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– A CONVERSÃO RELIGIOSA
A respeito da conversão, C. S. Lewis nos diz que:
“Não é uma mudança de homens com cérebro para homens com mais cérebro
ainda: é uma mudança que envereda por rumos inteiramente inesperados – a
1
mudança da condição de criaturas de Deus para a condição de filhos de Deus”.
Do ponto de vista Luterano, a conversão religiosa é a renovação
constante pela qual passa o cristão, procurando cada vez mais estar perto de
Deus.2 Do ponto de vista psicológico, a conversão religiosa tem paralelos com
outras experiências3, as quais veremos mais à frente no capitulo quatro.
Pode-se dizer que o estudo psicológico da conversão religiosa é, de fato,
o marco inicial dos estudos de psicologia da religião em sua versão moderna e
contemporânea. Há pelo menos duas razões para que assim acontecesse:
o
1 ) O início dos estudos dos fenômenos religiosos, em bases mais empíricas,
coincide historicamente com os grandes movimentos de avivamento religioso e a
o
grande ênfase na mudança de vida causada pelo poder do evangelho; 2 ) A
conversão religiosa é um dos fenômenos mais claros e, conseqüentemente, uma
4
das dimensões do comportamento religioso mais fáceis de observar.
Em nossos dias, tem havido uma espécie de mudança nesse campo de
interesse. Hoje, dá-se mais ênfase ao processo evolutivo da experiência
religiosa do que a uma determinada mudança brusca que se chama conversão.
Essa é a atitude características dos teólogos liberais, que acham ter sido a
conversão exagerada pelos teólogos da velha guarda e que preferem vê-la
como uma espécie de desenvolvimento natural do sentimento religioso.5
No Brasil, o estudo psicológico da conversão religiosa oferece grandes
oportunidades. É verdade que, na grande maioria dos casos, a conversão
religiosa no Brasil é de um ramo do cristianismo para outro – geralmente do
catolicismo para outro. Mesmo assim, tem havido conversões bastante
dramáticas e reveladoras do dinamismo da personalidade. Quando, porém, as
denominações protestantes crescerem mais em número de adeptos e em
organização formal, essas conversões marcantes tenderão a diminuir. Isso,
entretanto, não significa que deixe de haver conversão religiosa, mas essa
conversão será mais um processo de evolução espiritual lenta e progressiva do
que a mudança radical e brusca que caracteriza o tipo clássico da conversão
religiosa.
George Albert Coe6, um dos pioneiros no campo do estudo psicológico
do fenômeno religioso, diz que há pelo menos seis significados para a
conversão:
1. Ato voluntário de mudança de atitude para com Deus;
1
LEWIS, C. S. Mero Cristianismo. São Paulo – Ed. Quadrante – 1997 – p. 214.
2
COSTA, Samuel. Fundamentos psicológicos para ministros do Evangelho. Rio de Janeiro – 2002 – p.
76.
3
Ibid. Nota 16 – p. 123.
4
Ibid. Nota 16 – p. 120.
5
Ibid. Nota 16 – p. 121.
6
APUD. George Albert Coe in Merval Rosa. Psicologia da Religião. Rio de Janeiro – Juerp – 1971 – p.
122.
2. Renuncia de uma religião e aderência doutrinária ou institucional
a outra;
3. Experiência pessoal de salvação, conforme o “plano de salvação”,
com ênfase sobre arrependimento, fé, perdão, regeneração e certeza;
4. Ato consciente e voluntário pelo qual o homem se torna religioso,
em oposição à mera conformação com a família ou o grupo social do
individuo;
5. Qualidade cristã de vida contrastada com uma qualidade não
cristã, isto é, um homem que “nasceu de novo”;
6. Mudança brusca na vida de um homem, de um baixo para um alto
nível de existência.7
7
Ibid. Nota 16 – p. 122.
8
Ibid. Nota 16 – p. 123.
9
Ibid. Nota 16 – p. 124.
Outro caso típico de conversão religiosa é o de John Bunyan – autor do
famoso livro “O Peregrino” – cuja experiência deixou marcas indeléveis na
historia da humanidade. A infância de Bunyan coincide com o apogeu do
puritanismo na Inglaterra. Aos nove anos de idade, Bunyan já se atormentava
com as idéias do dia do Juízo e do tormento do Inferno.
Começou a ler a Bíblia e tratados religiosos e através dessa leitura
chegou a convencer-se de que Deus o amava. Um dia, ouvindo a pregação de
certas piedosas senhoras, convenceu-se de que jamais poderia confiar em
méritos pessoais, e que, para salvar-se era necessário converter-se e que essa
conversão incluía certas experiências emocionais que jamais tivera. Diante
desse novo conhecimento, diz ele:
“Eu senti meu próprio coração abalar-se e comecei a desconfiar de minha
condição, pois vi que em todos os meus pensamentos acerca de religião e
salvação, o novo nascimento nunca havia entrado em minha mente, nem conhecia
eu o conforto da palavra e da Promessa, nem o engano e a maldade do meu
próprio coração... Fui grandemente influenciado por suas palavras, tanto porque por
meio delas fui convencido de que queria os verdadeiros sinais de um homem de
Deus, como também porque por elas me convenci da feliz e abençoada condição
10
daquele que é piedoso”.
Essa convicção provocou no jovem Bunyan uma profunda inquietação
espiritual, mas, aparentemente, não lhe indicou nenhuma rota definida a seguir.
A única coisa que ele sabia era que estava “perdido” e que, para salvar-se,
precisava de fé. Acontece, porém, que a fé que esperava ter era também de
caráter muito vago e indefinido.
Esta situação de incerteza criou nele um verdadeiro pavor do inferno e
da condenação. E, pior do que isso, um novo medo apareceu em sua vida, isto
é, o medo de perder o medo e sua capacidade de ter sentimento de culpa.
Ao que tudo indica, Bunyan foi durante toda a sua vida sujeito a
obsessões auditivas com relação a partes da Escritura e seu estado emocional
dependia grandemente do tipo de mensagem que recebia através dessas
experiências. Assim é que , se “ouvisse” um texto confortador, dizia que tinha
fé e estava salvo. Quando o versículo era de condenação, ele se sentia
eternamente condenado.11
Ao tempo dessa terrível crise, Bunyan, de vez em quando, ouvia uma
palavra de conforto como aquela que diz: “O sangue de Jesus Cristo nos
purifica de todo o pecado”. Essas vozes de conforto se fizeram ouvir mais
freqüentemente do que as vozes de condenação. Num período de sete
semanas, ao fim de dois anos marcados pela “convicção de pecado”, Bunyan
conseguiu a vitória, isto é, a paz espiritual que buscava.12
A vitória, portanto, não foi sua, mas meramente de uma obsessão mental
e de seu sentimento a respeito de outros, e é de real interesse apenas como
fenômeno psicológico ou mesmo patológico. Nenhuma mudança de valores foi
10
Ibid. Nota 16 – p. 127.
11
Ibid. Nota 16 – p. 128.
12
Ibid. Nota 16 – p. 129.
operada, nenhum novo nascimento foi efetuado, nenhum “eu” moral foi
alcançado. A verdadeira conversão de Bunyan foi a mudança de valores que
ocorreu nalgum ponto entre a sua egocêntrica mocidade e seus anos
verdadeiramente cristãos na prisão de Bedford.13
Não se suponha, entretanto, que conversão religiosa seja fenômeno
peculiar apenas ao cristianismo, ou mais particularmente ao cristianismo
protestante. Conversão religiosa é fenômeno reconhecido na antiguidade
clássica, nas chamadas religiões de mistérios e em todas as grandes tradições
religiosas da humanidade. A conversão de Maomé ou de Buda são típicas de
suas respectivas tradições. Em cada uma dessas tradições, porém, a dinâmica
parece variar consideravelmente de acordo com as ênfases de cada uma das
religiões, apesar de conservar muitos pontos em comum. Apenas para dar um
exemplo dessas diferenças, note-se que o sentimento de culpa e a idéia de
pecado são comuns à conversão religiosa no meio dos cristãos, enquanto que
estão praticamente ausentes em certas conversões nas religiões orientais.14
13
Ibid. Nota 16 – p. 129.
14
Ibid. Nota 16 – p. 131.
15
Ibid. Nota 16 – p. 134.
próprio corpo tremer ao peso de sua convicção16. John Wesley descreve o que
lhe aconteceu na reunião de Aldersgate Strret – Londres, enquanto alguém lia
o comentário de Lutero sobre o livro de Romanos:
“Por volta da 8h45min da noite, enquanto ele descrevia a mudança que Deus
17
opera no coração pela fé em Cristo, senti meu coração estranhamente aquecido...”.
16
Ibid. Nota 16 – p. 135.
17
CURTIS, A. Kenneth; LANG, J. Stephen; PETERSEN, Randy. Os 100 acontecimentos mais
importantes da Historia do Cristianismo. São Paulo – Ed. Vida – 2001 – p. 154.
18
APUD. Clark in Merval Rosa. Psicologia da Religião. Rio de Janeiro – Juerp – 1971 – p. 135.
19
Ibid. Nota 16 – p. 135.
perversa vontade, de Anjo se fez demônio, pois todo anjo foi feito bom pelo bom
artífice? Com estes pensamentos me afogava; mas não chegava até aquele
inferno de horror, onde ninguém vos confessa, quando se crê serdes antes vós o
20
que padeceis o mal, do que fazê-lo o homem”.
Como se pode ver facilmente, esse aspecto da crise da conversão
religiosa de Agostinho tem implicações morais, mas ainda assim pode notar-se
que sua conversão foi do tipo predominantemente intelectual.21
20
AGOSTINHO, Santo. Confissões. Salvador / BA – Liv. Progresso Editora – 1956 – p. 133.
21
Ibid. Nota 16 – p. 139.
22
APUD. Ramakrishna in Merval Rosa. Psicologia da Religião. Rio de Janeiro – Juerp – 1971 – p. 131 –
134.
23
Ibid. Nota 16 – p. 133, 139.
24
Ibid. Nota 16 – p. 141.