o objetivo, racional e livre d e qualquer valor externo à própria
ciência. O conhecim ento científico, p ara qu em segu e essa lógica filosófica, é
visto com o u m processo progressivo e acu m u lativo, articu lad o através d e
teorias cad a vez mais amplas e precisas que iam subsumind o e substituind o a
ciência d o p assad o. Em algu ns casos, as teorias científicas – sob a lógica d o
p ositivism o – p od eriam ser ap licad as gerand o d esse m od o tecnologias. N ão
obstante, a ciência pura em princípio não tinha nad a a ver com a tecnologia,
posto qu e as teorias científicas eram u m alvo anterior à qu alqu er tecnologia. Por
este motivo não pod er-se-ia d izer que existe uma d eterminad a tecnologia sem
u m a teoria científica qu e a resp ald e. Porém , p od eriam existir teorias científicas
sem contar com tecnologias. N a literatura especializad a, essa forma d e ver a
tecnologia é d enom inad a d e “im agem intelectualista d a tecnologia”.
A p artir d essa im agem intelectu alista, d ep reend e-se qu e as teorias
científicas são valorativam ente neutras, ninguém pod e exigir responsabilid ad es
d os cientistas a respeito d e su as aplicações, qu and o são postas em p rática. Em
tod o caso, se tivesse qu e existir algu m tipo d e responsabilid ad e, esta d everia
recair sobre aqueles que fazem uso d a ciência aplicad a, isto é, d a tecnologia. As
tecnologias, com o form as d e conhecim ento científico, são valorativam ente
neutras.
Em su a análise d a historiografia d a tecnologia, John M. Stau nd enm aier
(1985) argu m enta qu e a tese d a tecnologia com o ciência ap licad a tem sid o
atacad a em d iferentes frentes. Seus principais argumentos são os seguintes:

• A tecnologia modifica os conceitos científicos. Thomas Smith estudou o


Whirlwind project, d esenvolvid o, ap ós a Segu nd a Gu erra Mu nd ial,
no MIT para criar u m com pu tad or d igital. Conclu iu qu e a m aior
parte d os conceitos utilizad os era end ógena à própria engenharia, e
os que proced iam d as ciências (especialm ente d a física em relação
com o armazenamento magnético d e informação) foram
su bstancialm ente transform ad os para a su a u tilização no
d esenvolvimento d o projeto.
• A tecnologia utiliza dados problemáticos diferentes dos da ciência. Walter
Vincenti tem estud ad o o projeto aeronáutico, m ostrand o que a
engenharia realiza abord agens im portantes para problem as d os
quais a ciência não tem se ocupad o. Realiza uma categorização d o
conhecim ento tecnológico: 1) conceitos fund am entais d e projeto, 2)
critérios e especificações, 3) ferram entas teóricas, 4) d ad os
quantitativos, 5) consid erações práticas, e 6) instrumentação d e
d esenhos. O conhecim ento científico é im portante nos casos 2, 3 e 4,
mas parte d estes tipos d e conhecimento proced em d o próprio
d esenvolvimento tecnológico.

41
• A especificidade do conhecimento tecnológico. Aind a que existam fortes
p aralelism os entre as teorias científicas e as tecnológicas, os
pressupostos subjacentes são d iferentes. Segund o Layton, a
tecnologia, por su a p róp ria natu reza, é m enos abstrata e id ealizad a
que a ciência.
• A dependência da tecnologia das habilidades técnicas. A d istinção entre a
técnica e a tecnologia se realiza em função d a conexão d esta última
com a ciência (tanto em relação com o conhecim ento com o com a
metodologia, o uso d e ferramentas teóricas, etc.). Esta d istinção não
im plica qu e na tecnologia atu al não d esem penhem nenhu m papel as
habilid ad es técnicas.

Estas qu atro linhas d e argu m entação id entificad as por Stau d enm aier
não negam necessariam ente qu e exista relação entre a ciência e a tecnologia; o
que negam é que esta relação seja exclusivamente a que se expressa na
com preensão d a tecnologia com o ciência aplicad a.
Aind a qu e a conceitu ação d a tecnologia com o ciência aplicad a tenha
sid o historicam ente m u ito im portante, hoje em d ia é d ifícil d e d efend ê-la.
Shru m (1986) assinala qu e parece existir u m consenso no entend im ento d a
ciência e d a tecnologia com o d u as su bcu ltu ras sim etricam ente
interd epend entes. Mas por d ebaixo d este aparente consenso existem d ois
pontos d e vista d iferentes. Um d efend e a d istinção d os m étod os em pregad os,
d os prod utos obtid os, d os objetivos estabelecid os etc. O outro d efend e a
id entid ad e entre ciência e tecnologia.
Pelo que se percebe, a imagem d a tecnologia como ciência aplicad a
contribu íd o para qu e trad icionalm ente se d ê pou ca im portância à análise d a
tecnologia. De fato, quand o se sustenta que a tecnologia não é m ais d o que
ciência aplicad a, é suficiente a análise d a ciência, já que isto nos d ará as chaves
para entend er também a tecnolog ia (Agazzi, 1980). Se a ciência é
valorativam ente neu tra, então os artefatos, prod u tos d e su a aplicação, tam bém
o serão; ou aind a, será bom o uso que se faça d eles, pois não geram problemas
éticos, p olíticos e sociais. Dad a esta tese sobre a neu tralid ad e da ciência e d a
tecnologia, não é estranho que se tenha favorecid o, a partir d e posições
trad icionais, um a im agem d a evolução d a tecnologia que d efend a a d istinção
entre “eficácia interna” e “interferência externa”, pretend end o converter a
eficácia no ú nico gu ia d o d esenvolvim ento tecnológico (González García, Lóp ez
Cerezo e Luján, 1996, pp. 127-132).

A id éia d e uma tecnologia autônoma favorece o que se conhece como


tecnocatasfrofism o e tecnootim ism o, ou m elhor, posições a favor ou
contra a tecnologia. O tecnocatastrofista bu sca assinalar a am eaça d a

42
au tonom ia d a tecnologia, já qu e esta se encontra fora d e controle, e
então o que se d eve fazer é d estruí-la para voltar a um a socied ad e
m enos tecnológica e m ais hu m anizad a. O tecnootim ista tem u m a
posição contrária. É precisam ente essa au sência d e controle, seu caráter
autônomo, o que assegura a eficácia d a tecnologia, e, por conseguinte,
sua ação benéfica frente a qualquer perturbação que ela pod e gerar. N o
m om ento pod e-se assinalar qu e a id éia d e u m a investigação científica
objetiva, neutra, prévia e ind epend ente d e suas possíveis aplicações
práticas pela tecnologia é uma ficção id eológica que não tem
correspond ência com a ativid ad e real d os projetos d e pesqu isa nos
quais os componentes científicos teóricos e tecnológicos p ráticos
resu ltam qu ase sem p re ind issociáveis d o contexto social (González
García, López Cerezo e Luján, 1996, p. 133).

Leituras complementares

ELLUL, J. (1954): El siglo XX y la técnica: análisis de las conquistas y peligros de la


técnica de nuestro tiempo. Barcelona, Labor, 1960.
GON ZÁLEZ GARCÍA, M. I.; LÓPEZ CEREZO, J. A., y LUJÁN , J. L. (1996):
Ciencia, tecnología y sociedad: una introducción al estudio social de la ciencia y la
tecnología. Madrid, Tecnos.
H EIDEGGER, M. (1954): “La pregu nta por la técnica”, en Conferencias y artículos.
Barcelona, Od os, 1994.
MITCH AM, C. (1989 a): Qué es la filosofía de la tecnología? Barcelona, Anthropos.
MUMFORD, L. (1934): Técnica y civilización. Mad rid , Alianza, 1982.
ORTEGA y GASSET, J. (1939): Meditación de la técnica, en Revista de Occidente/El
Arquero. Mad rid , 1977.
QUIN TAN ILLA, M. A. (1988): Tecnología: un enfoque filosófico. Mad rid ,
Fundesco.
SAN MARTÍN , J. (1990): Tecnología y futuro humano. Barcelona, Anthropos.
WIN N ER, L. (1977): Tecnología autónoma. Barcelona, Gustavo Gili, 1979.

2.4 Demarcações sobre a tecnologia

O estud o d a tecnologia é fund amental no âmbito d os estud os CTS. A


análise d os im pactos tecnológicos, as políticas públicas d e ciência e tecnologia, a
regu lação e gestão d a ciência e da tecnologia, entre ou tros tem as típicos CTS,

43
d epend em, d e alguma maneira, d a visão que se tenha sobre a natureza d a
tecnologia. Para abord ar este problem a é fu nd am ental d istingu ir com precisão o
que é a tecnologia e o que é o conhecimento que a faz possível (Qu intanilla e
Bravo, 1997; Qu intanilla, 1998). Esta d istinção é básica para pod er-se analisar o
processo d e m ud ança tecnológica e para caracterizar o conhecim ento
tecnológico como tal.
De m aneira m ais precisa, pod em os d efinir tentativam ente a tecnologia
como uma coleção d e sistemas projetad os para realizar alguma função. Fala -se
então d e tecnologia com o sistema e não som ente com o artefato, para inclu ir tanto
instru m entos m ateriais com o tecnologias d e caráter organizativo (sistem as
im positivos, d e saúd e ou ed ucativos, que pod em estar fund amentad os no
conhecim ento científico).

A ed ucação é um exemplo claro d e tecnologia d e organização social.


Mas tam bém o são o urbanism o, a arquitetura, as terapias psicológicas,
a med icina ou os meios d e comunicação. N est es casos, a organização
social resulta ser um artefato relevante. Portanto, se o d esenvolvim ento
tecnológico não pod e red u zir-se a uma mera aplicação prática d os
conhecim entos científicos, tam p ou co a p róp ria tecnologia, nem seu s
resultad os, os artefatos, p od em limitar-se ao âmbito dos objetos
m ateriais. Tecnológico não é só o que transform a e constrói a realid ad e
física, mas também aquilo que transforma e constrói a realid ad e social.

Pod em os aperfeiçoar essa d efinição segu ind o Rad d er (1996). De acord o


com este autor, há cinco características im portantes que d istinguem a
tecnologia: exeqü ibilid ad e, caráter sistem ático, heterogeneid ad e, relação com a
ciência, d ivisão d e trabalho. Vejamos cad a uma d elas.

• Exeqüibilidade. Falar d e tecnologia é falar d e um a configu ração


concreta, ou m elhor, d e u m a tecnologia realizad a. A tecnologia
seria, logo, um fenômeno d ad o. A exeqüibilid ad e implica que, ao
estu d ar a tecnologia, as pergu ntas “ond e”, “qu and o”, “por qu em ”,
“para quem”… tenham a máxima relevância. As tecnologias
particulares estão cond icionad as por fatores concretos que é
necessário especificar.

• Caráter sistêmico. Um a tecnologia não pod e ser conceitu ad a com o u m


conjunto d e artefatos isolad os. Qualquer tecnologia, por m ais
simples que seja, está inserid a numa trama sociotécnica qu e a torna
viável. Um autom óvel é um a tecnologia form ad a por vários
componentes d e d iferentes origens que, para funcionar, necessita d e
estrad as, postos d e abastecim ento, refinarias, sem áforos, lojas,

44
segu ros, pu blicid ad e, regu lam entos, gu ar d as d e trânsito etc. N ão é
p ossível entend er u m a tecnologia sem ter em conta a tram a
sociotécnica d a qual faz parte. Os enfoques para o estud o d a
mud ança tecnológica d esenvolvid os por H ughes, Latour, Rip e
Callon enfatizam esta característica.

• Heterogeneidade. Os sistem as tecnológicos existentes são


heterogêneos. O exemplo d o automóvel serve perfeitamente para
ilu strar esta característica. Os com ponentes d o artefato “au tom óvel”
são d e d iferentes tipos e proced ências. Com o assinala Rad d er,
exeqü ibilid ad e, sistem aticid ad e e heterogeneid ad e são
características necessárias para entend er o êxito ou o fracasso d e
um a tecnologia. Estas características d ivergem d o ponto d e vista que
conced e certa au tonom ia à tecnologia.

• Relação com a ciência. A tecnologia contem porânea m antém u m a


ampla e d iversificad a relação com a ciência. Esta relação vai além
d aqu ela geralm ente reconhecid a ao se conceitu ar tecnologia com o
ciência aplicad a. N ão só o conhecim ento científico, m as tam bém o
“saber com o”, m aterializad o em habilid ad es, técnicas teóricas,
observacionais e experim entais, assim com o resu ltad os científicos
objetivad os em prod utos, m ateriais e instrum entos, form am parte
d o flu xo qu e vai d a ciência à tecnologia. N o entanto, e ao contrário
d o qu e com u m ente se tem su posto, não existe u m a incorp oração
autom ática d os d iversos prod utos científicos na tecnologia, send o
necessária a intervenção d e outros fatores.

• Divisão do trabalho. A realização d e uma tecnologia cria relações d e


d epend ência entre os d iferentes agentes implicad os. As tecnologias
não pod em funcionar d e forma incond icional. As características
contemplad as aqui implicam uma d ivisão d o trabalho entre aqueles
que d esenvolvem, prod uzem, operam e usam a tecnologia. Esta
característica está relacionad a tanto com o caráter sist êm ico com o
com a heterogeneid ad e anteriorm ente assinalad a.

2.4.1 A prática tecnológica

Um d os conceitos estabelecid os m ais significativos sobre tecnologia, a


partir d e seu caráter sistêmico, é a interpretação d a tecnologia como prática,
enfoqu e qu e resu lta d e grand e importância para o contexto d os países latino-
americanos.

45
O conceito d e prática tecnológica “… vem a ser a aplicação do conhecimento
científico ou organizado nas tarefas práticas por meio de sistemas ordenados
que incluem as pessoas, as organizações, os organismos vivos e as máquinas”
(Pacey, 1983, p. 21).

Pacey (1983, pp. 118-119) propõe o conceito d e prática tecnológica por


analogia com a p rática m éd ica, p orqu anto este d eixa ver com m aior nível d e
implicação os aspectos organizacionais d a tecnologia e não só a d im ensão
estritam ente técnica. N este sentid o, a prática tecnológica envolve três
d imensões integrad as:

• aspecto organizacional, que relaciona as facetas d a ad ministração e d a


política públicas com as ativid ad es d e engenheiros, d esenhistas,
ad ministrad ores, técnicos e trabalhad ores d a prod ução, usuários e
consumid ores;
• aspecto técnico, qu e envolve m áqu inas, técnicas e conhecim entos com
a ativid ad e essencial d e fazer funcionar as coisas;
• aspecto cultural e ideológico, que se refere aos va lores, às id éias e à
ativid ad e criad ora.

O conceito d e prática tecnológica mostra com clareza o caráter d a


tecnologia como sistema ou sócio -sistem a. O sistem a perm ite intercâm bios e
com u nicações p erm anentes d os d iversos asp ectos d a op eração técnica
(instrum entos, m áqu inas, m étod os, institu ições, m ercad os etc.); m as tam bém d e
su a ad m inistração, m ed iante o tecid o d e relações e d e seu s sistem as su bjacentes
implicad os. Além d isso, o sistema envolve o marco d e representações e valores
d os agentes d o processo. Tud o isso permite reconhecer que os sistemas não são
au tônom os, visto qu e estão envolvid os na vigilância d a razão teórica e no
controle d a razão prática.

Ao conceber a tecnologia como sistema, usamos um critério de relação e de


coerência, não de relações lineares. Esta coerência se expressa nos materiais dos
objetos e processos, em suas condições de elaboração, em seus efeitos e em seus
usos, como mencionado anteriormente. O caráter de sistema permite relacionar
os indivíduos e os grupos (produtores, consumidores, participantes de
intercâmbio), os agentes (individuais ou coletivos), os materiais e os meios
disponíveis, e os fins a desenvolver.

Leitura complementar

PACEY, A. (1983): La cultura de la tecnología. México, FCE, 1990.

46
2.4.2 O conhecimento tecnológico

O conhecim ento presente nas ativid ad es tecnológicas pod e ser


classificad o em cinco tip os: habilid ad es técnicas, m áxim as técnicas, leis
d escritivas, regras tecnológicas e teorias tecnológicas (Bu nge, 1967; Mitcham ,
1994). Descrevem os abaixo brevem ente cad a um d esses tipos d e conhecimento.

• Habilidades técnicas. As habilid ad es técnicas são “saber com o”, qu e se


ad quirem por ensaio e por erro e se transmitem por imitação. Trata -
se d e u m tip o d e conhecim ento qu e é em grand e p arte tácito e não
d iscursivo. As habilid ad es técnicas são conhecim ento op eracional,
com o oposto ao conhecim ento representativo (Quintanilla e Bravo,
1997).
• Máximas técnicas. As m áxim as técnicas são “saber com o” cod ificad o.
Descrevem o proced im ento a segu ir para consegu ir u m resu ltad o
concreto. Tratam -se d e conhecimento ad quirid o por ensaio e por
erros, porém transm issíveis lingü isticam ente. Em algu m as ocasiões,
as máximas técnicas são estratégias heurísticas para a resolução d e
problemas.
• Leis descritivas. Tratam-se d e generalizações d erivad as d iretam ente
d a experiência, por isso tam bém são d enom inad as “leis em píricas”.
São semelhantes às leis científicas, explicitamente d escritivas e
im plicitam ente prescritivas para a ação. Contu d o, não são leis
científicas porque não form am parte d e um a tram a teórica que as
explique.
• Regras tecnológicas. As regras tecnológicas são form ulações
lingüísticas para realizar um número finito d e atos em uma ord em
d ad a; representam teoricam ente o saber tecnológico. São norm as
qu e se caracterizam por estar fu nd am entad as cientificam ente; são
form as basead as em leis capazes d e d ar razão à su a efetivid ad e, e
que ind icam com o se d eve proced er para conseguir um
d eterminad o fim.
• Teorias tecnológicas. Um a teoria tecnológica guard a um a relação
particu lar com a ação, seja porque fornece conhecimento sobre os
objetos d a ação ou p orqu e nos inform a sobre a m esm a ação. H á d ois
tipos d e teorias tecnológicas: substantivas e operativas. N o prim eiro
caso consid era-se que são essencialmente aplicações d as teorias
científicas, enqu anto no segu nd o são teorias tecnológicas operativas,
quand o intervêm ações d o complexo homem -máquina em situações
aproximad amente reais, ou seja, nascem na pesquisa aplicad a e
pod em ter pouco ou nad a a ver com teorias substantivas. Seriam
exem p los d este tip o de teorias: a aerod inâm ica, com o u m a ap licação

47
d a d inâm ica d e flu id os, no caso d as su bstantivas, e a teoria d a
d ecisão e a pesquisa operacional, nas teorias operativas. N estas
últimas, não se trata d e aplicação d a ciência e sim d o métod o d a
ciência, pelo fato d e serem teorias d a ação.

Bu nge (1969, p . 694) am p lia o conceito d e regra tecnológica: […] u m a regra é u m a


instru ção p ara realizar u m nú m ero finito d e atos em u m a d ad a ord em e com u m
objetivo tam bém d ad o. O esqu eleto d e u m a regra p od e sim bolizar-se p or u m a cad eia
d e sinais, com o 1–2–3… –n, na qu al cad a nú m ero rep resenta u m ato corresp ond ente;
n o ú ltim o ato, n é o ú n ico qu e sep ara d o objetivo o op erad or qu e ten h a execu tad o
tod as as op erações m enos n… Os enu nciad os d e leis são d escritivos e interp retativos,
as regras são norm ativas […] Enqu anto os enu nciad os legais (referentes à ciência)
p od em ser m ais ou m enos verd ad eiros, as regras só p od em ser m ais ou m enos
efetivas. Conform e Bu nge (1969: 659), d iferentem ente d as regras d e cond u ta qu e
p rescrevem o com p ortam ento m oral, d as regras d a ativid ad e p rática qu e não estão
su bm etid as ao controle tecnológico, e d as regras d a sem ântica e d e sintaxes (d e sinais),
as regras tecnológicas se fu nd am entam na investigação e na ação. As regras
tecnológicas não seriam exatam ente convencionais, com o p od em ser as d e cond u ta,
trabalho e sím bolos, já qu e as tecnológicas se baseiam em u m conju nto d e fórm u las e
leis cap azes d e d ar razão d e su a efetivid ad e; p or exem p lo, a regra qu e p rescreve
lu brificar p eriod icam en te os au tom óveis se baseia na lei d e qu e os lu brificantes
d im inu em o d esgaste p or fricção d as p artes, ao m esm o tem p o em qu e se d egrad am ; é,
p or con segu in te, u m a regra bem fu n d am en tad a.

Um a regra é tecnológica qu and o está fu nd am entad a em leis científicas. Essa


fu n d am en tação se p rod u z através d e enu nciad os nom op ragm áticos (qu e se referem a
ações). O enu nciad o “A águ a ferve a 100ºC” é u m enu nciad o nom ológico, p orqu e
d escreve u m a regu larid ad e exp ressa com o lei d a natu reza. O enu nciad o “Ao se
esqu entar águ a a 100ºC, ela ferverá” é u m enu nciad o nom op ragm ático (já qu e
introd u z a ação esp ecífica d e esqu entar). O enu nciad o “Para ferver a águ a é necessário
esqu entá-la a 100ºC” é u m a regra tecnológica. É p ossível transform ar as leis científicas,
m ed ian te en u n ciad os n om op ragm áticos, em regras tecnológicas. A d iferença entre
p rognosticar e ap licar seria entend id a então em fu nção d a d iferença d os objetivos d a
ciência e d a tecnologia. Os p rognósticos se realizam p ara p rovar a ad equ ação d e u m a
teoria científica, enqu anto qu e as ap licações p er segu em a solu ção d e algu m p roblem a
p rático. Os exp erim entos científicos p rovam a ad equ ação d e u m a teoria; os
exp erim entos tecnológicos, su a efetivid ad e.

Bu nge (1969) esclarece qu e tod a boa teoria tecnológica op erativa terá ao


m enos vários traços característicos d as teorias d a ciência: i) não qu e se refira
d iretamente a partes d a realid ad e, mas a mod elos id ealizad os; ii) como
conseqüência d o anterior, utiliza m od elos teóricos; iii) pod e fazer uso d a
inform ação em p írica e p rod u zir p red ições e d iagnósticos; iv) ser em piricam ente
contrastável.

48
2.5 Filosofia da tecnologia

N o âm bito d a reflexão filosófica sobre a natu reza d a tecnologia


id entificam-se três grand es formas d e abord ar o pensamento acerca d a
tecnologia, segund o o que propõe Mitcham (1989a). A prim eira d elas, com
manifestações d esd e o século 17, d enominad a d e caráter engenheiril3 , está
representad a pelos trabalhos d e Ernst Kapp, Peter K. Engelmeier e Fried rich
Dessauer, entre os mais d estacad os. A ela se segue outra grand e trad ição
hu m anística, associad a aos nom es d e Lew is Mu m ford , José Ortega y Gasset,
Martín H eid egger e Jacqu es Ellu l. Finalm ente, nos encontram os vivend o u m a
nova etap a, caracterizad a p or u m a d iscu ssão histórico-filosófica sobre a qu estão
ética e, em geral, sobre a responsabilid ad e m oral na tecnologia, qu e
abord arem os através d as ativid ad es d a Associação d e Engenheiros Alem ães.
Vam os d esenvolver com u m pou co m ais d e d etalhe algu m as d as reflexões
clássicas em filosofia d a tecnologia, segu ind o basicam ente Carl Mitcham (1989a,
1994). Com pletaremos este capítulo com o estud o d a evolução d e tecnologias e
seu d esenvolvim ento nos enfoqu es CTS.

2.5.1 A filosofia engenheiril da tecnologia

A filosofia engenheiril d a tecnologia se caracteriza por sua ênfase nas


análises d a estru tu ra interna e na natureza d a tecnologia. N ela a tecnologia é
aceita com o algo d ad o, não questionável por um a filosofia que se lim ita a
analisá -la e a estend er seus m od elos d e sucesso a outros âm bitos d o
pensamento e da ação.
Um a d as prim eiras figuras na filosofia engenheiril d a tecnologia é Ernst
Kapp, que d ivid e sua vid a entre o que hoje é a Alemanha (d e ond e foi expulso
em 1849, acusad o d e motim, para ond e retorna d epois d a Guerra d e Secessão
Norte-am ericana) e Estad os Unid os. H egeliano d e esqu erd a, tenta m aterializar
em sua primeira grand e obra (Geografia geral comparada, d e 1845) o pensam ento
id ealista d e H egel, insufland o-lhe elementos d a nova ciência geográfica d e
Ritter, que sustenta a influência d a geografia na form ação d a ord em
sociocultural. Linhas fundamentais de uma filosofia da técnica, d e 1877, fará com
que seja consid erad o o autor d a expressão “filosofia d a técnica”, por ser o
primeiro livro que leva em seu título tal referência. Ao longo d e suas páginas
d esenvolve um a interessante análise d os elem entos d a cu ltu ra (técnica, arte,

3
Preferimos manter a grafia “engenheiril”, no lugar, por exemplo, de “engenheira”, por considerarmo s
ser esta forma já bastante aceita e compreendida, além de ser compacta, portando já significado próprio
em português.

49
linguagem, estad o) como progressiva projeção d os órgãos d o corpo humano.
Em uma seção d a fenomenologia d o espírito, H egel analisa a d inâmica
d o que consid era uma d as relações sociais fund amentais: a que se prod uz entre
o amo e o servo. Segund o H egel, o am o arriscou na luta seu ser físico e, por
conseguinte, ao vencer se transformou em amo. O servo teve med o d a morte e,
na d errota, com o intuito d e salvar sua vid a física, aceitou a cond ição d e servo, e
se converteu em um ser d epend ente d o amo. A partir d este momento, o amo
utilizou o servo, o fez trabalhar para ele, lim itand o-se a gozar d as coisas qu e o
servo construía. N este tipo d e relação se levou a cabo um movimento d ialético,
que acabaria por provocar uma inversão d e papéis. De fa to, o amo terminaria
por tornar-se d epend ente d as coisas, d eixaria d e ser ind epend ente, porque já
não saberia fazer o que fazia o servo, enquanto este, ao fazer as coisas, acabaria
por tornar-se ind epend ente d elas. Quer d izer, o servo, através d e seu trabalho
técnico, alcançaria sua própria d ignid ad e, ind epend entem ente d a opressão d e
outros seres humanos. Para H egel, med iante essa tarefa, o servo era capaz d e
transform ar o m u nd o, qu e d esse m od o era m u ito m enos nobre qu e ele m esm o.
Do trabalho d o servo surgiu o d esejo pelo d esenvolvimento tecnológico, o qual
seria capaz d e libertá-lo d o entorno físico, o que possibilitaria o nascim ento d a
id éia d e uma nova socied ad e livre e igualitária.
Ernst Kapp resgata essa tese d a reflexão hegeliana para form ular sua
filosofia d a tecnologia. Para Kapp, as ferram entas e artefatos d evem entend er -se
como d iferentes classes d e projeções dos órgãos humanos. É um a id éia presente já
nos escritos d e Aristóteles; no entanto, foi Kapp quem lhe d eu uma elaboração
d etalhad a e sistemática.
Assim, a ferrovia é d efinid a como uma exteriorização d o sistema
circulatório, e o telégrafo como uma extensão d o sistema nervoso. Contud o, a
filosofia d e Kapp não se red uz a elaborar uma analogia d os instrumentos e d os
órgãos hum anos, send o que um d os pontos centrais d e sua filosofia é a
aplicação d e sua teoria a d iferentes form as d e organização social, estabelecend o,
por exemplo, que o Estad o é uma extensão d a vid a mental.

Agora fica por resolver a questão d e com o foram construíd as as


ferramentas primitivas e os utensílios e como isto se d á, aind a hoje, em
algu m a m ed id a nos p ovos cu ltu ralm ente m ais atrasad os. Para
respond er, d evem os esclarecer brevem ente algu m as qu estões
term inológicas. A palavra grega “órganon” m encionava em prim eiro
lu gar u m m em bro corporal, em seguid a, sua imagem, o instrumento, e
logo inclusive o m aterial, a árvore ou m ad eira com que havia sid o
fabricad o. O id iom a alem ão aprecia trocar, aind a que som ente em seu
u so fisiológico, as expressões “órgão” e “instru m ento”, sem estabelecer
d iferença alguma entre “órgão d a respiração” e “instrumento d a
respiração”, por exemplo, enquanto que no terreno d o mecânico fala

50
unicam ente d e “instrum entos”. N ão cabe um a d istinção precisa entre o
“órgão d a fisiologia” e o “instrum ento d a técnica”. Do mesmo mod o
que na d ivisão interna d o corpo d enominamos órgãos aquelas
form ações qu e se ocu pam d e proporcionar nu trição e su stento, assim
também àqueles sensores que med eiam as passagens entre exterior e
interior na percepção d as coisas correspond e a d enom inação d e órgãos
d a estru tu ra externa, d as extrem id ad es (Kapp, 1877, p. 111).

Ou tro d os precu rsores d a filosofia engenheiril d a tecnologia é Peter K.


Engelmeier. Engelmeier utiliza o termo “filosofia d a tecnologia” pela primeira
vez em 1894, em um artigo publicad o em um periód ico alemão, no qual exige
u m a reflexão geral sistem ática e u m a aplicação social d a atitu d e engenheiril
para o mund o (Mitcham, 1994, p. 26).
Segu nd o Engelm eier, os tecnólogos e os engenheiros pensam qu e su a
meta é elaborar prod utos tecnológicos ú teis. N o entanto, esta é som ente u m a
parte d e su a tarefa profissional, visto qu e tecnólogos e engenheiros form am
p arte d os postos m ais altos d entro d o status social, transform and o-se inclu sive
em hom ens d e pod er. Esta extensão d as funções e d a influ ência d os
engenheiros e técnicos na vid a social, segund o Engelmeier, não só pod e
consid erar-se p ositiva, m as tam bém u m a conseqü ência d o enorm e crescim ento
econôm ico d a socied ad e m od erna e é u m bom sinal p ara o fu tu ro d as
socied ad es.
Estabelece-se então a questão d e se os técnicos e engenheiros mod ernos
estão preparad os para respond er a estas novas d em and as. Só d epois d e
compreend er as interações que se d ão entre a tecnologia e a socied ad e é que se
pod e respond er a esta qu estão. Por tal m otivo, su stenta este au tor, é necessário
investigar o que representa a tecnologia, quais são suas metas, que classe d e
métod os utiliza, quais são suas áreas vizinhas d entro d a ativid ad e humana que
rod eiam a tecnologia, quais são suas relações com a ciência, a arte, a ética etc.
N este sentid o, Engelm eier aposta nu m trabalho interd isciplinar, em qu e
técnicos, engenheiros e filósofos trabalhem em estreita colaboração com o
objetivo d e esclarecer o conceito d e tecnologia, d e form a que se possa evitar que
o qu e escrevem os p ensadores careça d e rigor técnico, e que o que escrevem os
engenheiros não tenha o suficiente rigor analítico.

Os tecnólogos geralm ente crêem que tenham cum prid o seu


compromisso social quand o elaboram prod utos bons e baratos. Porém
isso é só uma parte de sua tarefa profissional. Os tecnólogos bem
preparad os d e hoje não se encontram somente nas fábricas. As estrad as,
os m eios d e transporte, a ad m inistração econôm ica, a urbana etc. estão
já sob a d ireção d e engenheiros. N ossos colegas p rofissionais estão
ascend end o ao m ais alto d a escala social; inclusive o engenheiro se

51
converte ocasionalmente em homem d e Estad o. N o entanto, o tecnólogo
tem que perm anecer sem pre com o tecnólogo […].
Esta ampliação d a profissão técnica parece ser não somente bem -vind a,
mas também um a conseqü ência necessária d o enorm e crescim ento
econômico d a socied ad e mod erna, e é um bom sinal d e sua futura
evolução.
A pergu nta su rge em torno d e se o tecnólogo m od erno está preparad o
para respond er às novas d emand as. Tal pergunta parece d ifícil d e ser
respond id a afirmativamente, porque não somente inclui o manejo d e
nossa especialização no sentid o d e tecnologia prática, com o tam bém faz
alusão a uma visão d e grand e alcance: as interações entre tecnologia e
socied ad e (Engelmeier, Allgemeine fragen d er technick, Dinglers
Polytechnisches Jou rnal, 31’1, n.2, 14 d e janeiro d e 1899, p . 21; citad o
por Mitcham , 1989a, pp. 32-33).

Engelmeier constrói assim um sistema filosófico em que tanto os


aspectos sociais d a tecnologia com o as qu estões analíticas são elem entos
fund am entais na d efinição d a tecnologia, d a m áquina, d a criativid ad e
tecnológica, d a invenção etc. Em um documento de 1911 (A filosofia da
tecnologia), Engelm eier com eça com u m a d escrição d o qu e d enom ina o “im pério
d a tecnologia”. Assim , com a criação d a Associação Universal d e Engenheiros
na União Soviética em 1917, Engelm eier com eça a d efend er o qu e nos Estad os
Unid os havia sid o transform ad o no m ovim ento tecnocrático: a id éia d e qu e os
negócios e a socied ad e d everiam transform ar-se e gerir-se d e acord o com os
princípios tecnológicos (Mitcham , 1994, p. 28).
Em su m a, Engelm eier se propôs com o objetivo d efend er a necessid ad e
d e d esenvolver um programa filosófico que abord asse a tarefa d e d efinir o
conceito d e tecnologia, os princípios d a tecnologia contem porânea, no qu al se
analisasse a tecnologia com o u m fenôm eno biológico e antrop ológico. Esse
program a filosófico estava tam bém preocupad o em analisar o papel d a
tecnologia na história d a cu ltu ra, as relações entre a tecnologia e a cu ltu ra, a
tecnologia e a ética, e a tecnologia frente a outros fatores sociais.
Outra d as principais figuras no âm bito d a filosofia engenheiril d a
tecnologia é Fried rich Dessau er. Dessau er foi d ou tor em filosofia natu ral, em
med icina, em engenharia e em teologia. Daí que se trata d e u m au tor qu e
conhecia tanto a tecnologia, internam ente (p or su a cond ição d e engenheiro e d e
m éd ico), com o d e fora d ela (por ser filósofo e teólogo). Por este m otivo,
Dessau er propôs u m a filosofia d a tecnologia d e índ ole ecumênica. De fato, aind a
qu e defend esse a filosofia com tod o o vigor qu e possu ía, sem pre estava aberto
ao d iálogo com aqu elas pessoas não tão favoráveis à tecnologia, com o os
existencialistas, alguns teóricos sociais e teólogos.

52
Com o assinala Mitcham (1994), p od e-se resumir a filosofia da
tecnologia d e Dessauer através d a comparação d e sua obra com a d os filósofos
d a ciência, qu e se ocu p avam d e analisar a m etod ologia d o conhecim ento
científico ou d iscutiam as im plicações d e d eterm inad as teorias para a
antrop ologia e a cosm ologia. Segu nd o Dessau er, am bos enfoqu es estavam
equ ivocad os ao não reconhecer o pod er d o conhecim ento técnico, qu e se havia
transform ad o, no m u nd o m od erno, em u m a nova form a d e existir p ara os seres
humanos.

Os filósofos d e profissão citaram -se m u tu am ente, p orém qu ase nu nca


aos autores proced entes d a técnica. Tam pouco ped iram aos técnicos
instrução, inform ação ou opinião. O tem a perm aneceu d istante para
eles, e, portanto, resu ltaram necessariam ente erros e sim plificações
grotescas (Dessau er, 1956, 373).

Em 1926, Dessa uer publicou seu livro Philosophie der Technik, que teve
u m a grand e d ifu são até qu e foi proibid o pelo regim e nacional-socialista. Em
1956, ed ita um novo livro – Streit um die Technik (Discussão sobre a Técnica).
N ão obstante, no prólogo d o m esm o assinala q u e, na realid ad e, trata -se d e u m a
reed ição d o livro d e 1926. Este livro se apresenta como uma d efesa d a técnica
em um m om ento em que se m ultiplicam os ataques contra ela.
O objetivo fund am ental d e Dessauer era oferecer um a análise kantiana
d as p recond ições transcend entais d o pod er tecnológico, assim com o refletir
sobre as im plicações éticas d e su a aplicação. Dessau er d efend ia qu e teria qu e
incluir um a quarta, nas três críticas Kantianas d o conhecim ento, d a m oral e d a
estética: a crítica d a prod ução tecnológ ica (Mitcham , 1989a, p. 46). N a Crítica da
razão pura, Kant tratava d e buscar as cond ições d o conhecim ento, e d efend ia
qu e este está necessariam ente lim itad o ao m u nd o d os sentid os, ao m u nd o d os
fenôm enos, d e form a qu e o conhecim ento nu nca pod e chegar a con hecer as
coisas-em -si-m esm as. A Crítica da razão prática e a Crítica do juízo m antêm a
existência d e um a realid ad e transcend ental d os fenôm enos com o um a
precond ição para o exercício d o d ever m oral e d o sentid o d a beleza. Tom and o
como marco d e referência estas teses kantianas, Dessau er d efend e qu e a
prod ução, em especial sob a forma d e invenção tecnológica, proporciona um
contato positivo com as coisas-em -si-m esm as. A essência d a tecnologia não se
encontra nem na manufatura ind ustrial (que simplesmente d á lu gar à p rod u ção
em massa d e artefatos) nem nos prod utos (que somente são consumid os por
usuários), mas sim no ato d e criação d a prod ução tecnológica (Mitcham, 1994,
p. 31). Dessauer id entifica a inspiração criativa d o técnico e d o artista com o
objetivo d e relacionar a engenharia com as hu m anid ad es.

53
Para Dessau er, a prim eira característica d os objetos técnicos é su a
vinculação com as leis naturais. Um m icroscópio, um avião etc., funcionam
sempre d e maneira causal e med iante um processo que se baseia nas leis da
natureza. H á uma harmonia entre a criação tecnológica e as leis d a natureza. Ou
m elhor, segu nd o Dessau er, a natu reza e os p rop ósitos hu m anos são cond ições
necessárias porém não suficientes para a existência d a tecnologia.
Diferentemente d os processos natu rais, na prod u ção técnica a finalid ad e é
marcad a pela imagem d o objeto imaginad a por seu criad or humano. N este
sentido, o trabalho interior do técnico põe o inventor em contato com um a quarta
realid ad e, a d as solu ções p reestabelecid as p ara os p roblem as técnicos. Para
Dessauer, está claro que o que não existe não pod e ser d escoberto. Os inventos
técnicos são, pois, realizações d as potencialid ad es ou d os entes possíveis, não
criações d o nad a absoluto. Por tal m otivo, o trabalho interior d o engenheiro
im p lica o contato com as coisas-em -si-m esm as transcend entais d os objetos
técnicos. Para Dessauer, no processo d e invenção d e um artefato há d ois fatos
fund am entais: que a invenção, com o artefato, não é algo que se encontre
previam ente no m u nd o d a aparência, e qu e, qu and o esta faz su a aparição
através d o trabalho d o engenheiro, o ap arato realm ente fu nciona. Portanto, a
invenção com o tal não é som ente u m sonho, m as su rge a p artir d e u m encontro
cognitivo com a esfera d as solu ções preestabelecid as aos problem as técnicos.

O hom em , com o ser qu e não acaba na natu reza, constrói seu m eio
ambiente, sua esfera d e percepção e d e atuação por si mesmo. A
natu reza virgem oferece ao corpo hu m ano o m esm o qu e aos anim ais,
porém o homem amplia sem cessar seu meio ambiente em “percep ção”
e em “ação”, constru ind o tu d o aqu ilo qu e corresp ond e às cap acid ad es e
necessid ad es d e su a alm a, e qu e d esignam os com o term o genérico d e
civilização. Civilização é o que está m ais além d a natureza, superand o o
físico, o vegetal e o animal, e que proced e d o cu id ad o hu m ano
(Dessau er, 1956, p. 185).

2.5.2 A filosofia da tecnologia humanista

Ao contrário d a trad ição engenheiril em filosofia d a tecnologia, a


filosofia hu m anista d a tecnologia p resta u m a m aior atenção às relações externas
d a tecnologia com o m u nd o social, p olítico etc. A tecnologia não é u m m od elo a
imitar e sim um tema para uma reflexão d e índ ole mais externa, crítica e
interpretativa.
A análise filosófica d e Lew is Mu m ford se enqu ad ra na trad ição

54
natu ralista rom ântica norte-am ericana, que se estend e d esd e Ralph Ald o
Emerson até John Dew ey. Esta trad ição é mund ana enquanto se preocupa pela
ecologia ambiental, pela harmonia d a vid a urbana, pela preservação d a
natureza e pela sensibilid ad e para as formas orgânicas. E é romântica porque
defend e que a natureza m aterial não é o ponto final d a explicação d a ativid ad e
orgânica, ao m enos em sua form a hum ana. Para estes autores, a base d a ação
hu m ana é a m ente e a asp iração d e au to-realização criativa (Mitcham , 1994, p .
40).
Em 1930, Mu m ford p u blicou u m breve artigo ond e d efend ia qu e as
m áqu inas d everiam ser analisad as em term os d e su as origens psicológicas e
práticas, e avaliad as tanto em função d e sua valid ad e ética e estética como
tecnológica (Mitcham, 1989a, p. 53). Em 1934, é ed itad o seu livr o clássico Técnica
e civilização, ond e trilha p elas m u d anças qu e a m áqu ina introd u ziu nas form as
d a civilização ocid ental, e trata d e explicar as origens psicológicas e culturais d a
tecnologia. Segund o Mum ford , o d esenvolvim ento d a m áqu ina foi prod u zid o
em três ond as su cessivas, qu e vão d esd e os prim eiros aparatos qu e se serviam
d o vento e d a águ a (fase eotécnica), passand o pelas m áqu inas qu e em pregavam
o carvão e o aço, entre 1750 e 1900 (fase p aleotécnica), p ara term inar com as
elétricas, com postas d e d iferentes ligas m etálicas a partir d e 1900 (fase
neotécnica).
Mu m ford pensa qu e as m áqu inas im põem u m a série d e lim itações aos
homens fruto d os acid entes que têm acompanhad o sua evolução, que surgem
d a rejeição d o orgânico e d o vivo. Portanto, se a máquina é uma projeção d os
órgãos hu m anos, com o d efend em algu ns filósofos na trad ição engenheiril, é
som ente entend id a com o lim itação.
Em su a obra O mito da máquina, Mumford tem como objetivo explicar as
forças que têm d eterm inad o a tecnologia d esd e os tem pos pré-h istóricos, e
como estas configuraram o homem mod erno. Mumford não se limita a uma
análise d a socied ad e m od erna, m as vai às origens d a cultura hum ana. Assim ,
por exem plo, rechaça a id éia d o progresso hu m ano com o conseqü ência d o
controle d e ferramentas e d o d om ínio d a natureza. Dem onstra com o as
ferram entas, em si m esm as, não pod em d esenvolver-se à m argem d a
linguagem, d a cultura e d a organização social. Para Mumford , há d e se
consid erar o homem não homo faber, mas homo sapiens. A base d a humanid ad e
não é a manipulação, m as o pensam ento, não são os instrum entos, m as as
m entes. Ou m elhor, p ara Mu m ford , a essência d a hu m anid ad e não é a
manipulação, mas a interpretação e o pensamento.

N ão p od em os com p reend er o p ap el qu e as técnicas têm im p osto ao


d esenvolvim ento humano sem uma visão mais profund a d a natureza
histórica d o hom em . Contud o, esta visão esteve encoberta d urante o
ú ltim o sécu lo, cond icionad a por u m am biente social no qu al proliferou

55
u m grand e nú m ero d e novas invenções m ecânicas, su prim ind o os
processos e institu ições antigas, e m od ificand o a concep ção trad icional
tanto d as lim itações hum anas com o d as possibilid ad es técnicas
(Mumford , 1967, p. 4).

A tecnologia não pode ser vista como a principal via de avanço da


hu m anid ad e. Os avanços técnicos são im p ortantes porqu e perm item ao hom em
u tilizar e d esenvolver tod a su a capacid ad e, m as têm u m a m enor im portância
com o instrum entos que facilitam , por exem plo, o controle d a natureza. A
criação d a cultura sim bólica através d e linguagem é incom paravelm ente m ais
im portante para o d esenvolvim ento hum ano que a invenção d e qualquer
instrumento.

N esse processo d e au tod escoberta e au totransform ação, as ferram entas


são úteis com o instrum entos auxiliares em sentid o estrito, m as não
pod em ser consid erad as com o o agente principal d o progresso hum ano.
As técnicas, até a nossa ép oca, nu nca estiveram sep arad as d a cu ltu ra na
qu al o hom em , com o hom em , sem pre se m oveu . O term o grego téchne
não d istinguia entre a prod ução ind ustrial e a criação artística e
sim bólica; e d u rante a m aior parte d a história hum ana am bos aspectos
foram inseparáveis (Mum ford , 1967, p. 9)

A partir d estas consid erações, Mum ford classifica as tecnologias em


d ois grand es gru pos: as politécnicas e as monotécnicas. As poli ou biotecnologias
são as form as básicas d e m anip u lação. Em p rincíp io, segu nd o Mu m ford , as
tecnologias estavam orientad as para a vid a, m antend o u m a estreita relação com
a cultura. N o entanto, as m onotecnologias ou tecnologias autoritárias que se
baseiam no conhecim ento científico centram -se na exp ansão econôm ica, na
superiorid ad e m ilitar etc., e prod uzem eventualm ente a d estruição d a cultura e
da vida humana.

O resu ltad o é qu e as tecnologias m onotécnicas, basead as na inteligência


científica e na prod u ção qu antitativa orientad as fu nd am entalm ente
para a expansão econôm ica, a satisfação m aterial e a su periorid ad e
m ilitar têm ocu pad o o lu gar d as tecnologias politécnicas, alicerçad as
sobretu d o, com o na agricu ltu ra, nas necessid ad es, atitu d es e interesses
d os seres vivos (Mumford , 1970, p. 155).

O principal exemplo d e monotecnologias é, sem d úvid a alguma, a


tecnologia m od erna. N o entanto, Mum ford d efend e que esta não surge d urante
a Revolu ção Ind u strial, m as rem onta a m u itos anos antes. Su as origens se

56
encontram no que Mumford d efine como a “megamáquina”: o
d esenvolvim ento d e um a organização social rígid a e hierárquica. Os prim eiros
exemplos d e megamáquinas pod em ser encontrad os nos grand es exércitos d a
antigüid ad e ou nos grupos d e trabalhad ores d as pirâmid es d o Egito ou d a
Grand e Mu ralha d a China. Certam ente, a m egam áqu ina p od e oferecer
im p ortantes benefícios, m as sem p re com o cu sto d e d esu m anizar e lim itar as
aspirações e d esejos d os seres hum anos. Com a chegad a d a Revolução
Ind u strial, a m egam áqu ina tornou -se algo cotid iano. A conseqü ência foi o mito
da máquina, ou a noção d e que a megatecnologia é necessária e sempre benéfica
(ver Mumford , 1970, cap. 10).
Ou tro au tor d estacad o nesta trad ição é José Ortega y Gasset. Ortega
integra seus estud os d a técnica d entro d a corrente que ele mesmo d efinia como
“raciovitalism o”, qu e, com o p rogram a d e investigação ontológica, nos p erm ite
aced er a um marco d e interpretação no qual os caracteres essenciais d o
fenômeno estud ad o – neste caso, a técnica – se expressa através d e sua
vinculação com a vid a hum ana. O objetivo d e Ortega é uma investigação d e
índ ole “transcend ental”, qu e bu sca estabelecer as características d a técnica
d esd e um a priori raciovital: o hom em é um ser técnico, e o que se trata é d e
averigu ar p or qu e ele o é, atend end o p ara isso não a cond ições em p ír icas m as
sim “históricovitais” (Martín Serrano, 1989, p. 119).
Através d esse program a d e investigação Ortega elabora u m a
p ersp ectiva ontológica sobre a técnica, qu e com p lem enta ou tros p ontos d e vista
a partir d os quais tal fenômeno pod e ser consid erad o. Esta visão ontológica é,
sem d úvid a, pioneira como mod elo d e ind agação que, junto a id éias d e
H eid egger em torno d este mesmo tema, tem d e ser tomad o sem a ilusão como
ponto d e referência inevitável d e tod a especulação sobre o sentid o d a técnica e
seu papel na vid a humana.
Ortega concebe a técnica como uma série d e atos específicos d o homem
realizad os com o objetivo d e satisfazer suas necessid ad es, mod ificand o ou
reform and o a natureza, e fazend o com que haja nela algo que não havia. A
técnica é vista como uma ad aptação d o sujeito ao m eio. Ortega baseia sua
filosofia d a tecnologia na id éia d e que a vid a humana está intimamente
relacionad a com as circunstâncias. Ou melhor, não se trata d e uma relação
passiva, m as sim d e um a resposta ativa: o hom em cria essas m esm as
circunstâncias.
Com o assinala Mitcham (1994, p. 46), nesse processo d e criativid ad e
existem d uas etapas. A primeira é a imaginação criativa d e um projeto d o
m und o que o ser hum ano d eseja conseguir, e a segund a é a realização m aterial
d esse projeto. Ou m elhor, u m a vez qu e a pessoa tenha im aginad o e
d esenvolvid o criativam ente qu al é o seu p rojeto, existem certos requ isitos
técnicos necessários para su a realização. Em fu nção d esta tese, Ortega d efend e
que há tantas classes d e técnicas quanto projetos humanos. Ortega d efine os

57
seres humanos como homo faber. N o entanto, tem d e precisar que aqui faber não
se red u z à fabricação m aterial, m as inclu i tam bém a criativid ad e espiritu al.
Ortega d ivid e a história d a técnica em três etap as: as técnicas do acaso, a s
técnicas do artesão e as técnicas dos engenheiros. O m od o com o d escobre os m eios
que consid era oportunos para a realização d e seu projeto pessoal se apresenta
como o elemento d iferenciad or entre estes três tipos d e técnicas. Assim, na
p rim eira etap a Ortega d efend e que o acaso é o técnico, p osto qu e é ele qu e
proporciona o invento. N ela os atos técnicos quase não se d iferenciam d o
conjunto d os atos naturais. Para o ser primitivo, fazer fogo é praticamente o
m esm o qu e and ar, nad ar, golp ear etc. N a segu nd a etap a, o repertório d os atos
técnicos d esenvolveu -se consid eravelm ente, send o então necessário qu e
d eterminad os homens se encarreguem d eles e lhes d ed iquem sua vid a: os
artesãos. Som ente na terceira etapa, com o estabelecim ento d o m od o analítico
associad o ao nasc imento d a ciência mod erna, é que surge a técnica ou
tecnologia d o engenheiro, e é precisam ente nesse m om ento quand o se pod e
falar propriam ente d e tecnologia (ver o capítu lo “O qu e é Socied ad e?”).

N o meu entend er, um princípio rad ical para period izar a evolução d a
técnica é atend er a relação existente entre o hom em e sua técnica ou,
d ito d e outro mod o, a id éia que o homem foi tend o d e sua técnica, não
d esta ou d aquela d eterm inad a, m as sim d a função técnica em geral […].
Partind o d este princípio pod em os d ist inguir três enorm es estágios na
evolução d a técnica:
a) a técnica do acaso;
b) a técnica d o artesão;
c) a técnica d o técnico.
A técnica que chamo d o acaso, porque o acaso é nela o técnico, o que
proporciona o invento, é a técnica primitiva d o homem pré e prot o-
histórico e d o atual selvagem 4 […].
Passemos ao segund o estágio: a técnica d o artesão. É a técnica d a velha
Grécia, é a técnica d a Roma pré-imperial e d a Id ad e Méd ia […].
Já assinalam os algu ns d os caracteres d o terceiro estágio. A este
d enominamos “a téc nica d o técnico”. O hom em ad qu ire a consciência
su ficientem ente clara d e qu e possu i u m a certa capacid ad e
com pletam ente d istinta d as rígid as, im utáveis, que integram sua porção
natural ou animal. Vê que a técnica não é um acaso, como no estágio
p rim itivo, nem u m certo tip o d ad o e lim itad o d o hom em – o artesão
(Ortega y Gasset, 1982, pp. 75 e ss.).

4
Esses escritos de Ortega y Gasset remontam à década de 1930, de modo que a idéia de “selvagem” deve
ser tomada com o devido cuidado.

58
A ap arição d a tecnologia na terceira etap a leva inevitavelm ente,
segu nd o Ortega, ao d esvanecim ento d a facu ld ad e im aginativa. N a antigü id ad e,
as p essoas eram totalm ente conscientes d as coisas qu e eram capazes d e fazer,
d e su as lim itações e restrições. Assim , d epois d e haver im aginad o u m
d eterm inad o projeto, u m a pessoa d evia passar vários anos tentand o resolver,
por exemplo, os problemas técnicos necessários para a realização d esse projeto.
N a atualid ad e, segund o Ortega, as ilimitad as possibilid ad es que a tecnologia
abre d iante nós e a facilid ad e d e sua realização anulam o d esafio d os projetos
humanos e apagam o brilho d a vontad e ind ivid ual (Mitcham, 1994, p. 48).
Outro tratam ento filosófico clássico na trad ição hum anística é o
realizad o p elo filósofo alem ão Martin H eid egger. H eid egger se p rop õe u m a
reflexão sobre a tecnologia em um sentid o geral, com o objetivo d e alcançar
u m a com p reensão acerca d a tecnologia m od erna. Com o Ortega, H eid egger
abord a o tema d a tecnologia d esd e a perspectiva d a ontologia. H eid egger
d elineia a reflexão sobre a tecnologia em estreita relação com a questão d o ser.
H eid egger pensa, inclu sive, qu e a reflexão sobre a tecnologia pod e aju d ar a
com preend er a questão fund amental d o ser.
H eid egger faz u m a reflexão sobre a tecnologia em d iferentes obras, m as
sobretud o na que leva por título A pergunta pela técnica (1954). N ela, H eid egger
coloca a questão: o que é a técnica? Duas são as respostas comuns: a técnica é
u m m eio p ara certos fins, e a técnica é u m qu efazer d o hom em . H eid egger
afirm a qu e, se estas d efinições são corretas, não d ão conta d o m ais característico
d a técnica. Estas d efinições não m ostram a essência d a técnica e, precisam ente, a
ele interessa a pergunta pela essência d o que é a tecnologia. A tecnologia é um
d esocu ltar, u m trazer à lu z, u m prod u zir com características particu lares. A
tecnologia é u m a classe d e revelação qu e transform a e d esafia a natu reza p ara
gerar u m a classe d e energia qu e p od e ser arm azenad a d e form a ind ep end ente e
ser transmitid a posteriormente.
Isto não acontecia com a técnica antiga. Por exemplo, as pás d o moinho
d e vento estavam aband onad as ao movimento d este e d esenvolviam um
trabalho m as não abriam as energias da corrente d e ar para armazená -las. O
trabalho d o camponês não agred ia o campo, ao contrário, ele o cultivava e
cuid ava d ele, esperand o que crescesse o trigo e prod uzisse o grão. Segund o
H eid egger, hoje em d ia se provoca o ar para que proporcione nitrogênio; o
cultivo d o campo converteu -se em ind ústria alimentícia; o solo é provocad o
para que forneça mineral, por exemplo urânio; e este é provocad o, por sua vez,
para que proporcione energia atômica que pod e ser usad a para a d estruição ou
p ara u tilid ad es e fins p acíficos. Qu er d izer, na técnica m od erna se d á u m
constante solicitar, u m provocar. A tecnologia m od erna d esafia a natu reza.
Enquanto que o moinho d e vento se mantém em uma estreita e respeitosa
relação com o meio ambiente (por exemplo, d epend e d a terra d e um m od o que
a tecnologia m od erna não necessita; os m oinhos som ente transm item energia

59
através d o movimento, d e forma que se o vento não sopra não se pod e fazer
nad a), a central elétrica poucas vezes se ajusta ou complementa a natureza (não
só contam ina o m eio am biente m as tam bém sua localização vem d eterm inad a
pelas necessid ad es urbanas e não pelas características d a paisagem, como no
caso d os m oinhos trad icionais). Além d isso, as tecnologias m od ernas têm u m a
forma interna que é refém d e cálculos estruturais, d e form a que exibem sem pre
o mesmo caráter seja qual for o lugar ond e se instalem, à margem d as
características d a paisagem .
Um último autor que vamos mencionar brevemente nesta trad ição é o
filósofo francês Jacqu es Ellu l. Para Ellu l, a tecnologia é o fenôm eno m ais
importante d o mund o mod erno. Assim, d efend e que o capital já não é o motor
d a socied ad e tal com o su ced ia no p assad o; agora é a tecnologia a força m otriz
d a socied ad e, que d efine com o a totalid ad e d os m étod os aos quais a
racionalid ad e cheg ou e a eficácia absoluta em tod os os campos d a ativid ad e
humana. O objetivo d e Ellul em sua obra clássica d e 1954 – La Technique – é
estud ar a tecnologia d o m esm o m od o que Marx estud ou o capitalism o um
século antes.
Ellul d istingue entre o que d enomina operações tecnológicas e fenômeno
tecnológico. As op erações tecnológicas são m ú ltip las, trad icionais e
d eterm inad as p elos asp ectos contextu ais. O fenôm eno tecnológico (ou a
tecnologia) é ú nico e d efine o m arco qu e d eterm ina o m od o exclu sivo d e fazer e
utilizar os artefatos, d e form a que estes sejam capazes d e d om inar outras
form as d a ativid ad e hu m ana. A d istinção entre operações tecnológicas e
fenôm eno tecnológico é sim ilar à d istinção m u m ford iana entre as tecnologias
biotécnicas e as m onotécnicas. Do m esm o m od o, resgata a classificação d e
Ortega na m ed id a em que as tecnologias d o acaso e as tecnologias d o artesão
são, d e certo m od o, operações tecnológicas.

2.5.3 Discussão histórico-filosófica sobre a questão ética. O comitê


“Humanidade e Tecnologia” da Associação de Engenheiros Alemães

Um d os intentos m ais frutíferos para superar a d icotom ia entre a


trad ição engenheiril e a trad ição hum anista na filosofia d a tecnologia se
encontra na aposta d a Associação d e Engenheiros Alem ães (Verein Deutscher
Ingenieure – VDI).
A Associação d e Engenheiros Alemães foi fund ad a no ano d e 1856,
d esempenhand o d esd e seu início um papel protagonista na articulação e
prom oção d a filosofia d a tecnologia na Alem anha. O objetivo d a VDI foi pôr
fim à “d em onização” da tecnologia e, por este m otivo, tratou d e recuperar e

60
promover o prestígio d a tecnologia. Assim, por exemplo, em 1909, criou um
boletim informativo que, d epois d e vários títulos, foi d enominad o Técnica e
Cultura. Tal boletim nasceu com a tarefa d e refletir acerca d a d imensão cu ltu ral
d a tecnologia. A VDI d eixou d e pu blicar o boletim d u rante o regim e nacional-
socialista, d ep ois qu e este tentou em vão ap roxim ar a associação d os seu s
pontos de vista.
Depois d a Segund a Guerra Mund ial, a trad ição engenheiril d a filosofia
d a tecnologia experim entou um im portante crescim ento, d evid o em grand e
p arte ao sentim ento d e resp onsabilid ad e p elo p ap el qu e os engenheiros haviam
d esem penhad o d u rante a gu erra. Com o resu m e o engenheiro Albert Speer em
sua memória, Dentro do Terceiro Reich:

Deslum brad o com as possibilid ad es d a tecnologia, d ed iquei m eus anos


m ais im p ortantes a servi-la. Porém ao final m eu s sentim entos sobre a
tecnologia são m uito cépticos (Speer 1970, p. 619, citad o por Mitcham ,
1994, p. 66).

Para abord ar o tema d a responsabilid a d e d os engenheiros, os membros


d a VDI com eçaram a reu nir-se d e m aneira sistem ática e, em 1947, foi
reinstitu íd a a Associação com u m a conferência inau gu ral na qu al foi abord ad o
o tema d os aspectos éticos e culturais d a tecnologia. Durante a d écad a d e 50 d o
século 20, engenheiros e filósofos alemães se reuniram com a finalid ad e d e
analisar os d esafios qu e a Segu nd a Gu erra Mu nd ial havia im posto aos
prim eiros, para d iscutir sobre os possíveis d esenvolvim entos futuros d a
tecnologia. Entre os tem as abord ad os nessas reu niões d estacam-se, por
exemplo, a responsabilid ad e d os engenheiros, o ser humano e o trabalho na era
tecnológica, a m ud ança d a hum anid ad e com o conseqüência d a tecnologia, e o
ser hum ano no âm bito d a tecnologia.
Em 1950, quase cem anos d epois d e sua fund ação, a VDI criou o comitê
“H omem e Técnica”, que nascia com a tarefa d e analisar o papel d o engenheiro
em sua profissão e na socied ad e em geral. Esse comitê se d ivid iu em vários
subcomitês: “Ped agogia e Tecnologia”, “Religião e Tecnologia”, “Linguagem e
Tecnologia”, “Sociologia e Tecnologia” e, finalm ente, “Filosofia e Tecnologia”.
Filósofos d a tecnologia alem ã d e reconhecid o p restígio, com o H ans Lenk,
Sim on Moser, Fried rich Rapp, Günter Ropohl, d entre outros, participaram
intensam ente d esd e as prim eiras sessões nestes subcomitês (Mitcham, 1994, pp.
66-67).
Graças ao d ebate estim ulad o pela VDI, Lenk, Moser, Rapp, Ropohl,
d entre outros, d esenvolveram um novo enfoque d entro d a filosofia d a
tecnologia. Para estes autores, a tarefa d a filosofia d a tecnologia era d esenvolver
uma análise sistemática d as ativid ad es tecnológicas, que tornasse p ossível a

61
aproxim ação d os políticos e d o público ao trabalho d os engenheiros através d a
explicação d esse tipo d e ativid ad e. A filosofia d a tecnologia d evia propor
tam bém m ed id as éticas para a evolu ção d a própria tecnologia. Finalm ente,
com o assinala I. H ronzsky, a filosofia d a tecnologia d evia cond u zir a u m a
alfabetização tecnológica d o público, e a um impulso d a d imensão ética d a
tecnologia para prom over certa consciência ética acerca d o d esenvolvim ento
tecnológico (H ronzsky, 1998, p. 101). Em sua obra Para uma filosofia da tecnologia
interdisciplinar e pragmática: A tecnologia como o centro de uma reflexão
interdisciplinar e uma investigação sistemática, H ans Lenk e Günter Rop ohl (1979)
sustentavam que os problem as d o m und o tecnológico, d ad o seu caráter
m u ltid im ensional, só pod em ser abord ad os com algu m a possibilid ad e d e êxito
partind o d o pressuposto d e um a participação ativa d os generalistas d as ciências
sociais e dos universalistas d a filosofia; e resolvid os d e forma ad equad a
contand o com a contribuição d os especialistas em engenharia. Para estes
autores se faz necessária uma cooperação efetiva entre engenheiros e filósofos
que se estend a pelos obsoletos d epartamentos e rom p a com as fronteiras
acadêmicas.
Um d os p rojetos iniciais d o com itê “H u m anid ad e e Tecnologia” foi a
avaliação crítica d as d iferentes interpretações d a tecnologia. Este trabalho
analítico gerou uma série d e artigos publicad os em sua VDI-Nachrichten (seu
p eriód ico sem anal), com pilad os nos volum es anuais d a Associação. Durante os
anos sessenta, a Associação realizou seu trabalho através d e subcomitês e
m ed iante inform es ocasionais; entretanto, a partir d e 1967, instituiu o “d ia d os
engenheiros”: um congresso bianual em que se d iscutiam temas relevantes. Em
1970, organizou um congresso em Lud w igshafen sobre as conseqüências
econôm icas e sociais d o progresso tecnológico, que recebeu um a extensa
cobertu ra por parte d os m eios d e com u nicação (Mitcham , 1994, p. 71).
Durante os anos setenta e oitenta, a ética engenheiril, e em especial os
cód igos éticos d os engenheiros, converteram -se em temas centrais para a VDI.
Desd e p rincíp ios d a d écad a d e setenta, a Associação realizou u m consid erável
esforço para alcançar uma com preensão ad equad a d o que é e com o se d everia
realizar a avaliação d e tecnologias e a ética d os engenheiros. Um grupo d e
trabalho d a VDI, entre cujos m em bros se d estacam Lenk, Ropohl, H uning e
Rapp, elaborou o Guia da VDI, ond e se form u la u m cód igo com p osto d e oito
valores qu e tratam d e conciliar p rincíp ios engenheiris, econôm icos e éticos, e
ond e se recomend a aos engenheiros que se orientem por eles.

Leitura complementar

MITCH AM, C. (1989a): Qué es la filosofía de la tecnología? Barcelona, Anthropos.

62
2.6 Avaliação de tecnologias

Os anos sessenta e setenta constitu em u m a referência obrigatória


qu and o se trata d e entend er d e form a contextu alizad a qu aisqu er tem as
relacionad os com a regulação pública d a tecnologia. Essas d écad as são as d e
u m a acu m u lação d e catástrofes relacionad as com a tecnologia, e nas qu ais se
d esenvolvem ativos m ovim entos sociais contra-cu ltu rais qu e fazem d a
tecnologia o alvo d e su as críticas, d ifu nd ind o-se uma atitud e d e suspeita entre a
opinião pública a respeito d a inovação tecnológica e d a intervenção ambiental
(a chamad a “sínd rome d e Frankenstein”). Mas é também a época em que
com eça a transform ar-se a política d e “cheque em branco e mãos livres para os
cientistas”, em uma nova política mais intervencionista, ond e os pod eres
p ú blicos d esenvolvem e aplicam um a série d e instrum entos técnicos,
ad ministrativos e legislativos para o processamento d o d esenvolvimento
científico-tecnológico e a supervisão d e seus efeitos sobre a natureza e a
sociedade.

Institucionalização da Avaliação de Tecnologias (AT)


Finais de 1960 e princípios de 1970 são os anos da criação da Environmental
Protection Agency (EPA – Agência d e Proteção Ambiental) e d o Office of
Technology Assessment (OTA – Escritório de Avaliação de Tecnologias), ambas
nos Estados Unidos, iniciativas pioneiras do novo modelo político de gestão, a
que se seguiram outras muitas, nos Estados Unidos da América do Norte e em
outros países. A EPA foi criad a em 1969, como agência d o governo fed eral,
com o propósito de antecipar, regular e corrigir os impactos ambientais
negativos d os novos prod utos científico-tecnológicos. Pouco tempo depois de
sua criação, proibirá o DDT, já d enunciad o em 1962 por Raquel Carson em
Silent Spring . A OTA, embora tenha sido dissolvida em meados da década de
noventa devid o ao corte d e gastos públicos promovid o pela maioria
republicana do Congresso, marca desde sua criação o padrão internacional
com respeito à avaliação d e tecnologias. Seu âmbito d e trabalho constava d e
três d ivisões principais: (1) energia, m ateriais e segurança internacional; (2)
ciências da vida e da saúde; e (3) ciência, informação e recursos naturais. A
execução d a avaliação era realizad a med iante contratos d e pesquisa com
instituições externas. Os informes, estudos e testemunhos elaborados pela
OTA eram finalmente remetid os ao Congresso, que, fund amentad o nesta
informação, tratava de identificar opções políticas alternativas e antecipar
desenvolvimentos de importância (González García, López Cerezo e Luján
López, 1996; Petrella, 1994).

Entre as mais importantes iniciativas d esenvolvid as e ensaiad as d esd e


os finais d a d écad a d e sessenta encontram-se os instrumentos e mecanismos d e
avaliação d e tecnologias (AT) e d e avaliação d e im pacto am biental (AIA). Outro

63
âmbito importante d e inovação nas política s públicas sobre ciência e tecnologia
concerne à gestão d as mesmas e a abertura d os proced imentos d e tomad a d e
d ecisões sob o escrutínio social e a participação pública (ver a este respeito o
capítulo “O que é CTS?”).

2.6.1 O modelo clássico de avaliação de tecnologias

N este contexto histórico e institucional se d esenvolve o mod elo clássico


d e avaliação d e tecnologias (AT). De acord o com um a versão refinad a d esse
m od elo, a avaliação d e tecnologias é entend id a com o u m conju nto d e m étod os
para analisar os diversos impactos d a aplicação d e tecnologias, id entificand o os
grupos sociais afetad os e estud and o os efeitos d e possíveis tecnologias
alternativas. Seu objetivo ú ltim o consiste em tratar d e red u zir os efeitos
negativos d e tecnologias, otim izand o os efeitos positivos e contribuind o para a
su a aceitação p ú blica (veja-se Sanm artín e Ortí, 1992; Shrad er-Frechette, 1985b e
1985c; Westrum , 1991).

As fases da AT são as seguintes

1) Identificação de impactos, estudando a interação entre tecnologias e


contextos sociais. Distinguem -se impactos d iretos e ind iretos, assim como
d iversos tipos d e impacto ambiental, psicológico, institucional/político,
social, tecnológico, legal e econômico.
2) Análise d e impactos, d eterminand o a probabilid ad e, severid ad e e tempo d e
difusão dos impactos identificados, os grupos afetados e sua resposta
provável, assim como a magnitud e previsível d os impactos ind iretos.
Existem d iversos tipos d e análise: custo-benefício, mod elos d e simulação,
m étod os delphi de sondagem de opinião especializad a etc.
3) Valoração d e im pactos. Trata-se aqui d e d eterminar a aceitabilid ad e d os
impactos analisad os à luz d e valores d ad os. Por exemplo, na valoração d e
riscos são utilizad os normalmente um ou mais d os seguintes métod os:
preferências revelad as (estimação d e preferências através d e ind icad ores),
preferências expressad as (via sond agem), pad rões naturais (comparação
com riscos ou impactos naturais normalmente aceitos) etc.
4) Análise d e gestão. N esta última fase trata-se d e fornecer assessoramento
para a tomad a d e d ecisões em política científico-tecnológica.

As avaliações ou análises d e impacto ambiental, por sua vez,


constituem na atualid ad e uma classe d e aplicação d as técnicas d e AT,
normalmente o estud o d as conseqüências ambientais d a execução d e um
projeto ou implantação d e uma tecnologia num contexto regional e a curto ou
m éd io prazo (González García, López Cerezo e Lu ján, 1996; Wathern, 1987).

64
Impactos indiretos
Uma d as questões mais d elicad as e importantes d a análise d e impactos na AT
é a identificação d e impactos ind iretos d e enésima ord em. Um exemplo
clássico interessante d e J. Coates (1971), sobre as conseqüências d a televisão,
pod e mostrar a importância desta questão.
• Primeira ordem: nova fonte de entretenimento e diversão nos lares.
• Segund a ord em: mais tempo em casa, d eixa-se de ir a cafés e bares onde se
viam os amigos.
• Terceira ord em: os resid entes d e uma comunid ad e já não se encontram
com tanta freqüência e d eixa-se de depender dos demais para o tempo de
lazer.
• Quarta ord em: os membros d e uma comunid ad e começam a ser estranhos
entre si; aparecem dificuldades para tratar os problemas comuns; as
pessoas começam a sentir maior solidão.
• Quinta ord em: isolad os d os vizinhos, os membros d as famílias começam a
d epend er mais uns d os outros para a satisfação de suas necessidades
psicológicas.
• Sexta ordem : As fortes demandas psicológicas dos companheiros geram
frustrações quando não se cumprem as expectativas; a separação e o
d ivórcio crescem .

A análise d a relação cu sto-benefício, com ou sem estim ação d e riscos


prováveis relacionad os com custos, é a técnica m ais usad a em AT e AIA, tanto
na empresa privad a como no âmbito d a ad ministração pública. A finalid ad e d e
tal análise é d eterm inar se o balanço custo-benefício é ou não favorável a um
d eterm inad o p rojeto, para tom ar d ecisões sobre localização d e recursos sobre
tal base. A prepond erância neste tipo d e análise d as consid erações econômicas,
e a arbitraried ad e nos valores d e m u ltas p or ações negativas (com o a p olu ição
ou a d estruição d e um a espécie), quand o sim p lesm ente não se om item , tem
d ad o lu gar a críticas bem conhecid as (ver, por exem plo, Kevles, 1992; Shrad er-
Frechette, 1985b).
Um exem p lo d e ap licação d a análise cu sto-benefício para ju stificar o
uso d a energia nuclear com o fim d e obter energia elétrica m ais barata, a partir
d e pressu postos éticos d iscu tíveis, é o qu e nos apresenta Shrad er-Frechette
(1980). Em princípio, a política d e rad iação se su stenta em u m pressu posto ético
básico: os benefícios econômicos e tecnológicos obtid os pelo uso d a energia
nuclear legitim am que se d isperse algo d e rad ioativid ad e no am biente aind a
qu e consid erand o os p ossíveis p reju ízos genéticos e cancerígenos qu e d erivam
d ele. Esta situação sustenta -se em consid erações como as seguintes:

• Princípio de utilidade. Postula com o fim moral maximizar o bem para


a humanid ad e em sua totalid ad e, mesmo sob violações d e eqüid ad e

65
e justiça. Essa política permite d espojar as minorias d e seus d ireitos
para servir ao bem d a maioria, à utilid ad e geral.
• Violação da igualdade de direitos. As crianças estariam p agand o m u ito
m ais que as d em ais pessoas os efeitos d o d esenvolvim ento
tecnológico d a energia nuclear, já que é mais grave a exposição d e
crianças a pequenas quantid ad es d e rad iação (por cad a rad de
rad iação há uma probabilid ad e três a seis vezes maior d e que as
crianças contraiam câncer).
• Confusão entre o que é normal e o que é moral. Está na su p osição d e qu e
tu d o o qu e é norm al, p or exem p lo a m orte p or rad iação, é m oral,
confund ind o que tod o o norm al, que não é nem bom nem ruim por
si mesmo, nem sempre é moral.
• Os produtores de usinas nucleares devem ser os responsáveis por seu
controle. Essa prática viola evid entem ente os princípios d e jogo
lim po e d e d esinteresse. Tam bém este princípio facilitou que a
sanção e a com pensação d epend am que se prove qu e tais acid entes
não foram “intencionais”, e que prod uziram efeitos observáveis
para a saúd e; não se pod e esquecer que os cânceres ind uzid os por
rad iação pod em ter u m períod o d e latência até m esm o d e qu arenta
anos; portanto, é improvável que sejam observáveis im ed iatam ente.

Aind a que send o conscientes d e limitações como as assinalad as por


Shrad er-Frechette, d eve-se reconhecer uma relevância social potencial para a
AT. Um efeito ind ireto p ositivo, qu e resu ltaria em contar com resu ltad os
avaliativos d o tipo d escrito na gestão d e políticas científico-tecnológicas,
consistiria em favorecer um a interação m enos problem ática entre tecnologia -
natureza -socied ad e e, assim , favorecer a viabilid ad e d e um a tecnologia d ad a
(Sanm artín e Ortí, 1992; González García, Lóp ez Cerezo e Lu ján, 1996).
Com o propõem Sanm artín e Angel Ortí (1992), ad aptand o u m a
proposta d e Kathi E. H anna (1987), a red ução d e impactos negativos pod e ser
consegu id a levand o-se em consid eração os informes avaliativos por parte d o
parlam ento, d o executivo (governo, m inistérios), d os grupos d e interesse, d a
ind ú stria etc. Além d isso, nu m a visão am pliad a d essa potencial u tilid ad e social,
cabe tam bém consid erar os cientistas, a opinião pú blica e, em geral, a
participação cid ad ã.

Leitura complementar

SAN MARTÍN , J., et al (ed s.) (1992): Estudios sobre sociedad y tecnología. Barcelona,
Anthropos.

66
2.6.2 Modelos gerais de avaliação de tecnologias

Gotthard Bechmann (1993) estabelece três projetos básicos d e AT:

• A avaliação instrumental consiste em utilizar a m aior qu antid ad e d e


conhecim ento científico d isponível com o fim d e proporcionar
informação para as d ecisões políticas sobre ciência e tecnologia.

• A avaliação elitista pretend e canalizar a d iscussão política e pública


a resp eito d as tecnologias tend o em conta as opiniões d e d estacad os
cientistas.

• A avaliação participativa propõe qu e, tom and o com o pano d e fu nd o


os conflitos sociais gerad os pela inovação, seja analisad a a inform ação
fática sobre a tecnologia em questão, assim como a concernente aos
interesses e aos grupos sociais implicad os em seu d esenvolvimento.
Sobre esta base pod e-se introd uzir o m od elo cham ad o d e “avaliação
construtiva d e tecnologias” (ACT), em contraste com o mod elo clássico
de AT.

– Avaliação clássica de tecnologias. Tem um caráter instrumental ou elitista: está


centrad a na regulação d os prod utos d a ativid ad e tecnológica; é um mod elo
baseado na avaliação de impactos, e tem uma orientação econômica e
probabilística.

– Avaliação construtiva de tecnologias. Tem um caráter participativo; é centrad a


no processo d e geração ou “construção” d as tecnologias; é um mod elo
antecipatório; tem orientação interd isciplinar e compreensiva. Trata-se, em
geral, de refletir no processo avaliativo a diversidade de valores e interesses
p resentes na p ercepção de um problema técnico e no projeto de linhas de
ação.

A ACT supõe uma clara melhoria d a avaliação clássica e d eriva d a


aplicação d os resultad os d e pesquisa CTS d a d écad a d e setenta, e especialmente
nos anos oitenta. Esse enfoque d a ACT teve, ad em ais, u m a notável consolid ação
institu cional na Organização H oland esa d e Avaliação d e Tecnologias, fu nd ad a
em 1987, ond e este m od elo foi ap licad o com êxito em p rojetos sobre tecnologias
limpas, telecomunicações, biotecnologia e outros.

67
2.6.3 O modelo de Avaliação Construtiva de Tecnologias (ACT)

As d iferenças entre a AT clássica e a ACT, esquematizad as acima, são


m u ito claras. O m od elo clássico, na crítica d e B. Wynne (1995), concebe as
trajetórias tecnológicas com o fatos objetivos, ond e a AT d eve ap licar o
conhecimento científico para d escobrir impactos negativos d e enésima ord em,
d e m od o que ad m inistrad or e político possam d ispor os ajustes legais e sociais
necessários. Ao contrário, na ACT trata-se d e u m a m u d ança d e 180 grau s:
propor m u d anças legais e sociais para antecipar e prevenir os im pactos
negativos.
N a ACT a avaliação é entend id a como uma interposição entre os
processos d e inovação e d a avaliação clássica d e impactos, como uma
intervenção corretiva sobre tecnologias emergentes que trata d e mod ificar o
ambiente social d e seleção d as mesmas com o fim d e mod ular sua evolução e a
gama e tipo de seus impactos.
A chave d o m od elo d a ACT, p ortanto, é a reconceitu ação d a d inâm ica
d a tecnologia. N esta nova visão d a natureza e d inâmica d as tecnologias, as
trajetórias tecnológicas são entend id as como processos multid irecionais d e
variação e seleção, ond e a geração d e variação e o ambiente d e seleção
d epend em d e entornos socialm ente constitu íd os. Denom ina -se “qu ase-
evolutiva” porque, d iferentem ente d a evolução biológica, a prod ução d e
variação não é cega e o ambiente não é imod ificável (veja-se o programa SCOT
no capítulo “O que é CTS?”).
Hipóteses da ACT
Ao consid erar as trajetórias tecnológicas como processos multid irecionais d e
variação e seleção, as seguintes hipóteses constituem a base teórica da ACT, de
acord o com M. Callon (1995, pp. 307-308):
1) desenvolvimento tecnológico resulta de um grande número de decisões
tomad as por atores heterogêneos. Os atores mais óbvios são os cientistas e
engenheiros d iretamente envolvid os, aind a que, também, d e um mod o
crescente, estes atores incluam os usuários reais ou potenciais, os
empresários e o mund o financeiro, e tod os os níveis d o governo. Estes
atores negociam as opções técnicas e, em alguns casos (depois talvez de
u m a longa série de aproximações sucessivas), alcançam compromissos
mutuamente satisfatórios.
2) As opções tecnológicas não podem ser reduzidas à sua dimensão
estritamente técnica. As tecnologias têm um caráter inerentemente social.
Disto se deduz que a valoração d as opções tecnológicas d eva ser um tema
d e d ebate político.
3) As d ecisões tecnológicas prod uzem situações irreversíveis, que resultam d o
desaparecimento gradual das margens de escolha disponíveis. À medida
que transcorre o tempo, as escolhas ad otad as estão cad a vez mais
pred eterminad as pelas d ecisões tomad as anteriormente.

68
Com relação às iniciativas p ráticas p ara levar a cabo u m a ACT, e p ara
fazer frente às hipóteses antes m encionad as, d estacam-se a organização d e
conferências estratégicas nos Países Baixos e os congressos análogos na
Dinam arca e ou tros p aíses (González García, Lóp ez Cerezo e Lu ján, 1996). O
m od elo holand ês serviu d e base para algum as propostas e experiências d e
avaliação construtiva d e impacto ambiental na Espanha. As fases d estas
experiências, norm alm ente focalizad as em conflitos sociais relacionad os com a
inovação tecnológica ou a intervenção am biental, são norm alm ente as
seguintes:

• id entificação d o conflito e elaboração d e u m m apa sociotécnico


d os d iversos atores implicad os;
• estu d o avaliativo d e im pactos (id entificação, análise e valoração
d e alternativas) d e caráter com preensivo e interd isciplinar, inclu ind o a
consid eração d e conhecimento especializad o e local alternativo
(proporcionad o por atores específicos);
• organização d e conferência s estratégicas: inform ação prévia por
separação d os gru pos d e interesse e convocação d e conferências
regu lares com representantes d e tais gru pos;
• informe final (sobre a base d o estud o e d as conferências) e
d issem inação d e resultad os.

2.6.3.1 A educação como cenário para o aprendizado social da ACT

A ACT supõe uma aposta a favor d a regulação d emocrática d a


inovação tecnológica. Isto im plica a conveniência d e u m a aprend izagem social,
já qu e a participação pú blica d os atores sociais envolvid os em u m
d esenvolvim ento tecnológico pressupõe alguns hábitos sobre a análise d e
tecnologias qu e p od em e d evem ser ad qu irid os nas institu ições ed u cacionais.
Assim, as instituições ed ucacionais, como ante-sala e fazend o o papel d e
laboratório d a participação social efetiva, pod em servir para sim u lar processos
d e avaliação d e tecnologias socialm ente contextualizad as, tend o em conta as
seguintes consid erações:

• nos espaços ed ucacionais é viável e d esejável a simulação d o d iálogo


entre os atores envolvid os;
• a avaliação simulad a d e tecnologias perm ite que esta possa
estabelecer-se como um processo contínuo;
• a conexão entre as tecnologias existentes e as novas pod e ser
analisad a ed ucacionalm ente para expor publicam ente as im plicações d o
entrincheiram ento tecnológico;

69
• a aprend izagem d a avaliação tecnológica através d e sim u lações
ed ucativas d ispõe aos cid ad ãos os instrumentos para id entificar e
antecipar as conseqü ências sociais, cu ltu rais, am bientais e políticas d as
inovações tecnológicas reais;
• é óbvio qu e o m elhor cenário para a aprend izagem social, no qu e d iz
respeito às conseqüências d as tecnologias, d eve ser o ed ucacional,
porqu e é este qu e perm ite ad qu irir hábitos d a participação pú blica em
seu controle antes que tal participação já não seja possível.

Por isso, as sim ulações ed u cacionais d e situ ações nas qu ais a inovação
tecnológica leva a im plicações sociais controversas são solid árias com um a id éia
d e ed ucação (e d a ed ucação tecnocientífica) que não se limite à aquisição d e
rotinas ou esqu em as rígid os d e caráter pred om inantem ente conceitu al. Tais
sim ulações pod eriam consistir no estabelecim ento d e controvérsias públicas no
entorno im ed iato d a escola, qu e teriam su a origem na im plantação ou
d esenvolvim ento d e algum processo tecnológico que gere incertezas acerca d as
su as im p licações sociais. Estabelecid a a natu reza d o p roblem a d e inovação
tecnológica que afeta este entorno social, cabe sim ular a articulação d a red e d e
atores que protagonizariam a controvérsia e que se confrontariam com
interesses valorativos d iversos. Cad a u m d os atores sociais recorreria aos d ad os
tecnocientíficos para legitim ar su a postu ra, e apresentaria su a prospectiva sobre
as im plicações sociais d o d esenvolvim ento tecnológico que teria estabelecid o.
Os alu nos pod eriam sim u lar por equ ipes as posições d os ator es e
estabelecer a “avaliação tecnológica” d esd e o ponto d e vista d os interesses d e
cad a protagonista d a controvérsia. Assim, pod er -se-iam configu rar p osições
que previsivelmente existiriam se a polêmica fosse real, e que seguramente
estariam resum id as nos qu atro tipos d e atores ind icad os (aind a qu e
seguram ente o papel d os “especialistas” acabasse d esd obrand o-se em
d iferentes coletivos tecnocientíficos, qu e ap ortariam inform ações legitim ad oras
d as d em ais postu ras na controvérsia).

Para a configuração d a red e d e atores simulad a cabe estabelecer alguns perfis


genéricos das atitudes sociais mais freqüentemente presentes nesse tipo de
controvérsias. Assim, poderiam caracterizar -se em termos gerais quatro tipos
de atores:

1) atores interessados ou favorecidos pela implantação da tecnologia de que


se trate (por exemplo empresários, sindicatos, usuários…);
2) atores críticos ou abertamente contrários ao d esenvolvimento tecnológico
que motiva a controvérsia (coletivos ecologistas, associações de
consumid ores…);

70
3) especialistas tecnocientíficos d os quais se d emand a assessoramento para a
avaliação dessa tecnologia (instituições de pesquisa ou avaliação sobre o
tema…);
4) mediadores com capacidade para o seguimento e a ampliação pública da
controvérsia (m eios d e com unicação) ou instâncias com responsabilid ad e
pública na tomada de decisões sobre a implantação dessa tecnologia
(ad ministração, conselho escolar…).

A d iscussão pública, o intercâmbio d ialógico e a confrontação d e d ad os,


inform ações, argu m entos e p rosp ectivas qu e cad a equ ipe d e estu d antes pod eria
preparar na situação escolhid a serviriam para encenar um a possível avaliação
construtiva d e um d esenvolvimento tecnológico.

2.7 Apontamentos sobre o movimento ludita

Em seu livro Rebeldes contra o futuro, Kilpatrick Sale (1996) d efend e que
há m uito o que aprend er d o m ovim ento lud ita d o século 19 sobre oposição à
m u d ança tecnológica. Segu nd o Sale, pod em os aprend er m u ito d os lu d itas,
aind a qu e sejam tão d istantes e tão d iferentes d e nós, com o tam bém d istante e
d iferente era sua época d a nossa. N ossa socied ad e está enraizad a no
d esenvolvim ento d a Revolução Ind ustrial, a qual os lud itas se opuseram tão
energicamente. N este sentid o, mud aram as máquinas, mas a base para o
surgim ento d e qualquer tipo d e m áquina (seus teares e nossos com p u tad ores,
seus trens a vapor e nossos trens d e alta velocid ad e), isto é, o sistem a ind ustrial,
não mud ou excessivamente.
O m ovim ento lu d ita, qu e operou entre 1811 e 1816, foi u m m ovim ento
cuid ad osam ente organizad o e d isciplinad o, o que lhe proporcionou uma alta
efetivid ad e em seus ataques, causand o importantes d anos. Tratava -se de um
m ovim ento com suficiente apoio popular, d e form a que os lud itas pud eram
atuar no anonim ato, apesar d as am eaças oficiais e d as grand es recom pensas
oferecid as a tod o aqu ele que d esse informação sobre eles. Tud o isso nos permite
entrever que os lud itas eram unicam ente a parte visível d e um a insurreição
mais ampla. Entre 1811 e 1816, ergueu-se um am plo apoio aos trabalhad ores
qu e se ressentiam am argam ente d as novas red u ções salariais, d a exploração
infantil, d a supressão d as leis e costumes que em uma época haviam protegid o
os trabalhad ores qualificad os. Seu d escontentam ento se expressou m ed iante a
d estruição d e m áquinas, a m aioria d a ind ústria têxtil. Desd e então, o term o
“lud ita” passou a significar um a oposição rad ical à tecnologia.
Concretam ente, Sale sustenta que há algum as lições que pod em os
aprend er d o movimento lud ita d o século 19:

71
• As tecnologias não são neutras e, ainda que algumas sejam benéficas,
também há outras prejudiciais. N a opinião d e Sale, os lud itas nos
ensinaram que as máquinas não são neutras: são construíd as, na
m aioria d os casos, valorizand o som ente fatores d e caráter econôm ico
que correspond em aos interesses d e uns poucos, enquanto costum am
ser m arginalizad os, p or serem consid erad os irrelevantes, os asp ectos
sociais, cu ltu rais e d o m eio am biente. Portanto, a tecnologia não é
neutra, com o sustentam m uitos tecnófilos. De fato, não pod em os ver
as tecnologias com o um conjunto d e ferram entas ou d ispositivos, d e
m aior ou menor complexid ad e, que pod em ser utilizad os para o bem
ou para o m al. Mu ito pelo contrário, as tecnologias expressam valores
e id eologias d as socied ad es e d os gru p os qu e as geram . Assim , u m a
cu ltu ra triu nfalista e violenta é a base p ara p rod u zir ferram entas
triu nfalistas e violentas. Por exem p lo, qu and o o ind u strialism o
am ericano transform ou a agricu ltu ra d epois d a Segu nd a Gu erra
Mu nd ial, o fez com tu d o aqu ilo qu e havia ap rend id o no cam p o d e
batalha: u tilizand o tratores projetad os tom and o com o base os tanqu es
d e gu erra; p u lverizad ores aéreos u tilizand o os aviões d e gu erra;
pesticid as e herbicid as d esenvolvid os a partir d as bom bas quím icas…

• O industrialismo é sempre um processo de cataclismo. Destrói o passad o,


questiona o presente e torna o futuro incerto. Form a parte d o ethos d o
sistem a ind u strial valorizar o d esenvolvim ento e a p rod u ção, a
velocid ad e e a novid ad e, o p od er e a m anip u lação, qu e são a base d as
m ud anças contínuas, rápid as e subversivas. E tud o isso sob o prism a
d e u m a análise d a realação cu sto/benefício fu nd am entalm ente
econom icista e alheia a qu estões cu ltu rais, sociais ou am bientais.
Qu er d izer, sob u m critério qu antitativo qu e, no geral, term ina
d erivand o em um a injusta d ivisão d e custo/benefício. Quaisquer que
sejam os benefícios que o ind u strialism o possa introd u zir, a ju ízo d os
lud itas, os problem as são aind a m aiores. E as conseqüências pod em
ser bastante m ais p rofu nd as qu and o as norm as d a socied ad e
ind u strial su bstitu em costu m es e hábitos d o passad o. Existem m u itos
estu d os qu e trataram o tem a d as conseqüências d o ind ustrialism o na
socied ad e e em seus costumes. N esta linha, uma antropóloga
am ericana, H elena N orberg, d estaca com o a introd ução d e um
aparentem ente “inocente” transistor em Lad akhi, num povo d o
noroeste d a Índ ia, teve com o conseqü ência qu e nu m breve p eríod o d e
tempo as pessoas não se sentassem ao red or d os fogos para cantar as
velhas canções d o povo, com partilhar suas histórias… e, com isso,
veio abaixo tod a a base d o sistem a ed u cativo d esse p ovo. Sob o
p rism a d o lu d ism o, as ferram entas não estão integrad as na cu ltu ra,
m as sim a atacam , tanto qu anto cam inham no sentid o d e converter -se

72
na cultura.

• Uma resistência ao sistema industrial, baseada na força de alguns princípios


morais, não só é possível, mas é necessária. Esta é a terceira lição que, a
ju ízo d e Sale, pod em os aproveitar d o lu d ism o d o sécu lo 19.
Provavelm ente, nenhum a im agem em erge com m aior clareza d a
história d os lu d itas que aquela que reconhece sua ousad ia, sua
valentia e sua boa vontad e. É certo que, num sentid o geral, os lud itas
não tiveram êxito, nem a cu rto prazo, em seu s intentos por d eter o
d esenvolvim ento d a m áqu ina, nem a longo prazo, em seu objetivo d e
p arar a Revolu ção Ind u strial e su as m ú ltip las m isérias. Em qu alqu er
caso, o que importa do ponto de vista d a história é que eles são
lembrad os por haverem -se op osto, não p or terem ganho. Algu ns, na
atualid ad e, pod em d izer que a luta d os lud itas d o século 19 foi
ingênua, cega e sem sentid o. Segund o Sale, foi autêntica. O
sentim ento lu d ita calou profu nd am ente em m u itos hom ens e se
estend eu ao longo d o d esenvolvimento d o ind ustrialismo pela
m aioria d os países. O que perm anece no fund o d essa história é que a
lu ta d os lu d itas su p ôs u m d esafio m oral contra os p rincíp ios qu e a
nova tecnologia tratava d e im p or, p rincíp ios d e caráter
fu nd am entalm ente econôm ico qu e atentavam contra aqu eles
princípios e costum es trad icionais que haviam regid o a vid a que eles
– os lud itas – haviam conhecid o até então.

• Politicamente, a resistência ao industrialismo deve forçar não só “o


questionamento da máquina” mas a viabilidade da sociedade industrial,
promovendo-se um debate público. Esta é um a lição m uito im portante
que pod emos aprend er d o movimento lud ita. Certamente, se a longo
prazo o grand e êxito d os lud itas foi que foram capazes, e os prim eiros
a qu estionar o valor d a m áqu ina, tam bém d everíam os d izer qu e seu
fracasso foi que não provocaram um verd ad eiro d ebate sobre essa
questão ou que não expuseram a questão ad equad am ente nos term os
em que tal d ebate d evia ter tid o lugar. N ão obsta nte, a
resp onsabilid ad e d esse fracasso não é d os lu d itas, p osto qu e nu nca
assum iram com o parte d e sua m issão fazer d e seu protesto um
assu nto d e d ebate. Eles escolheram a d estru ição d as m áqu inas com o
u m m eio p ara ir p recisam ente m ais além d o d ebate. Ter -se-ia qu e
esperar até m ead os d os anos sessenta e princípios d os anos oitenta d o
sécu lo 20 para qu e o m arco interd isciplinar d e estu d os CTS originasse
tod a um a reflexão filosófica sobre a ciência, e a tecnologia capaz d e
qu estionar criticam ente o d esenvolvim ento científico-tecnológico,
assim com o p ara ter-se consciência d e seus benefícios, riscos e perigos
que também implicam. Sobre esta base, um d os objetivos d a

73
resistência à tecnologia em nossos d ias é precisam ente gerar esse
d ebate d e que careceu o m ovim ento lud ita d o século 19; um d ebate
basead o na p articip ação e na gestão d em ocrática d a ciência e d a
tecnologia, em qu e tod os os envolvid os, inclu íd os os cid ad ãos
com u ns qu e sofrem as conseqü ências d o d esenvolvim ento científico-
tecnológico, possam em itir suas opiniões sem pre sob a garantia d e
uma ad equad a formação e informação.

• Se o edifício da civilização industrial não sucumbe como resultado de uma


determinada resistência gerada dentro de suas próprias paredes, parece
plausível que sucumbirá como conseqüência de seu próprio desenvolvimento,
através de seus excessos e de suas instabilidades. Esta é um a questão
muito importante que os lud itas souberam ver. Fixemo-nos então nas
d uas forças que estão minand o os alicerces d a socied ad e ind ustrial: o
abuso d o entorno e os transtornos sociais. Am bos são necessários e
inseparáveis d o d esenvolvim ento ind u strial. Qu ase pod eríam os d izer
que são o fruto d o d esenvolvimento ind ustrial, motivo pelo qual o
sistema ind ustrial leva em seu interior o germe d e sua própria
d estruiçã o. N o entanto, não estam os d izend o novid ad e algu m a, p ois
isto é algo que caracteriza tod a civilização. Os registros d os últim os
cinco mil anos d e história sugerem claramente que tod as as
civilizações preced entes se d eterioraram e d estru íram , não
im p ortand o o p onto a qu e haviam chegad o a florescer. Ocorre qu e a
civilização ind ustrial é d iferente não só no fato d e ser a m ais extensa e
pod erosa d e tod as aqu elas qu e até aqu i existiram , m as tam bém qu e
sua d estruição irá provocar conseqüências muito mais d rástica s qu e
qu alqu er ou tra, chegand o a colocar em p erigo qu alqu er tip o d e vid a
em nosso planeta.

O certo é que, a partir d a Segund a Guerra Mund ial, os sentim entos d e


tem or, d esconfiança e, em m u itos casos, d e rechaço, foram -se generalizand o
também entre os cida d ãos com u ns. Os m ed os e tem ores se acentu aram na
d écad a d e setenta, com as revelações d os perigos para o hom em e o m eio
am biente d o uso d e d eterm inad os pesticid as e fertilizantes, d e ad itivos nos
alim entos, d o aum ento d os níveis d e rad iação… Tod os estes acontecim entos
com eçam a m inar a confiança na ciência e na tecnologia com o fontes d e
progresso para a hum anid ad e. Quand o a d écad a d e oitenta nos trouxe os m ais
d esastrosos fracassos d a m od erna tecnologia até a presente d ata, em 1984, a
explosão em Bophal e, em 1986, a d a central nuclear d e Chernobil, seguid os d o
crescente alarm e m u nd ial p ela d egeneração d o m eio am biente, a p reocu p ação e
a d esconfiança cresceram sobrem aneira.

74
Com o apontávam os anteriorm ente, não som ente as vítim as d iretas d a
tecnologia pertencem a esses gru pos, m as tam bém aqu eles cid ad ãos
especialmente preocupad os e sensibilizad os, como são os participantes em
campanhas contra resíd uos tóxicos, o uso d e pesticid as, o corte d esmed id o d e
árvores, a exp erim entação com anim ais… Um d os gru p os d e m aior êxito foi o
d os ativistas antinu cleares nos Estad os Unid os, qu e se op u seram às arm as
nucleares e às centrais nucleares, send o capazes d e evitar a construção d e novas
centrais em tod os os estad os d esd e 1978. Su a oposição inclu iu tod o tipo d e
ativid ad es: m anifestações, m archas, concertos e inclusive sabotagens.
N a d écad a d e oitenta se d esenvolveu o qu e se conhece com o o
“ecotage”. Trata-se d e uma forma d e protesto iniciad a pelo grupo ecologista
Earth First, um a organização rad ical cujo lem a era “nenhum a concessão na
d efesa d a terra”. Sua estratégia consistia em parar as intrusões e ataques ao
m eio valend o-se tanto d e m eios legais com o d e outros tipos d e ativid ad es, tais
com o fu rar pneu s d as m áqu inas u tilizad as para cortar lenha, bloqu ear as
estrad as para im p ed ir qu e cam inhões ingressassem nos bosqu es, introd u zir
pregos nas árvores para evitar que fossem cortad as com serras d e corrente, etc.
O objetivo fu nd am ental d e tal gru po, com o se assinalou em su as pu blicações
gratuitas, é d esm antelar o sistem a ind ustrial atual. Como d isse um d e seus
m em bros antes d e ser d etid o por d errubar um a torre d e alta tensão: “não
som ente proteger a natu reza, m as tam bém atravessar u m a barra na rod a d a
máquina que é o sistema ind ustrial”.
N a atualid ad e, há múltiplos grupos que empreg am a técnica d o
ecotage; um claro exemplo conhecid o por tod os constitui muitas d as ações d e
Greenpeace. Tam bém abu nd am gru p os centrad os na p roteção d os d ireitos d os
anim ais (lançam tinta nos casacos d e pele, d estroem laboratórios em qu e se
fazem experim entos com anim ais e os liberam …).
Em algumas passagens d o livro d e Robert Pirsig, Zen e a arte de
manutenção de motocicletas, o protagonista, Chris, pergunta-se com o é possível
que acerca d e um a questão tão sim ples com o é o cuid ad o d e suas m otocicletas
pudesse existir uma atitud e tão d iferente entre ele e seu amigo John.

[…] a mim, sustenta, parece natural e normal utilizar os estoques d e


ferramentas e os livros d e instruções relacionad os com cad a máquina, e
ocupar -m e eu m esm o d e m antê-la ajustad a e no ponto. John d ifere. Ele
prefere qu e u m m ecânico com petente se ocu pe d essas coisas, para qu e
se faça como é d evid o. Essa íntima d iferença nunca apareceu apesar d e
term os passad o tanto tem po and and o d e m oto juntos e sentad os em
p ou sad as ru rais bebend o cerveja e faland o acerca d e qu alqu er coisa qu e
nos ocorresse. Quand o se trata d e estrad as, d o tempo, d as pessoas, d e
antigas record ações ou d o qu e p u blicam os jornais, a conversação
transcorre agrad avelm ente e com tod a natu ralid ad e. Porém , cad a vez

75
que tive em mente o desempenho da moto e esta se introduz na
conversação, cessa a boa marcha d o d iálogo. A conversação d eixa d e
progred ir. H á um silêncio […]. Pud e chegar a crer que esta era,
m eram ente, um a peculiar atitud e sua com respeito às m otocicletas;
p orém , m ais tard e d escobri qu e se estend ia a ou tras coisas […]
Enqu anto esperava por ele u m a m anhã em su a cozinha, antes d e
realizar a viagem , notei qu e a torneira gotejava e record ei qu e já
gotejava d a última vez que estive ali […]. Isto me obrigou a perguntar -
me se influiria em seu s nervos aqu ele d rip-d rip-d rip semana após
semana, um ano após outro […]. N ão se trata d a manutenção d a moto,
nem d a torneira. É tod a a tecnologia que o aborrece. […] John se evad e
cad a vez que surge o tema d a reparação d a moto, inclusive quand o é
evid ente que esta o faz pad ecer. É tecnologia. Se vai d e moto é para
afastar-se d a tecnologia através d a cam pina, sob o sol e o ar fresco.
Quand o eu o d evolvo precisamente ao ponto e ao lugar d os que crê
haver finalm ente escapad o, isso não faz senão causar-lhe um a
d esagrad ável sensação glacial. Por esta razão, a conversação sem pre se
interrompe e se congela quand o traz à tona esse tema (Pirsig, 1994).

Possivelm ente a m aioria d e nós já exp erim entou u m a sensação sim ilar à
d e John: tratamos d e escapar d a tecnologia, porém para isso precisam os fazer
u so d a p róp ria tecnologia. Certam ente, esse é u m d os p arad oxos enfrentad os
pelos neolud itas: tratam d e term inar com a tecnologia, porém para isso utilizam
as últimas tecnologias, como por exemplo a internet
(http://w w w .d f.lth.se/~m icke/w holem anifiesto.htm l). Este m esm o p arad oxo é o
que nos há d e colocar em guard a, tanto quanto reflete uma socied ad e presa d a
tecnologia, ou, o que é o mesmo, reflete um a socied ad e na qual a tecnologia
d eixou d e ser um meio para converter -se em um fim em si mesma. Este é
p recisam ente o m otivo qu e nos levou a nos fixarm os no m ovim ento neolu d ita
para extrair e d estacar aqu eles aspectos positivos e críticos d e tal m ovim ento
em sua reflexão sobre a tecnologia.

2.8 Conclusão

Após a análise prévia d a tecnologia e d e sua relação com a ciência e a


socied ad e, pod emos concluir que esta é prod uto não somente d o conhecimento
tecnológico mas também d e outros fatores d o tipo valorat ivo, social, econôm ico,
político etc. Além d isso, pod e-se afirm ar qu e o conhecim ento tecnológico é
form ad o por conhecim ento cod ificad o e por conhecim ento tácito (habilid ad es

76
técnicas). Por sua vez, o conhecim ento cod ificad o é form ad o por conhecim ento
científico, por conhecim ento tecnológico relacionad o com a ciência (conteú d o e
m étod o), p or conhecim ento d esenvolvid o na p róp ria ativid ad e tecnológica e
por conhecimento técnico.
N um a visão m ais com preensiva, d uas trad ições filosóficas, a
engenheiril e a hu m anística, teorizaram d e m od os d istintos a natu reza d a
tecnologia e sua relação com o ser humano; d uas trad ições que, como mostra a
reflexão gerad a pela VDI alem ã, necessitam com plem entar -se mutuamente para
oferecer u m a visão ad equ ad a d o fenôm eno tecnológico. A tecnologia é uma
p rojeção d o ser hu m ano no seu entorno, m as ante a qu al convém m anter u m a
atitud e crítica, pois nem sempre ela tem oferecid o os efeitos d esejad os,
voltando-se freqü entem ente contra nós com o o m onstro qu e se voltou contra
Victor Frankestein.
Trata -se, em ú ltim a instância, d e d esenvolver form as d e convivência
com a tecnologia no m und o atual que nos perm itam corrigir os erros d o
passad o – expressos tão eloqü entem ente pelo m ovim ento lu d ita – e ad ap tar as
m áquinas às necessid ad es e aspirações d o ser humano.

2.9 Bibliografia

AGAZZI, J. (1980): “Betw een science and technology”, en Philosophy of Science,


47, pp. 82-99.
BECH MAN N , G. (1993): “Dem ocratic fu nction of technology assessm ent in
technology policy d ecision-making”, en Science and Public Policy, 20, pp. 11-16.
BERCIAN O, M. (1995): La técnica moderna. Reflexiones ontológicas. Ovied o,
Universid ad d e Ovied o.
BIJKER, W.; H UGH ES, T., y PIN CH , T. (ed s.) (1987): The social construction of
technological systems. Cambrid ge, MIT Press, 1989.
BIJKER, W. (1995): Of bicycles, bakelites and bulbs: toward a theory of socio-technical
change. Cambrid ge, MIT Press.
BUN GE, M. (1967): “Tow ard a p hilosop hy of technology”, en MITCH AM, C., y
MACKEY, R. (ed s.) (1972): Philosophy and technology: readings in the philosophical
problems of technology. Chicago, University of Chicago Press.
_____(1969): La investigación científica, su estrategia y su filosofía. Barcelona,
Ed iciones Ariel, 1972.
CALLON , M. (1995): “Technological conception and ad option netw ork: lessons
for the CTA practitioner”, en RIP, y otros (ed s.) (1995): Managing technology in
society. Lond res, Pinter.
CARSON , R. (1962): Silent spring. N ueva York, H oughton Mifflin.
DESSAUER, F. (1956): Discusión sobre la técnica. Mad rid , Rialp, 1964.

77
DOSI, G.(1982): “Technological p arad igm s and technological trajectories”, en
Research Policy, 3.
ELLUL, J. (1954): La technique, ou l`enjeu de siècle. París, Colin.
_____(1962): Propagandes. París, A. Colin.
_____(1965): L`illusion politique. París, R. Laffon.
_____(1967): Métamorphose du bourgeois. París, Calm ann-Lévy.
_____(1980): L`empire du non-sens: l`art et la société technicienne. París, Presses
Universitaires d e France.
GARCÍA, E.; ALBA, J., y LÓPEZ CEREZO, J. A. (1998): “La cu enca d el río Sella:
p rop u esta m u ltid isciplinar d e gestión d e los recu rsos flu viales com patible com
la conservación d el salmón atlántico”, en Informe de Investigación. Ovied o,
Universid ad d e Ovied o.
GARCÍA MEN ÉN DEZ, P. (1999): “Ap ortaciones d e W. V. Qu ine a la nu eva
concepción d e la ciencia”, en VELARDE, J.; y otros (1999): Studia philosophica.
Ovied o, Universid ad d e Ovied o.
GARCÍA PALACIOS, E. M. (1999): “Consid eraciones teóricas y análisis crítico
d e la gestión pú blica d e la ciencia y la tecnología”, en VELARDE, J., y otros:
Studia philosophi ca. Ovied o, Universid ad d e Ovied o.
GLEN DIN N IN G, Ch. (1990a): “N otes tow ard neo-lu d d ite m anifiesto”, en Utne
Reader, m arzo, 1990, pp. 53-55.
_____(1990b): When technology wounds: the human consequences of progress. N u eva
York, Willian Morrow .
GON ZÁLEZ GARCÍA, M. I.,; LÓPEZ CEREZO, J. A. y LUJÁN , J. L. (1996):
Ciencia, tecnología y sociedad: una introducción al estudio social de la ciencia y la
tecnología. Madrid, Tecnos.
_____(ed s.) (1997): Ciencia, tecnología y sociedad: lecturas selecionadas. Barcelona,
Ariel.
H AN N A, K. E. (1987): Patterns of use of technological assessment. Ann Arbor (MI),
University Microfilm s International.
H RON SZKY, I. (1988): “Algu nas observaciones sobre la reciente filosofía d e la
tecnología en Europa: el caso alemán”, en Teorema, vol. XVII/3, 1998.
H UGH ES, T. P. (1983): Networks of power: electrification in western society, 1880-
1930. Baltim ore, Johns H opkins University Press.
JORGEN SEN , U., y KARN OE, P. (1995): “The Danish Wind-Tu rbine Story:
Technical Solu tions to Political Visions?”, en RIP, y otros (ed s.) (1995): Managing
technology in society. Lond res, Pinter.
KAPP, E. (2000): “Líneas fu nd am entales d e u na filosofía d e la técnica”, en
Teorema, vol XVII/3, 1998.
KAZIN SKY,Th.(1995):“Unabom ber’sManifesto”,
<http ://w w w .d f.lth.se/~m icke/w holem anifiesto.htm l>.
KEVLES, D. (1992): “Some Like it H ot”, en New York Review of Books, marzo, 26,
pp. 31-38.
LATOUR, B. (1987): Ciencia en acción. Barcelona: Labor, 1992.

78
LÓPEZ CEREZO, J. A.; LUJÁN LÓPEZ, J. L., y GARCÍA PALACIOS, E. M.
(2000): Filosofía de la Tecnología (versión electrónica d el núm ero m onográfico d e
la Revista Teorem a XVII/3), <http ://w w w .cam p u s-
oei.org/salactsi/teorem a.htm >.
MARTÍN SERRAN O, M. (1998): Presentación a la selección d e textos d e José
Ortega y Gasset “El m ito d el hom bre allend e la técnica”, en Teorema, vol. XVII/3,
1998.
MITCH AM, C. (1989): Qué es la filosofía de la tecnología? Barcelona, Anthropos.
_____(1994): Thinking through technology: the path between engi neering and
philosophy. Chicago, University of Chicago Press.
MITCH AM, C., y MACKEY, R. (ed s.) (1972): Philosophy and technology: readings
in the philosophical problems of technology. Chicago, University of Chicago Press.
MUMFORD, L. (1967): The mith of the machine: techniques and human development .
N ueva York, H arcourt.
_____(1970): The mith of the machine: the pentagon of power. N u eva York, H arcou rt.
N ELSON , R., y WIN TER, S. (1982): An evolutionary theory of economic change.
Boston, H arvard University Press.
N IIN ILUOTO, I. (1997): “Ciencia frente a tecnología: d iferencia o id entid ad ?”
en Arbor, 620, pp. 285-299.
N ORBERG-H ODGE, H . (1991): Ancient futures: learning from Ladakh. San
Francisco, Sierra Club Books.
PACEY, Arnold (1983): La cultura de la tecnología. México, FCE, 1990.
PETRELLA, R. (1994): “La prim avera d e la evaluación d e tecnologías se
extiend e por Eu ropa”, en SAN MARTÍN , J., y H RON SZKY, I., (ed s.) (1994):
Superando fronteras: estudios europeos de ciencia-tecnología-sociedad y evaluación de
tecnologías. Barcelona, Anthropos.
PIRSIG, R. (1974): Zen y el arte del mantenimiento de la motocicleta. Barcelona,
Mond ad ori, 1994.
POSTMAN , N . (1992): Tecnópolis: la rendición de la cultura tecnológica. Barcelona,
Círculo d e Lectores, 1994.
QUIN TAN ILLA N AVARRO , I. (1999): Techne. Mad rid , Ed itorial N oesis.
QUIN TAN ILLA, M. A. (1988): Tecnología: un enfoque filosófico. Mad rid ,
Fund esco, 1989.
_____(1998): “Técnica y cultura”, en Teorema, XVII/3, pp. 49-69.
QUIN TAN ILLA, M. A., y BRAVO, A. (1997): Cultura tecnológica e innovación.
Primera parte: el concepto de cultura tecnológica.Inform e para la Fu nd ación
COTEC.
RADDER, H . (1996): In and about the world. Philosophical studies of science and
technology. N ueva York, SUN Y Press.
RAPP, F. (1978): Filosofía analítica de la técnica. Barcelona, Ed itorial Alfa, 1981.
RIP, A.; MISA, T., y SCH OT, J. (ed s.) (1995): Managing technology in society.
Lond res, Pinter.
SAN MARTÍN , J., y otros (ed s.) (1992): Estudios sobre sociedad y tecnología.

79
Barcelona, Anthropos.
SAN MARTÍN , J., y ORTÍ, A. (1992): “Evaluación d e tecnologías” en
SAN MARTÍN , J. y otros (ed s.) (1992): Estudios sobre sociedad y tecnología.
Barcelona, Anthropos.
SAN MARTÍN , J., y H RON SZKY, I. (ed s.) (1994): Superando fronteras: estudios
europeos de ciencia-tecnología-sociedad y evaluación de tecnologías. Barcelona,
Anthropos.
SALE, K. (1996): Rebels against the future. The luddites and their war on the
industrial revolution: lessons for the computer age. Massachusetts, Ad d ison -Wesley
Pu blishing Com pany.
SÉRIS, J. P. (1994): La technique. París, PUF., 1994.
SH RADER-FRECH ETTE, K. (1980): Energía nuclear y bienestar público. Mad rid ,
Alianza Universid ad , 1983.
_____(1985a): “Technology assessm ent, exp ert d isagreem ent, and d em ocratic
proced u res”, en Research in Philosophy & Technology, vol. 8. N u eva York: JAI
Press.
_____(1985b): Science policy, ethics, and economic methodology. Dord recht, Reid el.
_____(1985c): Risk analysis and scientific method. Dordrecht, Reidel.
SH RUM, W. (1986): “Are ‘science’ and ‘technology’ necessary?: the utility of
some old concepts in comptemporary stud ies of the research process” en Social
Inquiry, 56, p p . 324-340.
SCH UMPETER, J. A. (1943/1947): Capitalism, socialism and democracy, 2ª ed .
N ueva York H arper & Row .
SPEER, A. (1970): Inside the Third Reich. N ueva York, Macmillam.
STAUDEN MAIER, J. M. (1985): Technology storytellers: reweaving the human
fabric. Cambrid ge, MIT Press.
WATH ERN , P. (ed .) (1987): Environmental impact assessment: theory and practice.
Londres, Routledge.
WESTRUM, R. (1991): Technology & society: the shaping of people and things.
Belm ont, Wad sw orth.
WIN TER, S. G. (1993): “Patents and w elfare in an evolutionary m od el”, en
Industrial and Corporate Change, 2, pp. 211-231.
WYN N E, B. (1995): “Technology assessm ent and reflexive social learn ing:
observations from the risk field ”, en RIP y otros (ed s.) (1995): Managing
technology in society. Lond res, Pinter.

80
3 - O QUE É SOCIE DA DE?

3.1 Introdução

Se as qu estões acerca d a ciência e d a tecnologia são com p lexas e


d ificilm ente abord áveis em poucas páginas, qualquer tentativa d e
entend im ento sobre o que é socied ad e ad iciona m uitas novas com plicações.
A reflexão sobre a tecnologia é relativamente recente. De fato, uma d as
virtud es d os estud os CTS foi colocar enfaticam ente a tecnologia como objeto d e
estud o m ereced or d e um im portante esforço acad êm ico. O estud o d a ciência
tem um a trad ição m ais longa, aind a que o que se d isse na antiguid ad e sobre
esse conceito fosse obstaculizad o pelo escasso d esenvolvimento d as ciências
com o tais, d e m od o qu e, até a Revolu ção Científica, não há u m a m ed itação m ais
aprofu nd ad a sobre algu m as qu estões com o o m étod o científico ou os princípios
d as ciências.

Autores d entro d o movimento CTS, como Shapin (1996), sustentam que a


“Revolução Científica” nunca existiu. O conhecimento atual da história da
ciência d o século 17 levou historiad ores a reconsid erar a id éia d e Revolução
Científica como um acontecimento singular e discreto, localizado no tempo e
no espaço. Esses mesmos historiad ores rejeitam que existiu no século 17 uma
única entidade cultural coerente chamada “ciência” que pudesse experimentar
uma mudança revolucionária. O que havia era uma diversidade de práticas
culturais que se propunham compreend er, explicar e controlar o mund o
natural. Por um lad o, não está muito claro que existiu um “métod o científico”
concebido como um conjunto coerente, universal e eficaz de procedimentos
para a construção de conhecimento científico; por outro, muitos historiadores
não consid eram que seja certa a id éia d e que as mudanças introduzidas no
século 17 nas práticas e crenças científicas foram tão “revolucionárias” como
se pretendeu em outras ocasiões.

81
N o caso d o conceito d e socied ad e, o problema que se apresenta ao se
abord ar seu tratamento é que as consid erações acerca da definição de
socied ad e, seu s tip os, seu fu nd am ento e sobre qu al seja a m elhor form a d e
organização social, têm m uito m ais vigor que as existentes acerca d os conceitos
sobre ciência e tecnologia. N ão são d esconsid eráveis, por exem plo, as reflexões
sobre a socied ad e qu e foram feitas na Grécia há m ais d e vinte e cinco sécu los.
Por sua vez, costuma -se consid erar que o grand e d esenvolvim ento
tecnocientífico d o últim o século prod uziu m ud anças sociais com o não se havia
conhecid o até agora e, inclu sive a p arte mais cham ativa d os d iscu rsos, qu e
pod eríamos qualificar tanto d e tecnófobos quanto d e tecnófilos tem a ver com
as conseqüências sociais que im plicam o d esenvolvim ento tecnocientífico, e não
só recentem ente m as já na literatura d e ficção m ais clássica.
Assim , pois, como tratar a questão sem nos perd ermos em uma d ensa
trajetória histórica? Pod er-se-ia colocar, qu em sabe, u m p onto d e vista m ais
“científico”, quer d izer, pod eríamos nos limitar ao que a sociologia d iz ser a
socied ad e, a realizar um repasse d o conceito d e socied ad e d esd e os “pais” d a
d isciplina até agora. Porém seria parad oxal que recorrêssem os ao d iscurso
“especialista” d e uma d as d isciplinas que se ocupa d a socied ad e, pois, entre
ou tras coisas, o enfoqu e d os estu d os CTS coloca ju stam ente em qu est ão o p ap el
privilegiad o d os especialistas. Além d o m ais, esta proposta resultaria um a
resp osta excessivam ente extensa. Sem ignorar algu ns d esses enfoqu es, nossa
exposição será necessariam ente m ais breve e m enos “d isciplinar”.
Em p rim eiro lu gar, abord arem os certas qu estões gerais sobre o conceito
d e socied ad e. Com entarem os a segu ir algu m as tip ologias sobre a socied ad e,
atend end o especialm ente as m ais relacionad as com elem entos tecnocientíficos.
Passaremos em seguid a a comentar algo acerca d as d iferentes persp ectivas no
m om ento d e explicar as m u d anças sociais, e term inarem os com algu m as
consid erações sobre a articulação d em ocrática d o social, que entend em os ser
necessário d efend er d esd e a perspectiva CTS.

3.2 Aproximação ao conceito de sociedade

3.2.1 Um delineamento a partir da teoria sociológica

Embora não se pretend a repassar o conceito d e socied ad e tal como foi


tratad o nas d iferentes correntes d a teoria sociológica, uma breve consid eração
sobre o que d iz uma d as teorias sociológicas m ais recentes pod e ser
esclareced or ao começar esta reflexão.
N iklas Lu hm ann tratou d e estabelecer u m a ap roxim ação ao conceito d e

82
socied ad e a partir d a teoria d e sistem as. Luhm ann consid era a socied ad e com o
mais um entre d iferentes tipos d e sistemas. Os sistemas pod em ser máqu inas,
organism os, sistem as psíqu icos e sistem as sociais. Dentro d estes encontram os
as interações, as organizações e as socied ad es. Desse m od o, u m a socied ad e é
um tipo d e sistema social. E o que é um sistema social? Segund o Luhman:

Pod e-se falar d e sistem a social quand o as ações d e várias pessoas se


inter -relacionam significativam ente, send o d elim itável por isso, com o
conjunto, com respeito a um ambiente que não pertence ao mesmo.
Desd e o momento que existe comunicação entre pessoas surgem
sistem as sociais, pois com cad a com u nicação se inicia u m a história qu e
exp erim enta u m p rocesso d e d iferenciação m ed iante a m ú tu a referência
d as seleções d os sujeitos, que faz com que se realize som ente algum a
d as muitas possibilid ad es (Almaraz, 1997, p. 63).

Para Luhmann os sistemas sociais possuem a função d e apreend er e


red u zir a com plexid ad e; atu am com o m ed iad ores entre a com plexid ad e d o
m und o e nossa red uzid a capacid ad e para elaborar conscientem ente nossas
experiências. H á, segund o este autor, três tipos d e sistem as sociais: os d e
interação, que se prod uzem pela percepção m útua entre pessoas presentes
u tilizand o a lingu agem com o m ed iação (aqu i, qu em não está presente não
pertence ao sistema); os sistemas d e organização, que perseguind o um
d eterm inad o objetivo se constituem med iante um processo d e seleção d e seus
membros; e, por último, a socied ad e, que é “o sistema social mais amplo d e
tod as as ações possíveis d e m útua com unicação”. A socied ad e não inclui tod as
as ações m as ap enas as m u tu am ente com u nicativas, e tam p ou co é um a m era
soma d e tod as as interações, mas outro tipo d e sistema. Sua base não é a
presencialid ad e, como no sistema d e interações, nem o fato d e pertencer à
organização, m as a cap acid ad e d e com u nicação entre au sentes. Seu s lim ites se
encontram ond e acaba su a capacid ad e d e acesso a ou tros e a
compreensibilid ad e d e comunicação.
O d esenvolvim ento d a tecnociência propiciou a existência d a socied ad e,
hoje, com o socied ad e m u nd ial, tal com o su stenta Lu hm ann. Em contrap osição à
pluralid ad e d e socied ad es d o passado, hoje existe um único sistema de
socied ad e. Voltaremos a esse assunto quand o tratarmos d os tipos d e socied ad e.

3.2.2 Caráter natural da sociabilidade humana

É bastante conhecid o qu e há socied ad es qu e não são hu m anas. H á


socied ad es não-humanas que ocupa ram u m im p ortante lu gar p ara a
hu m anid ad e. Um a d elas é a d os d eu ses. O Olim p o é u m a socied ad e com
interesses, pred ileções e ativid ad es não d em asiad am ente alheias a d os próprios

83
hom ens, o qu e já na Grécia antiga levou Jenófanes a ver essas socied ad es
divina s com o u m reflexo, a seu m od o d e ver bastante ind ecente, d as socied ad es
hum anas. As outras socied ad es não-hum anas são as socied ad es anim ais. Desd e
a Antigü id ad e essas socied ad es não-hu m anas foram tom ad as com freqü ência
com o exem p lo d o qu e d everiam ser as socied ad es hu m anas. A laboriosid ad e
d as form igas, ou a cap acid ad e d e sacrifício d as abelhas, são m otivos recorrentes
em mitos e fábulas. Curiosamente, e apesar d o conhecimento d essas socied ad es
animais, Aristóteles d irá que os humanos que não vivem em sociedade são
d euses ou bestas, não seres humanos:

A cid ad e é a comunid ad e perfeita proced ente d e várias ald eias, já que


possui, em resumo, a conclusão d a auto-suficiência total, e que tem sua
origem na urgência d o viver, porém subsiste para o viver bem. Assim,
tod a cid ad e existe p or natu reza, d o m esm o m od o qu e as com u nid ad es
d e origem […].
Portanto, está claro qu e a cid ad e é u m a d as coisas natu rais e qu e o
homem é, por natureza, um animal cívico. E o inimigo d a socied ad e
cidadã é, por natureza, e não por casua lid ad e, ou um ser inferior ou
mais que um homem […]. Ao mesmo tempo, tal ind ivíd uo é, por
natureza, um apaixonad o pela guerra, com o um a peça solta em um jogo
de damas.
A razão de o homem ser um ser social, mais que qualquer abelha e que
qualquer outro anim al gregário, é clara. A natu reza, com o d izem os, não
faz nad a em vão. Só o homem, entre os animais, possui a palavra. A voz
é uma indicação da dor e do prazer; por isso a possuem também os
ou tros anim ais. (Já qu e p or su a natu reza chegaram a p ossu ir a sensação
d a d or e d o prazer e a ind icar essas sensações uns aos outros). Por seu
lad o, a palavra existe para manifestar o conveniente e o d aninho, assim
como o justo e o injusto. E isso é próprio d os humanos frente aos
d emais animais: possuir, d e mod o exclusivo, o sentido do bem e do
mal, d o justo e d o injusto, e as d emais apreciações […].
De mod o que está claro que a cid ad e é por natureza e é anterior a cad a
um . Porque se cad a ind ivíd uo, isolad am ente, não é auto-su ficiente,
encontrar-se-á, com o as d em ais partes, em função d e seu conjunto. E o
que não pod e viver em socied ad e, ou não necessita nad a por sua
própria su ficiência, não é m em bro d a cid ad e, m as sim u m a besta ou u m
deus.
Em tod os existe, por natureza, o im pulso para tal com unid ad e; porém o
primeiro em estabelecê-la foi a causad or d os m aiores benefícios. Pois
assim como o homem perfeito é o melhor d os animais, também,

84
afastad o d a lei e d a ju stiça, é o pior d e tod os (Aristóteles, Política, 1253a
e ss.).

N este fragm ento, Aristóteles aponta várias id éias qu e foram recorrentes


nas reflexões acerca d a socied ad e, algu m as d as qu ais continu am send o
esclareced oras. A socied ad e, que para Aristóteles é a polis, é por natureza; é
anterior aos ind ivíd uos que a form am , e quem se afasta d ela é um a
personalid ad e violenta, um “ap aixonad o p ela gu erra”; p or ú ltim o, o critério
p ara qu alificar algo d e “socied ad e” é a au to-suficiência.
Aind a qu e Aristóteles reconheça a existência d e socied ad es anim ais, em
nenhum caso estas pod em equiparar-se às hum anas, posto que nos anim ais a
linguagem só expressa, quand o m uito, a d or e o prazer, enquanto que a
linguagem humana expressa também o justo e o injusto, o bem e o mal. Para
Aristóteles, o fund amento d a socied ad e é um fund amento ético e político, e a
linguagem é o veículo que conform a e expressa os valores éticos e políticos.
Se tivéssem os qu e caracterizar a socied ad e atual, talvez não nos
afastássem os d em asiad am ente d as reflexões d e Aristóteles aqu i ap resentad as.
Em princípio, a sociabilid ad e hum ana continua tend o um a origem ou um
fu nd am ento natu ral, aind a qu e hoje falássem os d e genética e d e teoria d a
evolução. Possivelm ente pod eríam os m anter, atend end o ao que estabelece a
teoria sociológica atu al, qu e u m a socied ad e d eve ser “au to-su ficiente”, exceto a
própria ald eia global.
Talvez a corr eção que d esd e nossa perspectiva atual pod er-se-ia fazer a
Aristóteles é que ele ficou limitad o na caracterização d a socied ad e humana
com o algo com u m a origem natu ral, “anim al”, d iríam os nós. Posto qu e
Aristóteles d ificilmente pod ia saber algo d a teoria d a evolu ção, m esm o qu e
tenha se ocu p ad o m u ito d o estu d o d os anim ais, nossa rep rovação p od e ser
apenas m od erad a. H oje sabem os d os esforços por ensinar nossa linguagem aos
prim atas su periores (o chim panzé Washoe é segu ram ente u m d os exem plos
m elhor conhecid os), esforços qu e ao qu e p arece obtiveram resu ltad os bastante
satisfatórios. Tam bém conhecem os o fato d e que entre estes m esm os prim atas
há u m a série d e habilid ad es qu e não tem origem genética, m as cu ltu ral. Pod e -se
falar em d istintas “culturas” d e chim panzés, que agem d e d iferentes m aneiras
para obter cupins para sua alimentação, segund o a zona geográfica em que se
encontrem: um grupo utiliza galhos relativamente grossos para abrir os
cupinzeiros, outro emprega galhos finos, e um terceiro se serve d a nervura
central d e algumas grand es folhas d e seu ambiente. Se o métod o para obter
cu p ins estivesse geneticam ente cod ificad o, tod os os chim p anzés u tilizariam o
m esm o m étod o. Sem d ú vid a, há d iferenças cu ltu rais qu e constitu em “técnicas”
d istintas (Sabater Pi, 1992).

85
Alguns etólogos inclusive não se limitam em falar d e “culturas”
animais em seus estud os sobre primatas, mas têm d efend id o a existência d e
estru tu ras e com p ortam entos qu e não hesitam em qu alificar d e “p olítica”. Frans
d e Waal (d e Waal, 1982), em seu estud o sobre os chimpanzés que viviam em
um amplo parque holand ês, analisou as d iferentes estratégias seguid as pelos
m achos para conseguir d om inar o grupo, as alianças, o papel d esem penhad o
pelas fêmeas – cuja hierarquia tam bém se estabelece “politicam ente” –, as
m u d anças naqu elas alianças basead as não ap enas na força m as em com p licad os
jogos d e estratégia que pod em levar a mud anças na “chefia” d o grupo, etc. Com
tu d o isso, o qu e qu erem os ap ontar é p recisam ente qu e aqu ela id éia d e
Aristóteles tem u m am plo respaldo atual por uma diversidade de fontes.
Não só se trata d e que o fund amento d a sociabilid ad e seja natural, mas
que a história d o com portam ento social hum ano é necessariam ente evolutiva,
no sentid o d e que tod a nova forma d e sociabilid ad e d esenvolveu -se a partir d e
form as prévias, aind a que certam ente isto não suponha nenhum a concepção
finalista d essa evolução. Sem o trabalho cooperativo, a evolução hum ana teria
sid o m u ito d iferente ou não teria sid o, trabalho cooperativo este qu e esteve
sem pre m ed iad o pela lingu agem com o instru m ento sim bólico. O ser hu m ano é
o ú nico anim al qu e não p recisa se ad ap tar ao m eio p orqu e é cap az d e fazer com
que esse meio se ad apte a ele. É capaz d e transformar, med iante a técnica, esse
meio.
Tem os, ad em ais, ou tras p istas qu e nos perm item esclarecer a qu estão
d a relação entre socied ad e e natu reza. Estas pistas são as qu e se referem aos
casos d os “meninos-lobo”. Os m eninos-lobo são um prod uto d a socied ad e pré-
ind ustrial, d a socied ad e que não alcançou um d esenvolvimento urbano tão
forte com o o nosso. Atu alm ente não há m eninos-lobo, seguram ente porque a
floresta d eixou d e ser o espaço d o selvagem , d o aterrorizante e d o
d esconhecid o 5 . Parad oxalm ente, o espaço d o não-civilizad o é ocupad o
atu alm ente p ela cid ad e. Em nosso m u nd o os m eninos são aband onad os nas
latas d e lixo ou passam a ser “meninos d e rua”, possivelmente a versão urbana
d os “m eninos-lobo”.
São conhecid os muitos casos d e “meninos-lobo”: Vector d e l’Aveyron,
Kaspar H auser, as meninas encontrad as na Índ ia por volta d e 1920 e muitos
outros.

Existem 53 casos documentados até 1964. Lucien Malson (Malson, 1981)


classifica os casos em três grupos: 1) O de crianças perdidas ou abandonadas
na floresta que se criaram solitárias sem a assistência d e animais. Neste grupo
se incluiria Victor d e l’Aveyron. 2) Crianças ad otad as por outras espécies
animais, como as meninas ind ianas Amala e Kamala, d e Mid napore,
descobertas em 1920. 3) Crianças cuja criação se desenvolveu em reclusão mais

5
O contexto original deste livro é europeu, de modo que o conceito de floresta é bastante diferente do
brasileiro. Da mesma forma, não considera os mitos amazônicos, por exemplo.

86
ou menos rigorosa em sótãos, porões, cubículos, etc. Kaspar Hauser seria o
exemplo mais conhecido, junto com Anna da Pensilvânia, EUA.

Victor d e l’Aveyron, com o se cham ou o caso p rovavelm ente m ais


famoso d eles – François Truffaut d ed icou -lhe u m film e enganoso – foi
encontrad o no sul d a França, perto d e Aveyron, no começo d o século 19. A
criatu ra com a qu al toparam aqu eles qu e o encontraram não falava, só em itia
uns sibilos estrid entes; tam pouco cam inhava em pé, m as d e quatro; certam ente
carecia d e qualquer hábito relacionad o com a continência d e seus esfíncteres, e
em princípio se m ostrava im previsível e fortem ente im pulsivo. Foi translad ad o
a Paris, ond e um preceptor tratou d e inculcar-lhe hábitos qu e o ap roxim aram
d o com portam ento hu m ano. Teve qu e aprend er inclu sive a “sentir”, posto qu e
em princípio era capaz de tirar as batatas d a águ a fervente e com ê-las sem
nenhum a mostra d e d or; tampouco parecia sentir o frio d os invernos mais
d uros, porque pod ia revolver -se na neve como se estivesse em uma praia
ensolarad a. Victor d e l’Aveyron, com o tod os os m eninos-fera, era u m a
anom alia. N em sequer se pod eria d izer que era um lobo ou um anim al, já que
os animais não agem como ele agia. O que era impressionante e d esconcertante
era encontrar-se d iante d e um ser ao qual “faltava algo”. N enhum lobo é um ser
incompleto. Um men ino-fera, sim ; falta-lhe aquilo que nos faz seres humanos e
lhe falta porque careceu d a socied ad e que nos humaniza. N enhum menino-fera
chega a ser u m “hu m ano norm al”; é pou co provável qu e ad qu ira algu m
rud im ento lingüístico, e sua “ed ucação” quase pod eria ser qu alificad a com
m aior rigor d e “ad estram ento”. Segu nd o parece, u m a vez alcançad a certa
id ad e, há a im possibilid ad e para qu e u m a criança ad qu ira as habilid ad es qu e
nos definem como seres humanos.
Em ílio Lam o d e Esp inosa, a p artir d esses casos d e m eninos-fera,
esclarece as relações entre natureza e socied ad e e o relativo à origem cultural ou
natural d a sociabilid ad e humana:

U ma criança ed u cada entre lobos é m ais lobo qu e hom em . O contrário,


por seu turno, não é certo; um lobo ed ucad o entre homens é um lob o e
absolutam ente não se com porta com o um hom em . N ão há lobos-fera; só
há crianças-fera. N o caso d o lobo, a com panhia d e seu s sem elhantes, a
socied ad e, faz m u ito pou co, se bem qu e os etólogos m ostraram qu e não
é tão p ou co com o p ensávam os. Porém na criança a com p anhia é qu ase
tud o, até o ponto d e que, se essa companhia é d e lobos, as crianças
saem igualm ente com o lobos. E o exem plo pod eria m ultiplicar-se: u m
menino ou uma menina europeu ed ucad o entre esquimós será um
esquimó, e vice-versa. E o será d e m od o total e rad ical, a salvo d as
peculiarid ad es biológicas vinculad as a uma raça concreta. N ão é
absurd o, portanto, concluir que os exemplares d a espécie humana são
seres d e cultura mais que d e natureza. De mod o que, quand o

87
com param os os anim ais com os hum anos, não terem os ou tra
alternativa senão concluir à primeira vista que naqueles prevalece o
instinto e, nos segu nd os, a ap rend izagem . […] [Porém ao] d izer qu e u m
homo sapiens é um ser d e cultura, que é antes d e tud o um ser social,
um zoon politikon, se esquece que é um ser social por natureza. Quer
dizer, a evolução o preparou para ser social, de modo que sua
sociabilid ad e inata não é u m d ad o antinatu ral ou contra-natu ral, m as
exatamente o contrário, o prod uto d e uma longa evolução biológica que
substituiu prog ressivam ente o instinto com o resposta herd ad a pelo
hábito com o resposta aprend id a. […] (Lam o d e Espinosa, 1996, p. 16).

3.2.3 Caráter não-natural das estruturas sociais

A tend ência à sociabilid ad e, à form ação d e estruturas sociais m ais ou


menos estáveis e com plexas, é um a estrutura “natural” que nos caracteriza
com o espécie, se bem que não é algo exclusivo d os hum anos, o m esm o que a
cultura, posto que outras espécies d e primatas superiores têm o que pod emos
consid erar d e cu ltu ras in nuce.
É obvio que as estru tu ras sociais concretas características d e nossa
espécie são um prod uto cultural, uma resposta ad aptativa a d iferentes
ambientes e circunstâncias. Com o controle sobre o fogo e a subseqüente
m anip u lação qu ím ica d e alim entos, qu er d izer, graças à m anipu lação técnica,
m od ificaram o entorno im ed iato e em algu ns casos com eçaram a d esenvolver
form as m ais ou m enos com plexas d e organização social. Os prim eiros grupos
d e “hom ens” caçad ores-coletores d o p aleolítico necessitariam d e u m a certa
organização social que lhes permitissem levar a cabo a caça em grupo e a
repartição tanto d o prod uto d a caça como d o coletad o. O papel d o “chefe” não
seria mais que o d e alguém com prestígio por seus méritos na caça ou nas lutas
com ou tros gru p os. Porém , d o m esm o m od o qu e alguns hom ens d e prestígio
d as culturas primitivas d o pacífico, teriam que “mimar” sua gente d e tal
maneira que sua chefia nunca pud esse ir contra os interesses d o resto d o grupo.

As socied ad es d e hominíd eos não d eviam ser maiores que umas


pou cas d ezenas d e ind ivíd uos e não se achavam organicamente
vinculad as entre si. A fim d e que se institucionalizassem relações
orgânicas entre d iversos grupos é necessário supor que se tratam d e
colônias surgid as d e um mesmo tronco, com a mesma linguagem, um
sistem a cultural id êntico e cujo parentesco se ache consolid ad o e
sacram entad o m itologicam ente p or referência a u m ancestral com u m .

88
Cabe tam bém im aginar que o d esenvolvim ento d a com plexid ad e social
em socied ad es vizinhas que praticam a caça m ajoritária leva a
d elim itações d e território, cooperação m ú tu a e troca d e serviços, assim
com o relações am istosas. A exogam ia d eve ter aparecid o sob tais
cond ições d e pré-aliança e d e intercâmbios pré-econôm icos com o u m
sistema d e regras que institucionalizam um intercâmbio d e mulheres, e
d e alianças perm anentes entre gru pos. De cara, a exogam ia converte em
orgânica a vinculação entre grupos e se converte no m od elo, na
arm ação d e um novo sistema d e conexão e d e articulação, através d o
qual se d esenvolveram os intercâmbios d e bens, informações e acord os
d e tod o tipo. A exogamia se apresenta, pois, como a chave organizativa
d a abertura sociológica e d os vínculos confed erativos entre d uas ou
m ais socied ad es (Morin, 1973).

Essas primeiras socied ad es ou arqueo-socied ad es levavam consigo as


virtualid ad es que impulsionaram suas mud anças. Por um lad o, a exogamia
como fator d etonante, assim como o intercâmbio e a aliança; por outro, a
concentração d em ográfica nas regiões férteis, o qu e facilitará a criação d e
cid ad es, e a guerra por d ominá-las, assim com o a ativid ad e prod utiva e sua
estrutura técnica.
Com a Revolução N eolítica, com o surgimento d a agricultura e d os
assentam entos urbanos, esse panoram a m ud a. Desenvolvem -se grand es centros
urbanos e socied ad es com uma grand e complexid ad e organizativa. Os centros
d o que os arqueólogos chamam estados prístinos são a Mesopotâmia, por volta
d e 3300 a.C., o Peru no tempo d e Cristo e a América Central até 300 d .C. É
qu ase certo qu e tam bém no Velho Mu nd o existiram esses estad os p rístinos no
Egito – 3100 a.C. –, no vale do Indo – até 2000 a.C. – e no vale do Rio Amarelo,
ao norte d a China – pouco d epois d e 2000 a.C. Estes estad os prístinos teriam
su rgid o com o conseqü ência d a intensificação d a prod u ção agrícola, e em su a
aparição teriam d esempenhad o um importante p ap el os “grand es hom ens”,
tip icam ente d a Melanésia e N ova Gu iné, estu d ad os p or antrop ólogos – Oliver,
1995. Estes estad os prístinos teriam d ad o lugar aos grand es im périos
hid ráulicos em d iferentes partes d o mund o.
Parece claro que a não-natu ralid ade d as estruturas sociais precisa hoje
d e escassa d emonstração. Contud o, aind a é certo que continua havend o
id eologias políticas que recorrem a form as d e naturalização m ais ou m enos
grosseiras. A su p osição d e qu e existem “p ovos escolhid os” p or algu m d eu s
para ocupar espaço territorial, ou simbólico, se se trata d e falar d e raças, etnias
ou grupos “superiores”, continua estand o d esgraçad am ente na ord em d o d ia.
Aqu i, “o natu ral” é o qu e d eu s m and a, qu ase nu m sentid o tom ista: a lei ju sta é a
lei natu ral, qu e coincid e com os d itam es d e d eus. Aind a que o racism o biológico

89
esteja suficientemente d esacred itad o a ponto d e não pod er ser mantid o com
seried ad e, ou tra form a d e natu ralização, m ais su til, se assim se d eseja, é a qu e
atualiza algum a form a d e d arw inism o social p ara ju stificar a ord em qu e
m antém am plas cam ad as d a popu lação exclu íd as d o pod er, e inclu sive fora d os
p arâm etros m ínim os d e bem -estar social, e o privilégio d e uns poucos até
extremos escand alosos.
À margem d isso, está claro que as normas sociais, as leis, ou quaisquer
ou tras constrições sociais, são d e natu reza convencional; por m ais antigas ou
assentad as que possam parecer, não são como os fenômenos meteorológicos ou
a gravid ad e; tam p ou co foram d itad as p or algu m d eu s. Fom os nós, os seres
hu m anos, qu e as inventamos e as reinventamos cad a vez que as aceitamos
conscientem ente. Certam ente, que sejam convencionais não significa que sejam
o prod uto d e um capricho ou que possam ser facilmente substituíveis ou
intercambiáveis, já que seu impacto sobre nossas vidas é decisivo.
Fernand o Savater expõe claram ente este caráter ao m esm o tem po
natural e convencional d a socied ad e e suas formas d e organização:

Dizer que costum es e leis são convencionais não equivale a negar


que se apóiem em cond ições naturais d a vid a humana, quer d izer, em
fund am entos nad a convencionais. Os anim ais possuem m ecanism os
instintivos qu e lhes obrigam a fazer certas coisas e lhes im p ed e d e fazer
ou tras. Desse m od o, a evolu ção biológica protege as espécies d e perigos
e assegura sua sobrevivência. Porém nós, seres hu m anos, possu ím os
instintos m enos seguros ou, caso se prefira, m ais flexíveis. Os bichos
acertam quase sempre no que fazem, porém não pod em fazer mais que
algumas coisas e pod em mud ar pouco. N ós, homens, ao contrário,
erram os constantemente até no mais elementar, mas nunca d eixamos d e
inventar coisas novas… d escobertas nu nca vistas e tam bém d isparates
nunca vistos. Por quê? Porque além d e instintos estamos d otad os d e
capacid ad e racional, graças à qual pod em os fazer coisas m uito
m elhores – e m u ito piores! – qu e os anim ais. É a razão qu e nos converte
em animais tão raros, tão pouco… animais. E o que é a razão? A
capacid ad e d e estabelecer convenções, ou seja, leis que não nos sejam
im postas pela biologia, m as que aceitem os voluntariam ente […].

As socied ad es hu m anas não são sim p lesm ente o m eio p ara qu e u ns


anim aizinhos m eio tarad os, com o som os, possam viver um pouco m ais
segu ros em u m m u nd o hostil. Som os anim ais sociais, p orém não som os
sociais no mesmo sentid o que o resto d os animais. Anter iormente d isse
que a d iferença fund amental entre os d emais animais e os humanos é
que nós possuím os “razão” além d e instintos. […] (Savater, 1992, p. 22 e
seg.).

90
Com eçam os este item pergu ntand o-nos o que é a socied ad e. Tratamos
d e expor algumas reflexões sobre o assunto a partir d a consid eração d o social
com o um prod uto d a natureza hum ana que vai além d essa natureza e a
m od ifica até o extrem o d e macular o próprio termo “natureza humana”.
Trataremos d e ver agora algumas tipologias que foram utilizad as para
classificar as socied ad es ou a socied ad e.

Leituras complementares

AYALA, F. (1947): Tratado de sociología. Madrid, Espasa -Calpe, 1984.


GIN ER, S. (1969): Sociología. Barcelona, Península, 1976.
LUH MAN N , N . (1991): La ciencia de la sociedad. Barcelona, Anthropos, 1996.
LUH MAN N , N . (1992): Observaciones de la modernidad. Racionalidad y
contingencia en la sociedad moderna. Barcelona, Paid ós, 1997.

3.3 Sociedades e desenvolvimento tecnocientífico: tipologias

As socied ad es foram classificad as em d ecorrência d e m ú ltip los critérios.


Desd e a classificação em gregos e bárbaros até a m arxista ou a d istinção d e
Spengler, pod eríamos elaborar um amplo catálogo d as que foram utilizad os.
Dentro d a própria perspectiva sociológica com a qual se iniciava o item
3.2, Nik las Luhmann consid era que sua d istinção d e tipos d e sistemas sociais é
não apenas operativa, m as tam bém histórica; serve para ord enar o processo d e
evolu ção sociocu ltu ral. Assim , as form ações sociais arcaicas são estru tu ras
sociais sim ples nas qu ais interação, organização e socied ad e – os três tipos d e
sistemas sociais que Luhmann d istingue – são o mesmo. A complexid ad e que
aparece com os grand es centros urbanos leva ao d esenvolvim ento d as
organizações que se ocupariam d as funções religiosas, militares, com erciais etc.
Por último, é na socied ad e mod erna ond e os três tipos d e sistemas sociais se
sep aram , p rod u zind o-se uma progressiva separação entre as organizações e a
sociedade.
A seguir serão expostas algumas d istinções d e tipos d e socied ad es
basead os sobretu d o nas relações d essas socied ad es com a tecnociência. Para
isso irem os recorrer a qu atro au tores: Ortega y Gasset, Lew is Mu m ford , Carl
Mitcham e Javier Echeverría. Os três prim eiros já foram tratad os no capítulo
referente ao conceito d e tecnologia porém , enqu anto lá se abord a su a filosofia

91
d a técnica, aqui com entarem os suas percepções d as d iferentes socied ad es que
d eram lugar aos d istintos estad os d o d esenvolvimento técnico.

3.3.1 A periodização antropológica da técnica de José Ortega y Gasset

Ortega y Gasset é autor de uma obra que se atualizou com os estudos


CTS. Trata-se de sua Meditación de la técnica (Ortega y Gasset, 1939), obra que
reúne textos d e um curso m inistrad o na Universid ad e d e Verão d e Santand er
em 1933. N ela, Ortega reúne suas reflexões sobre a técnica, cuja oportunid ad e e
visão antecip ad oras são hoje u nanim em ente reconhecid as. N ão irem os exp or a
filosofia d a técnica d e Ortega. O que nos interessa é sua classificação d as
técnicas p elo qu e p ossu i d e ilu strativo p ara com entar u m a tip ologia possível d e
socied ad es. De fato, esse autor fund amenta sua period ização d a técnica em um
com ponente antropológico: na própria relação qu e os seres hu m anos m antêm
com as técnicas em cad a momento evolutivo.
Ortega consid era que se pod e falar d e três estad os na evolução d a
técnica, ou seja, d o nosso ponto d e vista, d e três tipos d iferentes d e socied ad es
conform e su a relação com a técnica. Um prim eiro tipo seria aqu ele qu e
correspond e ao que Ortega chama d e técnica d o acaso. As socied ad es ond e se
d ão esse tip o d e técnica são socied ad es prim itivas6 , como os Ved as d o Ceilão, os
Sem ang d e Bornéu , os pigm eu s d a N ova Gu iné e África Central, os au stralianos
etc. (Ortega y Gasset, 1939, p. 75). N essa socied ad e há u m repertório m u ito
escasso d e atos técnicos, que não se d iferenciam m u ito na m ente d os m em bros
que a formam, d o repertório d e atos naturais, provavelmente maior que o d e
atos técnicos. Dad o que os atos naturais são consid erad os fixos e d ad os d e uma
vez para sem pre, assim são consid erad os tam bém os atos técnicos nessas
socied ad es, segu nd o Ortega. N as socied ad es d a técnica d o acaso tod os os atos
técnicos são realizad os por tod os os seus membros. N ão existe a especialização,
salvo a que marca a d ivisão sexual – aos homens a caça e a guerra, às mulheres
a coleta e posteriorm ente a agricu ltu ra. Por ú ltim o, nessas socied ad es se
d esconhece o conceito d e invenção, não é o ind ivíd uo que inventa ou encontra a
técnica ad equad a, m as é a solução qu e o bu sca (Ortega y Gasset, 1939, p. 76).
Daí o nome d e técnica d o acaso.
O segund o tipo d e socied ad e seria aquele em que as relações com a
técnica já não ocorrem por acaso, m as aparece com o artesanato. Foram
socied ad es com esse tipo d e técnica as d a Grécia antiga, d a Roma pré-im p erial e
d a Id ad e Méd ia. N essas socied ad es o repertório d e atos técnicos cresceu

6
O termo primitivo deve ser lido com cautela. Neste caso, foi escrito de acordo com o contexto e
interpretação de Gasset na época.

92
enorm em ente, em bora a técnica não tivesse se transform ad o na ú nica e absolu ta
base d e sustentação d as socied ad es. A base sobre a qual estas socied ad es se
apoiaram foi a natureza, ou ao menos assim pensaram seus membros. Aparece
uma d ivisão técnica d o trabalho, uma nova figura: o artesão. Pod e ser que
nessas socied ad es não se tivesse m uita consciência d a existência d a “técnica”,
m as certam ente tinham consciência d a existência d os técnicos, os artesãos;
artesão cu jo ap rend izad o d essas técnicas não é pú blico, m as fechad o e
hered itário ou controlad o pelas agremiações, e que não d istinguiam o inventor
do executor da invenção.
O terceiro tipo d e socied ad e é a socied ad e atual, ond e a relação entre o
homem e sua técnica mud ou novamente. Esse tipo de sociedade seria
impossível sem a técnica, e os membros d a mesma são conscientes d isso. N essa
socied ad e a técnica, como d iz Ortega, constituiu -se numa sobrenatureza, d a
qual já não se pod e prescind ir. Aqui surge e estend e seu d omínio a máquina,
frente ao instrumento que pred ominava no tipo anterior d e socied ad e. Já não é
o utensílio que auxilia o hom em m as o contrário (Ortega y Gasset, 1939, p. 87).
Trata -se d a “técnica d o técnico”, na expressão d e Ortega. N ela o técnico e o
operário se separam e ap arece u m a nova figu ra: o engenheiro. N essa nossa
socied ad e d a “técnica d o técnico”:

O hom em ad qu ire a consciência su ficientem ente clara d e qu e possu i


um a certa capacid ad e, com pletam ente d istinta d as rígid as, im utáveis,
que integram sua porção natural ou anim al. Vê que a técnica não é um
acaso como na fase primitiva, nem um certo tipo d ad o e limitad o d e
homem – o artesão –; qu e a técnica não é essa técnica nem aqu ela
d eterm inad a e, portanto, fixa, m as precisam ente um a fonte d e
ativid ad es hu m anas, em p rincípio ilimitad as.
Essa nova consciência d a técnica como tal coloca o homem, pela
p rim eira vez, em u m a situ ação rad icalm ente d iferente d a qu e nu nca
experim entou ; d e certo m od o antitética. Isso porqu e até então
pred ominava a id éia que o homem tinha d e sua vid a a consciência d e
tud o o que não pod ia fazer, d o que era incapaz d e fazer; em sum a, d e
sua d ebilid ad e e d e sua limitação. Porém, a id éia que temos hoje d a
técnica nos coloca numa situação tragicômica – quer d izer, cômica, mas
também trágica – d e qu e qu an d o ocorre a coisa m ais extravagante
ficam os inqu ietos porqu e intim am ente não nos atrevem os a afirm ar qu e
essa extravagância é im p ossível d e realizar (Ortega y Gasset, 1939, p .
83).

93
3.3.2 O desenvolvimento da máquina e sua interação com a sociedade em
Lewis Mumford

Em Técnica y Civilización (Mu m ford , 1934), Lew is Mu m ford pretend e


fazer um apanhad o d as m ud anças que a m áquina introd uziu nas form as d a
civilização ocid ental. Esse ap anhad o p od e nos servir p ara ver ou tra tip ologia
d as socied ad es constru íd a tom and o com o referência o d esenvolvim ento
tecnológico, se bem que a intenção d e Mumford não é fazer um catálogo d e
socied ad es, nem seu principal interesse é sociológico.
Para Mumford (1934), em nossa civilização o d esenvolvimento d a
máquina foi prod uzid o em três ond as sucessivas. Prod uzid as nos últim os m il
anos, essas ond as são chamad as por Mumford – seguind o seu m estre Patrick
Ged d es –, eotécnica, paleotécnica e neotécnica. Obviam ente estas três fases ou
tipos d e socied ad es se d esenvolvem no mund o ocid ental, ond e se d ifund iu o
qu e Mu m ford cham a “a m áqu ina”.

3.3.2.1 A fase eotécnica

As técnicas qu e perm item d efinir a socied ad e eotécnica são as qu e


ap roveitam a águ a e a m ad eira. O p eríod o d e d esenvolvim ento d essa etap a se
estend e aproxim ad am ente d esd e o ano 1000 até 1750.
N a socied ad e eotécnica d im inui a im portância que os seres hum anos
tinham tid o como fonte d e energia e aumenta o uso d a energia proveniente d o
cavalo, graças ao seu m elhor ap roveitam ento m ed iante d u as novas p eças: a
ferrad u ra e a m od erna form a d e arreios, com a qu al a tração se realiza a partir
d os ombros e não d o pescoço. O maior progresso técnico d o ponto d e vista
energético se d eu em regiões qu e tinham abu nd antes fontes d e águ a e d e vento,
graças à ap arição d e rod as e m oinhos hid ráu licos e d e vento qu e perm itiram
um a m elhora substancial em seu aproveitam ento.
Junto a estas fontes d e energia, a m ad eira era o m aterial universal d a
socied ad e eotécnica, tod as as construções utilizavam m ad eira em sua estrutura
e d e mad eira eram também as ferramentas utilizad as na construção. Inclusive a
maior parte d as máquinas e invenções-chave d a id ad e ind ustrial se
d esenvolveram em m ad eira antes d e ser trabalhad as em m etal. Ap esar d essa
utilização intensa, Mum ford consid era que o que propiciou a d estruição d a
mata na época foi o uso intensivo d a mad eira na mineração, na forja e na
fu nd ição. Ou tro d os m ateriais d esse períod o é o vid ro, cu ja contribu ição à
socied ad e d a época foi muito importante. Mud ou a vid a no interior d as casas
med iante seu uso em recipientes e sobretud o em janelas, ampliou a visão

94
med iante as lentes em óculos, telescópios e microscópios, e foi um fator
essencial no d esenvolvim ento d a quím ica e no aperfeiçoam ento d os espelhos,
segund o Mum ford (Mum ford , 1934, p. 147).
São muitos os inventos característicos d a socied ad e eotécnica. Talvez o
m ais im portante seja o m étod o experim ental d a ciência, que Mum ford
consid era a m aior realização na fase eotécnica (Mu m ford , 1934, p . 150). A
principal inovação mecânica d essa época é o relógio mecânico, seguid o, aind a
que talvez não em im portância, pela im prensa acom panhad a pelo papel, a cuja
prod u ção se aplicou a m aqu inaria m ovid a por energia m ecânica. Mu m ford
refere-se tam bém a “invenções sociais” d essa civilização, com o a u niversid ad e e
a fábrica (Mumford , 1934, p . 155).
Mumford mostra também d ebilid ad es e problemas d essa socied ad e.
Segund o ele, a principal d ebilid ad e não se encontrava na ineficiência e menos
aind a na carência d e energia, m as na sua irregularid ad e (Mum ford , 1934, p.
159), posto qu e, com o assinalam os, as fontes d e energia eram a água e o vento.
Também havia “d ebilid ad es sociais” d entro d o regime eotécnico. A primeira
era qu e as novas ind ú strias se encontravam fora d o controle d a antiga ord em . A
fábrica d e vid ro, a mineração e o trabalho d o ferro, a im prensa e inclusive as
ind ústrias têxteis d eslocavam -se para o campo, fora d o controle d as
m unicipalid ad es e d os regulam entos d as agrem iações. Mum ford conclui d isso
que os “aperfeiçoam entos m ecânicos floresceram às expensas d os
m elhoram entos hu m anos qu e tão vigorosam ente haviam sid o introd uzid os
pelas agrem iações artesanais, e estas últim as por sua vez iam perd end o
continuam ente força d evid o ao crescim ento d os m onopólios capitalistas que
abriam um fosso cad a vez mais largo entre os senhores e os trabalhad ores. A
máquina tinha um viés anti-social; tend ia, em razão d e seu caráter progressivo,
às mais d escarad as formas d e exploração hum ana” (Mum ford , 1934, p. 160).

3.3.2.2 A sociedade paleotécnica

A socied ad e paleotécnica teria seu início por volta d e 1700, e seu au ge


teria se prod uzid o entre 1870 e 1900, send o esta últim a d ata coincid ente com o
início d e um movimento d e d ecad ência. N esta etapa a socied ad e aband onou
seu s valores vitais e passou a centrar-se somente nos valores pecuniários. As
mud anças nesses valores foram m otivad as pela introd ução d o carvão com o
fonte d e energia m ecânica. Essa nova fonte d e energia tornou-se efetiva
m ed iante novos m eios, com o a m áqu ina a vap or, e tam bém foi u tilizad a nos
novos métod os d e fund ir e trabalhar o ferro. A nova socied ad e é, pois, um
produto do carvão e do ferro.

95
Em torno d e 1780, cristaliza-se o mod elo paleotécnico, que se pod e ver
em uma série d e inventos e artefatos técnicos: o carro a vapor d e Murd ock, o
forno d e reverbero d e Cort, o barco d e ferro d e Wilkinson, o tear m ecânico d e
Cartw right e os barcos a vapor d e Jou ffroy e d e Fitch. Realizações típicas d a
socied ad e paleotécnica são a ponte e o barco d e ferro. A construção d e
estruturas d e ferro, com o o Crystal Palace, os prim eiros arranha-céu s, a torre
Eiffel etc. converteram o ferro em m aterial u niversal. A ind ú stria m ilitar fez u m
am plo u so d ele. É tam bém u m períod o em qu e a socied ad e se d ed ica a u m a
sistem ática d estruição d o m eio am biente. É a socied ad e d a poluição d o ar e d a
contaminação d as águas.
Assim como a paisagem sofreu uma d egrad ação importante, os seres
hu m anos foram tratad os com a m esm a bru talid ad e. A esperança d e vid a d os
trabalhad ores d a época era muito inferior à d as classes méd ias e seu bem -estar
social, praticamente inexistente. Tud o isso em nome d a prod ução d e mais
benefícios.
Que panoram a social apresenta Mum ford com o característico d a época
paleotécnica? Mumford é bastante crítico com o tipo d e socied ad e que surgiu
aqui. Afirma que a humanid ad e viu-se contagiada por uma espécie de febre de
exploração motivad a pela chegad a repentina d as jazid as d e carvão. O mod o d e
exploração d e minas se tornou mod elo d e outras formas subord inad as d a
ind ústria e inclusive d a agricultura.

O d ano às estru tu ras e à civilização p elo au ge d esses novos


costumes de exploração d esord enad a e d e gastos esbanjad ores
perm aneceu , aind a qu e d esaparecesse ou não a fonte d e energia. Os
resu ltad os psicológicos d o capitalism o carbonífero – a m oral rebaixad a,
a esperança d e conseguir algo sem d ar nad a, o d esprezo por um mod o
equ ilibrad o d e prod u ção e consu m o, o habitu ar-se ao naufrágio e à
ruína como componentes normais d a esfera humana –, tod os esses
resultad os eram francam ente d anosos (Mum ford , 1934, p. 178).

Junto a isso, Mumford assinala que se prod uziu a passagem d e


tecnologias d em ocráticas para ou tras m ais au toritárias (Mu m ford , 1934):
enquanto a energia d o vento e d a água, próprias d a fase eotécnica, eram grátis,
o carvão era caro e a m áqu ina a vap or, cu stosa, d e m od o qu e tend ia à
concentração e ao m onopólio. A socied ad e paleotécnica se d esenvolveu com o
u m a socied ad e au to-suficiente, o que só foi possível com o estabelecim ento,
d esd e o século 18, d a noção d e progresso. Consid erava -se evid ente a existência
d e leis d o progresso qu e se refletiam nas contínu as invenções d e m áqu inas, d e
novas comod id ad es etc.

96
Era uma socied ad e inclinad a à realização d e benefícios, antes que à
prod ução d o necessário para a vid a. Essa escassez d o necessário era
particularm ente sentid a pelos trabalhad ores que não encontravam casas e se
viam obriga d os a am ontoar-se em barracas com péssimas cond ições higiênicas.
Era tal a d egrad ação que, em mead os d o século 19, tratou -se d e corrigir a
situação med iante uma série d e med id as legislativas. N essa nova socied ad e, a
lu ta d os trabalhad ores pela sobrevivência é constante e feroz.
H á que se d izer que houve resistências a tud o isso não só ind ivid uais
(Ru skin, N ietzsche, Melville…), m as tam bém coletivas, com o as qu e se p rop ôs o
movimento lud ista – sobre os lud itas veja-se o capítulo “O que é tecnologia?” e
Noble, 1995. A introd ução d a m áquina nessa fase teve outra im portante
conseqüência social: a d ivisão d o m und o em zonas d e prod ução d e m áquinas e
zonas d e p rod u ção d e alim entos e m atérias-p rim as, o qu e, segu nd o Mu m ford ,
trou xe conseqüências nefastas qu e serviram d e m otivo p ara a Gu erra Civil
Americana, ao provocar a qued a no consumo d e algod ão, que red uziu os
habitantes d e Lancashire à extrem a pobreza.

3.3.2.3 A fase neotécnica

Mumford consid era que na socied ad e d essa época há uma ruptura com
o períod o paleotécnico e, em certo sentid o, u m a volta a algu m as características
d a socied ad e eotécnica. É d ifícil d efini-la como um períod o d eterminad o posto
que aind a estamos imersos nela. Tampouco foi prod uzid a uma ruptura com o
períod o paleotécnico, com o a qu e este realizou com relação ao eotécnico.
Mum ford fixa os com eços d a fase neotécnica no m om ento em que os
gerad ores d e energia tornam -se m ais eficientes, por volta d e 1832. Em 1850,
grand e parte d as d escobertas fund am entais d essa nova fase já haviam sid o
prod uzid as: a pilha elétrica, a bateria, o d ínamo, o motor, a lâmpad a elétrica, o
espectroscópio, a teoria d a conservação d a energia. Entre 1875 e 1900 já se
estavam aplicad os esses inventos aos proced im entos ind u striais: a central
elétrica, o telefone. Ou tras invenções características d o p eríod o foram esboçad as
ou com p letad as até 1900: o fonógrafo, o cinem atógrafo, o m otor a gasolina, a
turbina a vapor, o avião…
A fase neotécnica esteve marcad a d esd e o começo por uma nova forma
d e energia, a elétrica. A eletricid ad e qu e, d iferentem ente d o carvão, pod ia
proced er d e várias fontes – o próprio carvão, a correnteza d e um rio, as qued as
d ’águ a, as m arés –, m u d ou tam bém a d istribu ição possível d a ind ú stria
mod erna no mund o, posto que essa ind ústria já não tinha porque situar-se na
Europa ou nos Estad os Unid os, potências d ominantes por seu controle d o
carvão e d o ferro. A eletricid ad e, ao contrário d o carvão, é m uito fácil d e ser

97
transferid a sem grand es perd as d e energia e sem custos excessivos. Ad emais, é
facilm ente convertível d e várias maneiras: com o motor pod e-se realizar um
trabalho m ecânico, com a lâm pad a, ilum inar, com o rad iad or 7 , aquecer etc. O
uso d a eletricid ad e permitiu a sobrevivência d as pequenas oficinas frente às
grand es fábricas características d a socied ad e p aleotécnica. N ão obstante, isso
não im ped iu a concentração d e em presas, qu e é m ais u m fenôm eno qu e
respond e a interesses d os empresários ou ao setor financeiro que a puros
cond icionantes técnicos.
Os m ateriais característicos d esse p eríod o são as novas ligas, as terras
raras e os m etais mais leves – cobre, alu m ínio. Aparecem tam bém novos
m ateriais sintéticos: celu lose, vu lcanite, baquelite e resinas sintéticas.
A socied ad e neotécnica com eça a transform ar rad icalm ente seu s
sistem as d e com u nicação, o qu e constitu i u m a característica d estacad a d o
períod o. O telégrafo, o telefone e a televisão – record em os o que Mum ford
escrevia em 1934 – provocaram contatos m ais num erosos, “instantâneos” e a
longas d istâncias. N ão obstante, Mu m ford era bastante crítico com esses
artefatos:

Enfrentam o-nos aqui com uma forma ampliad a d e um perigo comum a


tod os os inventos: uma tend ência a usá -los, exija ou não a ocasião.
Assim , nossos avós u tilizavam chapas d e ferro para as fachad as d os
ed ifícios, apesar d o fato d e ser o ferro um conhecid o cond utor d e calor
[…]. Elim inar as restrições no estreito contato hu m ano [qu e era o qu e
propiciavam esses novos inventos para a telecom unicação] foi, em suas
primeiras etapas, tão perigoso como a avalanche d e populações em
d ireção às novas terras: au m entou as zonas d e fricção. Da m esm a
m aneira, m obilizou e acelerou as reações d as m assas, com o as qu e
ocorrem em vésperas d e um a guerra, e increm entou os perigos d e
conflito internacional (Mum ford , 1934, p. 260).

Apesar d essa visão, qu e algu ns pod eriam consid erar excessivam ente
pessim ista, Mum ford vê na socied ad e neotécnica um a m ud ança com respeito à
atitud e que a socied ad e paleotécnica tinha sobre o entorno, sobre o m eio
am biente. N a fase neotécnica há u m a m aior p reocu p ação com a conservação d o
ambient e natural. Darw in e outros haviam posto a d escoberto a inter -relação
existente no m eio natural entre geologia, clim a, solo, plantas, anim ais, bactérias
etc. Mu m ford cita com o exem p lo a obra d e George Perkins Marsh, qu e já em
1866 havia alertad o sobre os perigos d a d estruição d e morros e d o solo em sua
obra O homem e a natureza.

7
Aqui com o sentido de calefação de ambientes. Sinônimos para este sentido são, por exemplo,
aquecedor e trocador de calor.

98
George Perkins Marsh nasceu em 15 d e m arço d e 1801 nos EUA e m orreu em
23 d e julho d e 1882 na Itália. Foi um d iplomata erud ito e conservacionista cuja
obra m ais im portante – Man and Nature, 1864 (O Homem e a Natureza) –
constituiu um d os avanços mais significativos em geografia, ecologia e gestão
d e recursos naturais d urante o século 19. Marsh d esenvolveu uma exitosa
carreira na prática d o d ireito, porém sua amplitud e d e interesses o levou
também ao estud o d a literatura clássica, d as línguas e d as ciências aplicad as
d a silvicultura e d a conservação d o solo. Após sua passagem pelo Congresso,
foi nomead o Secretário para a Turquia, ond e aproveitou para estud ar
geografia e as práticas agrícolas d o Oriente Méd io e d o Med iterrâneo. Foi
professor d e filologia e etimologia inglesas na Universid ad e d e Columbia e no
Lowell Institute. Quando Abraham Lincoln o nomeou embaixador para a
Itália, aproveitou esse períod o para resumir sua experiência e conhecimentos
em Man and N ature, or Physical Geography as Mod ified by H uman Action,
em 1864. Marsh foi o primeiro a tratar as pessoas como “agentes geológicos
ativos”, que podiam “construir ou degradar”, mas que, de uma maneira ou
outra, eram agentes pertur badores que alteravam a harmonia da natureza e a
estabilid ad e d as ord ens e ad aptações existentes, extinguind o espécies animais
e vegetais nativas, introduzindo variedades estrangeiras e restringindo o
crescimento espontâneo. Marsh estava preocupad o com a destruição d a
camada florestal. Porém o desflorestamento não era senão um exemplo das
muitas maneiras com as quais os norte-americanos, em “o simples ato de
colher todas as partes habitáveis da terra”, haviam “utilizado
sistematicamente mal nossas possessões”.

A fase neotécnica também ocasionou à socied ad e um controle mais


p reciso d a rep rod u ção hu m ana. A extensão d e m étod os anticoncep cionais e u m
m elhor conhecim ento d a sexualid ad e hum ana foram elem entos fund am entais
na transformação d as relações entre os sexos e na própria d em ografia.

Mumford conclui d izend o que:

Cada uma das fases da civilização da máquina deixou seus frutos na


sociedade. Cada uma mudou sua paisagem, alterou o plano físico das cidades,
utilizou certos d iscursos e d esprezou outros, favoreceu certos tipos de
comodidade e certos atalhos de atividade, e modificou a herança técnica
comum. […] Chamar a essa complicada herança de Idade da Energia ou Idade
d a Máquina oculta muito d o que se põe em relevo. Se a máquina parece
d ominar a vid a d e hoje, é só porque a sociedade está mais desorganizada do
que estava no século 17 (Mumford , 1934, p. 288).

3.3.3 Carl Mitcham e as relações entre sociedade e tecnologia

Se Ortega nos servia p ara ap ontar u m a p ossível tip ologia d e socied ad es


a partir d e sua id éia d a evolu ção d a técnica e Mu m ford se centrava na interação

99
entre “a m áqu ina” e a socied ad e, Carl Mitcham (1989b) exp õe exp licitam ente as
relações entre tecnologia e socied ad e estabelecend o uma tipologia social. A
partir d a obra d e Martin H eid egger, Mitcham fala d e três form as d e ser-com -a
tecnologia. N ão fala d e socied ad es e sim d e épocas histórico-filosóficas, aind a
que não seja d ifícil consid erar essas épocas com o outros tantos tipos d e
sociedade.
Segund o Mitcham, havia um primeiro tipo caracterizad o pela atitu d e
d e suspeita em relação à tecnologia; é o que se chama “ceticismo antigo”. N esta
socied ad e a tecnologia é consid erad a com o algo que nos afasta d e Deus ou d os
d eu ses. Qu anto às su as rep ercu ssões éticas, consid era-se qu e a tecnologia
solapa a virtud e ind ivid ual e, d esd e o ponto d e vista político, a tecnologia é
vista com o um elem ento que atenta contra a estabilid ad e social. A técnica é
d esp rezad a com o fonte ou form a d e conhecim ento, e su as criações, os artefatos,
são consid erad os com o m enos reais qu e os objetos naturais e precisam d e um
guia externo.
O segu nd o tip o d e socied ad e se caracteriza p elo qu e Mitcham cham a
“otim ism o ilustrad o”, um a atitud e d e prom oção d a tecnologia. Aqui se
consid era que a tecnologia é ord enad a por Deus ou pela natureza.

David F. Noble (1999) explorou também as relações entre tecnologia e


religião, mostrando não só que religião e tecnologia não se opõem e sim que
podem encontrar -se raízes religiosas na tecnologia ocidental. Argumenta, por
exemplo, que o atual entusiasmo tecnológico é devedor das antigas esperanças
cristãs sobre a divindade perdida.

Desd e o ponto d e vista ético consid era-se qu e as ativid ad es técnicas


socializam os ind ivíd u os e, socialm ente, são criad oras d e riqu eza pú blica. Os
d esenvolvim entos técnicos prod uzem conhecim entos verd ad eiros, visto qu e
nad a há m ais verd ad eiro que a prática. Por últim o, nesta socied ad e consid era -se
que natureza e artificial trabalham seguind o os m esm os princípios m ecânicos.
Esta é claramente a socied ad e d a mod ernid ad e que levará ao d esenvolvim ento
industrial.
Em ú ltim o lu gar, Mitcham d escreve a socied ad e qu e caracteriza com o
acom etid a pelo que cham a “d esassossego rom ântico”, e que m anifesta um a
atitud e ambígua para com a tecnologia. N ela a vontad e d e tecnologia é uma
forma d a criativid a d e, que, por manifestar -se com o tecnologia, tend e a ocu par-
se menos d e outros aspectos. Esta ambigüid ad e se repete d esd e o ponto d e vista
d a ação pessoal, posto que esta socied ad e consid era que a tecnologia engend ra
liberd ad e, mas a separa d a força efetiva necessária para exercitá -la; pensa -se
que socialmente enfraquece os laços d e afeto pessoais. Com respeito ao
conhecim ento, são m ais im portantes a im aginação e a visão que o conhecim ento

100
técnico. Finalm ente, consid era-se que os artefatos expand em os processos d a
vida e revelam o sublime.

3.3.4 Javier Echeverría e as sociedades dos três entornos

Javier Echeverría (1999) analisou recentem ente as relações entre


socied ad e e tecnologia, atend end o esp ecialm ente às tecnologias telem áticas. Su a
d istinção entre socied ad es d e três entornos servirá para concluirm os este estud o
sobre tipologias sociais.
O prim eiro entorno d e que fala o autor é d enom inad o E1. N ele, o m eio
característico é o natural; a este meio a espécie humana foi evolutivamente se
ad aptand o. São socied ad es d este prim eiro entorno as cham ad as culturas d e
su bsistência – sed entárias ou nôm ad es – basead as na caça, na agricu ltu ra, na
pesca, na pecu ária ou nos recu rsos natu rais. N este prim eiro entorno só se
percebe como existente o que está presente fisicam ente e à cu rta d istância. Essa
presença física e próxim a é sim ultânea à nossa própria presença física.
Echeverría fala d e “formas próprias” d e cad a um d esses entornos, quer d izer,
d as socied ad es existentes neles. As formas próprias d este primeiro entorno são:
o corpo hum ano, o clã, a tribo, a fam ília, a cabana, o curral, a casa, o túm ulo, a
ald eia, o trabalho, a troca, a p rop ried ad e, a língu a falad a, a agricu ltu ra, a
pecuária, os ritos, os lugares sagrad os, as d ivind ad es…
N o segund o entorno (E2), o m eio característico é o cu ltu ral, social e
u rbano, qu er d izer, u m a sobrenatu reza p rod u zid a graças à técnica e à ind ú stria.
As relações hu m anas qu e se d ão nas socied ad es d este tipo são as próprias d as
relações urbanas, e o âmbito d as relações se amplia nos conceit os d e com arcas,
territórios, países etc. N as socied ad es d este segund o entorno foram -se
institu ind o d istintas form as d e p od er qu e não existiam em E1, com o o religioso,
o militar, o político, o econômico etc. Posto que o d esenvolvimento d este
segund o entorno não significa o d esaparecim ento d o prim eiro, prod uzem -se
conflitos e tensões entre as form as próprias d e cad a u m d eles. São form as
próprias d e E2 a vestim enta, a fam ília, a pessoa, o ind ivíd u o, o m ercad o, a
oficina, a em presa, a ind ústria, o d inheiro, os bancos, as escolas, os cem itérios, a
escrita, as ciências, as m áqu inas, a ju stiça, a cid ad e, a nação, o Estad o, as
Igrejas… Assim , nas socied ad es d o segu nd o entorno, o corpo está recoberto por
um a sobrenatureza – rou p a, sap atos, chap éu , tatu agens, m aqu iagens, brincos,
óculos… – que foi prod uzid a graças à técnica e à ind ústria.
Apesar d as d iferenças, o qu e aproxim a E1 e E2 e afasta as socied ad es d e
ambos os tipos com respeito a E3 são as propried ad es relevantes d esd e a
perspectiva d a interação entre os seres hu m anos: as p rop ried ad es m ais
importantes são, por um lad o, topológicas, pois em E1 e E2 nos encontramos em

101
recintos com interior, fronteira e exterior e, por outro lad o, com métricas, pois
há um a grand e d epend ência d a vizinhança e d a proxim id ad e, tanto esp acial
quanto temporal.

E o terceiro entorno, que Echeverría cham a d e E3?

Esta nova forma d e sobrenatureza d epend e em grand e parte d e uma


série d e inovações tecnológicas. Conform e su rjam novos avanços
tecnocientíficos, as p rop ried ad es d o terceiro entorno irão se
mod ificand o por ser um espaço basicamente artificial […].

E3 é p ossibilitad o p or u m a série d e tecnologias, entre as qu ais


mencionaremos sete: o telefone, o rád io, a televisão, o d inheiro
eletrônico, as red es telem áticas, a m ultim íd ia e o hipertext o. A
constru ção e o fu ncionam ento d e cad a u m d estes artefatos p ressu p õe
nu m erosos conhecim entos científicos e tecnológicos – eletricid ad e,
eletrônica, inform ática, transistorização, d igitalização, ótica,
com pactação, criptologia etc. –, m otivo p elo qu al convém d estacar qu e a
construção d o terceiro entorno só com eçou a ser possível para os seres
hu m anos após nu m erosos avanços científicos e técnicos. O terceiro
entorno é um d os resultad os d a tecnociência, e por isso emergiu
naqu eles países qu e lograram u m m aior avanço tecnocientífico:
sobretud o nos EUA, ond e se d escobriram, ou pelo menos se
im plem entaram e d ifund iram , quase tod os esses avanços
tecnocientíficos.

Chamand o Telepolis – a cid ad e global, a cid ad e a d istância – ao


conjunto d e form as d e interação social que foram se d esenvolvend o em
E3 d u rante as d écad as finais d o sécu lo 20, d irem os qu e tanto E3 com o
Telepolis tend em a expand ir -se por tod o o planeta. Contrariamente ao
que se costuma d izer, este novo entorno cid ad ão não se limita a ser uma
futura sociedad e d e informação. Estamos ante uma transformação d e
maior envergad ura basead a em um novo espaço d e interação entre os
seres humanos, em que surgem novas formas e se mod ificam muitas
d as formas sociais anteriores. E3 está mod ificand o profund amente a
vid a social, tanto nos âmbitos públicos como nos privad os: incid e sobre
a prod ução, o trabalho, o comércio, o d inheiro, a escrita, a id entid ad e
pessoal, a noção d e território e a m em ória, e tam bém sobre a política, a
ciência, a informação e as comunicações. Ad em ais, no terceiro entorno
está send o gerad a uma nova mod alid ad e d e economia que extrapola os
lim ites d os m ercad os nacionais e m od ifica profu nd am ente as relações
entre p rod u tores e consu m id ores. Por ú ltim o, ao falar d e u m a cid ad e
global p rop om os qu e as m ú ltip las m u d anças qu e as tecnologias d as

102
com u nicações estão ind u zind o no m u nd o sejam pensad as com o ou tros
tantos passos para a construção d e um a cid ad e planetária, não d e um a
nação e nem d e um Estad o mund ial (Echeverría, 1999, p. 158).

Segundo o autor, em E3 se está prod uzind o o que se chama uma


situação neofeudal, ond e alguns senhores, os senhores d o ar – que d ão título a
uma d e suas obras sobre o tema –, controlam em u m a relação d e qu ase
vassalagem as pessoas d epend entes e su bm etid as à su a tecnologia. São
senhores d o ar posto qu e seu pod er não se encontra no território ou no espaço
físico próximo, como ocorria em E1 e E2, mas se assenta nos satélites, nas red es
d e com unicação, nos servid ores inform áticos etc.
Com o vem os, a id éia d e Echeverría d e qu e E3 é u m novo tipo d e
socied ad e não se d istancia m u ito d a “socied ad e m u nd ial” d e Lu hm ann, d a qu al
já havíam os falad o no com eço d este texto; e tam pouco se encontra m uito
d istante d e outras conceituações anteriores sobre a socied ad e atual, que ele
mesmo reconhece em sua obra com o “ald eia global”, “terceira ond a”,
“ciberesp aço”, “socied ad e d a inform ação”, “fronteira eletrônica”, “realid ad e
virtu al” etc. Su a tese é, não obstante, m u ito original e com pleta bem ou tras
tipologias anteriores, com o a d e Mum ford .

3.4 A muda nça social: algumas interpretações

As socied ad es, qualquer que seja seu grau d e complexid ad e, não são só
u m sistem a estático, m as tam bém m u d am , aind a qu e seu s m em bros pod em não
ser conscientes – ou não sejam no m esm o grau – d essas mud anças.
Existem d iferentes teorias que tratam d e explicar a d inâm ica social.
Vam os repassar as m ais d estacad as segu ind o em parte a obra d e Sztom pka
(Sztompka, 1994). A evolução histórica tem sid o vista em algumas ocasiões
d esd e u m a perspectiva organicista, entend end o qu e a socied ad e é uma espécie
d e organism o em evolução. Outra interpretação é a que explica as m ud anças a
partir d a teoria (ou teorias) d os ciclos históricos.
Como foram entend id os e se entend em, por sua vez, os mecanismos
pelos quais as socied ad es mud am? Em alguns casos foi consid erad o qu e são as
id éias qu e atu am com o m otor d a m u d ança, com o forças históricas. Ou tro p onto
d e vista assinala a importância d o normativo na estrutura social. H á
perspectivas que acentuam a im portância d os grand es ind ivíd uos – heróis –
com o agentes d e m u d ança. Por ú ltim o, consid era-se qu e as forças d e m u d ança
são os m ovim entos sociais, cu ja cu lm inação seriam as revolu ções. Vam os ver

103
cad a uma d estas teorias um pouco mais d etalhad amente.

3.4.1 As visões da história das sociedades

3.4.1.1 As sociedades como organismos

Esta analogia p roced e d os fu nd ad ores d a sociologia. N os d eterem os em


d ois exemplos: Auguste Comte, consid erad o o pai d a sociologia e d a filosofia
positivista, e Lew is H enry Morgan, cujo enfoque organicista e evolutivo
pretend e ser m ais m aterialista.
Au gu ste Com te (Com te, 1898) consid erou qu e a força qu e d irige a
mud ança histórica se encontra no terreno d a mente ou espírito, nas formas nas
qu ais as p essoas se ap roxim am d e u m a com p reensão d a realid ad e. A qu alid ad e
e quantid ad e d e conhecim ento d om inad o por um a socied ad e aum enta d e m od o
constante. Comte falou d e três estágios d essa evolução d a humanid ad e: o
estad o teológico, o metafísico e o positivo. N o primeiro, as pessoas acorrem a
exp licações e p od eres sobrenatu rais com o cau sad ores d os fenôm enos terrenos,
d om ina a vid a m ilitar e a escravid ão está m u ito d ifu nd id a. N o segu nd o,
metafísico, as pessoas substituem os d euses por causas e essências abstratas,
princípios fu nd am entais d a realid ad e tais com o são concebid as pela razão;
d om inam as id éias d e soberania, im pério d a lei e governo legal. N o estad o
positivo, o ú ltim o, as pessoas invocam leis basead as na evid ência em pírica, na
observação, na comparação e na experimentação; é a época d a ciência e d a
ind u strialização. Um a vez alcançad o este estágio inicia -se um d esenvolvimento
sem fim , posto que a ciência avança eternam ente para ad iante.
Lew is H enry Morgan (1878) em presta às invenções e d escobertas o
papel d e forças motoras d a mud ança social. Segund o Morgan, elas
transform am grad u alm ent e e por com pleto a form a d e vid a d as populações
humanas. Uma vez alcançad as novas tecnologias, o caráter d a socied ad e se
altera, assim como as formas d e vid a familiar e a organização d o parentesco etc.
Segund o ele, a história d a hum anid ad e passa por três fases: selvageria,
barbárie e civilização, cad a um a d as quais d istinguind o-se p or im p ortantes
rupturas tecnológicas. Durante a selvageria observa -se a simples subsistência
basead a na colheita d e frutos e grãos, na utilização d o fogo e na pesca, assim
com o a invenção d o arco e d a flecha, que permitiu a caça. N a barbárie o mais
característico e d istintivo é a cerâm ica, a d om esticação d e anim ais e as técnicas
agrícolas, assim com o a p rod u ção d e ferro. A civilização é m arcad a p ela
invenção d o alfabeto fonético e d a escrita. Esta explicação tecnológica teve
muita influência posterior.

104
3.4.1.2 A teoria dos ciclos históricos

A teoria d os ciclos históricos, em lugar d e evolução inovad ora, vê


repetição e recorrência na história. A m u d ança social e histórica não é linear, e
sim circu lar. N estas teorias o sistem a social qu e m u d a será o m esm o – ou m u ito
parecid o –, nu m tem p o p osterior, ao qu e foi anteriorm ente.
Com o ilustração d este tipo d e teorias m encionarem os a d e Osvald
Spengler. Ele expôs suas id éias em A decadência de Ocidente (Spengler, 1932).
Segund o ele, não há progresso linear na história, e sim um conjunto d e histórias
vitais d e totalid ad es orgânicas separad as, encerrad as em si m esm as, cham ad as
“altas cu ltu ras”. A história só pod e ser a biografia coletiva d e tais cu ltu ras.
Cad a cultura ind ivid ual segue o ciclo vital d a infância, d a juventud e, d a id ad e
ad u lta e d a velhice; su rge, cresce, cu m pre seu d estino e m orre. A fase d e
d ecad ência d a cu ltu ra é d enom inad a “civilização”. É u m a fase p etrificad a e
angustiante, na qu al su rgem com o características u m a p ersp ectiva cosm op olita
em lugar d e local, as vagas relações urbanas substituem os laços d e sangue, um
enfoqu e abstrato e científico em lu gar d a sensibilid ad e religiosa natu ral. A
agonia d e um a civilização pod e d ura r m u ito, m as ela estará cond enad a,
finalm ente, a d esaparecer. Spengler d istinguiu oito “altas culturas” que
estu d ou : a egípcia, a babilônica, a ind iana, a chinesa, a clássica – greco-rom ana
–, a árabe, a mexicana e a ocid ental – surgida em torno do ano 1000. Do m esm o
mod o que o nascimento d as culturas, o curso vital d e cad a uma d elas não pod e
ser explicad o causalm ente, é um a m anifestação d a necessid ad e interna ou d o
d estino, só pod end o ser captad o por intuição. Tampouco o nascimento d as
culturas tem causas.

3.4.1.3 O materialismo histórico e a mudança social

O enu nciad o básico d e Karl Marx (1867) é bem conhecid o: “não é a


consciência qu e d eterm ina a realid ad e, m as é a realid ad e qu e d eterm ina a
consciência”. Deixand o d e lad o as d iferentes versões d o m aterialism o histórico
ou as m atizes d os d istintos segu id ores d e Marx, p od em os exp or a concep ção
geral que Marx tem d a m ud ança social, m ed iante a tabela anexa.

105
Formas de produção e
Classes Sociais Conflitos
propriedade
• Prop ried ad e
com u n itária d o
território • A p rod u ção agrícola
au m en ta a p op u lação
• A fam ília com o • N ão h á classes, só
Sociedade tribal gerand o-se u m a
u nid ad e social relações d e p arentesco
p rod u ção esp ecializad a
• Casa, p esca, rebanho e qu e d á lu gar a coações
agricu ltu ra com o
ativid ad es econôm icas
• Prod u ção
• Ap arecem os
Sociedade esp ecializad a com os
• Escravos e cid ad ãos p rim eiros conflitos
escravagista escravos com o p arte
entre classes
d os m eios d e p rod u ção
• Prod u ção agrícola em
p equ ena escala com o • Excesso d e p rod u ção
ativid ad e in d ivid u al ou sobre o con su m o
fam iliar • Prod u ção d irigid a
• Servo e senhor
Sociedade feudal • Prop ried ad e m ais ao intercam bio d o
• Grêm ios artesãos
ind ivid u al d a terra e qu e à satisfação d as
d os m eios d e p rod u ção necessid ad es
com p atível com u m a ind ivid u ais
hierarqu ia d e d om ínio
• A tend ência ao
• Meios d e p rod u ção
in crem en to d a m ais
sociais m as d e
Sociedade • Cap italistas e valia au m en ta as
p rop ried ad e p rivad a
capitalista p roletários ten sões en tre as classes,
• Divisão d e trabalho
o qu e a bre u m p eríod o
altam en te organ izad a
revolu cionário
• Ap ós a p ré-história, na
qu al vigorou a
• Meios d e p rod u ção
Sociedade exp loração d o hom em
sociais e d e p rop ried ad e • N ão há classes
comunista p elo hom em , com eça a
com u m
verd ad eira história d a
h u m an id ad e

São os conflitos entre as d iferentes classes sociais os m otores d a


m ud ança social e seu inevitável cam inho rum o à socied ad e com unista.

3.4.2 Diferentes interpretações do devenir social

3.4.2.1 As idéias como forças históricas

Desd e esta perspectiva, consid era-se qu e os elem entos relevantes para

106
explicar a mud ança social são as crenças, os valores, as motivações, as
aspirações… Os fatores explicativos últim os estão localizad os no reino d as
id éias, d as crenças categóricas e d as crenças norm ativas su stentad os pelas
pessoas. O representante d estacad o d esta concepção é Max Weber. Weber se
p ergu nta com o su rgiu o cap italism o. Resp ond e: foi o resu ltad o d a ap arição d e
u m novo tip o d e em p resários e u m novo tip o d e trabalhad ores. O qu e d istingu e
estes novos tipos? Um ethos ou mentalid ad e específica, o “espírito d o
capitalismo”. Weber vai mais ad iante e consid era que esse “espírito d o
capitalismo” está d iretamente relacionad o com o protestantismo. O que tem o
cred o protestante que possa levar ao pré-capitalismo? A id éia d e vocação: a
satisfação d e um d ever nos assuntos m und anos com o form a m ais alta d e
ativid ad e moral e a id éia d e pred estinação: a obtenção d a graça e d a salvação
em ou tro m u nd o com o conseqü ência d e d ecisões com p letam ente soberanas e
livres d e Deu s, qu e se m anifestaria através d o êxito em em p resas m u nd anas. Se
se é ocioso e se desperdiça o tempo no prazer e no consumo, isto é sinal de
cond enação. Esta tese d e Weber e sua mensagem central, d e que os
d eterm inantes im portantes d os m acro processos históricos se encontram no
micro d om ínio d as m otivações, crenças e atitu d es, foi m u ito influ ente na
sociologia.

3.4.2.2 O normativo na estrutura social

Dad o que a vid a social aparece regulad a por regras, a ord em d as


normas, os valores, as instituições que regulam a vid a humana são
consid erad os aqu i com o os p rincip ais fatores na exp licação d a m u d ança social
por m u itos au tores. A m u d ança social ou a d inâm ica d a estru tu ra social se
explica, por exemplo em Robert K. Merton, d esd e esta perspectiva, pela
existência d e evasões institucionalizad as d as regras. N um a prim eira fase se
prod uzem iniciativas com uns d e evasão entre grand es coletivid ad es d e
ind ivíd uos, nivelad as com a crença d e que “tod o mund o o faz”, e a tend ência a
imitar os fraud ad ores que têm êxito – exem plos d isso pod em ser a evasão d e
im postos, colar nos exam es, realizar pequenas fraud es na em presa em que se
trabalha… O passo segu inte são as evasões segu nd o pad rões; elim ina-se a
legitim id ad e d e norm as institu cionais existentes qu e são su bstitu íd as por
outras. Seguem -se três variações d as evasões institucionalizad as. Em primeiro
lugar, a “erosão d a norma”: normas estabelecid as há muito tempo não são
coerentes com a realid ad e atual – por exem plo a liberação d e costum es sexuais.
Em segu nd o lu gar, a “resistência à norm a”: as norm as qu e se evitam são novas,
recém -introd u zid as “por d ecreto” e se afastam d as form as estabelecid as d e
cond uta – por exem plo a resistência a norm as legais. E, em terceiro lugar, a
“su bstitu ição d e norm as”: u m a norm a se m antém vigente m as a frau d e ad qu ire
legitim id ad e por sua escala e d uração. Outra forma na qual se consid era que as

107
norm as funcionam com o m otor d a m ud ança é m ed iante a acum ulação d e
inovações normativas. Isto pod e ser exemplificad o com uma ruptura inovad ora
ou d escobrid ora na estru tu ra d e u m a tecnologia p red om inante, com a figu ra d o
profeta religioso ou a autorid ad e que d ita uma nova d efinição d e bond ad e ou
d e justiça etc. Segund o este esquema, iniciad a a mud ança social – em uma
mudança de normas por parte de um indivíduo ou um grupo deles –, a
mud ança é filtrad a por d iferentes agentes sociais – há alguns especialistas em
“filtragem ”, com o os sensores, os avaliad ores d e artigos e livros, os conselhos
d e red ação etc. – e, após a filtragem, prod uz -se a d ifusão d a mud ança que
finalm ente será legitim ad a, se chegar a sobreviver.

3.4.2.3 Os grandes indivíduos como agentes da mudança social

Segu nd o esta p ersp ectiva, as m u d anças sociais, as transform ações


históricas em grand e escala, encontram sua explicação nas ações d e ind ivíd uos
excepcionais por suas qualidades – seu s conhecim entos, com petência,
habilid ad es, força, astúcia ou “carisma”. Eles são os motores d a história. Aqui
se inclu em líd eres, profetas, id eólogos, tiranos, governantes, legislad ores,
gestores… H á d iferentes graus nos mod os como estes personagens p od em
atu ar. Colocad os em escala p od em os assinalar, em p rim eiro lu gar, as ativid ad es
cotid ianas com m otivações egoístas e p rivad as; ações qu e se introm etem no
contexto d e um com portam ento coletivo, e que são um a som a pouco
coord enad a d e ações ind ivid uais – por exem plo, revoltas, explosões d e
hostilid ad e… Em segu nd o lu gar, as ações coletivas, volu ntárias e coord enad as
para alcançar algum bem com um entre os participantes. Em terceiro lugar, as
ativid ad es em p resariais, p ara p rod u zir a ação d esejad a. E, finalm ente, as ações
políticas, como é o caso d o exercício d o pod er. H á, obviamente, d iversos graus e
matizes na grand eza d os personagens que, segund o este ponto d e vista,
protagonizam as m u d anças sociais. N em tod os d eixam a m esm a m arca no
tempo: alguns marcam a posterid ad e, com o Jesus e Bud a, César e N apoleão,
Bolívar e Martí, Theod ore Roosevelt e Ad olf H itler; ou tros m arcam tend ências
porém d e vid a mais efêmera, aind a que em seu momento tenham muitos
segu id ores ou provoqu em apreciáveis m u d anças sociais: Madonna e Ricky
Martin, Versace e Calvin Klein. Tam bém o grau d e influência pod e ser d iferente
no espaço, como nos casos d a importância espacial d e Pinochet e H itler. Assim
m esm o a influência varia na m ed id a em que o faz o objeto d e interesse d esses
p ersonagens; há líd eres d e ação: generais, políticos, d itad ores…; líd eres d e
pensam ento: profetas, sábios, filósofos, intelectuais… Também a maneira d e
“fazer história” d estes personagens se apresenta com d iferenças. Uns não
seriam conscientes d as conseqü ências d e seus atos, outros se vêm d e form a
consciente em grand es papéis históricos: N apoleão, Lenin ou Reagan, pod em
ser exemplos. Como ilustração d estas visões d a história, segund o as quais tud o

108
o que existe nela são conseqüências d e ações ind ivid uais, voluntárias, p od em os
citar Thom as Calyle, que sustenta que “a história universal, a história d o
consegu id o pelos hom ens nesse m u nd o é, em ú ltim a instância, a história d os
grand es hom ens que aqui trabalharam ”. Essa grand eza se m anifesta no pod er
intelectual para compr eend er a realid ad e e na habilid ad e para atuar
ad equad amente.

3.4.2.4 Os movimentos sociais como forças da mudança

Consid era-se aqui que o ator principal d as mud anças sociais são os
m ovim entos sociais. Estes m ovim entos são talvez as forças d e m u d ança m ais
p otentes na socied ad e atu al. Aind a qu e os m ovim entos sociais se caracterizem
em geral por u m a série d e aspectos – coletivid ad e d e p essoas atu and o d e form a
conjunta, o fim que se com partilha é algum a m ud ança na socied ad e d efinid a d e
forma similar pelos participantes, a coletivid ad e possui um baixo nível d e
organização form al, as ações tem u m alto nível relativo d e espontaneid ad e –, foi
a partir d o materialismo histórico ou d o marxismo em geral ond e se d estacou a
im portância d os m ovim entos sociais com o agent es d a m u d ança nas socied ad es.
Para o m arxism o, o crescim ento sem p reced entes d as d esigu ald ad es sociais,
com grand es hierarqu ias d e riqu eza, pod er e prestígio qu e acom panham a
m od erna econom ia capitalista leva à percepção d a exploração, à opressão, à
injust iça e à privação. Tud o isso gera hostilid ad es e conflitos d e grupo. As
pessoas cujos interesses estão em perigo estão d ispostas a lutar contra aqueles
que os ameaçam.
N a d inâmica interna d e tod o movimento social pod em -se d istingu ir
quatro estágios:
• Origens. Os m ovim entos sociais se originam em cond ições sociais
historicam ente específicas. Surgem d entro d e um a estrutura histórica
d ad a. O movimento articula os pontos d e vista herd ad os, trad icionais,
os escolhe e seleciona, enfatizand o algumas partes, mas nu nca prod uz
um sistema id eológico d o nad a. A estrutura preexistente d e
d esiguald ad es sociais, as hierarquias estabelecid as d e riqueza, pod er e
p restígio, com as contrad ições e conflitos resultantes entre seg m entos
d a população – classes, cam ad as, gru p os d e interesse… –, é consid erad a
como o fator essencial nas mobilizações. As pessoas afetad as pelas
tensões estruturais d evem d esenvolver certa consciência d e sua
cond ição, algu m a d efinição d os fatores ou d os agentes responsáveis
pela mesma, alguma imagem d e um a possível situação melhor ou
algum proveito para escapar d a realid ad e atual. As formas particulares
d estas pod em variar muito, d esd e os mitos d as socied ad es primitivas
até as d istintas formas d e id eologia d a socied ad e mod erna – id eologia
m oral, religiosa, juríd ica, política etc. N esta primeira fase, muitas vezes

109
um sucesso relativam ente insignificante d esem penha o papel d e fator
precipitad or, iniciand o d e fato a “corrid a” d o m ovim ento.
• Mobilização. N u m prim eiro m om ento são recru tad os aqu eles qu e estão
m ais afetad os p elas cond ições contra as qu ais se levanta o m ovim ento,
que são mais conscientes e estão mais sensibilizad os com respeito aos
problemas centrais d o movimento. Tais pessoas se somam por
convicção e consid eram o movimento um instrumento para consegu ir
as mud anças sociais d esejad as. Em uma segund a ond a d e
recrutam ento, um a vez que o m ovim ento tenha com eçad o sua m archa,
o número d e membros cresce, pod end o aparecer os oportunistas que se
som am com a esperança d e obter benefícios tangíveis – cargos
lucrativos. É im portante para a m obilização a figu ra d os líd eres
carismáticos.
• Elaboração estrutural. Pouco a pouco vão emergind o novas id éias,
crenças, cred os. Logo aparecem novas norm as e valores. Seguid am ente
su rge u m a nova estru tu ra organizativa interna: novas interações,
relações, laços etc. entre os m em bros. Por ú ltim o, em ergem novas
estru tu ras d e oportunid ad e, novas hierarquias d e d epend ência,
d ominação, lid erança, influência e pod er d entro d o movimento.
• Terminação. H á d u as p ossibilid ad es: o m ovim ento vence e portanto
perd e sua razão d e ser, d esmobilizand o-se e d issolvend o-se. Se não
vence, então é suprimid o e d errotad o, esgotand o seu potencial d e
entusiasm o, d ecaind o grad ualm ente sem alcançar a vitória.

Com o conclu são cabe ap ontar qu e os m ovim entos sociais encarnam as


d uas faces d a realid ad e social, a d ialética d os ind ivíd uos e d as totalid ad es
sociais; possu em u m a qu alid ad e interm ed iária: estão atu and o entre os
ind ivíd uos e as totalid ad es sociais com pletas, não são inteiram ente nem
cond uta coletiva nem grupos d e interesse incipientes, mas contém elementos
essenciais d e am bos; os m ovim entos sociais tom am parte na m old agem , na
construção e na reforma d a socied ad e externa, send o o agente mais importante
na construção d e estruturas e na mud ança social.

3.5 A articulação democrática do social como condição para a


participação ativa nas decisões tecnocientíficas

3.5.1 A sociedade atual

Com o foi visto anteriorm ente, tod os os autores coincid em quanto à


im p ortância social qu e o com p lexo científico-tecnológ ico possui atualm ente. As

110
novas form as sociais estão basead as na ciência. Se em princípio a ciência
aplicou seu saber na prod ução, hoje se aplicam as estratégias prod utivas à
p róp ria ciência. O ú ltim o sécu lo foi “o sécu lo d a ciência” (Sánchez Ron, 2000);
nos ú ltim os cinqü enta anos viveram m ais cientistas qu e em tod a a história
anterior, igual ao que suced e com a própria população humana; e a prod ução
d e artigos e revistas científicas au m entou , e continu a crescend o
exponencialm ente. Se no princípio a d istinção entre ciência básica e ciência
aplicad a – tecnologia – tinha algu m sentid o, hoje parece ter d esaparecid o: d esd e
mead os d o século 19, a d istância entre um conhecimento básico e sua aplicação
prática foi red uzid a até quase d esaparecer e tornar pouco opera tiva aqu ela
d istinção. Vivem os em socied ad es ond e, com o com eçou a entrever Mu m ford e
afirm a Echeverría, os principais flu xos já não são d e energia, e sim d e
informação. É tal esse fluxo que a informação como tal tem perd id o valor.
Talvez o que se necessita agora p ara ter p od er é saber com o u tilizar e m anejar
essa torrente d e informações, às vezes contrad itórias e sempre complexas.
A socied ad e atual é, como foi apontad o antes, uma socied ad e
m u nd ializad a na qu al as novas tecnologias d a com u nicação têm contrib u íd o
p ara u m a d esterritorialização, p ara a p erd a d e im p ortância d as fronteiras
geográficas ou políticas trad icionais; um a socied ad e em que, por exem plo, a
evolução d a bolsa d o extremo oriente pod e ter repercussões catastróficas nas
econom ias d os países d o Cone Su l am ericano. Em m u itos casos isto tem sid o
acom panhad o d e um d esinteresse pelo vizinho: o que acontece no vizinho pod e
parecer m u ito m ais d istante d o qu e o qu e ocorre no ou tro extrem o d o m u nd o,
tal é pod er d os meios d e comunicação.
Esta nova socieda d e tem colocad o a mud ança como novo fetiche,
d epreciand o a estabilid ad e. Tud o d eve encontrar -se em estad o d e mud ança
perm anente. Progresso e avanço são valores ind iscutíveis que passaram d o
mund o tecnológico ao social e o impregnam absolutamente: as vangua rd as
artísticas supuseram o transporte d estes valores d esd e o m und o tecnocientífico
ao artístico.
N esta nova realid ad e globalizad a são poucos os atores que pod em
influenciar na marcha d a realid ad e sociopolítica, só certos países, algumas
grand es m ultinacio nais ou algu ns organism os internacionais. Esta d istância d os
centros d e d ecisão, esta impossibilid ad e d os cid ad ãos d e intervir d e maneira
efetiva sobre seu entorno mais próximo tem d uas conseqüências: a primeira é o
aparecim ento d e id eologias “trad icionais” que preconizam um retorno –
sem p re artificial – a su p ostas essencialid ad es d o p assad o, sejam elas religiosas
ou politicam ente trad icionalistas. Um a segund a conseqüência é prod uto não só
d esse d istanciamento d os espaços d e d ecisão política mas também imprim e
maior d istância entre o que as tecnologias pod em fazer e a valoração d o que se
pod e fazer. Quer d izer, a valoração moral ou ética fica muito aquém d o que
tecnicam ente é possível realizar. A m aior parte d os avanços tecnocientíficos se

111
encontra fora d e um marco ético ou normativo – os exemplos que vêm à mente
estão m u ito p róxim os: clonagem , em briões congelad os, m anip u lação
genética…, p ara citar os m ais evid entes. Isto faz com qu e, p arad oxalm ente, a
ética seja u m “tem a d a m od a”. Dad o qu e “o político” se afasta cad a vez m ais d e
nós, d á a sensação d e que a única maneira d e abord ar as questões
tecnocientíficas por parte d os cid ad ãos é ética: abord á -la politicam ente parece
im p ossível p or ser o p olítico u m território tam bém reservad o a “esp ecialistas”.
Voltarem os a atenção em seguid a para este ponto e exporem os alguns enfoques
éticos da questão.
Assim, pois, é neste tipo d e socied ad e inextricavelmente unid a à
tecnociência, p ensável com o socied ad e m u nd ial – na qual é possível pela
primeira vez na história a interação em nível m und ial e na qual d esem penham
um papel essencial a ciência e a tecnologia, que contribuem para configurá-la e
para d efinir os problem as qu e se estabelecem na m esm a –, qu e algu ns au tores
situ am o protagonism o tecnocientífico d as técnicas d e reprod u ção, d e
m anipulação genética, d e clonagem etc. Sobre estas tecnologias biológicas
aparecem uma vez mais os d ebates entre tecnófilos e tecnófobos: os primeiros
vêm nelas uma oportunid ad e única d e correção d os males d a “natureza
hum ana”, ou d e tod a um a série d e problem as alim entares relacionad os com a
superpopulação. (Recentem ente foi prod uzid o um áspero d ebate na Alem anha,
p rotagonizad o p or Peter Sloterd ijk e su a obra O zoo humano, ond e u m a d as
propostas que realizava o autor se entend ia como uma aplicação d a engenharia
genética na “m elhoria hum ana” após o fracasso d o projeto ed ucativo ilustrad o.
H abermas interveio na polêmica, por via interposta, acusand o Sloterd ijk d e
estar qu ase ressu scitand o os p lanos d e eu genia d o nazism o). Para ou tros, o
prim azia tecnológico em nossa socied ad e carrega as tecnologias d a inform ação,
razão pela qual não se fala só d e “socied ad e d a informação”, mas d e “era d a
informação” (Castells, 1997). São cad a vez mais numerosos os que vêm nestas
tecnologias u m a oportu nid ad e para a “d emocracia total”, uma espécie d e volta
ao id eal ateniense segund o o qual cad a cid ad ão d a nova com unid ad e global
pod eria participar d e tod as e d e cad a uma d as d ecisões tomad as pelos políticos
profissionais em nossos sistem as d em ocráticos representativos; mas, p or ou tro
lad o, tam bém se ad verte d o perigo que estes sistem as d e com unicação e d e
inform ação pod eriam representar para as liberd ad es se, confund ind o o que
segu nd o algu ns é a essência d a d em ocracia (o d iálogo, a busca d e consenso ...)
com a sim p les em issão d e um voto através d e uma red e, houvesse quem
u tilizasse aqu eles sistem as p ara a m anip u lação, a d em agogia, a exclu são, a
elim inação d as id éias contrárias etc.
Ao mesmo tempo, nesta socied ad e nos d eparamos cad a vez mais com
um crescente d esprestígio d a “política” ou d o “político”, que em m uitas
ocasiões e d esd e certas id eologias p retend e-se que seja uma mostra d e
maturid ad e social ou política, e inclusive um id eal a perseguir. Quanto mais

112
pessoas se d esinteressarem d a coisa pública e se ocuparem d o que é seu – cad a
um que cuid e d e si –, m elhor, posto qu e, d iz -se nessas id eologias, esse é o
objetivo d e uma socied ad e avançad a.
Em muitos casos este d esprestígio d o político pretend e ser d isfarçad o
ou su bstitu íd o por u m protagonism o d o “técnico”, avançand o assim na
d espolitização social: se as d ecisões que se hão d e tomar são técnicas, isto
significa que a m aioria d a população não tem a capacid ad e nem os recursos
para d ed icar-se a elas, razão pela qual haverá d e se d elegá-las aos especialistas.
Trata -se d a atualização d a velha d isputa que já inaugurara Platão no Protágoras.
É certo que nas últim as d écad as a d em ocracia se estend eu à m aioria d os
países. E a m aior parte d os cid ad ãos d esses países, percebem o m u nd o por u m a
ótica d em ocrática. Ou seja, situações que em outros tempos se consid eravam
situ ações “natu rais”, com o a pobreza d e grand es cam ad as d a popu lação ou a
su bm issão absolu ta d a im ensa m aioria a u m a m inoria pod erosa, hoje são
consid erad as com o problem as que pod em e d evem ter um a solução. N as
palavras de Salvad or Giner:

[…] a d emocracia ed ucou a maioria d e quem vive nela, a ver os problemas e


asp irações com os qu ais se enfrenta a com u nid ad e com o situ ações qu e
não d epend em d a fatalid ad e e sim d a vontad e. Têm solução. N ossa
tarefa, com o agentes racionais que som os, é id entificá-las e colocá-las
logo em prática através d a legislação, d a ativid ad e governamental e d e
outras m ed id as d e origem política, além d o qu e pod em os fazer com o
ind ivíd uos form and o livrem ente nossas associações ou m ovim entos
cívicos, ou trabalhand o com afinco. A d em ocracia d ifu nd e a convicção
d e que o m und o d epend e, em grand e parte, d e nós m esm os (Giner,
1996, p. 144).

Entretanto, em que pese o que afirma Giner, o que parece acontecer é


qu e a im p licação d os cid ad ãos na bu sca d e solu ções através d a legislação e d a
ativid ad e governam ental é percebid a por m uitos com o insuficiente e d istante.
Talvez se tenha su bstitu íd o p recisam ente p elo au ge d o “não-governam ental”,
d as organizações qu e com o nom e d e “não-governam entais” se esforçam , no
m elhor d os casos, por tratar d e atenuar ou encobrir os problemas sociais.
Porém , seguram ente estas organizações são m ais um a am ostra d a d ecad ência
d a paixão política (Ramoned a, 2000), e d e sua substituição por outra id éia e
ou tro term o qu e goza, este sim , d e am pla virtud e e prestígio social: a ética.

Leituras complementares

BECK, U. (1997): Qué es la globalización? Barcelona, Paid ós, 1998.

113
MATTELART, A. (1999): Historia de la utopía planetaria: de la ciudad profética a la
sociedad global. Barcelona, Paid ós, 2000.

3.5.2 Considerações éticas em torno da sociedade tecnocientífica

H ans Jonas (1979) propôs a necessid ad e d e estabelecer um “princípio d e


responsabilid ad e”, qu e ele entend e com o u m princípio ético, para com as
gerações fu tu ras. Para este au tor, até tem pos m u ito recentes as ações técnicas
d os seres humanos eram moralmente neutras, salvo no caso d a med icina, d ad o
qu e as ativid ad es hu m anas não pod iam provocar u m d ano perm anente à
natureza. N o mund o atual isso mud ou rad icalmente, e agora se manifesta a
trem enda vulnerabilid ad e d a natureza frente às ações humanas. Os atos
técnicos atuais não se limitam ao próximo no espaço, nem tampouco no tempo,
como ocorria no passad o. Por isso Jonas consid era urgente a teorização d e uma
nova ética para u m m u nd o tecnológico que partiria d o que ele chama “o
princípio d e responsabilid ad e”. Jonas abord a a fu nd am entação d essa nova ética
partind o também d e uma reflexão metafísica. Esta não seria uma ética d e
ind ivíd uos, pois tem a ver com ações, mas não as d o sujeito ind ivid ual, ain d a
que tam pouco se pod eria exercer d esd e as estruturas políticas trad icionais. Diz
o autor:

H á outro aspecto d igno d e menção nesta necessária nova ética d a


responsabilid ad e por um futuro remoto e d a justificação ante ele: a
d ú vid a sobre a capacid ad e d o governo representativo para respond er
ad equ ad am ente com seu s princípios e proced im entos habitu ais às
novas exigências. Assim, isto é d evid o a que, em conformid ad e com
esses princípios e proced im entos, só se fazem ouvir e só se fazem valer,
obrigand o a tom á-los em consid eração, os interesses p resentes. As
autorid ad es políticas têm d e prestar contas ante eles e é assim que se
concretiza o resp eito aos d ireitos, d iferentem ente d e seu conhecim ento
abstrato. Mas o “futuro” não está representad o por nenhum grupo; nã o
constitui uma força capaz d e fazer notar seu peso na balança. O não
existente não é um lobby e os não-nascid os carecem d e pod er. Assim ,
pois, a consid eração que se lhes d evem não tem por trás d e si nenhuma
realid ad e política no processo d e d ecisão atual (Jonas, 1979, p. 56).

Outra proposta d e uma nova ética para esta socied ad e tecnológica é a


d e Evand ro Agazzi (1992), que utiliza a teoria d e sistemas como instrumento d e
análise d o com plexo científico-tecnológico e d e construção d esta nova ética.
Para Agazzi, aind a qu e o sistem a científico-tecnológico tend a à au to-su ficiência
e ao au to-crescimento, não é um sistema fechad o e pod e receber influências

114
externas. O sistem a científico-tecnológico é u m su bsistem a ad aptativo e aberto,
qu e atu a pod erosam ente sobre o ambiente em que está imerso, mas que
tam bém recebe suas influências. Por outro lad o, para o autor, a m oral tam bém é
u m sistem a, o sistem a encarregad o d e proporcionar os pontos d e referência
“externos” necessários para m antê-lo sob controle. Para Agazzi, d ad o qu e o
cientificismo impregna nossa cultura, as éticas que permitem esse controle
externo d o com p lexo científico-tecnológico não p od em ser aqu elas qu e se
encontram m ais próxim as d o m esm o em seu s proced im entos, isto é, a ética
analítica ou as éticas na turalistas e d eterministas. Frente a tais éticas o autor
propõe que esse controle externo se exerça d esd e uma visão sistêmica d a ética.
H á várias cond ições para que a ética possa d esempenhar este papel.
Um a é a exigência d e revalorizar plenam ente a existência e o alcance d e
autênticos e específicos valores morais que se d ão na experiência d e tod os os
homens, e que são, por exemplo, o justo, o bem, a leald ad e, a benevolência, o
resp eito, a d ignid ad e d a p essoa ou a resp onsabilid ad e (Agazzi, 1992, p . 361).
Outra é qu e o sistem a científico-tecnológico regu le seu fu ncionam ento d e tal
form a qu e possa correspond er ao respeito d os critérios d e valor e d e d ever
expressos no sistem a m oral. E aqui é ond e Agazzi parece passar d o terreno
m oral ao político, posto que afirma que é preciso que esta regulação seja
objetivad a med iante relações funcionais ou explícitas, ou seja, através d e
norm as d e com p ortam ento p ú blicas e objetivad as em algu m a m ed id a, a m aior
parte d as qu ais estand o aind a por elaborar em su a totalid ad e (Agazzi, 1992, p .
362). Um a terceira cond ição se refere à eficiência d e funcionam ento d o próprio
sistema moral, que não pod e funcionar como um sistema fechad o. Agazzi
propõe que o funcionam ento d a m oral d eve procurar buscar um a otim ização d e
tod os os valores em jogo d entro d a situ ação d eterm inad a (Agazzi, 1992, p . 362).
Isto significa qu e nenhu m valor d eve ser totalm ente sacrificad o, ou
d emasiad amente sacrificad o, e que a maximização d e cad a um d eles venha
limitad a justamente pelo compromisso d e não prejud icar a ad equ ad a satisfação
d e outros valores, o que afasta a proposta d e Agazzi d e uma ética d e tipo
utilitarista. Também segue-se d aí que não há um único critério para optar por
uns ou outros valores; os valores inferiores têm d ireito a um respeito d esd e o
p onto d e vista d a otimização comentad a. Além d isso, não existem valores ou
d everes absolutos, a ad m issão d e norm as ou valores absolutos cond uz a
conflitos insolúveis, salvo que se aceite como solução um único valor absoluto.
Com o se estabelece a otim ização d os valores? Trata-se d e instaurar um a
confrontação d ialética entre as d iversas opções d isponíveis para julgar
d esapaixonad a e racionalm ente d e que m aneira, na situação efetiva, se prod uz a
recíproca relação entre valores e d everes, atend o-se à cond u ta qu e assegu re a
otimização, e permanecend o sabed ores d e que nenhum valor será satisfeito
com p letam ente e qu e algu ns serão m ais sacrificad os qu e ou tros, m as qu e em
conjunto a solução escolhid a será a “m elhor possível” (Agazzi, 1992, p. 362).

115
Leituras complementar es

MITCH AM, C. (1989a): Qué es la filosofía de la tecnología? Barcelona, Anthropos.


Especialmente las partes II y III.
PASSMORE, J. (1974): La responsabilidad del hombre frente a la natureleza: ecología y
tradiciones en Occidente. Mad rid , Alianza Ed itoria l, 1978.
SAN MARTÍN , J. (1988): Los nuevos redentores. Barcelona, Anthropos.
SH ATTUCK, R. (1998): Conocimiento prohibido. De Prometeo a la pornografía. Mad rid , Tau ru s.

3.6 Conclusão

A m aior parte d as análises teóricas proced entes d a sociologia ou d a


filosofia social coincid em em assinalar qu e a socied ad e é tanto algo qu e p roced e
d e nossa “natu reza” com o algo convencional su jeito a m od ificações. N ossa
natureza nos leva a viver em socied ad e. Outra coisa é como queremos que seja a
sociedade em que vivemos.
Quase tod os os autores coincid em em consid erar o d esenvolvim ento
tecnocientífico com o u m elem ento fu nd am ental na hora d e “catalogar” os
d iferentes tipos d e socied ad e. As socied ad es pod em ser d efinid as por seu
d esenvolvim ento tecnocientífico, por sua percepção d a tecnociência e sua
relação com ela.
H á d iferentes teorias qu e p retend em exp licar os m ecanism os d e
m ud ança social. A sociologia acad êm ica m antém posições que não excluem a
intervenção d e d iferentes fatores na hora d e explicar essas m u d anças.
Entretant o, algu ns d esses fatores se relacionam m ais com as teorizações qu e
d esd e a concepção herd ad a – positivista – se tem utilizad o na hora d e expor os
m ecanism os d e d esenvolvim ento e transform ação tecnocientífica.
A socied ad e atual é uma socied ad e que vive imersa em um mundo de
ond e praticamente tud o o que nos rod eia é d e alguma maneira um prod uto d a
ciência e d a tecnologia. N esta socied ad e se d á u m fenôm eno u bíqu o qu e
perm ite caracterizá-la: o risco. Os riscos que correm os estão associad os com o
u so d e artefatos tecnocientíficos. Tal situação, e a magnitud e e natureza d os
riscos que hoje d evemos enfrentar, torna necessário o d esenvolvimento d e
novos enfoqu es éticos com o o “princípio d e responsabilid ad e”.

116
3.7 Bibliografia

AGAZZI, E. (1992): El bien, el mal y la ciencia. Las dimensiones éticas de la empresa


científico-tecnológica. Mad rid , Tecnos, 1996.
ALMARAZ, J. (1997): “N iklas Luhmann: la teoría d e los sistemas sociales antes
d e la autopoiesis”, en Anthropos, nú m s. 173-174, julio -octubre.
ARISTÓTELES: Política. Mad rid , Alianza Ed itorial, 1996.
AYALA, F. (1947): Tratado de sociología. Madrid, Espasa -Calpe, 1984.
BECK, U. (1986): La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona,
Paid ós, 1998.
_____(1997): Qué es la globalización? Barcelona, Paid ós, 1998.
CASTELLS, M. (1997): La era de la información. Mad rid , Alianza Ed itorial.
COMTE, A. (1898): Discurso sobre el espíritu positivo. Mad rid , Alianza Ed itorial.
ECH EVERRÍA, J. (1999): Los señores del aire: Telépolis y el tercer entorno.
Barcelona, Destino.
GIN ER, S. (1969): Sociología. Barcelona, Península, 1976.
_____(1996): Carta sobre la democracía. Barcelona, Ariel.
JON AS, H . (1979): El principio de responsabilidad. Ensayo de una ética para la
civilización tecnológica. Barcelona, H erd er, 1995.
LAMO DE ESPIN OSA, E. (1996): Sociedades de cultura, sociedades de ciencia.
Ensayos sobre la condición moderna. Ovied o, Ed iciones N obel.
LÓPEZ CEREZO, J. A., y LUJÁN , J. L. (2000): Ciencia y política del riesgo. Mad rid ,
Alianza Ed itorial.
LUH MAN N , N . (1991): La ciencia de la sociedad. Barcelona, Anthropos, 1996.
_____(1992): Observaciones de la modernidad. Racionalidad y contingencia en la
sociedad moderna. Barcelona, Paid ós, 1997.
MALSON , L. (1981): Les enfants sauvages (mythes et réalités), suivi de mémoire et
rapport sur Victor de I’Aveyron par Jean Itard. París, France Loisirs.
MARX, K. (1867): El Capital. Crítica de la economía política. México, FCE, 1959.
_____(1979): Contribución a la crítica de la economia política. Ed itorial Progreso,
1989.
MATTELART, A. (1999): Historia de la utopía planetaria: de la ciudad profética a la
sociedad global. Barcelona, Paid ós, 2000.
MITCH AM, C. (1989a): Qué es la filosofía de la tecnología? Barcelona, Anthropos.
_____(1989b): “Tres form as d e ser-con la tecnología”, en Anthropos. Filosofía de la
Tecnología. Una filosofía operativa de la tecnología y de la ciencia, núms. 94-95,
m arzo-abril.
MORGAN , L. H . (1878): Ancient society. Tucson: University of Arizona Press,

117
1985.
MORIN , E. (1973): El paradigma perdido. Ensayo de bioantropología. Barcelona,
Kairos, 1996.
MUMFORD, L. (1934): Técnica y civilización. Mad rid , Alianza Ed itorial, 1982.
______(1964): “Técnicas au toritarias y d em ocráticas”, en Anthropos. Tecnología,
Ciência, Naturaleza y Sociedad. Antología de autores y textos, suplem ento 14, 1989.
N OBLE, D. F. (1995): Una visión diferente del progreso. En defensa del luddismo.
Barcelona, Alikornio Ed iciones, 2000.
_____(1997): La religión de la tecnología. La divindad del hombre y el espíritu de
invención. Barcelona, Paid ós, 1999.
OLIVER, D.(1955): A Solomon Island society: kinship and leadership among the Siuai
of Bouganville. Cam brid ge, H arvard University Press.
ORTEGA y GASSET, J. (1939): Meditación de la técnica y otros ensayos sobre ciencia
y filosofía. Mad rid , Alianza Ed itorial, 1982.
PASSMORE, J. (1974): La responsabilidad del hombre frente a la natureza: ecología y
tradiciones en Occidente. Mad rid , Alianza Ed itorial, 1978.
PLATÓN (1981): Diálogos I. Mad rid , Ed itorial Gred os.
RAMON EDA, J. (2000): Después de la pasión política. Madrid, Taurus.
SABATER, PI, J. (1992): El chimpancé y los orígenes de la cultura. Barcelona,
Anthropos.
SALOMON , J. J. (1992): Le destin technologuique. París, Balland .
SAN CH EZ RON , J. M. (2000): El siglo de la ciencia. Madrid, Taurus.
SAN MARTÍN , J. (1988): Los nuevos redentores. Barcelona, Anthropos.
SAVATER, F. (1992): Política para Amador. Barcelona, Ariel.
SH APIN , S. (1996): La revolución científica. Una interpretación alternativa.
Barcelona, Paid ós, 2000.
SH ATTUCK, R. (1998): Conocimiento prohibido. De Prometeo a la pornografía.
Mad rid , Taurus.
SPEN GLER, O. (1932): La decadencia de Occidente. Bosquejo de una morfología de la
historia universal. Barcelona, Planeta-Agostini, 1993.
SLOTERDIJK, P. (1999): Normas para el parque humano. Una respuesta a la “Carta
sobre el humanismo” d e H eid egger. Barcelona, Siru ela, 2000.
SZTOMPKA, P. (1994): Sociología del cambio social. Mad rid , Alianza Universid ad ,
1996.
TESTART, J. (2000): “Los expertos, la ciencia y la ley”, en Le Monde Diplomatique,
núms. 58-59, septiem br e.
WAAL, F. d e (1982): La política de los chimpancés. Mad rid , Alianza Ed itorial,
1993.

118
4 - O QUE É CIÊNC IA ,
TECNOLOGIA E SOC IEDA DE?

4.1 Introdução

A expressão “ciência, tecnologia e socied ad e” (CTS) procura d efinir um


cam p o d e trabalho acad êm ico cujo objeto d e estud o está constituíd o pelos
aspectos sociais d a ciência e d a tecnologia, tanto no qu e concerne aos fatores
sociais qu e influ em na m u d ança científico-tecnológica, com o no que d iz
respeito às conseqüências sociais e am bientais. Utilizarem os a expressão “CTS”
para fazer referência ao objeto d e estud o – às relações ciência -tecnologia -
socied ad e – e a d enom inação “estud os CTS” para o âm bito d o trabalho
acad êm ico qu e com p reend e as novas ap roxim ações ou interp retações d o estu d o
d a ciência e d a tecnologia.
N este cap ítu lo com eçarem os com entand o qu ais são os anteced entes
sócio-históricos d as reticências e obstácu los com qu e im portantes segm entos
sociais contem p lam atu alm ente o fenôm eno científico-tecnológico. Esta visão
retrospectiva nos perm itirá id entificar as m u d anças nas atitu d es p ú blicas ante a
ciência, assim com o entend er a evolução recente d os m od elos políticos
im plantad os nos países ind ustrializad os para gerir o d esenvolvim ento
científico-tecnológico. Sobre esta base introd u zirem os os estu d os CTS,
entend id os com o u m a reação acad êm ica contra a trad icional concep ção
essencialista e triunfalista d a ciência e d a tecnologia, subjacente aos m od elos
clássicos d e gestão p olítica. Verem os a nova im agem d o fenôm eno científico-
tecnológico que emerge d esd e a d écad a d e 1970 associad a a este cam po
acad êm ico. Por ú ltim o, u m a reflexão sobre as relações ciência -tecnologia -
socied ad e no mund o atual conectará os campos d o estud o acad êmico e o
ativism o social, nos níveis d a reflexão ética, e as novas tend ências ed u cativas
sobre o tema.

119
4.2 A imagem tradicional da ciência e da tecnologia

A concepção clássica d as relações entre a ciência e a tecnologia com a


socied ad e é um a concepção essencialista e triunfalista, que pod e resum ir-se em
um a sim ples equação, o cham ad o “m od elo linear d e d esenvolvim ento”: +
ciência = + tecnologia = + riqu eza = + bem -estar social.
Tal concep ção com freqü ência está p resente em d iversos esp aços d o
m und o acad êm ico e nos m eios d e d ivulgação. Em sua fund am entação
acad êmica encontramos a visão clássica d o positivism o acerca d a natureza d a
ciência e sua mud ança temporal, cuja formulação canônica proced e d o
Positivismo Lógico, filosofia d a ciência que surgiu d urante os anos 20 e 30 d o
século 20 d as mãos d e autores como Rud olf Carnap, em aliança com as
aproximações funcionalistas em sociologia d a ciência que se d esenvolvem
d esd e os anos 40 em que se d estaca Robert K. Merton.
Med iante a aplicação d o m étod o científico e o acatam ento d e u m severo
cód igo d e honestid ad e profissional, espera-se qu e a ciência p rod u za a
acumulação d e um conhecimento objetivo acerca d o mund o. Para isso, o
trabalho científico d eve ser objeto d e avaliação por seus colegas, que se
encarregariam d e velar pela integrid ad e intelectual e profissional d a instituição,
ou seja, pela correta ap licação d este m étod o d e trabalho e p elo bom
funcionam ento d este cód igo d e cond uta. Este sistem a d e arbitragem por pares,
tal como se d enomina, garantiria o consenso e a honestid ad e na ciência,
preveria a controvérsia e evitaria a fraud e.

Os mitos do sistema P&D


(pesquisa e desenvolvimento)
Daniel Sarew itz id entificou em 1996 o que ele consid era com o m itos
principais d o sistema P&D, quer d izer, os d a concepção trad icional d a
ciência e os d e sua relação com a tecnologia e com a socied ad e. São eles,
numa versão ad aptad a, os seguintes:
• Mito do benefício infinito. Mais ciência e m ais tecnologia cond u zirão
in exoravelm en te a m ais ben efícios sociais.
• Mito da investigação sem limites. Qu alqu er linha razoável d e p esqu isa sobre os
p rocessos natu rais fu nd am entais é igu alm ente p rovável qu e p rod u za u m
benefício social.
• Mito da rendição de contas. A arbitragem entre p ares, a rep rod u tibilid ad e d os
resu ltad os e ou tros controles d a qu alid ad e d a p esqu isa científica d ão conta d as
resp onsabilid ad es m orais e intelectu ais n o sistem a P&D.
• Mito da autoridade. A p esqu isa científica p rop orciona u m a base objetiva p ara
resolver as d isp u tas p olíticas.
• Mito da fronteira sem fim. O novo conhecim ento científico gerad o na fronteira d a
ciência é au tônom o com resp eito às su as conseqü ências p ráticas na natu reza e na
socied ad e.

120
N esta visão clássica a ciência só pod e contribu ir para o m aior bem -estar
social esqu ecend o a socied ad e, para d ed icar-se a bu scar exclu sivam ente a
verd ad e. A ciência, então, só pod e avançar persegu ind o o fim qu e lhe é próprio,
a d escoberta d e verd ad es e interesses sobre a natu reza, se se m antiver livre d a
interferência d e valores sociais mesmo que estes sejam benéficos.
Analogam ente, só é possível que a tecnologia possa atuar com o cad eia
transm issora na m elhoria social se a su a au tonom ia for inteiram ente resp eitad a,
se a socied ad e for preterid a para o atend im ento d e um critério interno d e
eficácia técnica. Ciência e tecnologia são ap resentad as com o form as au tônom as
d a cultura, com o ativid ad es valorativam ente neutras, com o u m a aliança heróica
d e conquista cognitiva e m aterial d a natureza.

Leituras complementares

Capítulo “O que é ciência?”


ECH EVERRÍA, J. (1995): Filosofía de la ciencia. Madrid, Akal.
FEYERABEN D, P. (1975): Tratado contra el método. Mad rid , Tecnos, 1981.
MERTON, R. K. (1973): La sociología de la ciencia, 2 vols. Mad rid , Alianza, 1977.
RODRÍGUEZ ALCÁZAR, F. J. (1997): “Esencialism o y neu tralid ad científica”,
en RODRÍGUEZ ALCÁZAR, F. J. y otros (1997): Ciencia, tecnología y sociedad.
Granad a, Eirene.

4.2.1 As origens da concepção essencialista

A expressão política d essa visão trad icional d a ciência e d a tecnologia,


ond e se reclam a a autonom ia d a ciência -tecnologia com respeito à interferência
social ou política, é algo que tem lugar im ed iatam ente d epois d a 2a Gu erra
Mund ial. Era uma época d e intenso otimismo acerca d as possibilid ad es d a
ciência -tecnologia, por isso a necessid ad e d e apoio incond icional. São
expressões d essa época os prim eiros com putad ores eletrônicos (EN IAC, 1946);
os p rim eiros transp lantes d e órgãos (rins, 1950); os primeiros usos d a energia
nuclear para o transporte (USS N autilus, 1954); ou a invenção d a pílula
anticoncepcional (1955). A elaboração d outrinal d este manifesto d a autonomia
para a ciência com respeito à socied ad e se d eve or iginalm ente a Vannevar Bu sh,
u m influ ente cientista norte-americano que foi d iretor d a Office Scientific
Research and Development (Agência para a Pesquisa Científica e o
Desenvolvim ento, EUA) d u rante a 2 a Gu erra Mu nd ial, e teve u m p ap el d e
protagonista na colocação em m archa d o Projeto Manhattan p ara a constru ção
d as prim eiras bom bas atôm icas.
O relatório d e Vannevar Bu sh intitu lad o Science: The endless frontier

121
(Ciência: a fronteira inalcançável) traça as linhas m estras d a futura política
tecnológica nort e-am ericana, reforçand o o m od elo linear d e d esenvolvim ento: o
bem -estar nacional d epend e d o financiam ento d a ciência básica e d o
d esenvolvim ento sem interferência d a tecnologia, assim com o d a necessid ad e
d e m anter a au tonom ia d a ciência p ara qu e o m od elo fu ncione. O crescim ento
econôm ico e o progresso social viriam por conseqüência. Essa im agem foi send o
corroíd a d esd e o início d a segund a metad e d o século 20, e acontecimentos como
os d e 11 d e setem bro d e 2001 p arecem agir com o u m a lu z d e alerta com relação
a estas visões, planos e conceitos qu e, fatalm ente, em fu nção d este qu e está
send o consid erad o um ponto d e inflexão histórico, d everão sofrer mod ificações.
N o rastro d a história é preciso mencionar que o exemplo d os Estad os
Unid os será segu id o pelo resto dos países ind ustrializad os ocid entais d urante a
Guerra Fria, que se envolveram ativamente no financiamento d a ciência para a
prod ução d e arm am entos para as guerras d a Coréia e d o Vietnã. Por exem plo,
em 1954, é criad o na Su íça o Centro Eu rop eu d e Investigação N u clear (CERN ,
Centre Européen de lá Recherche Nucleaire), com o resp osta eu rop éia à corrid a
internacional na pesquisa nuclear.

O progresso na guerra contra a doença depende do fluxo de novos


conhecimentos científicos. Os novos prod utos, as novas ind ústrias e a criação
d e postos d e trabalho requerem a contínua ad ição d e conhecimento d as leis
da natureza, e a aplicação desse conhecimento a propósitos práticos. De uma
maneira similar, nossa d efesa contra a agressão requer conhecimento novo
que nos permita d esenvolver armas novas e melhorá-las. Este novo
conhecimento essencial só pode ser obtido através da pesquisa científica
básica… Sem progresso científico nenhum sucesso em outras direções pode
assegurar nossa saúde, prosperidade e segurança como nação no mundo
mod erno (Bush, 1945/1980, p.5).

Enfatizand o a necessid ad e d e financiam ento público d a pesquisa básica,


pod eríamos d izer, seguind o a Steve Fuller (1999, p.117ss), que se matavam d ois
p ássaros com u m só tiro: p or u m lad o se p rom ovia a au tonom ia d a institu ição
científica frente ao controle político ou ao escrutínio público, d eixand o nas
m ãos d os próprios cientistas a localização d os recursos próprios d o sistem a d e
incentivo d o conhecimento e, por outro, favorecia -se uma projeção de longo
prazo d a pesquisa qu e, segu nd o a exp eriência d a gu erra, havia d em onstrad o
ser necessária para satisfazer as d em and as m ilitares no âm bito d a inovação
tecnológica. Somente d este mod o pod ia -se avançar até esta fronteira sem fim ,
até a verd ad e como meta inalcançável, tomand o o título d o escrito d e Bush.

Leituras complementares
BARN ES, B. (1985): Sobre ciencia. Barcelona, Labor, 1987.
SALOMON , J. J., et al. (eds.) (1994): Una búsqueda incierta: ciencia, tecnología y

122
desarrollo. México, FCE/Ed . Univ. N aciones Unid as, 1996.
SAN CH EZ RON , J. M.(1992): El poder de la ciencia. Madrid, Alianza.

4.2.2 O mal-estar pela ciência

Apesar d o otimismo proclamad o pelo promissor mod elo linear, o


m u nd o tem sid o testem u nha d e u m a su cessão d e d esastres relacionad os com a
ciência e com a tecnologia, especialmente d esd e os finais d a d écad a d e 1950.
Vestígios d e resíd u os contam inantes, acid entes nu cleares em reatores civis d e
transportes m ilitares, envenenam entos farm acêu ticos, d erram am entos d e
petróleo etc. Tu d o isso nos aju d a a confirm ar a necessid ad e d e revisar a p olítica
científico-tecnológica d o laissez-faire e d o chequ e-em -branco e, com ela, a
concepção mesma da ciência -tecnologia e sua relação com a socied ad e.
É um sentimento social e político d e alerta, d e correção d o otimismo d o
pós-gu erra, qu e cu lm ina no sim bólico ano d e 1968, com o au ge d o m ovim ento
contra-cultural e d e revoltas contra a guerra d o Vietnã. Desd e então, os
m ovim entos sociais e políticos anti-sistem a fazem d a tecnologia m od erna e d o
estad o tecnocrático o alvo d e sua luta (González Garcia, Lóp ez Cerezo y Lu ján,
1996).
Os protestos (nos Estad os Unid os d urante 1968) estavam d irigid os
fundamentalmente contra a guerra mas também, de um modo mais geral,
contra o materialismo cru que, d izia-se, nos havia conquistado. A tecnologia
seria convertida em uma palavra com sentido maligno, identificada com os
armamentos, a cobiça e a d egrad ação ambiental. As d oces canções d os “filhos
d as flores” se misturavam com os irad os cânticos d os militantes
universitários, criand o uma atmosfera na qual os engenheiros não pod iam
evitar sentirem -se incomodados (Florman, 1976/1994).

Os anos 60 e 70 d o sécu lo 20 d em arcam u m m om ento d e revisão e


correção d o m od elo linear com o base para o d elineam ento d a política científico-
tecnológica. A velha política d o laissez-faire proposta para a ciência começa a se
transform ar em u m a nova política m ais intervencionista, ond e os pod eres
públicos d esenvolvem e aplicam uma série d e instrumentos técnicos,
ad ministrativos e legislativos para encaminhar o d esenvolvimento científico e
tecnológico e supervisionar seus efeitos sobre a natureza e a socied ad e. O estilo
d a participação pública será d esd e então uma constante nas iniciativas
institu cionais relacionad as com a reg u lação d a ciência e d a tecnologia.
Leituras complementar es
BRAUN , E. (1984): Tecnología rebelde. Mad rid , Tecnos/Fu nd esco, 1986.
GON ZÁLEZ GARCÍA, M. I., LÓPEZ CEREZO, J. A., LUJÁN , J. L. (1996):
Ciencia, tecnología y sociedad: una introducción al estudio social de la ciencia y la
tecnología. Madrid, Tecnos.

123
BREVE CRONOLOGIA DE UM FRACASSO
(GONZÁLEZ GARCIA, E OUTROS, 1996)
A União Soviética lança o Sputnik I, o primeiro satélite artificial ao redor da Terra.
Causou uma convulsão social, política e educativa nos Estados Unidos e em outros
países ocidentais.
1957

O reator nuclear de Windscale, na Inglaterra, sofre um grave acidente, criando uma


nuvem radiativa que se desloca pela Europa Ocidental.
Explod e nos Montes Urais o d epósito nuclear Kyshtym, contaminand o uma grand e
extensão ao redor da antiga URSS.
É criad a a NASA, como uma d as conseqüências d o Sputnik. Mais tard e será criad a a
1958

ESRQ (Organização de Pesquisa Espacial Européia), precursora da ESA (Agência


Espacial Européia) como resposta do velho cont inente.
Conferência Red e d e C. P. Snow , ond e se denuncia o abismo existente entre as culturas
1959

humanística e científico-técnica.
Desenvolvimento d o movimento contra-cultural, onde a luta política contra o sistema
Anos 60

vincula seus protestos com a tecnologia.


Começa a desenvolver-se o movimento pró-tecnologia alternativa, onde se reclamam
tecnologias amigáveis ao ser humano e se promove a luta contra o estado tecnocrático.
A talidomida é proibida na Europa depois de causar mais de 2500 defeitos de
1961

nascimento. Muitos outros casos d e malformação são constatados em países do terceiro


mundo, e também no Brasil.
Publicação de Silent Spring, por Rachel Carson. Denuncia, entre outras coisas, o
1962

impacto ambiental de pesticidas sintéticos como o DDT. É o detonador do movimento


ecologista.
Tratado de limitação de provas nucleares.
1963

Afunda o submarino nuclear USS Thresher, seguido pelo USS Scorpion (1968), assim
com o pelo menos três submarinos nucleares soviéticos (1970,1983, 1986).
Cai um B-52 com quatro bombas de hidrogênio perto de Palomares, Almería,
contaminando uma ampla área com radioatividad e.
1966

Movimento de oposição à proposta de criar um banco de dados nacional nos Estados


Unid os, por parte de profissionais da informática, baseados em motivos éticos e
políticos.
O petroleiro Torry Canyon sofre um acidente e espalha uma grande quantidade de
1967

petróleo nas praias do sul da Inglaterra. A contaminação por petróleo converte-se,


d esd e então, em algo comum em tod o o mund o.
O Papa Paulo VI torna pública a rejeição contra o controle artificial da natalidade em
Humanae vitae.
Graves revoltas nos Estados Unidos contra a guerra do Vietnã (que, no caso da
1968

participação norte-americana, incluiu sofisticados métodos bélicos como o uso do


nap alm ).
Em maio d e 1968 na Europa e nos Estados Unidos acontecem protestos generalizados
contra o sistema.

124
4.3 Os estudos CTS

A reação anterior, qu e reflete a “sínd rom e d e Frankestein” na esfera d as


atitu d es pú blicas, é algo qu e não se esgota no âm bito social e político.
Originários d os finais d os anos 1960 e princípios d os anos 1970, os estu d os CTS,
ou estud os sociais d a ciência e d a tecnologia, refletem no âmbito acad êmico e
ed ucativo essa nova percepção d a ciência e d a tecnologia e d e suas relações com
a socieda de.

A “Sínd rome d e Frankstein” faz referência ao temor d e que as mesmas forças


utilizad as para controlar a natureza se voltem contra nós d estruind o o ser
humano. A bela novela d e Mary Shelley, publicad a em 1818, sintetiza
estupend amente esse temor. “Tu és meu criad or, mas eu sou o teu senhor”,
d isse o monstro a Victor Frankstein ao final d a obra. Trata-se d a mesma
inquietação expressa décadas depois por H. G. Wells em A ilha do Doutor
Moreau, o cientista que tratava d e criar uma raça híbrid a d e homens e animais
em u m a ilha rem ota e qu e consid erava estar trabalhand o a serviço d a ciência
e d a humanid ad e. Seus inventos acabam voltand o-se contra ele e d estruind o-
o. N ão é, no entanto, um tema novo na literatura. A lend a d o Golem, a
criatura d e barro a serviço d o rabino Loew na cid ad e d e Praga nos finais do
século 16 é outra variação sobre o m esm o tem a. As origens d a cultura escrita
atestam esse temor. O mito d e Prometeu, na Grécia clássica, constitui um
exemplo: Prometeu rouba o fogo d os d euses mas não é suficientemente
divino para fazer bom uso dele. Também está presente no nascimento da
civilização jud aico-cristã através do mito do pecado original: provar o fruto
d a árvore d a sabed oria faz recair o castigo d e Deus sobre Ad ão e Eva. H oje
em d ia, novelas e filmes, como Parque dos Dinossauros contribui para manter
vivo este temor das forças desencadeadas pelo poder do conhecimento.

Os estu d os CTS d efinem hoje u m cam po d e trabalho recente e


heterogêneo, aind a que bem consolid ad o, d e caráter crítico a respeito d a
trad icional im agem essencialista d a ciência e d a tecnologia, e d e caráter
interd isciplinar por concorrer em d isciplinas com o a filosofia e a história d a
ciência e d a tecnologia, a sociologia d o conhecim ento científico, a teoria d a
ed ucação e a econom ia d a m ud ança técnica. Os estud os CTS buscam
compreend er a d imensão social d a ciência e d a tecnologia, tanto d esd e o ponto
d e vista d os seus anteced entes sociais com o d e suas conseqüências sociais e
ambientais, ou seja, tanto no que d iz respeito aos fatores d e natureza social,
política ou econômica qu e m od u lam a m u d ança científico-tecnológica, com o
pelo qu e concerne às repercu ssões éticas, am bientais ou cu ltu rais d essa
mud ança.
O aspecto mais inovad or d este novo enfoque se encontra na

125
caracterização social d os fatores resp onsáveis p ela m u d ança científica. Prop õe-
se em geral entend er a ciência -tecnologia não com o um processo ou ativid ad e
autônoma que segue uma lógica interna d e d esenvolvimento em seu
funcionamento ótimo (resultante d a aplicação d e um métod o cognitivo e um
cód igo d e cond uta), mas sim com o u m processo ou prod u to inerentem ente
social ond e os elem entos não-epistêm icos ou técnicos (por exem plo: valores
m orais, convicções religiosas, interesses profissionais, pressões econôm icas etc.)
d esem penham um papel d ecisivo na gênese e na consolid ação d as id éias
científicas e d os artefatos tecnológicos.

Aquiles e a Tartaruga

Há um precioso fragmento de Lewis Carrol, autor de Alice no país das


maravilhas, que pode ser citado como exemplo de que as regras que
utilizam os para representar e estruturar a realid ad e mediante a ciência são
regras que, em última instância, d epend em d e convenções humanas. Trata-se
de uma conversação fictícia entre Aquiles e a Tartaruga acerca da suposta
compulsivid ad e d as leis d a lógica. Veremos aqui a versão d e S. Woolgar
(1988, p p . 68-69, escritas pelo autor) (a versão original mais extensa de Carroll
pod e ser encontrada em 1887/1972, pp. 153 ss.):
“Aquiles e a tartaruga d iscutem sobre três proposições – A, B e Z –
relacionadas entre si de forma tal que, segundo Aquiles, Z “se segue
logicamente” d e A e B. A tartaruga está d e acord o em aceitar que A e B são
proposições verd ad eiras mas d eseja saber o que pod eria ind uzi-la a aceitar Z,
pois não aceita a proposição hipotética C que diz: “Se A e B são verdadeiras,
então Z d eve ser verdade”. Aquiles começa então por pedir à tartaruga que
aceite C, o que esta faz. Então Aquiles diz à tartaruga: “Se aceitas A, B e C
d eves aceitar Z”. Quand o a tartaruga lhe pergunta por que d eve fazê-lo,
Aquiles lhe d iz: “Porque é o seguimento lógico d elas. Se A, B e C são
verd ad eiras, Z d eve ser verd ad e. Suponho que não d iscutirás isto, verd ad e?”
A tartaruga decide aceitar esta última proposição e chamá-la D.
– Agora que aceitas A, B, C e D aceitarás, logicamente, Z.
– Ah sim? – disse-lhe inocentemente a tartaruga –.Esclareçamos isto. Eu aceito
A, B, C e D. Suponhamos porém que ainda resisto em aceitar Z.
– Então a lógica lançará a mão em tua garganta e te obrigará a fazê-lo –
respond eu Aquiles triunfalmente. A lógica te diria: “Não tens nada que fazer.
Uma vez que aceitasses A, B, C e D deves aceitar Z”. Está vendo, não há outro
reméd io senão fazê-lo.
– Vale a pena anotar tud o o que a lógica pod e d izer-m e – d isse a tartaruga.
Assim, pois, anota em teu livro. Chamaremos E (Se A, B, C e D são
verdadeiras, Z d eve sê-lo). Evid entemente, enquanto não tenha aceitado isso
não pod erei aceitar Z. Portanto é um passo bastante necessário, você não
acha?
– Sim – disse Aquiles –, e havia um toque de tristeza em sua voz.

126
Os estud os e program as CTS vêm se d esenvolven do desde o seu início
em três grand es d ireções:
• no campo d a pesquisa, os estud os CTS têm sid o colocad os como
um a alternativa à reflexão acad êm ica trad icional sobre a ciência e a
tecnologia, promovend o uma nova visão não essencialista e
socialm ente contextualizad a d a ativid ad e científica;
• no cam po d a política pú blica, os estu d os CTS têm d efend id o a
regu lação social d a ciência e d a tecnologia, prom ovend o a criação
d e d iversos m ecanism os d em ocráticos qu e facilitem a abertu ra d e
processos d e tomad a d e d ecisão em qu estões concernentes a
p olíticas científico-tecnológicas;
• no campo d a ed ucação, esta nova imagem d a ciência e d a tecnologia
na socied ad e tem cristalizad o a aparição d e program as e m ateriais
CTS no ensino secund ário e universitário em numerosos países.

A conexão entre âm bitos tão d istintos assim , com o a


com plem entarid ad e d os d iferentes enfoqu es e trad ições CTS, pod em ser
m ostrad os através d o cham ad o “silogism o CTS”:

• o d esenvolvim ento científico-tecnológico é u m p rocesso social


conform ad o p or fatores cu ltu rais, políticos e econômicos, além d e
epistêmicos;
• a m u d ança científico-tecnológica é um fator d eterm inante principal
que contribui para mod elar nossas formas d e vid a e d e
ord enam ento institu cional; constitu i u m assu nto pú blico d e
primeira magnitude;
• compartilham os u m com p rom isso d em ocrático básico;
• portanto, d everíam os prom over a avaliação e controle social d o
d esenvolvim ento científico-tecnológico, o qu e significa constru ir as
bases ed u cativas para u m a participação social form ad a, assim com o
criar os m ecanism os institu cionais p ara tornar p ossível tal
participação.

Enquanto a primeira premissa resume os resultad os d a pesquisa


acad êmica na trad ição CTS d e origem européia, centrad o nos estud os d os
anteced entes sociais d a m ud ança em ciência -tecnologia, a segu nd a recolhe os
resu ltad os d e ou tra trad ição m ais ativista, com origem nos EUA, centrad a m ais
nas conseqü ências sociais e am bientais d a m u d ança científico-tecnológica e nos
problem as éticos e regu lad ores su scitad os por tais conseqü ências. A natu reza
valorat iva d a terceira prem issa ju stifica o “d everíam os” d a conclu são (González

127
Garcia, López Cerezo e Luján, 1996).

Diferença entre as duas tradições CTS


Tradição européia Tradição americana
Institucionalização acad êmica na Europa (em Institucionalização ad ministrativa e
suas origens) acadêmica nos EUA (em suas origens)
Ênfase nos fatores sociais antecedentes Ênfase nas conseqüências sociais
Atenção à ciência e, secundariamente, à Atenção à tecnologia e, secundariamente, à
tecnologia ciência
Caráter teórico e descritivo Caráter prático e valorativo
Marco explicativo: ciências sociais (sociologia, Marco avaliativo: ética, teoria da educação.
psicologia, antropologia etc.)

Leituras complementares

ALON SO, A.; AYESTARÁN , I., y URSÚA, N . (ed s.) (1996): Para comprender
ciencia, tecnología y sociedad. Estella, EVD.
MEDIN A, M., y SAN MARTÍN , J. (ed s.) (1990): Ciencia, tecnología y sociedad:
estudios interdisciplinares en la universidad, en la educación y en la gestión pública.
Barcelona, Anthr opos.
N UÑ ÉZ JOVER, J., y LÓPEZ CEREZO, J. A.“Ciencia, tecnología y socied ad en
Cuba”. <h ttp ://cam p u s-oei.org/cts/cu ba/htm >.
GON ZÁLEZ GARCÍA, M. I., LÓPEZ CEREZO, J. A., y LUJÁN , J. L. (ed s.)
(1997): Ciencia, tecnología y sociedad: lecturas seleccionadas. Barcelona, Ariel.
RODRÍGUEZ ALCÁZAR F. J., y otros (1997): Ciencia, tecnología y sociedad.
Granad a: Eirene.

Bibliografias CTS

LÓPEZ CEREZO, J. A.: “Bibliografía básica sobre CTS”, <http ://w w w .cam p u s-
oei.org/cts/bibliografía.htm >.
GON ZÁLEZ GARCÍA, M. I.: “Bibliografía sobre género y ciencia”.
<http ://w w w .cam p u s-oei.org/cts/genero.htm >.
SAN TAN DER GAN A, M.: Ciencia, tecnología, “N aturaleza y socied ad . Base d e
d atos bibliográfica”. <http://w w w .cam pus-oei.org/cts/santand er.htm >.
EN LACES EN IN TERN ET CTS: Organism os p ú blicos d e Ciencia y Tecnología;
Foros; Programas y Red es Internacionales; Asociaciones. Búsq uese a partir d el
enlace: <http://w w w .oei.es/ctsenla.htm >.

128
4.3.1 A tradição européia dos estudos CTS

A chamad a trad ição d e origem européia d os estud os CTS é uma forma


d e entend er a “contextualização social” d os estu d os d a ciência: analisar o m od o
com o a d iversid ad e d e fatores sociais influ i na m u d ança científico-tecnológica
(González Garcia, López Cerezo e Luján, 1996). São várias as escolas ou
program as qu e pod em colocar -se d entro d esta trad ição. Os m ais conhecid os
são: o Program a Forte, o Program a Em pírico d o Relativism o EPOR, o SCOT ou
constru ção social d a tecnologia, assim com o novas extensões d o p rogram a forte
como os estud os d e laboratório, a teoria d a red e d e atores e os estud os d e
reflexivid ad e. Vejam os brevem ente alguns d eles.

4.3.1.1 O Programa Forte

Ver o item 1.3.2

4.3.1.2 O Programa Empírico do Relativismo

Ver o item 1.3.2

4.3.1.3 A construção social da tecnologia

A partir d a sociologia d o conhecimento foram d esenvolvid os d iferentes


enfoq ues para analisar a tecnologia, como por exemplo o SCOT (Social
Construction of Technology: construção social d a tecnologia), d erivad o d o
programa EPOR (Programa Empírico d o Relativismo). O EPOR é um programa
elaborad o pela sociologia d o conhecimento cient ífico, que trata d e estabelecer a
estrutura fina d o conhecimento científico sob uma ótica social.
O SCOT parte d a premissa d e que o d esenvolvimento tecnológico pod e
ser ad equad am ente d escrito com o um processo d e variação e seleção (ver o
item 1.3.2).

O SCOT é u m program a d e pesqu isa inspirad o claram ente em u m a


epistem ologia evolu cionista. Se esta ú ltim a trata d e explicar a
configuração d e nossas categorias intelectivas sob o referencial d a
teoria d a evolução (mutação + seleção), o SCOT trata d e explicar a
sobrevivência e evolução d as configurações tecnológicas (Sanm artin e
Orti, 1992, p.60).

129
Consid era-se que a configuração d a tecnologia que tem tid o êxito não é
a ú nica p ossível e, p ortanto, esse êxito é o explanundum, não o explanans. O
SCOT elabora m od elos m u ltid irecionais nos qu ais trata d e exp licar p orqu e
u m as variantes sobrevivem e ou tras perecem . Para realizar isto avaliam -se os
problem as que cad a variante soluciona e, posteriorm ente, d eterm ina-se para
que grupos sociais se estabelecem estes problem as. O processo de seleção de
variantes aparece assim com o um processo claram ente social, superand o a
concep ção linear d e p rogresso científico-tecnológico. Isto é, este enfoque
investiga como se constroem os artefatos tecnológicos por meio d e processos
sociais. Um artefato técnico, por exem plo a bicicleta, não se “inventa” sem qu e
se d esenvolva através d e u m p rocesso social no qu al gru p os sociais d e u su ários
influenciam o posterior d esenvolvim ento d os protótipos. Cad a artefato
estabelece certos problem as a seus usuários, e a solução a esses problem as cria
u m novo artefato m ais ad aptad o às su as necessid ad es. Um d os principais
m éritos d o enfoqu e SCOT é su a crítica ao d eterm inism o tecnológico im plícito
na concepção trad icional d o d esenvolvim ento tecnológico.

Um exem plo d a aplicação com êxito d o EPOR se d eve a Wiebe Bijker e


Trevor Pinch, em seu estu d o sociológico d o d esenvolvim ento d a
bicicleta – em Bijker et alii (1987), atualizad o por Bijker em 1995. Este
sim ples artefato exem plifica a natu reza social d a m u d ança tecnológica,
uma mud ança ond e a eficácia e o êxito não estão d efinid os d e antemão
e sim que são resultad os d e processos d e interação social. O senso
com um , profund am ente influenciad o pela concepção trad icional d a
tecnologia, nos d iz que a história d a bicicleta é uma história linear d e
melhoria contínua d esd e as clássicas bicicletas d o século 19, com uma
exagerad a rod a d ianteira, sem câmara d e ar e com tração d ianteira
d ireta, até as versões rud imentares d a bicicleta atual, com rod as iguais,
câmara de ar e tra ção traseira através d e corrente. Isto é, trata-se d e
um a história linear d e m elhoria acum ulativa aind a que conte com
algu ns d esenhos alternativos qu e resu ltaram em fracasso. Ap esar
desses becos sem saída – nos d iz a visão clássica –, os p rotagonistas
desta história consegu iram d iscernir com clareza as m elhorias no
projeto e construção. Para isso se lim itavam a aplicar o critério d e
eficácia técnica, eficácia em satisfazer a d em and a social d e transporte
sim ples, econôm ico e seguro.

No entanto, como exemplificam Bijke e Pinch, (Bijker et alii 1987), essa


história é uma ficção, uma reconstrução retrospectiva: d iante d e um
projeto bem suced id o que se consolid a após um processo d e
negociação social, reescreve-se o ocorrid o com o evolu ção necessária,
encerrand o a história real nu m a caixa p reta. Seja u m p rojeto m ais
eficaz, u m a au têntica necessid ad e social ou u m a boa bicicleta, nad a

130
d isso era, em princípio, algo d ad o: eram, precisamente, ao contrário,
algum as d as coisas que se ventilavam nesse processo d e negociação
social, um processo que tem lugar no último quarto d o século 19 e que
implica uma série d e grupos sociais que tratam d e fazer valer sua
própria visão d o problem a. Entre esses grupos encontram os alguns
nitid amente d efinid os, como os engenheiros e fabricant es d e bicicletas,
e outros mais d ifusos, como os ciclistas, os anticiclistas ou as mulheres.
O im p ortante é qu e cad a gru po representa u m a particu lar versão d o
que seja uma boa bicicleta, em função d e seus interesses e d e suas
necessid ad es. A bicicleta atua l não é nad a m ais qu e o resu ltad o
contingente d este processo d e negociação social entre esses atores ou
grupos sociais.

Por exem p lo, u m elem ento técnico tão sim p les com o u m a câm ara d e ar
não constituía claram ente uma melhoria para tod os os atores
envolvid os. Para as mulheres era uma melhoria, pois implicava uma
d iminuição d as vibrações. Obviamente o era também para Dunlop e
outros fabricantes d e câmaras. N o entanto, não era melhoria para os
ciclistas, p ois além d e não reconhecer em absolu to a vibração com o
problema, consid eravam em princípio mais rápid os os pneus sólid os
(m ais tard e m u d aram d e op inião com a introd u ção d e bicicletas com
câm aras nas com petições). De nenhu m m od o era u m a boa inovação
para os engenheiros, qu e consid eravam a câm ara com o u m a
m onstruosid ad e, um a inovação problem ática que pod ia ser substituíd a
p or inovações m ais sim p les e ap rop riad as. Com o está claro, cad a gru p o
atribuía um significad o d iferente à câmara, entend ia d e um mod o
d istinto a p alavra “eficácia” ou “boa bicicleta”. Ou tro tanto p od eríam os
d izer d as rod as assim étricas, d o tam anho relativo d a rod a d ianteira, d o
sistema d e frenagem, d a localização e d esenho d o selim, d o sistema d e
tração etc.

Deste m od o, o d esenvolvim ento tecnológico, nesta concepção, não é u m


processo linear d e acum ulação d e m elhorias, e sim um processo m ultid irecional
e qu ase-evolu tivo d e variação e seleção (qu ase-evolu tivo porqu e, ao contrário
d a evolução biológica, a prod ução d e variação não é cega). Os problemas
técnicos não constituem fatos sólid os como ped ra s, mas ad mitem certa
flexibilid ad e interpretativa. N u m d eterm inad o contexto histórico e cu ltu ral,
d istintos atores sociais com d iferentes interesses e valores verão um problem a
d e form as alternativas, propond o d istintas solu ções basead as nesses interesses e
valores. N a seqü ência, os atores, com o em qu alqu er processo d e negociação
política, sacarão suas melhores armas no exercício d a persuasão e d o pod er,
tentand o aliar os com p etid ores com seu s p róp rios interesses e, d esse m od o,
fechar a flexibilid ad e interpretativa d o problem a original (são os cham ad os

131
“m ecanism os d e fecham ento”). Com o resu ltad o d a interação entre d istintos
atores se prod uzirá o fechamento e seleção final d e um d eterminad o projeto. O
passo seguinte na mod ificação temporal d este projeto reprod uzirá um novo
ciclo em tal esquema d e variação e seleção. O êxito, concluind o, não explica
porque temos a tecnologia que temos, posto que existem d istintas formas d e
entend er o êxito e, portanto, d evemos falar d e pod er e d e negociação na hora d e
explicar que tecnologia vam os d esenvolver e que problem as tratam os d e
resolver m ed iante a m esm a.
O enfoqu e constru tivista, tal com o foi elaborad o por Pinch e Bijker
(1984), prod uz a seguinte m etod ologia. O objetivo é analisar a variabilid ad e d a
interpretação nos d a d os no caso d a ciência, ou a variabilid ad e na interpretação
d os projetos tecnológicos no caso d a tecnologia. Para isso se estud am as
controvérsias científicas ou tecnológicas analisand o as d iferentes opções d os
grupos sociais relevantes. N a seqüência, são analisad os os m ecanism os p elos
quais se red uz a variabilid ad e interpretativa, d e form a que se chega a um a
interpretação d e que o fechamento é possível.

4.3.2 A tradição norte-americana de estudos CTS

Outra forma d e entend er a “contextualização social” do estudo da


ciência é a cham ad a trad ição d e origem norte-am ericana nos estud os CTS
(González Garcia, López Cerezo e Luján, 1996). Esta é um a trad ição m ais
centrad a nos estud os d as conseqüências sociais e ambientais d a ciência e d a
tecnologia. É u m a trad ição ond e, frente ao u so d as ciências sociais com o
referencial explicativo d a trad ição d e origem européia (Programa Forte, EPOR,
SCOT…), se recorre à reflexão ética, à análise p olítica e, em geral, a u m
referencial com preensivo d e caráter hu m anístico. Revisem os brevem ente algu ns
d os principais âm bitos d e trabalho d esenvolvid os nesta trad ição: a participação
cid ad ã nas políticas públicas sobre ciência e tecn ologia.

4.3.2.1 A regulação social da Ciência

Au tores com o Dorothy N elkin, Langd on Winner, K. Shrad er-Frechette,


D. Collingrid ge ou S. Carpenter são a origem d e d iversas elaborações teóricas e
d e propostas práticas, em alguns casos ensaiad as institucionalm ente, para
aprofu nd ar d em ocraticam ente a regu lação social d as m u d anças científico-
tecnológicas. É a resposta lógica a u m a crescente sensibilização e ativism o social
sobre os problem as relacionad os com políticas d e inovação tecnológica e
intervenção am biental, p roblem as qu e, com o foi com entad o anteriorm ente,
ocupam já há algumas d écad as um lugar d estacad o nos m eios d e com unicação,

132
na opinião pú blica e nas agend as políticas. N ão é, portanto, u m a su rpresa qu e a
participação pública nessas políticas sejam percebid as hoje em d ia não só por
autores CTS, mas também por numerosos governos e por muitos cid ad ãos,
com o um importante assunto para a socied ad e d emocrática. A reunião d e
Bud apeste d e 1999 é um testemunho d esta inquietação.
Diferentes au tores, afortu nad am ente cad a vez m enos, argu m entam qu e
é m elhor d eixar com os esp ecialistas as d ecisões com relação à gestão d o risco
gerad o pela aplicação d o conhecimento científico e pela utilização d os artefatos
tecnológicos. Esta afirm ação reflete a id éia -chave d o argu m ento tecnocrático: o
público nunca há de envolver -se em tud o que tenha a ver com a ciência e a
tecnologia; a ciência é u m a institu ição au tônom a e objetiva. Dad a a
com plexid ad e d as questões e as rápid as m ud anças na d efinição d os problem as
e su as soluções, o público perd e tem po quand o trata d e form ar parte d a solução
d os problem as técnicos. As elites, argum entam os tecnocratas, tom arão as
d ecisões m ais racionais e ad equ ad as. N o entanto, frente a este argu m ento
tecnocrático, há u m bom nú m ero d e pod erosas razões para d efend er a
participação d o público na gestão d as mud anças científico-tecnológicas. Assim ,
p or exem p lo, Carl Mitcham (1997) d estaca a existência d e oito argumentos:

• O primeiro provém d o realismo tecno -social, qu e afirm a qu e os


especialistas sim plesm ente não pod em escapar d a influência
pública. H averá uma influência, seja d os governos, seja d e outros
gru pos d e interesse, mas a influência é inevitável. As d ecisões
tecnocientíficas nunca são neutras.

• Um segu nd o argu m ento vem d a d em and a d o pú blico, com o


mostram as sínd romes not-in-my-back-yard (N IMBY: nad a pelas
costas) e build-absolutely-nothing-any-where (BANA: nada -em -
nenhum -lugar), d e que sem a participação e aprovação d o público
nad a se realizará.

• O terceiro vem d a psicologia. N ão é infreqüente que os especialistas


tend am a p rom over seu s interesses às cu stas d os interesses d o
público em geral.

• Um quarto a rgumento provém d as conseqüências d a mud ança


científico-tecnológica d efend end o qu e aqu eles qu e se vêem
d iretam ente afetad os pelas d ecisões técnicas pod eriam e d everiam
ter algo a d izer sobre o que lhes afeta.

• O quinto proced e d a autonomia moral. Os seres h umanos são


agentes m orais. Com o argu m entou m ais rad icalm ente Kant, as
pessoas vêem su a au tonom ia m oral seriam ente d im inu íd a qu and o

133
as d ecisões que afetam suas vid as são realizad as por outros.

• O sexto é o pragm ático, bastante próxim o d o segu nd o, segu nd o o


qual a participação pública levará a melhores resultad os.

• Um sétimo argumento d eriva d o clássico id eal ilustrad o d a


ed ucação. Somente a participação ed ucará os ind ivíd uos e os fará
m ais sabed ores acerca d e seu próprio apoio político e econômico,
bem com o sobre a com plexid ad e d os riscos e benefícios d a
tecnologia.

• Finalmente, o oitavo emana d as realid ad es d a cultura pós-m od erna.


A característica pred om inante na ética d a cu ltu ra pós-m od erna é a
perd a d e tod o o consenso moral forte. Tolerância, d iversid ad e,
relativism o, m inim alism o ético, são as m arcas d as tecnocu ltu ras
avançad as. O melhor em tal situação é o consenso d emocrático
participativo. De outro m od o, a tecnociência criará seus próprios
incentivos e sua própria autorid ad e que romperá essa d iversid ad e.

A enumeração d e um conjunto d e argumentos, mais ou menos


conectad os, pod e parecer um mero exercício acad êmico e teórico. N o entanto,
proporciona uma série d e instrumentos para enfrentarmos os d iversos d esafios
com respeito ao id eal d a participação pública na tom ad a d e d ecisões científico-
tecnológicas. Por exem plo, tão prontam ente com o os cientistas reivind icam a
objetivid ad e científica para evitar a entrad a d o pú blico na gestão tecnológica,
p od e-se fazer uso d o prim eiro argum ento, o d o realism o tecno-social.
Esta série d e argum entos pod e red uzir-se a três fu nd am entos exp ostos
por Daniel Fiorino (Fiorino, 1990):

• argumento instrumental,
• argu m ento norm ativo, e
• argumento substantivo.

O instru m ental d efend e qu e a p articip ação é a m elhor garantia p ara


evitar a resistência social e a d esconfiança nas instituições. A participação
pública na gestão d as d ecisões sobre o risco faz com que estas sejam mais
legítim as e levem a m elhores resultad os. Segund o o argum ento norm ativo, a
orientação tecnocrática é incom p atível com os id eais d em ocráticos. Os cid ad ãos
são os m elhores ju ízes e d efensores d e seu s próprios interesses. O argu m ento
normativo se baseia no pressuposto d e que um d os pilares d a d emocracia supõe
qu e ser cid ad ão significa ser cap az d e p articip ar nas d ecisões que o afetam ou
qu e afetam a su a própria com u nid ad e. Por ú ltim o, segu nd o o argu m ento

134
substantivo, os juízos d os leigos são tão válid os quanto os d os especialistas. Os
leigos, esp ecialm ente aqu eles qu e p ossu em u m conhecim ento fam iliar d o
entorno em que vivem , objeto d e intervenção, vislumbram problemas, questões
e soluções que os especialistas esquecem , d esconhecem ou d esconsid eram com o
realid ad e local. Estu d os sobre os ju ízos d os leigos com relação aos riscos
tecnológicos revelam um a sensibilid ad e aos valores sociais e políticos que os
m od elos teóricos d os especialistas não reconhecem .
O nú cleo d a qu estão não é im p or lim ites a priori ao d esenvolvim ento d a
ciência e d a tecnologia nem estabelecer algu m a classe d e controle político ou
social d o que fazem os cientistas e engenheiros, m as sim renegociar as relações
entre ciência e socied ad e: estabelecer quem d everia d eterminar objetivos
políticos em ciência e tecnologia e quem d everia supervisionar seu
cu m p rim ento. Os lem as d esta renegociação são bem conhecid os: “particip ação
popu lar”, “ciência para o povo”, “tecnologia na d em ocracia” etc. A trad icional
p restação d e contas a cad a qu atro ou cinco anos p or p arte d e governos e
parlam entos nas socied ad es d em ocráticas tem d em onstrad o ser, d esd e esse
p onto d e vista, u m a form a ind ireta d e controle social d em asiad am ente d ébil
ante u m a transform ação científico-tecnológica cad a vez m ais vertiginosa e qu e
traz problemas cad a vez mais prementes.
Contud o, com o assinala por exem plo Dorothy N elkin (1984), a
id entificação d e atores sociais e a coord enação d e seus interesses na
participação pública é uma tarefa que está longe d e ser simples d evid o à
d isparid ad e d e pontos d e vista, d e graus d e inform ação, d e nível d e consciência
e de poder de cada um.
Com base no reconhecim ento d essa diversid ad e d e segmentos sociais,
com relação a tipos d e cid ad ãos e tam bém d e gru pos sociais, a literatu ra sobre a
p articip ação p ú blica assinala habitu alm ente u m conju nto d e critérios qu e
perm ite avaliar o caráter d em ocrático d e iniciativas d e gestão pública em
p olítica científico-tecnológica (ver, por exem plo, Fiorino, 1980; Laird , 1993):

• Caráter representativo. Deve prod uzir-se u m a am pla participação no


processo d e tomad a d e d ecisões. Em princípio, quanto maior for o
núm ero e d iversid ad e d e ind ivíd uos ou gru p os envolvid os, m ais
d em ocrático pod e consid erar -se o m ecanism o p articip ativo em
questão.
• Caráter igualitário. Deve permitir a participação cid ad ã em pé d e
igu ald ad e com os especialistas e as au torid ad es governam entais.
Isto implica, entre outras coisas, transm issão d e tod a a inform ação,
d isponibilid ad e d e m eios, não intim id ação, igu ald ad e d e trato e
transparência no processo.

135
• Caráter efetivo. Deve trad uzir-se em um influxo real sobre as d ecisões
ad otad as. Para isso é necessário que se prod uza uma d elegação d a
autorid ad e ou um acesso efetivo para aqueles que a d etêm.
• Caráter ativo. Deve permitir ao público participante envolver-se
ativamente na d efinição d os problemas e no d ebate d os seus
principais parâm etros, e não consid erar som ente reativam ente sua
op inião no terreno d as soluções. Trata-se d e fom entar u m a
participação integral ond e não existam portas fechad as d e antemão.

Existem d uas grand es teorias d a d emocracia com relação ao tema d a


p articip ação p ú blica na gestão d a p olítica científico-tecnológica: o plu ralism o e
a teoria d a participação d ireta, qu e são fu nd am entais para d efinir qu em
participará. O pluralismo é uma teoria d a d emocracia basead a nas ações d os
grupos d e interesse organizad os voluntariamente. Os cid ad ãos assumem unir-
se para apoiar estes grupos para fomentar seus interesses, d e mod o que o
governo d emocrático é visto como o funcionamento livre e bem suced id o
d estes grupos através d a interação d e uns com os outros e com o governo. A
participação d ireta, em troca, se fu nd am enta na noção d e qu e governabilid ad e
d emocrática implica a participação d os ind ivíd uos como tais no
estabelecimento d as d iferentes políticas. A comparação d as d iferenças e d as
semelhanças nos proporciona uma visão maior e mais ampla d o que significa
d efend er qu e algu m a forma d e participação é d emocrática.
Ambas teorias compartilham uma série d e pressupostos comuns. Por
exem plo, exigem qu e os cid ad ãos participem na form ação d as políticas d e
maneira que vão mais além d o mero ato d e d epositar um voto em uma urna e
d eixar o resto para a elite d e políticos e o estad o ad ministrativo, para que se d ê
um ad equad o funcionamento à d emocracia. Aind a que a forma d e participação
d ifira, am bas teorias rechaçam aqu ela d efinição d a d em ocracia segu nd o a qu al
esta não é nad a m ais qu e u m p rocesso p ara eleger u m governo no qu al as elites
com petem para conseguir o apoio d as m assas. As d uas teorias requerem que a
participação seja significativa em d ois sentid os: que capacite m elhor os cid ad ãos
para com preend er seu s interesses e com o estes pod em afetar as d ecisões qu e
tenham impacto sobre seus interesses, por um lad o, e que prepare os cid ad ãos
para qu e tenham algu m a classe d e influ ência su bstantiva sobre o resu ltad o d a
política atual, por outro. Porém também há uma série d e d ivergências entre
am bas teorias. Os pluralistas estão com prom etid os com as ações d os grupos,
enquanto que a participação d ireta está com prom etid a com os ind ivíd uos. Para
os pluralistas, os grupos são organizações voluntárias às quais as pessoas se
u nem e apoiam para potenciar seu s interesses. Med iante atu ação coletiva, a
pessoa pod e prom over seu s interesses d e form a m u ito m ais eficaz d o qu e d o
m od o qu e faria com o ind ivíd u o. Pelo fato d e os gru p os serem volu ntários, a
pessoa pod e form ar tantos grupos quanto d eseja, e os ind ivíd uos p od em

136
pertencer a tantos gru pos qu antos qu eiram . As d em ocracias plu ralistas pod em
funcionar d e forma correta somente se os grupos pod em funcionar
corretam ente. Por outro lad o, a participação d ireta insiste na autorid ad e d os
ind ivíd u os. Este requ isito tem sérias implicações sobre o que se entend e por
participação. N ão é suficiente unir-se a um grupo. As pessoas d evem participar
d iretamente como ind ivíd uos. As d uas teorias também d iferem acerca d o que
enfatizam . O pluralism o acentua o resultad o, com o se d istribu em os benefícios
e os riscos na socied ad e. Por su a vez, a participação d ireta acentu a d ois
elem entos: os resultad os e os efeitos ed ucativos e psicológicos sobre os
participantes. Esta d iferença estabelece im portantes d ivergências sobre com o as
pessoas vêem as teorias e os efeitos d a ativid ad e política sobre elas. Os
pluralistas estabelecem a necessid ad e d e certas precond ições sociais para que o
sistem a d em ocrático funcione corretam ente.
Deste mod o, d esd e a teoria d a participação d ireta, os atores que d evem
participar são:

• pessoas d iretam ente afetad as pela inovação tecnológica ou pela


intervenção am biental;
• pú blico envolvid o, ou m elhor, pú blico potencial d ireta m ente
afetado;
• consumid ores d os prod utos d a ciência e d a tecn ologia;
• público interessad o por m otivos políticos e ideológicos;
• comunid ad e científica e engenheiril.

E, d esd e a teoria pluralista:

• grupos de cidadãos;
• organizações não governam entais (ON Gs);
• associações d e cientistas.

N este ponto é interessante ver com o os argu m entos norm ativos qu e


estabelece Fiorino são im portantes, não som ente com o razões válid as qu e
fund am entam a participação d o público com o critérios norm ativos para avaliar
os d iferentes m ecanism os d e participação, m as tam bém com o critérios que nos
permitem definir o público. A este respeito Perhac examina como cad a um d os
argum entos d e Fiorino im plica e leva a um a concepção d iferente d o público. Ao
m esm o tem p o, m antém qu e só no contexto d estas razões esp ecíficas p ara o
envolvim ento d o p ú blico p od e organizar-se e respond er -se significat ivam ente a
questão d e quem é o público. Ou aind a, a questão d e quem é o público não é
um a questão puram ente d escritiva, m as que se insere necessaria mente em pré-
suposições normativas.

137
Revisem os agora, com base nas cond ições anteriores, algu m as d as
principa is opções d e participação pública que têm sid o ensaiad as em d iversos
países, especialm ente Austrália, Estad os Unid os, Países Baixos, Reino Unid o e
Suécia, possivelmente os mais d inâmicos neste sentid o (Mend ez Sanz e López
Cerezo, 1996; García Palacios, 1998).

Em primeiro lugar, no âmbito ad ministrativo, d est acam -se:

• Audiências públicas. São habitu alm ente fóru ns abertos e pou co


estruturad os nos quais, a partir d e um program a previam ente
d eterminad o pelos representantes d a ad ministração, se convid a o
público a escu tar as propostas governam entais e a com entá -las.

• Gestão negociada. Desenvolve-se por parte d e um com itê negociad or


com p osto p or rep resentantes d a ad m inistração e p or gru p os d e
interesses envolvid os, por exem plo a ind ústria, as associações
profissiona is e as organizações ecológicas. Os participantes têm
acesso à inform ação relevante, assim com o à oportu nid ad e d e
persuad ir outros e d e alinhá-los com su a p osição. Os rep resentantes
governam entais se com p rom etem (na m ed id a em qu e estejam
au torizad os) a assu m ir pu blicam ente com o próprio o possível
consen so alcançado.

• Painéis de cidadãos. Esse tipo d e mecanismo está basead o no mod elo


d o ju rad o, aind a qu e ap licad o a tem as científico-tecnológicos e
ambientais. Sob este mote pod em agrupar -se m od elos com caráter
d ecisório ou meramente consultivo. A id éia que os inspira é que
cid ad ãos com uns (escolhid os por sorteio ou por am ostra aleatória)
se reú nem p ara consid erar u m assu nto no qu al são leigos. Ap ós
haver recebid o informações d e peritos e autorid ad es, os cid ad ãos
d iscu tem alternativas e em item recom end ações aos organism os
oficiais. Estes p ainéis, ao contrário d as au d iências p ú blicas,
p erm item u m a bu sca ativa d e evid ência, interrogar esp ecialistas e
uma exploração mais profund a d os problemas abord ad os.

• Pesquisas de opinião. Sobre d iversos assu ntos relacionad os com


inovação tecnológica ou com intervenção am biental. Seu propósito
é proporcionar um testemunho d a percepção pública sobre um
assu nto d eterm inad o, d e m od o qu e possa ser levada em con ta pelo
pod er legislativo ou executivo.

Em segu nd o lu gar, no âm bito ju d icial, qu içá m ais familiar para nós:

• Questionar em juízo. Que se converteu em muitos países ocid entais

138
no principal proced imento que os cid ad ãos têm para restringir e
d irigir a mud ança tecnológica.

E, por últim o, d entro d os países com economia d e mercad o,


encontramos:

• consumo diferencial d e p rod u tos científico-tecnológicos, sejam


frigoríficos, alim entos ou peças d e vestuário, naqueles países cuja
legislação nacional sobre m arcas perm ite exercer esta form a d e
controle social (ver Tod t e Luján, 1997).

Tod os os proced im entos ad m inistrativos e jud iciais, em particular,


apresentam pontos fracos e pontos fortes, d epend end o d o critério d e
participação d em ocrática consid erad a. Em casos práticos parece conveniente
adequar o m ecanism o d e participação às características concretas que
apresentem cad a situação. Por exem plo, ante problem as fortem ente
id eologizad os, não se recom end a u m p roced im ento d e p articip ação qu e
envolva a interação face a face, posto qu e tend e a rad icaliz ar as p ostu ras,
enquanto que ante d ecisões concernentes à localização d e recursos tal form a d e
interação é viável e positiva (Syme e Eaton, 1989).
Deve-se d estacar, com Krimsky (1984), a importância d e que a
participação tenha u m caráter ativo. Um a particip ação reativa id entifica esta
com percepção pública, ou m elhor, com m era opinião pública, entend id as com o
interferência externa qu e é necessário incorp orar à gestão (com a qu al seriam
suficientes m ecanism os d e sond agem ou, em essência, consultivos). Entend er
d este m od o a participação pú blica é criar riscos d e m anipu lação e instabilid ad e,
assim como omitir uma contribuição potencialmente valiosa (a d o
conhecim ento popu lar local e d os atores sociais im plicad os) na resolu ção d e
p roblem as relacionad os com a ino vação tecnológica e a intervenção am biental.
N este sentid o, a com plexid ad e d os problem as abord ad os atualm ente pela
ciência e pela tecnologia, e a presença d e valores e interesses “externos” no
conhecim ento especializad o, fazem d a pluralid ad e d e perspectiva s e da
participação social u m bem valioso tanto d o ponto d e vista político qu anto d o
estritamente prático.
Por ú ltim o, d ois cu id ad os qu e é necessário exp ressar. Em p rim eiro
lu gar, as p ossibilid ad es d e p articip ação com entad as constitu em iniciativas qu e
não pod em ser copiad as sim plesm ente d os países ond e estão send o ensaiad as
com su cesso. As trad ições, os d ireitos e as práticas nacionais – regionais e locais
– introd uzem sem pre algum as peculiarid ad es que precisam ser levad as em
conta. Em segund o lugar, tratam -se d e iniciativas que, além d e med id as
ad m inistrativas ou legislativas, necessitam tam bém d e grand es esforços d e

139
âm bito form ativo na d ireção d e articular um a opinião pública crítica, inform ad a
e responsável. O objetivo é otimizar esses mecanismos d e particip ação, qu er
d izer, que o público possa manifestar sua opinião, que exerça seu d ireito ao
voto ou , sim plesm ente, qu e possa com prar sabend o o qu e faz em fu nção d as
opções d isponíveis. N este objetivo, a ed ucação CTS é uma peça fund amental.

Leituras complementares

ALON SO, A.; AYESTARÁN , I., y URSÚA, N . (ed s.) (1996): Para comprender
ciencia, tecnología y sociedad. Estella, EVD.
GON ZÁLEZ GARCÍA, M.; LÓPEZ CEREZO, J. A., LUJÁN , J. L. (ed s.) (1997):
Ciencia, tecnología y sociedad: lecturas seleccionadas. Barcelona, Ariel.
SAN MARTÍN , J., y otros (ed s.) (1992): Estudios sobre sociedad y tecnología.
Barcelona, Anthropos.
VV.AA.: “Estu d ios sobre tecnología, ecología y filosofía”, <http ://w w w .cam p u s-
oei.org/ct s/tef00.htm >.

4.4 Ciência, tecnologia e reflexão ética

Um a reflexão final pod e exem plificar a im portância d e com binar tem as


e enfoques d as d iferentes trad ições d e trabalho nos estud os CTS, assim com o a
im p ortância qu e neste referencial rep resentam a análise ética e o com p rom isso
moral. Trata -se d e uma provocad ora reflexão sobre o atual d ivórcio ciência -
socied ad e, elaborad a basicam ente a partir d e Freem an Dyson (1997) e López
Cerezo (1998).
God frey H ard y, o grand e m atem ático inglês d a prim eira m etad e d o
século 20, escrevia sobre a ciência d e sua ép oca no com eço d a Segu nd a Gu erra
Mundial:

Uma ciência é considerada útil se seu desenvolvimento tende a acentuar as


desigualdades existentes na distribuição da riqueza, ou ainda, de um modo
mais direto, fomenta a destruição da vida humana (H ard y, 1940, p. 118).

H ard y proferia estas d uras palavras em seu livro Autojustificação de um


matemático, ond e p or certo se vangloriava d e qu e su a vid a estava d ed icad a à
criação d e um a arte abstrata totalm ente inútil, a m atem ática p u ra, sem

140
nenhum a aplicação prática. É certo que H ard y escreveu essas palavras no m eio
d e u m a gu erra, u m a gu erra ond e se d esenvolviam inovações com o o rad ar ou
os com pu tad ores eletrônicos. N o entanto, se nos d etiverm os a refletir sobre a
ciência e a tecnologia d a segund a metad e d o século 20, suas palavras, como
assinala Freem an Dyson (um cientista pioneiro na aplicação d a energia nuclear
em m ed icina), têm p or d esgraça u m a m aior atu alid ad e d o qu e aqu ela qu e
provavelm ente gostaríam os d e conhecer (Dyson, 1997).
A ciência e a tecnologia atuais seguram ente não atuam precisam ente
como agentes nivelad ores, d o mesmo mod o que outras inovações d o passad o
com o o rád io ou os antibióticos, e sim tend em a fazer os ricos cad a vez m ais
ricos e os pobres cad a vez m ais pobres, acentuand o a d esigual d istribuição d a
riqu eza entre as classes sociais e entre nações. Som ente u m a p equ ena p arte d a
humanid ad e pod e se permitir ao luxo d e um telefone celular ou d e um
computad or conectad o à internet. Isso, quand o essa ciência e essa tecnologia
não destroem de um modo mais direto a vida humana ou a natureza, como
ocorre com tantos exem plos fam iliares. As tecnologias arm am entistas
continu am send o tão rentáveis com o nos tem p os d a Gu erra Fria. A ciência e a
tecnologia atuais são, sem d úvid a, muito eficazes. O problema é se seus
objetivos são socialmente valiosos.
O qu e ocorre com a ciência e a tecnologia atu ais? O qu e aconteceu nos
últim os 40 anos? N esse tem po, assinala Dyson (1997), os m aiores esforços em
p esqu isa básica se concentraram em cam pos m u ito esotéricos, com pletam ente
d istantes d os problem as sociais cotid ianos. Ciências com o a física d e partículas
e a astronomia extragaláctica perd eram d e vista as necessid ad es sociais e se
converteram em ativid ad es esotéricas que só prod uzem bem -estar social aos
próprios cientistas. Trata-se, entretanto, d e linhas d e investigação qu e, pela
infra-estru tu ra m aterial ou p elas grand es equ ip es hu m anas requ erid as,
consomem uma enormid ad e d e recursos públicos.
Por sua vez, a ciência aplicad a e a tecnologia atu al estão em geral
d emasiad amente vinculad as ao benefício imed iato, a serviço d os ricos e d os
governos pod erosos, para d izer d e u m a form a bem clara. Som ente u m a
pequena porção d a humanid ad e pod e usufruir d e seus serviços e inovações.
Pod emos nos perguntar d e que m od o coisas com o aviões supersônicos,
cibernética, televisão d e alta d efinição, ou fertilização in vitro, vão ajud ar a
resolver os grand es problem as sociais qu e a hu m anid ad e tem estabelecid o:
com id a fácil d e p rod u zir, casas baratas, atend im ento m éd ico e ed u cação
acessível.
N ão se pod e esqu ecer, para com pletar este som brio panoram a, qu e
cam p os científico-tecnológicos tão problem áticos com o a energia nu clear ou a
biotecnologia, d enunciad os não só por sua aplicação m ilitar m as tam bém por
sua periculosid ad e social e am biental, am eaçam não só não resolver os grand es
problemas sociais, como também criar mais e novos problemas.

141
O problem a d e base, com o assinala Freem an Dyson (1997), é qu e as
comissões ond e se tomam as d ecisões d e política científica ou tecnológica são
constituíd as som ente por cientistas ou hom ens d e negócios. Uns apóiam os
cam p os d e m od a, cad a vez m ais d istantes d o qu e pod em os ver, tocar ou com er;
ou tros, com o era d e se esp erar, ap óiam a rentabilid ad e econôm ica. Em tem p o,
mobilizam-se os recu rsos d a d ivu lgação trad icional d a ciência em periód icos,
m useus e escolas, para d ifund ir um a im agem essencialista e benem érita d a
ciência, uma ciência que somente funcionará otimamente se se mantiver seu
financiamento e autonomia frente à socied ad e.
A qu estão não consiste, p ortanto, em entrar nos laboratórios e d izer aos
cientistas o que eles têm d e fazer, e sim em vê-los e assu m i-los tal com o são,
como seres humanos com razões e interesses, para abrir então para a socied ad e
as salas e laboratórios on d e se d iscutem e d ecid em os problem as e priorid ad es
de pesquisa e ond e se estabelece a localização d e recu rsos. O d esafio d e nosso
tem po é abrir esses locais herm éticos, essas com issões à com preensão e à
participação pública. Abrir, em suma, a ciência à luz pública e à ética.
Este é o novo contrato social que se reclama em fóruns como o d o
Congresso d e Bud apeste, o objeto d a renegociação d as relações entre ciência e
socied ad e: ajustar a ciência e a tecnologia aos pad rões éticos que já governam
ou tras atividad es sociais, isto é, d emocratizá-las, para estar então em cond ições
d e influ ir em su as p riorid ad es e objetivos, reorientand o-os p ara as au tênticas
necessid ad es sociais, ou melhor, aquelas necessid ad es que emanem d e um
d ebate público sobre o tema.

Para apreciar ad equad amente o papel d a ciência no mund o atual, é


importante ter -se consciência da importância que possui hoje a transparência
pública d os resultad os científicos. A ciência contemporânea, particularmente
a Big Science, é uma atividade que requer um grande volume de recursos
financeiros. Os grand es equipamentos d a pesquisa científico-tecnológica atual
necessitam importantes recursos humanos e materiais, quer d izer, meios
econômicos. Os anúncios publicitários d a ciência, suas promessas por vezes
d esmesuradas nos meios de comunicação, são estratégias de mobilização
social destinadas a consolidar linhas de pesquisa ou grupos de pesquisadores.
A ciência, a esse respeito, não é muito d iferente d a política ou d o futebol: seu
êxito na captação d e recursos passa com freqüência, hoje, pelos meios d e
com unicação. Porém isso não é tud o. Em um m und o d e com petição
internacional e de livre mercado, onde a inovação tecno-científica tem um
valor econômico d ecisivo, a vitrine d a ciência pod e revalorizar ações d e
com p anhias multinacionais ou inclusive estimular setores produtivos
completos. Contud o, fazer d a ciência uma vantagem empresarial competitiva
e um elemento d e mobilização social não é d esvirtuar a ciência, aind a que a
d istancie d o id eal d e empresa benemérita d esinteressad a d o século d ezenove.
São produzidas armas e elaboradas vacinas que, por sua vez, dão lugar a
prestígio e benefícios. Sem d úvid a, essa tend ência atual d e inchar

142
artificialmente as notícias relacionad as com a ciência e a tecnologia pod e
gerar u m a certa desconfiança e receio junto à opinião pública. Quando se
anuncia com grand e estard alhaço a d escoberta d a fusão a frio, com a
conseqüente chuva d e milhões para os protagonistas e instituições nas quais
trabalham, para d esmoronar pouco d epois entre acusações d e fraud e e auto-
engano; quando o presidente dos EUA (W. Clinton) anuncia a descoberta de
vida extraterrestre em um meteorito supostamente de origem marciana, em
um momento d elicad o para o financiamento d a N ASA, red uzind o a
importância pouco d epois entre provas circunstanciais e evid ência ind ireta;
quand o a cad a d ia aparece um novo gene responsável por quase qualquer
coisa, consolid and o um grupo d e trabalho ou as ações d e uma companhia
farmacêutica, e se arma uma pequena agitação pública da qual pouco mais
tard e não se volta a ter notícia; quand o suced em estas coisas o público
inteligente com eça a alterar o juízo e pod e chegar a ver a ciência com
d esconfiança.

Para isso necessitam os fom entar tam bém um a revisão epistem ológica
da natureza da ciência e da tecnologia: abrir a caixa -preta d a ciência ao
conhecim ento pú blico, d esm itificand o su a trad icional im agem essencialista e
filantrópica, e questionand o tam bém o cham ad o “m ito d a m áquina” (nas
palavras d e Lew is Mu m ford ), ou m elhor, a interessad a crença d e q ue a
tecnologia é inevitável e benfeitora em última instância. Pois, como coloca
Dyson (1997, p. 48), fazend o eco d e H ald ane e Einstein, o progresso ético (e
tam bém ep istem ológico, d evem os acrescentar) é, em ú ltim a instância, a ú nica
solução para os problem as causad os pelo progresso científico e tecnológ ico.
A conferência d e Bud apeste pod e ser consid erad a um êxito, pois, aind a
que sem com prom issos concretos d e caráter legal ou econôm ico, conseguiu
p rod u zir u m consenso m u nd ial sobre o texto d a Declaração e sobre o perfil que
d everia ad otar este novo contrato social p ara a ciência; u m consenso ond e as
questões éticas e a participação pública ad quirem um lugar proeminente. Os
estud os CTS pod em constituir um a valiosa ferram enta para este fim e para
manter na ag end a d os governos a tem ática d e Bu da peste.

O conteúd o d os d ocumentos aprovad os e d os temas tratad os em Bud apeste é


de uma extraordinária importância no mundo contemporâneo: problemas e
d esafios como o d a responsabilid ad e social d os cientistas e tecnólogos, o
papel do Estado no financiamento da ciência, a reorientação das prioridades
de pesquisa para as necessidades reais da população, as profundas
assimetrias nos sistemas de P&D (pesquisa e desenvolvimento) de diversas
nações e regiões, a integração das mulheres e de grupos sociais
d esfavorecid os no sistema d e pesquisa, a atitud e ante outras formas d e
conhecimento não assimiladas pela ciência ocidental, as mudanças na
ed ucação científica e os mod elos d e comunicação d a ciência etc. Estes foram
alguns d os temas tratados em Budapeste que se incorporaram aos
documentos aprovados no Congresso.

143
Leituras complementares

GON ZÁLEZ ÁVILA, M.: “La evaluación en las instituciones d emocráticas sobre
la ciencia y la ética de sus proced imientos”, <http ://w w w .cam p u s-
oei.org/cts/m gonzalez2.htm>.
ACEVEDO PIN EDA, E.: “La form ación hu m ana integral: Una ap roxim ación
entre las hu m anid ad es y la ciencia”, <http ://w w w .cam p u s-
oei.org/cts/elsa1.htm >.
MARTIN ÉZ ÁLVAREZ, F.: “H acia una visión social integral d e la ciencia y la
tecnología”, <http ://w w w .cam p u s-oei.org/cts/vision.htm>.

4.5 A educação em CTS

A democracia pressu põe qu e os cid ad ãos, e não só seu s representantes


p olíticos, tenham a cap acid ad e d e entend er alternativas e, com tal base,
expressar opiniões e, em cad a caso, tom ar d ecisões bem fu nd am entad as. N esse
sentid o, o objetivo d e ed ucação em CTS no âmbito ed ucativo e d e formação
pú blica é a alfabetização para propiciar a formação d e amplos seg m entos sociais
d e acord o com a nova imagem d a ciência e d a tecnologia que emerge ao ter em
conta seu contexto social.
Os enfoqu es em CTS tam bém pretend em qu e a alfabetização contribu a
para m otivar os estud antes na busca d e inform ação relevante e im portante
sobre as ciências e as tecnologias d a vid a mod erna, com a perspectiva d e que
possam analisá -la e avaliá -la, refletir sobre essa informação, d efinir os valores
imp licad os nela e tom ar d ecisões a respeito, reconhecend o qu e su a própria
d ecisão final está inerentemente basead a em valores (C utcliffe, 1990).

As unid ad es curriculares CTS – sejam elas integrad as em program as já


estabelecid os em ciência, tecnologia e engenharia, ciências sociais, ou
em cursos d e artes e línguas, ou estruturad as com o cursos
ind epend entes – contem p lam , geralm ente, cinco fases: 1) form ação d e
atitu d es d e responsabilid ad e pessoal em relação com o am biente
natural e com a qualid ad e d e vid a; 2) tom ad a d e consciência em
pesquisas d e tem as CTS específicos, enfocad os tanto no conteúd o
científico-tecnológico com o nos efeitos d as d istintas opções
tecnológicas sobre o bem -estar d os ind ivíd u os e o bem com u m ; 3)
tomad a d e d ecisões com relação a estas opções, levand o em
consid eração fatores científicos, técnicos, éticos, econôm icos e políticos;

144
4) ação ind ivid ual e social responsável, orientad a a levar para a prática
o processo d e estud os e tom ad as d e d ecisão, geralm ente em
colaboração com gru pos com u nitários (por exem plo, “oficinas d e
ciência”, gru p os ecologistas etc.); 5) generalização a consid erações m ais
am plas d e teoria e princípio, inclu ind o a natu reza “sistêm ica” d a
tecnologia e seus impactos sociais e ambientais, a formulação d e
políticas nas d emocracias tecnológicas m od ernas, e os princípios éticos
que possam guiar o estilo d e vid a e as d ecisões políticas sobre o
d esenvolvim ento tecnológico. Por outro lad o, pod em os cham ar essas
fases progressivas d e “Ciclo d e Responsabilid ad e” (Waks, 1990).

Desd e m ead os d o sécu lo 20, a ten d ên cia n o en sin o d as ciên cias esteve cen trad a n os
conteú d os, com u m forte enfoqu e red u cionista, técnico e u niversal (N ovak, 1998).
Sabe-se qu e o conhecim ento científico é esqu ecid o rap id am ente p or qu em ap rend eu
na escola, o qu e p erm ite qu estionar as form as d e instru ção trad icional qu e se levam a
cabo nos centros acad êm icos. E, o qu e é m ais grave, a ed u cação científica não confere
com p etência p ara os p lanos p rofissional e p essoal. Em ou tras p alavras, o
enciclop ed ism o característico d as escolas não form a p ara tom ar d ecisões essenciais
com esp írito crítico (Giord an et alii, 1994).

As p ráticas d os d ocentes d e ciências recaem , na m aioria d as vezes, em u m conju nto


d e elem entos qu e reforçam a ap rend izagem m em orística, cheia d e d ad os, acrítica e
d escontextu alizad a (Shiefelbein, 1995). Pou co p rop iciam p ara a com p reensão sobre a
form a com o se p rod u z o conhecim ento científico e o qu e significam variad os assu ntos
relacion ad os com a d in âm ica d a ciên cia, seu s p rocessos d e m u d an ça e d e ru p tu ra,
assim com o os im p actos qu e su rgem d os u sos d os conhecim entos científicos e
tecnológicos nos d iferentes âm bitos d a vid a con tem p orân ea.

É neste contexto qu e se p ercebe a necessid ad e d e u m p rocesso d e ed u cação científica,


entend id a com o alfabetização científica e tecnológica. Com ela p retend e-se qu e cad a
cid ad ão p ossa p articip ar no p rocesso d em ocrático d e tom ar d ecisões sobre asp ectos
d e d esenvolvim ento d a ciência e d a tecnologia, p ara p rom over u m a ação cid ad ã
en cam in h ad a p ara a resolu ção d e p roblem as relacion ad os com esse d esenvolvim ento
nas socied ad es contem p orâneas (Waks, 1990).

4.5.1 CTS em nível universitário

Um elemento chave d essa mud ança d a imagem d a ciência e d a


tecnologia p rop iciad o p elos estu d os CTS consiste na renovação ed u cativa, tanto
em conteú d os cu rricu lares com o em m etod ologias e técnicas d id áticas. Neste
sentido têm -se d esenvolvid o os program as ed u cativos CTS, im plantad os no
ensino superior d e numerosas universid ad es d esd e finais d os anos sessenta
(Solom on, 1992; Yager, 1993; VV.AA. 1998).
Nesse âmbito d o ensino superior, pretend e-se que os programas CTS

145
sejam oferecid os com o especialização d e pós-grad u ação (cu rsos, m estrad o) 8 ou
com o com plem ento curricular para estud antes d e d iversas proced ências9:

• Trata -se, por um lad o, d e proporcionar uma formação hu m anística


básica a estud antes d e engenharia e ciências naturais. O objetivo é
d esenvolver nos estu d antes u m a sensibilid ad e crítica acerca d os
impactos sociais e ambientais d erivad os d as novas tecnologias ou a
implantação d as já conhecid as, transmitin do por sua vez uma
imagem mais realista d a natureza social d a ciência e d a tecnologia,
assim com o no papel político d os especialistas na socied ad e
contemporânea.
• Por outro lad o, trata-se d e oferecer um conhecim ento básico e
contextualizad o sobre ciência e tecnologia aos estu d antes d e
hu m anid ad es e ciências sociais. O objetivo é proporcionar a estes
estud antes, futuros juízes e ad vogad os, econom istas e ed ucad ores,
um a opinião crítica e inform ad a sobre as políticas tecnológicas que
os afetarão como profissionais e com o cid ad ãos. Assim , essa
ed u cação d eve capacitá-los para participar fru tiferam ente em
qu alqu er controvérsia pú blica ou em qu alqu er d iscu ssão
institucional sobre tais políticas.

Em sua célebre Conferência Rede de 1959, C. P. Snow falava de uma cisão da


vida intelectual e prática do ocidente em dois grupos polarmente opostos,
separados por um abismo de incompreensão mútua. Referia-se às culturas
humanística e científico-tecnológica. O propósito principal da educação CTS é
tratar de fechar essa brecha entre duas culturas, posto que tal brecha constitui
um terreno fértil para o desenvolvimento de perigosas atitudes tecnófobas, e
ainda mais a de dificultar a participação cidadã na transformação tecnológica
das nossas formas de vida e de ordenamento institucional (Snow, 1964).

Leituras complementares

ARAN A ERCILLA, M., y BATISTA N URIS, T.: “La ed u cación en valores: u na


propu esta para la form ación profesional”, <http ://w w w .cam p u s-
oei.org/cts/ispage.htm >.
LÓPEZ CEREZO, J. A., y VALEN TI, P.: “Ed u cación tecnológica en el siglo XXI”.

8
- Alguns cursos proliferam pelo Brasil. Pode-se citar como exemplo o mais recentemente implantado na
UFSC com o nome de Programa de Pós-graduação em Educação Científica e Tecnológica. (ver página do
NEPET http://www.nepet.ufsc.br)
9
- Os núcleos de estudos com enfoques nesta direção podem ser boas soluções. O NEPET, por exemplo,
tem por finalidade, além de difundir o assunto em diversos fóruns do Brasil, formar pessoal para começar
a atuar nessa área.

146
<http ://w w w .cam p u s-oei.org/cts/ctsi/ed u tec.htm >.

4.5.2 CTS na educação secundária

Tod os os níveis ed ucativos são apropriad os para levar a cabo as


mud anças em conteúd os e metod ologias. Também no ensino secund ário a
ed ucação CTS está tend o um a grand e penetração em m uitos países, com a
elaboração d e um grand e núm ero d e program as d ocentes e um respeitável
nú m ero de materiais d esd e os finais d a d écad a d e 1970. Para tanto contribuiu o
impulso proporcionad o pela pesquisa acad êmica vinculad a à universid ad e,
assim com o p or organism os intergovernam entais com o a UN ESCO ou a
Organização d e Estad os Iberoam ericanos p ara a Educa ção, a Ciência e a
Cultura (OEI).
Em particular, no ensino secund ário, d uas associações d e professores
tiveram um a im portância d estacad a no im pulso d e CTS neste nível ed ucativo: a
Associação N acional d e Professores N orte-am ericana (National Science Teachers
Association) e a Associação para o Ensino d a Ciência Britânica (Association for
Science Education). N o caso particular d a Espanha foi d ecisiva a criação, em
num erosas com unid ad es autônom as, d a m atéria “Ciência, Tecnologia e
Socied ad e” com o d isciplina optativa na fase final d a escola secund ária, assim
com o o eixo transversal para as m atérias d e ciências d esd e princípios d a d écad a
de 1990.

Um a d as experiências m ais notáveis d e ed u cação em ciência, a partir


d e CTS, é a levad a a cabo no Science Ed ucation Center d a Universid ad e
d e Iow a para o secund ário. Entre os resultad os obtid os conclui-se qu e a
orientação CTS na ed ucação em ciências melhora a criativid ad e e a
com preensão d os conceitos científicos e contribu i para d esenvolver no
estud ante um a atitud e positiva para a ciência e para a aprend izagem
d a ciência (Yager, 1993; Penick, 1992). Obviam ente, esse processo
requ er contar com u m program a d e form ação para os d ocentes, capaz
d e proporcionar as bases teóricas e a aplicação prática d o enfoque CTS.

Os d ifer entes p rogram as CTS existentes na ed u cação secu nd ária p od em


ser classificad os em três grupos (Waks, 1990; Kortland , 1992; Sanm artín e Luján
López, 1992): introd u ção d e CTS nos conteú d os d as d isciplinas d e ciências
(enxerto CTS); a ciência vista através d e CTS; e, por último, CTS puro.

• Enxerto CTS. Trata-se d e introd uzir nas d isciplinas d e ciências d os


cu rrícu los tem as CTS, esp ecialm ente relacionad os com asp ectos qu e
levem os estu d antes a serem m ais conscientes d as im p licações d a

147
ciência e d a tecnologia. Exem plos d essa linha d e trabalho são o
projeto SATIS e o H arvard Project Physics, nos Estad os Unid os. O
projeto SATIS consiste em pequenas unid ad es CTS, elaborad as por
d ocentes, que d esd e 1984 pu blicou m ais d e cem d estas unid ad es,
cuja utilid ad e principal é com plem entar os cu rsos d e ciências.
Algu ns títu los são: o u so d a rad ioativid ad e, os bebês d e proveta, a
reciclagem d o alum ínio, a chuva ácid a e a AIDS.

• Ciência e tecnologia através de CTS. Ensina-se m ed iante a estru tu ração


d os conteú d os d as d iscip linas d e cu nho científico e tecnológico, a
partir d e CTS ou com orientação CTS. Essa estruturação pod e ser
levad a a cabo tanto por d isciplinas isolad as com o através d e cursos
m u ltid iscip linares, inclu sive p or linhas d e p rojetos p ed agógicos
interd iscip linares. Um exemplo d o primeiro caso é o programa
holand ês conhecid o com o PLON (Projeto d e Desenvolvim ento
Curricular em Física). Trata -se d e um conjunto d e unid ad es ond e
em cad a u m a d elas tom am-se p roblem as básicos relacionad os com
os fu tu ros papéis d os estu d antes (com o consu m id or, com o cid ad ão,
com o profissional); a partir d aí seleciona -se e estrutura -se o
conhecim ento científico e tecnológico necessário para qu e o
estud ante esteja capacitad o para entend er um artefato, tomar uma
d ecisão ou entend er um ponto d e vista sob re u m p roblem a social
relacionad o d e algum m od o com a ciência e com a tecnologia.

Algumas das virtudes dos cursos de ciências através de CTS são as seguintes
(Waks, 1990): 1) os alunos com problemas nas disciplinas de ciências
aprendem conceitos científicos e tecnológicos úteis a partir desse tipo de curso;
2) a aprendizagem é mais fácil devido ao fato de que o conteúdo está situado
num contexto de questões familiares e está relacionado com experiências extra-
escolares dos alunos; 3) o trabalho acadêmico está relacionado diretamente com
o futuro papel dos estudantes como cidadãos.

• CTS puro. Significa ensinar CTS ond e o conteú d o científico p assa a


ter um papel subord inad o. Em alguns casos o conteúd o científico é
incluíd o para enriquecer a explicação d os conteú d os CTS em
sentid o estrito, em outros as referências aos tem as científicos ou
tecnológicos são apenas m encionad as, porém não são explicad as. O
p rogram a m ais rep resentativo d e CTS p u ro é SISCON na escola.
Trata -se d e uma ad aptação para a ed ucação secund ária d o
program a u niversitário britânico SISCON (ciência no contexto
social). N a ed ucação secund ária SISCON é um projeto que usa a
história d a ciência e d a sociologia d a ciência e também d a
tecnologia para m ostrar com o foram abord ad as no passad o
questões sociais vinculad as à ciência e à tecnologia, ou como se

148
chegou a um a certa situação problem ática no presente.

CTS puro pode cumprir certas funções. Se não se conta no currículo com
outros elementos CTS, tal versão pode ser útil para tentar remediar esta
situação na medida do possível. Porém, sobretudo pode ser de grande ajuda nos
cursos e disciplinas de humanidades e ciências sociais que, em geral, não têm
intenção de ocupar-se das questões sociais, políticas ou morais relacionadas
com a ciência e a tecnologia (González Garcia, López Cerezo e Luján,
1996).

A ed ucação CTS, além d e compreend er os aspectos organizativos e d e


conteúd o curricular, d eve alcançar tam bém os aspectos próprios d a d id ática.
Para começar, é importante entend er que o objetivo geral d o professor é a
promoção d e uma atitud e criativa, crítica e ilustrad a, na perspectiva d e
constru ir coletivam ente a au la e em geral os esp aços d e ap rend izagem . Em tal
“construção coletiva” trata -se, m ais qu e m anejar inform ações, d e articu lar
conhecim entos, argu m entos e contra -argu m entos, basead os em problem as
com partilhad os, nesse caso relacionad os com as im plicações d o
d esenvolvim ento científico-tecnológico.
Sob esse conceito d e construção coletiva, a resolução d os problemas
compreend e o consenso e a negociação, assim com o ter em conta
perm anentem ente o conflito, ond e o d ocente tem u m papel d e apoio para
proporcionar m ateriais conceituais e em píricos aos alunos para a construção d e
pontes argum entativas. Essa atitud e d o d ocente não é, pois, a d o trad icional
depositário d a verd ad e; m ais qu e isso, tenta refletir ped agogicam ente os
próprios processos científico-tecnológicos reais com a presença d e valores e
incertezas, aind a que assum ind o sem pre a responsabilid ad e d e cond uzir o
processo d e ensino-aprend izagem d esd e a sua própria experiência e
conhec imento.

De acordo com Leonard Waks, para introduzir mudanças estruturais no


sistema educativo com a finalidade de realizar uma educação tipo CTS são
requeridos: “a) uma transferência da autoridade do professor e dos textos para
os estudantes, individual e coletivamente; b) uma mudança na focalização das
atividades de aprendizagem do estudante individual para um grupo de
aprendizagem; c) uma mudança no papel dos professores como distribuidores
de informações autorizadas, de uma autoridade posicional a uma autoridade
experiencial na situação da aprendizagem” (Waks, 1993, p.16-17).

149
Leituras complementares

VV.AA.: “Monográfico: ciencia, tecnología y socied ad ante la ed u cación”. en


Revista Iberoamericana de Educación, nú m . 18. <http ://w w w .cam p u s-
oei.org/oeivirt/rie18.htm >.
VILCH ES, A., y FURIÓ, C.: “Ciencia, tecnología y socied ad : implicaciones en la
ed u cación científica p ara el siglo XXI”. <http ://w w w .cam p u s-
oei.org/cts/ctsed u cacion.htm >.

4.6 Conclusão

Como pod emos ver, em tod os os enfoques na trad ição européia existe
u m a d iversid ad e d e aproxim ações qu e, aind a qu e coincid ind o em ressaltar os
asp ectos sociais d a ciência e d a tecnologia, ap resenta algu m as d iferenças no qu e
d iz respeito ao seu d istanciamento d a visão mais trad icional d a ciência e d a
tecnologia. Em geral, e com exceção d e algu ns rad icalism os, m u itos au tores
atuais d os estud os CTS aceitam a concorrência d e u m a d iversid ad e d e fatores,
ep istêm icos e não-epistêm icos, nos processos d e gênese e consolid ação d e
afirm ações d e conhecim entos científicos e artefatos tecnológicos. Aind a qu e
tam bém seja necessário fazer notar qu e em nenhu m caso se trata de
d esqu alificar a ciência e a tecnologia, m as d e d esm itificá -las no sentid o d e
mod ificar uma imagem d istorcid a d e ciência -tecnologia qu e vem cau sand o
m ais inconvenientes d o qu e vantagens. Em particu lar, o propósito d a sociologia
d o conhecim ento científico d os anos 1970 não era realizar u m a crítica rad ical d a
ciência, e sim o d e fazer uma ciência d a ciência, ou melhor, fazer d o
conhecimento científico também um objeto d e estud os d as ciências sociais
(Fu ller, 1995).
A trad ição americana d e estud os CTS, por sua vez, centrad a nas
conseqüências sociais e am bientais relacionad as com o d esenvolvim ento
científico-tecnológico, procurou d efinir e prom over novas regras d e jogo em
torno d a regulação social d a ciência e d a tecnologia, a partir d a participação d e
d iversos atores sociais (afetad os, interessad os, governo, esp ecialistas,
organizações não-governam entais, entre ou tros) em cond ições éticas, d e
iguald ad e, representação e efetivid ad e em tod o o processo.
Finalm ente, tem -se visto como os estud os CTS têm lograd o permear os
processos ed u cativos, tanto no ensino su perior com o no secu nd ário, e
crescentem ente nas esferas d e d ivulgação científica. A d iversid ad e d e
estratégias, tanto com o as experiências d id áticas ensaiad as, fazem d o tem a u m
campo promissor para a sua promoção nos sistem as ed ucativos d a
iberoam érica, aproxim and o a ciência d a socied ad e e tam bém esta d aquela.

150
4.7 Bibliografia

ACEVEDO PIN EDA, E.: “La form ación hu m ana integral: u na ap roxim ación
entre las hum anid ad es y la ciencia”, <h ttp ://w w w .cam p u s-oei.org/cts/elsa1.h tm >.
ALON SO, A.; AYESTARÁN , I., y URSÚA, N . (ed s.) (1996): Para comprender
ciencia, tecnología y sociedad. Estella, EVD.
ARAN A ERCILLA, M., y BATISTA NURIS, T.: “La ed u cación en valores: u na
propu esta para la form ación profesional”, <h ttp ://w w w .cam p u s-
oei.org/cts/isp aje.htm >.

BARN ES, B. (1974): Scientific knowledge and sociological theory. Lond res,
Routledge.
_____(1985): Sobre ciencia. Barcelona, Labor, l987.
BARN ES, B.; BLOOR, D., y H EN RY, J. (1996): Scientific Knowledge: a sociological
analysis. Lond res, Athlone.
BIJKER, W. (1995): Of bicycles, bakelites and bulbs: toward a theory of socio-technical
change. Cambrid ge (Mass.), MIT Press.
BIJKER, W. E.; H UGH ES, T. P., y PINCH, T. (eds.) (1987): The social construction
of technological systems. Cambrid ge (Mass.), MIT Press.
BLOOR, D. (1976/1992): Conocimiento e imaginario social. Barcelona, Ged isa, 1998.
BOXSEL, J. VAN (1994): “Constru ctive technology assessm ent: A new approach
for technolog y assessm ent d evelop ed in the N etherland s and its significance for
technology policy”, en AICH H OLZER, G., y SH IEN STOCK, G. (ed s.):
Technology policy: towards an integration of social and ecological concerns. Berlín, d e
Gruyter.
BRAUN, E. (1984): Tecnología rebelde. Mad rid , Tecnos/Fu nd esco, 1986.
BUN GE, M. (1993): Sociología de la ciencia. Buenos Aires, Ed . Siglo Veinte.
BURN S, T. R., y UEBERH ORST, R. (1988): Creative democracy: systematic conflict
resolution and policymaking in a world of high science and technology. N u eva York,
Praeger.
BUSH, V. (1945/1980): Science, the endless frontier. Washington, N ational Science
Found ation.
CARROLL, L. (1887/1972): El juego de la lógica. Ed. de DEAÑO , A. Mad rid ,
Alianza.
CARSON, R. (1962): La primavera silenciosa. Barcelona, Grijalbo, 1980.
COLLIN S, H . M. (1985/1992): Changing order: replication and induction in scientific
practice. Chicago, University of Chicago Press.
COLLIN S, H ., y PIN CH , T. (1993): El gólem: lo que todos deberíamos saber acerca de

151
la ciencia. Barcelona, Crítica, 1996.
CUTCLIFFE, S.: “CTS: u n cam p o interd iscip linar”, en MEDIN A, M., Y
SAN MARTÍN , J. (1990): Ciencia, tecnología y sociedad, Estudios interdisciplinares en
la universidad, en la educación y en la gestión pública. Barcelona, Anthropos, p. 20-
41.
DYSON, F. (1997): “Can Science Be Ethical?”, en The New York Review of Books,
XLIV/6, pp. 46-49.
ECH EVERRÍA, J. (1995): Filosofía de la ciencia. Madrid, Akal.
FERRIS, T. (1997): “Som e Like It H ot”, en The New York Review of Books,
XLIV/14, pp. 16-20.
FEYERABEN D, P. (1975): Tratado contra el método. Mad rid , Tecnos, 1981.
FIORINO , D. J. (1990).: “Citizen participation and environm ental risk: a survey
of institutional mechanisms”, en Science, Technology and Human Values, 15/2, pp.
226-243.
FLORMAN , S. (1876/1994): The Existential Pleasures of Engineering, 2ª ed . N ueva
York, St. Martin’s Griffin.
FULLER, S. (1995): “On the m otives for the new sociology of science”, en
History of the Human Sciences, 8/2, pp. 117-124.
_____(1999): The governance of science. Bu kingham , Open University Press.
GARCÍA PALACIOS, E. M. (1999): “Consid eraciones teóricas y análisis crítico
d e la gestión pú blica d e la ciencia y la tecnología”, en VELARDE, J., y otros:
Studia Philosophica. Ovied o, Universid ad d e Ovied o.
GIORDAN , And ré, y otros (1994): L’alphabétisation scientifique et technique. XVI
Journées Internationales sur la Com m unication, L’Éd ucation et la Culture
Scientifiques et Ind ustrielles. París, Université Paris VII.
GON ZÁLEZ ÁVILA, M.: “La evalu ación en las institu ciones d em ocráticas
sobre la ciencia y la ética d e sus proc ed imientos”, <h ttp ://cam p u s-
oei.org/cts/m gonzalez2.htm >.

GON ZÁLEZ GARCÍA, M. I.; LÓPEZ CEREZO, J. A., y LUJÁN , J. L. (1996):


Ciencia, tecnología y sociedad: una introducción al estudio social de la ciencia y la
tecnología. Madrid, Tecnos.
_____(ed s.) (1997): Ciencia, tecnología y sociedad: lecturas seleccionadas. Barcelona,
Ariel.
HARDY, G. H . (1940): Autojustificación de un matemático. Barcelona, Ariel, 1981.
ILLICH, I. (1973): La convivencialidad. Barcelona, Barral, 1974.
IRAN ZO, J. M. y otros (ed .) (1995): Sociología de la ciencia y la tecnología. Madrid,
CSIC.
JASAN OFF, S., y otros (ed s.) (1995): Handbook of science and tecnology studies.
Londres, Sage.

152
JUN KER, K., y FULLER, S. (1998): Science and the public: beyond the science wars.
Buckingham , Open University Press.
KORTLAN D, J. (1992): “STS in second ary ed u cation: trend s and issu es”.
Conferencia del Congreso Science and Technology Studies in Research and Education.
Barcelona.
KRIMSKY, S. (1984): “Beyond technocracy: new rou tes for citizen involvem ent
in social risk assessm ent”, en PETERSEN, J. C. (ed .) (1984): Citizen participation
in science policy. Am herst, University of Massachusetts Press.
KUH N , T. S. (1962/1970): La estructura de las revoluciones científicas, 2ª ed . México,
FCE, 1971.
LAIRD, F. N . (1993): “Particip atory analysis, d em ocracy, and technological
d ecision m aking”, en Science, Technology, and Human Values, 18/3, pp. 341-361.
LATOUR, B. (1987): Ciencia en acción. Barcelona, Labor, 1992.
LATOUR, B., y WOOLGAR, S. (1979/1986): La vida en el laboratorio. La
construcción de los hechos científicos. Mad rid , Alianza Universid ad , 1995.
LÓPEZ CEREZO, J. A. (1998): “Ciencia, tecnología y socied ad : el estad o d e la
cu estión en Eu ropa y Estad os Unid os”. Revista Iberoamericana de Educación, nú m .
18, pp. 41-68.
LÓPEZ CEREZO, J. A., Y VALENTI, P.: “Ed ucación tecnológica en el siglo XXI”,
<htto://w w w .cam p u s-oei.org/ctsi/ed u tec.htm >.
MARTÍN EZ ÁLVAREZ, F.: “H acia una visión social integral d e la ciencia y la
tecnología”, <h ttp ://w w w .cam p u s-oei.org/cts/vision.htm >.
MEDINA, M., Y SAN MARTÍN , J. (ed s.) (1990): Ciencia, tecnología y sociedad:
estudios interdisciplinares en la universidad, en la educación y en la gestión pública.
Barcelona, Anthropos.
MÉN DEZ SANZ, J. A., y LÓPEZ CEREZO, J. A. (1996): “Participación pública
en política científica y tecnológica”, en ALON SO, y otros (ed s.) (1996): Para
com prend er ciencia, tecnología y socied ad . Estella, EVD.
MITCH AM, C. (1997): “Justifying public participation in technical d ecision
making”. en Technology and Society Magazine, pp. 40-46.
MUMFORD, L. (1967-70): El mito de la máquina. Buenos Aires, Emecé, 1969.
NELKIN, D. (1984): “Science and technology policy and the d em ocratic
process”, en PETERSEN, J. C. (ed .) (1984): Citizen participation in science policy.
Am herst, University of Massachusetts Press.
N OVAK, J. D.: “Constru ctivism o hu m ano: u n consenso em ergente”, en
Enseñanza de las Ciencias, 6(3), 1988, pp. 213-223.
N ÚÑ EZ JOVER, J., y LÓPEZ CEREZO, J. A.: “Ciencia, tecnologia y socied ad en
Cuba”, <h ttp ://cam p u s-oei.org/cts/cu ba.htm >.
PACEY, A. (1983): La cultura de la tecnología. México, FCE, 1990.

153
PENICK, J. E. (1992): “STS. Instruction enhances stud ent creativity”, en YAGER
(1992a). The status of science-technology-society. Reforms around the world.
International Council of Associations for Science Ed uca tion/Yearbook.
PETERSEN, J. C. (ed .) (1984): Citizen participation in science policy. Amherst,
University of Massachusetts Press.
PINCH, T., y BIJKER, W. E. (1984): “The social constru ction of facts and
artefacts: or how the sociology of science and the sociology of technology m ight
benefit each other”, en Social Studies of Science, 14, pp. 399-441.
RODRÍGUEZ ALCÁZAR, F. J. y otros (ed s.) (1997): Ciencia, tecnología y sociedad:
contribuciones para una cultura de la paz. Granad a, Universid ad d e Grana da.
SALOMON, J. J., y otros (ed s.) (1994): Una búsqueda incierta: ciencia, tecnología y
desarrollo. FCE/Ed . Univ. N aciones Unid as, México, 1996.
SAN CH EZ RON, J. M. (1992): El poder de la ciencia. Mad rid , Alianza.
SAN MARTÍN , J., y otros (ed s.) (1992): Estudios sobre sociedad y tecnología.
Barcelona, Anthropos.
SAN MARTÍN , J., y ORTÍ, A. (1992): “Evalu ación d e tecnologías”, en
SAN MARTÍN , J., y otros (ed s.) (1992): Estudios sobre sociedad y tecnología.
Barcelona, Anthr opos.
SAN MARTÍN , J., y LUJÁN LÓPEZ, J. L. (1992): “Ed ucación en ciencia,
tecnología y socied ad ”, en SAN MARTÍN, J., y otros (ed s.) (1992): Estudios sobre
sociedad y tecnología. Barcelona, Anthropos.
SANZ MEN ÉN DEZ, L. (1997): Estado, ciencia y tecnología en España: 1939-1997.
Mad rid , Alianza.
SAREWITZ , D. (1996): Frontiers of illusion: science, technology and the politics of
progress. Filad elfia, Tem ple University Press.
SCH IEFELBEIN , E.: Programa de acción para la reforma educativa en América Latina
y el Caribe. (Trabajo preparad o para la Conferencia Anu al d el Banco Mu nd ial
para el Desarrollo en Am érica Latina y el Caribe, Rio d e Janeiro, 12 y 13 d e junio
d e 1995). UN ESCO -OREALC, 1995.
SH RADER-FRECH ETTE, K. (1985): “Technology assessm ent, exp ert
d isagreement, and d emocratic proced ures”, en Research in Philosophy and
Technology, vol. 8. N ueva York, JAI Press.
SN OW, C. P. (1964): Las dos culturas y un segundo enfoque. Mad rid , Alianza, 1977.
SOLOMON, J. (1993): Teaching science, technology and society. Bu kingham , Op en
University Press.
SYME, G. J., y EATON, E. (1989): “Pu blic involvem ent as a negotiation p rocess”,
en Journal of Social Issues, 45/1, pp. 87-107.
TODT, O., y LUJÁN , J. L. (1997): “Labelling of novel food s, and public d ebate”,
en Science and Public Policy, 24/5, pp. 319-326.
VILCH ES, A., y FURIÓ , C.: “Ciencia, tecnología y socied ad : implicaciones en la

154
educación científica para el siglo XXI”, <http ://cam p u s-
oei.org/cts/ctsed u cacion.htm >.
VV.AA. (1998): “Ciencia, tecnología y socied ad ante la ed u cación”, en Revista
Iberoamericana de Educación, nú m . 18 (m onográfico), 1998.

155
156
Glossário

Aprendizagem. Processo em qu e organizações, em presas ou ind ivíd u os


ad quirem conhecim entos e habilid ad es técnicas. Algum as m od alid ad es d e
aprend izagem são: “aprend er fazend o” (learning-by-doing); aprend izagem pela
exp eriência, p elo fazer; “ap rend er u sand o” (learning-by-using), aprend izagem
pelo uso de uma tecnologia; “aprender pela troca” (learning-by-changing),
aprend izagem pela introd ução d e trocas técnicas peq uenas ou incrementais.

Articulação democrática do social. Ver “Participação cid ad ã”.

Avaliação de tecnologias e impacto ambiental. A avaliação d e tecnologias é


entend id a com o u m conju nto d e m étod os para analisar os d iversos im pactos d a
aplicação d e tecnologias, id entificand o os gru pos sociais afetad os e estu d and o
os efeitos d e possíveis tecnologias alternativas. Seu objetivo ú ltim o consiste em
tratar d e red uzir os efeitos negativos d e d eterm inad as tecnologias, otim izand o
seus efeitos positivos e contrib uind o para sua aceitação pública. A avaliação d e
im pacto am biental é um caso específico d e avaliação d e tecnologias, aplicad a a
projetos específicos d e intervenção am biental10 .

Mudança tecnológica. Um avanço na tecnologia, um incremento no


conhecim ento técnico ou na própria tecnologia. Im plica m ud ança d entro d as
relações técnicas d e prod ução, um processo estreitam ente relacionad o com a
pesqu isa tecnológica. É u m fenôm eno com plexo e seletivo, qu e proced e por
trajetórias interrompid as por im portantes d escontinu id ad es associad as p elo
surgimento d e novos parad igmas tecnológicos.

Concepção clássica da ciência. Ver “Positivism o Lógico”.

Confirmabilidade. Segund o Carnap, “só pod em os confirm ar m ais ou m enos


uma oração. Portanto tratamos mais d o problema d a confirm ação qu e d o
problem a d a verificação”. Para d escartar a possível arbitraried ad e que significa
introd u zir a d im ensão “su bjetiva” na confirm ação, Carnap p rop õe falar d e

10
No Brasil, o RIMA (Relatório de Impacto Ambiental) constitui uma importante forma de avaliação de
tecnologias.

157
grau s d e confirm abilid ad e: A é confirm ad o por B; A é apoiad a por B; B
p rop orciona u m a prova positiva d e A. Tam bém se pod em d ar valores
numéricos aos graus d e confirmação nestes exemplos.

Construtivismo social. Dentro d os estud os CTS se incluem no construtivismo


social os enfoqu es inspirad os no Program a Forte d a sociologia d o conhecim ento
científico, ond e em geral sustenta-se que os resultad os d a ciência (por exem plo
u m a classificação taxonôm ica) ou os p rod u tos d a tecnologia (p or exem p lo a
eficiência d e u m artefato) foram socialm ente constru íd os; qu er d izer, qu e tais
resultad os ou prod utos são o ponto d e chegad a d e processos contingentes (não
inevitáveis) nos qu ais a interação social tem u m p eso d ecisivo. H á d iversos
tipos d e constru tivism o social, conform e se fale, por exem plo, d e u m ou ou tro
tipo d e objeto construíd o (fatos, propried ad es, categorias…) e se aceite ou não a
concorrência d e fatores epistêmicos.

Contracultura (ou m ovim ento contracu ltu ral). Am p lo m ovim ento social
contrário ao establishment ou cultura oficial. Desenvolveu-se fund amentalmente
nos anos sessenta e setenta d o século 20 em nações ind ustrializad as ocid entais,
cu lm inand o com o m ovim ento estu d antil francês d e m aio d e 68 e as revoltas
nos Estad os Unid os contra a Gu erra d o Vietnã no final d os anos sessenta.
Trad icionalm ente, a tecnologia e o Estad o tecnocrático foram tam bém alvo d e
seus protestos.

Contrastação, implicações contrastadoras. Ação e efeito geral d e confrontar


um a hipótese ou teoria frente ao testem unho d a experiência. É contrastad a com
a experiência; esta últim a não d eve estar sobrecarregad a d e teorias. Segund o
Popper (1934), o conteúd o em pírico d e um a teoria aum enta com seu grau d e
falseabilid ad e, e com este aumento se eleva a si mesmo o grau d e
contrastabilid ad e. Segund o Carnap (1936), a contrastação é levar a cabo certos
experim entos qu e cond u zem a u m a con firm ação em certo grau ou a su a
negação.

Empirismo Lógico. Ver “Positivism o Lógico”.

Entornos. A noção d e entorno em sociologia aparece associad a à d e sistema.


Entorno é um conjunto d e elementos cujas trocas afetam o sistema e, por sua
vez, são afetad os por ele. Javier Echeverría fez um uso inovad or d este conceito
ao introd u zir a id éia d e terceiro entorno, E3, para d esignar o qu e ou tros au tores

158
d enom inaram “socied ad e d a inform ação”, “ciberespaço”, etc. O próprio
Echeverría referiu-se também a esta nova socied ad e com o telepolis.

Epistêmico, fator ou elemento. N a ativid ad e científica, a tom ad a d e d ecisões


com respeito à aceitabilid ad e d e hipóteses ou à escolha entre hipóteses
alternativas requer o concurso d e elem entos d e juízo. Estes elem entos pod em
ser d e caráter epistêm ico ou não-ep istêm ico. Os elem entos ep istêm icos clássicos
são a consid eração d a evid ência em p írica e o raciocínio d ed u tivo. N o segu nd o
tip o (não-epistêm ico), costum a -se incluir tod os os elem entos que, d e caráter
cognitivo ou não, são atr ibuíveis à situação social, profissional, psicológica etc.
d os cientistas (por exem plo, interesses econôm icos, pressões políticas,
convicções religiosas, leald ad e profissional, d isponibilid ad e instrum ental etc.).
Genericamente, estes elementos são eventualm ente cham ad os d e “fatores
sociais” ou fatores d epend entes d o “contexto social”.

Escola de Edimburgo. Grupo d e pesquisa vinculad o d esd e princípios d os anos


setenta d o século 20 à Unid ad e d e Estud os d a Ciência d a Universid ad e d e
Ed im bu rgo (Inglaterra), e form ad o p rincip alm ente p or Barry Barnes
(sociólogo), David Bloor (filósofo d a ciência) e Steven Shapin (historiad or). Este
grupo constitui a origem d a pesqu isa acad êm ica nos estu d os CTS, objetivo qu e
realizam estabelecend o um “Programa Forte” para a constituição d e um a
sociologia d o conhecim ento científico. Um d os principais objetivos d a Unid ad e
foi, em suas origens, contribuir para fechar a brecha entre as conhecid as d uas
cu ltu ras d e C. P. Snow : a hu m anística e a tecnocientífica.

Estudos CTS. Campo de trabalho d e caráter crítico e interd isciplinar, ond e se


estud a a d imensão social d a ciência e d a tecnologia, tanto no que d iz respeito
aos seu s anteced entes sociais com o no qu e corresp ond e a su as conseqü ências
sociais e am bientais. Um a d iversid ad e d e orientações acad êm icas, com o a
sociologia d o conhecim ento científico ou a história d a tecnologia, e d e âm bitos
d e reflexão e d e propostas d e m ud ança institucional, com o a ética engenheril ou
os estu d os d e avaliação d e tecnologias, convergem neste heterogêneo cam po d e
trabalho.

Estudos da reflexividade. Alguns autores na pesquisa acad êmica CTS, como


Steve Woolgar ou Malcolm Ashm ore, d esenvolveram u m a linha d e trabalho
vincu lad a ao qu arto princípio d o “Program a Forte”, a reflexivid ad e 11 . Segund o
11
Aurélio: Numa relação entre elementos de um conjunto, propriedade que é verdadeira quando relaciona
um elemento com ele mesmo. A relação de igualdade é reflexiva.

159
este princípio, a sociologia d o conhecim ento científico d eve pod er oferecer um a
explicação sociológica d e seus próprios resultad os. N este sentid o, autores como
os anteriores d esenvolvem u m a antrop ologia reflexiva d a rep resentação
sociológica d a mud ança científica (e tecnológ ica). Esta linha d e trabalho foi
acu sad a, m esm o no interior d os estu d os CTS, d e excessivam ente relativista e
“d esconstrutiva”.

Estudos sociais da ciência e da tecnologia. Ver “Estud os CTS”.

Guerras da ciência. Disputa entre d ois grupos acad êm icos, corresp ond entes às
d u as cu ltu ras d e C.P. Snow acerca d a natu reza d o conhecim ento científico e, em
geral, às relações ciência -socied ad e. Por um lad o encontramos os sociólogos d o
conhecim ento científico e ou tros au tores CTS, assim com o teóricos d os estu d os
cultu rais e d o feminismo, d efend end o o caráter social d a ciência e a
d em ocratização d as políticas públicas em ciência e tecnologia; e, por outro, os
cientistas (basicam ente físicos) e filósofos racionalistas d efend end o a im agem
clássica, essencialista e benfeitora d o conhecim ento científico e d a au tonom ia
política d a ciência. Alguns momentos-chave d esse enfrentamento foram o veto,
pelo Congresso d os Estad os Unid os, d a construção d e um superacelerad or no
Texas, em 1993, com a “caça às bru xas qu e segu iu ao episód io; e a publicação
em 1996 d e u m artigo d e Alan Sokal, u m físico novaiorqu ino, na revista Social
Text (u m a revista d e estu d os cu ltu rais d a ciência), em qu e ele consegu iu
enganar os ed itores e publicar um a absurd a relativização d a teoria quântica.

História das ciências. É um relato ou d iscurso sobre um objeto que mud a, que
se mod ifica, como é o caso d a ciência. A concepção que se tenha sobre a ciência
e sua d inâmica influi na história d a ciência. Se, por exemplo, assimilamos a
história d as ciências com o história d as id éias, o objeto p referencial d e estu d o
será o d as teorias científicas, que se submete a uma análise filosófica e lógica. A
evolução d as ciências consiste, a partir d esta perspectiva, na elaboração d e
teorias mais ou menos aperfeiçoad as, quer d iz er, capazes d e unificar um
número crescente d e fenômenos e d e d ar conta d eles. Esta evolução é presid id a
por um a lógica interna, na qual não entram as circunstâncias exteriores. A
ciência é concebid a como uma encarnação d a razão, ou seja, como um conjunto
d e regras que são válid as para tod os os sujeitos pensantes, e o entorno social,
nesta perspectiva, tem somente um interesse secund ário. A partir d os trabalhos
d e Merton, John Bernal e sobretud o d e Kuhn, o conceito d e ciência se mod ifica,
pois as cond ições sociais ad quirem relevância d entro d a prod ução d o
conhecimento científico. N este sentid o, a história d as ciências ad quire um novo
estatuto, e seu interesse vai girar em torno não somente d as id éias científicas,

160
com o tam bém d as institu ições, d as acad em ias e, em geral, d os interesses d os
sociólogos. Por último, com a renovação d os estud os sociais d a ciência, a
história d as ciências ad quire interesse por outros objetos trad icionalmente não
p rivilegiad os na análise histórica, tais com o as p ráticas, o saber-fazer d os
cientistas, as formas d e fechamento d os d ebates e os fatores não epistêmicos
qu e intervêm na constru ção d a ciência. É esta constru ção, com o p rocesso
histórico, o que se constrói com o relato d a nova história d as ciências.

Inovação. Introd ução d e uma técnica, prod uto ou processo no âm bito


prod utivo, seguid o freqüentemente d e um processo d e d ifusão. Duas
características d a inovação são a novid ad e e o benefício gerad o. Existem três
tipos: inovação d e prod uto; inovação d e processo (métod o d e prod ução);
inovação organizativa. As inovações pod em ser incrementais, quand o são
m enores, contínu as e acu m u lativas; ou m aiores ou rad icais, qu e resu ltam em
novas tecnologias que d ão origem a novos prod utos, processos ou serviços.

Meninos-lobo. Denom inação com qu e se conhece – ju nto com a d e “m eninos


selvagens”, ou “m eninos-fera” – os m eninos e m eninas qu e viveram sem
contato com nenhum grupo social. É im precisa ou excessiva, posto que em
m uitos casos as crianças não foram criad as por lobos, ou por nenhum outro
anima l, m as sim plesm ente estiveram isolad os d e outros seres hum anos.

Modelo linear de desenvolvimento. Concepção clássica acerca d as relações


entre ciência, tecnologia e socied ad e, segu nd o a qu al o p rogresso social
d epend e d o crescimento econômico, este d o d esenvolvim ento tecnológico e
aquele, por sua vez, d o d esenvolvimento sem interferências políticas ou sociais
d o conhecim ento científico. Su a form u lação m ais conhecid a se d eve a V. Bu sh,
1945, no informe Science – the endless frontier (Ciência – a fronteira sem lim ites),
qu e é a base d o m od elo clássico d e políticas científico-tecnológicas.

Movimentos sociais. Um d os elem entos explicativos d o d evenir social


utilizad os pela teoria sociológica. A partir d os anos sessenta d o século 20
prod uziu -se u m a exp ansão de m ovim entos sociais qu e p ôs em qu estão algu ns
d os tópicos d o d esenvolvimento tecnocientífico. N a d écad a d e setenta, pela
ocorrência d e algu m as catástrofes tecnocientíficas (Seveso, Three Mile Island…), o
papel d esses m ovim entos foi potencializad o e, em algu ns casos,
institucionalizad o. O envolvim ento público na resolução d e controvérsias
tecnocientíficas é um d os objetivos d o movimento CTS, especialmente em sua
orientação mais prática.

161
Mudança tecnológica. Um avanço na tecnologia, um incremento no
conhecim ento técnico ou na própria tecnologia. Im plica m u d ança d entro d as
relações técnicas d e prod ução, um processo estreitam ente relacionad o com a
pesqu isa tecnológica. É u m fenôm eno com plexo e seletivo, qu e proced e por
trajetórias interrom pid as por im portantes d escontinu id ad es associad as p elo
surgimento d e novos parad igmas tecnológicos.

Participação cidadã. N a m aioria d as socied ad es atu ais – se pod emos falar d e


socied ad es como algo d istinto d a socied ad e global ou mund ializad a – existem
formas d e governo d emocráticas. Desconsid erand o as valorações sobre o
fu ncionam ento d as d em ocracias atu ais, há qu e se assinalar qu e u m d os âm bitos
ond e os cid ad ãos d e uma d emocracia teriam – e têm – mais d ificuld ad es para
p articip ar é o d as controvérsias tecnocientíficas. O m ovim ento CTS p rop õe u m a
participação m ais ativa d os cid ad ãos nessas questões, um a articulação
d em ocrática qu e p erm ita essa p articip ação m ed iante novos m ecanism os qu e
vão além d as soluções políticas trad icionais.

Pesquisa tecnológica. Chamad a trad icionalment e “p esqu isa ap licad a e


d esenvolvim ento exp erim ental”. É u m a ativid ad e orientad a à geração d e novo
conhecim ento tecnológico, qu e pod e ser aplicad o d iretam ente à prod u ção e
d istribuição d e bens e serviços; pod e cond uzir a uma inovação.

Político, envolvimento. N a socied ad e atu al tend e-se a prod uzir uma crescente
perd a d e interesse e u m d istanciam ento d a política por parte d os cid ad ãos. Este
fenôm eno, propiciad o em grand e m ed id a pelos m ecanism os d e d espolitização
que utilizam as estruturas trad icionais d e pod er, aliou-se com a visão
cientificista para contribu ir no d istanciam ento qu e com entam os. Os estu d os
CTS estabelecem em certo mod o uma recuperação d a política e uma extensão
d a participação cid ad ã até as esferas d e d ecisão trad icionalm ente m ais
d istanciad as d o público: o d as questões tecnocientíficas.

Positivismo Lógico. Concepção herd ad a d a natureza d a ciência e d esenvolvid a


na Europa d e entreguerras d os anos vinte e trinta d o século 20 por autores
com o R. Carnap , O. N eu rath, H . Reichenbach ou C. H em p el. Mantém sua
hegemonia filosófica até os anos sessenta e setenta. Os positivistas lógicos, em
geral, entend iam a ciência com o “saber m etód ico”, ou seja, com o u m m od o d e
conhecim ento caracterizad o por certa estru tu ra lógica (d esvelável através d a
análise filosófica) e p or resp ond er a certo m étod o, u m m étod o qu e com binava a
avaliação empírica d as hipóteses e o raciocínio d ed utivo (fatores epistêmicos).

162
N esta concepção nega -se trad icionalm ente a relevância explicativa d os fatores
não-epistêmicos para o avanço em ciência.

Princípio de responsabilidade. Um a d as reflexões éticas m ais conhecid as


acerca d as conseqüências sociais d o d esenvolvim ento tecnocientífico é a d e
H ans Jonas. Este au tor p rop õe o qu e cham a “p rincíp io d e resp onsabilid ad e”,
que é na realid ad e tod o um programa d e construção d e uma nova moral que
leve em conta as conseqü ências qu e os d esenvolvim entos científicos e
tecnológicos pod em ter para a hu m anid ad e – atu al, m as sobretu d o fu tu ra – e
sobre nosso planeta. Jonas sustenta que a ética anterior pod ia falar d e
responsabilid ad e, porém em um sentid o mais estreito que o proposto por ele,
posto qu e antes d o presente não se pod ia nem im aginar o qu e é possível fazer
hoje graças aos d esenvolvim entos tecnocientíficos.

Programa Empírico do Relativismo. Desenvolvim ento d o “Program a Forte”,


d evid o fu nd am entalm ente a H arry Collins no final d os anos setenta e princípios
d os anos oitenta, ond e se propõe um program a (o EPOR – Program a Em p írico
d o Relativism o) para o estud o em pírico d as controvérsias científicas. A chave
d o EPOR consiste em d etectar a flexibilid ad e interpretativa d os resultad os
científicos, mostrad a pela existência d e controvérsias, para d epois estud ar
em piricam ente os m ecanism os sociais que prod uzem o fecham ento d as
mesmas.

Programa Forte. Programa estabelecid o por qu atro princípios (cau salid ad e,


imparcialid ad e, simetria e reflexivid ad e) para o d esenvolvimento d e uma
sociologia d o conhecim ento científico, ou seja, para um a explicação científica d a
m ud ança na ciência. Propõe, em geral, explicar a d inâm ica d a ciência sem
pressuposições acerca d a correção ou incorreção d as d istintas teorias ou
hipóteses em d ispu ta, d o m esm o m od o qu e u m antropólogo trata d e explicar os
sistem as d e crenças d as tribos prim itivas. Deve-se ao trabalho da Escola de
Ed im bu rgo no início d a d écad a d e setenta, tend o sid o tod avia anunciad o por
David Bloor em sua obra Conhecimento e Imaginário Social.

Programas de pesquisa. Esta teoria, proposta por Lakatos como mod elo d e
avaliação d e trad ições teóricas nas ciências, p arte d e u m exam e crítico d e várias
tend ências na filosofia d a ciência, tanto d e d iversas versões d o ind utivism o
com o d o falseabilism o popperiano. Um program a d e pesqu isa consiste em u m a
série d e teorias estreitam ente relacionad as com o evolução tem poral d e um
“m arco teórico”, uma série ligad a por regras metod ológicas, algumas d as quais

163
ind icam que caminhos têm -se qu e segu ir (heu rística positiva) e ou tras qu e
caminhos tem-se que evitar (heurística negativa). A história d as ciências mostra
os mod os como se estabeleceram, progred iram e regeneraram os programas d e
pesquisa. Lakatos examinou em d etalhe as d istintas esferas que constituem os
programas d e pesquisa, o caráter flexível d a heurística positiva, o papel d as
anom alias e d o progresso “em um oceano d e anom alias”, assim com o as
d iferentes interp retações qu e se p od em d ar às confirm ações, refu tações, ataqu es
ou desafios.

Progresso. Um conceito fund amental para entend er a percepção que se tem d a


ciência na atualid ad e. É um a noção relativam ente recente, em essência
p roced ente d a Eu ropa d os séculos 17 e 18, que se converteu no século 19,
especialm ente com o Positivism o, em um a crença constitutiva d e nossa visão d a
história. É u m term o qu e vem im ed iatam ente à m ente qu and o se trata d e
caracterizar a essência d a tecnociência. No que se refere ao progresso científico,
os estud os CTS colocaram em d úvid a a aplicabilid ad e d o conceito ao
d esenvolvim ento d a ciência e d a tecnologia, m ostrand o, d esd e Ku hn, a
complexid ad e d os fatores em jogo e a impossibilid ad e d e sustentar uma visão
linear d a história e acumulativa simplista d a ciência e d a tecnologia.

Rede de atores, teoria da. Diversos au tores, na p esqu isa acad êm ica CTS,
esp ecialm ente Bru no Latou r e Michel Callon, d esenvolveram u m a linha d e
trabalho basead a no terceiro p rincíp io d o “Program a Forte”, a sim etria. Para
estes au tores, u m a exp licação realm ente sim étrica d e teorias científicas ou d e
artefatos tecnológicos requer outorgar a m esm a categoria explicativa a atores
humanos (“o social”) e a atores não humanos (“o natural” ou “o ma terial”).
Segund o este enfoque, utilizar o social para d ar conta d o natural ou d o material,
com o faz a sociologia d o conhecim ento científico, é assu m ir u m a posição tão
insatisfatória cientificam ente quanto a inversa d a assum id a pela filosofia d a
ciência trad icional. Para estes au tores franceses tod os os atores, hu m anos e não
hu m anos, interagem e evolu em ju ntos, form and o os nós d a red e qu e constitu i a
“tecnociência”.

Síndrome de Frankenstein. Refere-se ao temor d e que o mesmo


d esenvolvim ento científico-tecnológico qu e é u tilizad o para controlar a
natureza se volte contra nós, d estruind o essa natureza ou inclusive o próprio
ser humano.

Sistema P&D. Sistem a d e pesqu isa e d esenvolvim ento, qu e inclu i a pesqu isa
básica e o d esenvolvimento d e aplicações a partir d ela. H oje em d ia, ante a
estreita vinculação d a ciência e d a tecnologia e a crescente circulação d estas com

164
os sistemas prod utivos, tend e-se a falar em “sistemas d e inovação” ao invés d e
P&D. Excluem -se ativid ad es científico-tecnológicas relacionad as com a
formação e o assessoramento.

Sistema social. A teoria geral d e sistem as foi aplicad a na sociologia, aind a que
com p recau ções, d evid o a d iferenças entre as estru tu ras sociais e os m od elos
cibernéticos. Mesm o qu e u m d os prim eiros intentos para aplicar esta teoria na
socied ad e tenha sid o o d e Walter Buckley, na atualid ad e os d esenvolvimentos
m ais interessantes são os qu e N iklas Lu hm ann levou a cabo. N a teoria d este
autor, a socied ad e não é composta d e seres humanos, mas sim d e
com u nicações. Os seres hu m anos são o entorno d a socied ad e, não com ponentes
d a mesma. Esta socied ad e, composta d e comunicações, d iferencia -se
internamente segund o seu grau d e d esenvolvimento em d iferentes subsistemas
sociais. Cad a su bsistem a é au top oiético12 , isto é, pod e criar sua própria
estru tu ra e os elem entos d e qu e se com põe, e é tam bém au to-referente: é u m
sistema fechad o em si mesmo mas, segund o Luhmann, não isolad o d o entorno.
Os sistemas – subsistemas – sociais m ais relevantes são o d ireito, a econom ia, a
política, a religião, a ed ucação e a ciência.

Sociedade da informação. É um a d as caracterizações utilizad as para referir -se à


socied ad e atual. Afirma-se que, frente ao que acontecia nas socied ad es
trad icionais, hoje os fluxos mais importantes que d efinem o pod er não são d e
en ergia nem d e m atérias-prim as, m as sim d e inform ação. É u m fato qu e na
atualid ad e o acesso à informação é bem mais fácil que em outros tempos. O
problem a agora é o m anejo d essa grand e qu antid ad e d e inform ação, a
d isponibilid ad e d e informação pertinente e d e qu alid ad e e a d iscrim inação
entre d istintas e às vezes contrad itórias informações.

Sociedade mundializada. A socied ad e atual pod e ser consid erad a como uma
socied ad e “m u nd ializad a”, ou tam bém “globalizad a”. O term o “globalização”
converteu-se em um tópic o d os m eios d e com unicação d e m assas. Marshall
McLuhan pôs em circulação o term o “ald eia global”, em 1962, para referir -se à
nova socied ad e qu e estava nascend o. McLu han, qu e se converteu ao
catolicism o com vinte e cinco anos d e id ad e, sustentava em um a entrevista com
o religioso Pierre Babin qu e “tu d o está no evangelho: há qu e se sintonizar a boa
freqüência”. As conotações religiosas d a socied ad e global voltam a fazer -se
presentes se tiverm os em conta que o teólogo Pierre Teilhard d e Chard in já
falava em 1938 d e “planetização” ou “hu m anid ad e concebid a com o m assa”, e

12
Ver autopoiese em Maturana e Varella.

165
d e N oosfera com o novo envolvente esp iritu al d a hu m anid ad e. H oje a
globalização é um fenômeno fund amentalmente empresarial ou comercial,
med iad o pelas novas tecnologias d e transporte e d a comunicação.

Sociologia do conhecimento científico. Basead a no “Programa Forte”, a Escola


d e Ed imburgo d esenvolve, em princípios d os anos setenta, uma sociologia d o
conhecimento científico como uma extensão d a sociologia clássica d o
conhecim ento d e au tores com o E. Durkheim ou K. Mannheim, inspirand o -se
em uma interpretação rad ical d a obra d e T. Kuhn e outros autores, como
Wittgenstein. Em substituição à explicação clássica em filosofia d a ciência (por
exem plo o em pirism o lógico), a sociologia d o conhecim ento cient ífico ap ela a
fatores sociais para d ar conta d o “avanço científico”, qu er d izer, d os processos
d e gênese e aceitação d e id éias em ciência. Portanto pod e ser vista tam bém
com o um a sociologia “internalista” d a ciência.

Sociologia funcionalista da ciência. Trad ição clássica no estud o sociológico d a


ciência, voltad a para o estud o d as forças que atuam para manter a estabilid ad e
d o sistem a científico. É um a trad ição externalista, no sentid o d e que se lim ita a
explicar as cond ições institucionais requerid as para qu e tenha lu gar o avanço
d o conhecim ento. Robert K. Merton, u m sociólogo norte-am ericano,
d esempenhou o papel mais importante na sua origem e d esenvolvimento.

Tecnociência. H oje se fala d e tecnociência ou com plexo científico-tecnológico


p ara d esignar o que é muito d ifícil d e d istinguir nas ativid ad es reais d e P&D,
tanto em seus proced imentos como em seus resultad os. É um termo muito
d ifu nd id o nos estu d os CTS, d e ond e se origina, send o u sad o já am plam ente em
muitos outros âmbitos.

Teoria de sistemas. A chamad a “teoria geral d e sistemas” se d esenvolveu


sobretu d o a p artir d e Lu d w ig von Bertalanffy e su a “biologia orgânica”, qu e
estud a os sistemas biológicos. Esta teoria baseia -se principalm ente na noção d e
“tod o” e nas id éias d e totalid ad e, estru tu ra d e fu nções e finalid ad e.
Desenvolveu-se especialm ente através d o im pu lso qu e proporcionad o pela
cibernética d e N orbert Wiener. N o estud o d a socied ad e utilizou am plam ente a
noção d e sistema social. N iklas Luhmann é um d os autores mais conhecid os na
d ifusão d a teoria d os sistem as sociais autopoiéticos.

Verificabilidade de enunciados. Verificar uma coisa é comprovar se ela é


verd ad eira. O que se comprova, no entanto, não é uma coisa, e sim algo que se
d isse d ela, isto é, um enunciad o. A verificação é a ação e o efeito d e comprovar
se algum enunciad o é verd ad eiro ou falso.

166
Bibliografia em portu gu ês

ADORNO, Theod or W. Educação e Emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 1995.


ALVES, Rubem . Filosofia da ciência: introd ução ao jogo e a suas regras. São
Pau lo: Loyola, 2000.
_____. Entre a ciência e a sapiência: O d ilema d a ed ucação. São Paulo: Ed ições
Loyola, 1999.
AN DERSON , Perry. O fim da história: d e Hegel a Fukuyama. Rio d e Janeiro:
Zahar, 1992.
ARAÚJO, H erm etes Reis (Org.). Tecnociência e Cultura: ensaios sobre o tem po
presente. São Pau lo: Ed . Estação Liberd ad e, 1998.
BACH ELARD, Gaston. A formação do espírito científico. Rio de Janeiro:
Contraponto 1996.
BAUMAN , Zygm u nt. Globalização: as conseqü ências hu m anas. Rio d e Janeiro:
Zahar, 1999.
_____. Em busca da política. Rio d e Janeiro: Zahar, 2000.
BAZZO, Walter Antonio. Ciência, Tecnologia e Sociedade, e o contexto d a
ed ucação tecnológica. Florianóp olis: Ed u fsc, 1998.
BAZZO, Walter Antonio; PEREIRA, Luiz Teixeira d o Vale; von LIN SIN GEN ,
Irlan. Educação tecnológica: enfoqu es para o ensino d e engenharia.
Florianópolis: Ed u fsc, 2000.
BECK, Ulrich. O que é globalização? equ ívocos d o globalism o: respostas à
globalização. São Pau lo: Paz e Terra, 1999.
BECKER, Fernand o. Epistemologia do professor. 3.ed . Petrópolis: Vozes, 1993.
BEN JAMIN , César [et. al.]. A opção brasileira. Rio d e Janeiro: Contraponto, 1998.
BERN AL, J. D. Ciência na história. v.3. Lisboa: Livros H orizonte, s/d .
BIAN CH ETTI, Lu cíd io. Da chave de fenda ao laptop. Tecnologia d igital e novas
qualificações: d esafios à ed ucação. Petrópolis / Florianópolis: Vozes / Ed ufsc,
2001.
BOH M, David ; PEAT, F. David . Ciência, ordem e criatividade. Lisboa: Grad iva,
1989.
BOURG, Dom inique. Natureza e técnica: ensaio sobre a id éia d e progresso.
Lisboa: Institu to Piaget, 1998.

167
BRÜSEKE. Franz Josef. A técnica e os riscos da modernidade. Florianóp olis: Ed u fsc,
2001.
BUN GE, Mario. Epistemologia: curso de atualização. 2.ed. São Paulo: T. A.
Qu eiroz, 1980.
BUARQUE, Cristovam . A revolução nas prioridades: d a m od ernid ad e técnica à
m od ernid ad e ética. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
_____. Admirável mundo atual. São Pau lo: Geração Ed itorial, 2001.
CASTELLS, Manu el. A sociedade em rede. – (A era d a informação: economia,
socied ad e e cultura; v. 1). São Paulo: Paz e Terra, 1999.
CH ALMERS, A. F. O que é ciência afinal? São Paulo: Brasiliense, 1993.
CH ASSOT, Attico. A ciência através dos tempos. São Pau lo: Ed . Mod erna, 1994.
D’AMBROSIO, Ubiratan. A era da consciência: aula inaugural d o prim eiro curso
d e p ós-grad u ação em ciências e valores hu m anos no Brasil. São Pau lo: Ed .
Fund . Peirópolis, 1997.
DEMO, Ped ro. Conhecimento moderno: sobre ética e intervenção d o
conhecim ento. Petrópolis: Vozes, 1997.
FEYERABEN D, Pau l. Contra o método. Rio d e Janeiro: Francisco Alves, 1989.
FOUREZ, Gérard. A construção das ciências: introd u ção à filosofia e à ética d as
ciências. São Pau lo: Ed itora UN ESP, 1995.
FREIRE, Pau lo. Pedagogia do oprimido. Rio d e Janeiro: Paz e Terra, 1975. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
_____. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática ed ucativa.
FREIRE -MAIA, N ew ton. A ciência por dentro. Petrópolis: Vozes, 1992.
FURTADO, Celso. O capitalismo global. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
GAMA, Ruy (Org.). Ciência e técnica: antologia d e textos históricos. São Pau lo:
T.A. Queiroz, 1993.
GREEN E, Brian. O Universo elegante: su p ercord as, d im ensões ocu ltas e a bu sca
d a teoria d efinitiva. São Paulo: Com panhia d as Letras, 2001.
GRISPUN , Mírian P. S. Zip p in (Org.). Educação tecnológica: d esafios e
perspectivas. São Pau lo: Cortez, 1999.
H ARDT, Michael; N EGRI, Antonio. Imperio. Rio d e Janeiro: Record , 2001.
H AZEN , Robert M.; TREFIL, James. Saber ciência. Do big bang à engenharia
genética, as bases para entend er o mund o atual e o que virá d epois. São
Pau lo: Cu ltu ra ed itores associad os, 1995.
H ERRERA, Am ílcar Oscar. Am ilcar H errera: u m intelectu al latino-am ericano.
Renato Dagnino (org.). Cam pinbas: Unicam p/IG/DDCT, 2000.
H OLTON , Gerald . A imaginação científica. Rio d e Janeiro: Zahar, 1979.
H ORGAN , John. O fim da ciência: um a d iscussão sobre os lim ites d o
conhecimento científico. São Pau lo: Com panhia d as Letras, 1998.
JAN TSCH , Ari Paulo; BIAN CH ETTI, Lucíd io (orgs.). Interdisciplinaridade: para
além d a filosofia d o sujeito. Petrópolis: Vozes, 1995.

168
JAPIASSÚ, Hilton. Introdução ao pensamento epistemológico. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1993.
_____. Para ler Bachelard. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.
KAWAMURA, Lili. Novas tecnologias e educação. São Paulo: Ática, 1990.
_____. Tecnologia e política na sociedade: engenheiros, reivindicação e poder. São
Paulo: Brasiliense, 1986.
KN ELLER, G. F. A ciência como atividade humana. Rio de Janeiro: Zahar; São Paulo:
EDUSP, 1980.
KUH N , Thom as S. A estrutura das revoluções científicas. São Pau lo: Perspectiva,
1990.
LATOUR, Bruno. Ciência em ação: com o seguir cientistas e engenheiros
socied ad e afora. São Pau lo: Ed itora UN ESP, 2000.
LECOURT, Dominique. Gaston Bachelard : epistemologia – trechos escolhidos.
2.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.
LIN SIN GEN , Irlan von; PEREIRA, Luiz T. V.; CABRAL, Carla G.; BAZZO,
Walter A. (Orgs.). Formação do Engenheiro: d esafios d a atuação d ocente,
tend ências curriculares e questões d a ed ucação tecnológica. Florianópolis:
Ed ufsc, 1999.
LOOSE, J. Introdução histórica à filosofia da ciência. Belo H orizonte: Itatiaia, 1979.
MARCOVITCH , Jacqu es. La universidad (im)posible. Mad rid : Cam brid ge
University Press / OEI, 2002.
MATURAN A, H u m berto; GARCÍA, Francisco Varela. A árvore do conhecimento.
Porto Alegre: Artes Méd icas, 1997.
_____. De máquinas e seres vivos: au top oiese – a organização d o vivo. Porto
Alegre: Artes Méd icas, 1997.
MATURAN A, H umberto; REZEPKA, Sima N isis d e. Formação humana e
capacitação. Petróp olis: Vozes, 2000.
MAYOR, Fed erico; FORTI, Augusto. Ciência e poder. Cam pinas: Papiru s, 1998.
MOLES, Abraham . As ciências do Impreciso. Rio d e Janeiro: Civilização Brasileira,
1995.
MORIN , Ed gar. Ciência com consciência. Rio d e Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
_____. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2000.
MOTOYAMA, Shozo (Org.). Tecnologia e industrialização no Brasil: uma
p ersp ectiva histórica. São Pau lo: Ed itora UN ESP, 1994.
PEREIRA, Luiz Teixeira d o Vale, BAZZO, Walter Antonio. Ensino de engenharia,
na bu sca d o seu aprim oram ento. Florianóp olis: Ed u fsc, 1997.

169
PETITAT, And ré. Produção da escola/produção da sociedade: análise sócio-histórica
d e algu ns m om entos d ecisivos d a evolu ção escolar no ocid ente. Porto Alegre:
Artes Méd icas, 1994.
PORTOCARRERO, Vera (Org.). Filosofia, história e sociologia das ciências I:
abord agens contem porâneas. Rio d e Janeiro: Fiocruz, 1994.
POSTMAN , N eil. Tecnopólio: a rend ição d a cu ltu ra à tecnologia. São Pau lo:
N obel, 1994.
RONAN, Colin A. História ilustrada da ciência. (v.I, II, III, IV) Rio d e Janeiro:
Jorge Zahar, 1987.
ROSSI, Paolo. Naufrágios sem espectador: a id éia d e progresso. São Pau lo: Ed itora
UN ESP, 2000.
_____. A ciência e a filosofia dos modernos: aspectos d a Revolução Científica. São
Pau lo: Ed itora UN ESP, 1992.
SAN TOS, Boaventu ra d e Sou za. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio d e
Janeiro: Graal, 1989.
_____. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-m od ernid ad e. 5.ed . São
Paulo: Cortez, 1999.
_____. Um discurso sobre as ciências. Porto: Afrontam ento, 1999.
SAN TOS, Milton. Por uma outra globalização: d o pensamento único à consciência
universal. Rio d e Janeiro: Record , 2001.
_____. Técnica, espaço, tempo: globalização e m eio técnico-científico
inform acional. São Paulo: Ed . H ucitec, 1998.
SCH AFF, Ad am. História e verdade. São Pau lo: Martins Fontes, 1995.
SCH EPS, Ruth (org.). O império das técnicas. Cam pinas: Papiru s, 1996.
SCH N ITMAN , Dora Fried (Org.). N ovos parad igm as, cu ltu ra e su bjetivid ad e.
Porto Alegre: Artes Méd icas, 1996.
SCH WARTZMAN , Sim on. A red escoberta d a Cultura. São Paulo: Ed usp, 1997.
SN OW, C. P. As duas culturas e uma segunda leitura. São Paulo: Ed usp, 1995.
TH UILLIER, Pierre. De Arquimedes a Einstein: a face oculta d a invenção
científica. Rio d e Janeiro: Zahar, 1994.
USH ER, Abbott Payson. Uma história das invenções mecânicas. Cam p inas:
Papirus, 1993.
VARGAS, Milton. Para uma filosofia da tecnologia. São Paulo: Alfa Omega, 1994.
VARGAS, Milton (Org.). História da técnica e da tecnologia no Brasil. São Pau lo:
Ed itora UN ESP, 1994.

170

S-ar putea să vă placă și