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CURITIBA
2002
MARCELO COSTENARO CAVALI
CURITIBA
2002
TERMO DE APROVAÇÃO
Orientador:
/
p* Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de
\ Bacharel em Direito no Curso de Direito, Faculdade de Direito da
\\\\
Universidade Federal do Paraná, pela seguinte banca examinadora:
\`\â/.
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Z‹¿á4¿¢;¿Ú€¿2*¿›à
Prof*'. Dra. Maria de Lourdes Seraphico Peixoto da Silva
ll
“Eis o inconveniente contra o qual nada posso
fazer, exceto prevenir e premunir o leitor
preocupado com a verdade: não existe uma
estrada-mestra para a ciência e só têm chance de
acesso aos seus cumes luminosos aqueles que não
temem cansar-se, escalando picadas íngremes”
Karl Marx, em carta a Maurice Lachatre
(Oeuvres, Paris, Gallimard, Le Pléiade, 1969
1982, l, p. 544)
iii
SUMÁRIO
V
INTRODUÇÃO
Brasil, 1988. Vencidas décadas de regime militar, reunido um “Congresso Nacional
Constituinte”l - após um longo processo dialético, no qual todas as camadas sociais
brasileiras, participantes por meio de seus representantes parlamentares, deram vida a um
texto extenso e heterogêneo - foi promulgada a Constituição da República Federativa do
Brasil.
1 Não se pode falar em Assembléia Nacional Constituinte, visto que foram convocados os membros da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal para discussão do texto. Para uma melhor compreensão deste processo,
conferir BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 08-09.
2 Com redação dada pela Emenda Constitucional n.° 3, de 17 de março de 1993.
3 O “recurso constitucional” alemão está previsto nos artigos 93, § 4.°, a e b da Lei Fundamental de Bonn.
2
4 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17.“ ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 560.
Também Clèmerson Merlin Clève visualizou na argüição de descumprimento de preceito fundamental um
instrumento de fiscalização concreta de constitucionalidade por meio de ação direta (A Fiscalização A bstrata da
Constitucionalidade no Direito Brasileiro, 2.“ ed, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 92).
5 A expressão irônica é de Daniel Sarmento (Apontamentos sobre a Argiiição de Descumprimento de Preceito
Fundamental in ROTHENBURG, Walter Claudius; TAVARES, André Ramos. (org.) A rgüição de
Descumprimento de Preceito Fundamental: A nálises à Luz da Lei n. ” 9.882/99, p. 86).
O A rgiiição de Descumprimento de Preceito Fundamental in MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança,
23.“ ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 373. Na mesma obra, o autor admite que a regulamentação da argüição
de descumprimento de preceito fundamental poderia vir a fazer as vezes do incidente de inconstitucionalidade,
sempre rejeitado nas propostas de emenda constitucional. Afirma o autor que esta foi a intenção dos estudos
realizados pelas comissões encarregadas de elaborar o projeto de lei: “Tomando por base o texto inaugural,
cuidamos nós de elaborar uma segunda versão do texto, introduzindo o incidente de inconstitucionalidade. Essa
proposta traduziu-se num amálgama consciente das concepções constantes do Projeto Celso Bastos, do Projeto
da Comissão Caio Tácito e do incidente de inconstitucionalidade, incluído em várias propostas de Emenda
Constitucional sobre o Judiciário” (p. 374). E mais adiante, afirma que “um exame acurado da argüição de
descumprimento de preceito fundamental, tal como regulada na Lei 9.882, de 1999, há de demonstrar que, afora
os problemas decorrentes da limitação dos parâmetros de controle, o texto normativo guarda estrita vinculação
com as propostas de desenvolvimento do incidente de inconstitucionalidade” (p. 386).
7 Añnal, “toda vez que se outorga a um tribunal especial atribuição para decidir questões constitucionais limita
se, explicita ou implicitamente, a competência da jurisdição ordinária para apreciar tais controvérsias”
(MENDES, Gilmar Ferreira. Ação Direta de lnconstitucionalídade e Ação Declaratória de Constitucionalidade
in MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, 23.“ ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 287). Clèmerson
Merlin Clève também diagnosticou o fenômeno, afirmando que “a fiscalização abstrata e concentrada registra,
passo a passo, e de modo preocupante, uma significação cada vez mais importante” (A F iscalizaçãomp. 140).
3
PROPOSTA METoDoLÓ(;1CA
O estudo será orientado na direção de uma única parcela do complexo sistema de
controle de constitucionalidade brasileiro: a recentemente disciplinada argüição de
descumprimento de preceito fundamental. Não obstante, para que se possa obter do instituto a
correta compreensão, é mister que se possa situá-lo dentro deste contexto. Para tanto, ter-se-á
que, irremediavelmente, ainda que da maneira mais sucinta possível, delimitar os contomos da
jurisdição constitucional brasileira.
Só então se estará apto a adentrar às complexidades que o tema suscita - que, diga-se
en passam, não são poucas. Dentre elas, podemos citar, de início, as mais evidentes, como a
relativização dos efeitos ex tunc, trazida pelo art. ll da Lei 9.882/99, a possibilidade da
fiscalização do direito municipal em face da Constituição Federal e a possibilidade de análise
da constitucionalidade, por via concentrada, do direito pré-constitucional.
Destarte, serão duas as partes do trabalho: a primeira que fornecerá uma localização do
instituto no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, após traçar um panorama
geral muito breve do surgimento do controle na experiência dos direitos comparado e
brasileiro; e a segunda que procurará oferecer uma visão ampla dos problemas levantados pela
argüição de descumprimento de preceito fundamental e, na medida do possivel, apresentar
lhes soluções.
Ademais, toda a exposição se pautará, basicamente, numa interpretação sistemática da
Constituição, por meio do auxílio especialmente de três princípios da interpretação
constitucional, a saber: o princípio da presunção de constitucionalidade das leis e dos atos do
Poder Público, o princípio da interpretação conforme a Constituição e o princípio da
efetividade.
Quanto à interpretação sistemática não é preciso dizer que é a mais coerente das
admissíveis na apreensão dos significados do direito positivo. Ora, se o direito positivo é um
sistema, só como sistema pode ser interpretado. Nas palavras de PAULO BONAVIDES,
“nenhuma liberdade ou direito, nenhuma norma de organização ou construção do Estado, será
idônea, fora dos cânones da interpretação sistemática, única apta a iluminar a regra
constitucional em todas as suas possíveis dimensões de sentido para exprimir-lhe
corretamente o alcance e o grau de eficácia”.8
9 A Interpretação Sísrenzatíca a'o Direito. S.” ed. ver. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 166.
'O BARROSO, Luís Roberto. Í¡1Í€l']7l'€`Í(lÇã() e Aplicação da Constituição. 3.“ ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva,
1999, p. 135.
" Em passagem inspirada, Konrad Hesse demonstra os perigos da negação de efetividade da Constituição: “Se as
normas constitucionais nada mais expressam do que as relações fáticas altamente mutáveis, não há como deixar
de reconhecer que a ciência da Constituição jurídica constitui uma ciência jurídica na ausência do Direito, não
lhe restando outra função senão a de constatar e comentar os fatos criados pela Realpolitík. Assim o Direito
Constitucional não estaria a serviço de uma ordem estatal justa, cumprindo-lhe tão-somente a miserável função
indigna de qualquer ciência - de justificar as relações de poder dominantes. Se a Ciência da Constituição adota
essa tese e passa a admitir a Constituição real como decisiva, tem-se a sua descaracterização como ciência
normativa, operando-se a sua conversão numa simples ciência do ser. Não haveria mais como diferençá-la da
Sociologia ou da Ciência Política”. (A Força Normativa da Constituição, trad. de Gilmar Ferreira Mendes. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999, p. 1 1).
6
Por fim, é mister deixar claro que as conclusões atingidas ao longo deste trabalho não
têm a pretensão de serem incontestes. Pelo contrário, se permitirem a identificação de erros
terão, ainda que por via oblíqua, atingido seu objetivo. Afinal, “a identificação do erro será
um êxito científico na medida em que indique o caminho para maior aproximação da verdade
teórica que lhe for oposta”.12
'Z BORGES, José Souto l\/Iaior. Ciéncía_ƒèlz`z. 2.“ ed. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 79.
7
documento designado como “Constituição” que - como Constituição escrita - não só contém
normas que regulam a produção de normas gerais, isto é, a legislação, mas também, normas que
se referem a outros assuntos politicamente importantes e, além disso, preceitos por força dos
quais as normas contidas neste documento, a lei constitucional, não podem ser revogadas ou
alteradas pela mesma forma que as leis simples, mas somente através de um processo especial
submetido a requisitos mais severos.l5
13 VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. São Paulo: Max Limonad,
l997,p.33.
I4
A norma aqui é entendida como uma soma de proposição normativa (texto legal) e de aspectos da realidade
social (que resultarão numa norma de decisão para 0 caso concreto). Neste sentido, Clèmerson Merlin Clève (A
Fiscalização ..., p. 24-25, nota de rodapé n.° 12).
'S Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 248. Adota-se esta postura metodológica tendo
em vista a advertência de Michel Temer (Elementos de Direito Constitucional. l8.*' ed. São Paulo: Malheiros,
2002, p. 22), no sentido de que “não é relevante, juridicamente, a identificação de uma matéria constitucional e
de outra que, embora na Constituição, não seria constitucional. Isto porque o critério de modificação, gerador de
preceitos de porte constitucional, é 0 mesmo para todas as normas (com exceção daquelas que examinaremos nos
próximos tópicos em que ocorre a impossibilidade de produção de nonna constitucional sobre aquelas
matérias)”.
1° CLÊVE, Clèmerson Merlin, A Fiscalização ..., p. 25.
8
'7 Há diversas traduções para o português, como, i. e., A Constituição Burguesa. org. Aurélio Wander Bastos.
Rio de J aneiro: Editora Lumen J uris, 2001.
I8
Formulada originalmente por Lord Bryce, conforme noticia FRANCO, Afonso Arinos de Melo (Curso de
Direito Constitucional Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 51).
'9 CLEVE, Clèmerson Merlin, op. cit., ps. 28/29. Também BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito
Constitucional. l9.“ ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 390 e ss; TEMER, Michel. Elementos de Direito
Constitucional. l8.“ ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 40-41.
20
Assim, dá-nos notícia Mauro Cappelletti de que já na civilização ateniense se fazia a distinção entre nómos, lei
em sentido estrito, que tinham um caráter assemelhado às atuais normas constitucionais, e pséƒima, uma espécie
de decreto. Sustenta o constitucionalista que também na época medieval era possível enxergar uma prevalência
do jus naturale sobre ojus positum, que se obrigava a se conformar ao primeiro. Da mesma forma, na França, na
época do ancien regime, os edits e as lois não poderiam contrariar as lois ƒondamentales du royaume. Visualiza,
ainda, na Inglaterra, sob a doutrina de Sir Edward Coke, um prenúncio do controle jurisdicional dos EUA, já que
o common law seria lei fundamental e prevalente em relação à statutoizv law, que podia completar aquela, mas
9
Mas, como fazer observar esta superioridade constitucional? Se não há dúvida de que é
reconhecida a superioridade constitucional, esta restaria ineficaz se não existissem
instrumentos fornecidos pela própria Constituição para garantir a sua superioridade, de
garantias para sua realização, e de sanções para o seu descumprimento. Afinal, que é a
Constituição, senão apenas um pedaço de papel, se não garante eficazmente suas disposições,
permitindo que sejam solenemente descumpridas? Nas palavras de J. J. GOMES
CANOTILHO, “A defesa da constituição pressupõe a existência de garantias da constituição,
isto é, meios e institutos destinados a assegurar a observância, aplicação, estabilidade e
conservação da lei fundamental. Como se trata de garantias de existência da própria
constituição (cfr. A fórmula alemã: Verfassungsbestandsgarantien), costuma dizer-se que elas
são a “constituição da própria constituição”°.2]
É na experiência constitucional americana que encontramos a base sobre a qual se apóia,
fundamentalmente, o controle judicial de constitucionalidade das leis no constitucionalismo
modemon.
São célebres as palavras do Chief Justice JOHN MARSHALL na decisão, em 1803, do
caso Marbury vs Madison, em que se reconhece o primeiro caso em que a doutrina do
controle judicial foi suscitada pela Corte Suprema americana” :
não violá-la (O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado. Zf' ed. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 1999, especialmente p. 49-62). Contestação à tese de Cappelletti de que o controle
jurisdicional nos EUA seria uma decorrência da frustrada tentativa do judicial control na Inglaterra se encontra
em COELHO, Sacha Calmon Navarro, O Controle de Constitucionalidade das Leis e as Limitações ao Poder de
Tributar. 3.*' ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, especialmente p. 46-53.
Z' Direito Constitucional e Teoria da Constituição., 4“ ed., Coimbra: Almedina, 1997, p. 859-860.
22 Mesmo no âmbito da experiência constitucional norte-americana, Cappelletti faz questão de ressaltar que a
teorização de John Marshall não era original, já que vinha sendo aplicada nos EUA há quase um século: desde o
caso Holmes vs. Wa/ton, decidido em 1780 (op. cit. p. 62). Luís Roberto Barroso (Interpretação e Aplicação da
Constituição, 3.“ ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 161) e Clêmerson Merlin Clève (op. cit., p. 64)
informam que, nos artigos do The F ederalist, Alexander Hamilton já se manifestava neste sentido.
23 Ver, por todos, SCWHARTZ, Bernard. Direito Constitucional Americano. trad. Carlos Nayfeld. Rio de
Janeiro: Forense, 1996. p. 25.
10
Aqueles, portanto, que controvertem o princípio de que a Constituição deve ser considerada na
Corte, como um direito supremo, são levados à necessidade de provar o fato de que os tribunais
devem fechar seus olhos sobre a Constituição e ver apenas a lei.
Esta doutrina subverteria o próprio fundamento de todas as constituições escritas. Ela declararia
que uma lei que, segundo os princípios e a teoria de nosso Govemo for inteiramente nula, seria
ainda, na prática, perfeitamente obrigatória. Declararia que se o Legislativo fizer o que é
expressamente proibido, tal ato, todavia, apesar da proibição, será verdadeiramente válido.
Estaria dando ao Legislativo uma onipotência prática e real, com o mesmo alento com que
professa a restrição de seus poderes dentro de limites escritos. É prescrever limites e declarar
que aqueles limites podem ser ultrapassados por prazer.24
This Constitution, and the Laws of the United States which shall be made in Pursuance thereof;
and all Treaties made, or which shall be made, under the authority of the United States, shall be
the supreme Law of the Land; and the Judges in every State shall be bound thereby, any Thing
in the Constitution or Laws of any State to the Contrary notwithstanding.
24 Citado por SWISHER. Carl Brent. Decisões Históricas da Suprema Corte. trad. Arlette Pastor Centurion. Rio
de Janeiro: Forense, 1964, p. ll-12, os grifos não constam do original.
25 CAPPELLETTI, Maura. Op. az. p. ós.
2° Especialmente após a Segunda Guerra Mundial, ainda que em outros moldes, como será mais adiante
demonstrado.
27 Explica Sacha Calmon Navarro Coelho que “O que Marshall fez, com incoercível lógica, foi declarar o que já
estava implícito na teoria das Constituições rígidas e na mecânica da tripartição dos poderes(...). Marshall teve
um fundamento jurídico escrito, indicativo do poder da Corte, o que precisamente Lorde Coke não tivera, daí ter
colidido de frente com a história, obrigando-se a reverenciar o “todo-poderoso Parlamento” ( op. cit. p. 74).
Neste sentido, CLEVE, Clèmerson Merlin (op. cit. p. 64) e POLETTI, Ronaldo (Controle de
Constitucionalidade das Leis. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 32). Conforme Manoel Gonçalves Ferreira
Filho, não “é preciso prever expressamente a Constituição esse controle (de constitucionalidade), para que ela
seja de fato rígida. Basta que de seu sistema tal deflua” (Curso de Direito Constitucional. 23." ed. São Paulo:
Saraiva, 1996, p. 30).
28 Informa Bernard Schwartz que para os juristas americanos “a decisão de seus tribunais sobre questões de
constitucionalidade está implícita na própria essência do poder judicial que lhes é delegado pela Constituição”
(Direito Constitucional Americano. trad. Carlos Nayfeld. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 25).
11
29 CAPPELLETTI, Mauro, op. cit. p. 82. A partir dessa premissa expõe o autor as razões pelas quais entende
incompatível o sistema difuso com o direito continental europeu baseado na civil law.
30 Conforme Sacha Calmon Navarro Coelho “Aqui não mais a mão mestra da história, como na Inglaterra e, em
certa medida, nos Estados Unidos, mas a história na mão de um “mestre”° (op. cit. p. 101).
31 Afirma Kelsen que “Não é, portanto, correto o que se afirma quando a decisão anulatória da lei é designada
“declaração de nulidade”, quando o órgão que anula a lei declara na sua decisão essa lei como “nula desde o
início” (ex tunc). A sua decisão não tem caráter simplesmente declarativo, mas constitutivo. O sentido do ato
pelo qual uma norma é destruída, quer dizer, pelo qual a sua validade é anulada, é, tal como o sentido de um ato
pelo qual uma norma é criada, uma norma” (op. cit. p. 307).
32 op. cit., p. 300.
12
33 Conforme Sacha Calmon Navarro Coêlho “É preciso esclarecer também que na Áustria, após a emenda de
1929, o efeito ex nunc foi em parte alterado, até porque ao permitir à Suprema Corte e à Corte Administrativa
sustar processos em curso para suscitar exceções de inconstitucionalidade, as posteriores declarações de
inconstitucionalidades provocadas, precisamente pelas questões excepcionadas, teriam que ser aplicadas aos
processos paralisados pela questão prejudicial. A negativa de efeitos ex tunc a estes casos caracterizaria um
contra-senso jurídico. Parar o processo para quê, se a superveniente decisão de inconstitucionalidade a eles não
se aplicasse? Exatamente por isso a Áustria alterou em 1929 o sistema para dar efeito ex tunc às decisões de
inconstitucionalidade da Corte Constitucional, limitadamente, em relação aos casos concretos, em que
houvessem sido suscitadas argüições de inconstitucionalidade, por via de exceção processual.” (op. cit., p. 121).
Salienta Paulo Roberto Lyrio Pimenta que “É este o sistema atualmente em vigor, o qual tem recebido algumas
críticas, fundadas na alegação de burla ao princípio da isonomia, à medida que beneficia apenas as partes
envolvidas no processo que originou a questão de inconstitucionalidade” (Efeitos da decisão de
Incon.s'fituc1`onalídade em Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2002. p. 87).
34 Ressalta, porém, Clèmerson Merlin Clève que “Todavia, este controle concreto (por via de exceção) apenas
pode (ainda hoje) ser suscitado pelos Órgãos jurisdicionais de segunda instância. Aos demais órgãos não cabe
mais do que aplicar a lei, ainda quando sobre ela pairem dúvidas quanto à sua compatibilidade com a
Constituição” (op. cit., p. 68-69).
35 Portugal apenas parcialmente se inseriria nesta linha (CLEVE, Clèmerson, op. cit., p. 69).
3° VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Argiiição de Descumprimento de Preceito F undamental. Revista Diálogo
Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, n.° 12, março, 2002. Disponível na Intemet:
<http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 10 de abril de 2002, p. 02.
13
37 Sobre o tema, ver, por todos, CLÉVE, Clèmerson, op. cit. p. 80 e ss.
38 É interessante a observação de Lenio Luiz Streck (Os meios de acesso do cidadão à jurisdição constitucional,
a argüição de descumprimento de preceito fundamental e a crise de efetividade da constituição brasileira. in
CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza, SAMPAIO, José Adércio Leite (coord). Hermenêutica e Jurisdição
Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 253) sobre o tema: “Inspirados no modelo revolucionário
francês - veja-se o paradoxo disso, uma vez que a Constituição de 1824 foi outorgada pelo Imperador D. Pedro I
- foi confiada ao Poder Legislativo a tarefa de controlar a legalidade/constitucionalidade das leis. Consta que, em
todo o período colonial-imperial, que durou mais de 70 anos, somente em duas oportunidades foi feito o citado
°controle°”.
14
Tribunal Federal. A decisão proferida nesta ação “representava um prius para a intervenção
federal no Estado-membro”39.
portanto, a partir da Emenda 16/65 que o sistema brasileiro de constitucionalidade assume sua
forma mista, conjugando as formas concentrada e difusa, abstrata e concreta.
A Constituição de 1967, e a Emenda 1/69, consolidaram, em geral, a evolução do
sistema de fiscalização de constitucionalidade, com algumas modificações pontuais”.
44 Fala-se em via de defesa ou exceção. Estas expressões não podem ser compreendidas restritivamente, pois,
conforme explica Celso Ribeiro Bastos (Curso de Direito Constitucional. 19.“ ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p.
396), “O que fundamentalmente diferencia a via de defesa da via de ação não é, na verdade, o fato de na primeira
manter-se, o interessado na declaração de inconstitucionalidade, na defesa ou numa posição passiva, aguardando
que se lhe cobre judicialmente o pretendido, para só então, defender-se invocando uma questão prejudicial de
inconstitucionalidade. Com efeito, isso seria esquecer que o interessado pode assurnir uma posição ativa,
atacando o ato inquinado de vício de suprema ilegalidade por meio dos recursos judiciais colocados à sua
disposição, entre os quais o mandado de segurança e o habeas corpus. sem com isso desfigurar a via de defesa ou
exceção”.
45
Brasil, Senado Federal. Declaração de inconstitucionalidade de lei ou decreto. Suspensão de execução do ato
inconstitucional pelo Senado Federal. Extensão da competência. Efeitos. Parecer n.° 154, de 1971, Rel. Senador
Accioly Filho. Revista de Informação Legislativa, n.° 12, Brasília(48)/265-270. Clèmerson Merlin Clève (A
Fiscalização ..., p. 124) informa que esta é também a compreensão do STF (RMS, l7.976. Relator, Ministro
Amaral Santos. RDA 105/111 (l13)), que já teve ensejo de decidir que “a suspensão da vigência da lei por
inconstitucionalidade torna sem efeito todos os atos praticados sob o império da lei inconstitucional”.
4° Para Paulo Roberto Lyrio Pimenta (op. cit. p. 97), a Resolução necessariamente apresentará eficácia retroativa,
não se lhe aplicando o princípio da proporcionalidade, já que este consiste em “técnica de solução de colisão de
direitos, aplicada aos atos jurisdicionais, e não aos atos políticos”. Conclui, então, que “em caso de eñcácia
prospectiva da decisão do Pretório Excelso não haverá possibilidade de suspensão da execução da lei, devendo o
Senado se abster de praticar esta conduta, posto que a única eficácia possível da Resolução é a retroativa,
reafinne-se, que não se coaduna com aquela (eficácia ex nunc)” (p. 98-99).
17
pela adoção ou não do ato de suspensão, expandindo - apenas no âmbito subjetivo - a eficácia
da decisão.
A ação direta interventiva foi o primeiro instrumento de provocação direta, embora
concreta, da jurisdição constitucional do Supremo Tribunal Federal. “Cuida-se de
procedimento que fica a meio caminho entre a fiscalização da lei in thesí e aquela realizada in
casu. Trata-se, pois, de um modelo de fiscalização concreta realizada por meio de ação
direta”47.
Com efeito, a ação direta interventiva se encaminha para o ostracismo, tendo em vista a
aproximação que vem tendo com a ação direta genérica. Afinal, questiona CLEMERSON
MERLIN CLEVE, “por que o Procurador-Geral da República iria propor ação direta
interventiva, no caso de violação de princípio constitucional sensível, cuja decisão judicial
não faz mais do que autorizar a decretação de intervenção, se pode, desde logo, ajuizar ação
direta genérica cuja decisão, após passada em julgado, nulifica, com eficácia erga omnes, o
para impugnar atos normativos, enquanto, por meio da interventiva, como se procurou
demonstrar, é viável a impugnação de atos concretos e, mesmo, de omissões, desde que
violadores dos princípios sensíveis”.
Arriscamos dizer que hoje, após a edição da Lei 9.882/99, nem para isso se presta a ação
interventiva direta, já que a argüição de descumprimento de preceito fundamental é apta a
resolver, com melhores resultados, o campo de atuação residual que lhe havia sido deixado,
conforme será demonstrado ao se analisar o objeto da argüição.
A fiscalização abstrata de constitucionalidade das leis e atos normativos se dá por meio
de: a) ação direta de inconstitucionalidade; b) ação direta de inconstitucionalidade por
omissão; e c) ação declaratória de constitucionalidadeso.
A ação direta de inconstitucionalidade (art. 102, I, a, CF) é proposta perante o STF pelos
legitimados pela Constituição5 '. Poderá incidir tanto sobre a ação normativa do estado como
sobre a omissão inconstitucional (art. 103, § 2.°)52.
A decisão de procedência transitada em julgado na ação direta de inconstitucionalidade
produz sempre eñcácia erga omnes e opera, em princípio, efeitos ex tzmc53, além de deter
. . ~ . ,, . , . 55
efeito vinculante54.
A decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade por omissão tem por efeito
apenas a cientificaçao do Poder competente para que adote a providencia necessaria , salvo
em se tratando de órgão administrativo, caso em que deverá fazê-lo em trinta dias (art. 103, §
2.°)5°.
Por fim, vejamos a ação declaratória de constitucionalidade. O seu ceme surgiu a partir
da idéia de defesa da segurança jurídica, uniformização dos julgados e destrave do Poder
Judiciário, bem como do entendimento do STF pela inadmissibilidade da propositura de
representação em que o Procurador-Geral da República afinnasse, de plano, a
constitucionalidade da medida57. Desta forma, “é um verdadeiro atalho ao alcance dos
interessados na constitucionalidade de determinada norma”58.
TAVARES, André Ramos (organ.) Argiiição de Descumprimento de Preceito F undamental: Análises à Luz da
Lei n.” 9. 882/99. São Paulo: Atlas, 2001, p. 181)
5° Ensina J. J. Gomes Canotilho que: “O conceito de omissão inconstitucional não é um conceito naturalístico,
reconduzível a um simples “não-fazer”, a um simples conceito de 'negação`. Omissão, em sentido jurídico
constitucional, significa não fazer aquilo a que se estava constitucionalmente obrigado. A omissão legislativa,
para ganhar significado autónomo e relevante, deve conexionar-se com uma exigência constitucional de acção,
não bastando o simples dever geral de legislar para dar fundamento a uma omissão inconstitucional” (Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. 4.“ ed. Coimbra, Almedina, 1997, p. 1003-1004).
57
Repr. n.° 1.349, Rel. Min. Aldir Passarinho, RTJ 129/41. Em face desta última razão assevera Gilmar Ferreira
Mendes que “Sem dúvida, a falta de um melhor desenvolvimento doutrinário sobre essa face peculiar da
representação de inconstitucionalidade e a decisão do STF na Repr. n. 1349 - que, praticamente, negou a
possibilidade de se instaurar um controle abstrato com pedido de declaração de constitucionalidade - tomaram
inevitável a positivação de um instituto específico no ordenamento constitucional, consubstanciado na ação
declaratória de constitucionalidade” (Ação Direta de lnconstitucionalidade...p. 294)
58 BAsTos, Celso Ribeiro. Czzzw ..., p. 407.
5° Lei 9.868/99, amigo 14, III.
°° A legitimação não é tão abrangente como na ação direta de inconstitucionalidade, restringindo-se ao Presidente
da República, às Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados e ao Procurador-Geral da República (art.
103, § 4.°, CF).
20
Ó' A opinião era praticamente unânime. A esse respeito, veja-se a posição de MORAES, Alexandre. Jurisdição
Constitucional e Tribunais Constitucionais. São Paulo: Atlas, 2000. p. 262; BASTOS, Celso Ribeiro, VARGAS,
Aléxis G. S. Argiiição de Descumprimento de Preceito Fundamental. in Revista de Informação Legislativa, n.°
30, p. 69; SILVA, José Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 560;
ROTHENBURG, Walter Claudius. Argüição de Descumprimento de Preeeito Fundamental, p. 199; FERRAZ,
Sérgio. Declaração de lnconstitueionalidade no Supremo Tribunal Federal. Revista Trimestral de Direito
Público, n.° 03, p. 207. Em posição contrária, André Ramos Tavares afirma que "A norma, pois, é de eficácia
imediata, sendo, porém, regulamentável. (...) pode a norma ser caracterizada como sendo de eficácia plena,
porque seus efeitos têm sido irradiados desde a entrada em vigor da C onstituição, deixando apenas eventuais
aspectos secundários da sua incidência para regulamentação posterior" (Tratado da Argüição de Preceito
Fundamental. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 96). E ainda, traçando paralelo com o imbróglio gerado quanto à
aplicabilidade da norma que instituía o mandado de injunção, afinna o autor que “Sustentou entusiasticamente o
Supremo Tribunal Federal, quanto ao mandado de injunção, que seria um enorme contra-senso não se reconhecer
a aplicabilidade imediata de uma medida que serve justamente para combater o mal da inércia legislativa,
colocando-a como vítima do vício que tende a combater. De outra fonna não se passa com a argüição, se se
pretendesse tratar de medida dependente de lei para poder combater o desrespeito à Constituição, inclusive
aquele derivado da falta da lei (descumprimento por omissão), que se insere perfeitamente também no âmbito da
argüição” (p. 100).
62 O STF estabeleceu este entendimento no AgRgAI n.° 145.860-0/SP, DJ 12.03.1991, em que decidiu que “A
previsão do parágrafo único do artigo 102 da Constituição Federal tem eficácia jungida a lei regulamentadora”.
Reafirmou esta posição no AGRPET 1.140-7/TO (publicado no DJU de 31.05.96, P. l8.803) e na Petição n.°
1.369-8 (publicado no DJU de 08.10.1997, p. 50.469).
63 Cf. supra, p. 02.
°4 ROTHENBURC., Walter Claudius. op. az. p. 199.
22
ordinária e norma constitucional°5. Exemplos disso são a ampliação do rol de legitimados para
a propositura da ação direta de inconstitucionalidade e a instituição da ação declaratória de
constitucionalidade.
Alega-se que esse seria um fenômeno positivo, na medida em que evita sensivelmente a
repetição e o prolongamento de discussões judiciais, decidindo importantes questões
constitucionais e minando a chamada “guerra de liminares”. Não é o caso de discutir a
questão, posto que política, e não jurídica.
Em que pesem estas modificações, o fato é que, conforme GILMAR FERREIRA
MENDES, “subsistiu um espaço residual expressivo para o controle difuso relativo às
matérias não suscetíveis de exame no controle concentrado (interpretação direta de cláusulas
constitucionais pelos juízes e tribunais, direito pré-constitucional, controvérsia constitucional
sobre normas revogadas, controle de constitucionalidade do direito municipal em face da
Constituição F ederal)”°°.
Neste contexto, a idéia inicial era a de aprovar, por meio de Emenda Constitucional, a
criação do “incidente de inconstitucionalidade” - o que, contudo, foi rejeitado nas várias
propostas que o continham apresentadas no Congresso Nacional. Diante disso, aproveitou-se a
amplitude semântica da expressão “argüição de descumprimento de preceito fundamental” e
procurou-se, na sua regulamentação por meio de lei ordinária, inserir o “incidente de
inconstitucionalidade”.
A portaria n.” 572 (DOU de 7.7.97), baixada pelo então Ministro da Justiça Íris Resende,
instituiu comissão formada pelos juristas CELSO RIBEIRO BASTOS, ARNOLDO WALD,
GILMAR FERREIRA MENDES, IVES GANDRA MARTINS e OSCAR DIAS CORREA
para que realizassem estudos visando à redação de um anteprojeto de lei que regulamentasse a
norma constitucional.
Aproveitando o Projeto de Lei 2.872, de autoria da Deputada SANDRA STARLING,
que também objetivava disciplinar o instituto em pauta - porém com objetivos mais
modestos°7 -, o Relator, Deputado PRISCO VIANA, exarou parecer favorável ao projeto, na
forma de substitutivo de sua autoria, o qual era praticamente idêntico ao anteprojeto criado
pela chamada Comissão Celso Bastosóg.
O referido Projeto de Lei acabou por ser aprovado, transformando-se na Lei 9.882/99,
com os vetos realizados pelo Presidente da Repúblicaóg. Vale, desde já, referir que a Lei 9.882
vem tendo sua constitucionalidade contestada na ADIN 223l70.
68 Neste sentido. Gilmar Ferreira Mendes (Argüíçãom, p. 376-382) apresenta quadro comparativo entre o
Anteprojeto
69
de Lei da Comissão Celso Bastos e o Substitutivo do Deputado Prisco Viana.
Foram vetados o inciso II, do parágrafo único do art. 1.°, o inciso II do art. 2.°. o § 2.° do art. 2.°, o §4.° do art.
5.°, os §§ l.° e 2.° do art. 8.° e o art. 9.°. Os dispositivos vetados serão comentados na medida em que tiverem
relevância para o estudo aqui desenvolvido.
70
O Ministro Néri da Silveira, então Relator, proferiu decisão em que deferiu, em parte, a medida liminar, com
relação ao inciso I do parágrafo único do artigo l.° da Lei n° 9882, para excluir, de sua aplicação, controvérsia
constitucional concretamente já posta em juízo, bem como deferiu, na totalidade, a liminar, para suspender o §
3.° do artigo 5.° da mesma lei, sendo em ambos os casos o deferimento com eficácia ex nunc e até final
julgamento da ação direta.
7' MORAES, Alexandre (C‹›z›1@z1zàz~¡0S à Lei n. “ 9.882/99 - Argüíção de Descumprímento de Preceiro
Fundamental in ROTHENBURG, Walter Claudius; TAVARES, André Ramos, Argüiçãou., p. 15), TAVARES,
André Ramos (Arg1li1`Ção...p. 39). BASTOS, Celso Ribeiro (op. cit. p. 78). Para Elival da Silva Ramos (Argüíção
de Descumprímento de Preceíto Fundamental: Delineamenro do Instituto in ROTHENBURG, Walter Claudius;
TAVARES, André Ramos, Argiiíção...,. p. ll5), a norma constitucional proporcionava aplicação mais ampla,
razão pela qual a disciplina legal “confinou o instrumento ao âmbito de um contencioso objetivo, tendo por
finalidade o controle da constitucionalidade de atos do Poder Público, em face de preceitos ditos fundamentais da
Carta Magna” - o grifo não consta do original.
72 Mensagem n.° 1.807, de O3/12/99.
24
/_
-Ê MORAES, Alexandre. Comenta/'i0s.., p. 19.
74 VIEIRA, José Roberto. A Semestralídade do PIS: F avos de Abelha ou Favas de Vespa? in Revista Dialética
de Direito Tl'ÍÍ7Llf(il'Í() n. ” 83. São Paulo: Dialética, 2002, p. 92. Não é demais prosseguir com as lições do autor:
“Nada mais do que i.s'.s'‹›, porém: ponto de partida e porta de entrada. Se nela nos detivermos, satisfazendo-nos
com a literalidade textual, nossa corrida hermenêutica não terá ido além da linha de saída, nossa aventura
exegética não terá ultrapassado os limiares do acesso, não terá transposto os umbrais do pórtico da terra da
interpretação, que prirrcipia efetivamente dali em diante, do texto avante”.
25
. _, . ~ . . ~ , 8
mais óbvia do dispositivo”. Ademais, prossegue o autor, tem também por objetivo “excluir a
rnterpretaçao ou as rnterpretaçoes que contravenham a Constrturçao °7 .
conforme à Constituição não consiste tanto em escolher entre vários sentidos possíveis e normais de qualquer
preceito, o que seja mais conforme com a Constituição, quanto em discernir no limite - na fronteira da
inconstitucionalidade - um sentido que, conquanto não aparente ou não decorrente de outros elementos de
interpretação, é o sentido necessário e o que se torna possível por virtude da força conformadora da Lei
Fundamental”.
79 A classificação foi utilizada pioneiramente por Juliano Taveira Bemardes (Argüíção de Descumprimento de
Preceito Fundamental. Disponível na Internet: <http://www.juristantumhpg.com.br/argpre.htm>. Acesso em: 01
de maio de 2001, p. 01.
80
SARMENTO, Daniel (op. cít., p. 87) TAVARES, André Ramos (Argüt`çã0..., p. 61), BASTOS, Celso Ribeiro
(Argüíç-ã0..., p. 81), ROTHENBURG, Walter Claudius. (op. cit., p. 207).
8' ROTHENBURG, Walter Claudius. (op. cit., p. 207).
82 TAVARES, André Ramos (A›~gú¡çâ‹›..., p. 61)
27
4.2. Legitimidade
Questão intrincada diz respeito à legitimidade para a propositura da argüição de
descumprimento de preceito fundamental em qualquer de suas formas (autônoma ou
incidental).
Dispõe o artigo 2.° da Lei 9.882: “Podem propor argüição de descumprimento de
preceito fundamental: I - os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade”. É
justamente este dispositivo que gerou uma total mudança de perspectiva na forma de
compreensão do instituto: sempre tido como próximo ao recurso constitucional alemão ou ao
recurso de amparo espanhol (objetivando a defesa direta dos direitos fundamentais do cidadão
perante a mais alta Corte), passava a ser visto apenas como mais um instrumento do controle
abstrato de normas84.
A situação se mostrava ainda mais curiosa tendo-se em conta que havia, no projeto de
lei, um inciso ll do art. 2.°, que admitia expressamente a legitimidade de qualquer cidadão. O
veto foi imposto sob a alegação de que a “inexistência de qualquer requisito específico a ser
ostentado pelo proponente da argüição e a generalidade do objeto da impugnação fazem
presumir a elevação excessiva do número de feitos a reclamar apreciação pelo Supremo
Tribunal Federal, sem a correlata exigência de relevância social e consistência jurídica das
argüições propostas”85 .
Parcela significativa da doutrina tem sustentado a inconstitucionalidade do vetogó,
bem como a sua possibilidade de superação por meio da interpretação87, apesar de não ser esta
a orientação predominantegg.
Com efeito, a nonna deve ser interpretada sistematicamente. Desta fonna, tem-se de
entender que o inciso I do art. 2.° refere-se somente à argüição autônoma. A legitimidade para
propor a argüição de descumprimento de preceito fundamental na modalidade incidental está
implícita no dispositivo que a prevê: só pode pertencer àqueles que estão envolvidos em
processo judicial em que se discuta acerca de questão envolvendo preceito fundamental
decorrente da Constituição.
Poder-se-ia objetar, com esteio nas lições de CARLOS MAXIMILIANO, que “Se um
preceito figurava no Projeto primitivo e foi eliminado, não pode ser deduzido, nem sequer por
analogia, de outras disposições que prevaleceram, salvo quando a supressão se haja verificado
por considerarem-no desnecessário ou incluído implicitamente no texto ñnal”8°. Contudo, em
face deste argumento, pode-se dizer que a legitimação abrangente do projeto, vetada pelo
Presidente da República, dizia respeito somente à argüição autônoma. Ademais, pode-se
alegar, como visto, que estava realmente implícita no texto a legitimidade dos litigantes em
processo judicial para a propositura da argüição incidental.
Há, ainda, outras razões a sustentar este entendimento. Fundado nos princípios
democrático e do acesso à Justiça, expõe ANDRÉ RAMOS TAVARES:
Conclui-se, pois, que o veto criado pelo Executivo, quanto à possibilidade de propositura da
argüição por qualquer pessoa lesada ou ameaçada, não surtiu efeitos práticos, uma vez que a
natureza da argüição incidental exige um sistema de legitimados que seja diverso daquele
engendrado para a ação autônoma de argüição (que se reporta aos mesmos legitimados para a
propositura de ação direta de inconstitucionalidade)
Assim, a argüição incidental só será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal se originária
for de um processo judicial já instaurado no qual se controverta sobre questão constitucional
que envolva preceito fundamental, desde que seja apresentada a argüição por alguma das
partes interessadas e, por fim, desde que o Supremo Tribunal Federal entenda tratar-se de
questão cuja solução aproveitaria ao interesse nacional.Q0
Desse modo, devemos dar ao texto um sentido que o compatibilize com a Constituição e sua
materialidade principiológica. Não parece haver dúvida, como já referido. que a ADPF se
insere no sistema como um instituto de proteção aos direitos fundamentais do cidadão, na
esteira do Vefiassungbeschwerde alemão (o art. 90, inciso I, da Lei sobre o Tribunal
Constitucional Federal, autoriza que “qualquer pessoa pode propor o recurso constitucional no
Tribunal Constitucional Federal com a alegação de estar sendo violada pelo Poder Público,
em alguns dos seus direitos fundamentais ou em alguns dos seus direitos contidos no art. 20,
alinea 4, art. 33, 38, l0l, 103 e 104, da Lei Fundamental°). Ou seja. em além-mar como aqui,
tais institutos se constituem (também) como remédios individuais de acesso à jurisdição
constitucional. Portanto. o veto presidencial, retirando do cidadão a possibilidade de acessar o
STF quando da ocorrência de violação de preceito fundamental. bate de frente com a
Constituição. A solução que se apresenta é proceder a uma leitura do texto do art. 2.°, inciso
II, da Lei 9.882, em conformidade com a Constituição. permitindo-se também ao cidadão
recorrer diretamente ao Supremo Tribunal Federal, na hipótese de descumprimento de
preceito fundamental por parte dos poderes públicos. Aliás. foi nesse sentido o texto original
aprovado pelo Congresso Nacional.9I
90 Argüíção., p. 72.
Q' Os meios..., p. 266-267.
oz
Hermenêutica .... p. 183. Os grifos não constam do original.
30
que a legitimidade ativa é a mesma nas duas espécies de argüição conduzirá, inevitavelmente,
ao ocaso da argüição incidental. Nas palavras de ANDRÉ RAMOS TAVARES esta situação
mostra-se cristalina:
Note-se que, em face do art. 4.°, caput e §l.°, da Lei 9.882, que autorizam a não-admissão da
argüição de descumprimento de preceito fundamental, quando não for caso ou quando não
houver outro meio eficaz de sanar a lesividade, foi concedida certa discricionariedade ao
Supremo Tribunal Federal, na escolha das argüições que deverão ser processadas e julgadas,
podendo, em face de seu caráter subsidiário, deixar de conhecê-las quando concluir pela
inexistência de relevante interesse público, sob pena de tomar-se uma nova instância recursal
para todos os julgados dos tribunais superiores e inferiores.%
Tomando como referência o caso espanhol, onde há “um aumento progressivo dos
recursos de amparo, sendo eles cada vez menos admitidos e, dentre estes, diminuem os
concedidos”, e, por outro lado, o nosso já rico e complexo controle de constitucionalidade,
. . . ,,‹)7 “ ~ . . ~ . . .
verifica-se que a argüição de descumprimento de preceito fundamental “será possível em
casos muito raros e limitados , o que reforça a conclusao de que a legitrmaçao individual
(popular) deveria ter sido contemplada e sem temor (Zeno Veloso)”98. E, como demonstrado,
segundo a melhor interpretação, realmente foigg.
4.3. Subsidiariedade
Outro limite, portanto, à propositura da argüição de descumprimento de preceito
fundamental é o chamado princípio da subsidiariedade.
Estabelece o artigo 4.°, §l.°, da Lei 9.882, que “Não será admitida argüição de
descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar
a lesividade”. O dispositivo em pauta tem gerado controvérsias. No que toca ao presente
tópico (conformação do instituto ao sistema de controle de constitucionalidade), tem-se
entendido que se presta a limitar o âmbito de utilização da argüição. Assim, só se poderia
lançar mão do instituto na hipótese de “inexistência de outro meio eficaz para sanar a
lesividade” - ou evitá-la, no caso da argüição preventiva.
Afinna-se, fugindo de interpretação meramente literal, que se exige, na verdade, não a
inexistência de outros meios jurídicos, mas o “prévio esgotamento de todos os instrumentos
9° Comenrár1'os..., p. 28.
97
VELOSO, Zeno. Controlejurisdicional de constitucionalidade: atualizado conforme as Leis 9.868, de 11-11
1999 e 9.882, de 3-12-1999. 2.“ ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 306.
°8 RoTHENBuRo, walter- crauóius. Op. cn. p. 227.
9° Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (op. cír. p. 1481-1482) seguem o mesmo entendimento.
Assim sustentam os renomados processualistas: “A despeito do veto ao inciso II, pelo princípio constitucional do
direito de ação, que proíbe à lei subtrair do controle jurisdicional ameaça ou lesão a direito, e tendo em vista a
possibilidade de utilização do instituto contra descumprimento relativo a direito subjetivo, qualquer pessoa pode
deduzir demanda diretamente ao STF, pleiteando a defesa de preceito constitucional fundamental desctunprido
pela autoridade ou Órgão do Poder Público (CF, 5.° XXXV). O particular não pode deduzir a argüição em outro
juízo ou tribunal porque o STF é a Corte Constitucional federal brasileira e nenhum outro órgão do Poder
Judiciário está autorizado a decidir matéria constitucional com força de coisa julgada erga omnes e vinculando
os demais Órgãos do Poder Público”.
32
'94 A possibilidade de lei ordinária conferir efeito vinculante a decisões do STF será examinada adiante.
34
KONRAD HESSE, “só é admissível se o recorrente não pode eliminar a violação de direitos
fundamentais afimiada por interposição de recursos jurídicos, ou de outra forma, sem recorrer
ao Tribunal Constitucional F ederal”'0°.
Reconhece-se, porém, de fomia excepcional, a possibilidade de a Corte Constitucional
“decidir de imediato um recurso constitucional, se se mostrar que a questão constitucional é
de interesse geral ou se demonstrar que o requerente poderia sofrer grave lesão caso recorresse
à via ordinária (Lei Orgânica do Tribunal, § 90, II)”'O7.
Fazendo analogia entre o recurso constitucional alemão e a argüição de
descumprimento de preceito fundamental, conclui ALEXANDRE DE MORAESIO8 que
.,.,....9
“Somente de forma excepcional, poderá o Supremo Tribunal Federal afastar a exigência do
prévio esgotamento judicial, quando a demora para o esgotamento das vias judiciais puder
gerar prejuizo grave e irreparável para a efetividade dos preceitos fundamentars”'0 .
Entendemos, destarte, adequadas as seguintes ponderações de LENIO LUIZ STRECK:
Com efeito, em face da redação do dispositivo, não se toma desarrazoado afirmar que a
exigência que a lei regulamentadora faz do esgotamento das vias judiciárias pode tomar a
ADPF inócua e desnecessária, uma vez que existe o recurso extraordinário como meio de
levar as discussões acerca da violação da Constituição até a instância máxima que é o STF.
Aqui, a lição do direito alemão poderia - e ainda pode - ser aproveitada, mormente em face
do que dispõe o § 90, alínea 2, frase 2, da Lei sobre o Bundesveiflzssungsgericlzt, onde se
permite desconsiderar a exigência do esgotamento das vias judiciais. Ou seja, na Alemanha
a exceção surge quando o recurso constitucional é de significado geral ou suceder ao
impetrante um prejuízo grave e irreparável, caso ele seja remetido, inicialmente, à via judicial.
Por isso, buscando inspiração no direito alemão e no espanhol. toma-se imperativo que o
Supremo Tribunal Federal faça uma interpretação conforme a Constituição
(veifassungkonƒorme Auslegung), permitindo que, em determinadas circunstâncias, não se
tome exigível o esgotamento das vias judiciárias. Pensar o contrário é esvaziar esse
importante instituto, além de estabelecer uma leitura metafisica do mesmo, obstaculizando o
aparecer da singularidade. Afinal, hermenêutica é (sempre) aplicação, é (sempre)
concretização. I IO
argüição de descumprimento toda vez que o princípio da segurança jurídica restar seriamente
ameaçado, especialmente em razão de conflitos de interpretação ou de incongruências
hermenêuticas causadas pelo modelo pluralista de jurisdição constitucional”' I I.
Já quando se tratar de argüição autônoma, o princípio da subsidiariedade deve exigir o
esgotamento das vias judiciais ordinárias aptas a reparar ou evitar a lesão a preceito
fundamental. Porém, neste caso, em dois tipos de ocasião a subsidiariedade poderá ser
afastada.
Em primeiro lugar, quando a situação for de interesse geral, cabendo então as mesmas
observações relativas à argüição autônoma. Não se tratará, portanto, de controle objetivo, mas
subjetivo que acabará por gerar efeitos erga omnes - como ocorre com as decisões proferidas
em controle difuso pelo STF - prescindindo, porém, da Resolução do Senado (art. 52, X, CF).
Em segundo lugar - e é essa a situação que caracteriza a verdadeira função do instituto
- quando puder suceder ao autor da argüição um prejuízo grave e irreparável a um seu
direito fundamental decorrente de descumprimento de preceito constitucional fimdamental.
Pede-se vênia para discordar deste entendimento. Não pela conseqüência apontada,
que parece irretocavel, mas pelo fato de que também as normas constitucionais implícitas são
constitucionais. Ou seja, o fato de a norma não estar expressa no texto constitucional, mas
nele encontrar, implicitamente, fundamento, confere-lhe o mesmo caráter constitucional das
normas explícitas.
Havemos de concordar, assim, com o seguinte posicionamento de ANDRÉ RAMOS
TAVARES:
Por se tratar da tutela de “preceito fundamental, decorrente desta Constituição”, tem-se que a
própria expressão empregada pelo Texto Supremo já está a sinalizar no sentido de que não
cabe senão uma análise do próprio corpo da Constituição para dela se auferir este conjunto
denominado de preceitos fundamentais, justamente porque só dela podem decorrer e. assim,
só nela podem ser encontrados. Se se trata, realmente, de um conjunto de preceitos
considerados constitucionais, isso significa que foram consagrados no corpo da Constituição,
e dele constam expressa ou implicitamentel 13
normas jurídicas que são regras, em cuja estrutura lógico-deôntica há descrição de uma
hipótese/atica e a previsão da conseqüência jurídica de sua ocorrência, daquelas que são
princípios, por não trazerem semelhante descrição de situações jurídicas, mas sim a
prescrição de um valor, que assim adquire validade jurídica objetiva, ou seja, em uma
Il5
palavra, positividade.
Este consenso, contudo, está longe de atingir uma verdadeira conclusão unânime. É
que se se admite a existência deste conjunto de preceitos basilares, reina grande divergência
em sua enumeração. Persiste, destarte, a dúvida: quais são estes preceitos fundamentais?
A resposta somente será possível com o tempo por meio da sedimentação do conceito
por parte do Supremo Tribunal Federal. Enquanto isso não ocorre, cabe-nos, em consonância
com a doutrina, explicitar aqueles preceitos que, sem dúvida, serão acolhidos na noção.
Podemos, então, referir aos princípios fundamentais do Estado Brasileiro (art. l.° a
4.°), ao rol de direitos fundamentais (art. 5.°), aos princípios constitucionais sensíveis (art. 34,
VII), às cláusulas pétreas (art. 60, §4.°), dentre outros. Adotamos, assim, a enumeração de
CELSO RIBEIRO BASTOS e ALÉXIS GALIÁS DE SOUSA VARGAS quanto a alguns
preceitos que
admissibilidade, a ação foi considerada cabível por 6 ministros contra 5122. Ainda que a
questão, quanto ao mérito, seja provavelmente julgada improcedente, está aberto o precedente
para a utilização da medida como remédio a este que é um dos maiores males do
constitucionalismo atual.
Partindo da premissa já exposta - de que não há vinculação necessária entre o caput do
artigo l.° da Lei nf' 9.882/99 e a argüição autônoma ou entre o parágrafo único do mesmo
artigo e a argüição incidental - não podemos admitir a conclusão de que no caso da argüição
incidental, os atos sindicáveis seriam mais restritos, incluindo-se entre estes apenas os
normativos, sejam federais, estaduais ou municipais, incluídos os anteriores à Constituiçãom.
Não há, portanto, que excluir da modalidade incidental da argüição o controle dos atos não
normativos. Até porque nesta modalidade - na qual, segundo propugnamos, a legitimidade
pertence àquele que viu direito subjetivo seu ofendido -, em regra, a ofensa será de índole
material e não normativam.
Deste modo, a ação interventiva deverá restar relegada ao esquecimento. Isso porque,
conforme demonstrado anteriormente, se somente haviam sobrado, como objeto de
impugnação pela ação interventiva, atos não normativos ou omissivosm, desde que ofensivos
aos princípios constitucionais sensíveis, também a argüição de descumprimento de preceito
fundamental (categoria em que, sem dúvida, enquadram-se os dispostos no artigo 34, VII, da
Constituição Federal) poderá impugná-los.
Dentre os atos nonnativos que podem ser objeto da argüição de descumprimento de
preceito fundamental, alguns merecem destaque por constituírem novidade na forma de
controle abstrato.
Em primeiro lugar, o direito pré-constitucional pode ser objeto da argüição. A Lei n.°
9.882/99 vem a superar tradicional jurisprudência do STF no sentido de que seria impossível a
verificação no controle concentrado da compatibilidade entre a Constituição e leis anteriores a
sua promulgação, pelo fato de que estas questões hão de ser superadas segundo os princípios
de direito intertemporal (lex posterior). Com a previsão expressa do parágrafo único do artigo
I22
Posicionaram-se a favor do cabimento da medida os rninistros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco
Aurélio de Mello. llmar Galvão. Carlos Velloso e Néri da Silveira. Em sentido oposto votaram os ministros
Octávio Gallotti. Nelson Jobim. Nlauricio Corrêa, Sydney Sanches e Moreira Alves.
'23 TAVARES, Andre Ramos. .~lI'gI.ÍI'Ç(I0 .... p. 73.
'24 Inclusive, se a ofensa for norrnativa. estará sujeita a argüição a requisitos mais severos de admissibilidade
(especialmente no que diz com o principio da subsidiariedade), conforme já exposto acima.
'25 Cf. Parte I, 2. 2.2.
40
1.°, agora pode o Supremo Tribunal Federal pronunciar-se a respeito destas situações,
oolmatando importante lacuna do sistema constitucional brasileiro. Restará, desta maneira,
reduzida a importância prática da discussão acerca da natureza do conflito entre nonna pré
constitucional e Constituiçãolzó.
Outro ponto importante e a possibilidade conferida ao STF de realizar o controle
abstrato do direito municipal em face da Constituição Federal. As leis municipais, como é
cediço, não se sujeitavam, antes da edição da lei, ao controle abstrato de conformidade à
Constituição Federal (haja vista a restrição do artigo 102, I, a), mas apenas em face das
Constituições Estaduais (segundo dispõe o artigo 125, § 2.°), bem como ao controle difuso
concreto I 27.
Neste caso, vale ressaltar, “não será necessário que o Supremo Tribunal Federal aprecie
as questões constitucionais relativas ao direito de todos os municípios. Nos casos relevantes,
bastará que decida uma questão-padrão com força vinculante”'28. O efeito vinculante das
decisões proferidas em argüição de descumprimento de preceito fundamental, do qual se
tratará mais adiante, está previsto no artigo 10, § 3.°, da Lei n.° 9.882/99 e tem como uma de
suas conseqüências a extensão da inconstitucionalidade às normas paralelasm.
Merece destaque, igualmente, a permissão legal de que haja declaração de
constitucionalidade do direito estadual e municipal pelo STF. A novidade vem preencher o
espaço deixado pela ação declaratória de constitucionalidade que somente permite este
controle tendo por objeto o direito federal.
No que se refere aos atos com status infralegal, o entendimento prevalente no Supremo
Tribunal Federal sempre foi o de que os atos infralegais (regulamentos ou outras nonnas
secundárias) não estariam sujeitos à fiscalização abstrata de constitucionalidade - exceção
feita aos regulamentos autônomos que, por fazerem as vezes de lei, ainda que de maneira
inconstitucional, não suscitam qualquer questão prévia de legalidade.
mó Parece melhor o entendimento de que estes conflitos hão de ser solucionados à luz do critério hierárquico,
que, por sua importância, deve prevalecer sobre os demais.
'27 Igualmente, agora, as leis do Distrito Federal podem, todas, ser questionadas por esta via processual, quando,
evidentemente, preencherem o requisito de descumprimento de preceito fundamental. Antes, estavam excluídas
do controle as normas de índole municipal.
128
MENDES, Gilmar Ferreira. Argzíiíção de descumprimento de preceito fz.mdamenral: parâmetro de controle e
objeto. in ROTHENBURG, Walter Claudius, TAVARES, André Ramos (organ.) Argziiição de Descumprimento
de Preceito F zmdczmenml: A nálíses à Luz da Lei 11. ” 9. 882/99. São Paulo: Atlas, 2001 p. 142.
129 Cf. Parte Il, Ó.
41
Esta posição está longe de ser imune de críticas. E que, conforme expõe CLEMERSON
MERLIN CLEVE,
Neste ponto, em boa hora veio a lei. Ao utilizar expressão de conteúdo semântico tão
amplo, o legislador abriu espaço para a utilização da argüição também nestes casos. Resta,
destarte, inserido no sistema brasileiro o propugnado “processo objetivo de controle da
legitimidade da normativa regulamentar”l3 I.
Ouestiona-se, igualmente, se a regulamentação dada pela Lei n.° 9.882/99, teria dado
azo à possibilidade de controle preventivo de constitucionalidade.
O controle preventivo in abstrato não tem sido admitido pelo Supremo Tribunal
Federal, nem mesmo quando referente às emendas constitucionais ofensivas a cláusulas
pétreasm. Apesar de ser defensável, excepcionalmente, a possibilidade do exercício de um
controle preventivo, devido à gravidade de tais medidas, não acreditamos que a
regulamentação trazida a luma venha lançar as bases de um novo entendimento sobre a
jurisprudência do STF.
Cabe, por fim, uma breve referência aos atos ditos políticos. Os atos políticos, enquanto
tais, não podem ser questionados perante o Poder Judiciário, nem mesmo mediante o controle
difuso, em respeito ao princípio da separação dos poderes. Contudo, a compreensão do que
seja ato político tem de ser balizada com as prerrogativas constitucionais daquele que o
pratica. Ou seja, se existem limites e fonnas de atuação constitucionalmente traçadas para a
prática do ato, conceder-lhe a pecha de natureza política não é suficiente para afastar o
controle jurisdicional. Há-se, portanto, de dar razão a DANIEL SARMENTO, quando afirma
que
32 . . . . .
l3O
A F z`scal1`zação...p. 21 l-212. O autor demonstra, ainda, que a mesma posição é defendida por Gilmar Ferreira
l3l . .
Mendes e Hugo de Brito Machado.
Idem, zbzdem.
I O STF admite, por outro lado. a legitimidade da propositura de mandado de segurança por parlamentar que,
exercendo um seu "direito-fi1nçäo". pode exigir a higidez do processo legislativo. Trata-se, aí, contudo, de
processo subjetivo de controle de constitucionalidade.
42
6. EFEITOS DA DEcrsÃo
Chegamos, enfim, ao ponto relativo aos efeitos da decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal em sede de argüição de descumprimento de preceito fundamental.
Inicialmente, é de se notar que o julgamento da ação exige o quorum mínimo de dois
terços dos Ministros presentes à sessão, a teor do artigo 8.° da Lei 9.882/99.
A decisão proferida no âmbito do controle concentrado faz também coisa julgada. Isso,
porém, não impede que o Supremo Tribunal Federal reveja sua posição a respeito da questão
constitucional, tendo em vista que toda decisão judicial contém, implícita em seu bojo, a
cláusula rebus sic stantíbus. É, portanto, possível, a mudança de orientação, contanto que
existam modificações de compreensão fática ou jurídica acerca da questão.
A decisão, adernais, reveste-se de eficácia erga omnes, conforme estabelece a primeira
parte do § 3.° do artigo 10 da lei. Trata-se de efeito implícito das decisões proferidas pelo
Supremo Tribunal Federal no exercício do controle objetivo de constitucionalidadem. Seria,
destarte, desnecessária a previsão no que se refere à argüição autônoma, de caráter objetivo.
Estendendo o efeito vinculante à argüição, não se pode sustentar que a lei tenha incidido em
inconstitucionalidade. Tanto o efeito vinculante não repugna ao espírito da Constituição que
nela mesma está contemplado para o caso da ação declaratória de constitucionalidade. Fosse
contrário à Constituição esse tipo de efeito, e certamente não se teria sua existência em
135
nenhuma modalidade de ação.
O efeito vinculante é um plus em relação à eficácia erga omnes. Ele lhe confere maior
força. Não existe consenso doutrinário acerca do alcance do efeito vinculante. A tendência,
contudo, parece ser no sentido de outorgar-lhe duas conseqüências fundamentais: a)
possibilitar a utilização do instituto da reclamação, com vistas a fazer-se observada a decisão
proferida pelo Supremo Tribunal Federal; e b) estender a decisão às chamadas normas
paralelas ou de conteúdo semelhante à avaliada na decisãom. Por outro lado, tendo em vista
que o efeito vinculante atinge somente a parte dispositiva, e não os fundamentos
determinantes, da decisão, o STF tem entendido que não exerce restrição sobre a atividade do
Poder Legislativom.
Por fim, resta a análise do artigo ll da Lei n.° 9.882/99, que assim dispõe:
jurídico'4'. Porém, em termos de direito positivo, a Constituição Federal de 1988 parece ter
adotado o postulado da nulidade constitucional como princípio constitucional implícitom.
Portanto, a norma do artigo 11 da Lei n.° 9.882/99, bem como a do artigo 27 da Lei n.°
9.868/99, com bem observa TEORI ALBINO ZAVASCKI “na verdade, reafirma a tese (da
nulidade da lei inconstitucional), pois deixa implícito que os atos praticados com base em lei
inconstitucional são atos nulos e que somente podem ser mantidos em virtude de fatores
extravagantes, ou seja, “por razões de segurança pública ou de excepcional interesse
social°”'43.
Pensamos, contudo, que a lei ordinária não poderia ter disposto sobre matéria que é, esta
sim, reservada à Constituição. Da mesma maneira, a fixação do quorum de dois terços para a
fixação dos efeitos não encontra supedâneo constitucional. Com efeito, se pudesse o Poder
Legislativo estabelecer ao Poder J udiciário condições para o exercício do seu próprio controle
(dele, Poder Legislativo), poderia simplesmente anulá-lo, ofendendo a cláusula pétrea da
separação dos poderes'45.
O dispositivo, portanto, é inócuo na parte em que pennite ao Supremo Tribunal Federal
a manipulação dos efeitos de sua decisão (em que pese seu caráter didático) e inconstitucional
ao fixar o quorum mínimo de dois terços para esta manipulação.
'4'
I42
MENDES. Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 191.
Idem p. 256.
'43 Eficácia das Se›zre›zç~‹z.s' na Jurisdição Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 49.
'44 Manual de D1`ru1'ro Constitucional. 3.“ ed. Coimbra: Coimbra Ed., 1991, t. II, p. 500.
46
CONCLUSÕES
Ao fim deste ensaio não podemos deixar de admitir termos sido tomados pelo mesmo
sentimento que acometeu BAUDELAIRE, ao terminar seus Petits poèmes en prose, conforme
admitiu em carta a Arsene Houssaye, em que pese no caso dele haver o brilhante poeta se
desmerecido:
Para dizer a verdade, porém, receio que a minha ambição não tenha logrado êxito. Mal
principiei meu trabalho, percebi que não só ficava muito longe do meu misterioso e brilhante
modelo, mas, ainda, que eu fazia alguma coisa (se a isto se pode chamar de coisa)
singularmente diversa, acidente de que outro que não eu decerto se orgulharia, mas que só pode
humilhar um espírito para quem a maior honra do poeta consiste justamente em realizar aquilo
que projetou fazer. 146
Temos consciência de que o resultado obtido foi, em certa medida, quixotesco. Não
podemos, todavia, abrir mão de buscar novas soluções que permitam o pleno desenvolvimento
do controle de constitucionalidade, especialmente dos instrumentos, como é o caso da
argüição de descumprimento de preceito fundamental, que permitem uma tutela mais
adequada ao cidadão, concretizando o princípio do acesso à Justiça, o princípio da efetividade
das normas constitucionais e, em última análise, o princípio da dignidade da pessoa humana,
fundamento da República.
Neste tópico, procuramos sistematizar as conclusões atingidas ao longo da exposição,
com o intuito meramente de facilitar a compreensão do nosso pensamento. Remetemo-nos,
sem embargo, à fundamentação expendida no correr do texto.
1) A Constituição Brasileira, incluída no rol das constituições rígidas, prevê, em seu
bojo, uma gama de instrumentos aptos a extirpar do sistema jurídico as normas inferiores
produzidas em desconformidade com a nonnativa constitucional;
2) Apesar de o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, misto das formas
de fiscalização concentrada e difusa, ser bastante extenso, albergando meios diversos aptos a
coartar, em grande medida, as inconstitucionalidades, restam ainda espaços desregulados, a
exigir o desenvolvimento completo dos instrumentos ainda sub-utilizados;
'45 FISCHER, Octávio Campos. A Manipulação dos Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade e Alguns
Reflexos no D1'¡`L'I.Í() Tri/›z1rario. Tese de Doutoramento: UFPR, 2002, p. 168.
'46 BAUDELAIRE, (`harles. Pequenos poemas em prosa. trad. Aurélio Buarque de Holanda. 4.“ ed., revista. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira. 1980. p. 15.
47
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BORGES, José Souto Maior. Ciénciafeliz. 2.“ ed. São Paulo: Max Limonad, 2000.
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FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 3.“ rev. amp. São Paulo:
Malheiros, 2000.
HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição, trad. de Gilmar Ferreira Mendes. Porto
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NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade Código de processo civil
comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002.
SIEYES, Emmanuel Joseph. A Constituição Burguesa. org. Aurélio Wander Bastos. Rio de
Janeiro: Editora Lumen Juris, 2001.
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Malheiros, 2000.
SWISHER, Carl Brent. Decisões Históricas da Suprema Corte. trad. Arlette Pastor Centurion.
Rio de Janeiro: Forense, l964.
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. l8.“ ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001 .
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ANEXO
o PRESIDENTE DA REPÚBLICA,
Faço saber que o CONGRESSO NACIONAL decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1.° A argüição prevista no § 1° do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante
o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental,
resultante de ato do Poder Público.
Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental:
I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato
normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição;
II - (VETADO)
Art. 2.° Podem propor argüição de descumprimento de preceito fundamental:
I- os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade;
II - (VETADO)
§ 1° Na hipótese do inciso Il, faculta-se ao interessado, mediante representação, solicitar a
propositura de argüição de descumprimento de preceito fundamental ao Procurador-Geral da
República, que, examinando os fundamentos jurídicos do pedido, decidirá do cabimento do
seu ingresso em juízo.
§2.° (VETADO)
Art. 3.° A petição inicial deverá conter:
I- a indicação do preceito fundamental que se considera violado;
II- a indicação do ato questionado;
III - a prova da violação do preceito fundamental;
IV - o pedido, com suas especificações;
V ~ se for o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a
aplicação do preceito fundamental que se considera violado.
Parágrafo único. A petição inicial, acompanhada de instrumento de mandato, se for o caso,
será apresentada em duas vias, devendo conter cópias do ato questionado e dos documentos
necessários para comprovar a impugnação.
Art. 4.° A petição inicial será indeferida liminannente, pelo relator, quando não for o caso de
argüição de descumprimento de preceito fundamental, faltar algum dos requisitos prescritos
nesta Lei ou for inepta.
§ 1.° Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver
qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.
§ 2.° Da decisão de indeferimento da petição inicial caberá agravo, no prazo de cinco dias.
Art. 5.° O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros,
poderá deferir pedido de medida liminar na argüição de descumprimento de preceito
fundamental.
§ 1.° Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso,
poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno.
§ 2.° O relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem
como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo comum de
cinco dias.
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