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RESENHA
BRAITHWAITE, JOHN. CRIME, SHAME AND REINTEGRATION.
NEW YORK: CAMBRIDGE UNIVERSITY, 1999.
BRAITHWAITE, JOHN. RESTORATIVE JUSTICE AND RESPONSIVE
REGULATION.
NEW YORK: OXFORD UNIVERSITY, 2002.
penal em relação ao sistema penal atual. identidade o rótulo que lhe é conferido
A contribuição original de Braithwaite e, assim, assumir em definitivo o papel
na construção da Justiça Restaurativa social de criminoso. A intervenção
repousa sobre dois pilares, a “vergonha penal, força motriz do perverso proces-
reintegrativa” e a “regulação responsiva”, so de etiquetamento, é, então, refutada
conceitos responsáveis, precisamente, pelo labeling approach, que reputa menos
pelo satisfatório funcionamento de um prejudicial a “prudente não-interven-
modelo de justiça de cunho restaurativo. ção”. Braithwaite acredita que o ato de
Além, é claro, de apresentar essas noções inculcar vergonha no indivíduo, por
em suas linhas gerais, cumpre-nos aqui meio de sinais de reprovação social
compreender de que modo elas se arti- indutivos de um sentimento de culpa, é
culam entre si e, juntas, compõem a um potente mecanismo de controle do
visão bastante particular de John crime e, nesse sentido, identifica como
Braithwaite sobre a estruturação da uma falha do labeling approach o fato de
Justiça Restaurativa. Atentando para a essa perspectiva ter se ocupado somen-
articulação entre a “vergonha reintegra- te da face negativa da vergonha presen-
tiva” e a “regulação responsiva”, será pos- te no processo de etiquetamento e,
sível, a seguir, identificar algumas das assim, não haver vislumbrado outra
repercussões da Justiça Restaurativa solução que não a simplista não-inter-
esboçada por John Braithwaite a respeito venção. Em oposição à estigmatização
da responsabilidade penal. apontada pelo labeling approach, a qual
Na obra Crime, shame and reintregra- identifica como uma forma de “vergo-
tion (1999), publicada originalmente nha desintegrativa”, que tende a isolar o
em 1989, Braithwaite, a partir da conju- indivíduo da comunidade e induzi-lo ao
gação de diversas teorias criminológi- crime, ele propõe uma “vergonha rein-
cas, propõe um novo método de contro- tegrativa”, na qual a manifestação de
le do crime, fundado na noção de “ver- reprovação social é seguida de atos de
gonha reintegrativa”, segundo a qual o reaceitação, que interrompem a assimi-
ato de inculcar vergonha no indivíduo lação do papel social de criminoso e,
teria o condão de, ao mesmo tempo, por via de conseqüência, impedem a
coibir o crime e promover a reintegra- reincidência. Conforme Braithwaite,
ção do ofensor. Na análise das várias uma vez posta em prática, a “vergonha
correntes criminológicas realizada por reintegrativa” pode atuar até mesmo de
Braithwaite, merece destaque o labeling forma preventiva, em vista da função
approach, ou teoria do etiquetamento, pedagógica exercida sobre os indivíduos
consoante a qual, em apertada síntese, a da comunidade que presenciem expe-
estigmatização de um indivíduo ocasio- riências de “vergonha reintegrativa”
nada pela sua definição como criminoso protagonizadas por outrem, moldando a
precipita a sua desviação secundária, eis consciência coletiva de modo a inibir a
que o indivíduo tende a incorporar à sua detonação do crime.
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que, pela sua gravidade, seja aconselhá- A compreensão do modo pelo qual
vel valer-se desde logo de medidas mais estão acoplados “vergonha reintegrativa”
severas. Procede-se, a seguir, ao próxi- e “regulação responsiva” na edificação da
mo nível da pirâmide, a dissuasão, que Justiça Restaurativa de John Braithwaite
corresponde a iniciativas mais incisivas passa, necessariamente, pelo exame dos
na coibição, englobando, geralmente, a componentes que conformam o conceito
maior parte das sanções administrativas de responsabilidade, com vistas a investi-
e civis, além, talvez, das criminais não gar de que forma tais componentes
privativas de liberdade. Caso falhe tam- foram realocados no interior desse con-
bém a dissuasão, chega-se ao cume da ceito pelas noções apresentadas pelo teó-
pirâmide regulatória, com a incapacita- rico australiano. Vale, aqui, remontar à
ção, que abrange medidas como a prisão definição de responsabilidade de Klaus
e a revogação de licenças, por exemplo. Günther (Responsabilização na sociedade
Se o insucesso de uma determinada rea- civil. Tradução de Flávia Püschel. Revista
ção ocorre quando as vantagens auferi- Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 63, p.
das com a violação excedem as desvanta- 105-118, jul. 2002), segundo o qual a
gens impostas pela resposta legal, é responsabilidade é a vinculação de uma
necessária a escalada da pirâmide até dada ação ou omissão a um sujeito deter-
que a obediência seja a opção mais racio- minado, realizada por outrem ou perante
nal. Dessa maneira, os recursos necessá- outrem. Desse conceito extraem-se um
rios a uma resposta mais interventiva, e componente individual, que Günther
mais custosa, são resguardados para uma chama de “estrutura formal”, consistente
minoria de casos em que ela é realmen- na imputação de um fato a um indivíduo
te imperiosa e, ademais, a intervenção é específico que suporta as suas conse-
tida como mais legítima, pela oportuni- qüências, e um componente social, que
dade de participação na estipulação da Günther denomina “função social”, eis
solução mais adequada, quando da deli- que a imputação é sempre levada a cabo
beração ocorrida na base da pirâmide. pela sociedade ou, mesmo quando é rea-
A escalada na pirâmide regulatória é lizada pelo próprio indivíduo, dá-se,
acompanhada pela idéia de inexorabilida- invariavelmente, perante o grupo social
de. A justiça penal há de ser permeada (2002, p. 108). Dada essa dupla dimen-
pela noção de invencibilidade, o que são, a responsabilidade, para Günther,
importa que a intervenção estatal, seja opera, via de regra, de modo pendular,
qual for a modalidade tentada, imponha- pelo qual a imputação oscila entre indiví-
se como certa e inescapável. A prática de duo e sociedade, recaindo ora sobre o
um crime deve implicar, invariavelmen- sujeito, ora sobre elementos externos a
te, a abertura da ante-sala da persuasão, ele, sejam as circunstâncias, o acaso, pes-
seguida da convicção de que, uma vez soas outras ou a sociedade mesma.
fracassada, sucederão, implacáveis, os A fim de que a responsabilidade
estágios da dissuasão e da incapacitação. não sobrecarregue nem o indivíduo,
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