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Em síntese: Uma atitude que se encontra nos homens religiosos através da história é o
esvaziamento da alma, que procura manter-se passiva diante da Divindade, para que o dom
de Deus realize a união dessa alma com o próprio Senhor. Tal forma de piedade assume
modalidades diversas nas religiões da índia, na filosofia grega e no Cristianismo. No século
XVII o assim chamado "Quietismo" suscitou sérias controvérsias, encabeçado pelo Pe. Miguel
de Molinos, cujas ideias extremadas foram condenadas pelo magistério da Igreja; Molinos,
homem profundamente piedoso, retratou-se e faleceu em paz com a Igreja.
1. Percorrendo a história...
No Ocidente, a filosofia estoica, pouco antes da era cristã, apregoava a apátheia ou extinção
de qualquer paixão ou afeto para chegar à perfeita sabedoria. Tal estado de alma era
reconhecido como algo de difícil e raro.
1.2. No Cristianismo
Nos séculos XIII e XIV Begardos, Beguinas e Irmãos do Espírito Livre cederam a concepções
quietistas. Foram condenados pelo Concílio de Viena (1312). O mal dessas tendências
quietistas que vamos percorrendo, é que persuadiam o devoto de ser impecável, de modo que
poderia entregar-se a práticas imorais sem cometer falta culposa; os devotos subtraíam-se
assim a toda obediência e a toda prática ascética.
No século XIV viveu também o dominicano Mestre Eckhart (1268-1329), que incidiu no
panteísmo, a ponto que o Papa João XXII condenou 28 de suas proposições.
No século XVII o Quietismo é elaborado num sistema preciso como consequência do debate
sobre predestinação e livre arbítrio do século XVI e como reação ao medo de Deus incutido
pelo protestantismo e o jansenismo; pretendia continuar a mística dos autores espanhóis
como Santa Teresa de Ávila (+1582), São João da Cruz (+1591), germânicos (Ruysbroeck +1381)
e italianos (Santa Maria Margarida dei Pazzi). O seu expoente principal foi Miguel de Molinos
(1628-1696).
Miguel de Molinos nasceu na Espanha; foi ordenado sacerdote em 1652 e enviado a Roma em
1663 como Procurador da causa de canonização do Venerável Francisco Simon. Em Roma
dedicou-se ao aconselhamento espiritual e conseguiu grande estima por seus escritos de
espiritualidade e mística. Estes, porém, lhe valeram denúncias junto ao Santo Ofício, que o
mandou encarcerar, para grande surpresa dos seus seguidores. Foi processado; suas ideias
foram condenadas em 1682; Molinos se retratou em 1687, após ter sido considerado herege
mediante a Bula Caelestis Pastor do Papa Inocêncio XI.
O Quietismo se propagou pela França com o Bispo Fénelon, Madame de Guyon e outros
adeptos, que abrandaram várias de suas proposições extremadas.
3. Refletindo...
1) Não existe oposição entre a glória de Deus e a salvação da criatura; desejar aquela implica
outrossim desejara esta. Escreve Santo Ireneu (+202 aproximadamente): "A glória de Deus é
que o homem viva, e a vida do homem é a visão de Deus". Quanto mais belo é o artefato, tanto
mais exaltado será o Artesão.
2) É indispensável a ascese ou mortificação das paixões. Já São Paulo dizia que mortificava o
seu corpo e o reduzia à servidão, considerando o empenho com que os atletas se esforçam
por conquistar no estádio uma coroa perecível; cf. 1Cor 9, 27. Está claro que o empenho do
cristão por chegar à perfeição espiritual não é independente da graça de Deus, mas é
suscitado e sustentado pela graça divina, sem perda do livre arbítrio do homem. "Sem mim
nada podeis fazer" (Jo 15, 5). A graça move a criatura sem lhe tirar a liberdade.
3) Mais uma vez se verifica que o rigorismo extremado pode levar, sob pretextos
envernizados, ao extremo oposto ou à libertinagem. "A virtude está no meio. In médio virtus",
diziam os antigos; ela está entre dois extremos (no caso, entre o ascetismo aniquilador e a
libertinagem) sem deixar de ser muito intensa e profunda nesse seu lugar intermediário.
4) Não há dúvida, a prática do silêncio interior (domínio sobre a imaginação e a memória) é
indispensável, não, porém, a ponto de destruir os bons anseios da criatura.
5) A santidade é, sem dúvida, a meta indiscutível, à qual deve aspirar todo cristão.
Compreende três etapas: a vida purgativa, a iluminativa e a unitiva.
6) Todo ser humano está sujeito ao pecado, e pode cair nele, ainda que sejam faltas leves ou
semideliberadas. Somente a Virgem Maria recebeu o privilégio de não pecar, como declarou o
Concílio de Trento:
"Se alguém disser que o homem, uma vez justificado, não pode mais pecar nem perdera graça,
e que, por conseguinte, aquele que cai e peca, e cai nunca foi verdadeiramente justificado: ou,
ao contrário, que pode, em toda a sua vida, evitar todos os pecados, até os veniais - salvo por
especial privilégio de Deus, como a respeito da Bem-aventurada Virgem Maria ensina a Igreja
- seja anátema" (Decreto Cum hoc tempore n° 23).
Donde se vê que a impecabilidade apregoada pelos quietistas é um ideal utópico. Diz muito
sabiamente S. Ambrósio (+397): "Pecar é comum a todos os homens; arrepender-se é próprio
dos Santos". Ou ainda o famoso escritor inglês Chesterton: "O Santo é um pecador que
reconhece o seu pecado".