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Bruno Cosentino entrevista Luís Capucho

[via revistapolivox.com]

Quando ouvi Luís Capucho uma das coisas que logo me chamou a
atenção foi que suas canções se pareciam muito umas com as outras. Ele
estava dentro de um paradigma que não era o da profusão de cores e ritmos
da MPB; parecia fazer em toda sua obra uma única canção contínua, à
maneira de um Bob Dylan. As letras eram narrativas como em seus livros.
Ouvindo “Poema maldito”, por exemplo, aprendi que na canção que conta
histórias é melhor que não se varie tanto os acordes para que não se perca o
fio da meada — já conduzido com melodias sinuosas e frequentemente
próximas da fala. Luís descreve objetos e situações com uma aspereza
deslumbrante; quando cantados, porém, se abrem em um mundo de fantasia
e delicadezas, com luz e paleta de cor próprias. A criação desse universo
mágico passa pelos temas obsessivos, pelo modo (como foi dito)
perturbadoramente direto de narrar, por uma visão de mundo rica de
subjetividade, mas também pela materialidade de sua voz crua e de seu
violão de movimentos limitados — as cordas soltas dos acordes inventados
por ele soam erradas aos ouvidos educados —, ambas restrições motoras
que lhe foram impingidas pelo coma. Dessa forma, os gatinhos de Pedro, a
cadeira que Valfredo lhe deu, sua mãe, os vizinhos de trás, o vale onde
mora (bichos, lugares, pessoas, situações ordinárias do cotidiano) se tornam
encantados na voz de Luís. Na origem, o afeto agudo do artista com as
pessoas e as coisas ao seu redor.
Ao fim da entrevista, em frente ao prédio onde mora em Niterói,
Luís apontou, na outra calçada, uma igreja evangélica, ao lado dela, uma
batista, e, mais à frente, um centro espírita. Os cultos, disse, aconteciam
todos ao mesmo tempo e sempre com música; isso fazia com que ali
circulasse uma forte energia espiritual. A amendoeira ao nosso lado,
explicou, subia daquele modo, linda, se abrindo em copa larga e com tal
inclinação para a rua, por causa disso.

1-

Quando eu saí sequelado do coma, eu tava tão apático, acho que


chocado e também, depois de alguns anos, eu pude ver que aquele um mês
de nada, que foi o coma, tinha como que me zerado, entende. Me deixou
vazio, sem nada dentro. Então, eu reagia a coisas que estivessem
acontecendo ali, na hora, em torno à maca. Mas eu não tinha mais estofo,
nenhum movimento interior, nenhuma vida, tinha acabado tudo: tédio,
melancolia, saudade, angústia, essas coisas que são os sentimentos da gente
e que nos tiram do aqui e agora. Isso, radicalmente, durou cerca de um ano,
mais ou menos. E muito aos poucos minha vida interior foi se
reestabelecendo.
Mas teve duas coisas, naquela época, que me deixaram abalado,
quando se esclareceram pra mim. A primeira, ainda no hospital, quando me
disseram que eu estava com HIV. O meu estômago reagiu na hora, como
um molusco que se fechasse. Eu senti ele se encolhendo rápido e se
petrificando. Foi uma coisa doida. Aí, eu chorei muito e ele se normalizou.
A outra coisa, foi quando eu já em casa, coloquei a fita do Antigo
[disco gravado por Luís antes do coma] pra ouvir. Eu fiquei chorando um
tempão, porque eu sabia que não ía conseguir fazer mais aquilo, daquele
jeito. Mas, aí, sem que parecesse pra mim mesmo que eu tivesse tomado
uma decisão, os anos foram passando e fui reaprendendo o violão e
voltando a musicar letras.
Então, de certa forma, eu não ouvi a minha voz nova pela primera
vez, porque ela foi se formando aos poucos. Eu acho também que com o
tempo passando, a minha voz continua se tornando nova, é um processo de
modificação, talvez, de recuperação, que não acaba nunca. Também eu tou
ficando mais velho, então a voz vai se tornando outra. Mas o que aconteceu
naquele dia, no quarto, há pouco saído do hospital, foi que eu ouvi a minha
voz antiga pela primeira vez.
Sobre a voz nova, eu saquei mesmo, quando comecei a conseguir uns
acordes no violão e tentei fazer música. Eu vi que o violão espancado, sem
conseguir o dedilhado, e a voz quase monocórdia, me abria a possibilidade
de fazer uma música que eu não conseguiria fazer do jeito antigo. Isso me
abriu um horizonte, um caminho, que não era o caminho por onde eu vinha
me conduzindo e, aí, alguns amigos começaram a me dizer que esse jeito
novo tinha mais a ver com os meus temas e começaram a gostar mais.
Outros, não gostaram e pararam de querer me ouvir. Quer dizer, só veio
falar comigo quem começou a gostar mais. Quem não curtiu, não me disse
nada, mas a gente saca, né?
Demorei um tempo para introjetar minha voz mais lenta e mais
grave, como sendo a minha. Mas logo que as novas músicas começaram a
sair e fui entendendo que havia um prazer, um gosto, nelas, uma estética,
fui me acomodando à voz sem pensar e fui gostando.

2-

Só a morte vai fazer eu ficar no aqui e agora. O coma foi um pouco


isso. Mas depois que fui restabelecendo o meu estofo, não estou mais aqui
nem agora. Não consigo parar.
Às vezes, aqui comigo, entro numa de que as coisas estão paradas
pra mim, que não avanço, que não saio do lugar. Mas não é verdade isso.
Até fico buscando uma posição imaginária, um ponto de partida, porque
nos é ensinado que é legal você ter um marco, um lugar que você tenha de
apoio, um lugar de onde sair, mas não tenho. Não sei quando nem onde
estou. Estou perdido. Mesmo que desde 1967 eu tenha preenchido os
cabeçários dos cadernos escolares com a data do dia, isso não foi suficiente
pra eu me situar. De onde eu olho, não tenho um panorama. Minha visão é
muito dentro de minha bolha. Eu dizia isso na narrativa do Cinema Orly.
Não sou um narrador onisciente. Não sei de nada, sou um ignorantão.
O Gilberto Gil tem aquela música que diz que o melhor lugar do
mundo é aqui e agora. Eu não fico no melhor lugar. Mas, como já disse,
tenho tentado descobrir um lugar de apoio, um momento de apoio. Talvez,
sem que eu tivesse me dado conta, minha plataforma, o edifício de onde eu
pulo, meu trampolim, sejam as músicas e os livros. Meu patrimônio e meu
matrimônio. Meu terreno de ilusão, de mágica. Meu aqui e agora.

3-

Bom, eu acho que a vida tem uma natureza mágica. Que as palavras
têm uma natureza mágica. Eu me sinto meio doido com isso, acho que ter
um corpo é uma coisa mágica.
Comecei a sentir a magia nas coisas depois que fiquei adolescente e
que comecei com o desejo sexual, que é um lance tão forte, sem controle.
Antes, quando eu era criança, era como se eu vivesse na lua, com a cabeça
sempre nas nuvens e não via mágica, que é um lance que você começa a
ver se você vibra mais tenso e fundo, onde as coisas são mais pesadas e
fortes. Aí, você pensa, caramba, como é que isso apareceu aqui, forte e
grande assim, da onde isso veio, o que é isso e tal.
Acho que fazer música e fazer literatura e pintar As Vizinhas de Trás
[série de retratos pintados por Luís], que parecem ser coisas de criança, de
você poder brincar com as cores, com as palavras e com os acordes do
violão, tem a ver com esse mundo da magia, mais forte e denso, pesado e
que ao ser transposto pra linguagem artística pode parecer leve, de criança.
Brincando assim de fazer arte, as coisas parecem ir perdendo o sentido, se
esfumaçando, se espalhando, sumindo como mágica.

4-

Eu na verdade não sei a importância das coisas. Não sei se elas são,
extraordinariamente, por acaso. Ou se tem uma finalidade, no fato de as
coisas existirem. Então, de qualquer modo, acho que seria importante que a
gente pudesse ter a vida que a gente quer, ter a possibilidade disso. O
Guilherme Arantes colocou numa música que nem tudo é, exatamente
como a gente quer. Mas era bom, importante, que tivéssemos o desejo
como possibilidade, que tivéssemos como possibilidade as coisas que a
gente quer. Era importante que a gente pudesse transformar as coisas do
mundo naquilo que a gente quer.

5-

Acho que a beleza deva ser uma coisa grandiosa, insuportável pra o
sentimento da gente, acho que ela faz com que não a suportemos, é algo
transbordante e que não cabe na gente. Na verdade, a beleza é um horror,
sabe? Algo de que a gente não consegue dar conta.
Sobre a minha música ser bonita, acho que é parte da beleza do
mundo, sim. E começo a gostar mais delas, quando as pessoas gostam
também. É parte do mundo mais ordinário, do mundo suportável, e pode
num primeiro momento não cair no agrado dos ouvidos mais destreinados
na audição delas. Eu mesmo as acharia sem graça, sem beleza, se as
ouvisse com a idade de 10 anos. E não sei se gostar, quer dizer que são
bonitas, acho que sim. Eu gosto das minhas músicas. E acho que a beleza
delas está no caminho melódico, que está a um grau ou graus de distância
do caminho natural da entoação da fala, se eu falasse suas letras. Acho que
o tanto que eu consigo me distanciar da fala, e o tanto que consigo frisar de
sentido pras palavras que canto, sem deixar que ele esvoace e se perca na
melodia, é o tanto de beleza ou gosto que consigo na minha música.
Eu tou falando da minha música, como e quando ela aparece e se
forma pra mim. Porque se eu for imaginá-la executada com outros
instrumentos que não apenas o meu voz e violão, aí, entram outras belezas.
Porque se pode inventar outras formas de resolver suas voltas, entende?

6-

Talvez, mais principalmente, tenha sido apenas uma mudança de


canal, uma mudança na forma como se tornou possível sair o jorro. Depois,
eu fui vendo o que era possível ou como eu gostaria de conduzir o lance
todo nessa nova forma. Com o passar dos anos, o meu corpo vai se
readaptando, com o uso, a voz vai achando outra vez o jeito antigo de sair.
Porque o meu corpo não modificou em nada. Minhas cordas vocais e minha
língua e boca não sofreram nenhuma alteração. O lance todo aconteceu nos
comandos, é um lance neurológico, então, aos poucos as sinapses vão
refazendo e permitindo os movimentos que perdi pra cantar e tocar.
E continuo cantando as minhas músicas do mesmo jeito que antes,
sem interpretação. Porque eu acho que a interpretação tem a ver com uma
intenção. Então, você pode cantar com essa ou aquela intenção. E isso faz
uma interpretação ser diferente da outra. Algo como você atuar nas
músicas. E eu não canto como um ator. Eu canto de verdade, sou eu
mesmo, sem interpretar. E o meu modo interior de cantar é igual. No ínício
parecia sempre uma coisa dramática demais, por conta do esforço, da
potência com que eu tinha de mandar a voz. Parecia interpretação, mas não
era.
Sobre a composição propriamente, o meu violão também vem se
modificando. Eu consigo dedilhar outra vez. A mão esquerda é mais
sequelada e não consigo ainda fazer de novo as pestanas com perfeição. Aí,
eu faço as posições sem as pestanas e aproveito as cordas soltas, vejo como
elas funcionam assim. No fim, eu aproveito tanto na voz como no violão o
som que vai saindo, para compor. Como eu disse noutra pergunta, o
caminho que eu tenho de fazer é diferente, mas a nascente é a mesma.
Eu acho que se você tem muito recurso técnico, você fica mais
crítico, fica indeciso por qual jeito vai fazer, qual caminho vai tomar. E se
você está limitado, sem muita opção, aí, a música quando tá pra nascer, ela
vem arrebentando tudo, como um vulcão. Um lance sem delicadeza, meio
punk. Daí, o meu primeiro disco, o Lua Singela, ter agradado mais ao
pessoal do rock and roll.
Não vou me livrar dessa marca que ganhei com o coma, porque
registrei isso no meu primeiro disco e no meu primeiro livro. Talvez, por
conta de meus temas, do conjunto todo da minha expressão artística, e,
principalmente, por conta de meu clima pouco beligerante e, tudo, eu não
consiga público que me mantenha produzindo e no mercado. E, aí, serei pra
sempre um artista da margem. Mas, vocês sabem, no fluxo de um rio, as
águas todas são um corpo só e não tem volta. Tudo vai pro mar.

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