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1. Estado e teorias do Estado

o Estado não pode deixar de ser integrado como um elemento chave na


análise das políticas educativas. No entanto, vários autores têm assinalado
que a presença do Estado é bastante ténue na análise educacional, notando-se
mesmo, em muitos trabalhos, uma total ausência de qualquer das diferentes
perspectivas teóricas que a ele podem ser referenciadas'.
Ao escreverem sobre a ausência destas teorias na análise educacional
nos EUA, Martin Camoy e Henry Levin sugerem como explicação o facto de
neste país predominar uma representação social em tomo do Estado que tende
a fazer com que este seja percepcionado como "expressão de uma vontade
geral", não susceptível de problematização já que o Estado, "não possuindo
ideologia, nem qualquer propósito subjacente excepto o de reflectir aquela
vontade", preocupar-se-ia em prover a educação porque simplesmente isso
faz parte da oferta natural de um "conjunto de bens sociais comuns" (Camoy
& Levin, 1985, pp. 27-28). Trata-se, por isso e no essencial, de uma perspec-
tiva que acentua a ideia de um "Estado como provedor de bens colectivos" e
que considera que "a principal função do Estado é servir como mecanismo
neutro para agregar preferências ou integrar a sociedade através da corporização
de valores consensuais" (Alford & Friedland, 1991, p. 51).
Ao contrário, as perspectivas marxistas, baseadas na análise das classes
sociais, diferem radicalmente na interpretação sobre o Estado. Se, no caso das
teorias pluralistas, o Estado está acima dos conflitos sociais porque se aceita

I. Já há algum tempo, Roger Dale afirmou a este propósito: "Given ali that sociologists, economists
and political scientists have had to say about the meanings and assumptions, the processes and practices,
lhe functions and outcomes, of education systems in recent years, it is really very surprising to find almost
no analysis of the implications of State provision, irrespective of the particular approach adopted" (Dale,
1989, p. 23). Também Tadeu da Silva comentou sobre o mesmo assunto: "A ausência de uma maior teorização
~obre as Conexões entre Estado e educação é tanto mais inexplicável quanto esta conexão é exatamente um
os fatos mais notáveis a respeito da educação moderna" (Silva, 1992, p. 21).

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que ele representa a sociedade como um todo, nas teorias marxistas, ao Con-
trário, o Estado está imerso nos conflitos de classe porque, por um lado, ele lidades dos trabalhadores ~irem a ser e~pregados pelos capitalistas, dando a
próprio é um instrumento essencial de dominação de classe, e, por outro, por- estes, simultaneamente, maiores oportunidades de acumular capital. Mais con-
que tem que mediar os conflitos intrínsecos à não homogeneidade de inte- cretamente, diz Offe,
resses no interior da própria classe dominante (cf. Camoy & Levin, 1985,
pp.37-38). "l ...] seria um equívoco alegar que as políticas estatais de educação e formação
têm como objectivo fornecer a força de trabalho necessária a certas indústrias
Estes e outros aspectos considerados identificadores de duas concep_ [...]. Ao contrário, tais políticas têm como meta criar o máximo de oportunida-
ções distintas resultam essencialmente do facto de se usar como critério o des de troca entre o trabalho e o capital, de modo que os indivíduos de ambas as
modo como se concebe e justifica a relação (de identidade ou de autonomia) classes possam entrar em relações capitalistas de produção" (Offe, 1984a, p. 123).
do Estado com a sociedade. Neste domínio, algumas sínteses mostram que há
importantes clivagens que permitem que se afirme que "a questão de saber se Apesar de não estarmos totalmente de acordo com a forma como Offe
o Estado é autónomo ou redutível à sociedade é uma das mais importantes interpreta as políticas de educação e formação - fundamentalmente porque
formas de diferenciar as várias teorias do Estado" (Hall, 1984,.p. 23). pensamos que a sua função não se resume apenas a contribuir para criar as
No que conceme mais especificamente à educação, saliente-se, por exem- condições necessárias para "universalizar a forma mercantil" -, parece-nos,
plo, que as teorias pluralistas "tendem a recusar quaisquer limitações estrutu- no entanto, que esta passagem da sua obra é fundamental para perceber a
rais sobre o processo de elaboração das políticas", enquanto que as "teorias da teoria política do autor, exemplificando ao mesmo tempo o modo como o
sociologia crítica atribuem um papel fundamental ao conceito de autonomia sistema educativo pode servir para ajudar a concretizar a autonomia relativa
relativa precisamente para reconhecer uma determinação estrutural ou uma do Estado.
delimitação estrutural face às políticas" (Stoer, 1994, p. 6)2. Como o próprio Offe refere, o princípio que visa submeter todos os indi-
Claus Offe, que é um dos autores mais representativos a teorizar sobre a víduos a relações mercantilizadas (ou mercadorizadas) contribui muito mais
questão da autonomia relativa, refere duas versões contemporâneas das teorias para manter as políticas estatais sintonizadas com os interesses classistas dos
marxistas sobre o Estado. Para este autor, uma dessas versões sugere a exis- agentes de acumulação do que qualquer suposta conspiração ou acordo entre
tência de uma relação instrumental específica entre a classe dominante e o o Estado e a indústria (cf. Offe, 1984a, p. 138). Neste sentido, o papel da
aparelho estatal; a outra defende que "o Estado não favorece interesses espe- educação e formação acaba por ser também um papel de intermediação que
cíficos nem está aliado a classes específicas". Neste último caso, "o que o ajuda a dissimular o carácter classista do Estado. Aliás, como vários autores
Estado protege e sanciona é, pelo contrário, um conjunto de instituições e referem, Offe rejeita a ideia de um Estado determinado exclusivamente pela
relações sociais necessárias para a dominação da classe capitalista". Deste lógica do capital, antes defendendo que ele tem um papel de mediador (não
modo, acrescenta Offe, "embora não defenda os interesses específicos de uma neutro) entre a luta de classes e o processo de acumulação. Como ele próprio
única classe, o Estado procura, apesar disso, implementar e garantir os inte- escreve em outra passagem, "as políticas reformistas do Estado capitalista não
resses colectivos de todos os membros de uma sociedade de classes dominada servem, de modo algum, inequivocamente, os interesses colectivos da classe
pelo capital" (Offe, 1984a, pp. 119-120). capitalista" já que, com frequência, colidem com a mais vigorosa resistência e
oposição política desta classe (cf. Offe, 1984a, p. 126). Dito de outro modo, o
Desenvolvendo esta segunda versão, Offe esclarece a sua posição em
Estado não é controlado pela classe dominante pois, como já atrás se referiu,
relação às políticas de educação e formação defendendo que elas visam, es-
o seu papel nas sociedades capitalistas avançadas visa sobretudo
sencialmente, criar condições propícias à efectivação de relações de troca ou
intercâmbio capitalistas, ou seja, condições que possam aumentar as probabi- "[ ...] garantir as relações de troca entre actores económicos individuais. Uma
vez mais, isto não significa que o Estado capitalista atenda os interesses de
uma classe particular; mais precisamente, ele sanciona o interesse geral de
2. Do nosso ponto de vista talvez possamos situar, por um lado, Althusser e Poulantzas como dois todas as classes na base de relações de troca capitalistas" (Offe, 1984a, p.
autores que consideram a questão da autonomia relativa do Estado e reconhecem a determinação estrutu- 123, itálico nosso).
ral (no caso de Poulantzas sobretudo nos trabalhos da primeira fase) e, por outro, Claus Offe como exem-
plo de um autor que tendo também considerado a questão da autonomia relativa do Estado está, no entanto,
mais próximo do reconhecimento da delimitação estrutural na elaboração das políticas. Para uma análise
Por esta e outras considerações idênticas, alguns autores têm afirmado
aprofundada dos trabalhos destes autores, ver, por exemplo, Martin Camoy (I 990a e I990b).
que Claus Offe vai longe demais na sua concepção sobre a autonomia do

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Estado. Por exemplo, M. Carnoy e H. Levin (1985, p. 45), mesmo reConhe_ Neste momento, a necessidade de explicitar (e não adiar) uma posição
cendo que aquele e outros autores "deram uma contribuição significativa ao .nos a adoptar uma perspectiva bastante ampla que define o Estado como
enfatizar o próprio Estado como uma arena de conflito", criticam, no entanto leva"pacto de dominação social" do qual participam as classes sociais e, si-
o facto de estas teorias reconhecerem à burocracia do Estado grande indepen~ um
multaneamente, ~o~~ "uma uma entid
~ntl a d e a.d nu~lstr~tlva
.. . .auto-regulada, isto é, um
dência no estabelecimento de políticas, acabando por colocar o Estado e a 'unto de instItUlçoes, rotinas orgamzacionais, leiS e, sobretudo, burocra-
política educativa longe da influência quer dos grupos sociais, como os em- conj que é responsave
cia. 'I' por imp Iemen t ar esse pacto de domi orrunação ,' (Torres,
presariais, quer dos movimentos sociais.
1993, p. 44).
Ajulgar pela análise desenvolvida por alguns exegetas que têm acompa_ Esta definição, mais operatória, tem a vantagem de ser bastante congruente
nhado a evolução do pensamento de Claus Offe, parece-nos que a crítica de com a de outros autores que referem ser o Estado "um feixe de agências,
M. Carnoy e H. Levin já não é, neste momento, totalmente procedente. Se- departamentos e níveis, cada qual com as suas próprias regras e recursos, e
gundo John Keane, por exemplo, é significativo que, nos escritos mais recen- frequentemente com diversos propósitos e objectivos" (Held, 1989, p. 2), po-
tes de Offe, as políticas estatais tenham passado a ser consideradas dependen_ dendo mesmo incluir as organizações não-governamentais que são financei-
tes da "matriz de poder saciar', a qual está constantemente sujeita a transfor- ramente suportadas através de impostos (cf. Ginsburg et al., 1990, p. 489). O
mações pela actividade de grupos e movimentos sociais (Keane, 1984, p. 26). Estado está, assim, longe de poder ser conceptualizado como um todo
Esta evolução, aliás, pode notar-se num texto posterior de Claus Offe, intitulado monolítico já que é difícil esconder, ou não valorizar, as importantes diferen-
"Os novos movimentos sociais questionam os limites da acção institucional", ças existentes, entre e no interior dos vários aparelhos estatais, a respeito da
onde este autor afirma que actualmente se questiona cada vez mais "a utilida- maneira como se devem estabelecer as prioridades, não apenas face às solici-
de analítica da dicotomia convencional entre o Estado e a sociedade civil" e tações ou exigências que sobre esses aparelhos recaem, mas também tendo em
que isso passa, nomeadamente, por "processos de fusão entre ambas as esfe- consideração a capacidade de satisfazê-Ias (cf. Dale, 1989, p. 29).
ras, não só a nível de manifestações globais sociopolíticas mas também a ní-
vel dos cidadãos como actores políticos primários" (cf. Offe, 1992, pp. 163-
164)3.
2. Génese e desenvolvimento do Estado-providência
Para além disto, e independentemente das críticas a aspectos específicos
da contribuição de Claus Offe - que, como referimos, devem ser relativizadas Sendo importante para este trabalho perceber algumas das mutações re-
tendo em conta a evolução teórica incorporada em textos mais recentes _, o centes na natureza do Estado, não podemos deixar de considerar que é numa
que é inegável é que este sociólogo alemão tem tido uma influência importan- perspectiva diacrónica que se inscreve necessariamente uma melhor compre-
te no campo da sociologia (política) da educação, como se pode constatar em ensão dessas mutações. Assim, a forma como o Estado lida actualmente com
alguns dos trabalhos a que seguidamente faremos referência. Neles, como se as solicitações e exigências económicas e sociais é, pelo menos em parte, uma
verá, a compreensão do que é o Estado e dos modos como este funciona nas consequência das alterações que ocorreram na passagem da fase do capitalis-
sociedades capitalistas é uma condição indispensável para problematizar a mo competitivo liberal (em que o papel do Estado se limitava a criar algumas
função da escola e da educação. Procuraremos em seguida sumariar alguns condições gerais para o funcionamento da economia) para a fase do capitalis-
tópicos sobre este assunto. mo monopolista (em que as funções do Estado passam a estender-se mais
Uma primeira ideia, que é frequente ser referida para introduzir a ques- directamente à produção) - "Na fase do capitalismo monopolista produzem-
tão atrás enunciada, é a de que o Estado não é sinónimo de governo, embora se mudanças fundamentais. As relações entre o político e o económico, entre
essa seja a sua representação social mais frequente. Reduzir o Estado aos ór- o Estado e a sociedade, estabelecem-se a partir de outros pressupostos que
gãos que compõem o governo - diz R. DaIe - é reduzir o todo ao que pode levam a que à separação se suceda a inter-relação. É isto que significa e supõe
ser considerado, tão só, a sua "parte mais activa e visível". a aparição do Estado-providência" (Martín, 1994, p. 64).
. De facto, na fase de expansão capitalista que se seguiu à IIGuerra Mun-
dial, o Estado-providência passou a ser a fórmula encontrada em muitos paí-
3. Claus Offe chama também a atenção para o facto de diferentes actores colectivos, nomeadamente
os vários tipos de movimentos sociais, estarem a abrir "fendas no sistema de monopólio do poder do
ses para a gestão das contradições que vão tornar-se cada vez mais agudas
Estado" (Offe, 1996, p. 65), mostrando assim que algumas concepções tradicionais de Estado se tornaram ~omo resultado, por um lado, da necessidade de o Estado ter uma decisiva
obsoletas.
IOtervenção económica e, por outro, de ter que criar condições para atender às
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novas e crescentes expectativas e necessidades sociais, muitas delas decor- "O Estado-providência é a forma política dominante nos países centrais na fase
rentes do reconhecimento de direitos de cidadania como a protecção social, o de 'capitalismo organizado', constituindo, por isso, parte integrante do modo
acesso aos cuidados de saúde e à educação, entre outros. de regulação fordista. Baseia-se em quatro elementos estruturais: um pacto en-
tre o capital e o trabalho sob a égide do Estado, com o objectivo fundamental de
Para compreender adequadamente o carácter intrinsecamente contradi- compatibilizar capitalismo e democracia; uma relação constante, mesmo que
tório destas novas solicitações é preciso ter presente alguns dos "problemas tensa, entre acumulação e legitimação; um elevado nível de despesas em inves-
centrais" do Estado capitalista, a saber: a) a necessidade de apoiar o processo timentos e consumos sociais; e uma estrutura administrativa consciente de que
de acumulação; b) a necessidade de garantir o contexto adequado à contínua os direitos sociais são direitos dos cidadãos e não produtos da benevolência
expansão deste processo; e c) a necessidade de legitimação do modo capitalis- estatal" (Santos, 1993, pp. 43-44).
ta de produção (cf. Dale, 1989; Dale & Ozga, 1991).
Sendo que as (sempre provisórias) soluções encontradas num determi- As políticas económicas keynesianas adoptadas pelo Estado em alguns
nado momento para atender às exigências da acumulação são também (fre- países capitalistas centrais no pós-guerra tiveram como consequência um cres-
quentemente) contraditórias com as necessidades de legitimação, o Estado cimento económico sem precedentes e permitiram, ao longo de aproximada-
acaba por se envolver numa crise estrutural que se vai agravando à medida mente três décadas, assegurar (quase) o pleno emprego, manter uma inflação
que, perante as crescentes exigências que sobre ele pesam, se verifica "uma baixa e alargar o acesso a determinados bens e serviços considerados como
tendência para as despesas públicas crescerem mais rapidamente do que os direitos sociais (entre outros, o direito ao trabalho e à protecção social; a igual-
meios de financiá-Ias" (O'Connor, 1977, p. 22)4. dade de oportunidades no acesso à educação e aos serviços de saúde, etc.)-
Pela sua natureza intervencionista, o Estado-providência é, assim, a for- razão pela qual "os anos de 1945 e de 1973 definem, por assim dizer, as frontei-
ma política do Estado que mais contri bui para esta crise fiscal permanente. ras mágicas de um período para o qual não faltam designações vistosas, como a
que refere o pleno desenvolvimento de um círculo virtuoso da economia ou a
Apesar disto, no pós-guerra, o Estado-providência conseguiu, em dife-
que qualifica aquele período de trinta anos gloriosos" (Reis, 1992, p. 31).
rentes países, ser a fórmula política mais adequada para fazer a gestão de
solicitações sociais, políticas e económicas dificilmente conciliáveis. Neste
período, como acentua Offe, o Estado "mantém o controlo do capital sobre a 2.1. A crise do Estado-providência
produção" mas também "fortalece o potencial de resistência do operariado"
perante esse mesmo controlo. Deste modo, "as relações de produção explora- A recessão económica que ocorre na sequência do chamado choque do
doras coexistem com maiores possibilidades de resistir, escapar e mitigar a petróleo no início dos anos setenta - e que se tornou socialmente visível com
exploração" (Offe, 1984a, pp. 151-152) - o que ilustra bem a natureza com- o aumento da inflação mais o aparecimento do desemprego massivo
plexa e contraditória desta espécie de "pacto objectivo" ou "conciliação táci- (estagflação) -, conduziu rapidamente a uma revisão dos postulados do mo-
ta" entre o capital e o trabalho (Martín, 1994, p. 65) que se tornou um dos delo keynesiano em que assentava o Estado-providência, revelando as contra-
elementos estruturais do Estado-providência, visando assim "garantir a coe- dições e as limitações inerentes à fórmula política adoptada e "semeando a
xistência pacífica entre o capitalismo e a democracia" (Habermas, 1994, p. dúvida sobre a omnicompetência do Estado e da sua capacidade de adaptação
121). Estes aspectos refere-os igualmente Boaventura Santos quando, ao sin- a situações novas" (Badie & Birnbaum, 1994, p. 189). Como consequência, o
tetizar as principais características do Estado-providência, escreve: intervencionismo estatal, até então aceite como benéfico, passou a ser visto
como um impedimento para a resolução dos problemas emergentes (cf. Picó,
1987).
4. Como esclarece James O'Connor, "o Estado capitalista tem de tentar desempenhar duas funções A crítica ao modelo do Estado-providência passa a ser uma constante
básicas e muitas vezes contraditórias: acumulação e legitimação. Isto quer dizer que o Estado deve tentar
vinda dos sectores liberais e conservadores que integram a chamada nova
manter, ou criar, as condições em que se faça possível uma lucrativa acumulação de capital. Entretanto, o
Estado também deve manter ou criar condições de harmonia social. Um Estado capitalista que empregue direita. É esta coligação política, resultante de interesses e valores contraditó-
abertamente sua força de coação para ajudar uma classe a acumular capital à custa de outras classes perde rios, que irá marcar a agenda ao longo dos anos oitenta em muitos países.
sua legitimidade e, portanto, abala a base de suas lealdades e apoios. Porém, um Estado que ignore a
Dessa agenda fazem parte estratégias políticas e económicas que visam a
necessidade de assistir o processo de acumulação de capital arrisca-se a secar a fonte de seu próprio poder,
a capacidade de produção de excedentes econômicos e os impostos arrecadados deste excedente (e de revalorização do mercado, a reformulação das relações do Estado com o sector
outras formas de capital)" (O'Connor, 1977, p. 19). privado, a adopção de novos modelos de gestão pública preocupados com a
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eficácia e a eficiência ("new public management"), e a redefinição dos direi- volvido. Se assim não acontecer, esclarece, o Estado-providência deixará de
tos sociais (cf. Pollitt, 1993; Ranson & Stewart, 1994; Salter, 1995). ser uma instituição universal que garante os direitos sociais fundamentais para
uma grande maioria e passará a ser apenas uma solução de recurso para os
Passados alguns anos e iniciada uma outra década, a análise retrospecti- mais desfavorecidos. Neste caso, a sua própria sobrevivência estará em causa
va do que ocorreu, sobretudo nos Estados Unidos e na Inglaterra, revela, ape- porque "uma instituição que se encarrega somente dos pobres acaba conver-
sar de tudo, que o projecto da nova direita não terá sido totalmente bem suce- tendo-se em algo secundário" (Therborn, 1994, p. 63).
dido. Se, por exemplo, o pleno emprego deixou de ser um dos objectivos mais Uma leitura mais pessimista fortalece a ideia de que a transição para
importantes das políticas públicas (passando, ao contrário, o desemprego a ser uma sociedade pós-fordista está de facto a criar uma "economia dual" ou uma
visto mesmo como solução ou, pelo menos, como uma consequência natural "sociedade de duas nações" - e é isso precisamente que leva autores como
da implementação do mercado competitivo), o mesmo não parece ter aconte- Ramesh Mishra (1995) a acreditarem que "o Estado-providência está de facto
cido com os "programas sociais universais" que eram a marca distintiva do a revelar-se reversível", ainda que se trate de uma estratégia de retracção a
Estado-providência e que, em grande parte, continuaram a vigorar (cf. Mishra, longo prazo.
1995; Therborn, 1995). Alguns autores referem mesmo que os governos con-
servadores não conseguiram o sucesso económico que apregoavam no início
da crise, "convertendo-se assim em gestores de um Estado-providência que 3. A tipologia habermasiana das crises do capitalismo e a educação:
pretendiam desmantelar" (Benedicto & Reinares, 1992, p. 20). dois exemplos de recontextualização
Estamos, portanto, face a uma avaliação genérica das mudanças políti-
cas do neo-laissez-faire, que é pouco consensual, aliás, já que tem vindo a Uma das concepções mais interessantes para compreender as mudanças
alimentar uma interessante polémica nas ciências sociais sobre a questão da atrás referidas foi proposta por Jürgen Habermas (1988) quando analisou as
manutenção versus retracção do Estado-providência: se uns defendem que o "tendências de crise específicas do sistema" capitalista (cf. quadro 3).
Estado-providência irá continuar a resistir, como alguns exemplos demons-
tram (cf. Clasen & Gould, 1995), outros advogam que a questão da
QUADRO 3
reversibilidade não foi de todo resolvida, e outros, ainda, acham que ele vai Tipologia das crises do capitalismo
continuar mas "terá de ser reconstruído com o mínimo de burocracia"
(Dahrendorf, 1993, p. 33).
PONTO DE ORIGEM CRISE DO SISTEMA CRISE DE IDENTIDADE
Alguns sociólogos como Jürgen Habermas têm feito notar que, apesar
dos muitos problemas e contradições que lhe são inerentes, não é possível Crise económica
Sistema económico
substituir o Estado-providência: "Precisamente a falta de opções substitutivas
e, inclusive, a irreversibilidade de algumas estruturas de compromisso pelas Sistema político Crise de racionalidade Crise de legitimação
quais foi necessário lutar, situam-nos perante o dilema de que o capitalismo
avançado não pode viver sem o Estado social, nem tão-pouco pode fazê-lo Sistema sócio-cultural Crise de motivação
com ele" (Habermas, 1994, p. 124). Ou, como afirma Offe de forma muito
semelhante, "O desagradável segredo do Estado social reside em que, apesar Fonte: Jürgen Habermas (1988) [1973] Legitimation crisis. Cambridge: Polity Press, p. 45.
do seu efeito sobre a acumulação capitalista poder muito bem tornar-se
destrutivo (como a análise conservadora demonstra tão enfaticamente), a sua
Habermas sugere quatro "possíveis tendências de crise": a crise
eliminação seria evidentemente disruptiva (fato que a crítica conservadora
económica que tem como ponto de origem o sistema económico; a crise de
sistematicamente ignora). A contradição consiste em que o capitalismo não
pode coexistir com o Estado social nem continuar existindo sem ele" (Offe, racional idade e a crise de legitimação que se originam no sistema político; e a
1991, p. 122). crise de motivação com origem no sistema sócio-cultural.
É relativamente consensual que o capitalismo sofre periodicamente cri-
Para Gõran Therborn, o Estado-providência constitui, apesar de tudo,
ses de acumulação económica. Para reagir a essas crises, o Estado assume
um "capital político importante dos progressistas" - capital político que não
algumas tarefas de apoio ao processo de acumulação - tarefas essas que tenta
pode ser considerado ultrapassado, devendo antes ser qualitativamente desen-
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aspirações que não podem ser coordenadas com as oportunidades ocupacionais
dissimular uma vez que não são compatíveis com a procura de consentimento
(cf. Held, 1989, p. 85).
ou "lealdade das massas'".
O que parece assim estar também em causa é a própria ideologia do
Segundo Habermas, é a "lealdade das massas" que constitui o input do êxito (achievement ideology) - um dos elementos centrais da concepção bur-
sistema político, ao qual, por sua vez, corresponde um output que consiste em guesa que sempre defendeu que "a distribuição das recompensas deveria ser
"decisões administrativas soberanamente executadas". As crises manifestam- uma imagem isomórfica das realizações individuais" (Habermas, 1988, p. 81).
se quer num quer noutro ponto do sistema político. Assim, relativamente ao Desacreditado o mercado, enquanto mecanismo justo de distribuição de opor-
output, pode falar-se de uma crise de racionalidade que se expressa na inca- tunidades de vida, o sucesso ocupacional passou a ser mediado pela escola-
pacidade do sistema administrativo dar conta com sucesso dos imperativos do solução que, por sua vez, só poderia ter tido credibilidade, segundo Habermas,
sistema econômico". Por sua vez, com referência ao input, pode falar-se de se fossem preenchidas as seguintes condições: a) igualdade de oportunidades
uma crise de legitimação quando o sistema político deixa de poder contar para admissão ao ensino superior; b) padrões de avaliação do desempenho
com o nível indispensável de lealdade das massas. Embora se desenvolvam escolar não discriminatórios; c) desenvolvimentos sincrónicos do sistema edu-
no mesmo sistema, estas duas tendências de crise diferem na forma como cacional e do sistema ocupacional; d) processos de trabalho em que se permi-
aparecem. Finalmente, a crise de motivação tem origem nas mudanças que tisse a avaliação de acordo com realizações susceptíveis de responsabilização
afectam o sistema sócio-cultural. Dado que o sistema sócio-cultural recebe o individual ("individuaIly accountable achievements"). Também neste caso,
input do sistema político e do sistema económico, as crises próprias do siste- acrescenta Habermas, se é possível dizer que alguns progressos ocorreram nas
ma sócio-cultural são sempre crises de output. Estas tornam-se visíveis pela duas primeiras condições, o mesmo já não se pode dizer em relação às outras,
ruptura do sistema cultural tradicional (o sistema moral, as visões do mundo) nomeadamente pelo facto de "a expansão do sistema educacional se estar a
bem como pelas mudanças nos sistemas de educação de que fazem parte, no- tornar cada vez mais independente das mudanças no sistema ocupacional"
meadamente, a escola, a família e os meios de comunicação de massas (cf. (Habermas, 1988, p. 81).
Habermas, 1988, pp. 46-48). Talvez por isto, muitos autores, ao considerarem a tipologia proposta
Dito de outro modo, os padrões motivacionais do capitalismo avançado por Jürgen Habermas, se inclinem a interpretar a crise de motivação sobretudo
produzir-se-iam por uma mistura de elementos tradicionais pré-capitalistas como uma crise que se expressa pela ausência de um sentido para a vida.
(por exemplo, a velha ética cívica, a tradição religiosa) e de elementos bur- Relativamente aos jovens, a crise de motivação (ou a perda desse sentido para
gueses (por exemplo, o individualismo possessivo e o utilitarismo). Acontece, a vida) acentuar-se-ia quando estes se dão conta, por exemplo, que, perante a
porém, que os elementos pré-capitalistas estão agora ameaçados pelo proces- crise económica e na sequência do desaparecimento da ideia de vocação, con-
so de crescente racionalização social e de crescente relativização moral, e os seguir um emprego significa apenas a oportunidade de obter um salário, ou,
elementos centrais da ideologia burguesa sofrem igualmente um processo de pior ainda, que o crescente esforço exigido pela escola garante cada vez me-
erosão, nomeadamente pelo facto de o sistema educativo criar expectativas e nos a inserção no mercado de trabalho e a concretização dos projectos pesso-
ais (cf. Young, 1989).
Esta crise de motivação está igualmente relacionada com a "colonização
5. A propósito desta necessidade de dissimulação, escreveu há algum tempo O'Connor: "O Estado
deve envolver-se no processo de acumulação, porém tem de fazê-Ia mistificando sua política, denominan- do mundo da vida", como parece depreender-se de um outro texto de Habermas
do-a de algo que não é, ou tem de ocultá-Ia (por exemplo, transformando temas políticos em temas adminis- no qual este autor reconhece e responde a algumas críticas relativas à pouca
trativos)" (O'Connor, 1977, p. 19).
clareza na distinção que propõe entre crise de legitimação e crise de motiva-
6. "Output crises have the form of a rationality crisis in which the administrative system does not
succeed in reconciling and fulfilling the imperatives received from the economic system" (Habermas, 1988, ção. Neste texto, Habermas escreve:
p. 46). Na interpretação de Barbara Freitag, a crise de racionalidade ocorre "quando o Estado capitalista se
vê forçado a ajustar racionalmente meios a fins em função de valores e problemas muitas vezes não "Para as deformações do mundo da vida, que nas sociedades modernas se fa-
conciliáveis, procurando otimizar os ganhos em todos os casos. Isso ocorre freqüentemente na tentativa do zem sentir como destruição das formas tradicionais de vida, como ataque à
Estado de conciliar os interesses da política interna com os da política externa". E mais à frente: "Enquanto
infraestrutura comunicativa dos mundos da vida, como anquilosamento de uma
Estado-nação, procura maximizar ou otimizar os lucros defendendo uma posição econômica favorável no
mercado internacional. Digladia-se com períodos de recessão, concorrência no mercado, oligopólios, falta prática quotidiana unilateralmente racionalizada e que se expressam em sequelas
de matéria-prima, elevação dos preços do petróleo, etc., e procura permanentemente atender às exigências que representam tradições culturais empobrecidas e processos de socialização
do sistema produtivo, seja como consumidor, seja como produtor de mercadorias (crise de racionalidade)" perturbados, empreguei nesse momento o equívoco rótulo de crise de motiva-
(Freitag, 1990, p. 100 e p. 103).
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ção. Hoje preferiria entendê-Ia como um caso paralelo ao da crise de legiti- QUADRO 4
mação" (Habermas, 1989, p. 474). Crises sociais e educacionais

PERÍODOS TIPO DE CRISE TIPO DE CRISE PONTO DE


De facto, parece existir uma relação muito próxima entre crise de SOCIAL EDUCACIONAL CONVERGÊNCIA
legitimação e crise de motivação uma vez que uma ocorre na sequência da não POLÍTICAS
resolução da outra. Mais explicitamente, quando ocorre uma crise de
legitimação é porque o Estado tem dificuldade em promover, justificar e de- Finais de 1950- Racionalidade Administração e Escolas secundárias
Meados de 1970 reorganização não selectivas
fender certas políticas - o que, aliás, se toma cada vez mais frequente dado o
carácter contraditório de muitas iniciativas e decisões que são tomadas, sobre- Meados de 1970- Legitimação Currículo Direito a um currículo
tudo no campo económico. Neste quadro, acrescenta Barbara Freitag, o início de 1980 comum
insucesso do Estado, quando procura explicar e defender medidas que
implementou, reflecte-se numa crise de motivação. É uma crise "que anuncia Início de 1980 ... Motivação Avaliação dos alunos Registos de avaliação
problemas de integração social" e que ocorre quando "os indivíduos membros (e dos professores)

de uma sociedade já não se sentem motivados a seguir as instruções e ordens Fonte: Adaptado de Andy Hargreaves (1989a) Curriculum and Assessment Reform. Milton
advindas do sistema econômico e político". Esta crise de motivação pode le- Keynes: Open University Press, p. 103.
var também a uma procura de alternativas de vida em relação às que estão
institucionalizadas, podendo ter expressão em determinados grupos ou movi-
mentos sociais (cf. Freitag, 1990, pp. 100-101). Segundo Andy Hargreaves, nos anos cinquenta e sessenta as reformas
na Inglaterra apoiaram-se fundamentalmente em estratégias administrativas
A teoria das crises de Jürgen Habermas, aqui sucintamente referida a
que conduziram à expansão e à reorganização do sistema educativo. O Estado
partir de alguns dos seus textos e da interpretação que deles fizemos - fre- preocupou-se com a qualificação técnica dos indivíduos (investimento em
quentemente apoiada, aliás, em outros autores dada a manifesta e genérica capital humano) para atender ao crescimento da economia e para dar satisfa-
dificuldade conceptual que os caracteriza -, tem sido utilizada como recurso ção às novas exigências decorrentes das políticas de bem-estar social que se
analítico por alguns investigadores do campo da educação. Parece-nos por verificaram no pós-guerra. É uma época de crença optimista na educação que
isso útil referir aqui dois desses trabalhos até porque têm a particularidade de levou à criação da escola secundária de massas (comprehensive school) e à
tentar articular algumas mudanças que têm vindo a ocorrer nos sistemas implementação de políticas de igualdade de oportunidades.
educativos com a problemática da avaliação educacional. Um desses traba-
A recessão económica de meados dos anos setenta veio pôr termo a este
lhos, proposto por Andy Hargreaves (1989a, 1989b), diz respeito a um país
consenso optimista sobre a educação. Diminui a crença nos benefícios da ex-
central que é a Inglaterra; e o outro, proposto por Félix Angulo (1993), a um pansão e reorganização, e as estratégias administrativas adoptadas até aí dei-
país (semi)periférico que é a Espanha. xaram de ser percepcionadas como adequadas, instalando-se uma crise de
racionalidade administrativa. Esta crise combinou-se rapidamente com uma
No que diz respeito à Inglaterra, Andy Hargreaves considera que nas crescente desconfiança em relação às instituições sociais, provocando o
últimas décadas as tentativas mais importantes de reestruturação da educação questionamento da qualidade da escola pública e obrigando a redefinir os pro-
coincidem com três períodos caracterizados por um tipo particular de crise pósitos da educação. A descrença no sistema educativo - agora no contexto
social: um primeiro período, que é marcado por uma crise de racionalidade, de uma crise de legitimação -, reflecte-se, em termos educacionais, nas dis-
vai do fim dos anos cinquenta a meados dos anos setenta; um segundo perío- cussões que terão como foco o currículo. Não se trata, observa Hargreaves,
do, que vai de meados dos anos setenta ao início dos anos oitenta, corresponde exactamente de uma desconfiança que tenha origem numa suposta convicção
a uma crise de legitimação; e um terceiro período, que se inicia com a década de que o currículo, por estar fora do controlo público, teria mais facilmente
de oitenta, mas sem um limite muito definido, é aquele em que ocorre uma deixado de corresponder às necessidades económicas. O que parece explicar
crise de motivação. A cada um desses períodos correspondem crises educacio- esta focalização no currículo é a percepção de que ele podia assumir um papel
nais específicas que procuram ser resolvidas através de mudanças nas políti- ideológico importante para criar "uma nova base de consentimento e coesão
cas de educação (cf. quadro 4). sociais".
106 107
No entanto, esta oportunidade de dar uma outra orientação à política Como se verifica pela interpretação teórica que acabá mos de sintetizar,
educativa (aproveitando, nomeadamente, a própria reivindicação, então emer- as crises sociais e educacionais vão sendo diferentemente classificadas e no-
gente, do direito a um currículo comum) derivou para outras soluções que meadas mas mantêm uma ligação estreita com as condições e consequências
levaram o currículo a reforçar-se como "um mecanismo de diferenciação so- do funcionamento do sistema económico. Aliás, na esteira de outros trabalhos
cial e educacional". Assim, "no início dos anos oitenta o currículo como um que temos vindo a citar, Andy Hargreaves começa por considerar que grande
todo já não era visto como uma estratégia dominante para assegurar o consen- parte da "educação organizada" é parte do Estado, e que este tem como uma
timento social, restaurar uma crença comum, restabelecer uma ampla das suas funções intervir na economia, sobretudo para prevenir ou compensar
legitimação para os propósitos da sociedade e das instituições numa época em os efeitos não desejados da actividade económica - o que significa que a
que as oportunidades continuavam a ser esporádicas, os empregos raros e as forma como o Estado gere a educação está fortemente condicionada pela "sor-
recompensas escassas" (Hargreaves, 1989b, p. 109). te da economia" e pelas estratégias adoptadas para lidar com os problemas
Com a entrada na década de oitenta, abre-se um novo período no qual se que derivam do sistema económico.
assistirá a um aprofundamento do sentimento de insatisfação dos jovens face Nesta mesma linha, vamos referir também um texto de Félix Angulo
às perspectivas pessimistas de futuro a que a escola não parece ser capaz de (1993) que procura ensaiar uma possível articulação da tipologia das crises
responder. A isto se associa a recessão económica, bem como o declínio das de Jürgen Habermas com a tipologia das "estratégias de legitimação com-
formas tradicionais de apoio emocional e cultural, como a comunidade e a pensatória" de Hans Weiler, aplicando-a à evolução da política educativa
família, cerceadas pela intromissão crescente do Estado na vida privada dos espanhola.
indivíduos - factores e indicadores idênticos, aliás, aos que já Habermas
Porém, antes de entrarmos nessa proposta de articulação teórica, parece-
havia nomeado na sua análise sobre o capitalismo tardio.
nos útil apresentar uma pequena síntese do artigo "Legalization, expertise,
Independentemente dos sintomas específicos desta nova fase - que al- and participation: strategies of compensatory legitimation in educational
guns autores, segundo o próprio Hargreaves, contestam -, terá sido por esta policy" onde H. Weiler esclarece a sua tipologia.
altura percepcionada uma crise de motivação dos jovens que volta a estimular
Partindo do pressuposto, comum a outros autores, de que o Estado capi-
mudanças na política educativa visando agora, sobretudo, a introdução de novas
formas de avaliação. É precisamente neste período_que surgem os chamados talista opera com um défice permanente de legitimidade - que se reflecte de
records of achievement - os novos "registos de avaliação" que passaram a modo particular na área da educação, e para o qual contribuem simultanea-
ser vistos (e propagandeados) como uma forma de avaliação capaz de promo- mente algumas das funções do próprio sistema educativo -, Weiler (1983)
ver a motivação dos alunos. considera que existem três estratégias na política educativa que são particular-
mente úteis para responder a esta situação: trata-se de políticas específicas,
Andy Hargreaves, no entanto, questiona fortemente a aceitação acrítica
vistas como "estratégias de legitimação compensatória", que implicam a utili-
destas novas propostas de avaliação por conterem implicitamente a ideia de
zação da legislação, do conhecimento especializado e da participação, e que
que a motivação dos alunos seria um fim em si mesmo e, por isso mesmo,
se destinam a apoiar o Estado na superação ou na diminuição dos défices de
independente da discussão (e da legitimidade) dos conteúdos a serem aprendi-
legitimidade.
dos. Deste modo, continua este autor, um processo que pretende, mesmo que
seja com as melhores intenções, aumentar a motivação para a aprendizagem No campo da política educativa, mais concretamente, recorre-se com
mas sem discutir os propósitos curriculares subjacentes pode ser "equivalente alguma frequência a estratégias de legitimação compensatória que têm como
a uma manipulação de disposições, hábitos e inclinações" para promover o base a invocação de normas legais e decisões judiciais ("legalization" ou
ajustamento dos jovens a qualquer exigência do sistema social e económico. "judicialization"); a utilização do conhecimento científico e técnico através
Nestas circunstâncias, acrescenta Hargreaves, promover a motivação deixa de de instrumentos de planificação e experimentação ("expertise"); e o estabele-
ser um processo pedagógico, cujo objectivo seria criar uma predisposição cimento de formas de participação dos actores nos processos de decisão
positiva para os alunos aprenderem conhecimentos que valem a pena ser ("participation"). Nas palavras de Hans Weiler, estas três estratégias não são
aprendidos, para passar a ser um processo sócio-político, gerido pelo Estado, de senão variantes daquilo que o pensamento político ocidental tem considerado
acomodação às realidades da crise económica: a motivação, que deve ser essen- como as principais fontes de legitimidade da autoridade política: os princípios
cialmente um processo de encorajamento educativo, pode transformar-se assim da legalidade, da racional idade organizacional e da participação democrática
numa outra estratégia de gestão da crise (cf. Hargreaves, 1989b, pp. 112-113). (cf. Weiler, 1983, p. 263).
108
109
Partindo das tipologias de Weiler e de Habermas, anteriormente referi- apenas dois ou três aspectos da proposta em causa. Um desses aspectos pare
das, Félix Angulo (1993) interpreta a evol ução da política educati va e curricular ce indicar que a Ley de Ordenación deZ Sistema Educativo (LOGSE) foi nã
em Espanha, e tenta projectar a sua evolução futura, "combinando os tipos de só a principal estratégia legislativa (Zegalization) considerada pelo Estad
crise e as estratégias de solução", em função das exigências que o capitalismo espanhol para solucionar a crise de racionalidade e de legitimidade do siste
avançado faz ao Estado e ao sistema educativo. Aquelas exigências passariam ma educativo no período em causa, como ela própria seria um bom exempl
pela implementação de critérios relativos à contenção de despesas, e pela va- quer da colaboração dos especialistas, que teriam contribuído para a aceita
lorização da eficácia e da eficiência; pela preparação de mão-de-obra qualifi- ção das opções tomadas em relação à estrutura e conteúdos dos novos currí
cada ou pela sua predisposição para uma qualificação posterior e permanente culos (expertise), quer da consagração e promoção da participação dos dife
no posto de trabalho; pela diferenciação e selecção individual dos sujeitos; e rentes actores enquanto uma nova estratégia adoptada no campo educaciona
pela flexibilização dos modelos burocráticos de gestão. A expressão destes (participation ).
vectores, segundo o autor, encontrar-se-ia (também em Espanha) nas orienta- Para os objectivos deste trabalho, são ainda mais importantes alguma
ções de política educativa que se desenvolveram ao longo dos anos oitenta e considerações feitas por Félix Angulo a propósito das funções da avaliaçã
início dos anos noventa. É isto, precisamente, que o quadro 5 pretende que classifica "segundo a sua importância real para o Estado e para o capita
exemplificar. lismo, como primárias, secundárias e terciárias". Para este autor, as funçõe
I·)il
que designa por primárias (a "selecção dos indivíduos", o "controlo adminis
trativo" e a "gestão produtivista do sistema") são as mais importantes nest
QUADROS
momento, nomeadamente porque estão associadas ao ressurgimento da ideo
Desenvolvimento da política educativa e curricular em Espanha nos anos oitenta
logia meritocrática, às pressões para fomentar a competição entre escolas e à
exigências de acompanhamento do "rendimento do sistema educativo", so
Sistema Sóciocultural bretudo em termos da sua eficácia e eficiência. Estas funções da avaliação, en
grande medida implícitas ou "ocultas", tomaram-se gradualmente explícita
Racionalidade Legitimação Motivação com a implementação das políticas neoconservadoras em países como os EU}
E
Legislação Leis de racionalização
e a Inglaterra. As funções designadas por intermédias ou secundárias (po
Currículo nacional! Sistema de
S do sistema (LOGSE) estatal centralizado acredi tação/
exemplo, o "reforço da homogeneidade cultural" e a "valorização de aprendi
T selecção zagens, conteúdos e processos curriculares") são apresentadas como funçõe
meritocrática publicamente aceites, muito embora possam produzir efeitos negativos e vir;
R
introduzir tensões importantes no sistema educativo. Conforme observa o au
A Conhecimento Estruturas/racionais: Conteúdos culturais Provas/exames
especializado níveis de concretização
tor, se, por um lado, tende a acentuar-se uma certa estandardização cultural
avaliados por nacionais
T nomeadamente através de currículos nacionais, por outro lado, assiste-se;
curricular. DCBs. especialistas (ex: <'

É matemática, ciências valorização da intermulticulturalidade; se, de algum modo, são valorizadas a


G e línguas) aprendizagens dos alunos, por outro; certos conteúdos curriculares tenderão;
prevalecer em função de objectivos que serão medidos através de provas I
I Participação Leis de racionalização Participação Sociedade civil
da participação
exames. Por último, as funções designadas por "terciárias" ou "explícitas" sã,
A constrangida/ como cliente do
(LODE) dependente sistema educativo.
aquelas que servem apenas a objectivos políticos meramente retóricos -
S objectivos que são anunciados nos discursos quando se enumeram a
Competição entre
escolas virtualidades da avaliação, quer para melhorar a informação sobre o sistem
educativo, quer para justificar uma pretensa mobilidade social, quer aind:
Fonte: Adaptado de Félix Angulo (1993). "Evaluación deI sistema educativo". Cuadernos de
Pedagogía, n° 219, p. 10. para promover a motivação individual.
Numa perspectiva comparativa, e ao contrário do que à primeira vist:
possa parecer, estamos perante dois ensaios bastante diferentes.
Sem querermos retomar em pormenor a reforma educativa espanhola No que diz respeito às crises de legitimação (ou de confiança) nos si:t~
(mesmo porque já foi considerada, em boa parte, no capítulo 2), salientaremos mas educativos, os dois autores coincidem em afirmar que, ao longo das últi
110 11
mas décadas, as tentativas de solução dessas crises passaram sobretudo pelo neoconservador e fomos procurando perceber as implicações destes aconteci-
currículo. Quer no caso da Inglaterra, quer no caso da Espanha, tanto a mentos em termos de reformulação das políticas educativas e avaliativas. Sendo
implementação como a redefinição de um currículo nacional foram igualmen- a redefinição do papel do Estado e a revalorização da ideologia do mercado
te acompanhadas pelo reforço dos mecanismos de controlo por parte do Estado. dois vectores essenciais destas mudanças, é por referência a estes elementos
Já no que diz respeito à crise de motivação, que os mesmos autores rela- que construiremos grande parte do nosso quadro teórico, relativamente ao
cionam com as mudanças nos processos de avaliação, notam-se divergências qual faremos a análise sociológica do papel da avaliação educacional nas po-
importantes. Se, por um lado, no caso do esquema conceptual proposto por líticas contemporâneas.
Hargreaves, são as novas formas de avaliação, como os records of achievement,
que são tratadas como pretensas estratégias de atenuação da crise de motiva-
ção, por outro, no esquema proposto por Félix Angulo, parece que esta função 4. Estado, mercado e avaliação: esboço para uma articulação teórica
é, ao contrário, atribuída a formas de avaliação mais selectivas e meritocráticas
(provas e exames nacionais) capazes de promover a comparação entre alunos 4.1. O mito do livre-mercado e a manutenção do Estado forte
e favorecer a competição entre escolas (cf. quadro 5).
Relativamente a estas perspectivas, percorremos com atenção vários tra- Como já tivemos oportunidade de referir em outros momentos", nos paí-
balhos que aceitam que as diferentes modalidades de avaliação podem ter ses capitalistas centrais o período em análise caracterizou-se pela emergência
alguma relação diferencial com a crise de motivação, mas não encontrámos das políticas da chamada nova direita. Em The Free Economy and the Strong
argumentos convincentes que permitissem concluir que as provas e exames State - uma obra por muitos considerada essencial para a compreensão des-
nacionais são as formas de avaliação que, no contexto das mudanças sócio- tas políticas nos E.U.A e na Inglaterra -, Andrew Gamble mostra bem como
económicas actuais, podem contribuir mais eficazmente para atenuar a referi- elas, de forma muito distinta de políticas anteriores, também de direita, foram
da crise. Naturalmente que poderemos ainda considerar um problema mais marcadas por uma singularidade própria: uma combinação da defesa da livre
importante: trata-se de questionar a própria hipótese de partida que supõe que economia, de tradição liberal, com a defesa da autoridade do Estado, de tradi-
a avaliação pedagógica pode contribuir de forma significativa para solução da ção conservadora. Na base desta bipolaridade, decisões não-intervencionistas
crise de motivação. Se lembrarmos que esta crise, no sentido habermasiano, e descentralizadoras passaram a coexistir com outras altamente centralizadoras
está muito longe de se circunscrever ao contexto escolar, não será bastante e intervencionistas, revelando a ambiguidade inerente a esta articulação polí-
redutor esperar que os problemas que resultam da interacção de factores tica que fez com que a nova direita pudesse "parecer sucessivamente libertária
económicos, sociais e políticos, profundamente imbricados nas mutações do e autoritária, populista e elitista" (Gamble, 1994, p. 36).
Estado e do capitalismo a nível nacional e global, possam ser solucionados Como sintetiza um autor, "para os neoliberais a ênfase é sempre na li-
(ou mesmo significativamente atenuados) através de mudanças na avaliação berdade de escolha, no indivíduo, no mercado, no governo mínimo e no laissez-
pedagógica? faire; enquanto que os neoconservadores dão prioridade a ideias como o
Independentemente de alguns limites teóricos ou metodológicos dos tex- autoritarismo social, a sociedade disciplinada, a hierarquia e subordinação, a
tos acima analisados (em parte assumidos pelos próprios autores), é justo re- nação e o governo forte" (Chitty, 1994, p. 23).
conhecer que se trata de duas tentativas importantes de articulação das mu- O resultado destas tensões e contradições - decorrentes de uma fórmu-
danças sociais e das formas de avaliação, tão mais importantes quanto escas- la política que exige um Estado limitado (portanto, mais reduzido e circuns-
seiam os trabalhos originais que com este objectivo podem ser considerados crito nas suas funções) mas, ao mesmo tempo,forte (no seu poder de inter-
especificamente sociológicos. venção) - produziu em certo sentido um desequilíbrio importante a favor do
Estado e em prejuízo do livre-mercado. Designado já como o "paradóxo do
Por isso, o nosso próprio contributo insere-se também nessa linha de
Estado neoliberal", este facto significa basicamente que, "embora o
análise, embora tenhamos optado por construir um quadro teórico relativa-
neoliberalismo possa ser considerado como uma doutrina que prega o Estado
mente distinto. Em vez de utilizarmos apenas tipologias já constituídas, como
a tipologia das tendências de crise do capitalismo proposta por Jürgen Habermas
ou a tipologia das estratégias de legitimação compensatória de Hans Weiler, 7. Com algumas nuances, a parte do capítulo que aqui se inicia teve no Brasil uma primeira edição
sobre a forma de artigo, publicado na revista Educação & Sociedade, n° 69, 1999, pp. 139-164. Pela
partimos antes para uma compreensão das mudanças económicas e políticas autorização concedida para esta nova publicação, agradecemos ao Comitê da Redacção da revista e ao
em países centrais onde ocorreu mais cedo o renascimento neoliberal e Colegiado do Cedes (Unicamp).

112 113
autolimitador, o Estado tem-se tornado mais 'poderoso' sob as políticas dos impostos) ou, ainda, se encontram fontes alternativas de financiamento.
neoliberais de mercado" (Peters, 1994, p. 213). A primeira estratégia exige convencer os cidadãos a reduzir ou, pelo menos,
De facto, se tomarmos como referência a concepção neoliberal proposta não aumentar os seus direitos - o que não é uma estratégia plausível a curto
por autores como Robert Nozick na sua obra Anarchy, State and Utopia, vere- prazo dada a "hegemonia dos valores do Estado-providência". A segunda es-
mos que a nova direita adoptou uma versão liberal bastante mitigada. Na tratégia implica redireccionar a procura para o sector privado - o que pres-
visão liberal radical, a economia é o resultado de uma harmonia de interesses supõe que se criem incentivos para que este sector possa aumentar a sua capa-
gerada por trocas voluntárias entre indivíduos livres e autónomos, e o Estado cidade de atendimento, e os cidadãos sejam persuadidos de que não perdem
é apenas o garante dessa ordem espontaneamente gerada pelo mercado. Nesta direitos porque poderão fazer escolhas mais amplas e ter acesso a serviços de
linha de pensamento, admite-se como possível e desejável a existência de um melhor qualidade. Finalmente, a terceira estratégia, muito mais subtil, supõe
mercado totalmente livre da tutela estatal, aceitando apenas como tarefas le- a adopção de medidas tendentes a atenuar as fronteiras entre o sector público
gítimas de um "Estado mínimo" aquelas que se restrinjam "às funções de e o sector privado, de modo a permitir que se tome igualmente menos nítida a
protecção contra a violência, o roubo e a fraude, bem como às funções que distinção entre os direitos sociais e os direitos individuais. Isto, por sua vez,
permitam o cumprimento de contratos" (Nozick, 1988, p. 7). refere ainda Brian Salter, pode levar ao enfraquecimento da hegemonia dos
No entanto, não parece ter sido isto que aconteceu nos países que valores do Estado-providência e, consequentemente, a uma redução da pro-
analisámos. Ao contrário, o mercado não ressurgiu como um processo espon- cura dos serviços públicos. Exemplos destas políticas são, entre outros, os
tâneo, completamente fora do âmbito do Estado, mas como um sistema pro- mercados internos (internal markets) e os incentivos para uma economia mis-
ta de bem-estar social (cf. Salter, 1995).
movido e controlado, em grande parte, pelo Estado. E não nos parece que
tenha sido assim apenas pelo facto de, como refere Bill Schwarz (1992, p. Foram precisamente algumas destas estratégias, implementadas pela nova
111), no capitalismo avançado, o Estado autoritário se tornar necessário ao direita, que configuraram o que alguns autores têm vindo a designar como
projecto neoliberal para vigiar activamente a imposição dessa nova ordem mecanismos de quase-mercado. Na realidade, mais do que à confinação do
representada pelo mercado. O que ocorre, mais precisamente, é que, como Estado e à expansão do mercado, assistiu-se, em muitos casos, à interpenetração
observa Hanf (1994, p. 127), nem os mercados são fenómenos naturais nem, desses elementos, com arranjos específicos consoante as conjunturas nacio-
tão pouco, se pode pensar esta questão como se estivesse em causa uma sim- nais, os quais resultaram numa configuração particular se comparada com
ples escolha entre um mercado livre ou uma economia regulada pelo governo. outros períodos históricos da evolução do capitalismo. É isto que, do nosso
De facto, como conclui este último autor, "todas as economias de mercado são ponto de vista, constitui um dos aspectos distintivos mais importantes das
sistemas mistos de regulamentação governamental e de forças de mercado". políticas de convergência neoliberal e neoconservadora; e é isso também que
Há, no entanto, especificidades na forma como as políticas da nova di- seguramente constitui um dos principais vectores da redefinição do papel do
reita desenharam as relações entre Estado e mercado. Se, por um lado, o mer- Estado neste período.
cado tout court teve uma notória expansão sob a forma de algumas políticas Como escreve Reg Whitaker (1992), muitas destas tendências põem em
de privatização e de liberalização da economia, também é verdade que, ape- causa a natureza do próprio Estado capitalista obrigando não apenas a redefinir
sar da crise fiscal e dos ataques neoliberais, o Estado-providência resistiu - as fronteiras tradicionais entre os sectores público e privado mas também a
e isso, por outro lado, constituiu igualmente um importante obstáculo à maior repensar a questão da relativa autonomia do Estado. Daí, igualmente, a
expansão do mercado. centralidade do conceito de quase-mercado.
Mas a resistência do Estado-providência não significou a manutenção
Na definição de Le Grand, quase-mercados são mercados porque subs-
do status quo. De facto, as coligações de direita que estiveram no poder em
países como a Inglaterra puseram em prática outras estratégias para tentar tituem o monopólio dos fornecedores do Estado por uma diversidade de for-
gerir a tensão resultante da não diminuição das exigências em relação aos necedores independentes e competitivos. São quase porque diferem dos mer-
direitos sociais (nomeadamente na área da saúde e da educação) e a crescente cados convencionais em aspectos importantes. Assim, por exemplo, as orga-
escassez de receitas. Como refere Brian Salter (1995), numa situação como a nizações competem por clientes mas não visam necessariamente a maximização
descrita, há que procurar uma das seguintes estratégias: ou se tenta redefinir o dos seus lucros; o poder de compra dos consumidores não é necessariamente
que se entende por direitos ligados ao Estado-providência (uma questão es- expresso em termos monetários e, em alguns casos, os consumidores delegam
sencialmente ideológica), ou se consegue um melhor equilíbrio entre a oferta em certos agentes a sua representação no mercado (cf. Le Grand, 1991, pp.
e a procura (com uma maior eficiência na utilização das receitas provenientes 1259-1260).

114 115
Estes mecanismos de quase-mercado - porque foram igualmente in- como a publicitação dos resultados escolares, abrindo espaço para a realiza-
troduzidos nos sistemas educativos - justificam mais algumas referências e ção de pressões competitivas no sistema educativo.
considerações. Na perspectiva de M. Apple, por exemplo, esta aparente contradição,
pode não ser tão substancial como se esperaria dado que, numa época de crise
e de perda de legitimidade, a introdução de um currículo nacional e de uma
4.2. Quase-mercados em educação avaliação também a nível nacional transmitem a ideia de que o governo está
preocupado com os consumidores e com a necessidade de elevar os níveis
Como observa Roger Dale (1994, p. 112), em educação o termo merca- educacionais - o que é, afinal, a principal preocupação do mercado (cf. Apple,
do é mais conotativo do que denotativo. Isto significa que, por vezes, quando 1993, p. 230). Para este autor, a criação de um currículo nacional, o estabele-
se fala de "mercadorização da educação" não se trata senão da implementação cimento de normas-padrão e a realização de testes também a nível nacional
de mecanismos de "Iiberalização" no interior do sistema educativo, ou da são mesmo condições prévias para que se possam implementar políticas de
introdução de elementos de "quase-mercado". De facto, analisando alguns privatização e mercadorização da educação, representando, portanto, um com-
casos concretos de políticas educacionais da nova direita, R. Dale conclui promisso ideal no âmbito da coligação de direita.
que "o que está em questão são novas formas e combinações de financiamen- Curiosamente, os sectores neoliberais ingleses não estavam inicialmen-
to, fornecimento e regulação da educação", diferentes das formas tradicionais te dispostos a apoiar a imposição de um controlo central sobre o currículo.
exclusivamente assumidas pelo Estado. Todavia, tal como aconteceu noutros Como lembra Clyde Chitty, foi mesmo necessário convencê-I os de que
sectores, a criação de quase-mercados em educação pode mesmo "incluir um
papel maior, e/ou modificado para o Estado (e não necessária ou automatica- "um currículo nacional não era necessariamente incompatível com a promoção
mente um papel menor)" (Dale, 1994, pp. 110-111). dos princípios do livre-mercado. Isso poderia, afinal, ser uma boa justificação
Aliás, o Estado não deixa de ter um papel activo sendo "o mercado uma para realizar testes de avaliação nacionais em determinadas etapas da carreira
criação política, concebida para fins políticos", como acentua Stewart Ranson. escolar dos alunos, proporcionando, desse modo, importantes dados e informa-
ções aos pais sobre as características desejáveis ou indesejáveis de cada escola.
Por esta razão, parece-nos importante a observação deste autor quando acres-
Por outras palavras, informações suplementares aos consumidores proporcio-
centa que "o mercado em educação não é o mercado clássico da concorrência nadas pelos resultados dos testes poderiam realmente ajudar um sistema de
perfeita mas um mercado cuidadosamente regulado e com controlos rígidos" mercado a operar de modo mais eficaz" (Chitty, 1994, p. 24).
(Ranson, 1993,p. 338~.
Neste mesmo sentido, escreve também R. Hatcher (1994), a regulação Hoje em dia parece ser relativamente consensual naqueles sectores que a
que é feita pelo Estado não é contraposta ao mercado, pois a criação e manu- imposição de um currículo nacional e a introdução de exames nacionais não
tenção do mercado depende do Estado. Aliás, a introdução de quase-merca- são, de facto, incompatíveis com a promoção de valores de mercado, embora a
dos no sector público, em geral, e na educação, em particular, evidencia bem adopção dessas alterações tenha introduzido no sistema educativo inglês impor-
estas relações. De facto, acrescenta R. Hatcher, "a educação distingue-se não tantes tensões a que os professores deram voz (cf. Bemstein, 1994; Black, 1994).
só do sector privado como também de outras áreas do sector público pelo
facto de os poderes do Estado, que mantêm o mercado, se entrelaçarem com
4.3. O Estado-avaliador e a ênfase nos resultados/produtos educacionais
outros poderes que controlam o próprio conteúdo da educação" (p. 45).
É, aliás, esta combinação específica de regulação do Estado e de ele- Se, ao nível dos sistemas educativos, em países como os EUA e a Ingla-
mentos de mercado no domínio público que, na nossa perspectiva, explica terra, a avaliação foi essencial para a promoção de quase-mercados, também
que os governos da nova direita tenham aumentado consideravelmente o con- mostrou ser uma estratégia útil ao nível (mais geral) das tentativas de transfor-
trolo sobre as escolas (nomeadamente pela introdução de currículos e exames mação dos valores próprios do domínio público. Sendo este o espaço onde se
nacionais) e, simultaneamente, tenham promovido a criação de mecanismos expressam os propósitos colectivos de uma dada sociedade - remetendo,
nomeadamente, para os direitos e necessidades sociais que são estabelecidos
através de escolhas publicamente construídas -, o domínio público deve pre-
8. Estas e outras afirmações de Stewart Ranson, inseridas no texto que acima citámos, deram origem servar e atender valores específicos como a igualdade, a justiça e a cidadania
a uma interessante polémica sobre o conceito de mercado em educação. Ver, a esse propósito, James Tooley
(1995) e também a resposta de Stewart Ranson (1995).
(cf. Ranson & Stewart, 1994).
117
116
No entanto, foram estes e outros valores semelhantes que estiveram (e pessoas por processos, para sistemas que as tomam responsáveis por resulta-
continuam a estar) ameaçados perante a introdução de elementos de mercado dos" (AI Gore, 1994, p. 55).
e outras lógicas específicas do sector privado que, por sua vez, têm sido
De acordo com estes pressupostos, sem resultados mensuráveis (que
viabilizadas pela utilização política e administrativa de certas modalidades de
devem ser tomados públicos) não se consegue estabelecer uma base de
avaliação.
responsabilização credível, tomando-se igualmente mais difícil a promoção
Como mostra Mary Henkel em Government, Evaluation and Change- da competição entre sectores e serviços - em ambos os casos, duas dimen-
estudo que cobre um período decisivo de transformações nas políticas públi- sões essenciais das novas orientações políticas e administrativas.
cas inglesas, entre 1983 e 1989 -, "o governo identificou a avaliação como
Em termos de política educativa, mais especificamente, trata-se agora
uma componente significativa na sua estratégia de conseguir alguns objectivos
de tentar conciliar o Estado-avaliador - preocupado com a imposição de um
decisivos: controlar as despesas públicas, mudar a cultura do sector público e
currículo nacional comum e com o controlo dos resultados (sobretudo
alterar as fronteiras e a definição das esferas de actividade pública e privada"
académicos) - e a filosofia de mercado educacional assente, nomeadamen-
(cf. Henkel, 1991a, p. 9).
te, na diversificação da oferta e na competição entre escolas. Sendo a avalia-
Deste modo, a avaliação reaparece claramente relacionada com funções ção um dos vectores fundamentais neste processo, é necessário saber qual a
gestionárias tendendo a ser, como refere E. House, uma "avaliação centrada modalidade que melhor serve a obtenção simultânea daqueles objectivos.
na eficiência e na produtividade sob o controlo directo do Estado" (House,
1993, p. x).
Considerando estes vectores, toma-se agora mais evidente a razão pela 4.4. A avaliação estandardizada criterial com publicitação de resultados
qual, no período em análise, uma das mudanças importantes, tanto fora como
dentro do contexto educacional, é a ênfase genérica na avaliação dos resulta- Tendo admitido nos momentos iniciais deste trabalho (e por razões es-
dos (e produtos) e a consequente desvalorização da avaliação dos processos, sencialmente dedutivas) que a modalidade de avaliação mais congruente com
independentemente da natureza e fins específicos das organizações ou insti- a ideologia do mercado seria a avaliação normativa (cf. capítulo 1), fomos
tuições públicas consideradas", constatando, no entanto, à medida que avançávamos na compreensão das
Como referem David Osborne e Ted Gaebler (1992, p. 139), o simples especificidades das actuais políticas educativas, que não havia evidência
facto de as agências públicas terem que definir os resultados ou indicadores- empírica para sustentar essa hipótese. Não que (teoricamente) a avaliação
alvo (benchmarks) que pretendem alcançar obriga-as a pensar nos seus pró- normativa não fosse a mais adequada para promover os valores neoliberais
prios fins, os quais, frequentemente, ou não são claros ou não estão bem defi- baseados na comparação dos indivíduos e na competição de mercado. Por
nidos. Assim, acrescentam estes mesmos autores, os "governos empreende- alguma razão obras marcantes do neoliberalismo educacional, como Politics,
dores" devem procurar mudar o sistema de recompensas, pondo a tónica nos Markets, and America's Schools de J. Chubb e T. Moe (1990), propugnaram
resultados, porque "quando as instituições são financiadas de acordo com os por esses princípios e valorizaram a utilização de modalidades de avaliação
resultados elas tomam-se obsessivas em relação ao seu desempenho", e é isso estandardizada normativa (cf. capítulo 2). De facto, se as teorias vindas dos
que é necessário incentivar. sectores neoliberais mais radicais tivessem sido postas em prática, essa seria
naturalmente a modalidade de avaliação que faria sentido num contexto de
No relatório intitulado Reinventar a Administração Pública, elaborado forte retracção do Estado (Estado-mínimo) e de grande expansão do mercado.
sob a direcção do vice-presidente americano AI Gore, e fortemente influencia- No limite, o Estado - não pondo qualquer obstáculo a uma maior diversifi-
do pela obra de David Osborne e Ted Gaebler, afirma-se a certa altura: "O cação curricular e admitindo a transmissão de conteúdos e objectivos edu-
nosso caminho é claro: temos de transitar de sistemas que responsabilizam as cacionais não sujeitos a qualquer uniformização nacional- poderia permi-
tir a predominância de formas de avaliação congruentes com a
mercadorização da educação escolar. Mas, como já procurámos demons-
9. Há aqui, como facilmente se depreende, uma racionalidade muito próxima da "Iegitimação pela
performatividade" à qual está hoje sujeito, por exemplo, o ensino superior e a investigação, como assinala
trar, isso não ocorreu assim e, neste sentido, as alterações nas políticas
Jean-François Lyotard em "A Condição Pós-Moderna", Veja-se também, a propósito do ensino superior, a avaliativas acabaram também por reflectir a filosofia das mudanças mais
análise de Licínio Lima em tomo do que designa por "educação contábil" (cf. Lima, 1997), gerais em curso neste período.
118 119
fundamentação, das mudanças ocorridas nas políticas avaliativas neoliberais
Ao contrário do que inicialmente prevíamos, a avaliação estandardizada e neoconservadoras a partir da década de oitenta e início da década de noven-
criterial, isto é, a avaliação que visa o controlo de objectivos previamente ta; a outra, assumidamente mais normativa, que procura inscrever nas insufi-
definidos (quer enquanto produtos, quer enquanto resultados educacionais), é ciências da primeira uma contra-proposta alternativa assente no que pensa-
que foi sendo gradualmente apontada como um dos traços distintivos das mos ser uma utopia realizável: a defesa de uma concepção mais radical das
mudanças nas políticas avaliativas. Isto aconteceu porque pela introdução da potencialidades educacionais (ainda não esgotadas) da avaliação forrnativa,
avaliação estandardizada criterial pode favorecer-se a expansão do Estado e, ancorada num novo (des)equilíbrio entre o pilar da regulação e o pilar da
simultaneamente, pela publicitação dos resultados dessa mesma avaliação pode
emancipação.
promover-se a expansão do mercado.
Assim, e apesar das críticas cada vez mais contundentes - notórias, por FIGURA 2
exemplo, no facto de a literatura sobre avaliação ter continuado a alimentar as A avaliação no contexto das mudanças sócio-políticas contemporâneas
mais diferentes versões e polémicas sobre as suas potencial idades e limites, a
avaliação estandardizada criterial tomou-se um instrumento importante para a Teorias do Estado
implementação da agenda educacional da nova direita.
Foi, assim, necessário contextualizar estas mudanças de modo a tomar
compreensível o que inicialmente nos parecia sem sentido - e que, diga-se,
t
Estado-providência
Crise do
Estado-providência ----~
só muito mais tarde começou a ser objecto de interesse académico, ou a ser
mais explicitamente referenciado na literatura especializada (cf., por exem-
plo, Davis, 1995; Schrag, 1995). Depois deste percurso teórico, parecerá ago- ~
+
Nova Direita
ra óbvio ao leitor que, tendo o Estado reforçado o seu poder de regulação e
retomado o controlo central (nomeadamente sobre o currículo escolar), a ava-
liação tivesse, de forma congruente, sido accionada como suporte de proces-
Resistência do Estado-providência
/ '"
t
Neoconservadorismo ---.
Neoliberalismo
sos de responsabilização ou de prestação de contas relacionados com os re-
- Estado + Estado
sultados educacionais e académicos, passando estes a ser mais importantes do Mercado
que os processos pedagógicos (que teriam implicado outras formas de avalia- • Av. Formativa
+ Mercado
ção). "Estado-avaliador"

j
Mercado-avaliador
Em síntese, se é verdade que emergiu o Estado-avaliador também é ver-
dade que as mudanças nas políticas avaliativas foram igualmente marcadas valiação Avaliação
pela introdução de mecanismos de mercado. Por isso, neste contexto politica-
mente ambivalente, e neste período específico que analisárnos, o controlo so-
bre os resultados escolares não foi subordinado, nem se restringiu, a uma mera
• Novas formas
de Avaliação
Q
Estandardizada
Normativa
Estandardizada
Criterial

lógica burocrática - o que tomou a actuação do Estado neste campo clara-


mente distinta das estratégias adoptadas em outras épocas e em outros contex-
tos históricos, explicando-se também por aí as especificidades contemporâneas.

5. Síntese do quadro teórico proposto


t Quase-Mercado


Avaliação Estandardizada

A figura 2 resume grande parte do percurso analítico por nós efectuado.


Teorias da
Avaliação
----- Criterial com Publicitação de Resultados

Contém, porém, alguns elementos que não foram ainda objecto de


problematização e que, por isso, serão agora discutidos. Trata-se, em síntese, As teorias do Estado - em relação às quais as primeiras páginas deste
de uma construção teórica que contém duas dimensões importantes: uma, mais capítulo foram dedicadas - são o ponto de partida para a compreensão da
descritiva e analítica, que pretende dar conta, com suficiente consistência e 121
120
que contraponha a lógica da emancipação (mais centrada na comunidade) à
especificidade do Estado-providência cuja crise se tem procurado solucio- lógica da regulação, uma vez que é esta última que tem sido reforçada pelas
nar pela implementação de políticas sociais e económicas híbridas que tive- políticas avaliativas do neoliberalismo conservador caracterizadas, precisa-
ram, como seria de esperar, importantes reflexos nas reformas educativas mente, por terem acentuado (ainda mais) o desequilíbrio a favor do Estado e
mais recentes.
do mercado, em prejuízo da comunidade.
Se, no que à educação escolar pública diz respeito, uma das dimensões
mais expressivas dos valores neoconservadores foi a emergência do Estado-
avaliador, em termos de valores neoliberais o mais importante terá sido a 5.1. A melhoria qualitativa do Estado-providência, a avaliação formativa e
introdução de mecanismos de mercado nesse mesmo domínio. Assim, como o retorno à emancipação
essas dimensões se (con)fundiram em articulações muito específicas de país
para país, haveria que encontrar uma forma de avaliação (ideal-típica) capaz Retomando considerações anteriores, pensamos, em síntese, que o que
de dar conta (genericamente) destas particularidades, sendo igualmente sus- designámos por melhoria qualitativa do Estado-providência passa necessaria-
ceptível de atender quer aos pressupostos subjacentes ao mercado educacio- mente por um novo equilíbrio entre o pilar da regulação e o pilar da emanci-
nal quer ao Estado-avaliador. pação. Como Boaventura Santos (1991) refere, o projecto sócio-cultural da
Para além de encontrar justificação do ponto de vista da teoria e sociolo- modernidade assenta em dois pilares fundamentais: o pilar da regulação e o
gia da avaliação (cf. capítulo 1), a modalidade de avaliação criterial- neces- pilar da emancipação. O primeiro é constituído por três princípios (o Estado,
sariamente validada do ponto de vista técnico e científico (portanto, o mercado e a comunidade) e o segundo é constituído por três lógicas de
estandardizada ou aferida), mas sujeita ao controlo pelo mercado através da racionalidade (a racionalidade estético-expressiva, a racional idade moral-prá-
publicitação dos respectivos resultados - parece ser a modalidade de avalia- tica e a racionalidade cognitivo-instrumental)\O.
ção mais congruente com as mudanças estudadas. Aliás, como já vimos ante- Dos três princípios, o princípio da comunidade é o "mais bem colocado
riormente, esta conclusão é também reforçada empiricamente pelo facto de ter para instaurar uma dialéctica positiva com o pilar da emancipação, e restabe-
sido esta a forma de avaliação que (re)emergiu e que foi mais valorizada nas lecer assim a vinculação da regulação e da emancipação"(p. 27). Concorre
agendas educacionais e nas políticas educativas até agora referenciadas. para isto o facto de o princípio da comunidade conter "virtualidades
Designada aqui como avaliação estandardizada criterial com epistemológicas" que o tornam um eixo importante neste redimensionamento
publicitação de resultados, esta modalidade de avaliação permite evidenciar, entre regulação e emancipação porque, entre outras razões, alguns dos seus
melhor que qualquer outra, o já designado "paradoxo do Estado neoliberal": elementos constitutivos (como o prazer, a participação e a solidariedade) têm
por um lado, o Estado quer controlar mais de perto os resultados escolares e sido focos de resistência à invasão da racionalidade cognitivo-instrumental
educacionais (tornando-se assim mais Estado, Estado-avaliador) mas, por ou- da ciência e da técnica.
tro lado, tem que partilhar esse escrutínio com os pais e outros "clientes" ou A comunidade pode tornar-se "o campo privilegiado do conhecimento-
"consumidores" (diluindo também por aí algumas fronteiras tradicionais, e emancipação" se este for concebido como trajectória que leva o indivíduo de
tornando-se mais mercado e menos Estado). Produz-se assim um mecanismo um estado de ignorância a um estado de saber que se pode designar por soli-
de quase-mercado em que o Estado, não abrindo mão da imposição de deter- dariedade (um conhecimento que "progride do colonialismo para a solidarie-
minados conteúdos e objectivos educacionais (de que a criação de um currícu- dade"); e se a solidariedade for "o processo, sempre inacabado, de capacitação
lo nacional é apenas um exemplo), permite, ao mesmo tempo, que os resulta- para a reciprocidade através da construção de sujeitos que a exercitem" ou
dos/produtos do sistema educativo sejam também controlados pelo mercado. "sujeitos capazes de reciprocidade".
Procurando colmatar as insuficiências e limites inerentes a este enqua- Por isso, acrescenta o mesmo autor, é necessário romper com o "conhe-
dramento teórico-conceptual, até aqui quase exclusivamente centrado na ex- cimento-regulação" que transformou o outro em objecto para, de uma forma
plicação e contextualização de algumas mudanças nas políticas educativas e
avaliativas iniciadas e desenvolvidas em países centrais, queremos agora de- 10. Nesta mesma linha, Arriscado Nunes acrescenta, seguindo Santos, "distingo, nas sociedades
senvolver outras dimensões, também sinalizadas na figura 2, que apontam 'modernas' [...), três modos de regulação principais: o Estado, o mercado e a comunidade. Cada um destes
para um outro tipo de política educativa e para uma outra agenda avaliativa. modos de regulação realiza de maneira diferente a relação entre a economia como processo institucionalizado
e as relações sociais globais, através do vínculo privilegiado com um princípio de integração: a redistribuição,
Trata-se assim, essencialmente, de completar o enquadramento teórico-socio-
a troca e a reciprocidade, respectivamente" (Nunes, 1993, p. 110, nota 6).
lógico que temos estado a desenvolver introduzindo uma visão mais prospectiva
123
122
cidadania, parece ser a forma de avaliação pedagógica mais congruente com
radicalmente nova, passar a "constituir o outro numa rede intersubjectiva de o princípio da comunidade e com o pilar da emancipação. Pensamos mesmo
reciprocidades" (p. 30). Trata-se, portanto, de um "conhecimento-emancipa- que a avaliação formativa deve ser considerada no âmbito dos direitos sociais
ção que avança do coloniaJismo para a solidariedade, pela criação de relações e educacionais que caracterizam o Estado-providência, os quais, como lembra
sujeito-sujeito estabelecidas no seio de comunidades interpretativas" (p. 37). também Boaventura Santos (1994, p. 211), foram direitos essencialmente ob-
Em síntese, tidos por pressão do princípio da comunidade. Por outro lado, só a avaliação
formativa, enquanto acção pedagógica estruturada na base de relações de reci-
"Este saber novo, sendo uma racionalidade cognitivo-instrumental, será tam- procidade, e intersubjectivamente validada, nos parece poder promover llum
bém uma nova racional idade moral-prática e uma nova racional idade estético- novo desequilíbrio no pilar da regulação a favor do pilar da emancipação .
expressiva. O saber novo só será novo se for simultaneamente uma nova
inteligibilidade, uma nova ética, uma nova política e uma nova estética. Para
É isso precisamente que o quadro 6 sintetiza: um novo ponto de chega-
isso tem de se exercitar no recurso criativo aos elementos constitutivos do prin- da, que não é mais, afinal, do que um outro ponto de partida para reflectir a
cípio da comunidade, à solidariedade, à participação e ao prazer" (Santos, 1991, problemática da avaliação pedagógica numa perspectiva sociológica. Uma
p.39). perspectiva, segundo cremos, que não deixa certamente de ser simultanea-
mente crítica e utópica.
Na nossa perspectiva, uma teoria como esta - assente na valorização do
conhecimento-emancipação, na intersubjectividade e na reinvenção da comu-
nidade - é extremamente oportuna para fundamentar a defesa de uma políti-
ca avaliativa radicalmente diferente daquela que atravessou e caracterizou os
últimos anos. É, aliás, a partir dos seus pressupostos que defendemos ser pos-
sível (e desejável) relocalizar a avaliação formativa, considerando-a um eixo
fundamental na articulação entre o Estado e a comunidade.

QUADRO 6
A avaliação formativa numa nova articulação entre o Estado e a Comunidade

Avaliação não
Avaliação estandardizada (aferida)
estandardizada

Avaliação criterial Avaliação


Avaliação Avaliação
com publicitação normativa formativa
criterial
de resultados

Estado- Providência
Estado Quase- mercado Mercado Comunidade
AlunolProfessor

Regulação I Emancipação
I
Redistribuição ................................................................... troca I REGULAÇÃO
I reciprocidade
I

lI. Pedagogo radicais como Paulo Freire (\ 975) ou Henry Giroux (\ 986), têm também (e há muito
s
tempo) contribuições decisivas para pensar a questão da emancipação nas suas relações com a educação.
Para um exemplo concreto de procura de articulação entre avaliação e emancipação. ver Ana Ma Saul
De facto, a avaliação formativa, sem deixar de estar relacionada com o
(1988).
Estado, enquanto lugar de definição de objectivos educacionais e espaço de 125
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