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Direito Ambiental Constitucional

Direito Ambiental
Constitucional I
Profa. Rosana S. Bertucci
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Direito Ambiental Constitucional

SUMÁRIO
Introdução Histórica de Conotação Socio-Ambiental ................................... 3
Conferência de Estocolmo/72...............................................................................4
Princípios............................................................................................................ 6
Conferência do Rio de Janeiro de 1992................................................................. 8
Bem Ambiental ............................................................................................ 10
Conceito e Abrangência..................................................................................... 10
Classificação do Meio Ambiente.......................................................................... 11
Natureza Jurídica............................................................................................... 12
Direito Ambiental Constitucional Geral ....................................................... 13
Disciplina.......................................................................................................... 13
Direito Comparado e Constituições Brasileiras...................................................... 15
O Bem Ambiental na Constituição....................................................................... 17
Caracterização do Direito Ambiental.................................................................... 20
Competência em Matéria Ambiental ........................................................... 22

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Direito Ambiental Constitucional

habitavam mais de 30 famílias: “...É uma operação so-


INTRODUÇÃO HISTÓRICA DE CONO-
cialmente impossível. E o que é socialmente impossível é
TAÇÃO SOCIO-AMBIENTAL juridicamente impossível2”.

Consideramos adequado iniciar nosso trabalho com a É esse o nosso entendimento.


contextualização do tema ambiental de forma genérica,
antes mesmo de abordá-lo na esfera do Direito. Compreendemos mais, que ao Direito cabe regular a
vida em sociedade, determinando regras que viabilizem
Justificamos nosso posicionamento pela importância esta instituição. Difere da moral - à qual poderíamos atri-
que o tema demanda não só do ponto de vista jurídico buir a mesma conceituação - justamente por permitir uma
- trazendo novos conceitos e teorias que encerram, em sanção eficaz, no sentido de cobrar e coagir seus destina-
nosso entender, uma fase até agora compreendida para o tários.
estudo do Direito -, como também do ponto de vista social
- evocando a necessidade premente de todos os ramos do Registramos, portanto, que o assunto em pauta diz res-
saber enfrentarem novos paradigmas que a multidiscipli- peito à VIDA em primeira instância, compreendendo todas
nariedade própria do meio ambiente conduz. as suas manifestações em nosso Planeta; diz respeito à
NATUREZA e sua relação com os SERES HUMANOS; diz
Daí a denominação de “conotação sócio-ambiental” no respeito, ainda, a BEM-ESTAR e a QUALIDADE DE VIDA.
título introdutório, correspondendo ao fato de que as mu-
danças sociais, trazidas pelas preocupações ambientais, Daí seu entendimento difuso, indissociável e não passí-
geram em si mesmas as mudanças doutrinárias do Direito vel de apropriação, quer particular, quer pública, nos mol-
e respectivas mudanças metodológicas e jurisprudenciais. des até hoje compreendidos, conforme veremos adiante.

Aliás, não se poderia conceber a reestruturação da A partir daí também as dificuldades decorrentes, que
nova ordem social sem a reestruturação da ordem jurídica, brotam dos conceitos de propriedade, natureza jurídica,
pois tudo que interessa ao Social, interessa ao Direito. E bens, responsabilidade civil, entre outros tantos institutos
interessa, portanto, a nós, cientistas deste ramo do saber. que buscaremos clarear - e não esgotar - através de nos-
sa compreensão sobre a abordagem que se deve dar ao
Assim nos ensina RADBRUCH, citado por Washington assunto.
de Barros Monteiro , que o Direito compreende “o con-
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junto das normas, gerais e positivas, que regulam a vida Respeito à VIDA COM QUALIDADE, que só se dará - e
social”. disso não temos dúvidas - quando as verdades absolutas,
também no ramo do Direito, forem questionadas para me-
E assim foi o excepcional entendimento do Desembar- lhor, sem receio de crer que nada sabemos de fato. O que
gador JOSÉ OSÓRIO, do Tribunal de Justiça de São Pau- buscamos e queremos fazer é sermos justos - ou nos apro-
lo, na decisão proferida em sede de Ação Reivindicatória ximarmos disso -, em todos os sentidos; sem prejuízos
sobre uma propriedade particular onde se localizava uma para a humanidade, para o ecossistema que nos envolve,
favela há mais de 20 anos, colocando em pauta o enfren- para o Universo e para os princípios internos de cada um
tamento até então ignorado do conceito e aplicabilidade que os compõe.
da função social da propriedade, estabelecido em nossa
Carta Maior. Disse o eminente julgador, negando ao Autor Cabe registrar, neste sentido, a opinião de especialistas
o direito de readquirir seus lotes situados na região onde de outra área que não o Direito e que vem de encontro
1. Em “Curso de Direito Civil” - Parte Geral - Editora Saraiva - 27ª Edição - 1988 - pág. 1.
2. “Ação Reivindicatória - Lotes de terreno transformados em favela dotada de equipamentos urbanos - Função Social da Propriedade...” - TJSP - 8ª Câmara: Ap. Cível nº
212.726-1-8; SP; Rel. Des. José Osório; j. 16.12.1994; v.u.

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ao desenvolvimento ora proposto. Em sua obra “Bioética ”, Natureza, governantes gêmeos da infância da
CLÁUDIO COHEN e MARCO SEGRE , a respeito da matéria humanidade, já não dirigem as ações. (...)
título do livro, afirmam: Como escreveu Murray Bookchin: ‘ A partir do
momento em que a labuta é reduzida ao mínimo
“A nosso ver, mesmo as posturas morais mais possível ou desaparece inteiramente, os proble-
legalistas, mais fundadas no ‘dever ser’ raciona- mas de sobrevivência passam a ser problemas
lista e não no ‘ser emocional’, estão elas tam- de vida, e a própria tecnologia deixa de ser a
bém alicerçadas em sentimentos, quais sejam a serva das necessidades imediatas do homem
solidariedade, o desejo de justiça e , principal- para converter-se em parceira de sua criativida-
mente, o ‘medo’ da nocividade do homem, que de...Só podemos pedir uma coisa aos homens e
‘precisa ser regulamentado, contido e reprimido’ mulheres livres do futuro: que nos perdoem por
para não se auto-destruir.” ter levado tanto tempo e ter sido uma ascensão
tão penosa’. Finalmente, o nosso destino está em
Traremos sempre a ideia de que todo o embasamen- nossas próprias mãos. Tal como a folha de papel
to justifica-se pela atualização do Direito Ambiental - en- em branco para um autor, assim o nosso futuro é
quanto tratado pelos aqui chamados direitos metaindi- para nós: podemos escrever o que desejarmos.”
viduais - frente aos outros ramos do saber e sua feição
vanguardista se comparado com outras linhas do Direito Passaremos, então, à caracterização do meio ambien-
propriamente dito. te e seus desdobramentos históricos, até chegarmos ao
Direito Ambiental Constitucional e às implicações dele de-
Para concluir esta introdução, transcrevemos a opinião correntes.
de EHRENFELD, que relata, muito sabiamente:

“Agora que o mito acabou, em que espécies de


Conferência de Estocolmo/72
coisas as pessoas acreditam? (...)
Acreditamos que o mundo necessita desespera- As preocupações com as causas ambientais no Brasil
damente de uma fonte limpa, econômica, segura não são novas e embora possamos registrar que desde a
e muito abundante de energia concentrada. (...) década de 30 havia sinais delas3, foi somente na década
Acreditamos que a perspectiva de controle do de 60 que ganhou força com uma considerável produção
pensamento através do uso de produtos quími- legislativa4.
cos e outros métodos científicos é assustadora,
sobretudo se o conhecimento das técnicas cair Claro que esta atenção ocorreu em razão do contexto
nas mãos erradas. (...) internacional que impulsionou os países a pensarem em
A humanidade está em marcha, a própria Terra políticas de alerta e de conscientização centradas num pri-
está ficando para trás. Grandes mudanças ocor- meiro momento na sobrevivência humana e do planeta e
rerão. no desenvolvimento sustentável num segundo momento.
Embora ainda não se possa prever todas elas,
sabemos pelo menos que o Sr. Acaso e a Mãe Todavia o Brasil, por diversos aspectos, teve papel de
destaque nessa história, o que muitos desconhecem, não

3. Revista Época. Na década de 1930, quando poucos falavam sobre o tema no Brasil, o jornalista Rogério Marinho já levantava a bandeira da preservação do meio
ambiente. Foi pela defesa da natureza que ele conheceu o Brasil. Na companhia do biólogo Paulo Nogueira Neto, secretário nacional de meio Ambiente entre 1974 e 1986,
Rogério Marinho sobrevoou o país em pequenos aviões com o objetivo de identificar áreas que pudessem ser transformadas em reservas ambientais no futuro.
4. “I Congresso Internacional para a Proteção da Natureza”, Paris, 1923; Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição do Mar por óleo, Londres, 1954. Decreto
lei 25/37 (Patrimônio Cultural), Decreto lei 794/38 (Código de Pesca), Decreto 23793/34 (1º Código Florestal), Decreto 24643 (Código das águas). Lei 4504/64 (Estatuto
da Terra); Lei 4771/65 (Código Florestal); Lei 5197/67 (Proteção à Fauna); Decreto Lei 221/67 (Código de Pesca); Decreto Lei 277/67 (Código de Mineração); Lei 5318/6
(Política Nacional de Saneamento), dentre outras. Coleção Saraiva Legislação. Legislação de Direito Ambiental. 2ª ed. Saraiva, São Paulo, 2009.

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só pela legislação vanguardista que produziu, mas tam- De outra sorte, esses eventos consagraram a ideia de
bém por sua atuação nas duas grandes conferências pro- que suas causas eram consequências da atividade humana
movidas pela ONU. e não fenômenos da natureza.

Relata-se5 que na primeira delas, os nossos represen- Assim, nasce a ideia do desenvolvimento sustentável,
tantes, nas reuniões preparatórias marcavam forte presen- ainda que sobre uma visão exclusivamente antropocêntri-
ça e mudaram os rumos de sua concretização, mobilizan- ca8.
do, inclusive, outros países nesse desfecho.
A ONU, então, destina ao biólogo Maurice Strong a ta-
Ocorre que, nas décadas de 60 e 70, alguns eventos refa de elaborar um estudo junto aos Estados, que anali-
de caráter impactante ao meio ambiente, despertaram no sasse os aspectos antecedentes e posteriores aos já então
mundo os interesses não só pelos motivos de suas ocor- chamados danos ambientais ou desastres ecológicos.
rências, seus reflexos e prejuízos, mas também pela ca-
racterística de serem danos não individualizados ou pon- Nessa tarefa, Strong tem em foco pontuar, por óbvio,
tuais. Eram danos de dimensões maiores, coletivos ou até os aspectos pertinentes à cada País, seja cultural, eco-
difusos, cujos desdobramentos ultrapassaram fronteiras e nômico ou político e como se disse, averiguar as causas
limites geográficos ou físicos. antecedentes ao fato e as medidas posteriores tomadas
pelos chefes das nações envolvidas.
Exemplos desses verdadeiros desastres ecológicos são
o naufrágio do Torrey Canyon em 1967, o vazamento de Para tanto, chama representantes de cada Estado para,
óleo no mar de Bhopal (Índia) por um navio que percorria em momentos diversos lhe fazerem um relato pessoal e
a região. Chamou a atenção o fato de este dano atingir com o que vai recebendo de informações, percebe a gra-
proporções maiores de que já se havia registrado e lamen- vidade da situação – uma vez que os danos ambientais
tavelmente causando danos ao ambiente marinho (fauna não eram pontuais e sim frequentes, assim considerados
e flora) irrecuperáveis. os danos aos recursos hídricos, ao solo, à fauna, à flora,
ao ar atmosférico, dentre outros – e a necessidade de se
Além desse, outros registros históricos que merecem realizar um grande encontro entre as nações para a troca
destaque, ainda que posteriores são : o caso de Cherno-
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de informações, porém, sobretudo, para lançar o alerta
byl, na Ucrânia, onde não só os trabalhadores daquela usi- de que o desenvolvimento a qualquer preço, ocorrido em
na nuclear, mas também os moradores do seu entorno e alguns países de primeiro mundo, gerara consequências
as gerações futuras foram vítimas desta catástrofe. desastrosas.

Muitos outros fatos desta natureza serviram para moti- O Brasil mesmo, nessa mesma época e no início da
var a ONU a desenvolver um estudo sério e criterioso para década de 70, vivia sobre a égide do desenvolvimento de-
apurar esses – pode-se assim dizer – fenômenos . 7
senfreado, a qualquer custo, pois o paradigma à época
era o de grandes obras, construções, empreendimentos
Os exemplos acima são emblemáticos para retratar o como sinônimo de País desenvolvido. Bons exemplos sãos
que vem a ser um dano sem fronteiras e o segundo o as construções de hidrovias, ferrovias e estradas que se
que vem a ser um dano que atinge presentes e futuras multiplicaram pelo País.
gerações.
5. NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do. Direito Ambiental Internacional. 2ª ed. Thex Editora, Rio de Janeiro, 2002, p.28.
6. SOARES, Guido Fernando Silva. 2ª ed. Atlas, São Paulo, 2003, p. 696-697.
7. O acidente industrial na cidade italiana de Seveso na Lombardia, em 1976, considerado o maior acidente industrial da Europa. O acidente com o satélite artificial
soviético “cosmos 924” de 1978.
8. MILARE, Edis. Direito do Ambiente, 6ª ed. RT, São Paulo, 2009, p.100. Antropocentrismo é uma concepção genérica que, em síntese, faz do homem o centro do universo,
ou seja, a referência máxima absoluta de valores (verdade, bem, destino ultimo, norma última e definitiva, etc.) de modo que ao redor desse “centro” gravitem todos os
demais seres por força de um determinismo fatal.

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Direito Ambiental Constitucional

Nasce então a ideia de se realizar na ONU uma Confe-


Princípios
rência Mundial voltada para equacionar o conflituoso binô-
mio “desenvolvimento e preservação ambiental”, através
A Conferência da ONU, como dito, ocorreu em 1972 na
de reuniões preparatórias que se iniciaram por volta de
cidade de Estocolmo e resultou dela um único documento,
1968 e que resultaram na “Conferência das Nações Unidas
aclamado como “Carta de Princípios” ou ainda “Declaração
sobre Meio Ambiente” de 1972 em Estocolmo, Suécia.
de Estocolmo”.

Como mencionado, nestas reuniões que antecederam


Trata-se de um ato internacional contendo 26 artigos,
a “Estocolmo/72” um de nossos representantes (....) sa-
todos eles principiológicos, não sancionatórios, verdadei-
lientou a preocupação de que os rumos tomados nas dis-
ras condutas éticas e quiçá orientadoras de regulamenta-
cussões e ideias ali colocadas eram equivocadas, uma vez
ção interna pelos países signatários.
que se reuniram ali Países de realidades diversas como se
assim não o fossem. Ou seja, colocaram países desenvol-
Destes artigos, até para fins metodológicos, pode-se
vidos, em desenvolvimento e subdesenvolvidos em uma
afirmar que muitos se ajustam formando um só princípio,
situação igualitária, o que não seria salutar para os objeti-
outros completam, se explicam mutuamente.
vos almejados, já que as que haviam alcançado o modelo
de desenvolvimento da época, ainda que com um custo
Não é por outra razão que mundialmente criou-se, ao
altíssimo; os demais, notadamente os segundos, onde se
que parece, um parâmetro, uma nomenclatura igualitária.
situava o Brasil, queriam alcançar o mesmo paradigma e
estavam, de fato, nessa empreitada.
No Brasil, além de constatarmos essa mesma carac-
terística, é fato encontrarmos esses princípios em nosso
Para os organizadores, em razão dos registros feitos
ordenamento jurídico, quer seja no âmbito constitucional,
por STRONG, a situação era crítica e como resultado a
que seja no âmbito infraconstitucional, como se observará
Conferência deveria resultar em sanções chanceladas por
mais adiante.
tratados a serem assinados e respeitados pelos participan-
tes. Verdadeira punição para os que dali em diante, cau-
Mas, em resumo, traduzem-se pela necessidade de se
sasse danos ecológicos sob a bandeira desenvolvimentista.
criar a cultura do desenvolvimento sustentável, com base
na conscientização (sensibilização, como preferem alguns)
Firmando seu posicionamento, o Brasil manifesta seu
e educação ambiental, mediante medidas preventivas e
desacordo, ainda mais pela desigualdade de tratamento
repressivas.
que se estabelecia e, desta forma, angaria adeptos, entre
representantes do segundo e do terceiro grupo. Em bloco
Resumidamente, portanto, citemos alguns deles:
se insurgiam contra os que comandavam os encontros e
ameaçam com sua retirada das reuniões e, via de conse-
a) Princípio do Desenvolvimento Sustentável: prin-
quência, da própria Conferência.
cípio 13 da Declaração de Estocolmo/72 que afirmava
que “a fim de lograr um ordenamento mais racional
STRONG, que era extremamente sensível a essas ma-
dos recursos e, assim, melhorar as condições ambien-
nifestações e sábio o suficiente para entendê-las e concor-
tais, os Estados deveriam adotar um enfoque integrado
dar com as mesmas, gerencia o conflito e sugere que o
e coordenado na planificação de seu desenvolvimento
encontro produza um documento de alerta e de posturas a
de modo a que fique assegurada a compatibilidade do
serem seguidas. Este é o berço dos “Princípios Ambientais”
desenvolvimento com a necessidade de proteger e me-
tão difundidos ainda hoje.
lhorar o meio ambiente humano, em benefício da po-
pulação”. “Na Declaração do Rio de 1992, a expressão

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Direito Ambiental Constitucional

desenvolvimento sustentável permeia todos os docu- inciso IV - exigir, na forma da lei, para instalação
mentos correlatos. Repetem-se várias vezes a expres- de obra ou atividade potencialmente causadora
são, o que dá ênfase a idéia de que o desenvolvimento de significativa degradação do meio ambiente,
econômico deve, necessariamente, incluir a proteção estudo prévio de impacto ambiental, a que se
do meio ambiente, em todas as suas ações e ativida- dará publicidade.”
des, para garantir a permanência do equilíbrio ecoló-
gico e da qualidade de vida humana, inclusive para as c) Princípio do Poluidor Pagador: “tendo como fun-
futuras gerações” . 9
damento o 13º princípio da Conferência do Rio/92, diz
o referido princípio: “Os Estados devem desenvolver
O princípio do desenvolvimento sustentável está no legislação nacional relativa a responsabilidade e indeni-
texto constitucional em destaque no caput do artigo 225, zação das vítimas de poluição e outros danos ambien-
que determina ser direito de todos a garantia ao meio am- tais”. Ainda em outro artigo, o 16º, este princípio vem
biente ecologicamente equilibrado, que deve ser protegido esclarecido: “Tendo em vista que o poluidor deve em
e preservado para as presentes e futuras gerações. princípio, arcar com o custo decorrente da poluição,
as autoridades nacionais devem procurar promover a
b) Princípio da Prevenção (Precaução ou cautela) internacionalização dos custos ambientais e o uso de
está inserido no Princípio 15 da Conferência do Rio/92 instrumentos econômicos levando na devida conta o
que assim prevê: “De modo a proteger o meio am- interesse público, sem distorcer o comércio e os inves-
biente, o princípio da precaução deve ser amplamente timentos internacionais”11.
observado pelos estados, de acordo com suas capaci-
dades”. Quando houver a ameaça de danos sérios ou O princípio do poluidor-pagador, correspondente de cer-
irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica ta forma ao Princípio da Responsabilização, está previsto
não deve ser usada como razão para proteger medidas no capítulo do meio ambiente e recebeu tratamento amplo
eficazes e economicamente viáveis para prevenir a de- pelo legislador constituinte, registrando-se, desde já, que
gradação ambiental. “Na Conferência de Estocolmo/72, adotou-se no nosso País a “tríplice responsabilização” para
o princípio da prevenção tem sido objeto de profundo as danos ou ameaças de danos ao meio ambiente.
apreço, içado à categoria de megaprincípio do direito
ambiental”10. Este tema – o da responsabilização ambiental – será
objeto de estudo em capítulo próprio do presente traba-
Já o princípio da prevenção, além do caput do artigo lho, todavia, cumpre esclarecer que o dano ou ameaça de
225 supra citado, também encontra guarida nos incisos do dano gera, por comando constitucional, a obrigatoriedade
parágrafo primeiro, de uma forma geral. Especificamente, de se apurar a responsabilização civil, penal e administra-
pode ser encontrado nos seguintes incisos: tiva, nos termos do parágrafo 3º do artigo 225:

“Artigo 225, parágrafo primeiro: Art. 225, parágrafo 3º: As condutas e atividades
inciso III – definir, em todas as unidades da Fe- consideradas lesivas ao meio ambiente sujeita-
deração, espaços territoriais e seus componen- rão os infratores, pessoas física ou jurídicas, a
tes a serem especialmente protegidos, sendo sanções penais e administrativas, independente-
a alteração e a supressão permitidas somente mente da obrigação de reparar os danos causa-
através de lei, vedada qualquer utilização que dos.”
comprometa a integridade dos atributos que jus-
tifiquem sua proteção;
9. GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. Atlas, São Paulo, 2009, p.53-54.
10. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental. 12ª ed. Saraiva, São Paulo, 2011, p. 117
11. SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de Direito Ambiental. 8ª ed. Saraiva, São Paulo, 2010, p. 126.

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d) Princípio da Participação: “O princípio 10 da De- serem desenvolvidas pelos Estados. Muitos dos princí-
claração do Rio, de 1992, a propósito da participação pios da Conferência do Rio, de 1992, tratam da Coope-
comunitária na tutela do meio ambiente, estabelecer ração (Princípio 5, Princípio 7)13.
que ‘a melhor maneira de tratar questões ambientais é
assegurar a participação no nível apropriado, de todos A cooperação entre os povos está garantida em forma
os cidadãos interessados’. O princípio da participação de princípio, no trato de questões internacionais pelo nos-
comunitária que não é exclusivo do Direito Ambiental, so País, e tem como objetivo o progresso da humanidade.
expressa a ideia de que, para a resolução dos proble-
mas do ambiente, deve ser dada especial ênfase à co- Como o presente estudo diz respeito à análise consti-
operação entre o Estado e a sociedade, através da par- tucional do meio ambiente, deixamos de analisar as previ-
ticipação dos diferentes grupos sociais na formulação e sões infraconstitucionais sobre os princípios norteadores,
na execução da política ambiental” . 12
para evitar de entrar na seara alheia, porém, não são pou-
cos os diplomas que poderíamos citar que discorrem sobre
O Princípio da Participação, igualmente, está previs- esses princípios e outros até, aqui não citados, por ques-
to no caput do artigo 225, já que impõe à coletividade o tões metodológicas.
dever de defender e preservar o meio ambiente para as
presentes e futuras gerações. Mecanismos de participação Tais princípios então deveriam ser seguidos e incorpo-
popular estão dispostos em diversos diplomas infraconsti- rados nas políticas e nos ordenamentos dos Países sig-
tucionais, mas acreditamos que um dos mais emblemáti- natários da “Convenção de Estocolmo/72” afins de que a
cos seja a realização das audiências públicas que antece- conscientização com relação ao respeito à natureza – para
dem, em alguns casos, a aprovação pelo órgão ambiental, garantia da sobrevivência da humanidade – efetivamente
de empreendimentos, obras e atividades consideradas le- ocorresse.
sivas, deixando que a manifestação popular ocorra antes
da concessão de qualquer licença ambiental. O Brasil cumpriu a tarefa, ao menos no que diz respeito
a inserir no arcabouço legislativo os princípios norteadores
No âmbito constitucional, ainda, poderíamos citar o in- do que hoje chamamos “Direito Ambiental”.
ciso XXXIII do artigo 5º que garante que todos possam
obter dos órgãos públicos, informações de seu interesse
particular, coletivo ou geral, o que se aplicaria à causa
Conferência do Rio de Janeiro de 1992
ambiental, notadamente quando se quer conhecer sobre
determinado empreendimento e seus estudos prévios de Após a Conferência a expectativa era grande no sentido
impacto ambiental. de que as causas geradoras de danos ao meio ambiente –
até então compreendido somente em seu aspecto natural
e) Princípios da Cooperação: “A Conferência de Es- – não só diminuíssem como fosse aplacado pela adoção
tocolmo, 1972, estabelece, no que toca à cooperação, de medidas desenvolvimento sustentável em todos os se-
dois dispositivos, um tratando da cooperação, na efe- tores, além, é claro, da sensibilização de todos.
tivação da responsabilidade por danos, outro dando
ênfase à necessidade de cooperação para ações con- Infelizmente não foi o que ocorreu. Passados alguns
juntas”. Fica explicitada no princípio 22 da Conferên- anos, os danos ambientais não só aumentaram como se
cia a obrigação de criar regras de direito internacional “diversificaram”, mostrando que não eram somente a fau-
visando facilitar a responsabilização e a efetividade das na e a flora, o ar e a água que mereciam atenção, mas
indenizações por danos que um Estado venha a causar também a saúde, a cultura e o ambiente urbano.
a outro. Já o princípio 24, cuida das ações conjuntas, a
13. GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. Atlas, São Paulo, 2009, p.59

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Resultado: novamente a ONU convoca através da As- O Brasil, mais exatamente o Rio de Janeiro é escolhido
sociação Geral, a criação de uma Comissão presidida pela para realizar essa segunda Conferência e ela de fato acon-
médica GRO HARLEM BRUNDTLAND para desenvolver um tece em 1992, ou seja, exatos 20 anos após Estocolmo.
estudo profundo aos moldes do que antecedeu a Confe-
rência de 72 para identificar causas, medidas e caracterís- Desnecessário citar o papel de destaque de nosso país
ticas das novas ocorrências prejudiciais ao meio ambiente, nessa reunião mundial. Quem participou teve a oportu-
ao planeta e ao ser humano14. nidade de assistir a um dos encontros culturais de maior
diversidade que já existiu e com uma motivação pra lá de
Cabe registrar que esses fatos não tinham mais a feição nobre.
de grandes catástrofes – ou até tinham, mas acostumados
com eles, não se dava a devida importância. Ainda que Como dessa vez questões diferentes ao patrimônio his-
coletivamente considerados, ou de massa, com prejuízos tórico, artístico e cultural, ao espaço urbano construído, ao
socializados, tais danos se repercutiam em todas as esfe- ambiente de trabalho, além de fauna e flora, foram inse-
ras sociais como fatos preocupantes para a sobrevivência ridos no contexto, o que se viu foi uma multiplicidade de
humana e do planeta e, além disso, fatos que interferiam gentes, povos, nações, reunindo desde pequenos grupos
na qualidade de vida das pessoas. que existiam sua identidade até cientistas e governantes
de destaque internacional.
BRUNDTLAND adotou uma postura ativa, já que ao in-
vés de receber os países, ia até eles para averiguar “in A “ECO/92”, como ficou conhecida foi um sucesso e
loco” a característica peculiar de cada um deles na “pro- como produtos lançou cinco documentos de extrema im-
dução” desses danos. Obvio que também tinha a preocu- portância para o planeta e o homem tendo como norte a
pação de registrar as iniciativas positivas de combate à “Qualidade de vida” , além de estabelecer a obrigatorieda-
poluição, desmatamento, degradação, etc. de de se realizar futuramente, mais exatamente após 10
anos, novo encontro com os mesmos propósitos e também
Por fim, passava muito tempo nas Nações escolhidas e como forma de se averiguar a real aplicação das medidas
ao final sua missão produziu um documento que chocou e práticas ali adotadas.
o mundo a época, que ficou conhecido como “relatório
BRUNDTLAND”, pela constatação de que tudo estava pior Resumidamente, podemos pontuar e explicar os docu-
do que se imaginava, pois nem as Nações haviam seguido mentos da “Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
a cartilha ambiental de Estocolmo, nem haviam tomado Ambiente e Desenvolvimento”, com base nas informações
quaisquer medidas positivas de enfrentamento à degrada- trazidas pelo Embaixador Geraldo Eulálio15.
ção ambiental e, acrescia-se a esse contexto o fato de que
a sustentabilidade do Planeta estava severamente amea- a) Declaração do Rio sobre meio Ambiente e Desen-
çada. volvimento, com 27 princípios, ou seja, um a mais do
que a Declaração de Estocolmo, ratificando os princípios
Com a divulgação do relatório, todos perceberam que anteriores, demonstrando, assim, que a 1ª Conferência
se não fossem todas medidas urgentes o futuro da huma- ditou as regras corretamente, mas infelizmente não fo-
nidade estava comprometido de tal forma que a continui- ram seguidas. Com esse documento, consagram-se as
dade de nossa existência era objeto de dúvida. regras do direito ambiental internacional, dentre elas a
soberania de exploração dos Estados e seus recursos
Por tais motivos é que, mais uma vez a ONU decide naturais, porém, dentro dos ditames ambientalistas;
pela realização de um novo encontro entre os países sig- a responsabilização ambiental; a elaboração e efetiva
natários e desta vez a conduta a ser adotada será de alerta aplicação de legislação ambiental interna nos Estados.
total, com medidas sancionatórias radicais.

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Direito Ambiental Constitucional

b) Agenda 21: verdadeira agenda de medidas a se- ção e o uso da ´[água, o acesso à água potável, ao sane-
rem tomadas até a entrada do século 241 pela nações amento e ao controle de substâncias químicas nocivas”16.
signatárias da Conferência com o intuito principal de
diminuir a poluição de uma forma geral. Deveria ser Talvez, o principal comprometimento feito pelos países
adotada em todas as esferas administrativas e políticas participantes tenha sido o de reduzir pela metade a popu-
dos países. lação sem acesso à água potável e ao saneamento básico
e isso deve ocorrer até o ano de 2015.
c) Convenção sobre Mudança Climática: estabele-
cer normas para redução do lançamento do dióxido de
carbono na atmosfera e de outros gases geradores do BEM AMBIENTAL
chamado efeito estufa, implicando desta feita, na redu-
ção de fontes poluentes (emissões industriais, explo-
ração de petróleo, emissão por veículos automotores, Conceito e Abrangência
dentre outros).

O Bem Ambiental, objeto de estudo do Direito Ambien-


d) Convenção sobre a Diversidade Biológica: para
tal reveste-se de características peculiares e transdiscipli-
a preservação de espécies animais e vegetais em seu
nares, se assim podemos afirmar, no sentido de significar
“habitat” natural e também para o aproveitamento de
a sua natureza jurídica e abrangência, respectivamente.
recursos da biodiversidade e seu patrimônio genético.

Característica peculiar, porque retrata a existência de


e) Declaração de Princípios sobre Manejo de Flo-
uma nova categoria cuja natureza jurídica escopa a antiga
restas: verdadeiros postulados para a conservação e
dicotomia público-privado, tão clássica do direito.
exploração das florestas, quase um acordo de cava-
lheiros.
Arriscaríamos afirmar que foi o estudo do bem ambien-
tal que desencadeou a percepção de que aquela dicotomia
Por fim, registramos a ocorrência de mais dois encon-
não servia mais para os novos direitos, bens e interesses.
tros de destaque no contexto internacional e resultante
diretos da Conferência do Rio de 1992.
Tal percepção se dá não só pelo que acreditamos hoje
com base na doutrina mais qualificada, mas com base
Trata-se da “Rio + 5”, ocorrida 5 anos após, em Nova
mesmo no texto percursor dessa ideia, tido como marco
York, com o objetivo de se fazer uma análise geral dos
histórico no desencadear dessas ideias, do jurista italiano
resultados obtidos pelos países signatários na adoção de
Mauro Cappelletti, “Formação Sociais e interesses coleti-
documentos retro mencionados e a “Rio + 10” com o mes-
vos diante da Justiça Civil”17.
mo objetivo e também para avaliar a adoção de outros
documentos produzidos até então, a exemplo do protocolo
Para ele:
de Quioto aprovado em 1997 no Japão.

“Não era mais possível solucionar litígios apega-


A “Rio + 10” foi realizada na África do Sul, na cidade de
dos à velha concepção de cada indivíduo poderia
Johannesburgo e os principais temas de destaque foram
ser proprietário de um bem. Ou pro outro lado,
“o acesso à energia limpa e renovável, as conseqüências
se o bem não fosse de apropriação, que ele seria
do efeito estufa, a conservação da biodiversidade, a prote-
gerido por uma pessoa jurídica de direito público

16. GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. Atlas, São Paulo, 2009, p.49.
17. Revista de Processo. RT 5:7. 1977.

10
Direito Ambiental Constitucional

interno, de modo que a tutela de valores como permite, abrigar e reger a vida em todas as suas
a água, o ar atmosférico, o controle de publici- formas”24.
dade enganosa e abusiva, a saúde, etc, também
caberia a esse mesmo gestor, que seria respon- Deste conceito se extrai a extensão do conteúdo pro-
sável tanto pela administração dos bens como tegido pela nossa legislação e sua adequação com o que
pela tutela desses valores, caso sua gestão fosse mundialmente se concebeu.
defeituosa. Por evidência isso representava um
absurdo”18. A Carta Magna de 1988 também utiliza a nomenclatura
“meio ambiente”, o que para alguns é redundante, dedi-
Surgem assim os chamados bens de uso comum do cando capítulo próprio à questão e a atualidade daquela lei
povo , ou transindividuais , coletivos ´latu sensu´
19 20 21
ou é tamanha que mesmo anos depois foi recepcionada pela
ainda difusos . 22
Constituição Federal de 1988, regulamentando mesmo o
artigo 225.
Transdiciplinariedade porque, para seu estudo, indis-
pensável o auxílio de outras ciências para nos fazer com-
preender sua extensão, seu conteúdo e seu significado.
Classificação do Meio Ambiente

O bem jurídico protegido aqui é o meio ambiente e A doutrina, como já se afirmou, disciplinou uma divisão
como tal tem abrangência ampla. do bem ambiental em facetas, exclusivamente para fins
metodológicos, posto que o bem ambiental é indivisível e
A doutrina e a legislação brasileira primam em apresen- tem como meta a qualidade de vida.
tar seu significado e uma classificação que para fins me-
todológicos tem sido a mais eficaz, inclusive incorporada
em nossa legislação, desde a Constituição Federal, como Assim, sendo, apresentamos essa classificação com
demonstraremos mais a frente. base na melhor doutrina. Insta salientar que essa classifi-
cação encontra guarida em nossa legislação pátria, consti-
Para Rui Carvalho Piva23 “bem ambiental é um valor tucional e infraconstitucional:
difuso, imaterial ou material, que serve de objeto mediato
a relações jurídicas de natureza ambiental”.
a) Meio Ambiente Natural: envolve além da flora e
O bem ambiental, ou melhor, o meio ambiente juridi- fauna, atmosfera, água, solo, subsolo e os elementos
camente protegido recebe em nosso ordenamento jurídico da biosfera, bem como os recursos minerais. Enfim,
tratamento ímpar e tem seu conteúdo definido em lei, a toda forma de vida é considerada integrante do meio
saber: ambiente, em suas diversas formas de manifestação25.

“Artigo 3º, inciso I - meio ambiente: constitui b) Meio Ambiente Cultura: seu conteúdo está in-
o conjunto de condições, leis, influencias e inte- serto no artigo 216 da Constituição Federal e em resu-
rações de ordem física, química e biológica, que mo refere-se as criações artísticas, tecnológicas, obras,
objetos, documentos, edificações, patrimônio arque-

19. Ibidem. P. 3 e 4.
20. SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de Direito Ambiental. 8ª ed. Saraiva, São Paulo, 2010, p. 115.
21. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental. 12ª ed. Saraiva, São Paulo, 2011, p. 56.
22. PIVA, Rui Carvalho. Bem Ambiental. Max Lemond, São Paulo, 2000, p.174.
23. Ibidem, p. 114
24. Ibidem, p. 114
25. Coleção Saraiva – Legislação de Direito Ambiental. 2ª ed. Saraiva. 2009.

11
Direito Ambiental Constitucional

ológico, artístico, paisagístico, dentre outros.. Fiorillo


Natureza Jurídica
“romanceia” o conceito ao tratá-lo como “o bem que
traduz a história de um povo, a sua formação, cultura e
Quando Cappelletti iniciou seus estudos sobre um novo
portanto, os próprios elementos identificadores de sua
ramo do Direito, talvez não soubesse que desencadearia
cidadania, que constitui princípio fundamental nortea-
um novo tempo para as relações jurídicas, moderno e efi-
dor da República Federativa do Brasil26.
caz. E nós brasileiros também não sabíamos que seriamos
tão felizes em nossa abordagem, quer seja pelos pensa-
c) Meio Ambiente Artificial: nos dizeres de Milaré,
dores, quer pelos legisladores, quer seja pelos aplicadores
“opondo-se e contrapondo-se ao elemento natural apa-
de direito.
rece o elemento artificial, aquele que não surgiu em
decorrência de leis e fatores naturais, mas, por proces-
O Brasil é o único em termos legislativos, doutrinários
sos e moldes diferentes, proveio da ação transforma-
e jurisprudenciais no trato da questão; criou um arcabou-
dora do homem”27.
ço normativo eficaz para a tutela dos chamados “direitos
difusos e coletivos” (artigo 81, incisos I e II Código do
d) Meio Ambiente do Trabalho: trata-se da relação
Consumidor), nele inserido o bem ambiental, bem como
empregado-ambiente de trabalho; difere do objeto de
solidificou o posicionamento doutrinário em belíssimas de-
tutela da CLT que é a relação empregador-empregado.
cisões jurisprudenciais.
Nas palavras de Sirvinskas o meio ambiente do traba-
lho “está diretamente relacionado com a segurança
Uníssono o entendimento de que nosso País possui um
do empregado em seu local de trabalho.(...) onde o
sistema de defesa dos bens coletivamente considerados
trabalhador desenvolve suas atividades”28. Ousaríamos
inigualável e vanguardistas ao tempo em que Cappelletti,
acrescentar, pois além da segurança, preocupa-se com
Bobbio, ainda pensavam no tema.
a saúde do trabalhador e questões de insalubridade
e periculosidade, em nosso entender, vai além do pa-
Desta feita, cumpre registrar que é no Código do Con-
gamento adicional e atinge indenização pautada na
sumidor que encontramos os contornos exatos dos bens
qualidade de vida do empregado que passa, na grande
difusos e coletivos e é nesse contexto que o bem ambien-
maioria das casas, maior tempo de seu dia no seu local
tal tem definida a sua natureza jurídica.
de trabalho.

Vejamos:
Essa classificação, insta salientar, é aceita maciçamente
pelos doutrinadores que se debruçam no estudo do Direito
“Artigo 81. A defesa dos interesses e direitos dos
Ambiental, os jurisambientalistas, variando de forma não
consumidores e das vítimas poderá ser exercida
representativa no entendimento de poucos.
em juízo individualmente, ou a título coletivo”29.

Preocuparam-se também nossos juristas, bem como


O bem ambiental é transindividual, pois sua defesa
nossos legisladores em definir outros tantos aspectos con-
transpassa a figura de um só individuo, é ainda indivisível,
tidos dentro dessa classificação, ou seja, cada aspecto am-
pois não se reparte em nenhuma de suas facetas nem no
biental, fauna, flora, cultura, função social da propriedade
seu objeto (qualidade de vida), além de ser indisponível,
urbana e rural, dentre outros tem significação normativa
possui titulares indeterminados em seus aspectos difuso
e científica.
(“erga omnes”) e determinados e determináveis em seu
aspecto coletivo (“ultra partes”).
26. Ibidem.
27. MILARE, Edis. Direito do Ambiente, 6ª ed. RT, São Paulo, 2009, p.833.
28. SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de Direito Ambiental. 8ª ed. Saraiva, São Paulo, 2010, p. 115.
29. BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. 1990.

12
Direito Ambiental Constitucional

A partir daí, desenvolve-se não só uma teoria de direito vância da soberania popular, o que se concretiza através
material, mas também de caráter processual para a tutela de alguns instrumentos como o plebiscito, o referendo e a
dos bens coletivos em sentido amplo quer seja preventi- iniciativa popular.
va, quer seja repressiva, o mesmo ocorrendo com o bem
ambiental que se utiliza desse sistema para minimizar ou No artigo 5º da Constituição Federal de 1988 temos
reprimir ou ainda sancionar os donos a ameaça de danos garantido o direito à VIDA.
a ele direcionados.
E dentro de uma interpretação sistemática e conjunta
Essa análise mais aprofundada será feita mais adiante de todos os dispositivos constitucionais, resta citar o artigo
no estudo do Direito Constitucional Ambiental. 225 que declara serem todos titulares do direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, cabendo não só ao
Mas cabe ressaltar aqui a efetiva normatização ambien- Poder Público, mas também à comunidade participativa o
tal processual coletiva vigente, composta pelo Código De- dever de defendê-lo e preservá-lo. A CF/88, como é cedi-
fesa do Consumidor e a Lei Ação Civil Pública, em primeiro ço, representou a transição entre o Estado Liberal e a ins-
plano e acrescida da Ação Penal, Mandado de Segurança talação do Estado Social e com isso, aquela centralização
Coletivo, Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Direta dos direitos no indivíduo ficou ao lado da valorização do
de Constitucionalidade em especial. ente coletivo. Os chamados direitos sociais foram valori-
zados, alçados a determinação constitucional e neles se
Do ponto de vista ambiental, qualquer explanação nes- insere o bem ambiental.
se sentido seria insuficiente, posto que, como já se disse,
inúmeras normas tratam do bem ambiental em seu aspecto Também os direitos fundamentais, velhos conhecidos,
subjetivo e o rol legislativo é quase interminável. Além das foram confirmados e ampliados, o que por óbvio incluiu o
normas já citadas no início desta – Código Florestal, Códi- meio ambiente.
go das Águas, Código de Proteção à Fauna – citemos ainda
a Política Nacional do Meio Ambiente (lei 6.938/81), Políti- Já no primeiro artigo, o que pauta os princípios for-
ca Nacional de Recursos Hídricos (lei 9.433/97), o Sistema madores da República Federativa do Brasil traça a Carta
Nacional de Unidades de Conservação (lei 9.985/2000). Magna coloca a dignidade da pessoa humana como tema
de relevância, vez que sem o respeito a ela, nossa Repú-
O bem ambiental é natural, é cultural, é artificial, é do blica se abala.
trabalho, mas acima de tudo é qualidade de vida, conte-
údo inserto no artigo 6º da Constituição Federal de 1988. “Art. 1º A República Federativa do Brasil, forma-
da pela união indissolúvel dos Estados e Municí-
pios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
DIREITO AMBIENTAL CONSTITUCION- Democrático de Direito e tem como fundamen-
AL GERAL tos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
Disciplina III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre ini-
ciativa;
Preambularmente, a Carta Magna determina ser nos-
V - o pluralismo político.
sa Nação um exemplo de Estado Democrático de Direito,
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo,
o que corresponde à ideia de que se deve assegurar o
que o exerce por meio de representantes elei-
exercício dos direitos sociais e individuais com a obser-

13
Direito Ambiental Constitucional

tos ou diretamente, nos termos desta Constitui- camente equilibrado para as presentes e futuras
ção” .30
gerações”34.

Sem dignidade não há que se falar em cidadania, quali- “Com relação aos princípios do direito ambiental
dade de vida, ambiente saudável, respeito ao ser humano em sentido estrito, merece destaque – até por-
e ao ambiente com o qual interage e cumpre suas funções. que, em certa medida, engloba os demais – o
princípio do ambiente ecologicamente equilibra-
A ideia de que a vida digna deve ser um norte, não é do como direito fundamental da pessoa humana,
de hoje e tem como fundamento remoto a Declaração Uni- , que está expresso no caput do art. 205 da
versal dos Direitos Humanos, de 10/12/1948. Como fun- Constituição de 1988 – e serve de vetor para
damento próximo, as cortes constitucionais da atualidade, orientar as ações do Poder Público, definidas no
como as da Alemanha, Itália, Espanha e Portugal . 31
§ 1º desse preceito constitucional”35.

Vida digna é vida com qualidade. E ainda:

Vida com qualidade é vida sadia, sob o ponto de vista “A concepção “essencial à sadia qualidade de
do lazer, da saúde, da moradia, da educação, do trabalho, vida” reporta-se aos destinatários da norma
da segurança, da previdência social, conforme determina constitucional, que somos todos nós. (..) Por
o artigo 6º da CF/88, a saber: conta dessa visão, devemos compreender o que
seja essencial, adotando um padrão mínimo de
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saú- interpretação ao art. 225 em face dos dizeres
de, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, do art. 1º, combinado com o art. 6º da Cons-
a segurança, a previdência social, a proteção à tituição Federal, que fixa o piso vital mínimo.
maternidade e à infância, a assistência aos de- (...) E é exatamente por conta dessa visão que
samparados, na forma desta Constituição” . 32
apontamos o critério de dignidade da pessoa hu-
mana, dentro de uma visão adaptada ao direito
A disciplina constitucional para a questão parte então ambiental, preenchendo o seu conteúdo com a
desse pressuposto da dignidade da pessoa humana (art. aplicação dos preceitos básicos descritos no art.
1º, III) e tem em foco os direitos sociais garantidores dela 6º da Constituição Federal”35.
(art. 6º, caput)
Cumpre registra que o Brasil foi inovador sobremanei-
Essa é a posição de alguns autores de destaque, que ra, se comparado com outros Países, no que tange à dedi-
nos ensinam nesse sentido o fortalecimento da base de cação ao tema no âmbito constitucional.
estudo da disciplina constitucional voltada à questão am-
biental. Na verdade, se antecipou à própria história, pois en-
quanto o mundo ainda tentava entender o que a Conferên-
“Buscaremos estabelecer um equilíbrio entre os cia de Estocolmo, de 1972, quis legar, nossos governantes
direitos humanos, o direito ao desenvolvimento começaram a tecer a nossa Carta Maior e levaram em con-
e o direito a um meio ambiente sadio e ecologi- ta a importância da questão ambiental em seu texto.

30. BRASIL. Constituição Federal. 1988


31. MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. “Curso de Direito Constitucional”. Saraiva, São Paulo, 2007, p. 143 e 144.
32. BRASIL. Constituição Federal. 1988.
33. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13ª ed. Saraiva, São Paulo, 2009, p. 846.
34. MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. “Curso de Direito Constitucional”. Saraiva, São Paulo, 2007, p. 143 e 144.
35. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental. 12ª ed. Saraiva, São Paulo, 2011, p. 65.

14
Direito Ambiental Constitucional

E o que é mais relevante, não pensou em dedicar capí-


sileiras
tulo próprio apenas ao Meio Ambiente (art. 225, parágra-
fos e incisos), mas sim se lembrar dele a todo tempo, de
Como registrado anteriormente, poucos países inse-
forma sistemática e surpreendente.
riram em suas constituições a preocupação com o meio
ambiente, logo após a Conferência de Estocolmo, toda-
Desnecessário dizer que quando da realização da Con-
via, os que o fizeram, imprimiram as principais ideias dela
ferência do Rio, em 1992, o Brasil tinha muito a ensinar,
resultantes, tais como os conceitos de desenvolvimento
notadamente em termos legislativos constitucionais e in-
sustentável, poluição e poluidor, a ideia também de que
fraconstitucionais.
caberia ao Estado a implementação de políticas públicas
nesse sentido e a participação ativa da comunidade para
Há quem afirme que fomos praticamente pioneiros e
a preservação ambiental para benefício das presentes e
com nosso exemplo, alguns países reformularam a seus
futuras gerações.
modos, suas Cartas Constitucionais, para fazer o mesmo.

A exemplo, citemos:
Segundo relato de CANOTILHO e LEITE36 sob a influên-
cia de ESTOCOLMO, a preocupação com o meio ambiente
foi inserida nas novas constituições da Grécia (1975), Por-
• Art. 24 da Constituição da Grécia:
tugal (1976), e Espanha (1978). Em seguida, países como
o Brasil, fizeram o mesmo. Somente após a Conferência
“I) A proteção do meio ambiente natural e cul-
do Rio de Janeiro, em 1992, outros Países incorporaram a
tural consitui uma obrigação do Estado. O Es-
idéia em seus textos constitucionais.
tado tomará medidas especiais, preventivas ou
repressivas, com o fim de sua conservação. Alei
O momento era propício, obviamente, pois ao término
regula as formas de proteção das florestas e es-
da Conferência de Estocolmo, com uma participação ativa
paços com arborizados em geral. Está proibida a
e de destaque dos nossos representantes, começamos a
modificação da afetação das florestas e espaços
elaborar nossa Constituição que seria promulgada com a
arborizados patrimoniais, salvo se sua explora-
aclamação popular, reflexo do movimento das “Diretas Já”.
ção agrícola tiver prioridade do ponto de vista da
economia nacional ou de qualquer outro uso de
Assim, a Assembleia Nacional Constituinte tinha diver-
interesse público.37”
sos assuntos importantes para se preocupar durante a ela-
boração do documento que resultaria na nova fonte inspi-
• Art. 66 da Constituição de Portugal:
radora do nosso novo País, mas não esqueceu a defesa e
a disciplina do Direito Ambiental.
“1. Todos tem direito a um ambiente de vida
humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o
O fez com maestria, insistimos, pois se só tivesse, à
dever de o defender. 2. Incumbe ao Estado, por
época, inserido o Capítulo do Meio Ambiente, estaríamos
meio de organismos próprios e por apelo e apoio
ainda assim sendo inovadores. Mas o Brasil fez melhor, do
a iniciativas populares: a) prevenir e controlar a
início ao fim de seu texto encontramos a lembrança para
poluição e os seus efeitos e as formas prejudi-
com o tema e desta forma, se superou.
ciais de erosão; (...) c) criar e desenvolver reser-
vas e parques naturais e de recreio, bem como
Direito Comparado e Constituições Bra- classificar e proteger paisagens e sítios, de modo

36. CANOTILHO, José Joaquim Gomes e LEITE, José Rubens Morato. Direito Constitucional Ambiental. Saraiva, São Paulo, 2007, p. 61 e 62.
37. Ibidem.

15
Direito Ambiental Constitucional

a garantir a conservação da natureza e a preser- Já a Carta da Iugoslávia, de 1974, garante ao homem


vação de valores culturais de interesse históri- um ambiente sadio, com condições necessárias ao exercí-
co ou artístico; d) promover o aproveitamento cio desse direito garantidas pela comunidade social. Dis-
racional dos recursos naturais, salvaguardando pões sobre a exploração do solo, das águas e de outros
a sua capacidade de remoção e a estabilidade recursos naturais41.
ecológica”38
A França, mais recentemente (2005), adotou a “Charte
• Art. 45 da Constituição da Espanha: de l’environnement” que expressamente traz o conceito do
desenvolvimento sustentável, adotando ainda os institutos
“1) Todos tienen el derecho a disfrutar de um do princípio da precaução e da diversidade biológica.
médio ambiente adecuado para el desarrollo de
la persona, así como el deber de conservalo; 2) Registre-se também a Argentina - segundo nos ensina
Los poderes públicos velarán por la utilización ainda CANOTILHO42 na mesma obra - que em sua Consti-
racional de todos los recursos naturales, com el tuição pós Conferência do Rio, publicada em 1994, inseriu
fin de proteger y mejorar la calidad de vida y de forma inequívoca as mesmas questões.
defende y restaurar el médio ambiente, apoyán-
dose em la inexcusable solidariedade colectiva; No que tange ao tratamento constitucional dado pelo
(...)” .
39
Brasil ao tema, já dissemos que, sob a influência de Es-
tocolomo/72, nossa Constituição atual veio recheada de
De forma mais tímida, até porque não tão influencia- previsões e comandos sobre a matéria, todavia, há que se
das por Estocolmo, mas talvez por discussões e encontros verificar se anteriormente nada ou muito pouco havia sido
que a antecederam, Chile, Panamá e Iugoslávia inseriram feito nesse sentido.
em suas Constituições referências ao meio ambiente e sua
proteção. Segundo MILARÉ43, ainda, a Polônia, através de Emen-
da Constitucional, em 1976, dedicou proteção aos elemen-
tos naturais e atribui aos cidadãos o direito de usufruir de
A Constituição do Chile de 1972: um ambiente natural e o dever de defende-lo”. Na Cons-
tituição da Argélia (1976) há menção a uma política de
“assegura a todas as pessoas um ambiente livre ordenamento do território, do ambiente e da qualidade
de contaminação, impondo ao Estado o dever de vida. Na Carta Chinesa (1978) há proteção do meio
de velar para que esse direito não seja transgre- ambiente e dos recursos naturais por incumbência do Es-
dido; faculta-se ao legislador estabelecer restri- tado, que deve tomar medidas de prevenção de combate
ções específicas ao exercício de determinados di- à poluição. Por fim, cita o autor a Carta do Peru, de 1980,
reitos ou liberdades, restrições essas tendentes também como documento que reforça o meio ambiente
à proteção do ambiente” . 40
saudável e ecologicamente equilibrado como garantidor
do desenvolvimento sustentável, tendo o Estado como
A Constituição do Panamá, de 1972 também, estabele- responsável pela prevenção e combate à poluição ambien-
ce o dever do Estado para com o meio ambiente sadio e o tal. Na mesma linha, seguem as Constituições de El Sal-
combate à poluição. vador (1983), da Guatemala (1985) e do México (1987).44

38. Ibidem
39. Ibidem
40. MILARE, Edis. Direito do Ambiente, 6ª ed. RT, São Paulo, 2009, p.146.
41. Ibidem.
42. CANOTILHO, José Joaquim Gomes e LEITE, José Rubens Morato. Direito Constitucional Ambiental. Saraiva, São Paulo, 2007, p. 61 e 62.
43. MILARE, Edis. Direito do Ambiente, 6ª ed. RT, São Paulo, 2009, p.147.
44. Ibidem

16
Direito Ambiental Constitucional

Feitas essas considerações, passemos a análise do his-


tórico Constitucional brasileiro acerca da proteção ambien- Nessa linha, citemos MAZZILLI, doutrinador nacional,
tal, anteriormente à CF/88. que sobre o tema discorre:

De fato, nenhuma constituição brasileira anterior fez “Entre o interesse público e o interesse privado,
referência expressa à proteção do meio ambiente, da qua- há interesses metaindividuais ou coletivos ( lato
lidade de vida, ou ainda dos recursos naturais. Se qui- ), compartilhados por grupos, classes ou catego-
séssemos destacar algum dispositivo que se relacionasse, rias de pessoas. São interesses que excedem o
ao menos, com o tema, o faríamos somente a partir da âmbito estritamente individual, mas não chegam
Constituição de 1934. a constituir interesse público”46

As anteriores, Constituição do Império de 1824 e Cons- E ainda MARIZ DE OLIVEIRA, citado por SMANIO:
tituição Republicana de 1891, em nada contribuíram efe-
tivamente. “A sociedade em que vivemos é totalmente di-
versa das sociedades de séculos passados,
A Constituição de 1934 dedicou proteção às “belezas havendo nela interesses e direitos que não se
Naturais, ao patrimônio histórico, artístico e cultural; con- enquadram com precisão entre os de natureza
feriu à União competência para a exploração dos recursos individual e os de natureza pública. A verdade é
naturais”. A Constituição de 1937 segue a mesma linha. Já que há interesses e direitos que não pertencem
a Constituição de 1946, modifica apenas a proteção desses nem ao indivíduo e nem ao Estado, mas cuja
bens, relegando-os ao ‘Poder Público’, de forma genérica. existência é inegável. Situam-se eles, na realida-
Na Constituição de 1967, há previsão de amparo à cultura de, entre ambos, pertencendo a grupos, catego-
como dever do Estado e de proteção especial pelo Poder rias de indivíduos, enfim a grupos ou formações
Público dos “monumentos e paisagens naturais notáveis, intermediárias, os quais, ante algumas liberda-
bem como as jazidas arqueológicas”. A EC/69 somente des fundamentais que são outorgadas pela pró-
inova ao inserir o vocábulo “ecológico” em seu texto . 45
pria Constituição, julgam-se com direito à tutela
jurisdicional”47.

O Bem Ambiental na Constituição A Carta de 88 reconheceu a existência dos direitos di-


fusos e coletivos de forma expressa em dois dispositivos,
Como vimos no item II do presente estudo, o bem a saber:
ambiental tem natureza difusa e essa concepção está na
Constituição. “Art. 5º, inciso XXXIII – todos têm direito a rece-
ber dos órgãos públicos informações de seu in-
Lembrando os ensinamentos doutrinários, sabemos teresse particular, ou de interesse coletivo
que os chamados direitos difusos e coletivos surgiram para ou geral, que serão prestadas no prazo da lei,
atingir uma categoria de bens e interesses que não per- sob pena de responsabilidade, ressalvadas aque-
tenciam nem ao Direito Público e nem ao Direito Privado. las cujo sigilo seja imprescindível à segurança da
sociedade e do Estado.”
Eram bens que estavam desprotegidos porque, justa-
mente, ainda não se havia disciplinado a sua tutela, o que
começou com CAPPELLETTI e outros autores.
45. Ibidem
46. MAZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. Saraiva. 2002. P. 44.
47. SMANIO, Giampaolo Poggio. A tutela penal dos interesses difusos. Atlas, 2000, p. 11

17
Direito Ambiental Constitucional

Percebemos nitidamente que paralelamente ao particu- No atual sistema de proteção jurídica ao meio ambien-
lar, prevê o legislador a existência de um interesse que é te, do ponto de vista material estamos bem servidos, já
coletivo e outro que é difuso (geral). que a Constituição dá o comando e a legislação infracons-
titucional – que é farta – complementa. Do ponto de vista
De forma mais contundente, outro dispositivo nos ga- processual, o mesmo se processa, vez que a Constituição
rante o reconhecimento constitucional da existência dos prevê os instrumentos de tutela coletiva e a legislação in-
direitos difusos e coletivos, qual seja: fraconstitucional, mais uma vez, cumpre seu papel.

“Art. 129, inciso III – São funções institucionais Assim, todos os recursos ambientais merecem guarida
do Ministério Público: em nosso ordenamento e os diplomas citados no início
(...) deste trabalho são só uma pequena amostra de que em
III – promover o inquérito civil e a ação civil pú- nosso País, qualquer bem ambiental está devidamente
blica, para a proteção do patrimônio público e protegido por lei.
social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos.48” Quanto aos instrumentos, além de trazer para o âm-
bito constitucional todas as espécies de ação coletiva, fez
Inegável, portanto, que o constituinte quis trazer para com que as ações já regulamentadas antes do advento
o novo ordenamento jurídico esse tertium genu de bens da Constituição fossem por ela recepcionadas, exceto, é
e interesses que estavam sendo moldados pela doutrina claro, pelo Código de Defesa do Consumidor.
e em seguida seriam conceituados em nossa legislação
infraconstitucional, qual seja, o artigo 81 do Código de Nas palavras de Rosa Maria Nery, em obra percursora
Defesa do Consumidor, incisos I e II. daquilo que se diria mais tarde a respeito da defesa pro-
cessual dos bens ambientais, reproduzimos:
A título de registro cumpre citar que a primeira lei a tra-
zer a expressão “difusos e coletivos” para o nosso ordena- “Queremos, pois, dizer que, em face da exis-
mento foi a Lei da Ação Civil Pública em seu texto original, tência de três diferentes categorias de bens no
no artigo 1º, inciso IV. Todavia, este foi merecedor do veto nosso ordenamento jurídico - público, privado e
presidencial que o considerou muito vago à época, sem difuso - já não é mais possível usar do apara-
limites também, afirmando que caberiam interpretações to de processo individual-liberal para tutelar os
variadas ao conceito jurídico que ainda estava indetermi- bens difusos, principalmente pelo fato de que já
nado. existe, no nosso ordenamento processual civil,
uma regra determinante que obriga a utilização
Sendo assim, quando a lei entrou em vigor, em 1985, de um sistema processual coletivo, quando se
o inciso IV estava sob a incidência do veto e, portanto, tratar de um direito coletivo lato sensu”.
estava fora do ordenamento. Com o advento da Consti-
tuição Federal de 1988 passamos a ter o reconhecimento Destarte, regula a defesa do meio ambiente, a sistemá-
dos direitos coletivos e difusos, mas ainda carecíamos de tica imposta pela Constituição, pela Lei da Política Nacional
uma conceituação, a fim de evitar a insegurança jurídica, do Meio Ambiente e a Lei da Ação Civil Pública, sem es-
pela falta de limites ao seu conteúdo. Coube ao Código de quecermos a lei consumerista.
Defesa do Consumidor, como já se afirmou exercer essa
função anos após a CF/88. A doutrina mais uma vez ensina. Nesse sentido o mes-
tre NELSON NERY, citado por FIORILLO:

48. BRASIL. Constituição Federal de 1988.

18
Direito Ambiental Constitucional

“A tutela em juízo dos direito difusos e coletivos


do consumidor está regulada no CDC, 81 a 104. “Outra inovação trazida pelo caput do dispositi-
A defesa judicial dos demais e interesses difusos vo foi a caracterização do meio ambiente como
e coletivos se faz pelos mecanismos da LACP, ‘bem de uso comum do povo’, termo presente no
aos quais se aplicam as disposições processuais Código Civil de 1916 (arts. 65 e 66). Mas o sen-
do CDC (art. 117, LACP, art. 21),o que implica tido atribuído à expressão pelo constituinte não
na observância dos conceitos legais de direitos é o mesmo do direito privado, porque se criou
difusos e coletivos do CDC,81,parágrafo único, um tertium genus, ou seja, um bem que não é
I e II ”
49
público, nem particular. Essa terceira espécie de
bem denomina-se ‘bem ambiental’.50”
Poderia ser objeto de discussão jurídica (de fato já o
foi) a menção que a constituição faz no caput do artigo Além desse dispositivo, outro que merece estudo apro-
225, referindo-se ao meio ambiente como bem de uso co- fundado é o artigo 20 da Carta Magna que relaciona os
mum do povo, o que nos remeteria – equivocadamente bens pertencentes à União e dentro deste rol, alguns são
– à leitura do artigo 99, inciso I do Código Civil em vigor. recursos ambientais e, portanto, devem ser estudados à
Neste, bem de uso comum do povo é bem público. Na- luz do que até agora foi dito, ou seja, são bens de natu-
quela e nos demais diplomas, bem ambiental é coletivo, reza difusa, não são bens públicos porque pertencentes à
difuso, terceiro gênero de direitos, ao lado do público e União.
do privado.
Na verdade, o dispositivo traça bens que merecem ser
A correta interpretação é a de que ao referir-se a “bem geridos pela União, embora a titularidade dos mesmos
de uso comum do povo” o legislador não quis tratar o bem seja coletiva.
ambiental, no caput do artigo 225, capítulo do meio am-
biente, dentro do aspecto do direito de propriedade, como Sendo assim, são bens da União, no sentido de serem
o faz a legislação civilista. por elas geridos e merecerem especial atenção, os seguin-
tes:
A menção refere-se à necessidade de entendermos o
meio ambiente como um bem a ser preservado para as Art. 20 São bens da União:
presentes e futuras gerações e a todos pertencentes. (...)
II – os lagos, rios e quaisquer correntes de água
Sob o enfoque civilista, a questão se traduz na possi- em terrenos de seu domínio, ou que banhem
bilidade de se usar, fruir e gozar daqueles bens que são mais de um Estado, sirvam de limites com outros
particulares ou públicos. No enfoque constitucional, jamais países, ou se estendam a território estrangeiro
pretendeu o legislador tratar o bem ambiental como um ou dele provenham, bem como os terrenos mar-
bem disponível. Definitivamente não. O bem ambiental é ginais e as praias fluviais;
indisponível! IV – as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limí-
trofes com outros países; as praias marítimas; as
E esse entendimento não é adstrito aos jurisambienta- ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas,
listas. É também o posicionamento de renomados consti- as que contenham a sede de Municípios, exce-
tucionalistas e da jurisprudência. to aquelas áreas afetadas ao serviço público e a
unidade ambiental federal, e as referidas no ar.
Passemos à análise: 26, II;

49. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco e RODRIGUES, Marcelo Abelha. Direito processual ambiental brasileiro. Del Rey, 1996, p. 100.
50. BULOS, Uadi Lammego. Constituição Federal Anotada. 7ª ed. Saraiva, 2007. P. 1403.

19
Direito Ambiental Constitucional

(...) portanto, o Estado não atua jamais como pro-


VI – o mar territorial; prietário desse bem, mas, diversamente, como
(...) simples administrador de um “patrimônio” que
IX – os recursos minerais, inclusive os do sub- pertence à coletividade no presente, e que deve
solo; ser transferido às demais gerações do futuro.”
X – as cavidades naturais subterrâneas e os sí- (grifo nosso).
tios arqueológicos e pré-históricos;
XI – as terras tradicionalmente ocupadas pelos Acrescentamos, todavia, com maior destaque, que
índios.” ainda dentro da compreensão constitucional, todos esses
bens devem ser titularizados em função do que dispõe o
Percebemos, pela leitura, que os bens ali elencados, artigo 225, ou seja, “ao meio ambiente ecologicamente
cujo titular é a coletividade, merece especial atenção e equilibrado”, observado o Princípio do Desenvolvimento
cuidado no seu gerenciamento por parte da União. Sustentável.

Em resumo, o que queremos dizer é que os bens de Para nós: Assim como a propriedade só é compreendi-
qualquer natureza a todos pertencem, posto que difusos e da pelo cumprimento de sua função social, os bens difusos
no caso ambiental englobam os chamados bens de aspec- só podem ser entendidos em razão de sua utilização e
to natural, cultural, artificial e do trabalho. Tal fato, porém, apropriação equilibradas, de forma a garantir sua preser-
em nada obstaculiza a possibilidade do Estado ou do parti- vação para as presentes e futuras gerações.
cular estar, em determinados momentos e circunstâncias,
no papel de gestor ou administrador de tais bens. Consideramos, pois, que o conceito de propriedade não
é absoluto, conforme testamentos de outros juristas; não
No momento em que são afetados, estes bens interes- será também absoluto em relação aos bens difusos; refor-
sam a todos e a cada um cabe “chamar a si” - se assim çada pelos atuais preceitos constitucionais.
podemos dizer - o direito constitucional em tê-los preser-
vados, sempre em vista do bem-estar e da qualidade de
vida, e o dever de exercer tal direito através dos instru-
mentos apontados em nosso ordenamento, como a Ação
Caracterização do Direito Ambiental
Civil Pública ou Ação Popular, dentre outros.
A palavra MEIO AMBIENTE desperta várias conceitua-
Vejamos a opinião de MIRRA num texto nomeado “Li- ções que decorrem de sua característica própria - a multi-
mites e Controle dos Atos do Poder Público em Matéria disciplinariedade, posto que cada ramo do saber, ao defini-
Ambiental”51: -lo, acrescenta-lhe novo atributo.

“Verifica-se que o meio ambiente teve seu regi- Para o Direito, a doutrina tem caracterizado o MEIO
me jurídico especificado na Constituição Fede- AMBIENTE como o conjunto de elementos que tanto abri-
ral como bem de uso comum do povo, o que ga aspectos de caráter natural, artificial, cultural quanto
significa lhe ter sido dada a qualificação jurídi- de relações do trabalho.
ca de um bem que pertence à coletividade. O
meio ambiente não integra, por via de consequ- É importante esclarecermos que estes aspectos não sig-
ência, o patrimônio do Estado, sendo para este nificam uma repartição do ambiente como um todo, mas
um bem indisponível, cuja preservação se impõe sim o desdobramento que o mesmo tem sobre diversas
em atenção às necessidades das gerações pre- atividades. Urge esclarecermos melhor o que queremos
sentes e futuras. Em matéria de meio ambiente,

20
Direito Ambiental Constitucional

dizer, por isso reproduzimos a objetividade na esplanação “todas as águas interiores ou costeiras, super-
que nos fornecem FIORILLO e RODRIGUES: ficiais ou subterrâneas, o ar e o solo” (art. 1º,
parágrafo único, do Decreto Lei nº 134/75 do
“O conceito de meio ambiente é unitário, na Estado do Rio de Janeiro).
medida que é regido por inúmeros princípios,
diretrizes e objetivos que compõem a Política “compõe o meio ambiente, os recursos hídricos,
Nacional do Meio Ambiente. Entretanto, quan- a atmosfera, o solo, o subsolo, a flora e a fauna,
do se fala em classificação do meio ambiente, sem exclusão do ser humano” (art. 3º da Lei nº
na verdade não se quer estabelecer divisões 4.090/79 do Estado do Alagoas).
isolantes ou estanques do meio ambiente, até
porque, se assim fosse, estaríamos criando difi- “interação de fatores físicos, químicos e biológi-
culdades para o tratamento da sua tutela. Mas, cos que condicionam a existência de seres vivos
exatamente pelo motivo inverso, qual seja, de e de recursos naturais e culturais” (art. 2º, I, da
buscar uma maior identificação com a atividade Lei nº 5.793/80 do Estado de Santa Catarina).
degradante e o bem imediatamente agredido, é
que podemos dizer que o meio ambiente apre- “meio ambiente é o espaço onde se desenvol-
senta pelo menos 04 significativos aspectos. São vem as atividades humanas e a vida dos animais
eles: 1) natural; 2) cultural; 3) artificial e 4) do e vegetais” (art. 1º, parágrafo único, da Lei nº
trabalho. “ 51
7.772/80 do Estado de Minas Gerais).

HELY LOPES MEIRELLES definiu o MEIO AMBIENTE “ambiente é tudo que envolve e condiciona o
como: homem, constituindo o seu mundo e dá suporte
para a sua vida biopsicosocial” (art. 2º da Lei nº
“o conjunto de elementos da natureza - terra, 3.858/80 do Estado da Bahia).
água, ar, flora e fauna - ou criações humanas es-
senciais à vida de todos os seres e ao bem-estar “meio ambiente é o espaço físico composto dos
do homem na comunidade. ” 52
elementos naturais (solo, água, ar), obedecidos
os limites deste Estado” (art. 2º, parágrafo úni-
No Direito Positivo Brasileiro foi definido pelo artigo 3º, co, “a” da Lei nº 4.154/80 do Estado do Mara-
I da Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei nhão).
nº 6.938 de 31.08.81, compreendendo:
“conjunto de elementos - águas interiores ou
“Meio ambiente: conjunto de condições, leis, in- costeiras, superficiais ou subterrâneas, ar, solo,
fluências e interações de ordem física, química, subsolo, flora e fauna - as comunidades huma-
biológica, que permite, abriga e rege a vida em nas, o resultado do relacionamento dos seres
todas as suas formas” vivos entre si e com os elementos dos quais se
desenvolvem e desempenham as suas ativida-
Ainda quanto à legislação brasileira, outras definições des” (art. 3º, II da Lei nº 7.488/81 do Estado do
podem ser encontradas em nosso ordenamento e o inte- Rio Grande do Sul).
ressante, como observamos a seguir, é que ele correspon-
deu à evolução do movimento ambientalista, ou seja, a
conceituação se fazia presente na década de 70:

51. FIORILLO, Celso A. P. e RODRIGUES, Marcelo A. em “Manual de Direito Ambiental e Legislação Aplicável” - Max Limonad Editora - 1997 - págs. 53 e 54.
52. Citado por BITTAR FILHO em “A Tutela do Meio Ambiente: a legitimação ativa do cidadão brasileiro” - Revista dos Tribunais - 1993 - pág. 698.

21
Direito Ambiental Constitucional

A Comunidade Econômica Européia53 - ou apenas União “o sistema de elementos (ou subsistemas) abi-
Européia - estabelece para o MEIO AMBIENTE a seguinte óticos, bióticos e socioeconômicos com o qual
conceituação: interatua o homem à medida que se adapta ao
mesmo, o transforma e o utiliza para satisfazer
“o conjunto de sistemas composto de objetos e suas necessidades” (Lei nº 33 de 10/01/81 de
condições fisicamente definidas que compreen- Cuba).
dem particularmente a ecossistemas equilibra-
dos, pelasformas que os conhecemos ou que são
suscetíveis de se adotar em um futuro previsível, COMPETÊNCIA EM MATÉRIA AMBIEN-
e com os que o homem, enquanto ponto focal TAL
dominante tenha estabelecido relações diretas.”

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um siste-


No direito comparado, temos nações que também se
ma de competências próprio e sob determinado aspecto
anteciparam à história, prevendo em seu sistema legal a
inovador.
necessidade de se ter o conceito do meio ambiente com
fins de sua proteção e conservação de suas interfaces.
Isso porque inseriu o Município nessa sistemática, dan-
Citemos algumas leis que são de nosso conhecimento e
do-lhe destaque nas funções administrativa e legislativas,
registro bibliográfico:
na nossa forma ímpar de federação.

“a atmosfera, a água, o solo, os recursos mine-


Todos sabem as origens da Federação e também sa-
rais, as florestas, as zonas verdes, a vida selva-
bemos que o Brasil é o único país que foge à essa origem
gem, as plantas silvestres, as plantas aquáticas,
norte americana, justamente porque cria um terceiro ente
a fauna pscícola, lugares de interesse ou históri-
da Federação, ao lado da União e dos Estados, que é o
cos, paisagens, mananciais termais, instalações
Município.
para a saúde, espaços naturais protegidos, zo-
nas residenciais” ( Lei Geral sobre proteção e
E podemos afirmar assim, não somente porque a dou-
definição do ambiente da República Popular da
trina nos ensina como também pela leitura do texto cons-
China de 13/09/1759)
titucional que nos demonstram a importância do Município
na construção da República Federativa do Brasil e do Es-
“a água, a atmosfera, o solo ou a combinação
tado Democrático.
de um e de outro, ou de modo geral o meio com
o qual as espécies vivas mantêm relações dinâ-
Logo no início, o constituinte destaca:
micas” (Lei sobre a qualidade do ambiente do
Canadá).
“A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e
do Distrito Federal, constitui-se em Estado De-
“o conjunto de elementos naturais, artificiais ou
mocrático de Direito e tem como fundamentos:
induzidos pelo homem, físicos, biológicos que
(...).”
propiciam a existência, transformação e desen-
volvimento dos organismos vivos” (Lei sobre
Sendo assim, a nossa forma de governo, que é a Repú-
proteção do ambiente do México).
blica, que se contrapõe ao Estado Monárquico no conceito,
mas que modernamente se aproximam pela forma como

53. MATEO, Ramón M , em “Tratado de Derecho Ambiental” - 1ª Edição - 1991 - Ed. Trivium - pág. 80

22
Direito Ambiental Constitucional

se apresentam nos dias atuais, se estabelece através da tervenção federal na hipótese de o Estado não
formação dos Estados de maneira federada, ou seja, de respeitar a autonomia municipal.54”
forma pactuada entre seus entes autônomos.
A Constituição Federal divide o sistema de compe-
Essa autonomia também é do Município pelo comando tências em dois: de um lado estão as competências le-
constitucional vigente. gislativas (ou deliberativas) e de outro as competências
materiais (ou administrativas). Também as classifica em
Nem sempre foi assim, pois embora o Município tenha privativa, exclusiva, concorrente, comum, suplementar e
estado presente em nossas constituições anteriores, foi residual.
somente na atual que ele recebeu funções típicas elenca-
das na lei, competências próprias que lhes garantem gerir Todas elas se aplicam à questão ambiental, conforme
as suas especificidades e atribuições de auxílio na adminis- passaremos a analisar.
tração pública em geral.
No que tange às matérias que compõem a competên-
Na atual Constituição, os Municípios possuem a típica cia legislativa, cumpre registrar que elas foram definidas
autonomia dos Estados Federados, caracterizada pela des- pelo constituinte em razão de um critério que considera a
centralização administrativa e política do poder. Elaboram importância dos interesses e sua preponderância, afim de
e executam suas próprias leis, de acordo com as suas ca- atribuí-las aos entes da federação e de uma forma geral,
racterísticas regionais. E embora não tenha uma constitui- cada qual com aquilo que é de seu interesse natural, ou
ção própria, essa capacidade de autoconstituição se revela seja, à União caberá assuntos de interesse nacional, aos
na elaboração de sua Lei Orgânica Municipal, respeitada a Estados, assuntos de interesse regional e aos Municípios,
hierarquia das normas estaduais e federais. assuntos de interesse local.

Tem competência comum com a União, os Estados e o Quando o constituinte considerou adequado restringir
Distrito Federal em assuntos especificados constitucional- a apenas um dos entes da federação deliberar sobre ma-
mente e que dizem respeito a possibilidade de administra- téria específica, deu a ele a chamada competência exclusi-
ção dos assuntos ali elencados (art. 23) e nos de interesse va; quando restringia a um dos entes matéria que a priori
local (art. 30). deveria ser tratada por um dos membros da federação,
mas que poderia ser entregue a outro, criou a chamada
Nesse sentido, citemos: competência privativa, com possibilidade de delegação.

“Muito se questionou a respeito de serem os Ainda quanto à competência legislativa, possibilitou as


Municípios parte integrante ou não de nossa Fe- formas concorrente, residual e suplementar, quando con-
deração, bem como sobre a sua autonomia. A siderou adequado que todos os entes federados se empe-
análise dos arts. 1º e 18, bem como de todo nhassem no trato legislativo da questão, permitindo, ain-
o capítulo reservado aos Municípios (apesar de da, que se um deles se ausentasse dessa função, o outro
vozes em contrário) leva-nos aos único entendi- hierarquicamente inferior o fizesse.
mento de que eles são entes federativos, dota-
dos de autonomia própria, materializada por sua Façamos essa análise com relação à questão ambiental.
capacidade de auto-organização, autogoverno,
auto-administração e autolegislação. Ainda mais O artigo 24 da Constituição Federal trata da competên-
diante do art. 34, VII, “c”, que estabelece a in- cia legislativa concorrente entre a União, os Estados e o

54. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13ª ed. Saraiva, 2009, p. 313.

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Direito Ambiental Constitucional

Distrito Federal e no que tange ao bem ambiental, assim Nessa linha de raciocínio e por uma interpretação sis-
dispôs: temática com o artigo 225 (capítulo do meio ambiente),
estabeleceu-se o entendimento de que os Estados e os
“Art. 24 – Compete à União, aos Estados e ao Municípios jamais poderão legislar de forma menos prote-
Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: tiva ao meio ambiente do que à União.
(...)
VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação Mas voltemos aos Municípios.
da natureza, defesa do solo e dos recursos na-
turais, proteção do meio ambiente e controle da Pela leitura isolada do artigo 24, poderíamos pensar
poluição; que o legislador não quis que os Municípios legislassem
VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, sobre aquelas matérias ali elencadas, vez que no caput
artístico, turístico e paisagístico; do dispositivo não os mencionou. Todavia, como dito, atri-
VIII – responsabilidade por dano ao meio am- buiu aos Municípios um sistema de competências próprio,
biente, ao consumidor, a bens e direitos de valor contido no artigo 30 e, mais uma vez, pela interpretação
artístico, estético, histórico, turístico e paisagís- sistemática dos dispositivos em comento é que deduzimos
tico; a possibilidade dos Municípios também legislarem de for-
(...)” ma concorrente e suplementar às normas federais e esta-
duais.
Pela leitura dos parágrafos, sabemos que na competên-
cia legislativa concorrente quis o legislador atribuir à União “Art. 30 – Compete aos Municípios:
o estabelecimento das regras gerais, cabendo aos Estados I – legislar sobre assuntos de interesse local;
e ao Distrito Federal, suplementá-las. Todavia, permitiu II – suplementar a legislação federal e a estadual
ainda que, enquanto a União não exercesse essa função no que couber;
de fixação de regras mínimas ou gerais, os Estados exer- (...)”
cessem de forma plena essa competência, de forma que,
com o advento posterior da lei federal, as regras de adap- Nos ensinamentos de MUKAI nos pautamos:
tação e recepção das normas hierarquicamente inferiores
fossem observadas (parágrafos 1º ao 4º do artigo 24). “A competência municipal é sempre concorrente
com a da União e a dos Estados-membros, po-
Assim se dá na questão ambiental, nos itens acima dendo legislar sobre todos os aspectos do meio
transcritos. Caso a União não estabeleça regras gerais para ambiente, de acordo com sua autonomia muni-
a proteção das florestas, caça, patrimônio cultural, etc. ou cipal (art. 18 da CF), prevalecendo sua legisla-
ainda, regras de responsabilização em caso de dano ou ção sobre qualquer outra, desde que inferida do
ameaça de dano ao meio ambiente, caberá aos Estados e seu predominante interesse; não prevalecerá em
ao Distrito Federal o fazer de forma plena. relação às outras legislações, nas hipóteses em
que estas forem diretamente inferidas de suas
Os Municípios também podem legislar em matéria am- competências privativas, subsistindo a do Muni-
biental, por força do artigo 30, II da CF/88, sendo assim, cípio, entretanto, embora observando as mes-
também podem legislar de forma supletiva às normas es- mas.55”
taduais e federais, estabelecendo critérios que atendam
aos seus interesses regionais. Na mesma linha MILARÉ:

55. Citado por SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 8ª ed Saraiva, 2010, p 187.

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Direito Ambiental Constitucional

“Se a Constituição conferiu-lhe poder para “pro- como um todo e dessa forma conseguir a efetividade do
teger o meio ambiente e combater a poluição comando do artigo 225.
em qualquer de suas formas 56
– competência
administrativa – é óbvio que, para cumprir tal E, ainda, têm competência material:
missão, há que poder legislar sobre a matéria.
Acrescente-se, ademais, que a Constituição Fe- a) exclusiva a União, por força do artigo 21 da CF,
deral, entregou-lhes a de, em seu território, le- notadamente para instituir o sistema nacional de ge-
gislar supletivamente à União e aos Estados so- renciamento de recursos hídricos e definis os critérios
bre proteção do meio ambiente. ” 57
de outorga de direitos de seu uso (a Política Nacional
de Recursos Hídricos e o Sistema Nacional de Geren-
Ainda no que tange à competência legislativa, mere- ciamento de Recursos Hídricos são regulamentados
ce menção o artigo 22, que atribui competência privativa pela Lei 9.433 de 8 de janeiro de 1997); instituir as
para a União legislar sobre diversos assuntos, dentre eles: diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive ha-
águas (inciso IV); populações indígenas (XIV); atividades bitação, saneamento básico e transportes urbanos (Lei
nucleares de qualquer natureza (inciso XXVI), em especial. 10.257/2001 – Estatuto da Cidade e Lei 11.445/07 –
Saneamento Básico);
Agora, passemos à análise da competência material
ambiental. b) os Municípios, com base no artigo 30, promover
o adequado ordenamento territorial, mediante planeja-
Ela está incerta notadamente no artigo 23 da Constitui- mento e controle do uso, do parcelamento e da ocupa-
ção Federal, nos seguintes incisos: ção do solo urbano (inciso VIII); promover a proteção
do patrimônio histórico-cultural local, observada a le-
“Art. 23 – É competência comum da União, dos gislação e a ação fiscalizadora federal e estadual Inciso
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: IX).
(...)
III – proteger os documentos, as obras e outros c) será exclusiva a competência dos Estados no que
bens de valor histórico, artístico e cultural, os não couber à União e aos Municípios, ao que se deno-
monumentos, as paisagens naturais notáveis e mina de competência residual (art. 25, parágrafo 1º).
os sítios arqueológicos;
(...)
VI – proteger o meio ambiente e combater a po-
luição em qualquer de suas formas;
VII – preservar as florestas, a fauna e a flora;
(...)
XI – registrar, acompanhar e fiscalizar as con-
cessões de direitos de pesquisa e exploração de
recursos hídricos e minerais em seus territórios;
(...)”.

Claro está que o constituinte quis que todos os entes


da federação cooperassem na proteção do meio ambiente

56. Artigo 23,VI da Constituição Federal.


57. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 6ª ed. Saraiva, 2009, p. 191.

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