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MARCELO COSTENARO CAVALI

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO PRECEITO FUNDAMENTAL


LIMITES E POSSIBILIDADES A LUZ DA LEI N.° 9.882/99

CURITIBA
2002
MARCELO COSTENARO CAVALI

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL:


LIMITES E POSSIBILIDADES A LUZ DA LEI N.° 9.882/99

Monografia apresentada ao Curso de Direito,


Faculdade de Direito da Universidade Federal do
Paraná, como requisito parcial à obtenção do grau
de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Titular Doutor Clèmerson


Merlin Clève

CURITIBA
2002
TERMO DE APROVAÇÃO

MARCELO COSTENARO cAvAL1

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL:


LIMITES E POSSIBILIDADES A LUZ DA LEI N.° 9.882/99

Orientador:
/
p* Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de
\ Bacharel em Direito no Curso de Direito, Faculdade de Direito da

\\\\
Universidade Federal do Paraná, pela seguinte banca examinadora:

\`\â/.­
`\
\

Prof. Dr. 1 Clèmerson Merlin Clève

< J /`\ \

Z‹¿á4¿¢;¿Ú€¿2*¿›à
Prof*'. Dra. Maria de Lourdes Seraphico Peixoto da Silva

Proí”. Dra. Vera Karam de Chueiri

Curitiba, O5 de novembro de 2002

ll
“Eis o inconveniente contra o qual nada posso
fazer, exceto prevenir e premunir o leitor
preocupado com a verdade: não existe uma
estrada-mestra para a ciência e só têm chance de
acesso aos seus cumes luminosos aqueles que não
temem cansar-se, escalando picadas íngremes”
Karl Marx, em carta a Maurice Lachatre
(Oeuvres, Paris, Gallimard, Le Pléiade, 1969­
1982, l, p. 544)

iii
SUMÁRIO

RESUMO ............ ......... v


INTRODUÇÃO ..............................._. ........ 1
PROPOSTA METODOLÓGICA ..................................................................................................... 4

P.-\RTE l - O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO E


NO DIREITO COM PARADO: ASPECTOS FUNDAMENTAIS ................................................. 7

1. O SISTEMA DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ....... ........ 7

1.1. A Supremacia das Normas Constitucionais .................................................................................. 7

1.2. Origens do Controle Jurisdicional de Constitucionalidade: o Sistema Americano de Controle


Incidenter T antum ................................................................................................................................ 8

1.3. Desenvolvimento do Controle Abstrato de Constitucionalidade ................................ ......... 1 1

2. O CONTROLE DE C ONSTITUC IONALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO ....................... 13

2.1. Breve Histórico do Sistema de Fiscalização de Constitucionalidade das Leis no Direito


Brasileiro ............................................................................................................................................ 13

2.2. O Sistema de Controle Implantado pela Constituição de 1988 ............................... ................. 1 5

PARTE II - A ARGÚIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL .................................................................. ........................................................... 2 1

3. CONTEXTO E ORIGEM DA DISCIPLINA LEGAL DO INSTITUTO ...................................... 21

4. INSERÇÃO DO INSTITUTO NO SISTEMA DE CONTROLE DE


COSNTITUCIONALIDADE ....................... ....... .................... .......... ............................... 2 3

-1.1. Espécies de Argüicão ........ ......... 2 4


-1.2. Legitimidade ........... .......... 2 7
4.3. Subsidiariedade ............................................. ......... 3 1
5. PARÃMETRO E OEIETO DE CONTROLE ........ ......... 3 5
ó. EFEITOS DA DECISÃO _._..... .......... 4 2
CONCLUSÕES ....................................... ....... 4 ó
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......... .......... 4 9
ANEXO - LEI N." 9.882/99 ......... ......... 5 3
iv
RESUMO

A presente monografia objetiva definir, a partir da Lei n.° 9.882/99, os limites


interpretativos do instituto da “argüição de descumprimento de preceito fundamental”, de
matriz constitucional no artigo 102, parágrafo l.°, no sentido de lhe conferir a maior
efetividade possível, como propugnam as normas superiores do ordenamento jurídico. Após
uma breve introdução ao tema, passamos a explicar as premissas metodológicas que
orientaram a pesquisa. Em seguida, procuramos fornecer um panorama geral da fiscalização
de constitucionalidade no direito comparado, perpassando suas origens e características,
desembocando no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, historicamente
considerado e em sua condição atual. Finalmente, enfrentamos o tema da argüição de
descumprimento de preceito fundamental, cotejando as normas constitucionais com a
disciplina legal fornecida pela Lei n.° 9.882/99.

V
INTRODUÇÃO
Brasil, 1988. Vencidas décadas de regime militar, reunido um “Congresso Nacional
Constituinte”l - após um longo processo dialético, no qual todas as camadas sociais
brasileiras, participantes por meio de seus representantes parlamentares, deram vida a um
texto extenso e heterogêneo - foi promulgada a Constituição da República Federativa do
Brasil.

As diversas nonnas que compõem o texto constitucional foram, paulatinamente, sendo


examinadas e classificadas, procurando-se, na medida do possível - especialmente a doutrina e
à parte o papel refratário exercido, em grande monta, pelas mais altas cortes do país,
notadamente o STF -, conferir-lhes a efetividade que propugnam os mandamentos que se
encontram no topo do ordenamento j urídico.
Dentre outros, um curto dispositivo estabelecido no corpo da Lei Magna não granjeou
chamar a atenção dos juristas, porque se entendeu tratar-se de norma constitucional sem
possibilidade de aplicação imediata. Refere-se ao antigo parágrafo único, e atual parágrafo l.°
do artigo 1022, que dispõe, literalmente, que “A argüição de descumprimento de preceito
fundamental decorrente desta Constituição será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal na
forma da lei”.

É essa a referência que a Constituição faz ao instituto da argüição de descumprimento


de preceito fundamental. Apenas e tão somente esta frase.
Poucos foram os autores que deram importância à existência do instituto. Ainda assim
não lograram obter uma conclusão única. Nesses anos de letargia, evocou, mais
freqüentemente, a doutrina, o recurso constitucional alemão (Verfassungsbeschwerdef, por
meio do qual pemiite-se a qualquer sujeito que haja sofrido lesão sobre direito fundamental
invocar imediatamente a tutela do Tribunal Constitucional. Nesse sentido, concretizaria o
ideal de JosÉ AFONSO DA SILVA, para quem o dispositivo poderia ser “fértil como fonte

1 Não se pode falar em Assembléia Nacional Constituinte, visto que foram convocados os membros da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal para discussão do texto. Para uma melhor compreensão deste processo,
conferir BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 08-09.
2 Com redação dada pela Emenda Constitucional n.° 3, de 17 de março de 1993.
3 O “recurso constitucional” alemão está previsto nos artigos 93, § 4.°, a e b da Lei Fundamental de Bonn.
2

de alargamento da jurisdição constitucional da liberdade a ser exercida pelo nosso Pretório


Excelso”.4

Brasil, 1999. E editada a lei n.° 9.882, regulamentadora da argüição de descumprimento


de preceito fundamental. Diferentemente do que se imaginava, a nova ferramenta do controle
de constitucionalidade emerge na forma de incidente de inconstitucionalidade travestido.
Veio, em consonância coin outras reformas legislativas que têm sido implementadas pelo
Poder Executivo com o objetivo de retirar poderes dos juízes e tribunais inferiores, fortalecer
a competência do STF, “considerado mais “confiável” pela forma política da investidura de
seus membros”.5

A argüição de descumprimento de preceito fundamental, na forma em que a


regulamentou a lei n.° 9882, tem como objetivo precípuo a defesa da govemabilidade e não
dos direitos do cidadão. Aliás, é o que reconhece GILMAR FERREIRA MENDES, um dos
principais mentores desta “reforma” no controle de constitucionalidade, hoje Ministro do
Supremo Tribunal Federal, ao afirmar que o instituto foi adaptado com o intuito de coibir a
“guerra de liminares”°.
Não obstante esta tendência de enfraquecimento do controle difuso7 - e até, pode-se
dizer, da independência dos juízes - não se pretenderá no presente estudo apenas criticar a

4 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17.“ ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 560.
Também Clèmerson Merlin Clève visualizou na argüição de descumprimento de preceito fundamental um
instrumento de fiscalização concreta de constitucionalidade por meio de ação direta (A Fiscalização A bstrata da
Constitucionalidade no Direito Brasileiro, 2.“ ed, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 92).
5 A expressão irônica é de Daniel Sarmento (Apontamentos sobre a Argiiição de Descumprimento de Preceito
Fundamental in ROTHENBURG, Walter Claudius; TAVARES, André Ramos. (org.) A rgüição de
Descumprimento de Preceito Fundamental: A nálises à Luz da Lei n. ” 9.882/99, p. 86).
O A rgiiição de Descumprimento de Preceito Fundamental in MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança,
23.“ ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 373. Na mesma obra, o autor admite que a regulamentação da argüição
de descumprimento de preceito fundamental poderia vir a fazer as vezes do incidente de inconstitucionalidade,
sempre rejeitado nas propostas de emenda constitucional. Afirma o autor que esta foi a intenção dos estudos
realizados pelas comissões encarregadas de elaborar o projeto de lei: “Tomando por base o texto inaugural,
cuidamos nós de elaborar uma segunda versão do texto, introduzindo o incidente de inconstitucionalidade. Essa
proposta traduziu-se num amálgama consciente das concepções constantes do Projeto Celso Bastos, do Projeto
da Comissão Caio Tácito e do incidente de inconstitucionalidade, incluído em várias propostas de Emenda
Constitucional sobre o Judiciário” (p. 374). E mais adiante, afirma que “um exame acurado da argüição de
descumprimento de preceito fundamental, tal como regulada na Lei 9.882, de 1999, há de demonstrar que, afora
os problemas decorrentes da limitação dos parâmetros de controle, o texto normativo guarda estrita vinculação
com as propostas de desenvolvimento do incidente de inconstitucionalidade” (p. 386).
7 Añnal, “toda vez que se outorga a um tribunal especial atribuição para decidir questões constitucionais limita­
se, explicita ou implicitamente, a competência da jurisdição ordinária para apreciar tais controvérsias”
(MENDES, Gilmar Ferreira. Ação Direta de lnconstitucionalídade e Ação Declaratória de Constitucionalidade
in MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, 23.“ ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 287). Clèmerson
Merlin Clève também diagnosticou o fenômeno, afirmando que “a fiscalização abstrata e concentrada registra,
passo a passo, e de modo preocupante, uma significação cada vez mais importante” (A F iscalizaçãomp. 140).
3

forma como foi regulamentada a argüição de descumprimento de preceito fundamental.


Acima de tudo, procurar-se-á - e é o mínimo que se espera de um trabalho jurídico-científico ­
desenvolver suas possibilidades exegéticas, a fim de que possa se reconhecer no instituto um
importante colmatador de lacunas de nossa jurisdição constitucional, como as que se referem
ao controle concentrado das nonnas municipais, infralegais, anteriores à Constituição e das
omissões inconstitucionais.
4

PROPOSTA METoDoLÓ(;1CA
O estudo será orientado na direção de uma única parcela do complexo sistema de
controle de constitucionalidade brasileiro: a recentemente disciplinada argüição de
descumprimento de preceito fundamental. Não obstante, para que se possa obter do instituto a
correta compreensão, é mister que se possa situá-lo dentro deste contexto. Para tanto, ter-se-á
que, irremediavelmente, ainda que da maneira mais sucinta possível, delimitar os contomos da
jurisdição constitucional brasileira.
Só então se estará apto a adentrar às complexidades que o tema suscita - que, diga-se
en passam, não são poucas. Dentre elas, podemos citar, de início, as mais evidentes, como a
relativização dos efeitos ex tunc, trazida pelo art. ll da Lei 9.882/99, a possibilidade da
fiscalização do direito municipal em face da Constituição Federal e a possibilidade de análise
da constitucionalidade, por via concentrada, do direito pré-constitucional.
Destarte, serão duas as partes do trabalho: a primeira que fornecerá uma localização do
instituto no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, após traçar um panorama
geral muito breve do surgimento do controle na experiência dos direitos comparado e
brasileiro; e a segunda que procurará oferecer uma visão ampla dos problemas levantados pela
argüição de descumprimento de preceito fundamental e, na medida do possivel, apresentar­
lhes soluções.
Ademais, toda a exposição se pautará, basicamente, numa interpretação sistemática da
Constituição, por meio do auxílio especialmente de três princípios da interpretação
constitucional, a saber: o princípio da presunção de constitucionalidade das leis e dos atos do
Poder Público, o princípio da interpretação conforme a Constituição e o princípio da
efetividade.

Quanto à interpretação sistemática não é preciso dizer que é a mais coerente das
admissíveis na apreensão dos significados do direito positivo. Ora, se o direito positivo é um
sistema, só como sistema pode ser interpretado. Nas palavras de PAULO BONAVIDES,
“nenhuma liberdade ou direito, nenhuma norma de organização ou construção do Estado, será
idônea, fora dos cânones da interpretação sistemática, única apta a iluminar a regra
constitucional em todas as suas possíveis dimensões de sentido para exprimir-lhe
corretamente o alcance e o grau de eficácia”.8

8 Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1993, p. lll.


5

Chega JUAREZ FREITAS ao ponto de afirmar que “o controle de constitucionalidade,


difuso ou concentrado, nada mais representa do que o controle de sistematicidade do Direito
como um todo, fato especialmente claro no processo objetivo de controle direto”.9
Sendo a Constituição o centro do ordenamento jurídico, é ela responsável pela unidade
externa do sistema. Assim, toda e qualquer norma deve ser interpretada de maneira a se
coadunar com o Texto Maiorm.
O princípio da presunção de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público
deve ser sempre tido em mente quando analisamos uma regra inserida no ordenamento.
Segundo este princípio, a inconstitucionalidade só deve ser declarada quando evidente, em
obséquio à cláusula pêtrea da separação dos poderes. Além disso, havendo interpretação que
permita compatibilizar a norma com o texto constitucional deverá ser tida como a única
válida. Esta segunda faceta do princípio nada mais ê do que a expressão do princípio da
interpretação conforme a Constituição.
Não ê demais invocarmos o princípio da efetividade, que é inafastável de qualquer
aproximação da norma constitucional. Diante de toda regra estabelecida na Constituição,
devemos retirar dela a sua potencialidade integral, determinando toda sua força no reger das
nomtas infraconstitucionais. E com esses olhos que temos de encarar a Constituição, sob pena
de negarmos a própria essência do Direito Constitucional] 1.
Não podemos, ademais, descurar, em que pese o imprescindível esteio doutrinário, das
decisões que começam a florescer no Supremo Tribunal Federal sobre o tema - que promete
suscitar importantes e interessantes questões -, sob pena de desprezannos a advertência de
CHARLES HUGHES de que a Constituição ê, no fundo, aquilo que os Tribunais dizem que
ela ê.

9 A Interpretação Sísrenzatíca a'o Direito. S.” ed. ver. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 166.
'O BARROSO, Luís Roberto. Í¡1Í€l']7l'€`Í(lÇã() e Aplicação da Constituição. 3.“ ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva,
1999, p. 135.
" Em passagem inspirada, Konrad Hesse demonstra os perigos da negação de efetividade da Constituição: “Se as
normas constitucionais nada mais expressam do que as relações fáticas altamente mutáveis, não há como deixar
de reconhecer que a ciência da Constituição jurídica constitui uma ciência jurídica na ausência do Direito, não
lhe restando outra função senão a de constatar e comentar os fatos criados pela Realpolitík. Assim o Direito
Constitucional não estaria a serviço de uma ordem estatal justa, cumprindo-lhe tão-somente a miserável função ­
indigna de qualquer ciência - de justificar as relações de poder dominantes. Se a Ciência da Constituição adota
essa tese e passa a admitir a Constituição real como decisiva, tem-se a sua descaracterização como ciência
normativa, operando-se a sua conversão numa simples ciência do ser. Não haveria mais como diferençá-la da
Sociologia ou da Ciência Política”. (A Força Normativa da Constituição, trad. de Gilmar Ferreira Mendes. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999, p. 1 1).
6

Por fim, é mister deixar claro que as conclusões atingidas ao longo deste trabalho não
têm a pretensão de serem incontestes. Pelo contrário, se permitirem a identificação de erros
terão, ainda que por via oblíqua, atingido seu objetivo. Afinal, “a identificação do erro será
um êxito científico na medida em que indique o caminho para maior aproximação da verdade
teórica que lhe for oposta”.12

'Z BORGES, José Souto l\/Iaior. Ciéncía_ƒèlz`z. 2.“ ed. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 79.
7

PARTE I - O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro e no


Direito Comparado: Aspectos Fundamentais
1. O SISTEMA DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
1.1. A supremacia das normas constitucionais
A Constituição é objeto de amplo estudo por diversos ângulos científicos (sociologia,
filosofia, economia, etc.). Sendo impossível, e indesejável, a consideração de todos estes
aspectos, e tendo em conta que o saber científico pressupõe uma cisão do- conhecimento
universal, deve-se proceder a um corte metodológico”. Assim, para o estudo que aqui se
perpetrará basta se considerar a Constituição como normam, ou complexo de normas.
Coube a HANS KELSEN a formulação teórica mais completa sobre a temática da
Constituição como norma, elevada ao topo da pirâmide hierárquica que representaria o
ordenamento positivo escalonado. Está-se a referir à sua concepção de Constituição em
sentido formal, ou seja, de um

documento designado como “Constituição” que - como Constituição escrita - não só contém
normas que regulam a produção de normas gerais, isto é, a legislação, mas também, normas que
se referem a outros assuntos politicamente importantes e, além disso, preceitos por força dos
quais as normas contidas neste documento, a lei constitucional, não podem ser revogadas ou
alteradas pela mesma forma que as leis simples, mas somente através de um processo especial
submetido a requisitos mais severos.l5

É certo, contudo, que, muito antes da teoria kelseniana, já se reconhecia a existência de


leis superiores. Daí se poder dizer que “a supremacia da Constituição decorre menos de
postulados teóricos e mais de uma concepção histórica progressivamente incorporada à
.A . . , . . .. ~ . |()
consciencia juridica da civilização ocidental” .

13 VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. São Paulo: Max Limonad,
l997,p.33.
I4
A norma aqui é entendida como uma soma de proposição normativa (texto legal) e de aspectos da realidade
social (que resultarão numa norma de decisão para 0 caso concreto). Neste sentido, Clèmerson Merlin Clève (A
Fiscalização ..., p. 24-25, nota de rodapé n.° 12).
'S Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 248. Adota-se esta postura metodológica tendo
em vista a advertência de Michel Temer (Elementos de Direito Constitucional. l8.*' ed. São Paulo: Malheiros,
2002, p. 22), no sentido de que “não é relevante, juridicamente, a identificação de uma matéria constitucional e
de outra que, embora na Constituição, não seria constitucional. Isto porque o critério de modificação, gerador de
preceitos de porte constitucional, é 0 mesmo para todas as normas (com exceção daquelas que examinaremos nos
próximos tópicos em que ocorre a impossibilidade de produção de nonna constitucional sobre aquelas
matérias)”.
1° CLÊVE, Clèmerson Merlin, A Fiscalização ..., p. 25.
8

Em verdade, antes da teoria do escalonamento das normas formulada por KELSEN, já o


abade EMMANUEL JOSEPH SIEYES, no famoso Qu 'est-ce que le Tiers État?l7, ao
estabelecer a distinção entre poder constituinte e poder constituído, deixou consignada a idéia
de supremacia constitucional.
A idéia de supremacia constitucional tem como fundamento não apenas a distinção entre
poder constituinte e poder constituído, mas, igualmente, a distinção entre Constituições
rígidas e flexíveislg. Estas se caracterizam por não estabelecer qualquer diferença entre o
processo de criação das leis ordinárias e o processo de reforma do texto constitucional;
aquelas se notabilizam pela exigência de um processo especial, diferenciado, distinto e mais
complexo, para a reforma da Constituição do que para as chamadas leis ordinárias.
Entrelaçando os conceitos, pode-se afirmar que o controle de constitucionalidade dos
atos normativos exige, ao menos, a existência de alguns pressupostos: “(i) existência de uma
Constituição formal; (ii) compreensão da Constituição como lei fundamental (rigidez e
supremacia constitucionais; distinção entre leis ordinárias e leis constitucionais); e (iii)
as 19
previsão de pelo menos um órgão dotado de competência para o exercicio desta atividade .

1.2. Origens do controle jurisdicional de constitucionalidade: o sistema americano de


controle difuso incidenter tantum
Como visto, de longa data se reconhece a inquietude do cidadão com o poder ilimitado
do legislador na conformação dos comportamentos humanos. Não ê recente o entendimento
de que deve haver uma dada lei ou um corpo de leis cuja observância faz-se obrigatória pela
generalidade das leis, que não podem atentar contra suas diretrizes e tem de ser criadas
segundo suas disposiçõeszo.

'7 Há diversas traduções para o português, como, i. e., A Constituição Burguesa. org. Aurélio Wander Bastos.
Rio de J aneiro: Editora Lumen J uris, 2001.
I8
Formulada originalmente por Lord Bryce, conforme noticia FRANCO, Afonso Arinos de Melo (Curso de
Direito Constitucional Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 51).
'9 CLEVE, Clèmerson Merlin, op. cit., ps. 28/29. Também BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito
Constitucional. l9.“ ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 390 e ss; TEMER, Michel. Elementos de Direito
Constitucional. l8.“ ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 40-41.
20
Assim, dá-nos notícia Mauro Cappelletti de que já na civilização ateniense se fazia a distinção entre nómos, lei
em sentido estrito, que tinham um caráter assemelhado às atuais normas constitucionais, e pséƒima, uma espécie
de decreto. Sustenta o constitucionalista que também na época medieval era possível enxergar uma prevalência
do jus naturale sobre ojus positum, que se obrigava a se conformar ao primeiro. Da mesma forma, na França, na
época do ancien regime, os edits e as lois não poderiam contrariar as lois ƒondamentales du royaume. Visualiza,
ainda, na Inglaterra, sob a doutrina de Sir Edward Coke, um prenúncio do controle jurisdicional dos EUA, já que
o common law seria lei fundamental e prevalente em relação à statutoizv law, que podia completar aquela, mas
9

Mas, como fazer observar esta superioridade constitucional? Se não há dúvida de que é
reconhecida a superioridade constitucional, esta restaria ineficaz se não existissem
instrumentos fornecidos pela própria Constituição para garantir a sua superioridade, de
garantias para sua realização, e de sanções para o seu descumprimento. Afinal, que é a
Constituição, senão apenas um pedaço de papel, se não garante eficazmente suas disposições,
permitindo que sejam solenemente descumpridas? Nas palavras de J. J. GOMES
CANOTILHO, “A defesa da constituição pressupõe a existência de garantias da constituição,
isto é, meios e institutos destinados a assegurar a observância, aplicação, estabilidade e
conservação da lei fundamental. Como se trata de garantias de existência da própria
constituição (cfr. A fórmula alemã: Verfassungsbestandsgarantien), costuma dizer-se que elas
são a “constituição da própria constituição”°.2]
É na experiência constitucional americana que encontramos a base sobre a qual se apóia,
fundamentalmente, o controle judicial de constitucionalidade das leis no constitucionalismo
modemon.
São célebres as palavras do Chief Justice JOHN MARSHALL na decisão, em 1803, do
caso Marbury vs Madison, em que se reconhece o primeiro caso em que a doutrina do
controle judicial foi suscitada pela Corte Suprema americana” :

Assim, se uma lei opuser-se à Constituição e se ambas, a lei e a Constituição, aplicam-se a um


caso particular, de modo que a Corte deva decidir aquele caso conforme a lei, desrespeitando a
Constituição ou respeita-la, recusando a lei, a Corte deve determinar qual destas regras em
conflito governa o caso; isto é da própria essência do dever judiciário.
Se, então. os tribunais quiserem respeitar a Constituição, e esta for superior a qualquer lei
ordinária do Congresso, a Constituição, e não tal lei ordinária, deve governar o caso ao qual
ambas se apl icam.

não violá-la (O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado. Zf' ed. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 1999, especialmente p. 49-62). Contestação à tese de Cappelletti de que o controle
jurisdicional nos EUA seria uma decorrência da frustrada tentativa do judicial control na Inglaterra se encontra
em COELHO, Sacha Calmon Navarro, O Controle de Constitucionalidade das Leis e as Limitações ao Poder de
Tributar. 3.*' ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, especialmente p. 46-53.
Z' Direito Constitucional e Teoria da Constituição., 4“ ed., Coimbra: Almedina, 1997, p. 859-860.
22 Mesmo no âmbito da experiência constitucional norte-americana, Cappelletti faz questão de ressaltar que a
teorização de John Marshall não era original, já que vinha sendo aplicada nos EUA há quase um século: desde o
caso Holmes vs. Wa/ton, decidido em 1780 (op. cit. p. 62). Luís Roberto Barroso (Interpretação e Aplicação da
Constituição, 3.“ ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 161) e Clêmerson Merlin Clève (op. cit., p. 64)
informam que, nos artigos do The F ederalist, Alexander Hamilton já se manifestava neste sentido.
23 Ver, por todos, SCWHARTZ, Bernard. Direito Constitucional Americano. trad. Carlos Nayfeld. Rio de
Janeiro: Forense, 1996. p. 25.
10

Aqueles, portanto, que controvertem o princípio de que a Constituição deve ser considerada na
Corte, como um direito supremo, são levados à necessidade de provar o fato de que os tribunais
devem fechar seus olhos sobre a Constituição e ver apenas a lei.
Esta doutrina subverteria o próprio fundamento de todas as constituições escritas. Ela declararia
que uma lei que, segundo os princípios e a teoria de nosso Govemo for inteiramente nula, seria
ainda, na prática, perfeitamente obrigatória. Declararia que se o Legislativo fizer o que é
expressamente proibido, tal ato, todavia, apesar da proibição, será verdadeiramente válido.
Estaria dando ao Legislativo uma onipotência prática e real, com o mesmo alento com que
professa a restrição de seus poderes dentro de limites escritos. É prescrever limites e declarar
que aqueles limites podem ser ultrapassados por prazer.24

Destarte, apesar da afinnação de que a referida decisão “não (seria) um gesto de


improvisação, mas, antes, um ato amadurecido através de séculos de história: história não
apenas americana, mas universal”25, é a partir deste precedente que a concepção de que as leis
são sindicáveis, por um órgão diverso do Poder Legislativo (no caso americano, o Judiciário),
em face das normas constitucionais, tomou enorme vulto, difundindo-se pelos mais diversos
sistemas jurídicoszó.
Com efeito, apesar da importante evolução realizada pela jurisprudência americana, foi
o próprio texto constitucional que forneceu a ferramenta necessária para o controle judicial de
constitucionalidade das leis” 28, no seu artigo Vl (2), que assim dispõe:

This Constitution, and the Laws of the United States which shall be made in Pursuance thereof;
and all Treaties made, or which shall be made, under the authority of the United States, shall be
the supreme Law of the Land; and the Judges in every State shall be bound thereby, any Thing
in the Constitution or Laws of any State to the Contrary notwithstanding.

24 Citado por SWISHER. Carl Brent. Decisões Históricas da Suprema Corte. trad. Arlette Pastor Centurion. Rio
de Janeiro: Forense, 1964, p. ll-12, os grifos não constam do original.
25 CAPPELLETTI, Maura. Op. az. p. ós.
2° Especialmente após a Segunda Guerra Mundial, ainda que em outros moldes, como será mais adiante
demonstrado.
27 Explica Sacha Calmon Navarro Coelho que “O que Marshall fez, com incoercível lógica, foi declarar o que já
estava implícito na teoria das Constituições rígidas e na mecânica da tripartição dos poderes(...). Marshall teve
um fundamento jurídico escrito, indicativo do poder da Corte, o que precisamente Lorde Coke não tivera, daí ter
colidido de frente com a história, obrigando-se a reverenciar o “todo-poderoso Parlamento” ( op. cit. p. 74).
Neste sentido, CLEVE, Clèmerson Merlin (op. cit. p. 64) e POLETTI, Ronaldo (Controle de
Constitucionalidade das Leis. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 32). Conforme Manoel Gonçalves Ferreira
Filho, não “é preciso prever expressamente a Constituição esse controle (de constitucionalidade), para que ela
seja de fato rígida. Basta que de seu sistema tal deflua” (Curso de Direito Constitucional. 23." ed. São Paulo:
Saraiva, 1996, p. 30).
28 Informa Bernard Schwartz que para os juristas americanos “a decisão de seus tribunais sobre questões de
constitucionalidade está implícita na própria essência do poder judicial que lhes é delegado pela Constituição”
(Direito Constitucional Americano. trad. Carlos Nayfeld. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 25).
11

No sistema americano, o juiz ou Tribunal competente para o julgamento da demanda


levada à sua apreciação é competente para o julgamento incidenter tantum da “questão
constitucional”, razão pela qual é chamado difuso. Na decisão do case, o juiz ou Tribunal, ao
verificar a incompatibilidade entre a o texto constitucional e a lei ordinária, deixará de aplicar
esta, prestigiando aquele.
O que não imaginavam os juízes da Suprema Corte Americana era a importância
enorme que assumiria o controle difuso de constitucionalidade diante do princípio do stare
clecisis (adotado no direito americano sob a afirmação de que “a decision by the highest court
in anyjurisdiction is bincling on all lower courts in the same jurisa'iction”). É que, com isso,
“aquela “mera não aplicação”, limitada ao caso concreto e não vinculatória para os outros
juízes e para os outros casos, acaba, ao contrário, por agigantar os próprios efeitos, tomando­
se, em síntese, uma verdadeira eliminação, final e definitiva, válida para sempre e para
quaisquer casos, da lei inconstitucional: acaba, em suma, por tomar-se uma verdadeira
››2()
“anulação da lei”, além disso, com efeito, em geral, retroativo .

1.3. Desenvolvimento do controle abstrato de constitucionalidade


Deve-se a HANS KELSEN a idealização de um modelo de fiscalização de
constitucionalidade distinto do americano em seus pontos essenciais”. Para o renomado
jurista, a lei inconstitucional não é null and voia' (nula e irrita), mas anulável”, não apenas
pelo processo legislativo usual (lex posterior derogat priori), mas também por meio de
processo especial previsto no texto constitucional”.
Diante destas premissas, compreende-se porque KELSEN propugnava a criação de um
Tribunal Constitucional autônomo para examinar o confronto entre Lei e Constituição,
retirando esta competência do Poder J udiciário, que se deveria cingir a aplicar a lei, aceitando­
a como constitucional.

29 CAPPELLETTI, Mauro, op. cit. p. 82. A partir dessa premissa expõe o autor as razões pelas quais entende
incompatível o sistema difuso com o direito continental europeu baseado na civil law.
30 Conforme Sacha Calmon Navarro Coelho “Aqui não mais a mão mestra da história, como na Inglaterra e, em
certa medida, nos Estados Unidos, mas a história na mão de um “mestre”° (op. cit. p. 101).
31 Afirma Kelsen que “Não é, portanto, correto o que se afirma quando a decisão anulatória da lei é designada
“declaração de nulidade”, quando o órgão que anula a lei declara na sua decisão essa lei como “nula desde o
início” (ex tunc). A sua decisão não tem caráter simplesmente declarativo, mas constitutivo. O sentido do ato
pelo qual uma norma é destruída, quer dizer, pelo qual a sua validade é anulada, é, tal como o sentido de um ato
pelo qual uma norma é criada, uma norma” (op. cit. p. 307).
32 op. cit., p. 300.
12

No estudo de HANS KELSEN baseou-se a Constituição Austríaca de l.° de outubro de


1920. Conforme as soluções apresentadas pelo mestre, constituiu-se uma Corte Constitucional
que, ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei, anulava-a a partir deste momento; até aí
ela teria sido válida e eficaz (efeito ex nunc).
Essa concepção de absoluta impossibilidade de apreciação das questões constitucionais
nos casos concretos foi atenuada em razão de começarem a aparecer absurdos contra-sensos
jurídicos”, o que levou a urna reforma constitucional em 1929, que passou a permitir o
controle concreto, suscitado no decorrer da demanda judicial, ocasião em que se reconheceria
efeito retroativo à decisão anulatória exarada pela Corte Constitucional”.
Especialmente após a Segunda Guerra Mundial, houve uma grande adesão ao modelo
austríaco no continente europeu, com a reabertura da Corte Constitucional austríaca em 1945;
a criação da Corte Constitucional italiana, a partir da Constituição de 1947; na Alemanha,
com a Lei Fundamental de Bonn, de 1949; no Chipre, em 1960; na Turquia, em 1961, na
Iugoslávia, de 1963 a 1974; na Tchecoslováquia, em 1968; na Grécia, em 1975; na Espanha,
em 1978; em Portugal35, com a reforma de 1982 à Constituição de 1976; na Polônia, em 1986;
e, mais recentemente, na Bélgica3°.

33 Conforme Sacha Calmon Navarro Coêlho “É preciso esclarecer também que na Áustria, após a emenda de
1929, o efeito ex nunc foi em parte alterado, até porque ao permitir à Suprema Corte e à Corte Administrativa
sustar processos em curso para suscitar exceções de inconstitucionalidade, as posteriores declarações de
inconstitucionalidades provocadas, precisamente pelas questões excepcionadas, teriam que ser aplicadas aos
processos paralisados pela questão prejudicial. A negativa de efeitos ex tunc a estes casos caracterizaria um
contra-senso jurídico. Parar o processo para quê, se a superveniente decisão de inconstitucionalidade a eles não
se aplicasse? Exatamente por isso a Áustria alterou em 1929 o sistema para dar efeito ex tunc às decisões de
inconstitucionalidade da Corte Constitucional, limitadamente, em relação aos casos concretos, em que
houvessem sido suscitadas argüições de inconstitucionalidade, por via de exceção processual.” (op. cit., p. 121).
Salienta Paulo Roberto Lyrio Pimenta que “É este o sistema atualmente em vigor, o qual tem recebido algumas
críticas, fundadas na alegação de burla ao princípio da isonomia, à medida que beneficia apenas as partes
envolvidas no processo que originou a questão de inconstitucionalidade” (Efeitos da decisão de
Incon.s'fituc1`onalídade em Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2002. p. 87).
34 Ressalta, porém, Clèmerson Merlin Clève que “Todavia, este controle concreto (por via de exceção) apenas
pode (ainda hoje) ser suscitado pelos Órgãos jurisdicionais de segunda instância. Aos demais órgãos não cabe
mais do que aplicar a lei, ainda quando sobre ela pairem dúvidas quanto à sua compatibilidade com a
Constituição” (op. cit., p. 68-69).
35 Portugal apenas parcialmente se inseriria nesta linha (CLEVE, Clèmerson, op. cit., p. 69).
3° VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Argiiição de Descumprimento de Preceito F undamental. Revista Diálogo
Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, n.° 12, março, 2002. Disponível na Intemet:
<http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 10 de abril de 2002, p. 02.
13

2. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO


Neste ponto - e já tendo em vista que o modelo brasileiro conjugou, de maneira geral, os
sistemas norte-americano e austríaco - faz-se mister traçar um panorama do sistema de
controle de constitucionalidade brasileiro.
Ainda que a sopro de curtíssimo fôlego, percorrer-se-á, primeiramente, a evolução do
controle nas constituições brasileiras”. Em seguida, em traços largos e genéricos, serão
apresentadas breves considerações acerca dos mecanismos aptos a esta função na Carta de
1988.

2.1. Breve histórico do sistema de fiscalização de constitucionalidade das leis no direito


brasileiro
A primeira constituição brasileira, a Constituição do Império, de 1824, previa apenas o
controle político de compatibilidade com as normas constitucionais. Cabia ao Poder
Legislativo o controle de constitucionalidade, devendo o Judiciário se circunscrever à
aplicação da lei”.
Com a República, em 1891, sob forte influência do direito norte-americano, adotou-se o
controle difuso, exercitado por todo e qualquer juiz que, vendo-se diante de questão
constitucional (como preliminar para a resolução do caso concreto), deveria resolvê-la
incidentalmente.
A Constituição de 1934, sobre ter instituído (artigo 179) a regra de que “Só por maioria
absoluta de votos da totalidade dos seus juízes, poderão os tribunais declarar a
inconstitucionalidade de lei ou ato do poder público”, introduziu no direito brasileiro (artigo
12, § 2.°), a ação direta interventiva, assim chamada por se aproximar do controle
concentrado, na medida em que o único foro competente para o seu julgamento era o Supremo

37 Sobre o tema, ver, por todos, CLÉVE, Clèmerson, op. cit. p. 80 e ss.
38 É interessante a observação de Lenio Luiz Streck (Os meios de acesso do cidadão à jurisdição constitucional,
a argüição de descumprimento de preceito fundamental e a crise de efetividade da constituição brasileira. in
CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza, SAMPAIO, José Adércio Leite (coord). Hermenêutica e Jurisdição
Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 253) sobre o tema: “Inspirados no modelo revolucionário
francês - veja-se o paradoxo disso, uma vez que a Constituição de 1824 foi outorgada pelo Imperador D. Pedro I
- foi confiada ao Poder Legislativo a tarefa de controlar a legalidade/constitucionalidade das leis. Consta que, em
todo o período colonial-imperial, que durou mais de 70 anos, somente em duas oportunidades foi feito o citado
°controle°”.
14

Tribunal Federal. A decisão proferida nesta ação “representava um prius para a intervenção
federal no Estado-membro”39.

Ainda, a mesma Constituição de 1934 (artigo 88) outorgou ao Senado Federal


competência para “suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato,
deliberação ou regulamento declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário”.
A Carta de 1937 se restringiu a buscar legitimar a ditadura do Estado Novo. Não tratou
da ação direta interventiva e suprimiu a suspensão pelo Senado da execução da lei declarada
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Ademais, inscreveu (artigo 96, parágrafo
único) dispositivo pelo qual o Presidente da República, após a declaração de
inconstitucionalidade da lei, poderia submetê-la novamente ao exame do Parlamento; se esta a
confirmasse por dois terços de votos de cada uma das Câmaras, ficaria sem efeito a decisão do
tribunal40.

A Constituição de 1946 reestruturou o controle de constitucionalidade, concedendo


novamente ao Poder Judiciário a competência para analisar, nos casos a ele submetidos, a
constitucionalidade das leis.
A Emenda Constitucional n.° 16, de 1965, à Constituição de 1946, instituiu o controle
abstrato da constitucionalidade de atos normativos estaduais e federais, ao estabelecer a
representação de inconstitucionalidade, a ser proposta pelo Procurador-Geral da República, de
competência do Supremo Tribunal Federal4]. Permitiu, também, a criação de processos de
competência originária dos Tribunais de Justiça dos Estados-membros para a declaração de
inconstitucionalidade de lei ou ato municipal em face da Constituição Estadual (artigo 19). É,

39 VELLOSO, Carlos Mario da Silva. op. cir. p. 03.


40
Assim dispunha o art. 96, parágrafo único. da Constituição de 1937: “No caso de ser declarada a
inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à
promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente
ao exame do Parlamento: se êste a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem
efeito a decisão do Tribunal”.
41
Clèmerson l\/lerlin Clève esclarece que “A representação instituída pela Emenda Constitucional 16/65 não se
confunde com a representação interventiva. Consiste esta em mecanismo de solução de conflito entre a União e
uma Coletividade Política Estadual. Por isso, a violação apenas dos princípios constitucionais sensíveis pode
autorizar a sua propositura pelo Procurador Geral da República. Cuida-se, ao contrário, o mecanismo instituído
pela Emenda 16/65, de representação genérica, apta, portanto, a garantir a observância de todos os dispositivos
da Constituição. A representação interventiva implica uma fiscalização concreta da constitucionalidade, embora
exercitada por via de ação direta; presta-se exatamente para a solução do conflito federativo. A representação
genérica, ao contrário, implica a realização de uma fiscalização abstrata da constitucionalidade, já porque neste
caso está em jogo unicamente a compatibilidade, em abstrato (em tese), de um dispositivo normativo
infraconstitucional contrastado com a Lei Fundamental da República” (op. cit. p. 88-89).
15

portanto, a partir da Emenda 16/65 que o sistema brasileiro de constitucionalidade assume sua
forma mista, conjugando as formas concentrada e difusa, abstrata e concreta.
A Constituição de 1967, e a Emenda 1/69, consolidaram, em geral, a evolução do
sistema de fiscalização de constitucionalidade, com algumas modificações pontuais”.

2.2. O sistema de controle implantado pela Constituição de 1988


Enfim, a Constituição brasileira de 1988, para além de sedimentar as criações das
anteriores, veiculou importantes modificações, assim catalogadas por CLEMERSON
MERLIN cLEvEz

(i) ampliou-se a legitimação ativa para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade


(antiga representação); (ii) admitiu-se a instituição pelos Estados-membros, de ação direta para
declaração de inconstitucionalidade de ato estadual ou municipal em face da Constituição
Estadual (art. 125, § 2.°); (iii) instituiu-se a ação direta de inconstitucionalidade por omissão
(art. 103, § 2.°) e o mandado de injunção (art. 102, I, “q”, quando de competência do STF); (iv)
exigiu-se a citação do Advogado-Geral da União que, nas ações diretas, deverá defender o ato
impugnado (art. 103, § 3.°); (v) exigiu-se, ademais, a manifestação do Procurador-Geral da
República em todas as ações de inconstitucionalidade, bem como nos demais processos de
competência do Supremo Tribunal Federal (art. 103, § 1.°); (vi) não atribuiu ao Supremo
Tribunal Federal competência para julgar representação para fins de interpretação, instrumento
que foi, portanto, suprimido pela nova Lei Fundamental; (vii) previu a criação de um
mecanismo de argüição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição
(art. 102, par. único) que não foi ainda regulamentado e, finalmente, (viii) alterou o recurso
extraordinário, que passou a ter feição unicamente constitucional (art. 102, III).43

Para completar o quadro, a Emenda Constitucional 3, de 1993, deu ao Supremo


Tribunal Federal a competência para julgar a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou
ato normativo federal (alteração ao artigo 102, I, “a”). As decisões definitivas de mérito nesta
ação “produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do
Poder Judiciário e do Poder Executivo”, a teor do § 2.°, acrescentado pela Emenda.
São, portanto, diversos os instrumentos destinados à fiscalização da constitucionalidade
no direito brasileiro. Vejamo-los, sucintamente, em suas características mais importantes,
advertindo que os seus pontos mais polêmicos somente serão levantados posteriormente se (e
enquanto) tiverem alguma relação com o estudo da argüição de descumprimento de preceito
fundamental.

42 A esse respeito, conferir CLEVE, Clèmerson, op. cit., p. 89-90.


43 op. cít. p. 90. Note-se que o referido parágrafo único, passou, com a EC 3/93, a ser o parágrafo 1.°.
16

O ordenamento jurídico-constitucional brasileiro comporta, portanto, o exame de


compatibilidade entre leis e Constituição seja para a resolução de um caso concreto submetido
ao julgamento do Poder Judiciário seja para a apreciação da lei “em tese”.
A fiscalização concreta da constitucionalidade pode se dar de duas maneiras: a) por
meio da fiscalização incidenter tantum; e b) por meio da ação direta interventiva.
No caso da fiscalização incidenter tantum, o juízo acerca da constitucionalidade do ato
contestado será realizado no transcorrer de um processo subjetivo como matéria prejudicial ao
julgamento de mérito da causa44. Será, portanto, argüida a inconstitucionalidade perante o juiz
competente para conhecer e julgar a causa.
A decisão operará efeitos apenas inter partes, podendo o Senado (a teor do artigo 52, X,
da CF) “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por
decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”. Neste caso, a eficácia é estendida erga
omnes. Inclina-se a doutrina a reconhecer, a partir da distinção com a figura da revogação, que
este ato do Senado “fulmina, desde o instante do nascimento, a lei ou decreto
inconstitucional”45, ou seja, teria eficácia ex tunc.
Note-se que aí, tratando-se de ato político praticado pelo Senado Federal, não lhe é
permitido fazer um juízo acerca dos efeitos que serão concedidos à resolução - estes já foram
definidos pelo STF4°. Cabe-lhe apenas, diante da situação fática e da repercussão político­
social da medida (portanto com base em critérios de conveniência e oportunidade), decidir

44 Fala-se em via de defesa ou exceção. Estas expressões não podem ser compreendidas restritivamente, pois,
conforme explica Celso Ribeiro Bastos (Curso de Direito Constitucional. 19.“ ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p.
396), “O que fundamentalmente diferencia a via de defesa da via de ação não é, na verdade, o fato de na primeira
manter-se, o interessado na declaração de inconstitucionalidade, na defesa ou numa posição passiva, aguardando
que se lhe cobre judicialmente o pretendido, para só então, defender-se invocando uma questão prejudicial de
inconstitucionalidade. Com efeito, isso seria esquecer que o interessado pode assurnir uma posição ativa,
atacando o ato inquinado de vício de suprema ilegalidade por meio dos recursos judiciais colocados à sua
disposição, entre os quais o mandado de segurança e o habeas corpus. sem com isso desfigurar a via de defesa ou
exceção”.
45
Brasil, Senado Federal. Declaração de inconstitucionalidade de lei ou decreto. Suspensão de execução do ato
inconstitucional pelo Senado Federal. Extensão da competência. Efeitos. Parecer n.° 154, de 1971, Rel. Senador
Accioly Filho. Revista de Informação Legislativa, n.° 12, Brasília(48)/265-270. Clèmerson Merlin Clève (A
Fiscalização ..., p. 124) informa que esta é também a compreensão do STF (RMS, l7.976. Relator, Ministro
Amaral Santos. RDA 105/111 (l13)), que já teve ensejo de decidir que “a suspensão da vigência da lei por
inconstitucionalidade torna sem efeito todos os atos praticados sob o império da lei inconstitucional”.
4° Para Paulo Roberto Lyrio Pimenta (op. cit. p. 97), a Resolução necessariamente apresentará eficácia retroativa,
não se lhe aplicando o princípio da proporcionalidade, já que este consiste em “técnica de solução de colisão de
direitos, aplicada aos atos jurisdicionais, e não aos atos políticos”. Conclui, então, que “em caso de eñcácia
prospectiva da decisão do Pretório Excelso não haverá possibilidade de suspensão da execução da lei, devendo o
Senado se abster de praticar esta conduta, posto que a única eficácia possível da Resolução é a retroativa,
reafinne-se, que não se coaduna com aquela (eficácia ex nunc)” (p. 98-99).
17

pela adoção ou não do ato de suspensão, expandindo - apenas no âmbito subjetivo - a eficácia
da decisão.
A ação direta interventiva foi o primeiro instrumento de provocação direta, embora
concreta, da jurisdição constitucional do Supremo Tribunal Federal. “Cuida-se de
procedimento que fica a meio caminho entre a fiscalização da lei in thesí e aquela realizada in
casu. Trata-se, pois, de um modelo de fiscalização concreta realizada por meio de ação
direta”47.

A ação direta interventiva é proposta pela União, representada pelo Procurador-Geral da


República (art. 36, III, CF), em face do Estado-membro ou do Distrito Federal, quando
perpetrarem estes ofensa aos princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII). Segundo
GILMAR FERREIRA MENDES trata-se de “judicialização de conflito federativo atinente à
observância de deveres jurídicos especiais, impostos pelo ordenamento federal ao Estado­
Membro”48. Não é, destarte, modalidade de controle abstrato de controle de
constitucionalidade.
O procedimento desta ação está regulado na Lei 4.337/64. Em suma, importa dizer que a
procedência da ação (e a conseqüente declaração de inconstitucionalidade - e não de nulidade
- do ato) é um requisito necessário para a intervenção da União no Estado-membro ou no
Distrito Federal. O efeito da decisão, portanto, é somente o de autorizar ou não a intervenção.
O decreto “de intervenção”, nos termos do art. 36, § 3.°, da Constituição Federal, “limitar-se-á
a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da
normalidade”.

Com efeito, a ação direta interventiva se encaminha para o ostracismo, tendo em vista a
aproximação que vem tendo com a ação direta genérica. Afinal, questiona CLEMERSON
MERLIN CLEVE, “por que o Procurador-Geral da República iria propor ação direta
interventiva, no caso de violação de princípio constitucional sensível, cuja decisão judicial
não faz mais do que autorizar a decretação de intervenção, se pode, desde logo, ajuizar ação
direta genérica cuja decisão, após passada em julgado, nulifica, com eficácia erga omnes, o

9949 ' G6 ~ ' ' ' '


ato impugnado, prescindindo de qualquer atividade do Presidente da República ou do
Senado . E continua o autor, afirmando que a açao direta genérica presta-se exclusivamente

47 CLEVE, Clèmerson Merlin. A F iscalízação. op. cít. p. 125.


48 Controle da constitucionalidade. Aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 222.
49 CLEVE, Clèmerson Merlin. A Fiscalizaçãon., p. 138.
18

para impugnar atos normativos, enquanto, por meio da interventiva, como se procurou
demonstrar, é viável a impugnação de atos concretos e, mesmo, de omissões, desde que
violadores dos princípios sensíveis”.
Arriscamos dizer que hoje, após a edição da Lei 9.882/99, nem para isso se presta a ação
interventiva direta, já que a argüição de descumprimento de preceito fundamental é apta a
resolver, com melhores resultados, o campo de atuação residual que lhe havia sido deixado,
conforme será demonstrado ao se analisar o objeto da argüição.
A fiscalização abstrata de constitucionalidade das leis e atos normativos se dá por meio
de: a) ação direta de inconstitucionalidade; b) ação direta de inconstitucionalidade por
omissão; e c) ação declaratória de constitucionalidadeso.
A ação direta de inconstitucionalidade (art. 102, I, a, CF) é proposta perante o STF pelos
legitimados pela Constituição5 '. Poderá incidir tanto sobre a ação normativa do estado como
sobre a omissão inconstitucional (art. 103, § 2.°)52.
A decisão de procedência transitada em julgado na ação direta de inconstitucionalidade
produz sempre eñcácia erga omnes e opera, em princípio, efeitos ex tzmc53, além de deter

. . ~ . ,, . , . 55
efeito vinculante54.

A decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade por omissão tem por efeito
apenas a cientificaçao do Poder competente para que adote a providencia necessaria , salvo

50 A natureza da argüição de descumprimento de preceito fundamental será analisada em momento oportuno.


S' São legitimados para a propositura da ação de inconstitucionalidade, a teor do art. 103 da CF: o Presidente da
República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa da Assembléia Legislativa; o
Govemador de Estado; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional; confederação sindical ou entidade de classe
de âmbito nacional.
52 A temática sobre os atos impugnáveis mediante ação direta de inconstitucionalidade - seja por ação ou por
omissão normativa - terá graves repercussões na análise da argüição de descumprimento de preceito
fundamental.
53 Diz-se em princípio porque, como se verá, a Lei 9.868/99 e a Lei 9.882/99 “permitem” ao STF moldar os
efeitos da decisão.
54 A questão será melhor analisada quando se tratar da argüição de descumprimento de preceito fundamental. Por
ora basta dizer que se sustenta aqui a posição de que o efeito vinculante está “intimamente vinculado à própria
natureza da jurisdição constitucional em um dado Estado Democrático e à função de guardião da Constituição
desempenhada pelo tribunal”, razão pela qual “temos de admitir, igualmente, que o legislador ordinário não está
impedido de atribuir, como, aliás, fez por meio do art. 28, parágrafo único, da Lei n. 9.868, essa proteção
processual especial a outras decisões de controvérsias constitucionais proferidas pela Corte” (MENDES, Gilmar
Ferreira. Ação Direta...p. 370).
55 Explica Sérgio Resende de Barros que a decisão na ação de inconstitucionalidade por omissão “só pode ser
declaratória” e que “sua eficácia não pode ser enquadrada nas alternativas ex tunc ou ex nunc, nem inter partes
ou erga omnes, pois o seu efeito é pro tempore e erga unum: volta-se contra um, o omisso, segundo um prazo
fixado para caracterizar a omissão (O Nó Górdío do Sistema Misto. in ROTHENBURG, Walter Claudius;
19

em se tratando de órgão administrativo, caso em que deverá fazê-lo em trinta dias (art. 103, §
2.°)5°.

Por fim, vejamos a ação declaratória de constitucionalidade. O seu ceme surgiu a partir
da idéia de defesa da segurança jurídica, uniformização dos julgados e destrave do Poder
Judiciário, bem como do entendimento do STF pela inadmissibilidade da propositura de
representação em que o Procurador-Geral da República afinnasse, de plano, a
constitucionalidade da medida57. Desta forma, “é um verdadeiro atalho ao alcance dos
interessados na constitucionalidade de determinada norma”58.

Sendo assim, exige-se, em obséquio ao princípio da presunção de constitucionalidade


das leis, prova da “existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da
disposição objeto da ação declaratória”5°.
A ação é proposta pelos legitimadosóo perante o Supremo Tribunal Federal, cujas
decisões de mérito, nestes casos, geram eficácia erga omnes e efeito vinculante.
É de se ressaltar que diversas questões suscitadas em relação à constitucionalidade da
ação declaratória de constitucionalidade, por ocasião da ADIn n.° 1/93, e decididas pelo STF,
serão de fundamental importância para a correta compreensão da disciplina da argüição de
descumprimento de preceito fundamental.
Não é demais dizer, ainda, que a Lei 9.868/99, que veio a disciplinar a ação direta de
inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade, tem vínculos estreitos com

TAVARES, André Ramos (organ.) Argiiição de Descumprimento de Preceito F undamental: Análises à Luz da
Lei n.” 9. 882/99. São Paulo: Atlas, 2001, p. 181)
5° Ensina J. J. Gomes Canotilho que: “O conceito de omissão inconstitucional não é um conceito naturalístico,
reconduzível a um simples “não-fazer”, a um simples conceito de 'negação`. Omissão, em sentido jurídico­
constitucional, significa não fazer aquilo a que se estava constitucionalmente obrigado. A omissão legislativa,
para ganhar significado autónomo e relevante, deve conexionar-se com uma exigência constitucional de acção,
não bastando o simples dever geral de legislar para dar fundamento a uma omissão inconstitucional” (Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. 4.“ ed. Coimbra, Almedina, 1997, p. 1003-1004).
57
Repr. n.° 1.349, Rel. Min. Aldir Passarinho, RTJ 129/41. Em face desta última razão assevera Gilmar Ferreira
Mendes que “Sem dúvida, a falta de um melhor desenvolvimento doutrinário sobre essa face peculiar da
representação de inconstitucionalidade e a decisão do STF na Repr. n. 1349 - que, praticamente, negou a
possibilidade de se instaurar um controle abstrato com pedido de declaração de constitucionalidade - tomaram
inevitável a positivação de um instituto específico no ordenamento constitucional, consubstanciado na ação
declaratória de constitucionalidade” (Ação Direta de lnconstitucionalidade...p. 294)
58 BAsTos, Celso Ribeiro. Czzzw ..., p. 407.
5° Lei 9.868/99, amigo 14, III.
°° A legitimação não é tão abrangente como na ação direta de inconstitucionalidade, restringindo-se ao Presidente
da República, às Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados e ao Procurador-Geral da República (art.
103, § 4.°, CF).
20

a Lei 9.882/99, que regulamentou a argüição de descumprimento de preceito fundamental


razão pela qual, nestes pontos, serão analisadas em conjunto, posteriormente.
21

PARTE ll - A Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental


3. CONTEXTO E ORIGEM DA DISCIPLINA LEGAL DO INSTITUTO
Prevista no parágrafo único - que passou, com a EC 3/93, a ser o parágrafo 1.° - do
artigo 102 da Constituição Federal, quedou, a argüição de descumprimento de preceito
fundamental, durante 11 anos, em estado de inércia, posto que não se lhe reconhecia
aplicabilidade imediata, nem em âmbito doutrinário°', nem na seara jurisprudencialóz.
O instituto, conforme referido°3, era visto como um instrumento de garantia dos direitos
fundamentais; “um instrumento de controle que, embora concentrado (competência exclusiva
do Supremo Tribunal Federal), se destinasse a resolver casos concretos: “uma fiscalização
concreta de constitucionalidade por meio de ação direta'(Clèmerson Merlin Clève). A imagem
era confessadamente inspirada no instituto alemão da Verfassungbesehwerde”ó4.
A Lei 9.882/99 não surgiu, contudo, com esta orientação. Foram outras as razões que
fizeram com que o legislador ordinário viesse a retirar a norma do artigo 102, §l.° do seu
estado de latência. É preciso compreender o contexto em que se deu essa regulamentação.
A forma concentrada de controle de constitucionalidade vem manifestando, cada vez
mais, seu predomínio sobre a apreciação no caso concreto da compatibilidade entre lei

Ó' A opinião era praticamente unânime. A esse respeito, veja-se a posição de MORAES, Alexandre. Jurisdição
Constitucional e Tribunais Constitucionais. São Paulo: Atlas, 2000. p. 262; BASTOS, Celso Ribeiro, VARGAS,
Aléxis G. S. Argiiição de Descumprimento de Preceito Fundamental. in Revista de Informação Legislativa, n.°
30, p. 69; SILVA, José Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 560;
ROTHENBURG, Walter Claudius. Argüição de Descumprimento de Preeeito Fundamental, p. 199; FERRAZ,
Sérgio. Declaração de lnconstitueionalidade no Supremo Tribunal Federal. Revista Trimestral de Direito
Público, n.° 03, p. 207. Em posição contrária, André Ramos Tavares afirma que "A norma, pois, é de eficácia
imediata, sendo, porém, regulamentável. (...) pode a norma ser caracterizada como sendo de eficácia plena,
porque seus efeitos têm sido irradiados desde a entrada em vigor da C onstituição, deixando apenas eventuais
aspectos secundários da sua incidência para regulamentação posterior" (Tratado da Argüição de Preceito
Fundamental. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 96). E ainda, traçando paralelo com o imbróglio gerado quanto à
aplicabilidade da norma que instituía o mandado de injunção, afinna o autor que “Sustentou entusiasticamente o
Supremo Tribunal Federal, quanto ao mandado de injunção, que seria um enorme contra-senso não se reconhecer
a aplicabilidade imediata de uma medida que serve justamente para combater o mal da inércia legislativa,
colocando-a como vítima do vício que tende a combater. De outra fonna não se passa com a argüição, se se
pretendesse tratar de medida dependente de lei para poder combater o desrespeito à Constituição, inclusive
aquele derivado da falta da lei (descumprimento por omissão), que se insere perfeitamente também no âmbito da
argüição” (p. 100).
62 O STF estabeleceu este entendimento no AgRgAI n.° 145.860-0/SP, DJ 12.03.1991, em que decidiu que “A
previsão do parágrafo único do artigo 102 da Constituição Federal tem eficácia jungida a lei regulamentadora”.
Reafirmou esta posição no AGRPET 1.140-7/TO (publicado no DJU de 31.05.96, P. l8.803) e na Petição n.°
1.369-8 (publicado no DJU de 08.10.1997, p. 50.469).
63 Cf. supra, p. 02.
°4 ROTHENBURC., Walter Claudius. op. az. p. 199.
22

ordinária e norma constitucional°5. Exemplos disso são a ampliação do rol de legitimados para
a propositura da ação direta de inconstitucionalidade e a instituição da ação declaratória de
constitucionalidade.
Alega-se que esse seria um fenômeno positivo, na medida em que evita sensivelmente a
repetição e o prolongamento de discussões judiciais, decidindo importantes questões
constitucionais e minando a chamada “guerra de liminares”. Não é o caso de discutir a
questão, posto que política, e não jurídica.
Em que pesem estas modificações, o fato é que, conforme GILMAR FERREIRA
MENDES, “subsistiu um espaço residual expressivo para o controle difuso relativo às
matérias não suscetíveis de exame no controle concentrado (interpretação direta de cláusulas
constitucionais pelos juízes e tribunais, direito pré-constitucional, controvérsia constitucional
sobre normas revogadas, controle de constitucionalidade do direito municipal em face da
Constituição F ederal)”°°.
Neste contexto, a idéia inicial era a de aprovar, por meio de Emenda Constitucional, a
criação do “incidente de inconstitucionalidade” - o que, contudo, foi rejeitado nas várias
propostas que o continham apresentadas no Congresso Nacional. Diante disso, aproveitou-se a
amplitude semântica da expressão “argüição de descumprimento de preceito fundamental” e
procurou-se, na sua regulamentação por meio de lei ordinária, inserir o “incidente de
inconstitucionalidade”.
A portaria n.” 572 (DOU de 7.7.97), baixada pelo então Ministro da Justiça Íris Resende,
instituiu comissão formada pelos juristas CELSO RIBEIRO BASTOS, ARNOLDO WALD,
GILMAR FERREIRA MENDES, IVES GANDRA MARTINS e OSCAR DIAS CORREA
para que realizassem estudos visando à redação de um anteprojeto de lei que regulamentasse a
norma constitucional.
Aproveitando o Projeto de Lei 2.872, de autoria da Deputada SANDRA STARLING,
que também objetivava disciplinar o instituto em pauta - porém com objetivos mais
modestos°7 -, o Relator, Deputado PRISCO VIANA, exarou parecer favorável ao projeto, na

65 Cf, supra, p. 03.


°° Argüiçäo ..., p. 473.
67 O projeto original previa a figura da reclamação que “restringia-se aos casos em que a contrariedade ao texto
da Lei Maior fosse resultante de interpretação ou de aplicação dos Regimentos Intemos das Casas do Congresso
Nacional, ou do Regimento Comum, no processo legislativo de elaboração das nomias previstas no art. 59 da
CF” (MENDES, Gilmar Ferreira. Argüição de Descumprímento... p. 375)
23

forma de substitutivo de sua autoria, o qual era praticamente idêntico ao anteprojeto criado
pela chamada Comissão Celso Bastosóg.
O referido Projeto de Lei acabou por ser aprovado, transformando-se na Lei 9.882/99,
com os vetos realizados pelo Presidente da Repúblicaóg. Vale, desde já, referir que a Lei 9.882
vem tendo sua constitucionalidade contestada na ADIN 223l70.

4. INSERÇÃO DO INSTITUTO NO SISTEMA DE CONTROLE DE


CONSTITUCIONALIDADE
A doutrina nacional é praticamente uníssona em afirmar que o instituto da argüição de
descumprimento de preceito fundamental veio a integrar o já complexo sistema de controle de
constitucionalidade brasileiro". Mais especificamente, o Presidente da República, em suas
razões de veto a alguns dispositivos, afirma que o controle concentrado seria a “modalidade
em que se insere o instituto regulado pelo projeto de lei sob exame”72.
Mas, onde se encaixa o referido instituto? Como se dá a sua relação com os demais
institutos? Seria instrumento da forma abstrata ou concreta de controle da
constitucionalidade? Quem pode se utilizar do instituto, quem tem essa legitimidade? Quais
os efeitos da decisão em processo de argüição? A essas dúvidas respostas diversas têm se
sucedido.

68 Neste sentido. Gilmar Ferreira Mendes (Argüíçãom, p. 376-382) apresenta quadro comparativo entre o
Anteprojeto
69
de Lei da Comissão Celso Bastos e o Substitutivo do Deputado Prisco Viana.
Foram vetados o inciso II, do parágrafo único do art. 1.°, o inciso II do art. 2.°. o § 2.° do art. 2.°, o §4.° do art.
5.°, os §§ l.° e 2.° do art. 8.° e o art. 9.°. Os dispositivos vetados serão comentados na medida em que tiverem
relevância para o estudo aqui desenvolvido.
70
O Ministro Néri da Silveira, então Relator, proferiu decisão em que deferiu, em parte, a medida liminar, com
relação ao inciso I do parágrafo único do artigo l.° da Lei n° 9882, para excluir, de sua aplicação, controvérsia
constitucional concretamente já posta em juízo, bem como deferiu, na totalidade, a liminar, para suspender o §
3.° do artigo 5.° da mesma lei, sendo em ambos os casos o deferimento com eficácia ex nunc e até final
julgamento da ação direta.
7' MORAES, Alexandre (C‹›z›1@z1zàz~¡0S à Lei n. “ 9.882/99 - Argüíção de Descumprímento de Preceiro
Fundamental in ROTHENBURG, Walter Claudius; TAVARES, André Ramos, Argüiçãou., p. 15), TAVARES,
André Ramos (Arg1li1`Ção...p. 39). BASTOS, Celso Ribeiro (op. cit. p. 78). Para Elival da Silva Ramos (Argüíção
de Descumprímento de Preceíto Fundamental: Delineamenro do Instituto in ROTHENBURG, Walter Claudius;
TAVARES, André Ramos, Argiiíção...,. p. ll5), a norma constitucional proporcionava aplicação mais ampla,
razão pela qual a disciplina legal “confinou o instrumento ao âmbito de um contencioso objetivo, tendo por
finalidade o controle da constitucionalidade de atos do Poder Público, em face de preceitos ditos fundamentais da
Carta Magna” - o grifo não consta do original.
72 Mensagem n.° 1.807, de O3/12/99.
24

Tendo em vista a brevíssima referência constitucional, para melhor compreender esta


questão, temos de fazer uso da Lei nf* 9.882/99 (em cotejo com o campo de atuação que lhe é
concedido pela Constituição).

4.1. Espécies de Argüição


Dispõe o artigo 1.°, caput, da Lei 9.882 que “A argüição prevista no § l.° do art. 102
da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto
evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público”. O
parágrafo único, por sua vez, prevê que “Caberá também argüição de descumprimento de
preceito fundamental: l - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional
sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à
Constituição”.
Uma primeira classificação, irrepreensível, distingue dois tipos de argüição de
descumprimento de preceito fundamental: uma preventiva e uma repressiva73. A primeira
destinada a evitar lesões a princípios, direitos e garantias fundamentais da Constituição; e a
segunda para repara-las, quando causadas, comissiva ou omissivamente, pelos poderes
púbhcos
Fala-se ainda em argüição própria e por equiparação e em argüição autônoma e
incidental. As duas classificações não podem, contudo, coexistirem. É que, dependendo da
interpretação que se fizer do texto legal, uma delas não subsistirá. Vejamos.
Muitas dúvidas têm surgido na interpretação do dispositivo comentado. À primeira
vista, valendo-nos de interpretação meramente literal, singela “porta de entrada” para a
interpretaçãom, pareceria evidente a existência de duas espécies de argüição: uma cabível na
hipótese de ter ocorrido ou haver possibilidade de lesão a preceito fundamental; outra tendo
por pressuposto a existência de relevante fundamento acerca da controvérsia constitucional
envolvendo lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à
Constituição.

/_
-Ê MORAES, Alexandre. Comenta/'i0s.., p. 19.
74 VIEIRA, José Roberto. A Semestralídade do PIS: F avos de Abelha ou Favas de Vespa? in Revista Dialética
de Direito Tl'ÍÍ7Llf(il'Í() n. ” 83. São Paulo: Dialética, 2002, p. 92. Não é demais prosseguir com as lições do autor:
“Nada mais do que i.s'.s'‹›, porém: ponto de partida e porta de entrada. Se nela nos detivermos, satisfazendo-nos
com a literalidade textual, nossa corrida hermenêutica não terá ido além da linha de saída, nossa aventura
exegética não terá ultrapassado os limiares do acesso, não terá transposto os umbrais do pórtico da terra da
interpretação, que prirrcipia efetivamente dali em diante, do texto avante”.
25

É a interpretação meramente literal que conduz ao entendimento de que o parágrafo


único veicularia uma hipótese de “argüição de descumprimento de preceito fundamental
abstrata ou por equiparação”75. Com base neste entendimento, seríamos, inevitavelmente,
levados a concluir pela inconstitucionalidade do inciso I, do parágrafo único, do art. 1.°, da Lei
9.882, posto que, como quer ALEXANDRE DE MORAES, “Não há qualquer autorização
constitucional para uma ampliação das competências do Supremo Tribunal Federal”7°.
Estar-se-ia, a prevalecer este entendimento, utilizando a competência conferida para
disciplinar a argüição de descumprimento de preceito fundamental para implementar um
incidente de inconstitucionalidade travestido. Não seria, então, necessário, na hipótese do
parágrafo único, inciso l, o descumprimento de preceito fundamental; bastaria a existência de
controvérsia constitucional. Seria, portanto, uma argüição por equiparação.
Poder-se-ia argumentar que também uma interpretação histórica levaria à mesma
conclusão, posto que o legislador teve a intenção de criar o referido incidente de
inconstitucionalidade. Deve-se, porém, ter em mente a advertência de CARLOS
MAXIMILIANO de que “Relativamente ao elemento histórico propriamente dito, há dois
extremos perigosos: o excessivo apreço e o completo repúdio”77, de sorte que não prevalece
por si mesmo.
Assim, cuidando-se de matéria adjetiva ao texto constitucional, exige-se uma
aproximação mais sofisticada na busca do sentido da norma. Para a análise, portanto, do
referido dispositivo, não é de se admitir a interpretação literal ou meramente histórica.
Destarte, vem a calhar à análise do dispositivo a interpretação conforme a
Constituição, que se trata, segundo ensina LUÍS ROBERTO BARROSO, “da escolha de uma
linha de interpretação de uma norma legal, em meio a outras que o Texto comportaria. Mas, se
fosse somente isso, ela não se distinguiria da mera presunção de constitucionalidade dos atos
legislativos, que também impõe o aproveitamento da norma sempre que possível. O conceito
sugere mais: a necessidade de buscar uma interpretação que não seja a que decorre da leitura

. _, . ~ . . ~ , 8
mais óbvia do dispositivo”. Ademais, prossegue o autor, tem também por objetivo “excluir a
rnterpretaçao ou as rnterpretaçoes que contravenham a Constrturçao °7 .

75 MORAES, Alexandre. C‹›zzz@nzzêz~f‹›S...p. 21.


70
Idem, p. 21.
77 Hermenêutica e aplicação do díreito.19.*' ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 1 14.
78
Interpretação e aplicação da Constituição. 3.*' ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 181. Nas palavras de Jorge
Miranda (Manual de Direito Constitucional. 3.“ ed. Coimbra: Coimbra Ed., 1991, t.II, p. 233), “A interpretação
26

É certo que a interpretação confomre a Constituição é técnica de decisão no âmbito


controle de constitucionalidade. E, contudo, perfeitamente factível com a análise realizada
pelo intérprete da lei em face da Constituição. Ademais, a Lei 9.882 está sendo questionada
em bloco pelo Conselho Federal da OAB, por meio da Adin n.° 2.231-8, razão pela qual a
técnica da interpretação conforme a Constituição poderá ser normalmente utilizada, na
delimitação da interpretação dos dispositivos da lei.
O entendimento segundo o qual seria possível uma argüição fundada apenas na
existência de controvérsia constitucional tem de ser excluído, posto não subsistir ao teste de
compatibilidade com a normativa constitucional.
Porém, ainda assim, é possível visualizar duas espécies de argüição na disciplina dada
pela Lei 9.882. Assim, haveria a argüição autônoma e a incidental”. Este é o entendimento
predominante na doutrinago. Note-se, portanto, que se reconhece aqui a existência destes dois
tipos de argüição, apenas não se aceita que as duas modalidades de argüição de
descumprimento de preceito fundamental estejam, cada qual, relacionadas aos dois
dispositivos específicos enumerados da Lei n.° 9.882: a argüição direta tratada no caput do
artigo l.°, e o inciso I do parágrafo único desse artigo referente apenas à argüição incidental.
Desta forma, não devemos compreender que “o art. l.° da Lei n.° 9.882 esteja
composto de duas nomras distintas e que a leitura se faça em dois blocos: o do caput
(correspondente à argüição direta) e o do parágrafo único, inciso I (correspondente à argüição
incidental), mas que uma única norma se extraia, estabelecendo o mesmo requisito e o mesmo
objeto a ambas as modalidades de argüição”8'.
A diferença entre as duas está em que, como a própria denominação aponta, a argüição
autônoma “ocorre direta e originariamente perante a Corte Suprema”82, ao passo que a

conforme à Constituição não consiste tanto em escolher entre vários sentidos possíveis e normais de qualquer
preceito, o que seja mais conforme com a Constituição, quanto em discernir no limite - na fronteira da
inconstitucionalidade - um sentido que, conquanto não aparente ou não decorrente de outros elementos de
interpretação, é o sentido necessário e o que se torna possível por virtude da força conformadora da Lei
Fundamental”.
79 A classificação foi utilizada pioneiramente por Juliano Taveira Bemardes (Argüíção de Descumprimento de
Preceito Fundamental. Disponível na Internet: <http://www.juristantumhpg.com.br/argpre.htm>. Acesso em: 01
de maio de 2001, p. 01.
80
SARMENTO, Daniel (op. cít., p. 87) TAVARES, André Ramos (Argüt`çã0..., p. 61), BASTOS, Celso Ribeiro
(Argüíç-ã0..., p. 81), ROTHENBURG, Walter Claudius. (op. cit., p. 207).
8' ROTHENBURG, Walter Claudius. (op. cit., p. 207).
82 TAVARES, André Ramos (A›~gú¡çâ‹›..., p. 61)
27

argüição incidental surge de um processo já existente, do qual se abstrai a questão


constitucional passível de apreciação imediata pelo Supremo Tribunal Federal.
Como conseqüência da afirmação de que há essas duas modalidades de argüição, mas
que não estão disciplinadas, cada qual, em um dos dispositivos apontados, pode-se apontar a
necessidade de que haja relevância do fundamento da controvérsia constitucional (art. 1.°,
parágrafo único, inciso I) em qualquer das hipóteses83.
Não é, porém, somente esta a diferenciação entre as duas. Apresentam, aliás, diversas
e relevantes diferenças. Pedimos vênia, neste momento, para discorrer sobre estas diferenças
no corpo dos próximos itens, cuja compreensão, afinal, levará a umas ou outras conclusões
necessariamente distintas, dependendo do viés da interpretação.

4.2. Legitimidade
Questão intrincada diz respeito à legitimidade para a propositura da argüição de
descumprimento de preceito fundamental em qualquer de suas formas (autônoma ou
incidental).
Dispõe o artigo 2.° da Lei 9.882: “Podem propor argüição de descumprimento de
preceito fundamental: I - os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade”. É
justamente este dispositivo que gerou uma total mudança de perspectiva na forma de
compreensão do instituto: sempre tido como próximo ao recurso constitucional alemão ou ao
recurso de amparo espanhol (objetivando a defesa direta dos direitos fundamentais do cidadão
perante a mais alta Corte), passava a ser visto apenas como mais um instrumento do controle
abstrato de normas84.

A situação se mostrava ainda mais curiosa tendo-se em conta que havia, no projeto de
lei, um inciso ll do art. 2.°, que admitia expressamente a legitimidade de qualquer cidadão. O
veto foi imposto sob a alegação de que a “inexistência de qualquer requisito específico a ser
ostentado pelo proponente da argüição e a generalidade do objeto da impugnação fazem
presumir a elevação excessiva do número de feitos a reclamar apreciação pelo Supremo

83 Neste sentido, ROTHENBURG, Walter Claudius. op. cit. p. 210.


84
É o que expõe Alexandre de l\/Ioraes (Comentáriosu, p. 22): “A regulamentação do art. 102, § l.°. da
Constituição Federal distanciou, portanto, a argüição de descumprimento de preceito fundamental de seus
modelos austríaco e alemão, pois não permitiu acesso direto ao Supremo Tribunal Federal a qualquer pessoa que
afirme ter sido diretamente lesionado em face do descumprimento de preceitos fundamentais previstos
constitucionalmente, havendo previsão taxativa dos mesmo co-legitimados para o ajuizamento da ação direta de
inconstitucionalidade”.
28

Tribunal Federal, sem a correlata exigência de relevância social e consistência jurídica das
argüições propostas”85 .
Parcela significativa da doutrina tem sustentado a inconstitucionalidade do vetogó,
bem como a sua possibilidade de superação por meio da interpretação87, apesar de não ser esta
a orientação predominantegg.
Com efeito, a nonna deve ser interpretada sistematicamente. Desta fonna, tem-se de
entender que o inciso I do art. 2.° refere-se somente à argüição autônoma. A legitimidade para
propor a argüição de descumprimento de preceito fundamental na modalidade incidental está
implícita no dispositivo que a prevê: só pode pertencer àqueles que estão envolvidos em
processo judicial em que se discuta acerca de questão envolvendo preceito fundamental
decorrente da Constituição.
Poder-se-ia objetar, com esteio nas lições de CARLOS MAXIMILIANO, que “Se um
preceito figurava no Projeto primitivo e foi eliminado, não pode ser deduzido, nem sequer por
analogia, de outras disposições que prevaleceram, salvo quando a supressão se haja verificado
por considerarem-no desnecessário ou incluído implicitamente no texto ñnal”8°. Contudo, em
face deste argumento, pode-se dizer que a legitimação abrangente do projeto, vetada pelo
Presidente da República, dizia respeito somente à argüição autônoma. Ademais, pode-se
alegar, como visto, que estava realmente implícita no texto a legitimidade dos litigantes em
processo judicial para a propositura da argüição incidental.
Há, ainda, outras razões a sustentar este entendimento. Fundado nos princípios
democrático e do acesso à Justiça, expõe ANDRÉ RAMOS TAVARES:

Conclui-se, pois, que o veto criado pelo Executivo, quanto à possibilidade de propositura da
argüição por qualquer pessoa lesada ou ameaçada, não surtiu efeitos práticos, uma vez que a
natureza da argüição incidental exige um sistema de legitimados que seja diverso daquele

85 Mensagem n.° 1807, de 3.12.99.


8° STRECK, Lenio. Os znefnn., p. 265.
87
STRECK, Lenio. (op. cit. p. 266), TAVARES. André Ramos (Tribunal e jurisdição constitucional. São Paulo:
Celso Bastos: IBDC, 1998. p. 22-23); GARCIA, Maria. (Argüição de descumprimento: direito do cidadão.
Revista de Direito Constitucional e lntemacional. São Paulo, v. 32. p. 100-106); NERY JUNIOR, Nelson,
NERY, Rosa Maria de Andrade (Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante
em vigor. São Paulo: RT, 2002, p. 1481-1482); Celso Ribeiro Bastos não se filia expressamente a esta corrente,
mas deixa entender que admite sua razoabilidade (Argüição ..., p. 81)
88 Neste sentido, MORAES, Alexandre (Comentáriosm, p. 22); SARMENTO, Daniel (Argüição..., p. 89);
RAMOS, Elival da Silva (Argiíiçãom, p. 122). MENDES, Gilmar Ferreira (Argüição, p. 388).
89 Hermenêutica e aplicação do a'ireito. 19." ed. Forense: Rio de Janeiro, 2002, p. 1 17.
29

engendrado para a ação autônoma de argüição (que se reporta aos mesmos legitimados para a
propositura de ação direta de inconstitucionalidade)
Assim, a argüição incidental só será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal se originária
for de um processo judicial já instaurado no qual se controverta sobre questão constitucional
que envolva preceito fundamental, desde que seja apresentada a argüição por alguma das
partes interessadas e, por fim, desde que o Supremo Tribunal Federal entenda tratar-se de
questão cuja solução aproveitaria ao interesse nacional.Q0

É possível, também, deduzir esta conclusão a partir da compreensão de que o artigo


102, § l.°, trazia modalidade específica de garantia dos direitos fundamentais e, sendo assim
cláusula pétrea, não poderia ter sua natureza alterada nem por emenda constitucional, quanto
menos por lei ordinária.
Destarte, para contomar, esta “clara e ínsofismável restrição ao direito fundamental
de buscar junto ao Tribunal Maior o resgate de direitos violados". LENIO LUIZ STRECK
sugere a utilização do princípio da interpretação conforme a Constituição
(verfassungskonforme Auslegung). Eis o que propugna:

Desse modo, devemos dar ao texto um sentido que o compatibilize com a Constituição e sua
materialidade principiológica. Não parece haver dúvida, como já referido. que a ADPF se
insere no sistema como um instituto de proteção aos direitos fundamentais do cidadão, na
esteira do Vefiassungbeschwerde alemão (o art. 90, inciso I, da Lei sobre o Tribunal
Constitucional Federal, autoriza que “qualquer pessoa pode propor o recurso constitucional no
Tribunal Constitucional Federal com a alegação de estar sendo violada pelo Poder Público,
em alguns dos seus direitos fundamentais ou em alguns dos seus direitos contidos no art. 20,
alinea 4, art. 33, 38, l0l, 103 e 104, da Lei Fundamental°). Ou seja. em além-mar como aqui,
tais institutos se constituem (também) como remédios individuais de acesso à jurisdição
constitucional. Portanto. o veto presidencial, retirando do cidadão a possibilidade de acessar o
STF quando da ocorrência de violação de preceito fundamental. bate de frente com a
Constituição. A solução que se apresenta é proceder a uma leitura do texto do art. 2.°, inciso
II, da Lei 9.882, em conformidade com a Constituição. permitindo-se também ao cidadão
recorrer diretamente ao Supremo Tribunal Federal, na hipótese de descumprimento de
preceito fundamental por parte dos poderes públicos. Aliás. foi nesse sentido o texto original
aprovado pelo Congresso Nacional.9I

Deve-se interpretar inteligentemente a norma. Mais uma vez valhamo-nos dos


preciosos ensinamentos de CARLOS MAXIMILIANO: “Deve o Direito ser interpretado
inteligentemente, não de modo a que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva
ínconveniéncias, vá ter a conclusões ínconsistentes ou impossíveis”92. Ora, o entendimento de

90 Argüíção., p. 72.
Q' Os meios..., p. 266-267.
oz
Hermenêutica .... p. 183. Os grifos não constam do original.
30

que a legitimidade ativa é a mesma nas duas espécies de argüição conduzirá, inevitavelmente,
ao ocaso da argüição incidental. Nas palavras de ANDRÉ RAMOS TAVARES esta situação
mostra-se cristalina:

Se se fosse pretender aplicar, também para a argüição paralela, a legitimidade destinada


àquela de natureza autônoma, o certo é que se teria o completo desmantelamento daquela
modalidade. Isso porque seria hipótese bastante remota a de que aqueles legitimados a propor
a argüição autônoma optassem, surpreendentemente, pela argüição incidental. Se a via
principal lhes está franqueada, não se utilizariam da secundária (para a qual teriam de
aguardar a abertura de um processo judicial outro no qual se estivesse discutindo a aplicação
de preceito fundamental).
Ademais, mesmo que já houvesse um processo pelo qual pudesse surgir a argüição incidental,
uma vez mais a opção certamente recairia na argüição autônoma, contemplativa de todas as
possibilidades da incidental e outras mais, por não requerer a “relevância” e, ainda, por não
estar atrelada, em sua origem, a qualquer outro processo judicial. nem estar restrita aos atos
- 93
I'lOI`1'I'laÍlVOS.

Não é de se admitir, por fim, a afirmação de que “A inexistência de qualquer requisito


específico a ser ostentado pelo proponente da argüição e a generalidade do objeto da
impugnação fazem presumir a elevação excessiva do número de feitos a reclamar apreciação
do Supremo Tribunal Federal, sem a correlata exigência de relevância social e consistência
jurídica das argüições pr0postas””94. Isso porque ao exigir que seja “relevante o fundamento
da controvérsia constitucional”, permitiu ao Supremo Tribunal Federal exercer competência
de certa forma discricionária na definição dos casos a serem apreciados, nos moldes do writ of
certiorari americano95, coibindo, à sua medida, o acúmulo de processos.
Ademais, como será exposto a seguir, o princípio da subsidiariedade, que apresenta
contomos diversos para cada espécie de argüição, inibe, com grande eficiência, esta situação
indesejável. Pode-se já adiantar esta ligação entre o princípio da subsidiariedade com os
limites à admissibilidade da argüição. Confonne afirma ALEXANDRE DE MORAES:

Note-se que, em face do art. 4.°, caput e §l.°, da Lei 9.882, que autorizam a não-admissão da
argüição de descumprimento de preceito fundamental, quando não for caso ou quando não
houver outro meio eficaz de sanar a lesividade, foi concedida certa discricionariedade ao

93 Argüição ..., p. 68.


94 Mensagem n.° 1.807, de 03. 12.99. Os grifos não constam do original.
95
Neste sentido, TAVARES, André Ramos. Argüição ..., p. 72. Walter Claudius Rothenburg (op. cit. p. 211)
lembra que “Semelhante “discricionariedade” judicial verifica-se em relação à “reclamação constitucional” alemã,
em que não há necessidade de o Tribunal Constitucional Federal fundamentar o indeferimento da admissão, ao
passo que esta deve ser fundamentada””.
31

Supremo Tribunal Federal, na escolha das argüições que deverão ser processadas e julgadas,
podendo, em face de seu caráter subsidiário, deixar de conhecê-las quando concluir pela
inexistência de relevante interesse público, sob pena de tomar-se uma nova instância recursal
para todos os julgados dos tribunais superiores e inferiores.%

Tomando como referência o caso espanhol, onde há “um aumento progressivo dos
recursos de amparo, sendo eles cada vez menos admitidos e, dentre estes, diminuem os
concedidos”, e, por outro lado, o nosso já rico e complexo controle de constitucionalidade,

. . . ,,‹)7 “ ~ . . ~ . . .
verifica-se que a argüição de descumprimento de preceito fundamental “será possível em
casos muito raros e limitados , o que reforça a conclusao de que a legitrmaçao individual
(popular) deveria ter sido contemplada e sem temor (Zeno Veloso)”98. E, como demonstrado,
segundo a melhor interpretação, realmente foigg.

4.3. Subsidiariedade
Outro limite, portanto, à propositura da argüição de descumprimento de preceito
fundamental é o chamado princípio da subsidiariedade.
Estabelece o artigo 4.°, §l.°, da Lei 9.882, que “Não será admitida argüição de
descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar
a lesividade”. O dispositivo em pauta tem gerado controvérsias. No que toca ao presente
tópico (conformação do instituto ao sistema de controle de constitucionalidade), tem-se
entendido que se presta a limitar o âmbito de utilização da argüição. Assim, só se poderia
lançar mão do instituto na hipótese de “inexistência de outro meio eficaz para sanar a
lesividade” - ou evitá-la, no caso da argüição preventiva.
Afinna-se, fugindo de interpretação meramente literal, que se exige, na verdade, não a
inexistência de outros meios jurídicos, mas o “prévio esgotamento de todos os instrumentos

9° Comenrár1'os..., p. 28.
97
VELOSO, Zeno. Controlejurisdicional de constitucionalidade: atualizado conforme as Leis 9.868, de 11-11­
1999 e 9.882, de 3-12-1999. 2.“ ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 306.
°8 RoTHENBuRo, walter- crauóius. Op. cn. p. 227.
9° Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (op. cír. p. 1481-1482) seguem o mesmo entendimento.
Assim sustentam os renomados processualistas: “A despeito do veto ao inciso II, pelo princípio constitucional do
direito de ação, que proíbe à lei subtrair do controle jurisdicional ameaça ou lesão a direito, e tendo em vista a
possibilidade de utilização do instituto contra descumprimento relativo a direito subjetivo, qualquer pessoa pode
deduzir demanda diretamente ao STF, pleiteando a defesa de preceito constitucional fundamental desctunprido
pela autoridade ou Órgão do Poder Público (CF, 5.° XXXV). O particular não pode deduzir a argüição em outro
juízo ou tribunal porque o STF é a Corte Constitucional federal brasileira e nenhum outro órgão do Poder
Judiciário está autorizado a decidir matéria constitucional com força de coisa julgada erga omnes e vinculando
os demais Órgãos do Poder Público”.
32

juridicamente possíveis e eficazes para fazer cessar a ameaça ou lesão a preceito


fundamental”'°(). Dentre estes “instrumentos juridicamente possíveis” estariam abrangidos
apenas os meios de controle de constitucionalidade pela forma abstrata ou todo e qualquer
meio judicial apto à proteção dos direitos fundamentais, inclusive os inerentes ao controle
difuso?

A questão está intrinsecamente ligada a toda a concepção que se tiver da argüição de


descumprimento de preceito fundamental. Confonne GILMAR FERREIRA MENDES, “se se
considera o caráter enfaticamente objetivo do instituto (o que resulta inclusive da legitimação
ativa), meio eficaz de sanar a lesão parece ser aquele apto a solver a controvérsia
constitucional relevante de forma ampla, geral e imedíata”lm. Desta forma, “a simples
existência de ações ou de outros recursos processuais - vias processuais ordinárias - não
poderá servir de óbice à formulação da argüição de descumprimento. Ao contrário, tal como
explicitado, a multiplicação de processos e decisões sobre um dado tema constitucional
reclama, as mais das vezes, a utilização de um instrumento de feição concentrada, que pennita
a solução definitiva e abrangente da controvérsia”]02.
Esta concepção é perfeitamente adequada à argüição autônoma, em que há, sem
dúvida, um processo abstrato (objetivo) de controle de constitucionalidade. Para as hipóteses
já admitidas pelo Supremo Tribunal Federal como passíveis de controle abstrato de
constitucionalidade não seria necessária a utilização da argüiçãom. O instituto seria útil, sim,
para o controle dos atos tradicionalmente afastados do controle abstrato, como é o caso, verbi
grafia, das normas pré-constitucionais ou municipais.
Contudo, no que se refere à argüição incidental o panorama é outro - a menos, é claro,
que se admita que os legitimados ativos para a instauração de ambas as hipóteses são os
mesmos, o que, como visto, levaria à extinção (ou, na melhor das hipóteses, à inutilidade) da
argüição incidental.

'00 MORAES, Alexandre de. Comenráríosfl., p. 27.


10' Argiiíção ..., p. 392.
l02
Idem, p. 397.
l03
Não é esta a posição de Walter Claudius Rothenburg (op. cír. p. 225) para quem “Quando o objeto também
for passível de ação direta de inconstitucionalidade, em vez de subsidiariedade, haverá preferência para a
argüição, em função da maior importância da norma constitucional violada (preceito fundamental) e da
relevância que venha a ser reconhecida no caso à questão constitucional. No cotejo entre a fundamentalidade do
parâmetro e a relevância do fundamento da controvérsia constitucional, por um lado, e a subsidiariedade, por
outro, aquelas hão de prevalecer”.
33

Isso porque para aquele que propõe incidentalmente a argüição de descumprimento de


preceito fundamental, os meios fomecidos pelo ordenamento jurídico ao seu objetivo são
outros - os inerentes ao controle difuso. Destarte, o princípio da subsidiariedade tem de ser
visto sob distinta perspectiva.
Ressalte-se que ambas as espécies tem o mesmo objeto de controle: os atos que
resultem em descumprimento de preceito fundamental - conceito sobre o qual se debruçará
adiante. Apenas que, dependendo da espécie de argüição, existirão ou não outros meios
disponíveis aptos a coaitar eñcazmente a situação de inconstitucionalidade.
Diante do exposto, ousamos sustentar que, ainda com a regulamentação trazida pela
Lei 9.882, no âmbito da argüição incidental, não se trata de processo objetivo, mas misto.
Essa é uma conclusão inarredável diante da consideração de que são legitimados para a
propositura da argüição aqueles que estão envolvidos em processo judicial em que seja
discutida questão envolvendo descumprimento de preceito fundamental decorrente da
Constituição. Expliquemos melhor.
O problema surge quando se pondera que a decisão proferida em sede de argüição
incidental (assim como em sede de argüição autônoma) “terá eficácia contra todos e efeito
vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público” (art. 10, § 3.° da Lei 9.882)'O4.
Isso lhe confere importância e exige cuidados ainda maiores.
Não se está aqui a propugnar que qualquer cidadão possa provocar o controle objetivo
de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. A legitimidade que lhe é
conferida diz respeito à eliminação da lesão a preceito fundamental no âmbito de sua esfera
jurídica, é dizer, a direito subjetivo seu. Contudo, a decisão proferida neste processo singular
gerará efeitos €I'g(l omnes.
Estamos, neste sentido, de acordo com NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA
DE ANDRADE NERY, para quem “O processo, aqui, é misto de objetivo e subjetivo.
Objetivo porque a decisão do STF tem caráter geral, produzindo efeitos erga omnes e
vinculando os demais órgãos do Poder Público. Subjetivo porque evita ou repara a lesão a
preceito constitucional fundamental pela autoridade ou órgão do Poder Público”'05.
Diante deste quadro, defendemos a utilização do princípio da subsidiariedade, na
espécie de argüição incidental, nos moldes do recurso constitucional alemão. Este, explica

'94 A possibilidade de lei ordinária conferir efeito vinculante a decisões do STF será examinada adiante.
34

KONRAD HESSE, “só é admissível se o recorrente não pode eliminar a violação de direitos
fundamentais afimiada por interposição de recursos jurídicos, ou de outra forma, sem recorrer
ao Tribunal Constitucional F ederal”'0°.
Reconhece-se, porém, de fomia excepcional, a possibilidade de a Corte Constitucional
“decidir de imediato um recurso constitucional, se se mostrar que a questão constitucional é
de interesse geral ou se demonstrar que o requerente poderia sofrer grave lesão caso recorresse
à via ordinária (Lei Orgânica do Tribunal, § 90, II)”'O7.
Fazendo analogia entre o recurso constitucional alemão e a argüição de
descumprimento de preceito fundamental, conclui ALEXANDRE DE MORAESIO8 que

.,.,....9
“Somente de forma excepcional, poderá o Supremo Tribunal Federal afastar a exigência do
prévio esgotamento judicial, quando a demora para o esgotamento das vias judiciais puder
gerar prejuizo grave e irreparável para a efetividade dos preceitos fundamentars”'0 .
Entendemos, destarte, adequadas as seguintes ponderações de LENIO LUIZ STRECK:

Com efeito, em face da redação do dispositivo, não se toma desarrazoado afirmar que a
exigência que a lei regulamentadora faz do esgotamento das vias judiciárias pode tomar a
ADPF inócua e desnecessária, uma vez que existe o recurso extraordinário como meio de
levar as discussões acerca da violação da Constituição até a instância máxima que é o STF.
Aqui, a lição do direito alemão poderia - e ainda pode - ser aproveitada, mormente em face
do que dispõe o § 90, alínea 2, frase 2, da Lei sobre o Bundesveiflzssungsgericlzt, onde se
permite desconsiderar a exigência do esgotamento das vias judiciais. Ou seja, na Alemanha
a exceção surge quando o recurso constitucional é de significado geral ou suceder ao
impetrante um prejuízo grave e irreparável, caso ele seja remetido, inicialmente, à via judicial.
Por isso, buscando inspiração no direito alemão e no espanhol. toma-se imperativo que o
Supremo Tribunal Federal faça uma interpretação conforme a Constituição
(veifassungkonƒorme Auslegung), permitindo que, em determinadas circunstâncias, não se
tome exigível o esgotamento das vias judiciárias. Pensar o contrário é esvaziar esse
importante instituto, além de estabelecer uma leitura metafisica do mesmo, obstaculizando o
aparecer da singularidade. Afinal, hermenêutica é (sempre) aplicação, é (sempre)
concretização. I IO

Em suma, ficamos com as seguintes conclusões: em sua espécie autônoma, o princípio


da subsidiariedade da argüição deve permitir concluir que “o Tribunal poderá conhecer da

'05 Op. cit., p. 1482.


l0(›
Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
1998, p. 272.
I07
MENDES, Gilmar Ferreira, Argi¿ição..,. p. 392.
l08
O autor somente admite a espécie incidental, ainda que com a legitimação restrita, razão pela qual pode-se
adotar, neste tocante, suas conclusões.
too
Argiiiçãou., p. 28.
35

argüição de descumprimento toda vez que o princípio da segurança jurídica restar seriamente
ameaçado, especialmente em razão de conflitos de interpretação ou de incongruências
hermenêuticas causadas pelo modelo pluralista de jurisdição constitucional”' I I.
Já quando se tratar de argüição autônoma, o princípio da subsidiariedade deve exigir o
esgotamento das vias judiciais ordinárias aptas a reparar ou evitar a lesão a preceito
fundamental. Porém, neste caso, em dois tipos de ocasião a subsidiariedade poderá ser
afastada.

Em primeiro lugar, quando a situação for de interesse geral, cabendo então as mesmas
observações relativas à argüição autônoma. Não se tratará, portanto, de controle objetivo, mas
subjetivo que acabará por gerar efeitos erga omnes - como ocorre com as decisões proferidas
em controle difuso pelo STF - prescindindo, porém, da Resolução do Senado (art. 52, X, CF).
Em segundo lugar - e é essa a situação que caracteriza a verdadeira função do instituto
- quando puder suceder ao autor da argüição um prejuízo grave e irreparável a um seu
direito fundamental decorrente de descumprimento de preceito constitucional fimdamental.

5. PARÂMETRO E OBJETO DE CONTROLE


Como visto, a Constituição refere-se a “descumprimento de preceito fundamental
decorrente desta Constituição”. O parâmetro de controle da argüição de descumprimento de
preceito fundamental é, pois, um conjunto de normas ditas “preceitos fundamentais”.
Tarefa recheada de dificuldades é a delimitação desta expressão inserta no texto
constitucional e repetida pela Lei n.° 9.882/99. Este diploma legal, por outro lado, não ousou
enumerar, ou sequer definir, os tais preceitos fundamentais. O que se deve entender, neste
contexto, por preceito? Que abrangência lhe confere o adjetivo “fundamental”? E o vocábulo
“decorrente” excluiria da qualidade de preceito aquelas norrnas localizadas fora do texto da
Lei Magna?
No que diz com esta última pergunta, vale expor interessante argumentação de
MARIA GARCIA. para quem

o termo decorrente (decursivo, derivado, conseqüente, segundo o Dicionário Aurélio) faz


concluir. primeiramente. pela possibilidade de localização do preceito extemamente à CF.
Porquanto. se e decorrente da CF não deverá estar, necessariamente, contido na CF. Não

“° op. ctz., p. 267.


"' MENDES, Gilmar Fewâifzz. .iz-gz°z¡¢à0._., p. 397.
36

expressamente. E, neste particular, obrigatória se toma a lembrança do disposto no §2.° do art.


5.°, o qual admite a existência de “outros direitos e garantias”, além daqueles expressos na CF,
“decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados” (ou dos tratados intemacionais
1 12
firmados) .

Pede-se vênia para discordar deste entendimento. Não pela conseqüência apontada,
que parece irretocavel, mas pelo fato de que também as normas constitucionais implícitas são
constitucionais. Ou seja, o fato de a norma não estar expressa no texto constitucional, mas
nele encontrar, implicitamente, fundamento, confere-lhe o mesmo caráter constitucional das
normas explícitas.
Havemos de concordar, assim, com o seguinte posicionamento de ANDRÉ RAMOS
TAVARES:

Por se tratar da tutela de “preceito fundamental, decorrente desta Constituição”, tem-se que a
própria expressão empregada pelo Texto Supremo já está a sinalizar no sentido de que não
cabe senão uma análise do próprio corpo da Constituição para dela se auferir este conjunto
denominado de preceitos fundamentais, justamente porque só dela podem decorrer e. assim,
só nela podem ser encontrados. Se se trata, realmente, de um conjunto de preceitos
considerados constitucionais, isso significa que foram consagrados no corpo da Constituição,
e dele constam expressa ou implicitamentel 13

É, portanto, na Constituição, expressa ou implicitamente, que encontraremos os


preceitos fundamentais a sen/ir de parâmetro de controle da argüição de descumprimento. J á o
vocábulo preceito está a indicar um conjunto de normas que não se restringe aos princípios.
É assente na modema doutrina constitucional a classificação do gênero normas em
duas espécies: regras e princípiosm. Podemos distinguir, assim, com WILLIS SANTIAGO
GUERRA FILHO:

normas jurídicas que são regras, em cuja estrutura lógico-deôntica há descrição de uma
hipótese/atica e a previsão da conseqüência jurídica de sua ocorrência, daquelas que são
princípios, por não trazerem semelhante descrição de situações jurídicas, mas sim a
prescrição de um valor, que assim adquire validade jurídica objetiva, ou seja, em uma
Il5
palavra, positividade.

“2 GARCIA, Maria. Argiiição de descumprimento: direito do cidadão. Revista de Direito Constitucional e


Internacional. São Paulo, v. 32. p. 101.
ll3
Argiiiçãon, p. 54, grifamos.
“4 Ver, por todos, CANOTILHO, J .J . Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição 4.“' ed. Almedina
Coimbra, 1997. p. lóó e ss.
37

O termo preceito não equivale, de maneira idêntica, a princípio. Assemelha-se mais ao


conceito de norma, vez que se identifica com a idéia de “ordem”, “mandamento”, “diretriz”,
“comando”. Pode, portanto, consubstanciar tanto norma-regra como norma-princípiol 1°.
Devem, por outro lado, tais preceitos, ser fundamentais. Poderia-se alegar haver aí
uma contradição, posto que todas as normas constitucionais são fundamentais, no âmbito do
sistema jurídico, posto que são elas que “dão fundamento” ao edificio jurídico. Dentro, porém,
desta que é a maior constituição do mundo' 17, há preceitos cuja característica de
fundamentalidade e ainda mais acentuada.
Tratar-se-ia, pois, de normas basilares da Constituição, normas imprescindíveis,
inafastáveis, que, usualmente se apresentam sobre a forma de princípios, podendo, porém,
como visto, assumir a condição de regras. E praticamente unânime este posicionamento
doutrinário.

Este consenso, contudo, está longe de atingir uma verdadeira conclusão unânime. É
que se se admite a existência deste conjunto de preceitos basilares, reina grande divergência
em sua enumeração. Persiste, destarte, a dúvida: quais são estes preceitos fundamentais?
A resposta somente será possível com o tempo por meio da sedimentação do conceito
por parte do Supremo Tribunal Federal. Enquanto isso não ocorre, cabe-nos, em consonância
com a doutrina, explicitar aqueles preceitos que, sem dúvida, serão acolhidos na noção.
Podemos, então, referir aos princípios fundamentais do Estado Brasileiro (art. l.° a
4.°), ao rol de direitos fundamentais (art. 5.°), aos princípios constitucionais sensíveis (art. 34,
VII), às cláusulas pétreas (art. 60, §4.°), dentre outros. Adotamos, assim, a enumeração de
CELSO RIBEIRO BASTOS e ALÉXIS GALIÁS DE SOUSA VARGAS quanto a alguns
preceitos que

não deixam dúvidas quanto à caracterização de fundamentais: a soberania, a cidadania, a


dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, pluralismo
político, a forma federativa de Estado, o voto direto. secreto, universal e periódico, a
separação dos poderes e os direitos e garantias individuais] 18

“S Introdução ao direito processual constitucional. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 36.


"° TAVARES, André Ramos, Argüição ..., p. 51, baseando-se nas lições de Jerzy Wróblewski, que ensina que “a
termos diferentes não se deve atribuir o mesmo significado”.
“7 BASTOS, Celso Ribeiro, VARGAS, Aléxis Galiás de Souza. A argüição de descumprimento de preceito
fundamental e a avocatóría. Revista Jurídica Virtual n.° 8, jan. 2000, Disponível na Intemet:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 de agosto de 2002, p. 01.
“8 BASTOS, Celso Ribeiro, VARGAS, Alexis Galiás de Souza. Preceíto fundamental e a avocatóría. Revista
Síntese de Direito Civil e Processual Civil, vol 2, n. 12, Jul/Ago 2001, p. 134.
38

Muito se discute, igualmente, no que diz respeito ao objeto de controle da argüição de


descumprimento de preceito fundamental. O artigo l.° da Lei n.° 9.882/99 refere-se a lesão
“resultante de ato do Poder Público”.
Pela razão de não haver previsão constitucional expressa acerca de quais os atos capazes
de produzir descumprimento de preceito fundamental, parte da doutrina taxou de
inconstitucional esta restrição veiculada pela lei de regência. Não nos parece que seja assim.
A restrição legal não é inconstitucional, apesar de ser inoportuna. É constitucional
porque, neste ponto, o texto da Lei Magna foi bastante genérico, ao falar em
“descumprimento”, permitindo ao legislador dar confonnidade ao instituto. Inoportuno, por
outro lado, por ter perdido a oportunidade de “reforçar a chamada eficácia horizontal dos
direitos fundamentais (Dríttwírkung), criando instituto que permitisse ao Supremo Tribunal
Federal, nos casos mais graves e emblemáticos de lesão coletiva, proteger o respeito aos
direitos humanos no domínio das relações privadas”l lg.
Os atos dos particulares, pois, estão excluídos do controle por meio da argüição.
Exceção deve ser feita, porém, aos casos em que atuem investidos de autoridade pública.
Neste sentido, parece perfeitamente possível a aplicação da analogia feita quanto ao
cabimento do mandado de segurançam.
Salvo a necessidade de que o ato ofensor do preceito seja praticado pelo Poder Público,
a lei não faz nenhuma ressalva à espécie de ato impugnável. Assim, havemos de reconhecer
que se enquadram nesta categoria os atos administrativos, normativos ou jurisdicionais. Não
há porque, por outro lado, fazer diferenciação entre atos comissivos ou omissivos ­
prestando-se, destarte, o novo instituto, também, a coibir as famigeradas omissões
inconstitucionais I 2 '.

Quanto às omissões inconstitucionais, a tese aqui advogada, de controle por via da


argüição, já teve uma vitória reconhecida. Trata-se da ADPF n.° 4, ajuizada pelo Partido
Democrático Trabalhista, em que se questiona a violação ao artigo 7.°, IV, da Constituição
Federal, segundo a fixação do salário-mínimo pela MP n.° 2.019/2000. Em juízo de

"° sARMENTo, Daniel, Op. cn., p.92.


'2° Idem, p. 92.
l2I
A princípio poderia parecer estranha a utilização da argüição de descumprimento de preceito fundamental
como instrumento apto a coartar as omissões inconstitucionais. Contudo, enquanto não vem o reconhecimento da
verdadeira função do mandado de injunção por parte da mais alta Corte do país, cabe aos operadores do direito
provocá-la, com o tim de movimentar a dinâmica jurisprudencial, que fará com que se encaixem cada um dos
instrumentos de controle em seu devido lugar no sistema de fiscalização de constitucionalidade.
39

admissibilidade, a ação foi considerada cabível por 6 ministros contra 5122. Ainda que a
questão, quanto ao mérito, seja provavelmente julgada improcedente, está aberto o precedente
para a utilização da medida como remédio a este que é um dos maiores males do
constitucionalismo atual.
Partindo da premissa já exposta - de que não há vinculação necessária entre o caput do
artigo l.° da Lei nf' 9.882/99 e a argüição autônoma ou entre o parágrafo único do mesmo
artigo e a argüição incidental - não podemos admitir a conclusão de que no caso da argüição
incidental, os atos sindicáveis seriam mais restritos, incluindo-se entre estes apenas os
normativos, sejam federais, estaduais ou municipais, incluídos os anteriores à Constituiçãom.
Não há, portanto, que excluir da modalidade incidental da argüição o controle dos atos não
normativos. Até porque nesta modalidade - na qual, segundo propugnamos, a legitimidade
pertence àquele que viu direito subjetivo seu ofendido -, em regra, a ofensa será de índole
material e não normativam.
Deste modo, a ação interventiva deverá restar relegada ao esquecimento. Isso porque,
conforme demonstrado anteriormente, se somente haviam sobrado, como objeto de
impugnação pela ação interventiva, atos não normativos ou omissivosm, desde que ofensivos
aos princípios constitucionais sensíveis, também a argüição de descumprimento de preceito
fundamental (categoria em que, sem dúvida, enquadram-se os dispostos no artigo 34, VII, da
Constituição Federal) poderá impugná-los.
Dentre os atos nonnativos que podem ser objeto da argüição de descumprimento de
preceito fundamental, alguns merecem destaque por constituírem novidade na forma de
controle abstrato.

Em primeiro lugar, o direito pré-constitucional pode ser objeto da argüição. A Lei n.°
9.882/99 vem a superar tradicional jurisprudência do STF no sentido de que seria impossível a
verificação no controle concentrado da compatibilidade entre a Constituição e leis anteriores a
sua promulgação, pelo fato de que estas questões hão de ser superadas segundo os princípios
de direito intertemporal (lex posterior). Com a previsão expressa do parágrafo único do artigo

I22
Posicionaram-se a favor do cabimento da medida os rninistros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco
Aurélio de Mello. llmar Galvão. Carlos Velloso e Néri da Silveira. Em sentido oposto votaram os ministros
Octávio Gallotti. Nelson Jobim. Nlauricio Corrêa, Sydney Sanches e Moreira Alves.
'23 TAVARES, Andre Ramos. .~lI'gI.ÍI'Ç(I0 .... p. 73.
'24 Inclusive, se a ofensa for norrnativa. estará sujeita a argüição a requisitos mais severos de admissibilidade
(especialmente no que diz com o principio da subsidiariedade), conforme já exposto acima.
'25 Cf. Parte I, 2. 2.2.
40

1.°, agora pode o Supremo Tribunal Federal pronunciar-se a respeito destas situações,
oolmatando importante lacuna do sistema constitucional brasileiro. Restará, desta maneira,
reduzida a importância prática da discussão acerca da natureza do conflito entre nonna pré­
constitucional e Constituiçãolzó.
Outro ponto importante e a possibilidade conferida ao STF de realizar o controle
abstrato do direito municipal em face da Constituição Federal. As leis municipais, como é
cediço, não se sujeitavam, antes da edição da lei, ao controle abstrato de conformidade à
Constituição Federal (haja vista a restrição do artigo 102, I, a), mas apenas em face das
Constituições Estaduais (segundo dispõe o artigo 125, § 2.°), bem como ao controle difuso
concreto I 27.

Neste caso, vale ressaltar, “não será necessário que o Supremo Tribunal Federal aprecie
as questões constitucionais relativas ao direito de todos os municípios. Nos casos relevantes,
bastará que decida uma questão-padrão com força vinculante”'28. O efeito vinculante das
decisões proferidas em argüição de descumprimento de preceito fundamental, do qual se
tratará mais adiante, está previsto no artigo 10, § 3.°, da Lei n.° 9.882/99 e tem como uma de
suas conseqüências a extensão da inconstitucionalidade às normas paralelasm.
Merece destaque, igualmente, a permissão legal de que haja declaração de
constitucionalidade do direito estadual e municipal pelo STF. A novidade vem preencher o
espaço deixado pela ação declaratória de constitucionalidade que somente permite este
controle tendo por objeto o direito federal.
No que se refere aos atos com status infralegal, o entendimento prevalente no Supremo
Tribunal Federal sempre foi o de que os atos infralegais (regulamentos ou outras nonnas
secundárias) não estariam sujeitos à fiscalização abstrata de constitucionalidade - exceção
feita aos regulamentos autônomos que, por fazerem as vezes de lei, ainda que de maneira
inconstitucional, não suscitam qualquer questão prévia de legalidade.

mó Parece melhor o entendimento de que estes conflitos hão de ser solucionados à luz do critério hierárquico,
que, por sua importância, deve prevalecer sobre os demais.
'27 Igualmente, agora, as leis do Distrito Federal podem, todas, ser questionadas por esta via processual, quando,
evidentemente, preencherem o requisito de descumprimento de preceito fundamental. Antes, estavam excluídas
do controle as normas de índole municipal.
128
MENDES, Gilmar Ferreira. Argzíiíção de descumprimento de preceito fz.mdamenral: parâmetro de controle e
objeto. in ROTHENBURG, Walter Claudius, TAVARES, André Ramos (organ.) Argziiição de Descumprimento
de Preceito F zmdczmenml: A nálíses à Luz da Lei 11. ” 9. 882/99. São Paulo: Atlas, 2001 p. 142.
129 Cf. Parte Il, Ó.
41

Esta posição está longe de ser imune de críticas. E que, conforme expõe CLEMERSON
MERLIN CLEVE,

o regulamento pode ofender a Constituição, não apenas na hipótese de edição normativa


autônoma, mas também quando o exercente da atribuição regulamentar atue inobservando os
princípios da reserva legal, da supremacia da lei e. mesmo, o da separação dos poderes. É
incompreensível que o maior grupo de normas existente num Estado caracterizado como social
e interventor fique a salvo do contraste vantajoso operado por via de fiscalização abstrata.]30

Neste ponto, em boa hora veio a lei. Ao utilizar expressão de conteúdo semântico tão
amplo, o legislador abriu espaço para a utilização da argüição também nestes casos. Resta,
destarte, inserido no sistema brasileiro o propugnado “processo objetivo de controle da
legitimidade da normativa regulamentar”l3 I.
Ouestiona-se, igualmente, se a regulamentação dada pela Lei n.° 9.882/99, teria dado
azo à possibilidade de controle preventivo de constitucionalidade.
O controle preventivo in abstrato não tem sido admitido pelo Supremo Tribunal
Federal, nem mesmo quando referente às emendas constitucionais ofensivas a cláusulas
pétreasm. Apesar de ser defensável, excepcionalmente, a possibilidade do exercício de um
controle preventivo, devido à gravidade de tais medidas, não acreditamos que a
regulamentação trazida a luma venha lançar as bases de um novo entendimento sobre a
jurisprudência do STF.
Cabe, por fim, uma breve referência aos atos ditos políticos. Os atos políticos, enquanto
tais, não podem ser questionados perante o Poder Judiciário, nem mesmo mediante o controle
difuso, em respeito ao princípio da separação dos poderes. Contudo, a compreensão do que
seja ato político tem de ser balizada com as prerrogativas constitucionais daquele que o
pratica. Ou seja, se existem limites e fonnas de atuação constitucionalmente traçadas para a
prática do ato, conceder-lhe a pecha de natureza política não é suficiente para afastar o
controle jurisdicional. Há-se, portanto, de dar razão a DANIEL SARMENTO, quando afirma
que

32 . . . . .
l3O
A F z`scal1`zação...p. 21 l-212. O autor demonstra, ainda, que a mesma posição é defendida por Gilmar Ferreira
l3l . .
Mendes e Hugo de Brito Machado.
Idem, zbzdem.
I O STF admite, por outro lado. a legitimidade da propositura de mandado de segurança por parlamentar que,
exercendo um seu "direito-fi1nçäo". pode exigir a higidez do processo legislativo. Trata-se, aí, contudo, de
processo subjetivo de controle de constitucionalidade.
42

embora concordemos que os atos meramente políticos não se sujeitam ao controle de


constitucionalidade por via da ADPF, a nosso ver, o conceito de ato político tem de ser
interpretado restritivamente, inclusive em razão do princípio da supremacia da Constituição, e
da inafastabilidade do controle jurisdicional. Só é ato político judicialmente insindicável aquele
cuja prática a Constituição deferir, com exclusividade, à discricionariedade do Executivo ou
Legislativo, sem estabelecer parâmetros minimamente objetivos que legitimem seu controle por
viajurisdicional.'33

Destarte, mostra-se descabida a decisão proferida na ADPF n.° 1, em que o Supremo


Tribunal Federal rejeitou a argüição proposta em face do Prefeito do Rio de Janeiro, com o
fim de impugnar o veto imotivado aposto à lei municipal que disciplinava a cobrança do
IPTU. Isso porque, neste caso, a motivação do veto é preceito constitucional relativo ao
processo legislativo.

6. EFEITOS DA DEcrsÃo
Chegamos, enfim, ao ponto relativo aos efeitos da decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal em sede de argüição de descumprimento de preceito fundamental.
Inicialmente, é de se notar que o julgamento da ação exige o quorum mínimo de dois
terços dos Ministros presentes à sessão, a teor do artigo 8.° da Lei 9.882/99.
A decisão proferida no âmbito do controle concentrado faz também coisa julgada. Isso,
porém, não impede que o Supremo Tribunal Federal reveja sua posição a respeito da questão
constitucional, tendo em vista que toda decisão judicial contém, implícita em seu bojo, a
cláusula rebus sic stantíbus. É, portanto, possível, a mudança de orientação, contanto que
existam modificações de compreensão fática ou jurídica acerca da questão.
A decisão, adernais, reveste-se de eficácia erga omnes, conforme estabelece a primeira
parte do § 3.° do artigo 10 da lei. Trata-se de efeito implícito das decisões proferidas pelo
Supremo Tribunal Federal no exercício do controle objetivo de constitucionalidadem. Seria,
destarte, desnecessária a previsão no que se refere à argüição autônoma, de caráter objetivo.

'33 op. cit., p. 99


'34 Conforme Regina Maria Macedo Nery Ferrari. “Caracterizando um verdadeiro exercício do direito de ação, o
julgamento efetuado pelo Supremo Tribunal Federal refere-se à lei em tese, e os efeitos dessa decisão deverão
atingir a todas as lripoteses em que possa haver a sua incidência, vale dizer, a decisão que declara a
inconstitucionalidade em tese e de alcance erga omnes, e reveste-se da autoridade da coisa julgada erga omnes,
obrigando, portanto. não so o Poder Judiciário como todos os demais poderes - Legislativo e Executivo (...)
(Efiíros da Declaraç~ão de Imumrr`ruc1`ona1idade. 4.“ ed. ver. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 172).
43

A importância do dispositivo está relacionada com a extensão, a todos, dos efeitos


proferidos na argüição de descumprimento de preceito fundamental em sua modalidade
incidental. Permitiu, desta forma, ao Supremo Tribunal Federal, quando da ocorrência de
ofensa às normas basilares que dão sustentáculo ao texto constitucional, proferir decisões em
casos concretos, com eficácia não somente inter partes, mas erga omnes, sem a resolução do
Senado Federal que é exigida, para fazer a mesma função, nas decisões prolatadas em sede de
controle difuso (artigo 52, X, da Constituição Federal).
Não somente há previsão da eficácia erga omnes. O legislador foi além. Determinou,
ainda, para estas decisões, a existência de efeito vinculante (artigo 10, §3.°, in fine). Poderia,
contudo, a lei ordinária regular a aplicação do efeito vinculante? Ou seria matéria resen/ada à
Constituição?
Parece-nos o melhor entendimento o de que o efeito vinculante pode, tranqüilamente,
ser criado por meio de lei ordinária. Não se trata de matéria reservada à disciplina
constitucional. Neste ponto, sustentamos a mesma posição de CELSO RIBEIRO BASTOS,
para quem

Estendendo o efeito vinculante à argüição, não se pode sustentar que a lei tenha incidido em
inconstitucionalidade. Tanto o efeito vinculante não repugna ao espírito da Constituição que
nela mesma está contemplado para o caso da ação declaratória de constitucionalidade. Fosse
contrário à Constituição esse tipo de efeito, e certamente não se teria sua existência em
135
nenhuma modalidade de ação.

O simples fato de existir, na Constituição, previsão de efeito vinculante apenas para as


decisões proferidas em sede de ação declaratória de constitucionalidade não significa que
somente a Lei Magna possa tratar do tema. Para complementar, podemos afinnar que esta
previsão legal, longe de contrariar, fortalece o texto constitucional, na medida em que confere
maior eñcácia às decisões proferidas em sua defesa. Ademais, há quem sustente que o efeito
vinculante é implícito às decisões proferidas em todas as formas de “processo constitucional
' ' 7, 3
objetivo 1 °.

'35 A rgüíção de Deseumprimemo de Preceito Fundamental e Legislação Regulamentadora. in ROTHENBURG,


Walter Claudius: TAVARES. André Ramos. (org.) /lrgüíção de Descumprimento de Preceíto Fundamental:
Análises à Lu: da Lei n. 9.882/99, p. 83.
'36 TAVARES, André Ramos. Tratado da Argíiição de Descumprímento de Preceíto Fundamental. São Paulo:
Saraiva, 2001, p. 384.
44

O efeito vinculante é um plus em relação à eficácia erga omnes. Ele lhe confere maior
força. Não existe consenso doutrinário acerca do alcance do efeito vinculante. A tendência,
contudo, parece ser no sentido de outorgar-lhe duas conseqüências fundamentais: a)
possibilitar a utilização do instituto da reclamação, com vistas a fazer-se observada a decisão
proferida pelo Supremo Tribunal Federal; e b) estender a decisão às chamadas normas
paralelas ou de conteúdo semelhante à avaliada na decisãom. Por outro lado, tendo em vista
que o efeito vinculante atinge somente a parte dispositiva, e não os fundamentos
determinantes, da decisão, o STF tem entendido que não exerce restrição sobre a atividade do
Poder Legislativom.
Por fim, resta a análise do artigo ll da Lei n.° 9.882/99, que assim dispõe:

Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato nomiativo. no processo de argüição de


descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de
seus membros. restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a
partir de seu trânsito em julgado ou outro momento que venha a ser fixado.

O dispositivo se encaixa perfeitamente no estágio atual em que se encontra o


constitucionalismo brasileiro. Reproduz, em termos praticamente idênticos, a nomia veiculada
pelo artigo 27 da Lei 9.868/99'39. Ambos os dispositivos têm gerado controvérsias
doutrinárias.

Longe de adotar a teoria da anulabilidade da norma inconstitucionalm, acreditamos que


o dispositivo regularizou a opção pela teoria da nulidade ab ínitío da norma inconstitucional.
Em verdade, as duas orientações são defensáveis, possuindo argumentação sólida, ou seja, o
dogma da nulidade da lei inconstitucional não se afigura obrigatório do ponto de vista lógico­

'37 CLEVE, Clèmerson Merlin. A Fiscalização... p. 307-311.


'38 ADC 1 (RTJ /57.-382;
'39 O artigo 27 da Lei nf* 9.868/99, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de
inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal,
estabelece que: “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de
segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois
terços dos seus membros. restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de
seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.
'40 Dentre aqueles que defendem a anulabilidade da norma inconstitucional, a posição mais bem fundamentada é
a de Regina Maria Macedo Nery Ferrari (op. cít.), que sustenta, com esteio nos ensinamentos de Hans Kelsen e
de Pontes de Miranda. que a decisão de inconstitucionalidade proferida no controle objetivo possui eficácia
constitutiva (e não declaratória). Neste sentido, conferir também fundamentação que já se tornou clássica
defendida pelo Ministro Leitão de Abreu no RE 79.343, em que foi relator (RTJ 82/792).
45

jurídico'4'. Porém, em termos de direito positivo, a Constituição Federal de 1988 parece ter
adotado o postulado da nulidade constitucional como princípio constitucional implícitom.
Portanto, a norma do artigo 11 da Lei n.° 9.882/99, bem como a do artigo 27 da Lei n.°
9.868/99, com bem observa TEORI ALBINO ZAVASCKI “na verdade, reafirma a tese (da
nulidade da lei inconstitucional), pois deixa implícito que os atos praticados com base em lei
inconstitucional são atos nulos e que somente podem ser mantidos em virtude de fatores
extravagantes, ou seja, “por razões de segurança pública ou de excepcional interesse
social°”'43.

Trata-se da possibilidade de flexibilizar o dogma da nulidade da lei inconstitucional,


adequando-o às exigências da vida real. Tem a mesma finalidade da norma inscrita no artigo
282, n. 4, da Constituição de Portugal - e é, declaradamente, inspirada nela. Analisando o
dispositivo, JORGE MIRANDA faz considerações que calham bem neste ponto:

A fixação dos efeitos da inconstitucionalidade destina-se a adequa-los às situações da vida, a


ponderar o seu alcance e a mitigar uma excessiva rigidez que pudesse comportar; destina-se a
evitar que, para fugir a conseqüências demasiado gravosas da declaração. o tribunal
Constitucional viesse a não decidir pela ocorrência de inconstitucionalidade; é uma válvula de
segurança da própria finalidade e da efetividade do sistema de fiscalização.H4

Pensamos, contudo, que a lei ordinária não poderia ter disposto sobre matéria que é, esta
sim, reservada à Constituição. Da mesma maneira, a fixação do quorum de dois terços para a
fixação dos efeitos não encontra supedâneo constitucional. Com efeito, se pudesse o Poder
Legislativo estabelecer ao Poder J udiciário condições para o exercício do seu próprio controle
(dele, Poder Legislativo), poderia simplesmente anulá-lo, ofendendo a cláusula pétrea da
separação dos poderes'45.
O dispositivo, portanto, é inócuo na parte em que pennite ao Supremo Tribunal Federal
a manipulação dos efeitos de sua decisão (em que pese seu caráter didático) e inconstitucional
ao fixar o quorum mínimo de dois terços para esta manipulação.

'4'
I42
MENDES. Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 191.
Idem p. 256.
'43 Eficácia das Se›zre›zç~‹z.s' na Jurisdição Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 49.
'44 Manual de D1`ru1'ro Constitucional. 3.“ ed. Coimbra: Coimbra Ed., 1991, t. II, p. 500.
46

CONCLUSÕES
Ao fim deste ensaio não podemos deixar de admitir termos sido tomados pelo mesmo
sentimento que acometeu BAUDELAIRE, ao terminar seus Petits poèmes en prose, conforme
admitiu em carta a Arsene Houssaye, em que pese no caso dele haver o brilhante poeta se
desmerecido:

Para dizer a verdade, porém, receio que a minha ambição não tenha logrado êxito. Mal
principiei meu trabalho, percebi que não só ficava muito longe do meu misterioso e brilhante
modelo, mas, ainda, que eu fazia alguma coisa (se a isto se pode chamar de coisa)
singularmente diversa, acidente de que outro que não eu decerto se orgulharia, mas que só pode
humilhar um espírito para quem a maior honra do poeta consiste justamente em realizar aquilo
que projetou fazer. 146

Temos consciência de que o resultado obtido foi, em certa medida, quixotesco. Não
podemos, todavia, abrir mão de buscar novas soluções que permitam o pleno desenvolvimento
do controle de constitucionalidade, especialmente dos instrumentos, como é o caso da
argüição de descumprimento de preceito fundamental, que permitem uma tutela mais
adequada ao cidadão, concretizando o princípio do acesso à Justiça, o princípio da efetividade
das normas constitucionais e, em última análise, o princípio da dignidade da pessoa humana,
fundamento da República.
Neste tópico, procuramos sistematizar as conclusões atingidas ao longo da exposição,
com o intuito meramente de facilitar a compreensão do nosso pensamento. Remetemo-nos,
sem embargo, à fundamentação expendida no correr do texto.
1) A Constituição Brasileira, incluída no rol das constituições rígidas, prevê, em seu
bojo, uma gama de instrumentos aptos a extirpar do sistema jurídico as normas inferiores
produzidas em desconformidade com a nonnativa constitucional;
2) Apesar de o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, misto das formas
de fiscalização concentrada e difusa, ser bastante extenso, albergando meios diversos aptos a
coartar, em grande medida, as inconstitucionalidades, restam ainda espaços desregulados, a
exigir o desenvolvimento completo dos instrumentos ainda sub-utilizados;

'45 FISCHER, Octávio Campos. A Manipulação dos Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade e Alguns
Reflexos no D1'¡`L'I.Í() Tri/›z1rario. Tese de Doutoramento: UFPR, 2002, p. 168.
'46 BAUDELAIRE, (`harles. Pequenos poemas em prosa. trad. Aurélio Buarque de Holanda. 4.“ ed., revista. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira. 1980. p. 15.
47

3) A argüição de descumprimento de preceito fundamental foi prevista na Constituição


como remédio da jurisdição constitucional das liberdades individuais, exigindo
desenvolvimento neste sentido, sendo vedado à lei ordinária desviar este objetivo,
transfonnando o instituto em mera ferramenta de “govemabilidade”;
4) Com a regulação dada pela Lei 9.882/99, houve, quanto ao momento do pedido de
tutela, a previsão de duas espécies de argüição: preventiva e repressiva;
5) Quanto à existência ou não de processo incidente, a argüição, na previsão da Lei
9.882/99, pode ser classificada em autônoma, que surge originariamente perante o STF, ou
incidental, que emerge de processo já existente;
6) No que toca à argüição autônoma, a lei restringiu a legitimidade ativa às mesmas
pessoas legitimadas para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade. A previsão do
princípio da subsidiariedade exige que inexista outro meio apto a solver, de forma ampla,
imediata e geral a controvérsia constitucional relevante;
7) Segundo uma interpretação conforme à Constituição, a legitimidade, na espécie da
argüição incidental, somente pode pertencer à parte envolvida em processo judicial no qual se
discuta o descumprimento de preceito fundamental. Já o princípio da subsidiariedade, neste
caso, exige que não exista via judicial ordinária cabível a reparar ou evitar a lesão decorrente
de descumprimento de preceito fundamental. Somente em duas situações este princípio pode
ser afastado: u) quando a situação for de interesse geral, cabendo ao STF discricionariedade
quanto a esta análise e b) quando puder suceder ao autor um prejuízo grave e irreparável pela
utilização de outra medida;
8) O parâmetro de controle da argüição são os preceito fundamentais, que podem incluir
norrnas-regras e normas-princípios. Caberá ao STF dizer quais são estes preceitos magnos do
sistema constitucional, lembrando que, certamente, alguns deles não podem ser afastados,
como os direitos fundamentais e os princípios sensíveis;
9) A argüição de descumprimento de preceito fundamental pode ter diversos objetos,
incluindo atos de natureza material, administrativa, jurisdicional ou nomiativa. Dentre os atos
de natureza normatixa, novidades quanto à possibilidade de controle por via abstrata e
concentrada são: as nomias pré-constitucionais, o direito municipal em face da Constituição
Federal e as normas infralegais (como os regulamentos);
48

10) A decisão proferida em sede de argüição de descumprimento de preceito


fundamental tem eficácia erga omnes e efeito vinculante;
11) A fixação de quorum mínimo para a manipulação dos efeitos da decisão proferida
pelo STF é inconstitucional, por invadir competência reservada à Lei Maior.
49

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53

ANEXO

LEI N” 9.882, DE 3 DE DEZEMBRO DE 1999.


Dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito
fundamental, nos termos do § 1.° do art. 102 da Constituição Federal

o PRESIDENTE DA REPÚBLICA,
Faço saber que o CONGRESSO NACIONAL decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1.° A argüição prevista no § 1° do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante
o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental,
resultante de ato do Poder Público.
Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental:
I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato
normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição;
II - (VETADO)
Art. 2.° Podem propor argüição de descumprimento de preceito fundamental:
I- os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade;
II - (VETADO)
§ 1° Na hipótese do inciso Il, faculta-se ao interessado, mediante representação, solicitar a
propositura de argüição de descumprimento de preceito fundamental ao Procurador-Geral da
República, que, examinando os fundamentos jurídicos do pedido, decidirá do cabimento do
seu ingresso em juízo.
§2.° (VETADO)
Art. 3.° A petição inicial deverá conter:
I- a indicação do preceito fundamental que se considera violado;
II- a indicação do ato questionado;
III - a prova da violação do preceito fundamental;
IV - o pedido, com suas especificações;
V ~ se for o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a
aplicação do preceito fundamental que se considera violado.
Parágrafo único. A petição inicial, acompanhada de instrumento de mandato, se for o caso,
será apresentada em duas vias, devendo conter cópias do ato questionado e dos documentos
necessários para comprovar a impugnação.
Art. 4.° A petição inicial será indeferida liminannente, pelo relator, quando não for o caso de
argüição de descumprimento de preceito fundamental, faltar algum dos requisitos prescritos
nesta Lei ou for inepta.
§ 1.° Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver
qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.
§ 2.° Da decisão de indeferimento da petição inicial caberá agravo, no prazo de cinco dias.
Art. 5.° O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros,
poderá deferir pedido de medida liminar na argüição de descumprimento de preceito
fundamental.
§ 1.° Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso,
poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno.
§ 2.° O relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem
como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo comum de
cinco dias.
54

§ 3.° A liminar poderá consistir na detenninação de que juízes e tribunais suspendam o


andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que
apresente relação com a matéria objeto da argüição de descumprimento de preceito
fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada.
§ 4.° (VETADO)
Art. 6.° Apreciado o pedido de liminar, o relator solicitará as informações às autoridades
responsáveis pela prática, do ato questionado, no prazo de dez dias.
§ 1.° Se entender necessário, poderá o relator ouvir as partes nos processos que ensejaram a
argüição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que
emita parecer sobre a questão, ou ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de
pessoas com experiência e autoridade na matéria.
§ 2.° Poderão ser autorizadas, a critério do relator, sustentação oral e juntada de memoriais,
por requerimento dos interessados no processo.
Art. 7.° Decorrido o prazo das informações, o relator lançará o relatório, com cópia a todos os
ministros, e pedirá dia para julgamento.
Parágrafo único. O Ministério Público, nas argüições que não houver formulado, terá vista do
processo, por cinco dias, após o decurso do prazo para informações.
Art. 8.° A decisão sobre a argüição de descumprimento de preceito fundamental somente será
tomada se presentes na sessão pelo menos dois terços dos Ministros.
§ 1.° (VETADO)
§ 2.° (VETADO)
Art. 9.° (VETADO)
Art. 10. Julgada a ação, far-se-á comunicação às autoridades ou órgãos responsáveis pela
prática dos atos questionados, fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação
do preceito fundamental.
§ l.° O presidente do Tribunal determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o
acórdão posteriormente.
§ 2.° Dentro do prazo de dez dias contado a partir do trânsito em julgado da decisão, sua parte
dispositiva será publicada em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da
União.
§ 3.° A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente os demais órgãos
do Poder Público.
Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição
de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou
de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois
terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha
eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
Art. 12. A decisão que julgar procedente ou improcedente o pedido em argüição de
descumprimento de preceito fundamental é irrecorrível, não podendo ser objeto de ação
rescisória.
Art. 13. Caberá reclamação contra o descumprimento da decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal, na fomia do seu Regimento Intemo.
Art. 14. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 3 de dezembro de 1999: 178° da Independência e l1l° da República.


FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
José Carlos Dias

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