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ESTADO, SOCIEDADE E

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
NO BRASIL:
DESAFIOS E PERSPECTIVAS
PARA O SÉCULO XXI
Eraldo Leme Batista,
Isaura Monica Zanardini
João Carlos da Silva
(Orgs.)

ESTADO, SOCIEDADE E
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
NO BRASIL:
DESAFIOS E PERSPECTIVAS
PARA O SÉCULO XXI

Porto Alegre, 2018


© Dos autores. Todos os direitos reservados - 2018

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Evangraf - (51) 3336.2466
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Valdir Pedde - Feevale (Brasil)
Vera Lucia Maciel Barroso - Faculdade Porto-Alegrense (Brasil)
Virginia Zambrano – Universidade Salerno (Itália)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


E79 Estado, sociedade e educação profissional no Brasil : desafios e
perspectivas para o século XXI / Eraldo Leme Batista, Isaura
Monica Zanardini, João Carlos da Silva (orgs.). – Porto Alegre :
Unioeste : Evangraf, 2018.
323 p. : il.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7727-990-6

1. Ensino profissional - Brasil. 2. Estado. 3. Sociedade.


4. Políticas educacionais. I. Batista, Eraldo Leme. II. Zanardini,
Isaura Monica. III. Silva, João Carlos da.

CDU 377(81)
CDD 370.113

(Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araujo – CRB 10/1507)

Os autores de cada capítulo respondem individualmente e


são totalmente responsáveis pelo respectivo conteúdo publicado.

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio


e para qualquer fim, sem a autorização prévia dos autores.
Obra protegida pela Lei dos Direitos Autorais.
SUMÁRIO

1 A IMPLEMENTAÇÃO DOS
INTEGRADOS NO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO,
CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO PARANÁ
CURSOS TÉCNICOS

Celso João Ferretti...................................................................................17

2 ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS
EDUCACIONAIS NO BRASIL
DAS POLÍTICAS

Roberto Antonio Deitos


João Batista Zanardini
Isaura Monica Souza Zanardini............................................................. 47

3 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS


TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL
Ana Elizabeth Santos Alves
Miriam Cléa Coelho Almeida................................................................ 67

4
A INTRÍNSECA RELAÇÃO ENTRE O ESTADO CAPITALISTA
E AS POLÍTICAS SOCIAIS
Daiane Acco Rossarola Becker
Edaguimar Orquizas Viriato.................................................................. 91

5 A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA


PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENSINO MÉDIO EM
MACAPÁ/AP
Ronaldo Marcos de Lima Araujo
João Paulo da Conceição Alves...........................................................109

6 NOTAS SOBRE A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


1930 A 1940
Eraldo Leme Batista
João Carlos da Silva...............................................................................145
7 A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL MÉDIO NO
INSTITUTO FEDERAL DE SÃO PAULO: IMPLANTAÇÃO DE
POLÍTICA PARA INTEGRAÇÃO OU DESINTEGRAÇÃO?
Cíntia Magno Brazorotto.....................................................................159

8 UMA LEITURA MICRO-HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO


PROFISSIONAL RURAL NO PARANÁ: DA SUA CRIAÇÃO À
LDB DE 1961
José Carlos dos Santos
Márcia Regina Ristow...........................................................................179

9 AS ORIENTAÇÕES DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS


INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO NO
BRASIL: O CASO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
Rosangela Lourenço Garcia
Isaura Monica Souza Zanardini...........................................................199

10 O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DE CLASSE: DESAFIOS E


POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
Marise Ramos.........................................................................................223

11
OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E
TECNOLOGIA: DOS MOTIVOS PARA A SUA CONSTITUIÇÃO
À PRODUÇÃO DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA
Marcos Aurelio Schwede
Domingos Leite Lima Filho................................................................243

12 OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO


DA RELAÇÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E ENSINO
MÉDIO
Janice R.Cardoso Griebeler
Ireni Marilene Zago Figueiredo.........................................................263

13 AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO


TECNOLÓGICA: CONVERGÊNCIA DA POLÍTICA DE
CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO E POLÍTICA DE
EDUCAÇÃO
Zuleide S. Silveira...................................................................................289

6 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
PREFÁCIO

PREFÁCIO

O livro coordenado pelos professores Eraldo Leme Batista,


Isaura Monica Zanardini e João Carlos da Silva, nos artigos que o
compõem, retrata, em termos sociais e históricos, diversos aspectos
do “desmanche neoliberal” da educação no Brasil, principalmente
da educação de nível médio em sua relação com a educação profis-
sional.
Mas não apenas a educação passa por esse “desmanche”. A cri-
se econômica financeira que se revelou aguda a partir de 2008 nos
países desenvolvidos manifestou-se também em países dependentes
como o Brasil, alterando as condições de trabalho e de vida da po-
pulação, trazendo precariedade nos empregos, desregulamentação
de direitos no trabalho, redução dos serviços sociais de saúde e edu-
cação.
De uma sociedade aparentemente sem grandes arestas, de 2014
em diante, explicitou-se a luta de classes no país, estimulada pela cri-
se política e pelos meios de comunicação. A revelação de importan-
tes personagens da política nacional processados por desvios finan-
ceiros do erário público e a crise política não resolvida nas eleições
nacionais de 2014 levaram multidões às ruas. A crise foi mostrada
com grandes ambiguidades pela atuação da poderosa mídia da Rede
Globo e suas repetidoras locais da extensa rede de rádio e TV que
se estruturou por todo o país, a partir da Ditadura civil-militar, além
dos conglomerados do SBT (Sistema Brasileiro de Televisão) e da
Record e seus devotos públicos cativos.
As classes médias, ciosas de suas pequenas conquistas burgue-
sas, vieram para as grandes vias das capitais, aparentemente orga-
ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:
DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
7
PREFÁCIO

nizadas como partidos políticos ou torcidas esportivas, com ban-


deiras do Brasil e camisetas verde-amarelas da Seleção Brasileira de
Futebol. Insufladas por um antipetismo midiático, de que não se
pouparam nem mesmo muitos pobres, beneficiários das políticas
sociais dos governos Lula e Dilma, criou-se o décor do escárnio e do
cinismo nos sistemas legislativo e judiciário. Legitimou-se a ruptura
democrática, a frágil democracia brasileira rompida várias vezes no
país desde o golpe da Proclamação da República.
Francisco de Oliveira aprofunda o sentido da conformidade
com a desigualdade, a discriminação e a violência históricas no Brasil
contra as políticas de elevação de rendimentos e de serviços básicos
para as classes de baixa renda. Compara o país à imagem do ornitor-
rinco, o estranho animal de transição entre outras espécies, de um
país de extrema desigualdade entre ricos e pobres que não teria sido
gerada pelo atraso nos processos de modernização. Oliveira desmi-
tifica a construção teórica polarizada entre um setor “atrasado” e
um setor “moderno” que inspirou a ideia de país subdesenvolvido
que, pela modernização, se desenvolveria econômica e socialmente;
“(...) o processo real mostra uma simbiose e uma organicidade, uma
unidade de contrários, em que o chamado ‘moderno’ cresce e se
alimenta da existência do ‘atrasado’”. 1
Embora tenha superado hoje o conceito de nação subdesen-
volvida, continuam os golpes no sistema político em defesa das ri-
quezas concentradas nas classes rurais e urbanas herdeiras das tradi-
cionais oligarquias. Análises pertinentes sobre o poder da mídia no
desfecho do impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, apoiam-se
na concepção gramsciana de hegemonia.2 Para Gramsci, a domina-
ção de classe não se exerce apenas pelos aparatos coercitivos, mas
também pelo controle ideológico da sociedade para gerar o consen-
so em torno dos interesses das classes que detêm o poder econô-
mico e político. Estabeleceu-se, no Brasil, a dominação consentida

1 Oliveira, F. de Oliveira. A economia brasileira: crítica à razão dualista. 4ª. ed. Petrópolis: Vozes, 1981.
2 Gobbo, B. A. O poder da mídia no Brasil. (Re)editando outras verdades. Rio de Janeiro: Lamparina,
2016.

8 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
PREFÁCIO

em uma sociedade urbana massificada sob a ideologia do mercado


e do consumo.
A mídia sob o controle do poder oligárquico das grandes redes
privadas e comerciais3, teve papel decisivo no ocultamento de fatos
e pessoas incriminadas em algum nível, na exposição prolongada,
repetida, unilateral de outros protagonistas, partidos e lideranças,
que emergiram politicamente no quadro da redemocratização pós-
-ditadura. Uma publicidade enganosa, além de insidiosa e lacunar
sobre todos os envolvidos no grande esquema da corrupção inves-
tigado no âmbito do Lava Jato, reforçou a latente polarização das
classes sociais de uma estrutura de profundas desigualdades econô-
micas e sociais.
O conjunto de textos, sobre vários aspectos do Estado, socie-
dade e educação no Brasil, é exemplar sobre a questão educacional
da população nos cinco séculos de existência conhecida pelo mundo
europeu, a terra brasilis, e na atualidade desta segunda década do sé-
culo XXI. O livro se abre com o artigo de Celso Ferretti, que expõe
a questão mais contundente da relação entre o ensino médio e a
educação profissional segundo a prescrição legal para os Institutos
Federais (IFs), cuja ênfase “é o desenvolvimento e a competitivida-
de econômica e sobre as contribuições da instituição para tal fim, a
partir dos arranjos produtivos locais, tendo em vista a formação do
‘novo trabalhador’ demandado pela reestruturação das empresas”.
(p. 12.)

3 Alguns dados ajudam a entender o poder hegemônico das elites no uso da mídia neste e em outros
episódios da política nacional. A Rede Globo, a segunda maior rede de TV aberta e comercial do
mundo, tem 124 emissoras próprias ou afiliadas, além de transmissão no exterior e de outros ser-
viços do conglomerado Globo; cobre 5.490 municípios do país e alcança 200 milhões de pessoas
no Brasil e no exterior; a concessão pelo governo federal é de 1957, apoiou o golpe civil-militar de
1964 e começou a funcionar em abril de 1965; a TV Record, fundada em 1953, consolidou-se na
década de 1990 quando foi comprada pelo Bispo Edir Macedo, fundador e líder da Igreja Universal
do Reino de Deus; o SBT (Sistema Brasileira de Telecomunicação), fundada em 1981, tem 114 emis-
soras entre próprias e afiliadas, além de outros sistemas e aplicativos interligados; é o terceiro maior
complexo televisivo da América Latina. https://pt.wikipedia.org/wiki/Sistema_Brasileiro_de_Te-
levis%C3%A3o; https://www.google.com.br/?gws_rd=cr,ssl&ei=WQmvWNz3BsKIwgTJ8YZ-
g#q=historia+da+rede+globo; https://www.google.com.br/?gws_rd=cr,ssl&ei=WQmvWNz-
3BsKIwgTJ8YZg#q=historia+da+record. Acesso em 22-02-2017.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
9
PREFÁCIO

O contexto é da educação pautada pelos empresários. É o


que sinalizam vários documentos legais e, principalmente, o PDE
(Plano Nacional do Desenvolvimento da Educação, articulado ao
Compromisso Todos pela Educação, que representa os interesses
do empresariado. Contraditoriamente, os IFs “devem priorizar” a
formação integrada entre o ensino médio e a educação profissional,
concepção da educação omnilateral e politécnica e a concepção afim
no Brasil, a formação integrada, que remete à crítica da educação
reduzida a ser funcional ao mercado de trabalho.
Sobre a mesma questão, Cíntia Magno Brazorotto estudou “a
distância entre os princípios promulgados nos documentos oficiais,
que orientam a política, e a sua implantação na prática, em especial
no que se refere à efetiva integração da base comum do currículo
(ensino médio) à específica (técnica profissionalizante)” (p. 119), no
Instituto Federal de São Paulo.
No resgate histórico do IDORT (Instituto de Organização
Racional do Trabalho), nas décadas de 1930 e 1940, Eraldo Leme
Batista e João Carlos da Silva identificam a mesma tendência do
atendimento às demandas imediatas do mercado de trabalho e da
dualidade na educação: “A formação de líderes, executivos, profis-
sionais liberais e trabalhadores de alto escalão acontecia nas univer-
sidades nacionais e estrangeiras, enquanto os trabalhadores opera-
cionais eram preparados em cursos de formação rápida e de cunho
praticista (...)” (p. 108).
Dos tempos mais antigos aos tempos atuais, a luta de classes
emerge sob diversos aspectos dos movimentos em defesa da edu-
cação ampliada, geral e específica, para toda a população. Marise
Ramos “alerta para o desafio da luta organizada dos educadores e
para o princípio de que a disputa do currículo não é uma questão
exclusivamente escolar; antes, trata-se de uma disputa pelo projeto
de sociedade travado mais amplamente na luta de classes” (p. 172).
Além das análises que focalizam mais diretamente as expressões
da luta de classes na relação entre o ensino médio e a educação pro-
fissional, outros artigos focalizam a questão do Estado, as políticas

10 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
PREFÁCIO

educacionais e sua implementação. As determinações do mercado


na sociedade, pautadas pelo Estado liberal em sua forma particu-
lar na atualidade, sob a ideologia da doutrina neoliberal, trazem à
luz outros aspectos importantes para a compreensão do desenvol-
vimento capitalista sob a nova organização do trabalho e as novas
tecnologias. Zuleide da Silveira introduz a discussão sobre o Marco
Legal de CT&I [Ciência, Tecnologia & Inovação] no Brasil que “
remete ao aspecto peculiar da relação educação e desenvolvimento:
o papel que a educação deve cumprir coerente com os mecanismos
de internacionalização da economia e da tecnologia” (p. 224).
Também no campo da ciência e da tecnologia, Marcos Aure-
lio Schwede e Domingos Leite Lima Filho, estudando a pesquisa
nos IFs e outras instituições congêneres, chamam a atenção para
a necessidade de compreensão dos interesses envolvidos e grupos
de influência nestas instituições. Dedicam-se também à análise de
como ocorre a pesquisa em um dos UFs “tanto no que se refere à
produção da C&T através da pesquisa, quanto à (im)possibilidade
de acesso aos conhecimentos científicos e tecnológicos pelos traba-
lhadores” (p. 187).
À pergunta histórica “O que fazer?”, o livro parece responder
metaforicamente, como o poeta e escritor Mia Couto: “A verda-
de é como o ninho de cobra. Se conhece não pela vista, mas pela
mordedura”. O que nos diz o aparente, o enganoso sob um véu de
verdade? Um breve exame final da obra evidencia sua contribuição
de conjunto e na palavra dos diversos autores, sobre o espaço con-
traditório da produção da vida sob o sistema capital. Os interesses
privados da acumulação e a ideologização midiática dos processos
sociais, políticos e educacionais a favor das classes hegemônicas,
tornam as pesquisas, debates e ações sobre o tema uma prioridade
e um desafio em defesa da educação na sua verdade mais simples e
mais completa, como formação humana.

Maria Ciavatta
Rio, fev. de 2017

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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PREFÁCIO

12 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
Apresentação

Apresentação

Este livro, em forma de coletânea, intitulado Estado, sociedade


e educação profissional no Brasil: desafios e perspectivas para o século XXII,
é resultado de um processo amplo de reflexão acerca da educação
brasileira na contemporaneidade, articulando rede de pesquisadores,
no sentido de contribuir com os debates sobre a temática. Apresen-
ta resultados de pesquisa focalizando questões teóricas e metodo-
lógicas e empíricas, trazendo ainda aspectos histórico-conceituais
Educação Básica, particularmente do ensino profissional.
Reúne contribuições de pesquisadores de várias regiões do
Brasil, com longa trajetória na área, cujos aspectos levantados nos
capítulos também tem sido objeto de preocupação pelo conjunto
dos professores inseridos nas linhas de pesquisa e área de con-
centração do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uni-
versidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Campus
Cascavel. A presente coletânea está composta com os seguintes
capítulos:
A implementação dos cursos técnicos integrados no Ins-
tituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná,
Celso João Ferretti, discute os elementos que constituíram o pro-
cesso de implementação, no Campus Curitiba do IFECT.
Aspectos socioeconômicos das políticas educacionais no
Brasil, Roberto Antonio Deitos, João Batista Zanardini e Isaura
Monica Souza Zanardini tratam os aspectos econômicos do proces-
so de produção capitalista e os aspectos sociais e o processo de con-
trole estatal da produção das políticas sociais e consequentemente

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
13
Apresentação

a compreensão de que as políticas sociais são constituintes deste


processo.
Educação profissional, divisão do trabalho e os trabalhado-
res na construção civil, Ana Elizabeth Santos Alves e Miriam
Cléa Coelho Almeida trazem algumas questões sobre a história da
educação no Brasil, com o objetivo de mostrar os processos que sub-
sidiaram a consolidação de princípios educacionais, comprometidos
com a lógica de acumulação capitalista numa sociedade de classes.
A intrínseca relação entre o estado capitalista e as políticas
sociais, Daiane A. R. Becker e Edaguimar Orquizas Viriato anali-
sam os princípios pedagógicos referentes à formação discente conti-
dos na legislação voltada ao ensino médio e à educação profissional
técnica de nível médio, pós-LDB 9394/96.
A pedagogia das competências na prática pedagógica de
professores do Ensino Médio em Macapá/AP, Ronaldo Marcos
de Lima Araujo e João Paulo da Conceição Alves abordam a noção
das competências como referência para as práticas pedagógicas de
professores de uma escola de Ensino Médio na cidade de Macapá/
AP, discutindo como a noção das competências é apropriada e expe-
rimentada na prática pedagógica de professores do Ensino Médio, a
partir das falas destes.
Notas sobre a educação profissional no Brasil: 1930 a 1940,
Eraldo Leme Batista e João Carlos da Silva discutem a educação
profissional entre 1930 e 1940 no Brasil, considerando as políticas
públicas para educação profissional no período, levando em conta
as ideias dos industriais via revista do Instituto de Organização Ra-
cional do Trabalho - IDORT.
A educação profissional de nível médio no Instituto Fede-
ral de São Paulo: implantação de política para integração ou
desintegração? Cíntia Magno Brazorotto analisa o início da im-
plantação do Ensino Médio integrado realizado por meio de um
Acordo de Cooperação firmado entre o Instituto Federal de Edu-
cação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) e a Secretaria de
Estado da Educação de São Paulo (SEE-SP), no interior paulista.

14 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
Apresentação

Uma leitura micro-histórica da educação profissional ru-


ral no Paraná: da sua criação à LDB de 1961, José Carlos dos
Santos e Márcia Regina Ristow levantam estudos sobre as formas
de intervenção realizadas na cultura rural, de modo especial para
implantação de modelos tecnológicos de produção cujas iniciativas
utilizara da educação escolar como o meio de implantá-las.
As orientações do liberalismo e dos organismos interna-
cionais para as políticas de educação no Brasil: o caso da edu-
cação profissional, Rosangela Lourenço Garcia e Isaura Monica
Souza Zanardini discutem as políticas educacionais, dentre elas, as
políticas voltadas à Educação Profissional, levando em conta a pre-
ponderância das concepções liberais que tem sustentado a formula-
ção e implantação dessas políticas.
O currículo na perspectiva de classe: desafios e possibili-
dades para a educação profissional, Marise Ramos levanta pos-
sibilidades de se ir além de teorias sobre a escola ou sobre o currí-
culo ao defender a existência de uma proposta pedagógica concreta
centrada nos interesses da classe trabalhadora. Para tanto, recorre
a princípios filosóficos e ético-políticos do materialismo histórico-
-dialético da formação humana, defendendo a Pedagogia Histórico-
-Crítica como uma teoria curricular na perspectiva da classe traba-
lhadora.
Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia:
dos motivos para a sua constituição à produção da ciência e da
tecnologia, Marcos Aurelio Schwede e Domingos Leite Lima Filho
apresentam breve transcurso histórico da REDE FEDERAL, pos-
sibilitando a compreensão da influência dos aspectos econômicos,
políticos, e educacionais sobre estas instituições, analisando o dire-
cionamento da pesquisa no IFSC, tanto no que se refere à produção
da C&T através da pesquisa, quanto à (im)possibilidade de acesso
aos conhecimentos científicos e tecnológicos pelos trabalhadores.
Os diferentes sentidos atribuídos à compreensão da rela-
ção da educação profissional e ensino médio, Janice Cardoso
Griebeler e Ireni Marilene Zago Figueiredo consideram a utilização

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
15
Apresentação

dos termos educação profissional e ensino médio como sinôni-


mos, podendo confundir o entendimento ou aquilo que queremos
expressar, quando empregados para entender a relação entre a Edu-
cação Profissional e o Ensino Médio na década de 1990.
Ainda sobre a concepção de educação tecnológica: con-
vergência da política de ciência, tecnologia e inovação e polí-
tica de educação, Zuleide S. Silveira evidencia a convergência das
políticas de ciência, tecnologia e inovação e de educação, apontando
para seus limites e desafios. Analisa o desenvolvimento do Progra-
ma Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino
Médio do CNPq (PIBIC-EM/CNPq) por meio de resultados da
pesquisa em torno da oferta de bolsas de iniciação científica, no
Brasil, particularmente no Estado do Rio de Janeiro.

Organizadores

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
1
IMPLEMENTAÇÃO DOS CURSOS TÉCNICOS INTEGRADOS NO INST. FED. DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

A IMPLEMENTAÇÃO DOS CURSOS


TÉCNICOS INTEGRADOS NO INSTITUTO
FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E
TECNOLOGIA DO PARANÁ

Celso João Ferretti

O objetivo do texto é o de apresentar e discutir os elementos


que constituíram o processo de implementação, no Campus Curiti-
ba do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, dos cur-
sos técnicos de nível médio integrados ao ensino técnico estipulados
inicialmente pelo Decreto 5.154/2004 e posteriormente incorpora-
dos à LDB 9.394/1996 por meio da Lei 11.741/08.
O exame dos documentos relativos à criação dos Institutos Fe-
derais de Educação, Ciência e Tecnologia (BRASIL/MEC/PDE,
2008) e (PACHECO, s/d), bem como o fato de que estes são pen-
sados no decorrer do segundo governo Lula e no âmbito do Plano
de Desenvolvimento da Educação (PDE), conjunto de programas
desencadeado pelo Estado, mas articulado ao movimento “Com-
promisso Todos pela Educação”, que representa principalmente
os interesses do empresariado, indica que tais instituições, apesar
dos discursos de crítica à formação profissional de natureza instru-
mental e das referências à justiça e mesmo à transformação social
presentes nos referidos documentos, tendem a colocar mais ênfase
sobre o desenvolvimento e a competitividade econômica e sobre as

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
17
IMPLEMENTAÇÃO DOS CURSOS TÉCNICOS INTEGRADOS NO INST. FED. DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

contribuições da instituição para tal fim, a partir dos arranjos pro-


dutivos locais, tendo em vista a formação do “novo trabalhador”
demandado pela reestruturação das empresas.
Paralelamente, e de forma contraditória, referidos documentos
indicam terem os Institutos Federais a responsabilidade de priorizar,
no âmbito da formação técnica, a materialização dos cursos que pro-
movem a integração entre o ensino médio e a educação profissional
de nível técnico, cujo escopo é a formação omnilateral. Contraditó-
ria porque tal formação tem por base a escola unitária e a educação
politécnica, originárias, respectivamente, das reflexões de Gramsci
e Marx sobre a educação e seu papel na formação dos trabalhado-
res, tendo em vista a perspectiva de constituição de sociedades mais
amplas, justas e igualitárias que as de caráter capitalista. Porque, no
âmbito da educação brasileira, tal perspectiva implica uma forma
nova de articulação entre a formação geral e a específica e porque
demanda a atenção a outras medidas que não apenas as de caráter
curricular, referido encargo constitui um desafio para a instituição,
posto que demanda alterações de monta nas perspectivas que, até
então, haviam balizado a oferta de cursos técnicos.
Por outro lado, tal desafio não pode ser enfrentado sem que
seja levada em consideração a identidade histórica das antigas es-
colas técnicas, seja das que deram origem aos CEFETs, seja das
vinculadas às Universidades Federais. Tal identidade se estruturou
centenariamente, constituindo uma cultura institucional reconheci-
da e hegemônica, fundada na formação de técnicos segundo as ne-
cessidades reais ou proclamadas da sociedade brasileira, mas abalada
na última década do século passado e início deste, seja em função
das mudanças no âmbito do trabalho, verificadas desde a década de
1970, seja como resultado das reformas educacionais produzidas
entre nós, tendo em vista tais mudanças.
A questão que se coloca é a da possibilidade de que essa cultura
desempenhe, hoje, papel contraditório frente aos desafios postos
pela perspectiva de desenvolvimento do ensino médio integrado, o
qual não se confunde, nos seus fundamentos, com a superposição

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
IMPLEMENTAÇÃO DOS CURSOS TÉCNICOS INTEGRADOS NO INST. FED. DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

entre a formação geral e a específica que vigora, nas escolas técnicas,


desde que foram constituídas como tal, na década de 1940 do século
XX, pela reforma Capanema.
As opções a serem seguidas não podem ignorar as novas con-
figurações assumidas pelo trabalho na sociedade capitalista da atu-
alidade. Frente a elas, podem simplesmente promover adaptações
pontuais ou mais de fundo para atender as novas demandas, intro-
duzindo, por exemplo, novos conteúdos, em que isso implique rever
a cultura institucional. Mas a proposta de ensino médio integrado à
educação profissional, na perspectiva dos fundamentos do Decreto
5.154/2004 pede muito mais que isso.
A forma como as opções se tornam públicas tem um peso no
processo de manutenção ou alteração do status quo. Nem sempre
elas são manifestadas por coletivos em assembleias ou reuniões, que
é uma forma privilegiada de promover o debate político no sentido
de fazer avançar as discussões. Muitas vezes, principalmente quando
o caminho é incerto ou quando não é possível aglutinar pessoas
em torno de uma posição, decisões são tomadas ou tentadas no
plano individual, em situações cotidianas, tendo em vista encontrar
respostas para dúvidas ou questionamentos pessoais e/ou profis-
sionais, o que tipifica um enfoque muito mais restrito em termos de
definições políticas. Ambas as formas tendem a conviver nas insti-
tuições, mas a primeira somente encontra guarida naquelas em que
é cultivado e privilegiado o debate democrático entre alternativas.
As considerações anteriores são um convite à reflexão perma-
nente dos gestores, professores e técnicos de cada IF em todos os
níveis, assim como à interlocução com outros IFs e com outros
fóruns para chegar a arranjos a serem testados, reformulados, me-
lhorados, bem como para tomar decisões em relação à instalação de
cursos, em particular, no que se refere ao objeto da atenção deste
artigo, ou seja, os cursos técnicos integrados. Nesse sentido, o que
definirá os caminhos a seguir será o tipo de compromisso político
e social que cada Instituto estabelecer com o país e especialmente
com os setores populares.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
19
IMPLEMENTAÇÃO DOS CURSOS TÉCNICOS INTEGRADOS NO INST. FED. DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Em outros termos, os IFs serão o que os compõem fizerem


dele, ressaltando que a proposta da integração entre o ensino médio
e a educação profissional técnica traz, em si, elementos contradi-
tórios na medida em que incorpora continuidades e rupturas entre
duas visões governamentais a respeito da Educação Profissional.
Tanto as proposições do governo FHC quanto do governo Lula
parecem assentar-se em um poder transformador da escola que ne-
cessita ser relativizado, pois esse poder é limitado, no curto prazo,
fazendo-se sentir, quando bem-sucedido, mais a médio e longo pra-
zos. Além disso, no caso brasileiro, outras políticas acabam tendo
precedência sobre a educação, como bem atesta o reduzido volume
do PIB nacional destinado historicamente à educação.
O estudo da implementação dos cursos técnicos integrados no
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná, no
Campus Curitiba, teve por objetivo não apenas de contribuir para as
discussões que têm sido travadas a respeito, mas, também, para as
reflexões acima sugeridas, uma vez que a efetivação de uma política
como a do desenvolvimento dos referidos cursos não depende ape-
nas de sua fundamentação teórico-epistemológica e filosófica ou de
uma legislação que lhe confira legitimidade social, mas, sim, de um
conjunto variado de circunstâncias de caráter político, social, eco-
nômico, cultural, assim como do posicionamento, em relação a ela,
das instituições encarregadas de sua materialização, na medida em
que tal efetivação implica, efetivamente, interferências, planejadas
ou não, nas práticas institucionais, na concepção de educação e de
currículo, de trabalho docente, de produção de material didático, da
atuação dos discentes, de infraestrutura e de organização adminis-
trativa, as quais encontram, na identidade e na cultura das escolas,
elementos que reforçam ou se contrapõem às demandas da política,
por meio de adesões, críticas, proposições e, também, omissões.
Investigações que vêm sendo realizadas a respeito da implemen-
tação do Decreto 5.154/04, como destacado por Ferretti (2011),
evidenciam, não só as limitações na compreensão do que está sendo
entendido por “ensino técnico integrado”, como, também, as difi-

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culdades de diversa ordem encontradas pelas instituições para via-


bilizá-lo, inclusive porque as Diretrizes Curriculares Nacionais que
deveriam orientar o ensino técnico de nível médio, apesar de atuali-
zadas recentemente (2012), conservam vários traços do hibridismo
que procurou conciliar, desde a promulgação do referido decreto, as
proposições dele constantes com a da formação por competência.
O estudo da implementação de reformas em educação pode
servir a vários objetivos. Pode-se realizar a investigação com a fi-
nalidade de verificar se a implementação se deu de acordo com o
proposto, tendo em vista corrigir eventuais distorções observadas
no sentido de otimizar processos e produtos. Trata-se, neste caso,
de estudos de avaliação de impacto, desenvolvidos por instituições
como as Secretarias de Educação estaduais em relação a políticas
propostas para a área. Podem-se fazer estudos meramente com a fi-
nalidade de descrever o processo de implementação, tendo em vista
aprimorar procedimentos técnicos considerando a possibilidade de
implementação de outras reformas e/ou políticas.
Mas também é possível e desejável promover estudos no sen-
tido de entender o porquê do constatado e descrito. Ou seja, de
tentar explicitar e discutir o caminho trilhado por instituições quan-
do se defrontam com o desafio de implementar ações e práticas
não necessariamente pensadas e idealizadas por elas, mas as quais
são obrigadas a materializar por força da sua condição institucional.
Nessa perspectiva, tentou-se evitar a dicotomização, muito comum
em estudos das práticas de instituições educativas, conforme Lopes
(2006), entre as interpretações que se guiam por visões macro sobre
o cotidiano escolar, relegando a segundo plano as peculiaridades
institucionais e outras que, desconsiderando ou minimizando as
determinações sociais, políticas, culturais e econômicas da escola,
privilegiam apenas o olhar micro, centrado nas práticas em si mes-
mas. Masson e Mainardes (2013a) vão mais além, criticando tal leitu-
ra. Orientando-se pela perspectiva marxista no exame das políticas
educacionais, esses autores consideram que referida visão mantém
de certa forma a dicotomia na medida em que elide as relações dialé-

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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ticas entre totalidade e particularidade, relações que, a seu ver, de-


vem ser privilegiadas se se pretende o olhar mais agudo e crítico
sobre a realidade examinada.
O presente estudo tentou, por esse motivo, amparar-se na pers-
pectiva de que a relação entre o singular, o particular e a totalidade é
dialética, ou seja, determinam-se mutuamente, não cabendo, portan-
to, a dicotomização acima apontada. Para realizá-lo, buscou-se pro-
duzir uma investigação tão completa quanto possível da instituição
e da implementação do ensino técnico integrado ao ensino médio,
de acordo com o Decreto 5.154/04, nos limites impostos pelos re-
cursos e tempo disponíveis, situação que tornou o exame menos
completo do que se pretendia a princípio.
Trata-se, portanto, de um estudo de caso institucional, com as
características de “estudo instrumental” que lhe atribui Stake (1999),
mas que, ao mesmo tempo, congrega algumas características dos
estudos que esse autor denomina de “intrínsecos”. Este último en-
foque do estudo de caso é caracterizado pelo autor como sendo
aquele que interessa ao pesquisador em função de particularidades
e especificidades que distingue um determinado caso dos demais.
Não interessam, portanto, suas semelhanças com outros casos, ten-
do em vista uma situação que lhes seja comum como, por exemplo,
problemas de violência escolar ou uma determinada concepção de
educação. Já o enfoque “instrumental” caracteriza-se pelo fato de
que o estudo de um determinado caso, por compartilhar com ou-
tros casos, preocupações que lhes são comuns, reúne condições para
contribuir para a melhor compreensão de um determinado aspecto
dessas preocupações (por exemplo, suas origens, determinações).
O IFPR, do ponto de vista da implementação da integração
entre o ensino técnico e o ensino médio, com base no Decreto
5.154/04, apresenta várias semelhanças com outras instituições do
mesmo tipo. Ao mesmo tempo, distinguem-se de vários deles, da-
das suas peculiaridades, o que, de certa forma, justificaria o enfoque
“intrínseco” do estudo. Não obstante, a dimensão mais enfatizada
foi a “instrumental”, considerando que os resultados podem ser co-

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tejados com o que vem ocorrendo em outros IFs, assim como com
os processos de implementação da integração entre o ensino técnico
e o ensino médio em escolas públicas de outras redes de ensino que
talvez até se defrontem com mais dificuldades para fazê-lo do que
os IFs, em função da particular atenção do governo federal a essa
ação por parte de tais instituições e, por decorrência, de maior aces-
so aos recursos necessários para realiza-la.
Duas diretrizes orientaram o estudo. A primeira e mais impor-
tante diz respeito à orientação formativa adotada pela escola. Neste
caso, pretendeu-se verificar se a orientação formativa materializada
nos cursos técnicos integrados ao ensino médio é compatível com
a concepção de educação que está na base da proposta de integra-
ção entre o ensino técnico e o ensino médio. Tal concepção é a da
formação politécnica e omnilateral, tendo por base as propostas de
Marx e Gramsci para a formação escolar que se proponha a relação
entre trabalho e educação a qual fornecerá as categorias de análise
pertinentes a esta dimensão da pesquisa. Esta concepção é abordada
por parte de diferentes autores afinados com tal perspectiva educa-
cional tendo em vista a realidade brasileira.
Embora a concepção de integração entre ensino técnico e ensi-
no médio esteja aí claramente definida, esta pode ser mascarada pela
letra da lei ou até mesmo distorcida, dependendo da interpretação
conferida ao conteúdo do Decreto 5.154/04 e da Lei 9.394/96, no
que diz respeito ao ensino técnico integrado ao ensino médio, assim
como das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino do Ensino
Médio e das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Pro-
fissional Técnica de nível médio, as primeiras aprovadas em 2011
e as segundas, em 2012, fazendo-se a ressalva de que estas últimas
apresentam distorções em relação às primeiras.
A segunda perspectiva diz respeito ao âmbito em que se desen-
volveu a pesquisa, ou seja, a escola, sempre recordando seu não iso-
lamento do contexto maior em que se situa. Tal perspectiva refere-se
ao pressuposto de que a escola não é mera executora do que dela pre-
tendem os formuladores de política, por ser um organismo vivo. En-

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tende-se que, como coletivo, ou pela ação de professores ou grupos


de professores, a escola pode realizar escolhas entre alternativas de
formação ainda que as possibilidades, nesse sentido, sejam, na maior
parte dos casos, muito limitadas. Tais escolhas, no nosso entender,
dependem das apropriações que a escola realiza das políticas que lhe são
propostas e das objetivações que delas resultam sob a forma de práticas
gestionárias e pedagógicas. Por apropriação entende-se, com base em
Luckács (2012), a incorporação consciente, pelos sujeitos individuais,
considerados como constituintes do ser social, de conhecimentos, va-
lores, proposições, produzidas historicamente (inclusive contempo-
raneamente) tendo em vista a proposição de fins a que se propõe
no plano da consciência. A objetivação diz respeito à realização efetiva
desse “por teleológico” por meio da consideração e das ações sobre
as condições objetivas que viabilizam ou obstruem tal realização, de
modo que ela possa se tornar realmente efetiva, processo por meio do
qual se produzem, de um lado, novos conhecimentos, inclusive por
meio da modificação dos já existentes, os quais contribuem para a re-
produção social e, de outro, para a transformação do próprio sujeito.
Pode-se esperar, segundo tal perspectiva, que propostas de mu-
danças que chegam às instituições escolares produzam movimentos
antagônicos, de apoio ou de resistência, a partir de valores diver-
gentes, de concepções político-ideológicas distintas e grupos de in-
teresse díspares, ou de disputas de caráter epistemológico. Eviden-
temente, também é preciso atentar para o fato de que nem tudo na
dinâmica escolar diz respeito a conflitos, havendo espaços consen-
suais. Esses elementos de consenso e diversidade se explicam, em
parte, pelo fato de que, como organização e instituição social, cada
escola se constitui historicamente dando margem a uma forma pró-
pria de ser que não é externa ao contexto político, econômico, social
e cultural em que está inserida e que, por isso mesmo, não é estática,
mas que muda lentamente pela incorporação, ora passiva, ora crítica,
das proposições de política que lhe são feitas.
Cabe considerar, ainda, segundo Heller (1977, 1985), que nas
sociedades em geral e, em particular, nas capitalistas, em função

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das características desse modo de produção e da sociabilidade que


dele resulta, ocorre no cotidiano dos sujeitos sociais um processo
de diferenciação/articulação entre sua vida particular e a totalidade
social da qual ela é parte, que dificulta e/ou impede a tais sujeitos a
apreensão e compreensão das relações entre essas duas instâncias,
na medida em que tal sociabilidade tende a priorizar a primeira em
detrimento da segunda, reforçando a muda relação entre ser parti-
cular e ser genérico.
Este processo não se dá, todavia, de forma homogênea na so-
ciedade dividida, posto que o pertencimento a uma determinada
classe, ou condição social, implica apreensão e compreensão dife-
renciada, em extensão e qualidade, das relações antes referidas. To-
davia, dadas as contradições desse mesmo modo de produção, ele
traz em si, em latência, a possibilidade de superação, menos ou mais
intensa, menos ou mais duradoura, da não integração entre a parti-
cularidade e a totalidade.
A educação de caráter amplo e geral, bem como os processos
de socialização a que são submetidos os sujeitos sociais, lhes permi-
te, em função de sua condição e lugar na vida social e de sua partici-
pação menos ou mais compromissada com a promoção do genérico
humano, ou seja, com as dimensões amplas e profundas do gênero
humano, desenvolver menos ou mais a integração entre o particular
e o genérico humano favorecendo a constituição da unidade entre
particularidade e genericidade. O acesso ao conhecimento, embora,
não seja o único elemento a afetar a produção da integração men-
cionada, rompendo a muda relação entre particularidade e generici-
dade é, contudo, um elemento crucial nesse processo.
Por essa razão, a apropriação do conhecimento historicamen-
te acumulado é crucial, desde que concebido como apreensão dos
elementos constitutivos de totalidades sociais, entendidas como
determinações múltiplas, em contínuo movimento, e não como a
mera aquisição de informações, ou o mero desenvolvimento de ha-
bilidades específicas, ou ainda, a mera articulação entre ambas para
finalidades funcionais e pragmáticas, próprias da particularidade. A

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apropriação pode ser, assim, um processo superficial ou rico em


qualidade.
Todavia, as relações entre particularidade e genericidade depen-
dem não apenas das apropriações que os sujeitos sociais realizam,
mas das objetivações que produzem a partir delas. Tais objetivações
são a expressão das subjetividades de sujeitos sociais individuais e
coletivos, decorrentes das apropriações que realizam do mundo em
que vivem, tomando a forma de práticas sociais pelas quais os ho-
mens produzem e reproduzem sua vida particular, assim como a
vida na sociedade. As aulas que os professores ministram, as pro-
duções dos alunos, o envolvimento em ações de caráter político e
social, um filme, uma música, são todas objetivações humanas resul-
tantes das relações que os homens mantêm com a natureza e entre si
as quais podem, segundo sua natureza, conduzir à integração entre
o ser particular e o ser genérico, ou à sua negação.
À escola, como instituição a que se atribui socialmente a forma-
ção sistematizada dos alunos, caberia contribuir para que os sujeitos
sociais estabelecessem relações mais ricas e reflexivas entre particu-
laridade e genericidade. Todavia, exatamente por ser uma instituição
social, tem seus objetivos, estrutura e práticas pedagógicas definidas
não apenas a partir de si, mas das expectativas de setores sociais que,
num dado momento e contexto, dispõem de poder e hegemonia
para tal. Tal poder e hegemonia podem priorizar não a formação
que favoreça a integração acima referida, mas outra, de caráter frag-
mentário e pragmático, ainda que usando argumentos que fazem
supor a primeira opção. A escola pode situar-se, assim, num campo
de contradições. Esta nos parece ser a situação presente na educação
brasileira direcionada ao ensino médio e ao ensino técnico, como
já mostraram várias análises da política educacional da década de
1990 a eles direcionada (FRIGOTTO, 2006a/2006b; KUENZER,
(2006/2005/1997); MACHADO, 2002, etc.).
Esta situação é merecedora de consideração, pois implica levar
em conta que as possibilidades da implementação bem-sucedida da
integração entre ensino técnico e ensino médio na perspectiva ex-

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posta depende não apenas da compreensão e interpretação que dela


fazem os agentes escolares, mas, também, da gestão e das condições
de trabalho disponibilizadas aos docentes e das escolhas ético-mo-
rais que realizam gestores e professores tendo em vista a formação
se sujeitos humanos emancipados e, portanto, na medida do possí-
vel, autônomos em suas decisões.
Em função do exposto, os conceitos de apropriação e objetivação
foram tomados como categorias analíticas em nosso estudo, assim
como as que derivam das concepções teórico-epistemológicas que
fundamentam a proposta de integração entre o ensino técnico e o
ensino médio que tem como referência os autores indicados na nota
3.
Partimos do pressuposto de que o exame do processo de im-
plementação da referida proposta permitiria não apenas registrar e
analisar como ela estaria ocorrendo no IFPR, em decorrência das
apropriações e objetivações que os sujeitos sociais que atuam na escola
(alunos, professores, funcionários, direção) dela fizeram, mas tam-
bém em que direção ocorreria a formação desenvolvida, tendo em
vista os processos de incorporação passiva ou ativa do proposto,
assim como de objeção crítico-reflexiva ou apenas motivada por in-
teresses específicos, daquilo que a reforma curricular pretendia.
O estudo de caso constituiu-se, a nosso ver, na forma adequada
de apreender os diferentes aspectos do processo pelo qual o IFPR
se apropriou do disposto no Decreto 5.154/04 que, como afirmado
anteriormente, abre novas alternativas em relação ao prescrito pelo
Decreto 2.208/97. Tal estudo implicou um mergulho nas propo-
sições e práticas realizadas pela instituição por meio do estudo de
documentos e entrevistas com gestores e professores que nelas es-
tiveram envolvidos.
O confronto entre as proposições e práticas registradas e os
substratos sociais, políticos, econômicos e culturais, que as orien-
tam, permitiria, no nosso entender, analisar os dados em suas várias
facetas e mediações, tendo em vista compreendê-los a partir de suas
múltiplas determinações. Como se sabe, tal articulação entre a par-

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ticularidade escolar e a totalidade histórica e social (na qual a escola


se constrói) é indispensável para a ampliação do conhecimento para
além dos muros do “caso estudado”, com vistas ao desvelamento
dos caminhos historicamente possíveis para a construção de um sis-
tema escolar mais democrático e inclusivo.
O objetivo da pesquisa - investigar os desdobramentos da im-
plementação do ensino técnico integrado ao ensino médio na dinâ-
mica e no ethos institucional do IFPR, bem como na formação dos
alunos que frequentam os cursos que se orientam por essa forma
de integração – orientou a escolha dos dois procedimentos básicos
adotados, a saber, a coleta de documentos institucionais e a realiza-
ção de entrevistas.
A seleção e coleta dos documentos institucionais foram realiza-
das a partir da consulta ao portal digital do IFPR e das indicações
feitas pelo Diretor de Ensino do Campus Curitiba. Tivemos em
vista aqueles que permitissem, não apenas entender o IFPR como
parte de uma rede mais ampla de Institutos Federais, como também
compreender sua estruturação e perspectiva pela qual a instituição
como um todo e a Pró-Reitoria de Ensino, em especial, entendeu
a proposta de formação pretendida por meio dos cursos técnicos
integrados ao ensino médio e tomaram medidas no sentido de sua
implementação.
Nessa mesma perspectiva, foram coletados documentos referi-
dos especificamente ao Campus Curitiba, locus privilegiado da pes-
quisa, que permitissem verificar os procedimentos que este adotou
no sentido de viabilizar a “tradução” interna da proposta de integra-
ção entre o ensino técnico e o ensino médio, tomando por base o
Decreto 5.154/04, a Lei 9.394/96, modificada pela Lei 11.741/08,
as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Técnico de Nível
Médio, bem como os fundamentos do referido decreto, buscando
identificar as apropriações realizadas, seus autores e suas motivações,
as orientações e decisões quanto ao currículo e aos procedimen-
tos metodológicos de ensino e de avaliação, buscando verificar se
se apresentavam como objetivações decorrentes daquelas apropriações

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ou de outras, que tivessem origem quer em procedimentos institu-


cionalizados, quer em leituras de grupos ou indivíduos que atuam
na escola. Com tal intenção foram coletados e examinados docu-
mentos que dizem respeito à instituição IFPR e, particularmente ao
Campus Curitiba, referentes ao quinquênio 2009-2013.
As entrevistas semiestruturadas foram realizadas com a equi-
pe da Pró-Reitoria de Ensino do IFPR, com o Diretor de Ensi-
no do Campus Curitiba e com um grupo de dezesseis professores
dos sete cursos técnicos integrados ao ensino médio desenvolvidos
nesse Campus. Tiveram por objetivo colher elementos que permi-
tissem referendar, contrapor ou complementar o material coletado
por meio dos documentos no que diz respeito ao processo de im-
plementação dos referidos cursos e, de modo específico, no que se
refere à transformação da Escola Técnica vinculada à Universidade
Federal do Paraná em Instituto Federal de Educação, Ciência e Tec-
nologia do Paraná.
Cabe esclarecer que consideramos os elementos coletados por
meio desse instrumento como manifestação das representações dos
entrevistados sobre os aspectos da realidade a que se referem, não a
tais aspectos em si mesmos, razão pela qual se procurou, na medida
do possível, cotejá-las com outras informações. Na impossibilidade
de fazê-lo foram tratadas como interpretações.
As observações que se seguem, referenciadas no problema de
pesquisa proposto no projeto apresentado à CAPES, têm por ob-
jetivo discutir os elementos coletados por meio do processo de in-
vestigação com base nos referenciais que constituíram o enfoque
teórico metodológico anteriormente explicitado, as diretrizes que
orientaram o estudo, e a formação educativa o IFPR proporcionou
aos alunos matriculados nos cursos técnicos integrados, tendo em
vista o que a política propõe para o desenvolvimento de tais cursos,
a qual, supostamente, tem por referência o Decreto 5.154/2004 e a
Lei 9.394/1996, modificada pela Lei 11.741/2008. Como é possível
perceber, a própria formulação das diretrizes orientadoras da aná-
lise supôs, desde o início, a possibilidade da existência de dissensos

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e consensos entre o proposto pela política e o implementado pela


instituição, os quais podem resultar de variadas motivações e con-
tradições.
Em função disso, o exame de como o processo de implemen-
tação dos cursos técnicos integrados que se desenvolveu na insti-
tuição implicou a discussão conjunta de ambas as diretrizes, pois
é a relação que entre elas se estabelece, o que permite entender a
natureza do referido processo. Partiu-se, por isso, da premissa de
que a implementação da política dependeria, de um lado, do conhe-
cimento detido pela instituição sobre ela e, de outro, das condições
objetivas existentes para sua implementação, caso a vontade política
da instituição se encaminhasse para tal. Por instituição entendeu-se,
não apenas a cúpula dirigente, mas, principalmente, os responsáveis
diretos pela execução da política, ou seja, gestores, professores e
técnicos, em particular os dois primeiros. Por condições objetivas
entendeu-se não apenas a infraestrutura física, mas as condições de
trabalho dos executores diretos da política acima indicados.
Os primeiros contatos informais com a instituição se deram
com os responsáveis pela Direção Geral e pela Direção de Ensino
do Campus Curitiba, tendo em vista, de um lado, que este se cons-
tituiu no locus da investigação e, de outro, que teria autonomia para
autorizar ou não o estudo. Por meio desses contatos, foram obtidas
as primeiras informações sobre a origem do IFPR em relação à de
outros Institutos Federais (IFs) criados, como ele, em 2008.
Tais informações chamaram a atenção para a necessidade da
investigação mais demorada de tal origem, tratada na apresentação
do histórico da instituição. Tal como outros Institutos Federais, o
do Paraná teve sua origem em uma Escola Técnica vinculada à Uni-
versidade, no caso a Universidade Federal do Paraná. Os elementos
colhidos por meio das entrevistas realizadas com a Pró-Reitoria de
Ensino, com o Diretor de Ensino do Campus Curitiba e com um
antigo professor da Escola Técnica Federal vinculada à UFPR mos-
traram o acerto de tal procedimento, pois como evidenciaram tam-
bém as entrevistas realizadas com os professores, a transição, tida

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por alguns como tranquila e, por outros, como traumática, deixou


marcas que abonaram a segunda percepção, mais do que a primeira.
Uma dessas marcas, que afetou o Instituto Federal de Educa-
ção, Ciência e Tecnologia do Paraná como um todo, no início, mas
mais diretamente o Campus Curitiba, refere-se à existência, anterior
à criação do IFPR, de dissensos entre os professores da escola sobre
a conveniência ou não de se transferirem para o Instituto a ser cria-
do, posto que para alguns. A permanência na Universidade, ainda
que na condição existente (a de Departamento desta) seria mais de-
sejável e menos incerta do que a transferência para uma instituição
cuja criação estava ainda em estudos, além de significar a reafirma-
ção do histórico de instituição conceituada que a escola ostentava.
Para outros, que tinham a criação dos Institutos Federais como
certa, pois um dos professores da escola vinha participando dos
trâmites junto ao MEC tendo em vista tal propósito, tal transferên-
cia representaria a oportunidade de uma autonomia maior do que a
usufruída na Universidade, além de possibilitar carreiras profissio-
nais mais promissoras do que a oferecida pela escola. Tal dissenso
dividiu a escola também por outra razão que tem, a nosso ver, a
mesma origem: a cessão obrigatória, segundo a legislação que criou
os Institutos Federais, do patrimônio físico de cada escola, ou me-
lhor, da construção que as abrigava, aos Institutos Federais que as
incorporassem.
Segundo as manifestações recolhidas, tal situação gerou dispu-
tas pela posse do prédio que abrigava a escola as quais foram resol-
vidas por meio de acordos feitos entre a Universidade e o primeiro
reitor do IFPR (também professor da escola, até aquela época) pela
manutenção do referido prédio como patrimônio da Universidade,
mas com usufruto partilhado pelos professores que permaneceram
nesta e pelos que haviam se disposto a transferir-se para o IFPR,
gerando mal-estar entre eles. Como evidenciado no estudo, tal cir-
cunstância gerou avaliações negativas, desenvolvidas pelo conjunto
dos entrevistados, relativas não apenas à disponibilidade de espaço
físico adequado para o desenvolvimento das atividades educativas,

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especialmente no Campus Curitiba, mas, também ao fato da deso-


cupação de um espaço e ocupação de outros ter se dado de forma
apressada e pouco planejada, questão que permanece em aberto ain-
da hoje.
A segunda marca que tal situação deixou no IFPR não remete
apenas a este, mas aos Institutos Federais em geral. Diz respeito à
transformação acelerada das antigas escolas técnicas e CEFETs em
Institutos Federais em curto espaço de tempo e com modificações
acentuadas em relação à sua institucionalidade, como evidencia, por
exemplo, Ortigara (2012). As reiteradas menções críticas que os pro-
fessores fazem a ambas as situações e à forma como os dirigentes
do Campus se houveram com elas sugerem que aparentemente con-
tribuem, também negativamente, sobre como se processam as apro-
priações que estes fazem do processo de implementação dos cursos
técnicos integrados no mencionado Campus.
Cabe discutir, nesse sentido, quais as relações entre esse con-
texto e a concepção de formação contida na proposta de integração
entre o ensino médio e a educação profissional técnica que subsidia,
no plano teórico-filosófico, o Decreto 5.154/2004. Este aspecto foi
abordado no estudo quer por meio da análise dos documentos ins-
titucionais, quer por intermédio das entrevistas.
No caso dos documentos institucionais, buscou-se inferir pri-
meiramente em que consistiu o conteúdo destes a partir da com-
preensão de que tal conteúdo constitui uma forma de objetivação das
apropriações que a instituição fez da proposta educacional expressa
nos documentos que instituíram os Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia.
Tal movimento se deveu à compreensão de que a objetivação
realizada pela instituição se destinou a divulgar suas apropriações da
proposta educacional entre os servidores da instituição, em parti-
cular dirigentes e professores, de modo a orientar, por sua vez, as
apropriações destes a respeito da mesma proposta, com o objetivo de
que as objetivassem, seja nas práticas de gestão, seja nas de docência,
pesquisa e extensão.

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O resultado desse processo evidenciou a existência, nos docu-


mentos de caráter mais geral produzidos no âmbito da Reitoria do
IFPR, de posições dúbias relativamente às linhas teórico-filosóficas
a serem observadas no que tange à configuração e ao desenvolvi-
mento dos cursos técnicos integrados. Tais dubiedades se manifes-
taram sob a forma de hibridização entre proposições relativas ao
desenvolvimento de competências (na perspectiva vigente sob o
Decreto 2.208/1997) e aquelas que remetem, de alguma forma, a
formulações afinadas com o Decreto 5.154/2004.
É compreensível que documentos institucionais de natureza
ampla não desçam a detalhes, mas o caráter absolutamente gené-
rico das formulações contidas nos que foram examinados permite
interpretações diversas e mesmo antagônicas do que é proposto,
não configurando, portanto, orientação segura e bem fundamentada
sobre os rumos a imprimir ao trabalho pedagógico.
As entrevistas com os responsáveis pela Pró-Reitoria de Ensino
e com o Diretor de Ensino do Campus Curitiba orientaram-se pelo
mesmo objetivo de verificar as apropriações que tais instâncias fizeram
da proposta educacional expressa nos documentos antes referidos e
também pela coleta de informações relativas à viabilização das apro-
priações realizadas por dirigentes de campi e professores.
As conduzidas com os professores, por seu turno, tiveram por
objetivo verificar que apropriações realizaram da proposta educacional
expressa nos mesmos documentos, assim como daqueles que foram
produzidos pela própria instituição. Por outro lado, supondo que os
professores pudessem ter-se apropriado, por meio de outras fontes,
de informações sobre os fundamentos da proposta educacional relati-
va à integração entre o ensino médio e a educação profissional técnica
de nível médio de que o Decreto é manifestação, buscou-se investi-
gar também que apropriações realizaram dos conteúdos dessas fontes.
Além disso, por intermédio de tais entrevistas, buscou-se verificar que
objetivações realizaram a partir do conjunto de apropriações feitas.
No que respeita à entrevista realizada com a Pró-Reitoria de
Ensino, ficou evidente que, no primeiro semestre de 2013, portan-

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to, quatro anos após iniciar suas atividades, a instituição ainda não
tinha plena clareza, seja da proposta educacional a ser desenvolvida
pelos cursos técnicos integrados, seja de como implementá-la, em-
bora houvesse a percepção de que as práticas existentes apontavam,
como afirmado pelos entrevistados, para a discrepância entre o ideal
e o real, sendo o primeiro representado pelo contido nos documen-
tos que criaram os Institutos Federais e pelo proposto no Decreto
5.154/2004, e o segundo, pelas condições objetivas para atuar de
acordo com o esperado a partir do conteúdo de tais documentos.
No que se refere à clareza a respeito dos fundamentos teórico-
-filosóficos da formação politécnica acima referida, foi possível de-
tectar a mesma dubiedade presente nos documentos institucionais
de caráter amplo, referidos anteriormente: ao mesmo tempo em
que foram reiteradas afirmações sobre “o trabalho como princípio
educativo” e a “ciência, a tecnologia e o trabalho como fundamen-
tos para pensar o currículo”, evidenciaram-se posturas relativas à
organização curricular que se circunscreveram à tradicional oferta
de componentes segmentados ou à articulação ocasional e isolada
entre alguns deles em função de afinidades de conteúdo ou de inte-
resse de alguns professores.
Tal dubiedade não surpreende, pois os interlocutores citaram
como principais referências para pensar a formação nos cursos téc-
nicos integrados duas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educa-
ção Profissional Técnica de Nível Médio, a primeira homologada na
década de 1990, que sacramentava a formação por competência, e a
segunda, de 2012, que, propondo-se uma revisão da primeira (reali-
zada em 2005, tendo em vista o Decreto 5.154/2004), é, na verdade,
um documento dúbio a respeito. Essas foram também as fontes
citadas pelo Diretor de Ensino do Campus Curitiba, o qual, em sua
entrevista, demonstrou a existência da pouca familiaridade interna
com a discussão teórica a respeito dos fundamentos da proposta
de integração dos cursos técnicos, tendo, no entanto, clareza dessa
limitação, razão pela qual enfatizou a necessidade de que deveriam
ser mais estudados e debatidos pela instituição.

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Quando os documentos analisados se situaram em um plano


mais específico, tais como o Projeto Político Pedagógico do Cam-
pus Curitiba e os Planos de Curso, verificou-se que a dubiedade e a
hibridização apontadas anteriormente se faziam presentes também
nesse nível mais próximo da prática escolar. Todavia, observou-se
no Projeto Político Pedagógico uma compreensão mais clara dos
fundamentos teórico-filosóficos da formação politécnica e omnila-
teral que o Decreto 5.154/2004 propõe, estabelecendo, além disso,
uma interlocução de caráter político entre tal proposição e as mu-
danças ocorridas no campo do trabalho na sociedade capitalista a
partir da década de 1970. Trata-se, nesse sentido, de um texto mais
completo do que os anteriormente referidos.
No entanto, ao discutir a política de expansão da Educação Pro-
fissional, o texto não teceu qualquer crítica aos cursos que reme-
tem, seja à sua privatização, seja ao caráter instrumental destes. Da
mesma forma ao tratar das práticas avaliativas a serem observadas,
tomando por base um documento institucional elaborado em nível
mais amplo (a Portaria 120/2009), o Projeto Político-Pedagógico
remontou a proposições referenciadas nas políticas curriculares da
década de 1990, incompatíveis com o exposto anteriormente.
Parece ter ocorrido, tanto nos documentos institucionais orien-
tadores referidos anteriormente quanto no conteúdo das entrevistas
com os dirigentes, a existência de um discurso que sugere, de um
lado, a adesão à formação politécnica e omnilateral que fundamenta
o ensino técnico integrado e, de outro, o encaminhamento de pro-
postas de implementação que se distanciam daquela, não necessa-
riamente por negação, mas por uma apropriação dela que se afigura
ainda precária e formal. Deu-se, portanto, nesse nível institucional,
um processo de apropriação muito pouco elaborado da fundamenta-
ção teórico-filosófica dos cursos técnicos integrados.
Embora nos documentos e nas manifestações dos entrevis-
tados tenha sido possível detectar frases ou referências que reme-
tem àquela fundamentação, não há qualquer menção ou elabora-
ção mais aprofundada a respeito do que é entendido, por exemplo,

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como “concepção ontológica do trabalho”, nem a explicitação do


que significa a construção do currículo tendo por base o “trabalho,
a ciência, a cultura e a tecnologia”, para citar apenas algumas das
expressões que foram repetidas várias vezes. Menos ainda verificou-
-se um apanhado mais orgânico, ainda que breve, a respeito de tal
fundamentação ou do que significa, na prática, a incorporação do
“trabalho como princípio educativo”.
É compreensível que tal esteja ocorrendo, dado o fato de que
a criação dos IFs é muito recente e em função, também, de que
a formação apontada pelo Decreto 5.154/2004 implica profundas
revisões internas, em termos de concepções e práticas, que não são
simples, nem rápidas, por parte de uma instituição que tradicional-
mente orientou-se pela perspectiva de formação de seus alunos ten-
do em vista as demandas do mercado de trabalho. Mas, ao mesmo
tempo, e por essa mesma razão, cria-se a necessidade de que esfor-
ços sejam envidados tendo em vista tal revisão, na medida em que
as indefinições suscitam problemas no âmbito das práticas educati-
vas desenvolvidas junto aos alunos dos cursos técnicos integrados,
como ficou claro nos depoimentos dos docentes.
Nas entrevistas realizadas com estes, procurou-se verificar,
também, que apropriações realizaram a respeito dos cursos técnicos
integrados e da sua fundamentação teórico-filosófica. Procurou-se
fazê-lo por meio da identificação das fontes com as quais poderiam
ou deveriam ter contato, dada sua condição funcional, assim como
pela indagação sobre a concepção de ensino técnico integrado que
detinham, fundamentada ou não em leituras.
Os resultados mostraram que, segundo os professores, pelo
menos um quarto dos entrevistados não teve conhecimento nem do
Decreto 5.154/2004 e muito menos de seus fundamentos. Vários
outros indicaram que a instituição não promoveu a discussão teóri-
co-pedagógica de documentos relativos ao ensino técnico integrado
ou que as referências a eles foram de caráter burocrático, entenden-
do-os como parte da legislação existente sobre os cursos técnicos
integrados. Verificou-se que um número restrito de docentes travou

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conhecimento com tais documentos em momentos anteriores de


suas atividades profissionais, alguns deles fazendo menção a autores
que são referência na área acadêmica de estudos sobre as relações
entre trabalho e educação.
Tal situação indica uma postura, no mínimo, pouco comprome-
tida da instituição com o debate a respeito. Curioso é que o Diretor
de Ensino, em sua entrevista, mencionou que sem a compreensão
clara da proposta de formação almejada com a realização dos cur-
sos, nem uma diretiva consistente nessa direção, torna-se difícil con-
cretizá-la de forma satisfatória.
Quando indagados sobre sua concepção de ensino técnico in-
tegrado um número restrito de professores, ofereceu respostas que
apontaram para a indiferenciação entre um curso dessa natureza e
qualquer outro que se proponha a oferecer a formação técnica de
caráter instrumental tendo em vista o mercado de trabalho ou, como
alternativa, cursos superiores. Um número mais significativo estabe-
leceu essa diferenciação indicando que, além da formação de caráter
técnico, um curso dessa natureza deveria visar, também, à “formação
do cidadão”, à “formação como ser humano mais completo”, à “for-
mação que permita entender o trabalho como uma forma de interagir
com o mundo”, à “formação humana, filosófica, política”.
A menção em número significativo a tais expressões poderia
ser interpretada como contraditória com o indicado no parágrafo
anterior, posto que elas se encontram disseminadas, por exemplo,
nos textos oficiais que se reportam à instituição dos Institutos Fede-
rais de Educação, Ciência e Tecnologia publicados pelo MEC. Mas
é conveniente ser cauteloso a respeito, pois tais documentos podem
ter sido apenas parte do lote de referências legal-burocráticas antes
mencionadas, sem implicar, necessariamente, o exame mais cuida-
doso e reflexivo sobre os significados das referidas expressões no
contexto de sua utilização pelos documentos do MEC ou de sua
implementação pelos Institutos Federais.
Além disso, a ênfase na formação cidadã refere-se à esfera da
emancipação política que, embora importante e contributiva para

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a emancipação humana, se situa num patamar inferior a ela, pois a


emancipação cidadã refere-se aos direitos e deveres no âmbito de
uma dada sociedade sem, no entanto, questioná-la nos seus funda-
mentos. (TONET, 2005 apud MASSON, 2013b)
O questionamento sobre os significados de tais expressões jun-
to aos que as mencionaram forneceu respostas que sugerem, a não
ser em dois ou três casos, leituras que se distanciam bastante do que,
nos textos de fundamentação, se entende por formação integral.
Revelou-se, assim, por parte de vários dos professores entrevista-
dos, talvez com uma exceção, ou a ausência de referências que lhes
permitissem a apropriação da concepção de formação politécnica e
omnilateral que dá sustentação teórico-filosófica aos cursos técnicos
integrados, ou uma apropriação muito superficial, não apenas da con-
cepção em sua riqueza e complexidade, mas até de visões segmenta-
das dela derivadas, tais como a da promoção da interdisciplinaridade
entendida na sua dimensão estritamente pedagógica, mesmo quan-
do esta é estimulada através do denominado Projeto Integrador.
Relativamente a este aspecto, os professores entrevistados ten-
deram a interpretar a integração como a justaposição de campos dis-
ciplinares com o objetivo de abordar temas escolhidos. Tal enfoque
aproxima-se da concepção meramente técnico-pedagógica de inter-
disciplinaridade que marcou a forma pela qual as antigas escolas téc-
nicas promoviam a articulação mais superficial entre disciplinas, seja
das áreas técnicas, seja do âmbito da formação geral, seja entre ambos
os campos. Esta forma de entender a interdisciplinaridade é mais uma
evidência de que a apropriação dos fundamentos teórico-filosóficos dos
cursos técnicos integrados se revelou precária entre os professores
entrevistados. Isso fica muito claro se compararmos essa apropriação
com a explicitação apresentada por Ramos (2005, p. 116) a respeito:
(...) a interdisciplinaridade como método [de investigação e
de estabelecimento de relações entre campos disciplinares] é
a reconstrução da totalidade pela relação entre os conceitos
originados a partir de diferentes recortes da realidade; isto é,
dos diversos campos da ciência representados em disciplinas.

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Isto significa que é inadequado identificar de forma direta a in-


terdisciplinaridade com a formação integral e omnilateral, pois esta
implica, no plano cognitivo, mais do que promover ligações entre
campos do conhecimento, estabelecer relações entre eles de forma
consistente e permanente, visando à finalidade de compreensão da
relação entre o objeto do estudo e a totalidade da qual faz parte.
Pode-se supor, logicamente, que seria com base nas apropria-
ções apresentadas até o momento que os professores entrevistados
montariam seus planos de curso, desenvolveriam suas aulas, aten-
deriam os alunos, enfim, promoveriam as objetivações das apropriações
que realizaram a respeito dos referidos cursos. Os Planos de Curso
constituem uma das objetivações realizadas pelos professores A longa
análise a que foram submetidos permitiu verificar, além da dubieda-
de interna a cada um, a tendência à priorização da formação técnica
de caráter instrumental por meio da qual se restabeleceu a distância
entre o discurso presente nestes e aquele detectado no Projeto Po-
lítico-Pedagógico do campus em que se aponta para perspectivas não
circunscritas à instrumentalização.
No que diz respeito às práticas educativas, que são outra forma
de objetivação que os docentes realizam de suas apropriações a respeito
da educação e, mais particularmente, dos cursos técnicos integra-
dos, houve várias menções a dificuldades encontradas para a realiza-
ção de trabalhos de natureza interdisciplinar, mesmo quando esta é
entendida na sua forma restrita.
Uma das principais dificuldades diz respeito às limitações im-
postas pela estrutura física dos prédios em que funcionou e fun-
ciona o Campus Curitiba, questão já abordada na discussão sobre
o histórico do IFPR. Outra se refere à pouca articulação acadêmi-
ca entre os professores do denominado Núcleo Comum e dos que
desenvolvem as disciplinas da Parte Específica, remontando a uma
questão que não é específica da instituição, mas percorre o ensino
técnico de nível médio de longa data, sendo reforçada pela própria
organização da matriz curricular segmentada que, por sua vez, é re-
flexo desse mesmo distanciamento observado também em pesquisa

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realizada junto a outro Instituto Federal (FERETTI, 2011). Tal falta


de articulação ultrapassou, no IFPR, a dimensão acadêmica e trans-
bordou, às vezes, para a disputa por recursos financeiros necessários
ao desenvolvimento de trabalhos, especialmente quando não eram
de natureza interdisciplinar.
Todavia, como também relatado em entrevistas, o precário ní-
vel de articulação entre componentes curriculares, no âmbito do
desenvolvimento do ensino técnico integrado, ocorreu também in-
ternamente a cada um dos dois grandes grupos de docentes acima
referidos, sugerindo que as dificuldades encontradas não se devem
apenas ao distanciamento entre elas, mas cabem ser endereçadas,
além da organização curricular segmentada, aos cursos de formação
de professores para lecionarem na escola básica.
No que respeita à existência de condições de trabalho que faci-
litassem aos docentes a implementação do ensino técnico integra-
do, vale a pena ressaltar que, entre as consideradas adversas para o
desenvolvimento de trabalhos de natureza integrada por parte dos
professores nas escolas públicas de sistemas estaduais, geralmente
é mencionada a falta de tempo destes para fazê-lo, dado que, por
razões afetas à distribuição de aulas pelas unidades escolares e em
função das limitações salariais, muitos são obrigados a trabalhar em
mais de uma escola ou a exercer outras atividades profissionais.
Este não foi, em tese, o caso do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Paraná, em que a maioria dos entrevista-
dos e, na verdade, a maioria dos docentes, trabalhava em regime de
dedicação exclusiva. Curiosamente, no entanto, esse obstáculo foi
mencionado. Embora isso possa dever-se a afastamentos para fins
de aperfeiçoamento acadêmico profissional, exigido e/ou estimula-
do pela instituição, parece-nos que, no caso dos Institutos Federais,
deveria ser considerada também a hipótese de que a verticalização
possa também ter produzido interferências na implementação do
ensino técnico integrado, pois, em função dela, os docentes não
eram, no geral, professores de um único tipo de curso, devendo
cumprir sua cota de aulas em mais de um, produzindo-se, portan-

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to, dispersão e não integração entre eles. Foram várias as menções


feitas a respeito para justificar a ausência de espaços de encontro e
reflexão.
Os limitados exemplos de atividades interdisciplinares mencio-
nados pelos professores parecem referir-se, na verdade, com pou-
cas exceções, a articulações entre dois ou três deles, por afinidades
acadêmicas mútuas, tendo em vista um aspecto específico comum
dos cursos de que participam. Não houve menções a atividades ins-
titucionalmente planejadas pela gestão do campus com tal finalidade
tendo em vista o desenvolvimento cotidiano dos cursos técnicos
integrados, mesmo na perspectiva limitada anteriormente apontada.
Foi, no entanto, apontada a realização de visitas, uma ou duas vezes
ao ano, ou a participação de professores em projetos de pesquisa e/
ou de extensão, de sua responsabilidade, assim como de alunos, na
condição de bolsistas de iniciação científica, apresentados em Jor-
nadas de Produção Científica promovidas anualmente pelo Campus
Curitiba.
O Diretor de Ensino, em sua entrevista, concordou com os
professores na avaliação de que várias das dificuldades encontra-
das, seja para o desenvolvimento das atividades interdisciplinares,
seja para a implementação efetiva dos cursos técnicos integrados em
suas várias dimensões, deveram-se à precariedade do espaço físico
do campus. Chamou a atenção, no entanto, para outros aspectos,
alguns discutidos anteriormente, tais como a ausência de compre-
ensão clara da proposta e fundamentação de tais cursos, a dificulda-
de do corpo docente relativa à realização de atividades de natureza
interdisciplinar, em função da falta de experiência nesse sentido, a
falta de experiência de parte do corpo docente com alunos da edu-
cação básica, o afastamento de professores com vistas a seu aper-
feiçoamento profissional, reconhecido e até mesmo cobrado pela
instituição e, finalmente, para um tema que foi objeto, também, de
menções de vários professores.
Trata-se da demanda de várias das famílias no sentido de que a
formação oferecida a seus filhos conferisse mais atenção ao preparo

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para a disputa de vagas no ensino superior, embora estivessem ma-


triculados no IFPR, uma instituição que se propõe como finalidade
oferecer formação profissional. Tal situação tendeu a acirrar o dis-
tanciamento entre os professores do Núcleo Comum e os da Parte
Específica da matriz curricular por várias razões, entre elas a hie-
rarquização dos componentes curriculares, a distribuição da carga
horária entre eles, a valorização/desvalorização dos saberes afetos à
formação geral ou profissional.
Mais que isso, produziu internamente à escola incertezas sobre
o rumo a tomar e sobre a identidade institucional, como ficou cla-
ramente exposto em algumas das afirmações dos professores. No
entanto, pareceu escapar, tanto aos dirigentes quanto aos membros
do corpo docente, que o encaminhamento da solução passa exata-
mente pela oferta dos cursos técnicos integrados, na perspectiva de
sua fundamentação teórico-filosófica, tanto do ponto de vista da
formação geral quanto da profissional, posto que, em ambos os ca-
sos, o pretendido é o domínio significativo do conhecimento, e não
apenas a instrumentalização dos alunos para ingressarem no ensino
superior ou no mercado de trabalho.
A esta altura, pode-se concluir que a orientação educativa ado-
tada pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, sobre
a qual se indagou nas páginas iniciais deste artigo, tende a afastar-se,
sob vários aspectos, das proposições teórico-filosóficas e epistemo-
lógicas da formação omnilateral e politécnica que constituem o fun-
damento da integração entre o ensino médio e a educação profissio-
nal. Da mesma forma, tende a afastar-se, pelo menos da perspectiva
posta por esta concepção educacional, da promoção da relação in-
tegrada entre particularidade e genericidade, conforme Heller. Na
direção contrária, aproxima-se da visão instrumental de formação,
tendo em vista as demandas do mercado de trabalho e a adaptação
dos sujeitos sociais à sociabilidade que marca a forma capitalista de
produção e consumo.
Nesse sentido, convém reiterar que a integração entre o Ensino
Médio e a Educação Profissional Técnica tem sentido mais profun-

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do do que a mera justaposição entre disciplinas de formação geral e


específica. Fundamenta-se nos princípios da politecnia, a qual, con-
forme Saviani (2003, p. 140):
(...) diz respeito ao domínio dos fundamentos científicos das
diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho
produtivo moderno. Está relacionada aos fundamentos das
diferentes modalidades de trabalho e tem como base deter-
minados princípios, determinados fundamentos que devem
ser garantidos pela formação politécnica.
Não se trata, portanto, de promover hierarquizações dicotomi-
zadas, mas de propiciar, por meio da contribuição tanto dos saberes
técnicos, quanto daqueles relativos às ciências humanas, a constru-
ção do conhecimento ou a apropriação rica e significativa do conhe-
cimento historicamente produzido. Seu objetivo é permitir a todos
os jovens ter acesso à formação omnilateral proposta por Marx e
Gramsci por meio do ensino médio de caráter unitário e politécnico
e/ou da integração deste ao ensino técnico, quando assim o obriga-
rem as condições econômico-sociais dos desses jovens, oferecendo-
-lhes a oportunidade de desenvolver “a capacidade analítica tanto
dos processos técnicos que engendram o sistema produtivo quanto
das relações sociais que regulam a quem e a quantos se destina a
riqueza produzida” (FRIGOTTO, 2005, p. 74).
Trata-se de formação que tem por horizonte, como se refere
Gramsci, a autonomia intelectual-moral dos jovens que a recebem,
a qual é fundamental não apenas para o exercício de uma dada pro-
fissão, qualquer que seja seu nível, mas para o exercício de ações
políticas e sociais que tenham em vista, de um lado, a apropriação
coletiva dos bens coletivamente produzidos e, de outro, a constru-
ção de sociedades mais justas e igualitárias.
Para que tal ocorra, é necessário o reconhecimento institucional
de que o processo vigente de implementação da Educação Profis-
sional Técnica de Nível Médio sob a forma integrada, na perspectiva
delineada pelo Decreto 5.154/2004 e pela Lei de Diretrizes e Bases

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da Educação Nacional, mostrou ser determinado, no Instituto Fe-


deral de Educação, Ciência Tecnologia de Paraná, por um conjunto
de circunstâncias contraditórias as quais, ao mesmo tempo em que
permitem descortinar perspectivas favoráveis a tal implementação,
apontam para sérios entraves a ela.
Se a estrutura física foi alvo de muitos questionamentos, os
encaminhamentos educacionais, tanto de docentes quanto de di-
rigentes, não o foram menos. Contrariamente ao que se poderia
pensar no plano interno da instituição, a existência da postura
crítica verificada internamente e manifesta em diferentes entre-
vistas, descortina um aspecto positivo do IFPR que, dado o cará-
ter relativamente recente de sua instituição legal, se defronta com
o desafio de instituí-lo como realidade educacional. Como suge-
riram alguns dos depoimentos apresentados, o enfrentamento
desse desafio é da responsabilidade de todos os que constituem
o IFPR.

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
2
ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DAS


POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

Roberto Antonio Deitos


João Batista Zanardini
Isaura Monica Souza Zanardini

Introdução

A problemática que envolve o estudo da política educacional


deve ser compreendida em seus aspectos socioeconômicos, e o seu
controle e implementação deve ser compreendido a partir da dire-
ção dada pelo poder estatal. Os aspectos socioeconômicos e polí-
ticos que engendram a produção das políticas sociais só podem ser
revelados ao compreendermos as mediações que foram produzidas
e desenvolvidas em determinadas circunstâncias históricas.
As mudanças socioeconômicas, políticas e educacionais que
aconteceram no mundo e particularmente no Brasil alteram-se con-
sideravelmente a partir das décadas de 1960/70 (cf. LEHER, 1998;
VIEIRA, 2007; FALEIROS, 1980, 1991) e, portanto, geraram inten-
sas transformações na realidade social e econômica do país nos úl-
timos anos. Especialmente depois dos anos de 1990, esses aspectos
intensificaram-se e produziram intensas e tensas implicações socio-
econômicas, políticas e ideológicas. Os setores produtivos alargaram
suas escalas e mobilidades produtivas, intensificando a produção
agrícola e do agronegócio, alargando setores comerciais e de servi-

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
47
ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

ços, além de alterações no campo da indústria nos diversos ramos de


produção mundial e brasileira (MÉSZÁROS, 2002; FATTORELL,
I; DIEESE, 2011a, 2011b). Houve também expressivo aumento
populacional, principalmente em algumas cidades que funcionam
como eixos metropolitanos regionais, abarcando, portanto, expres-
sivas alterações socioeconômicas e educacionais em todo o país.
Nessa realidade socioeconômica é que foram implementadas,
nos últimos anos, políticas públicas de educação. Desse modo, preten-
dem-se examinar alguns aspectos socioeconômicos que constituem o
processo de definição da política educacional como parte constituinte
e integrante do processo de controle estatal da produção econômica
e da implementação de políticas sociais. Compreendemos a política
educacional como uma parte das políticas sociais, e o seu processo de
implementação corresponde a um processo mais amplo de produção
mediado por aspectos econômicos e políticos que acabam sendo ado-
tados como mecanismos de controle e resposta estatal às necessida-
des humanas de sobrevivência e desenvolvimento social.
Este artigo1 está organizado de modo a tratar os aspectos eco-
nômicos do processo de produção capitalista e os aspectos sociais
e o processo de controle estatal da produção das políticas sociais e
consequentemente a compreensão de que as políticas sociais são
constituintes deste processo.

Aspectos econômicos do processo de produção


capitalista

As condições estruturais e conjunturais do processo econômico


estabelecido pelas relações de propriedade capitalista é que determi-
nam a base em que se assentam as relações de trabalho capitalista e

1 Capítulo de livro constitui parte dos estudos realizados em Pesquisa do GEPPES – Grupo de
Estudos e Pesquisa em Política Educacional e Social da Universidade Estadual do Oeste do Pa-
raná -UNIOESTE, em pesquisa que trata da Política Educacional Brasileira e também constitui
parte de trabalho de pós-doutoramento realizado na UEM – Universidade Estadual do Oeste do
Paraná, Programa de Pós-Graduação em Educação, com apoio da FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA
com o tema Políticas de Educação Profissional no Paraná.

48 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

as determinações socioeconômicas, políticas e ideológicas das polí-


ticas sociais e, consequentemente, das políticas educacionais.
A inter-relação e mediações entre essas determinações constitui
o processo social de produção. Esse processo de produção gera um
quadro socioeconômico em que as relações de trabalho e todas as
suas componentes se inserem e estão entrelaçadas, ou seja, a qualifi-
cação e a profissionalização da força de trabalho é uma componente
do próprio processo de desenvolvimento das forças produtivas, em
que o trabalho é o processo gerador determinante e fundamental
do desenvolvimento técnico, tecnológico e científico-cultural. Desse
modo, o desenvolvimento de instituições sociais e educacionais vol-
tadas prioritariamente para a formação e a educação estão ligadas de
forma dialética e mediadora ao processo de produção social que lhe
exige requisitos que estejam vinculados às exigências demandadas
pelas relações de produção e de trabalho capitalista.
Estas relações, portanto, estabelecem aspectos econômicos de-
terminantes do processo de relações constituintes da força de traba-
lho na sociedade capitalista em que o trabalho aparece e é subordi-
nado aos ditames do capital. Nesse processo, o trabalhador torna-se,
para o capitalista, apenas mais uma mercadoria.
[...] o salário é a quantia em dinheiro que o capitalista paga
por um determinado tempo de trabalho ou pela execução de
determinada tarefa.
Dir-se-ia portanto que o capitalista compra aos operários o
seu trabalho com dinheiro. Esses vendem o seu trabalho por
dinheiro. Mas só na aparência é que isso se passa. Na reali-
dade, o que os operários vendem por dinheiro ao capitalista
é a sua força de trabalho. O capitalista compra essa força de
trabalho pó um dia, uma semana, um mês, etc. E uma vez
comprada, utiliza-a fazendo trabalhar o operário durante o
tempo estipulado. Com essa mesma quantia de dinheiro com
que o capitalista comprou a força de trabalho do operário,
os dois marcos, por exemplo, ele poderia ter comprado duas
libras de açúcar ou uma certa quantidade de qualquer outra

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

mercadoria. Os dois marcos com que ele compraria as duas


libras de açúcar são o preço dessas duas libras de açúcar. Os
dois marcos com que comprou doze horas de utilização da
força de trabalho são o preço dessas doze horas de trabalho.
A força de trabalho é portanto uma mercadoria, tal e qual
como o açúcar. A primeira avalia-se com o relógio, a segunda
com a balança (MARX, 1985, p. 16-17).
É nesse processo amplo de reprodução socioeconômico que o
trabalhador é visto como mercadoria pelos proprietários dos meios
de produção e só pode estabelecer uma relação profundamente de-
sigual e contraditória com eles. Desse modo, o trabalho só pode
aparecer como constituinte do aspecto econômico em que o traba-
lhador se torna a força de trabalho e produz, contraditoriamente,
desumanização do próprio homem como ser social, opondo-se às
suas necessidades humanas, que extrapolam as condições elementa-
res de sobrevivência (MÉSZÁROS, 2006).
Compreendemos as políticas educacionais como constituintes
das políticas sociais produzidas em determinada realidade e, deste
modo, devem ser analisadas em seus aspectos gerais do processo de
produção e de trabalho que são constituintes fundamentais para a
compreensão dos aspectos educacionais.
Para compreendermos o processo social de produção em de-
terminada sociedade, é necessário distinguir elementos constitutivos
desse processo social de produção e o próprio processo de trabalho.
Desse modo, é preciso entender que:
As relações sociais em que os indivíduos produzem, as rela-
ções sociais de produção mudam, transformam-se, quando
se modificam e se desenvolvem os meios materiais de pro-
dução, as forças produtivas. No seu conjunto, as relações de
produção formam aquilo a que se chama as relações sociais,
a sociedade, e em especial uma sociedade com determinado
grau de desenvolvimento histórico, uma sociedade de caráter
distintivo e peculiar. A sociedade antiga, a sociedade feudal,
a sociedade burguesa, são exemplos de conjuntos de reações

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

de produção, em que cada um deles caracteriza ao mesmo


tempo uma etapa específica de desenvolvimento na história
da humanidade.
O capital é também uma relação social de produção. É uma
relação burguesa de produção, uma relação de produção da
sociedade burguesa. Os meios de subsistência, os instrumen-
tos de trabalho, as matérias-primas que constituem o capital
não foram produzidos e acumulados em dadas condições so-
ciais, em determinadas relações sociais? Não são eles utiliza-
dos na futura produção, em determinadas condições sociais,
em determinadas relações sociais? E não é precisamente esse
caráter social determinado que transforma em capital os pro-
dutos destinados à futura produção?
O capital não se compõe apenas de meios de subsistência, de
instrumentos de trabalho e de matérias-primas, não se compõe
apenas de produtos materiais; compõe-se ainda de valores de
troca. Todos os produtos que o constituem são mercadorias.
Deste modo, o capital não é apenas um conjunto de produtos
materiais, mas um conjunto de mercadorias, de valores de tro-
ca, de grandezas sociais (MARX, 1985, p. 28, grifos do autor).
Outra definição e caracterização fundamental sobre o proces-
so social de produção refere-se à compreensão do trabalho em sua
dimensão ontológica e a socialmente definida pela formação social
determinante em uma sociedade particular, no caso aqui a sociedade
capitalista.
A definição do processo de trabalho em sua dimensão ontoló-
gica é assim caracterizada:
O processo de trabalho, como o apresentamos em seus ele-
mentos simples e abstratos, é atividade orientada a um fim
para produzir valores de uso, apropriação do natural para
satisfazer a necessidades humanas, condição universal do
metabolismo entre o homem e a Natureza, condição natural
eterna da vida humana e, portanto, independente de qual-
quer forma dessa vida, sendo antes igualmente comum a to-
das as suas formas sociais. (MARX, 1983, p. 153).

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

Marx define o processo de trabalho caracterizando-o da seguin-


te maneira:
A utilização da força de trabalho é o próprio trabalho. O
comprador da força de trabalho a consome ao fazer traba-
lhar o vendedor dela. O último torna-se, desse modo, actu,2
força de trabalho realmente ativa, o que antes era apenas po-
tentia.3 Para representar seu trabalho em mercadorias, ele tem
de representá-lo, sobretudo, em valores de uso, em coisas
que sirvam para satisfazer a necessidades de alguma espé-
cie. É, portanto, um valor de uso particular, um artigo de-
terminado, que o capitalista faz o trabalhador produzir. A
produção de valores de uso ou bens não muda sua natureza
geral por se realizar para o capitalista e sob seu controle. Por
isso, o processo de trabalho deve ser considerado de início
independentemente de qualquer forma social determinada.
(MARX, 1983, p. 149).
Outra característica fundamental do processo social de produ-
ção e de trabalho é definido por Marx da seguinte maneira:
A grandeza de valor de uma mercadoria permaneceria por-
tanto constante, caso permanecesse também constante o
tempo de trabalho necessário para sua produção. Este muda,
porém, com cada mudança na força produtiva do trabalho.
A força produtiva do trabalho é determinada por meio de
circunstâncias diversas, entre outras pelo grau médio de ha-
bilidade dos trabalhadores, o nível de desenvolvimento da
ciência e sua aplicabilidade tecnológica, a combinação social
do processo de produção, o volume e a eficácia dos meios
de produção e as condições naturais. (MARX, 1983, p. 48).
Esses elementos todos servem de base conceitual para uma
análise da política pública de educação profissional, como parte que
é da política educacional nacional e estadual. Desse modo, a política
educacional para a educação profissional dirigida pela instituição ju-

2 De fato. (N. dos T.). (Nota no original). (MARX, 1983, p. 48).


3 Em potencial. (N. dos T.). (Nota no original). (MARX, 1983, p. 48).

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

rídico-administrativa estatal é uma componente do processo social


de produção e, como tal, constitui-se parte das condições sociais
de produção. Assim compreendido, as condições educacionais e de
profissionalização da força de trabalho paranaense são condições
constitutivas de um processo maior de produção social em que se
insere a sociedade paranaense e brasileira no contexto mundial.

Aspectos sociais e o processo de controle estatal da


produção das políticas sociais

Os requisitos educacionais e as políticas educacionais públicas


para a educação profissional são partes constitutivas das próprias
necessidades e particularidades socioeconômicas humanas e das
condições e características constituintes da força de trabalho na so-
ciedade regida pela força e acumulação do capital. Como são de-
terminadas socialmente pelo processo social de produção e as mu-
danças ocorridas na força produtiva do trabalho, seus ingredientes
sociais e educacionais sofrem as circunstâncias diversas desse pro-
cesso. Desse modo, portanto, a política educacional deve ser exa-
minada considerando-se esses elementos socioeconômicos, do qual
faz parte, em particular, a política pública de educação profissional
como uma componente que é do processo social de produção.
Quais são os aspectos determinantes dos motivos socioeco-
nômicos e políticos e das razões educacionais e teórico-ideológicas
das mediações/relações da esfera de poder estatal federal, estadual e
municipal (cf. BRESSER-PEREIRA, 1996; DEITOS, 2008; BRA-
SIL, MF, MP, 2007; FALEIROS,1991; RIBEIRO, 2010; VIEIRA,
2007; XAVIER e DEITOS, 2006) que, no processo de implementa-
ção da política pública para a educação, definem a concepção, pro-
posições, metas e ações?
Sustentado nesse questionamento investigativo, cabe retomar-
mos e compreendermos as interpretações sobre o Estado e sua di-
mensão diretiva e imprescindível para o processo de reprodução
social e econômica no âmbito das esferas de planejamento e gestão

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

institucional federal e estadual (FALEIROS, 1980; VIEIRA, 2007,


IPEA, 2010, 2011).
As circunstâncias e condições econômicas, políticas e sociais
processadas pela sociedade capitalista e a sua entidade de maior im-
portância organizativa, o Estado, permitem considerarmos que:
O Estado aqui entendido não pode ser compreendido fora
do contexto econômico-social e ideológico como processo
de sua própria constituição contraditória e permanente. Sua
grandiosidade institucional não significa uma absoluta auto-
nomia. A medida de sua autonomia está diretamente ligada
com o processo de produção e de organização social que lhe
dá vida e estrutura legal, política e militar.A formulação e a
implementação de políticas sociais e educacionais advindas
do Estado tomam a forma e a expressão das relações e das
forças sociais em disputa. As políticas sociais e educacio-
nais não são benevolência social, mas a articulação e o jogo
contraditório que exprime a luta de classe e as mediações
econômico-sociais existentes numa determinada sociedade e
contexto social. (DEITOS, 2010, p. 209-210).
Não compreendemos a análise da política educacional, e em
particular da política pública para a educação profissional desvin-
culada do conjunto de relações socioeconômicas, políticas, ideoló-
gicas e educacionais de maneira ampla em estreita e direta relação
com a estrutura estatal. Desse modo, portanto, nossa análise per-
corre alguns aspectos que consideramos fundamentais para a análise
da política pública de educação profissional, ao considerá-la par-
te constitutiva da política social dirigida pelo Estado. Do mesmo
modo, consideramos que a política pública da educação profissional
deve ser examinada no contexto amplo de sua implementação, ao
mesmo tempo em que deve ser examinada em suas particularidades
como política social de uma determinada área e em determinada
modalidade de profissionalização educativa e formativa, em nível
educacional médio e técnico como parte constitutiva das condições
e requisitos educacionais da força de trabalho.

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

Consideramos necessário para a análise da política educacio-


nal a questão do Estado e seus entrelaçamentos com a questão do
trabalho e da política social em suas dimensões socioeconômicas,
políticas e teórico-ideológicas. De maneira ampla, a questão da po-
lítica social que abarca a política educacional deve ser analisada em
seus entrelaçamentos com as questões socioeconômicas e políticas.
Os aspectos políticos, numa sociedade de classes, estão intimamente
ligados ao complexo e tenso processo social de construção socie-
tário. Nesse sentido, as instituições sociais e jurídico-institucionais,
nas quais, , entre tantas, destacamos os partidos políticos, as escolas,
as universidades, as igrejas, os sindicatos, as agremiações sociais e
culturais, os meios de comunicações, as redes sociais na internet e,
em particular, o Estado e suas estruturas funcionais e institucionais,
tais como os Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e os respec-
tivos aparatos político, legal-jurídico, regulatório, militar, fiscal, fi-
nanceiro e monetário-coercitivo, constituem parte da representação
da política de modo amplo. Desse modo, a compreensão de política
e suas possibilidades históricas aqui concebidas estão ancoradas na
perspectiva apontada por Mészáros de que, ao tratar da alienação,
[...] a questão de uma transcendência positiva só pode ser
colocada em termos políticos na medida em que a sociedade
considerada como uma superação real da sociedade criticada
ainda está para nascer. É uma característica da política (e,
naturalmente, da estética, da ética, etc.) antecipar (e com isso
estimular) a evolução social e econômica futura. A política
poderia ser definida como a mediação (e, com suas institui-
ções, como um meio dessa mediação) entre o estado presente
e o estado futuro da sociedade. Suas categoriais, conseqüente-
mente, apresentam um caráter adequado a essa função me-
diadora, e as referências ao futuro são portanto um parte in-
tegral de suas categorias. A política conservadora apresenta,
tanto quanto a política radical, as características dessa função
mediadora. Só que as suas categorias são menos explícitas e
a ênfase positiva recai, é evidente, sobre a definição de sua
relação com o presente. O tipo conservador de mediação

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

política procura maximizar o elemento de continuidade em


suas tentativas de ligar o presente com o futuro, ao passo que
a política radical dá ênfase à descontinuidade, evidentemen-
te. (MÉSZÁROS, 2006, p. 119, grifos do autor).
A política educacional constituinte que é da política social que
por sua vez é parte integrante da política como ação social mediadora
de poder numa determinada formação social, em particular na so-
ciedade capitalista, exibe sua dimensão de poder e os interesses das
classes sociais em disputa.
Assim compreendido,
A política educacional, portanto, é entendida aqui como
constituinte da política social. As políticas públicas direta-
mente definidas e dirigidas pelo Estado são compreendidas
como o resultado de mediações teórico-ideológicas e so-
cioeconômicas e estão diretamente imbricadas no processo
de produção social da riqueza e, consequentemente, de sua
repartição e distribuição. A política educacional, particular-
mente a empreendida no Brasil a partir da década de 1990, é a
articulação e a consumação de forças econômicas e políticas
hegemônicas que sustentam proposições que revelam forte
tendência predominante de cunho liberal ou social-liberal e
definem significativamente os rumos das políticas públicas e
da educação nacional (DEITOS, 2010, p. 209).
É por isso que, como afirma Mészáros, a educação como pro-
cesso social extrapola, mas também ocorre efetivamente em âmbito
da educação formal determinantemente ancorada pela implementa-
ção de políticas educacionais.
Nenhuma sociedade pode perdurar sem seu sistema próprio
de educação. Apontar apenas os mecanismos de produção e
troca para explicar o funcionamento real da sociedade capi-
talista seria bastante inadequado. As sociedades existem por
intermédio dos atos dos indivíduos particulares que buscam
realizar seus próprios fins. Em conseqüência, a questão cru-
cial, para qualquer sociedade estabelecida, é a reprodução

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bem-sucedida de tais indivíduos, cujos “fins próprios” não


negam as potencialidades do sistema de produção dominan-
te. Essa é a verdadeira dimensão do problema educacional:
“educação formal” não é mais do que um pequeno segmen-
to dele.
[...]. Além da reprodução, numa escala ampliada, das múl-
tiplas habilidades sem as quais a atividade produtiva não po-
deria ser levada a cabo, o complexo sistema educacional da
sociedade é também responsável pela produção e reprodu-
ção da estrutura de valores no interior da qual os indivíduos
definem seus próprios objetivos e fins específicos. As re-
lações sociedade de produção reificadas sob o capitalismo
não se perpetuam automaticamente. Elas só o fazem porque os
indivíduos particulares interiorizam as pressões externas: eles
adotam as perspectivas gerais da sociedade de mercadorias
como os limites inquestionáveis de suas próprias aspirações.
É com isso que os indivíduos “contribuem para manter uma
concepção de mundo” e para a manutenção de uma forma
específica de intercâmbio social, que corresponde àquela
concepção de mundo (MÉSZÁROS, 2006, p. 263-264, gri-
fos do autor).
A compreensão da política educacional nacional, estadual e re-
gional passa necessariamente pela compreensão de um conjunto de
aspectos socioeconômicos, legais e institucionais que estabelecem
um processo de mediações de primeira e segunda ordens. As bases
socioeconômicas tornam-se os pilares de reprodução social. Re-
produção social ancorada numa dinâmica de mediações desiguais
e contraditórias. É nessas bases socioeconômicas que o trabalho,
na forma de força de trabalho subordinada pelo capital, produz
riqueza. A riqueza socialmente produzida em termos de distribui-
ção e repartição acaba sendo transformada na forma de dinheiro
como representação parcial e desigual desta própria riqueza social.
E uma representação parcial, mas bastante significativa, dessa rique-
za transformada em dinheiro é o parâmetro econômico estabele-
cido pela contabilidade gerada pelo PIB – Produto Interno Bruto.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

O PIB, neste caso, uma representação parcial, mas significativa da


riqueza socialmente produzida no Brasil, pode ser caracterizado nos
seguintes termos, considerando-se os dados dos últimos vinte anos,
representada na gráfico 1 (DEITOS, 2010, p. 212) a seguir:

Em se tratando de uma medida relativa obtida por meio da es-


tatística contábil e econômica determinada pelo parâmetro fixado
para a elaboração dos dados do PIB, temos, para o caso do Brasil,
um diagnóstico relativo do processo de distribuição de parte signifi-
cativa da riqueza socialmente produzida e anualmente contabilizada.
O quadro apresenta uma representação sintética do resultado da
exploração da força de trabalho e do processo de produção e acu-
mulação de capital no país.
Ao observarmos os dados apresentados no referido quadro,
temos uma dimensão da repartição relativa da riqueza socialmen-
te produzida, tomando-se como referência o resultado econômico
global do PIB-Brasil que permite percebermos que os lucros tomam
a maior parte da riqueza produzida, ficando o Estado na forma de
arrecadação para o Orçamento global do país, que nesse caso refere-
-se a uma composição econômica e contábil genérica de tudo o que
é arrecadado nas três esferas jurídico-administrativas estatal: União,
Estados e municípios, com o segundo maior aporte da riqueza tra-
duzida por meio da medida estabelecida pelo PIB. Em terceiro, apa-
rece o que fica com os trabalhadores, ou seja, a menor parte da fatia

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

da riqueza socialmente produzida por eles próprios tomada como a


massa salarial retida pelos trabalhadores em todas as modalidades,
áreas e setores produtivos formais e informais.
É necessário observarmos que uma parte da riqueza socialmen-
te produzida e retida pelo Estado retorna socialmente na forma de
distribuição para um conjunto de funções econômicas, administra-
tivas e sociais que são coordenadas e implementadas pela estrutura
estatal nas três esferas jurídico-administrativas de gestão do Estado
brasileiro. Assim, uma parte considerável da riqueza retida pela es-
trutura estatal acaba retornando de forma direta para os setores eco-
nômicos e empresariais nacionais e transnacionais, por meio de um
conjunto de medidas e ações diretas e indiretas implementadas pelo
Estado. Parte significativa, por exemplo, do orçamento nacional
global acaba retornando para os setores econômicos e financeiros
de diversas formas; parte dela legal, outras ilegais e ilegítimas. Uma
delas é o pagamento das dívidas interna e externa, de juros, reversas
e pagamentos internacionais, compondo as garantias internacionais
para amenizar os impactos das crises econômicas, dirigidas predo-
minantemente pela esfera do capital financeiro em âmbito mundial.
Uma campanha nacional orgânica e sistematicamente organizada
em todo o país é um dos objetivos principais da Auditoria Cidadã
da Dívida na luta diária para a realização de um plebiscito e uma
auditoria ampla que possa verificar todas as legalidades, ilegalidades
e ilegitimidades do sistema da dívida, e que deve contar com ampla
participação efetiva de representantes das organizações sociais e dos
trabalhadores isentos do aparelhamento dos partidos e das organi-
zações e instituições oficiais do Estado brasileiro. Esta é uma con-
dição fundamental para o cumprimento de preceito constitucional
não atendido e ação social necessária para que parâmetros mínimos
de justiça sejam considerados em alguns termos ainda que nos mar-
cos de um sistema republicano. Essa situação pode ser observada
na distribuição geral do Orçamento Geral da União (executado),
ano de 2014, no valor total de R$ 2,168 trilhões e o pagamento
da dívida na forma de juros, amortizações e refinanciamento ficou

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

com R$ 977,99 bilhões, conforme podemos observar no gráfico


1 a seguir, elaborado pela Auditoria Cidadã da Dívida (FATTORELLI;
ÁVILA, 2014).

Gráfico 2 – Orçamento Geral da União (Executado em


2014) – Total = R$ 2,168 trilhão

Fonte: http://www8d.senado.gov.br/dwweb/abreDoc.html?docId=92718. Notas: 1) inclui o “refinancia-


mento” da dívida, pois o governo contabiliza neste item grande parte dos juros pagos. 2) os gastos com juros e amortiza-
ções da dívida se referem aos GNDs 2 e 6, e foram desmembrados da Função “Encargos Especiais”. 3) as transferên-
cias a estados e municípios se referem ao programa 0903 – “Operações Especiais: Transferências Constitucionais e as
Decorrentes de Legislação Específica”, e também foram desmembradas da Função “Encargos Especiais”. 4) os demais
gastos da função “Encargos Especiais” foram referidos no gráfico como sendo “Outros Encargos Especiais”, e repre-
sentam principalmente despesas com o ressarcimento ao INSS de desonerações tributárias, subsídios à tarifa de energia
elétrica, pagamento de precatórios, dentre outras. 5) O gráfico não inclui os “restos a pagar” de 2014, executados em
2015.Elaboração: Auditoria Cidadã da Dívida: http://www.divida-auditoriacidada.org.br. Disponível
em: Auditoria%20Cidad%C3%A3%20da%20D%C3%ADvida%2014.htm.

Outra parte da riqueza socialmente produzida e retida direta-


mente pelo Estado é distribuída na forma de investimentos diretos

60 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

ou indiretos em setores como agricultura familiar, grandes linhas de


crédito subsidiadas para setores do agronegócio, indústria, comér-
cio, setor de serviços, em especial os financeiros e os investimentos
em obras de infraestrutura em áreas como transportes, esportes,
aeroportos, portos, energia e fontes de matérias-primas de várias
ordens, tais como: petróleo, gás natural, ferro, alumínio, cimento,
energia etc.
Ainda há outra parte da riqueza socialmente produzida que é
retida pelo Estado e é distribuída direta ou indiretamente no campo
das políticas sociais propriamente dita, particularmente as políticas
de educação, saúde, previdência e assistencial social, segurança pú-
blica, saneamento e habitação, dentre outros. Isso não significa que
a parte da riqueza retida pelo Estado e distribuída mais diretamente
para as políticas sociais não seja ela, em certa medida, canalizada
para setores econômicos na forma de serviços prestados ou contra-
tados e também na aquisição de recursos de produtos tecnológicos
de toda ordem que são adquiridos pelo Estado para equipar e per-
mitir parte das condições estruturais e funcionais para o processo de
implementação das políticas sociais.

Considerações finais

O que podemos observar é que as políticas sociais e, mais es-


pecificamente, os gastos sociais com a implementação das políticas
sociais acabam tomando uma parte relativamente pequena no resul-
tado total da riqueza socialmente produzida e retida na esfera estatal
pela via da arrecadação e do orçamento global do Estado Brasileiro,
constituído pelo conjunto das esferas jurídico-administrativas fede-
ral, estaduais e municipais. Os dados apresentados em estudos do
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – demonstram a
situação dos gastos, como podemos observar.
As políticas sociais brasileiras formam, hoje, um sistema
robusto de estruturas mais ou menos consolidadas, e que
materializam uma história de lutas da sociedade brasileira.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
61
ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

Esta estrutura aglutina atores sociais, esforços regulatórios,


legislativos e jurídicos substancias, instituições de diversas
épocas e tradições. Enfim, é um feito monumental que, na
comparação internacional, é apenas equivalente a países de
maior renda que o Brasil, denunciando o quanto avançamos.
Não obstante tais políticas mereçam constantes reformula-
ções, mudanças e melhorias, é imperioso reconhecer que até
o momento, não existem justificativas aparentes para que o
gasto social seja discutido apenas como um fardo para as
contas públicas. Pelo contrário, os resultados obtidos neste
exercício sugerem que as políticas sociais são absolutamente
centrais para que possamos alcançar os objetivos de cresci-
mento econômico e a diminuição das desigualdades.
Mostrou-se, assim, que o gasto social também tem benefí-
cios econômicos. Além de poder ser estrategicamente acio-
nado em momentos de crise econômica, o gasto público so-
cial tem um papel fundamental na conciliação dos objetivos
de crescimento econômico e distribuição de renda. Nesse
sentido, não há dúvidas de que o crescimento do gasto so-
cial nos últimos anos foi parte integrante e imprescindível
da melhoria das condições de vida da população brasileira.
(BRASIL, IPEA, 2011, p. 16).
Compreendemos, portanto, que os aspectos educacionais es-
tão entrelaçados numa dinâmica de inter-relações com os aspectos
socioeconômicos, políticos e ideológicos e estabelecem relações e
mediações significativas no campo político e ideológico da formu-
lação, implantação e distribuição de políticas sociais nas sociedades
nacionais vigentes.
Desse modo, os aspectos socioeconômicos são fundamentais
para a compreensão do contexto em que se insere a política educa-
cional em todos os níveis das esferas jurídico-administrativa nacio-
nal, estadual e municipal.
As lutas socioeconômicas e particularmente no campo educa-
cional estão cada vez mais sofrendo as consequências de um pro-

62 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

cesso de ajuste estrutural entrelaçado no maior direcionamento de


políticas neoliberais e cada vez mais privatizantes de direitos sociais
elementares. O fracasso social recai sempre na esfera das políticas
sociais como geradoras de despesas para os setores estatais e pri-
vados. O eixo de coordenação é levado para um processo de acu-
mulação de riquezas na esfera nacional articulado ao processo de
globalização do capital. Assim políticas e direitos educacionais são
tratados como condições segmentadas, focalizadas e flexibilizadas;
ou seja, os setores da classe hegemônica entendem que a política
possível é frear a expansão mínima de políticas sociais universaliza-
doras (mesmo que jamais plenamente efetivas), impondo o ajuste
fiscal para os trabalhadores e salvando sempre os grupos econômi-
cos hegemônicos e a acumulação de capital (ANPEd, 2011; Banco
Mundial, 2010a, 2010b, 2009, 1997; CONAE, 2010; BRASIL, 1988,
1996). Assim, a mão poderosa do estado capitalista fica mais pesada
e perversa para os setores sociais, e os trabalhadores que irão siste-
maticamente pagar a conta do ajuste estrutural e setorial como his-
toricamente sempre pagaram. Reagir, resistir e reorganizar as forças
sociais dos trabalhadores é o caminho e a luta possível e necessária.

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65
ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
3
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO


DO TRABALHO E OS TRABALHADORES
NA CONSTRUÇÃO CIVIL

Ana Elizabeth Santos Alves 1


Miriam Cléa Coelho Almeida2

Introdução

O presente artigo traz algumas questões sobre a história da edu-


cação no Brasil, com o objetivo de mostrar os processos que subsi-
diaram a consolidação de princípios educacionais, comprometidos
com a lógica de acumulação capitalista numa sociedade de classes.
Além disso, sinaliza sobre a luta e resistência dos trabalhadores con-
tra uma educação profissional cuja finalidade é a habilitação técnica,
social e ideológica para o trabalho, portanto, distante da concepção
de educação como emancipação humana.
Desse modo, a problemática a ser discutida gira em torno de
perguntas, tais como: Qual(is) a(s) relação(ões) entre a divisão do
trabalho e a educação? Qual educação é oferecida aos trabalhadores?

1 Doutora em educação. Docente do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas e do Pro-


grama de Pós-Graduação em Memória, Linguagem e Sociedade, da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia - UESB. Membro do Museu Pedagógico da UESB. ana_alves183@hotmail.
com.
2 Mestre em Geografia. Docente do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Su-
doeste da Bahia - UESB. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Memória, Linguagem
e Sociedade da UESB.miriamclea@gmail.com.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

Como pensar em uma educação num processo de luta que supere a


separação entre trabalho manual e intelectual? Qual a estratégia de
luta para os trabalhadores da construção civil?
Buscar respostas para essas questões requer que se evidencie,
sobretudo, a relação da divisão do trabalho na definição da educa-
ção, especialmente a educação profissional, por entender que esta se
constitui no principal mecanismo de consolidação de práticas edu-
cacionais aliançadas com os interesses do capital e, com isso, capa-
zes de formar a força de trabalho adequada ao mercado.
Nesse percurso, considera-se fundamental analisar o comporta-
mento do Estado na qualidade de personificador do capital e con-
trolador das diretrizes educacionais capitalistas. Como estratégia de
aproximação entre teoria e empiria, o texto utiliza a especificidade
do trabalho na construção civil, por ser essa atividade econômica
uma das mais expressivas no que se refere às implicações da divisão
do trabalho no processo de educação profissional. É importante
ressaltar que essa realidade não é compreendida de forma mecânica,
tendo em vista a relação dialética das contradições de forças pre-
sentes na luta daqueles que almejam a transformação da sociedade.
Isto posto, inicialmente, serão desenvolvidas análises pontuais
sobre o conceito de educação, de educação profissional e a sua arti-
culação com a divisão social do trabalho; em seguida, busca-se fazer
uma discussão sobre a especificidade do trabalho na construção civil
com base em dados empíricos, para verificar que tipo de educa-
ção esses trabalhadores tiveram e têm acesso e quais suas relações
com o conduta da divisão do trabalho nesse setor. Ademais, esboça
possibilidades de enfrentamento dos trabalhadores a uma educação
profissional classista.

Educação na sociedade de classes

Pauta-se, em princípio, na compreensão de que a educação é


um fenômeno humano. No seu sentido mais geral, refere-se ao pro-
cesso de desenvolvimento intelectual, físico e moral do ser humano,

68 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

visando à sua maior integração individual e social. É um ato que leva


homens e mulheres a alcançar as caraterísticas próprias do ser hu-
mano, diferenciando-se dos animais. Esse processo de humanização
do homem ocorre, então, em concomitância com a educação. Sobre
isso, Lombardi, com base nas contribuições marxianas, oferece uma
importante constatação:
Se a existência humana não é garantida pela natureza, não é
uma dádiva natural, mas tem de ser produzida pelos próprios
homens, e é, pois, um produto do trabalho, isso significa que
o homem não nasce pronto, mas tem de tornar-se homem.
Ele forma-se homem. Ele não nasce sabendo produzir-se
como homem. Ele necessita aprender a ser homem, precisa
aprender a produzir sua própria existência. Portanto, a pro-
dução do homem é, ao mesmo tempo, a formação do ho-
mem, isto é, um processo educativo. A origem da educação
coincide, então, com a origem do homem mesmo (2011, p.
103).
A educação pode ser livre e se fazer presente em todos os es-
paços sociais, como as diversas formas que tornam comum a con-
vivência social entre os povos, na família, na escola, no trabalho, a
exemplo das regras sociais e do trabalho, “[...] dos segredos da arte
ou da religião, do artesanato ou da tecnologia que qualquer povo
precisa para reinventar, todos os dias, a vida do grupo [...] através de
trocas sem fim com a natureza e entre os homens.”. (BRANDÃO,
2004, p. 10-11). Nessas condições, a educação é um instrumento de
emancipação humana.
Entretanto, a educação irá se constituir numa prática social tan-
to espontânea como intencional ou metódica, desempenhada por
diferentes agentes (família, escola, igreja, partidos, associações, etc.)
através de procedimentos, que tem como objetivos despertar e in-
fluenciar o crescimento das potencialidades dos indivíduos em con-
sonância com as expectativas que tais agentes têm quanto a essas ca-
pacidades (EVANGELISTA; MACHADO, 2000, p.118). Esse fim
pragmático e utilitário da educação, dado pelo seu sentido restrito,

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
69
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

subordina a sua ação a interesses de setores dominantes da socieda-


de que manipula e controla o conhecimento “[...] como arma que
reforça as desigualdades entre os homens, na divisão dos bens, do
trabalho, dos direitos e dos símbolos” (BRANDÃO, 2004, p. 10-11).
Essa dimensão utilitária da educação leva a pensar o seu sentido
na sociedade dividida em classes. A perspectiva delineada é que ela
se tornou instrumento dos interesses dominantes: “[...] tornou-se
uma peça do processo de acumulação de capital e de estabelecimen-
to de um consenso que torna possível a reprodução do injusto sis-
tema de classes.” (SADER, 2005, p. 15). Nesses termos, ao invés de
emancipação humana, a educação se transforma num mecanismo
poderoso para a manutenção e reprodução do sistema do capital.
Assim, Suchodolski, tendo a sociedade capitalista e o ideário mar-
xista como parâmetro, conclui:
A educação é um instrumento nas mãos da classe dominante
que determina o seu caráter de acordo com os seus interes-
ses de classe, assim como o âmbito que engloba o ensino
para a sua própria classe e para as classes oprimidas. Mas
como a burguesia apresenta o capitalismo como sendo a re-
alização completa da ordem de vida “natural e racional”, o
sistema de ensino e o sistema educativo, que na realidade
são um instrumento dos seus interesses, embelezam-se com
bonitas palavras acerca da liberdade e das possibilidades de
desenvolvimento (1976, p. 10).
É desse modo que a educação no desenvolvimento histórico da
sociedade classista desumaniza o homem pela divisão do trabalho
(SUCHODOLSKI, 1976), e, quase sempre, é explorada como for-
ma de adaptar o homem às exigências do capital. Razões pelas quais,
segundo Mészáros, “[...] as instituições de educação tiveram de ser
adaptadas no decorrer do tempo, de acordo com as determinações
reprodutivas em mutação do sistema do capital” (2005, p. 42). E
nesse processo, ainda conforme Mészáros (2005), o Estado, na con-
dição de “personificador do capital”, cumpriu e ainda cumpre um
papel fundamental, ao impor políticas e modelos de educação com-

70 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

prometidos com os interesses da acumulação do capital, sobretudo,


para a educação profissional dos trabalhadores.
Esse comportamento do Estado traz à baila os mecanismos po-
líticos e ideológicos que viabilizaram (e ainda viabilizam) a educação
do trabalhador articulada com a divisão do trabalho, e com eles, as
conclusões de Cunha (1980) sobre o modus operandi de uma educação
classista. Assim, a ideologia em consolidar um modelo de educação
unificadora que previa a união entre trabalho manual e intelectual,
tanto para as classes dominantes como para os trabalhadores, no qual
suprimisse os diferentes graus de qualificação, fornecendo meios para
a promoção humana e profissional de homens e mulheres, a ascen-
são nos postos de trabalho e, consequentemente, maior remuneração,
prestígio e poder, esfacelou-se, objetivamente, instituiu ao invés da
emancipação, a discriminação. Sobre isso, Cunha assinala:
As crianças de origem operárias e camponesas são apartadas
das crianças da burguesia e das camadas sociais a seu serviço
imediato, não apenas de acordo com a divisão técnica do
trabalho, mas, também e principalmente, da divisão social do
trabalho, da qual não é separável (1980, p. 13-14).
Com base nessa linha interpretativa, trajetórias educativas di-
ferenciadas daí decorrentes, serão a expressão da divisão social do
trabalho, a qual exprime a divisão da sociedade em classes sociais
distintas e antagônicas, muito além da simples divisão técnica e/ou
funcional do trabalho. Naturalmente, tal processo leva à separação
entre conhecimento teórico e conhecimento prático, entre trabalho
simples e trabalho complexo, justificando um tipo de educação dife-
renciada segundo a classe social.
Nessa direção, e tendo a educação como campo social de dis-
puta hegemônica, destacam-se as contribuições de Frigotto, para
quem, esse confronto se dá “[...] na perspectiva de articular as con-
cepções, a organização dos processos e dos conteúdos educativos
na escola e, mais amplamente, nas diferentes esferas da vida social,
aos interesses de classe” (1999, p. 25). Diante disso, o autor conclui:

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

Na perspectiva das classes dominantes, historicamente, a


educação dos diferentes grupos sociais de trabalhadores,
deve dar-se a fim de habilitá-los, técnica, social e ideologi-
camente para o trabalho. Trata-se de subordinar a função
social da educação de forma controlada para responder às
demandas do capital (FRIGOTTO, 1999, p.26)
Esse dualismo se constitui numa estratégia de subordinação dos
processos educativos ao capital, como assevera Frigotto:
O caráter subordinado das práticas educativas aos interesses
do capital, historicamente toma formas e conteúdos diversos
no capitalismo nascente, no capitalismo monopolista e no
capitalismo transnacional ou na economia globalizada. [...]
o caráter explícito dessa subordinação é de uma clara dife-
renciação da educação ou formação humana para as classes
dirigentes e a classe trabalhadora (1999, p. 32-33).
São princípios que balizam a concepção de educação profissio-
nal mediada pela noção de qualificação e desqualificação, que está
articulada com a divisão social do trabalho. Diante disso, a educação
profissional é compreendida, de modo geral, como um requisito de
instrução do trabalhador definido pelas empresas para os diversos
níveis de produção. Conforme Gomes, no Brasil, essa modalidade
educacional acontece segundo diversos “[...] planos de formação,
que são cursos de aperfeiçoamento básicos, técnicos (de habilita-
ção), tecnológicos (equivalentes à graduação) e de pós-graduação”
(2013, p.59), ministrados em escolas especializadas públicas ou pri-
vadas, com a total aquiescência do Estado. Ademais, é importante
lembrar que no Brasil, a atuação do Estado na educação profissio-
nal, segundo levantamento de Frigotto, Ciavatta e Ramos, é marcada
pela
[...] criação do sistema S no início da década de 1944; o Pro-
grama Intensivo de Formação de Mão de Obra industrial
(PIPMOI) criado pelo Decreto n. 53.324 de 18 de dezembro
de 1963 e, em 1971, transformado em Programa Intensivo
de Formação de Mão de Obra (PIPMO), estendido para os

72 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

demais setores da economia12; o Plano Nacional de For-


mação Profissional (Planfor) em 1995; o Plano Nacional de
Qualificação (PNQ) em 2003 e, finalmente, em 2011, o Pro-
natec (2014, p. 67-68).
Além desses, deve-se lembrar da participação dos Institutos
Federais (IF), e da rede privada na oferta de cursos de formação
inicial, etc.; e outros Programas, a exemplo do Brasil Profissiona-
lizante, lançado em 2007. O Estado conta ainda com o Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT), instituído pela Lei nº 7.998, de 11
de janeiro de 1990, como uma fonte importante de financiamento
da educação profissional.
Em que pesem a importância das discussões sobre a história da
educação profissional no Brasil, amplamente debatida por Manfre-
di (1998), Cunha (2000), entre outros3; neste texto, se quer focali-
zar a dualidade de classes sociais na repartição do trabalho manual
e intelectual e a alienação do trabalho em virtude do processo de
acumulação do capital, considerando, conforme Frigotto, Ciavatta
e Ramos, que “[...] a política de educação profissional [...] de fato
tem ampliado a formação de trabalhadores [...], porém, para o tra-
balho simples, o ‘trabalho barato’” (2014, p.67). Assim, a educação
para os trabalhadores no Brasil, ao longo da história do capitalismo,
como visto, foi definida e construída com base nas necessidades do
processo de acumulação e teve (tem) o Estado com o seu principal
mecanismo de consolidação e perpetuação. Os autores ainda enfati-
zam que apesar da implementação de vários programas de educação
profissional para jovens e adultos, o país não extinguiu o analfabe-
tismo e a baixa escolaridade da população.
Nas diversas formas que a organização do trabalho no mundo
capitalista assumiu desde a manufatura, práticas educativas subja-
centes sempre estiveram presentes, demarcando um caráter de su-
bordinação e de resistência do homem ao trabalho, a exemplo das

3 O livro “A educação profissional no Brasil”, organizado por Batista e Muller (2013), apresenta um
conjunto de textos e uma vasta referência bibliográfica sobre o tema.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
73
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

práticas que dividiram as formas artesanais de produção, evidencia-


das na evolução do processo histórico de expropriação gradativa do
trabalhador dos seus instrumentos de trabalho pela divisão social
do trabalho.
No Brasil, desde o período colonial, o modelo de educação ex-
pressa a organização da sociedade dividida em classes. A difusão
do taylorismo (a partir dos anos 1930) incorporará à organização
do trabalho práticas educativas que visavam a ajustar o trabalhador
ao processo de reprodução capitalista, reforçando “trajetórias edu-
cativas diferenciadas” (KUENZER, 2007, p. 1156). O fordismo4
busca aplicar e adaptar de forma mais eficiente as práticas tayloris-
tas, sustentando-se no avanço da mecanização, produção em massa
de bens padronizados, construindo, assim, a necessidade de formar
um “novo homem”; continuando a educar distintamente mulheres e
homens para atuarem em posições hierárquica e tecnicamente dife-
renciadas. Recentemente, o regime de “acumulação flexível” (HAR-
VEY, 2000) introduz mudanças nas políticas de gestão e organização
do trabalho e a formação de um “novo trabalhador”, como resposta
à resistência dos trabalhadores ao taylorismo e ao fordismo, a exem-
plo de mudanças nos conteúdos do trabalho e nas novas exigências
de qualificação profissional. Esse processo é acompanhado de con-
tradições e tem ressignificado os locais de trabalho: por um lado,
tem-se formado um grupo de trabalhadores qualificados, considera-
dos pelo seu saber-fazer individual; e, por outro, por trabalhadores
desqualificados subcontratados com baixos níveis salariais (ALVES,
2005), e para estes últimos, produzem-se programas de educação
profissional fragmentada e de curta duração. Esses programas con-
centram-se em atributos individuais das pessoas e alimentam “[...] a
ideologia de responsabilização do próprio trabalhador por seu êxito
ou fracasso no mercado de trabalho” (FRIGOTTO; CIAVATTA;
RAMOS, 2014, p.73).

4 No Brasil, a introdução do padrão de organização e gestão do trabalho fordista não se completou


ao comparar com os países centrais. O modelo foi desenvolvido no país nos anos 1950 e ficou
conhecido como “fordismo periférico”.

74 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

Assim, a educação profissional na sociedade dividida em classes


expressa os objetivos determinados pelas necessidades do processo
de produção de mercadorias e se funda na alienação do trabalho.
Para Mészáros (2005), isso ocorre porque com as “mediações de
segunda ordem do capital”, que são altamente alienantes, o trabalho
cumpre funções produtivas desumanas e se submete profundamen-
te aos interesses do capital. Como resultado disso, o ser humano é
reduzido à “condição reificada” à “carcaça do tempo”, cujo objetivo
é adequá-lo “[...] aos estreitos limites da contabilidade do tempo do sis-
tema: o único gênero de contabilidade – extremamente desumani-
zadora - compatível com a ordem social do capital” (MÉSZÁROS,
2007, p. 42. Grifo do autor). Assim, “[...] essas mediações de se-
gunda ordem impõem à humanidade uma forma alienada de mediação”
(MÉSZÁROS, 2005, p. 72-73. Grifo do autor).
Ao seguir na análise das implicações das “mediações alienantes
de segunda ordem do capital” que recaem sobre o trabalho e a edu-
cação, Mészáros também ressalta o protagonismo do Estado nesse
processo:
De fato, o sistema do capital não conseguiria sobreviver du-
rante uma semana sem as suas mediações de segunda ordem:
principalmente o Estado, a relação de troca orientada para
o mercado, e o trabalho, em sua subordinação estrutural ao
capital (2005, p. 72. Grifo do autor).
Todavia, mesmo reconhecendo a subordinação da educação
aos interesses do capital, Mészáros considera que o “[...] o papel
da educação é de importância vital para romper com a internaliza-
ção predominante nas escolhas políticas circunscritas à ‘legitimação
constitucional democrática’ do Estado capitalista que defende seus
próprios interesses” (2005, p. 61). E mais ainda:
[...] o papel da educação é soberano, tanto para a elabora-
ção de estratégias apropriadas e adequadas para mudar as
condições objetivas de reprodução, como para a automudança
consciente dos indivíduos chamados a concretizar a criação de

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

uma ordem social metabólica radicalmente diferente (MÉS-


ZÁROS, 2005, p. 65. Grifo do autor).
Por isso o autor instiga a pensar numa educação para além do
capital, cuja finalidade seja “[...] uma ordem social qualitativamente
diferente” (MÉSZÁROS, 2005, p. 71).
Nessa perspectiva, Rossler também irá considerar a educação
como aliada da luta revolucionária pela superação da sociedade alie-
nada, e faz uma contundente advertência:
Qualquer educação que vise, consciente e inconscientemen-
te, adaptar os indivíduos à sociedade contemporânea comete
um duplo equívoco: o equívoco histórico de pressupor que a
sociedade capitalista contemporânea é uma formação social
natural, independente dos homens, e por isso absoluta, eter-
na; e o equívoco moral, de defender uma forma de organiza-
ção social que aliena os indivíduos da sua condição de seres
humanos (2004, p. 81).
Frigotto, por sua vez, apresentará as razões para a instituição do
plano de lutas:
A luta é justamente para que a qualificação humana não seja
subordinada às leis do mercado e à sua adaptabilidade e fun-
cionalidade, seja sob o a forma de adestramento e treina-
mento estreito da imagem do mono domesticável dos esque-
mas tayloristas, seja na forma ou policognição reclamadas
pelos modernos homens de negócios [...] e os organismos
que os representam (1999, p. 31. Grifos do autor).
Como visto, as relações entre a educação profissional e a divisão
do trabalho estão fortemente presentes nos processos de trabalho,
deixando entrever a conectividade do debate entre educação e tra-
balho. Numa sociedade de classes, a subordinação da educação ao
mercado de trabalho capitalista tem-se traduzido no processo de
negação do acesso à ciência e ao conhecimento, o qual agudiza a
alienação dos trabalhadores e distancia os propósitos de uma edu-
cação em prol da emancipação humana. Em todos os processos de

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

trabalho, essa tendência será notada, a exemplo do exercício empíri-


co com a construção civil esboçado a seguir.

Divisão do trabalho e educação profissional na


construção civil

A construção civil tem sido apontada, ainda na atualidade,


como uma das atividades econômicas mais emblemáticas no que se
refere à divisão do trabalho em suas mais diferentes configurações
e suas implicações no processo de formação profissional. As trans-
formações desse setor ao longo do tempo, com a inserção de novos
meios de produção e novas estratégias de organização do trabalho,
ao contrário de suprimir as barreiras impostas pela divisão do traba-
lho manual e intelectual que, historicamente, marcaram essa ativida-
de, apenas a agudizaram. Os resultados podem ser vistos, sobretu-
do, nos processos de fragmentação, qualificação e precarização do
trabalho e dos trabalhadores, os quais impõem separações que são
determinadas pelas condições de qualificação, remuneração, vínculo
empregatício, função, entre outras.
A construção civil reúne uma multiplicidade de especializações
e funções. Nesse setor, a divisão de trabalho tomou proporções ini-
magináveis, a cada inserção de um novo material ou insumo nos
projetos arquitetônicos, novos trabalhadores especializados surgem.
Assim, à forma tradicional de trabalho executada numa parceria en-
tre o pedreiro e o servente, na qual o pedreiro realizava todas as
etapas da construção, ou seja, do alicerce ao telhado com o auxílio
do servente, soma-se uma complexa e polissêmica organização de
trabalho, fragmentada em diversas especializações e relações cujo
objetivo é dar maior celeridade na produção e circulação da merca-
doria.
A presença nas obras da construção civil, seja em canteiros de
grandes obras ou de médio e pequeno portes, empreendidas por
empresas ou por particulares, por trabalhadores assalariados (vin-
culados à própria empresa ou terceirizados) ou autônomos (sem

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

carteira assinada ou por conta própria) de engenheiros, pedreiros,


encanadores, eletricistas, gesseiros, vidraceiros, carpinteiros, encar-
regados, apontadores, armadores, serventes, mestre de obras, entre
outros, atestam essa polissemia e as multifaces do trabalho.
Nessa perspectiva, observa-se uma multiplicidade e complexi-
dade de processos que decorrem da divisão do trabalho na cons-
trução civil. Entretanto, é a educação do trabalhador, que interessa
à discussão aqui empreendida, por entender que aí está a raiz das
contradições que permeiam as discussões sobre a educação para o
trabalho nesse setor econômico.
No quadro geral da formação dos trabalhadores da construção
civil no Brasil, encontra-se consolidada a educação profissional cujo
fim é a habilitação técnica, social e ideológica do trabalhador para
o trabalho. Daí deriva o contraste entre o volume intenso de uma
força de trabalho com baixa ou nenhuma escolarização, principal-
mente, desempenhando funções pouco qualificadas e com menor
remuneração, e os poucos trabalhadores com níveis superiores de
ensino, ocupando postos de alta qualificação e remuneração.
É assim que as bases da exploração e dominação têm na divisão
do trabalho da construção civil e na baixa escolarização do traba-
lhador, o seu núcleo central de acumulação. É por meio da divisão
do trabalho que ocorre a subordinação do trabalho ao capital em
tempos de acumulação flexível. Tal divisão constitui-se em um me-
canismo poderoso para a viabilização de suas formas exploratórias
como a terceirização, especialização, informalidade e rotatividade
cujos efeitos são sentidos, dentre outros, na perda da autonomia dos
trabalhadores, na medida em que os mesmos se limitam à produção
de partes específicas da construção e, com isso se distanciam cada
vez mais do produto final de seu trabalho, extremando os processos
de alienação e estranhamento.
O relato de um mestre de obras sobre as suas funções no início
de sua profissão e as funções que hoje realiza foi enfático quanto a
esses processos de alienação e estranhamento:

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

Minha função era essa: eu pegava a casa pá dá pronta. As-


sim, tinha a pranta e o acompanhamento do engenheiro,
mas as veis ele passava uma vez por semana, entendeu? [...]
Era assim, a gente era o responsável pela obra, entendeu?
E hoje, eu acho que nem tem mais um pedreiro responsável
pela uma obra, o responsável é o engenheiro. Depois da
terceirização mudou muito por causa disso, cresceu mui-
to, né? [...] Então é assim, um faz uma coisa e o outro faz
outra é que nem eu falo, se der um defeito num foi eu, foi
fulano ai sai jogando pra cima do outro... Aí, acaba que não
sabe adonde é tá o erro... por causa dessas obras terceiri-
zadas né? Ai eu posso chegar ali, pegar uma parte da obra
só pá fazer o levantamento, eu levanto... entrego... levantei.
Quem vai fazer o acabamento ai, não é eu, quem vai fazer o
telhado não é eu. Eu fazia tudo! Eu levantava a obra, fazia,
ai a casa, a pessoa olhava assim e falava foi ocê que fez essa
casa? Foi.5
As novas formas de relação e organização do trabalho no setor
tem, portanto, intensificado a subordinação do trabalho ao capital.
Se antes os trabalhadores da construção civil, mesmo envolvidos
por outras formas de dominação igualmente alienantes, reconhe-
ciam, minimamente, o produto de seu trabalho que os enchiam de
orgulho, como demonstrado no relato, hoje, com a intensa frag-
mentação do trabalho e a realização das edificações por etapas e por
especificações, o trabalhador não se sente autorizado a dizer “fui eu
que fiz”. O produto de seu trabalho se dilui de tal forma, que impe-
de a sua identificação e reconhecimento.
Mesmo diante dessas condições, rumam para esse setor eco-
nômico milhares de trabalhadores desempregados, com baixa qua-
lificação os quais representam a essência do exército de reserva, ou
como denomina Mészáros (2002) são os “supérfluos” que vagueiam
de um lugar para outro em busca da sobrevivência.

5 Entrevista concedida em 01/11/2014 por um trabalhador da construção civil. A grafia foi man-
tida conforme a fala dos trabalhadores.

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EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

A pesquisa de doutoramento, realizada em Vitória da Conquista


– Bahia6, com trabalhadores e trabalhadoras assalariados e autôno-
mos da construção civil, mostra que nesse município, essa realidade
não é diferente. A construção civil tem sido o destino de muitos
trabalhadores de origem camponesa, com pouca ou nenhuma qua-
lificação e precarizados, seja das áreas rurais do próprio município
ou de outros municípios do Sudoeste baiano. Ao particularizar esse
quadro tendo como base os trabalhadores assalariados e autônomos
da construção civil entrevistados, na sede municipal em 2015, e ten-
do a escolarização como foco, vê-se que, em sua maioria, 66% não
ultrapassa o ensino fundamental. Destes, apenas 28% concluíram o
ensino fundamental, e 72% abandonaram os estudos nos primeiros
anos desse nível de ensino. Apenas 13% concluíram o ensino mé-
dio, e 20% o abandonaram em alguma de suas séries. Somente 1%
encontra-se cursando o ensino superior. Ao desagrupar esses da-
dos, percebe-se, que entre os autônomos encontram-se taxas maio-
res com menor escolarização e, entre os assalariados, uma discreta
ampliação da escolarização até a conclusão do ensino médio.
A vontade de dar continuidade aos estudos, manifestada entre
os trabalhadores assalariados, quase sempre está associada à garan-
tia de manutenção nos postos de trabalho e ao desejo de subir na
hierarquia da empresa. Aproximadamente 40% dos trabalhadores
assalariados almejam mudar de função na empresa. Acredita-se que
esse desejo de alcançar funções mais especializadas e com maior
rendimento salarial nos canteiros de obra justifica a subordinação
do trabalhador a uma educação profissional voltada para o aten-
dimento das exigências impostas pelo capital, ao tempo em que se
constitui numa estratégia dos trabalhadores de sobrevivência no
mercado de trabalho. Nesse sentido, os cursos técnicos oferecidos

6 Foram entrevistados 82 trabalhadores assalariados e autônomos que atuam na construção civil


na cidade de Vitória da Conquista - BA, em janeiro de 2015, para pesquisa de doutoramento,
em andamento. Os trabalhadores entrevistados desempenhavam diferentes funções no proces-
so de trabalho da construção civil, como: pedreiros, serventes, pintores, armadores, eletricistas,
encanadores, ceramistas, gesseiros, vidraceiros, carpinteiros, entre outros. Além disso, possuíam
diferentes idades e tempo de trabalho nessa atividade.

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

se constituem na única educação que os trabalhadores declararam


ter acesso e, portanto, cumpre as estratégias da formação da força
de trabalho em prol do capital.
Dentre os trabalhadores assalariados entrevistados, 39% declara-
ram já terem participado de algum curso profissionalizante que, em
geral, são cursos técnicos de curta duração. Entre estes, 33% assumi-
ram os custos com o curso, 47% tiveram os cursos oferecidos pelas
construtoras em que trabalhavam e 20% procuraram cursos gratuitos
oferecidos por instituições públicas de ensino, a exemplo do Servi-
ço Social da Indústria (SESI) ou empresas específicas de revenda de
materiais de construção. Quanto ao tempo de duração desses cursos,
embora os trabalhadores não soubessem precisar em horas, indicaram
o tempo em dias, semanas, meses ou anos em que participaram das
atividades, o que possibilitou chegar a um tempo aproximado desses
cursos. Assim, 27% são cursos de 6 a 12 horas (geralmente oferecidos
pelas empresas, no próprio local de trabalho e, quase sempre, tratam
de cursos práticos para habilitação do trabalhador no uso de algum
material na construção civil, a exemplo de assentamento de cerâmicas,
aplicação de produtos especiais em pinturas, uso de algum equipa-
mento, etc.); 20% são cursos de 40 horas (normalmente utilizam a
semana inteira e possuem as mesmas características do anterior ou
trata-se da habilitação de algum trabalhador específico, como o ser-
vente “orelha seca”7 para a condição de “servente prático”, ou ainda,
visam a capacitar os trabalhadores para as técnicas de segurança, orga-
nização de material para evitar desperdícios no canteiro de obras entre
outros temas abordados por esses cursos); 47% são cursos acima de
100 horas (estão relacionados a cursos por correspondência para al-
guma habilitação em mecânica, elétrica, hidráulica, entre outros), 6%
dos trabalhadores afirmaram ter participado de cursos com 2 anos de
duração e fizeram referência a cursos de técnicas de edificação.
Esse cenário corrobora a tese defendida por Frigotto, Ciavatta
e Ramos (2014) de que a educação profissional tem formado traba-
7 Essa denominação é dada aos trabalhadores que desempenham a função de servente e que não
possuem nenhuma experiência anterior.

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

lhadores para o trabalho barato ou trabalho simples. Essa constata-


ção faz recorrer à conclusão de Frigotto:
Pensar a educação escolar ou não-escolar separada do mundo
do trabalho, das relações sociais de produção, e dar-lhe como
função precípua a formação do cidadão para a democracia
(abstrata) é, uma vez mais, cair na armadilha que reserva uma
escola de elite para a classe dirigente e uma “multiplicidade
de escolas”, que vão desde a escola formal desqualificada,
“escolas” profissionalizantes (privadas ou público-privadas),
de formação profissional (SENAI, SENAC, SENAR), trei-
namento na empresa, até a “escola” das próprias relações
capitalistas de trabalho no interior do processo produtivo,
para a classe trabalhadora (1999, p. 186-187).
Contudo, ao se considerar tanto os trabalhadores assalariados
quanto os trabalhadores autônomos entrevistados, o aumento do
nível de escolarização ou realização de cursos profissionalizantes
não é um desejo expresso pela maioria. Ao contrário, a desesperan-
ça e a falta de perspectiva, ou mesmo, a crença de que o trabalho na
construção civil não depende do ensino formal, mas do “saber fazer
de ofício”, parecem imperar nos canteiros de obra.
Na interpretação de Kuenzer, isso ocorre porque os trabalha-
dores estão reduzidos à condição de mercadoria força de trabalho,
assim, o operário “[...] emprega todo o seu tempo disponível a ser-
viço da reprodução ampliada do capital [...]” (1995, p. 47), e, dessa
forma, não dispõe de tempo para realização de outras atividades
ligadas à educação, lazer, descanso, entre outras. Sendo assim, estão
dadas as condições para que o acesso à ciência e ao conhecimento
desempenhe um papel importante na divisão do trabalho. Ainda tri-
lhando as análises de Kuenzer,
[...] a ciência desenvolvida pelo capital e a seu serviço é a ex-
propriação do conhecimento do trabalhador. Paralelamente
a um pequeno número de funcionários altamente qualifica-
dos, que dominam todo o saber sobre o trabalho, se desen-
volve uma imensa massa de operários desqualificados, que

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

não dominam mais que o conhecimento relativo à sua tarefa


parcial e esvaziada de significado pela simplificação do pro-
cesso produtivo, cuja função é a eterna geração da mais-valia
(1995, p. 47).
Por essa razão, os trabalhadores assalariados e autônomos en-
trevistados, com baixa escolaridade ou que nunca participaram de
cursos profissionalizantes, afirmam ter aprendido a profissão ob-
servando, praticando, fazendo ou seguindo as orientações de um
mestre. É muito comum a transmissão do ofício entre parentes. Na
memória dos trabalhadores esse processo é muito bem marcado.
Ao ser perguntado sobre como aprendeu a profissão um mestre de
obra, ao rememorar, responde:
Escola não foi ... . Aprendi, praticamente por mim mesmo.
E da ajuda as vêis de um pedreiro, por exemplo, que ele me
ensinou, foi me ajudando, pegando na culé, ai... tá, tá, vai
que eu tô gostando de você (refere-se à fala do mestre de
obras) ... e foi assim e ai fui rompeno... Ai, eu fui me soltando
sozim, ai eu deixei de trabaiá mais com o mestre de obras, e
comecei a trabaiá mais sozim por minha conta...
Eu não tenho diploma de mestre de obra não, eu tenho só
prática, agora aprendi tudo com pessoas que sabiam traba-
lhar e tinham gosto de ensinar 8.

Essa rememoração do processo de aprendizagem no trabalho


da construção civil revela os contornos de um aprendizado tácito,
de ofício transmitido de geração para geração. Essa forma de apren-
dizado aparece bem assinalada nas primeiras experiências dos traba-
lhadores da construção civil como mostra essa narrativa:
Começar mesmo, começou em 1972, fui pra São Paulo eu já
sabia levantar casa, mas não sabia fazer uma casa... Eu fazia
alicerce ainda de pedra, não fazia viga não fazia nada, daí fui

8 Entrevista concedida em 02/11/2014 por um mestre de obra. A grafia foi mantida conforme a
fala dos trabalhadores.

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

prá São Paulo daí lá entrei numa firma, fui trabalhar com
engenheiro, um engenheiro da firma e um mestre de obra,
um cabra legal demais! Ele (o mestre) tinha gosto de ensinar
uma pessoa trabalhar, ele tinha gosto mesmo. Entrava um
cara que não sabia trabalhar, ele encostava, ele mandava, ele
pegava um cara mais experiente e falava ó: ensina essa pessoa
ai que ele não sabe. Ensina ai, vamo fazer dele um pedreiro.
Era assim [...] Chamava até Orlando, aí eu fui aprendendo
trabalhar e ele me pegava, passava a pranta e ele falava: olha
a pranta! é assim, oia como é que é: assim, assim, assim [...]
aprenda.9
Para muitos trabalhadores da construção civil de origem cam-
ponesa, a escolarização ocorreu em concomitância com o trabalho,
e, nesses termos, segundo Martins,
[...] assume, por outro lado, um caráter geral na experiência
de vida dos que tiveram acesso à escola, independentemente
de distinções fundamentais como a que se poderia fazer en-
tre proprietários e não – proprietários, pequenos e grandes
proprietários, arrendatários e assalariados ou semi-assalaria-
dos (1975, p. 87).
A baixa escolaridade dos trabalhadores aprofunda a separação
do trabalho em manual e intelectual e nutre os conflitos entre os
mesmos. Na construção civil, de um lado, estão os trabalhadores
que pensam, planejam (arquitetos e engenheiros) e, do outro, os que
executam, passivamente, os projetos (demais trabalhadores). Essa
divisão traz à tona as diferentes formas de acesso ao conhecimento.
Nas declarações desse mestre de obras estão as marcas desse
conflito:
O engenheiro sabe assentar cerâmica? Não sabe. Ele sabe
depois de assentada é se tá boa, se tá reta, se tá toda linheira,
se não tem diferença nenhuma [...] Aí é que eu digo, quem
assenta cerâmica não é o engenheiro, nem nada ... tem que

9 Entrevista concedida em 01/11/2014 por um mestre de obra. A grafia foi mantida conforme a
fala dos trabalhadores.

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EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

ter prática. Ele (o pedreiro) começou a assentar cerâmica


tem inteligência e ai com a prática ele faz o serviço todo
certinho...10
Se por um lado, o orgulho dos trabalhadores com a aprendiza-
gem por meio da prática e da experiência parece justificar, em parte,
a baixa escolaridade, por outro lado, não se pode desconsiderar que
essa baixa escolaridade não tem sido um problema para a expansão
da produtividade e lucratividade na construção civil, ao contrário,
ainda se constitui em uma vantagem no que se refere à redução
dos custos com a contratação da força de trabalho e, portanto, um
instrumento para a acumulação. Essa estratégia tem sido apontada,
por alguns pesquisadores, como mais vantajosa que a inserção tec-
nológica no setor.
Essas condições gerais dos trabalhadores na construção civil
têm determinado o grau de subordinação dos mesmos às formas
de exploração e dominação tanto nos postos de trabalho ofereci-
dos pelas empresas construtoras, quanto naqueles buscados pelos
autônomos, pois para muitos representam a luta pela sobrevivência.
Assim, submetem-se aos diferentes mecanismos das empresas ou
dos contratantes particulares para aumentarem a produtividade e
ampliarem a lucratividade.
Vê-se, então, que a intensa divisão do trabalho que impulsiona
a acumulação capitalista produz um efeito devastador para os traba-
lhadores da construção civil. Como dito, nos canteiros de obras, os
interesses se chocam, as relações de poder e dominação se instalam
entre os próprios trabalhadores. As pautas de reivindicações não
se convergem e a luta enfraquece. Enquanto os trabalhadores de
digladiam, o capital se reproduz livremente à custa da exploração e
da precarização do trabalho.
A esses trabalhadores é oferecida uma educação profissional
comprometida com os interesses do capital e distante dos interesses
da classe trabalhadora. Contudo, é possível pensar numa educação

10 Entrevista concedida em 01/11/2014 por um mestre de obra.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

que, como propõe Mészáros (2005), esteja “para além do capital” e


que recupere a concepção de educação como forma de emancipa-
ção humana. Ou ainda, como nos motiva Kuenzer, ao acreditar que,
mesmo com a adoção de novas formas de organização e concep-
ções de trabalho no interior da produção capitalista de mercadorias,
“[...] é aí que, lenta e contraditoriamente, vão surgindo as formas de
superação” (1995, p. 15).
Outras fontes de inspiração para se pautar as estratégias de luta
são as contribuições de Lukács (2003), as quais advertem que não
são a soma dos pensamentos ou os sentimentos individuais que
emergem a consciência de classe. Mas, ao contrário, a consciência
de classe é um produto social, portanto está acima das percepções
individuais. Isso pode explicar como trabalhadores que defendem
interesses distintos conseguem se perceber como classe e, mais que
isso, ter consciência de si e empreender as suas lutas. Nessa mesma
direção figuram as reflexões de Antunes (2011) ao considerar que
essa heterogeneidade, fragmentação e complexidade não pode signi-
ficar o fim do papel central da classe trabalhadora. Pois, para Antu-
nes, “[...] o desafio maior da classe-que-vive-do-trabalho, nesta vira-
gem do século XX para o XXI, é soldar os laços de pertencimento
de classe existentes entre os diversos segmentos que compreendem
o mundo do trabalho” (2011, p. 43-44).
São essas pressuposições que devem iluminar as estratégias de
luta dos trabalhadores e, mais especificamente, dos trabalhadores
da construção civil, na busca pela superação da subordinação aos
interesses do capital e de uma educação que objetiva a emancipação
humana.

Considerações Finais

O percurso feito ao longo do texto, sobre as intrínsecas relações


da educação com a divisão do trabalho numa sociedade de classes,
evidencia a edificação de uma educação profissional comprometida
com a lógica da acumulação capitalista, ao garantir e controlar uma

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

educação para o trabalho em que o conhecimento é desenvolvido


pelo capital e está a seu serviço.
Nessa investida contra a educação dos trabalhadores não se
pode desconsiderar o protagonismo do Estado que, como visto, cria
os mecanismos de planejamento e execução de práticas educativas
subordinadas às exigências do mercado de trabalho.
Nessa cruzada contra a educação dos trabalhadores, o capital
tem como principal mecanismo a intensificação da divisão do tra-
balho que, em tempos de acumulação flexível, fragmenta e comple-
xifica o trabalho e os trabalhadores, e agravam os processos de alie-
nação e estranhamento, para permitir a ampliação da produtividade
e da lucratividade.
A construção civil, dentre outras atividades econômicas, ilus-
tra bem esses processos em que a educação tácita, não institucio-
nalizada de pedreiros e serventes, vai aos poucos sendo subsumida
por uma educação profissional comprometida com as exigências
dos novos meios de produção capitalista. Desse modo, sobra para
esses trabalhadores uma educação em que a formação técnica
cumpre o objetivo de treinar ou adestrar o trabalhador para o tra-
balho. Nesse sentido, nega-se aos trabalhadores uma educação que
permita romper com os processos de alienação e estranhamento
e instituir uma “ordem social metabólica radicalmente diferente”,
em que os objetivos sejam determinados pelos interesses dos tra-
balhadores, e não pelos interesses do processo de produção de
mercadorias.
Nessa perspectiva, como nos ensinam Lukács (2003), Mészáros
(2005), Frigotto (1989/1999), Rossler (2004), Kuenzer (1995), An-
tunes (2011), entre outros, se por um lado, a educação se constitui
em um instrumento poderoso em prol da consolidação e perpetu-
ação do sistema do capital, por outro, também pode desempenhar
um papel revolucionário, para empreender a luta em prol da eman-
cipação humana.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, DIVISÃO DO TRABALHO E OS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
4
A INTRÍNSECA RELAÇÃO ENTRE O ESTADO CAPITALISTA E AS POLÍTICAS SOCIAIS

A INTRÍNSECA RELAÇÃO ENTRE O


ESTADO CAPITALISTA E AS POLÍTICAS
SOCIAIS

Daiane A. R. Becker
Edaguimar Orquizas Viriato

Introdução

O presente artigo faz parte da dissertação de Mestrado desen-


volvida no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação
Nível de Mestrado/PPGE, na UNIOESTE/Cascavel, cujo objeti-
vo consistiu na análise dos princípios pedagógicos referentes à for-
mação discente contidos na legislação voltada ao ensino médio e à
educação profissional técnica de nível médio, após a LDB 9.394/96.
Particularmente para este artigo, buscamos analisar as caracte-
rísticas do Estado Capitalista, considerando as formas de organiza-
ção que este foi assumindo no cenário histórico, a partir do século
XVIII, assim como sua relação com as políticas sociais. Destacamos
as características do Estado Liberal, do Estado de Bem-Estar Social
e o Estado Neoliberal, identificando as relações que este Estado
Capitalista estabelece com as políticas sociais. Utilizamos como re-
ferência, para estabelecer o diálogo sobre o assunto tratado, autores
que discutem a organização do Estado Capitalista e os que analisam
as políticas sociais na relação com este Estado.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
91
A INTRÍNSECA RELAÇÃO ENTRE O ESTADO CAPITALISTA E AS POLÍTICAS SOCIAIS

Considerações sobre o Estado Capitalista: Estado


Liberal, Estado de Bem-Estar Social e Estado Neoliberal

Adam Smith, principal representante do liberalismo do século


XVIII, argumentou que “os homens eram inteiramente impulsio-
nados pelo desejo de melhorar sua condição e o aumento de seus
bens (ganho material) era o meio pelo qual a maioria deles conseguia
essa condição melhor” (CARNOY, 2004, p. 36). Compreendemos,
assim, que a busca do interesse próprio estava atrelada a questões
econômicas de melhorias de condições materiais. Para Smith, o pa-
pel do Estado sob esta dinâmica tornava-se secundário, pois quem
controlaria a organização das relações da sociedade seria a “mão
invisível do mercado”; ao Estado caberia atuar nas relações em que
não seria conveniente o mercado intervir.
Nesta perspectiva, tendo o mercado como regulador das rela-
ções sociais, políticas e econômicas, o trabalho se apresenta como
fonte principal para aumentar a riqueza individual e a própria rique-
za da nação (SMITH, 1988). A divisão social do trabalho, na qual as
pessoas realizam diferentes funções, torna-se necessária e natural,
pois cada um possui também necessidades diferentes. Nas palavras
do autor,
(...) entre os homens, os caracteres e habilidades mais dife-
rentes são úteis uns aos outros, as produções diferentes dos
respectivos talentos e habilidades, em virtude da capacidade
e propensão geral ao intercâmbio, ao escambo e à troca, são
como que somados em um cabedal comum, no qual um pode
comprar qualquer parcela da produção dos talentos dos ou-
tros, de acordo com suas necessidades. (SMITH, 1988, p. 26)
É notável que, para Smith, é necessário que as pessoas reali-
zem diferentes trabalhos conforme a capacidade de cada um, pois
as necessidades são diferentes, dependendo da classe social a que o
indivíduo pertença.
Friedman também compartilha desta concepção de que os ho-
mens são diferentes e, portanto, possuem necessidades diferentes,

92 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
A INTRÍNSECA RELAÇÃO ENTRE O ESTADO CAPITALISTA E AS POLÍTICAS SOCIAIS

sendo responsabilidade de cada indivíduo realizar suas próprias es-


colhas. Ao definir a essência da filosofia liberal, assim a explica:
A essência da filosofia liberal é a crença na dignidade do indi-
víduo, em sua liberdade de usar ao máximo suas capacidades
e oportunidades de acordo com suas próprias escolhas, su-
jeito somente à obrigação de não interferir com a liberdade
de outros indivíduos fazerem o mesmo. Este ponto de vista
implica a crença da igualdade dos homens num sentido, em
sua desigualdade noutro. Todos os homens têm o mesmo di-
reito à liberdade. Este é um direito importante e fundamen-
tal precisamente porque os homens são diferentes, pois um
indivíduo quererá fazer com sua liberdade coisas diferentes
das que são feitas por outros; e tal processo pode contribuir
mais do que qualquer outro para a cultura geral da sociedade
em que vivem muitos homens (FRIEDMAN,1988, p. 175).
É importante destacar que, embora o liberalismo esteja pautado
nas leis do mercado, o mercado por si mesmo não é suficiente para
manter em pleno funcionamento o capitalismo. Desta forma, a in-
tervenção do Estado se faz necessária à medida que:
Algum grau de ação coletiva- de modo geral, a regulamenta-
ção e a intervenção do Estado- é necessário para compensar
as falhas de mercado (tais como os danos inestimáveis ao
ambiente natural e social), evitar excessivas concentrações
de poder de mercado ou combater o abuso do privilégio do
monopólio quando este não pode ser evitado (em campos
como transporte e comunicações), fornecer bens coletivos
(defesa, educação, infra-estruturas sociais e físicas) que não
podem ser produzidos e vendidos pelo mercado e impedir
falhas descontroladas decorrentes de surtos especulativos,
sinais de mercado aberrantes e o intercâmbio potencialmen-
te negativo entre expectativas dos empreendedores e sinais
de mercado (o problema das profecias auto-realizadas no de-
sempenho do mercado). (HARVEY, 2010, p.118)
Conforme Fridman:

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
93
A INTRÍNSECA RELAÇÃO ENTRE O ESTADO CAPITALISTA E AS POLÍTICAS SOCIAIS

A existência de um mercado livre não elimina, evidentemen-


te, a necessidade de um governo. Ao contrário, um governo
é essencial para a determinação das “regras do jogo” e um
árbitro para interpretar e pôr em vigor as regras estabeleci-
das. O que o mercado faz é reduzir sensivelmente o número
de questões que devem ser decididas por meios políticos- e,
por isso, minimizar a extensão em que o governo tem que
participar diretamente do jogo. (FRIEDMAN, 1988, p. 23)
No entanto, Borón afirma que de acordo com a concepção de
Friedman,
(...) o mercado e o Estado são princípios de organização so-
cial antagônicos e irreconciliáveis; aquele não só é importan-
te em termos de desempenho econômico, mas é por sua vez
o núcleo fundamental que preserva a liberdade econômica
e política. O segundo, ao contrário, é o depositário - pelo
menos tendencialmente - da coerção e do autoritarismo; é o
berço da opressão, tanto como o mercado o é da liberdade.
(BORÓN, 1994, p. 52)
Hayek, economista austríaco, representante do liberalismo clás-
sico, também compartilhava com a ideia da necessidade de o Estado
estar atuando em determinados setores da sociedade, pois segundo
ele:
Em nenhum sistema racionalmente defensável seria possível
o Estado ficar sem qualquer função. Um sistema eficaz de
concorrência necessita, como qualquer outro, de uma estru-
tura legal elaborada com inteligência e sempre aperfeiçoada.
(HAYEK, 1987, p. 60)
Isto apenas reforça o caráter interventor do Estado, e o pa-
pel que o mesmo tende a desempenhar enquanto legitimador dos
princípios hegemônicos. Hayek desenvolveu, a partir de 1940, uma
teoria chamada de Teoria da Desigualdade Produtiva, na qual consi-
derava a desigualdade como algo muito produtivo, enquanto a igual-
dade resultava em improdutividade. Para ele,

94 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
A INTRÍNSECA RELAÇÃO ENTRE O ESTADO CAPITALISTA E AS POLÍTICAS SOCIAIS

(...) a desigualdade gerava competição, a competição geraria


qualidade e a quantidade aumentaria a riqueza. A sociedade
transformar-se-ia em uma sociedade livre e, ao mesmo tem-
po, unida, sem pobres (VIEIRA, 2001, p. 21).
Desta forma, é possível perceber que na concepção liberal de-
fendida por Hayek, a concorrência efetiva é a melhor maneira de
orientar os esforços individuais (HAYEK, 1987, p. 58). Hayek, assim
como os outros defensores do liberalismo, deposita no indivíduo a
responsabilidade por seu sucesso ou fracasso, incumbindo apenas
para ele, por meio de seus esforços individuais, a tarefa de competir
no livre mercado. Segundo Hayek, “é esse reconhecimento do in-
divíduo como juiz supremo dos próprios objetivos, é a convicção
de que suas idéias deveriam governar-lhe tanto quanto possível a
conduta, que constitui a essência da visão individualista”. (HAYEK,
1987, p.76)
Para enfatizar esta visão individualista e da responsabilização
dos indivíduos pela condição econômica e social em que se encon-
tram, utilizamo-nos das palavras de Hayek:
Os valores econômicos são-nos menos importantes do que
muitas outras coisas justamente porque em matéria de eco-
nomia temos liberdade para decidir o que é mais (ou menos)
importante para nós. Ou, bem poderíamos dizê-lo, porque
na sociedade atual cabe a nós resolver os problemas econô-
micos da nossa existência. (HAYEK, 1987, p.100)
Por meio desta afirmação, podemos nos perguntar: para que
grupo social é permitido escolhas? Será que os valores econômi-
cos não interferem na possibilidade de escolha? Como argumen-
ta Hayek: “Nossa liberdade de escolha, no regime de concorrên-
cia, repousa na possibilidade de podermos procurar outra pessoa
para satisfazer os nossos desejos, caso alguém se recuse a fazê-lo”.
(HAYEK, 1987, p. 101)
Em uma sociedade capitalista onde o que regem são os princí-
pios do mercado e até mesmo os serviços básicos de saúde, educa-

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
95
A INTRÍNSECA RELAÇÃO ENTRE O ESTADO CAPITALISTA E AS POLÍTICAS SOCIAIS

ção, entre outros, se tornam mercadorias, acreditamos ser questio-


nável a afirmação de que todas as pessoas podem escolher quem irá
satisfazer os seus desejos, pois cada um até poderá, de certa forma,
escolher quem irá satisfazer seus desejos, mas dentro das limitações
econômicas de cada um. Uma pessoa com uma situação econômica
bastante favorável, ao necessitar de serviços médicos, poderá esco-
lher entre os melhores médicos, aquele que ela gostaria que a aten-
desse. Nesta mesma situação, mas sendo uma pessoa que consegue,
por meio do trabalho árduo, apenas os elementos necessários para
a sobrevivência, não teria como escolher entre os melhores médi-
cos, mas sim teria que recorrer ao sistema público de saúde, que, na
maioria das vezes, não lhe permite escolhas.
No entanto, utilizar-se do discurso de que no sistema de con-
corrência há a possibilidade de escolhas e que são os sujeitos, por
meio de seus esforços individuais, que conseguem melhorar suas
condições materiais e sociais de existência, faz com que os próprios
sujeitos se considerem os únicos responsáveis por estarem nas con-
dições em que se encontram, tornando-os passivos em relação ao
questionamento das reais causas que resultaram as suas condições.
Na citação abaixo, fica claro como o pensamento liberal faz com
que os sujeitos se sintam no dever de se esforçarem ao máximo, pois
disso é que resultarão as melhorias das condições de vida:
Nada é mais intolerável do que saber que nenhum esforço
de nossa parte pode mudar as circunstâncias; e, mesmo que
nunca tenhamos a força de vontade suficiente para fazer o
sacrifício necessário, saber que poderíamos escapar se nos
esforçássemos bastante torna suportáveis muitas situações,
por piores que sejam. (HAYEK, 1987, p. 103)
Borón, ao se referir à concepção liberal de Friedman, descons-
trói a ideia de escolher entre ingressar no mercado de trabalho ou
ficar à margem dele, pois:
O que Friedman caracteriza como as duas “novidades” do
capitalismo moderno, a empresa e o dinheiro, são apenas ex-

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
A INTRÍNSECA RELAÇÃO ENTRE O ESTADO CAPITALISTA E AS POLÍTICAS SOCIAIS

pressões fenomênicas que remetem a um fato muito mais


profundo e que não pode ser desconhecido por esse autor:
a violenta separação do produtor direto de seus meios de
produção. Esta massiva expropriação de homens e de mu-
lheres- aos quais a formação da economia capitalista deixa
apenas munidos de sua força de trabalho - os obriga a ir
ao mercado, independentemente de que o desejem, com o
objetivo de buscar recursos necessários para a simples sub-
sistência. Em nenhum país do mundo esse processo foi leva-
do a cabo mediante uma consulta democrática. A ninguém
foi perguntado se queria ou não ingressar no capitalismo.
Foi um fato consumado a sangue e fogo, como o registra
abundantemente a monumental bibliografia existente sobre
a matéria. (BORÓN, 1994, p. 61)
O autor ainda afirma:
Uma vez realizada a separação do produtor direto de seus
meios de subsistência, a venda de sua força de trabalho no
mercado não pode ser concebida como uma expressão de
sua liberdade mas precisamente de sua submissão. Que sen-
tido teria falar de uma “liberdade de sobreviver”? (BORÓN,
1994, p.62).
Assim como a filosofia liberal defende a liberdade de escolha,
o individualismo e a concorrência, ela defende também a garantia
de um “mínimo” para que os sujeitos continuem participando do
mundo produtivo. Desta forma, “não há dúvida de que, no tocante
a alimentação, roupas e habitação, é possível garantir a todos um mí-
nimo suficiente para conservar a saúde e a capacidade de trabalho”.
(HAYECK, 1987, p. 124)
Hayek e Friedman, ao defenderem os princípios liberais a partir
dos anos de 1940, entravam em embate com os defensores da so-
cial-democracia que apresentavam seu apogeu no ano de 1930.
Segundo Vieira:
O “Welfare State” é uma aderência social-democrata, assu-
mida pelo Partido Trabalhista Britânico, fundado no começo

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
97
A INTRÍNSECA RELAÇÃO ENTRE O ESTADO CAPITALISTA E AS POLÍTICAS SOCIAIS

do século XX, que resolve construir um Estado com amplos


serviços sociais, baseado em dois princípios keynesianos: a
busca do pleno emprego; e o desenvolvimento acelerado pelo
investimento do Estado em combinação com o investimento
privado e com a poupança popular. (VIEIRA, 2001, p. 20)
Desta forma, podemos afirmar que o Welfare State, ou Estado
de Bem-Estar Social:
Apesar de seu caráter parcial, dado que não chegou a alte-
rar sua essência classista, essa abertura significou uma enor-
me conquista para as classes dominadas; por isso seria um
gravíssimo erro de perspectiva considerar o Welfare State e a
moderna democracia capitalista tão-somente como produtos
de uma demoníaca conspiração da burguesia para enganar
as massas. Integradas de maneira permanente à vida estatal,
sua presença deu lugar a uma extraordinária expansão dos
serviços assistenciais e das agências governamentais encar-
regadas de sua atenção. Ao mesmo tempo, as instituições
político-representativas adquiriram uma inédita consistência
realimentando dessa maneira a força dos setores populares
no seio dos aparatos estatais. (BORÓN, 1994, p. 77).
Keynes, principal representante do Estado de Bem-Estar Social,
(...) não só proclamou o fim do laissez-faire como, também,
desenhou um elaborado conjunto de prescrições que na
prática assignavam ao Estado o papel reitor no processo de
acumulação capitalista. Com Keynes “o capitalismo se torna
marxista”, reconhecendo o caráter estrutural de suas endê-
micas contradições e confiando ao Estado- esse “capitalista
coletivo ideal” de que falava Engels- as tarefas de sua própria
organização. O mercado, que havia sido incapaz de organizar
racionalmente a exploração capitalista, cedia sua vez ao Esta-
do. (BORÓN, 1994, p. 160)
Compreendemos, portanto, que o Estado de Bem-Estar Social
demonstrou que foi possível proporcionar para a população maio-
res investimentos em serviços públicos,

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
A INTRÍNSECA RELAÇÃO ENTRE O ESTADO CAPITALISTA E AS POLÍTICAS SOCIAIS

(...) mais do que isso, demonstrou que - dentro de certos


limites toleráveis para as classes dominantes - se podia re-
distribuir a riqueza; construir casas, hospitais e escolas, pro-
mover uma sociedade mais igualitária e oferecer uma gama
extraordinária de bens públicos. Em suma, comprovou-se
que com vinte anos de reformas o Estado democrático pôde
fazer- no que concerne ao bem-estar coletivo e à dignidade
cidadã das classes subalternas- muitíssimo mais do que fez
o mercado no transcurso de dois séculos. (BORÓN, 1994,
p. 167)
Ao analisar o percurso da história no que consiste na relação
entre Estado e mercado, Borón afirma que:
O mercado demonstrou ser completamente inútil para resol-
ver estes problemas e não porque funcione mal, mas porque
sua missão não é a de fazer justiça mas a de produzir lucros.
Por isso a iniciativa privada não criou sistemas de saúde para
atender as classes populares; tampouco vez nada para asse-
gurar habitação para os setores de menores ingressos; sua
contribuição para a capacitação da força de trabalho foi qua-
se insignificante. Ao contrário, acentuou as tendências para
a desigualdade social ao promover extraordinárias disparida-
des na distribuição de renda. (BORÓN, 1994, p.204)
Com as mudanças ocorridas na organização econômica nas dé-
cadas de 1970 e 1980, onde inicia um processo de transição para
um novo modelo de acumulação do capital, passando do modelo
fordista para a acumulação flexível, inicia-se a partir destes fatos nos
países de capitalismo central um movimento para dar espaço a uma
nova conjuntura política, mais de acordo com as necessidades que
o novo modelo de acumulação do capital estava a exigir. Desta for-
ma, o Estado deveria ser flexível, que atuasse por meio das políticas
sociais apenas nos setores em que o mercado não fosse capaz de
atender às demandas. Iniciou-se, portanto, o processo de implanta-
ção do neoliberalismo.
Fiori caracteriza o neoliberalismo como

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
99
A INTRÍNSECA RELAÇÃO ENTRE O ESTADO CAPITALISTA E AS POLÍTICAS SOCIAIS

(...) uma vitória ideológica que abre portas e legitima uma


espécie de selvagem vingança do capital contra a política e
contra os trabalhadores. Isto acontece porque essa vitória
neoliberal se dá logo após uma época em que as políticas
públicas e a luta dos trabalhadores conseguiram em conjunto
construir uma das obras institucionais que eu reputaria das
mais complexas e impressionantes que a humanidade con-
seguiria montar, o que foi o chamado welfare state. (FIORI,
1997, p. 205)
Quando, porém, falamos em neoliberalismo, precisamos ter em
mente que neoliberalismo pouco se difere do liberalismo do séc.
XVIII. Petras (1997) aponta algumas diferenças entre liberalismo e
o neoliberalismo:
No início, os liberais abriam mercados; agora os neoliberais
mudam do mercado doméstico para o externo, minando as
bases dos mercados locais para atender aos consumidores
internacionais. O liberalismo converteu os camponeses em
proletários; o neoliberalismo converte os trabalhadores as-
salariados em setores “informais”, lupens, ou de trabalhado-
res autônomos. O liberalismo foi forçado pelo movimento a
aceitar a legislação trabalhista, a previdência social e as em-
presas públicas; o neoliberalismo prejudica o movimento tra-
balhista, elimina a legislação social e representa um retorno à
fase inicial do liberalismo, anterior à existência dos sindicatos
e dos partidos de trabalhadores. O liberalismo estimulou o
crescimento das cidades e dos complexos urbano-industriais;
o neoliberalismo prejudica as cidades, transformando-as em
enormes favelas, dividindo-as entre os muito ricos e os mui-
to pobres, com uma classe média que tende a desaparecer
(PETRAS, 1997, p. 17).
Estas mudanças ocorreram devido a uma reestruturação social
que foi necessária para que as necessidades do novo modelo de acu-
mulação do capital fossem atendidas.
Por meio destas considerações acerca das formas de organi-
zação que o Estado Capitalista foi assumindo, é possível retomar

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
A INTRÍNSECA RELAÇÃO ENTRE O ESTADO CAPITALISTA E AS POLÍTICAS SOCIAIS

as ideias de Marx a respeito da essência do Estado, pois, embora o


Estado tenha assumido diferentes formas de organização, os ele-
mentos estruturantes deste Estado, como a luta de classes, a relação
entre capital e trabalho, permaneceram e permanecem inalteradas,
ora aparecem de forma mais acentuada, ora de forma mais amena.
Assim, ao se referir à constituição deste Estado moderno, Marx
indica que
(...) não é o Estado que funda a sociedade civil pelo contrá-
rio, é a sociedade civil, entendida como o conjunto das rela-
ções econômicas (essas relações econômicas são justamente
a anatomia da sociedade civil), que explica o surgimento do
Estado, seu caráter, a natureza de suas leis, e assim por dian-
te. (GRUPPI, 1980, p. 27)
Assim, podemos afirmar que não é o Estado que determina
as relações econômicas, porém, ele é um elemento essencial dessas
relações, justamente porque as garantem e a sustentam.
Engels contribui na perspectiva desta análise da origem do Es-
tado moderno, quando afirma que o mesmo se tornou uma neces-
sidade à medida que a sociedade foi atingindo estágios avançados
de desenvolvimento econômico, sendo que o Estado é resultado da
divisão da sociedade em classes.
Engels indica que este Estado é:
A confissão de que essa sociedade se enredou numa irremedi-
ável contradição com ela própria e está dividida por antagonis-
mos irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para que
esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos
colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa
luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparente-
mente por cima da sociedade, chamado a amortecer a choque
e a mantê-lo dentro dos limites da “ordem”. Este poder, nas-
cido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada
vez mais, é o Estado. (ENGELS, 2002, p. 135-136)
O Estado neste sentido é responsável por regulamentar a luta
de classes e mediar esta correlação de força existente entre as classes
ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:
DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
101
A INTRÍNSECA RELAÇÃO ENTRE O ESTADO CAPITALISTA E AS POLÍTICAS SOCIAIS

antagônicas. Como afirma Lénini, “o Estado é uma máquina desti-


nada a manter o domínio de uma classe sobre a outra” (LÉNINI,
1975, p. 138).
Assim, ao caracterizar a essência da constituição do Estado mo-
derno, Engels afirma:
Como o Estado nasceu da necessidade de conter o anta-
gonismo das classes, e como, ao mesmo tempo, nasceu em
meio ao conflito delas, é, por regra geral, o Estado da classe
mais poderosa, da classe economicamente dominante, classe
que por intermédio dele, se converte também em classe poli-
ticamente dominante e adquire novos meios para a repressão
e exploração da classe oprimida. Assim, o Estado antigo foi,
sobretudo, o Estado dos senhores de escravos para manter
os escravos subjugados; o Estado feudal foi o órgão de que
se valeu a nobreza para manter a sujeição dos servos e cam-
poneses dependentes; e o moderno Estado representativo
é o instrumento de que se serve o capital para explorar o
trabalho assalariado. (ENGELS, 2002, p. 137)
Por meio desta citação podemos compreender que o Estado
surge concomitantemente à divisão de classes, onde as mesmas pos-
suem interesses antagônicos que precisam ser mediados por uma
instituição jurídica e que este mesmo Estado atende de forma mais
enfática os interesses da classe dominante e se organiza conforme a
organização do modo de produção de uma determinada sociedade
para garantir seu pleno funcionamento.
Marx, ao se referir ao estado capitalista, argumentava que tendo
a origem do Estado ligada às relações de produção, o mesmo, “não
representa o bem comum, mas é a expressão política da classe do-
minante. O Estado capitalista é a resposta à necessidade de mediar
o conflito de classe e manter a ‘ordem’, uma ordem que reproduz o
domínio econômico da burguesia”. (CARNOY, 1984, p. 21)
Portanto, a essência do Estado é baseada nos princípios da bur-
guesia, nos princípios da sociedade dividida em classes.
Assim:

102 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
A INTRÍNSECA RELAÇÃO ENTRE O ESTADO CAPITALISTA E AS POLÍTICAS SOCIAIS

Compreendemos o Estado capitalista como a representação


processual e contraditória de interesses de classes ou de suas
frações, e como uma componente do próprio processo de
acumulação de capital que não sobrevive sem a força da mão
estatal, e, para que esse processo seja permanentemente ali-
mentado, a forma assumida pelo Estado é uma de suas con-
dições pilares. (XAVIER e DEITOS, 2006, p. 68)

As Políticas Sociais no cenário do Estado Capitalista

Na seção anterior, discutimos as formas de organização do Esta-


do Capitalista, na qual a relação entre Estado, capital e trabalho per-
manece inalterada. Assim, a luta de classes, e a relação de dominação
de uma classe sobre a outra, precisa ser mediada pelo Estado para
que haja certo equilíbrio na sociedade. Utiliza-se assim, das políticas
sociais para assegurar um mínimo necessário para a sobrevivência e
para o trabalhador se manter ativo no processo de exploração, por
meio da venda de sua força de trabalho. De acordo com Faleiros, “o
Estado deve assegurar um mínimo, sem afetar as condições de fun-
cionamento do mercado, onde cada um e todos possam usufruir do
maior número possível de vantagens”. (FALEIROS, 1980, p. 43)
Ao conceber as políticas sociais como resultados dos embates
políticos entre as classes, Deitos afirma que
(...) as políticas sociais compreendem um conjunto de neces-
sidades sociais e políticas estabelecidas socialmente numa de-
terminada sociedade, como resultado e expressão da forma
social de reprodução das condições materiais da existência.
Como produto e parte da repartição da riqueza socialmente
produzida, a política social corresponde ao embate das for-
ças sociais. O Estado como característico de uma instituição
social e político-militar estratégica da sociedade de classes
aparece como mediador-chave do processo de repartição so-
cial da riqueza na forma de políticas sociais implementadas
(DEITOS, 2010, p. 211).

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
103
A INTRÍNSECA RELAÇÃO ENTRE O ESTADO CAPITALISTA E AS POLÍTICAS SOCIAIS

Assim, as políticas sociais se apresentam como o resultado da


constante disputa entre as classes, pois “a política social nada mais é
do que uma parte da síntese possível das tensões e disputas econô-
micas, sociais e políticas, e, portanto, das contradições que geram”.
(XAVIER e DEITOS, 2006, p. 69)
Nesta mesma perspectiva:
As políticas de saúde, educação, habitação, trabalho, assis-
tência, previdência, recreação e nutrição são objeto de luta
entre diferentes forças sociais, em cada conjuntura, não
constituindo, pois, o resultado mecânico da acumulação nem
a manifestação exclusiva do poder das classes dominantes
ou do Estado. Essas políticas não caem do céu, nem são um
presente ou uma outorga do bloco de poder. Elas são ga-
nhos conquistados em duras lutas e resultados de processos
complexos de relação de forças. (FALEIROS, 1991, p. 33
apud, DEITOS, 2010, p. 211)
Quando relacionamos as políticas sociais com o Estado neoli-
beral, Vieira afirma
(...) que a política social do neoliberalismo atende os indigen-
tes. Quem são os indigentes? São aqueles que não têm condi-
ções de gerar a mínima renda que se atende-se como forma
de política social. Mas isso não é política social, política so-
cial não é um serviço de distribuição de sopa, de distribuição
de leite; política social é uma estratégia governamental de
intervenção. Os serviços sociais vêm se transformando em
mercadorias, eles devem ser vendidos: assim deve ser ven-
dida a saúde, deve ser vendida a educação, etc... Os serviços
sociais são desmontados e vendidos. (VIEIRA, 2001, p. 24)
Neste sentido, “as políticas sociais na realidade brasileira atual
visam prioritariamente o alívio à pobreza, a retirada da condição
de miséria daqueles que sequer conseguiram alcançar as condições
mínimas de sobrevivência” (DUARTE e OLIVEIRA, 2005, p. 285).
Desta forma, “no campo da crise social (prioridades: educação
básica e alívio da pobreza), as reformas implementadas aprofunda-

104 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
A INTRÍNSECA RELAÇÃO ENTRE O ESTADO CAPITALISTA E AS POLÍTICAS SOCIAIS

ram mecanismos de focalização das políticas sociais aos grupos so-


ciais (individualizados) considerados como vulneráveis”. (DEITOS,
2010, p. 215)
Reiterando:
Passou-se a defender que o campo de atuação do Estado na
área social estaria voltado às camadas da população consi-
deradas mais vulneráveis socialmente, ou seja, o Estado de-
senvolveria políticas sociais focalizadas, atuando apenas- por
meio de medidas compensatórias- nas conseqüências sociais
mais extremas do capitalismo contemporâneo. Observe-se,
assim, que o papel atribuído às políticas sociais nos contex-
tos nacionais latino-americanos tem sido o de atenuar ou co-
brir o hiato existente entre a estrutura econômica e aqueles
que estão destituídos das suas condições materiais básicas e
indispensáveis a uma vida minimamente digna. Uma política
para os que não conseguem ser cidadãos de fato. (DUARTE
e OLIVEIRA, 2005, p. 289)
Quando pensamos no conflito entre as classes, na qual é a re-
lação fundante das políticas sociais, acabamos por perceber que no
que concerne à focalização das políticas sociais, o cenário não pode-
ria ser diferente, pois:
Uma sociedade capitalista, e seu Estado político de afirma-
ção permanente, jamais poderiam universalizar as políticas
sociais, se as entendermos como expressão de contradições
inerentes à ordem social estabelecida. Nessa ótica, a univer-
salização das políticas sociais seria o caminho da própria dis-
solução do Estado capitalista e das determinações materiais
que o sustentam, ancoradas na acumulação e reprodução ca-
pitalista. A política social não poderia mais existir como tal,
pois, tal como é concebida, é parte constituinte da própria
contradição a que o Estado capitalista submete as classes
dominadas na repartição social dos bens produzidos e do
acesso ao atendimento das necessidades que se revelam num
embate contraditório e permanente. (XAVIER e DEITOS,
2006, p. 69)

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
105
A INTRÍNSECA RELAÇÃO ENTRE O ESTADO CAPITALISTA E AS POLÍTICAS SOCIAIS

Esta focalização das políticas sociais tem, segundo Faleiros, uma


função ideológica, pois “as medidas de política social, discriminan-
do as populações-alvo por critérios de idade ou de normalidade/
anormalidade, transformam esses mesmos grupos em anormais, em
fracassados, em desadaptados”. (FALEIROS, 2009, p. 63)
Assim:
A ideologia da normalidade pressupõe que o indivíduo pos-
sa trabalhar para poder, normalmente, com o salário obtido,
satisfazer as suas necessidades de subsistência e as de sua
família. O trabalho é o critério de vida normal para viver
bem. Os que não conseguem, com o salário que ganham, ob-
ter essa vida normal, vêem-se censurados socialmente pelas
próprias políticas sociais, que atribuem, então, ao indivíduo,
seu fracasso. É o que se chama culpabilização das vítimas,
victim blaming. (FALEIROS, 2009, p. 63)
Este processo de culpabilização dos indivíduos pelo seu suces-
so ou fracasso é característico do Estado liberal, assim, “a política
social, ao mesmo tempo em que estigmatiza e controla, esconde da
população as relações dos problemas sentidos com o contexto glo-
bal da sociedade”. (FALEIROS, 2009, p. 63)
Por aquilo que discutimos, podemos compreender o quanto o
Estado está instituído da função de garantir os interesses do capital.
Percebemos que o Estado se reorganiza conforme a necessidade ge-
rada por um determinado modo de produção, pois suas caracterís-
ticas essenciais, como a divisão da sociedade em classes, a proteção
da propriedade privada, entre outras, permanecem na sua estrutura
e ousamos dizer que a cada reorganização do Estado demarcada
pela produção capitalista, tendem a ganhar maior vivacidade e com
isso a necessidade de maior investimento em políticas sociais para
buscar amenizar a disparidade que é cada vez mais gritante, entre os
dominadores e os dominados.
Evidenciamos que as políticas sociais, conforme Deitos (2010)
afirma, são resultantes da expressão da forma social de reprodução
das condições materiais da existência, resultantes, portanto, do em-

106 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
A INTRÍNSECA RELAÇÃO ENTRE O ESTADO CAPITALISTA E AS POLÍTICAS SOCIAIS

pate entre as forças sociais. Assim, torna-se necessária a garantia de


um mínimo para que os sujeitos continuem participando do mundo
produtivo, por meio da venda de sua força de trabalho.
Considerando que as políticas educacionais são uma modalida-
de das políticas sociais, e que estas surgem da relação de disputa en-
tre as classes, na relação capital e trabalho, este estudo foi de grande
relevância para o entendimento da intrínseca relação entre Estado,
capital, trabalho, políticas sociais e, consequentemente, as políticas
inerentes à educação profissional.

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necessidades sociais: perspectivas de análise; Capítulo 3: Ideologia liberal
e políticas sociais no capitalismo avançado; Capítulo 4: As funções da po-
lítica social no capitalismo).

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
107
A INTRÍNSECA RELAÇÃO ENTRE O ESTADO CAPITALISTA E AS POLÍTICAS SOCIAIS

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108 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
5
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS


NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE
PROFESSORES DO ENSINO MÉDIO EM
MACAPÁ/AP

Ronaldo Marcos de Lima Araujo


João Paulo da Conceição Alves

Introdução

Neste artigo, será abordada a noção das competências como


referência para as práticas pedagógicas de professores de uma escola
de Ensino Médio na cidade de Macapá/AP, fruto de uma pesquisa
com a qual se procurou compreender a forma como a noção das
competências é apropriada e experimentada na prática pedagógica
de professores do Ensino Médio, a partir das falas destes.
Partiu-se da compreensão de que a prática pedagógica é uma
forma de posicionamento político e que revela, necessariamente,
uma visão de mundo que está implícita ou explicitamente definida.
A Pedagogia das Competências, por sua vez, constitui uma visão
conservadora e bastante restritiva de desenvolvimento das poten-
cialidades humanas, que restringe a formação dos sujeitos aos as-
pectos de ordem pragmática e racionalista, em detrimento de uma
formação que considere as amplas necessidades e potencialidades
humanas.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
109
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

Nesse sentido, a Pedagogia das Competências expressa uma


concepção reducionista de formação dos sujeitos, em contraposição
à perspectiva que considera os sujeitos como históricos e que visa a
promover, de maneira ampliada, o seu processo de formação.
Especificamente, procurar-se-á identificar e retomar as orienta-
ções da Pedagogia das Competências para as práticas pedagógicas
docentes e, a partir de suas falas, caracterizar e analisar a influência
desta Pedagogia nas práticas pedagógicas dos docentes da escola
pesquisada.
A hipótese que se apresentava era que a Pedagogia das Com-
petências, independentemente de modificar as práticas pedagógicas
dos docentes da escola analisada, reifica uma ideologia de base prag-
mática que toma a educação em relação subordinada à lógica de
mercado.
Foram entrevistados professores com mais de dez anos de ex-
periência, lecionando na Rede Estadual de Ensino e que viveram
profissionalmente os anos 1990 como professores da escola, perío-
do marcado pela introdução (por decreto) da noção das competên-
cias como referência para as políticas educacionais brasileiras.
Como critério para escolha da escola foi considerada, primeira-
mente, aquela que possuísse professores de acordo com o requisi-
to supracitado, mas também uma unidade em que, explicitamente,
tenha havido uma boa penetração da influência da Pedagogia das
Competências, seja por meio da realização de formações, seja pela
assunção desta perspectiva no projeto pedagógico da escola.
Os dados da pesquisa de campo foram coletados com o uso
de entrevistas semiestruturadas, tendo como informantes 8 (oito)
professores do quadro efetivo do Estado do Amapá.
As informações foram analisadas à luz do materialismo históri-
co, a partir da utilização da técnica da categorização, própria da aná-
lise de conteúdo, que exigiu a organização dos dados em categorias
empíricas prévias. Essas categorias foram: planejamento de ensino,
objetivos de ensino, conteúdos de ensino e metodologia de ensino,
categorias básicas do processo didático. (KLINGBERG, 1972)

110 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

Portanto, na primeira seção, será dada centralidade à contextua-


lização da emergência da noção de competências enquanto subpro-
duto do processo de reestruturação do capital e das transformações
no cenário produtivo, em que se apresentam, também, os funda-
mentos da noção de competências. Para tanto, será recuperado o
debate sobre a teoria do capital humano, concepção que define a ló-
gica dos processos formativos fundados na noção de competência.
Na seção seguinte, a Pedagogia das Competências vai ser aloca-
da no debate sobre os processos de formação humana nas últimas
décadas no Brasil. Em seguida, a prática pedagógica será recuperada
enquanto conceito e forma, analisando-se a influência da noção das
competências na prática pedagógica dos professores do Ensino Mé-
dio, focando especificamente no planejamento escolar.
A compreensão dos elementos que envolvem a prática peda-
gógica dos professores é fundamental no sentido de compreender
a escola imersa em contradições. Para isso, serão analisadas, por um
lado, a pertinência de uma formação escolar reducionista, que não
prioriza uma educação como propulsora das potencialidades huma-
nas e, por outro lado, a escola compreendida como um espaço de
formação ampla dos sujeitos.
Em seguida, serão apresentadas as considerações finais, refle-
tindo sobre os processos formativos no Brasil e, particularmente,
possíveis implicações políticas e ideológicas da Pedagogia das Com-
petências no contexto educacional brasileiro.

A Teoria do Capital Humano: reclames e readaptações


do capital na concepção dos processos formativos

Segundo Cattani (1997), a Teoria do Capital Humano (THC) é


uma derivação da teoria econômica neoclássica e, ao mesmo tempo,
uma atualização do axioma liberal do indivíduo livre, soberano e ra-
cional. Seu prestígio é cíclico. Com a crise do modelo taylorista-for-
dista, ela ressurgiu, associada à redefinição das relações de trabalho
na empresa e do papel do sistema educacional.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
111
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

A Teoria do Capital Humano define a lógica de uma pedago-


gia referenciada na noção de competência. As proposições da TCH
se revelam nos anos 1950 e 1960 e são Shultz (1973), Friedman e
Becker alguns dos seus principais formuladores. Eles buscam apro-
ximar o discurso do crescimento à concepção do “capital humano”,
subordinando a educação e as políticas sociais a este propósito de
desenvolvimento econômico, embora algumas teorias apontassem a
impossibilidade de se mensurar a contribuição da educação ao cres-
cimento econômico, (ALTVATER, 2010)
Uma de suas ideias era de que um acréscimo de conhecimentos
técnico-instrumentais na formação dos sujeitos resultaria em um
trabalhador “habilidoso”, dotado de conhecimentos técnicos úteis à
produção na empresa.
Nessa vertente, o investimento em instrução seria um investi-
mento em habilidades e conhecimentos que aumentaria futuras ren-
das e, desse modo, assemelhar-se-ia a um investimento em bens de
produção. (SCHULTZ, 1973)
A TCH, no contexto educacional, insere-se diante do processo
de industrialização brasileira e na opção pelo desenvolvimentismo
como filosofia e perspectiva de desenvolvimento do País. Essa linha
desenvolvimentista considerava importante a superação das formas
agrícolas e rudimentares de produção, além de defender uma maior
participação do Estado na economia e na proteção ao capital indus-
trial nacional em detrimento do estrangeiro.
Desse modo, a TCH, seguindo a linha desenvolvimentista, enfa-
tiza que a necessidade de investimentos em bens de produção eleva-
ria a economia e os lucros, desenvolvendo o conjunto da sociedade.
No entanto, a produção de capital como estratégia para mobilidade
social aos sujeitos não seria concretizada.
Frigotto (2012) analisa a Teoria do Capital Humano como uma
noção que falseia o sentido real do capital, pois este não se traduz
numa coisa, sendo, por outro lado, uma relação social e historica-
mente construída. Uma relação cujo fundamento é a exploração e a
expropriação pela classe detentora, privada dos meios e instrumen-

112 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

tos de produção, dos que necessitam vender, para sobreviver, a sua


força de trabalho física e intelectual.
Os processos de formação dos sujeitos, na perspectiva da TCH,
alteram a concepção de qualificação dos trabalhadores, ao compre-
endê-la marcada por elementos utilitários para o desenvolvimento
produtivo. A educação também passa a se constituir com um setor
importante na materialização do discurso da TCH, aliada à perspec-
tiva desenvolvimentista.
Nesse contexto, os processos pedagógicos inserem-se no âmbi-
to da “fundação” de uma pedagogia derivada das demandas do capi-
talismo. A conciliação desse modelo ao contexto escolar ocorre com
a defesa de uma formação técnica e instrumentalizada que prioriza
as orientações dos setores produtivos em detrimento de uma forma-
ção ampla e duradoura dos sujeitos.
É nessa perspectiva que, dos anos de 1950 a 1970, a educação
passa a constituir-se espaço para a emergência de uma visão pro-
dutivista com uma organização de acordo com os postulados do
taylorismo-fordismo, mediante a chamada “pedagogia tecnicista”.
Essa pedagogia parte da transferência dos mecanismos de objeti-
vação do trabalho, vigentes nas fábricas, para as escolas. (SAVIA-
NI, 2005)
A noção de competência apresenta visíveis inspirações tanto
na TCH quanto na pedagogia tecnicista. A tentativa de conciliação
dos processos teóricos e práticos, em vista ao mundo do trabalho, é
reveladora dessa influência.
Como diz Araujo (2005), algumas características da realidade
que marcam a Pedagogia das Competências na sua origem e que
favorecem a sua divulgação podem ser assim elencadas: a crise do
modelo de acumulação do capital de produção em massa para con-
sumo em massa, baseado nos princípios do taylorismo e do fordis-
mo; a resistência operária ao trabalho fragmentado e repetitivo; a
globalização da economia; o progresso das tecnologias de produção
e de processamento das informações; e o avanço das políticas neo-
liberais no mundo.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
113
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

A Pedagogia das Competências, ainda que apresente nos seus


documentos formuladores uma formação disposta a conciliar o
trabalho e os conhecimentos teóricos, no contexto prático predis-
põe-se a uma formação que orienta na perspectiva do pragmatismo
e do tecnicismo pedagógico. A presença dessas características, na
Pedagogia das Competências, articula e renova a TCH, apontan-
do-as como saídas necessárias para a promoção de um trabalhador
adequado a uma “nova” realidade.
Questiona-se a viabilidade desta TCH para a formação dos su-
jeitos, pois não se admite a cumplicidade da educação com a produ-
ção e valorização de capital, por reconhecê-la como processo neces-
sário para uma formação ampliada dos sujeitos, que os contemple
no conjunto de suas necessidades formativas para uma inserção não
subalterna na vida social.
Entende-se, portanto, que a TCH não é compatível com a for-
mação ampliada dos sujeitos, a qual os contemple nas suas diversas
necessidades. Nessa direção, Altvater (2010) analisa que não se pode
refutar que a educação, a qualificação e o saber das pessoas são im-
prescindíveis para a produção de bens e serviços na sociedade do
conhecimento, mas é possível refutar que a educação seja uma espé-
cie de investimento em capital humano.
Altvater (2010) acrescenta que a educação individual não é nada
sem a educação de todas as outras pessoas, e que a renda de uma
pessoa não pode ser atribuída ao capital humano, pois, do contrário,
não haveria pessoas altamente qualificadas com uma renda reduzida
e outras sem formação com uma renda muito alta.
Seguindo a mesma leitura sobre o decréscimo sociocultural a que
esta formação reduzida expõe os sujeitos, Belluzzo (2014) afirma que
a visão simplista da educação obscurece a tragédia cultural que ronda
o Terceiro Milênio. A especialização e a “tecnificação” crescentes des-
pejam no mercado, aqui e no mundo, um exército de subjetividades
mutiladas. Qualificadas sim, mas incapazes de compreender o mundo
em que vivem. Os argumentos da razão técnica dissimulam a pauperi-
zação das mentalidades e o massacre da capacidade crítica.

114 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

Ainda que os princípios do TCH sejam revelados sob um pro-


cesso de acumulação de renda e inserção socialmente qualificada
dos sujeitos, seus efeitos reais podem ser avaliados como insuficien-
tes na garantia de uma qualidade de vida referenciada para o con-
junto dos sujeitos.
Vale registrar que três décadas depois a TCH não surtiu o efeito
esperado. Ao contrário, concentrou-se mais riqueza e capital, e am-
pliou-se a pobreza. O ideário do capital humano divulga a crença da
possibilidade do pleno emprego e, portanto, de uma perspectiva de
integração social dentro de uma sociedade contratual.
Portanto, a TCH se demonstra insuficiente para orientar uma
formação ampliada dos sujeitos, mas revela força para orientar a
emergência de “novas” formulações pedagógicas. Visando a melhor
contextualizar o objeto, foram recuperados os modelos de gestão e
organização do trabalho (taylorismo, fordismo e toyotismo) e suas
respectivas demandas para os processos formativos, bem como a
articulação do toyotismo com a Pedagogia das Competências.

Os modelos de administração científica, a emergência


do toyotismo e a Pedagogia das Competências

A conjuntura do capitalismo revela uma série de transforma-


ções em curso no mundo do trabalho. A superação do modelo
taylorista-fordista e sua lógica organizativa não denota um processo
de mudanças no capitalismo que amplie as possibilidades de eman-
cipação dos sujeitos.
Esse modelo surgiu com a promessa de modernização, de com-
bate ao desperdício no labor e, portanto, de aumento da produção no
cenário industrial, e assim o fez. Contudo, o modelo taylorista-fordis-
ta também estabeleceu um franco processo de coisificação da força
de trabalho, expondo os homens a um procedimento de formação
instrumental e subordinada aos processos parcelares de produção.
O taylorismo e o fordismo não se limitaram a impor uma lógica
disciplinar no interior da fábrica. Eles também incorporaram um

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
115
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

projeto social de suposta “melhoria das condições de vida do tra-


balhador”. Este projeto “social”, no entanto, revelou seus limites à
assimilação do saber e da percepção política do trabalhador para a
organização do trabalho fabril. (HELOANI, 2008)
O taylorismo emergiu a fim de formular princípios e estabelecer
processos padronizados que permitissem o aprimoramento técnico
do controle da gestão. Os empregados tinham de ser cientificamen-
te vinculados a serviços em que os materiais e as condições de traba-
lho fossem racionalmente selecionados, sob uma atmosfera de coo-
peração entre a administração e os trabalhadores. (TAYLOR, 1990)
O modelo taylorista buscava a otimização do trabalho por meio
da máxima racionalização da gestão do tempo e dos movimentos
dos trabalhadores. A distinção técnica do trabalho, entre os que ela-
boram e executam as atividades laborais, foi agudizada, impondo
a um tipo de formação acentuadamente instrumental à da mão de
obra.
Taylor (1990) assinalava que seus princípios norteadores esta-
vam pautados na:
[...] substituição do critério individual do operário por uma
ciência. Seleção e aperfeiçoamento científico do trabalhador
que é estudado, instruído, treinado e, pode-se dizer, experi-
mentado em vez de escolher ele os processos e aperfeiço-
ar-se por acaso. Cooperação íntima da administração com
os trabalhadores, de modo que façam juntos o trabalho, de
acordo com leis científicas desenvolvidas, em lugar de deixar
a solução de cada problema, individualmente, ao critério do
operário. (p. 95)
A organização do trabalho taylorista considera necessário in-
tervir na própria organização do processo da produção e, portan-
to, na gestão da divisão funcional do trabalho, decompondo-o em
operações elementares. Com isso, confirma-se o “divórcio” entre
o escritório de métodos, responsável pelo trabalho de estudo e de
preparação da ação produtiva, e o grupo encarregado da produção,
nesse caso, os trabalhadores diretos. (MACHADO, 2007)

116 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

O fordismo assemelha-se ao taylorismo na tentativa de respon-


der às demandas econômicas de recuperação das taxas de lucro,
apresentadas pelas crises do capital. De acordo com Heloani (2008),
o fordismo consolida-se na década de 1940 e reformula o projeto de
administrar individualmente as particularidades de cada trabalhador
no exercício dos tempos e movimentos. Para tal fim, preconizará
limitar o deslocamento do trabalhador no interior da empresa.
A perspectiva fordista acrescenta particularidades ao modelo
taylorista. O trabalho seria dividido de tal forma que o trabalhador
pudesse ser abastecido de peças e de componentes de montagem
por meio de esteiras. A administração do tempo de execução das
tarefas ocorreria de forma coletiva, pela adaptação do conjunto dos
trabalhadores ao ritmo imposto pela esteira. (HELOANI, 2008)
Frigotto (2003) afirma que o fordismo apresenta como caracte-
rísticas centrais a organização do trabalho, fundada numa produção
de base rígida, na divisão específica das funções no trabalho, além de
um limitado nível de conhecimento para uma determinada compo-
sição da força de trabalho. Essa caracterização constrói-se sob um
regime de acumulação que compatibiliza produção e consumo em
grande escala.
Os postulados emergentes do meio empresarial se articulam a
um novo perfil de trabalhador. Assumem a tese da formação de um
trabalhador polivalente, mas que não se confunde com os pressu-
postos de um desenvolvimento amplo oferecido por uma formação
politécnica, tal como os sentidos de formação humana e formação
do trabalhador.
Estas novas demandas se associam à emergência do toyotismo
e a elas se articulam um novo vocabulário em que se sobressaem as
noções de competências, empregabilidade, eficiência, produtividade
e polivalência.
A Toyota Motor Company desenvolveu um sistema produtivo
como alternativa à fabricação de automóveis baseada no alto volu-
me de produtos padronizados. O Sistema Lean Production emprega a
minimização ou eliminação progressiva do desperdício, baseando-se

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
117
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

em quatro princípios fundamentais: I - definição de valor a partir de


necessidades do cliente e com o menor nível de desperdício; II -
definição de cadeia de valor; III - fluxo contínuo; IV - produção puxada
pela demanda. A partir desses princípios, busca-se alcançar a perfeição
do sistema.
A década de 1990 configura-se como o auge desse processo de
reestruturação, com a implantação de estratégias de produção ba-
seadas nos princípios da integração e da flexibilização (acumulação
flexível), originárias da experiência japonesa pós-Segunda Guerra,
tendo como características, a intensificação da lean production com
ênfase nos sistemas just in time e kanban, nos controles de qualidade
total, na subcontratação e terceirização da força de trabalho, além da
descentralização da produção. (ANTUNES, 2010)
Pereira e Fidalgo (2007) assinalam que:
O processo de reestruturação produtiva teve início na dé-
cada de 1970, no contexto da crise do fordismo, caracteri-
zada pelo esgotamento econômico do ciclo de acumulação
(tendência decrescente da taxa de lucro) e pela intensificação
das lutas de classes ocorridas no final dos anos 1960 e iní-
cio dos anos 1970. Desde então, o mundo tem passado por
profundas mudanças nos sistemas produtivos, visando, prin-
cipalmente, à superação do modelo taylorista-fordista. Neste
contexto de reestruturação produtiva – aqui entendida como
a justaposição do taylorismo a novas modificações no pro-
cesso produtivo: introdução de novas tecnologias, mudanças
organizacionais, inovações gerenciais e novas formas de ges-
tão da força de trabalho. (p. 112)
Kuenzer (2005) afirma que, nesse modelo de produção, se passa
a exigir o desenvolvimento da capacidade de educar-se permanen-
temente e das habilidades de trabalhar independentemente, de criar
métodos para enfrentar situações não previstas e de contribuir ori-
ginalmente para resolver problemas complexos.
Nessa conjuntura, os processos de flexibilização, desregulamen-
tação, terceirização e as novas formas de gestão da força de traba-

118 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

lho estão presentes em grande intensidade, indicando uma realidade


que, ao mesmo tempo, incorpora elementos de continuidade e des-
continuidade dos modelos anteriores; se o “fordismo” parece domi-
nante no conjunto da estrutura produtiva e de serviços, ele também
se mescla com novos processos produtivos, como consequência dos
mecanismos de acumulação flexível e das práticas “toyotistas” (AN-
TUNES, 2010).
Reaviva-se no processo educacional uma pedagogia de base ins-
trumental e (neo) pragmática que muito se assemelha ao projeto de
educação tecnicista desenvolvido há décadas. Assim, uma pedagogia
com fins utilitários passa a constituir uma lógica, presente nos pro-
cessos formativos, ao absorver as demandas do mercado como base
em sua proposta formativa.
O processo de reestruturação produtiva do capital utiliza-se da
educação escolar como estratégia para a sua reprodução e legiti-
mação de um discurso fortemente atrelado ao mundo produtivo.
É nessas circunstâncias que se consolida, no Brasil, o discurso das
competências como elemento para a formação de indivíduos, sob
um perfil polivalente, esvaindo, portanto, os sujeitos de uma forma-
ção para além das diretrizes do modelo econômico.
Harvey (2011) afirma que, da mesma forma que o neoliberalis-
mo surgiu como uma resposta à crise dos anos 1970, o caminho a
ser escolhido hoje definirá o caráter da próxima evolução do capita-
lismo. As políticas em curso propõem sair da crise com uma maior
consolidação e centralização do poder da classe capitalista.
Assim, o modelo toyotista inaugura um processo de mudanças
profundas na concepção de formação humana no Brasil. Esse pro-
cesso é desenvolvido, neste trabalho, tendo como referência a noção
de competência.
Frigotto (2009) adverte que, hoje, dois caminhos dominantes
têm ocupado as mudanças bruscas do capitalismo: o retorno ao ne-
oconservadorismo liberal, paradoxalmente denominado de neolibe-
ralismo, e o pós-modernismo. Ambos se assentam sobre a tese de
que estamos diante de um novo paradigma de conhecimento.

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
119
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

Para a sua inserção nesse “novo” contexto, cabe aos trabalhado-


res desaprender hábitos, comportamentos e valores, antes deman-
dados e agora considerados inadequados. Fala-se, nesse caso, da
necessária modificação de suas capacidades pessoais que requerem
deles identificar, entender e se antecipar problemas em situações
concretas, reais e imprevistas; além de saber identificar, encontrar,
integrar e aplicar informações e conhecimentos na busca de solu-
ções novas; estar em condições de avaliar as formas de enfrenta-
mento da realidade, de mobilizar e transferir conhecimentos de uma
situação a outra; agir na execução das tarefas com perícia, eficácia,
rapidez e segurança. (MACHADO, 1997)
Assim, consideram-se os processos de formação atualmente va-
lorizados como espaços estratégicos para a impregnação de mode-
los de reprodução do capital que revigoram as suas premissas fun-
damentais, confirmando a sua capacidade de mutação.

Usos e definições das competências e de sua pedagogia

De forma geral, a noção de competências surge sob a neces-


sidade de conciliação entre saberes teóricos e práticos. Trata-se da
necessidade de pensar o trabalho sob a necessidade da articulação
dos saberes em benefício dos objetivos da produção.
A noção de competência constitui-se de um sentido polissêmico
marcado, portanto, por um conjunto de sentidos. Um dos seus sentidos
principais a considera como: conhecimentos, qualidades, capacidades e
aptidões que habilitam o sujeito para a discussão, a consulta, a decisão
de tudo o que concerne a um ofício, supondo conhecimentos teóri-
cos fundamentados, acompanhados das qualidades e da capacidade que
permitem executar as decisões sugeridas. (TANGUY; ROPÉ, 1997)
A fim de esclarecer os seus sentidos e usos sociais, destacam-se
algumas formas de apresentação do termo. Trata-se de diferenciar
“competência”, “modelo de competência” e “Pedagogia das Com-
petências”, confrontando os seus usos na contemporaneidade e as
suas distintas caracterizações.

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

Para Araujo (2000), o termo competência ganha notoriedade na


década de 1970, no contexto da crise do fordismo, em meio ao de-
bate sobre as mudanças nos processos de trabalho e as necessidades
de novos perfis de trabalhadores. Designa a capacidade mobilizada
pelos indivíduos, ao buscar a realização de uma atividade ou a reso-
lução de problemas.
Isambert-Jamati (1997) afirma que “competência” e seus deri-
vados (competir, competente, competentemente) são termos oriun-
do da linguagem jurídica, cabendo aos juristas atribuir, a um homem
ou instituição, a competência ou não para realizar certo ato.
Como forma de substanciar teoricamente a análise, Zarifian
(2001) define tal termo como a tomada de iniciativa e de responsa-
bilidade por parte do indivíduo, demonstrando inteligência prática
frente às situações, transformando conhecimentos já adquiridos. Se-
ria, além disso, a capacidade de mobilizar uma rede de colaborado-
res para a resolução de eventos ou incidentes ocorridos no processo
produtivo ou de prestação de serviços, partilhando responsabilida-
des e benefícios.
O termo, portanto, faz referência à implementação de uma for-
mação voltada ao desenvolvimento de habilidades práticas dos su-
jeitos. Sua compreensão diz respeito àquilo que é útil para a realiza-
ção de uma atividade específica que, no geral, requer a apreensão de
determinada habilidade técnica, sem fins de uma formação de maior
amplitude para os sujeitos.
Ramos (2009) identifica nas competências um conteúdo prag-
mático, capaz de gerir as incertezas da formação, no sentido de
administrar as mudanças técnicas e de organização do trabalho,
ajustando as demandas da empresa de acordo com o processo for-
mativo da escola.
Essa noção ganha força e se faz referência de um modelo de
gestão, de tratamento e de formação de trabalhadores. Pauta-se,
como já anunciado, nas premissas do pragmatismo e do savoir-faire
(saber-fazer), tendo como referência os resultados na execução da
atividade prática.

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
121
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

De acordo com Fidalgo e Machado (2000), o modelo de com-


petências toma como base uma construção teórica de referências
políticas e pedagógicas estruturadas a partir da noção fundamental
de competência e que orienta as mudanças que atualmente ocorrem
na gestão da força de trabalho e nas reformas do sistema de educa-
ção básica, inclusive da profissional.
Zarifian (2001) identifica três formas de uso do modelo de
competências nas organizações:
• Diante das incertezas na economia e da inexistência de
parâmetros de como desenvolver as tarefas nas empresas,
onde se cria a “noção do incidente ou evento”, que obriga
a mobilização de recursos humanos para resolver situações
diversas;
• A partir do advento de “novas” competências de comu-
nicação, por meio de comportamentos e novas atitudes re-
queridas por um novo ambiente organizacional;
• Com o desenvolvimento de competências adequadas
para lidar com a realidade de competitividade entre as em-
presas e melhorar a prestação se serviços.
Essa realidade, sob um plano da gestão empresarial, rompe
com os modelos taylor-fordistas, mas renova a ideologia da TCH
(tratados em seções anteriores). As empresas sobressaem-se como
espaços de reprodução dessa lógica das competências pela sua
finalidade de lucro, articulada à necessidade de uma formação de
sujeitos adequada às “novidades” da produção.
Aponta-se, nesse caso, para o advento de uma lógica corres-
pondente aos anseios de um determinado momento histórico, agra-
vados pelos “novos” mecanismos de gerência da iniciativa privada.
Essa tendência à institucionalização do modelo das competências
estende-se ao contexto escolar, no sentido da necessidade em se
realizar a mobilização de conhecimentos disciplinares para situações
da vida prática, e torná-lo “útil” em acordo aos padrões do mundo
produtivo.

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

Deluiz (2001) complementa que ao “modelo de competências”


não importa apenas a posse dos saberes disciplinares escolares ou
técnico-profissionais, mas a capacidade de mobilizá-los para resol-
ver problemas e enfrentar os imprevistos na situação de trabalho.
Os componentes não organizados da formação, como as qualifi-
cações tácitas ou sociais e a subjetividade do trabalhador, assumem
extrema relevância. O modelo das competências remete, assim, às
características individuais dos trabalhadores.
E é neste sentido que se pode refletir sobre a presença de uma
lógica das competências no mundo da produção, entendendo que
a introdução de um modelo de competências em instituições, como
a empresa privada ou a escola, pressupõe a emergência de uma lógi-
ca organizacional de funcionamento e de gerência necessária sobre
o perfil do trabalhador.
Essa lógica das competências leva a empresa não apenas a subs-
tituir a consideração dos conhecimentos e a experiência dos assa-
lariados com qualificações requisitadas pelas funções efetivamen-
te exercidas, mas também a “criar condições necessárias para que
os assalariados possam empregar suas competências” e, conforme
já afirmado, a classificá-los e remunerá-los de acordo com as suas
competências (TANGUY, 1997).
A partir dessa perspectiva social de formação centrada na busca
efetiva de habilidades práticas, a escola reflete um modelo formativo
distinto. É nesse contexto que emerge a Pedagogia das Competên-
cias, objetivando a aproximação e a afirmação da escola às deman-
das utilitárias do mercado de trabalho. Essa pedagogia apresenta-se
“divorciada” dos princípios fundamentais da escola e das necessida-
des humanas.
Importante interlocutor e, portanto, defensor da noção de com-
petências na educação e nos processos de gestão do trabalho, Perre-
noud (1999) destaca que:
Observa-se, então, a articulação conhecimentos-competên-
cias, sendo que os primeiros são indispensáveis para a inteli-
gibilidade das observações e para a construção de hipóteses.

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
123
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

Porém, sua mobilização não é espontânea e nasce de um


treinamento tão intensivo como a comunicação em uma lín-
gua estrangeira, embora seja, nas ciências de outra natureza e
mais limitado por métodos experimentais. Observa-se, tam-
bém, que a escola sempre tende a organizar os programas
por campos nocionais ou teóricos, o que, inevitavelmente,
confere às competências propostas diante dos conhecimentos um
estatuto próximo dos exemplos e das ilustrações mais liga-
dos à tradição pedagógica. Construir uma competência sig-
nifica aprender a identificar e a encontrar os conhecimentos
pertinentes. (p.119)
Nessa perspectiva, a Pedagogia das Competências mantém o
dito pelos termos anteriores, pois considera os conhecimentos não
como construções históricas, mas como resultado de uma discussão
centrada naquilo que é necessário no momento imediato para a rea-
lização de uma determinada tarefa, visto que a fluidez e a opacidade
dos conhecimentos constituem marcas indeléveis dessa pedagogia.
Desse modo, o entendimento sobre competências está na
necessidade dos novos modelos organizacionais pela mobilização
de conhecimentos para situações práticas. Trata-se da capacidade/
habilidade de mobilização de conhecimentos para um contexto prá-
tico, ainda que esse movimento esteja marcado por uma posição
pragmática e utilitária, em detrimento da necessidade do outro, que
reflita a amplitude das necessidades humanas.
Concorda-se com Fidalgo (2007), quando este afirma que a
construção de competências se processa em relação a objetivos
específicos que se pretenda atingir. Complementa que as compe-
tências, além de dependerem do contexto em que se desenvolvem,
ainda “sofrem” influências da dimensão tácita do saber-ser e do sa-
ber-fazer. O “saber-explicitar”, como se processam esses saberes,
nem sempre é possível.
De uma forma geral, as competências servem às formas de re-
produção da sociabilidade e da acumulação do capital, por contribu-
írem na reprodução de sua lógica. A especificidade da sua propos-

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ta, diante do processo de reestruturação produtiva do capital, não


define bruscas alterações aos processos formativos, mas refina e/
ou readequa um discurso à “nova” fase no processo formação dos
sujeitos no Brasil.
Diante da caracterização e da definição do termo competências e
de sua utilização social, trata-se, a seguir, das competências articula-
das aos processos de qualificação dos sujeitos. Por isso, serão apre-
sentados o processo de qualificação profissional como articulação
às competências e o sentido a elas atribuído.

A Pedagogia das Competências nas práticas


pedagógicas dos professores do Ensino Médio

Neste trabalho, quando se refere à prática e à didática do pro-


fessor na escola, considera-se o conceito de prática pedagógica
como sinônimo de didática. Nesse caso, concorda-se com Libâneo
(2001), ao explicar que o didático se refere especificamente à teoria
e prática do ensino e da aprendizagem, considerando o ensino como
um tipo de prática educativa, vale dizer, uma modalidade de trabalho
pedagógico.
Por isso não se restringe a prática pedagógica à técnica de ensi-
no necessária ao desenvolvimento do processo de ensino e aprendi-
zagem, mas compreende-se a mesma como processo histórico que,
para além da técnica, possui conteúdo ético-político, impactando
nos processos de formação de sujeitos sociais. Trata-se de conce-
bê-la sob uma perspectiva histórico-crítica, como processo de cons-
trução do conhecimento, desvencilhado de procedimentos duais e
impregnados pela realidade.
Saviani (2010) analisa que é preciso, pois, restabelecer o enten-
dimento de que o pensamento de Marx é caracteristicamente anti-
metafísico, manifestando-se provavelmente como a forma mais aca-
bada de um modo de filosofar que unifica, na história, o conteúdo
e a forma da filosofia. É, assim, uma filosofia ao mesmo tempo
histórica e historicizadora, em que estão em causa não os indivíduos

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
125
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

ou sujeitos abstratos, mas os indivíduos reais, sujeitos históricos que


se constituem como síntese de relações sociais.
De maneira geral, nessa pesquisa, procuraram-se reconhecer as
práticas pedagógicas dos docentes da escola investigada a partir de
suas falas, ou seja, não foram observadas diretamente as ações dos
professores. Focou-se, especificamente, nas estratégias e nos conte-
údos do planejamento de ensino realizados pelos professores. Or-
ganizou-se o material coletado em categorias empíricas que foram
analisadas fazendo uso de categorias analíticas.
Para tanto, orientando-se pelo referencial bibliográfico, elabo-
raram-se categorias operacionais previamente definidas, visando à
interpretação do objeto, mas atentando-se à orientação de Thiol-
lent (1987), o qual recomenda um retardamento da categorização,
evitando análises apressadas. Tal retardamento é possível pela não
diretividade na leitura dos dados, pela atenção flutuante do investi-
gador e com a impregnação do analista que interpreta os relatos dos
entrevistados.
Tratou-se do planejamento de ensino, considerando a prévia or-
ganização da prática pedagógica pelos docentes e o sentido que se
quer atribuir às suas atividades. Foram identificadas, como marcas
desse planejamento, a intenção de flexibilidade nos distintos planos
e a centralidade que as disciplinas escolares assumem.
As categorias sob análise indicaram aproximações e distancia-
mentos que a prática pedagógica dos professores da escola apresen-
ta em relação à Pedagogia das Competências. Portanto, a definição,
o desenvolvimento e a análise das categorias empíricas constituíram
a centralidade da elaboração deste trabalho.

O planejamento de ensino na escola e a centralidade


dos conteúdos educacionais

Nesta seção, foram descritas e analisadas, a partir das falas dos


docentes, as formas de planejamento pedagógico utilizadas pelos
professores, identificando o que as caracteriza e analisando as suas

126 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


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A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

possíveis aproximações com a Pedagogia das Competências, bem


como o seu significado.
Os professores relataram a existência, na escola, de distintas
formas de planejamento. Como produtos principais dessas ações de
planejamento, têm-se o Projeto Político-Pedagógico, os Planos
de Curso ou Planos de Ensino e os Planejamentos de Área.
Os professores da escola enfatizam que as suas práticas reque-
rem distintas formas de planejamento, e que estas devem orientar
suas ações pedagógicas. Quando se fala, portanto, em Planejamen-
to de Ensino, refere-se ao planejamento da escola no seu conjunto.
É representado pela sistematização do conjunto de planos, plane-
jamentos, projetos e demais ações pedagógicas sistematizadas que
antecedem o ensino na escola.
O Projeto Político-Pedagógico (PPP) é o principal docu-
mento deliberativo e organizacional da escola. Elaborado a cada
quatro anos, constitui-se como planejamento mais amplo por de-
finir a organização pedagógica/política da escola. O presente PPP
da Escola foi construído pelo corpo escolar no ano de 2010, sob
a coordenação geral da direção escolar. Em assembleia geral, for-
maram-se comissões com a participação de representantes de cada
setor da escola (pedagogos, professores, secretária e funcionários),
que participaram da elaboração do texto base do PPP:
(...) o PPP é o plano maior, é o projeto maior, a escola tenta
fazer de acordo com o PPP e quando está defasado tem que
reformular o PPP; é o que nós fazemos na escola. Normal-
mente, nós fazemos isto como já foi falado no início do ano,
antes de estar com os alunos em sala de aula. (ENTREVIS-
TADO D)
Em seguida, ocorre a construção do cronograma de estudos
e reuniões para tratar sobre a realidade da escola (marco organiza-
cional, situacional, etc.). A partir dos debates, é elaborado um do-
cumento base para que posteriormente seja discutido e votado em
uma nova assembleia geral, em que se avaliam as possíveis substitui-
ções, acréscimos, adendos e supressões.
ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:
DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
127
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

(...) nós estamos (...) refazendo o nosso PPP, este ano esti-
vemos mais um tempo aqui estudando o PPP, modificando,
pois como ele é flexível né, tem que tá sempre atualizado
com outras propostas que estão vindo para escola. Então,
nós estamos sempre renovando o PPP para que o planeja-
mento do ensino da história assim como de outras discipli-
nas elas sejam parte deste projeto [...] (ENTREVISTADO
D)
Como desdobramento do Plano de Curso, são desenvolvidos os
Planejamentos de Área. Da mesma forma que os Planos de Curso
são definidos a partir de Planos feitos por professores organizados
por áreas do conhecimento: Ciências Humanas e suas Tecnologias,
Ciências da Natureza e Linguagens e Códigos. Um dos objetivos
centrais dos Planos é a melhor organização dos conteúdos a par-
tir das três grandes áreas do conhecimento, como proposta voltada
para a integração do ensino e fortalecimento da relação teoria e prá-
tica. (AMAPÁ, 2010)
No entanto, nos Planejamentos de Área os docentes assumem
os conteúdos disciplinares de ensino como elementos centrais para
a projeção da prática pedagógica; portanto, o Planejamento de En-
sino se coloca em função desses conteúdos, e na forma como serão
socializados. Neste caso, não se produz efetivamente um Planeja-
mento de Área, mas sim contribuições para o aperfeiçoamento dos
Planos de Ensino.
(...) em particular acabo colocando conteúdo que não tá fora
dessa matriz, você acaba diversificando; eu trabalho conteú-
do e prática; eu pego, por exemplo, o conteúdo cubismo que
tá no primeiro ano eu trabalho o cubismo, trabalho com a
leitura de imagens da arte cubista com artistas que desenvol-
veram esse estilo; eu trabalho com uma técnica desenvolvida
por eles na época, então eu trabalho com teoria e prática, e
tem a avaliação que é necessária (...). (ENTREVISTADO B)
Já o Plano de Curso ou Plano de Ensino é caracterizado como
o plano das atividades curriculares a serem desenvolvidas no ano

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A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

letivo pelos docentes. Trata-se da organização de um planejamento


seriado e classificado a partir das disciplinas do Ensino Médio. Ele
está estruturado basicamente por objetivos, conteúdos, metodolo-
gia, recursos didáticos e avaliação. (AMAPÁ, 2010)
O Plano de Curso da escola toma como referência os conteú-
dos disciplinares para que o ensino seja realizado. Em muitos casos,
essa forma de planejamento é reproduzida do plano do ano letivo
anterior, de onde são priorizados conteúdos recomendados para a
preparação ao ENEM e aos vestibulares da UNIFAP (Universidade
Federal do Amapá) e da UEAP (Universidade do Estado do Ama-
pá).
A construção do Plano de Curso é antecedida pelo desenvol-
vimento de discussões internas sob a justificativa da realização de
adequações curriculares às peculiaridades da escola.
O Plano de Curso da escola é organizado num processo de
debate organizado em grupos e pelas três grandes áreas: Ciências
Humanas e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e Linguagens
e Códigos. Trata-se de um momento marcado pela participação da
maioria dos professores e acompanhados pelo coordenador peda-
gógico da escola.
O conjunto dos professores, divididos por área do conheci-
mento, tem como tarefa, prevista no seu Projeto Político Pedagó-
gico (PPP), adequar o planejamento submetido pela SEED/AP, às
necessidades curriculares sugeridas pela escola. Em seguida, estes
planos são formalizados pelos professores a partir de disciplinas e
sob o acompanhamento pedagógico, para então serem repassados
ao serviço técnico pedagógico da escola. (ENTREVISTADO D)
Dentro dos Planos de Ensino existem duas formas principais
sugeridas para o desenvolvimento dos conteúdos de ensino: por um
lado e em menor escala, a partir de projetos de ensino com o objeti-
vo de aproximar/articular os distintos conteúdos das diversas áreas
do conhecimento; por outro lado, de forma individual, seguindo a
sequência dos conteúdos da forma que estão previstos no Plano de
Curso.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
129
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

O desenvolvimento dos conteúdos ocorre no cotidiano das au-


las de forma individual, disciplinar e sob a mesma sequência que
está prevista nos Planos de Curso. Um dos professores entrevista-
dos revela o sentido disciplinar a que estão submetidos os Planos de
Curso das disciplinas executados nas suas aulas:
(...) antes de conversar com os alunos propriamente dito, os
professores ficam reunidos para fazer o planejamento anu-
al, esse planejamento ocorre por área de conhecimento, no
caso História, professor de História, professores de Geogra-
fia, professores de Língua Portuguesa, professores de Língua
Estrangeira, cada disciplina se organiza, se junta e faz o pla-
nejamento anual (...). (ENTREVISTADO D)
A realidade impõe distinguir os limites reais dos sujeitos que
investigam dos limites do objeto investigado. Delimitar um objeto
para a investigação não é fragmentá-lo ou limitá-lo arbitrariamente.
Ou seja, se o processo de conhecimento impõe a delimitação de de-
terminado problema, isso não significa que seja preciso abandonar
as múltiplas determinações que o constituem. Sobre isso acrescenta-
-se que a interdisciplinaridade na produção do conhecimento funda-
se no caráter dialético da realidade social que é, ao mesmo tempo,
una e diversa. (FRIGOTTO, 2012)
A priorização de conteúdos disciplinares pelos professores re-
vela o aspecto central do Planejamento de Ensino da escola, em
detrimento, entre outras coisas, do desenvolvimento de comporta-
mentos e capacidades.
Os projetos de ensino da escola estão previstos no planejamen-
to e têm como objetivo central integrar os conhecimentos de forma
participativa e interdisciplinar, na tentativa de superar problemas
históricos da educação brasileira e particularmente da escola, como
a dualidade do ensino e o currículo disciplinar, caracterizados sob
um tipo de organização curricular tradicional.
Os principais projetos da escola, voltados ao ensino, são a gin-
cana cultural e a feira de ciências, tendo como finalidade a inte-
gração de conteúdos de ensino disciplinares previstos no Plano de

130 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

Curso da escola, cujas características são: ocorrem em um deter-


minado período do ano letivo, com previsão no calendário escolar;
incentivam a realização de pesquisas sobre um determinado tema,
definido em reunião pedagógica. Além disso, são fundamentais para
o cumprimento de alguns conteúdos disciplinares (dependendo do
tema escolhido).
Os temas dos projetos se propõem interdisciplinares e, de uma
forma geral, obedecem à sequência de conteúdos de ensino previstos
no Plano de Curso. Os projetos, portanto, apresentam-se como estra-
tégia de integração do ensino. Porém, são pouco utilizadas na escola.
Reconhece-se como uma das marcas deste planejamento feito
na escola, portanto, a prioridade dada à retenção dos conteúdos de
ensino em detrimento dos fins da aula ou do desenvolvimento de
competências, como se poderia esperar.
De acordo com um dos professores da escola, o planejamento
acontece nas duas semanas que antecedem o início das aulas e ele “é
mais uma repetição do que vem acontecendo nos anos anteriores,
muda pouca coisa [...]”. (ENTREVISTADO F)
O segundo momento desse planejamento é marcado por uma
assembleia geral dos professores, na qual se delibera o calendário
escolar, a distribuição de carga horária aos docentes da escola, além
de outras questões que surgem e tenham como referência o planeja-
mento de ensino dos professores. (AMAPÁ, 2010)
Os debates e discussões precedem de uma pauta, mediada pela
coordenação pedagógica da escola, e refletem pontos imediatamen-
te necessários para o início do ano letivo da escola, como definição
de plantões pedagógicos, eventos da escola, feriados etc.
De uma forma geral, o planejamento de ensino na escola con-
sidera as indicações das Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio (DCNEM). Em seguida, é considerada a matriz cur-
ricular local, que são as orientações provindas da Secretaria de Es-
tado de Educação (SEED/AP). Nela, estão contidas as adequações
curriculares, tais como a classificação das disciplinas e suas especifi-
cações (conteúdos, objetivos e sistemática de avaliação).

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
131
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

O conteúdo, o conteúdo programático que a gente planeja no


ano já vem uma matriz curricular. Você sabe que tem né! Na
secretaria já vem organizado os conteúdos de Ensino Médio,
mas nós, professores de arte, acaba organizando e verificando,
por exemplo, para o terceiro ano aquela coisa de Enem de uni-
versidade para ver se você trabalha com esse aluno algo ligado a
isso. Sabemos que os alunos buscam isso, eles buscam ser apro-
vados numa universidade e a arte agora que está inserida nesse
contexto de universidade. A gente pega aquele cronograma de
universidade, eu em particular, acabo colocando conteúdo que
não tá fora dessa matriz, você acaba diversificando. Eu trabalho
conteúdo e prática. (ENTREVISTADO B)
No entanto, os distintos planos apresentados, quando execu-
tados nas aulas, estão sujeitos a modificações decorrentes da ne-
cessidade de adequações, de acordo com o aquilo que o momento
solicita. A “flexibilidade”, portanto, constitui marca fundamental no
processo de planejamento de ensino na escola.
O posicionamento de um dos professores revela o uso rotineiro
da flexibilização como um movimento de reelaboração do plane-
jamento a todo momento que se julgue necessário, e tendo como
baliza a realidade imediata:
Há também aquela necessidade se no meio do ano a gente
perceber que a gente tem que dar uma parada, a gente tem
que rever a gente tem essa capacidade essa independência de
mudar e conversar com a coordenação e com os colegas, é
um planejamento flexível não é algo que a gente monta no
início do ano e vai cumprir a fim até o final do ano a gente
pode colocar outras temáticas se fizer necessário. (ENTRE-
VISTADO E)
Assim, os professores da escola desenvolvem o planejamento
de ensino utilizando os conteúdos disciplinares como eixos centrais
das aulas. Reconhecemos, portanto, a prioridade dada ao ensino dos
conteúdos de ensino em detrimento do desenvolvimento de com-
petências, por exemplo.

132 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

Os processos verificados no ensino da escola, tanto de disci-


plinarização como de desarticulação, revelam um planejamento de
ensino flexível, marcado pela necessidade de adequações de acordo
com o que é solicitado no momento. Essa abordagem será desen-
volvida na seção seguinte deste trabalho.

A flexibilidade, a valorização dos conteúdos e dos


projetos como marcas do planejamento

Considerando as situações de planejamento descritas, com base


nas falas dos docentes, destacam-se a busca pela flexibilidade e a
grande valorização aos conteúdos disciplinares como marcas do pla-
nejamento educacional feito pelos docentes da escola investigada.

Sobre a flexibilidade

A flexibilidade se manifesta principalmente na prática peda-


gógica dos professores, revelando-se como alteração necessária do
planejamento de ensino, no momento em que se realiza na prática
pedagógica. Essa é uma marca do planejamento dos professores,
presente desde a concepção do ensino até a sua realização.
Essa marca do planejamento dos professores da escola é com-
preendida pelos docentes como as respostas que têm que ser dadas
às situações imediatas da aula. Há o entendimento da flexibilidade
como alteração no planejamento de ensino. Portanto, naturalmen-
te as ações pedagógicas não refletirão aquilo que foi planejado. Na
escola investigada, as mudanças no planejamento, particularmente
nos seus conteúdos de ensino, ocorrem de forma mais intensa, a
ponto desse planejamento não ser refletido na prática pedagógica
dos professores, tornando, assim, a flexibilização uma necessidade
cada vez mais imperiosa.
Essa “adequação” ocorre a todo momento que se julgue neces-
sário, tendo como baliza a realidade imediata. Todavia, entende-se
que esta ideia de flexibilização constitui iniciativa pautada na im-

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
133
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

provisação dos professores, na utilização de seu saber tácito e na


progressiva inutilização do planejamento de ensino. A prática peda-
gógica dos professores, portanto, mais se aproxima de um ajuste à
realidade imediata do que de uma ação planejada.
Estas análises remetem às demandas do capital e do modelo de
acumulação flexível no contexto educacional, que exige, por sua vez,
a formação de sujeitos flexíveis para os novos processos e relações
de trabalho. Ianni (1994) analisa que a acumulação flexível se apoia
na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de traba-
lho, dos produtos e padrões de consumo.
Neste caso, o processo de qualificação dos trabalhadores e o
seu perfil formativo desenvolvido na escola básica constitui alvo da
atenção dos representantes do capital. As demandas de mercado,
portanto, não surgem no mercado, mas do conjunto das relações
sociais dos sujeitos, encontrando o mercado como cenário para a
sua reprodução.

Sobre os conteúdos

Observa-se, ainda, que o planejamento da escola possui um de-


senho curricular organizado a partir de uma “grade de conteúdos”,
tomando como referência a matriz curricular elaborada pela Secre-
taria de Estado de Educação (SEED). Também o PPP, como plano
geral da escola, e o Plano de Curso, como plano das atividades do
ano letivo, estruturam-se em torno do programa de formação a ser
desenvolvido, mas esse programa considera, fundamentalmente, a
organização e distribuição por série e períodos dos conteúdos dis-
ciplinares previstos nas DCNEM, na matriz curricular da SEED e
requeridos pelo ENEM.
Não se considera, como se poderia esperar de uma escola que
assumiu a Pedagogia das Competências como uma de suas referên-
cias, o foco no desenvolvimento do saber-fazer. Nessa escola, os
professores se propõem, no máximo, a desenvolver competências
cognitivas.

134 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

Quando os conteúdos do ENEM são assumidos como priori-


dade, a formação promovida pela escola assume uma feição restrita,
pois não garante a amplitude de conhecimentos necessários à for-
mação dos sujeitos e que contemple o conjunto das suas necessida-
des.
Portanto, a submissão aos conteúdos previstos no ENEM pou-
co contribui para uma formação ampla dos alunos, ou mesmo para
a reafirmação das marcas da escola como pública, com qualidade
referenciada e sensível às demandas da sociedade.
Compreendemos a didática como compromisso, fundamen-
to e pressupostos já expressos, e que supere os reducionismos
apresentados, deverá partir da concepção de ensino como
uma totalidade concreta. Dentro disso, essa Nova Didática
entende o fenômeno do ensino em seu caráter antropológico
de trabalho Didático produzido socialmente pelo homem,
como práxis, articulando as bases materiais da sociedade que
se pretende transformar e que possui sua expressão nuclear.
(OLIVEIRA, 1991; p. 45)
Gadotti (1997) defende que uma escola que se proponha à
emancipação dos sujeitos deve buscar integrar educação e cultu-
ra, escola e comunidade, na democratização das relações de poder
dentro da escola, no enfrentamento da questão da repetência e da
avaliação, na visão interdisciplinar e transdisciplinar e na formação
permanente dos educadores.
É essa compreensão que deve orientar a concepção de Ensino
Médio para os que vivem do trabalho, de modo a assumir a neces-
sidade da formação de um trabalhador de novo tipo, ao mesmo
tempo capaz de ser político e produtivo, atuando intelectualmente
e pensando praticamente; um trabalhador crítico, criativo e autô-
nomo intelectual e eticamente, capaz de acompanhar as mudanças
e educar-se permanentemente (KUENZER, 2007). Isto significa a
não subordinação a um ensino marcado pela dualidade e pela cisão
no processo de produção entre aqueles que a pensam e executam
as ações.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
135
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

Sobre os projetos

Como terceira característica do planejamento de ensino, obser-


va-se que a escola utiliza de forma estratégica os projetos. Os proje-
tos na escola se apresentam como mecanismo para a realização do
ensino na sua totalidade.
Sua finalidade é trabalhar os conteúdos de ensino de uma forma
dinâmica e atrativa, em contraposição ao cotidiano das aulas. No en-
tanto, estes projetos se apresentam de forma fragmentada, pois não
se articulam às finalidades gerais do ensino na escola.
Esses projetos possuem características que podem, no máxi-
mo, se constituir como “prenúncios” para uma prática de ensino
integradora na escola. Essas características são notadas quando, por
exemplo, apresentam a finalidade da organização dos conteúdos,
no envolvimento dos sujeitos às atividades pedagógicas ou, ainda,
no reconhecimento da necessidade da participação dos alunos nas
ações dos projetos.
De uma forma geral, as características do planejamento de ensi-
no da escola se revelam de forma fragmentada; por isso, o discurso
de “formação para a vida” parece sem sentido nela. Considera-se
como necessidade da didática/prática pedagógica na escola a supe-
ração de reducionismos e práticas que desconsiderem a formação
ampliada dos sujeitos e reforcem a condição de uma escola de clas-
ses.
Este processo descrito parece ser reflexo da burocratização do
planejamento de ensino, o qual deixa de se apresentar como neces-
sidade ao trabalho pedagógico e passa a se constituir apenas como
obrigatoriedade formal ao sistema de ensino. Apesar do planeja-
mento da escola ser realizado com base nos bimestres letivos, o tra-
balho pedagógico é desenvolvido mediante práticas pedagógicas
desarticuladas, desconsiderando as ações planejadas.
[...] o planejamento acontece duas semanas que antecedem
o início das aulas e ele é mais uma repetição do que vem

136 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

acontecendo nos anos anteriores muda pouca coisa, assim eu


noto que também aumenta fica o que já tem, na verdade não
tem mudança, fica o que já tem e pelo menos em geografia
eu noto que vai entrando mais conteúdo, inclusive, isso é
algo que nos deixa angustiado, é muito conteúdo para duas
horas semanais, mas não há assim aquele planejamento de
ter aquela conversa com os alunos para saber que direciona-
mento tu vai dar. (ENTREVISTADO F)
Além disso, a burocratização do planejamento emperra a pos-
sibilidade de um planejamento de ensino integrado. Não se trata da
inexistência do diálogo entre os professores, o que ocorre é a restri-
ção desta prática a momentos pontuais do ano letivo.
A burocratização e a desorganização desse planejamento de
ensino se revela na participação restrita e nas finalidades de ensi-
no desencontradas. A não sistematização do planejamento impõe
o improviso para algumas práticas pedagógicas e revela o potencial
de integração do ensino, mas em função de iniciativas individuais e
exitosas de alguns professores.
O planejamento é aquilo que já vem pronto e acabado de
muito tempo e pouca coisa muda mesmo assim na prática,
né! O que acontece, muitas vezes, é que aumenta os conteú-
dos, mas a metodologia, as práticas continuam os mesmos;
de como a escola te proporciona para aplicar aquele conteú-
do, eu observo pouca diferença. O que eu observo também
que o que foi mudando, o que eu observei em mim foi ano
após ano, como é que a gente fala, a gente vai adquirindo a
experiência. (ENTREVISTADO F)
Portanto, o planejamento como parte integrante da prática pe-
dagógica deve ser compreendido sob a perspectiva da totalidade e
para além de uma prática pedagógica restrita às aulas como mani-
festação hegemônica da prática pedagógica. (OLIVEIRA, 1988) As-
sim, quando a prática pedagógica é isolada das outras práticas e da
prática social global, perde o sentido de sua totalidade.
Trata-se de entender que:

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
137
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

[...] o fenômeno do ensino como uma prática social histórica,


no dia a dia da escola, determinada por múltiplos fatores,
procurando-se desvelar o seu relacionamento em corres-
pondência e, ao mesmo tempo, em contradição com outras
práticas na formação social brasileira. Implica revelar os me-
canismos ideológicos desse fenômeno enquanto viabilizador
do sistema socioeconômico e político brasileiro. Implica,
finalmente, descortinar a especificidade das contradições
internas do ensino, em torno de seus elementos e subpro-
cessos (conteúdo método, professor aluno, planejamento,
execução, fins e controle) (OLIVEIRA, 1991; p. 45).
O desafio está na superação do formalismo, na superação do
reducionismo e na ênfase na integração. Esta que tenta considerar,
dialeticamente, os diferentes estruturantes do método didático, con-
siderando cada um deles, suas inter-relações com os demais, sem
querer negar nenhum deles (FREITAS, 2012).
Neste sentido, mediante o contexto do planejamento marca-
do pela burocratização e a desarticulação com a prática pedagógica,
tem-se a improvisação no ensino dos professores como marca fun-
damentalmente presente na sua prática pedagógica.
A ênfase nos conteúdos disciplinares é uma característica dis-
tinta daquilo que preceitua a Pedagogia das Competências, o que
revela, neste aspecto, um distanciamento das práticas dos docentes
da escola pesquisada com as formulações desta Pedagogia. A fle-
xibilidade e a forma de uso dos projetos, no entanto, aproximam
as práticas da Pedagogia das Competências, apesar de que não se
possa dizer que a forma como os professores compreendem o seu
planejamento tenha uma relação direta com qualquer orientação pe-
dagógica.

Considerações finais

Desenvolveu-se um estudo de caso revelador de uma norma, a


partir de uma escola estadual na cidade de Macapá/AP, no tocante

138 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

à forma como a Pedagogia das Competências foi apropriada pelos


professores na sua prática pedagógica.
Assim, foram identificadas algumas marcas destas práticas e,
na análise, foi verificada, no planejamento escolar, uma centralidade
dos conteúdos disciplinares e a prevalência do improviso, tomado
como flexibilização das ações pedagógicas.
Há, de fato, a abdicação do planejamento de ensino em favor de
mudanças ocasionais daquilo que foi planejado coletivamente. Ne-
ga-se que a aula prescinde de uma organização pedagógica marcada
pela articulação entre finalidades, métodos e conteúdos de ensino.
Criticou-se, nesta proposta, o improviso chamado de flexibilização,
ajustando o ensino à imediatez dos momentos, e à redução dos con-
teúdos e a sua adequação aos conteúdos programáticos do ENEM,
perdendo-se de vista uma formação escolar que corresponda aos
interesses amplos dos sujeitos.
Houve momentos de aproximações e afastamentos com as
orientações da Pedagogia das Competências na prática pedagógica
dos professores que, todavia, trazem daquela formulação pedagógi-
ca a ideologia da lógica instrumental e pragmática incorporada nos
processos de ensino.
Ainda que não tragam relação direta com os princípios da Peda-
gogia das Competências, como na mobilização de saberes práticos
para a vida profissional, os conteúdos apresentam o sentido prag-
mático e estão formulados a partir da elaboração de competências
e habilidades.
De forma geral, foram encontradas dificuldades em vincular os
processos estudados com a Pedagogia das Competências. Apesar
de a escola ser compreendida, por alguns professores entrevistados,
como espaço estratégico para essa formação, a lógica das compe-
tências é apenas parcialmente internalizada, tanto que nenhum dos
professores demonstrou a sua operacionalização no planejamento,
tampouco nas suas aulas, mas absorveram a sua ideologia pragmá-
tica.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
139
A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DO ENS. MÉDIO EM MACAPÁ

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144 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
6
NOTAS SOBRE A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: 1930 a 1940

NOTAS SOBRE A EDUCAÇÃO


PROFISSIONAL NO BRASIL: 1930 a 1940

Eraldo Leme Batista1


João Carlos da Silva2

Introdução

Esse texto discute a educação profissional entre 1930 e 1940 no


Brasil, considerando as políticas públicas para educação profissional
no período, fase em que o processo de industrialização aflorava no
país, exigindo trabalhadores capacitados para ocuparem os postos
de trabalho oferecidos em plena expansão do capitalismo monopo-
lista. Neste prisma, levaremos em conta as ideias dos industriais via
revista do Instituto de Organização Racional do Trabalho - IDORT.
Nesta perspectiva, pretendemos examinar a questão da dualida-
de no ensino profissionalizante de então, observando a forma dúbia
em que este ocorria. A formação de líderes, executivos, profissionais
liberais e trabalhadores de alto escalão acontecia nas universidades
1 Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - Uni-
camp, área de pesquisa: Filosofia e História da Educação. Pós-doutorado pelo Programa de Pós-
-Graduação em educação, UNIOESTE, Campus Cascavel. É vinculado ao Grupo de pesquisa
HISTEDBR - Grupo de Pesquisa em História, Sociedade e Educação no Brasil. eraldo_batista@
hotmail.com
2 Doutor em Filosofia, História da Educação/FE – UNICAMP. Professor do Curso de Pedagogia
e do Programa de Pós-Graduação/Mestrado em Educação da UNIOESTE, Campus Cascavel.
Pós-Doutorado pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. Membro do grupo de
pesquisa HISTEDOPR – História, Sociedade e Educação – Oeste do Paraná. E-mail: joao.silva@
unioeste.br

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
145
NOTAS SOBRE A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: 1930 a 1940

nacionais e estrangeiras, enquanto os trabalhadores operacionais


eram preparados em cursos de formação rápida e de cunho praticis-
ta, visando a atender as demandas do mercado de trabalho crescen-
tes do contexto econômico do pós-guerra.

A educação no contexto Republicano

No século XX, o processo de expansão capitalista, que assumiu


novas formas e nova dinâmica, caracterizando uma nova etapa do
capitalismo, em sua fase monopolista. Essas mudanças alteraram as
relações entre países centrais e países periféricos. O imperialismo
monopolista iniciou seu processo de estruturação no final do século
XIX, com o surgimento dos primeiros monopólios nacionais. Ga-
nhou impulso com a crescente transnacionalização após a Primeira
Guerra Mundial (1914-1918) e consolidou-se no mundo a partir do
término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), com a expansão
dos monopólios multinacionais, sob a liderança das corporações
norte-americanas.
O surto industrial nas primeiras décadas deste século aproxima-
va cada vez mais o Brasil das potências emergentes, especialmente
Inglaterra e Estados Unidos da América, importando desses países
formas avançadas de produção e concomitantemente condicionan-
do as políticas educacionais internas, como por exemplo, a implan-
tação de cursos técnico-profissionalizantes visando a atender a de-
manda produzida pela indústria e pelo comércio. A modernização
da sociedade brasileira era uma exigência de fato, fruto do estágio
atingido no processo de mudança da base da sociedade exportado-
ra brasileira, que de rural-agrícola passava para urbano-comercial.
Significou a necessária adaptação entre regiões hegemônicas e pe-
riféricas que integravam o sistema capitalista na fase industrial ou
concorrencial.
No contexto brasileiro, em face do desenvolvimento capitalista
internacional, a pedagogia republicana repousava sobre uma ordem
social, fundamentada numa sociedade aberta, livre e democrática,

146 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
NOTAS SOBRE A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: 1930 a 1940

atribuindo à educação o papel de agente da reforma social mediante


a edificação do Estado liberal, característico daqueles formulados
no século XVIII, na Europa. O liberalismo era apresentado pelas
forças republicanas como o valor mais sagrado, superior inclusive
à educação.
No Brasil, os ideais republicanos nasceram inspirados nas ideias
positivistas de educação, marcadas pela crença sistemática nas polí-
ticas educacionais como mola propulsora para o progresso. A edu-
cação estava sempre presente nos discursos políticos, sendo sempre
apontada como a chave para atingir o pleno desenvolvimento. A
rigor, desde 1870, a liberdade, a laicização, a expansão do ensino
e a educação para todos eram bandeiras levantadas pela burguesia
nascente no Brasil. (SILVA, 2011).
No início da década de 1930, teve início, mesmo que de forma
um pouco confusa, a ideologia política denominada “nacional-de-
senvolvimentismo”, aliada a um modelo econômico compatível, o
de “substituição de importações”. Este período representou um momen-
to de redefinição do papel e da ação do Estado brasileiro, no proces-
so de rearticulação dos grupos no poder, efetuado pela Revolução
de 1930. O Estado brasileiro, a partir daquele momento, assumiu o
papel de ser o principal instrumento de financiamento da expansão
capitalista no Brasil.
Saviani (2002), analisando a realidade brasileira considera que
foi após a Revolução de 1930 que o país começou a enfrentar os
problemas próprios de uma sociedade burguesa moderna, inclusive
no campo da instrução pública popular. Neste período, precisamen-
te em 1930, que é criado o Ministério da Educação e Saúde. A edu-
cação começa a ser reconhecida como questão Nacional.
Diante disso, uma série de medidas de alcance nacional referen-
tes à educação: em 1931, com as reformas do Ministro Francisco
Campos; em 1932, com o Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, dirigido ao povo e ao governo, que apontava na direção da
construção de um sistema nacional de educação, inclusive na educa-
ção profissional; em 1934 a Constituição Federal que colocava a exi-

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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NOTAS SOBRE A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: 1930 a 1940

gência de fixação das diretrizes da educação nacional e elaboração


de um plano nacional de educação; as leis orgânicas do ensino, um
conjunto de reformas promulgadas entre 1942 e 1946 por Gustavo
Capanema, Ministro da Educação do Estado Novo. No que tange
à Constituição Federal, foi somente em 1946 que a Carta Magna
definiu a educação como direito universal e o ensino primário como
obrigatório para todos e gratuito nas escolas públicas.
Segundo os pioneiros da educação, inspirados pelos princípios
escolanovistas, a escola secundária deveria ser organizada em cursos
destinados à preparação às atividades profissionais, decorrentes da
extração de matérias-primas (escolas agrícolas, de mineração e de
pesca) da elaboração das matérias-primas (industriais e profissio-
nais) e da distribuição dos produtos elaborados (transportes, comu-
nicações e comércio). Conforme o documento:
[...] o trabalho que foi sempre a maior escola de formação da
personalidade moral, não é apenas o método que realiza o
acréscimo da produção social, é o único método susceptível
de fazer homens cultivados e úteis sob todos os aspectos. O
trabalho, a solidariedade social e a cooperação, em que re-
pousa a ampla utilidade das experiências; a consciência social
que nos leva a compreender as necessidades do indivíduo
através da comunidade, e o espírito de justiça, de renúncia e
de disciplina, [...] (AZEVEDO, 1958, p. 192).
O que se apreende deste período é que mesmo incorporando-se
no âmbito legal, a educação não obteve o financiamento e incentivo
necessário para a ampliação do acesso a escola, e nem mesmo a me-
lhoria da qualidade para sua aplicação.
Também em âmbito legal, a lei de Diretrizes e Bases para a edu-
cação, aprovada em 1961 trouxe algumas mudanças no que tange à
área educacional, porém, Saviani (2002) aponta que mesmo com a
Constituição Federal de 1946 definindo a universalização do ensino
primário obrigatório para todos a LDB da década de 60 apresentou
várias limitações, como por exemplo, que o texto incluía expressa-
mente entre outros motivos de isenção da responsabilidade quanto

148 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
NOTAS SOBRE A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: 1930 a 1940

ao cumprimento da obrigatoriedade escolar, o comprovante de es-


tado de pobreza do pai ou responsável e a insuficiência de escolas.
Reconhecia-se a realidade limitadora da democratização do ensino
fundamental, não dispondo dos mecanismos para superação dessa
limitação. Esta limitação não foi revertida nem mesmo com a polí-
tica educacional que foi expressa pela Lei 5692 de 11 de agosto de
1971, lei esta que fixava diretrizes de bases para o ensino de primeiro
e segundo graus.
A trajetória da escola pública no Brasil demonstra que nos di-
versos períodos esta não foi pensada para possibilitar a socialização
do saber construído, mas para atender as necessidades da classe do-
minante e do capital. Isto ficou claro nos diversos momentos histó-
ricos que esta percorreu e que, pouco ou nada foi feito a respeito da
questão qualitativa da educação dispensada aos trabalhadores.

O IDORT e a educação profissional no Brasil

O IDORT, entidade criada pela burguesia industrial paulista,


foi fundamental para a discussão e reorganização do ensino profis-
sional no Brasil, mas que foi na década de 1940 que os industriais
conseguiram, mesmo não concordando com a centralização da dis-
cussão nas mãos do Estado, criar uma importante escola de forma-
ção dos trabalhadores. Foi no período do Estado Novo (1937-1945)
que os industriais conseguiram regulamentar as propostas de ensino
profissional no Brasil, a partir da reforma Capanema (1942), conhe-
cida também como Leis Orgânicas do Ensino. Esta reforma estru-
turou o ensino profissional, reformulou o ensino comercial e criou
o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI.
Diferente de anos anteriores, em que se defendia a vinda de tra-
balhadores estrangeiros para o Brasil por serem qualificados, neste
novo momento histórico do país (década de 1930) ganha força, no
setor industrial, a ideia de que se fazia urgente e necessária a substi-
tuição da força de trabalho estrangeira por trabalhadores nacionais,
pois não tinham “vícios” e “ideias complicadas”, “estranhas”.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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NOTAS SOBRE A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: 1930 a 1940

O Brasil não necessita de braços, pois não aproveitou nem


curou, ainda, de aproveitar os trabalhadores nacionais (...)
Para suas necessidades atuais, o Brasil dispõe de braços su-
ficientes, perfeitamente aptos, suscetíveis das mais árduas e
dedicadas tarefas, quer na agricultura, quer na indústria, quer
como inteligência, quer como resistência (...) Apesar de ser
inteligente, dedicado, fiel, resistente à fadiga como poucos,
adaptando-se facilmente aos mais difíceis misteres e às mais
complexas manipulações industriais (...) Desamparado, ver-
gando ao peso do anátema de “vadio” e “preguiçoso” de
incapaz e malandro. (PICHELLI, 1997, p.6)
Os efeitos destas ideias são constatados já nos anos 30 em de-
corrência da diminuição da imigração para o Brasil e crescente pro-
cesso de migração para as principais cidades, como São Paulo, como
bem nos informa Pichelli (1997, p. 6), “entre o período de 1931
e 1946, chegaram a São Paulo 651.762 migrantes internos contra
183.445 estrangeiros. Já no período anterior, entre 1881 e 1930, os
estrangeiros somavam 2.250.570, contra apenas 289.179 nacionais”.
Constatando a necessidade dos trabalhadores nacionais em
compor definitivamente a força de trabalho no país, como estratégia
também de substituir esta força de trabalho estrangeira pela nacio-
nal, tornava-se indispensável educar, instruir e preparar o trabalha-
dor brasileiro para o mercado de trabalho. Lembramos que esta pre-
ocupação dos industriais torna-se mais evidente com o crescimento
dos projetos de industrialização do país, principalmente após Getú-
lio Vargas assumir o poder no Brasil.
Neste sentido é que seria fundamental e urgente um projeto
educacional que possibilitasse a formação de um novo homem, po-
rém que fossem “operários dóceis, saudáveis e produtivos, além de
uma nova elite, capaz de comandar a sociedade dentro dos novos
princípios da ordem burguesa” (PICHELLI, 1997, p.6).
Em seus estudos, Romanelli (2006), observa que outros fatores
também contribuíram para a restrição da importação de trabalhado-
res estrangeiros. Segundo esta mesma autora:

150 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
NOTAS SOBRE A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: 1930 a 1940

É conveniente lembrar que a época exigia uma redefinição


da política de importação de pessoal técnico qualificado,
como vinha acontecendo até então. A guerra estava fun-
cionando como mecanismo de contenção da exportação
de mão-de-obra dos países europeus para o Brasil. Até essa
altura, não existira uma política adequada de formação de
recursos humanos para a indústria, porque esta se vinha pro-
vendo de mão-de-obra especializada, mediante importação
de técnicos. O período de guerra estava dificultando essa im-
portação, do mesmo modo que dificultava a importação de
produtos industrializados. Isso suscitava um duplo problema
para o Estado: de um lado, ter de satisfazer as necessidades
de consumo da população com produtos de fabricação na-
cional (...) o que significava ter de expandir o setor industrial
brasileiro e, com isso, absorver mais mão-de-obra qualifica-
da – e, de outro lado, já não poder contar com a importação
desta, pelo menos no mesmo ritmo em que ela se processa-
va. (ROMANELLI, 2006, p. 155)
Daí a informação dada pela mesma autora, de que é a partir
deste processo que surge a ideia dos industriais brasileiros de treinar
trabalhadores nacionais, surgindo a partir desta preocupação a ne-
cessidade urgente de se criar uma escola de formação de trabalhado-
res, iniciando-se, portanto, neste período, o surgimento do SENAI.
Somando o descontentamento com os trabalhadores estran-
geiros, mais os problemas em decorrência da guerra, é que cresce
no interior dos industrialistas a necessidade de se criar esta escola.
Neste sentido é que o Governo Federal cria o sistema de ensino
paralelo ao sistema oficial, que foi organizado em convênio com
as indústrias via CNI (Confederação Nacional das Indústrias) (RO-
MANELLI, 2006, p.155).
O trabalho qualificado era compreendido neste período como
meio de se manter a ordem, evitar a desordem, mas também como
“instrumento inteligente de produção industrial”, e para garantir e im-
plementar esta ideologia se dispunha de instituições educacionais, como
Liceus de Artes e Ofícios e os asilos desvalidos (CUNHA, 2005).

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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NOTAS SOBRE A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: 1930 a 1940

Formação/educação profissional aos trabalhadores era um dos


principais objetivos do IDORT, tanto que Lourenço Filho e Ro-
berto Mange eram responsáveis, no interior desta organização em-
presarial, pela questão educacional. Tenca, ao analisar a questão da
educação no interior do IDORT, entende que;
Na educação, o Instituto de Organização Racional do Traba-
lho exerceu um papel dos mais importantes na vasta empresa
voltada para o controle do tempo do trabalhador, em âmbito
regional e nacional. Das inúmeras atividades desenvolvidas
nessa área, penso ser importante citar, considerando o tema
deste trabalho, a Escola Livre de Sociologia e Política e os
cursos voltados diretamente para a formação de trabalhado-
res. (TENCA, 2006, p. 40)
Importante lembrar que o principal entusiasta e articulador para
que se concretizasse a criação da Escola Livre de Sociologia e Po-
lítica era Roberto Simonsen, Presidente da FIESP e fundador do
IDORT. Na inauguração desta escola, em 1933, Simonsen deixava
claro os objetivos definidos para a instituição:
(...) Essa escola tem que possuir um programa que possa,
além de seu curso normal, esboçar um plano de pesquisas
sociais e coordenar a documentação já existente, dirigindo
a formação de estatísticas adequadas, promovendo publica-
ções periódicas de monografias e inquéritos, pesquisando os
casos especiais pela aplicação dos métodos de observação
e inquirição diretos, incentivando a formação de operado-
res capazes de tais cometimentos e enfim coordenando tudo
quanto possa interessar ao perfeito conhecimento do meio
em que vivemos e dos elementos necessários à solução dos
problemas de governo. (SIMONSEN, apud TENCA, 2006,
p. 40)
Simonsen apresenta ainda sua visão sobre o papel da escola de
sociologia e política, como estratégico para a formação da elite na-
cional.

152 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
NOTAS SOBRE A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: 1930 a 1940

A formação das elites deve pois constituir uma das preo-


cupações primaciais das sociedades modernas. Qualquer
instituição social, qualquer escola doutrinária que inspire ser
adotada, qualquer associação industrial ou comercial, para
colimar seus objetivos, todas necessitam e exigem, cada vez
mais, elementos da elite em sua direção. Possuindo escolas
superiores de incontestável valor. São Paulo precisa agora
formar as suas elites, educadas nas ciências sociais e no co-
nhecimento das verdadeiras condições em que evolui a nossa
sociedade, como meio de mais fielmente aparelhar a nossa
sociedade, como meio de mais fielmente aparelhar a conve-
nientemente escolha de seus homens de governo. (SIMON-
SEN, 1933, p. 7)
Weinstein (2000) também analisa este movimento e o processo
de fundação da Escola Livre de Sociologia e Política, que em sua
fundação é divulgado um manifesto sobre os objetivos desta escola.
(...) elite numerosa e organizada, instruída sob métodos cien-
tíficos (...) capaz de compreender o meio social. Inspirados
na sociologia positivista, os fundadores da escola considera-
vam a pesquisa “apolítica” e científica, feita por especialis-
tas o instrumento adequado para resolver conflitos sociais
e também uma forma de eliminar temas controversos como
salários, condições de trabalho e padrão de vida da arena po-
lítica e da luta de classes. Esses objetivos estavam em plena
sintonia com o ponto de vista dos que defendiam a raciona-
lização. (WEINSTEIN, 2000, p. 94)
Tenca entende que o IDORT, a partir dos anos 1930:
(...) foi marcante na reorganização do ensino profissional
no Brasil, na estruturação do Departamento de Adminis-
tração do Serviço Publico (DASP); na criação do Sesi e do
Sesc; na Reorganização Administrativa do Governo do Es-
tado (Rage), em São Paulo; em iniciativas vinculadas direta
ou indiretamente à Fiesp, como na criação da Escola Livre
de Sociologia e Política, em 1933, antecipando-se mesmo à
constituição da Universidade de São Paulo, criada em 1934,

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
153
NOTAS SOBRE A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: 1930 a 1940

no governo de Armando Salles de Oliveira, que foi um dos


fundadores e o primeiro presidente do IDORT em 1931.
Esses fatos indicam a interferência direta dos representantes
da indústria paulista na implementação de políticas sociais,
de um lado, e, de outro, o investimento na reestruturação
da burocracia, tanto no setor privado como em instituições
governamentais (2006, 41).
Ao mesmo tempo em que os industriais fundam a Escola Livre
de Sociologia e Política para formação profissional dos trabalha-
dores para trabalharem na indústria que estava sofrendo alterações
significativas, os mesmos criam a Universidade de São Paulo, com o
objetivo claro de formação da elite industrial e empresarial paulista.
A Constituição de 1937, por exemplo, em seu artigo n° 129, de-
terminou um papel inédito para o Estado, as empresas e sindicatos
no tocante à educação profissional das “classes menos favorecidas”.
Conforme este artigo:
O ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes
menos favorecidas é em matéria de educação o primeiro de-
ver do Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fun-
dando institutos de ensino profissional e subsidiando os de
iniciativa dos estados, dos municípios ou associações parti-
culares e profissionais. É dever das indústrias e dos sindica-
tos econômicos criar, na esfera de sua especialidade, escolas
de aprendizes destinadas aos filhos de seus operários ou de
seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever
como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem conce-
didos pelo poder público. (CUNHA, 2005, p. 28)

Romanelli (2006) nos informa, por exemplo, que em 1942, o


Ministro de Vargas, Gustavo Capanema, dá início à reforma de al-
guns ramos do ensino, denominada de Leis Orgânicas. As leis que
estruturaram o ensino técnico-profissional começaram a ser pro-
mulgadas de forma gradativa, sendo que as leis do ensino técnico
ficaram assim definidas;

154 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
NOTAS SOBRE A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: 1930 a 1940

a) - Em 30 de janeiro de 1942, o Decreto-Lei n° 4.073 orga-


nizava o ensino industrial (Lei Orgânica do Ensino Indus-
trial); b) - em 28 de dezembro de 1943, saía a Lei Orgânica
do Ensino Comercial, pelo Decreto-Lei n° 6.141; c) - e, em
20 de agosto de 1946, findo, portanto, o Estado Novo, saía o
Decreto-Lei 9.613, chamado Lei Orgânica do Ensino Agrí-
cola. (ROMANELLI, 2006, p. 154)
Ao analisar estes decretos, Romanelli (2006) nos informa que o
ensino industrial na criação das escolas de aprendizagem foi de “(...)
um aspecto de indiscutível valor da história do ensino profissional,
pois revela uma preocupação do governo de engajar as indústrias da
qualificação de seu pessoal, além de obrigá-las a colaborar com a so-
ciedade na educação de seus membros”. Esta autora observa, ainda,
que os trabalhadores técnicos eram importados, pois não existia no
Brasil força de trabalho qualificada para realizar trabalho no setor
industrial (ROMANELLI, 2006).

Considerações finais

Concluímos que a burguesia industrial brasileira, no período


histórico analisado, tinha um projeto político de construção da he-
gemonia instrumentalizado através de uma proposta educacional
focada no desenvolvimento nacional a partir da industrialização. A
educação deveria ser funcional às necessidades dos industriais, que
buscavam impor seu projeto de sociedade de cunho industrial. Este
pragmatismo é acompanhado por uma ação ideológica que busca a
imposição de um novo consenso, naturalizando uma nova sociabi-
lidade.
Para concretizar seu projeto hegemônico, a burguesia indus-
trial brasileira cria o IDORT como estratégia para divulgação de
suas ideias sobre o “progresso” industrial, o que evidencia o caráter
pedagógico de sua ação estratégica, e, ao mesmo tempo, o caráter
sofisticado da racionalidade industrial imposta através de uma ação,
aparentemente, pedagógica.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
155
NOTAS SOBRE A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: 1930 a 1940

O Estado, por sua vez, deveria proporcionar uma escola de qua-


lidade e gratuita, tendo em vista os interesses dos indivíduos em
formação e a necessidade de progresso, considerando que esta edu-
cação deva ter caráter obrigatório. Os pioneiros ainda se colocavam
favoráveis à escola mista e, questionando os princípios da educação
católica, defendiam uma educação laica, o que distanciaria a edu-
cação da influência religiosa e a colocaria no campo das questões
sociais. Neste sentido, os pioneiros expressavam o Brasil como uma
sociedade marcada pela heterogeneidade
Compreendemos que os industriais tinham como estratégia
formar os trabalhadores brasileiros como mecanismo de diminuir
ou mesmo retirar do setor fabril os trabalhadores estrangeiros, pois
os mesmos, em sua maioria, tinham ideologias “estranhas”, eram
“contestadores”, e podiam criar “problemas” para o projeto nacio-
nalista de industrialização do país.

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158 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
7
A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL MÉDIO NO INSTITUTO FEDERAL DE SÃO PAULO

A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE
NÍVEL MÉDIO NO INSTITUTO FEDERAL
DE SÃO PAULO: IMPLANTAÇÃO DE
POLÍTICA PARA INTEGRAÇÃO OU
DESINTEGRAÇÃO?

Cíntia Magno Brazorotto1

INTRODUÇÃO

O presente texto visa a apresentar os resultados da pesquisa de


mestrado que investigou o início da implantação do ensino médio
integrado realizado por meio de um Acordo de Cooperação firma-
do entre o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
São Paulo (IFSP) e a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo
(SEE-SP), em um município do interior paulista, no decorrer do
ano de 2012.
Os objetivos específicos consistiram em: 1) estudar os desafios
enfrentados para a implementação da política em questão; 2) ana-
lisar a legislação vigente para a implantação do referido Acordo;
3) detectar os pontos convergentes e divergentes neste processo; e
4) apreender a viabilidade da integração curricular como elemento
obstaculizador da implantação da política.

1 Mestre em Educação pela PPGE/UNIMEP. Doutoranda em Educação na FE/UNICAMP.


Pedagoga no IFSP – Campus Araraquara. Contato: cbrazorotto@gmail.com.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
159
A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL MÉDIO NO INSTITUTO FEDERAL DE SÃO PAULO

A hipótese elaborada foi a de distância entre os princípios pro-


mulgados nos documentos oficiais, que orientam a política, e a sua
implantação na prática, em especial no que se refere à efetiva in-
tegração da base comum do currículo (ensino médio) à específica
(técnica profissionalizante).
O referencial teórico baseou-se em estudiosos da educação
profissional a exemplo de Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005; 2012),
Kuenzer (2007), Ferretti (1997) e Saviani (2003), entre outros. Esses
autores contribuíram para a compreensão dos aspectos que consti-
tuem a modalidade de ensino no País, principalmente do dualismo
histórico e estrutural presente na educação brasileira e a perspectiva
de inserção do ensino politécnico, mediante o estabelecimento do
ensino médio integrado.
O estudo de caráter qualitativo visou a apreender a concepção
de professores, diretores e estudantes sobre a política proposta.
Conforme Zanten (2004), a investigação qualitativa é descrita pela
análise global de categorias, segundo a compreensão dos atores da
pesquisa sobre a realidade em que atuam. Assim, a validade da pes-
quisa está relacionada ao rigor do trabalho investigativo, pautado em
técnicas que garantam o seu aprofundamento. Nesse sentido, foram
realizadas entrevistas semiestruturadas com nove profissionais das
escolas envolvidas, sendo um diretor e três professores da escola
estadual e um diretor e quatro professores do campus do IFSP. Tam-
bém foram entrevistados cinco alunos que ingressaram no ensino
médio integrado, no ano de 2012.
Por se tratar de um estudo empreendido em contexto de vida
real, este se configurou como estudo de caso, pois permitiu o co-
nhecimento detalhado da realidade investigada (GIL, 1999).
Concomitantemente, desenvolveu-se uma pesquisa documen-
tal, na qual foram avaliados os marcos legais que regem a educação
profissional, especificamente o ensino médio integrado, além dos
documentos de referência para a implantação da política proposta2.
2 São eles: Termo de Acordo de Cooperação n. 002/11, firmado entre o IFSP e a SEE-SP para
a ampliação da oferta da educação profissional integrada ao ensino médio; Programa Rede de

160 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


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A pesquisa foi realizada em um campus do IFSP situado no inte-


rior paulista. Esse campus foi implantado no ano de 2010, visando a
atender o crescimento e desenvolvimento econômico da região que
demandou a formação de profissionais especializados. O município
pesquisado conta com uma população de 364.571 habitantes, segun-
do o Censo 2010 do IBGE3, e sua concentração produtiva está nas
áreas de comércio e indústria.
A análise também foi realizada na escola estadual parceira do
IFSP na oferta do ensino médio integrado, localizada na região pe-
riférica do município e que atende estudantes do 6° ao 9° ano do
ensino fundamental, ciclo II, e ensino médio.
A dissertação foi estruturada em três capítulos, sendo que no
capítulo I empreendeu-se uma reflexão acerca da história da edu-
cação profissional no Brasil e seus marcos legais que contribuíam
para caracterizar essa modalidade de ensino, marcada principalmen-
te pelo dualismo histórico e estrutural, compreendido como a sepa-
ração entre a educação propedêutica e a profissional. No capítulo II,
buscaram-se verificar os desafios encontrados pelos profissionais na
implantação da política proposta no Acordo de Cooperação IFSP/
SEE-SP. O capítulo III averiguou a viabilidade de integração curri-
cular, apontando as dificuldades encontradas pelos entrevistados na
elaboração e implantação do currículo do ensino médio integrado,
de acordo com o prescrito nos documentos institucionais e na le-
gislação vigente.
Por último, observou-se a realidade em que a política foi im-
plementada a fim de se verificar a hipótese central da pesquisa a

Ensino Médio Técnico – REDE, do governo do Estado de São Paulo, instituído pelo do Decreto
nº 57.121, de 11 de julho de 2011. Estabelece a oferta de cursos técnicos articulados ao ensino
médio nas formas concomitante e integrada, em parceria com instituições públicas e privadas;
Resolução SE 47, de 12 de julho de 2011. Regula o Programa REDE e estabelece a oferta do
ensino médio integrado por meio de acordo de cooperação com instituições de ensino públicas
estaduais e federais; Projeto de Implantação da Educação Profissional Técnica de Nível Médio
Integrada ao Ensino Médio – Parceria IFSP/SEE-SP. Documento institucional que orienta os
profissionais envolvidos no Acordo sobre a implantação do ensino médio integrado.
3 IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?cod-
mun=353870>. Acesso em: 20 abr. 2014.

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
161
A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL MÉDIO NO INSTITUTO FEDERAL DE SÃO PAULO

respeito da disparidade entre as orientações expressas na política e


a efetiva integração entre os ensinos médio regular e o técnico pro-
fissionalizante.

A pesquisa sobre a parceria IFSP/SEE-SP

O estudo aqui apresentado está inserido no contexto de cresci-


mento econômico experimentado no Brasil a partir dos anos 2000
e que passou a demandar profissionais qualificados para os diversos
setores produtivos, a exemplo do industrial, o agropecuário e co-
mercial, conforme ampla divulgação na mídia4.
Para atender aos apelos dos segmentos produtivos, o poder
público, tanto federal quanto estadual, vem estabelecendo políticas
para a ampliação da oferta de educação profissional e tecnológica
(EPT) no País, expresso em programas como o Programa Nacional
de Acesso ao Ensino Técnico – PRONATEC –, na esfera federal, e
o Programa Rede de Ensino Médio Técnico – REDE –, instituído
no Estado de São Paulo.
Além desses programas, destaca-se a expansão da Rede Federal
de Educação Profissional e Tecnológica empreendida, basicamente,
por meio da criação dos Institutos Federais, sendo este considerado
o exemplo mais axiomático da ação política referente à propagação
da EPT no âmbito do Governo Federal. Desde 2005, essa Rede
apresentou um salto considerável no número de suas unidades edu-
cacionais, passando de 144 escolas federais, naquele ano, para 354,
em 2013. Em conformidade com as informações anunciadas pelo
Ministério da Educação5 (MEC), a expansão vigora com a previsão
de abertura de mais 208 campi dos Institutos Federais (IF) em 2014,
perfazendo um total de 562 escolas distribuídas por todo o territó-
rio nacional. Considerando a expansão dos Institutos Federais até

4 Revista Época. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Vida-util/noticia/2011/10/o-


-mapa-da-educacao-profissional-no-brasil.html>. Acesso em 10 abr. 2014.
5 Ministério da Educação: Disponível em: <http://redefederal.mec.gov.br/expansao-da-rede-fe-
deral>. Acesso em 1 ago. 2014.

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o final de 2014, registra-se um aumento de 390% no número de


escolas da Rede em 9 anos.
Nessa conjuntura, o Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de São Paulo (IFSP) também estende sua atuação para
as cidades do interior paulista, passando de 3 campi em 2005 para 29
em pleno funcionamento em 2013. Conforme o Projeto de Desen-
volvimento Institucional (PDI) do IFSP para o período 2014-2018,
a expectativa é que a instituição alcance o número de 56 unidades
escolares no Estado de São Paulo até o final de 2015.
A criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tec-
nologia (IF) foi estabelecida pela Lei 11.892/2008 com o objetivo
de atender a demanda pela amplificação da oferta de cursos de EPT
no Brasil, atendendo estudantes do nível básico ao superior. O leque
de cursos oferecidos pela instituição vai desde cursos de Formação
Inicial e Continuada (FIC), perpassando os cursos técnicos de nível
médio concomitantes, subsequentes e integrados6, e atingindo o ní-
vel superior com a oferta de cursos de licenciatura, superiores de
tecnologia, engenharias e pós-graduação lato e stricto sensu.
A despeito de possuir autonomia para a criação e extinção de
cursos, a referida Lei especifica que os IFs devem obedecer à pro-
porção de 50% de sua oferta para os cursos técnicos de nível médio,
priorizando o ensino médio integrado; 20% para licenciaturas, vi-
sando à formação de professores para a educação básica, priorita-
riamente nas áreas de ciências e matemática, bem como, a formação
de professores para a educação profissional; e, o restante 30% para
os cursos FIC, engenharias, cursos superiores de tecnologia e pós-
-graduação.
De acordo com Pires (2010), essa proporção foi estabelecida,
pois uma das metas da criação dos IFs seria reaver o projeto de im-

6 Os cursos técnicos de nível médio podem ser ofertados nos seguintes formatos: 1) integrado, no
qual o ensino médio regular e profissional são organizados em um currículo único com matrícula
única, na mesma instituição; 2) concomitante, com organização separada entre ensino médio
e técnico, com matrícula e currículo distintos. Pode ser oferecido na mesma escola, porém em
turmas separadas (concomitância interna) ou por escolas diferentes (concomitância externa); e, 3)
subsequente, curso técnico realizado após a conclusão do ensino médio regular.

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
163
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plantação da escola unitária e politécnica, que teria como cerne o es-


tabelecimento do ensino médio integrado, considerado pelos estu-
diosos da temática o caminho exequível para se alcançar tal intento.
Para os pesquisadores da educação profissional, a educação po-
litécnica seria o meio essencial para se superar o dualismo existente
na educação brasileira. Compreende-se por dualismo a divisão entre
a educação intelectual (propedêutica) e a manual (profissional), cujo
desdobramento é a manutenção da divisão de classes sociais no Bra-
sil, aspecto apresentado desde a colonização e reafirmado ao lon-
go da história por marcos legais que persistem em separar as duas
modalidades de ensino, principalmente no nível médio. (SAVIANI,
2003; FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2012)
Já por educação politécnica entende-se a formação integral do
indivíduo, abrangendo todos os aspectos da vida produtiva, cultu-
ral e social. Essa educação seria capaz de desenvolver no estudante
o espírito crítico e reflexivo, propiciando a plena compreensão da
realidade experienciada, a fim de transformá-la. O caminho para se
chegar à politecnia seria a consolidação do ensino médio integrado
(KUENZER, 1992; SAVIANI, 2003; FRIGOTTO; CIAVATTA;
RAMOS, 2012).
Os cursos de ensino médio integrado, doravante denomina-
do EMI, foram ofertados pelas antigas Escolas Técnicas Federais
(hoje, Institutos Federais) entre o período compreendido desde a
promulgação da Lei 5.692/1971, que estabeleceu a profissionaliza-
ção compulsória no 2º grau, até a década de 1990, quando o EMI
foi extinto por meio do Decreto 2.208/1997. Esse curso recebeu
o reconhecimento da comunidade civil e de pesquisadores da edu-
cação profissional, como Ferretti (1997) e Kuenzer (2007), por sua
excelência e qualidade e, também, por melhor associar a formação
geral e a profissional, aspecto que possibilitaria a afluência do EMI
para a educação politécnica e unitária.
Contudo, mesmo com o reconhecimento da qualidade do EMI
por parte de acadêmicos e comunidade civil, na década de 1990 re-
formas educacionais foram estabelecidas com o intuito de adequar

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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as políticas públicas brasileiras à nova realidade econômica mundial.


Tais reformas foram pautadas no ideário neoliberal, que apregoa a
participação mínima do Estado na economia nacional e no merca-
do de trabalho (MORAES, 2001). Nesse contexto, foi empreendida
uma Reforma da Educação Profissional tendo por base as orien-
tações de organismos internacionais, como o Banco Mundial, que
preconizavam: o investimento imediato no ensino fundamental; a
especificação das instituições a fim de torná-las flexíveis para aten-
der prontamente ao mercado de trabalho; formas diversificadas de
financiamento da educação englobando a iniciativa privada; corre-
lação entre recursos financeiros e desempenho; e, principalmente, a
busca pela equidade social7 (FERRETI, 1997).
Nesse ínterim, o Decreto 2.208/1997 foi promulgado com o
intuito de reorganizar a educação profissional, separando-a definiti-
vamente da educação básica ao estabelecer os cursos técnicos con-
comitantes e subsequentes ao ensino médio e encerrando, assim, a
possibilidade de oferta do EMI. Esse fato contribuiu para reforçar
o dualismo existente na educação brasileira. A partir desse momen-
to, os cursos profissionalizantes reafirmaram sua vocação de for-
mar apenas para o mercado de trabalho, priorizando a formação de
profissionais com competências técnicas para atender às demandas
imediatas do setor produtivo.
Em 2002, com a eleição de Luís Inácio Lula da Silva, um presi-
dente do Partido dos Trabalhadores (PT) – que desde sua fundação
discutia temas referentes à educação –, os estudiosos da educação
profissional e os defensores da educação politécnica criaram a ex-
pectativa de retomada do ensino médio integrado, como meio para
se chegar à politecnia. Contudo, o Decreto 5.154/2004 - que revo-
gou o anterior -, frustrou essas expectativas ao restabelecer a oferta

7 Pautado em Sposati (2010), entende-se por equidade o direito de o indivíduo ter suas diferenças
e necessidades respeitadas para se alcançar a igualdade. Na atualidade, a noção de equidade é
empregada considerando a sociedade homogênea, relegando os mesmos direitos a todos, inde-
pendentemente de suas necessidades individuais e da diferença entre classes sociais. Na educação,
a equidade social poderia ser alcançada por mais anos de escolaridade que levaria o indivíduo a
obter melhores empregos e salários e, consequentemente, melhor condição de sobrevivência.

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165
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do ensino médio integrado, porém, sem suprimir os cursos técnicos


concomitantes e subsequentes, organizados de forma separada da
educação básica, reforçando mais uma vez a dualidade estrutural
entre o ensino geral e profissional (FRIGOTTO; CIAVATTA; RA-
MOS, 2005).
Para além disso, o Governo Federal criou o Programa Escola da
Fábrica destinado apenas para a aprendizagem profissional e con-
tou, por exemplo, com o aval das centrais sindicais como a Central
Única dos Trabalhadores (CUT). O Governo fomentou, ainda, uma
reestruturação no MEC ao deslocar a política do ensino médio para
a Secretaria de Educação Básica, apartando-a da política de educa-
ção profissional. (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005)
Diante desse quadro, observou-se na pesquisa empreendida que
o IFSP seguiu essa tendência ao não encetar uma perspectiva de
priorização do EMI, haja vista que elegeu a oferta de cursos técni-
cos concomitantes e subsequentes nos campi inaugurados a partir do
processo de expansão, aspecto que passamos a analisar.

Ensino médio no IFSP: quais os caminhos?

Embora a educação profissional venha passando por um mo-


mento de ampliação na oferta de vagas, a partir do estabelecimento
de programas para o setor organizados tanto pelo governo fede-
ral quanto estadual, verificou-se no estudo empreendido que 85%
das matrículas de nível médio no Brasil ainda estão concentradas
no ensino regular. A educação profissional corresponde a 15% das
matrículas no País, abarcando os cursos técnicos integrados, conco-
mitantes e subsequentes. No Estado de São Paulo, esse percentual
é um pouco mais elevado se comparado à média nacional: 17,2%8.
A respeito dos cursos EMI, é importante ressaltar que a Rede
Federal de Educação Profissional e Tecnológica abrange 35,1% das

8 Censo Escolar 2012. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/basica-censo>. Acesso em: 22


jan. 2014. Na pesquisa realizada, optou-se por utilizar os dados de 2012, pois as informações
referentes ao ano de 2013, ainda se constituíam em dados preliminares.

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A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL MÉDIO NO INSTITUTO FEDERAL DE SÃO PAULO

matrículas no País. Contudo, a matrícula nessa modalidade de ensi-


no no Instituto Federal de São Paulo (IFSP) responde somente por
4,2% das matrículas no Estado, sendo que a maior parcela da oferta
está concentrada na rede privada com 40,5% delas, seguidas pelas
redes municipais, 27,8% e estadual, 27,5%.
Constatou-se, portanto, que apesar da Lei de criação dos Ins-
titutos Federais estipular que a instituição deveria respeitar a pro-
porção de 50% de oferta de cursos de educação profissional de ní-
vel médio, prioritariamente na forma integrada, o IFSP optou pela
oferta dos cursos técnicos concomitantes e subsequentes. Dados
do Relatório de Gestão 2012 do IFSP apontam que dos 27 campi
em funcionamento no período, 25 ofereciam cursos técnicos con-
comitantes e/ou subsequentes. Desses, apenas 5 ofereciam o EMI
organizado exclusivamente pela instituição.
Tal opção se deu, pois, segundo os entrevistados, os cursos
concomitantes/subsequentes demandam pouco investimento para
serem abertos, já que não há a necessidade de construção de re-
feitórios, quadra de esportes ou de contratação de professores do
núcleo comum do ensino médio, como Educação Física e Biologia
para implantar os cursos supracitados. O mesmo não ocorreria com
o EMI, já que para ofertá-lo são exigidos os recursos apontados,
bem como a contratação de profissionais de apoio, a exemplo dos
assistentes de alunos. Além disso, os participantes da pesquisa apon-
taram a expectativa de priorizar a utilização dos recursos existentes
na abertura de cursos superiores no campus estudado, como cursos
de engenharia, por exemplo.
Assim, para atender aos 50% estabelecidos na Lei, o IFSP de-
finiu que a oferta do EMI seria realizada por meio do Acordo de
Cooperação Técnico Educativo firmado com a Secretaria de Estado
da Educação de São Paulo (SEE-SP).
Esse Acordo faz parte de um programa mais amplo do Gover-
no do Estado de São Paulo, denominado Programa Rede de Ensino
Médio Técnico (REDE). Ele foi instituído pelo Decreto nº 57.121,
de 11 de julho de 2011, visando ao oferecimento de cursos técnicos

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
167
A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL MÉDIO NO INSTITUTO FEDERAL DE SÃO PAULO

de nível médio para os alunos matriculados na rede estadual de ensi-


no. O objetivo principal do Programa REDE, conforme declarado
no documento legal, é a preparação dos estudantes do ensino médio
para a atividade profissional e a rápida inserção desses jovens no
mercado de trabalho. O programa prevê a oferta de cursos técnicos
gratuitos articulados ao ensino médio nas formas concomitante e
integrada, executado por meio de acordos de cooperação entre a
Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE-SP) e insti-
tuições públicas e privadas, especializadas em educação profissional.
A oferta dos cursos técnicos concomitantes ocorre exclusiva-
mente por meio de acordo com instituições privadas de educação
profissional. Tal opção do governo estadual pode ser caracterizada
como uma forma indireta de privatização da educação profissio-
nal, pois permite a oferta do técnico concomitante por instituições
privadas para alunos da rede pública. Conforme apontam Ferretti
(1997) e Oliveira (2003), a partir da Reforma da Educação, ocorrida
na década de 1990 e pautada no ideário neoliberal, a racionalização
dos gastos públicos com educação previa parcerias com instituições
privadas para equacionar a questão dos gastos públicos com o setor.
Já para a modalidade de ensino técnico integrado ao ensino mé-
dio ficou estabelecido na Resolução SE 47, de 12 de julho de 2011,
que seria oferecida unicamente por meio de acordo de cooperação
com instituições de ensino públicas, sendo que no âmbito estadual
o acordo foi firmado com o Centro Estadual de Educação Tecno-
lógica Paula Souza e na instância federal com o Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP).
Não obstante, no documento assinado entre o IFSP e a SEE
-SP, as metas a serem alcançadas no acordo visavam à ampliação da
oferta de educação profissional de nível médio no Estado; a melho-
ria na qualidade da educação pública; a permanência dos alunos do
ensino médio na escola; e, a inserção dos estudantes da rede estadual
no setor produtivo.
Para alcançar essas metas, o acordo foi estabelecido em regime
de colaboração, no qual cada instituição contribui para a implanta-

168 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


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ção da política com os recursos existentes, porém, sem a previsão de


repasse de verbas entre elas.
O regime de colaboração está previsto no artigo 211 da Consti-
tuição Federal Brasileira e é aqui compreendido com base em Costa
(2010), que afirma se tratar de políticas públicas que visam a con-
ciliar as oportunidades educacionais das diferentes regiões do país,
por meio de ações compartilhadas entre a União, estado e municí-
pios, como, por exemplo, no financiamento da educação.
Assim, no Acordo de Cooperação pesquisado, a SEE-SP ficou
responsável por oferecer as disciplinas da base comum do ensino
médio, e o IFSP, pela parte técnica profissionalizante. Cada institui-
ção se comprometeu com os seus próprios recursos materiais, equi-
pamentos e professores, bem como, com os profissionais técnicos
para atender as demandas do curso.
A despeito de o Acordo ter sido estabelecido entre instituições
públicas, o que não assinala a privatização do ensino, constatou-se
na pesquisa que esse buscou otimizar os custos com a oferta do
EMI para que não houvesse a necessidade de novos investimentos
nessa modalidade de ensino.
A partir da opção feita pelo IFSP, buscou-se verificar se o ca-
minho escolhido pela instituição para estabelecer o EMI nos novos
campi favoreceria a efetiva integração entre a parte regular do ensino
médio e a técnica e se seria possível superar o dualismo por meio
dela.

Resultados da pesquisa

Os resultados obtidos ratificaram a hipótese central da pesquisa,


qual seja, de distância entre os princípios promulgados na política
proposta e a sua efetiva implantação, especialmente no concernente
à integração entre a base comum do currículo (ensino médio) e a
técnica (específica).
Isso foi averiguado, pois, mesmo com a preocupação descrita
nos documentos oficiais de superação do dualismo existente na edu-

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
169
A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL MÉDIO NO INSTITUTO FEDERAL DE SÃO PAULO

cação brasileira, foram constatados obstáculos na implantação do


curso proposto que indicam que essa dimensão não foi alcançada.
Antes de listar os principais obstáculos, considera-se importante
destacar que a subscrição ao Acordo foi realizada pelas instâncias su-
periores do IFSP e da SEE-SP sem a participação dos profissionais
envolvidos na implantação da política localmente. Conforme afirma-
ram os diretores entrevistados, estes foram informados sobre a im-
plementação do EMI em suas escolas, durante uma reunião realizada
posteriormente à assinatura do Acordo. Não obstante, na referida
reunião os diretores foram cumunicados que todos os municípios que
contavam com um campus do IFSP deveriam estabelecer um curso
EMI, realizado por meio da parceria entre o IFSP e a SEE-SP9.
Assim, dificuldades iniciais para a implantação da política no
município pesquisado foram apontadas pelos entrevistados, como,
por exemplo, a impossibilidade de organização do curso em ape-
nas um estabelecimento de ensino, conforme instituído no Decreto
5.154/2004, que diz que a educação profissional integrada ao ensino
médio deveria ser:
[…] oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino
fundamental, sendo o curso planejado de modo a conduzir
o aluno à habilitação profissional técnica de nível médio, na
mesma instituição de ensino, contando com matrícula única
para cada aluno. (BRASIL, 2004).
Essa orientação não foi respeitada, posto que as aulas do ensino
médio regular foram organizadas na escola estadual, no período da
manhã e, no contraturno, três dias da semana, os alunos se dirigiam
ao campus do IFSP para as aulas da parte técnica.
A realização da matrícula única também não ocorreu, já que as
duas instituições necessitavam ter registro dos alunos em seus siste-
mas para receberem as verbas destinadas a eles.

9 Municípios participantes do Acordo IFSP/SEE-SP em 2012: Araraquara, Avaré, Barretos, Bi-


rigui, Boituva, Bragança Paulista, Capivari, Caraguatatuba, Catanduva, Guarulhos, Hortolândia,
Itapetininga, Piracicaba, Presidente Epitácio, São Carlos, São João da Boa Vista, São Roque, Ser-
tãozinho, Suzano e Votuporanga.

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Para equacionar esses problemas, foi solicitado à Câmara de Edu-


cação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE) um parecer
sobre o assunto. Conforme o relator Francisco Aparecido Cordão, o
curso realizado em cooperação entre o IFSP e a SEE-SP foi consi-
derado efetivamente integrado, pois, segundo ele, “[...] esse progra-
ma possibilita a efetiva integração curricular, pelo planejamento, de-
senvolvimento e avaliação de projeto pedagógico único” (BRASIL,
2012). Ainda conforme o parecerista, o curso poderia ser implantado
e considerado integrado perante a legislação vigente, já que a própria
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em seu artigo
81, previa a criação de cursos realizados de forma experimental.
Assim, com base no parecer do CNE, os elaboradores da política
consideraram que a integração seria completamente atingida pela ela-
boração conjunta do currículo integrado. Averiguou-se que, por meio
da legislação vigente, foi possível flexibilizar a questão da matrícula
única que caracterizaria o curso técnico integrado, bem como, a ques-
tão da oferta do curso em um único estabelecimento de ensino. Com
isto, a garantia de oferta de um curso integrado incidiu especifica-
mente nas questões pedagógicas como, por exemplo, na realização do
planejamento conjunto (entre os corpos docentes do IFSP e da escola
estadual) e na elaboração da matriz curricular unificada.
Outro obstáculo encontrado, e que merece destaque, foi a distância
entre as duas escolas, de cerca de 15 quilômetros. Segundo as orienta-
ções constantes no Termo de Acordo de Cooperação IFSP/SEE-SP,
a SEE-SP deveria escolher escolas distantes no máximo cinco quilô-
metros do campus do IFSP para estabelecer a parceria. Os entrevistados
não souberam dizer o motivo pelo qual a orientação não foi acatada
no município pesquisado. A questão foi solucionada com o auxílio da
prefeitura municipal, que concedeu ônibus para o transporte dos alunos
e alimentação, já que o tempo disponível entre as aulas não permitia
que os alunos retornassem às suas moradias para almoçar. Com isso,
apontou-se que além do compartilhamento de recursos entre as instân-
cias federal e estadual, foi necessária também a colaboração do poder
municipal para possibilitar a implantação da política.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
171
A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL MÉDIO NO INSTITUTO FEDERAL DE SÃO PAULO

Embora os aspectos acima mencionados constituíssem dificul-


dades iniciais à implementação da política, esses não impossibilita-
ram a oferta do curso EMI proposto no Acordo, uma vez que as
aulas tiveram início em fevereiro de 2012.
Após o início das atividades do EMI, diferenças na organização
do trabalho do professor, nas duas instâncias governamentais, fo-
ram apontadas como empecilhos à integração entre os dois corpos
docentes. Verificou-se que professor do IFSP contava com um re-
gime de trabalho de 40 horas10 semanais, distribuídos em: atividades
em sala de aula; preparação de aula; correção de provas e trabalhos;
realização de reuniões periódicas; dedicação à pesquisa; e qualifi-
cação profissional. Além da distribuição da jornada de trabalho do
professor do IFSP permitir o pleno desenvolvimento das atividades
listadas, ela está agregada a uma remuneração compatível com o
trabalho desempenhado, como pode ser verificado no Quadro 1.
Em contrapartida, o professor do Estado passava cerca de 32 de
sua jornada de 40 horas na sala de aula, restando-lhe apenas 8 horas
para a realização das demais atividades pedagógicas, como pode ser
verificado no Quadro 2. A questão se agravou quando constatada a
necessidade do professor da escola estadual de dobrar a sua jornada
de trabalho para garantir uma renda maior.

Quadro 1: Comparação dos salários em 2013

Remuneração IFSP (RDE)* SEE-SP (40 horas)


Inicial 4.014,00 2.257,84
Final 17.057,74 5.795,54
Fonte: Brazorotto (2014).
*Regime de Dedicação Exclusiva

10 No campus pesquisado, os professores faziam jus ao Regime de Dedicação Exclusiva, no qual


trabalham por 40 horas semanais, recebendo um percentual extra na sua remuneração para se
dedicar unicamente às atividades no IFSP. Apenas um docente entrevistado pertencia ao regime
de 20 horas de trabalho semanais, pois exercia atividades em outra instituição de ensino.

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Quadro 2: Comparação entre a jornada de trabalho dos docen-


tes no IFSP e na SEE-SP

Jornada Tempo em Preparação Reuniões Capacita- Total


sala de aula de aula/ ção/Pro-
tempo livre jeto
IFSP 17 horas/ 20 8 horas 3 horas 12 horas 40
(RDE) aulas horas
SEE-SP 26 horas e 3 horas e 10 1 hora e 40 Não tem 40
(Integral) 40 minutos/ minutos/3 minutos/ 2 horas
32 aulas aulas aulas
Fonte: Brazorotto (2014).

Além das diferenças apontadas, apurou-se que enquanto na


escola estadual os professores possuíam licenciatura em suas áreas
de atuação, o professor do IFSP possuía, predominantemente, for-
mação em engenharia, com mestrado e doutorado na mesma área.
A ausência de formação pedagógica dos professores do IFSP foi
indicada como um dos principais obstáculos à integração. Consta-
tou-se que esse fator contribuiu para que os referidos professores
fossem contrários à implantação do EMI no campus, pois almejavam
a abertura de cursos superiores no local, vislumbrando assim dar
continuidade à trajetória de pesquisa na qual eram titulados.
A partir dos fatores expostos, verificou-se que a forma de orga-
nização do trabalho não propiciou a integração entre os professo-
res das duas escolas, pois dispunham de pouco tempo para realizar
reuniões pedagógicas e discutir questões relativas ao EMI. Assim, a
dimensão da integração foi relegada à organização curricular como
a única possibilidade de integração entre o ensino médio regular e
técnico.
A integração proposta para o EMI incidiu exclusivamente so-
bre a grade curricular, concentrada no que foi denominado “projeto
integrador”. Este projeto seria o responsável por integrar as dis-
ciplinas da base comum e específica do currículo por meio de um

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
173
A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL MÉDIO NO INSTITUTO FEDERAL DE SÃO PAULO

projeto de pesquisa realizado ao longo do ano letivo e que resultaria


em atividades que deveriam se estender à comunidade local. Ele foi
pautado nas orientações da UNESCO para a modalidade de ensino
expressas no documento “Protótipos Curriculares de Ensino Médio
e Ensino Médio Integrado: Resumo Executivo”11.
Observou-se que a organização do currículo ocorreu simulta-
neamente à implantação do curso, ou seja, o curso teve início sem
que discussões coletivas sobre a elaboração do currículo fossem em-
preendidas anteriormente.
Essa elaboração ficou a cargo dos professores e diretores das
escolas parceiras que deveriam estabelecer o projeto a ser desenvol-
vido. Contudo, sem a realização de reuniões preliminares para se
discutir como o currículo seria elaborado e implementado não foi
possível uma compreensão completa da proposta por parte dos en-
trevistados, principalmente, do projeto integrador, o que dificultou a
sua prática, resultando em alterações durante o ano de 2012.
Constatou-se, ainda, que até a conclusão da pesquisa o Projeto
Pedagógico do Curso (PPC) - documento que contém a grade cur-
ricular, ementário e projeto integrador - ainda não estava aprovado
pela instância responsável do IFSP, indicando as dificuldades de ela-
boração resultantes da falta de clareza dos objetivos propostos pelas
instâncias superiores do IFSP/SEE-SP.
É importante frisar que, apesar das dificuldades encontradas, os
professores tiveram a iniciativa de aplicar algumas atividades para
atender o disposto na grade curricular do EMI e realizaram uma
integração informal entre as disciplinas técnicas aos conteúdos de
Física, Química e Matemática, como forma de facilitar o processo
ensino e aprendizagem.
Verificou-se na pesquisa a disparidade entre o pretendido pelas
instâncias superiores do IFSP e da SEE-SP e a realidade em que foi
praticado o EMI. Apesar dos esforços empreendidos pelos profis-
sionais das escolas envolvidas para o desenvolvimento do curso, a
11 Disponível em: < http://unesdoc.unesco.org/images/0019/001922/192271por.pdf>. Acesso
em: 12 ago. 14.

174 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL MÉDIO NO INSTITUTO FEDERAL DE SÃO PAULO

integração curricular não foi possível, tendo em vista que a própria


proposta elaborada pelos idealizadores do Acordo IFSP/SEE-SP
não foi debatida e plenamente compreendida pelos profissionais das
escolas.
Assim, por meio da investigação, apontou-se que a proposta
IFSP e SEE-SP para a integração curricular se caracterizou como
um arranjo entre o que era oferecido nos dois sistemas, buscando
as racionalizações de custos, com o objetivo único de ofertar o EMI
para atender a demanda do mercado de trabalho por profissionais
de nível técnico.

Considerações Finais

Por meio dos resultados observados na pesquisa, concluiu-se


que a organização do EMI proposto no Acordo não contemplou a
efetiva integração entre o ensino médio regular e o técnico, contri-
buindo para reafirmar o dualismo existente na educação brasileira.
Apontou-se que o curso proposto se assemelha mais ao curso con-
comitante do que ao integrado, pois as disciplinas do ensino prope-
dêutico são lecionadas na escola estadual e as profissionalizantes no
campus do IFSP, separando as duas áreas do conhecimento. Concor-
reu para essa constatação a forma como o currículo foi elaborado,
apenas conjugando o que já existia nas duas instituições, o contraste
na forma de organização do trabalho docente e as dificuldades para
a realização de reuniões periódicas entre os professores.
Observou-se, também, que a política proposta não foi bem-su-
cedida, pois houve o arrefecimento da oferta dos cursos EMI rea-
lizados por meio do Acordo IFSP/SEE-SP. No município em que
a pesquisa foi realizada, não foram abertas novas turmas do EMI
em 2014 realizado por meio do Acordo. Além disso, o Projeto de
Desenvolvimento Institucional (PDI) do IFSP, referente ao período
2014-2018, indica o início da oferta de cursos EMI organizados pela
própria instituição a partir de 2017, tão logo seja construída quadra
de esportes, refeitório e seja realizada a contratação de professo-

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
175
A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL MÉDIO NO INSTITUTO FEDERAL DE SÃO PAULO

res do núcleo básico para atender as demandas do curso, aspec-


to que indica as dificuldades na trajetória de implantação do EMI.
Aponta-se, ainda, que o campus já deu início ao curso de Engenharia
Mecânica em 2014, o que indica a priorização da oferta de cursos
superiores no local.
Por fim, demonstrou-se na pesquisa que apesar da louvável ex-
pansão dos Institutos Federais, essa não veio acompanhada da supe-
ração do dualismo e da possibilidade de se construir uma formação
politécnica aos estudantes que, como se verificou no ensino médio
analisado, são originários da classe trabalhadora.

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A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL MÉDIO NO INSTITUTO FEDERAL DE SÃO PAULO

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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UMA LEITURA MICRO-HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL RURAL NO PARANÁ

UMA LEITURA MICRO-HISTÓRICA


DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL RURAL
NO PARANÁ: DA SUA CRIAÇÃO
À LDB DE 1961

José Carlos dos Santos1


Márcia Regina Ristow2

Introdução

A educação profissional na zona rural não é algo novo. Ela re-


mete à criação dos primeiros cursos de agricultura ainda no período
imperial da história nacional. Posteriormente, contudo, a moderni-
zação das atividades produtivas no campo foi provocando fases de
implantação tecnológica que causaram, na população campesina,
uma infrene necessidade de adaptação frente às ordens da mercan-
tilização global e da dinamização de um mercado de produção ali-
mentícia que disponibilizou produtos para a alimentação humana e
a animal.
Embora a produção de tecnologias seja majoritariamente reali-
zada nos grandes centros urbanos de capitais ou de países de con-
1 Doutor em História. Docente da graduação e de pós-graduação stricto sensu da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná; líder do grupo de pesquisa “Hermenêutica da Ciência e Soberania
Nacional”. E-email: professor_josecarlossantos@pq.cnpq.br.
2 Doutora em Educação. Membro do grupo de pesquisa “Hermenêutica da Ciência e Soberania
Nacional”. Docente da graduação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. E-mail: marcia-
ristow@hotmail.com.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
179
UMA LEITURA MICRO-HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL RURAL NO PARANÁ

centração tecnológica, é no campo que ela mais impacta o status


tradicional. O uso de tecnologias para a produção agrícola exige do
agricultor uma mudança cultural profunda e desenraizadora de cos-
tumes e tradições que não se limitam apenas ao nível do saber fazer,
mas, mais profundamente, ao ethos do sujeito histórico que atualiza
o seu modo de ser neste mundo (HOBSBAWM, 2002 & ARENDT,
2005).
A análise a seguir descreve estudos sobre as formas de inter-
venção realizadas na cultura rural, de modo especial para a implan-
tação de modelos tecnológicos de produção e cujas iniciativas se
utilizaram da educação escolar como meio de implantá-las. A partir
de dados primários e de estudos bibliográficos, demonstra-se uma
relação de estruturas gestoras – o modelo de produção, gestão esta-
tal – interagindo com a questão local, no caso do meio rural parana-
ense. É justamente essa possibilidade de análise por entre o macro e
o micro-histórico que permite à micro-história cultural demonstrar
seu objeto e sua análise. Segundo Ginzburg, o “micro” não significa
uma história menor, senão que só pode ter sentido quando relacio-
nada com uma história global e em que seus atores e/ou aconteci-
mentos são únicos. (GINZSBURG, 1989)
Não bastasse essa questão cultural na sua relação entre “macro”
e “micro”, é necessário considerar que o trabalho na agricultura se
relaciona com recursos que atingem a qualidade de todos os modos
de vida. Segundo Leff (2010), o sujeito humano não é o único ser
vivo no planeta. Como um membro do ecossistema global, sua vida
está em interdependência com muitos outros modos de vida, e as
atividades produtivas no campo não fogem dessa regra ecossistêmi-
ca; o solo, a água, as florestas e a fauna sempre sofrerão impactos
quando o modus vivendi humano sofrer alterações em nome de inter-
venções rentáveis, mesmo que seja para a entendida como nobre
produção alimentar.
Ressalta-se o período da história regional nominado de desen-
volvimento agrícola tecnológico. A implantação desse modelo criou
uma demanda de reeducação no meio rural e a criação de uma at-

180 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
UMA LEITURA MICRO-HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL RURAL NO PARANÁ

mosfera de hostilidade aos costumes ditos tradicionais de trabalho.


Cooperativas, órgãos estatais como Emater, Acarpa e secretarias es-
tadual e municipais de Agricultura somaram esforços nesse projeto
educativo.
A adoção de tecnologias e a implantação da agricultura extensi-
va trouxeram o uso de produtos químicos na realização dos processos
produtivos. De modo especial, o pós-Segunda Guerra brindou a comu-
nidade mundial com o uso de produtos agrotóxicos adaptados para a
agricultura. No Estado do Paraná, grande produtor mundial de grãos,
produtos dessa origem são utilizados desde o final dos anos 1970.
Uma das grandes consequências dessa adoção de agrotóxicos
químicos na produção agrícola é a prática do suicídio no campo. Es-
tados brasileiros como Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná
sofreram enormes impactos em função da mudança da paisagem
rural provocada pela adoção tecnológica produtiva. Culturas como
milho, soja e fumo, ao lado de hortifrutigranjeiros, foram organiza-
das de modo a atingir alta produtividade em nome de um consumo
sempre crescente. Da adoção de implementos químicos à transge-
nia, esses recursos mudaram profundamente o ethos do agricultor,
causando-lhe desordens financeiras, psicológicas, de saúde, repro-
dutivas, dentre outras.
Ou seja, a educação tecnológica no meio rural, quando privi-
legia o desenvolvimentismo econômico, aprofunda a crise da exis-
tência individual e coletiva. Neste texto se demonstra, a partir de
uma perspectiva histórico-filosófica, o quanto esse intervencionis-
mo econômico modificou e/ou criou um sistema de ensino para
disseminar formas de trabalho quase sempre degradantes do sujeito
e da comunidade.

2 A Educação Profissional no Campo: uma perspectiva


macro-histórica

Há duas versões que defendem períodos diferentes para a fun-


dação do ensino agrícola no Brasil. Cunha afirma que o ensino agrí-

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
181
UMA LEITURA MICRO-HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL RURAL NO PARANÁ

cola data de 1814, ainda no período joanino, quando da criação de


dois cursos de agricultura de nível superior: no Rio de Janeiro e na
Bahia. Sem muito sucesso, essas escolas foram criadas em um perí-
odo de escravatura, e eram os escravos que exerciam atividades na
agricultura. Considera-se, no entanto, que a primeira Escola Agríco-
la do país foi a Imperial Escola Agrícola da Bahia, fundada em 23 de
junho de 1875, situada no Engenho São Bento das Lages, Câmara
de Santo Amaro.
Esse cenário do século XIX começa a mudar no início dos
anos de 1900, com a chegada de imigrantes europeus e asiáticos.
(CUNHA, 2000a)
Nesse período – início de século XX –, predomina um tipo de
capitalismo agrário, primitivo, em que as relações de assalariamento
não eram plenas, mesmo depois da abolição da escravatura, conser-
vando-se certas formas de remuneração da força de trabalho.
Gorender (1990) fala de contratos de família que incluíam crian-
ças e adolescentes, contrato baseado em troca de moradia e alimen-
tação ou, ainda, uma forma de trabalho gratuito, cujo trabalhador
era chamado de cambão, isso no caso do Nordeste do Brasil. Essas
formas não configuravam uma demanda social pela qualificação,
mesmo porque o estágio de desenvolvimento tecnológico das prá-
ticas agrícolas se encontrava na fase da plantation, caracterizada pela
monocultura, pela propriedade latifundiária e pela dependência da
exportação. De forma geral, a modernização da agricultura se deu,
no chamado Primeiro Mundo, entre os séculos XVIII e XIX e, no
alvorecer do século XX, o advento da agroindústria acompanhou o
processo de industrialização nas cidades. (VITULE, 1999)
O fator impulsionador, contudo, no caso brasileiro, foi a procla-
mação da República, numa época em que forças sociais convergiram
e acabaram por impulsionar o ensino técnico. Segundo Carvalho
Costa:
O advento da República deu origem a nova forma estatal,
conforme os interesses das oligarquias agromercantis regio-
nais. Sistema federativo, com amplas prerrogativas políticas e

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
UMA LEITURA MICRO-HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL RURAL NO PARANÁ

fiscais atribuídas aos Estados federados, separação entre Es-


tado e Igreja católica, registro civil e casamento civil, grande
naturalização dos estrangeiros, nova lei das sociedades anô-
nimas de acordo com os interesses do capital – tudo isso
constituiu prosseguimento então possível no Brasil, a partir
do nível da acumulação originária de capital realizada nos
quadros do escravismo colonial. (COSTA, 2005, p. 68).
Essa nova demanda político-econômica cria um impacto signi-
ficativo no campo da economia. Gorender afirma que “[...] o eixo
da economia começou a se deslocar para o mercado interno. Num
processo concluído na década de 50 do século XX, a supremacia, no
seio da classe dominante, passou da burguesia agromercantil para a
burguesia industrial” (GORENDER, 1990, p. 188). Um forte laço
entre campo e cidade se fortalece na medida em que cidades passam
a ser referências da presença político-administrativa do Estado, de
classes de poder e de atividades mercantis que conglomerassem in-
dústria e agricultura.
A República também inaugura a análise de um problema caro
à classe política: a pobreza. Imigrantes descapitalizados e escravos
libertos compunham uma maioria da população que estavam no
campo e na cidade. Como se verá, em uma versão fundida de as-
sistência, caridade, ética do trabalho e produtividade, o ensino rural
aparece nesse cenário como uma forma de ocupação profissional
para os desgarrados da República.
Com esses parâmetros, o ensino profissional tornou-se respon-
sabilidade do Ministério da Agricultura em 1906. Uma legislação
fundada em 591 artigos, esses explicitados no Decreto Federal nº
8.319/1910, disciplina o ensino no Brasil. Segundo Nagle, isso não
foi suficiente para que o incentivo a tal ensino profissional se tor-
nasse realidade (NAGLE, 1977). Mais preocupados com a própria
gestão do Estado, sinais mais visíveis do ensino profissional ocorre-
rão somente duas décadas adiante.
Tais sinais podem ser apontados nas realizações de Anísio Tei-
xeira e de Fernando de Azevedo. Anísio, em 1925, na Bahia, realizou

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
183
UMA LEITURA MICRO-HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL RURAL NO PARANÁ

uma reforma educacional e incluiu o ensino agrícola no currículo do


ensino das primeiras letras; Fernando de Azevedo, em 1928, no Dis-
trito Federal (Rio de Janeiro), realizou a mesma inclusão (NAGLE,
1977). Embora já com outros objetivos, Cunha analisa essas inicia-
tivas no ensino profissional, como a implantação de uma pedagogia
de caráter preventivo, que priorizava a disciplina e a qualificação de
crianças e de jovens para o trabalho manual, sendo também corre-
tiva, no sentido de combater os desvios de crianças criadas nas ruas
(CUNHA, 2000b). O autor exemplifica esse fato no próprio projeto
de Fernando de Azevedo, projeto que propôs uma escola primária
de cinco anos, em que o último ano teria um caráter de qualificação
profissional para o trabalho ou agrícola ou industrial ou, ainda, do-
méstico, na zona urbana; para a população adulta, propunham-se,
por meio do ensino profissional, cursos voltados para a alfabeti-
zação e a profissionalização, simultaneamente, no período noturno
(CUNHA, 2000b).
No cenário republicano getulista, novos ingredientes assumem
o caráter da educação profissional. Ainda prevalecem as matrizes do
assistencialismo cristão, da profissionalização da pobreza, mas agora
formalmente assumidos como dever do Estado. Nota-se que, pela
primeira vez na história da República, se destina valor percentual da
arrecadação federal para a educação (RISTOW, 2011).
Segundo Lourenço Filho, todo o ensino médio e superior tinha
caráter profissional e organizava-se nas modalidades agrícola, indus-
trial e comercial (LOURENÇO FILHO, 1944). Era uma forma de
enfrentar a necessidade de qualificação para a nova ordem do traba-
lho, embora não somente agrícola:
Capanema destinou 5% dos recursos da educação para o ensino
agrícola e elaborou um plano-estatuto, com definição de res-
ponsabilidades de cada uma das entidades federadas, definindo
duas grandes funções para a educação: homogeneizar, no senti-
do de oferecer um mínimo de cultura à população, e diferenciar,
segundo as aptidões de cada um. É nessa função que o ensino
agrícola era enquadrado, sob a denominação de ensino espe-

184 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
UMA LEITURA MICRO-HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL RURAL NO PARANÁ

cial, ao lado das modalidades comercial, industrial, vocacional


(LOURENÇO FILHO apud COSTA, 2005, p. 70).
Nova intervenção legislativa ocorreu em 1941. Trata-se das Leis
Orgânicas do Ensino. Mesmo assim, contudo, a Lei Orgânica do
Ensino Agrícola – LOEA – só foi consolidada em 1946, por meio
do Decreto-Lei nº 9.613 (ROMANELI, 1991). Segundo a LOEA, o
ensino agrícola ficou dividido em dois ciclos e cursos pedagógicos,
da seguinte forma: Primeiro Ciclo: básico-agrícola: 4 anos + mestria
de 2 anos. Segundo Ciclo: técnico, com diferentes habilitações: agri-
cultura, horticultura, zootécnica, prática veterinária, indústrias agrí-
colas, laticínios e mecânica agrícola. Cursos pedagógicos: (i) Econo-
mia Rural e Doméstica (2 anos); (ii) Didática de Ensino Agrícola (1
ano); (iii) Administração de Ensino Agrícola (1 ano).
Da década de 1940, também data o sistema de aprendizagem in-
dustrial, financiado e gerido pelo patronato, com o caráter de apren-
dizagem e oferecimento de serviço simultaneamente, com o finan-
ciamento público e privado da educação. Após a criação do Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai)3, a formação profissio-
nal passou a ser ministrada em nível secundário. (CUNHA, 2000a)
A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
– LDBEN – (Lei Federal nº 4.024/1961) confronta-se com a for-
mação profissional. Foram criados os cursos técnicos de três anos,
para concluintes do secundário, e os Centros de Educação Técnica,
para a formação de professores do ensino técnico e administrado-
res desse sistema de ensino (CUNHA, 2000c). Na década de 1970,

3 Conforme o discutido anteriormente, durante a década de 1940 criou-se o Senai e o Serviço Nacional
de Aprendizagem Comercial (Senac). O Serviço Nacional Rural foi criado somente em 1991, por meio
da Lei Federal nº 8.315, com o objetivo de administrar a formação profissional rural. Outro aspecto a
notar é que esse serviço não está subordinado ao MEC, mas à Confederação Nacional da Agricultura,
embora o MEC esteja representado no colegiado que o dirige, bem como o Ministério do Trabalho
e o Ministério da Agricultura. Assim como o SENAI, o SENAR é mantido pelas contribuições de
2,5% sobre a remuneração dos trabalhadores ligados ao ramo agropecuário, doações, subvenções,
bem como pela contribuição recolhida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária –
INCRA (SENAR, 2007). O SENAR não tem uma rede de educação agrícola estruturada. Ele oferece
cursos de capacitação ocasionalmente nas sedes dos sindicatos rurais. Esse ensino técnico agrícola é
oferecido na rede federal de educação profissional de nível técnico e na rede estadual.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
185
UMA LEITURA MICRO-HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL RURAL NO PARANÁ

eram oferecidas 26 especialidades nas escolas técnicas industriais e,


entre elas, havia a agrimensura, um curso mais apropriado às escolas
técnicas agrícolas, assim permanecendo até a reforma da educação
profissional na década de 1990.
Enfim, as reformas institucionais, implementadas ou não, elas
responderam às expectativas de uma sociedade do trabalho que pro-
curava, a partir de um projeto de desenvolvimento, integrar pela
ética laboral, os sujeitos sociais oriundos de uma vida republicana
excludente e elitizada.
Envolvida pelas matrizes do higienismo do século XIX, pelos
projetos de consolidação do Estado, do integralismo político, a educa-
ção nacional era pensada como um meio de homogeneizar uma força
produtiva necessária para edificar a República, (SANTOS, 2013)

3 O Ensino Técnico Agrícola no Paraná: uma micro-


-história do regional

Segundo estudos de Frehse (2007), a primeira escola agrícola do


Brasil – a Imperial Escola Agrícola da Bahia – se não serviu como
modelo, pelo menos mostrou-se como um caminho para o ensino
no Paraná, rico em terras agricultáveis e água e com uma necessida-
de gestora de ocupação territorial, que, segundo Santos (2014), era
a necessidade emergente do Estado do Paraná, que, desde seu al-
vorecer, enfrentará o problema populacional, pois que em primeiro
plano estava a necessidade de fixação do homem no campo e, em
segundo, integrá-lo por meio de sistemas educacionais que iam da
escolaridade formal à educação profissional.
Ainda segundo Frehse (2007, p. 30), o Paraná, região de muitos
recursos agrícolas e pecuários, teve, em 1853 e entre os anos próxi-
mos, após o ciclo da pecuária, um desenvolvimento econômico sig-
nificativo, com a extração e industrialização da erva-mate, fixando
o homem à terra, o que incentivou o ensino agrícola no estado. O
ano de 1853 demarca a emancipação política do Paraná, ano em que
as elites curitibanas e dos Campos Gerais se agitam para organizar

186 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
UMA LEITURA MICRO-HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL RURAL NO PARANÁ

a gestão desta parte da república; basicamente os problemas são os


mesmos enfrentados pelas outras províncias no tocante à questão
do “saneamento da população”, vindo essa questão a ser enfrentada
com um misto do discurso higienista, assistencialista e integrador.
(RISTOW, 2011)
Em 1906, mesmo ano em que o Ministério da Agricultura en-
campa a educação profissional, foi criado o Instituto Agronômico do
Paraná, composto por professores e assistentes, para serem ministra-
das aulas de agronomia e realizados exercícios práticos num campo
de experiências. O campo de experiências era dividido em uma parte
agrícola e outra zootécnica. Essa instituição apresentava condições
para o funcionamento do primeiro Estabelecimento do Ensino Agrí-
cola, em nível profissional, do Paraná. (FREHSE, 2007, p. 36).
A tribuna para os discursos políticos na Assembleia Legislativa
foi um desses púlpitos da defesa da formação profissional do povo
rural. Carneiro Leão se pronunciou em 1918. Segundo ele, seria ape-
nas uma educação profissional que preparasse exclusivamente para
o trabalho, que poderia dar um caráter viril aos brasileiros, por ela
harmonizar a inteligência e a ação na execução do trabalho. Nessa
ótica, para adaptar a educação às exigências da vida moderna, seria
fundamental a preparação da população rural para o trabalho:
Aspiramos por uma educação que, não somente conheça pe-
dagogicamente a criança, as suas tendências e as suas dispo-
sições, mas sirva à nacionalidade, à economia e à riqueza do
país. De outro modo não atino como se possa fazer do bra-
sileiro, ao invés da criança passiva e alheia (do imprevidente
filho destes trópicos) o autor da pátria, o criador positivo da
sua virtualidade e da sua grandeza. (LEÃO, 1918, p. 12)
A criação das instituições formadoras seguiria esse tom discur-
sivo, intercalando-se, conforme o período, formação técnica e for-
mação moral.
Posteriormente são criadas instituições que abrigavam menores
desprovidos, com idades entre 8 e 15 anos, que recebiam desde o
ensino primário até o ensino profissional. Conforme Frehse (2007, p.

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
187
UMA LEITURA MICRO-HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL RURAL NO PARANÁ

254), na década de 1920, no Paraná, as divisões do governo demons-


travam a importância do ensino agrícola e como este estava ligado aos
setores econômicos, sociais, educacionais, jurídicos e culturais. Segun-
do avaliou Lara (2009, p. 49), “nesse período, as leis relacionadas ao
ensino agrícola foram alteradas com frequência, não havendo tempo
suficiente para avaliar os resultados de forma adequada”.
As eleições de 1929 foram marcadas por diversas crises. Do
“Encilhamento” às eleições, esse foi um período de crise nacional,
com inflação alta, disputas regionais, conflitos nas ruas de Rio de
Janeiro, São Paulo, Bahia e Minas, e, principalmente, no âmbito dos
produtores e exportadores de café.
O governo “revolucionário” que se segue, o de 1930, no entanto,
como impulsionado pela própria crise, interfere diversas vezes na edu-
cação formal e técnica. Os decretos da época influíram na reorganiza-
ção do ensino da Agronomia e Veterinária do Paraná e em Escolas de
Trabalhadores Rurais do Estado e diversas escolas de Trabalhadores
Rurais foram inauguradas entre as décadas de 1930 e 1940.

TABELA 1 − Escolas agrícolas inauguradas entre 1930 e 1940

Nome Local Capacidade Ano de criação


E. A. Campo Comprido Curitiba 30 1930
E.A. de Canguiri Piraquara 85 alunos 1936
E. A. S. Lopes Paranaguá 45 1936
E. A. Carlos Cavalcanti Curitiba 60 alunos 1937
E. A. Augusto Ribas Ponta Grossa 110 1938
E. A. Olegário Macedo Castro 100 1938
E. A. Getúlio Vargas Palmeira 100 1940
E. A. Rio Negro Rio Negro 60 1940
E. A. de Guaratuba Guaratuba 60 1940
E. A. de Ivaí Ipiranga 60 1942
E. A. de Três Bicos Reserva 60 1942
FONTE: adaptado de Marilis Lara (2009)

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O quadro das datas permite perceber a centralização urbana


quando a capital do Estado ganha a primeira escola e, posterior-
mente, a região das serras e do litoral. A capacidade de instalação
também demonstra uma demanda populacional, conforme a aglo-
meração urbana. A Escola Carlos Cavalcanti passará por diversas
reformas e aumento de sua demanda, conforme a crescimento da
população nas ruas e periferias da capital do Estado.
No período da década de 1950, segundo Frehse (2007, p. 280),
o governador do Estado do Paraná, Bento Munhoz da Rocha Netto,
incentivou a colonização estrangeira no Paraná. A Escola de Traba-
lhadores Rurais Augusto Ribas, de Ponta Grossa, hospedou alguns
imigrantes. Nesse período houve um grande avanço no setor agrí-
cola e educacional no Estado.
Vale lembrar, porém, da crítica ao período feita justamente por
Azevedo já numa perspectiva de avaliação dos projetos de educação
agrícola implantados na década de 1920. Em 1957, assim afirmou:
“[...] sem hortos para experiências e sem elementos apropriados ao
serviço que poderiam e deveriam prestar, tomam o nome, como
se sabe, em contraposição às urbanas, ‘exclusivamente’ por serem
instaladas nas zonas agrícolas”. No caso paranaense, cabe a críti-
ca. Houve a criação de escolas do interior que mais carregaram a
denominação de agrícola por estarem instaladas em comunidades
distantes da capital. (RISTOW, 2011, p. 40)
Há de se notar que, ao lado desse aspecto, soma-se a questão
cultural do homem rural paranaense. Ainda em 1924, o secretário
de Educação Pietro Martinez e a Revista O Ensino foram os pal-
cos onde, também, se manifestavam esses discursos, manifestos da
seguinte forma: “[...] o morador do ranchinho de sapé, segregado,
como sempre, do mundo civilizado, continua a ser o ignorante
d’antanho. O seu habitat é o mesmo dos tempos coloniaes e im-
periaes. Domina-o a superstição de outras eras”. Esse discurso,
oficial, demonstra a representação que tinha da população rural,
com seus costumes e linguagens que muito distavam do almejado
progresso.

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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UMA LEITURA MICRO-HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL RURAL NO PARANÁ

Nos discursos legislativos, no entanto, parece haver um sentido


de enfrentamento dessas questões culturais, especialmente quando
tais legislações ordenavam que as escolas rurais tinham como objeti-
vo formar profissionais para atuar na comunidade rural e disseminar
meios técnicos de produtividade.
No governo Manoel Ribas (1932-1945), com esse governador
sendo identificado com os princípios políticos do governo Getúlio
Vargas, foram implementados o ensino rural e a Escola Normal
Rural em Ipiranga, com o objetivo de formar professores e técnicos
em agricultura e pecuária. Conforme Oliveira (2006, p. 56), as es-
colas rurais do Paraná foram criadas pelo Decreto Estadual nº 234,
no dia 22 de fevereiro de 1935, e tinham por objetivo a formação
de profissionais para atuarem na agricultura paranaense, usando os
conhecimentos práticos e técnicos necessários para o trabalho com
a pecuária e a agricultura. Em termos legislacionais, pelo menos, não
devia se tratar de apenas ensino formal para população rural.
Foi no alvorecer da década, em 15 de outubro de 1953, que Ben-
to Munhoz da Rocha Netto emitiu o Decreto Estadual nº 10.859,
que regulamentava o Departamento de Ensino Superior, Técnico e
Profissional da Secretaria de Agricultura.
Seguiam, porém, os problemas de concepção e determinação
política. Em 1958, o mesmo deputado, o Diretor do Departamento
do Ensino Técnico e Profissional, Moreli Rodrigues, e o chefe do
Serviço de Orientação Educacional, Wellington de Oliveira Viana,
visitam a Escola Arlindo Ribeiro com o objetivo de apurar as condi-
ções para a implantação da referida escola superior. Concluem que
havia a necessidade de uma área de 100 hectares extras, somados aos
100 já existentes da Escola Rural, para a realização da obra. Antônio
Lustosa de Oliveira justificava a criação da escola na cidade de Gua-
rapuava por acreditar que ela proporcionaria aos alunos oriundos
de vários municípios vizinhos a possibilidade de continuarem os
estudos estipulados pela Lei Orgânica. Daí, então, a urgência em
aprovar o projeto para evitar que os alunos das “Escolas Agrícolas
do Paraná fossem privados dessa continuidade, tornando-os aptos

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UMA LEITURA MICRO-HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL RURAL NO PARANÁ

ao desempenho da carreira abraçada, para maior destaque do nosso


Estado no setor do ensino superior, técnico e profissional agrícola”.
(FOLHA DO OESTE, 05/07/1959, p. 1)
A partir da década de 1960, já opera a Lei nº 4.024 – Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Essa nova lei atingiu a es-
trutura do Ensino Agrícola na medida em que atribui aos governos
municipais e à iniciativa de grandes proprietários rurais a criação e
a manutenção do ensino rural. Tal perspectiva estava descrita no
título III, artigo 32, e previa que:
Os proprietários rurais que não puderem manter escolas pri-
márias para as crianças residentes em suas glebas deverão
facilitar-lhes a frequência às escolas mais próximas, ou pro-
piciar a instalação e funcionamento de escolas públicas em
suas propriedades. (BRASIL, 1961)
Lembremos, no entanto, a crítica de Azevedo acima descrita:
esta não era uma escola rural; apenas uma escola no campo. De
acordo com a Proposta do Curso Técnico em Agropecuária, com
organização curricular integrada ao Ensino Médio (2003), com as
reformas administrativas que aconteciam na instância federal, ocor-
reram reformas administrativas na esfera estadual. Em 1972, o go-
verno do Estado do Paraná transfere para o Departamento de En-
sino de 2º Grau da Secretaria de Estado da Educação e Cultura, o
Departamento de Ensino Agrícola da Secretaria de Estado da Agri-
cultura. Em consequência, passaram à administração do Departa-
mento de Ensino de 2º Grau os Colégios Agrícolas Augusto Ribas,
de Ponta Grossa; Arlindo Ribeiro, de Guarapuava; Lysímaco F. da
Costa, de Rio Negro; Manoel Ribas, de Apucarana; Getúlio Vargas,
de Palmeira; e os Ginásios Agrícolas Assis Brasil, de Clevelândia;
Manoel Moreira Pena, de Foz do Iguaçu; Olegário Macedo, de Cas-
tro; e Fernando Costa, de Santa Mariana.
Com uma nova lei educacional, no caso, a Lei Federal nº 5.692,
de 11 de agosto de 1971, os colégios agrícolas e os ginásios agríco-
las passaram a ofertar o curso Técnico em Agropecuária, aprovado

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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UMA LEITURA MICRO-HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL RURAL NO PARANÁ

pelo Conselho Estadual de Educação em 1973. Em 1974 é criado o


Colégio Florestal de Irati, com a oferta do curso Técnico Florestal.
Com essa Lei Federal nº 5.692/1971, podemos retornar à dis-
cussão deste capítulo, qual seja, a matriz de pensamento que unifi-
cava higienismo, assistencialismo e integralismo. Essa lei coroa o
discurso de unificação entre o urbano e o rural na medida em que
retornarmos um pouco na história da industrialização regional do
Brasil, num impulso industrial que se estabeleceu a partir dos anos
de 1960 do século XX. O destaque do Paraná se deu pela diversifica-
ção e pela modernização da sua agropecuária, passando a influenciar
as relações de trabalho do campo e da cidade. Nesse sentido, basta
lembrar que, para Tintini (2006, p. 76), a modernização da agricultu-
ra “[...] se confunde com a expansão da soja”. O ciclo expansivo da
economia brasileira, no intuito de promover o crescimento indus-
trial em “algumas” regiões, que se deu no período estudado, advém
do pensamento de desconcentração da estrutura produtiva a partir
do núcleo São Paulo, resultando em uma configuração diferenciada
para cada região do Brasil.
Mesmo em se tratando de uma economia regional, o Paraná
passa a ganhar lugar no cenário nacional, no século XIX, demar-
cando esse lugar definitivamente no final do último quartel. O café
colocara o Paraná como o maior produtor do Brasil, o que produzia
uma nova economia, que surgia e ultrapassava a economia gerada
pela produção da erva-mate e a da madeira, obtendo “certa” repre-
sentatividade no cenário nacional (TREVISAN, 1995). Com uma
taxa de produção agrícola elevada, o Paraná tornou-se um celeiro da
migração, mudando o perfil da formação social do Estado.
A modernização da agricultura4 não ocorreu de forma isolada

4 A modernização da agricultura pode ser caracterizada pela mudança da base técnica da produção
agrícola iniciada depois da Segunda Guerra Mundial, com a maior utilização de equipamentos e
insumos, cuja resultante foi o aumento imediato da produtividade dos fatores. O processo de mo-
dernização acarretou uma integração técnica intrassetorial entre a mercantilização da agricultura,
ao mesmo tempo em que promoveu a substituição de elementos internos do complexo rural por
compras extrassetoriais, como máquinas e insumos, e, desta forma, induz à criação de indústrias
de bens de capital e insumos para o setor agrícola. (COSTA, 2002)

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
UMA LEITURA MICRO-HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL RURAL NO PARANÁ

no Brasil, mas, sim, como um fenômeno mundial. Consideremos


que temos uma macro-história da economia e uma corresponden-
te micro-história. Este processo constitui uma etapa da evolução
da agricultura, baseada nas transformações tecnológicas, com no-
vos insumos, novas máquinas e novos equipamentos, e tendo como
ponto de partida a “revolução verde”.
A micro-história regional sofre consequências em pelo menos
três eixos básicos: (i) a mudança nas relações de trabalho; (ii) a meca-
nização agrícola, que passa de substituto da força animal para substi-
tuto da força de trabalho do homem; e (iii) a mudança qualitativa do
processo de modernização da agricultura, com o desenvolvimento
dos setores produtores de insumos, de máquinas e de equipamentos
para a agricultura.
Esse processo, entendido como uma mudança da base técnica
da produção agrícola, inicia-se no pós-guerra, mas se intensifica a
partir de meados dos anos 1960, com a introdução de máquinas,
equipamentos, fertilizantes, defensivos agrícolas, ferramentas geren-
ciais e também da base genética, a partir de novas variedades vege-
tais e novas de raças animais.
Com isso, a relação entre a agricultura e a indústria apresentou
grandes transformações. Houve o desenvolvimento das agroindús-
trias, estimulado pelo crescimento da demanda para os produtos da
agropecuária. A agricultura perdeu rapidamente as suas caracterís-
ticas artesanais manufatureiras, surgindo a indústria, que imprimiu
sua forma de beneficiar, processar, armazenar e comercializar. Isso
provocou, como consequência, impacto significativo na agricultura,
tanto na produção como na comercialização dos produtos, aceleran-
do a modernização agrícola. (MÜLLER, 1989)
No pós-Segunda Guerra também se instituiu, por dentre os
insumos agrícolas, o uso de agrotóxicos. A química na agricultura
criará nova demanda para o ensino técnico e superior no Estado,
que o insere em seus currículos e adere à demanda de produção de
larga escala, mesmo sabendo das consequências destrutivas ao meio
ambiente, à fauna, à flora e aos humanos (sejam produtores, sejam

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
193
UMA LEITURA MICRO-HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL RURAL NO PARANÁ

consumidores). Enfim, todo esse cenário foi acompanhado de per-


to pelo ensino rural técnico nacional e do Estado do Paraná. É de
grande relevância a atuação dessa forma de ensino na cultura regio-
nal e nacional e no desenvolvimento de novas formas produtivas da
economia nacional.

Considerações Finais

A educação profissional no campo desenvolveu-se, enquanto


modalidade de ensino específica, na passagem da década de 1930
para a de 1940, apesar de estar presente desde os tempos do Impé-
rio, como acentuado por Azevedo. Foi nesse período que o desafio
de consolidar a história da república fez correntes de pensamento
convergirem para a construção de um modelo nacionalista. Os dis-
cursos sobre esse modelo insistem em assuntos como higienismo
– fomentando princípios de ações e normas de imigração – e como
assistencialismo e integralismo, fomentando as concepções de de-
senvolvimento. A educação profissional foi baseada nessa compre-
ensão quase corporativa do Estado desenvolvimentista brasileiro.
A educação profissional no Estado do Paraná e no Brasil, devido
a essas matrizes, por vezes priorizou seu caráter assistencialista, corre-
tivo, moralizador, preventivo da marginalização, de modo que a pers-
pectiva da qualificação profissional veio como um remédio nacional.
De modo geral, na atualidade, o que se constata no ensino
profissional é uma estrutura segmentada em três modalidades es-
tanques: o ensino tecnológico, o técnico e o profissional de nível
básico. Cada modalidade é dirigida a uma população-alvo especí-
fica, financiada com recursos diferentes e com suas peculiaridades.
A organicidade não está presente na educação profissional de nível
básico, havendo, antes, uma fragmentação.
Enquanto concepção, essa fragmentação parece não ter ocorri-
do nos anos iniciais no Estado do Paraná. Embora tenha ocorrido,
como destacamos, foi muito mais em função da inatividade admi-
nistrativa que da clareza legal e de educadores.

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
UMA LEITURA MICRO-HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL RURAL NO PARANÁ

Enfim, cabe apontar que a educação profissional deve incluir a re-


flexão do trabalhador campesino sobre as transformações na natureza
de seu trabalho. Essa proposta sugere que a educação profissional avan-
ce no sentido de se tornar educação tecnológica, para além do saber
fazer. Os dados nacionais e da história regional que acima destacamos
permitem afirmar que o trabalhador foi pensado como um sujeito a
ser moldado, criado pelo poder e pelo saber. Jamais foi proposto como
sujeito de sua história. O desenvolvimentismo, seja no seu nível políti-
co, seja no seu nível econômico, tratou o problema populacional como
crescimento de mão de obra e eficiência produtiva.
É nesse sentido que o crescimento urbano e rural foi tratado de
forma integrada e integradora, porque concebidos no interior de um
mesmo modelo de economia. A primeira LDB do Brasil, a de 1961,
evidenciou essa perspectiva. Os desgarrados da República deveriam
passar pela disciplina formadora para o trabalho, abandonar hábitos
tradicionais e adotar a qualificação técnica e sua ferramentalia como
meios de trabalho.

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AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E
DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS
PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO
NO BRASIL: O CASO DA EDUCAÇÃO
PROFISSONAL

Rosangela Lourenço Garcia1


Isaura Monica Souza Zanardini2

Introdução

As políticas educacionais, dentre elas, as políticas voltadas à


Educação Profissional, não podem ser compreendidas, sem levar
em consideração a preponderância das concepções liberais que tem
sustentado a formulação e implantação dessas políticas. Sendo as-
sim, é possível compreender as políticas públicas que emanam do
Estado como medidas compensatórias para atenuar os conflitos de
classes e a desigualdade que está atrelada ao modo de produção ca-
pitalista.
Ideologicamente, o Estado é resultado do consentimento da
sociedade e representa seus interesses, porém são os interesses das
forças hegemônicas que determinam a atuação do Estado; às clas-

1 Pedagoga, Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus de


Cascavel.
2 Doutora em Educação, Docente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus de Cas-
cavel.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
199
AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

ses menos favorecidas são elaboradas políticas sociais que devem


satisfazer minimamente as necessidades básicas de sobrevivência,
mantendo desta forma o equilíbrio, a normatização e perpetuação
da organização social vigente.
As políticas educacionais implantadas a partir dos anos 1990
estão articuladas ao atual estágio do capitalismo globalizado e às
orientações de Organismos Internacionais com objetivo de atenuar
possíveis embates entre as classes contraditórias e “aliviar” a pobre-
za extrema, abrangendo em sua formulação a saúde, a educação, a
previdência e a habitação entre outros programas de assistência.
O que queremos dizer é que o Estado garante as condições
para a reprodução das relações capitalistas. Portanto, ao criar políti-
cas de assistência direcionadas à classe explorada, não há pretensão
de promoção dessa classe, apenas o alívio imediato às necessidades
primordiais para que não haja “revolta” ou intervenção do sistema.
Nessa perspectiva, embora as políticas sociais decorram prin-
cipalmente das lutas entre as classes contraditórias, estas também
podem ser entendidas como estratégia de reprodução do capital.
No Brasil, a abertura econômica se acentua a partir da década
de 1990 (FILGUEIRAS, 1997), assim como um processo de re-
estruturação produtiva que flexibiliza as formas de produção e de
contratação de mão de obra. É a chamada produção enxuta, que se
articula aos pressupostos liberais e à ideologia da pós-modernida-
de, entendida como uma expressão do padrão atual de acumulação
do capital, que engendra, entre outros “mecanismos”, as noções de
neo­liberalismo e de globalização.
Esse processo tem resultado no aumento do desemprego e in-
tensificação da pobreza, o que mobiliza o governo na criação de
políticas sociais de assistência para atender as camadas mais vulne-
ráveis da sociedade. Nesse sentido, a educação enquanto política
social tem o duplo papel de formação de mão de obra e integração
social dos mais pobres. (OLIVEIRA; DUARTE, 2005)
Com a mundialização do capital e o processo de reestruturação
produtiva, as camadas mais pobres da sociedade, excluídas do pro-

200 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

cesso produtivo, não têm seus direitos sociais garantidos via traba-
lho, predominam assim, políticas sociais focalizadas de alívio à po-
breza, destinadas apenas às pessoas com renda mínima estabelecida
pelos programas de assistência.
Reiteramos que a elaboração de políticas com esse caráter está
atrelada aos pressupostos do liberalismo, cuja ideologia também se
acentua em 1990 no Brasil concomitantemente à reforma do Estado
brasileiro.
As propostas nucleares do liberalismo apresentadas já no século
XVIII, por Adam Smith, e atualmente pelos liberais contemporâ-
neos, propagam para o melhor desenvolvimento do capitalismo, a
mínima intervenção do Estado nas questões econômicas, o enalte-
cimento do individualismo e a igualdade de oportunidades iniciais
(FIORI, 1997). Para os liberais, a igualdade social caracteriza-se pela
igualação de condições iniciais, dessa forma cada indivíduo é res-
ponsável pelo seu sucesso ou fracasso.
Seguindo esses princípios, a reforma do Estado no Brasil em
1990 se dá em razão de uma crítica à eficiência do Estado na sua for-
ma de administração, esta ineficiência foi atribuída à administração
burocrática do Estado. O que se propôs para a melhoria sua eficácia
assegurar maior capacidade de regulação foi a implementação da
administração pública gerencial.
Nessa perspectiva, compreendemos que a organização do Es-
tado brasileiro segue a lógica dos pressupostos liberais, que apon-
tam para a valorização da competição entre os mercados mundiais,
flexibilidade nas relações de trabalho e elaboração de políticas so-
ciais emergenciais para atender os excluídos do processo produ-
tivo.
O processo de reestruturação produtiva que se desenvolve en-
quanto organização do processo de produção e controle dos tra-
balhadores, atrelado à globalização da economia, pressupõe a acu-
mulação flexível3, e exige para seu desenvolvimento, trabalhadores
3 Ao usarmos a expressão acumulação flexível, estamos tomando a nomenclatura utilizada por HAR-
VEY (2000).

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
201
AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

que atendam a chamada “flexibilidade”, com novas habilidades e


preparados para o trabalho em equipe.
Nesse sentido, compreendemos que as políticas educacionais,
especialmente as voltadas à Educação Profissional, estão diretamen-
te articuladas com as mudanças no modelo produtivo, uma vez que
a formação de mão de obra deve atender aos pressupostos e deman-
das do processo de produção.

A intervenção dos Organismos Internacionais: a


implantação dos pressupostos do liberalismo

A partir de 1990, com o processo de globalização da economia


combinada com os princípios do liberalismo e com a reestruturação
produtiva, as relações de trabalho se alteraram tanto na forma de pro-
dução que passou a ser flexível, quanto nos contratos de trabalho. A
substituição de trabalhadores por tecnologias avançadas aumentou o
desemprego e acentuou o trabalho informal e terceirizado.
No contexto do desemprego estrutural tecnológico, organi-
zacional e político dos anos 90 há profundas mudanças nos
contratos social e salarial, acarretando a precarização e a ter-
ceirização do trabalho e solapando as bases da seguridade e
da coesão social construída no pós-guerra através do welfare
state. São colocadas na agenda pública as políticas de for-
mação de mão-de-obra, na perspectiva de empregabilidade
e não de emprego, de focalização das ações em setores ou
grupos específicos ao invés da universalização e de seguros
privados ao invés de seguros públicos, validando-se a inser-
ção social em atividades de baixa remuneração pelas próprias
políticas sociais. (FALEIROS, 2009, p.75)
Reiteramos que o liberalismo fundamenta suas políticas tendo
como base a igualdade de oportunidades, relegando aos indivíduos a
responsabilidade de conquistar sucesso, a partir de suas habilidades
no enfrentamento da competitividade que o atual estágio da econo-
mia globalizada exige.

202 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

Dessa forma, o Estado se desonera de suas obrigações em ga-


rantir direitos sociais e implementa políticas de assistência, focaliza-
das na fração da população que está à margem da sociedade globa-
lizada.
Sob os pressupostos do liberalismo, o mercado deve ter auto-
nomia para a livre negociação sem intervenção do Estado, que tem
a função de favorecer o mercado e assumir as demandas que não
dão retorno financeiro como educação e saúde. Ainda que para as
classes médias e altas, sejam oferecidos serviços de educação e saúde
por empresas privadas.
A orientação liberal para a implantação de políticas públicas no
Brasil foi evidenciada de modo mais incisivo a partir da década de
1980 quando o país, entre outros da América Latina sofreu com a
“crise da dívida externa”, recorrendo a Organismos Multilaterais,
entre eles o Banco Mundial, que propôs ajustes setoriais e estru-
turais como forma de sanar os problemas advindos da crise (DEI-
TOS, 2010).
O Banco Mundial realizou então empréstimos objetivando um ajus-
tamento estrutural para os países que aceitassem reformular sua econo-
mia de acordo com as condições estabelecidas, que envolviam imposições
quanto às relações sociais, econômicas, ideológicas e políticas.
Com as condicionalidades estabelecidas pelo Banco Mundial
para injeção de dinheiro nos países endividados, as políticas de Es-
tado foram elaboradas com intuito de atender as condições estabe-
lecidas. Nesse sentido, no que tange às políticas educacionais, estas
corroboram com a concepção dos Organismos Internacionais de
que a escola é espaço mercadológico de competição e deve-se base-
ar em princípios meritocráticos justificando dessa forma a desigual-
dade com a possibilidade de mobilidade social.
No que concerne às políticas educacionais no Brasil, de acordo
com Deitos: “O receituário liberal ou social-liberal tornou-se predo-
minante na análise e na formulação da política educacional brasileira
e implementada pelo Estado brasileiro no período de 1985 a 2005, e
pode ser resumido em seis medidas básicas”. (2010, p.212)

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
203
AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

Uma dessas medidas, segundo Xavier e Deitos (2006), parte


do suposto de que o desenvolvimento do processo econômico e
o fenômeno da globalização geram novas exigências econômicas,
políticas e educacionais. Nesse caso, o Estado deve atuar no sentido
de facilitar a integração do país às relações econômicas mundiais,
modificando as relações econômicas, políticas e educacionais.
Outra medida aponta o esgotamento do modelo econômico
nacional, sustentado em mão de obra pouco qualificada, somado à
iniquidade educacional, que estaria levando o país ao atraso econô-
mico e social. (XAVIER e DEITOS, 2006, p.76)
De forma ideológica, a concepção liberal de que a iniquidade
educacional é a causa do atraso econômico do país tem sido disse-
minada de maneira eficiente. Não obstante, a condição de milhões
de brasileiros que não tiveram o direito à educação básica assegu-
rado, de acordo com dados verificados até 2007. (DEITOS, 2010,
p.213)
A centralidade da educação básica também é apontada como
uma medida para promover o desenvolvimento socioeconômico.
De acordo com os pressupostos do Banco Mundial, aos sujeitos
oriundos das classes sociais desfavorecidas, a prioridade é garantir-
-lhes educação básica com intuito de aliviar a pobreza e diminuir a
desigualdade social. (XAVIER e DEITOS, 2006, p.76)
A estimativa do Banco Mundial (pelo menos no discurso) é aca-
bar com a pobreza absoluta, para tanto, apostam na educação básica
como condição prioritária no alivio à pobreza e no desenvolvimen-
to.
De acordo com Xavier e Deitos (2006), o receituário de medi-
das pautado no liberalismo, considera
[...] saudável a influência dos organismos e agências finan-
ceiras multilaterais para o desenvolvimento da eficiência ins-
titucional, operacional e da gestão política e financeira do
Estado, e das ações sociais e econômicas no Brasil. Especial-
mente no campo da implementação da política educacional
neoliberal, essa influência saudável seria veículo de contri-

204 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

buições políticas materializadas em ajudas financeiras através


de empréstimos para o desenvolvimento da política educa-
cional nacional de projetos, programas, ações, assessorias e
consultorias. (p.79)
Em síntese, a intervenção dos Organismos Multilaterais, com
medidas de ajuste estrutural para os países em desenvolvimento,
abrange a reforma do Estado, crise econômica, inserção dos países
na economia mundial e políticas sociais, mas atingem também as
políticas para a Educação profissional, e é delas que tratamos na
sequência.

A reforma da Educação Profissional

Compreendemos a atuação do homem sobre a natureza, para


transformá-la de acordo com as suas necessidades, como uma parti-
cularidade exclusiva do ser humano. Essa ação denominada trabalho
é o que define a essência do homem. (SAVIANI, 2007)
Como nos esclarece Saviani (2007), o ato de educar também
é uma especificidade do ser humano, e essas duas categorias, Tra-
balho e Educação, estiveram primitivamente ligadas uma à outra,
separadas posteriormente acompanhando o processo de evolução
da sociedade e de distinção entre as classes sociais. Desse modo,
“Os homens aprendiam a produzir sua existência no próprio ato de
produzi-las. Eles aprendiam a trabalhar trabalhando. Lidando com a
natureza, relacionando-se uns com os outros, os homens educavam-
-se e educavam as novas gerações”. (SAVIANI, 2007, p. 154)
A educação, portanto, não se restringia à preparação para o tra-
balho, ela se relacionava a este, no processo de formação humana.
A separação entre trabalho e educação tem origem, concomitante-
mente, com o desenvolvimento da produção, que culminou na di-
visão do trabalho, na propriedade privada e na formação de classes
sociais distintas.
Por conseguinte, a educação foi estabelecida de maneira sepa-
rada do trabalho e direcionada de maneira diferenciada de acordo

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
205
AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

com a posição social dos sujeitos. Estabelecia-se aí a dualidade na


educação.
[...] passaremos a ter duas modalidades distintas e separa-
das de educação: uma para a classe proprietária, identificada
como a educação dos homens livres, e outra para a classe
não proprietária, identificada como a educação dos escravos
e serviçais. A primeira, centrada nas atividades intelectuais,
na arte da palavra e nos exercícios físicos de caráter lúdico
ou militar. E a segunda, assimilada ao próprio processo de
trabalho. (SAVIANI, 2007, p. 155)
Dessa forma, passamos a analisar o que se denominou poste-
riormente como Educação Profissional, partindo da compreensão
de que a dualidade educacional tem acompanhado a organização da
educação desde os seus primórdios.
Ciavatta e Ramos (2011), a respeito do Ensino Médio e Educa-
ção Profissional no Brasil, afirmam que o ensino dual se estabelece
de maneira incisiva no país, a partir da República, e é estruturalmen-
te organizado nos anos 1940 no primeiro governo Vargas. (CIA-
VATTA e RAMOS, 2011)
As autoras salientam que:
As Leis Orgânicas do Ensino Industrial e do Ensino Secun-
dário e a criação do Senai, em 1942, determinam a não equi-
valência entre os cursos propedêuticos e os técnicos, asso-
ciando os currículos enciclopédicos à formação geral como
expressão concreta de uma distinção social mediada pela
educação. (CIAVATA e RAMOS, 2011, p. 29-30)
De acordo com as autoras, o processo de industrialização no
Brasil culminou na emergência de formar trabalhadores de acordo
com a demanda produtiva, assim, o ensino secundário (hoje Ensino
Médio) teve a exclusiva função de profissionalizar os alunos. Entre-
tanto, a partir da insatisfação de grupos populares que se organiza-
ram durante os anos de 1950, foram aprovadas Leis de equivalência
entre os cursos profissionalizantes e o Ensino Secundário. Essas

206 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

Leis ganharam força com a implementação da Lei de Diretrizes e


Bases da Educação Nacional (LDB n° 4.024/ 1961). (CAVATTA e
RAMOS, 2011)
Em 1996, período em que ocorria o fim do regime ditatorial
no Brasil, foi implementada uma nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB nº 9.394). Essa Lei foi elaborada num contexto
de divergência entre os que defendiam a educação pública laica e
gratuita e os que advogavam em favor da diminuição do Estado
no investimento à educação, devendo esta estar submetida à lógica
do mercado. Esse embate resultou na atuação da educação privada,
garantida pela LDB n° 9.394/1996 e também pela Constituição Fe-
deral de 1988 (MEC, 2012, p.17).
Outra divergência no contexto da elaboração da LDB de 1996,
de modo particular no que se referiu à profissionalização, foi no-
vamente a questão da dualidade do ensino, de um lado, a defesa da
Educação Profissional integrada ao Ensino Médio, proposta cons-
tante na primeira LDB de 1961, e de outro, a proposta de separação
entre os últimos anos do ensino e a formação para o trabalho (MEC,
2012, p.18). Esta última proposta ganhou força e a integração da
Educação Profissional com o Ensino Médio não se concretizou.
A separação entre Educação Profissional e o Ensino Médio ga-
nhou ainda mais chancela ao ser implementado, em 1997, o Decre-
to-Lei nº 2.208,4 que se consubstanciou na reforma da Educação
Profissional. De acordo com o Decreto, o ensino profissionalizante
seria oferecido de maneira concomitante ou sequencial ao Ensino
Médio.
A primeira opção garantia o ingresso em cursos técnicos para-
lelamente ao Ensino Médio com matrículas distintas, neste caso fo-
ram oferecidos cursos de nível básico cuja inscrição independia do
nível de escolaridade. A segunda opção se referia a cursos técnicos
oferecidos aos concluintes do Ensino Médio.

4 Decreto Federal nº 2.208 composto por doze artigos que regulamentavam os artigos 39 a 42
expostos na LDB nº 9.394/96 referentes à Educação Profissional, assinado pelo Presidente Fer-
nando Henrique Cardoso.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
207
AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

Juntamente com o Decreto 2.208/97, que estabeleceu as


bases da reforma da educação profissional, o Governo Fe-
deral negociou empréstimo junto ao Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID) com o objetivo de financiar a
mencionada reforma. Ela era um dos itens do projeto de
privatização do Estado brasileiro em atendimento à política
neoliberal, determinada pelos países hegemônicos de capita-
lismo avançado, organismos multilaterais de financiamento e
grandes corporações transnacionais. Esse financiamento foi
materializado por meio do Proep (MEC, 2012, p. 21).
Como já citado, o Decreto nº 2.208/97, que regulamentava a
Educação Profissional, foi o principal instrumento legal para a re-
forma dessa modalidade de ensino. No mesmo ano, teve início o
PROEP (Programa Expansão da Educação Profissional) que foi o
instrumento predominante para a implantação da reforma.
A finalidade do PROEP foi financiar 250 projetos de Centros
de Educação Tecnológica. Do total do financiamento, 40% foram
destinados às instituições públicas da rede Federal e das redes esta-
duais e 60% para projetos do “segmento comunitário” que incluía
instituições privadas, ONGs e escolas municipais (LIMA FILHO,
2002, p 273).
A reforma da Educação Profissional realizada a partir da im-
plementação do Decreto nº 2.208/97, apresentou a explicitação dos
princípios do liberalismo. A partir da reforma, acentuou-se o con-
ceito de competitividade e direcionou-se a formação profissional de
acordo com as regras do mercado.
Entendemos que o financiamento de políticas para a Educa-
ção Profissional assim como para a educação em geral, pelos Orga-
nismos Internacionais, explicita o interesse desses Organismos em
promover o crescimento econômico (e não o desenvolvimento hu-
mano), que seria alcançado de maneira particular por meio da oferta
de escolarização elementar para a população, escolarização esta vol-
tada particularmente aos interesses do setor produtivo seguindo à
lógica da competição do mercado globalizado.

208 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

De acordo com Cerqueira et al.:


Ao estimular políticas educacionais que geram a subordi-
nação das escolas profissionalizantes aos desejos do mer-
cado de trabalho, estimula-se a crença de que a culpa pelo
desemprego e pelo atraso de um país nos setores sociais e
de serviço estaria nos indivíduos e nas escolas profissio-
nalizantes, que não os preparam devidamente, retirando o
foco de fatores realmente determinantes para a situação
mundial, que são de ordem econômica e política. (2011,
p. 136)
A flexibilização da Educação Profissional por meio da sua sepa-
ração do Ensino Médio, foi também uma determinação dos Orga-
nismos Internacionais, tendo em vista baratear os custos com essa
modalidade de ensino. (CERQUEIRA et al., 2011, p.136)
A dualidade do ensino garantida pelo Decreto nº 2.208/97, re-
sultou na insatisfação e em duras críticas ao Decreto por parte dos
profissionais da Educação Profissional, principalmente os vincula-
dos aos sindicatos. Esta insatisfação gerou a discussão a respeito da
educação politécnica entendida como universal e unitária e voltada
ao enfrentamento da separação entre o conhecimento geral e o co-
nhecimento técnico, agregando o conhecimento científico às técni-
cas do trabalho. (MEC, 2012)
Ao tratar do termo Politécnico, Saviani (2007) nos esclarece qual
seria a função do Ensino Médio pautado neste conceito. Caberia a
esse Nível de Ensino promover a articulação dos conhecimentos
científicos aos conhecimentos práticos da produção, por meio da
aplicação dos fundamentos das diversas técnicas produtivas. O tra-
balho com madeira e metal, por exemplo, segundo o autor, pode
oportunizar a percepção de como as leis da física e da química atu-
am na transformação dos materiais.
Entretanto, Saviani (2007) salienta que o ensino não deve se
restringir à reprodução no ambiente educativo, da “especialização
que ocorre no processo produtivo” (p.161). Ou seja, não se trata de
um mero treinamento das técnicas de produção, trata-se, ao contrá-

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
209
AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

rio, de uma formação politécnica, diferentemente do que propõe a


educação profissionalizante.
Politecnia significa, aqui, especialização como domínio dos
fundamentos científicos das diferentes técnicas utilizadas na
produção moderna. Nessa perspectiva, a educação de nível
médio tratará de concentrar-se nas modalidades fundamen-
tais que dão base à multiplicidade de processos e técnicas de
produção existente. (SAVIANI, 2007, p.161)
Retomando à discussão do Documento do MEC, este ressalta
que, a educação politécnica almejada pelos profissionais da Educa-
ção Profissional, não enfatizaria entretanto, uma formação especí-
fica, que só ocorreria, nessa perspectiva, “após a conclusão da edu-
cação básica de caráter politécnico, ou seja, a partir dos 18 anos ou
mais de idade”. (MEC, 2012, p.26)
Mas de acordo com o mesmo documento:
Entretanto, essa retomada deu margem a reflexões impor-
tantes quanto à possibilidade material de implementação,
hoje em dia, da politecnia na educação básica brasileira na
perspectiva aqui mencionada. Tais reflexões e análises per-
mitiram concluir que as características atuais da sociedade
brasileira dificultam a implementação da educação politéc-
nica ou tecnológica em seu sentido pleno, uma vez que, en-
tre outros aspectos, a extrema desigualdade socioeconômica
obriga grande parte dos filhos da classe trabalhadora a bus-
car a inserção no mundo do trabalho visando complementar
o rendimento familiar, ou até mesmo a autossubsistência,
muito antes dos 18 anos de idade (MEC, 2012, p. 27).
Desse modo, a implementação da educação politécnica não se
concretizou, tendo em vista a impossibilidade de os jovens espera-
rem até a idade de 18 anos para ingressar no mercado de trabalho,
levando em conta sua condição social.
Tais reflexões conduziram ao entendimento de que uma
solução transitória e viável é um tipo de ensino médio que
garanta a integralidade da educação básica, ou seja, que con-

210 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

temple o aprofundamento dos conhecimentos científicos


produzidos e acumulados historicamente pela sociedade,
como também objetivos adicionais de formação profissional
numa perspectiva da integração dessas dimensões. (MEC,
2012, p.27)
Foi nesse contexto que emergiu a formulação do Decreto nº
5.154/045, que revogou o Decreto anterior nº 2.208/97. Este novo
Decreto regulamentou a Educação Profissional no Brasil e trouxe a
possibilidade do retorno da Educação Profissional integrada ao En-
sino Médio por meio da formação inicial e continuada de trabalha-
dores, Educação Profissional Técnica de Nível Médio e Educação
Profissional Tecnológica de Graduação e Pós-Graduação.
A análise de Bagnato et al. (2006), a respeito da globalização,
resultado do avanço do capitalismo, aponta para a compreensão de
que esse processo trouxe implicações para o campo da Educação
Profissional no Brasil no sentido de adequar a formação de traba-
lhadores aos moldes do sistema produtivo, levando em conta os
conceitos de competitividade e empregabilidade impostos pela par-
ticipação do país no processo da economia mundial.
De acordo com as autoras, embora a ideologia liberal, que se ar-
ticula ao processo de globalização, afirme que haja uma maior equa-
lização da sociedade, ao contrário, o processo de globalização tem
aumentado o afastamento entre países ricos e pobres.
A reformulação da Educação Profissional e da educação em
geral é reforçada pelos princípios dos Organismos Internacionais
que abrangem a equidade substituindo a igualdade, com estratégias
de desregulamentação, descentralização, autonomia e privatização
(BAGNATO, et al., 2006).
Partindo de análises como essa, entendemos que o texto da
LDB de 1996 indicava a influência dos Organismos Internacionais
e dos princípios do liberalismo. No que se referiu à Educação Pro-
fissional, o texto da LDB não expressava clareza sobre a responsa-
5 Decreto Federal que regulamenta a Educação Profissional no Brasil, a partir de 2004, assinado
pelo Presidente Luiz Inácio da Silva.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
211
AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

bilidade sobre esta modalidade de ensino6, abrindo espaço para a


formulação em 1997 do Decreto nº 2.208, que regulamentou e sepa-
rou a Educação Profissional do Ensino Médio, favorecendo assim
as instituições privadas de ensino.
A privatização do ensino e o afastamento do Estado nas polí-
ticas públicas coadunam com os princípios do liberalismo e com as
orientações dos Organismos Internacionais como o Banco Mun-
dial, de que é preciso racionalizar os gastos públicos para promover
o melhor desenvolvimento do país.
No que se refere à educação no Brasil:
Nos últimos anos, as legislações voltadas para a área de edu-
cação no Brasil foram elaboradas topicamente, isto é, pen-
sadas separadamente para cada nível, porém expressando a
mesma lógica, com o predomínio de uma ideologia de des-
regulamentação, flexibilização e privatização, elaboradas de
cima para baixo, tendo como grande interlocutor o Banco
Mundial (que dá as diretrizes da organização, as prioridades e
os conteúdos, direcionados principalmente por uma concep-
ção produtivista em todos os níveis de ensino) (BAGNATO,
et al. 2006, p.7).
Compreendemos que o objetivo da Educação Profissional no
Brasil a partir de 1990 tem sido o de preparar os alunos para a com-
petitividade imposta pelo mercado globalizado, dessa forma, a lógi-
ca mercadológica da Educação Profissional atende aos pressupostos
da globalização em consonância com as orientações dos Organis-
mos Internacionais que atuam como financiadores de determinados
programas educacionais, indicando condições de financiamento. De
acordo com Lima Filho: “Sob o argumento da modernização, ele-
vação da produtividade do trabalho e competitividade nacional, o
Banco Mundial, a CEPAL e o BID formulam políticas educacionais
dirigidas especialmente às nações periféricas da economia capitalista
mundial” (2002, p. 277).
6 A esse respeito, recomendamos a leitura do capítulo III da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
de 1996 que dispõe sobre a Educação Profissional.

212 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

Para os Organismos Internacionais, a elevação da condição so-


cial da população dos países periféricos se dará por meio da oferta
da educação básica, que garantirá a retirada desses países do atraso
no desenvolvimento. Atraso este atribuído à suposta ineficiência dos
sistemas educacionais, portanto a necessidade de intervenção dos
Organismos Internacionais nas políticas de educação.
A esse respeito, Lima Filho afirma:
No entanto, refutando a racionalidade tecnocrática e o ca-
ráter instrumental e mercadológico da política educacional
– os quais se pretende ocultar mediante o viés da eficiência
e adequada gestão dos recursos públicos – considero que as
transformações nos sistemas educacionais – e em particu-
lar as reformas educativas – expressam projetos políticos e
constituem, por excelência, um locus de disputa de poder. Por
essa razão, as reformas educativas só podem ser entendidas
nos marcos mais amplos de um sistema social, ou seja, uma
reforma educativa constitui-se como, ou é parte de, uma re-
forma social. (2002, p. 278)
O pesquisador declara ainda que os financiamentos de progra-
mas educacionais pelos Organismos Internacionais não ocorrem
sem que estes estabeleçam condições para a realização de emprésti-
mos e ainda critérios para a utilização dos recursos. Como foi o caso
da reforma da Educação Profissional em 1990 e o PROEP.
A partir de 1990, o Banco Mundial prioriza o investimento em
educação básica como política social de alívio à pobreza, dessa for-
ma, a Educação Profissional que não se configurava como priorida-
de do Banco Mundial, começou a ser financiada pelo BID (Banco
Interamericano de Desenvolvimento). (LIMA FILHO, 2002, p. 279)
Entretanto, de acordo com o mesmo autor, os empréstimos do
BID, para a Educação Profissional, não fogem à lógica expressa nos
pressupostos do Banco Mundial e da CEPAL (Comissão Econômi-
ca para a América Latina e o Caribe), no que tange à diminuição do
investimento em níveis de ensino acima do ensino básico, a ainda
da elaboração de políticas que se configuram como compensatórias.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
213
AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

Podemos depreender a partir das considerações acima, que a


elaboração de políticas públicas voltadas para a Educação Profissio-
nal no Brasil, se articula com o desenvolvimento do capitalismo tan-
to em âmbito nacional como internacional. A partir de 1990 com o
processo de globalização da economia e a reestruturação produtiva,
ganham ênfase no país os conceitos de flexibilidade e empregabili-
dade, como critérios para a formação profissional.
Esses critérios para a formação de trabalhadores estão ligados
com o estágio que o capitalismo atingiu com a Terceira Revolução
Industrial, que resultou na inovação de tecnologias avançadas para
o processo produtivo e na exigência de trabalhadores cada vez mais
qualificados. (DEITOS, 2000, p. 35)

A Reforma da Educação Profissional no Paraná: O


PROEM

No Estado do Paraná, a redefinição do Ensino Médio e Pro-


fissional por meio do PROEM (Programa Expansão, Melhoria e
Inovação do Ensino Médio) desenvolvido em 1995, já apresentava
propósitos liberais que se consolidaram a partir da reforma da Edu-
cação Profissional em 1997.
Os principais objetivos do PROEM, segundo Deitos (2000),
eram elevar o padrão de eficácia e qualidade da oferta de ensino,
promover a equidade educacional e ainda eficiência e eficácia da
educação média. Assim, a reorganização do Ensino Médio e Pro-
fissional preconizada pelo PROEM, justificou-se enquanto resposta
a uma suposta inadequação educacional e necessidade de adaptar a
educação às novas exigências econômicas e sociais.
Os pressupostos do PROEM eram garantir a possibilidade de
inserção competitiva no mercado de trabalho, para tanto, houve in-
vestimento em insumos pedagógicos (materiais para alunos, profes-
sores e escola e equipamentos).
O acesso à profissionalização no Paraná ficou substancialmen-
te reduzido depois da implantação do PROEM. Antes da adesão

214 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

do Programa, o acesso à formação profissional era garantido para


praticamente todos os alunos do Ensino Médio, o número de alu-
nos com matrícula nos cursos profissionalizantes em 1995 era de
185.718, enquanto o PROEM implantado em 1998 oferecia apenas
13.000 vagas (BRUEL, 2007, p.6).
Esta redução de matrículas para a formação profissional en-
contra respaldo nos documentos que definem a política de
organismos internacionais, onde se evidencia a idéia de que
a educação geral é economicamente mais adequada para o
Estado, pois remete ao mercado a responsabilidade pelo trei-
namento do futuro trabalhador (BRUEL, 2007, p.7).
Outra questão expressa no PROEM era a preocupação em
atender as mudanças no modelo produtivo, logo, os cursos ofereci-
dos eram voltados para as demandas do mercado.
Portanto, fica explicitada a relação direta da educação profis-
sional com as demandas do desenvolvimento econômico do
Estado do Paraná e do mercado de trabalho que emerge da
articulação com o desenvolvimento da economia e do mer-
cado de trabalho no país e consequentemente com a reestru-
turação econômica em nível internacional. (DEITOS, 2000,
p. 55-56)
Deitos (2000) afirma que as propostas do PROEM, corrobora-
vam com as medidas da reforma do ensino fundamental no Estado
em 1992, que apontavam para a centralidade da educação de acordo
com os pressupostos dos Organismos Internacionais, e ainda dire-
cionavam a Educação Profissional no sentido de atender as deman-
das do mercado de acordo com a reestruturação do modelo produ-
tivo, atendendo assim as orientações do BIRD (Banco Internacional
para Reconstrução e Desenvolvimento), podendo dessa forma,
contar com financiamento do BID para sua implantação em 1998.
Cabe ressaltar que o investimento do BID para o financiamen-
to do PROEM foi também o resultado do estreitamento das rela-
ções do governo brasileiro com Organismos Internacionais como o

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
215
AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

BIRD e o FMI (Fundo Monetário Internacional), fortalecidas a par-


tir do conjunto de reformas liberais, realizadas na década de 1990
(VALGAS, 2003, p.70).
Na análise de Valgas (2003), a implantação do PROEM garantiu
a inserção do Paraná na conjuntura da reforma do Estado, pautada
no ideário do liberalismo de diminuição de investimento nas políti-
cas sociais particularmente nas educacionais.
O mesmo autor salienta que: “A reforma preconizada e im-
plantada mediante o PROEM mostrou-nos que o Estado do Pa-
raná constituiu-se em campo fértil para o desenvolvimento das
políticas neoliberais capitaneadas pelo BIRD/BID” (VALGAS,
2003, p.76).
A efetivação do PROEM no Paraná se deu por meio da insta-
lação de 11 complexos de Educação Técnica para setores primário,
secundário e terciário da economia e ainda 6 complexos técnicos
educacionais para a formação de professores. De acordo com o
BID, segundo Deitos (2000), a intenção era oferecer formação pro-
fissional que atendesse os requisitos de competências exigidas pelo
mercado de trabalho.
Aparece aí, mais uma vez, a vinculação entre o desenvol-
vimento de competências básicas e sociais já mencionadas,
e as competências exigidas pelo mercado de trabalho, nes-
se momento, delineadas como fundamentais para o que se
chama de redirecionamento do ensino médio e profissional
(DEITOS, 2000, p.58).
Referimo-nos ao termo “Competências” entendendo-o como
sendo as habilidades laborais e comportamentais necessárias à adap-
tação dos trabalhadores nas diferentes funções e situações ocorridas
no processo de produção. Essa necessidade passou a ser propagada
de maneira mais incisiva a partir do avanço da produção para um
modelo flexível. Assim, o currículo para a Educação Profissional foi
organizado para atender a essa lógica.
Como assinalam Ciavatta e Ramos (2011):

216 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

No caso da educação profissional, ao ser desvinculada do


ensino médio, por força do Decreto nº 2.208/97, as Dire-
trizes Curriculares Nacionais pregaram, como uma doutrina
reiterada, os currículos baseados em competências, descritas
como comportamentos esperados em situações de trabalho
(CIAVATTA e RAMOS, 2011, p. 30).
As autoras explicitam ainda que:
Em síntese, centrada na dualidade das classes sociais e do
sistema educacional, a propalada formação flexível ocorreria
por meio da fragmentação curricular e de um tipo de rotati-
vidade formativa. Em outras palavras, um currículo flexível
supostamente proporcionaria ao trabalhador oportunidades
de se atualizar ou se requalificar por diferentes itinerários
formativos, demandados por mudanças na produção e/ou
nas situações de emprego. O trabalhador assim formado se-
ria capaz de renovar permanentemente suas competências,
por diversas oportunidades, inclusive em cursos de currícu-
los flexíveis (CIAVATTA e RAMOS, 2011, p. 30).
Com a abertura econômica do Brasil no processo de globaliza-
ção, as relações de trabalho tornaram-se flexíveis coadunando com
a produção enxuta, aumentando assim o desemprego e a competiti-
vidade entre os trabalhadores. Desse modo, a Educação Profissional
deveria atender ao pressuposto de investir na empregabilidade dos
trabalhadores, ou seja, tornar os indivíduos empregáveis de acordo
com as necessidades do mercado.
A questão ideológica da empregabilidade está de acordo com a
prescrição de uma formação aligeirada e específica, para atender as no-
vas e flexíveis demandas produtivas. Cabe ao trabalhador nessa pers-
pectiva, buscar as qualificações necessárias e condizentes com as ofertas
do mercado de trabalho, tornando-se dessa forma “empregável”.
Ao fazer a crítica a respeito da empregabilidade, Alves (2008)
assevera que:
O conceito de empregabilidade opera com clareza ideológica
as contradições da mundialização do capital, um sistema mun-

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
217
AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

dial de produção de mercadorias centrado na lógica da finan-


ceirização e da “produção enxuta” (uma das características do
toyotismo), totalmente avesso às políticas de pleno emprego
e geradora de desemprego e exclusão social. (ALVES, 2008,
p. 9).
Nesse sentido, o discurso dos Organismos Internacionais, ga-
nha força quando aponta para a necessidade de reformas educa-
cionais articuladas ao processo de competitividade dos mercados
internacionais (DEITOS, 2000, p. 86).
Isso garante que o mercado disponha de profissionais prepa-
rados para suas demandas, mas não garante que esses profissionais
ainda que empregáveis, tenham acesso ao emprego.
Nessa direção, Bruel (2007) observa que:
[...] tendo em vista a totalidade da reforma, julga-se que, da
forma como tem sido utilizado, o conceito de empregabi-
lidade atende em menor grau as necessidades dos alunos e
em maior grau as expectativas das empresas, face às novas
exigências do mundo produtivo (p.7).
O processo de globalização culminou ainda no discurso de que
o desenvolvimento econômico do país se concretiza por meio da
educação que garanta mão de obra qualificada, portanto, a redefini-
ção do Ensino Médio no Paraná atendeu a esse pressuposto combi-
nando a educação geral e Técnica Profissional em níveis pós-médio
modular e paralelo ao Ensino Médio. (DEITOS, 2000, p. 90)
É no sentido de atender a esses pressupostos que são feitas as
reformas na educação geral e profissional, embora o acesso a essa
última modalidade de ensino seja restrita.

Considerações finais

A partir da década de 1990, ganham força no Brasil, os princí-


pios do liberalismo, que entre outras medidas, tinha em vista a não
intervenção estatal na economia. O papel do Estado no liberalismo

218 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

é o de garantir que o mercado tenha um bom funcionamento, agin-


do como um facilitador do desempenho do mercado.
Ainda nos anos de 1990, acentua-se no Brasil, a abertura eco-
nômica, assim como um processo de reestruturação produtiva que
flexibiliza as formas de produção e de contratação de mão de obra.
É a chamada produção enxuta, que se articula aos pressupostos li-
berais e a ideologia da pós-modernidade.
No campo educacional, é o conceito de competência que ga-
nha destaque no discurso que corrobora com o modelo produtivo
atual. Além de uma responsabilização do indivíduo em se qualificar,
e tornar-se empregável, estando apto para a disputa no mercado de
trabalho.
As determinações dos Organismos Internacionais para a edu-
cação no Brasil articulam-se à reforma do Estado em consonância
com os pressupostos do liberalismo, assim, as políticas educacionais
se caracterizam como compensatórias e o caráter dualista do ensino
é acentuado. Estas determinações também estão articuladas ao obje-
tivo de inserção do Brasil no processo econômico mundial.
No que tange às políticas públicas implementadas no Brasil e
em outros países periféricos, organismos internacionais como o
Banco Mundial e a CEPAL, indicam a educação básica voltada à
produtividade como proposta indispensável para o melhor desen-
volvimento da equidade, indicam também a necessidade de substi-
tuição de sistemas educacionais burocráticos e ineficientes fortale-
cendo a autonomia e a descentralização.
A indicação de o Estado priorizar a educação básica objetiva ga-
rantir a equidade, uma vez que esta atenderia a parcela mais carente
da população, sendo dessa forma uma política focalizadora.
Nos outros níveis de ensino, de acordo com os pressupostos
dos Organismos Internacionais, não são apenas os “pobres” que
são atendidos, portanto para esses níveis de ensino deve-se buscar
financiamento alternativo por meio da autonomia e descentraliza-
ção. Configura-se, desta forma, a racionalização dos gastos públi-
cos.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
219
AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

Priorizar educação básica, no discurso dos Organismos Inter-


nacionais, garante o investimento em capital humano e a diminuição
da desigualdade social contribuindo ainda para o aumento da pro-
dutividade e possibilidade de mobilidade social da classe trabalhado-
ra por meio da escolarização.
Afirmar que a desigualdade social será reduzida por meio da
universalização da educação básica, está de acordo com os princí-
pios liberais. Para os teóricos dessa tese, a igualdade de condições
iniciais já é suficiente para garantir elevação da condição social dos
que se apropriam da escolarização, pelo menos aos que demonstra-
rem esforço, e possuírem aptidões e habilidades para a competição.
Compreende-se que estas medidas, longe de significar igualdade
social, apenas servem para a perpetuação da hegemonia capitalista,
que oferece educação elementar à classe trabalhadora privando-a de
níveis mais elevados de ensino, reforçando assim o individualismo e
a competição desigual.
No que tange à profissionalização, no Brasil, a partir de 1990,
esta está diretamente ligada às demandas do mercado que tomaram
novas formas com o processo de globalização e reestruturação pro-
dutiva.
A reforma da Educação Profissional consubstanciada com o
Decreto nº 2.208, em 1997, garantiu a separação dessa modalidade
do Ensino Médio (fortalecendo as instituições privadas de ensino) e
atendeu à lógica de educação específica para o trabalho desvinculada
de conhecimentos científicos.
No que se refere aos critérios exigidos dos profissionais diante
desse contexto, acentuam-se as habilidades particulares para o tra-
balho, flexibilidade, e competência, fatores essenciais para o ingres-
so no mercado de trabalho e que acirram a competição.
Observamos, a partir dos autores estudados que, na verdade
a exigência de qualificação e habilidades especiais para atuação no
processo produtivo se configura como critério de seleção de traba-
lhadores justificando assim o desemprego.

220 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AS ORIENTAÇÃOS DO LIBERALISMO E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
10
O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DE CLASSE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DE
CLASSE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES
PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL1

Marise Ramos2

Introdução

Este texto procura estabelecer um diálogo com educadores


da educação básica sobre o que entendemos como currículo. Re-
conhecendo que nossa mobilização sobre o tema tende a se vol-
tar para aspectos operacionais da prática escolar, situa o currículo
como campo de conhecimento e de disputas, resgatando o que a
literatura designa como teorias não críticas, críticas e pós-críticas
do currículo.
Assumindo a posição crítica, discute possibilidades de se ir além
de teorias sobre a escola ou sobre o currículo ao defender a existên-
cia de uma proposta pedagógica concreta centrada nos interesses da
classe trabalhadora. Nesses termos, recorre a princípios filosóficos
e ético-políticos do materialismo histórico-dialético da formação

1 Parte deste texto foi base da exposição realizada na Conferência Estadual de Educação, realizada
no período de 24 a 25 de agosto de 2013, por organização da APP-Sindical e da UNIOESTE.
2 Doutora em Ciências Humanas – Educação (UFF, 2001). Pós-Doutorado em Etnossociologia do
conhecimento profissional (UTAD/Portugal, 2012). Especialista em Ciência, Tecnologia e Ino-
vação em Saúde Pública da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo
Cruz (EPSJV/Fiocruz). Professora dos Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional
em Saúde (EPSJV/Fiocruz) e de Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
223
O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DE CLASSE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

humana e defende a Pedagogia Histórico-Crítica como uma teoria


curricular na perspectiva da classe trabalhadora.
Apresenta uma reflexão sobre a organização de tempos curri-
culares que podem corresponder ao processo didático defendido
por esta pedagogia. Finalmente, reflete sobre perspectivas de esta
concepção se tornar hegemônica no Brasil, identificando no mo-
vimento nacional de elaboração de novas Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio e a Educação Profissional uma pos-
sibilidade. Identifica, porém, na conjuntura atual brasileira e inter-
nacional, frente à hegemonia do capital, muito mais dificuldades do
que possibilidades para tal. Sendo assim, alerta para o desafio da luta
organizada dos educadores e para o princípio de que a disputa do
currículo não é uma questão exclusivamente escolar; antes, trata-se
de uma disputa pelo projeto de sociedade travado mais amplamente
na luta de classes.

Teorias do currículo: um campo tensionado por


diversas perspectivas

Quando falamos em currículo pode-se considerá-lo sob dife-


rentes perspectivas. A mais comum entre nós professores é asso-
ciá-lo à grade curricular que organiza disciplinas, tempos e espaços
de ensino. Falamos, então, do currículo como um artefato (Silva,
1999) o qual, no processo pedagógico, equivale a uma relativa dose
de prescrição.
Do ponto de vista teórico, vamos encontrar em Bobbitt
(1918)3 e em Tyler (1950, apud Kliebard, 2011)4, a própria origem
desse termo quando referido à escola: do latim, currere, que sig-
3 O currículo, na visão de Bobbit, tem a finalidade de corrigir deficiências dos indivíduos, quer
sejam culturais, pessoais ou sociais, que poderiam comprometer o desenvolvimento racional e
eficiente do trabalho; eficiência esta cujo padrão foi deduzido a partir da observação dos próprios
processos de trabalho.
4 Os princípios lógicos de planejamento curricular de Tyler implicam a determinação dos fins
educacionais, a aprendizagem por objetivos de ensino, dirigido e controlado mediante a seleção
de conteúdos e metodologias de ensino baseados em funções sociais e profissionais, seguida de
avaliação.

224 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DE CLASSE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

nifica corrida, percurso. Assim, o currículo seria o percurso a ser


percorrido pelo estudante segundo um plano e uma prescrição a
serem cumpridos, controlado e avaliado pelo professor. Ao final
deste percurso, o produto deve corresponder aos objetivos previa-
mente estabelecidos. Tyler aprimora essa perspectiva ao elaborar
princípios lógicos de eficiência e eficácia do currículo. Essas teo-
rias foram chamadas de teorias não críticas e surgiram no contexto
do industrialismo e do tecnicismo, por uma forte homologia com
o taylorismo-fordismo. Não por acaso, é fácil associar os princí-
pios da Administração Científica de Henry Taylor (1914) com os
princípios lógicos de Tyler.
Com o surgimento da Nova Sociologia do Currículo na Ingla-
terra – NSE – o currículo se consolida como um campo de conhe-
cimento. A NSE é reconhecida como um movimento que se voltou
para o exame das relações entre currículo e estrutura social, currí-
culo e cultura, currículo e poder, currículo e ideologia, currículo e
controle social. (Moreira e Silva, 2001)
Influências teóricas e políticas do campo foram o estruturalis-
mo althuseriano, o reprodutivismo de Bourdieu e Passeron e a teo-
ria da escola dualista de Baudelot e Establet, que identificavam a es-
cola como um aparelho ideológico do Estado burguês, cuja função
essencial seria reproduzir as relações econômicas, sociais e culturais
de classe, distinguindo-se as escolas destinadas à classe dominante
e à classe trabalhadora. Nesses termos, o campo do currículo se
reconfigurou a partir de teorias críticas, de modo que, tanto o cur-
rículo proposto e desenvolvido na escola quanto o próprio campo
científico foram reconhecidos como esferas de disputa. Isto porque
o currículo foi reconhecido como um processo de seleção cultural,
pois o que se inclui ou o que se exclui do currículo (objetivos, con-
teúdos, metodologias etc.) seria produto da hegemonia de um grupo
social. Aplica-se, aqui, o enunciado de Marx de que as ideias domi-
nantes são as ideias da classe dominante. No nosso entendimento,
este é um ponto de partida fecundo para discutirmos o currículo na
perspectiva de classe.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
225
O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DE CLASSE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Ao final dos anos de 1980 e a partir dos anos de 1990, o pen-


samento pós-moderno5 influenciou toda a educação e, como não
poderia deixar de ser, o campo do currículo. Este pensamento se fez
a partir da crítica aos princípios que caracterizaram a chamada mo-
dernidade, como, por exemplo, a construção de macroteorias sobre
a sociedade e o ser humano – por vezes chamadas de metanarrativas
– a exemplo do Materialismo histórico-dialético em Marx, da Psica-
nálise em Freud, entre outras.
Um dos argumentos da crítica pós-moderna é que tais teorias,
por apresentarem princípios e fundamentos explicativos das rela-
ções sociais e dos sujeitos, além de verem a história como uma cons-
trução de curto, médio e longo tempos, levavam a se acreditar na
existência de projetos sociais e na possibilidade de transformações
desses projetos. Por isto, tornar-se-iam autoritárias por subsumirem
o indivíduo ao social. Assim, no lugar de sujeitos produzidos pelas
relações sociais, entram os indivíduos, a singularidade e a alteridade.
O avanço da ciência, a crença no progresso tecnológico e no
desenvolvimento econômico e social – princípios herdados do ilu-
minismo e fundantes da modernidade – teriam justificado guerras e
barbáries, assim como oprimido diferenças e diversidades culturais,
étnicas, sexuais, dentre outras, em nome de padrões dominantes,
identificados com a cultura urbano-industrial, eurocêntrica e ma-
chista. Nesses termos, o conceito de classe social torna-se ultrapas-
sado, pois esta seria mais uma categoria opressora.
No lugar das classes, então, entram os grupos sociais e, no inte-
rior desses, as singularidades. No lugar do conhecimento científico
– possibilitado pelo princípio de que se pode conhecer a realidade
física e social – entram as narrativas e o relativismo. Em oposição
à perspectiva histórica do processo social ou, mais criticamente, à
crença no progresso, valoriza-se o presentismo e o imediatismo. Ao
invés de se lutar por projetos coletivos de identidade social, o que
importa são os projetos individuais ou somente as experiências sin-

5 Sobre este pensamento, sugerimos a leitura de Jameson (1994; 1996).

226 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DE CLASSE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

gulares, já que o tempo não comportaria mais projetar o futuro. Por


isso, as teorias da história, da sociedade e dos sujeitos, a ciência em
geral e as instituições a ela relacionadas, como é o caso da escola,
entram em crise.
Influenciadas por este pensamento, surgem as teorias não
críticas do currículo, segundo as quais este se identifica com prá-
ticas culturais vividas na escola. Estariam superadas, assim, tanto
a compreensão do currículo como um artefato escolar e um per-
curso programado e linear das teorias não críticas, quanto aquela
que o consideram instrumento da reprodução social. A existência
de prescrições curriculares – a exemplo de regulamentações da po-
lítica educacional, diretrizes, parâmetros etc. – não seriam mais per-
tinentes, sejam essas conservadoras ou progressistas; reprodutoras
ou transformadoras. Afinal, as ciências não seriam mais os campos
de referência para a seleção de conteúdos, mas sim o cotidiano; tal-
vez nem mesmo caberia selecioná-los, pois o que importa é viver as
experiências culturais proporcionadas pelo encontro entre pessoas
e essas é que passam a se constituir propriamente como o currículo.
Não haveria, então, mais disputas, e sim, acordos.
Se, por um lado, as teorias não críticas expressam o pensamento
conservador sobre o currículo, enquanto as críticas foram marca-
das principalmente pela perspectiva reprodutivista, por outro lado,
o pensamento dialético talvez tenha sido pouco teorizado ou incor-
porado nos estudos e nas disputas sobre o currículo escolar. Mas
isso não significa a ausência de produção científica nesse sentido,
nem mesmo de proposição política e pedagógica.

A discussão do currículo na relação Trabalho e


Educação e a perspectiva histórico-crítica

Em outras áreas das ciências da educação, a exemplo de Tra-


balho e Educação, História da Educação e Filosofia da Educação,
encontramos, especialmente a partir do final dos anos de 1970, uma
fecunda contraposição tanto às teorias não críticas da educação e do

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
227
O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DE CLASSE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

currículo, quanto às crítico-reprodutivistas. Trata-se da compreen-


são que entende a escola como instância de organização da cultura
e, assim, como aparelho privado de hegemonia (GRAMSCI, 1991),
o que colocou novas questões para a área. O programa marxiano
de educação e os estudos de Antonio Gramsci, a partir de seus lei-
tores, contribuíram para a difusão da concepção de educação tec-
nológica e politécnica e da formação omnilateral como uma utopia
educacional revolucionária da classe trabalhadora, tendo o trabalho
como princípio educativo. Esta expressão, a propósito, sintetizou a
questão científica e ético-política central da área, motivando estudos
sobre o seu significado e a sua possibilidade teórico e prática na so-
ciedade capitalista. (CIAVATTA e RAMOS, 2012)
Assim, a proposição histórico-dialética da educação não surgiu
no Brasil como uma teoria do currículo, mas sim como uma peda-
gogia: a Pedagogia Histórico-Crítica. Entretanto, entendo a Pedago-
gia Histórico-Crítica como uma teoria da educação e sobre a educa-
ção; como uma teoria pedagógica; e como uma teoria do currículo6
na perspectiva da classe trabalhadora. Trata-se, como explica o seu
autor, de uma pedagogia que tem como categoria o “modo de pro-
dução da existência”. Em suas próprias palavras,
(...) trata-se de explicar como as mudanças das formas de
produção da existência humana foram gerando historica-
mente novas formas de educação, as quais, por sua vez, exer-
cem influxo sobre o processo de transformação do modo de
produção correspondente. (SAVIANI, 2005, p. 2)
Reconhecemos nesta teoria os princípios filosóficos que discu-
timos em Ramos (2005). Um deles é a concepção de homem como
ser histórico-social que age sobre a natureza para satisfazer suas ne-

6 Acompanho aqui a posição de Kramer (1997, p. 19) que afirma não estabelecer diferença con-
ceitual entre proposta pedagógica e currículo. A autora compreende o currículo ou alternativa
curricular como a maneira com que se tem concebido uma proposta pedagógica. Identifica, então,
ambos os termos, relacionando-os à vida na escola, na creche e na pré-escola. “Um currículo ou
uma proposta pedagógica, assim definidos, reúnem tanto bases teóricas quanto diretrizes práticas
neles fundamentadas, bem como aspectos de natureza técnica que viabilizam sua concretização”.

228 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DE CLASSE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

cessidades e, nessa ação, produz conhecimentos como síntese da


transformação da natureza e de si próprio. Assim, a história da hu-
manidade é a história da produção da existência humana, e a história
do conhecimento é a história do processo de apropriação social dos
potenciais da natureza para o próprio homem, mediada pelo traba-
lho. Por isso, o trabalho é mediação ontológica e histórica na produ-
ção de conhecimento. O outro princípio é que a realidade concreta
é uma totalidade, síntese de múltiplas relações. (Kosik, 1989)
Por esta razão, a escola é uma instituição cujo papel consiste
na socialização do saber sistematizado. Mas não de qualquer tipo
de saber, e sim aquele que foi produzido historicamente pela so-
ciedade a fim de resolver os problemas que a realidade nos impõe,
acompanhado da explicitação das motivações e disputas históricas e
de classe que levaram à sua produção. Portanto, tornam-se também
conteúdos de ensino a explicitação e a discussão de problemas que
permanecem historicamente e que não foram enfrentados devido a
relações de dominação de uma classe sobre a outra. O que define
a seleção de conteúdos e métodos no currículo na perspectiva da
classe trabalhadora são os interesses dos dominados, posto que a es-
cola visaria a garantir à classe o acesso ao conhecimento, bem como
sua assimilação efetiva para que, ao compreender a realidade, possa
produzir formas de transformá-la.
Por esta concepção, se as ciências se mantêm como campo de
referência da seleção de conteúdos curriculares, em contraposição,
não se a toma como neutra. Ao contrário, o currículo, na perspec-
tiva da classe trabalhadora, busca evidenciar que os conhecimentos
produzidos e legitimados socialmente tendem a ser aqueles que in-
teressam à classe dominante. É sob a hegemonia de suas ideias que
se privilegiam os problemas a serem estudados e, assim, os conhe-
cimentos produzidos.
Por isto, o outro princípio desta teoria é a historicidade. Ou
seja, é a partir do conhecimento na sua forma mais contemporânea
que se pode compreender o processo histórico da luta social pela
produção da existência e, assim, a historicidade e as contradições

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
229
O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DE CLASSE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

das relações de trabalho, culturais, científicas e pedagógicas. Por esta


concepção, entendo que os componentes curriculares são formas
de organizar conteúdos de ensino à luz dos seus respectivos campos
de referência e das finalidades da formação. A interdisciplinaridade
seria a reconstituição da totalidade pela relação entre os conceitos
originados a partir de distintos recortes da realidade. Este movimen-
to é também dialético, pois a razão de se estudar qualquer conteúdo
não está na sua formalidade, mas na tentativa de captar os conceitos
que fundamentam a realidade nas relações que a constituem.
O autor da Pedagogia Histórico-Crítica propõe o método de
educação, baseado na contínua vinculação entre educação e so-
ciedade. Suas etapas são as seguintes: a) prática social (comum a
professores e alunos). Professores e alunos podem-se posicionar
como agentes sociais diferenciados. Eles também se encontram
em níveis diferentes de compreensão (conhecimento e experi-
ência) da prática social; b) Problematização (identificação dos
principais problemas da prática social). Trata-se de detectar que
questões precisam ser resolvidas no âmbito da prática social e,
em consequência, que conhecimentos são necessários dominar; c)
Instrumentalização (apropriação dos instrumentos teóricos e prá-
ticos indispensáveis ao equacionamento dos problemas detectados
na prática social). Tais instrumentos são produzidos socialmente
e preservados historicamente. A sua apropriação pelos alunos está
na dependência da transmissão direta ou indireta por parte do pro-
fessor; d) Catarse (efetiva incorporação dos instrumentos cultu-
rais, modificados para elementos ativos de transformação social);
e e) Prática social.
O movimento que vai da síncrese (a visão caótica do todo) à
síntese (a totalidade de determinações e de relações) pela media-
ção da análise (abstrações e determinações mais simples) constitui
uma orientação segura tanto para o processo de descoberta de no-
vos conhecimentos (o método científico) como para o processo de
transmissão-assimilação de conhecimentos (o método de ensino).
(SAVIANI, 2005).

230 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DE CLASSE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Tendo compreendido o currículo como campo de conheci-


mento e como prática social orientada por concepções filosófica,
epistemológica, pedagógica e ético-política e tendo, ainda, refletido
sobre sua organização como seleção de conteúdos e métodos, su-
peramos o senso comum que identifica o currículo como artefato.
Mas a questão sobre como propor e desenvolver um currículo na
perspectiva que aqui defendemos é frequente e legítima.
Em outros textos (RAMOS, 2005; 2014), discutimos um pouco
mais esta dimensão operacional, na tentativa de seguir o princípio da
Pedagogia Histórico-Crítica de ter a categoria “modo de produção
da existência” como fundamento. Muito sinteticamente, sugerimos
considerar os processos de produção – materiais, culturais, sociais
etc. – como ponto de partida para a construção curricular, buscan-
do-se analisá-los em múltiplas dimensões, de modo que o conhe-
cimento sistematizado surja como necessidade. Ao mesmo tempo,
discutimos a pertinência de situar tais conhecimentos nos campos
epistemológicos e históricos de seu desenvolvimento e também
de se buscar relacioná-los com conhecimentos de outros campos,
considerando que esses são mediações da realidade concreta apre-
endidas no plano do pensamento, e que as disciplinas científicas e
escolares podem ser compreendidas como recortes dessa realidade
e, assim, como particularidades por meio das quais se pode apreen-
dê-la. Nesse sentido, a interdisciplinaridade, muito mais do que ser
uma metodologia ou uma estratégia didática, torna-se um problema
e uma necessidade da produção do conhecimento e, também da
pedagogia (FRIGOTTO, 1993).
A partir de uma reflexão nesses termos, discutimos possibili-
dades de organização de tempos curriculares (RAMOS, 2014), que
aqui reproduzimos. Trata-se de se distribuírem os tempos curricula-
res não tanto pelas disciplinas, mas de se pensar que essas ou outros
tipos de componentes curriculares devem contemplar tempos de
problematização, quando a síncrese é ponto de partida, e os edu-
candos enfrentam os problemas a partir de seus próprios conheci-
mentos.

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
231
O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DE CLASSE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

O ensino do conhecimento sistematizado, o qual tende a assu-


mir a forma de conteúdos disciplinares, torna-se necessário à me-
dida que os estudantes identifiquem que seus conhecimentos são
insuficientes para a compreensão e o enfrentamento do problema.
Esse processo ocuparia os tempos de instrumentalização.
Momentos disciplinares e/ou interdisciplinares de contato di-
reto e, o quanto possível, prático, com o processo, fenômeno, pro-
blema ou fato, ajuda a perceber a insuficiência de conhecimentos
que os estudantes possuem até então e esses seriam os tempos de
experimentação. Mas a aprendizagem fecunda e a autonomia inte-
lectual se desenvolvem à medida que os estudantes conseguem for-
mular questões e dialogar sobre elas com interlocutores. No caso da
escola, o professor é este interlocutor privilegiado e pode realizar a
interlocução de forma sistemática e organizada em tempos que se
tornam de orientação.
Problematização, instrumentalização e questionamentos são
momentos que precisam levar a uma síntese sistematicamente ela-
borada. Neste caso, estudantes e professores estão juntos numa re-
lação dialógica, mas o professor especialista assume o protagonis-
mo, inclusive valendo-se da exposição didática. São os tempos de
sistematização. Finalmente, têm-se os tempos de consolidação, em
que o estudante é desafiado e pode perceber singularmente limites e
perspectivas de sua nova aprendizagem. Os momentos de avaliações
adquirem um novo sentido se regidos por esta finalidade, e não pela
classificação e hierarquização de méritos, típica da escola burguesa.
Como afirmamos anteriormente (RAMOS, 2014), a sequência
desses tempos não é linear, ainda que este possa ser cuidadosamen-
te planejado. Mas as atividades curriculares e os tempos e espaços
em que elas ocorrem se desenvolvem sincrônica e diacronicamen-
te, em face da relação dinâmica entre planejamento, necessidades
e oportunidades. Prioridades podem ser conferidas aos respectivos
tempos e atividades, sem que, entretanto, isso signifique hierarquizar
disciplinas e conteúdos sob o julgamento de seu valor para a forma-
ção. Numa proposta que visa à formação integrada dos sujeitos, a

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DE CLASSE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

relevância de conteúdos, a distinção entre essencial e acessório, se


baseiam nos princípios filosóficos, epistemológicos e pedagógicos
que orientaram a reflexão apresentada neste texto.

As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação


Profissional hoje: debates e possibilidades

A elaboração de novas Diretrizes Curriculares Nacionais para


o Ensino Médio e para a Educação Profissional Técnica de Nível
Médio (DCNEM e DCNEPT, respectivamente) ocorreu no perío-
do de 2010 a 2012, no interior do Conselho Nacional de Educação
(CNE), envolvendo diretamente o Ministério da Educação e, mais
amplamente, intelectuais, instituições e organizações envolvidas com
a política educacional. Nos meses de maio a junho de 2010, esses
sujeitos individuais e coletivos configuraram um Grupo de Traba-
lho, com apoio logístico do MEC (exclusivamente local, passagens e
diárias) que elaborou um documento crítico aos apresentados pelo
CNE e, ao mesmo tempo, propositivo de uma concepção de Dire-
trizes, centrada nos princípios da formação integrada e educativo do
trabalho, do currículo na perspectiva da totalidade, e da relação en-
tre trabalho, ciência e cultura7. Princípios esses também oriundos do
pensamento materialista histórico-dialético em convergência com a
Pedagogia Histórico-Crítica.
Destaque-se a compreensão deste grupo sobre a pertinência de
se ter um mesmo Parecer para o EM e a EPTNM, posto que seriam
guiados pelos mesmos princípios ético-políticos e pedagógicos e pe-
las mesmas diretrizes curriculares. Esta proposta não foi incorpora-
da pelo Conselho, mas o conteúdo do documento serviu imediata e

7 Os nomes dos autores do documento constam do anexo do artigo de Ciavatta e Ramos (2012)
e, também, de Pacheco (2012). O então Secretário de Educação Média e Tecnológica à época,
Elieser Pacheco, publicou esse documento pela Editora Moderna na condição de organizador da
obra. Ainda que os autores tenham autorizado sua publicação, a colaboração do Sr. Secretário,
neste caso, se restringiu às relações que a viabilizaram e à apresentação do publicação, a qual
pode ser encontrada http://www.moderna.com.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileI-
d=8A8A8A8337ECDC2B0137ED025BFE393C. Consulta realizada em 26/01/2016.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DE CLASSE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

fortemente de base para as DCNEM, de modo que se pode encon-


trar no texto dessas, longos excertos do mesmo documento.
No caso da Educação Profissional Técnica de Nível Médio –
EPTNM –, observou-se um fenômeno interessante ao longo dessa
elaboração. Artigo de Ciavatta e Ramos (2012) demonstra como a
proposta de parecer elaborada pelo Conselheiro Francisco Cordão
(o mesmo autor das DCN anteriores) e apresentada ao debate em
2010 baseia-se na Pedagogia das Competência, reforçando-a, assim,
como a diretriz curricular a ser seguida pela EPT.
A CHAVE, sigla que reúne os componentes da competência
(conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e emoções) é o eixo
de todo o argumento do parecer. Como demonstramos naquele arti-
go, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), no âmbito do PISA, desenvolveu o Projeto “Definindo e
Selecionando Competências-chave” (DeSeCo), concluindo por três
grupos de competências-chave, a saber: “interagir no seio de grupos
socialmente heterogêneos; agir de modo autônomo; utilizar recur-
sos ou instrumentos de modo interativo8”. (SACRISTÁN, 2011,
p. 42) Permeado de sentido metafórico na educação – a “chave do
sucesso”, a “chave do futuro”, dentre vários slogans propagados pelo
mercado – mas tendo um uso supostamente científico na teoria das
competências, o termo-chave se transformou em CHAVE (uma si-
gla que transmite uma mensagem reificadora do poder econômico e
social da educação) naquela proposta de DCNEP de 2010.
Esta proposta, porém, não logrou ser a definitiva. Em 04 de
setembro de 2012, o parecer homologado pelo Ministro da Educa-
ção, aprovado pelo CNE em 09 de maio de 2014 com o de nº 12,
tinha conteúdo distinto da primeira proposta (a qual, por sua vez,
passou por diversas versões pelo mesmo relator) e mais inspirado
no referido documento de 2010 elaborado pelo Grupo de Trabalho.
O relatório apresentado no primeiro item do parecer esclarece:

8 O sumário executivo desse projeto pode ser consultado em http://www.oecd.org/dataoe-


cd/47/61/35070367.pdf.

234 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DE CLASSE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Na reunião da Câmara de Educação Básica, do dia 1º de ju-


nho de 2011, entretanto, o Secretário da SETEC/MEC en-
tregou um documento resultante dos debates promovidos
por aquela Secretaria, a partir do dia 23 de maio de 2010, [...]
manifestando discordância em relação ao texto da Comissão
Especial, reiterando, a título de “substitutivo”, o “Documen-
to elaborado no âmbito do GT constituído pela SETEC, em
2010, intitulado “Educação Profissional Técnica de Nível
Médio em debate”, por entender que o mesmo “expressa
os conceitos e concepções que vêm sendo assumidos pelo
MEC, desde 2003, em relação à Educação Profissional”.
Com essa nova comunicação do Secretário da SETEC/
MEC, a Câmara de Educação Básica decidiu interromper
momentaneamente o debate em curso na Câmara e reorien-
tá-lo para a identificação dos reais pontos de discordância
entre as duas posições. Em 19 de julho de 2011, a Portaria
CNE/CEB n° 2/2011 constituiu Comissão Especial inte-
grada pelos seguintes Conselheiros: Adeum Hilário Sauer,
Francisco Aparecido Cordão, José Fernandes de Lima e Mo-
zart Neves Ramos, os quais decidiram assumir em conjunto
a relatoria do Parecer. Buscou-se, então, identificar pontos
de consenso a partir dos quais seria possível encontrar uma
solução satisfatória para todos os envolvidos e que garantis-
se, não apenas a manutenção, mas principalmente o aprimo-
ramento da necessária qualidade da Educação Profissional e
Tecnológica. (BRASIL. CNE, 2012a, p. 4)
Além de outros pontos, o artigo 6º da Resolução n. 6, de 20 de
setembro de 2012, – dispositivo disciplinador decorrente da doutri-
na expressa no parecer – é exemplar da mudança de perspectiva das
DCNEPTNM tomada a partir da crítica propositiva consistente-
mente feita ao trabalho anterior do Conselho.
Neste se explicita que a Educação Profissional Técnica de Nível
Médio tem como princípios:
I - relação e articulação entre a formação desenvolvida no
Ensino Médio e a preparação para o exercício das profissões

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
235
O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DE CLASSE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

técnicas, visando à formação integral do estudante; II -


respeito aos valores estéticos, políticos e éticos da educação
nacional, na perspectiva do desenvolvimento para a vida so-
cial e profissional; III - trabalho assumido como princípio
educativo, tendo sua integração com a ciência, a tecno-
logia e a cultura como base da proposta político-pedagó-
gica e do desenvolvimento curricular; IV - articulação da
Educação Básica com a Educação Profissional e Tecnológi-
ca, na perspectiva da integração entre saberes específicos
para a produção do conhecimento e a intervenção so-
cial, assumindo a pesquisa como princípio pedagógico;
V - indissociabilidade entre educação e prática social, con-
siderando-se a historicidade dos conhecimentos e dos
sujeitos da aprendizagem; VI - indissociabilidade entre
teoria e prática no processo de ensino-aprendizagem; VII
- interdisciplinaridade assegurada no currículo e na prática
pedagógica, visando à superação da fragmentação de conhe-
cimentos e de segmentação da organização curricular; VIII
- contextualização, flexibilidade e interdisciplinaridade na
utilização de estratégias educacionais favoráveis à compreen-
são de significados e à integração entre a teoria e a vivência
da prática profissional, envolvendo as múltiplas dimensões
do eixo tecnológico do curso e das ciências e tecnologias
a ele vinculadas; IX - articulação com o desenvolvimento
socioeconômico-ambiental dos territórios onde os cursos
ocorrem, devendo observar os arranjos socioprodutivos e
suas demandas locais, tanto no meio urbano quanto no cam-
po; X - reconhecimento dos sujeitos e suas diversida-
des, considerando, entre outras, as pessoas com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades,
as pessoas em regime de acolhimento ou internação e em
regime de privação de liberdade, XI - reconhecimento das
identidades de gênero e étnico-raciais, assim como dos
povos indígenas, quilombolas e populações do cam-
po; XII - reconhecimento das diversidades das formas de
produção, dos processos de trabalho e das culturas a eles
subjacentes, as quais estabelecem novos paradigmas; XIII

236 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DE CLASSE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

- autonomia da instituição educacional na concepção,


elaboração, execução, avaliação e revisão do seu pro-
jeto político-pedagógico, construído como instrumento
de trabalho da comunidade escolar, respeitadas a legislação
e normas educacionais, estas Diretrizes Curriculares Nacio-
nais e outras complementares de cada sistema de ensino;
XIV - flexibilidade na construção de itinerários formativos
diversificados e atualizados, segundo interesses dos sujeitos e
possibilidades das instituições educacionais, nos termos dos
respectivos projetos político-pedagógicos; XV - identidade
dos perfis profissionais de conclusão de curso, que contem-
plem conhecimentos, competências e saberes profissionais
requeridos pela natureza do trabalho, pelo desenvolvimento
tecnológico e pelas demandas sociais, econômicas e ambien-
tais; XVI - fortalecimento do regime de colaboração entre
os entes federados, incluindo, por exemplo, os arranjos de
desenvolvimento da educação, visando à melhoria dos in-
dicadores educacionais dos territórios em que os cursos e
programas de Educação Profissional Técnica de Nível Mé-
dio forem realizados; XVII - respeito ao princípio consti-
tucional e legal do pluralismo de ideias e de concepções
pedagógicas. (BRASIL. CNE. 2012b, grifos nossos)
Seria excessivo analisar o significado e a relevância desses prin-
cípios, considerando as afinidades com a concepção pedagógica de-
fendida na perspectiva da classe trabalhadora. Portanto, podemos
considerar o movimento aqui descrito como uma conquista. Afinal,
houve um processo pelo qual a sociedade educou o Estado e a exis-
tência de um dispositivo legal dessa natureza deve ser, por sua vez,
educativo da sociedade.
A ideia de competências não desaparece do texto oficial, vindo
associadas palavras conhecimentos e saberes. A propósito, o pare-
cer dedica um item ao tema “saberes profissionais”. Estudos que
temos desenvolvido a partir de 2012, de naturezas teórica (RAMOS,
2014; CARIA e RAMOS, 2015) e empírica (RAMOS et al., 2014),
têm demonstrado que se tratam de conceitos distintos nos seus sig-

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DE CLASSE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

nificados e na forma como se relacionam, os quais dependem, por


sua vez, do seu uso, se na educação e/ou no trabalho. Além disto, a
polissemia da noção de competências, tão discutida desde os anos
de 1990, permanece.
Deste modo, não fosse por seu caráter ideológico, que se con-
fronta com a concepção pedagógica histórico-crítica, por sua polis-
semia, a manutenção da noção de competências nas DCNEPNM
pouco tem a contribuir para o currículo e, possivelmente sua manu-
tenção no documento é fruto das disputas que se travaram e se tra-
vam no contexto de sua elaboração e implementação. Já a expressão
“saberes profissionais”, especialmente quando tratados do ponto de
vista do reconhecimento e da certificação, podem estar trazendo
uma nova perspectiva conceitual ainda insipiente, mas, talvez, vigo-
rosa9 a ser ainda debatida.

Considerações finais

Se recuperássemos as lutas dos educadores pela construção


da escola da classe trabalhadora no Brasil, veríamos que as ideias
aqui expostas nunca se tornaram hegemônicas, ainda que man-
tenham o seu vigor no âmbito acadêmico, sendo debatidas tam-
bém em movimentos sociais e instituições de ensino. A política
pública, entretanto, tem-se mostrado historicamente impermeá-
vel a elas, mesmo num contexto que nos parecia mais favorável
como nos governos dos presidentes Lula e Dilma. O fato é que
a política curricular é expressão das ideias hegemônicas e, numa
exacerbação do que caracteriza a história da educação brasileira,
esta se faz pelo pensamento privatista. Objetivamente, o empre-
sariado organizado no “Todos pela Educação” e os representan-
tes internacionais do capital, como o Banco Mundial, a OCDE
e a Unesco, ocupam espaço no governo e conseguem obter con-
senso na sociedade civil.

9 Os trabalhos a que nos referimos imediatamente acima podem vir a contribuir para este debate.

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O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DE CLASSE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Após o período dominado pelo tecnicismo na educação, cuja maior


expressão foi a Lei n. 5.692/71 e os pareceres do antigo Conselho Fe-
deral de Educação, o Brasil viveu o debate sobre a nova LDB e a crença
de que se poderia disputá-la favoravelmente à classe trabalhadora. Ao
invés disto, porém, segmentos conservadores foram vitoriosos, o que
se revelou mais explicitamente com as reformas educacionais realizadas
logo após a aprovação da Lei n. 9.394/96. A política curricular neste
contexto impunha o modelo baseado em competências o qual, como
foi demonstrado em outros estudos (RAMOS, 2001; 2010), buscou re-
ordenar a relação entre trabalho, educação e sociedade na perspectiva
pós-moderna. No entanto, vimos que seus fundamentos não ultrapas-
sam o pragmatismo e se materializam em concepções e práticas neotec-
nicistas. (SAVIANI, 2007; RAMOS, 2001)
As atuais Diretrizes, por sua vez, mesmo de forma híbrida, re-
correm, a alguns princípios da concepção histórico-crítica. Porém,
a pedagogia das competências ainda tem orientado a política curri-
cular de sistemas de ensino no Brasil, e está na base de programas
internacionais de avaliação educacional, a exemplo do Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes – PISA. (SACRISTÁN,
2011) Os resultados deste Programa, por sua vez, têm motivado
reformas educacionais em diversos países, sendo alguns organismos
internacionais ativos intelectuais orgânicos desse processo10.
Apesar de parecer que a influência da Pedagogia das Competên-
cias foi minimizada, provavelmente devido à resistência e luta dos
educadores que conseguiram, inclusive, evitar que toda a reforma
empreendida no governo de Fernando Henrique Cardoso se com-
pletasse, a conjuntura tem-se mostrado cada vez mais desfavorável
à perspectiva da classe trabalhadora. Por isto, não será somente a
partir do Estado – âmbito das políticas oficiais – que a concepção
histórico-dialética poderá disputar a hegemonia. Mas é especialmen-
te por meio da luta social e popular pela educação da classe traba-
lhadora, a ser fortemente travada na esfera da sociedade civil e em
10 Estudos exemplares sobre o que afirmamos são os de Sampaio (2013) e os realizados por Laren-
tes em estágio de pós-doutorado no México (2014-2015).

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


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O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DE CLASSE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

tensão com a sociedade política, que as ideias defendidas aqui neste


texto podem ser mais do que formulações utópicas.

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
241
O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DE CLASSE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

242 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
11
OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

OS INSTITUTOS FEDERAIS DE
EDUAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA:
DOS MOTIVOS PARA A SUA
CONSTITUIÇÃO À PRODUÇÃO DA
CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA

Marcos Aurelio Schwede1


Domingos Leite Lima Filho2

Introdução

Ao partir do referencial conferido por Gramsci (1982), parte-se


da compreensão de que, para a sociedade se manter estruturada a
partir de parâmetros que atendam aos grupos hegemônicos, é neces-
sária a formação de “superestruturas”, ou seja, é necessário serem
construídos consensos sociais e a obtenção do aceite da popula-
ção sobre os projetos de sociedade em curso. Além da formação de
“superestruturas”, Gramsci observa que estas interagem de forma
dialética com a atuação do estado na viabilização da “infraestrutura”
produtiva pertinente a determinados objetivos.
1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia (PPGTE) da Universidade Tec-
nológica Federal do Paraná (UTFPR), Mestre em Tecnologia (PPGTE/UTFPR), Professor do
Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). E-mail: marcos_schwede@hotmail.com.
2 Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Professor do Progra-
ma de Pós-Graduação em Tecnologia (PPGTE) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná
(UTFPR) e Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Trabalho, Educação e Tecnologia
(GETET). E-mail: domingos@utfpr.edu.br.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
243
OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Portanto, ao serem analisadas as ações do estado e também as


instituições que o compõem, a exemplo dos Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia – IF –, faz-se necessário a compre-
ensão de quais os interesses envolvidos e grupos de influência que
atuam sobre este espaço, tanto no que se refere à formação de uma
leitura compartilhada sobre a realidade, como também, a compreen-
são de qual a finalidade estrutural destas instituições.
Os IF são componentes da Rede Federal de Educação Profis-
sional e Tecnológica – REDE FEDERAL. Trata-se de rede de ins-
tituições do governo federal também composta pela Universidade
Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR –, pelos Centros Federais
de Educação Tecnológica – CEFETs – e pelas Escolas Técnicas
vinculadas a Universidades.
Esta rede é formada por instituições centenárias, que têm as
suas bases lançadas no momento em que foram criadas 19 Escolas
de Aprendizes e Artífices, em 1909. Posteriormente à sua constituição,
estas passaram por inúmeras transformações, sendo denominadas
ao longo do tempo como Liceus Profissionais; Escolas Industriais e Téc-
nicas; Escolas Técnicas Federais e; Centros Federais de Educação Tecnológica
– CEFETs.
Em 2008, grande parte das instituições componentes da REDE
FEDERAL tem alterada a sua caracterização, transformando-se em
IF através da Lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008 (BRASIL, 2008).
Neste momento, os IF se constituem como autarquias, com autono-
mia administrativa, financeira, didático-pedagógica e disciplinar.
A partir desta nova fase, os IF começam a ofertar educação
profissional em todas as modalidades e níveis, portanto, passam a
atuar com uma ampla diversidade de perfis de cursos, desde cursos
de Formação Inicial e Continuada – FIC –, até cursos de Pós-Gra-
duação Stricto Sensu. Outro ponto relevante é a ênfase dada à realiza-
ção de pesquisas, prática incipiente nas instituições que precederam
muitos dos IF.
Além da alteração no perfil institucional, cabe observar a abran-
gência que a REDE FEDERAL adquiriu na última década: em 2002,

244 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

esta rede era composta por 142 unidades no país; deste período até
o final de 2014, passa a ser composta por 562 unidades (BRASIL,
2014).
A partir deste contexto, adotando o materialismo histórico e
dialético como referencial teórico e metodológico, no presente arti-
go pretende-se: i) Avaliar quais foram os motivos para a criação dos
IF; e ii) analisar qual a finalidade é atribuída à pesquisa no contexto
do IFSC.
A partir desta perspectiva teórica e metodológica, a realidade
material é campo de investigação, entretanto, esta é realizada a par-
tir da análise de transcursos históricos, visando, dialeticamente, à
compreensão dos movimentos da realidade e da atuação dos grupos
de interesse com suas respectivas posições que se materializam em
projetos educacionais e sociais em disputa.
Sendo o presente artigo resultado de pesquisa mais ampla, a
partir desta orientação teórico-metodológica utilizou-se como pro-
cedimentos de pesquisa: a análise de bibliografias de diferentes pe-
ríodos, contendo em suas temáticas a oferta de educação aos tra-
balhadores; as políticas públicas de educação; e as transformações
na REDE FEDERAL. Da mesma forma, utilizou-se de entrevistas
semiestruturadas, realizadas em profundidade com gestores insti-
tucionais e professores de três campi do IFSC, instituição definida
como campo empírico de investigação.
A partir destes objetivos e percurso de investigação, estrutura-
-se este artigo em dois tópicos, aos quais seguem as considerações
finais. No primeiro tópico, apresenta-se breve transcurso histórico
da REDE FEDERAL, possibilitando a compreensão da influência
dos aspectos econômicos, políticos, e educacionais sobre estas insti-
tuições, bem como, neste percurso, busca-se avaliar por qual motivo
foram constituídos os IF em 2008. No segundo tópico, realiza-se a
análise de como ocorre o direcionamento da pesquisa no IFSC, tan-
to no que se refere à produção da C&T através da pesquisa, quanto
à (im)possibilidade de acesso aos conhecimentos científicos e tecno-
lógicos pelos trabalhadores.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
245
OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Os motivos para a Constituição dos if em 2008

Antes de abordar-se efetivamente a temática da constituição


dos IF, cabe observar as principais transformações por que passou a
REDE FEDERAL a partir da década de 1990. Naquele momento,
esta rede era formada na sua maioria pelas Escolas Técnicas Fede-
rais e por cinco CEFETs, localizados nos estados de Paraná, Rio
de Janeiro, Minas Gerais, Maranhão e Bahia. Enquanto as Escolas
Técnicas Federais estavam focadas na oferta de cursos técnicos de
nível médio, os CEFETS – além destas ofertas – estavam voltados
à oferta de cursos de engenharia na área industrial; na realização de
cursos superiores de tecnologia; na oferta de pós-graduações; e na
realização de atividades de pesquisa.
Na década de 1990, momento em que as políticas neoliberais atu-
aram como uma avalancha sobre o país – contexto em que o “estado
mínimo” e a “virtuosidade do mercado” passam a serem as palavras
de ordem – os CEFETs foram incentivados a utilizarem as suas estru-
turas de produção científica e tecnológica em estreito vínculo ao aten-
dimento das demandas do empresariado. Em relação a este aspecto,
os CEFETs de fato se apresentaram como instituições que estiveram
inclinadas ao atendimento deste objetivo: Bastos (1997), ao relatar
os resultados de uma avaliação ministerial realizada nos CEFETs em
1992, menciona que o relatório desta avaliação apontava o modelo
CEFET no “contexto de uma reforma universitária e da ciência e
tecnologia” (MEC, 1991 apud BASTOS, 1997, p.7).
Entretanto, se por um lado havia o incentivo à produção de
conhecimentos científicos e tecnológicos e o estreitamento da re-
lação com o mercado, de outro lado verifica-se que as instituições
componentes da REDE FEDERAL são impingidas à fragmentação
e ao esvaziamento das suas propostas educacionais. Este processo
ocorre em grande parte pela influência dos organismos de atuação
multilateral sobre as políticas públicas do país, no contexto da refor-
ma de Estado e das políticas de caráter neoliberal predominantes a
partir da década de 1990.

246 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Dentre os organismos de atuação multilateral, cabe destaque à Co-


missão Econômica para a América Latina e Caribe – CEPAL –, que
tem atuação significativa no período, sendo elucidativa a produção de
documentos relativos à educação. Nesse contexto, em 1990, a CEPAL
torna público o documento Transformación productiva con equidad (CEPAL,
1990); já em 1992 publica o documento Educación y Conocimiento. Eje de
la Transformación Productiva con Equidad (CEPAL, 1992). Esses documen-
tos buscavam, notadamente, redirecionar a educação ofertada no país a
partir dos interesses de mercado. Cabe destacar que a partir da década
de 1990 o contexto produtivo no país estava imbuído do interesse de
implementar as práticas de produção e acumulação flexíveis, às quais
correspondem as necessidades de regulação e recomposição qualitativa
e quantitativa da força de trabalho, concernentes ao modelo caracteri-
zado por um núcleo mais estável de trabalhadores, com maior nível de
qualificação, em torno do qual se constitui uma camada mais extensa,
de menor qualificação e baixa estabilidade e, por fim, um exército de re-
serva de trabalhadores, com estrutura variável, conforme as oscilações
das demandas e das crises do sistema capitalista.
Para a CEPAL, implementar a “reestruturação produtiva com
equidade” passa a ser considerado “un instrumento crucial” (CEPAL,
1992, p. 3). Todavia, ao compreender-se o conceito de “equidade”
adotado por esta instituição, verifica-se um conceito bastante sui ge-
neris. Conforme verifica-se de forma mais detalhada em documento
publicado em 1994, as políticas de educação profissional deviam
reorganizar os processos de formação da força de trabalho
para responder à participação de massa, expandindo e diversificando
a oferta educacional para acomodar a crescente demanda por
aprendizagem e para servir às necessidades variadas de indivíduos
de origens socioculturais diversas, com experiências e disposições mui-
to variadas (DURAN-DROUHIN apud CEPAL, 1994, p. 18,
grifos nossos).
Quando a CEPAL reitera a elaboração de propostas educacio-
nais diversas para atender à “participação da massa”, acomodando

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
247
OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

diferentes demandas, provenientes de indivíduos de “origens socio-


culturais” diversas, está-se legitimando a desigualdade das ofertas
educacionais. Para determinados grupos “socioculturais”, ou “so-
cioeconômicos” na leitura aqui realizada, oferta-se uma educação
de qualidade, lastreada nos conhecimentos científicos, tecnológicos
e sócio-históricos; para outros grupos, o acesso a propostas educa-
cionais de caráter geral, ofertadas de forma amplamente fragilizada
e complementadas por cursos rápidos, realizados em escolas especí-
ficas ou nos locais de trabalho.
Verifica-se que esta proposta de “equidade” se distancia de uma
proposta em que a transformação da realidade social seja o objetivo
a ser alcançado, em que pensar com equidade significaria a oferta
de propostas educacionais adequadas, mais estruturadas inclusive,
oferecidas a quem mais precisa. Para Rizzotto e Bortolono (2011,
p.794), a equidade,
(...) nessa perspectiva, contribuiria para a reprodução amplia-
da da nova ordem do capitalismo, uma vez que o conceito se
pauta em uma concepção de justiça cujo princípio se refere
ao acesso aos “mínimos sociais”, a fim de garantir a sobre-
vivência e a reprodução da força de trabalho nas novas con-
dições de flexibilização, precarização e desregulamentação.
Verifica-se que estas propostas se apresentaram como terreno
fértil para a implantação da concepção de Educação por Competên-
cia no país. Trata-se de proposta educacional que possui como ob-
jetivo: oferecer o acesso a “conhecimentos”, “habilidades” e “atitu-
des” ao trabalhador. Todavia, esta proposta ao estar focada na ação,
em preparar o trabalhador o mais justo possível para o desempenho
de demandas de mercado, alicerça a existência de uma extensa arqui-
tetura educacional, com propostas desiguais.
Para as demandas de mercado, apenas um seleto grupo da so-
ciedade deve ter acesso a uma educação consistente, estruturada,
que tenha em suas bases os conhecimentos científicos, tecnológicos
e sócio-históricos. Entretanto, quando da existência de uma extensa

248 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

arquitetura educacional, amplamente desigual, também se têm es-


truturadas as bases para a manutenção da realidade social inalterada.
Estas propostas se desdobraram nas instituições componentes
da REDE FEDERAL a partir da década de 1990, mediante críticas,
orientações operacionais e determinações legais do Ministério da
Educação. Através do Decreto nº 2.208, de 17 de abril de 1997,
por exemplo, é extinto o ensino médio integrado à educação pro-
fissional técnica de nível médio, modelo que historicamente havia
se consolidado como uma formação consistente, com adequado re-
conhecimento social. Da mesma forma, disseminam-se ofertas de
ensino superior com significativa redução de tempo dos cursos, nos
quais o atendimento mais pontual das demandas de mercado passa
a ser a prioridade. Por fim, adquire significativa representatividade
a oferta de cursos de curta duração denominados de Formação Ini-
cial e Continuada – FIC –, cursos que possuem um caráter de trei-
namento de aspectos pontuais demandados pelo mercado. (LIMA
FILHO, 2002)
Neste ínterim, se por um lado estas instituições ampliaram as
suas ofertas educacionais, de outro, foram distanciadas as condições
objetivas para a realização de ofertas consistentes, lastreadas em co-
nhecimentos científicos, tecnológicos e sócio-históricos. Aspectos
que revelam as contradições em curso, sendo que a partir da década
de 1990 estas instituições (em especial os CEFETs) também são
chamadas a produzirem C&T visando ao atendimento das deman-
das de mercado.
Após esse percurso que perpassa a década de 1990, fornecen-
do uma estrutura de análise, cabe evidenciar a constituição dos IF
através da Lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008 (BRASIL, 2008).
A partir deste momento são criados 38 IF em diferentes regiões do
país. E como já foi delineado anteriormente, inúmeras transforma-
ções marcaram este novo modelo institucional. Entretanto, qual a
finalidade da criação destas instituições? Seria apenas um projeto
interessado em transformar a realidade social, decorrente de uma
proposta de governo que tem como prioridade atender aos traba-

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
249
OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

lhadores? Considera-se que não. Pensar as áreas de educação, ciência


e tecnologia é percorrer um terreno dúbio, com a presença de inte-
resses em disputa.
Uma das primeiras interpretações para a criação dos IF está
relacionada à pressão realizada pelos CEFETs para também tor-
narem-se universidades tecnológicas, a exemplo da transformação
ocorrida no CEFET–PR que se tornou universidade tecnológica a
partir da Lei 11.184, de 7 de outubro de 2005. A mudança de nome
e perfil institucional viria para reduzir esta cobrança. (AZEVEDO,
2010)
Este entendimento se apresenta de forma coerente em um pri-
meiro momento, todavia, não explica a significativa transformação
que ocorreu nestas instituições, juntamente com a ampliação do in-
vestimento público na educação profissional.
Entretanto, o que explica então essa ampliação nos investimen-
tos na educação profissional? Utilizando-se do referencial conferi-
do por Neves (2011), verifica-se que as políticas em curso podem
ser compreendidas como concernentes a um Capitalismo Neoliberal
de Terceira Via, modelo no qual o Estado, sem alterar os aspectos
nucleares e estruturais das relações capitalistas de produção, atua
ideologicamente e de forma assistencialista mais próximo da popu-
lação e das demandas dos excluídos, promovendo a continuidade da
acumulação capitalista mediante o discurso da inclusão e da redução
das desigualdades sociais.
Esta forma de atuação do estado, implantada com o discurso
do “alívio da pobreza”, surge como ajustes às orientações neolibe-
rais do chamado “Consenso de Washington”. Tratava-se, portanto,
de ajustar a atuação do Estado com vistas a preservar os interesses
mercantis. De acordo com Neves (2011, p.237):
Mercado com justiça social foi a solução encontrada pelos
governos capitalistas para a correção de rumos do projeto
político neoliberal para o século XXI. Nem social-democra-
cia clássica, nem “fundamentalismo de mercado”, mas uma
Terceira Via. Neste refinamento teórico e prático, que cha-

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

mamos de neoliberalismo de Terceira Via, são mantidos os


fundamentos do capitalismo neoliberal, acrescidos de medi-
das paliativas para minorar as condições miseráveis de vida
de grande parte da população mundial e, ao mesmo tempo,
garantir a “paz social” (...) reestruturam-se as relações de
poder, a concertação social (concertación) se estabelece como
prática política majoritária em que o bloco histórico hege-
mônico cede às pressões sociais fragmentárias, para manter
intactas as bases do projeto hegemônico no seu todo.
Esse modelo político/econômico começa a ser proposto na
década de 1990 pelo Banco Mundial, sendo logo implantado pelo
governo FHC. Porém, verifica-se que este modelo ganha consistên-
cia apenas no próximo governo, o que “fazem parecer os governos
Lula da Silva mais populares do que os governos FHC. Os fun-
damentos dos seus projetos políticos são, no entanto, idênticos”.
(NEVES, 2011, p. 235)
Todavia, se por um lado o estado atua no sentido de minorar a
pobreza (num caráter mais paliativo) e na formação de consensos
sobre o direcionamento da sociedade, por outro lado, ele também
atua de forma significativa na reprodução do capital. Esse proces-
so se faz a partir de vários aspectos, dentre os quais se destacam:
a produção da ciência, da tecnologia e a geração de inovações; a
qualificação da força de trabalho com o conhecimento estritamente
necessário ao atendimento das demandas mercantis; a viabilização
de instrumentos legais e de infraestrutura operacional necessária ao
processo de acumulação capitalista.
Tal movimento que se estabeleceu a partir da reconfiguração
do arcabouço jurídico e das estruturas operativas do Estado ocorre
no âmbito das transformações verificadas no mundo do trabalho
mediante a emergência do processo de reestruturação produtiva,
contexto em que ganha centralidade a reorganização do processo
de trabalho pelos paradigmas da acumulação flexível.
Na acumulação flexível, as realidades de trabalho polarizam-se
de forma crescente (ANTUNES, 2013), justamente como um ins-

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

trumento de viabilização da reprodução do capital. Neste contex-


to, verifica-se a existência de uma complexa arquitetura social, com
diferentes extratos sociais e educacionais que se ligam à estrutura
produtiva. Nesta polarização social, em um dos extremos estão os
trabalhadores que trabalham por conta própria, sem direitos tra-
balhistas e em condições de exploração extrema, os trabalhadores
terceirizados, subcontratados e temporários. A este grupo as pro-
postas educacionais restringem-se a programas compensatórios, ou
qualificações realizadas em cursos rápidos, realizados nos locais de
trabalho ou em escolas especializadas. Aos demais grupos que vão
compondo essa extensa arquitetura social, liga-se em estreita relação
também uma arquitetura educacional; para grande parcela destes ex-
tratos sociais, a oferta educacional é realizada através da transmissão
de competências simples. Ao chegar-se ao outro extremo, têm-se
propostas educacionais estruturadas, realizadas em cursos de dura-
ção plena, com acesso à pesquisa e extensão, e estando a educação
lastreada nos conhecimentos científicos, tecnológicos e sócio-his-
tóricos.
Neste processo, identifica-se que o estado passa a atuar na via-
bilização da reprodução do capital em estreito vínculo às práticas de
produção e acumulação de caráter flexível, implantando, para isso, a
infraestrutura necessária. Essa infraestrutura contempla a formação
de ampla arquitetura educacional, com propostas extremamente de-
siguais, e também a produção da C&T com vistas ao atendimento
dos interesses mercantis. A partir de significativa aderência a este
contexto/modelo, verifica-se que a ampliação dos Institutos Fede-
rais surge a partir de um tensionamento entre o estado e os grupos
que detêm o domínio das estruturas produtivas e de capital, com
vistas ao atendimento dos interesses destes grupos.
Para aprofundar a análise dos interesses envoltos aos IF, cabe
verificar qual o direcionamento que vem sendo dado à pesquisa nes-
te contexto, tanto no que concerne ao acesso dos conhecimentos
científicos e tecnológicos pelos trabalhadores, quanto os interesses
relacionados à produção da C&T.

252 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

O direcionamento dado à pesquisa no contexto do


ifsc

Em relação ao IFSC, até o ano de 2005, ainda na condição ins-


titucional de CEFET-SC, esta instituição contava com três unidades
localizadas nos municípios de Florianópolis, São José e Jaraguá do
Sul. Após esse período, com a transformação para IFSC, ocorreu a
rápida expansão desta instituição, havendo atualmente 21 campi em
diferentes regiões do estado.
A partir de um olhar institucional, verifica-se que a pesquisa
vem sendo significativamente valorizada neste contexto. Aspecto
relevante é que esta valorização interna decorre, em parte, da rele-
vância dada aos IF pela política de Ciência, Tecnologia e Inovação
– C,T&I.
Seguindo as orientações das políticas de C,T&I em curso, a
Secretaria de Educação Tecnológica e Profissional – SETEC – do
MEC, através do seu Núcleo Estruturante de Políticas de Inovação,
vem atuando com o objetivo de inserir esta política no contexto dos
IF, tendo como frentes de atuação: a criação de Polos de Inovação; o
apoio a grupos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação – PD&I;
a expansão dos mestrados profissionais; a formação de servidores
e o desenvolvimento de ações articuladas com a Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA.
Verifica-se que o IFSC tem-se apropriado integralmente da im-
plementação destes eixos. Cabe a compreensão do significado dos
três primeiros, em decorrência de sua relevância:

• Em relação aos Polos de Inovação (ainda em fase de consti-


tuição no país), trata-se de uma rede de instituições especia-
lizadas por área do saber, gerenciadas pelos IF, e que devem
atuar em conjunto com as unidades da Empresa Brasileira
de Pesquisa e Inovação Industrial – EMBRAPII; estas ins-
tituições deverão formar uma ampla estrutura de prestação
de “serviços em C,T&I” voltados ao atendimento do setor

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
253
OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

empresarial. Frente a este eixo de atuação, os gestores insti-


tucionais do IFSC vêm despendendo amplo esforço visando
sediar uma unidade dos Polos de Inovação;
• Quanto ao segundo eixo, denominado de “Apoio aos gru-
pos de PD&I”, em 2013, o Conselho Nacional de Desenvol-
vimento Científico e Tecnológico – CNPQ – lançou o edital
MEC/SETEC/CNPQ Nº 94/2013 de “Apoio a Projetos
Cooperativos de Pesquisa Aplicada e de Extensão Tecno-
lógica”. Este edital foi direcionado especificamente para os
IF e para as Escolas Técnicas Federais, e disponibilizou R$
20 milhões com a finalidade de apoiar projetos de P&D e
de extensão tecnológica nestas instituições. Estes recursos
são provenientes da SETEC/MEC e repassados ao CNPQ.
Uma das características relevantes destes projetos é que de-
veriam estar vinculados obrigatoriamente à demanda de uma
empresa. Já no ano de 2014, este edital foi reeditado, sendo
denominado de Edital CNPq-SETEC/MEC Nº 17/2014.
A diferença substancial para o edital anterior é em relação
aos valores, sendo que neste momento é disponibilizado o
montante de R$ 40 milhões neste edital. Cabe destacar que o
IFSC foi uma das instituições que mais aprovou projetos no
país, sendo auferidos valores próximos a R$ 3 milhões em
cada um destes editais.
• Em relação ao terceiro eixo, trata-se do estímulo à criação de
mestrados profissionais nos IF. São mestrados realizados em
rede, ou seja, com a possibilidade de participação de várias
unidades dos IF. Estes mestrados têm a finalidade de for-
mar profissionais da própria REDE FEDERAL e do setor
produtivo, em áreas estratégicas. Verifica-se que no contexto
das políticas de C,T&I em curso, a ênfase dada para estes
mestrados está relacionada ao atendimento de setores pro-
dutivos que passam a demandar profissionais com alto nível
de qualificação. Frente a este direcionamento, o IFSC propôs
a realização de cinco novos mestrados. Relevante observar

254 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

que até então a instituição contava apenas com um mestrado


profissional.

A partir dos eixos da política de C,T&I, bem como, da forma


de atuação do IFSC perante cada um deles, verifica-se a relevância
dada à geração de inovações neste contexto. Cabe observar ainda, a
fala dos gestores institucionais do IFSC3:
(...) a palavra inovação está muito forte, principalmente porque
se identificou que a gente tem uma produção científica muito
elevada, mas quando a gente vai para o lado em termos de in-
vestimento privado em pesquisa e desenvolvimento, número
de patentes, em grau de inovação nas empresas, a gente está
lá para baixo (GESTOR PEREIRA, 2014).
Entretanto, se há significativa ênfase na produção da C&T vi-
sando à geração de inovações, de outro lado, identifica-se um pro-
cesso de polarização das propostas educacionais ofertadas no IFSC.
Este contexto ocorre em especial a partir de fatores como: a restrita
possibilidade de acesso à pesquisa pelos docentes e estudantes e
consequentemente aos conhecimentos científicos e tecnológicos; a
influência da Pedagogia das Competências nesta realidade; e a for-
mação de uma arquitetura educacional amplamente desigual, sendo
considerada, inclusive, afeita aos interesses dos trabalhadores.
Quanto à dificuldade de acesso aos conhecimentos científicos e
tecnológicos através da realização de pesquisas, cabe a análise da fala
dos professores do IFSC:
(...) o maior obstáculo como pesquisador é realmente a dedi-
cação colocada nestas horas que prometemos de fato traba-
lhar com a pesquisa (...), não temos um amparo após a apro-
vação de uma proposta, então você se vê de forma dividida
entre ensino, pesquisa e extensão, se somos uma escola...
herdamos uma escola técnica, temos um instituto com horas

3 Na pesquisa que deu origem a este artigo foram entrevistados cinco gestores e dez professores
em três campi do IFSC. Os nomes dos entrevistados são fictícios, como forma de preservar a
identidade dos sujeitos.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
255
OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

aula em sala de forma bem ocupada (...), torna-se difícil o


dia a dia de poder atuar na pesquisa da forma que gostarí-
amos. Opções têm, mas quase que um trabalho que exige
um voluntariado, hoje a instituição exige, de forma voluntá-
ria, franciscana, de forma eclesial o trabalho do pesquisador
(PROFESSOR CESAR, 2014).
O professor Cesar coordena um grupo de 4 professores que
atuam no desenvolvimento de um projeto de pesquisa. Trata-se de
projeto que visa obter resultados consistentes em sua área de conhe-
cimento, tendo o prazo de 2 anos para ser concluído e sendo finan-
ciamento pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Santa
Catarina – FAPESC. Todavia, o professor demonstra que pesquisar
está sendo um processo extremamente desgastante e angustiante,
sendo necessário trabalhar nos turnos de descanso e aos finais de
semana para conseguir desenvolver o projeto e atender aos prazos
e objetivos acordados. Os professores que atuam neste grupo de
pesquisa possuem em média cinco unidades curriculares diferentes
e carga horária de 16 horas/aula por semana.
Além das demandas em atividades de ensino, que ocupam gran-
de parte do tempo de trabalho dos professores, este entrevistado
também observa que as atividades de gestão compõem outra parce-
la relevante do tempo despendido:
(...) então é exigido do profissional docente além daquilo que
é próprio do seu dia a dia do plano de ensino, do atendimen-
to do PPC, aos alunos, as horas dedicadas ao ensino, a prepa-
ração que é nossa preocupação...além disso os processos in-
ternos que passam por comissões, por colegiados de curso e
núcleo docente, por avaliações de processos, desde seletivos,
de contratações, esse também é o dia a dia administrativo do
docente. (PROFESSOR CESAR, 2014)
Essas falas se repetem junto a professores de outras áreas e
campi, como pode ser observado:
(...) com 20 horas em sala de aula, mais o teu trabalho buro-
crático, você não consegue desenvolver uma pesquisa, orien-

256 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

tar um trabalho, a minha pesquisa tem sido o que, a leitura...é


uma pesquisa, a leitura das produções dos alunos, então é
pesquisa também. (PROFESSORA MÁRCIA, 2014)
A professora Márcia atua em duas unidades curriculares dife-
rentes no Ensino Médio Integrado, todavia, ao ter uma carga horá-
ria de ensino de 20 horas/aula por semana, distribuídas em 10 tur-
mas diferentes, com uma média de 35 alunos por turma, demonstra
ser totalmente inviável a realização de pesquisas.
Identifica-se uma realidade bastante heterogênea no IFSC. Ao
mesmo tempo em que determinadas áreas possuem cargas horárias
menores do que 12 horas/aula, em outras áreas a média de carga
horária é de 16 a 20 horas/aula. Estas diferenças denotam um pro-
cesso de expansão dos IF realizado a baixo custo e que alcança de
forma diferenciada as áreas institucionais4.
Cabe destacar que há tentativas de equalização das cargas ho-
rárias médias em atividades de ensino. Todavia, verifica-se que esta
diversidade de realidades tende a se manter, em especial pela capa-
cidade de resistência de determinados grupos; resistência legítima
inclusive em muitos casos, entretanto, pode ser considerada como
uma resistência restritiva.
Ao compreender esta dificuldade institucional, como solução,
alguns gestores propõem:
(...) o desafio que vamos nos deparar, se você trabalha a pes-
quisa aplicada a uma demanda, isso te consome uma ener-
gia, que você está praticamente trabalhando por encomenda,
então a carga horária para um projeto destes, normalmente
não é uma carga horária baixa (...) é outro desafio que a gente
vai se deparar com ele, então, em outro momento a solução
é que nem todo mundo precisa fazer tudo, então em algum ponto
você vai ter que deixar esse setor que está trabalhando com

4 Um indicativo bastante relevante da expansão a baixo custo nos IF pode ser identificado através
do Termo de Acordos e Metas que estas instituições precisaram assinar em conjunto com a SE-
TEC/MEC em 2010, sendo um pré-requisito para que houvesse a expansão dos IF. Neste termo,
uma das primeiras metas é o alcance da relação de 20 alunos por professor em cada instituição.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
257
OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

projeto em parceria, com uma empresa (...), ele tem que ter
uma dedicação. (GESTOR PEREIRA, 2014, grifos nossos)
Nesta fala verifica-se preocupação em relação à carga horária
destinada à pesquisa. Por outro lado, esta preocupação surge espe-
cificamente para o atendimento do setor produtivo. A alternativa
visualizada pelo gestor Pereira, de “nem todo mundo fazer tudo”,
pode ser vista a partir de duas perspectivas: por um lado poderia
ser entendido como uma escolha, se direcionar para as suas áreas
de afinidade, algo coerente por um lado, mas que também traz pre-
ocupações quando se almeja uma educação científica, tecnológica
e sócio-histórica. Por outro lado, a alternativa de “nem todo mun-
do precisar fazer tudo” pode ser bastante preocupante, ou seja, até
que ponto não se está prevendo a formação de restritos grupos de
pesquisadores (com um forte caráter de pesquisa por encomenda),
restando aos demais grupos educacionais ofertas fragilizadas/preca-
rizadas. Os indicativos nesse sentido são bastante consistentes.
Como consequência desta expansão a baixo custo citada an-
teriormente e seus condicionantes, verificam-se falas que refletem
a fragilidade nas propostas educacionais desenvolvidas em muitas
áreas:
Pesquisador: Na sua percepção não tem aderência entre a pesquisa e o
ensino? Uma avaliação da estrutura atual não existe (...) assim,
durante o curso inteiro o aluno poderia efetivamente, vis-
lumbrado uma série de ações na construção do pensamento,
na construção...não vamos nem falar do pensamento crítico,
vamos falar só de pensamento técnico e formal, uma coisa
bem rasteirinha, a partir da pesquisa, que naturalmente de-
sencadearia um TCC extremamente técnico, extremamente
ligado ao mercado de trabalho, não vamos nem discutir o
mérito aqui, mas ele iria refletir aquilo que foi feito durante
três anos, como não é feito absolutamente nada, no TCC nós
temos refletido o analfabetismo funcional e científico nos
trabalhos feitos pelos alunos. (PROFESSOR SEBASTIÃO,
2014)

258 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

O professor Sebastião destaca que uma educação lastreada na


ciência, na tecnologia e na obtenção dos conhecimentos sócio-his-
tóricos, apresenta-se distante do seu contexto de atuação, menciona
inclusive que há um analfabetismo funcional e também científico
dos estudantes.
Além das dificuldades objetivas de acesso aos conhecimentos
científicos e tecnológicos relatadas anteriormente, verifica-se que
outra causa para esta fragilidade decorre da influência exercida pela
Pedagogia das Competências neste contexto, como inclusive é retra-
tado na fala dos professores:
(...) o instituto de SC foi muito impactado pela adoção da Pe-
dagogia das Competências (...), ao mesmo tempo ele tentou
dar uma nova roupagem a essa pedagogia das competências,
mas continua fortemente influenciado por ela. Nós não te-
mos claro uma diretriz, uma concepção educacional, se for-
mos pegar o nosso projeto institucional isso esta muito claro.
Ao mesmo tempo que a gente diz que tem uma perspectiva
Histórico-Crítica (...), a gente diz que os projetos de curso
devem ser por competência (...) (PROFESSOR CARLOS,
2014)
O professor Carlos destaca a falta de uma clareza teórica no
direcionamento institucional, lembrando que duas concepções to-
talmente divergentes compartilham espaço no Projeto Pedagógico
Institucional – PDI. Além da falta desta clareza teórica, fica eviden-
ciada a disputa de projetos educacionais e de sociedade.
Entretanto, ao não haver esta clareza teórica e um direciona-
mento político pedagógico claro na instituição – onde a ciência e a
tecnologia poderiam estar intrínsecas nas propostas educacionais –
verifica-se que a Pedagogia das Competências, em última instância,
exerce significativa influência ao ficarem restritas as ofertas educa-
cionais ao atendimento das demandas de mercado: demandas que
formam uma extensa arquitetura educacional.
Em consonância, verifica-se que a legitimação de propostas edu-
cacionais desiguais ofertadas para os diferentes grupos da sociedade

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
259
OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

também implica na restrição de acesso aos conhecimentos científi-


cos e tecnológicos neste espaço. Esta diferenciação das propostas
educacionais é identificada, dentre outras maneiras, pela significativa
relevância que os cursos de curta duração e com objetivos pontuais
adquirem na instituição, denominados de cursos FIC. Em 2013, o
IFSC realizou 10.147 matrículas nesta modalidade, realizadas tanto
através de programas do governo federal, quanto através de ofertas
próprias. Este número de matrículas representou aproximadamente
um terço das ofertas da instituição naquele ano. (IFSC, 2014)
Esta restrição do acesso à C&T neste contexto se constitui tan-
to pelas características destas propostas – formações pontuais, de
curta duração, sem elevação de escolaridade –, quanto pelo redire-
cionamento do esforço institucional.
Cabe destacar que a partir de um olhar institucional, estas pro-
postas são percebidas como espaços de inclusão social:
(...) agora o desafio ao nos transformarmos em Instituto, é
disponibilizar 100%, a oferta para 100% da população e não
apenas para os 30%, que a gente consiga disponibilizar des-
de formação inicial e continuada para pessoas que não têm,
mal são alfabetizadas, até a formação superior (...) essa diver-
sidade está na sociedade, ela está no contexto de trabalho,
ela está na indústria, não vai mudar muito (...) de uma certa
maneira, esse leque de possibilidades de atuação nos traz a
complexidade que existe na sociedade, também nos espaços
de trabalho, a gente não destoa nesse sentido, a gente não
ficou com um recorte, isso é interessante porque nos dá a
ideia do todo. (GESTORA CLÁUDIA, 2014)
Compartilha-se do posicionamento da necessidade de se aten-
der a todos os grupos sociais. Todavia, surge a preocupação sobre
uma possível leitura de naturalização do quadro social atual, em que
a sociedade é entendida como um sistema social no qual cada pes-
soa exerce uma função em uma extensa arquitetura social, ou ainda,
a naturalização de diferentes classes sociais que vão compor uma
extensa arquitetura social e também educacional. Contexto em que

260 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

a ciência e a tecnologia, ora se aproximam das ofertas educacionais,


ora se distanciam.

Considerações finais

Verifica-se que o IFSC está envolto em um processo contraditório


e dialógico que envolve a produção da mais alta tecnologia e a restrição
do acesso aos conhecimentos científicos e tecnológicos para ampla par-
cela dos trabalhadores. Esse processo começa a se consolidar na década
de 1990 junto à REDE FEDERAL. Já no período atual, evidencia-
-se que ao mesmo tempo em que há significativo apoio à produção da
C&T visando a gerar inovações, de outro lado ocorre um processo de
expansão destas instituições a baixo custo, com contingenciamento de
professores e elevação da relação de alunos por professor.
Esse processo contraditório em que pulula a desqualificação do
trabalhador como elemento estruturante da reprodução do capital,
evidencia também que a produção da C&T e a geração de inovações
– propostas como elementos de transformação da realidade social –
atuam, na verdade, como um elemento ideológico e de formação de
consensos que encobre os grupos hegemônicos como os principais
beneficiários deste processo.

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de uma nova institucionalidade. 2011. 383 f. Tese (Doutorado) - Curso
de Doutorado em Educação, Departamento de Programa de Pós- Gra-
duação em Educação do Centro de Ciências da Educação, Universidade
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ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
261
OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

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262 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
12
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

OS DIFERENTES SENTIDOS
ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO
DA RELAÇÃO DA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL E ENSINO MÉDIO

Janice R.Cardoso Griebeler1


Ireni Marilene Zago Figueiredo2

Criam-se, continuamente, novos termos, novas palavras,


seja para expressar novas realidades engendradas pela vida
social, seja para projetar, ideologicamente, novas ideias que
queremos que se tornem realidade pela aceitação social que
possam vir a ter. Mais do que em outras épocas, por meio
de novos termos, reiterados pelos meios de comunicação,
projeta-se uma história virtual que deve se tornar verdade.
[...]. As palavras podem ser ditas, as imagens podem ser mos-
tradas, as coisas acontecem se há vontade política e meios ou
recursos, e se elas têm legitimidade perante a opinião pública
(CIAVATTA, 2005, p. 83-84).
O excerto de Ciavatta (2005) reflete a preocupação com alguns
termos com que nos deparamos durante o processo de realização da
1 Mestre em Educação pela Universidade do Oeste do Paraná – UNIOESTE, 2013. Integrante do
GEPPES – Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Social. Professora Pedagoga
da Rede Estadual do Estado do Paraná. E-mail: janice-mondrone@hotmail.com.
2 Professora do Colegiado do Curso de Pedagogia e do Mestrado em Educação da UNIOESTE –
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus de Cascavel – PR. Pesquisadora do Grupo
de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Social – GEPPES. irenifigueiredo@hotmail.
com.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
263
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

pesquisa3, uma vez que parece haver um forte neologismo na área


da Educação Profissional. A neologia4, de acordo com Alves (1996),
na década de 1970, torna-se um “conceito polissêmico”. Nesse caso, é
fundamental tratarmos destes termos polissêmicos para entender o
significado atribuído no contexto da reforma da Educação Básica na
década de 1990, que inclui a Educação Profissional e o Ensino Mé-
dio. A utilização dos termos como sinônimos confundem o entendi-
mento ou aquilo que queremos expressar, quando empregados para
entender a relação entre a Educação Profissional e o Ensino Médio.
Para Cláudio Gomes Ribeiro, Coordenador-Geral dos Cursos
Técnicos da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz,
[...] não existe oposição entre eles, porque não são duas moda-
lidades de educação profissional. Pelo contrário, a modalidade
integrada é uma das três (a concomitante e a subseqüente são
as demais) formas de articulação entre o ensino médio e a edu-
cação profissional técnica de nível médio, conforme regula-
menta o Decreto 5.154/2004, nos três Incisos do Par. 1o do
Art.4o (CONFERÊNCIA..., 2006, p. 6, grifo nosso).
De acordo com Ribeiro, a articulação entre a Educação Profis-
sional e o Ensino Médio pode acontecer de três formas, ou seja, em
três modalidades. Ressalta que o Decreto n° 5154/2004, no artigo
4o, afirma que “a Educação Profissional técnica de nível médio será
desenvolvida de forma articulada com o Ensino Médio”. Logo, a
articulação está relacionada com a organização curricular, que na
modalidade integrada se caracteriza por ter matrícula única num
curso de Educação Profissional, em que o aluno adquire a habilita-
ção profissional e a formação geral num curso integrado (CONFE-
RÊNCIA..., 2006).
Os termos Educação Profissional, integrada e articulação são en-
3 GRIEBELER, J. R. C. A política de educação profissional articulada ao ensino médio na
forma integrada no Paraná: uma análise da implementação no Colégio Estadual João Manoel
Mondrone no município de Medianeira – Paraná (2003-2010). Dissertação de Mestrado. Cascavel,
PR: UNIOESTE, 2013.
4 Neologismo é o produto da neologia, processo pelo qual se formam novas unidades lexicais, de
acordo com as regras de produção do código linguístico utilizado. (GUILBERT, 1975, p. 31)

264 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

contrados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº.


9.394/1996, Capítulo III, Artigo 39: “A Educação Profissional, integrada
às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz
ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva” (BRASIL,
1996, s/p, grifo nosso). Art. 40: “A Educação Profissional será desenvolvi-
da em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação
continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho” (BRA-
SIL, 1996, s/p, grifo nosso).
O artigo 4°, inciso 1°, do Decreto n° 5.154/2004, tem por
objetivo regulamentar o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº
9.394/1996: “§ 1o A articulação entre a Educação Profissional técnica de nível
médio e o Ensino Médio dar-se-á de forma integrada, concomitante ou subseqüente
[...]” (BRASIL, 2004, s/p, grifo nosso). A forma integrada que o De-
creto m° 5.154/2004 aponta seria uma forma de articulação, ou seja,
a modalidade Educação Profissional de nível médio se dará articulada
ao Ensino Médio, podendo ser integrada (matrícula única), conco-
mitante (duas matrículas num mesmo estabelecimento em cursos di-
ferentes) ou subsequente (matrícula apenas nas disciplinas técnicas),
formas de articular a Educação Profissional ao Ensino Médio.
O termo integrado também nos leva a pensar que o seu contrá-
rio é a fragmentação e a dissociação. Considerando a proposta de in-
tegração da Educação Profissional essa análise estaria correta, pois a
integração deve “[...] afirmá-lo na direção da escola unitária e politécnica que
supere o dualismo, a fragmentação e o aligeiramento na Educação Profissional
para os trabalhadores [...]” (CIAVATTA, 2005, p. 5).
Sobre essa questão, Lima Filho (2002, p. 292) enfatiza que:
A terminologia “Educação Profissional” é genérica e abran-
ge vasta gama de processos educativos, de formação e de
treinamento em instituições e modalidades variadas. Apesar
disso, a opção por empregá-la considerou a sua adoção pela
legislação maior (o Capítulo III da LDBEN - da Educação
Profissional) e pela legislação complementar. Contudo, a uti-
lização do termo ‘educação profissional’ em determinadas
pesquisas, refere-se especificamente às modalidades de cur-

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
265
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

sos de educação profissional básica, cursos técnicos, de nível


médio ou pós-médio, e cursos superiores de tecnologia reali-
zados nas instituições públicas de ensino regular técnico-pro-
fissional [...]. O elemento definidor é a vinculação deste tipo
de instituição à estrutura regular de ensino. Não desconheço,
todavia, que as terminologias educação profissional, ensino
profissional, ensino técnico, ensino profissionalizante, for-
mação profissional, capacitação profissional e qualificação
profissional sejam utilizadas, indistintamente, para referir-se
tanto ao ensino ministrado nas instituições tipificadas ante-
riormente quanto a quaisquer processos de capacitação da
força de trabalho, de jovens e adultos, ministrados por uma
ampla variedade de cursos técnicos, de formação ou de trei-
namento, com natureza, duração e objetivos diferenciados,
por instituições as mais diversas, desde as organizações pa-
tronais que compõem o Sistema S, até instituições privadas
ou públicas que atuam em áreas de capacitação e desenvol-
vimento de recursos humanos, instituições comunitárias ou
sindicais, departamentos de recursos humanos de empresas,
organizações não governamentais etc.
Ciavatta (2005) e Ramos (2006) utilizam o termo Ensino Médio
integrado ao ensino técnico ou Ensino Médio integrado à Educação
Profissional e formação integrada.
A formação integrada é aquela que “[...] supera o ser humano di-
vidido historicamente pela divisão social do trabalho entre a ação de executar e
a ação de pensar, dirigir ou planejar’’ (Ciavatta, 2005, p. 85). Acrescenta
que a formação integrada institui-se quando “[...] a educação geral tor-
ne-se parte inseparável da Educação Profissional em todos os campos onde se
dá a preparação para o trabalho: nos processos produtivos, educativos como a
formação inicial, ensino técnico e tecnológico” (CIAVATTA, 2005, p.84), o
que não significa preparar para simplesmente executar um trabalho,
mas proporcionar a compreensão das dinâmicas socioprodutivas,
possibilitando o exercício autônomo e crítico dos trabalhadores.
A formação integrada sugere tornar íntegro, inteiro, o ser
humano dividido pela divisão social do trabalho entre a ação

266 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

de executar e a ação do pensar, dirigir ou planejar. Trata-se


de superar a redução da preparação para o trabalho ao seu
aspecto operacional, simplificado, escoimado dos conheci-
mentos que estão na sua gênese científico-tecnológica e na
sua apropriação histórico-social. (CIAVATTA, 2005, p. 85)
Ao refletir sobre o que é a formação integrada, Ciavatta pergun-
ta: o que é integrar? A mesma sugere a compreensão do termo, a
partir das partes, no seu todo, “[...] como uma totalidade social, resultado
das múltiplas mediações históricas que concretizam os processos educativos”.
(CIAVATTA, 2005, p. 84) Dessa forma, o conceito de formação in-
tegrada, segundo a autora, apresenta-se por meio de uma variedade
de termos que pretendem expressar a integração.
A ideia de integrar, integração, é muito sedutora. Significa
juntar-se, inteirar-se, completar-se e outros significados afins,
mas tem também derivados menos atraentes como integris-
mo, no sentido de adequação total a um sistema, ou integra-
lismo, aplicação total de uma doutrina política com a história
política que conhecemos. (CIAVATTA, 2008, p. 81-82)
A referência aos termos formação integrada, formação poli-
técnica e educação tecnológica, “[...] buscam responder às necessidades
do mundo do trabalho permeado pela presença da ciência e da tecnologia, como
forças produtivas, geradoras de valores, fontes de riqueza”. (Ciavatta, 2005,
p. 85) A expressão Educação Profissional tem um sentido mais geral,
universal, se comparada à formação profissional. Além disso, Educação
Profissional foi uma invenção das políticas dos anos de 1990, e, que,
historicamente, não tem acompanhado a educação brasileira, que
sempre utilizou a expressão formação profissional. Ciavatta (2005) utili-
za ambos como sinônimos.
Já a ideia de integração entre o Ensino Médio e Educação Pro-
fissional é recente. Seu fundamento “[...] está na busca da superação
do tradicional dualismo da sociedade e da educação brasileira e nas lutas pela
democracia em defesa da escola pública nos anos de 1980, particularmente, no
primeiro projeto da LDB [...]” (CIAVATTA, 2005, p. 87), contudo

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
267
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

É preciso ter claro que a (des) integração entre a formação


geral e a formação profissional é um processo político ‘endê-
mico’ no Brasil. Nunca houve vontade política combinada a
meios e poder suficientes para promover o ‘desengrossamen-
to’ necessário de toda a população, de que falava Durmeval
Trigueiro Mendes (1983, p. 58) (CIAVATTA, 2008, p. 79).
Nesse contexto, Oliveira (2009) vem reafirmar as proposições
de Ciavatta (2005) ao destacar a importância da articulação entre a
Educação Profissional e o Ensino Médio na perspectiva da integra-
ção e indica que
A articulação entre a formação geral e a formação profissio-
nal ainda se coloca como pedagógica e politicamente impor-
tante, uma vez que deve haver e vem existindo uma contínua
e ininterrupta preocupação por parte daqueles que pesqui-
sam na área de Trabalho e Educação e/ou Ensino Médio de
reafirmar o quanto o processo de formação profissional não
pode resumir-se apenas à apropriação de saberes práticos e
úteis ao mercado de trabalho. Cada vez mais, a luta política
por um Ensino Médio que objetive a formação ‘integral’ dos
educandos impõe-se como necessária e conseqüente (OLI-
VEIRA, 2009, p. 53).
Para Ciavatta (2005), a integração entre o Ensino Médio e a
Educação Profissional deve buscar os seus fundamentos na forma-
ção humana em seu sentido pleno. A formação integrada humani-
zadora, vincula-se à construção de uma sociedade com propósito
contrário ao determinado pelo capital.
Como formação humana, a formação integrada busca “ga-
rantir ao adolescente”, ao jovem e ao adulto trabalhador o
direito de uma formação completa para a leitura do mundo
e para a atuação como cidadão pertencente a um país, in-
tegrado dignamente à sua sociedade política (CIAVATTA,
2005, p. 85).
Ramos (2008) relaciona a concepção de Ensino Médio integra-
do com a concepção de educação unitária, de politécnica e de omni-

268 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

lateralidade. Defende o projeto de escola unitária que visa a superar


a dualidade da formação para o trabalho manual e para o trabalho
intelectual.
A concepção da escola unitária expressa o princípio da edu-
cação como direito de todos. Uma educação de qualidade,
uma educação que possibilite a apropriação dos conheci-
mentos construídos até então pela humanidade, o acesso à
cultura, etc. Não uma educação só para o trabalho manual e
para os segmentos menos favorecidos, ao lado de uma edu-
cação de qualidade e intelectual para o outro grupo (RA-
MOS, 2008, p. 2).
Uma educação que considera os princípios da escola unitária
precisa ser politécnica, isto é, “uma educação que, ao propiciar aos
sujeitos o acesso aos conhecimentos e à cultura construídos pela
humanidade, propicie a realização de escolhas e a construção de ca-
minhos para a produção da vida” (RAMOS, 2008, p. 2). A autora se
refere ao trabalho como realização e produção humana, e também
o trabalho como práxis econômica. Propõe as discussões sobre as
possibilidades de organização do currículo de Ensino Médio inte-
grado à Educação Profissional, sob os seguintes pressupostos:
[...] a) que conceba o sujeito como ser histórico-social concre-
to capaz transformar a realidade em que vive; b) vise à for-
mação humana como síntese de formação básica e formação
para o trabalho; c) tenha o trabalho como princípio educativo
no sentido de que o trabalho permite concretamente, a com-
preensão do significado econômico, social, histórico, político
e cultural das ciências e das artes; d) seja baseado numa epis-
temologia que considere a unidade de conhecimentos gerais
e conhecimentos específicos e numa metodologia que permi-
ta a identificação das especificidades desses conhecimentos
quanto à sua historicidade, finalidades e potencialidades; e)
seja baseado numa pedagogia que vise à construção conjun-
ta de conhecimentos gerais e específicos no sentido de que
os primeiros fundamentam os segundos e esses evidenciam
o caráter produtivo concreto dos primeiros; f) seja centrado

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
269
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

nos fundamentos das diferentes técnicas que caracterizam o


processo de trabalho moderno, tendo como eixos o trabalho,
a ciência e a cultura (RAMOS, 2005, p. 108-109).
Na análise de Ramos (2008), a educação na forma Integrada
deve sustentar-se em um tipo de escola que não seja dual, ao con-
trário, seja unitária, garantindo a todos o direito ao conhecimento,
e em uma educação politécnica, que possibilita o acesso à cultura, à
ciência, ao trabalho, por meio de uma educação básica e profissio-
nal. Conforme afirma Ciavatta (2005, p. 98):
O primeiro pressuposto da formação integrada é a existên-
cia de um projeto de sociedade no qual, ao mesmo tempo,
se enfrente os problemas da realidade brasileira, visando à
superação do dualismo de classes e as diversas instâncias
responsáveis pela educação (governo federal, secretarias de
Educação, direção das escolas e professores) manifestem a
vontade política de romper com a redução da formação à
simples preparação para o mercado de trabalho.
A politecnia possui um significado bem maior do que seu senti-
do etimológico, “[...] significa uma educação que possibilita a com-
preensão dos princípios científico-tecnológicos e históricos da pro-
dução moderna, de modo a orientar os estudantes à realização de
múltiplas escolhas”. (RAMOS, 2008, p. 3)
Frigotto (1995) utiliza as expressões escola unitária e formação po-
litécnica como sinônimos, acrescentando o termo omnilateral, originá-
rio de Marx, com o significado de “não especializado”, contrapondo-se
à “unilateral”. A escola unitária teria como princípio possibilitar a
formação de sujeitos autônomos e responsáveis a fim de reconstruir
as condições dos sujeitos históricos: o direito de acesso à cultura, à
ciência e à tecnologia para todos, não de forma estritamente pro-
fissionalizante, mas por meio do desenvolvimento de capacidades
intelectivas e práticas dos alunos, na perspectiva da dimensão for-
mativa da práxis humana (FRIGOTTO, 1995).
Sobre o conceito de integração, Ramos (2008) relaciona a concep-
ção de formação humana à articulação da Educação Profissional com o

270 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

Ensino Médio, os quais se complementam em uma proposta de educa-


ção na forma Integrada. Os três sentidos para a integração são:
a) Omnilateral: Sentido filosófico, expressa uma concepção
de formação humana, com base na integração de todas as
dimensões da vida no processo formativo.
b) Indissociabilidade entre educação profissional e educação
básica: definimos o segundo sentido da integração como as
formas de integração do ensino médio com a educação pro-
fissional. Voltamo-nos, então, às possibilidades apresentadas
pela política nacional, até chegar às escolhas e práticas feitas
no âmbito dos sistemas de ensino e das escolas.
c) a integração de conhecimentos gerais e específicos como
totalidade: integração entre conhecimentos gerais e especí-
ficos conformando uma totalidade curricular [...] (RAMOS,
2008, p. 3-14).
Nesse sentido, a autora coloca que a primeira possibilidade e
desafio atribuído à integração é expressar uma concepção de for-
mação humana, com base na integração de todas as dimensões da
vida no processo formativo, referindo-se à formação omnilateral dos
sujeitos, a qual pode ser trabalhada tanto no Ensino Médio quan-
to na Educação Profissional, visto que integram as dimensões do
trabalho, da ciência e da cultura, dimensões fundamentais da vida
(RAMOS, 2008). O trabalho é
[...] realização humana inerente ao ser (sentido ontológico) e
como prática econômica (sentido histórico associado ao res-
pectivo modo de produção); a ciência compreendida como
os conhecimentos produzidos pela humanidade que possibi-
lita o contraditório avanço produtivo (RAMOS, 2008, p. 3).
Dessa forma, a formação profissional estaria estruturada como
preparação para o exercício do trabalho. Algumas propostas foram
apresentadas na reunião com o Ministério da Educação:
1) A centralidade do ensino médio não é o mercado de tra-
balho, mas sim as necessidades dos sujeitos;

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
271
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

2) O ensino médio integrado deve ser como perspectiva um


projeto unitário de ensino médio – que não elide as singula-
ridades dos grupos sociais mas se constitui como síntese do
diverso – tendo o trabalho como o primeiro fundamento da
educação como prática social;
3) Proporcionar, com o ensino médio integrado, uma forma-
ção que possibilite o exercício produtivo não é o mesmo que
fazer uma formação profissionalizante, posto que tal partici-
pação exige, antes, a compreensão dos fundamentos da vida
produtiva em geral;
4) O ensino médio integrado, considerando seus sentidos
filosófico, epistemológico e político que estrutura sua base
unitária, incorpora também, na perspectiva de um projeto
nacional, o diverso. (RAMOS, 2008, p. 2-3)
O trabalho, a ciência e a cultura são concebidos como elemen-
tos integradores, que devem ser compreendidos a partir do trabalho
como princípio educativo, o que “não se confunde com o ‘aprender
fazendo’, nem é sinônimo de formar para o exercício do trabalho”.
Considerar o trabalho “[...] como princípio educativo equivale dizer
que o ser humano é produtor de sua realidade e, por isto, se apropria
dela e pode transformá-la” (RAMOS, 2008, p. 4). Logo, a formação
na Educação Profissional na forma Integrada não se restringe à pre-
paração exclusiva para o exercício do trabalho, mas proporciona a
compreensão das relações socioprodutivas, sendo
[...] preciso que o ensino médio defina sua identidade como
última etapa da educação básica mediante um projeto que,
conquanto seja unitário em seus princípios e objetivos,
desenvolva possibilidades formativas que contemplem as
múltiplas necessidades socioculturais e econômicas dos su-
jeitos que o constituem – adolescentes, jovens e adultos
–, reconhecendo-os não como cidadãos e trabalhadores
de um futuro indefinido, mas como sujeitos de direitos no
momento em que cursam o ensino médio. (RAMOS, 2008,
p. 5)

272 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

Ramos (2008) acrescenta que dispomos de amparo legal para


pôr em prática a Educação Profissional articulada ao Ensino Médio
na forma Integrada, porém é necessário, ainda, reconhecer o direito
ao trabalho para as classes trabalhadoras na perspectiva econômica,
o qual atribui à profissionalização dos jovens como uma necessida-
de. A Educação Profissional articulada ao Ensino Médio na forma
Integrada revela a preocupação de superar a histórica dualidade que
tem marcado a educação, em diálogo com a escola desinteressada,
já referenciada neste trabalho e objeto da síntese de Ramos (2008).
A Educação Profissional articulada ao Ensino Médio na forma
Integrada, não é uma política compensatória para aqueles que não
teriam acesso ao ensino superior. A profissionalização dos jovens é
tanto uma necessidade quanto uma possibilidade para o enfrenta-
mento das contradições econômicas, como “[...] uma condição neces-
sária para se fazer a ‘travessia’ para uma nova realidade” (FRIGOTTO;
CIAVATTA; RAMOS, 2005a, p. 43). Foi essa “travessia” que o De-
creto n° 2.208/1997 suspendeu ao não permitir ao Ensino Médio
proporcionar a formação técnica, por meio da articulação da Edu-
cação Profissional e do Ensino Médio (FRIGOTTO; CIAVATTA;
RAMOS, 2005a, p. 43). Dessa forma, o Decreto n° 5.154/2004 pre-
tende
[...] reinstaurar um novo ponto de partida para essa travessia,
de tal forma que o horizonte do ensino médio seja a consoli-
dação da formação básica unitária e politécnica, centrada no
trabalho, na ciência e na cultura, numa relação mediata com a
formação profissional específica que se consolida em outros
níveis e modalidades de ensino. (FRIGOTTO; CIAVATTA;
RAMOS, 2005a, p. 43-44)
Essa condição compreende a dimensão da vida do sujeito, pos-
sibilitando aos jovens e adultos se apropriarem de conhecimentos
que estruturem a sua inserção na vida produtiva dignamente, garan-
tindo o direito à Educação Básica e possibilitando a formação na
Educação Profissional, considerando que

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
273
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

A forma integrada de oferta do ensino médio com a educa-


ção profissional obedece a algumas diretrizes ético-políticas,
a saber: integração de conhecimentos gerais e específicos;
construção do conhecimento pela mediação do trabalho, da
ciência e da cultura; utopia de superar a dominação dos tra-
balhadores e construir a emancipação – formação de diri-
gentes. Sob esses princípios, é importante compreender que
o ensino médio é a etapa da educação básica em que a rela-
ção entre ciência e práticas produtivas se evidencia; e é a eta-
pa biopsicológica e social de seus estudantes em que ocorre
o planejamento e a necessidade de inserção no mundo do
trabalho, no mundo adulto (RAMOS, 2008, p. 14).
A articulação da Educação Profissional com o Ensino Médio
na forma Integrada deve considerar, ainda, os conhecimentos ge-
rais e específicos numa totalidade: “não existe essa separação que o
positivismo nos fez crer ao longo da história, com base na qual se
naturaliza a ideia de que o professor da Educação Básica ministra as
teorias gerais, enquanto o professor da formação técnica ministra as
suas aplicações” (RAMOS, 2008, p. 16).
Assim, queremos dizer que nenhum conhecimento espe-
cífico é definido como tal se não consideradas as finalida-
des e o contexto produtivo em que se aplicam. Queremos
dizer ainda que, se ensinado exclusivamente como concei-
to específico, profissionalizante, sem sua vinculação com
as teorias gerais do campo científico em que foi formu-
lado, provavelmente, não se conseguirá utilizá-lo em con-
textos distintos daquele em que foi aprendido (RAMOS,
2008, p. 17).
Dessa forma, o conhecimento específico é definido a partir das
finalidades e do contexto produtivo em que se aplica. A proposta
de integração defendida por Ramos (2008) entende a concepção de
homem histórico e a realidade como totalidade (historicidade do co-
nhecimento), sendo os pressupostos que fundamentam a Educação
Profissional na forma Integrada.

274 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

O ensino médio puro não configura identidades dos sujeitos


que precisam urgentemente se inserir na vida produtiva. Es-
ses sujeitos conseguiriam emprego? Isto não está dado, pois
a educação não garante o emprego. Mas falamos em lutar
ativamente, municiado de conhecimentos, de categorias que
levem à compreensão da realidade social e a meios de ação
profissional. Uma formação genérica que não tem significa-
do concreto para os sujeitos é uma formação que os coloca
na lógica subordinada. Assim, a defesa do ensino médio in-
tegrado não reforça a ideia da empregabilidade (RAMOS,
2008, p. 27).
A integração exige que a relação entre os conhecimentos gerais
e os específicos seja construída continuamente ao longo da forma-
ção, considerando o trabalho no contexto em que é construído, o
que justifica “[...] a formação específica para atividades diretamente
produtivas” (Ramos, 2008, p. 8). Dessa forma, a sobreposição de
disciplinas consideradas de formação geral e de formação especí-
fica, ao longo de um curso, não é o mesmo que integração, assim
como não é o mesmo a adição de um ano de estudos profissionais
a três anos de Ensino Médio ou da Educação Profissional. Nessa
perspectiva,
[...] trata-se de superar a redução da preparação para o traba-
lho ao seu aspecto operacional, simplificado, escoimado dos
conhecimentos que estão na sua gênese científico-tecnoló-
gica e na sua apropriação histórico-social. Como formação
humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem
e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa
para a leitura do mundo e para a atuação como cidadão per-
tencente a um País, integrado dignamente à sua sociedade
política (MEC, 2007, p. 41).
Para Garcia (2009), a perspectiva de integração proposta pelo
Decreto Nº 5.154/04 constitui a melhor forma para alicerçar no
Ensino Médio os conhecimentos científicos e tecnológicos, a fim de
construir uma identidade dessa etapa da Educação Básica, em que a

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
275
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

educação não seja nem toda propedêutica e nem apenas profissio-


nalização, visto que
O erro histórico das “mudanças” talvez tenha sido a persis-
tência de uma coisa ou outra. Construir uma educação nes-
te nível de ensino não é apenas uma opção por uma forma
ou outra, é a construção de uma educação que possibilite a
apropriação dos conhecimentos construídos pela humanida-
de e o acesso à cultura. (GARCIA, 2009, p. 63)
A categoria Educação Básica é considerada como responsável
por garantir a integração entre os diferentes níveis e modalidades
de ensino, por abarcar a formação mínima necessária ao sujeito
trabalhador, tomando como ponto de partida para a integração o
trabalho como princípio educativo. Adotar o trabalho como princí-
pio educativo na sociedade capitalista significa “[...] a construção de
políticas que atendam às necessidades dos que vivem do trabalho,
isto é possível pela própria contradição, considerados os limites e
possibilidades da escola”. (GARCIA, 2009, p. 64) Nesse sentido,
[...] pode-se enfatizar o compromisso da educação profissio-
nal com a educação básica, compreendida como um direito
social e condição indispensável para a superação da perspec-
tiva direcionada para o simples adestramento e adaptação
às demandas ditadas pelo mercado e, portanto pelo capital
(SEED/DEP/2005, p. 49).
Kuenzer (2000) corrobora tais proposições ao considerar que
“[...] a finalidade da escola que unifica cultura e trabalho é a for-
mação de homens desenvolvidos multilateralmente, que articulem
a sua capacidade produtiva às capacidades de pensar, de estudar, de
dirigir ou de controlar quem dirige” (KUENZER, 2000, p. 24), uma
escola unitária, que propunha inserir os jovens na vida social, após
terem adquirido certa maturidade, capacidade intelectual e prática
(GARCIA, 2009).
O documento Base do MEC da Educação Profissional Técnica
de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio, publicado em 2007,

276 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

apresenta elementos importantes para pensarmos a Educação Pro-


fissional integrada ao Ensino Médio na forma Integrada. O docu-
mento retoma o debate promovido pela revogação do Decreto Nº
2.208/1997, segundo o qual a Educação Profissional de nível téc-
nico teria organização curricular própria e independente do Ensino
Médio, e pela publicação do Decreto Nº 5.154/2004, que apresen-
ta a possibilidade da Educação Profissional acontecer articulada ao
Ensino Médio na forma Integrada.
A apresentação do documento Base do MEC da Educação
Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio
apresenta uma explicação sobre a necessidade e importância da ar-
ticulação entre a Educação Profissional articulada ao Ensino Médio
e sua realização de forma integrada. O documento faz referência
às ações realizadas com a finalidade de discutir e viabilizar políticas
no sentido da integração, evidenciando a necessidade de ‘’[...] uma
ação política concreta de explicitação, para as instituições e sistemas
de ensino, dos princípios e diretrizes do Ensino Médio integrado à
Educação Profissional’’ (MEC, 2007, p. 4).
O documento expressa historicamente as ações realizadas a
partir de 2003 no sentido da integração. O Ministério da Educa-
ção/SETEC, em 2003, organizou dois seminários5 para debater as
questões da integração. O primeiro Seminário Nacional “[...] Ensino
Médio: Construção Política”, que ocorreu em Brasília, em maio de 2003,
“teve como objetivo discutir a realidade do Ensino Médio brasileiro e novas pers-
pectivas na construção de uma política para esse nível de ensino ” (MEC, 2007,
p. 6), cujo resultado foi sistematizado no livro: Ensino Médio: Ciên-
cia, Cultura e Trabalho. O segundo Seminário Nacional de Educação
Profissional Concepções, experiências, problemas e propostas, específico da
Educação Profissional e Tecnológica teve como base de discussão
o documento intitulado: Políticas Públicas para a Educação Profissional e
Tecnológica. O resultado dessas discussões foi sistematizado no docu-

5 Participaram desses Seminários instituições científicas, educadores, pesquisadores, entidades de


classe, instituições de ensino, representantes dos Ministérios da Educação e do Trabalho e Em-
prego e outros órgãos do governo, Sistemas Estaduais de ensino, Sistema S e parlamentares.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
277
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

mento publicado pelo SETEC, em 2004, Proposta em discussão: Políti-


cas Públicas para a Educação Profissional e Tecnológica (MEC, 2007, p. 6).
Este documento pretendia
[...] resgatar as concepções e princípios gerais que deverão
nortear a educação profissional e tecnológica, baseados no
compromisso com a redução das desigualdades sociais, o
desenvolvimento socioeconômico, a vinculação à educação
básica e a uma escola pública de qualidade (MEC/SETEC,
2004, p. 6).
Três minutas do Decreto n° 5.154/2004, que veio a revogar o
Decreto n° 2.208/1997, foram elaboradas, considerando que:
Esse processo manteve-se polêmico, em todos os encontros,
debates e audiências realizados com representantes de en-
tidades da sociedade civil e de órgãos governamentais. To-
das as contribuições recolhidas nesses momentos levaram a
um progressivo amadurecimento do tema que não tomou
forma em uma via de mão única, ao contrário, manteve as
contradições e disputas teóricas e políticas sinalizadas desde
o início do processo, culminando no Decreto n. 5154/04.
(FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005a, p. 23)
O documento Base do MEC da Educação Profissional Técni-
ca de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio destaca que dentre
as concepções defendidas pelos participantes nos Seminários, duas
posições de Educação Profissional ficaram evidenciadas: a primeira
concepção baseava-se nos princípios do Decreto nº. 2.208/1997,
que na sua essência separava a Educação Profissional da Educação
Básica e defendia a sua manutenção; e a segunda concepção trazia
para o debate os princípios da educação tecnológica e politécnica.
Os esforços concentraram-se em superar a divisão entre conheci-
mentos específicos e gerais, Ensino Médio e Educação Profissional
(MEC, 2007, p. 7), e deslocava ‘’[...] o foco do mercado de trabalho para
a pessoa humana, tendo como dimensões indissociáveis o trabalho, a ciência, a
cultura e a tecnologia’’, considerando como ‘’[...] necessária e adequada à

278 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

formação da classe trabalhadora brasileira no sentido de sua auto-


nomia e emancipação’’ (BRASIL, 2007, p. 6-9).
A esse respeito, Frigotto e Ciavatta (2004) elaboraram o docu-
mento analítico6 sobre as posições manifestadas a respeito de uma
possível revogação do Decreto N° 5.154/2004, evidenciando nesse
debate que:
[...] uma primeira posição expressa em três documentos de-
fendia a ideia ou tese de que cabe apenas revogar o Decre-
to n. 2.208/97 e pautar a elaboração da política de Ensino
Médio e Educação Profissional, de uma parte, pelo fato de
a LDB em vigor (Lei n. 9.394/96) contemplar as mudanças
que estão sendo propostas e, de outra, por se entender que
tentar efetivar mudanças por decreto significa dar continui-
dade ao método impositivo do governo anterior.
Uma segunda posição é expressa, mais diretamente, por um
documento que se posiciona pela manutenção do atual De-
creto n. 2.208/97 e outros documentos que indiretamente
desejariam que as alterações fossem mínimas.
Por fim, uma terceira posição, que consta de um número
mais significativo de documentos, direta ou indiretamente
partilha da ideia da revogação do Decreto n. 2.208/97 e da
promulgação de um novo Decreto. Estes documentos, de
abrangência e conteúdo diversos, [...] ofereceram suas suges-
tões de supressão, melhoria e acréscimos para novo Decreto
(FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005a, p. 23-24).
Na análise das três posições Frigotto e Ciavatta (2004) cons-
tataram que não houve consenso entre elas, sendo o primeiro e o
segundo posicionamentos opostos entre si, e a terceira posição, em
termos de princípios e concepções, não divergiam da primeira, po-
rém afastavam-se na forma de encaminhamento político. Em rela-
ção aos documentos produzidos, os referentes à primeira posição

6 Trata-se do documento elaborado pelos professores Maria Ciavatta e Gaudêncio Frigotto, discu-
tido e revisto pela equipe da Diretoria de Ensino Médio da SEMTEC (FRIGOTTO; CIAVATTA,
2004).

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
279
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

“[...] foram fundamentais no processo tanto de implementação do novo Decreto,


quando para, em médio prazo, a construção de um instrumento legal mais ade-
quado”. (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 24)
Para Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), os Seminários procura-
ram aprofundar as reflexões sobre as concepções do conhecimento,
do trabalho e da cultura, além da elaboração de documentos para a
construção da Política do Ensino Médio e da Educação Profissio-
nal, que resultou no Decreto n° 5.154/2004.
O documento Base do MEC da Educação Profissional Técnica
de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio ressalta que a perspec-
tiva da formação integral e da articulação entre o Ensino Médio e
a Educação Profissional integrada foi perdendo-se gradativamente
em função da correlação de forças existente entre a educação públi-
ca e a educação privada, considerando que “[...] a revogação do Decreto
N° 2.208/1997 tornou-se emblemática da disputa e a expressão pontual de
uma luta teórica em termos da pertinência político-pedagógica do Ensino Mé-
dio integrado à Educação Profissional” (FRIGOTTO; CIAVATTA; RA-
MOS, 2005a, p. 26).
A fragmentação aconteceu dentro do próprio Ministério da
Educação no processo de reestruturação, ao deixar o Ensino Médio
sob a responsabilidade da Secretaria de Educação Básica e a Edu-
cação Profissional sob a responsabilidade da Secretaria de Educa-
ção Média e Tecnológica que, segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos
(2005a, p. 45), “aponta formalmente o dualismo”. Além disso, algumas
medidas tomadas pelo MEC evidenciaram que “[...] a política de inte-
gração não seria prioridade e que não estavam claras as concepções das equipes
dessas secretarias”. (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005b, p.
1091)
O que caberia, neste caso, dentro de um fundamento teó-
rico e histórico, seria uma Secretaria de Educação Básica
que incluiria, portanto, o ensino médio dentro da concep-
ção tecnológica ou politécnica e uma Secretaria de Educação
Profissional stricto sensu. Este poderia ser um avanço teórico
e político importante, pois esta última Secretaria teria uma

280 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

tarefa de articular e ter a prerrogativa de coordenar a enorme


dispersão de entidades e iniciativas de educação profissional,
articulando-as à educação básica numa estratégica de eleva-
ção de escolaridade. (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS,
2005a, p. 45)
Para Kuenzer e Garcia (2008, p. 51), o documento Base do
MEC da Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada
ao Ensino Médio apresenta um quadro da Educação Profissional e
do Ensino Médio e “[...] resgata do primeiro projeto da LDB a perspectiva
da politecnia”, sendo que
[...] essa retomada produz reflexões importantes quanto à
possibilidade material da implementação da politecnia na
educação básica brasileira na perspectiva aqui mencionada,
hoje em dia. Tais reflexões e análises permitiram concluir
que as características atuais da sociedade brasileira dificultam
a implementação da politecnia ou educação tecnológica em
seu sentido original, uma vez que, dentre outros aspectos,
a extrema desigualdade socioeconômica obriga grande par-
te dos filhos da classe trabalhadora a buscar a inserção no
mundo do trabalho visando complementar o rendimento fa-
miliar, ou até mesmo a auto-sustentação, muito antes dos 18
anos de idade (MEC, 2007, p. 17.)
O documento Base do MEC da Educação Profissional Técnica
de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio assegura a impossibi-
lidade de efetivação e implementação da Educação Profissional na
forma Integrada nas bases universais e unitárias da politecnia em
uma sociedade capitalista (KUENZER; GARCIA, 2008), pois “[...]
não encontraria uma base material concreta de sustentação na sociedade brasilei-
ra atual, uma vez que esses jovens não podem “se dar ao luxo” de esperar até os
20 anos ou mais para iniciar a trabalhar” (MEC, 2007, p. 24).
Tais reflexões conduziram ao entendimento de que uma
solução transitória e viável é um tipo de ensino médio que
garanta a integralidade da educação básica, ou seja, que con-
temple o aprofundamento dos conhecimentos científicos

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
281
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

produzidos e acumulados historicamente pela sociedade,


como também objetivos adicionais de formação profissio-
nal numa perspectiva da integração dessas dimensões (MEC,
2007, p. 24).
Portanto, a Educação Profissional articulada ao Ensino Médio
na forma Integrada e na perspectiva da politecnia, “[...] pode-se consti-
tuir em um processo de travessia para a materialização de uma educação tecno-
lógica, politécnica”. (KUENZER; GARCIA, 2008, p. 52)
Outro ponto importante a que o documento Base do MEC da
Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino
Médio faz referência é com relação à falta de sentido e de significa-
ção do Ensino Médio, expressando a necessidade de uma identidade
que venha a colaborar para a formação completa, integral dos alu-
nos. (MEC, 2007, p. 25)
O documento Base do MEC da Educação Profissional Técnica
de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio apresenta, ainda, cinco
eixos que expressam as concepções e princípios da Educação Pro-
fissional na forma Integrada, descritos por Ramos (2006) ao analisar
o conceito de integração, conforme mencionados. Os cinco eixos
trabalhados no documento Base do MEC da Educação Profissio-
nal Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio, tratam da
formação humana integral; do trabalho, da ciência, da tecnologia
e cultura como categorias indissociáveis da formação humana; o
trabalho como princípio educativo; a pesquisa como princípio edu-
cativo; e a relação parte-totalidade na proposta curricular.
A formação humana integral concebe o Ensino Médio como par-
te inseparável da Educação Profissional em todos os campos onde se
dá a preparação para o trabalho, ou seja, tanto nos processos produti-
vos quanto nos processos educativos. Isso significa enfocar o trabalho
como princípio educativo, no sentido de superar a dicotomia trabalho
manual/trabalho intelectual e incorporar a dimensão intelectual ao
trabalho produtivo, isto é, formar trabalhadores atuantes.
O trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura são expressos no
documento Base do MEC da Educação Profissional Técnica de Ní-

282 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

vel Médio Integrada ao Ensino Médio como categorias indissociá-


veis na formação humana, quando se trata da Educação Profissio-
nal articulada ao Ensino Médio na forma Integrada, conceituadas
como:
a) Trabalho ‘compreendermos como uma mediação de pri-
meira ordem no processo de produção da existência e objeti-
vação da vida humana. A dimensão ontológica do trabalho é,
assim, o ponto de partida para a produção de conhecimentos
e de cultura pelos grupos sociais’.
b) Ciência ‘é a parte do conhecimento melhor sistematizado
e deliberadamente expresso na forma de conceitos represen-
tativos das relações determinadas e apreendidas da realidade
considerada. O conhecimento de uma seção da realidade con-
creta ou a realidade concreta tematizada constitui os campos
da ciência, as disciplinas científicas’.
c) Tecnologia ‘então, como mediação entre ciência (apreensão
e desvelamento do real) e produção (intervenção no real)’.
d) Cultura ‘deve ser compreendida no seu sentido mais am-
pliado possível, ou seja, como a articulação entre o conjunto
de representações e comportamentos e o processo dinâmico
de socialização, constituindo o modo de vida de uma popula-
ção determinada’ (KUENZER; GARCIA, 2008, p. 54).
O trabalho como princípio educativo no documento Base do
MEC da Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada
ao Ensino Médio é o fundamento que compreende a relação entre
trabalho, ciência, tecnologia e cultura,
Considerar o trabalho como princípio educativo equivale di-
zer que o ser humano é produtor de sua realidade e, por isso,
se apropria dela e pode transformá-la. Equivale dizer, ainda,
que nós somos sujeitos de nossa história e de nossa realidade
(MEC, 2007, p. 45).
No caso da Educação Profissional articulada ao Ensino Médio
na forma Integrada, o que se pretende é que a Educação Profissio-

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
283
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

nal se torne parte inseparável do Ensino Médio, “[...] buscando enfocar


o trabalho como princípio educativo, no sentido de superar a dicotomia trabalho
manual trabalho intelectual, de incorporar a dimensão intelectual ao trabalho
produtivo [...]” (MEC, 2007, p. 41).
A proposta de um currículo integrado em quatro anos tenta
assegurar o domínio dos conhecimentos que perfazem o iti-
nerário cognitivo e formativo de um aluno-cidadão-trabalha-
dor. Mas a superação da visão produtivista e mecanicista da
educação e da escola somente poderá ser alcançada colocan-
do o sujeito no centro da organização do trabalho educativo
e pedagógico, e não mais o mercado de trabalho. (GARCIA,
2009, p. 64)
Dessa forma, confirma-se o compromisso de perseguir uma ar-
ticulação e integração que seja [...] “orgânica entre trabalho como princípio
educativo, a ciência e tecnologia como síntese de toda produção humana com seu
meio, e a cultura, como síntese da formação geral e específica [...]” (GARCIA,
2009, p. 63).
A relação parte-totalidade na proposta curricular no documen-
to Base do MEC da Educação Profissional Técnica de Nível Médio
Integrada ao Ensino Médio discute a integração de conhecimen-
tos gerais e específicos, correspondentes à formação na Educação
Profissional integrada, a partir da capacidade de relacionar parte e
totalidade, em que
[...] cada fato ou conjunto de fatos, na sua essência, reflete
toda a realidade com maior ou menor riqueza ou completu-
de. Por essa razão, é possível que um fato deponha mais que
um outro na explicação do real. Assim, a possibilidade de se
conhecer a totalidade a partir das partes é dada pela possibi-
lidade de se identificar os fatos ou conjunto de fatos que de-
ponham mais sobre a essência do real; e, ainda, de distinguir
o essencial do acessório, assim como o sentido objetivo dos
fatos (MEC, 2008, p. 50).
A última parte do documento Base do MEC da Educação Pro-
fissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio apre-

284 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

senta alguns fundamentos e pressupostos para a construção de um


Projeto Político Pedagógico para a Educação Profissional articulada
ao Ensino Médio na forma Integrada, sendo que
O primeiro fundamento para a construção do projeto polí-
tico pedagógico de qualquer escola é a sua construção cole-
tiva. O projeto político pedagógico só existe de fato – não
como um texto formal, ou uma “peça de ficção”, mas com
expressão viva de concepções, princípios, finalidades, obje-
tivos e normas que unificam a comunidade escolar – se ele
de fato pertencer a esse grupo; se o grupo se identificar com
ele; se reconhecer nele. (MEC, 2007, p. 53)
Em síntese, buscamos evidenciar a importância da clareza con-
ceitual da terminologia que trata das relações entre a Educação Pro-
fissional e o Ensino Médio, considerando que, em se tratando de
educação, as palavras ou expressões em determinados contextos
não podem ser utilizadas como sinônimos, a fim de não distorcer
o seu sentido, além de imprimir um sentido teórico-ideológico que
não corresponde com o real significado e sentido a que se refere
determinada Lei ou análise teórica.

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ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
285
OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

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OS DIFERENTES SENTIDOS ATRIBUÍDOS À COMPREENSÃO DA RELAÇÃO DA ED. PROFISSIONAL E ENS. MÉDIO

288 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
13
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO


DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA:
CONVERGÊNCIA DA POLÍTICA DE
CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO E
POLÍTICA DE EDUCAÇÃO1

Zuleide S. Silveira2

Para a sociedade subdesenvolvida, desenvolvimento não é


qualquer tipo de transformação interna: é a mudança social,
que além de destruir os laços de dependência para com o
exterior, permite àquela sociedade a conquista de autonomia,
educacional, cultural e tecnológica (FERNANDES, 1975;
2004).

Introdução

Florestan Fernandes escreveu estas palavras em fins da década


de 1960. Decorrido quase meio século, elas continuam atuais, uma
vez que apontam para a rede de contradições sobre a qual o capital

1 Este texto é uma versão revista e ampliada do artigo publicado no Boletim Técnico do Senac, Rio
de Janeiro, v. 41, n. 1, p. 36-57, jan./abr. 2015.
2 Doutora em Educação/Linha de Pesquisa Trabalho e Educação pela Universidade Federal Flu-
minense (UFF). Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal Flumi-
nense (FEUFF), Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFF). Mem-
bro do Comitê Assessor de Pesquisa da PROPPI/UFF, representante da área de Educação.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
289
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

opera tanto em países de capitalismo central quanto em países de


capitalismo dependente.
Seu ponto nodal encontra-se no inconciliável antagonismo en-
tre capital, trabalho e educação, cujas contradições secundárias, para
citarmos algumas não menos importantes, são: produção, distribui-
ção e consumo; monopólio e competição; formas autoritárias de
decisão e estratégias de produção de consenso; objetivação da ética
e de valores do «bem-estar» social e políticas para aliviar a pobreza
e fortalecer a coesão social; interesses privados e interesses gerais/
coletivos; desenvolvimento e subdesenvolvimento; desenvolvimen-
to econômico-social e crescimento econômico.
O debate em torno da relação educação e desenvolvimento
(econômico e social) não é uma novidade no seio de uma sociedade
em que o desenvolvimento das forças produtivas atingiu um ponto
tal que: nunca houve condições tecnológicas e científicas tão boas
para o desenvolvimento da humanidade. (SANTOS, 2012) Tal de-
bate já fazia parte da então ciência econômica como ramo da filoso-
fia moral n’A riqueza das nações, de Adam Smith.
Entretanto, será no Pós-Segunda Guerra Mundial, com a disse-
minação de duas teorias ortodoxas do “bem-estar” social, quais se-
jam, a teoria da justiça, de John Rawls, e a teoria do capital humano,
de Theodore Schultz3, que se busca estabelecer um vínculo linear e
estreito entre o processo de universalização da educação formal e o
crescimento econômico (plano macroeconômico), bem como o tem-
po de escolarização e a renda individual (plano microeconômico).
O individualismo metodológico, empregado pelas referidas teorias
do “bem-estar” social, impossibilita questionar a organização da socie-
dade em classes, a apropriação privada dos meios e das forças de produ-
ção. Neste sentido, a solução das mazelas sociais recai sobre a respon-
sabilidade (social) de todos: do Estado, gerenciador do fundo público;
3 Medeiros (2013) empreende a crítica ontológica às teorias do “bem-estar” social, evidenciando
que as leis gerais de estrutura e funcionamento da sociedade capitalista ao produzir e desenvolver
as mazelas sociais estabelece uma tensão permanente entre a ética, os valores de concepção de
sociedade (capitalista) e a realidade concreta engendrada pelas relações sociais de produção e
reprodução da vida.

290 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

da sociedade civil organizada em torno do empresariado, que além de


destinar recursos participa na orientação e gestão de projetos sociais,
particularmente os educacionais; do suposto terceiro setor4, instituições
privadas ditas sem fins lucrativos, que atuam mediata e imediatamente
na gestão administrativa e pedagógica de ofertas formativas.
Não sem razão, o recém-sancionado Marco Legal da Ciên-
cia, Tecnologia Inovação (CT&I)5 veio regular a integração entre
agentes públicos e privados que constituem o sistema nacional de
ciência, tecnologia e inovação: “estamos dando transparência e se-
gurança jurídica a uma cooperação fundamental para o crescimen-
to econômico, a geração de emprego e renda, o desenvolvimento
sustentável e a ampliação de oportunidades para nossa população”.
(ROUSSEFF, 2016)
O Marco Legal de CT&I, sendo próprio da superestrutura6 re-
mete ao aspecto peculiar da relação educação e desenvolvimento: o
papel que a educação deve cumprir coerente com os mecanismos
de internacionalização da economia e da tecnologia. (SILVEIRA,
2011) Via de regra, entende-se que a inovação dita as condições e
a velocidade da produção do conhecimento, uma vez que, suposta-
mente, não é o trabalho que produz a riqueza da sociedade, e sim,
o conhecimento.

4 Para maiores detalhes ver Fontes (2010, pp. 255-301).


5 Lei nº 13.243, de 11 de janeiro de 2016, que dispõe sobre estímulos ao desenvolvimento cientí-
fico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação e altera a Lei nº 10.973, de 2
de dezembro de 2004, a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, a Lei nº 8.666, de 21 de junho de
1993, a Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, a Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, a Lei
nº 8.958, de 20 de dezembro de 1994, a Lei nº 8.010, de 29 de março de 1990, a Lei nº 8.032, de
12 de abril de 1990, e a Lei nº 2.772, de 28 de dezembro de 2012, nos termos da Emenda Cons-
titucional nº 85, de 26 de fevereiro de 2015.
6 O fator econômico não é o único determinante da história da produção e reprodução da
vida concreta, mas também a superestrutura. Há um todo articulado entre o papel do Estado
e as objetivações mais elevadas do trabalho que se manifestam nas formas jurídicas, políticas,
filosóficas, artísticas, religiosas, na sua relação com a forma que os homens se organizam para
produzir e reproduzir sua existência (MARX, 2003; MARX.; ENGELS, 2015). A superestrutura
encontra-se ancorada na formas políticas de luta de classes, que acabam por se manifestar no
aparato político-jurídico-ideológico, bem como na consciência de classe (em permanente proces-
so de formação) dos que da luta participam. Tal consciência de classe, por sua vez, se patenteia
em teorias filosóficas, políticas e jurídicas. Também faz parte da superestrutura, as concepções
religiosas e seu desenvolvimento em dogmas. (ENGELS, 1890)

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
291
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

Nessa perspectiva, quanto maior a produção de CT&I, maiores


seriam as possibilidades de transformações econômicas e sociais na
direção de uma sociedade coesa, igualitária e democrática, pois que,
as inovações se constituem fonte de lucro e motor de desenvol-
vimento econômico, na medida em que criam um “processo per-
manente de destruição criadora”. (SCHUMPETER apud SZMREC-
SÁNYI, 2006, p. 116).
Ao considerar a tecnologia motor do desenvolvimento, refor-
ça-se o caráter fetichista da tecnologia no qual o desenvolvimento
aparece como algo autônomo frente às relações de produção, além
de atribuir a ela o poder de determinar o movimento histórico como
tentativa de explicar os processos de transformação social, que ca-
minhariam em sentido único e inexorável ao bem-estar da nação, a
partir da introdução de novas tecnologias no mundo da produção.
Daí, a institucionalização da pesquisa pública e privada, materiali-
zada nas universidades, nos institutos de pesquisa, departamentos
de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e, mais recentemente, nas
escolas de ensino médio.
Este artigo busca evidenciar a convergência das políticas de ci-
ência, tecnologia e inovação e de educação, apontando para seus
limites e desafios. Analisa o desenvolvimento do Programa Insti-
tucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio do
CNPq (PIBIC-EM/CNPq) por meio de resultados da pesquisa em
torno da oferta de bolsas de iniciação científica, no Brasil, particu-
larmente no estado do Rio de Janeiro. À guisa de conclusão, realça a
especificidade da escola capitalista brasileira e a proposta de univer-
salização da educação básica, na perspectiva da formação omnilateral.

Alguns aspectos da articulação entre política de CT&I


e política de educação

Diferentes países, sejam de capitalismo central, sejam de capita-


lismo dependente, têm voltado a produção do conhecimento cien-
tífico, tecnológico e inovador para o desenvolvimento econômico e

292 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

modernização do Estado e do bloco político-regional a que este se


insere7. Trata-se de um movimento que se desenvolve desde me-
ados do século XX com a institucionalização da política científica
e tecnológica, de cujas bases conceituais, estrutura organizacional,
instrumentos de financiamento, é possível abstrair a concepção de
educação tecnológica norteadora das contrarreformas educacionais,
no Brasil, desde o período de governo empresarial-militar até os dias
que correm, nos mandatos dos governos neoliberais8. .
Tal concepção de educação tecnológica compreende a política
educacional (em todos os níveis e modalidades de educação) como
instrumento a serviço da política de CT&I. Isto é, a concepção de
educação tecnológica não diz respeito única e exclusivamente às ci-
ências exatas e da terra e às engenharias, mas também às ciências da
saúde e às ciências sociais e humanas9, pois que: (i) tanto o trabalho
quanto o conhecimento são resultado de produção histórico-social
não se resumindo, pois, à divisão segmentada das especializações
acadêmicas; (ii) ela se volta para a formação do trabalhador coletivo
segundo divisão internacional do trabalho.
Como a economia capitalista é competitiva, em sua dinâmica
(em níveis nacional, regional e internacional), ela requer perma-
nentemente a produção do conhecimento novo e inovador. Assim,
apontam Neves e Pronko (2008, p. 28) com a generalização do
emprego da ciência como força produtiva, a educação escolar vem
sendo, historicamente, organizada em dois ramos de ensino na for-
mação para o trabalho complexo10, o ramo científico, que propicia

7 Refiro-me particularmente ao Mercado Comum Sul (Mercosul) e à União Europeia (UE), com
base em Silveira (2015).
8 Para maiores detalhes, ver Silveira (2010; 2011).
9 Leher (2010) desvela a forma dramática com que as Ciências Sociais e Humanas são impelidas a
difundir a ideologia dos desígnios da sociabilidade do capital.
10 Segundo Marx, o caráter cooperativo do processo de trabalho é uma característica de toda forma de
organização social. Entretanto na moderna sociedade, a divisão sociotécnica, que se manifesta no traba-
lho abstrato, reúne de forma concreta todas as partes do “trabalhador coletivo”, cujas funções, socialmen-
te combinadas, são realizadas por meio do trabalho complexo e do trabalho simples. Enquanto este se
caracteriza mais pelo dispêndio da força de trabalho que “todo homem comum, sem educação, possui em
seu organismo”, aquele “emprega-se em trabalho superior, requerendo, pois, maior tempo de formação e
com altos custos, e materializa-se em valor proporcionalmente mais elevado”. (MARX, 2004, p. 211-231)

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
293
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

a formação de base científico-filosófico-humanista, e o ramo tec-


nológico, de sólida formação científico-tecnológica dos modernos
processos industriais e de serviços.
Interessante notar que, ao advento da acumulação flexível
(HARVEY, 2005) sucede a exploração da subjetividade do trabalho:
a concepção de trabalhador objeto, como apenas executor das de-
terminações da cúpula da empresa, cede espaço para a concepção
de trabalhador sujeito, como um colaborador que não apenas sabe
fazer, mas também porta autonomia para criar e inovar a serviço do
capital (BRITO, 2005).
Daí a importância do conhecimento tácito para a denominada
sociedade do conhecimento, que vis-à-vis se sustenta na teoria do
capital intelectual. Este constitui a matéria intelectual (conhecimen-
to, informação, propriedade intelectual, experiência) que pode ser
utilizada para gerar riqueza. Sua expropriação (a do conhecimento
tácito do trabalhador) encontra materialização na transferência da
posse do conhecimento, da esfera individual para a esfera organiza-
cional. (SANTOS, 2004; 2008)
Eis que na atual fase do capitalismo concebem-se, em nível
mundial, ações que visam à formação de pessoal qualificado em áre-
as estratégicas para o desenvolvimento econômico, à popularização
da ciência e à formação científica11. Neste sentido, a educação es-
colar responde predominantemente, de modo mediato e imediato,
às políticas de C,T&I, que por sua vez se vinculam às dinâmicas de
internacionalização da economia e de seu correlato: a tecnologia.
No Brasil, a institucionalização da política de ciência e tecno-
logia remonta à criação do Fundo Tecnológico (FUNTEC), em

11 Alguns autores ressaltam que até meados do século XX não havia um nexo causal entre ciên-
cia e economia, por três razões fundamentais: primeiro, porque a aplicação do conhecimento
científico pode ter ocorrido somente após a passagem de um período de tempo relativamente
longo da divulgação da base de conhecimento; segundo, porque, em alguns casos, foi necessário
o surgimento de novas disciplinas que contribuíram para a pesquisa científica de determinadas
“descobertas”, como o caso da química orgânica; terceiro porque as inovações podem ocorrer
sem a respectiva base científica, isto é, algumas inovações foram realizadas a partir da aplicação
prática.

294 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

196412. Atrelado à concepção de educação como preparadora de


capital humano para os setores da industrialização, modernização
da agropecuária e ampliação de serviços afins, o FUNTEC tornou-
-se um fundo de desenvolvimento técnico e científico essencial ao
rendimento eficiente da expansão do setor industrial (SILVEIRA,
2011, p. 158).
Encontra-se, nessa circunstância, a gênese do sistema nacional
de ciência, tecnologia e inovação (SNCT&I), cujas diretrizes da po-
lítica científica passaram a ser planejadas conjuntamente por uma
equipe composta pelo Ministro do Planejamento, pelo Presidente
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnoló-
gico (CNPq), pelo Presidente do BNDE13, e por representantes do
Ministério da Educação e Cultura, do Ministério das Minas e Ener-
gia, do Ministério da Indústria e do Comércio e, ainda, do setor pri-
vado14. Uma composição que já trazia em seu bojo a relação Estado,

12 No Brasil, o modelo nacional-desenvolvimentista esteve associado ao processo de industrializa-


ção do país. Assim, a expansão do setor industrial, ainda que comandado por uma lógica cres-
cente de internacionalização da economia, definia o ritmo da qualificação da força de trabalho e
do fortalecimento da base científica e tecnológica do país. O paradigma de sistema nacional do
desenvolvimento científico e tecnológico, formalizado nas décadas de 1960-70, não fazia menção
ao papel do conhecimento a inovador. Será, somente, no contexto em que o desenvolvimento
econômico, de matriz neoliberal, centrado no mercado de consumo, que a inovação passa a ditar
as condições e a velocidade da produção do conhecimento. (SILVEIRA, 2011)
13 No contexto de crise internacional originada pela Guerra da Coreia e dominado pelos ideais de
promoção de desenvolvimento econômico que tinham se acentuado com a criação das Nações
Unidas e da CEPAL, o BNDE, hoje BNDES, foi criado no segundo governo Vargas, em 1952,
pela Comissão Mista Brasil—Estados Unidos, vinculada ao Plano Americano de Ajuda Técnica
para as áreas da defesa, da educação, da saúde, da agricultura e do planejamento econômico, como
órgão técnico para promover o desenvolvimento de setores básicos da economia, nas esferas
pública e privada.
14 De 1964 aos dias que correm, esta composição veio se complexificando. Para se ter ideia, o
Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE) elaborou, sob a consultoria da empresa cana-
dense Global Advantage, um espectro do SNCT&I para facilitar o mapeamento das instituições
e de intelectuais que dele fazem parte e participaram da 4ª Conferência Nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação, realizada de 26 a 28 de maio de 2010. Este mapeamento contribui para
se apreender a concepção de educação tecnológica, no Brasil, que requer o imbricamento das
políticas educativas e de CT&I. Dentre eles, Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI),
Ministério da Educação, Ministério da Saúde, Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimen-
to, Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Defesa, Ministério do Planejamento, Orçamento
e Gestão, universidades públicas, unidades de pesquisa vinculadas ao MCTI, institutos estaduais
de tecnologia, parques tecnológicos e incubadoras, fundações e entidades de apoio à pesquisa, e
empresas dos três setores da economia.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

universidade e empresa privada, que hoje conta com o arcabouço ju-


rídico do recente Marco Legal de CT&I, sob a Lei nº 13.243/2016.
Concorda-se, pois, com Coggiola (2004) quando afirma que a polí-
tica educacional e política de CT&I não podem, já nos dias de hoje,
ser tratadas separadamente.
Este arranjo institucional responsabiliza-se pela geração, imple-
mentação e difusão das inovações, cabendo ao Estado estimular a
capacitação tecnológica, definir diretrizes, gerar infraestrutura ne-
cessária à interação entre os agentes envolvidos e estabelecer um
vínculo estreito entre políticas de ciência e tecnologia e políticas
educacionais. Vínculo este expresso, entre outros instrumentos le-
gais, no Documento Subsídio da Área da Educação para a IV Con-
ferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada no
ano de 2010.
O que aqui propomos é maior articulação entre o sistema na-
cional de educação e o sistema nacional de ciência e tecnologia. Neste
sentido, defendemos a elaboração e implementação de uma
política nacional de ciência e tecnologia para a área de edu-
cação que estabeleça e contemple uma ação conjugada e re-
cursos financeiros do MCT [Ministério de Ciência, Tecno-
logia]15, do MEC [Ministério da Educação] e das Secretarias
de Ciência Tecnologia ou de suas congêneres nos estados e
municípios (BRASIL, 2010, p. 4).
O que, aliás, já vem sendo proposto nas históricas conferências
nacionais de ciência, tecnologia e inovações, cujas sínteses encon-
tram-se publicadas no Livro Verde (2001), no Livro Branco (2002)
e no Livro (2010). A educação, então, em todos os níveis de ensino,
é chamada a capacitar pessoal qualificado para a inovação em um
movimento de resposta à política de C,T&I:
Além do papel das Universidades na formação de pesqui-
sadores e mão-de-obra altamente qualificada, é preciso dar

15 Mais recentemente, esta denominação foi modificada para Ministério de Ciência, Tecnologia e
Inovação (MCTI).

296 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

atenção ao ensino médio e tecnológico. Em que pesem os


progressos realizados no ensino fundamental no período re-
cente, o desempenho do ensino médio no Brasil está muito
aquém do desejado: a escolarização é precária e a qualidade
inadequada, refletindo-se no baixo índice de anos de estudo
da mão-de-obra. Ao lado desse sistema, as escolas técnicas
e o Senai se responsabilizam pela formação de mão-de-o-
bra técnica de nível médio. Estas instituições são a base da
formação profissional de mão-de-obra técnica e podem de-
sempenhar um importante papel na atualização tecnológica
da indústria. Ao seu lado é preciso recobrar a capacidade
de formação em engenharias e em gestão tecnológica, que
vêm perdendo terreno para outras opções profissionais, o
que pode representar um obstáculo sério ao desenvolvimen-
to futuro de atividades intensivas em conhecimento no país
(BRASIL, 2006, p. 85).
Na mesma direção, o Livro Azul, dentre outros documentos
legais, orienta o aperfeiçoamento do ensino de ciências nas escolas
e a popularização de conhecimento científico, o que tem se mate-
rializado na distribuição das bolsas de Iniciação Científica Júnior
(Bolsas IC-Jr.), via Programa de Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica no Ensino Médio (PIBIC-EM).
Segundo o CNPq, o referido PIBIC-EM tem como objetivos
fortalecer o processo de disseminação das informações e conheci-
mentos científicos e tecnológicos básicos, e desenvolver atitudes,
habilidades e valores necessários à educação científica e tecnológica
dos estudantes16.
Neste contexto, vale ressaltar dois pontos. (I) O papel que o Fun-
do Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT)
e sua secretaria executiva, a Fundo de Financiamento de Estudos de
Projetos e Programas (FINEP), cumprem como principal instrumen-
to de fomento à produção de CT&I, no Brasil - um país de capita-
lismo dependente, associado e subalterno. Se até a década de 1990, a

16 Cf. sítio do CNPq, disponível em http://www.cnpq.br/web/guest/pibic-ensino-medio.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

fonte de recursos do FNDCT, oriunda do fundo público, voltava-se


para empresas de capital estatal; desde o governo FHC, passando pe-
los mandatos de governo Lula da Silva, até o período Dilma Rous-
seff, que o FNDCT vem obtendo recursos através de empréstimos
do BID17 e dos fundos setoriais (FS)18. Tal dependência, associada e
subalterna se mantém sob a justificativa das parcerias público-priva-
das. O Fundo Verde-Amarelo é emblemático da parceria universida-
de-empresa19. Suas receitas provêm de contribuições incidentes sobre
o resultado da exploração de recursos naturais pertencentes à União,
parcelas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e da Con-
tribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) incidente
sobre os valores que remuneram o uso ou aquisição de conhecimen-
tos tecnológicos e a transferência de tecnologia do exterior.
Embora a atual fase da política de ciência, tecnologia e inovação
venha se materializando em uma série de programas destinados à
formação de pessoal qualificado voltado para investigação, dados
recentes do MCTI revelam que o investimento, no setor, subiu, ape-
nas, 0,4 pontos percentuais, nos últimos dez anos, de 1,34% para
1,74%. Outros dados, não menos importantes, apontam que do or-
çamento geral da União, executado nos anos de 2012, 2013 e 2014,
apenas 0,38% são destinados ao investimento em C&T20.

17 Depois do esvaziamento da política científica nos anos de 1980, a FINEP e o FNDCT dos anos
de 1990 voltam a contar com empréstimos do BID, a saber: US$ 100 milhões (BID 620 OC-BR
em 1991) dos quais US$ 60 milhões para o FNDCT, e US$ 160 milhões (BID 880 OC-BR em
1996) dos quais US$ 96 milhões para o FNDCT (LONGO; DERENUSSON, 2009).
18 Atualmente, existem dezesseis fundos alocados no FNDCT. Um voltado à interação universida-
de-empresa (FVA – Fundo Verde-Amarelo); um destinado a apoiar a melhoria da infraestrutura
de Institutos de Ciência e Tecnologia; os outros, quatorze voltam-se para setores específicos
como aeronáutica, agronegócio, Amazônia, aquaviário, biotecnologia, energia espacial, hidroviá-
rio, informática, mineral, petróleo e gás, saúde, transporte, telecomunicações. As receitas dos
Fundos são resultado da exploração de recursos naturais, parcelas do Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) e da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) no que
diz respeito ao uso ou aquisição de conhecimentos tecnológicos/transferência de tecnologia do
exterior. (LONGO; DERENUSSON, 2009)
19 Cf. BRASIL/MCTI [S/d]. Disponível em: http://www.mct.gov.br/index.php/content/
view/1419/CT___Verde_Amarelo.html.
20 Para maiores detalhes, ver Auditoria Cidadã da Dívida, Gráficos do Orçamento Geral da União,
disponível em http://www.auditoriacidada.org.br/e-por-direitos-auditoria-da-divida-ja-confira
-o-grafico-do-orcamento-de-2012/, acesso em janeiro de 2015.

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

A situação é reconhecidamente agravante pelo bloco no poder,


ainda que a Confederação Nacional da Indústria (CNI) venha lide-
rando, desde 2008, a Mobilização Empresarial pela Inovação.
Porque, historicamente, boa parte das inovações realizadas
pelo setor produtivo brasileiro está relacionada com inova-
ções de processo — majoritariamente baseadas na aquisição
de tecnologias incorporadas em máquinas e equipamentos
— ou a inovações adaptativas. Embora a taxa de inovação na
indústria (número de empresas inovadoras em relação ao to-
tal) tenha crescido de 33,4% para 38,1% entre 2005 e 2008,
apenas 41% das empresas industriais criaram um produto
efetivamente novo, ou substancialmente aperfeiçoado, para o
mercado nacional. Esse comportamento adaptativo está as-
sociado ao baixo investimento em P&D do setor empresarial
brasileiro, uma vez esse tipo de inovação requer menores es-
forços tecnológicos e implica em número extremamente bai-
xo de pesquisadores que exercem atividades no âmbito das
empresas, quando comparado com outros Países. No Brasil, a
maior parte dos pesquisadores está nas instituições de ensino
superior — 67,5% do total em 2010— enquanto nas empre-
sas essa proporção é de apenas 26,2%, bastante abaixo dos
índices correspondentes aos Estados Unidos, Coreia, Japão,
China, Alemanha, França e Rússia. (BRASIL, 2012)
Trata-se, pois, da contraditória opção política de inserção subal-
terna no processo de internacionalização da economia/tecnologia,
que põe ênfase na importação de pacotes tecnológicos. O que, sem
dúvida, tem implicações significativas na pesquisa científica e na for-
mação para o trabalho.
Diante deste quadro contraditório, uma de nossas pesquisa21
21 Refiro-me à Pesquisa, em andamento desde 2012, intitulada Formação integrada e política cientí-
fico-tecnológica no estado do Rio de Janeiro: como se articula a exigência de elevação do patamar
de escolaridade ao desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação na oferta de cursos de nível
médio das redes federal e estadual de ensino, por mim coordenada, contando com a participação
de bolsistas de Iniciação Científica, quais sejam, Jackeline Sampaio (FAPERJ), Welda Marques
(PIBIC-UFF), Bianca Jardim (PIBIC-UFF e FAPERJ) e Nathaly Tsukada (FAPERJ). Tal pesquisa
vem sendo desenvolvida como parte integrante do Projeto de Pesquisa “Ofertas formativas e
características regionais: a educação básica de nível médio no estado do Rio de Janeiro”, coor-

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
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AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

vem buscando responder as seguintes questões: qual é o papel da


C,T&I nas relações capital, trabalho e educação?; como se desenvol-
ve a formação científica e a popularização da ciência, tecnologia e
inovação no nível médio de ensino do estado do Rio de Janeiro, por
meio do PIBIC-EM e respectivas Bolsas IC-Jr.?; no que diz respeito
à educação politécnica (formação ominilateral), quais são os limites e
possibilidades do PIBIC-EM, tanto do ponto de vista conceitual
quanto do ponto de vista operacional?

Limites e desafios das políticas públicas educativas e


científico-tecnológicas no nível médio de ensino

Marx (2006), ao analisar as formações econômicas pré-capitalis-


tas afirma que a antiga concepção segundo a qual o homem sempre
aparece como objetivo da produção parece muito mais elevada que
a do mundo moderna. Nesta última, a produção é o objetivo do
homem, e a riqueza é o objetivo da produção.
Na verdade, entretanto, quando despida de sua estreita for-
ma burguesa, o que é a riqueza senão a totalidade das neces-
sidades, capacidades, prazeres, potencialidades produtoras,
etc., dos indivíduos, adquiridas no intercâmbio universal? O
que é, senão o pleno desenvolvimento do controle humano
sobre as forças naturais – tanto as suas próprias quanto as
da chamada ‘natureza’? O que é, senão a plena elaboração
de suas faculdades criadoras, sem quaisquer outros pressu-
postos salvo a evolução histórica e todas as forças humanas
precedentes que transforma a totalidade desta evolução em
um fim em si mesmo? O que é a riqueza, senão uma situação
em que o homem não se reproduz a si mesmo numa força
determinada, limitada, mas, sim, em sua totalidade, se des-
vencilhando do passado e se integrando ao movimento do
vir a ser? (MARX, 2006, p.80-81).

denado pelo Prof. Dr. Gaudêncio Frigotto. Edital FAPERJ nº 29/2012. Apoio à formação e
consolidação de grupos de pesquisa multi-institucionais e interdisciplinares – 2012. Processo nº.
e - 26 / 112.683/2012

300 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

Entretanto, na sociedade capitalista este completo desenvolvi-


mento das potencialidades humanas se manifesta como alienação,
como destruição da omnilateralidade do homem, em proveito de
forças que lhes são estranhas, isto é, o trabalho em suas objetivações
mais elevadas, como a ciência, a tecnologia, a arte, são apropriadas
privadamente.
Mesmo nesta forma contraditória, que ao mesmo tempo hu-
maniza e desumaniza, emancipação e embrutece, liberta e subjuga,
o ideal humanista do livre desenvolvimento do ser social e de sua
singularidade está mais próximo do que jamais esteve na história da
humanidade.
Neste sentido, toda política que busca promover a populariza-
ção da CT&I, por meio de apoio a programas, projetos e eventos de
divulgação científico-tecnológica, ainda que sob a perspectiva ins-
trumental-utilitarista do capital, pode contribuir para a formação da
cultura científico-tecnológica e possibilitar aos jovens a compreen-
são da dinâmica da sociedade e a interação de forma consciente nos
debates e decisões que permeiam a produção do conhecimento. E,
mais, pode se tornar instrumento de troca por melhores condições
de trabalho e de educação.
Docentes da Rede Federal de Educação Profissional Científica
e Tecnológica, bem como da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio, têm clareza sobre a importância da política e programas
que incentivam a curiosidade, a experimentação, a criatividade e, so-
bretudo, a pesquisa e a compreensão dos fenômenos. Entretanto,
a ciência não é um método nem empresta à técnica e à tecnologia
caráter autônomo e neutro.
A produção da técnica, ciência, tecnologia, bem como o recente
processo de popularização da ciência e de formação científica ocor-
re em meio ao terreno movediço das contradições da sociedade e de
suas manifestações no seio das escolas.
Isto é, a relação trabalho e educação vincula-se às relações ca-
pitalistas de produção, às relações de poder e de classe e, por conse-
guinte, às organizações de classe, aos partidos políticos e sindicatos,

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
301
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

que acabam por determinar as modalidades de ajuste, seja por meio


de “reformas”, seja de “contrarreformas” (GRAMSCI, 2002)22 a se-
rem implantadas e implementadas no e pelo Estado. É pelas contra-
dições internas e disputas de projetos de sociedade, de educação e
da produção do conhecimento científico-tecnológico entre classes
e intraclasses que o capitalismo assume particularidades e especi-
ficidades diferentes em cada Estado-Nação23. Urge, pois, das con-
tradições tirar proveito em prol da classe trabalhadora no sentido
de superar os imperativos capitalistas de produção escolar, tendo a
assunção do trabalho como princípio educativo à formação omni-
lateral.
Torna questão de vida ou morte substituir a monstruosidade
de uma população operária miserável, disponível, mantida
em reserva para as necessidades flutuantes da exploração ca-
pitalista, pela disponibilidade absoluta do ser humano para
as necessidades variáveis do trabalho; substituir o indivíduo
parcial, mero fragmento humano que repete sempre uma
operação parcial, pelo indivíduo integralmente desenvolvi-
do, para o qual as diferentes funções sociais não passariam
de formas diferentes e sucessivas de sua atividade. As esco-
las politécnicas e agronômicas são fatores desse processo de
transformação, que se desenvolveram espontaneamente na

22 Para Gramsci (op. cit.), o fenômeno da contrarreforma pode se manifestar em outras tempo-
ralidades que não a da Reforma Protestante, tendo como traço marcante a “combinação entre
o velho e o novo”, com preponderância do velho sobre o novo. Diferentemente da “revolução
passiva” – uma manifestação do reformismo “pelo alto” que, por meio da alternância ou da
conciliação entre diferentes frações da classe burguesa, ao promover a “restauração” (uma reação
conservadora à possibilidade de efetiva e radical transformação proveniente “de baixo”), favorece
a “renovação”, ainda que de modo subordinado, atendendo algumas reivindicações da classe
trabalhadora –, o processo de contrarreforma sendo, também, um movimento conservador, em-
bora apresentado como “reforma”, tem caráter regressivo, alijando do processo toda e qualquer
possibilidade de avanço nas conquistas da classe trabalhadora.
23 Como as contradições fundamentais encontram-se no antagonismo entre capital e trabalho, in-
corporadas as disputas de projetos educacionais, não se pode negligenciar a interdependência das
escalas nacional, regional e internacional que implica mediatamente nas lutas de classe internas de
cada Estado-Nação. Tal movimento de interdependência requer da classe trabalhadora entender o
poder difuso e opaco para, então, enfrentar a organização do capital em blocos político-econômi-
cos regionais que seguem no movimento de padronização da educação por meio de instrumentos
de avaliação externos à escola/universidade.

302 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

base da indústria moderna; constituem também fatores des-


sa metamorfose as escolas de ensino profissional, onde os
filhos dos operários recebem algum ensino tecnológico e são
iniciados no manejo prático dos diferentes instrumentos de
produção. A legislação fabril arrancou ao capital a primeira e
insuficiente concessão de conjugar a instrução primária com
o trabalho na fábrica. Mas não há dúvida de que a conquista
inevitável do poder político pela classe trabalhadora trará a
adoção do ensino tecnológico, teórico e prático, nas escolas
dos trabalhadores (MARX, 2004, p. 553).
É sabido que, no Brasil, existem históricas diferenças nas esco-
las da rede pública, seja do ponto de vista da dependência adminis-
trativa, seja do perfil socioeconômico dos estudantes, as quais têm
implicações mediatas e imediatas na qualidade do ensino. Não se
pode negar que as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a
Educação Básica – Resolução do Conselho Nacional de Educação/
Câmara de Educação Básica (CNE/CEB) nº 04/2010, e Parecer
CNE/CEB nº 07/2010 – enfatizam a garantia de padrão de qua-
lidade ao ensino médio, preconizando o pleno acesso, a inclusão e
a permanência dos jovens. Em sua Seção III, dedicada especifica-
mente ao nível médio de ensino, o artigo 26 preceitua que o ensino
médio deve ter base unitária sobre a qual podem se assentar possi-
bilidades diversas, como: preparação geral para o trabalho ou, fa-
cultativamente, para profissões técnicas; na ciência e na tecnologia,
com iniciação científica e tecnológica; na cultura, com ampliação da
formação cultural.
De sua parte, proposta do Conselho Pleno (CP) do MEC, de
“Experiência curricular inovadora do ensino médio: ensino médio
inovador” (Parecer CNE/CP nº 11/2009), destaca o estímulo à di-
versidade de modelos, com currículos concebidos com flexibilidade
e ênfases em percursos formativos diversificados, para melhor res-
ponder à heterogeneidade e à pluralidade de condições, interesses e
aspirações dos estudantes, com previsão de espaços e tempos para
utilização aberta e criativa.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
303
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

Contudo, estudos e debates sobre o ensino médio, particular-


mente no âmbito dos seminários temáticos, conferências regionais e
sessões plenárias, antes e durante a 3ª Conferência Nacional de Ci-
ência, Tecnologia e Inovação (BRASIL, 2006) apontam para os limi-
tes do ensino médio, em especial da rede pública. Em consequência,
estão entre os maiores desafios das políticas públicas de educação e,
como não poderia deixar de ser, de ciência e tecnologia, a garantia
da perseverança dos estudantes no ensino médio, neles despertando
o interesse na iniciação da pesquisa científica.
Ora, se as políticas públicas não se resumem ao interesse do
estado stricto sensu, é preciso compreender o que significa, para quê
e a quem serve incorporar estudantes do ensino médio em projetos
de pesquisa desenvolvidos por docentes pesquisadores das universi-
dades. (FERREIRA, M., 2010)
Buscando contribuir para o ainda incipiente debate que coloca
a iniciação científica no ensino médio em questão, ficam algumas
interrogações, ainda que de modo preliminar, para reflexão e aná-
lise das relações entre formação para o trabalho (simples e com-
plexo) de jovens filhos da classe trabalhadora e iniciação científi-
ca; bem como produção do conhecimento científico-tecnológico,
classes sociais, raça, gênero e cultura. São elas: o que a educação
científica tem a oferecer para que os estudantes, iniciantes na pes-
quisa, superem a visão dicotômica entre indivíduo, sociedade e
natureza; trabalho simples e trabalho complexo; arcaico e moder-
no; desenvolvimento e subdesenvolvimento? Que contribuição a
educação científica traz na formação de jovens estudantes do ensi-
no médio de modo a romper com a unilateralidade instaurada pela
ciência moderna que, cada vez mais, se apresenta como um saber
fragmentado? A educação científica toma como central o trabalho
como princípio educativo na sua relação com a técnica, ciência,
tecnologia e cultura ou incorpora a visão do conhecimento como
elemento que produz a riqueza da sociedade? Que contribuição a
educação científica traz para a superação das desigualdades educa-
cionais?

304 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

Ao se tratar da formação científica no nível médio de ensi-


no, não se pode descurar das desigualdades educacionais. Estudos
como os de Cunha (2000), Kuenzer (1988, 2000), Frigotto, Ciavatta
e Ramos (2005), Frigotto (1984), Neves e Pronko (2008), Silveira
(2010) contribuem com a análise concreta da realidade educacional
brasileira, ao desvelarem que a organização da oferta de educação
básica de nível médio vem sendo, historicamente, marcada pela dife-
renciação de instituições e de ofertas formativas, segundo a divisão
da sociedade em classes sociais.
Nos dias que correm, cinco são as modalidades de oferta for-
mativa no ensino médio: regular; integrada à educação profissional;
educação de jovens e adultos (EJA); Proeja (EJA de nível médio
integrada à educação profissional) e normal/magistério.

Tabela 1- Comparação de matrículas por modalidade de Ensi-


no Médio no Brasil (2007-2012)24

Matrículas/Ano
Modalidades
de Ensino
2007 2008 2009 2010 2011 2012
Médio
Ensino Médio24 8.369.369 8.366.100 8.377.160 8.357.675 8.400.689 8.376.852

EJA - médio 1.618.306 1.650.184 1.566.808 1.427.004 1.364.393 1.345.864


regular

PROEJA 9.747 14.939 19.533 38.152 41.971 35.993

Total 9.997.422 10.031.223 9.963.501 9.822.831 9.807.053 9.726.309

Elaboração própria com base no Censo Escolar 2012 - INEP.

24 O Censo Escolar apresenta o numero de matrículas no nível médio, incluindo, além do ensino
médio regular, o ensino médio integrado à educação profissional e o normal/magistério.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
305
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

Mais que comparar o número de matrículas por modalidade


de ensino médio, no Brasil, os dados da Tabela 1 revelam as de-
sigualdades no acesso ao nível médio de ensino, bem como a não
universalidade desse nível de ensino. Não menos importante é a
relação que se estabelece entre educação e desenvolvimento lo-
cal, cujo emblema contemporâneo, da pedagogia da hegemonia
(NEVES, 2005), é o PRONATEC, garantindo a (con)formação
de competências e habilidades sobre os quatro pilares da educação
preconizados pela Unesco: aprender a aprender, aprender a fazer
e aprender a ser25
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/Pes-
quisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE/Pnad) (IBGE,
2013) revelam que, dos 10.644.789 de jovens brasileiros, na faixa
etária de 15 a 17 anos, 81,5% estão matriculados na escola, entre-
tanto, apenas 55,5% frequentam o ensino médio na idade-série. Os
outros 45,5% têm matriculas distribuídas no ensino fundamental,
na alfabetização e educação de jovens e adultos. Embora a percen-
tagem de crianças e adolescentes, na faixa etária de 6 a 14 anos, ma-
triculados no ensino fundamental seja de 93,9%, esse indicador tem
se mantido estável nos últimos anos. Isto é, quase 7% das crianças e
jovens na faixa de 4 a 17 anos estão fora da escola, o que representa,
aproximadamente, três milhões de brasileiros.
O abandono escolar é proporcional à idade: 15,9% na faixa de
15 a 17 anos; 64,4% na de 18 a 24 anos; e 87,7% na faixa de 25 a 29
anos. No campo da cultura, cerca de 70% da população brasileira
nunca foi a museus ou a centros culturais e pouco mais da metade
nunca vai a cinemas; cerca de 25% dos professores brasileiros pos-
suem, apenas, a formação de nível médio.
Dados do Censo da Educação (2013) mostram que, das 151
mil escolas da rede pública de ensino, mais de 8 mil não têm energia
elétrica, quase 60 mil não têm abastecimento de água; mais de 90
mil não têm acesso à internet e mais de 100 de mil não contam com
25 Para uma crítica à pedagogia das competências e a pedagogia do professor reflexivo, ver Duarte
(2005) e Saviani (2005).

306 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

bibliotecas e quadra esportiva. As regiões Norte e Nordeste concen-


tram 82% dos estudantes em escolas sem água.
Esses dados revelam os problemas estruturais de uma socieda-
de cindida em classes marcada pela dependência econômica, tecno-
lógica, educacional e cultural. Mazelas sociais que são resultados de
uma opção política, na qual o tradicional, o atrasado e o arcaico se
imbricam ao moderno e ao desenvolvido, engendrando uma forma
específica de sociedade de capitalismo dependente, associado e su-
balterno” (FERNANDES, 1973, 2008; OLIVEIRA, 2003; MARI-
NI, 1997; 2000), bem como de modernização conservadora (MO-
ORE JUNIOR, 2010).
Isto é, nichos tecnológicos e setores modernos e urbanizados da
sociedade brasileira, integrados ao processo de internacionalização
da economia e de seu correlato, a internacionalização da tecnologia,
alimentam-se e crescem apoiados e articulados ao atraso de deter-
minados setores da agricultura, ao desemprego, à superexploração
da força de trabalho e à miséria.
É nesse quadro que se dá a diferenciação de instituições es-
colares – quer entre redes de ensino, quer intrarrede de ensino
–, bem como as diferentes ofertas formativas26, amparadas por
modificações legais na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
cional, Lei nº 9.394/96. Elas não só expressam as desigualdades
socioeducacionais entre regiões brasileiras, estados, municípios e
bairros, mas também a opção política por um projeto societário
e educacional que privilegia a formação de uma “capacidade de
trabalho socialmente combinada” (MARX, 2004, p. 110). Assim
sendo, na relação capital, trabalho e educação, tanto o processo de

26 Podemos citar (i) a Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica, vinculada
ao MEC, constituída de Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, Centros Fede-
rais de Educação Profissional, Tecnológica, Escolas Técnicas vinculada às universidades, Colé-
gio Pedro II e Universidade Tecnológica; (ii) a Rede Estadual de Ensino, vinculada às Secretaria
de Educação de cada um dos estados brasileiros; (iii) Fundação de Apoio à Escola Técnica do
Estado do Rio de Janeiro (FAETEC), instituição vinculada à Secretaria de Estado de Ciência e
Tecnologia; (iv) Rede Municipal de Ensino, vinculada a cada uma das Secretarias Municipais de
Educação.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
307
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

formação para o trabalho simples e o trabalho complexo quanto


os processos de escolarização vêm ocorrendo historicamente de
forma diversificada e combinada.
O descompasso se estabelece porque o capital não tem a fina-
lidade de superar formas pretéritas de trabalho. Ao contrário, elas
representam um elemento constitutivo e originado da chamada mo-
dernização do processo de trabalho e do desenvolvimento econô-
mico (ROMERO, 2005), do que certamente os vínculos estabeleci-
dos entre a política de CT&I e a política educacional fazem parte ao
responderem às dinâmicas de desenvolvimento econômico e à in-
serção do país nos processos de internacionalização da economia/
tecnologia (SILVEIRA, 2011).
A implementação da política nacional de CT&I para a área de
educação vem sendo operacionalizada por meio de ações conjuga-
das e recursos financeiros do MCTI, do MEC e das Secretarias de
Ciência Tecnologia ou de suas congêneres nos estados e municípios.
Entre outros, tal política tem como objetivos principais: superar a
fragmentação e a descontinuidade das ações de fomento à pesqui-
sa em educação existentes nos distintos ministérios, nas secretarias
estaduais e nas fundações de apoio à pesquisa; expandir a ação dos
programas de pós-graduação em educação e em ensino de ciências
e matemática, em especial, no campo da formação de professores;
apoiar o desenvolvimento de pesquisas realizadas nas escolas, tendo
o professor e os demais agentes da comunidade escolar como co-
laboradores, participantes e produtores do conhecimento, em par-
ceria com professores e estudantes de universidades e centros de
pesquisa; fortalecer, ampliar e aperfeiçoar o Projeto Institucional de
Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), de modo a promover ações
de pesquisa e formação de professores integradas entre as univer-
sidades públicas e as escolas públicas de educação básica; ampliar o
número de bolsas de iniciação científica, particularmente no ensino
médio, etc.

308 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

O Programa de Iniciação Científica para o Ensino


Médio: algumas aproximações

O Pibic no nível médio de ensino tem sua gênese no Programa


de Vocação Científica (Provoc), da Fundação Oswaldo Cruz, cria-
do no ano de 1986, com o objetivo de inserir estudantes de ensino
médio no ambiente de pesquisa de forma planejada, sistemática e
com acompanhamento permanente (FERREIRA, C., 2010). O Pro-
voc não só inspirou a criação de outro programa similar, qual seja,
Programa de Iniciação Científica Júnior do Colégio de Aplicação
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PIC Jr. CAp/UFRJ), de
1995, mas também foi disseminado em outras instituições de C&T,
tais como o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), o Cen-
tro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de
Mello (Cenpes) da Petrobras e a Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC-Rio) (FERREIRA, C., 2010).
Foi a partir dessas experiências com estudantes do ensino mé-
dio, tidas como exitosas, que o CNPq criou seu próprio programa,
estendendo o Pibic, inicialmente voltado para a formação de pro-
fissionais e pesquisadores no ensino superior, para os estudantes de
escolas públicas do ensino médio.
Assim, cria-se, no ano de 2003, a bolsa de Iniciação Científi-
ca Júnior (ICJ), com a perspectiva de uma cultura científica, bem
como de divulgar e popularizar a ciência e tecnologia como espaço
complementar de formação. Em seguida, no ano de 2010, o CNPq
lançou o Pibic-EM e nele vinculou a bolsa ICJ, que é regida por re-
solução normativa específica, a RN 017/2006.
O Pibic-EM é executado por instituições de ensino e pesquisa
– universidades, centros federais de educação tecnológica (Cefets) e
institutos federais (IFs) que, com recursos próprios e do CNPq, já
desenvolviam o Pibic em cursos do ensino superior e/ou Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecno-
lógico e Inovação (Pibiti)11 em cursos técnicos de nível médio. A
distribuição das bolsas, na modalidade ICJ, dá-se por meio de quotas

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
309
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

destinadas não só às universidades, Cefets e IFs, mas também às


entidades estaduais de fomento à pesquisa – fundações de amparo
à pesquisa (FAPs) ou secretarias estaduais de ciência e tecnologia.
As FAPs contempladas com quotas de bolsas ICJ repassam-nas
às instituições públicas de ensino superior, por meio de acordo de
cooperação técnica, ou diretamente aos pesquisadores-orientadores,
mediante termo de outorga.
Tanto as instituições de ensino e pesquisa quanto os docentes
-orientadores ficam comprometidos a desenvolver a educação cien-
tífica de modo a integrar os bolsistas de ICJ, por meio de projetos
de pesquisa de qualidade acadêmica, mérito científico e orientação
por pesquisador qualificado. As bolsas de Iniciação Científica Júnior
para o ensino médio, concedidas pelo CNPq, têm vigência de 12
meses, com carga horária a ser definida entre orientador-orientan-
do, no valor de R$ 100,00/mês (CNPQ, 2014), e são voltadas para
alunos do primeiro e segundo anos do ensino médio.
Na perspectiva da difusão e popularização da ciência e tecno-
logia, além do Pibic, um leque diversificado de ações inclui: (I) o
Prêmio Ciências, que visa selecionar projetos inovadores, no ensino
médio, no aprendizado de disciplinas na área das ciências exatas;
(II) eventos, como as Olimpíadas Brasileiras de Matemática, Física,
Biologia, Química, Astronomia, para estimular e promover o estu-
do entre alunos das escolas públicas e identificar jovens talentos de
modo a incentivá-los ao ingresso em cursos da área científico-tecno-
lógica; (III) a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT) e as
Feiras do Conhecimento e de Ciências, Tecnologia e Inovação, que
são vinculadas à mesma temática da SNCT e se voltam para alunos
do segundo segmento do ensino fundamental, do ensino médio e
da educação profissional de nível de técnico, que orientados por
seus professores, desenvolvem projetos de pesquisa em diversas áre-
as do conhecimento; (IV) o Programa Jovens Talentos, executado
conjuntamente por Faperj, Centro de Ciências e Educação Supe-
rior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Cecierj) e Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz), que tem o objetivo de aproximar estudan-

310 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

tes do ensino médio e da educação profissional de nível técnico de


docentes do nível de pós-graduação que voltam suas pesquisas para
a ciência, tecnologia e inovação; (V) incentivo ao desenvolvimento
de projetos em universidades, instituições de pesquisa, museus, cen-
tros de ciência, planetários, fundações, entidades científicas e outras
instituições, com o objetivo de incentivar atividades que propiciem
a difusão e popularização da ciência e tecnologia junto à sociedade.
Embora o Pibic-EM tenha como objetivo a iniciação científica em
todas as áreas do conhecimento, sua ênfase científica recai sobre as ci-
ências agrárias, ciências exatas e da terra, ciências biológicas e engenha-
rias; o que pode ser verificado na Tabela 2, que expressa o quantitativo
de bolsas concedidas pelo CNPq, por ano e por área do conhecimento.

Tabela 2 - Total de bolsas-ano27 concedidas no país por


grande área e modalidade
Grandes
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Áreas
Ciências
Exatas e da 6.315 6.719 6.808 7.692 7.508 7.376 8.442 12.865 15.432 15.769 15.646
Terra
Ciências
4.480 4.802 5.131 5.354 5.455 5.731 6.907 8.690 10.396 9.652 8.798
Agrárias
Ciências
5.739 6.026 5.985 6.106 6.413 6.755 7.314 8.248 9.534 9.534 9.083
Biológ.
Engenharias 5.318 5.347 5.400 6.130 6.192 6.301 7.188 8.115 9.589 9.802 11.379
Ciências
4.016 4.231 4.267 4.372 4.604 4.769 5.313 6.269 7.624 7.548 7.330
Humanas
Ciências da
3.463 3.565 3.822 4.140 4.468 4.782 5.607 6.479 7.228 7.142 7.104
Saúde
Ciências
Sociais 2.401 2.520 2.431 2.686 2.747 2.686 2.921 3.403 4.052 4.468 5.566
Aplicadas
Linguística
Letras e 1.205 1.288 1.319 1.375 1.424 1.478 1.627 1.833 2.162 2.086 1.972
Artes
Fonte: BRASIL: MCTI - Indicadores nacionais de ciência, tecnologia e inovação, 2014

27 Além da Iniciação Científica Júnior, inclui Iniciação Tecnológica/PIBITI, Iniciação Científica/


PIBIC, Extensão no País, Iniciação Tecnológica Industrial, Apoio Técnico à Pesquisa, Apoio
Técnico em Extensão no País.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
311
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

Outro dado, não menos importante, é o crescimento do núme-


ro de bolsas de iniciação à pesquisa, concedido no período de 1990
a 2013.

Tabela 3 - Bolsas de Iniciação à Pesquisa concedidas no país


por modalidades, 1990-2013

Iniciação Iniciação Científica Iniciação Tecno-


Ano Total
Científica (IC) Júnior (ICJ) lógica (IT)
1990 7.548 - 55 6.762
1991 9.117 - 414 9.531
1992 11.440 - 1.420 12.860
1993 13.212 - 1.544 14.756
1994 15.131 - 1.523 16.654
1995 18.790 - 1.710 20.500
1996 18.762 - 2.366 21.127
1997 18.856 - 2.522 21.378
1998 17.533 - 2.268 19.801
1999 17.120 - 1.524 18.644
2000 18.483 - 1.308 19.791
2001 18.778 - 1.242 20.020
2002 18.864 - 1.525 20.389
2003 18.238 377 1.833 20.448
2004 19.255 1.876 1.881 23.013
2005 19.912 1.272 1.869 23.054
2006 20.704 787 2.664 24.155
2007 21.025 3.138 2.366 26.529
2008 22.006 3.878 2.412 28.296
2009 24.043 2.464 3.078 29.585
2010 26.773 4.053 4.469 35.294
2011 28.580 7.237 5.875 41.692
2012 28.414 7.797 5.549 41.939
2013 26.668 9.334 6.762 42.764
Fonte: BRASIL: MCTI - Indicadores nacionais de ciência, tecnologia e inovação, 2014

312 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

A análise da Tabela 3 revela, de certo modo, o interesse do es-


tado brasileiro em recompor e ampliar o investimento na educação
científica. É possível notar que, no ano de 2003, o número de bolsas
de ICJ era de apenas 377, enquanto as IC somavam 18.238, sendo
que, no ano de 2013, a quantidade de bolsas de ICJ somava 9.334,
enquanto as bolsas do Pibit equivaliam a 6.762 e as de IC chegaram
a 26.668 bolsas.
Entre o ano de 2003, quando o CNPq criou a bolsa ICJ, e o ano
de 2013, o percentual de bolsas concedidas sofreu um acréscimo de
2.475%, entretanto, em números absolutos, o aumento do número
de bolsas foi de apenas 8.957 no mesmo período.
Se compararmos o número total de matrículas, por ano, no en-
sino médio (Tabela 1), no período de 2007 a 2012, com o número
de bolsas ICJ concedidas pelo CNPq no mesmo período (Tabela
3), percebe-se que o percentual de bolsas distribuídas é extremante
baixo. Isso quer dizer que, no ano de 2007, dos quase 10 milhões de
jovens matriculados no ensino médio, somente, 0,034% estiveram
envolvidos em projetos de pesquisa de IC. Em 2008, o percentu-
al sobe para aproximadamente 0,039%; em 2009, cai para 0,025%;
e depois cresce sucessivamente para 0,041%; 0,074% e 0,08%, de
2010 a 2012.
Outro ponto que merece destaque se relaciona à concentração
de bolsas na região Sudeste. Composta por quatro estados, Espírito
Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, a região Sudeste
é a segunda menor região do país, concentrando, entretanto, 44%
da população brasileira. Na Tabela 4, é possível constatar que, no
período de 2009 a 2013, a região Sudeste foi contemplada com o
maior número de bolsas ICJ, consoante o investimento no valor de,
aproximadamente, R$ 21 milhões, ao passo que as regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste, em seu conjunto, lograram apenas 55%
daquele montante.

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
313
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

Tabela 4 - Investimentos realizados (R$ mil) em Bolsas de Ini-


ciação Científica Júnior (2009-2013)

Região/Ano 2009 2010 2011 2012 2013 Total


Norte - 47 547 1327 1481 3.402
Nordeste 8 520 1898 1800 1682 5.908
Centro-Oeste - 40 455 592 747 1.834
Sudeste 166 3978 4667 5364 6835 21.010
Sul 11 280 1117 1281 1266 3.703
Fonte: BRASIL:CNPq - Bolsas no país: investimentos realizados segundo região e modalidade28

No que diz respeito ao estado do Rio de Janeiro, dados do Anu-


ário Estatístico do Estado do Rio de Janeiro do ano de 201329 reve-
lam que a população na faixa etária de 15 a 19 anos é de 1.270.276
de jovens, enquanto o número de matriculados no ensino médio é
de apenas 429.014, distribuído entre 1.311 escolas da rede estadual
de ensino.
Como a maioria dos habitantes vive nos centros urbanos, o Pi-
bic-EM contempla estudantes, em sua maioria, de escolas do mu-
nicípio do Rio de Janeiro. Nas escolas de cidades do interior do
Estado, sequer seus professores e diretores têm conhecimento da
existência do Programa.
Até o ano de 2014, conseguimos contatar 180 escolas das 1.311
vinculadas à Seeduc - RJ, com o objetivo de identificar as escolas
que são contempladas com bolsas de ICJ, bem como o número de
estudantes nelas envolvidos por projeto e por área do conhecimen-
to. Das 180 escolas pesquisadas, apenas 45% encontram-se inseridas
no Pibic-EM.
Se os dados da pesquisa apontam para o movimento tendencial
de investimento por parte do governo federal na iniciação científica,
ao mesmo tempo evidencia, sobretudo, que apenas uma pequena

28 Cf. http://www.cnpq.br/web/guest/series-historicas.
29 Disponível em http://www.ceperj.rj.gov.br/ceep/Anuario2013/index.html, acesso em dezem-
bro de 2014.

314 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

parcela dos alunos matriculados na rede estadual de ensino do es-


tado Rio de Janeiro participa do programa de educação científica.
Aponta, assim, para a diferenciação de ofertas formativas entre es-
colas de diferentes regiões, bem como entre escolas de um mesmo
estado da federação, no caso o Estado do Rio de Janeiro.
Interessante notar que, segundo dados da FAPERJ, o estado
do Rio de Janeiro logrou, nos últimos dez anos, 140 novas institui-
ções voltadas para a ciência, tecnologia e cultura, o que significa um
acréscimo de 89% em relação ao ano de 2004. São 297 instituições
(científicas, culturais e artísticas) divididas entre arquivos, bibliote-
cas, centros culturais, incubadoras de empresa e parques tecnológi-
cos, instituições de ensino e pesquisa, instituições científicas e tec-
nológicas e museus (FAPERJ, 2014).
Do ponto de vista territorial, é possível perceber a concentra-
ção de instituições no município do Rio de Janeiro, em especial nas
Regiões Administrativas da Zona Portuária, Centro, Rio Comprido,
São Cristóvão, Botafogo, Copacabana, Lagoa, Tijuca e Vila Isabel,
que, juntas, desfrutam aproximadamente 50% de instituições cien-
tífico-tecnológicas e culturais de todo o estado do Rio de Janeiro.
Os dados do Mapa da Ciência parecem não ter, de imediato,
nenhuma ligação com o público-alvo das bolsas de ICJ. Entretanto,
eles nos possibilitam refletir sobre as vantagens e desvantagens do
desenvolvimento de projetos de pesquisas em áreas urbanas.
Vantagens porque, dependendo da localização geográfica da
escola, o Pibic-EM pode contribuir na formação de jovens ma-
triculados no ensino médio matriculados no ensino médio regu-
lar, na medida em que possibilita sua participação no ambiente
investigativo das áreas das ciências humanas, sociais, exatas e da
natureza, ao realizar procedimentos, tais como levantamento e
análise de dados e indicadores, pesquisa bibliográfica, práticas de
laboratório ou estabelecer vínculos teórico-empíricos ao participar
de discussões teórico-metodológicas e espaços de produção do
conhecimento científico-tecnológico e cultural, tradicionalmente
reservados aos estudantes dos cursos de graduação, bem como de

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
315
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

experiências docentes e discentes, para além do espaço-tempo e


currículo formal.
Já as desvantagens, porque a concentração de projetos inves-
tigativos, em áreas urbanas, esbarra em dificuldades do contexto
socioeconômico e cultural no qual a escola de ensino médio se in-
sere, não enfrentando, assim, a alta demanda por conhecimento de
escolas da periferia, de pouca ou nenhuma estrutura, onde vive a
população de baixa renda.
Alguns dos professores30 apontam para o PIBI-EM como de
fundamental importância para ampliar o conhecimento do estudan-
te de ensino médio, na perspectiva da formação omnilateral, bem
como prosseguir a carreira no ensino superior. Interessante notar
que, o otimismo da razão e da vontade que apontam para uma for-
mação de sólida formação científica esbarra na ideia de verticaliza-
ção do ensino tão pretendida pelas políticas educacionais norteadas
pela concepção de educação tecnológica desenvolvida historica-
mente no país.
Tal concepção de educação de tecnológica ao compreender a
política educacional articulada de modo subordinado às dinâmicas
da política de CT&I, ciência, tecnologia e inovação, imprime à es-
cola/universidade uma organização dinâmica e flexível, de modo
a acompanhar a internacionalização da economia/tecnologia, por
mediação da reestruturação acadêmico-pedagógica , na direção da
padronização da educação e da internacionalização do conhecimen-
to em nível regional e mundial. Além deste aspecto essencial, a esco-
la/universidade se apresenta com uma feição “mais democrática” e
“mais humanizadora”, por conseguinte, de “interesse geral” – aber-

30 Até o ano de 2014, logramos entrevistar quatro professores: um professor do Colégio Estadual
Aureliano Leal (Niterói) que desenvolve o Projeto Ondas [de rádio] do Desenvolvimento em
convênio com a UERJ ; uma professora que atuou no Programa de “Apoio à melhoria do ensino
em escolas públicas sediadas no estado do Rio de Janeiro – 2010”, Edital FAPERJ nº 21/2010
e orientou bolsistas PIBIC-EM vinculados ao Projeto “Diversificando estratégias de ensino de
Ciências e Biologia no diálogo universidade-escola; uma professora do CEFET-RJ, que desenvol-
ve o Projeto MAFIA - Muitas Atividades de Física Interativa e Aplicada; uma professora da UFF,
que desenvolve o Projeto Jovens e Mídias e conta com uma bolsista PIBI-EM oriunda do Colégio
Pedro II.

316 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

ta às massas e, sobretudo, à intercessão do empresariado –; porta-


dora de espírito empresarial; não sendo mais una, comporta várias
missões, que vão desde o ensino, pesquisa e produção de inovação,
aos serviços prestados à coletividade, passando pelo compromisso
de promover a harmonia entre capital e trabalho.
Reúne-se, assim, uma diversidade de instituições, contraditoria-
mente, hierarquizadas segundo os ramos do saber, oferta e qualida-
de dos cursos, cuja missão volta-se para a formação de parte do tra-
balhador coletivo em diferentes modalidades de cursos de variados
tempos de duração.

Considerações finais

Historicamente, a sociedade capitalista é resultado de relações


sociais que subordinam o trabalho simples e o trabalho comple-
xo à lógica da acumulação capitalista, estando relacionada ao poder
burguês, à ideologia da modernização e do desenvolvimento eco-
nômico, ao mercado, à racionalidade instrumental e ao controle so-
cial. Acumulação, ciência, técnica, tecnologia, inovação e padrão de
consumo constituem-se em um conjunto de mecanismos do qual a
escola/universidade faz parte como lugar privilegiado da afirmação
da moderna ciência, da produção do conhecimento, da realização
de pesquisa científica para o desenvolvimento econômico e tecno-
lógico.
Desse modo, a escola/universidade articula-se, cada vez mais,
aos interesses do capital, em um movimento que promove um vín-
culo estreito entre política de CT&I e política educacional. Tal
política porta concepção instrumental-utilitarista do conhecimen-
to científico-tecnológico, na medida em que busca estruturar a
base econômica da sociedade em um processo de produção do
conhecimento inovador que, necessariamente, não é um processo
de produção de conhecimento novo, mas de formação de capaci-
dades de trabalho qualificado em áreas estratégicas para a inser-
ção do país no competitivo mercado global. Inserção esta marcada

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
317
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

pela associação dependente e subalterna do estado brasileiro ao


capital estrangeiro.
Instalam-se, aí, contradições entre capital, trabalho, educação,
controle e consumo, produção e distribuição que se manifestam
na produção escolar. Embora não se desconheça o fato de a polí-
tica governamental vir contribuindo para o aumento de matrículas
no ensino médio e superior, suas ações têm pouco alcance para
garantir processos de escolarização com efetiva qualidade e, por
conseguinte, a permanência dos jovens nesses níveis de ensino.
A preocupação da política governamental tem sido com a quanti-
dade, cujo movimento atende, por um lado, às pressões da classe
trabalhadora por acesso aos níveis superiores de ensino; de outro,
responde à necessidade, por parte do capital, de formar capacida-
des combinadas de força de trabalho, o que implica diversificação
e hierarquização de instituições de ensino e tempos de escolariza-
ção.
Se na aparência fenomênica, a popularização de conhecimento
científico, em geral, e o Pibic-EM com a distribuição das Bolsas IC-
Jr., em particular, parecem caminhar na direção da universalização
da educação básica e “politécnica” (GRAMSCI, 2001) ou do “po-
litecnismo” (SHULGIN, 2013), que têm como princípios político-
-filosóficos e norteadores a união da ciência, técnica, tecnologia e
cultura à atualidade da produção e reprodução da vida, com vistas
ao desenvolvimento econômico e social, na essência, eles aprofun-
dam as desigualdades educacionais.
Não se trata, aqui, de se fazer uma análise desconstrutiva das
ações que visam à apropriação do conhecimento produzido histori-
camente, mas de ter clareza sobre as palavras de Florestan Fernan-
des, o ponto de partida da forma de exposição desta análise: Para
a sociedade subdesenvolvida, desenvolvimento não é qualquer tipo
de transformação interna: é a mudança social, que além destruir os
laços de dependência para com o exterior, permite àquela sociedade
a conquista de autonomia, educacional, cultural e tecnológica (FER-
NANDES, 2004; 1975, op.cit.)

318 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

Nesse sentido, a educação científica supõe reexaminar a pro-


posta de educação básica brasileira, não apenas para enfrentar seus
limites, mas também para capturar os desafios da educação científi-
co-humanística-tecnológica e universalizar o seu acesso.

Referências

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julho de 2010. Define Diretrizes Gerais para a Educação Básica. Brasília:
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323
AINDA SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

324 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
OS AUTORES

OS AUTORES

Celso João Ferretti


Doutorado em Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia Univer-
sidade Católica de São Paulo (1987). Tem experiência na área de Educação,
com ênfase em Educação e Trabalho, atuando principalmente nos seguintes
temas: reformas educacionais, ensino médio, educação e trabalho, educação
profissional e trabalho, áreas em que realizou palestras em nível nacional. É
membro do GT9 - Educação e Trabalho - da ANPEd e da diretoria do Centro
de Estudos Educação e Sociedade (CEDES), Editor Associado da Revista
Educação & Sociedade e membro do Conselho Editorial dos periódicos aca-
dêmicos Trabalho, Educação e Saúde e Educar em Revista.

Roberto Antonio Deitos


Graduado em Pedagogia, Mestre e Doutor em Educação pela Universidade
Estadual de Campinas. Docente do Colegiado de Pedagogia e do Mestrado
em Educação da UNIOESTE – Campus de Cascavel. Membro do Grupo
de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Social – email: GEPPES.
rdeitos@uol.com.br

João Batista Zanardini


Graduado em Matemática. Mestre em Educação pela Universidade Estadual
de Maringá e Doutor em Educação pela Universidade Federal de Florianó-
polis. Docente do Colegiado de Pedagogia da UNIOESTE – Campus de
Cascavel. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e
Social – GEPPES. email: j.zanardini@uol.com.br

Ana Elizabeth Santos Alves


Doutora em educação. Docente do Departamento de Filosofia e Ciências
Humanas e do Programa de Pós-Graduação em Memória, Linguagem e So-
ciedade, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB. Membro do
Museu Pedagógico da UESB. ana_alves183@hotmail.com

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
325
OS AUTORES

Miriam Cléa Coelho Almeida


Mestre em Geografia. Docente do Departamento de Geografia da Universi-
dade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB. Doutoranda do Programa de
Pós-Graduação em Memória, Linguagem e Sociedade da UESB.miriamclea@
gmail.com

Daiane Acco Rossarola Becker


Possui graduação em Pedagogia e Mestrado em Educação pela Universidade
Estadual do Oeste do Paraná. Atualmente é professora de ensino fundamen-
tal na Prefeitura Municipal de Palotina e professora da União de Ensino Su-
perior do Paraná. Atua também como professora formadora da Universidade
(IES) no curso de Extensão Pacto Nacional Pelo Fortalecimento do Ensino
Médio, ministrado pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná em parcei-
ra com o Ministério da Educação e Secretaria de Estado da Educação -SEED.

Cíntia Magno Brazorotto


Mestre em Educação pela PPGE/UNIMEP. Doutoranda em Educação na
FE/UNICAMP. Pedagoga no IFSP – Campus Araraquara. Contato: cbrazo-
rotto@gmail.com

Edaguimar Orquizas Viriato


Doutorado em Educação (Currículo) pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (2001). Atualmente é professora associada da Universidade Esta-
dual do Oeste do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase
em Currículo, atuando principalmente nos seguintes temas: política educa-
cional, gestão, currículo, formação de professores, ensino médio e educação
profissional.

Ronaldo Marcos de Lima Araujo


Pesquisador produtividade do CNPq. Pedagogo, especialista em docência
do ensino superior pela UFPA, Mestre em História e Filosofia da Educação
pela PUC-SP, Doutor em Educação pela UFMG, com Pós-Doutoramento
no PPFH-UERJ. Atualmente é Professor Associado do Instituto de Ciên-
cias da Educação da UFPA atuando como professor da graduação e da pós-
-graduação e mestrado e doutorado. Atualmente coordena o Programa de
Pós-Graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica. Foi Coordenador
do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPA em três gestões,
vice-coordenador do Fórum Nacional de Coordenadores de Programas de

326 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
OS AUTORES

Pós-Graduação em Educação, Coordenador do GT de Trabalho e Educação


da ANPED, Diretor de Qualificação da Escola de Governo do Pará, Dire-
tor de Ensino Médio e Educação Profissional da Secretaria de Educação do
Pará, membro do Conselho Estadual de Educação e membro da Comissão
da Área de Educação junto a CAPES. É associado da ANPED, da ANPAE
e da SBPC.

João Paulo da Conceição Alves


Doutor em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPa). É Profes-
sor e pesquisador na Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), na qual
também possui a função de Assessor de Pesquisa. Realizou Doutorado San-
duíche na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e possui Mestrado
em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Amapá (2009)
e graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará (2006). É Líder
do Grupo de Pesquisa em Educação, Trabalho e Formação Humana (GE-
FOR), e associado à ANPED (Associação Nacional de Pós-Graduação em
Educação), à SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e à
ANPAE (Associação Nacional de Política e Administração da Educação), da
qual é Coordenador da sua seção no Estado do Amapá.

José Carlos dos Santos


Doutor em História. Docente da graduação e de pós-graduação stricto sensu
da Universidade Estadual do Oeste do Paraná; líder do grupo de pesquisa
“Hermenêutica da Ciência e Soberania Nacional”. E-email: professor_jose-
carlossantos@pq.cnpq.br.

Márcia Regina Ristow


Doutora em Educação. Membro do grupo de pesquisa “Hermenêutica da
Ciência e Soberania Nacional”. Docente da graduação da Universidade Esta-
dual do Oeste do Paraná. E-mail: marciaristow@hotmail.com.

Rosangela Lourenço Garcia


Pedagoga, Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Pa-
raná, Campus de Cascavel.

Marise Ramos
Doutora em Ciências Humanas – Educação (UFF, 2001). Pós-Doutorado
em Etnossociologia do conhecimento profissional (UTAD/Portugal, 2012).

ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI
327
OS AUTORES

Especialista em Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde Pública da Escola


Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/
Fiocruz). Professora dos Programa de Pós-Graduação em Educação Profis-
sional em Saúde (EPSJV/Fiocruz) e de Políticas Públicas e Formação Huma-
na (PPFH) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Marcos Aurelio Schwede


Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia (PPGTE) da
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Mestre em Tecno-
logia (PPGTE/UTFPR), Professor do Instituto Federal de Santa Catarina
(IFSC). E-mail: marcos_schwede@hotmail.com

Domingos Leite Lima Filho


Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
Professor do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia (PPGTE) da Uni-
versidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e Coordenador do Gru-
po de Estudos e Pesquisas em Trabalho, Educação e Tecnologia (GETET).
E-mail: domingos@utfpr.edu.br

Janice R.Cardoso Griebeler


Mestre em Educação pela Universidade do Oeste do Paraná – UNIOESTE,
2013. Integrante do GEPPES – Grupo de Estudos e Pesquisas em Política
Educacional e Social. Professora Pedagoga da Rede Estadual do Estado do
Paraná. E-mail: janice-mondrone@hotmail.com.

Ireni Marilene Zago Figueiredo


Professora do Colegiado do Curso de Pedagogia e do Mestrado em Educação
da UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus de
Cascavel – PR. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política
Educacional e Social – GEPPES. irenifigueiredo@hotmail.com.

Zuleide S. Silveira
Doutora em Educação/Linha de Pesquisa Trabalho e Educação pela Uni-
versidade Federal Fluminense (UFF). Professora Adjunta da Faculdade de
Educação da Universidade Federal Fluminense (FEUFF), Professora do Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFF). Membro do Comitê
Assessor de Pesquisa da PROPPI/UFF, representante da área de Educação.

328 ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI

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