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REVISÃO DE LITERATURA

CRACK, CRACK, CRACK


•o craquelar do sujeito em meio a uma
sociedade proibicionista e moralizante•

Rafael Nunes Peixoto*, Ludmilla Lopes da Fonsêca**

Autor correspondente: Rafael Nunes Peixoto. E-mail: rnpeixoto@gmail.com


* Pós graduação em Atenção básica à Saúde mental. Professor/Preceptor da Estácio-FIB
** Professora da Faculdade Ruy Barbosa - Grupo Devry

Resumo

Este artigo traz algumas reflexões sobre o histórico do consumo de substâncias psicoativas no Brasil,
dando ênfase ao Crack. Fazendo uma revisão teórica acerca das legislações brasileiras que versaram
sobre o usuário de drogas, analisa o sujeito que consome, e é consumido pelas substâncias psicoati-
vas, através da lógica psicanalítica, utilizando extratos de falas de alguns usuários para bordejar essa
análise. Por fim, traz a concepção da política de redução de danos que expressam tendências que
vão se constituindo no Brasil como respostas aos problemas relacionados ao complexo fenômeno
do consumo de drogas, que para ser implementado precisa do envolvimento e intervenção de uma
equipe multiprofissional junto com a ampliação do debate teórico do tema perante a sociedade.
Palavras-chave: Crack; Psicanálise; Política; Redução de danos; Sujeito.

CRACK, CRACK , CRACK


•the crease the subject in the midst of a company
prohibitionist and moralizing•

Abstract
This article reflects on the history of consumption of psychoactive substances in Brazil, emphasizing
the Crack . Making a theoretical review about Brazilian laws that were about the drug user , analyzes
the subject that consumes and is consumed by psychoactive substances, through the psychoanalytic
logic, using speech extracts of some users to tack this analysis. Finally brings the concept of harm
reduction policy that express tendencies that are constituted in Brazil and answers to issues related to
the complex phenomenon of drug use, which to be implemented need the involvement and intervention
of a multidisciplinary team with the expansion of the theoretical debate of the issue in society.
Keywords: Crack; Psychoanalysis; Politics; Harm reduction; Subject.

• Artigo submetido para avaliação em 08/07/2015 e aceito para publicação em 28/10/2015 •


DOI: http://dx.doi.org/10.17267/2317-3394rpds.v4i1.644
INTRODUÇÃO

O estudo dos mecanismos de controle que inci- quisa não finda neste artigo terá sua continuidade
dem sobre as drogas ilícitas tem por objetivo com- num marco exploratório que visa aprofundamento
preender a estratégia proibicionista que preconiza, do tema em nível lato sensu. Ademais, para compo-
mediante a imposição de uma pena criminal, a sição da base teórica aqui referida realizou-se con-
proscrição de determinadas substâncias, por meio sultas às bases de produções acadêmicas (Scielo,
da inclusão destas a categoria de ilícitos.(1) BVSpsi, Portal CAPES, Google acadêmico, etc.)
No plano internacional, cerca de 10% das popu- também pesquisa na literatura pertinente, investi-
lações, dos centros urbanos de todo o mundo, con- gando-se o domínio do estado da arte da pesquisa
somem de maneira abusiva substâncias psicoati- que ora se apresenta.
vas independentemente da idade, gênero, nível de
instrução ou poder aquisitivo.(2) Diante deste dado
podemos perceber que há uma dada ineficiência CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
do proibicionismo, quando se estabelece a cisão DO USO DE SUBSTÂNCIAS
entre substâncias psicoativas lícitas e ilícitas, lega- PSICOATIVAS/CRACK
lizando umas e criminalizando outras. Isto se re-
leva ao analisar os diferentes danos causados aos Já houve no cenário internacional a despenalização
sujeitos que consomem algum tipo de droga. do porte e consumo de drogas ilícitas, delimitando-
Neste sentido, vemos que a desinstitucionaliza- se diferenças explícitas entre traficantes e usuários
ção da loucura proposta pela Reforma Psiquiátrica de drogas, bem como a implantação de medidas
para ser implementada necessita do aprendizado de saúde para usuários que mantém uso prejudi-
dos profissionais da saúde para lidar no seu coti- cial destas substâncias.(4) Entretanto, não é legíti-
diano com as diferenças, com aquilo que não cabe mo afirmar que todos os países desenvolvidos rea-
dentro da norma, (re)significando o seu fazer dia- lizaram avanços em suas respectivas políticas no
riamente. A prática de intervenção sobre os usuá- que concerne a esta temática.
rios de substâncias psicoativas necessita ser pen- No panorama macropolítico, é possível afirmar
sada de forma criteriosa e ética, com o intuito de a existência de diferentes ideologias que transitam
não ser uma operação moral de normalização há no entorno das políticas de drogas, destacando-se
que ser sentida pelo sujeito não como uma forma em sociedades diversas a perspectiva ideológica de
de violação de direitos, mas é preciso entender que “combate às drogas”. Esta perspectiva se caracte-
nem todos os usuários são dependentes químicos. riza pela predominância do alarmismo e sensacio-
Para tanto, este trabalho se caracteriza por um nalismo em detrimento da postura científica, esti-
ensaio teórico, compreendido enquanto produção mada quando se aborda temas sociais e históricos
textual que objetiva a compreensão de uma realida- complexos. Desta forma, tais posicionamentos que
de, pensando o usuário de substâncias psicoativas competem à postura de “combate às drogas” indu-
como um ser humano de direitos e deveres, que é zem países a adotarem ações de recrudescimento
constituído em uma sociedade na qual a diversi- das ações repressivas e de cerceamento das liber-
dade impera. O ensaio teórico prescinde de con- dades individuais, sob o argumento de impedir a
ceitos e de argumentação sistemática, de forma a qualquer custo à expansão do fenômeno drogas.(5)
sustentar racionalmente as afirmações levantadas. A contestação contemporânea dos jovens possi-
(3)
O texto é marcado por extratos de falas de usuá- bilitou que novos significados sejam incorporados
rios de drogas que são utilizados com o intuito de ao imaginário social, como a delinquência juvenil
bordejar a condução teórica psicanalítica. A pes- e a alienação política. Simultaneamente, a massa

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de simpatizantes das drogas emergente na con- na repressão e na abstinência do uso. Nesta pers-
tracultura também contribuiu para conferir outros pectiva, predomina-se a abordagem médico-jurídi-
significados sociais a estas substâncias, como o ca em detrimento da concepção de risco à saúde,
enaltecimento do prazer, instituindo espaços que resultando em ações pautadas em repressão poli-
oscilava entre o exacerbado hedonismo e os cami- cial e afronta aos direitos de cidadania dos usuá-
nhos para o autoconhecimento. A influência des- rios de substâncias psicoativas.(5)
ses novos significados pôde ser observada no pla- Faz-se importante pensar nos princípios e dire-
no nacional, devido à difusão do uso da maconha trizes do Sistema Único de Saúde (SUS), que ga-
entre os jovens pertencentes à classe média. En- rantem o direito a todos os usuários do sistema de
tretanto, o fato desse movimento de contestação ser esclarecido sobre a sua saúde, de intervir em
acontecer em plena ditadura militar suscitou uma seu próprio tratamento, considerando as suas ne-
reação mais contundente do Estado. Na tentativa cessidades, em função da sua subjetividade, cren-
de desestabilizar os setores clandestinos de oposi- ças, valores, contextos e preferências. É necessário
ção à ditadura, as drogas e o tráfico foram relacio- defender a continuidade e o avanço do processo da
nados à subversão política, intensificando-se a re- reforma psiquiátrica regulamentada no Brasil atra-
pressão contra as drogas ilegais e seus usuários.(6) vés da Lei nº 10.216/2001, que instituiu os serviços
Durante a ditadura militar, as instituições públi- de atenção psicossocial de caráter substitutivo às
cas incorporaram um novo modelo de Saúde Pú- medidas hospitalocêntricas1 com o intuito de dar
blica que assumia as características de um hetero- assistência as pessoas com sofrimento mental e
-controle, estabelecido via Estado intervencionista. problemas relacionado ao uso de álcool e outras
A despeito do recrudescimento do regime político, drogas.(7)
a nova legislação instituída manteve os princípios É inegável que o posicionamento de “guerra às
do liberalismo na abordagem de drogas lícitas. En- drogas”, alicerçado no discurso moral da abstinên-
tretanto, a partir deste período histórico, tornou-se cia, consiste em um pressuposto histórico e social
mais evidente a cisão entre licitude e ilicitude. No que deve ser problematizado com criticidade pe-
caso das bebidas alcoólicas, o uso excessivo con- los profissionais que atuam no âmbito da saúde. A
tinuou sendo visto com condescendência, como tensão atual resultante entre a abordagem médico-
ocorria nas leis de trânsito, diferentemente de ou- -jurídica e a estratégia de Redução de Danos, pre-
tras substâncias psicoativas, a exemplo da maco- sente no campo da prevenção ao uso de drogas no
nha e da cocaína.(6) Brasil, implica aos agentes políticos envolvidos a
Com o início da abertura democrática, emergi- assunção de um posicionamento crítico e científi-
ram novas narrativas incompatíveis com o para- co, no sentido de formular estratégias de interven-
digma proibicionista em vigor. Desta forma, o uso ção pautadas na assistência psicossocial às pes-
de substâncias psicoativas passou a ser relativiza- soas que realizam uso prejudicial de substâncias
do por alguns setores da sociedade, compreendi- psicoativas e aos seus familiares.
do como fenômeno complexo e diverso que trans- A suposta “epidemia do crack” por vezes expos-
versalizava segurança, saúde, educação e política. tas nas mídias sociais, pode, de certo modo, ser
Surgiram os apelos públicos à legalização da ma- considerada o resultado da política proi’bicionista
conha e as críticas à inconsistência dos argumen- antidrogas, uma vez que a ausência dos compo-
tos que justificariam a sua proibição.(6) nentes químicos levou os comerciantes de drogas
A despeito dos avanços nas discussões políticas a investir na produção da cocaína fumada.(8) Com
no âmbito nacional, adotou-se progressivamente a finalidade de impedir maiores danos financeiros,
um modelo de atuação em prevenção alinhado à os traficantes passaram a produzir uma forma me-
perspectiva proibicionista nas diversas esferas da
A saúde vista e entendida como ausência de doença, onde nenhum
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vida pública, centrada na ilegalidade das drogas, fator psicossocial é agregado ao tratamento.

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nos pura da cocaína, financeiramente mais lucra- tos a agentes externos que podem provocar danos
tiva e com efeito químico superior ao da cocaína a sua saúde.
cheirada, potencializando assim os seus danos. Quando a cocaína é fumada na forma de crack o
Os primeiros artigos sobre o consumo do crack vapor aspirado é ligeiramente absorvido pelos pul-
no Brasil foram referentes a usuários da cidade mões, alcançando o cérebro em 6 a 8 segundos.
de São Paulo, publicados em 1996 e narram que Fumar o crack é a via mais rápida de fazer com que
a droga estaria sendo consumida em São Paulo a a droga chegue ao cérebro.(10) A intoxicação corpó-
partir de 1991. Os usuários de Crack no Brasil, em rea proporcionada pelo crack provoca efeitos de
sua maioria, são homens, jovens, com baixo nível pouca duração, o que leva muitas vezes a compul-
escolar, vivem em situação de rua, e que não tem são do usuário para fumar mais, esse ciclo inin-
emprego/ renda fixa. Sendo assim, apresentam-se terrupto de uso potencializa os prejuízos à saúde
como um grupo bastante vulnerável socialmente.(9) física, as possibilidades de dependência e os danos
sociais.(6)
Os efeitos do crack aparecem quase imediata-
O RACHAR DO CRACK: CRACK, mente depois de uma única dose.(10) Na maioria
CRACK, CRACK... dos usuários esses efeitos incluem aceleração do
coração, aumento da pressão arterial, agitação psi-
Durante a produção da pedra de crack não há o comotora, dilatação das pupilas, aumento da tem-
processo de purificação final da droga. Uma das peratura corpórea, sudorese, tremor muscular. A
formas de produção desta substância é utilizando ação no cérebro provoca sensação de euforia, au-
o cloridrato de cocaína dissolvido em água e adi- mento da autoestima, indiferença à dor e ao can-
cionado em bicarbonato de sódio; essa mistura é saço, sensação de estar alerta, especialmente a es-
aquecida e, quando seca, adquire a forma de pe- tímulos visuais, auditivos e ao toque. Os usuários
dras duras e fumáveis, além dos alcalóides de co- também podem apresentar tonteiras e ideias de
caína e bicarbonato de sódio, essas pedras contêm perseguição.
as sobras dos ingredientes utilizados no refino da
Embora os primeiros episódios de consumo sejam
cocaína e são misturados diversas substâncias tó- marcados por euforia, sensação de bem-estar e de-
xicas como gasolina, querosene, água de bateria, sejo por repetir o uso, a continuidade do consumo
resulta em ansiedade, hostilidade e depressão ex-
entre outros produtos tóxicos.(6) O crack é uma
trema [...] Continuando o uso, em doses mais altas,
forma distinta de levar a molécula de cocaína ao surgem ilusões perceptivas (visuais e auditivas) e
cérebro. finalmente a psicose cocaínica, extrema hipervigi-
lância, delírios paranóides e alucinações.(11)
O crack pode ser fumado em cachimbos, em la-
tas de alumínio, em copos de água descartáveis, Além das questões biológicas e psicológicas
ou em outros instrumentos feitos de forma artesa- descritas, há os problemas de ordem social. Os
nal. Muitas vezes os instrumentos de uso da dro- vínculos familiares são estremecidos, visto que
ga são compartilhados entre os usuários, podendo muitos usuários abandonam ou são abandonados
causar agravos à saúde, a exemplo da tuberculose. pelo seu núcleo familiar consanguíneo. Quando
O uso de latas de alumínio é o mais prejudicial, estão em uso intenso da substância se desligam
visto que estas geralmente são coletadas nas ruas, das atividades laborais, pois não conseguem con-
e podem estar contaminadas com diferentes agen- ciliar o uso abusivo com as atividades rotineiras.
tes infecciosos.(8) Os locais onde os sujeitos fazem Não é incomum identificar a prática sexual como,
uso da droga, rotineiramente são locais que não uma possibilidade de fonte de renda para manter
expiram cuidados, ficando esses indivíduos expos- o vício, assim como a realização de delitos para a
aquisição da substância.

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POLÍTICAS PÚBLICAS NO sivo de drogas, é de se notar objetivos estratégi-
CONTEXTO DO USO DE cos que evidenciam a necessidade de tratamento
adequado às pessoas com transtornos mentais, o
SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
que indiretamente inclui os dependentes químicos.
A Declaração Universal de Direitos Humanos, ado- Nesta perspectiva, o PNDH-3 recomenda aos esta-
tada e proclamada em 10 de Dezembro de 1948, dos, municípios e Distrito Federal, nas esferas das
versa sobre a necessidade de reconhecimento da Secretárias de Saúde e Justiça, que mobilizem os
dignidade de todos os homens, considerando-se serviços da rede de atenção em saúde mental para
inalienáveis os fundamentos da justiça, paz e liber- ofertar tratamento especializado a este público-al-
dade. Para tanto, ressalta-se o compromisso dos vo, realizando o devido encaminhamento aos ser-
Estados-Membros no cumprimento do acordo em viços substitutivos à internação. Igualmente, bus-
comum, evidenciando-se a liberdade e a igualdade ca-se estabelecer mecanismos para a reintegração
de direitos como princípios fundamentais ao res- social dos internados em medida de segurança, ga-
peito fundamental dos direitos humanos. Nesse rantindo-se a aplicação dos benefícios sociais cor-
sentido, a saúde e o bem estar se localizam como respondentes.(12)
direitos humanos, ao lado de acesso aos cuidados A lei nº 11.343/2006, também conhecida como
médicos e dos serviços sociais. No Brasil, o Siste- Lei Antidrogas, institui o Sistema Nacional de Po-
ma Único de Saúde e o Sistema Único de Assis- líticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), que pres-
tência Social se inserem como conjunto de ações e creve medidas para prevenção do uso indevido,
serviços de saúde e sócio-assistenciais, estratégias atenção e reinserção social dos usuários de drogas
políticas implementadas no sentido de efetivar a e pessoas com problemas decorrente do consumo
saúde como direito fundamental. de drogas, além de estabelecer as normas para re-
Nesse contexto, insere-se o Programa Nacional pressão ao tráfico. O SISNAD reconhece-se dentre
de Direitos Humanos (PNDH-3), que se encontra seus princípios a dignidade da pessoa humana, a
na terceira versão e dá prosseguimento ao percurso promoção dos valores éticos, culturais e de cida-
histórico que consolida as estratégias e os anseios dania da população, e salientando-os como fatores
por promoção dos Direitos Humanos em território de proteção ao uso indevido de drogas.
nacional. Iniciada em 2008 a partir da 11ª Confe- Tendo-se em vista tais considerações, a legisla-
rência Nacional de Direitos Humanos (CNDH), a ção observa a relação indissociável entre estraté-
PNDH-3 é orientada em três eixos norteadores: in- gias preventivas, de assistência e reinserção social,
teração democrática entre Estado e sociedade civil; e adota uma abordagem multidisciplinar que reco-
desenvolvimento e direitos humanos; e universali- nhece a interdependência que envolve o fenôme-
zar direitos em um contexto de desigualdades. As- no do consumo, sem distanciar-se dos objetivos de
sim, o PNDH-3 incorpora as temáticas abarcadas fortalecimento da autonomia e responsabilidade
nas diversas Conferências Nacionais, realizadas individuais em relação ao uso indevido de drogas.
desde 2003, nos temas da saúde, educação, igual- A lei é regulamentada pelo decreto nº 5.912/2006,
dade racial, direitos da mulher, segurança alimen- que estabelece a competência do SISNAD em dis-
tar, habitação, meio ambiente, idosos, pessoas ciplinar a política de atenção aos usuários de dro-
com deficiência, juventude, etc. É de se notar que o gas e seus familiares junto à rede SUS, os serviços
PNDH-3 articula os mais diversos setores, no sen- públicos e privados que prestam atenção aos usuá-
tido de contemplar em uma perspectiva integral e rios, bem como as atividades que visem à redução
democrática as diferentes políticas públicas.(12) de danos e riscos sociais à saúde.
Muito embora o PNDH-3 não verse sobre as po- Por sua vez, o programa “Crack é possível ven-
líticas de atenção às pessoas que realizam uso abu- cer” foi lançado pelo Governo Federal em 2011,

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com a finalidade de prevenir o uso e promover a truculentas por parte dos agentes de segurança do
proteção integral ao usuário de crack, assim como, país, para com os usuários de drogas e pessoas
criar estratégias para o enfrentamento do tráfico com baixo poder aquisitivo, ferindo os princípios
de drogas. Para tanto as ações do Programa foram dos direitos humanos e da Lei 11.343/2006.
estruturadas em três eixos temáticos: prevenção,
cuidado e autoridade. Cada eixo contemplando al-
gumas especificidades; a ampliação da oferta de EXTRATOS DE CASOS - O CRACK
tratamento de saúde e atenção aos usuários, com DA VIDA DO SUJEITO
atendimento especializado para os usuários e os
seus familiares, o enfrentamento do tráfico de dro- Neste momento da escrita, trago alguns extratos
gas e ao crime organizado, articulando as ações da experiência adquirida ao longo de um ano de
com as áreas de saúde, assistência social e segu- trabalho como Psicólogo em uma unidade de in-
rança, além de desenvolver ações educativas e de ternação atuando com usuários de substâncias
capacitação, em busca da disseminação continua psicoativas, em um Hospital Psiquiátrico da rede
de informações e orientação a respeito das drogas privada, localizado na capital Baiana. Neste espa-
para a população, entre outras. ço, o modelo hospitalocêntrico vem ao longo dos
Podemos observar que o referido Programa reú- anos sendo substituído pelo modelo psicossocial,
ne diversas ações que estão contempladas na Lei o qual mostra-se mais humanizado de maneira a
11.343/2006, visto que envolvem diretamente as contemplar diversas esferas da vida dos sujeitos
políticas de saúde, assistência social e segurança que são assistidos pela unidade.
pública e de forma complementar ação de educa- Os usuários de drogas ilícitas são encontrados
ção e de garantia de direitos. na maioria das vezes escondidos nos becos e vie-
A Declaração Universal dos Direitos Huma- las em busca da obtenção de momentos de prazer
nos(13) consagra diversos direitos ao cidadão, dos que são transformados em desespero em frações
quais destacam-se: à liberdade, à dignidade, o di- de segundos após o uso da droga, em uma busca
reito à vida, o direito de não ser submetido à tor- constante de suportar a dor do existir. Através de
tura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano um objeto, os seus corpos vão sendo trincados/
ou degradante, o direito a proteção contra qual- craquelados simbolicamente afetando diretamente
quer discriminação e o direito da não interferência a esfera psíquica, fazendo com que haja uma alte-
na vida privada do cidadão, contudo, o artigo XXIV ração subjetiva na vida do indivíduo.
da Declaração ressalva que o exercício dos direitos Em um dos momentos de acolhimento psicoló-
e liberdades individuais estará sujeito às limitações gico escutei o paciente relatar que costuma fazer
determinadas pela lei, exclusivamente com o fim uso de crack durante o dia imerso no esgoto, com
de assegurar o devido reconhecimento e respeito o intuito de se esconder dos olhares da socieda-
aos direitos e liberdades de outrem, de satisfazer de, em meio a águas putrefatas em seus pés des-
as justas exigências da moral e da ordem pública calços, mas com a pedra que aplaca aquele lugar
na sociedade democrática. sombrio nas mãos e com a companhia de outros
O usuário de substâncias psicoativas, indepen- usuários que se abrigam naquela zona em busca
dente dos seus hábitos de uso são seres humanos de momentos prazerosos (ou não) e da fuga da
e cidadãos, detentor de direitos constitucional- realidade.
mente garantidos, que não podem ser reduzidos Decerto que na escuta emprestada aos pacien-
aos seus hábitos de consumo. A legislação ainda tes deste sistema privado de atendimento não me-
não é aplicada de forma igualitária para todas as nos qualificados na condição de “problema social”
classes sociais, tendo evidenciadas diversas ações eles estão e falam disso referindo-se a si próprios

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como “drogados”, sem condições psíquicas de se mais-de-gozar3 objeto a), sempre faltoso na vida
retratarem de outra maneira. Desta forma, pense- do sujeito onde o mesmo vive à sua busca, nas
mos no conceito de toxicomania ao qual “exclui o toxicomanias, a função parece ser a de objeto
uso eventual, recreativo ou habitual das drogas. causa de gozo (cristalização do objeto a no obje-
Sendo considerado a relação intensa e exclusiva, to droga), mas um gozo que escapa à regulação
na qual o uso de drogas já se tenha estabelecido fálica, um gozo que é definido por alguns autores
também como uma função na vida psíquica do su- como um modo de recuperação do gozo do Ou-
jeito”,(14) ou seja, o sujeito já se vê colado à droga e tro,(16) um gozo que invade o sujeito e ele sente-se
não consegue se reconhecer como um outro a não dominado por essa forma de gozar.
ser, pensado como objeto do seu “prazer”, está en- Em outro momento de intervenção um pacien-
ganchado no discurso. te chega à unidade de atendimento trazido pelo
Nas falas e interlocuções dos momentos de es- resgate,4 com pensamentos delirantes e alucina-
cuta clínica a angústia é trazida pelos pacientes ções visuais, sinalizando que ‘a televisão da sua
metaforicamente sob o viés de “uma prisão inter- casa estava falando com ele e tinha pára-quedistas
na” ou ainda “ela2 é mais forte que eu”. Na angús- querendo invadir a sua residência, pela janela da
tia há ausência de simbolização, desta forma pode sala’. Estes sintomas foram desencadeados após
ser pensada no seu caráter de excesso, de algo que o uso intenso de crack durante cinco dias conse-
escapa à palavra, uma incapacidade do psiquismo cutivos. Durante o acolhimento inicial o paciente
em reagir através de ações adequadas aos estímu- repete, em monocórdio: “Quero ir embora! Quero
los que desafia o fazer clínico.(15) Com o fumar da ir embora!”, não desejando a internação involuntá-
pedra de crack, o barulho “crack, crack, crack...” é ria, pois ficaria sem fazer uso de substâncias psi-
ouvido pelo usuário e o mesmo faz eco subjetivo coativas, que tanto lhe faz “bem”.
no sujeito e ele começa a se rachar internamente, Retomando o pensar psicanalítico e as formula-
momento em que a angústia escapa à elaboração ções lançadas em seus escritos Lacan refere que a
psíquica refugiando-se no corpo através do uso da fita de Moebius trata- se de uma superfície topo-
droga, com o intuito de tamponar os espaços fal- lógica construída com uma única face e uma úni-
tantes do indivíduo. ca borda a qual constitui um continuum e que vem
Em um outro caso clínico por mim atendido, o romper com o sistema euclidiano que divide os es-
sujeito da entrada na unidade hospitalar depois paços entre um dentro e um fora.(17) Aqui metafori-
de 10 dias intensos de uso de crack, com o intuito zo que angústia vivenciada por estes sujeitos pode
de dar continuidade ao tratamento de maneira vo- ser relacionada ao dentro e fora, visto que a estru-
luntária, com os dedos das mãos queimados de- tura do sujeito se dá numa lógica moebiana, pois o
vido ao acender frenético dos cachimbos e a ca- indivíduo está nesse movimento circular contínuo.
beça atordoada pelo uso abusivo da substância. O No caso do paciente relatado anteriormente vamos
paciente relata que não fuma crack mais para ob- ter um rompimento dessa fita, pelo uso abusivo do
tenção de prazer, e sim por necessidade, querendo crack, que desencadeia diversos fatores alucinató-
resgatar o prazer que sentira outrora e apaziguar o rios com consequências sociais. Nesta perspectiva
dilaceramento da sua alma, pois o mesmo tem a do dentro e fora, ele vai estar muito mais tempo
sensação que esta morrendo aos poucos. fora à margem, visto que em determinados mo-
Nesse sentido, considerando a lógica psica-
nalítica ao qual norteia o meu modelo de inter-
3
O objeto a como mais de gozar advêm da renúncia ao gozo exigida
venção pensamos que no uso de drogas, a subs- pela inserção do ser falante do discurso.
tância química desempenham a função de objeto 4
Profissionais da instituição que quando acionados pelo respon-
sável legal do paciente, vai ao seu encontro com o intuito de tra-
zer o paciente para a instituição, ocasionando uma internação
Substância psicoativa.
2
involuntária.

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mentos ele não consegue voltar a fazer esse movi- que a droga não é o principal problema das maze-
mento cíclico ‘alucinação X não alucinação’. las sociais. Ela se apresenta como consequência de
Nesse campo de gozo,(17) o “a-viciado” vê-se alguns fatores sociais, tais quais violência domésti-
diante de um objeto com características escopofí- ca, abandono, abuso sexual, famílias desestrutura-
licas5 quando deposita suas armas sem resistên- das, entre outros. Analisando estes pontos, há que
cia para se converter num usuário com laços de se garantir uma política integral que alcance verda-
dependência, o gozo que experimenta, a cada ten- deiramente às privações emocionais e sociais vivi-
tativa de encontrar uma satisfação que possa des- das pelos usuários de substâncias psicoativas.
mentir a castração ou que imaginariamente alivie a O desejo pode ser um remédio para a angústia.
dor de sua existência, sempre o relança na condi- O desejo em psicanálise é entendido como a falta,
ção que queria evitar, porém diz não ser capaz, pre- que não poderá ser tamponado pela matéria (pe-
cipitando numa posição submissa e alienada de ter dra de crack). O lugar do sujeito aí se adivinha, se
sido o escolhido como usuário. o fazemos coincidir com o do desejo. A adminis-
No interior do campo da psicanálise, o recurso tração do tratamento psicanalítico da angústia tem
às drogas é entendido como uma resposta possível como objetivo a mudança das relações de um su-
do sujeito ao mal-estar que é inerente tanto ao pro- jeito que faz com que o psíquico afete o seu corpo.
cesso de formação das sociedades e culturas como Portanto, é necessário que a angústia possa adqui-
também à constituição psíquica do ser humano.(16) rir, para o sujeito, um valor de sinal, não de uma
doença, mas de seu desejo, a partir do assinala-
O uso abusivo do crack, na maioria das vezes,
mento, muitas vezes de um gozo no qual ele não
entra em cena na vida do sujeito para tamponar a
se reconhece até então.(15)
realidade vivida, auxiliando o mesmo a fantasiar,
alucinar, esquecer, muitas vezes aplacar a fome É preciso desta maneira que os profissionais es-
e o frio, sentidos no corpo. Corpo este que é um tejam atentos, pois por trás do sofrimento muitas
depósito de marcas, carregadas por toda existên- vezes expressos em palavras, há uma escolha sub-
cia, fruto de suas experiências. Desta forma, não jetiva, que pode se revestir numa forma masoquis-
é possível associar o uso de drogas apenas a uma ta mascarada por uma ideologia vitimista na qual
questão individual, é preciso ampliar o olhar acerca muitas vezes o sujeito não esta preparado para
do fenômeno e identificar nesses usuários também juntar os seus pedaços nem para tentar ser “um”,
um problema social. A intoxicação ocasionada pelo pois há um gozo significativo neste fazer/sentir.
uso de drogas seria uma forma de lidar com o mal É importante que durante o acompanhamen-
estar claramente imposto ao ser humano que habi- to do paciente seja feita um resgate na história de
ta em sociedade. vida do sujeito, com o intuito de (re)significar a his-
Incerteza, insegurança e medo são os sentimentos
tória particular, e não impor a oferta de um novo
mais comuns da maioria da população diante da sistema de crenças e valores. A (re)significação
desestabilização do trabalho; a ausência do primei- tem a finalidade de levar o sujeito a pensar sobre si
ro emprego, o desemprego, e, ao mesmo tempo, o
alargamento do campo cultural a oferecer uma mul-
em uma nova posição, e através das palavras à ins-
tiplicidade de possibilidades diante dos shows, dos tauração de novos códigos simbólicos, no arsenal
espetáculos espetaculares; o lúdico e o artístico; a de elementos que o constitui.
socialidade e a sociabilidade convocando para a en-
cenação da vida repleta de prazeres. Sociedade da Pensar o tratamento pautado exclusivamen-
superabundância e de proximidade inacessíveis.(18) te na lógica da abstinência poderia produzir uma
desestruturação no sujeito, uma cisão, levando a
Assim, é preciso avaliar a realidade atual através
uma crise ou a um surto, devido à possível retirada
de uma análise criteriosa da sociedade e perceber
abrupta da substância química do organismo do
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A função escopofílicas, esta relacionada ao investimento visual, indivíduo, sem nenhuma substituição significativa.
que é lançado através do olhar para um outro.

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Se pensarmos na política de Redução de Danos e no seu organismo, não suportando conviver com a
no trabalho desenvolvido pelos redutores de danos abstinência.(20)
é possível perceber um movimento de conhecer o O primeiro programa com a temática da redu-
sujeito, criar o vínculo e após o primeiro contato ção de danos teve início na Holanda, nos anos 80,
identificar as possibilidades que o sujeito traz e devido à iniciativa de uma associação de usuários
desenvolver o trabalho, sempre pensando no sujei- de drogas, que estavam preocupados com a dis-
to com um ser único. seminação das hepatites entre usuários de drogas
injetáveis. No mesmo período outras iniciativas fo-
ram desenvolvidas por conta do advento do HIV.
REDUÇÃO DE DANOS: UM NOVO A redução de danos foi adotada como estraté-
OLHAR SOBRE O SUJEITO gia de saúde pública pela primeira vez no Brasil no
município de Santos-SP no ano de 1989, quando
A redução de danos oferece um caminho promis- altos índices de transmissão do HIV estavam rela-
sor para tratar o usuário de drogas, pois reconhe- cionados ao uso de drogas injetáveis, mas devido
ce a singularidade de cada indivíduo e traça com a políticos que acreditavam que as ações estavam
eles estratégias que estão voltadas para além da incitando o uso de drogas, o programa não pode
abstinência, tendo como objetivo principal o bem ser desenvolvido nos moldes e tempo em que fo-
estar do sujeito e a defesa de sua vida. A redução ram programados.(21) Em 1994, o Conselho Federal
de danos se dispõe a construir um caminho com de Entorpecentes deu parecer favorável à realiza-
o usuário que não é excludente e sim agregador, ção de práticas de redução de danos e o primeiro
assistindo-o por meio de um tratamento que preza programa brasileiro sistemático começou em 1995,
a liberdade do sujeito e a sua corresponsabilidade em Salvador-Bahia.(22)
no processo. Este relacionamento implica no esta-
A redução de danos traz em sua concepção o res-
belecimento de vínculo com os profissionais que
peito à autonomia e a liberdade das pessoas e, não
estão na linha de frente desse trabalho, que pas-
visa simplesmente, a lógica ortodoxa da abstinên-
sam a ser corresponsáveis pelos caminhos a serem
cia, trabalhando com uma lógica na qual propõe
delineados por aqueles sujeitos.(2)
que cada indivíduo se proteja dentro das suas con-
A “Redução de danos é uma política de saúde dições de sujeito no mundo entendendo o usuário
que se propõe a reduzir os prejuízos de naturezas como um ser biopsicossocial. A redução de danos
biológicos, sociais e econômicos do uso de drogas, auxilia os usuários na proteção da vida, ajuda a re-
pautada no respeito ao indivíduo e seu direito de conhecer os riscos do uso abusivo de drogas, sem
consumir drogas”.(19) retirar de cada sujeito a sua singularidade.
O trabalho com redução de danos teve origem O programa de redução de danos como um novo
na Inglaterra, em 1926, através o Relatório Rolles- modelo de assistência aos usuários de drogas, vis-
ton, elaborado por uma comissão interministerial, lumbra novos arranjos com um novo paradigma
presidida pelo Ministério da Saúde, que autoriza- ético e clínico para a política pública brasileira de
va os médicos ingleses a prescreverem opiáceos a saúde, de álcool e outras drogas. Mobilizando os
dependentes dessas drogas, entendendo esse ato recursos sociais e culturais disponíveis para intro-
como um meio para o tratamento, e não como gra- duzir modificações na sua concepção original e
tificação ou conivência para com o uso de drogas. isso vem implicando em um processo de enfrenta-
A prescrição da droga era feita como manejo para o mento e embates com as políticas antidrogas que
tratamento, com o intuito de auxiliar o sujeito que tiveram suas bases fundadas em outro período da
não conseguia manter sua vida dentro dos padrões história.(23)
socialmente aceitos, sem ter a substância presente

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Quando a redução de danos é inserida na socie- Álcool e Outras Drogas (Caps-ad), entre outros
dade e se torna um método de cuidado em saú- espaços.
de acolhendo e legitimando os usuários de dro- A prática dos redutores valoriza o saber dos
gas como cidadãos de direitos, a população reage usuários e, assim, retira o imperativo “Não use
discordando desse novo modo de ver e lidar com Drogas!” para trabalhar com o um modelo mais
usuários de drogas. Tal fato ocorre devido à cons- condicional como “estas são as consequências do
trução histórica negativa em torno dos usuários de uso abusivo de drogas”, é uma atuação diferencia-
substâncias psicoativas, estigmatizadas como me- da pensada em parceria, sem imposições. O fato
liantes, doentes e perigosos. de alguns redutores de danos serem ou terem sido
Em última instância, pode-se dizer que a redu- usuários de drogas facilita o trabalho de assistên-
ção de danos coloca em questão as relações de for- cia, o que oferece credibilidade entre as redes de
ça mobilizadas e construídas sócio-historicamente usuários. Desta forma, o trabalho realizado entre
em torno da criminalização e da patologização do pares com esse público surte maior efeito, por con-
usuário de drogas.(23) Assim, evidencia-se à socie- ta dos conhecimentos relacionados às linguagens
dade que os usuários de substâncias psicoativas locais, estratégias de acessar ao sujeito, manejos
deixem de ser identificados aos estereótipos de cri- verbais e não-verbais para abordagem, entre ou-
minoso e/ou doente, dando voz ao sujeito, respei- tros pontos. Um programa marcado pelo respeito
tando as suas escolhas. ao usuário e pela sua cultura é fundamental para
A prática de redução de danos, que iniciou com conquistar a confiança, atenção e o respeito dos
um trabalho direcionado à prevenção entre usuá- usuários.
rios de drogas injetáveis, hoje vem se consolidando Quando o usuário fala das suas questões inter-
como prática assistencial voltada a usuários de di- nas (angústias), para um redutor de danos, que é
versas substâncias psicoativas, abrangendo usuá- um ser que acolhe o paciente com empatia e sem
rios de álcool, drogas inaladas/aspiradas e fuma- pudores na rua, ele pode em alguns casos diminuir
das. São desenvolvidas estratégias especificas para a quantidade de ingestão de substâncias psicoati-
a consolidação das ações com cada público, como: vas, por conta da tomada de consciência de si e
distribuição ou troca de cachimbos (para usuários voltar numa perspectiva moebiana a viver o dentro
de crack), o kit snif (para cocaína aspirada), tro- e fora sem romper o laço social que o estrutura.
ca de seringa (usuário de heroína), distribuição de Assim, trabalhar na perspectiva da abstinência,
preservativos, entre outras ações. visando à retirada total da droga da vida do sujeito,
Ainda na perspectiva desses autores, a redução pode não ser a melhor opção, visto que o sujeito
de danos se torna uma estratégia ampliada de clí- precisa de um tempo para elaborar suas questões
nica que tem ofertas concretas de acolhimento e internas, além de ter fatores bioquímicos em jogo.
cuidado para pessoas que usam drogas, dentro de Existem sujeitos que não vão desejar aplacar e nem
arranjos que visam o cuidado com o próximo, tra- compreender melhor sua angústia e o vício seria
tando os mesmos como sujeitos de direitos imer- neste sentido mais químico do que psíquico-emo-
sos na sociedade. A redução de danos tem dentre cional, e é preciso respeitar o pensar dos sujeitos.
os seus principais desafios à construção de redes A redução de danos visa também fazer o sujeito
de produção de saúde que incluem os serviços de pensar em substituições ou ajustes da substância
atenção do SUS, Emergências Hospitalares e In- no organismo, levando em conta à organização
ternações Breves, Postos de Saúde, Estratégias de dos fragmentos do sujeito, arquitetando os me-
Saúde da Família, Centros de Atenção Psicossocial nores danos à saúde e primando por um possível
equilíbrio.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS lidar com seu sintoma, com aquilo que o constitui
e que o mesmo não quer/pode se desvincular.
Estamos imersos em uma sociedade onde o mode- É possível sustentar a vivência de diversas moda-
lo proibicionista é ainda hegemônico. Tal modelo lidades de uso de substâncias psicoativas na nos-
exalta o controle penal sobre o consumo e a venda sa sociedade, as quais, além de estarem reguladas
de substâncias psicoativas ilícitas, inflamando me- nas individualidades psíquicas e no modo de gozo
didas que levem o sujeito à abstinência do uso e suportado por cada sujeito que é único, remontam
com isso traçando estratégias coercivas para com também a distinções na relação dos sujeitos com a
os usuários de drogas. sua cultura e suas vivencias sociais individuais. Es-
Os moldes atuais da política de “guerra às dro- perasse que esses sujeitos possam viver verdadei-
gas” têm contribuído de forma pouco significati- ramente em sociedade, tendo qualidade de vida e
va para a diminuição do consumo de substâncias com isso atingir o bem estar social, pessoal e fami-
psicoativas, pois não contempla na sua efetivação, liar, sendo capazes de se manter economicamente
ações que abarquem a pluralidade existente no ativos e gozar dos seus direitos como cidadãos.
nosso país. Colocar o dependente químico na ca-
deia, não parece ser a solução mais eficaz para so-
lucionar o “problema das drogas”. As intervenções REFERÊNCIAS
devem ser pensadas e desenvolvidas, pautadas no
modelo biopsicossocial, abarcando diversas ações 1. Rodrigues LBF. Controle penal sobre as
na esfera sociais e contemplando as subjetividades drogas ilícitas: o impacto do proibicionismo no
sistema penal e na sociedade [tese]. São Paulo:
dos sujeitos envolvidos.
Faculdade de Direito da Universidade de São
Frente a esse fato penso que o trabalho realiza- Paulo; 2006.
do pela política de redução de danos mostra-se re-
2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de
levante enquanto estratégia para o tratamento de Atenção à Saúde. SVS/CN-DST/AIDS. A Política
usuários de álcool e outras drogas, pois não cen- do Ministério da Saúde para atenção integral
tra o seu fazer na verticalidade inerente ao mo- a usuários de álcool e outras drogas. 2ª ed.
delo biomédico, desta forma se aproximando da Brasília: Ministério da Saúde; 2004.
atuação psicanalítica, visto que, não trabalha com 3. Meneghetti FK. O que é um ensaio-teórico? Rev.
padrões estáticos de sujeitos, mas sim com a fala adm. contemp. 2011;15(2).
e a verdade de cada indivíduo. Trata-se de uma 4. Lima RCC. O problema das drogas no
atuação diferenciada feita com e para, os usuários Brasil: revisão legislativa nacional. Libertas.
de drogas, sem nenhuma imposição relacionada a 2010;10(1):102-123.
questões morais ou sociais. 5. Bucher R, Oliveira SRM. O discurso do “combate
A perspectiva do tratamento analítico, assim às drogas” e suas ideologias. Rev. saúde pública.
com a essência da redução de danos não visam à 1994;28(2):137-45.
eliminação dos sintomas da vida do sujeito, mas 6. Trad S. Controle do uso de drogas e prevenção
faz o possível para auxiliar o indivíduo à tornar o no Brasil: revisitando sua trajetória para
“craquelado” do seu ser mais suave e harmonioso, entender os desafios atuais. In: Nery Filho A
et al., organizador. Toxicomanias: incidências
para que através dessa integração ele possa lidar
clínicas e socioantropológicas. Salvador:
de forma mais consciente com suas questões exis- EDUFBA; 2009.
tências de maneira à amenizar a sua angústia atra-
7. Brasil. Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001.
vés de uma espaço onde a sua fala é legitimada de
Dispõe sobre a proteção e os direitos das
forma genuína. Encontrando uma nova forma de pessoas portadoras de transtornos mentais e

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redireciona o modelo assistencial em saúde 16. Souza A. O que a psicanálise pode contribuir
mental. Brasília, DF; 2001. nas toxicomanias. 2010 [acesso em 10 fev
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vindo ao mundo das noias [tese]. Salvador: 17. Espinheira G. Reflexões sobre a política pública
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