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b Por ser o trabalho o pressuposto fundante do devenir humano, ele é o princípio edu
cativo e, portanto, é fundamentâl que---todo o ser humano, desde a mais tenra idade,
socialize
este pressuposto. É desta com.p reensão do trabalho como criador da realidade humana
(não enquanto visão·' moralizante, pedagogista) que Marx e Erigels postulam a união do
trabalho manual, industrial, produtivo, com o trabalho intelectual. Nem Marx nem
Engels definem a forma e o conteúdo que esta ); categoria antedíluviana (como eles
próprios lembram) vai as. sumir historicamente. Na base da análise do seu tempo históri
co e na perspectiva do avanço tecnológico e, portanto, da potenciação das forças produtivas
, apontam a hipótese da superação _do trabalho manual acabrunhador e a possibilidade d
a redução do trabalho sob o mundo da necessidade e a dilatação do mundo da liberdade. Es
ta possibilidade; na sua forma mais plena, implica a supressão da relação capitalista
que, dominantemente, transforma o trabalho de criador da vida humana
em alienador da vida do trabalhador.
Ao tratar da função social e da crise da educação, no interior da crise do capitalismo c
ontemporâneo e de suas instituições, Mészáros, de forma clara, situa a questão central media
nte a qual podemos analisar o confronto das perspectivas
acima:
Se essas instituições -inclusive as educacionais _ foram
feitas para os homens, ou se os homens devem continuar a
servir às relações sociais de produção alienadas -:-é esse /0
verdadeiro tema do debate. (Mészáros, 1981: 272)
~~ O caráter subordinado das práticas educativas aos interesses do capital historica
mente toma formas e conteúdos diversos, no capitalismo nascente, no capitalismo mo
nopoli~ta e no capitalismo transnacional ou na economia glObalizada. Em boa medi
da, a literatura nos revela as formas específicas desta
subordinação e não é objetivo deste trabalho expõ-Ias. Cabe, apenas, registrar que o caráter
explícito desta subordinação é de uma clara diferenciação da educação ou formação humana par
asses dirigentes e a classe trabalhadora.
Esta subordinação nem sempre é de fácil dissimulação' N,t, ao longo do desenvolvimento do si
stema capitalista. Assim, por diferentes man~ras, o caráter contraditório das relações s
ociais capitalistas po4,e ser explicitado ~o âmbito das relações ,( entre a socIedade
e os''Processos educatIVOS, ou destes com o processo produtivo. Isto nos indica,
de um lado, que ocapital é prisioneiro de sua contradição, de seus limites de concepção (
fragmentária) da realidade, portanto não é onisciente e, de outro, que é confrontado por
interesses da classe trabalhadora que lhe são antagónicos.
No plano histórico mais distante, o inventário das posições entre os fundadores do liber
alismo clássico e entre os iluministas sinaliza como a questão da educação na perspectiv
a da subordinação das relações capitalistas é, ao mesmo tempo, necessária e problemática. Há
um lado, a necessidade de que a reprodução da força de trabalho seja moldada, forjada,
fabricada para a disciplina e subordinação das novas relações de produção mas, ao mesmo tem
po, há a necessidade de estabelecer uma distinção clara com as formas servis e escravo
cratas do ancien
. .
regIme. ~
Antes mesmo da consolidação dos sistemas de ensino, em 1757, Voltaire recomendava ao
rei da Prússia que a canalha não era digna de ser esclarecida:
A canalha (as massas) é indigna de ser esclarecida (...) é
essencial que haja cozinheiros ignorantes ( ... ) e o que é de lei
é que o povo seja guiado e não seja instruído. (Apud Arroyo.
1987: 75)
Em' contrapartiqa, na mesma época, Diderot fazia a recomendação à imperatriz da Prússia, de
fendendo a instrução para todos. Rousseàu, embora com uma perspectiva de condenação à ciênci
ao progresso técnico, por confundir, como
mostrará mais tarde Marx, a forma histórica capitalista de produção e utilização da ciência e
das máquinas, com o próprio progresso técnico, coloca-se numa perspectiva oposta à de Vo
ltaire e rompe com os ideais da Ilustração. (Nosella, 1977: 34-5) As referências de Sm
ith de uma instrução em doses homeopáticas e, um século mais tarde J. Mil! (1848), de um
a educação nacional das criapças das classes trabalhadoras para
o cultivo do bom senso e que tudo o mais é "sobretudo decorativo", caminham na mes
ma direção.
Na medida, todavia, em que o sistema capitalista se solidifica e os sistemas edu
cacionais se estruturam, assume nitidez a defesa da universalização dualista, segmen
tada: escola disciplinadora e adestradora para os filhos dos trabalhadores e esc
ola formativa para os filhos das classes dirigentes.
Desttut de Tracy, no final do século XVIII e alvorecer do século XIX, no contexto da
s concepções naturalistas e organicistas, e no bojo da estruturação originária do conceito
de ideologia como sendo a ciência das idéias, expõe como natural a existência de uma es
cola e de uma formação dualista. Defende também como natural, a subordinação do ensino e q
ualificação das classes trabalhadoras às necessidades imediatas da produção, enquanto os f
ilhos das classes dirigentes deveriam ser preparados para governar:
Os homens de classe operária têm desde cedo necessidade do trabalho de seus filhos.
Essas crianças precisam adquirir desde
cedo o conhecimento e sobretudo o hábito e a tradição do
trabalho penoso a que se destinam. Não podem, portanto, perder tempo nas escolas.
(. ..) Os filhos da classe erudita, ao contrário,
podem dedicar-se a estudar durante muito tempo; têm muitas
coisas para aprender para alcançar o que se espera deles no
futuro. (. ..) Esses são fatos que não dependem de qualquer
vontade humana; decorrem necessariamente da própria natureza dos homens e da socie
dade: ninguém está em condições de
mudá-los. Portanto trata-se de dados invariáveis dos quais
devemos partir. (Desttut, 1908)
34
c ------.------------
Desttut conclui que todo Estado bem administrado deve providenciar dois tipos de
sistema de instrução totalmente distintos.3
Marx e Engels, embora não tenham efetivado uma análise
.--» específica da questão educacional, em diferentes momentos 'criticam a perspectiva
unilateral da subordinação da escola ao capital sob as rel~ções capitalistas e os mecan
ismos de burla às parcas conquistà,\,dos trabalhadores contempladas nas cláusulas sobre
educaçã<\ nas leis fabris. Em suas obras, em ( diferentes momentos, delineiam-se as
bases filosóficas de uma i\ concepção omnilateral de educação e de qualificação humana, insc
ita no horizonte da instauração de novas 'relações sociais ) dentro de uma nova sociedáde.
4
,
"::J Nos séculos XIX e XX, particularmente nos países europeus, ocorrem reformas educ
acionais, mudanças de perspectivas pedagógicas, massificação e elevação dos níveis de escol
Dentre as três mudanças mais significativas deste final de século, apontadas por Hobs
bawm (1992b), uma é a da crescente intelectualização e, portanto, de elevação dos'õpatamares
educacionais em todo o mundo. De forma cada vez mais dissimulada, todavia, o des
envolvimento dos sistemas de ensino solidificaram uma estrutura dualista e segme
ntada que perdura até o presente, ainda que de forma diferenciada, em contextos es
pecíficos nas diferentes formações sociais capitalistas.'
Paradoxalmente, é da França já no ocaso do século XX contrastando com o ideário da Revolução
rguesa que há
mais de dois séculos proclamava a defesa da 'escola pública, gratuita, universal e l
aica -, que nos chegam as análises sociológicas mais agudas que demonstram o caráter d
ominantemente reprodutor, dualista e classista da educação, com Bourdieau & Passeron
(1975), Baudelot & Establet (1971) e
Establet (l98n
A análise da ed_ucaç~ no J3rasil -desde o Império e a sua "boa sociedade" às délr!..arches
da República Velha e até os dias atuais da República -nos traça um quadro de extrema pe
rversidade, Somente em 1930 se efetiva um esforço para a criação de um sistema naciona
l de educação, mas chegamos em 1993 colocando no texto da nova LDB, barganhada e apr
ovada na Câmara dos Deputados, com a obrigatoriedade reaI apenas até o quinto ano de
escolaridade, Aproximadamente 7 milhões de crianças estão fora da escola, mais de 20
milhões de analfabetos absolutos e 80% da população com uma alfabetização precária, As razõe
esta perversidade são de várias ordens, Apontamos aqui apenas o horizonte por onde e
ntendemos as determinações mais estruturais,
Num primeiro plano situam-se o fato de sermos uma ~ sociedade que definiu sua in
dependência pelas mãos do colo\ nizador, Herdamos, pois, uma matriz cultural bastante
peculiar, ~onde o colonizado se identifica com o colonizadoL Apagam-se as raízes
ou são renegadas, Perfilamos uma relação de submissão, No passado mais remoto, essa subm
issão se dava em relação aos conquistadores e colonizadores, Hoje, continuamos a ser c
olonizados mediante a integração subordinada ao grande capitaL Não só somos a sociedade
que mais retardou a libertação dos escravos, como pertencemos àquelas que os analistas
situam
como de Terceiro Mundo,
A Revolução de 30, embora explicite mudanças e reformas significativas no plano do Est
ado, da economia e da política, não constituiu efetivamente uma ruptura com as velha
s oligarquias, A elite industrial que se forjou nos anos 20 e após 30 é frágil e depend
ente das oligarquias agrárias, Oligarquias que, como apontam as análises de Bosi (19
92), Villas (1991),
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Weffort (1992) entre outros, têm a capacidade de manter a desarticulação entre o polític
o e o social (democracia política e profunda exclusão social) e de defender a modern
idade e, ao mesmo tempo, de manejar, sem remorsos, a chibata senhoriaL
i
Mantém-se, até hoje, uma cultura que escamoteia os conflitos, as crises, embora a so
ciedade viva em crises e em conflitos, Sob o paternalismo e clientelismo, dilui-
se o conflito capital-trabalho, mirl'ÍlPiza-se a desigualdade social e a profunda
discriminação raciaL 'Faz-se a apologia da conciliação e da
i
harmonia "balofa", O próprio sistema intelectual dominante desenvolve-se com uma p
ostura marcante de desenraizamento,
No plano econômico, esta matriz explicita-se, corno nos j; indica Francisco de Oli
veira, no uso dilapidador do fundo público. O Estado é estruturado corno uma espécie d
e deus
Janus que tem uma dupla face: urna privada e a outra pública, que atua em função desta
. Historicamente, tem se constituído no grande fiador de urna burguesia oligárquica,
protegendo latifúndios improdutivos, terra como mercado de reserva, subsídios sem re
torno e especulação financeira. Os incentivos fiscais constituem-se na ampliação de subsíd
ios do fundo público ao enriquecimento fácil e rápido de restritos grupos. Uma burgues
ia que sabe ser competente quando apoiada no fundo público. Nesta relação misturam-se
jogo de influências, formação de quadrilhas de corrupção no âmago do aparelho do Estado, nep
otismo e us~a.
No plano político, como analisa Debrun no ensaio A conciliação e outras estratégias (198
3), desde a independência até hoje se alternam as estratégias da conciliação conservadora,
do autoritarismo e do apelo, no plano do discurso, ao ideário liberaL
Há, contudo, sinais de rompimentos com esta tradição. As manifestações e démarches que culmi
naram com o julgamento e afastamento de Collor, explicitam um tecido de sociedade
que tem novas forças e atores sociais em jogo, sinalizando uma nova direção. Estes no
vos.atores sociais (novo sindicalismo, movimentos sociais urbanos, movimentos do
campo, movimentos das minorias), como veremos adiante, redefinem a relação Estado-s
ociedade sob novas bases.
parei aqui
2. A educação alçada a capital humano -uma esfera específica das teorias de desenvolvime
nto
Como assinalamos anteriormente, embora a relação entre
o processo econômico-social e a educação já estivesse presente na escola clássica liberal
(Adam Smith, Stuart Mill), a construção de um corpus teórico dentro de um campo discip
linar -Economia da Educação -que define a educação como fator de produção, se explicita some
nte no contexto das teorias do desenvolvimento, mais especificamente na teoria,_
d,a modernizaçãe>,após a Segunda Guerra Mundial.
A teºf.!a _ capit~1 huIllan() é uma esfera particular da teoria
ºº__
do desenvolvirne~tõ:--rna~~·~da pelo contexto em que foi produzida, uma das expressões
ideológicas dominantes desse período. A teoria do desenvolvimento, geral e abrangente
, pelas suas características e pela problemática abordada, é muito mais uma teoria da
modernização do que uma teoria explicativa do desenvolvimento capitalista, isto é, das
bases materiais e das condições sociais em que assenta o processo de produção e reprodução
das formações sociais capitalistas. (Grzybowski et
alii, 1986: 12)
40
A construção sistemática desta "teoria" deu-se no grupo de estudos do desenvolvimento
coordenados por Theodoro S~,nos EUA, na década de 2Q. O enigma para a equipe de~Sd
lultz era descobrir o "germe", a "bactéria", o fator que pudesse explicar, para além
dos usuais fatores A (nível de
'tecnologia), K (insumos de capital) e L (insumos de mão de obra), dentro da fórmula
geral neoclássica de Cobb Douglas, as variações do de\~nvolvimento e subdesenvolvimen
to entre os países. Schultz notabiliza-se com a "descoberta" do fator H, a partir
da qual elabora um livro sintetizando a "teoria" do capital humano, que lhe vale
u o Prêmio Nobel de Economia em 1968 (Schultz, 1973). No Brasil, esta teoria é rapid
amente alçada ao plano das teorias do desenvolvimento e da equalização
,social no contexto do milagre econômico. A idéia-chave é de que a um acréscimo marginal
de .J instrução, treinamento e educação, corresponde um acréscimo marginal de capacidade
de produção. Ou seja, a idéia de capital 'humano é uma "quantidade" ou um grau de educação e
de qualificação, tomado como indicativo de um determinado volume )~, . de conhecime
ntos, habilidades e atitudes adquiridas, que funI cionam como potencializadoras d
a capacidade de trabalho e de produção. Desta suposição deriva-se que o investimento em
capital humano é um dos mais rentáveis, tanto no plano geral
l
do desenvolvimento das nações, quanto no plano da mobilidade individual.
A disseminação da "teoria" do capital humano, como panacéia da solução das desigualdades e
ntre países desenvolvidos e subdesenvolvidos e entre os indivíduos, foi rápida nos paíse
s latino-americanos e de Terceiro Mundo, mediante os organismos internacionais (
BID, BIRD, OIT, UNESCO, FMI, USAID, UNICEF) e regionais (CEPAL, CINTERFOR), que
representam dominantemente a visão e os interesses do capitalismo integrado ao gra
nde capital.
É na crença nesta mágica solução, ao largo das relações de poder na sociedade, que um dos mai
ilustres representantes da escola econômica neoclássica no Brasil, Mário H. Slll'lQll
sen,
41
A segunda coletânea, organizada por Silva (1991), Trabalho, educação e prática social: po
r uma teoria da formação humana, expõe análises que focalizam a contradição da negatividade
da positividade do trabalho sob as relações capitalistas de produção (Thompson, Manacor
da, Lerena, Enguita, Silva, Arroyo); o sentido do trabalho como princípio educativ
o em Gramsci (Nosella) e as bases do embate da concepção e prática
educativa, na perspectiva de uma formação humana dentro dos interesses unidimensiona
is do capital e da luta por uma formação omnilateral ou politécnica na ótica dos interes
ses dos trabalhadores (Frigotto).
Ao mesmo tempo que este debate se delineia no âmbito da construção teórica, exercita-se
no plano do embate político e organizativo da educação, tanto no contexto do processo
constituinte, quanto no processo de elaboração e definição da nova Lei de Diretrizes e B
ases da Educação Nacional, que está em gestação desde 1988. A luta, no plano das diretrize
s e no plano das bases (condições de concretização das diretrizes), dá-se dentro de um tec
ido social e cultural onde as elites dirigentes fazem o discurso da modernidade,
mas estão prenhes das práticas escravocratas, estamentais e oligárquicas. Como nos mo
stra Francisco de Oliveira (1992), Collor é a expressão paradigmática da falsificação da m
odernidade.
O início dos anos 90 sinaliza, ao mesmo tempo, um processo de aprofundamento da re
lação trabalho-educação, um aumento significativo de pesquisadores da área que se preocupa
m com essa temática 10 e a busca, tanto no planO teórico, como no plano político organ
izativo, da rediscussão da função social da escola no conjunto das lutas pela efetiva
democratização da sociedade brasileira.
Em relação à concepção da escola, o eixo básico centra-se na questão da escola unitária, form
cnológica ou poli
10. José dos Santos Rodrigues, ao levantar a participação das reuniões anuais da ANPEd,
desde 1989, mostra que no conjunto dos 13 grupos de trabalho institucionalizados
na (ANPEd)j o GT trabalho-educação, neste período, agregava a participação de mais de 20%
do totai de participantes. (Rodrigues, 1993, 23-24)
48
"~I
b
técnica e no aprofundamento do sentido e das implicações
. político-práticas de tomar-se o trabalho como princípio educa
tivo. Trata-se de uma perspectiva que demarca, como explici
taremos mais detalhadamente no último capítulo, uma clara
contraposição às teses do neoconservadorismo que, definindo
. o '. mercado como o sujeito regulador da concepção e da organização da educação, tende a e
ternizar a concepção instrumentalista, duali~ta, fragmentária, imediatista e interessei
ra de formação human'â\ Inúmeros trabalhos expõem este debate, entre eles, Machado (1989,1
992), Kuenzer (1989, 1991, 1992), Saviani (1988, 1989), Frigotto (1991a), Nosell
a (1992, 1993), Warde (1993), Market (1992) e Rodrigues (1993).
O trabalho de Nosella sobre A escola de Gramsci (1992), pela influência que Gramsc
i teve na área desde o início da década de 80 e pelo nível de aprofundamento atingido em
relação à questão da escola unitária, educação tecnológica, enquanto antítese à visão intere
imediatista dos homens de negócio, é o que mais avança neste debate. Trata-se de um es
forço de precisar questões que vêm carregadas de ambigüidade. Na mesma direção, o trabalho d
Rodrigues, A educação politécnica no Brasil: concepção em construção
(1984-1992), nos permite, de forma densa, apreender as diferentes nuances do deba
te sobre esta questão eo tecido de realidade do qual tais análises emanam.
Este debate crítico nos auxilia, hoje, a perceber que o resgate das concepções marxist
as de formação humana politécnica ouomnilateral emerge no terreno das contradições do capit
alismo neste final de século. O risco que se pode correr neste campo é o mesmo para
o qual Francisco de Oliveira chama atenção em relação à análise econômica, que é o de
transformar a teoria marxista de crítica ao capitalismo em
modelo ou aplicada para resolver problemas operativos de
política econômica. II Esta tendência certamente tem se mani
11. Ver entrevista de Francisco de Oliveira, "Marxismo não é modelo, é crítica", Folha d
e S. Paulo, 13.06.93.
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Este percurso de duas décadas de construção teórica e de luta no plano político organizati
vo da escola, conjunturalmente, teve como espaço de embate o complexo, tortuoso e i
nconcluso processo de "transição" democrática e, dentro dele,
o processo de promulgação de uma nova Constituição e uma nova Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional. Inúmeros são os documentos que fazem o balanço do andamento das démarc
hes deste processo no campo da educação.
As grandes esperanças alimentadas pelas negociações a partir de um projeto encampando
boa parte das lutas históricas dos educadores, com a vitória de Collor e a nova corr
elação de forças no Congresso, aumentaram a cada dia sua desfiguração, levando Florestan F
ernandes (1992), numa análise deste processo, a afirmar que a nova LDB estava sendo
mutilada, correndo o risco de se transformar num frankenstein. Como veremos no úl
timo capítulo, as definições que vão se solidi
12. É nítida, nestas análises, a influência da leitura althusseriana da teoria marxista
de ideologia, onde a mesma é apreendida de forma descolada da base material. Porta
nto, não a tomam, ela mesma, como um elemento constitutivo da própria materialidade
dos processos sociais. O grande sucesso dos textos althusserianos e, sobretudo do
texto sobre os "aparelhos ideológicos de Estado", e mesmo o sucesso do livro de B
ourdieu & Passeron -A reprodução _ mais que outros textos importantes de Bourdieu, s
e de um lado podem ser interpretados por uma espécie de resistência ao aprofundament
o das análises, de outro deve-se reconhecer que, na conjuntura do início dos anos 70
, sob a violência da ditadura, assumiam uma espécie de efeito catártico ..
2
I"
ficando na nova LDB, pelo que a Câmara aprovou, explicitam claramente o velho dile
ma da burguesia em matéria da função econômico-social da educação. Este dilema, entre nós, se
apresenta de um lado pela demanda de ampliação da escola básica e uma nova qualidade da
mesma como exigência das necessidlldes da nova base técnica do processo produtivo, d
os processos de reconversão tecnológica e, de outro, pela dificuldade de liberar eh.
campo educativo da esfera privada do mercado. "
"
3. Os homens de negócio, a sociedade do conhecimento e o fim da sociedade do traba
lho
Os debates do início da década de 90 sobre a natureza das novas tecnologias caracter
izadas como configuradoras da Terceira Revolução Industrial, as mudanças na base técnica
da produção e o impacto sobre o conteúdo do trabalho, divisão do trabalho e qualificação e
formação humana nos permitem identificar uma problemática que se expõe como desafio teóric
o e político prático para quem tomou como eixo de compreensão dos processos educativos
e da organização da escola unitária e politécnica, a categoria trabalho.
Este desafio, que --neste trabalho buscamos abordar e configurar na sua anatomia
mais geral e apenas referi-lo aos embates concretos da realidade brasileira e l
atino-americana, se manifesta em dois níveis diversos de problematicidade .sobre a
mesma base histórico-material. '
O primeiro desafio materializa-se no esforço de atender novas formas de sociabilid
ade do capital, a um tempo, produtoras e resultado da crise do "modelo" fordista
de desenvolvimento e, portanto, de acumulação, concentração e centralização de capita]l3 qu
e regulou as relaçÕes capitalistas no último meio
13. Labini, embora não seja um autor inscrito na tradição marxista de crítica ao process
o de acumulação, nos ajuda a entender o processo de concentração
ii
enfrentar as questões básicas deste ensaio que se delineiam, de um lado, pelas teses
de base "neo-racionalista" do fim da sociedade do trabalho e da centralidade do
trabalho na vida humana, e pelas teses neoconservadoras do mercado como instrum
ento de regulação do conjunto das relações sociais e, de outro, pela relação desta ordem de
questões com as alternativas que se apresentam para a educação e a formação
humana.
1, Natureza e especificidade da crise: o esgotamento do
Estado de Bem-Estar e do modelo fordista de
acumulação e regulação social
É importante demarcar, neste primeiro item, que a crise dos anos 70/90 não é uma crise
fortuita e meramente conjuntural, mas uma manifestação específica de uma crise estrut
ural. O ~ue entrou em crise nos anos 70 constituiu-se em mecanisnÍ~ de soluçãõâãCtise dos an
os -30: aspolíilcas-estatã1s~-meãíanle
-"--".-. -'. ----,,,-,,---,,-._--.,,---------------~ ----..--~
o fundo público, finÍlnciando o padrão OeacumUlaçãõ·capitalista
nos últimos cinqÍienta anos. A crise·nã() e,portiiiítO,como a
explica a ideologia neoliberal, resultado da demasiada interfe
rência do Estado, da garantia de ganhos de produtividade e
da estabilidade dos trabalhadores e das despesas sociais: Ao
contrário, a crise é um elemento constituinte, estruturãl, do
movimento cíclico da acumulação capitalista, assumindo formas
específicas que variam de intensidade no tempo e no espaço.
apropnaçao de valor. Essa liberdade efetiva implica como paralelo seu a igualdade
abstrata da cidadania. (O'Donnel, 1981)
Trata-se de uma ilusória liberdade, na medida em que as relações de força e de poder ent
re capital e trabalho são estruturalmente desiguais. É sob esta ilusão e violência que a
ideologia burguesa opera eficazmente na reprodução de seus
interesses de classe. .
Ao contrário, todavia, do que o clássico ideário liberal ou a morbidez apologética neoli
beral apregoam, as "leis históricas" sob as quais opera o capitalismo não são harmônicas,
mas contraditórias e conflitautes. O caráter contraditório do capitalismo, que o leva
a crises periódicas e a ciclos abruptos e violentos, como o demonstra Marx ao ana
lisar a natureza do capitalismo e a sociedade capitalista nascente, não advém de alg
o externo, mas deriva da dominação do capital e exploração
do trabalho.
Em lugar da suposta tendência ao equilíbrio e à igualdade dos agentes econômicos, trata-
se de um sistema que, pela concorrência sob forças e poder desiguais, conduz à acumulação,
concentração e centralização de capital. Ao capitalista interessa produzir o máximo de me
rcadorias que condensem o máximo de mais-valia. Para permanecer no 'Jogo" esta reg
ra é crucial. Por isso os diferentes competidores buscam, mediaute ii incorporação cres
cente de ciência e tecnologia no processo de produção, aumentar o capital morto e dimi
nuir o capital vivo com o intuito de produzir mercadorias ao menor custo e, port
auto, condensadoras do máximo de mais-valia. Mas, ao mesmo tempo que o capital nec
essita que as mercadorias sejam monetarizadas, isto é, que seja realizada a mais-v
alia que
condensam, é um sistema que tende a reproduzir como mercadoria a força de trabalho no
seu processo reprodutivo global e a excluir tanto força de trabalho excedente qua
nto capitalistas
(in)concorrentes.
64
.._-----------------
c
O caráter contraditório (de crise portanto) do modo de
. produção capitalista explicita-se, historicamente e em formações sociais específicas, de
formas e conteúdos diversos, porém, inexoravelmente, pela sua própria virtude de pote
nciar as forças produtivas e por sua impossibilidade de romper com as relações sàciais d
e exclusão e socializar o resultado do trabalho humauo para satisfazer as necessid
ades sociais coletivas. Paradoxalmente, mesmo com mais dedgis terços da humanidade
passaudo fome ou morrendo de fome,'a_prise do capital é,hoje, de superacumulação estat
almente regulada. Somente nesta perspectiva põde~seelltendêr as políticas do GATI.
A crise está, pois, organicamente engendrada na natureza das relações sociais capitali
stas e
não é nada mais do que a maneira violenta de fazer valer a
unidade das fases do processo de produção, que se tornam autônomas. (Marx, 1978)
A literatura que análisa a gênese e o desenvolvimento histórico do capitalismo, começand
o pelas análises de Marx, Engels e Rosa de Luxemburgo, nos dá conta que, de tempos e
m tempos, o sistema, de forma global, enfrenta crises violentas e colapsos que não
advêm de fatores exógenos, mas justamente do caráter contraditório do processo capitali
sta de produção. As crises de 1914, 1929 e agora a crise que se apresenta de forma b
rutal dos anos 70/90, exemplificam estas erupções violentas de um processo de crises
.,,[c1icas. Os conteúdos, as formas, os atores e forças em jogo e a gravidade dos d
estroços são diversos no tempo e no espaço. Cabe, pacientemente, perquirir estas espec
ificidades e evidenciá-las3
3. Metodologicamente é importante registrar que, para não esvaziar a densidade das a
nálises de Marx sobre a natureza estrutural da crise no modo de produção capitalista,
e transformar a agudez da concepção dialética materialista histórica, na análise da realid
ade, em dogma e visão mecanicista, é crucial que a análise apreenda as mediações, as profu
ndas diferenças do capitalismo atuaI em relação ao capitalismo do início do século XVIII.
65
Trata-se, pois, de crises que têm uma mesma gênese estrutural, mas que cada vez traz
uma materialidade específica. ( Na busca de suplantar a crise o capitalismo vai e
stabelecendo J uma sociabilidade onde cada novo elemento que entra para -< enfre
ntá-Ia constitui, no momento seguinte, um novo, compli(cador.4 A entrada do Estado
como imposição necessária no enfrentamento da crise de 29 foi, ·ao mesmo tempo, um mecan
ismo de superação cfa virulência da crise e um agravador da mesma nas décadas subseqüentes
. A volta às teses monetaristas e mercantilistas .protagonizadas pelo ideário neolibe
ral explicita a ilusão de que o problema crucial esteja nos processos de planejame
nto e, portanto, de interferência. do Estado na
economia.5
4. Vários trabalhos, partindo das análises de Marx em O capital, sobre as formas med
iante as quais o capitalismo enfrenta suas crises cíclicas, abordam esta problemátic
a. Gianotti, num texto sobre as "Formas de sociabilidade capi~ talista", mostra
como na atual fase do capitalismo o capital, para reproduzir~se, necessita de "f
onuas de produção postas pelo capital como o seu outro e que crescem com ele". Neste
contexto analisa a função do Estado. do fundo público, da riqueza social, do trabalho
improdutivo e a própria natureza das classes sociais. (Gianotti, 1983: 216~99) Fr
ancisco de Oliveira, em várias análises, das quais destacamos' "O terciário e a divisão
social do trabalho", (1981) "O surgimento do antivalor: capital, força de trabalho
e fundo público": (l988b: 8-28) discute, no primeiro caso, a idéia de que o trabalh
o improdutivo não é externo, alheio ao trabalho produtivo, mas parte de um mesmo mov
imento contraditório. No
segundo texto, expõe o papel central do fundo público na superação da crise dos anos 30
e, portanto, na definição do padrão de acumulação capitalista dos últimos 50 anos, padrão est
que, a partir dos anos 70, entra em crise. Magdof
(978) mostra como a entrada do Estado na economia não se apresentou como uma escol
ha entre outras alternativas, mas como uma imposição.
5. Certamente, o Estado sempre se constituiu num ator político na consecução dos inter
esses da classe burguesa, Todavia, como analisa Gramsci (1978), já na década de 20,
a complexidade dos processos de acumulação foi desmascarando de forma cada vez mais
clara a imagem do Estado liberal neutro, árbitro do bem comum. A atividade econômica
, ao contrário de ser resultado de forças livres do mercado e de uma racionalidade p
uramente técnica, resulta, cada vez mais, da atividade política. Crises econômicas red
undam em crises do Estado e
vice-versa.
66
c
Para analisar a crise da sociedade capitalista dos anos 70 é necessário, portanto, s
ituá-Ia como uma crise com um conteúdo histórico mais complexo e, conseqüentemente, com
uma trama de sujeitos sociais e mediações mais complexa, e reconhecer
. que seu enfrentamento ou sua superação engendra a possibilidade ·de.. processos de d
estruição e exclusão mais perversos que os precedentes, emb.ora também existam possibili
dades de um novo patamar de COh\luistas da classe trabalhadora. A dominância dos p
rocessos de re'l,~truturação do capitalismo, de imediato, nos mostra, como veremos a
diante, uma cota diferenciada, em termos de perspectivas e de custos humanos, no
s países do Cone Norte e nos países do Cone Sul, como é o caso da América Latina.6
Se é verdade que o colapso abrupto do socialismo real deve ser debitado a erros br
utais dos rumos· que a Revolução de 17 foi tomando, transformando os dirigentes numa "
classe de burocratas", fixados num poder monolítico, autocrático e violento (é só lembra
rmos do período estalinista), não podemos esquecer que o mesmo resulta da história da
exploração e atraso daquelas sociedades e, posteriormente, da violência permanente do s
istema capitalista mundial. Na visão de Marx, o socialismo se iniciaria em condições f
avoráveis onde a forma capitalista de produção tivesse atingido o mais elevado grau
~
de desenvolvimento e contradição (Inglaterra, França ...) e daí se expandiria num proces
so geral de ruptura com o capitalismo. Ou seja, a passagem se daria onde o capit
alismo, por suas "virtudes" de produção e incapacidade de socialização desta produção, exace
rbasse as contradições, e não pelo caminho do quanto pior melhor. Como nos indica Hobs
bawm:
-----._~---
, f'
.:;J(/<" . j~
i:
6, Diversos trabalhos publicados na década de 90 que analisam a crise do capitalis
mo reservam uma perspectiva bastante sombria para países como os que constituem a
América Latina. Ver, entre outros, Schaff (1990), R. Ronchey (1991),
R. Blackburn (1992), Furtado (1992), Wright (1983), Boron (1991 e 1994), Gomes (
1992).
das relações sociais gerais, dos conflitos intercapitalistas e nas relações capital-trab
alho.
Por um período de aproximadamente 60 anos foi adotado .(
este modelo de desenvolvimento. Em sua primeira fase, como expõe Alliez (1988), qu
e vai até 1930, constitui-se num processo de refinamento do sistema de maquinaria
analisado por Marx. Grandes fábricas, decompos'ção de tarefas na perspectiva taylorista
, mão-de-obra pouco qualificada, gerência científica do trabalho, separação crescente entr
e a concepção e a execução do trabalho etc. O fordismopropriamente dito que se caracte.!
iza por um sistema de;nãquinàs "copIado, aumentointenso de
capli~fn,oito eci~l'~oci~ii~aaae;-prQ(fí!çilo_eITIgrandees~aj;.
e consull1o_d(l massa, tem seu desenvolvimento efetivo a partir
dos anos 30 e toma-se um modo social e cultural de vida
após a Segunda Guerra Mundial.
A crise de 29, que é uma crise de superprodução e, portanto, uma ameaça de asfixiamento
do sistema que não consegue realizar as mercadorias produzidas, determina novas es
tratégias para o enfrentamento da crise. Dentre estas estratégias destacam-se, no pl
ano capitalista, o fascismo, o fordismo e o americanismo.
A segunda fase do sistema fordista entra justamente no contexto das teses keynes
ianas que postulam a intervenção do Estado na economia como forma de evitar o colaps
o total do sistema. No plano supra-estrutural desenvolve-se a idéia de Estado-Nação (t
otalitário ou democrático) e, após a Segunda Guerra Mundial, ganha força a idéia de Estado
de Bem-Estar Social. É também neste período que os regimes sociais-democratas se apres
entam como "alternativa" ao capitalismo "selvagem" e aos projetos socialista e co
munista. Neste contexto, como nos mostra Hobsbawm, (l992b) o sistema capitalista
incorpora idéias da planificação socialista e principia um quadro de recuperação e de est
abilidade. O Estado de Bem-Estar vai desenvolver políticas sociais que visam à estab
ilidade no emprego, políticas de rendas com ganhos de produtividade e de previdência
social" incluindo seguro desemprego, bem como
70
direito à educação, subsídio no transporte etc. O slogan de
H. Ford -nossos operários devem ser também nossos clientes -caracteriza a estratégia e
conômica desta segunda fase do fordismo que busca viabilizar a combinação de produção em g
rande escala com consumo de massa.
As perspectivas de Francisco de Oliveira (l988b) e de
E. Hobsbawm (l9~2b), diferentes da maior parte das análises, compreendem o sutgime
nto, desenvolvimento e crise do fordismo e do Estado 'lie Bem-Estar Social ou Pre
videnciário, dentro de uma dialética em cujo pacto, contraditoriamente, se situou a
possibilidade de sustentação do padrão de acumulação capitalista. Este pacto envolve o fin
anciamento, pelo fundo público, do capital privado e, ao mesmo tempo, de forma cre
scente, da reprodução da força de trabalho, aumentando de forma generalizada a assistênc
ia da população não por caridade, mas como direito, mediante as políticas sociais de saúde
, educação, emprego etc.
(...) o fundo público, em suas diversas formas, passou a ser o pressuposto do fina
nciamento da acumulação de capital de um lado, e, de outro, do financiamento da repr
odução da força de trabalho, atingindo globalmente toda a população por meio dos
gastos sociais. ( ... ) o fundo público é agora, um "ex-ante" das
~
condições de reprodução de cada capital particular e das con
dições de vida, em lugar de seu "ex-posto" típico do capitalismo
concorrencial. (Oliveira, 1988b: 8-9)
Desta relação dialética entre o padrão de financiamento da acumulação privada e da reprodução
força de trabalho, tendo como vértice o fundo público, decorrem inúmeras cane,. seqüências
que, tradicionalmente, eram consideradas como possíveis apenas dentro do socialismo
. Hobsbawm destaca duas:
a) o capitalismo produziu uma abundância de bens e serviços e "a maioria das pessoas
comuns no Ocidente goza de um padrão de vida muito além do que se poderia conceber
há cinqüenta anos. E, graças ao Estado de Bem-Estar Social, os pobres possuem um abrig
o contra os ventos do infortúnio". Por isso, indica Hobsbawm, o argumento de que só
o socialismo elimina a pobreza, o desemprego, neste contexto, enfraqueceu;
b) muito do que uma vez foi visto como típico de uma economia socialista tem, desd
e os anos 30, sido cooptado e assimilado por sistemas não-socialistas, principalme
nte uma economia planejada e a pl'bpriedade estatal ou pública de indústrias e serviço
s". Mesmo com a onda neoconservadora deflagrada por Thatcher, na Inglaterra, e R
eagan, nos EUA, mostra Hobsbawm que, entre 80 e 87, de acordo com dados do Banco
Mundial, foram efelivadas 400 privatizações, sendo que metade delas apenas em cinco
países, um deles o Brasil.
(Hobsbawm, I 992b: 263-4)
A análise de Francisco de Oliveira também destaca a não-confirmação das previsões da pauperi
zação:
o que se assiste é uma expansão do consumo de todas as classes nos países mais desenvo
lvidos, e uma renovada e inusitada expansão do investimento.
Mais amplamente, mostra-nos desdobramentos que se tecem no plano da materialidad
e das relações sociais, decorrentes da relação orgânica entre o padrão de acumulação e reprod
capital e a reprodução da força de trabalho, cuja dissolução não aceita esquemas lógicos, ma
depende de forças materiais reais. As despesas sociais se constituem num salário in
direto e permitem, portanto, a liberação do salário direto para consumo de massa. Tais
despesas são cruciais para o aumento dos mercados de bens de consumo duráveis:
A presença dos fundos públicos. pelo lado desta vez da reprodução da força de trabalho e d
os gastos sociais públicos
gerais, é estrutural ao capitalismo contemporâneo, e, até prova
em contrário, insubstituível. (Oliveira, 1988b: 10)
No âmbito do caráter contraditório da relação do fundo público com o financiamento do capita
l privado e a reprodução
72
c ------.. -
da força de trabalho, outras conseqüências fundamentais advêm, tanto na perspectiva do c
apital quanto do trabalho e que, face à crise, engendram alternativas com custos s
ociais e humanos muito diversos.
Se o desenvolvimento do antivalor, como o define Fran
, cisco de Oliveira (I988b), explicita como a sociabilidade capitalista, mediant'
\ o fundo público, amplia uma gama de valores, de riqueza\$ocial que' não se constit
uem em capital, mas que além de Subsidiar diretamente o capital privado, favorece-
o indiretamente assumindo grande parte dos custos de reprodução da força de trabalho,
liberando-o para investir no desenvolvimento tecnológico, ao mesmo tempo produziu
uma imensa gama de bens e serviços públicos como antimercadorias sociais e uma desme
rcantilização significativa dá' reprõduçao da força de trabalho. A-c6ifseqüência política, cr
, deste processo é que o embate por estes direitos se deslocou da esfera privada p
ara a esfera pública. Como veremos a seguir, é neste terreno que se dá o embate entre
as perspectivas neoconservadoras, antidemocráticas, e' as perspectivas democráticas e
m face da crise.
Os limites deste modelo de desenvolvimento se fazem sentir já ao final da década de
60 com a progressiva saturação dos mercados internos fie bens de consumo duráveis, con
corrência intercapitalista e crise fiscal e inflacionária que provocou a retração dos inv
estimentos. Desenha-se, então, a crise do Estado de Bem-Estar Social, dos próprios r
egimes sociais-democratas e principia-se a defesa à volta das "leis naturais do mer
cado" mediante as políticas neoliberais, que postulam o Estado Mínimo, fim da estabi
lidade no emprego e corte abrupto das despesas previdenciárias e dos gastos, em ge
ral, com as políticas sociais. Este modelo teve nos governos Thatcher, na Inglater
ra e Reagan, nos Estados Unidos suas ãncoras básicas.
Inúmeras são as análises que buscam explicar a natureza, contradições e determinações da cris
do Estado de Bem-Estar Social ou estado assistencial, cuja sintomática se explici
ta pela Crescente inqlpaci<lªd" cle oJundo_público financiar a acumulllção privada e mant
er as políticas sociais de reproduçãoº1} fQ[ç:a:deftabalho. Dentre estas análises destacal1Íó
s de Offe (l989ã,-1990), Habermas (1987), O'Connor (l977a) e F. de, Oliveira (1988
b). F
Em toda a sua análise embasada em argumentos sólidos, como nos indica Keane na intro
dução à coletânea, é surpreendente que Offe não considere as implicações da crescente nature
ansnacional do capital e a crise global do sistema capitalista.
A perspectiva desenvolvida por Offe sobre a crise do Estado de Bem-Estar, de u~m
odo geraI; corrobora as análises de Hobsbawm e de Francisco de Oliveira, que vêm bal
izando, fundamentalmente, esta breve incursão na compreensão da natureza e especific
idade da crise dos anos 70/90. Entendemos, todavia, que estas últimas, ao mesmo te
mpo que explicitam melhor muitos dos aspectos abordados por Offe, avançam no plano
teórico, econômico e político-ideológico. Um dos pontos cruciais deste avanço é justamente
a compreensão de como joga a internacionalização do capital e, outro, a questão das
classes socíais.
No plano político e econômico a crise se dá nos processos de
internacionalização produtiva e financeira da economia capita
lista. A regulação keynesiana funcionou enquanto a reprodução do capital, os aumentos de
produtividade, a elevação do salário real se circunscreveram aos limites -relativos p
or certo _ da territorialidade nacional dos processos' de interação daqueles
componentes de renda e do produto. (Oliveira, 1988b: 12-3)
Mostra-nos este autor que o processo de internacionalização tirou parte dos ganhos f
iscais sem todavia liberar o fundo público de financiar a reprodução do capital e da f
orça de trabalho.
No plano teórico, a crise do Estado de Bem-Estar é c, situada, por Francisco de Oliv
eira, no interior do caráter ; contraditório do sistema capitalista e, portanto, da
questão dos
. limites deste sistema.
Ora, a história do desenvolvimento capitalista tem mostrado,
com especial ênfase depois do Welfare State, que os limites
do sistema ca~italista só podem estar na negação de suas
76
c
categorias reais, o capital e a força de trabalho. Neste sentido. a função do fundo públ
ico no travejamento estrutural do sistema
tem muito mais a ver com os limites do capitalismo, como desdobramento de suas p
róprias contradições internas. (Ibídem:
12-3)
Os sinais de esgotamento do modelo de desenvolvimento fordista, enquanto regime
de acumulação e regulação social, coincidem, parado'xalmente, com um verdadeiro revoluci
onamento da base técni~ do processo produtivo, resultado, como se apontou anteriorm
ente, do financiamento direto ao capital privado e indireto na reprodução da força 'de
trabalho pelo fundo público. A microeletrônica associada à informatização, a microbiologi
a e engenharia genética que permitem a criação de novos materiais e as novas fontes de
energia são a base da substituição de uma tecnologia rígida por uma tecnologia flexível.
Esta mudança qualitativa da base técnica do processo produtivo, que a literatura qua
lifica como sendo uma nova Revolução Industrial permite, de forma sem precedentes, a
celerar
o aumento da incorporação de capital morto e a diminuição crucial, em termos absolutos,
do capital vivo no processo produtivo. Vale registrar que a mudança para uma base
técnica de tecnologia flexível, informatizada, embora se dê em grau e velocidade difer
enciados, é uma tendência do sistema.
O impacto sobre o conteúdo do trabalho, a divisão do trabalho, a quantidade de traba
lho e a qualificação é crucial. Ao mesmo tempo que se exige uma elevada qualificação e cap
acidade de abstração para o grupo de trabalhadores estáveis (mas não de todo) cuja exigênc
ia é cada vez mais de supervisionar O sistema de máquinas informatizadas (inteligente
s!) e a capacidade de resolver, rapidamente, problemas, para a grande massa de t
emporários, trabalhadores "precarizados" ou, simplesmente, para o excedente de mão-d
e-obra, a questão da qualificação e, no nosso caso de escolarização, não se coloca como prob
lema para o mercado.
Dentre as vanas estratégias de que o capital se utiliza para retomar. uma nova bas
e de acumulação desta"am~seos processos de reestruturação capitalista que incluem: recon
versão tecnológica, organização empresarial, combinação das _forças de trabalho, estruturas f
nanceiras etc: De outra parte, como veremos adiante, as empresas.deslocam-se de
umaregião para outra saindo dos espaços ·on<Je a "classetrabalhadoli"-émals organizada e
historicamente vem acumulando a conqllistade direitos.
A contradição capital-trabalho, neste contexto, assume uma dimensão nova que confere u
ma especificidade à crise que abala o sistema capitalista9
2. Os caminhos alternativos de enfrentarnento da crise
A compreensão da crise no horizonte teórico, que acabamos de sinalizar, permite-nos,
a um tempo, perceber quais os custos sociais e humanos da alternativa neolibera
l de volta aos mecanismos excludentes do mercado, e igualmente perceber que a cri
se do Estado de Bem-Estar carrega consigo uma positividade, cuja concretização política
depende da capacidade dos sujeitos sociais concretos de manter e ampliar democr
aticamente a esfera pública na disputa dos bens, serviços e direitos conquistados no
terreno contraditório deste mesmo Estado de Bem-Estar.
Importa também observar que o Estado de Bem-Estar e suas
instituições não são agora o "horizonte intransponível"; para além dele, -bate, latente, um
modo social de produção superior.
Resta resolver um problema, intacto, que é o da apropriação dos resultados desse modo
social (...) Mas, decididamente, o
9. Roberto Schwarz, destaca que "pela primeira vez o aumento de produ
tividade está significando dispensa de trabalhadores também em números absolutos, ou s
eja, o capital começa a perder a faculdade de explorar trabalho". (Schwarz,
1992: II)
78
c
acesso e o manejo do fundo público são o nec plus ultra das formas sociais do futuro
. (Oliveira, 1988b: 19)
Tanto Oliveira quanto Hobsbawm reconhecem que até o
presente a apropriação tem se dado dominantemente no sentido _da reprodução do capital.
Hobsbawm salienta três problemas que; mesmo sob a égide do Estado de Bem-Estar, se a
gravaram
neste último meio,século:
a) a questão \~.cológica, -em face de um processo de
,
desenvolvimento sem limites, atingiu o ponto que pode de fato significar a destr
uição da biosfera;
b) o aumento da distância entre habitantes dos países desenvolvidos e ricos e dos país
es pobres. Mostra-nos Hobsbawm que o "mundo desenvolvido" em 1900 representava u
m terço da humanidade e hoje representa apenas 15% a 20%. O PIB dos países desenvolv
idos que era, em 1900, 3 vezes maior que o resto da humanidade, em 1980 era de a
proximadamente 12,5 vezes;
c) por fim, o terceiro problema explicita-se no fato de que
(...) ao subordinar a humanidade à economia, o capitalismo
mina e corrói as relações entre seres humanos que formam as sociedades e cria u~ vácuo m
oral em que nada co'nta a não
ser o desejo do indivíduo aqui e agora". (Hobsbawm, I992b:
266-7)
No olhar vesgo da burguesia, a crise atual, uma vez mais, aparece como um desvio
das leis "naturais do mercado". A pedra de toque dos neoconservadores está na críti
ca à excessiva intervenção e agigantamento do Estado, e postula-se, como remédio, a volt
a da "regulação" do mercado e as políticas monetaristas. O ideário neoliberal e neoconse
rvador protagonizado por Thatcher e Reagan, mal grado seu insucesso naquelas soci
edades, tornou-se a palavra de ordem para o ajustamento (leia-se submissão às regras
dos novos senhores do mundo e suas instituições: FMI, BIRD, BID etc.) nos países da A
mérica Latina e, agora, de forma avassaladora, para o Leste Europeu.
c
,
c .---------------------
c ------.-----------------
o qual o adversário pode expressar uma exigência que deve ser incorporada, ainda que
, como um momento subordinado, à
sua própria construção. (Gramsci, apud Konder, 1992: 140)
Esta advertência ganha um signifi~d_o mai§_gm::iaLp.elo fato deque .os-inIerf9s:ufor
esquediscuternaproblemática da crise da sociedade do trabalho, do. fim da. central
idade desta categoria;;áanáHs(s6"üiIe~6 prôpriofim dóirabalho abstrato, não são, como apontam
s anteriormente, os teóricos do capital humano das décadas de 60 e 70 ou osapologetàsd
asoclêdade do conhecimento das décadas .de 80 e.'tO,glle revisifam e vestein~cornnov
as';'oupagens estamesma "teoria". Trata:sede autores inscritos ou na tradição crítica
da Escola de Frankfurt ou em outras perspectivas da tradição illa,-xista. Há que se qu
alificar, todavia, em que medida esta tradição não é falseada.
Orientado por estas observações, inicialmente busco expor,
de forma sucinta, os argumentos dos autores na forma mais
original possível. Em seguida, estabelecerei uma discussão
crítica com os mesmos.
1.1. Claus Offe e a tese da perda da centralidade do
trabalho na vida social
A argumentação que embasa a tese de Offe sobre a perda da centralidade do trabalho e
nquanto categoria sociológica e, portanto, enquanto conceito fundamental para apre
ender as relações sociais, deriva de observações cotidianas, enquetes diversas, pesquisa
s e argumentos de caráter histórico, que lhe indicam estar a sociedade do trabalho e
m crise.4
4. Por .çri~~. entende o autor como sendo uma situação na qual repentinamente instituições
tradicionais e evidências incontestáveis tornam~se controversas, onde inesperadamen
te surgem dificuldades de relevância fundamental, onde não se sabe
o que vai acontecer. "Sociedade do trabalho" é uma expressão cunhada por Dahrendorf
para referir~se à visão da sociologia clássica (Weber e Durkheim) que tem no trabalho
a categoria explicativa central e é tomada como referência
por Offe.
96
Três argumentos iniciais são explicitados para sinalizar a crise da sociedade do tra
balho.
Começando pelo prefácio da coletânea, Offe vale-se de
um texto do Ministro do Trabalho e da Ordem social da ·Alemanha, cujo título é O traba
lho continua, para afirmar que "isso'Só pode ser interpretado (da mesma forma que
a visita de saúde em morib~ndos) como um sintoma da crise da
sociedade do trabalho'\,
Um segundo argumet.to, corroborado por inúmeras análises de autores anteriormentj' m
encionados, é que, embora a Jlfo.~ução económica de bens. es~rviç.Qsc.r"sçaempequenª--monta,.
.Qs. dados evidenCIa;;" uma capacidade decrescentedomercado ..cle trabalho para
absorver trabalhadores.' Mas, . para Offe, mesmo que isso não ocorresse,. a crise
da sociedade do trabalho se fundaria na "perda da qualidade subjetiva de centroo
rganiz.ador das atividadeshumanas, daauto"estimae das. referências sociais, assim
como das orientações .morais".
Por fim, neste nível de argumentação, a crise da sociedade do trabalho estaria evidenc
iada pela profunda diferenciação interna dos que têm trabalho remunerado contratual.
Da crise da s.ociedadedotrabalho,.Qff~.deriva a perda do caráter explicativo funda
mental do trabalho como categOrIa sociológica. A argumentaçãe'deOffe-se'desefiV6IVeI1f
osfranâo por que o trabalho empiricamente se torna um objeto central dos clássicos e
por que, hoje, a Sociologia deve fundar seu objeto em novas categorias. O fato
de o trabalho constituir-se, como o concebe Marx, "uma eterna necessidade natura
l da vida social" não pode levar-nos a ignorar, segundo Offe, as transformações profun
das de sua divisão, organização, fragmentação e racionalidade daí derivada.
O que explica, de acordo com Offe, o fato de o trabalho ter sido a categoria cen
tral nas análises dos clássicos deve-se a razões objetivas do mesmo terem assumido pos
ição estratégica entre o fim do século XVIII e término da Primeira Guerra Mundial. Esse da
do estratégico adviria do processo de diferenciação que o trabalho vai assumindo na sup
eração da
97
: (,i'
'~ Se a consciência social não mais pode ser reconstruída -como )Gonsciência d~ classe.
a cu1tura cognitiva não mais pode ser " referenciada ao '~~senvolvimento das forças
produtivas, o sistema
político não mai" se atém às condições de produção e da
superação dos conflitos distributivos, e se a sociedade não mais problematiza através de
indagações que possam ser respondidas pelas categorias de escassez e de ocupação, então s
urge evidentemente a necessidade de um sistema de coordenadas conceituais com o qu
(}.l seria possível cartografar as esferas da realidade social não plenamen'te deten
ninadas pelo âmbito do
trabalho e da produção. (Offe, 1984: 34)
/:;
O caminho percorrido por Offe leva-o a apoiar-se num referencial que não é da Sociol
ogia clássica mas, como ele I) /, mesmo expõe, de uma teoria "que vá além da esfera do
trabalho". Esta escolha é explícita ao afirmar que:
Habermas apresenta em sua "teoria da ação comunicativa", uma-proposta teórica fundamen
tada na história da teoria social, e que satisfaz essàs necessidades. Afastando-se d
ecidida e controversamente dos paradigmas da teoria dos conflit~s~ Habermas const
rói a estrutura e a dinâmica das sociedades modernas
"I,'
não como um, a~tagonis~9,~U!º-':'_~~Jai2:ado"na,esferaJhl produção, ~2~Oa~~~!~~ão-entre os
"subsistemas da ação objetÍvamente
racional", mediatizados pelo dinheiro e pelo poder, e um "espaço vital (lebenswelt
) autodeterminado (eigensinni)" pelo outro lado. (Offe, 1984: 34)
Finalmente, as categorias gerais que Offe define como substitutivas da categoria
trabalho, para fundar o objeto da Sociologia não mais na perspectiva das contradições
e conflitos, mas na teoria da ação comunicativa, são o espaço vital, o modo de vida e o
cotidiano. No plano mais concreto, estas
98
categorias se explicitam em temáticas como "a família, os papéis dos sexos, o comporta
mento divergente, a interação da administração estatal com seus clientes; etc." (Offe, 1
984: 18)
1.2. Adam Schaff e o anúncio do fim do trabalho abstraIO na sociedade informática
A análise de Kurz, "que arrisca uma leitura inesperada dos fatos", marcadamente ir
racionalista, pela amplitude e di· versidade dos problemas que aborda, transcende
o escopo deste trabalho. Buscamos, tanto neste item como no debate a seguir, apr
eender a tese central de seu trabalho relacionada com a Grise da sociedade do tr
abalh_'Lf-.do trabalho abstrato, a questão dasda.§§.ei-s~c.~is~~;;;;erspeçiiYa~_:gu:e-.a
pré'seiltaj)arã-a superação da sociedade regida pela forma mercadürIíi"(fe relaç;õ"es a
SÚCiáis:--.-------"'------.------.
~---------_.
A tese básica do autor é a de queam()demiZcação
constituída pela forma mercadoria de relações, .sociais entra
numa crise qualitativamente diferente das crises cíclicas e está
no horizonte do colapso. A peculiaridade ela tesed6-Kurz é
que fi forma mercadoria de produção e de relação socialjllC:jgi.
a sociectadecapiliillstã regida (mais ou menos) pela liberdade
das 'regrasde merciíoüé o socialismo real -s.ocialismo de
Gaserna, como o denomi~a ::"'::,'qileTüCincapaz de ro~per'com
o trabalho abstrato, mas apenas o regulou pelo estatismo.
Esta tese, por si e pelos argumentos que utiliza, traz à
tona um longo debate que, como apontamos no Capítulo II,
longe de ser novo, tem a idade do próprio capitalismo e das
propostas socialistas.
A questão teórica mais pontual que nos interessa na análise da centralidade do trabalh
o e onde Offe se situa sobre i.
esta questão, relaciona-se à proximidade. de muitas coordenadas do pensamento de Hab
ermas ao estruturalismo francês. O ponto crucial desta proximidade, que situa Habe
rmas no ct»
limiar entre o marxismo e o não-marxismo foi o seu argumento de que Marx se equivo
car" ao atribuir uma primazia fundamental à produção material, na sua definição da-humanid
ade como espécie e na sua evolução como história. (Anderson, 1985: 7(5)
Anderson observa sucessivos deslocamentos do corpo teórico de Habermas para contest
ar a primazia da produção material, partindo da noção genérica de interação social em contrap
sição à economia, deslocando-se para a centralidade da comunicação e esta cada vez mais id
entificada com a linguagem. ;~ (W
O terceiro estágio foi então atribuir a primazia total das funções comunicativas sobre a
s produtivas, na definição da humanidade e desenvolvimento histórico: ou seja, nos ten
nas de Habennas. da "linguagem" sobre o "trabalho". Já na época de Knowledge and Hum
an Interests, Habermas declarou -cunhando uma nota vechiana -que "o que nos dest
aca da natureza é a única coisa cuja natureza podemos conhecer: a linguagem". (Ander
son, 1985: 71) ;1
Offe, como analisamos na seção anterior, toma como horizonte teórico substitutivo à conc
epção marxista da fundamentalidade das relações sociais de produção material, a teoria da aç
municativa de Habermas. ,\
Como nos aponta M. Manacorda (1991b: 96-7), Offe é um neofrankfurtiano que se fili
a à perspectiva de oposição às categorias econômicas marxianas como elementos fundamentais
ordenadores da vida social (as relações de produção, relações de trabalho), deslocando tal
fundamentalidade para o plano da política e do sujeito, enfatizando "a família, os n
egócios, o Estado, a escola, definidos como princípios organizativos fun tID
112
damentais". Por esta via sobrepõe e contrapõe política à eco
nomia e o político aparece centrado na individualização dos
conflitos.10
A conseqüência imediata do abandono das relações de
produção material da existência, enquanto relações sociais,
. relações, portanto, entre os homens, leva Offe a afastar-se da dimensão histórica e on
tológica do trabalho e do trabalho enquanto valor de'\~so que, sob diferentes form
as concretas, toma o homem artífi"e de seu devenir, e a fixar-se na forma do traba
lho assalariado, forma mercadoria, ainda que criticamente.
Ao desconsiderar a dimensão ontológica do trabalho (que
é sempre histórica) mascara-se, como nos mostra Konder ao
expor o pensamento marxiano, que pelo trabalho
y
o sujeito humano se contrapõe e se afirma como sujeito, num. movimento realizado p
ara dominar a realidade objetiva: modifica
o mundo e se modifica a si mesmo. Produz objetos e, para
lelamente, altera sua própria maneira de estar na realidade
objetiva e de percebê-Ia. E -o que é fundamental -faz a
sua própria história, "Toda a chamada história mundial
assegura Marx -não é senão a produção do homem pelo trabalho humano". (Konder: 1992: 105)1
1
~
10.
Sobre esta questão, M. Manacorda nos lembra: "Em Marx são sempre os homens -os sujei
tos -que entram em relações determinadas entre eles. Faz até sorrir encontrar hoje -em
alguns neomarxistas -essa afirmação de Marx como uma descoberta (dos sujeitos) em o
posição à matéria de Marx. Esses neomarxistas nos admoestam que as crises das instituições e
dos processos económicos são produtos das intervenções dos homens", e se propõem a "elabo
rar uma luta de classe das teorias" ou de "reconstruir uma unidade dialética entre
objetividade e subjetividade, entre teoria e coisas práticas. E tudo isso, dizem,
para ir além de Marx". (Manacorda, 1991 a; 96)
11.
Para um aprofundamento da concepção ontológica do trabalho e para
evitar o erro de confundir as mudanças do conteúdo do trabalho, a divisão do
trabalho, a gestão do trabalho e, mesmo, a superação do. trabalho, sob a forma
mercadoria de relações sociais, com o trabalho em geral como criador da vida
humana, sugerimos a leitura dé Lukáes (1978 e 1979), Kosik (1986), Konder
(1992).
Os argumentos de Offe, todavia, são bastante frágeis no plano dos dados empírico-históri
cos, dentro daótica que assume. Mesmo se nos fixarmos numa visão eurocêntrica, nada pa
rece indicar que para as grandes massas de trabalhadores, o trabalho entendido c
omo emprego, venda da força de trabalho; esteja ausente como algo fundamental do e
spaço vital, do modo de vida, do cotidiano. O Estado de Bem-Estar dos regimes socia
is-democratas, cujo arguillento para· mostrar que oferece segurança· de sobrevivência ao
s trabalhadores é de que estaria superada a idéia quem trabalha não tem direito a come
r _ como mostramos no capítulo anterior, embora tenha representado significativos
ganhos para os trabalhadores, não representou o desaparecimento da crise estrutura
l do capitalismo, mas apenas uma forma de resposta à crise dos anos 30. Talvez se
Offe, que em vários trabalhos critica o Estado Assistencial, levasse estas críticas às
últimas conseqüências, como indicamos nas análises de Hobsbawm, de Oliveira e Therborn,
não afirmaria com tanta segurança que o trabalho, mesmo na sua forma mercadoria, não
faz hoje parte das preocupações do trabalhador.
Ao criticar as perspectivas atuais de luta pelo pleno emprego como algo que se a
fasta das lutas originais da classe trabalhadora contra o "salário-emprego" e indi
cando O trabalho cooperativo como alternativa, Offe contradiz duplamente o argum
ento de que o trabalho já não ocupa o espaço vital dos trabalhadores, primeiro admitin
do que existe uma luta pelo "salário-trabalho", segundo porque a alternativa do tr
abalho cooperativo, que reconhece como forma democrática e socialista de trabalho,
também é trabalho. (Offe, 1990: 299)
Pelo contrário, tomando algumas das fontes -jornais e periódicos -que Offe utiliza p
ara concluir que o trabalho não se constitui em categoria sociológica fundamental, p
odemos mostrar que a Europa, em face do desemprego estrutural que a atormenta, e
specialmente a partir da crise do Estado de Bem-Estar que se agrava no final da
década de 70 e em face da pressão de desempregados do Terceiro Mundo que buscam, no
Primeiro Mundo, asilo econômico, vem estruturando uma verdadeira cortina de ferro
para proteger postos de trabalho:
114
Inglaterra tenta se tornar inexpugnável. ( ...) Os britânicos já
garantiram o direito de ser o único país a controlar suas
fronteiras dentro da Europa unificada. (O Globo, 07.07.91)
O trigésimo mês consecutivo de crescimento do desemprego,
que atinge agora 2,87 milhões de pessoas (10.1% da força de trabalho), levou o gover
no inglês a lançar ontem um pacote econômico ( ...). (Jornal do Brasil, 1992) Dias de
pânic"'.para moradores ilegais na Alemanha. Cem mil podem ser expuii;Qs pela nova
lei. A Alemanha (fora a ex-RDA,
onde até agora pràticamente não há imigrantes) recebeu no ano
, passado quase um milhão de pessoas. (O Globo, 07.07.91)
Em maio de 1993, o Parlamento Alemão aprovou lei restringindo a entrada de estrang
eiros no país, que entrou em vigor em julho do mesmo ano, para frear um processo q
ue já teve mão invertida. A Alemanha, no final do século passado, fomentava a saída de s
eus cidadãos em busca de novas terras. Após a Segunda Guerra Mundial buscou atrair e
strangeiros para os trabalhos pesados, "sujos" e sem exigência de qualificação. A crise
do Estado Social-Democrata, a mudança da base técnica do processo produtivo que pou
pa e dispensa trabalhadores coincidiu (e não por acaso) com um surto de "asilados
e exilados" econômicos.
De acordo com dados publicados no Jornal do Brasil, em 196I os imigrantes repres
@ntavam apenas 1,2% da população da Alemanha. Hoje, 32 anos depois, representam 8%.
A progressão
é geométrica. Em 1987 foram 57 mil pedidos de asilo econômico; em 1992, 438 mi
l. (Jornal do Brasil, 29.05.93: 20)
Alemãs ocidentais retrocedem 40 anos. Alemãs perguntam se estão ve1has e exigem o dire
ito ao trabalho. (Jornal do Brasil,
11.08.91)
A paciência dos suíços com os imigrantes acabou em abril de
1987, quando a população aprovou, em plebiscito uma lei que' determina ( ...) a poss
ibilidade de fechar as fronteiras. Os suíços, como disse o próprio chefe do departamen
to de refugiados,
Peter Arbens. vivem hoje um estado de pavor de imigrantes.
(O Globo, 07.07.91)
Itália cria ministério para conter imigração. (O Globo, 07.07.91).
115
Áustria
10,2 11,3
Bélgica
7,7 8,4
Canadá
10,3 11,3
França
9,9 10,4
Alemanha
6,3 7,0
Holanda
4,4 4,5
Itália
10,3 10,6
Japão
2,0 2,2
Espanha
15,3 14,9
Suécia
3,1
5,2
Suíça
1,5 3,5
Inglaterra
8,8
10,1
EUA 6,9 7,4
Fonte: OECD -1993. ln: Jornal do Brasil, 13.06.93: 20. 116
Esta mesma fonte indica que, no caso da Alemanha, as . taxas de desemprego de 19
93 da população economicamente
ativa são de 10,1%, com uma previsão de 11,3% para 1994.
Para os pequenos países da Europa, a taxa média era de 12,5%
em 1993 e uma projeção de 12,9% para 1994.
A revista Futuribles, cujos números 165 e 166 de maio de 1992 se atêm llü debate sobre
tempo de trabalho, mostra, paradoxalmente, qui>; enquanto nos últimos 50 anos o a
vanço das forças produtivas foi fantástico, a jornada de trabalho, para
o cada vez mais reduzido número de trabalhadores com emprego estável (não mais de 35%)
, estagnou, na Europa, ao redor de 40 horas semanais. Cria-se uma situação em que o
operariado europeu, com nível mais elevado de consciência política, é forçado a negociar t
anto salários quanto o tempo da jornada em condições desfavoráveis, já que as empresas mul
tinacionais ameaçam sair para outros países ou regiões de alta repressão e baixos salários
. Hobsbawm, (1992c: 267) ao sinalizar que se sacrificam cidades inteiras em nome
da lucratividade, lembra
o filme Roger and Me, que demonstra o drama da cidade de Flint, quando a General
Motors fechou suas fábricas. O que vem ocorrendo hoje, especialmente na França, exe
mplifica esta tendência.
No início dos anos 90 o governo alemão e de outras nações do Mercado Comum Europeu estão p
ropondo aos trabalhadores a redução da jornada de trabalho com diminuição proporcional do
s salários.
Mais perversos são os indícios das agressões aos éxilados econômicos, cidadãos de segunda ca
tegoria -subclasse -na Alemanha, e as pressões que têm começado a aparecer em diferent
es países, por parte dos trabalhadores empregados, que reclamam por ter que manter
, mediante impostos cada vez mais pesados, os desempregados.
As análises de Offe corroboram estas tendências, sem, contudo examiná-las mais a fundo
. Uma sociologia do trabalho que atente para as relações sociais de produção marcadas pe
la exclusão social crescente, cujo resultado é não apenas o aumento do desemprego estr
utural e subemprego mas também de uma crescente concentração de capital nas mãos de pouc
os, deveria mostrar que, nesta circunstância, perversamente, o trabalhador luta pa
ra ser mercadoria, já que o fato de ser empregado (mesmo sob a forma de mercadoria
, é menos dramático que
o desemprego ou subemprego).
Apreendida a problemátoca anterior de outra forma, como a expõe Alliez (1988), o tem
po livre, ao contrário de se constituir em mundo de liberdade, de fruição, do lúdico, um
novo "modo de vida", torna-se tempo escravizado, tormento do desemprego e subem
prego. As estatísticas de desemprego e subemprego do Terceiro Mundo e a precária pro
teção social dos desempregados traduz um quadro mais perverso.
A analogia que poderíamos fazer é de que a libertação dos escravos, em nosso caso com im
enso retardamento, que se colocou como condição de implantação das relações capitalistas de
rodução e como elemento ideológico importante para justificar a legalidade capitalista
, sob o capitalismo não significou efetivamente uma libertação. Em certas circunstâncias
o "liberto", tanto pelas condições objetivas da nova relação de trabalho marcada pela cu
ltura escravocrata e acrescida da legalidade capitalista, como pelas condições subje
tivas do próprio escravo, cáiu numa situação pior que a de escravo, pelo menos na perspe
ctiva de sua reprodução material. No Brasil, produziu-se toda uma legislação de violência l
egal sobre o "liberto", mediante a lei de terras que vedava acesso à propriedade r
ural aos "libertos" e mediante a "lei da vadiagem".
Na moderna sociedade das mercadorias, sob a égide do capital financeiro, da tecnol
ogia flexível, das máquinas inteligentes, da robótica e do fantástico campo da microeletrôn
ica, microbiologia, engenharia genética e novas fontes de energia, a liberação do home
m da máquina que o embrutece e, portanto, tecnologia que tem a virtualidade de lib
erar o homem para um tempo maior para o mundo da liberdade, da criação, do lúdico, par
adoxalmente o escraviza e o subjuga, sob as relações de propriedade privada e de exc
lusão, ao desemprego e su
118
bemprego. A profundidade da crise consiste exatamente em que a repetição da história,
sob estas condições de avanço das forças produtivas, torna cada vez mais difícil esconder
a farsa.
Os argumentos utilizados por Offe em relação à divisão do trabalho também carecem de maior
densidade analítica. 'Prjmeiramente, em suas análises, não incorpora a questão da divisão
internacional do trabalho, centrando-se numa perspectiva eurocêntrica. De oll(ra
parte, os· argumentos da diminuição dos trabalhos no setor s~ndário e a tendência à terceiri
zação se, por um lado, descrevem efetivamente uma tendência do processo produtivo sob
uma nova base técnica que destrói, cinde, cria ou recria e desloca ocupações, por outro
lado, escondem uma compreensão da divisão social do trabalho que "naturaliza" a sepa
ração dos níveis produtivos não evidenciando, portanto, a existência de uma inter-relação nec
ssária entre o processo imediato de produção e o processo de circulação e consumo. Como no
s mostra F. de Oliveira, na análise do terciário e divisão social do trabalho no conte
xto do capitalismo atual:
A recuperação da própria noção de divisão social do trabalho
torna-se possível apenas se abandona o "naturalismo das distinções" entre mercadorias e
serviços e um certo "mo~alisrno"
que subjaz por trás da utilização dos conceitos de trabalho produtivo e improdutivo. (
Oliveira, 1981: 14)
~
Offe, ao fixar-se dominantemente na descrição fenomênica do "mundo do trabalho" e ao não
apreender as determinações e mediações constitutivas da nova configuração da divisão social
o trabalho, resultante de uma perspectiva epistemológica neo-racionalista, acaba,
pelo menos neste particular, construindo sua análise deutro da ótica dos fatores, cu
ja crítica profunda e sintética foi feita por K. Kosik:
A teoria dos fato~s asse~era que um fator privilegiado, a -economia, determina t
odos os outros -como o Estado, o direito, a arte, a política, a moral -mas deixa d
e lado o problema como surge e se configura o complexo social, isto é, a sociedade
como formação econômica; e pressupõe a
119
existência de tal formação como um fato já dado, como forma exterior ou como campo onde
um fator privilegiado determina
todos os outros. (Kosik, 1986: 104).
À" Na análise de Offe o que vai aparecer é que a formação )~(ec~nômica, as relações sociais e
icas, 'e o trabalho, enquanto relação social e dimensão ontológica, se reduzem a fatores.
Perante a crise das .elações sociais econômicas capitalistas e a crise do trabalho abs
trato, da forma mercadoria força de trabalho, que é profunda, e dos mecanismos utili
zados para fazer face à crise, sem superá-la, por inscreverem-se na perspectiva dos
fatores, busca deslocar o eixo da análise na procura de outro fator determinante:
"sentido da vida", cotidiano e "espaço vital". Por esse caminho, mesmo que o autor
não demonstre ter sido superada, rompida a relação capital-trabalho, relação de alienação e,
portanto, de violência (física e simbólica), que funda as classes fundamentais, conclu
i que a "ação comunicativa", por afastar-se da teoria dos conflitos, dá conta melhor..
da "dinâmica social das sociedades modernas".
É novamente Kosik que nos permite apreender sob que concepção de trabalho Offe opera s
na análise:
Na sociologia do trabalho, na psicologia do trabalho (...) e nos
respectivos conceitos sociológicos. psicológicos e econômicos
etc., se examinam e se fixam determinados aspectos do trabalho;
enquanto isso, o problema central -o que é o trabalho _
ou é compreendido em si mesmo como um pressuposto não
analisado e feito acriticamente ( ... ) ou então é conscientemente
afastado da ciência como "problema metafísico".(...) Embora
pareça haver nada mais notório e banal do que o trabalho,
está demonstrado que esta pretensa banalidade e notoriedade
se baseiam em um equívoco: na representação cotidiana e na
1
sua sistematização sociológica não se pensa no trabalho em
sua essência e generalidade, mas sob o termo trabalho se
entendem os processos de trabalho, a operação de trabalho, os
diversos tipos de trabalho e assim por diante. (Kosik, 1986:
177-8) .,
'1
120
Contrastando com esta perspectiva de trabalho, Kosik resgata o sentido ontológico
de trabalho, sentido este imprescindível para não esbarrar no reducionismo da concepção d
os fatores:
o trabalho. na sua essência e generalidade, não é atividade laborativa ou, emprego que
o homem desempenha e que de retorno, exerce'u,ma influência sobre a sua psique. o
seu habitus e o seu pensante-?to, isto é, sobre esferas parciais do ser humano. O
trabalho é um processo que permeia todo o ser do homem e constitui a sua especifi
cidade. Só o pensamento que revelou que no trabalho algo de essencial acontece par
a o homem e o seu ser, que descobriu a íntima, necessária conexão
entre os problemas "do que é o trabalho" e "quem é o homem", pôde também iniciar a inves
tigação científica do trabalho em
todas as suas formas e manifestações (o ..) e bem assim a investígação da realidade humana
em todas as suas formas e
manifestações. (Kosik, 1986: 178)
Em suma, a questão crucial em relação à análise de Offe, não é que ele não consiga descrever
stões do cotidiano da crise do trabalho e da sociedade do trabalho, particularment
e na realidade européia. O problema está no fato de que, ao abandonar a perspectiva
ontológica do trabalho, . desenvolve uma análise que o leva'-a vários sofismas de comp
osição. O mais geral destes sofismas é de que de dados relativos ao problema crucial e
à crise do trabalho enquanto emprego, tarefa, ocupação, deduz a crise do trabalho em
geral e daí, a perda de sentido do trabalho enquanto categoria sociológica para expl
icar as relações sociais.
A análise de Schaff, mesmo que em diferentes momentos possa engendrar um reducioni
smo do tipo a que Offe chega na análise do trabalho, é explícita em afirmar que a cris
e e "o fim do trabalho" se referem à dimensão do trabalho abstrato,
o trabalho sob as relações capitalistas, e não ao trabalho como atividade humana const
itutiva do próprio homem. Schaff, ao fazer esta referência explícita está se defendendo
de críticas a tecnológicas", nascem, se difundem e incidem sobre o trabalho, os valo
res, o tempo livre e a vida em seu conjunto.
um trabalho anterior no qual tal ressalva não aparecia. I2 Por isto, na obra a que
estamos nos referindo aqui, deixa claro que ao afirmar o fim do trabalho como e
mprego sob o capitalismo, não está se referindo ao fim do trabalho como atividade hu
mana, como processo constitutivo do próprio ser humano. ú
A tensão e problemáti<!a da análise de Schaff e mais enfaticamente em Kurz, situam-se
no determinismo tecnológico de autodestruição do capitalismo. Isto pelo fato, como ver
emos a seguir, de que ambos, cada um ao seu modo, definem o desaparecimento das
classes fundamentais produzidas pela relação capital-trabalho, sem que a relação social c
apitalista tenha desaparecido. O nó górdio, uma vez mais, incide na perspectiva da "
passagem", da ruptura, ou da superação do modo de produção capitalista. Isto fica tão mais
complicado à medida que as utopias de uma nova sociedade se fundam ou sobre a vir
tude apologética da "revolução tecnológica" (Schaff) ou de uma "razão sensível" (Kurz).
Em relação à análise de Schaff, parece-nos importante mostrar, mediante as contribuições de
Raymond Williams, Ramón Pena Castro e, sobretudo, Paola Manacorda, os riscos do de
terminismo tecnológico. )
A questão central que precisamos aprofundar é de que as análises que se fixam na apree
nsão das diferentes "revoluções tecnológicas"13 no plano descritivo, em seus efeitos pos
itivos ou negativos, acabam por borrar a problemática central dos mecanismos, das
forças sob as quais as mudanças ou "revoluções
12. Trata~se, sobretudo, da crítica de PuoIa Manacorda. entre outros, ao livro Occ
upaúone e lavoro in la rivoluzione microeleuronica, Milano. Mondatori,1984.
13. Williams (1984) chama a atenção para o fato de que o conceito de "revolução industri
al", na seqüência de primeira, segunda e terceira revolução industrial, só pode ser tomado
dentro de "um significado meramente técnico" do termo. Todavia, se seguíssemos por
este terreno apenas descritivo, possivelmente, teríamos que falar em muitas revoluções
industriais. ~ '.
122
Na verdade, o que se deve dizer é outra coisa. O pleno significado da revolução indust
rial não se reduz à introdução e ao desenvolvimento de novas forças produtivas. O que começo
u a mudar a partir de 1760 foi todo o conjunto de
relações de produção, as quais. finalmente, constituíram uma
nova ordem sdcia!. (Williams, 1984)
\,
Na mesma perspectiva, Ramón Pena Castro mostra-nos
o equívoco daquilo que denomina o "fetichismo tecnológico", que consiste em tratar a
ciência e a tecnologia como variáveis independentes e determinantes, escondendo as
relações sociais que as produzem. Ao tratar da relação trabalho e qualificação mostra que es
te fetichismo se desenvolve dentro do seguinte raciocínio: a ciência determina a tec
nologia, a tecnologia impõe
o tipo de organização de trabalho, o tipo de organização de trabalho determina as qualif
icações e, por extensão, as exigências de ensinol e da fôrmação humana.
antagônicos dos grupos sociais que constituem a classe trabalhadora e que tomam o c
ampo educativo, na escola e no conjunto das instituições e movimentos sociais, um es
paço de
luta hegemônica.
O inventário (breve) deste embate, no i'lano mais geral e especificamente na reali
dade brasileira, mostra qne na teoria
e na prática não soment, se avançou bastante na apreensão de sua natureza, como ele assu
me uma especificidade no bojo da crise do capitalismo dos anos 70/90 que expõe que
stões desafiadoras para aqueles que entendem o espaço educativo como um locus import
ante da luta e construção da democracia substantiva. A primeira ordem de questões, com
o explicitamos ao final do Capítulo I, liga-se a uma mudança dos homens de negócio em
face da educação e formação humana e a segunda explicita-se pelas teses do fim da socied
ade do trabalho e da não centralidade do trabalho, hoje, na apreensão da realidade
social.
Partimos do pressuposto de que estas duas ordens de questões, muito diversas e mes
mo, em certo sentido, excludentes no âmbito da análise e de posicionamento político-id
eológico, estruturam-se a partir da apreensão que fazem das novas formas de sociabil
idade capitalista, do papel do progresso técnico e, sobretudo, da crise do modelo
de desenvolvimento que regulou os processos de acumulação nos últimos cinqüenta anos. O
Capítulo II buscou delinear a compreensão que fazemos da crise do capitalismo no seu
aspecto estrutural e a sua especi
ficidade neste final de· século e, ao mesmo tempo, demarcar a direção do embate teórico e
político por onde as conquistas da classe trabalhadora podem se ampliar. A dilatação d
a esfera pública e a organização para deter o controle e manejo democrático do fundo públic
o constituem-se no eixo de luta face ao neoconservadorismo que busca circunscrevê-
los ao domínio
privado do capital (tese do Estado mínimo).
No Capítulo III buscamos trabalhar a segunda ordem de questões mediante a leitura crít
ica das teses sobre o fim da
136
sociedade do trabalho e do trabalho como categoria de análise social, explicitando
os argumentos básicos, o horizonte teórico-histórico em que se firmam e algumas de sua
s conseqüências no plano político-prático.
Neste último capítulo objetivamos explicitar, inicialmente, aperspectiva básica dos ho
mens de negócio no campo educativo e de formação hl\mana face à crise do modelo fordista
de organização e gestãq. do trabalho e, portanto, face às novas bases que a reconversão t
ecnológica e a redefinição do padrão de acumulação capitalista demandam na reprodução da forç
trabalho.
No plano teórico-histórico, interessa-nos expor o significado das teses da formação poliv
alente e educação geral abstraIa e sua (des)articulação com a perspectiva do Estado mínimo
. Em seguida buscaremos discutir o significado e a pertinência teórica e histórica da
concepção de edncação politécnica e formação humana omnilateral, no plano da luta hegemônica
se articula aos interesses da classe trabalhadora, e a defesa e ampliação da esfera
pública como condição de possibilidade de seu efetivo desenvolvimento.
1. Os apologetas da s'lciedade do conhecimento e os homens de negócio blefam e apo
stam no cinismo?
Antonio Gramsci nos adverte que face à crise, por esta manifestar-se no fato de qn
e "o velho não morreu e o novo ainda não pode nascer", é comum snrgirem interpretações e c
omportamentos mórbidos. Esta morbidez, mormente, manifesta-se por previsões escatológic
as, profecias, culto ao irracionalismo e posturas cínicas.
No contexto da discussão que estamos fazendo neste trabalho, esta morbidez explici
ta-se, claramente, como assinalamos nos capítulos anteriores, nas teses conservador
as do fim da história de Fukuyama, tese da sociedade do conhecimento de Toffler e,
a partir dela, o fim das classes e sobretudo do
proletariado, sendo este substituído pelo eognitariado, I ou por
teses como as de Kurz -que ironicamente alguns críticos
situam como o Fukuyama da esquerda -que deduzem da
crise "da sociedade do trabalho" a autodissolução das classes
sociais. No mesmo rastro do fim da sociedade do trabalho e
com ela o fim do conflito, Offe e Schaff não postulam como
novo ator social a "razão .sensível" de um coletivo indefinido
(Kurz), mas o deslocamento para questões como o sentido da
vida e da preparação do homem para o mundo do lazer.
Não é difícil, por certo, ao confrontar os processos históricos específicos com estas prof
ecias, surpreender traços de uma espécie de jogo do trueo, onde o blefe é uma tálica sin
gular, e nem percebermos um elevado grau de cinismo. I Mais explícito isto pode to
mar-se quando analisamos as persI pectivas de educação e formação humana postuladas pelos
homens de negócio ou pelos seus mento~e.s intelectuais, assessores e consultores,
em realidades culturais. como a brasileira, onde a burguesia se constituiu media
nte uma metamorfose das
0ligarquias.2 .
Se é sustentável, todavia, aquilo que Marx e Engels nos
assinalam em A ideologia alemã, é preciso perquirir o tecido
histórico-social a partir do qual se explicitam uma determinada
consciência e determinadas categorias ou necessidades:
A
causa não está na consciência, mas no
ser.
Não no pensamento, mas na vida.
I. Toffler deduz o fim da divisão do trabalho e das próprias classes sociais em deco
rrência das mudanças do conteúdo e reorganização do processo de trabalho, motivadas pela i
ntrodução, no processo produtivo, de uma nova base técnica constituída fundamentalmente
pela microeletrônica associada à informati~ zação -que exige uma força de trabalho que se
ocupa mais com a "cabeça" do que com os braços e força muscular (Toffler, 1973, 1980 e
1985).
2. O ensaio de F. de Oliveira intitulado Collor _ a falsificação da ira (1992) mostr
a do que é capaz a -classe ou classes dominantes brasileiras para manter o aparthe
id social existente, montado historicamente sobre a violência (econômica, política e p
olicial ou parapoliciaI). Os processos de falsificação, de
blefe e o cinismo aparecem claramente.
138
Este pressuposto nos conduz a um fio condutor na análise sobre as alternativas edu
cacionais em disputa hegemônica hoje e pode ser formulado da seguinte forma: o emb
ate que se efetiva em torno dos processos educativos e de qualifiCação humana parare
sponder aos interesses ou àsnecessi4aSIes de redefinição "'oe-um'noYopadrãõ~de:reprodução'.do
apital ou do atendimento das necessidades e interesses'-dá 'elas'se ou
"......
..,' "
. classes trabalhadora'\,firma-se. sobre uma meslllª ...materialidade,
em profunda transformação, onde o progresso técnicoass!llll~
um papel crucial, ainda que não exclusivo.
Trata-se de uma relação conflitante e antagônica, por confrontar de um lado as necessi
dades da reprodução do capital e de outro, as múltiplas necessidades humanas. Negativi
dade e positividade, todavia, teimam em coexistir numa mesma totalidade e num me
smo processo histórico e sua definição se dá pela correlação de força dos diferentes grupos.
classes sociais. O fantástico progresso técnico que tem o poder de dilatar o grau d
e satisfação das necessidades humanas e, portanto, da liberdade humana, e que tem es
tado sob a lógica férrea do lucro privado, ampliando a exclusão social, não é uma predesti
nação natural, mas algo produzido historicamente.
Neste sentido, a questão não é de se negar o progresso técnico, o avanço do conhecimento,
os processos educativos e de qualificação ou simplesmente fixar-se no plano das persp
ectivas da resistência, nem de se identificar nas novas demandas dos homens de negóc
io uma postura dominantemente maquiavélica ou, então, efetivamente uma preocupação humani
tária, mas de disputar concretamente o controle hegemônico do progresso técnico, do av
anço do conhecimento e da qualificação, arrancá-los da esfera privada e da lógica da exclu
são e submetê-los ao controle democrático da esfera pública para potenciar a satisfação das
ecessidades humanas. O eixo aqui não é a supervalorização da competitividade, da liberda
de, da qualidade e da eficiência para poucos e a exclusão das maiorias, mas a da sol
idariedade, da igualdade e da democracia.
volvimento Social.
Numa outra pesquisa" sobre a modernização industrial e a questão dos recursos humanos,
C. Salm e A. Fogaça (1991) detectam que entre as maiores emprésas do complexo indus
trial brasileiro os atributos mais valQrizados nos trabalhadores relacionam-se a
conteúdos desenvolvidos pela educação geral. Partindo destes estudos Salm (l992)ãssJnala
:
no intuito de estimular o debate, terminaria arriscando dizer que o capitalismo
brasileiro. pejo menos na sua parte menos rude, menos cartorial, está, pela primei
ra vez na história deste país, interessado na promoção de transformações radicais em
nosso sistema educacional. (Salm, 1992: 100)
Gentili (1994), num estudo empírico-analítico sobre Poder econômico, ideologia e educação,
envolvendo uma amostra de 28 empresas que introduziram os processos de reconver
são tecnológica e de organização do processo produtivo e processo de gestão do trabalho na
Argentina, identifica uma grande homogeneidade do discurso empresarial em relação à d
emanda de uma nova qualificação e uma "revalorização" da formação geral. Gentili vai mostrar
, todavia, que por trás desta homo
geneidade se localizam interesses muito delimitados que convergem para aquilo que
conforma os trabalhadores às novas características do processo produtivo.
Após uma ampla revisão de bibliografia internacional e alguns textos nacionais sobre
produção e qualificação, Paiva (1989) chega a indicações muito parecidas:
Não há dúvida de que as transformações nas estruturas produtivas
e as mudanças tecnológicas colocam à educação novos proble
mas. Mas certamente algo se simplifica. Pela primeira vez
142
existe clareza suficiente de que é sobre a base da formação geral e sobre patamares el
evados de educação for'!'.'!l_..9u.e..·a discussão a re..sp.eito daprõfissiol!lllizaçiO""cmn
e~lkE para obter tais objetivos o consenso político nunca pôde ser tão amplo,
na medida em que unifica trabalhadores. empresários e outros
setores soci~~ (Paiva, 1989: 63)4
Que transfon,Jações da base material são estas que con-\Q~tl duzem a romper, nihplano
das'concepções, aquilo que parecia mostrar-se como algollatural -o adestramento do t
rabalhador?
Ao final do século XIX, o empresário Geraldo Mascarenhas expunha aquilo que era sens
o comum para a época, decorrente da concepção taylorista de homem e de trabalhador e q
ue se traduziu em políticas edncativas e a criação de inúmeras institnições educativas organ
izadas para tal fim.s
o adestramento do homem para o trabalho sempre foi e será
uma das mais importantes tarefas da administração industrial.
A ela grande atenção tem sido dedicada, como uma das condições essenCIaIS para a conquis
ta da boa produtividade. (Giroletti, 1987: 1)
No Brasil, a perspectiva do adestramento e do treinamento foi dominante até recent
emente. A legislação educacional promulgada sob a égide dQ. golpe de 64 e tendo o econo
micismo como sustentação teórico-ideológica ainda está vigente, embora profundamente quest
ionada e, em parte, superada especialmente nos Estados e municípios onde a gestão ed
ucacional passou a
I
ser controlada por forças políticas democráticas.
Inúmeros trabalhos de todos os matizes buscam dar conta desta mudança. Em boa parte
destas análises observa-se uma
4. Paiva analisa sobretudo a realidade européia e americana. Mesmo assim,
chama atenção para a complexidade da questão e para sua heterogeneidade, O
que está sinalizando, de acordo com a autora, são tendências.
5. Como vimos no Capítulo I, toda a política de formas:ão l?!Qf!§,$ioO..aL!<-o _técnica de
sde os anos 4fiJljnb.a vine_ada com a p':erspectiva º-º-ªdestramento. Para
. uma compreensão da perspectiva ideológica e pedagógica da formação profissional, v
er Frigotto (1977 e 1983).
. ~
I
ótica apologética, parte desenvolve uma perspectiva que se
pretende crítica, mas que opera dentro da visão conspiratória.
Tem se ampliado, porém, o número de trabalhos que buscam
apreender o intrinc~aminho~ontraditóri()d'ls..tr,aJl:for~ações..
t
que vêm ocorrendo no mundo e o impacto sobre nossa reahdade.
Não buscamos, aqui, detalhar os meandros destas diferentes
perspectivas. Fixamo-nos neste último aspecto.
década de 70. Ana Maria Rezende Pinto (1992), num trabalho com título sugestivo, Pes
soas inteligentes trabalhando com máquinas ou máquinas inteligentes substituindo o t
rabalho humano, examina como vários países desenvolvidos buscaram ajustar os sistema
s educativos e a utilização de outras estratégias empresariais, para fazer face às neces
sidades de um sistema produtivo que incorpora crescentemente anova base tecnológic
a. Deste exame amplo, incluiodo indicações do caso brasileiro, no qual constata uma ên
fase na demanda de educação geral, conclui: "~s mudanças em curso nos sistemas de_ensi
no examinados parecem sugerir que a produtividade da ~SÇQJa improdutiva ia não é de to
do funcional à ordem capitalista".
. (Rezende Pinto, 1992: 21)
Na mesma direção, referindo-se às propostas dos empresários, L. W. Neves destaca:
O empresariado parece estar se dando conta de que o baixo nível de escolaridade de
amplas camadas da população começa
a se constituir em obstáculo efetivo à reprodução ampliada do
capital. em um horizonte que sinaliza para o emprego, em ritmo cada vez mais ace
lerado, no Brasil, de novas tecnologias de base microeletrônica e da infonnática ass
im como de métodos
mais racionalizadores de organização da produção e do trabalho, na atual década. (Neves, 1
994: 10)
tf.;) a investida dos homens de negócio, em defesa da escola '-básica, dá-se Sobretudo
a partir do final dos anos 80, é preciso ter presente, todavia, que isto nãQ_signif
ica que antes
_disto os mesmos não estivessem atentos em relação à educação que lhes convém. 13 A "novidade
reside exatamente no fato êIe a crítica incidir no puro e simples adestramento e na
proposta da educação básica geral.
13. Especialmente a partir dos anos 30, podemos perceber que a questão da educação e,
sobretudo. do treinamento e qualificação para moldar e "fabricar" os trabalhadores é a
lgo que preocupa as lideranças políticas e empresariais. Em relação às démarches para a criaç
do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, ver Frigotto (1977). Se nos anos 3
0, os empresários tiveram que ser induzidos por Getúlio Vargas para cuidarem da form
ação profissional, hoje vemos que seus organismos de classe tomam a iniciativa para
fazer valer seus interesses
de classe face ao Estado.
150
A identificação dos atores organlcos desta investida em defesa da escola básica e de s
uas propostas nos permite perceber que a mesma se mo.ve dentro de inúmeras contrad
ições e é marcada pela histórica dificuldade e dilemas da burguesia face à educação dos traba
hadores.
O moviment()_~,a().ll1e.~mo tempo de crítica ao Estado, 11 ineficiência. da es,co.Ia
pública; de cohrançád6Estaoolúl manutenção. daescola',defesa-daprivatiiãçã6 ou demecãliismos
zantés.com algllmas pequenas variantes, aspreo.cllpáções-. básicas relativas ao ajustament
o da educação aos interesses empresariais são expostas em do.cumentos ..daJ'lESP,.CNt_
IEL, ~ENALln~til!!Jº..Herbert Levy da Gazeta Mercantil, Instituto Libe.ral,JEDl (I
nstituto de Estudos para üDesenvolvimento Industrial) ou em documentos de órgãos do go
verno ou vinculado.s a alguma Universidade.
A FIESP, organismo que expressa as idéias mais conservadoras do empresariado, lamen
ta-se sobre os riscos de investir na no.va base tecnológica face ao fato da falta
de mão-de-obra especializada e retoma a tese do capital humano:
A carência de pesquisa básica e aplicad.a, a escassez de mão
de-obra especializada e a rápida obsolescência das inovações
tornam os investimentos em setores de alta tecnologia os mais arriscados em um p
~ís de industrialização recente como o Brasil. Uma ênfase maior em tecnologia de ponta d
everá ocorrer quando o país estiver apto a investir maior parcela de recursos
na formação de capital humano e P & D. (FIESP, 1990)
A CNI dispõe de um Instituto -IEL -especificamente encarregado. de analisar as ten
dências e as necessidades do setor industrial no plano da educação e formação técnico-profis
ional. Trata-se de um instituto criado. em 1969 com o objetivo. precípuo de funcio
nar como uma espécie de embaixador para sensibílízar e envolver as Universidades pública
s e privadas na defesa das necessidades da indústria nacional. Só no ano de 1992, o
IEL elabo.rou o projeto Pedagogia da Qualidade, com o apoio do CNI, SENAI e SESI
, coordeno.u o. Encontro Nacional Indústria-Universidade sobre a Pedagogia da Qual
idade A investida para se implantarem os critérios empresariais (23 e 24 de março de
1992), realizou mais 16 encontros de eficiência, de "qualidade total", de competi
tividade em áreas estaduais sobre educação para a qualidade e 15 cursos sobre incompatív
eis com os mesmos, como educação e saúde, de
de produção com modelos de representação do real e não com o real. Estes modelos, quando o
peram, entre outros intervenientes, em face de uma matéria-prima que não é homogênea, po
dem apresentar problemas que comprometem todo o processo. A intervenção direta de um
trabalhador com capacidade de análise torna-se crucial para a gestão da variabilidad
e e dos imprevistos produtivos. (Salemo, 1992: 7)
Por serem sistemas alt~mente integrados, os imprevistos, os problemas, não atingem
apenas um setor do processo produtivo, mas o conjunto, e o trabalhador parcelar
do taylorismo constitui-se em entrave. Não basta, pois, queo trabalhador do "novo
tipo" seja cagaz de identificar-e de-resolver os problemas e os imprevistos, Il
)as de resolvê-los emeqllipe:
Para enfrentar a "vulnerabilidade" tecnológica, o capital redescobriu a humanidade
do trabalhador assalariado que foi ignorada pelo taylorismo. Forçado pela vulnerab
ilidade e complexidade
de sua base tecno-organízacionaI o capital passou a se interessar
pela apropriação de qualidades sócio-psicológicas do trabalhador coletivo através dos cham
ados sistemas sócio-técnicos de trabalho em equipes, dos círculos de qualidade etc. Tr
ata-se de novas formas de gestão da força de trabalho que visam a garantir a integração
do trabalhador aos objetivos da empresa. (R. P.
Castro, 1994: 43)
Os aspectos aqui assinalados revelam que estamos diante de um processo em que o
capital não prescinde do saber do trabalhador e do saber em trabalho'6 e é forçado a d
emandar trabalhadores com um nível de capacitação teórica mais elevado,
o que implica mais tempo de escolaridade e de melhor qualidade. Revelam, de outr
a parte, que o capital, mediante diferentes mecanismos, busca manter tanto a sub
ordinação do trabalhador quanto a "qualidade" de sua formação. Mas é també.1llJleste process
o que se evidenciam os próprios limiteu0unbigilidades
16. Para uma análise da natureza das questões que uma série de pesquisas buscam eviden
ciar ao examinar como se explicitam contradições, porosidades e lacunas no processo
produtivo que depende de um saber que se elabora no espaço do trabalho, ver Helois
a H. Santos (1992) e N. L. Franzoi (1991).
,lt<<("""",.J
i:' ~V:"""t !
f;vrp.~ V~
do ajuste neoconservador e, 19t1almente, o terreno sobre o qual às forças que lutam
por uma democracia substantiva ou por uma SOCiedade socialÍsta democrática devem tra
balhar. Nesta luta o conheclmenf6,-Üiformação técnica e política constituem-se em material
idade alvo de disputa_
··.A. estratégi"..Jllais-geral.-desubordinação pá~se mediante, como VimOS, o mecanismo de ex
clusão social,-materíaliiado
. ". ---------,,~ --------,,-,,-------____ "
no desemprego estru\!1rar crescente eno emprego precário,. também crescente, na cOnt
ratação de serviços e enfraquecimento do poder sindical. ----------
O estudo feito por um grupo de pesquisadores americanos, com a participação de pesqu
isadores de dezenove outros países, para examinar o sistema de produção da Toyota (toy
otismo), considerado pela literatura como sendo o sistema que origina os process
os de "qualidade total", flexibilização, trabalho participativo, do qual resultou o l
ivro The machine Ihat changed the world (1990), ao mesmo tempo que expõe uma persp
ectiva apologética deste sistema, sintetiza sua lógica excludente: "Trabalhadores em
excesso têm que ser expulsos rápida e completamente da fábrica para garantir que as ino
vações dêem certo".
Esta demanda real de mais conhecimento, mais qualificação geral, mais cultura geral
se confronta com os limites imediatos da produção, da estreiteza do mercado e da lógic
a do lucro. No caso brasileiro, o atraso de um século, pelo menos, na universalização
da escola básica é um dos indicadores do perfil anacrônico e opaco das nossas elites e
um elemento cultural que potencia o descompass~ do discurso da "modernidade" e
defesa da educação básica de qualidade, da ação efetiva destas
elites.
o processo constJtumte e o longo período de mais de
. cinco anos (1989-1995), de debate na definição da Lei de Diretrizes e Bases da Edu
cação Nacional evidenciam, de forma exemplar, este atraso da fração mais numerosa da bur
guesia e os dilemas dos setores mais avançados desta mesma burguesia. O peso dos p
arlamentares de tradição oligárquica barrou avanços
mais significativos.
Florestan Fernandes, um dos parlamentares que mais se empenhou na defesa das pro
postas dos educadores progressistas, representados num Fórum permanente de 34 inst
ituições científicas e sindicais da área, reiteradamente tem mostrado como
.as forças conservadoras se opunham à promulgação de diretrizes e bases que configurasse
m um amplo reforço à escola pública, laica e unitária. Referindo-se ao processo constitu
inte Fernandes
conclui:
A educação nunca foi algo de fundamental no Brasil, e muitos
esperavam que isso mudasse com a convocação da Assembléia
Nacional Constituinte. Mas a constituição promulgada em 1988,
confinnando que a educação é tida como assunto menor, não
alterou a situação. (Fernandes, 1992)
Mais tarde, ao examinar o processo de. elaboração e definição da LDB, Fernandes, uma vez
mais, mostra como estas forças contradizem na prática o discurso da moder
nidade.
158
Eu penso que nós havíamos chegado a um projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional que poderia ter
vigência durante 10 ou 15 anos, até que surgissem discussões para realizar-se um proje
to de lei mais adequado às exigências da situação histórica brasileira. No entanto, os int
eresses que se chocaram dentro do Parlamento são tão destrutivos que o
. projeto que já havia passado por todas as comissões, e por elas aprovado, ac
~bou, por manobras principalmente de partidos ultraconservadores\,---como PDS, P
FL e outros -voltando à deliberação das coÍllissões. E aí surgiram negociações que
tornaram o projeto. já com muitas limitações, muito mais precário. Eu comparo o que acon
teceu a um conjunto de
decapitações, pelas quais a melhor parte de alguns dispositivos ou foi transformada
ou foi eliminada. (Fernandes, 1992: 28)
As mutilações e subterfúgios que foram se introduzindo no projeto de LDB colocam o cam
po educacional como um dos espaços onde claramente -como analisam alguns cientista
s SOCiaiS o Estado, enquanto sociedade política (Executivo, Parlamento e Judiciário)
, não reflete o avanço político-organizativo da sociedade civil. Um único representante d
as forças ultraconservadoras, deputado A. Tinoco, ligado ao grupo de Antônio Carlos
Magalhães, apresentou mais de mil e duzentos destaques. O enfraquecimento da escol
a pública e o reforço às· teses privatistas e mercantilista, em boa medida, se constitue
m numa falsa vitória e, portanto, um limite aos próprios interesses de frações da modern
a burguesia.
Pelo confronto entre o texto original do deputado Otávio Elísio (Projeto de Lei 1.25
8 de 1988), que transformou em forma de projeto de lei as teses básicas de longos
anos de debate dos educadores em seminários nacionais e regionais, nas CBEs (Confe
rências Brasileiras de Educação), reuniões anuais da ANPEd, cuja síntese se explicita na C
arta de Goiânia, (reunião da ANPEd, 1986) e num texto de Saviani (1988), com o proje
to aprovado na Câmara dos Deputados em maio de 1993, pode-se perceber que as mutil
ações a que se refere F10restan Fernandes deram-se tanto no plano das concepções
159
,
.'
(\
, magistério e funcionários, ,_é de manteLQ__sistemJl de ensino técnico-industrial
como u~~no sistema de educaçãó-:-z<f
==:.==='-'----....._----_ ..... _
O exame mais cuidadoso do tipo de ensino que se oferece nestas escolas, mesmo qu
e seja tido como o de melhor qualidade, revela-nos que é demarcad0-P.cla~~~.a_d!uY
_us.te-alLmeLCJido de trabalho. A concepção das ciências -Física, Química, Matemática, Biolo
gia e Ciências Sociais -é, como mostram alguns trabalhos, de natureza escolástica. A s
eletividade, de outra parte, é total. Há casos em que há uma vaga para 50 candidatos.
As evidências estatísticas mostram que o argumento de que é para formarem-se técnicos de
nível médio necessários à incorporação ao mercado de trabalho é falso para o grupo social qu
freqüenta as escolas técnicas federais.21
No plano da formação profissional evidencia-se, ainda mais claramente, o descompasso
entre o discurso e a prática. Durante o processo constituinte efetivou-se um gran
de esforço para que aquilo que é inusitado em toda a América Latina _ a formação profissio
nal estar delegada pelo Estado ao absoluto controle dos empresários -tivesse uma g
estão tripartite. Reivindicava-se uma efetiva participação, do Estado e das
Centrais dos Trabalhadores. Nada mais daquilo que o ideário liberal ensina. A mobi
lização do empresariado e seus prepostos foi extraordinária e esta proposta não passou.
No processo da LDB buscou-se criar, não no Ministério do Trabalho -que em matéria de f
ormação profissional quase sempre foi um condomínio dos interesses privados _ mas no M
inistério da Educação, um Conselho Nacional de Formação
20. A gestão das escolas técnicas. salvo raras exceções, é profundamente autocrática. Esta e
strutura se consolidou sobretudo durante a ditadura, e mesmo com o processo de r
edemocratização os professores encontram grande resistência
para suas lutas até hoje.
21. Para uma análise sobre a natureza e qualidade do ensino técnico-industrial
ver: Braga (1991), Lopes (1990) e R. J. de Oliveira (1990). Para uma análise da po
lítica de ensino técnico na última década, sua "melhoria" e expansão, ver
Frigotto & Ciavatta Franco (993).
162
Técnico-Profissional com a formação tripartite já assinalada. Esta proposta também foi dur
amente combatida e não aprovada.
Uma outra exemplificação em nível mais específico que mostra o atraso das elites em face
até de suas necessidades é a não-aprovação da proposta de liberação dos trabalhadores jovens
e adultos que trabalham e estudam, por um período de duas horas, mantendo-lhes o m
esmo salário. Por aí percebemos qual o efetivo inteie~se dos empresários para com a ed
ucação pública e, também, às dubiedades e conflitos que enfrentam em face dos seus interes
ses.
As posturas político-práticas anteriormente exemplificadas encontram sua expressão mai
s geral na tese do Estado mínimo e na descentralização (autoritária). Na realidade, como
vimos no Capítulo II, a idéia de Estado mínimo significa o Estado, máximo a serviço dos i
nteresses docapitaI. Postula-se que o EstãâõreproauZaãforçade trabaJho::-comumníveLe1exado q
(formação (formar trabalha.dores polivalentes, comcapacidªde de abstraçãopara t0Irlllr dec
isões complexas e r~dilSl,_º-.9!!f leva tempo e elevado investímentQ;:massem çontrUmirjJ
_arª ó fundo gúblico.Está-contradição decorre, por certo, da forma parcial como a burguesia
apreende a realidade social.
O desmonte do Estado no Brasil, na sua capacidade de financiar a educação e outros s
erviços, como a saúde, que são incompatíveis com a lógica do mercado e do lucro, não chegou
até o presente a níveis tão perversos como, por exemplo, na Argentina e Chile, porque
há forças sociais organizadas que se contrapõem.22
Como corolário do Estado mínimo este desmonte faz-se mediante diversos mecanismos. A
s apologias da esfera privada,
22. Os processos de dilapidação do fundo público pelos interesses privados têm sido tão br
utais no Brasil e tão naturalizados, que o Partido dos Trabalhadores (PT), a CUT e
outras forças de esquerda. que tiveram papel decisivo no destronamento de conor e
que estão revelando o tecido podre e corrupto plotado nas vísceras do Estado, são cri
ticados pela imprensa -a serviço do conservadorismo -como espiões criminosos, promoto
res da desordem.
(
da descentralização e da flexibilização, c()lll()mecaniSmOL(te
'aemocratizaçãõ-ede eficiência,··sãüos .mais .freqüentes, Na. prática, a descentralização e f
se constituído __ em processos antjdemocráticos de delegaçã()_aempresas (públicas ou priva
das), à "comunidade", aos Estados e aos.11lU: nicípios a manutenção da educação fundamental
e média, sem que se "desentulhe" os mecanismos de financiafue.l1(ü::mediÍtnte urna efe
tiva e democrática r<!forma tributária. Também, ignora-se a tradição cliente lista que car
acteriza a pequena política do interior, fortemente controlada por forças retrógradas.
23
Dentro de urna tradição que apresenta fórmulas mágicas e, portanto, inorgânicas, para reso
lver a questão educacional (CIEPs, CIACs, programa de qualidade total, construtivi
smo etc.) e que Nose\la (1993) identifica como sendo resultado da megalomania e
ganância eleitoreira e, de acordo com Cunha (1991), podem advir do eleitorismo, do
experimentalismo pedagógico ou do voluntarismo ideológico, a fórmula mais recente junt
a a idéia dos cupons de um dos papas do neoliberalismo, Milton Friedman (1980)24 c
om a da escola "cooperativa". Na prática cada escola acabaria se tornando um micro
ssistema
educacional.
Por esta simbiose, os professores, agora "donos" da escola, seriam remunerados d
e acordo com a "produtividade". Esta composição vem sendo experimentada, desde o iníci
o dos anos 90, pela prefeitura de Maringá (PR) e tem sido apresentada corno meta s
alvacionista por governos de alguns Estados e pelo próprio governo federal, partic
ularmente através do MEC. A ênfase deste início do governo F. H. Cardoso é de premiar as
escolas bem-sucedidas. Uma vez mais a idéia de urna avaliação rigorosa efetivada por
instituições de elevada capa
23.
Para uma compreensão dos entraves para a educação pública alojados nos microespaços de pod
er local, ver Leroy (1987).
24.
M. Friedman entende que a escola é uma empresa como qualquer outra e deve ser regu
lada pelo mercado. Sua tese postula que o governo deveria distribuir "cupons" me
diante os quais os pais buscariam no mercado educacional
\:J fazer valer seus interesses. A FIESP, no amblto geral, mediante " um documen
to que expressa suas demandas, monitora os de
o:l putados e senadores conservadores. Os organismos ligados à
: CNI (IEL, SENAI, SENAC) encaminharam, igualmente, um
{ documento específico ao campOda formação técnico-profissio~ nal. Por esta proposta radi
calizam-se o dualismo, a fragmentação e o controle privado nesta ~rea.
9.-9ue queremos realçar do exposto nesta seçlío é que..a. defesa . da educaç.ã.n......blsic.
Lpara umuoII!!.ação abstratª_~.
-polivalente. pelos hQmJ'.11L_dcnegócio -condição para uma estratégia de qualidade total
, flexibilização e trabalho integrado em equipe -.é uma demanda efe.tiYaimposta..pela
nOVa. blise
.. tecnológico-material d.QJ>roce§.so_<leJ1fOdl!ção. Esta perspectiva sinaliza o horizon
te e os limites de classe, os dilemas e conflitos em face da educação e formação humana
que, historicamente, a burguesia enfrenta. Este horizonte e limites, no caso bra
sileiro, vêm reforçados por uma sobredeterminação do atraso e do caráter oligárquico, parasi
tário e perversamente excludente das elites econômicas e políticas. Por outr<Lpjiúe., a
natureza da materialidade histórica das relações capital-trabalho em face da nova base
científico-técnica, situa o embate contra-hegemôni,eo no campo da educação e fõrmãção humana
perspectiva_ democrática e socialista, num patamar com uma nova qualidade. O conhe
cimento e sua democratização é uma demanda inequívoca dos grupos sociais que constituem a
classe trabalhadora.
3. A formação humana unitária e politécnica:
o horizonte dos processos educativos que se articulam aos interesses da classe t
rabalhadora
A análise até aqui exposta nos indica que !l luta contrahegemônica tem, concomitantemen
te, várias tarefas de caráter teórico e político-prático. N.Q..plaIllLte.ótiç.Q....Q embat~.'
j!le na crítica aos postulados n~oliberil.is e neoconservadores que, no campo da e
ducação, revjsitam as perspectivas da teoria do capital humano e, portanto, do 'econ
omicismo, dos anos 70, agora com novos conceitos. A educação e o conhecimento são
170
poder.29 Ainda no plano teórico impõe-se a tarefa de superar posições qne se presumem crít
icas radicais e de esquerda, mas que por sofrerem de uma espécie de "infantilismo
teórico-po'líticO" acabam reforçando práticas conservadoras. Neste plano, as posturas esc
atológicas, irracionalistas, neo-anárquicas ou mesmo a pura e 'Simples perspectiva d
a resistência não nos levam longe3o \, .,
Neste último tópico, primeiramente mostraremos que o resgate dos conceitos de escola
unitária, formação omnilateral e/ou politécnica, tecnológica-industrial produzidas no int
erior da concepção de homem e do processo de "emancipação
'J humana" em Marx e Engels e posteriormente em Gramsci,3! i que surge na déc
ada de 80 no pensamento educacional brasileiro, I sustenta-se na mesma materiali
dade histórico-social das relações I sociais de produção e relações políticas de onde emergem
conceitos de, polivalênci!l,_pºlicogn~º, __m.ulti~hª-bmtªçíio, for71 mação .ª-bstrata, tão c
homens de negócio, e, ao. mesmo!
29. A análise atenta do que se está postulando, em face da reconstrução económica e da rec
onversão tecnológica a ela articulada. nos mostra que a questão da qualidade total. da
flexibilidade e da competência baliza-se. uma vez mais, sobre o velho debate de "
atribut6s" cognitivos (formação geral, capacidade abstrata, policognição) e atitudinais
(identificação com a empresa, capacidade de relacio~ namento grupal etc.), cujo obje
tivo fundamental é o aumento da produtividade e de sua apropriação privada. Ver. a est
e respeito. os textos mencionados de
Coraggio (1992), Finkel (1990).
30.
A elevada aceitação e fixação, por parte de grande número de jovens militantes de esquerda
, à "teoria da resistência" ou o apego a perspectivas neo-anarquistas revelam um lim
ite de apreensão teórica que tem como conseqüência posturas e ações político-práticas problem
s. O trabalho de Nunes (1990), na área da educação, ressalvadas as legítimas boas intenções,
exemplifica estas perspectivas. Para uma análise das tendências da resistência no pla
no político mais amplo, ver Herbert J. de Souza -:-Como se faz análise de conjuntura
e, no plano educacional, ver o texto "Revendo os vínculos' entre trabalho e educação:
elementos materiais da formação humana", de Miguel Arroyo. 1991.
31.
Parece-nos crucial alargar a concepção de escola, como é posta por Nosel1a ao historic
izar o pensamento gramsciano: "A noção de 'escola'( ... ) refere-se a todo o tipo de
organização cultural para a formação de intelectuais;
tempo,. de.marcam uma perspectiva ético-política de formação huma,n.a numa. direçã()-que lhe
s· éllntagôolca,eque--interessa âsclasses tnillliIliaâoras:VeÜ;oenõvõ~-ilrcaiCõe moderno, no
plano histórico, coexistem contraditoriamente.
O segundo aspecto, no plano político, busca assinalar que, no mesmo período em que f
rações da burguesia brasileira, como indicamos anteriorme~te, atentas às transformações mu
ndiais e preocupadas com seu destino, redefinem seus organismos de classe e criam
novos, no âmbito das classes trabalhadoras emergem um partido de massa (e de clas
se), um sindicalismo de "novo tipo", movimentos sociais urbanos e movimentos soc
iais no campo que estão redefinindo as relações. entre Estado e sociedade em bases div
ersas da tradição oligárquica, fisiológica e paternalista. Nesta redefinição aparece clarame
nte o embate pelo controle democrático do fundo público e por uma nova função social da
educação. Outra característica destas lutas é que não se reduzem ao momento econômico-corpor
ativo, mas contêm elementos ético-políticos.
Tomando-se os embates em torno das questões, sobretudo econômicas e sociais no proce
sso constituinte e, para o campo específico da educação, os debates em torno da definição
da LDB, o confronto destas forças sociais parece-nos nítido. Por estes embates concr
etos as perspectivas apologéticas do fim das classes sociais mediante a revolução cien
tifica e o surgimento da sociedade do conhecimento não encontram sustentação histórico-em
pírica. Ao contrário, reiterando o que discutimos especialmente no Capítulo II, na ótica
de análise desenvolvida por F. de Oliveira, as classes sociais
quanto mais parecem desaparecer do campo da visibilidade do confronto privado, t
anto mais são requeridas como atores de
regulação pública. Isto não é um paradoxo, mas contradição
essas organizações são criadas e sustentadas historicamente pelas diferentes práticas ou
forças produtivas da sociedade". (Nosella, 1992: 108) De outra parte, também nos pa
rece fundamental o alargamento que, num outro texto, o mesmo autor dá à concepção de for
mação politécnica ao circunscrevê-la no âmbito da tecnologia e do industrialismo. (Nosella
, 1993: 157-86)
172
das classes SOCIaiS hodiernas, que é, também, a mesma do fundo público. (Oliveira, 199
3: 140)
3.1. Escola unitária e politécnica: a formação na ótica da em{lncipação humana
Se a luta heg~mônica se· desenvolve sob uma mesma materialidade histórica, complexa, c
onflitante e antagônica, as alternativas em jogo no campo dos processos educativos
se diferenciam tanto pelo processo quanto pelo conteúdo humano e técnico-científico.
A educação ou mais amplamente a formação humana ou mesmo os processos de qualificação específ
cos para fazer face às tarefas econômicas, numa perspectiva socialista democrática, têm
como horizonte permanente dimensões éticopolíticas inequívocas: "os socialistas estão aqui
para lembrar ao mundo que em primeiro lugar devem vir as pessoas e não a produ ão".
(Hobsbawm, I 992b: 268)
1Ó0i conjuntos de categorias -filosófica, pedagógica e polit amente articulados -forma
ram, na década de 80, o eixo conceptual em tomo do qual se buscou organizar os pro
cessos educativos no conjunto da sociedade brasileira: a concepção de escola unitária
e de educação.@ formação humana omnilate'Eb.-p-oJitécnica-ou tecnológica. E importante perce
ber comoestas categorias efetivamente sinalizam um conteúdo histórico em devenir e não
são meras elucubrações de visionários.32 Caberia aqui, talvez, lembrar o que Marx sinal
iza em face das tarefas históricas.
32. Já mencionamos, anteriormente, o trabalho de José dos Santos Rodrigues (1993), q
ue analisou com extrema perspicácia a base histórica, no Brasil, do processo de cons
trução da concepção de formação politécnica. Todavia, o modismo ou por vezes o oportunismo, a
iados à, pobreza de cultura política, têm reduzido estas categorias a disputa em itens
da legislação ou palavras-pontes, jargões de platafonna de palanque de "pregadores" i
luministas. Este infantilismo de esquerda necessitamos combater. O que estamos d
iscutindo aqui é outra coisa, É tentar mostrar como, no tecido das relações sociais, est
es conceitos explicitam elementos concretos e possibilidadés de avanço político-prático.
É por isso que a humanidade só levanta os problemas que é
capaz de resolver e assim, numa observação atenta, descobrir-se-á
que o próprio problema só surgiu quàndo as condições materiais
para o resolver já existem, ou estavam, pelo menos, em vias
de aparecer. (Marx, 1983: 25)
Os elementos analisados anteriormente sobre a natureza da nova base técnica moslca
m-nos que esta, mesmo sob as relações sociais de exclusão vigentes, detêm a virtualidade
de efetiva melhoria da qualidade de vida para todos os seres humanos. Esta nova
realidade técnico-produtiva, como vimos, não só demanda para aquele conjunto de traba
lhadores exigidos no processo produtivo bases de conhecimento científico (unitárias),
cuja universalidade lhes permita resolver problemas e situações diversas, como também
visa a um trabalhador capaz de consumir bens culturais mais amplos. Os princípios
científicos da nova base técnica são unitários e universais. Sob este ponto de vista a
distinção entre setor primário, secundário e terciário da economia não faz muito sentido.
Mesmo em realidades como a brasileira, marcadamente defasada na produção de conhecim
entos básicos e cuja velocidade e intensidade da reconversão tecnológica são bem menores q
ue nos centros hegemõnicos do capitalismo, até mesmo pelo caráter transnacional assumi
do pela produção capitalista, estão dadas condições virtuais claras.
O que é necessário desbloquear são os mecanismos de exclusão que deixam à margem das condiçõe
mínimas de vida, em nosso caso, mais da metade da população, e, ao mesmo tempo, conge
lam ou retardam o próprio progresso técnico. Ou seja, o desbloqueio das condições objeti
vas e subjetivas para o desenvolvimento da omnilateralidade humana, particularme
nte para as classes trabalhadoras, entendida como:
o chegar histórico do homem a uma totalidade de capacidades e, ao mesmo tempo, a u
ma totalidade de capacidades de
consumo e gozo, em que se deve considerar sobretudo o
usufruir dos bens espirituais (plano cultural e intelectual), além
dos materiais. (Manacorda, 1991a)
174
A possibilidade de dilatar a capacidade de consumo não se deve, fundamentalmente, à
escassez de produção mas, sobretudo, aos mecanismos sociais que impedem a socialização de
sta produção.
A tomada de consciência, da forma mais ampla pOSSÍvel,
. desta realidade histórica de tal sorte que a mesma se constitua num elemento d~
ação política, é um fato crucial. Neste processo, sem dúviqa, desempenha um papel fundamen
tal o trabalho educativo qúe se dá, na perspectiva gramsciana, nos diferentes aparel
hos de hegemonia. No caso brasileiro, como destacamos no Capítulo I, desenvolvemos
nos anos 40 uma rede de radiodifusão ampla e, a partir dos anos 70, um dos sistem
as de televisão mais sofisticados e monopolizados e, inversamente, foi-se desquali
ficando a escola pública, particularmente seus profissionais.33
O resgate ou a construção da escola pública unitária, quiçá com quase um século de atraso, é
dos problemas básicos a serem enfrentados pela sociedade brasileira, para que a de
mocracia tenha condições objetivas de se efelivar. Aqui, a questão básica permanece na s
ua anatomia geral, aquela que há mais de 60 anos colocava Gramsci em relação à ruptura d
a velha escola italiana:
~
A luta contra a velha escola era justa, mas' a reforma não era uma coisa simples c
omo parecia. não se tratava de esquemas programáticos. màs de homens, e não imediatament
e dos homens
que são professores, mas de todo o complexo soeial do qual os homens são expressão. (O
ramsei, 1978a)34
33.
Para uma visão sintética do processo de proletarização do magistério, ver Florestan Fernan
des (1991).
34.
A concepção de escola unitária desenvolvjda por Gramsci tem sido, no Brasil, trabalhad
a e apropriada de forma dominantemente a-histórica. A análise que, ao mesmo tempo, e
videncia este viés e resgata esta categoria básica numa perspectiva fecunda é exposta
por Paolo NoseJanos textos: A escola de Gramsci (1992) e A modernização dg produção e da
escola no Brasil o e.stigma-da relação escravocrata (1993).
analisar a escola no Brasil dos anos 80 e os desafios dos anos 90, que a construção
da escola unitária pressupõe como materialidade objetiva e subjetiva o desenvolvimen
to de um "projeto de política industrial, moderno, 'original'. Somente nessa persp
ectiva pode ser encaminhada a questão educacional e o tema da 'escola unitária"'. (N
osella, 1993: 179)
Esta forma de apreender a relação da escola com a materialidade social na qual ela s
e produz nos permite perceber que a forma e o conteúdo que assume no seu desenvolv
imento não é algo arbitrário. Neste sentido, na escola, os processos \~ educativos não p
odem ser inventados e, portanto, não dependem de idéias mirabolantes, megalômanas de gên
ios que dispõem de planos ou de fórmulas mágicas. Depende de uma construção molecular, orgân
ica, pari passu com a construção da própria sociedade no conjunto das práticas sociais.
Como nos indica
Gramsci:
Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas "orig
inais", significa também, e sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas
, "socializá-las" por assim dizer; transformá-Ias. portanto, em base de ações vitais, em
elemento de coordenação e de ordem intelectual e
moral.-O fato de que uma multidão de homens seja conduzida
a pensar coerentemente e de maneira unitária a realidade presente é um fato «filosófico"
, bem mais importante e "original"
do que a descoberta por parte de um "gênio filosófico", de
uma verdade que pennaneça como patrimônio de pequenos
grupos de intelectuais. (Gramsci, 1978a: 13)
No contexto dos embates que se travam hoje na sociedade brasileira na busca de r
omper com todas as formas de exclusão social e, nos interstícios das possibilidades
concretas de construir-se um industrialismo de novo tipo e processos educativos não
imediatistas que concorram para a formação omnilateral e, portanto, para os process
os de emancipação humana, a busca do sentido "radical" de escola unitária, no plano do
conhecimento e no plano político-organizativo, é fundamental.
176
colocam aos setores capitalistas que queiram ser competitivos a necessidade de u
m conhecimento no processo de trabalho que não se reduza a fórmulas, técnicas, mas à cap
acidade de analisar, interpretar, resolver situações novas. Não se trata,
. pois, de um conhecimento restritQL!l]IL 1l.clestramel1to _para uma ta~efa ou f
unção. Neste processo ampliam-se, também, as ctemã.iidas-clilturaiil-:-de;· irilhãih-ador. E
stas demandas;-lodavIa, tendem a se~-aPrisiÔ~-;;S-iíoli~ite . uantitativo e ualitati
vo das necessidad.es __ dO."-'!Pital. . ____~está, sob a base contraditória do capiti
lL~m dilaJaLJlS possibill<lades_d.e----.!!Jllil formação tecnológica "unitária" para tod
os.
Do ponto de vista epistemológico, ou seja, dos processos de apreensão e construção do co
nhecimento na realidade histórica, o conceito de escola unitária nos indica que o esf
orço é no sentido de identificar os eixos básicos de cada área de conhecimento que em su
a unidade detenham a virtualidade do diverso. O princípio da ciência é, neste sentido,
por excelência unitário, isto é, síntese do diverso e do múltiplo.
No plano prático do processo de construção do conhecimento, a concepção de escola unitária,
m nossa realidade, implica, ao mesmo tempo, vários desdobramentos. O primeiro dele
s é o de distinguir-se entre O processo teórico-prático mediante o qual o homem, enqua
nto um ser social, constrói
o conhecimento da realidade, da natureza, do conhecimento
em SI.
Independentemente ou não da escola, os seres humanos acumulam conhecimento. A real
idade na sua dimensão social, cultural, estética, valorativa etc., historicamente si
tuada, é o espaço onde os sujeitos humanos produzem seu conhecimento. Trata-se de um
a realidade "singular e particular". É a partir desta realidade concreta que' se p
ode organicamente definir o "sujeito do conhecimento" e os métodos, as formas de s
eu desenvolvimento. Este, para ser democrático, deve tender à universalidade.
! 177
l-~<
l!á, pois, um duplo_equívoco a SUIL~aLIKL[llano_,cIa construção de uma"s~91ªJ1l)ilária~(demo
crática). Primeiramente é preciso ter claro que, ao definir-se o conhecimento a ser
~ trabalhado (conteúdos, processos, métodos, técnicas etc.), .parª~gill)ku.-de.ve t
er como Pºllto--.ilLP~~_dada dos sujeitos sociais concretos.
A conSClenCIa da crian?a não é algo "individual" (e muito
menos individualizadol, é o reflexo da fração da sociedade civil da qual participa, da
s relações tais como elas se concentram (. ~.r\7na família, na vizinhança, na aldeia, et
c. (Gramsci, 1978a: 131)35
,. \j',,) ',','/ I'
Ci Esta realidade é, a um tempo, biológica, social, econômica, política, cultural, valor
ativa etc. Não podemos, pois, reduzir este ponto de partida às dimensões cognitivas, m
esmo quando
o problema a ser enfrentado seja de ordem cognitiva e, muito menos, a uma perspe
ctiva psicologista.
Esse equívoco, ainda que fortemente presente, talvez não seja hoje, no campo educaci
onal, o mais ardiloso. Num contexto, de um lado, do exacerbamento do individuali
smo alimentado pela ideologia neoliberal (fetichismo do mercado) e, de outro, pe
la mistificação do particular, do individual, do subjetivo "narcísico desejante" (cris
e da razão instalada pelo pós-modernismo), como nos mostra Chaui (1993), o risco mais
presente é afirmarem-se as condições particulares ponto de partida num inorgânico ponto
de chegada. A síndrome Chiarelli, a que. nos
referimos, comumente é reforçada pelo esquerdismo ou por muitos profissionais que ad
erem acriticamente a pedagogias que seguem o ideário do laissez-faire ou ao populi
smo peda
35. A compreensão de homem "como uma sene de relações ativas, um processo" e a naturez
a humana de cada ser, "o conjunto de relações sociais" construídas no bairro, na aldei
a, cidade e, em suma, de todas as "sociedades das quais o indivíduo pode participa
r", nos permite precisar que não se trata da realidade de cada indivíduo singular, m
as do conjunto de relações sociais dentro das quais cada indivíduo produz sua realidad
e humana. (Gramsci: 1978a: 38-44)
178
~
J
I
~~ , I I
I
-~
i
\
gógic036 Uma forma sutil e antidemocrática de relações educativas é, sem dúvida, a reificaçã
nso comum,do folclórico,da realidade dadádos desenraizados e exclllídos.
A realidade socialmente dada necessita ser elaborada> desenvolvida no horizonte
de maior universalidade. Democrática ", éa escola que é capaz de construir, a partir d
o dialeto (Iingüístico, gnoseológico, va!orativo, estético, cultural, em suma) uma ordem
ilIl!:is avançada e, portanto, mais universal.37
'''~~Estãforma de conceber a relação da escola com a realIdade social, ao contrário de d
ilatar o currículo escolar na lógica da particularidade de cada problema que aparece
criando novas matérias sem base disciplinar orgânica, e portanto, uma forma arbitrári
a, coloca o desafio de ~identificar_os51úcleoS41nitários" historicamente necessários d
os cam[los de conhecimento gue tratam da societas rerulILe_sacietas-homilJl!!!LJ
'-'lu~._uma vez construídos e apropriados concretamente, permitea ao aluno, ele me
smo, analisar e interpretar-as infindáveis_-'Illellite.s...~e~ problemas que a rea
lidaOO-.-apresenta;3E A lógica de se buscar criar para cada novo problema uma nova
disciplina ou deter-se
36.
o esvaziamento das licenciaturas e da Faculdade de Educação, de um lado, produzido p
ela reforma Universitária do regime militar baseada na fragmentação e no tecnicismo e,
de outro, pela desvalorização do professor, constituem-se em limites objetivos na co
nstrução da escola unitária.
37.
O caráter democrático da escola não consiste na visão de que todas as crianças e jovens de
vam ter o mesmo atendimento, já que as condições historicamente dadas são de uma brutal d
esigualdade. Democrática é a sociedade e a escola que instauram um processo de relações
cujo horizonte hist6rico seja a equalização no plano do conjunto de condições necessárias à
emancipação humana. E, como nos mostra Gramsci, "se se quiser criar uma nova camada
de intelectuais chegando às mais altas especializações. própria de um grupo social que t
radicionalmente não desenvolveu as aptidões adequadas. será preciso superar dificuldades
inauditas". (Gramsci: 1978a: q9)
38.
É comum hoje atribuir-se O pouco efeito das campanhas de proteção à saúde (sarampo, desidr
atação, Aids etc.) às deficiências técnicas destas campanhas. Isso pode ocorrer. Todavia,
numa população semi-analfabeta ou instruída por processos de caráter metafísico ou fragmen
tário, o problema crucial é a incapacidade desta população de decodificar o significado
das mensagens.
t? :/1,
na particularidade de cada situação, de cada dialeto, é instaurar
um processo de dispersão e de indisciplina intelectual.
A perspectiva da escola unitária, na prática da identificação e organização dos conhecimento
s (necessários e não arbitrários), tem inúmeras outras implicações. Dentr.Lestas, destaca-se
a superação das .polarid.ªdes:_conhe(;im~nt()_~eral~.~sp~c!f'ico: 1;/ t~cnic:o~..Qolíti
co,_humall~-"_ técniCo, teórico e prático. , ri' Trata-se de dimensões que, no plano 're
al, se desenvolvem i'"
.---.-----.~-.,,~~.----.. ' 1
dentro de uma mesma totalidade cOIicreta.39 Tanto a idenrifiCãção '.
do núcleo necessário de confeúdos~' quanto os processos, os
métodos, as técnicas não podem ser determinados nem pela
unilateralidade da teoria (teorismo), nem pela unilateralidade
da técnica e da prática (tecnicismo, ativismo), mas na unidade
dialética de ambas, ou seja, na e pela práxis.40
A organização e identificação de núcleos necessários de 1
c(jn.hecimento a serem sI~l:!l-YQ~-!dos",!ê.l!J como exig~l1cia.um.
trabalho de natureza interdisciplinar. Os recortes da realidade
delimitados, por serem unidade do diverso, engendram na sua
especificidade as "qualidades" ou a materialidade da totalidade.
A interdisciplinaridade é, pois, uma característica da realidade.
Nas condições históricas objetivas da sociedade capitalista, por
ser a realidade humana cindida, fragmentada e alienada, o
trabalho interdisciplinar padece de limites materiais objetivos
e limites políticos, ideológicos e valorativos.41
39.
Karel Kosik, por certo, é um dos autores que m6lhor nos ajudam a
entender esta dimensão da dialética do real. Ver Kosik, 198<\
40.
Esta é uma questão crucial. Ela se coloca diametrflmente oposta às perspectivas messiâni
cas que de tempos em tempos elegem de~rminados méto,dOS como salvacionistas. No mo
mento, o construtivismo é uma/espécie de "totem" eleito para extirpar as mazelas do
analfabetismo e do fracasso escolar. Na perspectiva em que nos situamos neste de
bate, vendido d~mo bezerro de ouro, na forma como é mistificado, não passa de uma si
mulac~ó', um bezerro de barro.
41.
A forma mais freqüente de como os textos' pedagógicos tratam da questão interdisciplin
ar inscreve-se numa perspectiva vulgar. Aparece como uma
indicam-nos o papel destes novos atores sociais: Spósito (1984 e 1993), Manfredi (
1986) e Campos (1989, 1992).
Estas diferentes formas de organização e de ação política
de imediato sinalizàm numa direção oposta do ideário dos
apologetas da sociedade do conhecimento e das teses do fim
da sociedade do trabalho, que eliminam a priori as classes e
conflitos sociais. Também mOitram o caráier imobilista, e neste
sentido reacionário, das perspectivas irracionalistas, ao estilo
de Kurz, que oferecem como substitutivo das classes e grupos
sociais enquanto sujeitos históricos coletivos que lutam pela
dilatação da esfera pública e da democracia representativa, a
possibilidade da união dos homens e mulheres de bem, movidos
pela razão sensível para lutar contra a burocracia e aparatos
militares e policiais.
No plano do embate concreto há desafios que não podem ser subestimados e que, no cas
o brasileiro, tomam proporções maiores, de um lado pelo caráter opaco das ações das elites
econõmicas e políticas, historicamente excludentes e violentas e, de outro, a exígua
cultura política de grande parte da
esquerda.
A tradição escravocrata, oligárquica, paternalista e clientelista da elite econômico-políti
ca e, em grande parte, da elite intelectual do Brasil, faz com que a alternativa
da direita de países como Inglaterra e EUA, de atacar os gastos sociais públicos e
propor no lugar do Weifare State, o Estado caritativo e assistencialista -com a
possibilidade pior de se mesclar assistencialismo e repressão, como nos mostra Oli
veira (l988b: 26) -se apresente aqui com mais virulência47 O monopólio
47. Adam Schaff, np trabalho que faz para o Clube de Roma (Sociedade informática,
1990, ante~omente mencionado), alerta para o fato de que se não
for adotada a estratégia de socializar o produto do trabalho social, a alternativa
é a exclusão da mayfria e a manutenção do privilégio de poucos pela violência. O caso argen
tino ge ajuste neoliberal, retratado por Atílio A. Boron (1991), traz cada dia mai
s 5rareza de que este modelo que é para poucos, pressupõe a exclusão, a violência e repr
essão da maioria como estratégias de manutenção da
"ordem". /
:,1 184
f'
global (1) da mídia encarrega-se de maximizar o arrastão dos jovens infelizes de que
nos fala Pasolini, produtos da exclusão social e apinhados nos subúrbios dos grande
s centros urbanos ou utilizar o massacre de crianças da Candelária (Rio de Janeiro,
1993) para incentivar os processos de intervenção autoritária e ignorar o arrastão dos g
olpes do mercado financeiro, do assalto ao patrimônio público mediante a venda de em
presas estatais de forma fr,,:udulenta, e. de quadrilhas instaladas no executivo
, legislativo \'e judiciário que transformam o fundo público num condomíni'o privado.
Pelo lado das forças da esquerda, a falta de um aprofundamento teórico e, conseqüenteme
nte, de compreensão histórica da complexa relação entre estrutura e conjuntura, leva gran
de parte dessas forças a substituir a análise dialética capaz de apreender os conflito
s e contradições e as armadilhas e possibilidades da travessia, por posturas moralis
tas, escatológicas e dogmáticas. Por este terreno desenvolve-se as teses do quanto p
ior melhor ou as estratégias voluntaristas e arrogantes.48
Um dos equívocos mais freqüentes e sérios pelas suas conseqüências políticas é a postura que
mplos setores da esquerda têm ante o Estado e a relação sociedade e Estado. Celso Furt
ado debita esta confusão, em grande parte, ao golpe militar de 64: "Os militares t
omaram espaço demais para o Estado em tarefas que nao eram dele. Por outro lado a
luta contra a ditadura colocou a sociedade contra o Estado. Governo e Estado se
confundiram" (Jornal do Brasil, 03.10.93: 13).
48. Em recente ciclo de debates Hugo Zemelman, sociólogo chileno que, por força do e
xílio, após O golpe e o assassinato de Allende, foi pam o México onde trabalha até hoje,
lembra que sem o inventário crítico do passado recente dos intelectuais da esquerda
sobre suas estratégias políticas, os erros podem voltar a se repetir. Lembra, de ou
tra parte, que muitos intelectuais latino-americanos que se alinhavam às forças de e
squerda, negam-se a este inventário e preferem formar o grupo dos "neoliberais de
esquerda", que rapidamente são cooptados pelos organismos que representam o capita
l internacional como consultores do "ajuste", nas diferentes áreas. (Hugo Zemelman
, palestra UFF, 22.09.93) Ver, do mesmo autor, La democracia latinoamericana: un
orden justo y libre, México,
1994.
r Yy'<..l M· /""' r ICO ,:. /', f>:r i
Esta confusão, no plano do debate e da análise, se explicita
que trafegam recursos públicos são subterfúgios e, portanto,
pelo erro de fixar-se na perspectiva metafísica do dever ser e
estratégias antidemocráticas. Bancos, emissoras de rádio e TV
na polarização Estado ou não Estado. Isto funciona como um
e empresas devem pagar os impostos que lhes cabem. Ao
~
bloqueio para que a questão, politicamente correta _ qual Estado? -seja formulada
e debatida. No plano prático, isto se traduz na defesa de políticas localistas que r
eforçam formas abertas ou disfarçadas de privatismo em ·campos que o mercado
não pode democraticament~ regular.
A direção teórica e política que assumimos neste trabalho, na perspectiva das análises, es
pecialmente, de E. Hobsbawm e de Francisco de Oliveira, nos leva a perceber com
eles que
t· \o('
j a construção de formas sociais efetivamente democráticas (e,
(;f~\\
portanto, socialistas) têm como exigência que os sujeitos sociais coletivos (classes
, grupos e movimentos sociais) tenham capacidade efetiva de ampliar a esfera públic
a e de ter "acesso e manejo do fundo público". Isto significa dar transparência à ação polít
ica e tornar efetivamente público aquilo que historicamente foi manejado pelo estre
ito interesse privado do capital.
A primeira idéia fundamental a fixar em decorrência dessa perspectiva é a de que o "me
rcado", mesmo onde existe uma '('< materialidade de instituições que lhe dão densidade
concreta,
\ ç" '
, .
\ é inca~az de, democ~atic_amente atender direitos ~om~ os da) educaçao, saude
, habltaçao e emprego. DIreItos nao sao
,('
cantilizáveis. "Em cada uma destas áreas não há nenhuma '1'1 possibilidade que o mercado
possa prover, nem sequer o mínimo requisito de acesso aos bens imprescindíveis em q
uestão" (Anderson, 1995: 199). O desmonte do Estado nestas áreas significa desmonte
de direitos.Os"eteitoS-d~~do Estado no campo da saúde e educação básica nos oferecem um
quadro perverso. Trata-se de uma violência, incomensuravelmente maior que a dos arr
astões. Há, pois, que se ampliar
o papel do Estado nestas áreas.
As políticas em curso de delegar a empresas privadas, bancos etc., a tarefa de sal
var a escola básica e as propostas de escolas cooperativas a cargo dos bairros, ce
ntros habitacionais ou de empresas (fundações) prestadoras de serviços educacionais
186
Estado, cabe gerir democraticamente os recursos. O volume fantástico de recursos púb
licos repassados a empresas como a TV Globo, acrescidos das isenções, em nome de pro
gramas educativos que são passados em horários pouco comerciáveis, são uma prática p'erver
sa de dilapidar o fundo público sem avaliação e controle "pela sociedade organizada.
,
. Mas aumentar pura e simplesmente o tamanhodo Estado na educaçãoe saúdésignificapºucose não
se alteraremos processos de gestãódo'fundo público. Neste particular a idéia central é a
que expomos no Capítulo III, formulada por Francisco de Oliveira e P. Singer, entr
e outros, de que o Estado (sociedade política) deve ser permeado pela ação da soçjedade
civil organizada. Os proêessos de gestão necessitam ser democráticos;'êõmoTi,aíca Francisco
de Oliveira, no método, no Ǻl!!~]lcl() _e na form,a.
As teses básicas, em termos de educação, postas no processo constituinte e no processo
de formulação da LDB, sobre gestão democrática, afirmam esta direção. As idéias que orientam
as mudanças dos critérios de composição e de função dos Conselhos (nacional, estadual e muni
cipal) de Educação são as que tiveram maior resistência do aparato burocrático e das forças
reacionárias e privatistas.
Uma segunda estratégia, que tem sido utilizada para esmaecer ocaráter público da educação,
deriva dos processos de descentralização e municipalização do ensino. Na-f()rma" que .
se'tem-'proéessaaoã"dêIegação~ae'responsabllidade aos Estados e municípios e, por vezes, art
iculada à iniciativa privada, como é o caso da expansão do ensino técnico agrícola e indus
trial, a descentralização e municipalização constituem-se em formas autoritáriaseantídéínoêfá
stã6=~duéaçiQcial. Não se tratâ'i>.<iiiT'de'defendúó centralismo burocrático e tllmpouco'd.;s
~i;: na oposíÇão1ajsaen'tre ofederal, estââuaT e municipal. A questão é de oúiranatureza.Trat
e de artIcular estas esferas
Outro espaço onde a formação profissional se efetiva é no interior das próprias empresas.
Aqui também há incentivos que devem ser democraticamente controlados. Por isso, é deve
r do Estado e pauta de luta democrática dos trabalhadores exercer um controle também
neste espaço. As empresas podem, espertamente, contabilizar, como gastos em formação p
rofissional, inúmeras atividades que efetivamente não o são.
Os trabalhadores, através de suas organizações políticas
e sindicais, também devem lutar pela orientação político-técnica
da formação. O controle da natureza da formação profissional
dada no chão da empresa, a exemplo do que ocorre hoje na
Itália, deve ser pauta de negociação.50 A sociedade e os
trabalhadores, através de suas organizações políticas esiildiCáis,
devem ter informações claras, por exemplo, sobre o,tip_o"de
formação que se efetiva em instituiçQeseducaiivaSda:Eundação
Bradesco, Banco do BrasiC 'ou em programas-educativos-da
Rede Globo. Quem define a filosofia destes programas? Qual
o custo? De onde são tirados estes recursos? Quem presta
conta a quem? Quem é atendido e quantos?
50. O último contrato coJetivo orientado pela Central Italiana CGL! (j 993) inclui
na pauta de negociação a participação efetiva dos trabalhadores na definição do tipo de for
mação específica que se faz no chão da fábrica. Trata-se de disputar
o "espaço" que sempre foi domínio do capital e dar-lhes maior transparência. Como subl
inhava G. Giovaninni, um dos dirigentes da CGLI, num colóquio de que participei em
Bologna (1991), o esforço situa-se no sentido de transformar a competência técnico-pr
ofissional, em elemento de negociação política. Não se trata de obscurecer o conflito, c
omo busca a estratégia de gestão japonesa.
Trata-se de trabalhar transparentemente o conflito.
190
No plano das lutas dos sindicatos, organizações e partidos progressistas deve estar
em pauta, também, a reivindicação da criação de centros públicos de formação profissional, al
buscar-se descobrir espaços ociosos que podem ser potencializados para esta finali
dade. A tradição política conservadora 'brasileira tem um vínculo ainda não suficientement
e esclarecido com as grandes empreiteiras da construção civil.51 Há inúmeros "elefantes
brancos" cújll preocupação acaba com a inauguração. Um exemplo claro chega ao conhecimento
da sociedade brasileira após o massacre dê quase uma dezena de menores num único ato b
rutal no Rio de Janeiro -massacre conhecido como chacina da Candelária. Construiu-
se, em Quintino (RJ), um moderno centro de formação concluído há cinco anos que pode ate
nder até 5 mil jovens e nunca foi utilizado. De quem é a responsabilidade? Não há crime
nesta displicência?
Em suma, a educação e mais amplamente a formação humana enquanto práticas constituídas pelas
e constituintes das relações sociais não avançam de forma arbitrária, mas de forma necessár
ia e orgânica com o conjunto das práticas sociais fundamentais. Neste sentido, a lut
a pela ampliação da esfera pública no campo educacional pressupõe a ampliação do público em t
das as esferas da sociedade, principalmente no plano das
relações econômicas e políticas. As velhas questões das mudanças estruturais como as da refo
rma agrária, redistribuição de renda, etc., necessitam ser alçadas ao debate político tran
sparente. Neste sentido, como indica Singer ao referir-se ao embate sobre a refo
rma constitucional, não basta fixar-se na resistência:
'"
"
",
CONCLUSÃO
o pressuposto implícito que orientou a análise deste texto no plano teórico é de que o d
esafio para se qualificar a natureza e especificidade histórica da crise do capita
lismo e das experiências do socialismo (real) implica a capacidade de se distingui
r e, ao mesmo tempo, trabalhar unitariamente as determinações estruturais e o movime
nto conjuntural, bem como as mediações necessárias e orgânicas, e .as mediações secundárias,
problema está, pois, na capacidade do pensamento, pela pesquisa e análise, de abstra
ir o movimento da realidade histórico-social, apreend"ndo as forças e determinações que
o produz,
A reiteração de aspectos teóricos que julgamos fundamentais do trabalho tem uma intenci
onalidade para além da formalidade do trabalho acadêmico. Faz sentido na medida em q
ue nela estão implicadas questões de ordem política e ética. Assim como a teoria quando
consegue expor, no plano do conhecimento, a "raiz" das determinações dos fatos históri
cos, se constitui em força material e elemento crucial de consciência crítica e de tra
nsformação, as visões apologéticas, irracionalistas e reducionistas da realidade produze
m alienação e reificação do status quo. É, então, na relação entre a atividade teórica e polí
ica que se explicita e qualifica a natureza da práxis humana.
"'. \/ ~
}
interesses de uma alternativa que se articule aos interesses da classe trabalhad
ora.
As propostas neoliberais como alternativa no campo educativo expõe os limites do ho
rizonte da burguesia e, em casos como o brasileiro, sobredeterminados por uma bu
rguesia atra'sada, elitista e despótica. Isto, como vimos, se materializa de forma
exemplar n~ embate em torno da educação no processo constituinte (1988) \,' mais esp
ecificamente, no processo em curso há mais de 5 ànos da LDB (1989-1995). O discurso
da modernidade, na prática, esconde o profundo atraso histórico. O que vem ocorrendo
por inúmeros disfarces, convênios, cooperativa etc., é a privatização crescente e o desmon
te da escola pública.
A alternativa da educação numa perspectiva socialista democrática não pode inventar uma
realidade supra-histórica. Ela se gesta no embate contra-hegemónico de dentro desta
materialidade. No plano teórico, político, filosófico e ético, a perspectiva é de não reduzi
r os processos educativos a uma concepção unidimensional, mas alargá-los na perspectiv
a omnilateral e/ou politécnica que expressa as múltiplas necessidades do humano.
Processos educativos de novo tipo implicam necessariamente o desenvolvimenro de r
elações sociais de novo tipo e um industrialismo de novo tipo. O "desempate" não compo
rta alternativas anacrónicas, pois estas já têm nome -neoliberalismo ou neoconservadori
smo.
Os novos movimentos sociais, partidos e sindicalismo de novo tipo e as políticas e
ducacionais que se desenvolvem em várias capitais e inúmeros municípios por estas forças
políticas, mesmo com imensos limites e problemas, sinalizam que a alternativa está
em curso no plano político-ideológico, ético e teórico-prático. O processo constituinte e
de definição da LDB, neste sentido, são pródigos em indicações sobre as possibilidades e os
limites a superar. A própria derrota eminente das organizações democráticas na aprovação da
ova LDB, que em seus relatórios originais do projeto da Câmara incorporava
I __ !
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enormes avanços em relação a anteriores, mas que pela junção e alquimia autocrática das prop
ostas do Ministério da Educação do governo Fernando Henrique Cardoso e da proposta per
sonalista do senador Darcy Ribeiro, reedita-se o velho, o dualista e fragmentário,
não será o fim de tudo, mas apenas mais um entrave.
O ponto crucial para prilduzir a alternativa ao neoliberalismo no desenlace da cr
ise em todos os âmbitos reside, como
:." "
vimos, na capacidade de monej(JecQ11.tm1e.do..j.ulJ.d2_PI1blico " e naampliação-da.e
sfefa __pl1bliç,a..O. camp.<J educacional, como odasaúde, por serem direitos não ll1e~
cantijfzávers,--demandam
o máximo, socialmente possível, dQ.E,5I<í:âo.....d~n1ocratlcó~ A tradição de um Estado
lientelista, paternalista e auto· ritário, no caso brasileiro, obnubila, no presente
, amplos setores progressistas e dificulta a superação de uma visão moralista e reduci
onista de Estado. Isto se manifesta nas perspectivas maniqueísta do contra ou a fa
vor do Estado. O problema é
de outra ordem. A possibilidade de avanço alternativo ao neoliberalismo na educação im
plica trazer o embate, a disputa,
o conflito, no plano da esfera pública. Implica mais sujeitos coletivos com densid
ade analítica e organizativo-política para dar densidade ao embate.
Um exemplo, entre outros, de visão equivocada no campo educacional é a perspectiva d
e acabar com a formação profissional específica e os organismos que a coordenam, por se
rem de exéIusivo controle dos empresários. O problema não é acabar, pois isto agrava um
campo problemático e de interesse dos trabalhadores.
A luta primeira efundam.ental é garantir a escola básica unitária e pública (primeiro e
segyruIogiílilsr--de.ntLo:::,ae uma perspeCtívapolíticó-pedagógiciUlue.Porli1 da diversida
de cultural e s()ciál .. daS·crüiiíçaseJoveils.=a:ii?º'Qs..<:Q:i1lo a mais adequada formaçã()
co-pr'Ofrssional. Isto, todavia, llão elimina a necessidade deformaçãotêcriicó-=!irºfi~sio~a
l mais específica. Um primeiro passo;íioplãiíõ-das condições (jadaS, é fazer valer (o que per
os na constituinte e LDB) a gestão tripartite -Estado, centrais de trabalhadores e
empresaU9s . Este parece-nos ser o caminho que permite trazer a disputa pe)o-cont
roleda.qualidade da.formação e dos recursos investidos a.ufI!pjano mais democrático. E
ste --eíllbate"p6âeserlevado
t
. até o chi'io"da--'iábric'a,-úma vez que somas gigantescas de recursos deixam de ser
recolhidas ao fundo público como incentivo à educação e formação profissional. Os sindicatos
, neste particular, ma\ não só eles, têm uma luta pontual.
\.
O mesmo ocorre' 'Com a questão da educação técnica de nível médio, mantida como um enclave n
um conluio entre feudos no interior do Estado, no nível do poder central e da direção
das escolas e dos empresários. Aqui também não se trata de destruir a educação técnica, mesm
o nos limites em que é desenvolvida. Trata-se, com mais razão, de mudar sua
\
perspectivadl!g"stão~ de concepção-políticopedagógica.Várias· escolas' técnicas experimentam
dénsõ deb'ate" e 'embate interno com enormes avanços na direção de sua democratização. A pers
ectiva da escola unitárial'ressupõe uma educação tecnolÓgica como expressão mais avançada e o
gânica-a um
industrialismodenovolipó.' -..'.'....-.-.
A luta pela construção de uma alternativa socialista democrática não pode fixar-se na esp
era de condições ideais futuras. A história já nos _ensinou algo. É embate que se trava
"na jaula onde os tigres cuidam de suas crias". No presente,
t a luta por dilatar a esfera pública, em todos os campos sociais, é uma luta
concreta na dilatação das possibilidades, não suficientes mas necessárias, de um salto qu
alitativo. O socialismo, como nos lembra Hobsbawm, ainda continua no programa. Não
se trata de um utopismo, mas de uma radical necessidade para que o humano encon
tre o espaço efetivo de seu desenvolvimento pela eliminação de todas as formas de exclu
são.
",;/;
Neste,processode--embate,.a afirmação da escola unitária, pública e democrática, tem um pa
pel crucial. Nesta luta conta menos o fetiche da genialidade de profetas que inv
entam a realidade para si mesmos ou os projetos e programas que apenas represent
am bengalas clientelistas. O que conta é o
,
avanço orgânico de projetos que sejam expressões efetivas de uma necessidade histórica d
a sociedade. Apenas estes, parecenos, têm a marca de uma efetiva alternativa históric
a. As experiências que mencionamos ao final do Capítulo IV, sem
~
dúvida, inscrevem-se nesta alternativa. Há necessidade de aprofundá-las criticamente, d
ilatá-las e torná-las hegemónicas, o que implica a luta concomjtante, como condição necessár
ia, para construir relações sociais de novo tipo -uma efetiva sociedade socialista.
Não há por que abandonar valores e princípios fundamentais e nem transigir teoricamente
.. Afirmar a liberdade, autonomia e a qIHllidll<i~, sem ys pri.iic]Ql0s_da:-igua
Wade,
'democracia e solidariedad~:-é firrlliu--se, como-üfazem os neõliber~is,.ri}lre~l:1tal
iberdade, a~ionomia-ê'qu~lid~d~-~~üí
laclas pelo mercado o;;-peIaleidü-maisforte. Teoricamenie,'
o'argumellfó'ôe'FrecÍeric Jameson (1994) de que o marxismo
é a única teoria capaz de pensar adequadamente o capitalismo
numa perspectiva dialética, ainda que os marxistas não estejam
livres das reificações e que 'por ser o marxismo a ciência do
capitalismo só pode estar superado quando esta forma de
relação social for superada, parece-nos inequívoco.
Um ponto fundamental a reiterar e a ser demarcado nesta
conclusão é que o processo de recomposição do capitalismo
em face da crise deste final de século engendra, ao mesmo
J
tempo, um crescente grau de violência, destruição e exclusão
e uma explicitação da necessidade de sua superação. Ao
contrário do que a ideologia neoliberal tenta passar,o capi!lilis!U(),_
IÚO é o fim da história ou a forma desejável 'e perene _d~..
relações' sociiiis.É apenas of(rri::cIiCpre:hisfóría.humana;ada
socieda.de ele classes. ,-
QESlado..de.Rem:E,s.taLS9Cial como sistema de acumulação
e regulação social concentrou riq;:;eza~ miserla e excIUsãn::Mãs;
no plano das lutas e contradiçÕes,' tambériifíiinoudireitos
sociais para além dos políticos. Sã(n~'stes 'âifeífossociiiIs que
o neoliberalismo procura' zentr comoforma-de-restâUfaflaxa§ .. ,
de lucro do capital transnacional ..~oba!~i(lé~ao.Ciij)iiaf]i;-~~
206
ceiro. A construção democrática dosocialisl1lo tem como ponto de partida a necessidade
de garantir e dilatar,nã eSfefá-pública, os direitos já alcançados peIa luta das classest
raballiadoras dentrodo,Estadode Bem-Estar Social. Para além deste~patamar, como no
s lembr~-Frariciscü'de Oliveira (1988b), pulsam as novas formas sociais do futuro.
Formas estas cuja viabilidade implica a ação humana organizada. Felizmente, os sere
s humanos continuam construindo a história!
\.
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ciplina Economia Política da Educação da Universidade Federal Fluminense -UFF/RJ, mini
strando, também, as disciplinas de Epistemologia da Educação e Teoria da Educação no Progra
ma do Pós-Graduação (mestrado e doutorado) em Educação. Coordena, desde 1987, a linha de p
esquisa sobre o Trabalho e Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF. Autor, c
-autor e organizador de vát/ rios livros e mais de 30 artigos em revistas. Destacam
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Frigo·tto, Gaud;encio
escola improdutiva (São Paulo, Cortez, ~ 1993,4' ed.); (org.). Trabalho e conhecim
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Atualmente, é Vice-Presidente daAssociação
Rua Visconde de Pamalba. 2.7S3 _ 8aIB~
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Educação (ANPEd) e membro do Conselho
Editorial de cinco revistas. k· \
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