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A JUSTIÇA RESTAURATIVA DE JOHN BRAITHWAITE:


VERGONHA REINTEGRATIVA E REGULAÇÃO RESPONSIVA

Juliana Cardoso Benedetti

RESENHA
BRAITHWAITE, JOHN. CRIME, SHAME AND REINTEGRATION.
NEW YORK: CAMBRIDGE UNIVERSITY, 1999.
BRAITHWAITE, JOHN. RESTORATIVE JUSTICE AND RESPONSIVE
REGULATION.
NEW YORK: OXFORD UNIVERSITY, 2002.

Em meio ao crescente volume de fundamentação mais sólida à Justiça


obras dadas ao tema da Justiça Restaurativa. Isso porque, embora não
Restaurativa que inundam, hoje, a dis- deixe, a exemplo dos demais autores que
cussão sobre modelos alternativos de cuidam do assunto, de se preocupar com
justiça penal, o trabalho de John a enunciação genérica de valores e prin-
Braithwaite, professor da Australian cípios de índole restaurativa, Braithwaite
National University (ANU), em encara a Justiça Restaurativa, sobretudo,
Canberra, destaca-se, comparativamen- como um método mais eficaz de contro-
te, por revestir-se de um grau de elabo- le do crime do que a justiça penal tradi-
ração teórica um tanto mais elevado. Em cional, referida, via de regra, como
um cenário em que são escassas as for- Justiça Retributiva. Por esse motivo,
mulações que logram ultrapassar a mera lança-se à tarefa pragmática de arquitetar
apologia militante e a simples descrição uma Justiça Restaurativa calcada em con-
de experiências concretas, John ceitos que, realmente, assegurem um
Braithwaite assume o desafio de conferir adicional de eficiência na persecução
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penal em relação ao sistema penal atual. identidade o rótulo que lhe é conferido
A contribuição original de Braithwaite e, assim, assumir em definitivo o papel
na construção da Justiça Restaurativa social de criminoso. A intervenção
repousa sobre dois pilares, a “vergonha penal, força motriz do perverso proces-
reintegrativa” e a “regulação responsiva”, so de etiquetamento, é, então, refutada
conceitos responsáveis, precisamente, pelo labeling approach, que reputa menos
pelo satisfatório funcionamento de um prejudicial a “prudente não-interven-
modelo de justiça de cunho restaurativo. ção”. Braithwaite acredita que o ato de
Além, é claro, de apresentar essas noções inculcar vergonha no indivíduo, por
em suas linhas gerais, cumpre-nos aqui meio de sinais de reprovação social
compreender de que modo elas se arti- indutivos de um sentimento de culpa, é
culam entre si e, juntas, compõem a um potente mecanismo de controle do
visão bastante particular de John crime e, nesse sentido, identifica como
Braithwaite sobre a estruturação da uma falha do labeling approach o fato de
Justiça Restaurativa. Atentando para a essa perspectiva ter se ocupado somen-
articulação entre a “vergonha reintegra- te da face negativa da vergonha presen-
tiva” e a “regulação responsiva”, será pos- te no processo de etiquetamento e,
sível, a seguir, identificar algumas das assim, não haver vislumbrado outra
repercussões da Justiça Restaurativa solução que não a simplista não-inter-
esboçada por John Braithwaite a respeito venção. Em oposição à estigmatização
da responsabilidade penal. apontada pelo labeling approach, a qual
Na obra Crime, shame and reintregra- identifica como uma forma de “vergo-
tion (1999), publicada originalmente nha desintegrativa”, que tende a isolar o
em 1989, Braithwaite, a partir da conju- indivíduo da comunidade e induzi-lo ao
gação de diversas teorias criminológi- crime, ele propõe uma “vergonha rein-
cas, propõe um novo método de contro- tegrativa”, na qual a manifestação de
le do crime, fundado na noção de “ver- reprovação social é seguida de atos de
gonha reintegrativa”, segundo a qual o reaceitação, que interrompem a assimi-
ato de inculcar vergonha no indivíduo lação do papel social de criminoso e,
teria o condão de, ao mesmo tempo, por via de conseqüência, impedem a
coibir o crime e promover a reintegra- reincidência. Conforme Braithwaite,
ção do ofensor. Na análise das várias uma vez posta em prática, a “vergonha
correntes criminológicas realizada por reintegrativa” pode atuar até mesmo de
Braithwaite, merece destaque o labeling forma preventiva, em vista da função
approach, ou teoria do etiquetamento, pedagógica exercida sobre os indivíduos
consoante a qual, em apertada síntese, a da comunidade que presenciem expe-
estigmatização de um indivíduo ocasio- riências de “vergonha reintegrativa”
nada pela sua definição como criminoso protagonizadas por outrem, moldando a
precipita a sua desviação secundária, eis consciência coletiva de modo a inibir a
que o indivíduo tende a incorporar à sua detonação do crime.
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Existem, no entanto, circunstâncias social. Há, no entanto, crimes em que


que condicionam a efetividade da “ver- tal consenso é mais evidente que em
gonha reintegrativa”. Ainda no esforço outros: os chamados “crimes predató-
de distanciar-se do labeling approach, a rios”, identificados como aqueles em
fim de apontar para uma nova direção, que o ofensor ataca uma pessoa como a
Braithwaite refuta a visão conflitual da uma presa e associados, em termos
sociedade subjacente à teoria do etique- legais, aos crimes contra a pessoa e con-
tamento, para presumir a existência de tra a propriedade. Para que a “vergonha
um consenso social em torno da repro- reintegrativa” seja exercida regularmen-
vação de determinados delitos. te pela comunidade, é preciso que este-
Conforme o labeling approach, o crime ja bem sedimentada entre os seus mem-
não tem existência autônoma, isto é, bros a reprovabilidade social da conduta
independente da intervenção das insti- praticada, o que só ocorre, justamente,
tuições de controle social. Por assim no que toca aos “crimes predatórios”.
dizer, um comportamento só pode ser Não havendo consenso em torno da
tido como um crime quando for assim reprovabilidade da conduta, as even-
definido pelas instâncias de reação tuais e débeis manifestações de desapro-
social ao crime, de acordo com regras vação serão insuficientes para o recal-
estatuídas em um processo político, em que da vergonha e, conseqüentemente,
que diversos interesses entram em con- para a ignição do ritual de reaceitação.
fronto. Braithwaite despreza tal confli- Daí o próprio John Braithwaite reco-
to, defendendo que o elemento prepon- nhecer que a validade de sua teoria
derante para a compreensão do crime sobre a “vergonha reintegrativa” está
não é a definição, resultante do embate circunscrita a essa categoria de crimes
político, atribuída pelas instâncias de em que o consenso encontra-se mais
controle do crime a um dado compor- decantado, ou seja, aos denominados
tamento, mas, na verdade, o consenso “crimes predatórios”.
impregnado na sociedade quanto à cri- Também se colocam como fatores
minalização de certas condutas. imprescindíveis para o satisfatório fun-
Segundo ele, o indivíduo sabe bem que cionamento da “vergonha reintegrativa”
cometeu um crime mesmo quando a sua a interdependência, qualidade dos indiví-
conduta não chega ao conhecimento das duos que integram redes sociais em que
instâncias de reação social e não é, se estruturam relações de dependência
assim, por elas processada como tal. recíproca, e o comunitarismo, qualidade
Isso porque existe, para Braithwaite, da comunidade que contém redes de
um consenso, do qual também partilha interdependência densas e conectadas
o ofensor, em torno da reprovação de por valores de auxílio e confiança
determinados comportamentos, inde- mútuos. Embora possa o Estado exercer
pendentemente da definição a eles um papel importante na detonação
reservada pelos órgãos de controle da “vergonha reintegrativa”, quando
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persegue criminalmente um indivíduo e A teoria da “vergonha reintegrativa”


dá sinais, pela dosimetria da pena, do não é, porém, como faz crer
grau de reprovação do crime, é nas mãos Braithwaite, uma mera explicação para a
da comunidade que se encontra a maior eficácia da Justiça Restaurativa. Ela é sua
responsabilidade, pois é dela que verda- própria condição de efetividade. Essa rela-
deiramente emana o consenso em torno ção fica clara quando, examinada a
da desaprovação. Ademais, é ela quem se noção de “regulação responsiva”, perce-
incumbe da reaceitação do ofensor. be-se que ela apenas pode ser sustentada
Tanto é assim que, embora venha a se presentes os pressupostos da “vergo-
reformular sua proposta posteriormen- nha reintegrativa”.
te, dentro da moldura da “regulação res- Na obra Restorative Justice and respon-
ponsiva”, Braithwaite chega a sugerir sive regulation, Braithwaite sugere que ao
um procedimento no qual, depois de Estado seja dada a possibilidade de
realizado o processo formal do Estado, modular a sua atuação de acordo com a
seja o caso devolvido à comunidade, necessidade de uma resposta mais ou
dando-se espaço à sua participação na menos interventiva para a coibição do
solução do problema. crime no caso concreto. A essa discricio-
Na obra Crime, shame and reintegration nariedade de decisão quanto à resposta a
(1999), Braithwaite não trata especifica- ser imposta, Braithwaite chama de
mente da Justiça Restaurativa. Mas, na “regulação responsiva”, opondo-a ao
proposição da “vergonha reintegrativa” “formalismo regulatório” hoje vigente,
como método mais eficaz de controle do que determina de antemão as respostas
crime do que a pretensão retributiva da cabíveis em cada situação, sem atenção
mera punição, conclui pela necessidade às circunstâncias concretas. A partir da
de um modelo de justiça direcionado a idéia de “regulação responsiva”,
soluções que envolvam a comunidade, Braithwaite constrói uma pirâmide
aproximando-se, assim, das diretrizes regulatória, que espelha a gradação das
restaurativas. É na obra Restorative Justice formas de reação estatal possíveis, das
and responsive regulation (2002), no menos às mais interventivas. Na base da
entanto, que John Braithwaite, debru- pirâmide está a persuasão, momento mais
çando-se de modo mais imediato sobre a aberto e receptivo da regulação, em que
Justiça Restaurativa, retomará a sua teo- a solução é deliberada pelas partes
ria da “vergonha reintegrativa” para envolvidas, incluindo o ofensor, a víti-
caracterizá-la como um subsídio consen- ma, a comunidade e o Estado. É no está-
tâneo à operacionalização de mecanis- gio da persuasão que tem lugar a Justiça
mos restaurativos de justiça, engatando a Restaurativa. A persuasão deve sempre
“vergonha reintegrativa” à Justiça ser o ponto de partida, devendo-se
Restaurativa ao elencá-la entre as teorias ascender a respostas mais interventivas
que explicam por que a Justiça somente nas situações em que ela não
Restaurativa funciona. obtiver êxito, à exceção dos casos em
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que, pela sua gravidade, seja aconselhá- A compreensão do modo pelo qual
vel valer-se desde logo de medidas mais estão acoplados “vergonha reintegrativa”
severas. Procede-se, a seguir, ao próxi- e “regulação responsiva” na edificação da
mo nível da pirâmide, a dissuasão, que Justiça Restaurativa de John Braithwaite
corresponde a iniciativas mais incisivas passa, necessariamente, pelo exame dos
na coibição, englobando, geralmente, a componentes que conformam o conceito
maior parte das sanções administrativas de responsabilidade, com vistas a investi-
e civis, além, talvez, das criminais não gar de que forma tais componentes
privativas de liberdade. Caso falhe tam- foram realocados no interior desse con-
bém a dissuasão, chega-se ao cume da ceito pelas noções apresentadas pelo teó-
pirâmide regulatória, com a incapacita- rico australiano. Vale, aqui, remontar à
ção, que abrange medidas como a prisão definição de responsabilidade de Klaus
e a revogação de licenças, por exemplo. Günther (Responsabilização na sociedade
Se o insucesso de uma determinada rea- civil. Tradução de Flávia Püschel. Revista
ção ocorre quando as vantagens auferi- Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 63, p.
das com a violação excedem as desvanta- 105-118, jul. 2002), segundo o qual a
gens impostas pela resposta legal, é responsabilidade é a vinculação de uma
necessária a escalada da pirâmide até dada ação ou omissão a um sujeito deter-
que a obediência seja a opção mais racio- minado, realizada por outrem ou perante
nal. Dessa maneira, os recursos necessá- outrem. Desse conceito extraem-se um
rios a uma resposta mais interventiva, e componente individual, que Günther
mais custosa, são resguardados para uma chama de “estrutura formal”, consistente
minoria de casos em que ela é realmen- na imputação de um fato a um indivíduo
te imperiosa e, ademais, a intervenção é específico que suporta as suas conse-
tida como mais legítima, pela oportuni- qüências, e um componente social, que
dade de participação na estipulação da Günther denomina “função social”, eis
solução mais adequada, quando da deli- que a imputação é sempre levada a cabo
beração ocorrida na base da pirâmide. pela sociedade ou, mesmo quando é rea-
A escalada na pirâmide regulatória é lizada pelo próprio indivíduo, dá-se,
acompanhada pela idéia de inexorabilida- invariavelmente, perante o grupo social
de. A justiça penal há de ser permeada (2002, p. 108). Dada essa dupla dimen-
pela noção de invencibilidade, o que são, a responsabilidade, para Günther,
importa que a intervenção estatal, seja opera, via de regra, de modo pendular,
qual for a modalidade tentada, imponha- pelo qual a imputação oscila entre indiví-
se como certa e inescapável. A prática de duo e sociedade, recaindo ora sobre o
um crime deve implicar, invariavelmen- sujeito, ora sobre elementos externos a
te, a abertura da ante-sala da persuasão, ele, sejam as circunstâncias, o acaso, pes-
seguida da convicção de que, uma vez soas outras ou a sociedade mesma.
fracassada, sucederão, implacáveis, os A fim de que a responsabilidade
estágios da dissuasão e da incapacitação. não sobrecarregue nem o indivíduo,
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vinculando-o ilimitadamente a toda canal de diálogo seja aberto e para que,


sorte de eventos, nem a sociedade, con- assim, seja exercitado o estágio da per-
centrando-se nela por meio da negação suasão, que o indivíduo seja previamen-
da autonomia humana, com a exclusão te responsabilizado, isto é, demonstre
da possibilidade de qualquer forma de alguma disposição de vincular-se ao
imputação individual, Günther sugere fato, por meio da assunção das conse-
uma “responsabilidade pela responsabili- qüências que a partir dele forem delibe-
zação” (2002, p. 112). Cuida-se de uma radas. Por assim dizer, ao se submeter à
proposta segundo a qual os indivíduos persuasão, o indivíduo fica, tacitamente,
avocam para si a atribuição de estipular obrigado a suportar o acordo que resul-
as condições e a medida da imputação, tar do processo deliberativo, ainda que
chegando a uma decisão coletiva sobre a conte com a vantagem de poder influir
responsabilidade, alcançada de maneira sobre ele, vinculando-se ao fato perante
deliberativa, como produto de um pro- outrem sem a necessidade de quaisquer
cesso comunicativo. considerações ulteriores a respeito das
O caráter eminentemente dialógico categorias tradicionais de culpa e dolo.
da Justiça Restaurativa, cujo esteio resi- Portanto, não obstante abra espaço
de, precisamente, na abertura de uma para a flexibilização do alcance da res-
via de comunicação entre vítima, ofen- ponsabilidade, ou seja, permita a discus-
sor, comunidade e Estado, parece, à pri- são das conseqüências deriváveis de uma
meira vista, consentâneo com uma tal dada ação ou omissão, a Justiça
proposta de “responsabilidade pela res- Restaurativa, fundada em uma idéia de
ponsabilização”. De fato, a introdução “regulação responsiva”, não põe em
de uma etapa de persuasão na base da pauta a determinação da responsabilidade,
pirâmide regulatória de Braithwaite, a qual está dada desde o início pela acei-
viabilizando uma situação de encontro, tação do indivíduo em submeter-se à
cria o locus perfeito para uma decisão persuasão. Por trás dessa aceitação,
partilhada sobre a atribuição da respon- encontra-se o espectro da inexorabilida-
sabilidade, que se afaste das soluções de da intervenção, que há de ocorrer a
antípodas centradas ora no indivíduo, qualquer custo, consinta ou não o indiví-
ora na sociedade. duo. Se no seio do sistema tradicional de
Entretanto, embora seja dada ao Justiça Retributiva a responsabilidade é
indivíduo e à sociedade como um todo, o produto de um processo realizado em
representada pela vítima, pela comuni- contraditório, no qual a imputação e a
dade e, em última instância, pelo não-imputação digladiam-se até que
Estado, a possibilidade de discutir a res- uma se sobreponha sobre a outra, na
posta mais adequada ao caso concreto, Justiça Restaurativa, a responsabilidade
como supõe a prática de uma “regulação é alçada como condição sine qua non da
responsiva” ancorada na idéia de pirâmi- realização do próprio processo restaura-
de regulatória, é necessário, para que o tivo, que não chega a se desenrolar se
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não há prévia vinculação do sujeito ao exercício de sua função pedagógica,


fato perante outrem, nos termos de quando estimula o indivíduo a replicar
Günther. Assim, a discussão a respeito os exemplos de “vergonha reintegrativa”
da determinação da responsabilidade, que já presenciou.
isto é, se é ou não possível haver impu- O consenso pressuposto por
tação no caso concreto, é excluída da Braithwaite como condição de efetivida-
deliberação, eis que premissa do início de da sua teoria sobre a “vergonha rein-
do próprio processo deliberativo. A sub- tegrativa” igualmente recai sobre o indi-
missão de um indivíduo, ainda que víduo. Se a sociedade não é conflitual –
voluntária, a um processo restaurativo, ao contrário, está imersa em um consen-
embora possa passar ao largo da questão so inquebrantável, sobre o qual se funda
da culpa – tal como ocorre também nos a reprovabilidade dos chamados “crimes
modelos inspirados no nolo contendere (o predatórios” –, então a dimensão pro-
“não quero litigar”) –, significa, implici- blemática da situação há de ser buscada
tamente, a aceitação de alguma forma de não na sociedade, perfeitamente coesa,
responsabilidade, a qual fica fora da mas no indivíduo, que, com sua atitude
esfera do deliberável. isolada, fratura a harmonia social. A
Nesse ponto, então, o pêndulo da intervenção centrada unicamente no
responsabilidade inclina-se sobre o indi- indivíduo, adquire assim justificação.
víduo. Se, pela inexorabilidade latente à A “vergonha reintegrativa”, portan-
intervenção, a imputação é indispensá- to, não se integra à Justiça Restaurativa
vel para a ignição dos mecanismos res- simplesmente como uma teoria que
taurativos de justiça e se ela é dada pela explica o seu êxito. Dela depende a pró-
submissão do indivíduo à persuasão, é pria efetividade da “regulação responsi-
preciso, para a efetividade de uma va” sobre a qual se assenta a Justiça
Justiça Restaurativa estruturada na base Restaurativa de John Braithwaite, à
da pirâmide regulatória, que esse indiví- medida que predispõe o indivíduo a
duo esteja disposto a ser o artífice da consentir com a vinculação necessária à
própria responsabilização. Faz-se neces- abertura do canal da persuasão. A articu-
sário, então, que o pendor para a auto- lação entre “vergonha reintegrativa” e
imputação seja internalizado pelo sujei- “regulação responsiva”, enfim, tem
to, o que na teoria de Braithwaite é pro- repercussões bastante significativas
movido justamente pela “vergonha rein- sobre a maneira pela qual se encara a
tregrativa”. A vergonha incrustada no responsabilidade penal. Se examinada
ânimo do indivíduo, na qual vem embu- com cuidado, uma das construções mais
tido um desejo de reintegração, é que bem acabadas sobre a Justiça
conduz à aceitação de alguma forma de Restaurativa, como é a de John
responsabilização. De modo análogo, a Braithwaite, pode precipitar efeitos bas-
“vergonha reintegrativa” também se tante perversos sobre a responsabilidade
mostra indutiva da auto-imputação no penal, inviabilizando a discussão sobre a
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sua determinação e sobrecarregando o alcance da responsabilidade e ao papel da


indivíduo. É válido aproveitar, no entan- comunidade, tomando-se esses méritos
to, as potencialidades do modelo restau- como pontos de partida para uma teori-
rativo de Braithwaite no que toca à pos- zação verdadeiramente emancipadora da
sibilidade de deliberação quanto ao Justiça Restaurativa.

Juliana Cardoso Benedetti


A SSISTENTE DE P ESQUISA DA E SCOLA DE D IREITO DE S ÃO PAULO
DA F UNDAÇÃO G ETÚLIO VARGAS (D IREITO GV)

P ESQUISADORA DO N ÚCLEO D IREITO E D EMOCRACIA DO C EBRAP

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